IXTLI: Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación - Vol. 1 Num. 1

October 11, 2017 | Autor: I. Revista Latino... | Categoría: Philosophy, Education, Pedagogy, Filosofía, Educaion, Pedagogia
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Descripción

ISSN 2408-4751

IXTLI Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação Volúmen 1 - Número 1 2014

Publicación de la Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación, A.C. Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação, A.C. ALFE

Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação ISSN 2408-4751 Volúmen 1 - Número 1 2014

Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación, A.C. Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação, A.C.

ALFE

ASOCIACIÓN LATINOAMERICANA DE FILOSOFÍA DE LA EDUCACIÓN, A.C. - ALFE ASSOCIAÇÃO LATINOAMERICANA DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO, A.C. - ALFE JUNTA DIRECTIVA / COMITÊ GESTOR 2013-2015 Presidencia: Samuel Mendonça Pontifícia Universidade Católica de Campinas – Brasil Secretaria: Natalia Sánchez Corrales Universidad de La Salle - Colombia Tesorero: Juan Martín López Calva Universidad Popular Autónoma del Estado de Puebla - México Organizador nuevo Congreso 2015: Renato Huarte Cuellar Universidad Nacional Autónoma de México- México Organizadora del Congreso pasado 2013; Andrea Díaz Universidad de la República - Uruguay Vocales: Marisa Meza Pontificia Universidad Católica de Chile – Chile

Eduardo Gabriel Molino Instituto de Educación Superior Alicia M. de Justo - Argentina

http://alfe-filosofiadelaeducacion.org [email protected]

Próximamente / em breve...

Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación, A.C. Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação, A.C.

ALFE

IXTLI - REVISTA LATINOAMERICANA DE FILOSOFÍA DE LA EDUCACIÓN REVISTA LATINO-AMERICANA DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO ISSN 2408-4751

COMITÉ EDITORIAL / COMITÊ EDITORIAL: Alexandre Filordi de Carvalho, Universidade Federal de São Paulo, Brasil. Angela Santi, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. Eduardo Gabriel Molino, Instituto de Educación Superior A.M. de Justo, Argentina. Jesús Ernesto Urbina Cárdenas, Universidad Francisco de Paula Santander, Colombia. Leopoldo Arteaga, Universidad Ricardo Palma, Perú. Samuel Mendonça, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil.

Contacto con / Contato com IXTLI en: www.revista.ixtli.org [email protected]

IXTLI

Ixtli: Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación es una publicación latinoamericana, arbitrada, electrónica, de frecuencia semestral, de acceso gratuito, que sirve como espacio de diálogo crítico acerca de asuntos educativos desde un abordaje filosófico, indagando sobre los problemas conceptuales y de sentido en la educación. Publica artículos originales de investigación filosófica que no hayan aparecido en otras revistas o medios de divulgación, después de un proceso doblemente ciego de evaluación. Es de interés para investigadores en filosofía de la educación, investigadores educativos en general, y personas que trabajan o se interesan por la educación en sus múltiples dominios de acción. Ixtli: Revista Latino-americana de Filosofia da Educação é uma publicação latino-americana, arbitrada, eletrônica, de frequência semestral, de acesso gratuito, que serve como espaço de diálogo crítico acerca de temas da educação a partir de uma perspectiva filosófica, indagando sobre os conceitos e os sentidos da educação. Publica artigos originais de pesquisa filosófica que não tenham sido publicados outras revistas ou meios de divulgação, depois de um processo duplo cego de avaliação. É de interesse de pesquisadores em filosofia da educação, pesquisadores da educação em geral e pessoas que trabalhem ou se interessem pela educação em seus múltiplos campos de atuação.

IXTLI - VOLÚMEN 1 - NÚMERO 1 - 2014 ISSN 2408-4751 SUMARIO / CONTEÚDO: Presentación de la revista. p. 11 ARTÍCULOS / ARTIGOS: 1. Arriaga Juárez, A. Evaluación Analógica del aprendizaje. p. 13 2. Marcondes, O. Filosofia e educação no pensamento de Leopoldo Zea. p. 33 3. Perozzi, B. Relações entre ética burguesa e o esvaziamento da Erfahrung em contextos de unidimensionalidade do pensamento e do comportamento. p. 55 4. Novaes, M. Experimentação em sala de aula, currículo imanente e o pensamento da diferença a filosofia como prática de formação de professores. p. 69 5. Fernandes Weber, J. A relação entre a meditação heideggeriana sobre a essência da técnica e o tema do Cuidado (Sorge). p. 89 6. Ducci, Juliana. Teoria Crítica, Educação e Filosofia: pensando relações. p. 107 RESEÑAS / RESENHAS: 1. Primer Congreso Latinoamericano de Filosofía de la Educación. p. 127 AVISOS / ANÚNCIOS: 1. Tercer Congreso de Filosofía de la Educación - ALFE - 2015. p. 131 CRITERIOS EDITORIALES / CRITÉRIOS EDITORIAIS. p. 138 1. Políticas de IXTLI. 2. Envío de trabajos. Normas para autores.

IXTLI - Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación Volúmen 1 - Número 1 - 2014

pp. 9-10

Apresentação da Revista Ixtli Ixtli é uma revista de filosofia da educação da América Latina, acadêmica, arbitrada, de acesso gratuito. Trata-se de periódico da Associação Latino-americana de Filosofia da Educação - ALFE. O nascimento desta nova publicação coincide, de certo modo, com o nascimento da referida Associação. Afinal, um dos propósitos da ALFE é justamente o de divulgar os conhecimentos de filosofia da educação da América Latina. Neste sentido, desde a fundação da ALFE, ainda no ano de 2010, já se tinha o desejo de construção de uma revista eletrônica. A edificação de uma nova revista demanda muito esforço e trabalho e, no caso de um periódico internacional, que envolve pesquisadores da América Latina, o trabalho se intensifica. A comunicação realizada entre os membros do comitê editorial tem ocorrido de forma eletrônica ou por reuniões também virtuais. Mesmo com os desafios que envolvem o contato com os autores, a interlocução com os avaliadores ah hoc em contínuo diálogo com os editores, conseguimos publicar o nosso primeiro número em 2014. O compromisso da Associação era o de publicação do primeiro número no ano de 2012, antes da realização do II Congresso Latino-americano de Filosofia da Educação. No entanto, por problemas de gestão da revista, este desejo não se realizou como gostaríamos. De qualquer forma, o que apresentamos ao público tem o caráter de confirmar o compromisso firmado publicamente na publicação periódica dos números da Revista e, por certo, Ixtli terá ao menos duas funções essenciais: (i) de um lado, os pesquisadores de filosofia da educação da América Latina terão espaço para a interlocução com os autores e (ii) a publicação de cada número vai significar a construção de uma série que passará a ser fonte segura de investigações daquilo que se pesquisa e se discute em torno da filosofia da educação na América Latina. ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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Ixtli significa rosto e, citando o Dicionário de Filosofia Latino-americana da Universidade Nacional Autônoma do México - UNAM “ixtli conota a fisionomia moral do ser humano, a manifestação de um eu que se tem adquirido pela educação e caracteriza a natureza mais íntima do eu original de cada pessoa”. Desta forma, “o ideal supremo da educação é a Ixtlamachiliztli, ‘ação de dar sabedoria para o rosto’”. O processo de avaliação de artigos, por pares, garante a publicação de textos inéditos e relevantes sobre a filosofia da educação na América Latina. A busca por qualificação e indexação internacional dizem respeito a metas da gestão da Revista e aproveitamos a oportunidade para solicitar aos filiados da ALFE e interessados ampla divulgação deste novo veículo de publicação de conhecimento crítico e dialógico que envolve a filosofia da educação na América Latina.

Prof. Dr. Samuel Mendonça Presidente da ALFE (2011-2013/2013-2015) Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas

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ARTÍCULOS - ARTIGOS

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pp. 13-30

Evaluación analógica del aprendizaje Alfonso Arriaga Juárez Academia de Filosofía en el Instituto de Educación Media Superior del Distrito Federal [email protected] Licenciado en Filosofía y Maestro en Humanidades por la Universidad.Autónoma Metropolitana. Maestro en Docencia para la Educación Media Superior (MADEMS) por la Universidad Nacional Autónoma de México. Líneas de trabajo: Filosofía de la Educación, Didáctica de la Filosofía, Filosofía de la Ciencia, Hermenéutica Analógica, Filosofía de la Mente.

Resúmen - Resumo - Abstract La evaluación de los aprendizajes es quizá, el elemento más relevante del proceso de enseñanza-aprendizaje pues alguien que no es capaz de saber cuáles son sus propias fortalezas o debilidades es una persona que difícilmente puede aprender algo, por lo cual es necesario reflexionar profundamente sobre este elemento del proceso educativo. Desafortunadamente, este elemento es obviado en la gran mayoría de las propuestas, teorías o perspectivas epistémicas que con respecto al tema educativo se plantean por especialistas y docentes. Lo anterior tiene como consecuencia que tanto los docentes como los teóricos se repliegan a extremos inaceptables a la

A avaliação das aprendizagens é, talvez, o elemento mais relevante do processo de ensino-aprendizagem, pois alguém que não é capaz de saber quais são suas próprias forças ou deficiências é uma pessoa que dificilmente pode aprender algo, motivo pelo qual é necessário refletir profundamente sobre este elemento do processo educativo. Infelizmente, este elemento é ignorado na grande maioria das propostas, teorias ou perspectivas epistemológicas no que diz respeito à questão educacional levantada por especialistas e docentes. Isto tem como consequência o fato de que tanto os docentes como os teóricos se voltam a extremos inaceitáveis na hora de estabelecer e aplicar

The evaluation of learning is perhaps, the most important element of the teaching-learning process then someone who is unable to know what your own strengths and weaknesses is a person who can hardly learn something, therefore it is necessary to think deeply about this element of the educational process. Unfortunately, this element is ignored in most of the proposals, epistemic theories or perspectives on the issue of education are treated by specialists and teachers. The consequence is that both teachers and theorists to unacceptable extremes retract when establishing and implementing the various proposals on the evaluation: or it has a rigid assessment

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hora de establecer y aplicar las diferentes propuestas sobre la evaluación: o bien se tiene una evaluación rígida que pretende la objetividad y que, bajo la propuesta que aquí se presenta es llamada univocista, o bien se establece una evaluación extremadamente subjetiva, sin criterios y relativista que aquí se denomina equivocista. En ambos casos, el propósito de la evaluación se pierde, razón por la cual aquí se presenta una alternativa, una evaluación sustentada en la hermenéutica analógica, la cual establece una evaluación equilibrada, proporcional m ediada por el diálogo intersubjetivo.

as diferentes propostas de avaliação: ou bem se tem uma avaliação rígida, que pretende a objetividade e que, pela proposta que aqui se apresenta, é chamada de univocista, ou bem se estabelece uma avaliação extremamente subjetiva, sem critérios e relativista, que aqui se denomina equivocista. Em ambos os casos, o propósito de avaliação se perde, razão pela qual aqui se apresenta uma alternativa, uma avaliação sustentada na hermenêutica analógica, que estabelece uma avaliação equilibrada, proporcionalmente mediada pelo diálogo intersubjetivo

seeks objectivity and that, under the proposal presented here is called univocal, or establishing a highly subjective assessment, no criteria or multiple criteria and relativistic referred to here as equivocal. In both cases, the purpose of the evaluation is lost, which is why an alternative presented here, an assessment supported by analog hermeneutics, which provides a balanced assessment, proportional mediated intersubjective dialogue.

Palabras Clave: Evaluación, Analogía, aprendizaje, Hermenéutica, Hermenéutica Analógica. Palavras-chave: Avaliação, analogia, aprendizagem, Hermenêutica, Hermenêutica Analógica Keywords: Evaluation, analogy, learning, Hermeneutics, Hermeneutics Analog.

Recibido: 19-04-2013

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Aceptado: 28-05-2013

Para citar este artículo: Arriaga Juárez, A. (2014). Evaluación Analógica del aprendizaje. Ixtli. Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación. 1(1). 13-30 IXTLI - Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

Evaluación analógica del aprendizaje “Si yo no ardo… Si tú no ardes… ¿Quién iluminará esta obscuridad?” #Yo Soy 132 Como es bien sabido, de todos los elementos que componen el proceso de enseñanza-aprendizaje, la evaluación es el más complejo, pues en ella se intentan establecer los parámetros o criterios a través de los cuales se formularán los juicios acerca del desarrollo cognitivo de los discentes, así como de sus habilidades y actitudes académicas. Este procedimiento es de vital importancia para el adecuado desarrollo cognitivo y emocional de los estudiantes, pues la evaluación puede impactar negativamente en su autoestima; es por eso que si no se tiene una idea clara de lo que significa e implica la evaluación se corre el riesgo de caer en alguna de las dos trampas: a) se establecen criterios rígidos por parte del profesor que dejan de lado las características propias y particulares de cada estudiante, convirtiéndolo en un objeto que está sometido a un control de calidad a partir de criterios homogeneizadores, que impiden la creatividad e inventiva, así como la autonomía del estudiante. b) los criterios son tan laxos o ambiguos que en ningún momento se sabe qué se está evaluando, y al final se realiza un juicio basado en creencias y posturas extremadamente subjetivas por parte del profesor, cuando no en simpatías personales. Por tal motivo, es de llamar la atención que en la mayoría de los tratados pedagógicos, didácticos y disciplinares, la evaluación se tome como un proceso simple y mecánico del cual se reflexiona poco, y se prescribe a través de instrumentos rígidos o de criterios tan laxos que dan la idea de que cualquier cosa puede ser válida para la evaluación de los aprendizajes. Además de la problemática anterior, existe una grave confusión generalizada entre evaluación y medición, lo cual nos lleva a un problema mayor: si la evaluación es por definición cualitativa cómo es posible incorporar elementos ALFE - Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación

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cuantitativos, esto es, cómo es posible medir los juicios de valor y representar el resultado de esta medición-evaluación de forma numérica. Como puede observarse, los problemas en torno a la evaluación son complejos y variados y su resolución es de vital importancia pues, de lo contrario, el proceso de enseñanza-aprendizaje quedará incompleto, trunco; de tal forma que no se podrá tener certeza con respecto a si las acciones y procedimientos aplicados han resultado efectivos o no. Por tal motivo, en el presente trabajo se intenta proponer una vía alternativa que dé respuesta satisfactoria a las problemáticas antes planteadas, a través de una propuesta de evaluación analógica, misma que se fundamenta en la concepción Hermenéutica Analógica de la Pedagogía de lo Cotidiano. Para tal efecto, primero expondré, de manera sucinta, las principales características de la Hermenéutica analógica, así como de la Pedagogía de lo Cotidiano. Posteriormente, se presentarán las implicaciones éticas pues “lo que se enseña y la forma en que se enseña en la escuela, implica toda una responsabilidad moral” (Monroy, 2006, p.148). Por último, se propone una evaluación analógica que evite caer en la univocidad, así como en el equivocismo. I. Hermenéutica Analógica La hermenéutica tiene como finalidad la interpretación de textos tanto los escritos como aquellos que están más allá de la palabra o el enunciado, y en los que se pueden hallar más de un sentido, es por eso que el objetivo de la hermenéutica es la interpretación comprensiva, misma que está mediada por la contextuación.

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De esta forma, la función principal de la hermenéutica es poner al texto en su contexto y así, evitar la incomprensión que surge de descontextualizar. Para lograr este objetivo, el acto hermenéutico debe ser guiado por tres momentos: el del significado intertextual (sintaxis), el del significado textual (semántica), y el del significado contextual (pragmática). Así pues, el texto posee un significado que tiene una intencionalidad que va dirigido a un destinatario o auditorio. Ahora bien, el proceso interpretativo inicia con una pregunta, seguido de una respuesta interpretativa o juicio al que se le denomina hipótesis o tesis. Se verificará si ésta se cumple efectivamente, a través de razonamientos tanto IXTLI - Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

abductivos, de conjetura y refutación como hipotéticos-deductivos; los cuales constituyen la argumentación interpretativa, dado que las premisas serán el cumplimiento de las conjeturas o condiciones que hagan llegar a la conclusión que será la hipótesis ya inferida o probada. El problema principal con este procedimiento es que la interpretación puede deslizarse hacia extremos incompatibles: “en la interpretación univocista se defiende la igualdad de sentido, en la equivocista, la diversidad” (Beuchot, 2009, p. 46). El problema con el primer tipo de interpretación es que sostiene que sólo hay una interpretación válida y que las demás son incorrectas; en el segundo caso, predomina la subjetividad y el relativismo. Para no caer en los extremos se propone una mediación analógica en donde se evita que las interpretaciones sean inconmensurables o equivocas; además, se impide que todas tengan que ser idénticas porque sólo una es la válida (univocismo). Así pues, no se trata de sostener una única interpretación como válida, sino varias pero acotadas, con límite, con criterios que permitan establecer cuáles de ellas se acercan más a la verdad y cuáles se alejan de ella. De esta forma, se podrán comparar interpretaciones salvando el univocismo, pero estableciendo los grados de acercamiento a la verdad para prescindir también del equivocismo relativista. Para tal propósito, esto es, para determinar el segmento de interpretación que semióticamente se acerca a la verdad, se debe tener en cuenta el contexto “el marco de referencia que el hombre recibe sobre todo de la comunidad, en el diálogo interpretativo entre los intérpretes.” (Beuchot, 2009, p.47) De esta forma, es posible que existan varias interpretaciones aceptables, pero con diferentes niveles de validez que el interprete tiene que determinar en la medida en que sea capaz de rescatar la intención del autor, siendo así la intencionalidad el criterio de verdad o de validez interpretativa. Así pues, las diversas interpretaciones se deben dirigir a descubrir la intencionalidad del autor, cosa que, aunque sabemos que no es posible al cien por ciento nos servirá de ideal regulativo. De tal forma que, las diversas interpretaciones se relacionan unas con otras con arreglo a la proporción de sentido que subyace en el texto, no obstante, no todas las interpretaciones tienen el mismo valor pues éste dependerá del rango de adecuación al texto. Los rangos se determinan a partir de: 1. aceptación de la mayoría de los expertos o especialistas de la disciALFE - Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación

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plina o época 2. capacidad de persuasión tanto a expertos como a especialistas De esta forma, se accede a la objetividad a través del diálogo intersubjetivo, ya que al presentar una interpretación a la crítica de los que conforman la comunidad interpretativa se genera un diálogo en el que se puede decidir si la interpretación es válida o no. Ahora bien, “con el fin de lograr esa interpretación diferenciada, matizada, no simplista sino compleja o rica, se hará uso frecuente de la distinción” (Beuchot, 2009, p.55) la cual es usada para evitar la equivocidad y encontrar una interpretación intermedia, moderada, congruente y consistente y este es el aspecto fundamental de la phrónesis. Como podemos observar, la interpretación analógica es fruto del diálogo, de la sutileza y de la prudencia, pues al analizar y someter a la crítica todas las interpretaciones evitamos caer en el equívoco de dar por válidas todas, pero también evitamos la rigidez de una sola interpretación al jerarquizar y establecer criterios mínimos que nos permitan percatarnos de cuál es la interpretación más adecuada, más equilibrada, es decir, analógica. Una vez expuestos los principios fundamentales de la Hermenéutica Analógica, pasaré a establecer su aplicación en el terreno educativo. II. La Hermenéutica Analógica de la Pedagogía de lo Cotidiano La Hermenéutica Analógica es una sistematización categorial para darle sentido o significado al mundo, a la vida y a la historia, de manera proporcional, equilibrada, relativa, cauta y realista, es por eso que la enseñanza educativa que propone tiene como principal objetivo desarrollar seres humanos virtuosos. Por lo anterior, el docente debe ser también virtuoso ya que, quiera o no, se convierte en el paradigma del estudiante, esto es, su proceder es significativo, su mostrar dice. Es por ello que el educador debe mostrar tanto un comportamiento moral como ejecutivo que promueva la conformación de virtudes.

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Así pues, desde la perspectiva de la Hermenéutica Analógica, no basta con el mostrar del educador, sino que además debe haber algunas reglas (muy pocas) que permitan a este tipo de enseñanza una aproximación ni equívoca ni unívoca, sino analógica. Tales reglas serían las siguientes: IXTLI - Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

1) El principal objetivo de la educación es desarrollar virtudes en los seres humanos. 2) El educador que pretenda educar en virtudes, deberá mostrarlas en su comportamiento para una mejor asimilación del estudiante, esto es, el educador será el paradigma del educando. 3) La virtud es una disposición adquirida en el diálogo, principalmente entre educador y educando. 4) El educador comienza conduciendo al educando a la comprensión de los principios fundamentales de esa disciplina y le va enseñando a deducir, a partir de ellos, conclusiones dentro de esa disciplina y a seguir con hábito seguro las reglas pertinentes. 5) Al estudiante no sólo se le informa, sino se le forma en el hábitocualidad (el cual es virtud) de operar de acuerdo con lo que en ese saber se hace, siguiendo las reglas que les son propias. 6) Sin una aceptable noción de realidad y de verdad, lo que se enseñe al educando, de cualquier nivel que sea, será algo vacío y desprovisto de significado humano para su propia vida. (cf. Beuchot y Primero, 2003) Es precisamente de este último punto, de donde surge la propuesta de una Pedagogía de lo cotidiano, pues en ella no sólo se quiere abarcar lo relativo a la escuela, sino también a otros ámbitos de la vida, ya que los ejemplos y aplicaciones en ésta llevan a una mejor comprensión de la teoría, si se ilustra en la práctica. De esta forma, la hermenéutica analógica aplicada a la educación trata de evitar el univocismo de la educación cientificista o intelectualista, puramente positivista, y el equivocismo de una educación llevada al tanteo sin una adecuada guía racional. Lo que busca la Hermenéutica Analógica es una educación integral, que abarque tanto el aspecto intelectivo como el emotivo, esto es, una educación de los conocimientos y de los sentimientos. Esta pedagogía tiene dos supuestos principales: el primero es la concepción que se tiene del ser humano como un núcleo de intencionalidades, una consciente y otra inconsciente. El primer tipo de intencionalidad es la que se refiere al conocimiento racional; el segundo tipo, en contraste, es la parte ALFE - Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación

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relacionada a las pasiones o a los sentimientos. Lo cual nos lleva al segundo supuesto: si el ser humano es consciente y racional, se concibe como libre y capaz de dialogar. Ahora bien, una vez que se tiene el ideal de ser humano que se desea formar, así como la metodología mínima para llevar a cabo una educación basada en la pedagogía de lo cotidiano, sólo falta establecer el propósito o finalidad de la misma. La teleología que da a la educación la pedagogía de lo cotidiano, es la felicidad: educar para ser felices, es decir, para alcanzar los valores que sean conducentes a esa felicidad y las virtudes que los plasmen. Sin embargo, se sabe que aquello que hace feliz a uno puede no hacer feliz a otro, no hay una idea unívoca de felicidad; no obstante, la felicidad tampoco es un concepto equívoco, sino más bien análogo, pues admite diversos contenidos materiales, pero no tan distintos que no sean reductibles proporcionalmente, ya que la mayoría de las personas buscan la felicidad en cosas que están relacionadas: la vida, la salud, el bienestar, el cultivo intelectual y moral, etc. Por lo tanto, la educación no sólo debe basarse en lo puramente intelectivo, dejando de lado los sentimientos, porque si no se toman en cuenta, no se logrará el objetivo de la educación, es decir, no se logrará que la persona sea feliz. Por eso, se propone que la razón guíe o dirija a los sentimientos, no obstante que la principal crítica a la educación de los sentimientos es que no se puede tener un dominio directo sobre ellos para poder modularlos; sin embargo, estos pueden modularse de forma indirecta por medio de las ideas y del desarrollo de la sensibilidad. Por esta razón, la educación del ser humano debe centrarse en la formación del juicio, esto es, la capacidad de analizar y evaluar cualquier aspecto relevante para la vida y de tomar la mejor decisión posible, basada en dicho análisis valorativo. Es importante mencionar que no se trata sólo de la formación del juicio racional sino también del emocional, por lo cual es necesaria la formación del juicio práctico o prudencial.

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A partir de esta idea, la Formación del Juicio, es que en el siguiente apartado se realizará una propuesta para la evaluación formativa de los aprendizajes; es decir, analógica. Para ello, es imprescindible mostrar la inutilidad y el fracaso de las evaluaciones de carácter equivocista y univocista, las cuales prevalecen a lo largo de nuestro sistema educativo. IXTLI - Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

III. La Evaluación Univocista Desde la perspectiva de la educación tradicional entre más información pueda retener un sujeto y la pueda reproducir en el momento que se le requiera se le considera un sujeto que “sabe”, de tal forma que el papel del profesor se establece como la de aquel que tiene el trabajo de llenar a los alumnos con la mayor información posible para que demuestren qué “saben”, es decir, que pueden reproducir dicha información a través de un examen cualquiera que sea su modalidad (oral, escrito, de opciones, de relación, etc.). Sin embargo, es obvio que si algún sujeto reproduce la información que se le solicita esto no necesariamente implica que comprende dicha información, por el contrario, lo más probable es que poco tiempo después de ser examinado olvide casi toda la información que antes pudo repetir perfectamente, de hecho, es algo común que de un curso a otro, de un periodo a otro, nos encontremos con estudiantes cuya evaluación o calificación es muy buena y, no obstante, recuerden muy poco o nada del curso o tema anterior. Así pues, en la educación tradicional se pone énfasis en lo informativo pero no en lo formativo. Ahora bien, el examen no proporciona evidencia del proceso formativo pues no hay manera de verificar o medir, a través de él, si los estudiantes han logrado comprender los principios fundamentales de la disciplina e, incluso, tampoco es útil para verificar la parte informativa ya que, si tomamos en cuenta que los estudiantes tienen por hábito “estudiar” para los exámenes y que esto significa memorizar información que después de la examinación olvidarán, lo que se está examinando es la capacidad de memoria a corto plazo que tiene cada estudiante y no aquello que saben. (Cf. Ángel Díaz-Barriga, 1982, pp. 8-10) Lo anterior se debe a que el énfasis puesto en la medición educacional fue tal que se llegó a confundirla con la evaluación misma. No obstante, es bien sabido que los términos medición y evaluación, aun cuando están íntimamente relacionados en el contexto educacional, no son sinónimos. La medición se refiere a la cuantificación de los tipos de aprendizajes alcanzados por los estudiantes; mientras que la evaluación implica, más bien, los juicios valorativos que el docente o el evaluador emite sobre los resultados del trabajo escolar, con base en un criterio determinado, en este sentido, la evaluación es una función de naturaleza eminentemente cualitativa. ALFE - Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación

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De esta forma, el examen pretende realizar una medición objetiva de los aprendizajes ya que “proporcionan una manera simple y directa de medir el resultado esencial de la educación formal”, no obstante, para que los exámenes sean objetivos “de antemano se establecen criterios precisos e invariables para puntuarlos; comúnmente se utiliza una clave de calificación que designa las respuestas correctas [...] Tal resultado se logra mediante la planificación detallada y consciente de la prueba, mediante la utilización de una tabla de especificaciones” (Ruíz Bolívar, 2007, p.3). Ahora bien, si la evaluación es una actividad compleja, entonces por qué reducirla a una medición simple y, además, establecerla como la única norma válida a través de la cual se decide quién ha aprendido y quién no. Esto es precisamente lo que pretende el Programa Internacional para la Evaluación de los Estudiantes (PISA, por sus siglas en inglés), en donde “los datos de esta prueba se presentan en diversos formatos y para su elaboración se utilizan diferentes técnicas estadísticas. Las dos formas más comunes de presentarlos son los promedios o medias aritméticas de desempeño y porcentajes de estudiantes en niveles de desempeño” (INEE, 2009, p. II). Como se puede ver, la evaluación es reducida a la recopilación de datos de los indicadores establecidos previamente por un grupo de expertos que se fundamentan en un paradigma que procede del Positivismo (cf. Díaz-Barriga, A., 1989, p. 8). Así pues, se hace evidente que las pruebas o exámenes se constituyen en evaluaciones univocistas ya que aparentemente se basan en criterios objetivos y científicos, sin embargo, si se observa con más cuidado la pretendida validez de las pruebas o exámenes estas se desvanecen y sucumben a un análisis más profundo pues ¿quién establece los criterios, quién establece la tabla de especificaciones?

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Obviamente un conjunto de expertos que se basan en cuánto conocimiento debe poseer cierto aprendiz que se halla en cierto nivel pero ¿es objetivo establecer cuánto debe saber alguien? No, pues esto se deriva de otros criterios y de valoraciones diversas que también son subjetivas porque dependen de metas que establece el sistema educativo a partir de criterios políticos, económicos, culturales, en pocas palabras sociales, ergo, la medición no es objetiva y, por tanto, es equivocista en la medida que depende de diversos criterios externos y ajenos al proceso educativo mismo que la hacen deslizarse a un extremo relativista carente de sentido pedagógico.

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IV. La Evaluación Equivocista Ahora bien, como alternativa al enfoque Positivista del aprendizaje y de la evaluación se optó por el enfoque Constructivista el cual pretende evitar la rigidez y univocidad del primero, sin embargo, la consecuencia fue el deslizamiento hacia el extremo opuesto ya que “con el fin de evitar los problemas derivados de la utilización de una teoría del desarrollo o del aprendizaje como marco teórico de referencia único y excluyente, se opta en ese caso por una solución ecléctica que consiste en seleccionar, del conjunto de explicaciones que brindan las diferentes teorías, aquellos aspectos o partes de ellas que tienen, supuesta y potencialmente, una mayor utilidad para analizar, comprender y explicar los procesos escolares de enseñanza y aprendizaje”. (Coll, 1996, p. 153) Lo que se pretende es elaborar un catálogo de “explicaciones” de los procesos educativos escolares sirviéndose de conceptos “útiles” para tal efecto y que sean compatibles con el enfoque constructivista, a pesar de que, como se admite, “tienen su origen en teorías distintas e incluso, en ocasiones contradictorias” (Op. Cit., Coll, 1996). Es por esta razón que la explicación de los procesos escolares de enseñanza y aprendizaje que llaman Constructivismo hace referencia a la Psicología genética de Piaget, a la noción de zona de desarrollo próximo de Vigotsky, a la teoría del aprendizaje verbal significativo de Ausubel y, además, a la teoría del Procesamiento Humano de la Información (PHI). Así pues, se establece la relación de complementariedad entre teorías sobre la base de que “comparten un número reducido, aunque potente, de ideas fuerza o principios explicativos básicos acerca del los procesos de aprendizaje” (Coll, 1996, p.154), por ejemplo: el concepto de “actividad” en la teoría del procesamiento de la información, se refiere a una actividad de tipo computacional con reglas sintácticas; por el contrario, la “actividad” del sujeto, en la teoría psicogenética piagetiana, no es la de procesar información, sino la de estructurador de un objeto de conocimiento. “en el primer caso es una actividad interna al dispositivo del procesador, en el otro, una actividad inseparable del objeto, donde no hay separación entre sujeto y realidad a conocer” (Cf. Castorina, 1994, p. 20). Empero, estos conceptos se establecen como equivalentes por el hecho de que se presupone que ambas teorías conciben al aprendizaje escolar como un proceso de construcción del conocimiento. De esta forma, en el caso del PHI, para realizar una evaluación se tiene que ALFE - Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación

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considerar los conocimientos previos, las estrategias cognitivas empleadas, las capacidades del estudiante, el tipo de metas que se persiguen, el grado de las interpretaciones significativas al que han llegado los estudiantes, así como los contenidos declarativos, procedimentales y de actitudes en la cual es muy relevante la autoevaluación (cf. Hernández, 2004); en cambio, desde la perspectiva vigotskiana la evaluación debe ser dinámica y dirigida a determinar los niveles de desarrollo en un proceso y un contexto, a través de aquella se evalúan los productos pero, especialmente, los procesos en desarrollo; de esta forma se dirige no solo a valorar los productos del nivel de desarrollo sino, sobre todo, a determinar el nivel de desarrollo potencial y, si es posible, a valorar la amplitud de las zonas de los estudiantes (cf. Hernández, 2004). Como se puede observar, el Constructivismo se basa en una gran cantidad de criterios sin establecer niveles de validez o jerarquía alguna, con lo cual es evidente que es una postura equivocista ya que el criterio para establecer una evaluación va a depender de lo útil que resulte para los procesos educativos dejando así abierta la puerta a las consideraciones personales de cada docente, de cada institución educativa, es decir, cae en el relativismo extremo que impide la consecución del objetivo principal de la evaluación y del aprendizaje mismo. Como se pudó observar, se tiene una evaluación rígida que pretende la objetividad a través del uso del examen y que, bajo la propuesta que aquí se presenta, es llamada univocista, o bien se establece una evaluación extremadamente subjetiva, con múltiples criterios y relativista que aquí se denomina equivocista. En ambos casos, el propósito de la evaluación se pierde, razón por la cual aquí se presenta una alternativa, una evaluación sustentada en la hermenéutica analógica, la cual establece una evaluación equilibrada, proporcional mediada por el diálogo intersubjetivo. V. Una Enseñanza Analógica requiere de una Evaluación Analógica

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No es posible proponer e implementar una pedagogía basada en la Hermenéutica Analógica y seguir usando técnicas e instrumentos de evaluación que inevitablemente nos llevan al “terreno resbaladizo del equivocismo en donde todo ‘es válido’ para ‘evaluar’ o bien, se instala en el plano del absolutismo, del universalismo, es decir, del univocismo inalcanzable, que obstinadamente se ha querido conseguir con el empleo del examen” (Monroy, 2006-b, p. 140). IXTLI - Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

Desafortunadamente, lo que se encuentra en la literatura especializada con respecto al tema es que, teóricamente, se busca un equilibrio proporcional para establecer y realizar una evaluación; sin embargo, en la práctica se reduce a criterios cuantitativos que están más preocupados por asignar una calificación que por la formación del discente. Por ejemplo, desde la concepción constructivista (cf. Díaz y Hernández, 2002, cap. 8) el interés al evaluar debe residir en: • El grado en que los estudiantes han construido interpretaciones significativas • El grado en que los estudiantes han sido capaces de atribuir un valor funcional a dichas interpretaciones. Sin embargo, a la hora de pasar a la práctica, los manuales constructivistas (cf. Díaz y Hernández, 2002, cap. 8) establecen criterios para que el profesor logre pasar de lo cualitativo a lo cuantitativo de forma mecánica y arbitraria, incluso cuando se llega a utilizar la autoevaluación del estudiante. Entonces, lo que sucede en el espacio áulico es que el profesor termina simplificando el proceso, establece tablas de conversión, porcentajes a los productos de las actividades realizadas bajo criterios cuantitativos y asigna una calificación supuestamente objetiva; cuando en realidad lo que hace es lavarse las manos, quitarse un “problema”, dejando de lado lo que supuestamente era lo principal: evaluar el grado de desarrollo en que los estudiantes construyen INTERPRETACIONES significativas y la capacidad de atribuirles un valor funcional. Así pues, si de lo que se trata es de saber de qué manera los estudiantes han interpretado significativamente los nuevos conocimientos, no hay duda de que lo que requiere hacer el docente es una INTERPRETACIÓN de la interpretación que los estudiantes realizan o han realizado. Por lo que los instrumentos y técnicas de los manuales constructivistas para la evaluación o bien llevan al univocismo, al querer establecer una evaluación objetiva con criterios puramente cuantitativos; o bien llevan al equivocismo al establecer criterios tan laxos y carentes de referencia para establecer una equivalencia entre lo cuantitativo y lo cualitativo que lo único que generan es una permisividad total. Según los manuales constructivistas, hay dos clases de evaluación: la pedaALFE - Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación

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gógica, cuyo objetivo principal es la mejora del aprendizaje; y la social, cuyo propósito es la acreditación, la promoción o el control (cf. Monroy, 2006, pp.114 y 143). En la primera se establecen tres fases en la evaluación: la diagnóstica, la formativa y la compendiada o sumativa; en cambio, la segunda está centrada única y exclusivamente en la fase final. Es por eso que los instrumentos más utilizados en ella son los exámenes y los llamados trabajos finales. En contraste, la evaluación centrada en la mejora utiliza como instrumentos a los resúmenes, controles de lectura, mapas conceptuales, mapas mentales, ensayos, monografías, trabajos de investigación, estudio de casos, etc. En el caso de la evaluación centrada en el control o en la acreditación, el examen o el trabajo final suponen a un estudiante ya formado el cual sólo está mostrando, corroborando o acreditando precisamente su formación. Sin embargo, en el caso de estudiantes que aún se encuentran en un proceso formativo, “el examen propicia descalificación o por lo menos desanimo en muchos y reconocimiento a unos cuantos y, por ende, se convierte en una objetivación sorda que de ninguna manera atiende proporcionalmente a todos los integrantes del aula” (Monroy, 2006, p.107) y lo mismo sucede con el “trabajo final”, si en éste no media un proceso de seguimiento y de retroalimentación entre el profesor y estudiante. En el caso de la evaluación centrada en la mejora, se tiene un mucho mejor panorama del desarrollo cognitivo del estudiante, ya que la evaluación es continua, se da durante todo el proceso, no obstante, al final del curso el equivocismo y el univocismo rondan, pues se comienzan a emplear una serie de “criterios” para establecer una escala de conversión entre los aspectos cualitativos y los cuantitativos, y debido a la falta de referencia, se comienza a dar mayor peso al número de trabajos entregados por el estudiante, al número de sus participaciones individuales, en equipo o grupales, y si en sus mapas conceptuales utilizó dos, tres o cuatro niveles, etc., etc. Se establecen (arbitrariamente) porcentajes para cada uno de los productos de las actividades realizadas, se promedia y se le asigna una calificación sin tomar en cuenta lo que, se supone, era lo importante de la evaluación. Lo anterior es totalmente absurdo, pues “un estudiante no puede ser 33 centésimos mejor que antes por el solo hecho de tener una tarea más, ni 26 centésimos mejor por haber acertado una respuesta más en el examen” (Monroy, 2006, p. 115). 26

Ahora bien, desde la perspectiva de la enseñanza analógica la educación es un proceso destinado a la formación del estudiante; por lo cual, la evaluación también será parte de este proceso formativo. Así, bajo este enfoque, IXTLI - Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

la evaluación se asume “como un proyecto de intervención pedagógico que coadyuve a la mejoría de los procesos educativos” (Monroy, 2006, p.145). Sin embargo, en el proceso educativo antes de evaluar se debe llevar a cabo una valoración de los significados de cada estudiante en su contexto personal, familiar y escolar pues se considera fundamental la comprensión del otro como principio esencial de toda situación de aprendizaje. Además, desde la perspectiva de la pedagogía analógica, la evaluación tiene que ser un elemento que involucre la participación del estudiante de forma ética, proporcional y dialógica poniendo énfasis sobre todo en el proceso y no solamente en el resultado, de tal forma que la interpretación del proceso evaluativo “no se considera como verdad única, última e irrefutable, sino como una construcción interminable de significados y saberes con posibilidad de manifestación en lo concreto y no como una expresión del relativismo evaluativo” (Monroy, 2006, p.148). Así pues, a partir de todas las consideraciones anteriores, se propone una evaluación analógica que será continua y que seguirá las tres fases propuestas por el constructivismo: 1. Diagnóstica: en ella se establecerán los mecanismos e instrumentos pertinentes para recuperar los conocimientos previos del estudiante, pero no sólo eso, sino también para conocer su contexto social y familiar, 2. Formativa: en esta se establecen los mecanismos e instrumentos que partan de las necesidades e intereses de los estudiantes establecidas en la evaluación diagnóstica, con la finalidad de que los estudiantes desarrollen conocimientos y habilidades nuevas y significativas, así como actitudes que favorezcan su proceso formativo y, 3. Sumativa o Compendiada, en esta fase es cuando se propone que tanto el profesor como el estudiante evalúen el proceso de aprendizaje. De tal forma, ambos juicios se tomarán como hipotéticos para poder someterlos a la crítica a través del diálogo intersubjetivo, en donde se esgrimen los argumentos que establecerán el grado de desarrollo de los conocimientos, habilidades y actitudes del discente tomando en cuenta los contextos ya descritos. Finalmente, se llega a una conclusión inferida intersubjetivamente donde se establecen las recomendaciones y los juicios sobre los logros y necesidades de cada estudiante, lo cual se constituye como la evaluación final. ALFE - Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación

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Como se puede observar, la evaluación analógica ofrece un equilibrio proporcional entre la intuición y la instrumentación y evita caer en los extremos, a partir de la metodología antes señalada (véase esquema). Además cumple con las características requeridas por el constructivismo: 1. Demarcación del objeto 2. Criterios para realizarla 3. Sistematización para la obtención de la información, para lo cual es necesario: a. Aplicar técnicas, b. Aplicar procedimientos y, c. Aplicar instrumentos 4. Construir una representación del objeto de evaluación 5. Emisión de juicios cualitativos (cf. Díaz y Hernández, 2002, cap. 8)

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Conclusión Como hemos podido observar, la evaluación es, generalmente, un aspecto del proceso de enseñanza-aprendizaje que en la práctica tiende a caer en los extremos, esto es, o bien se repliega al univocismo rígido y autoritario o bien se pierde en el equivocismo relativista y sin referencia; ambas perspectivas causan mucho daño a la autoestima del estudiante y no cumplen con el propósito de la evaluación misma, que es comprender cómo los estudiantes han logrado construir interpretaciones significativas. Ahora bien, la evaluación analógica establece un equilibrio proporcional entre las diversas interpretaciones sobre el desarrollo de los conocimientos, habilidades y actitudes de los estudiantes; debido a que establece un proceso con criterios claros que la llevan a la sistematización para poder emitir juicios cualitativos válidos, que son el resultado del diálogo y la argumentación intersubjetivas que incluyen a los actores principales del proceso educativo. Asimismo, a pesar de que la evaluación analógica es eminentemente cualitativa, por medio de estos criterios es posible establecer una equivalencia cuantitativa a través del consenso entre las partes involucradas, pero sin perder de vista el propósito principal de la evaluación. De tal forma que la asignación de una escala numérica será una cuestión secundaria que responde únicamente a requerimientos administrativos, socialmente determinados, pero que son irrelevantes en la formación de ciudadanos virtuosos. Bibliografía Beuchot, M. (2009) Tratado de Hermenéutica Analógica, hacia un nuevo modelo de interpretación. México: FFyL-UNAM-Ítaca. Beuchot, M. y Primero, L. (2003) La Hermenéutica Analógica de la Pedagogía de lo Cotidiano. México: Primero Editores. Castorina, J. A. (1994) Problemas epistemológicos de las teorías del aprendizaje en su trasferencia a la educación, México: Perfiles Educativos, 65, pp. 3- 23. Coll, C. (1996) Constructivismo y Educación Escolar: ni hablamos de lo mismo ni lo hacemos siempre de la misma perspectiva epistemológica. ALFE - Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación

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Anuario de Psicología de la Universidad de Barcelona, 69, pp. 153-178. Díaz Barriga, Ángel (1982) Tesis para una Teoría de la Evaluación y sus Derivaciones en la Docencia. México: Perfiles Educativos, N° 15 pp. 16-37. Díaz-Barriga, F. y Hernández Rojas, G. (2002) Estrategias Docentes Para Un Aprendizaje Significativo, una interpretación Constructivista. México: Mc Graw Hill. Hernández Rojas, Gerardo (2004) Paradigmas en Psicología de la Educación, México: Paidós. INEE (2009) Medidas y Porcentajes en PISA: un primer paso para su comprensión. México: Dirección de proyectos internacionales y Especiales. Tomado de la página Web: http://www.inee.edu.mx/images/stories/Publicaciones/Textos_divulgacion/Evaluacion_todos/medias_porcentajes_pisa.pdf Monroy Dávila, F. (2006) La Evaluación Inscrita en la Analogía y en la Pedagogía de lo Cotidiano. México: Primero Editores. Monroy Dávila, F. (2006-b) Analogía: eje articulador de la Hermenéutica Analógica y la Evaluación. En Ricardo Blanco (comp.) Contextos de la Hermenéutica Analógica. México: Torres Asociados. Ruíz Bolívar, Carlos (2007) Pruebas de Rendimiento Académico. En Página Web del Autor http://www.carlosruizbolivar.com/articulos/archivos/Curso%20 CII%20UCLA%20Art%20Construcci%C3%B3n%20de%20Pruebas.pdf

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pp. 31-51

Filosofia e educação no pensamento de Leopoldo Zea Ofélia María Marcondes

Instituto Federal de São Paulo - IFSP, câmpus Itapetininga.

[email protected] Pedagoga, filósofa, mestra em Filosofia da Educação, tendo dedicado os estudos à compreensão das contribuições de Leopoldo Zea para a Filosofia da Educação. Atualmente, doutoranda em Filosofia da Educação na Universidade de São Paulo – USP, estudando a filosofia de John Dewey com o objetivo de consolidar sua filosofia como teoria geral da educação.

Resúmen - Resumo - Abstract Este artigo pretende apresentar a necessária relação entre filosofia e educação, sendo esta o processo de formação humana, de humanização do homem. Todo filósofo é objeto de estudo para a filosofia da educação e este é o ponto de partida para o estudo do pensamento de Leopoldo Zea, filósofo mexicano (1912-2004) que procurou compreender o homem como um homem concreto, de carne e osso, que dialoga com suas circunstâncias, buscando soluções nelas mesmas. Segundo Zea, o homem latino-americano, que não é europeu nem é índio, é mestiço, uma justaposição de culturas. Neste debate se situa nossa reflexão: em que medida a filosofia circunstancial de Zea contribui para se

Este artículo pretende presentar la necesaria relación entre filosofía y educación, como un proceso de formación humana, de humanización del hombre. El pensamiento de los filósofos, puede ser punto de estudio para la filosofía de la educación, y este es el punto de partida para el estudio de la obra de Leopoldo Zea (19122004), filósofo mexicano que ha procurado comprender al hombre como un hombre concreto, de carne y hueso, que dialoga con sus circunstancias, buscando soluciones en ellas mismas. Según este autor, el hombre latinoamericano, que no es europeo ni nativo, es mestizo, es decir, en él se yuxtaponen diversas culturas. En este debate se situa nuestra reflexión: se trata

This article aims to present a necessary relationship between philosophy and education, the latter being the process of human development, the humanization of man. The philosopher is an object of reflection for the philosophy of education; this is the starting point for the study of the thought of Leopoldo Zea, Mexican philosopher (1912-2004) who sought to understand man as concrete, of flesh and blood, who enters into dialogue with his circumstances, seeking solutions to his vital problems in those circumstances themselves. According Zea, the Latin American is neither European nor Indian, but rather a mestizo, a juxtaposition of cultures. In this debate our reflection is si-

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pensar a educação. Para Zea, o homem latino-americano necessita tomar consciência de seu estado de dependência cultural em relação à Europa para só então emancipar-se. Neste cenário só é possível uma educação crítica que possibilite a libertação deste homem. O homem que tem consciência de si tem consciência de sua humanidade e reconhece esta humanidade no outro homem. A filosofia circunstancial de Zea é uma crítica à filosofia como visão contemplativa e atemporal de um mundo fechado, não circunstanciado, que abandona as perspectivas do homem concreto. Esta filosofia circunstancial resulta num projeto de transformação histórica porque propõe um olhar do homem sobre si mesmo para que tenha consciência dos modelos alheios que pesam sobre ele e assim possa se emancipar e superar as condições de dependência.

de advertir en qué medida, la filosofía de las circunstancias de Zea, contribuye para pensar la educación. Para Zea, el hombre latinoamericano necesita tomar conciencia de su estado de dependencia cultural en relación a Europa para poder emanciparse. Sólo en este escenario es posible una educación crítica que posibilite la liberación. El hombre que tiene conciencia de sí, tiene conciencia de su humanidad y reconoce también esta humanidad en los demás hombres. La filosofía de las circunstancias de Zea es una crítica a la filosofía como visión contemplativa y atemporal de un mundo cerrado que abandona las perspectivas del hombre concreto. Esta filosofía resulta un proyecto de transformación histórica porque propone al hombre buscar en sí mismo para tomar conciencia de los modelos que pesan sobre él mismo y así poder emanciparse y superar las condiciones de dependencia.

tuated: How the circumstantial philosophy of Zea contributes to our ideas on education. For Zea, Latin Americans need to be aware of their condition of cultural dependency on Europe so that then the can emancipate themselves. Only in this manner is a critical education possible that allows the liberation of this man. The man who is aware of himself is also aware of his humanity and recognizes humanity in another man. Zea’s circumstantial philosophy is a critique of the notion of philosophy as an atemporal and contemplative vision of a closed and “decircumstantialized” world, which leaves aside perspective of concrete man. Zea’s circumstantial philosophy results in a project of historical transformation because it proposes a self-reflective gaze to become aware of models of being human imposed on him so that he can emancipate himself and overcome his condition of dependency.

Palavras-chave: Leopoldo Zea, mestiçagem, circunstância, homen latino-americano, consciência histórica Palabras Clave: Leopoldo Zea, mestizaje, circunstancias, hombre latinoamericano, conciencia histórica Keywords: Leopoldo Zea, mestizaje, circumstance, latin-american person, historical consciousness Recibido: 19-04-2013

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Aceptado: 14-10-2013

Para citar este artículo: Marcondes, O. (2014). Filosofia e educação no pensamento de Leopoldo Zea. Ixtli. Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación. 1(1). 31-51 IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

Filosofia e educação no pensamento de Leopoldo Zea Introdução Este texto pretende estabelecer a relação necessária entre filosofia e educação. Depois, apresentar brevemente o pensamento de Leopoldo Zea, filósofo mexicano que debateu, dentre outros temas, sobre a identidade do homem latino-americano e apresentar, de modo sucinto, como sua filosofia pode contribuir para se pensar a educação, tendo esta como formação humana, processo de humanização do homem. A filosofia é a esfera do pensamento humano capaz de pensar o próprio homem. Esta tarefa é fundante para se pensar a educação. Não podemos ir à educação sem uma filosofia. É a ideia de homem que está na base de qualquer sistema educacional, seja numa estrutura formal de educação, seja na tradição da formação humana. Educação é um fenômeno humano que se constitui como instituição social, como ação humana, como instrumento de emancipação, como coerção e exercício da liberdade simultaneamente, como trabalho pedagógico ordenado e sistematizado, como ações informais para a promoção humana, entre outras formas que possa assumir. Para a filosofia, interrogar sobre o que é o homem torna-se o problema central e como educar exige compreender o homem e sua relação com a tradição humana, então, para a filosofia da educação, interessa todo pensamento filosófico que trate sobre o que é o homem e qual a sua natureza. Toda educação precisa calcar suas aspirações, seus objetivos, suas ações numa ideia de homem que sinalize a direção que a educação vai tomar. De um lado, precisamos ter claro que ideia de homem compartilhamos, e de outro, que ideal de homem se deseja formar. I. A filosofia circunstancial de Leopoldo Zea Todo filósofo é objeto de estudo para a filosofia da educação e este é o ponto de partida para o estudo do pensamento de Leopoldo Zea: em que medida ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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conhecer sua ideia de homem e seu debate sobre a identidade mestiça do homem latino-americano pode contribuir para a construção de uma proposição de educação. Zea, filósofo mexicano que viveu os conflitos do século XX, inicia suas investigações a partir de uma questão fundamental: quem é o homem mexicano. Para ele, as respostas a esta questão fazem todo o sentido na compreensão do que é o homem. A primeira condição que ele estabelece é que há uma relação de dependência-emancipação com a Europa e que a libertação do homem latino-americano do domínio cultural da Europa só seria possível através da tomada de consciência de sua condição de colonizado, numa construção nem indígena nem europeia. O homem é o homem concreto, de carne e osso, obrigado a dialogar com suas circunstâncias. Para Leopoldo Zea , o homem é pessoa concreta, de carne e osso, que está inserido em suas circunstâncias, com as quais dialoga dialeticamente, transformando-as ao mesmo tempo que é transformado por elas. As circunstâncias constituem sua situação vital, nas quais manifesta sua concretude e expressa sua liberdade. O homem é concebido como um ente histórico, portanto mutável, que participa da tripla dimensão temporal: passado-presente-futuro e constrói a história à medida que enfrenta os problemas apresentados pelas circunstâncias. O homem é o homem e suas circunstâncias, influência direta do pensamento de Ortega y Gasset. Para que o homem latino-americano possa pensar sua identidade é necessário que este se compreenda como mestiço e reconheça sua condição de dependência sociocultural e, assim, possa iniciar um processo de libertação de qualquer situação de opressão. A libertação do homem de seu estado de dependência só é possível através da tomada de consciência desse estado de dependência através da compreensão histórica e do conhecimento de si mesmo.

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Zea (1945) afirma que toda filosofia é obra de um homem e, como homem, participa do que é a essência do homem: “a essência do humano, aquilo pelo qual o homem é homem, é a história. O homem é um ente histórico, ou seja, um ente cuja essência é a mudança” [tradução nossa] (p. 25). O homem histórico é relativo porque organiza sua vida a partir de certas situações vitais que o tornam concreto, com possibilidades e limitações, que vive e que morre em uma determinada circunstância. Além disto, o homem, como um ser mutável, modifica continuamente as circunstâncias e isso faz mudar as concepções de mundo e o próprio mundo. O homem não existe fora da história, assim como as ideias não existem sem o homem e sem as IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

circunstâncias. Este movimento da vida humana no mundo é o que constitui a história da humanidade. Circunstância é a situação concreta na qual o homem está inserido e toda relação circunstancial é histórica. A situação concreta é a realidade circundante, é o que está no horizonte de cada homem, é a inserção na cultura, é a convivência. Nela se encontram os problemas que desafiam o homem. A circunstância é situação vital justamente porque é histórica e, sendo assim, não existe homem fora da história, assim como não há cultura fora das relações circunstanciais do homem. O homem se constitui na situação que o torna concreto e através da qual expressa essa concretude e sua liberdade. Homem e situação concreta não existem isoladamente, portanto não são abstrações, mas uma relação intrínseca e dependente. A natureza do homem é a história e esta o obriga a reconstruir-se continuamente, tanto em resposta às circunstâncias como para modificá-las e é nessa relação dialética do homem com as circunstâncias que o homem muda. Toda ação do homem é um diálogo com as circunstâncias o que o leva a atribuir sentido a tudo que o rodeia. Tudo existe porque o homem dá sentido aos objetos de sua circunstância, inserindo-os no universo do que lhe é familiar e constituindo o que, em parte, é a cultura do homem em dada circunstância. Sem o homem, não há atribuição de sentido e, portanto, não há mundo e não há cultura. Este mundo circunstancial, concreto, é também um mundo de linguagem no qual a atribuição de sentido vai para além dos objetos, alcançando o outro, ou seja, o homem atribui sentido à existência de outro homem, o que exige deste outro homem a atribuição de sentido ao primeiro. Nesta dialética de sentidos é que o homem se reconhece como tal e reconhece no outro o que há de semelhante, qual seja, a humanidade. Para Zea, o humano se constitui nesta capacidade de compreensão que elimina as diferenças e permite a convivência, ele se torna humano quando sujeito do processo de educar-se. A dimensão humana do homem está na atribuição de sentido de sua existência como homem ao mesmo tempo que reconhece e se reconhece no outro, neste sentido é que Leopoldo Zea entende que o homem age em três níveis de circunstâncias: uma pessoal, uma social e a humanidade, sendo que esta última é a única condição de universalização do homem. Somos homens como todos os homens, o que não significa dizer que todos somos iguais, que pensamos de um mesmo modo ou que temos as mesmas necessidades e que, portanto, damos as mesmas respostas aos problemas do homem. ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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Cada homem tem sua própria história, que está inserida na história de outros homens e na história da humanidade. Somos distintos exatamente porque dialogamos de diferentes formas com as diferentes circunstâncias. A dimensão histórica do homem é o que constrói e é o que revela a múltipla concretude do próprio homem. Para Zea, o que há de natural no homem é seu modo de ser concreto, cuja melhor expressão está na convivência com outro homem. Como ser histórico, o homem constrói sua vida ao conviver com seus semelhantes de modo a expressar sua individualidade e sua concretude através de suas ações e essa convivência só é possível graças à consciência da existência do outro e da realidade viva na qual estamos inseridos. Esta consciência se caracteriza pelo saber comum, pela cumplicidade. É nesta convivência que o homem realiza sua individualidade e se situa diante do outro, assim como situa este outro diante de si. Logo, esta convivência permite ao homem ter consciência de sua humanidade e conceder humanidade a este outro que ele reconhece como semelhante. Este homem, concreto, mutável, histórico, que dialoga com as circunstâncias é um ser de razão e deve colocá-la a serviço do que há de comum entre todos os homens: sua humanidade, revelada e compreendida graças à convivência, única instância humana capaz de se constituir como vida. O homem, colocando a razão a serviço da compreensão do outro torna patente a igualdade que todos os homens da terra guardam entre si, sem discriminação alguma. Igualdade na inevitável desigualdade. Inevitável diversidade que, ao ser compreendida e respeitada, pode possibilitar a autêntica paz que há, segundo Zea , de prevalecer entre os homens.

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Para Zea, analisar a circunstância é o modo de interpretar o mundo, mesmo sendo um limitador, já que obriga o homem a estabelecer uma época e um local para direcionar este olhar para a realidade. Ao mesmo tempo em que a ideia de circunstância abre uma possibilidade diferente de compreender o mundo, ela nos encarcera no limite do que é temporal. Por um lado, aquele que desconsidera as circunstâncias pode apenas copiar os sistemas filosóficos, e fazer “más cópias” , interpretando de modo equivocado os conceitos filosóficos presentes num dado sistema. Por outro lado, aquele que procura interpretar os conceitos filosóficos levando em conta as circunstâncias se vê limitado a circunscrever as ideias a um limite geográfico e temporal, ou seja, histórico. Perguntar sobre o homem é perguntar sobre a “situação de homens em um determinado lugar e época histórica” [tradução nossa] (Zea, 1972, p. 19). IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

Este é o papel da circunstância na trajetória do pensamento de Leopoldo Zea: compreender as circunstâncias para que se possa compreender o homem. A análise das circunstâncias, segundo Zea, leva o investigador das ideias à possibilidade de interpretar o que provoca afirmações e negações de verdades em determinados espaços e tempos, apresentando os diversos sentidos de um mesmo conceito. Assim, a “pretensão de fazer de uma verdade circunstancial uma verdade eterna dá lugar às contradições” [tradução nossa] (ZEA, 1993, p.23). Os problemas que a filosofia procura responder são problemas apresentados ao homem pelas circunstâncias e as respostas encontradas, construídas, são também circunstanciais e, portanto, não são contraditórias como poderia julgar aquele leitor da história das ideias que busca encontrar e ressaltar uma verdade absoluta, eterna e universal. O que surge da compreensão de verdades circunstanciais não é contradição, mas diferentes soluções, em diferentes épocas, para os problemas que parecem semelhantes. Toda verdade é, portanto, circuntancial, ou seja, histórica. Ao se investigar ideias e realidade, faz sentido considerar as circunstâncias como expressão da cultura na qual surgem as questões do homem. Decorre disto que para compreender a filosofia é necessário compreender profundamente sua expressão conceitual e as circunstâncias que favoreceram o surgimento de tais ideias e sistemas filosóficos. Para compreender a filosofia é necessário compreender o homem, interpretar seus quefazeres, reconhecer porque este homem realiza tais coisas e não outras; “é necessário perguntar como viveram, ou seja, o que sentiram, o que desejaram, o que sonharam, com que dificuldades tropeçaram, os homens autores de uma determinada filosofia” [tradução nossa] (Zea, 1997, p. 29). Não há pensamento sem diálogo com as circunstâncias: “o homem, quando filosofa, se dirige à sua circunstância [...] As fórmulas filosóficas, os métodos, os filosofemas, não são outra coisa que a expressão verbal, é dizer, humana, de como o homem entra em relação com sua circunstância” [tradução nossa] (Zea, 1993, p. 20), dialogando com ela. Sem o homem, não há nem história e nem filosofia. Sem circunstância, não há filosofia porque “toda filosofia tem sua verdade na adequação com a realidade, só que esta realidade não é permanente, mas histórica” [tradução nossa] (p. 21). Ao assumir uma filosofia circunstancial, Zea faz crítica à filosofia como visão contemplativa e atemporal de um mundo fechado e, portanto, não circunstanciado, que se torna excludente ao abandonar as perspectivas do homem concreto. Esta filosofia circunstancial resulta num projeto de transformação histórica porque propõe um olhar do homem sobre si mesmo para que tenha ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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consciência dos modelos alheios que pesam sobre ele e assim possa se emancipar e superar as condições de dependência. II. Identidade: o homem latino-americano O início de nossa reflexão sobre identidade do homem latino-americano nos remete ao que Zea chama de imitação da filosofia europeia e a qualifica de “má cópia”. O homem concreto da América Latina tem problemas que se apresentam apenas nas circunstâncias nas quais ele está inserido e, portanto, são problemas que só são problemas para este homem, nesta circunstância e só este homem está capacitado para resolvê-los. Em busca de soluções, o homem recorre à história e só encontra, neste caso, más cópias da filosofia europeia porque busca uma solução numa circunstância distinta. O conforto de fazer cópias de um modelo europeu pode estar na explicação que Gagnebin (1997) dá para imitação: “para se salvar do perigo, o sujeito desiste de si mesmo e, portanto, perde-se” (p. 87). Sem uma identidade que lhe seja própria, sem a consciência histórica que lhe mostre que seu passado está na base de sua formação, o homem latino-americano se perde ao desistir de si mesmo quando opta por imitar as soluções europeias como solução para os problemas de sua circunstância de América Latina. Isto acaba por resultar em más cópias, como Zea costuma chamar. Neste sentido, este homem não é nem europeu e nem latino-americano. Nem europeu porque não está na Europa, não vive os desafios das circunstâncias europeias. Nem latino-americano porque se perde na imitação das soluções europeias que não alcançam o sucesso esperado diante dos problemas que ele tem que enfrentar.

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Este processo imitativo refere-se, principalmente, ao servilismo na relação colonizador-colonizado que mantém o estado de alienação do homem latinoamericano. Este homem concreto da América Latina serve à metrópole de modo que esta o mantém servil, mas este também se mantém nesta relação de dependência, de servilismo porque entrega seus desejos à necessidade do outro, alienando-se, perdendo-se de si. A identidade, neste sentido arbitrário de seu caráter, atende ora a um setor da sociedade, ora a outro e, portanto, mantém o sistema de dominação porque conserva a alienação como modo de relação entre a cultura europeia e a cultura latino-americana. A imposição de modelos, ou seja, o caráter coercitivo da identidade, também favorece a manutenção da alienação, pois enquanto o latino-americano encontra resIXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

postas para seus problemas na cultura europeia, melhor para ela e melhor para a manutenção do estado de servilismo que encontramos nas relações Europa-América Latina e América Latina-Europa. Esta alienação é necessidade e opção ao mesmo tempo, já que não há outra alternativa ao latinoamericano diante da justaposição de culturas como é a América Latina. Não consciente deste estado de dependência, o latino-americano imita o modelo de vida e a concepção de mundo do europeu, já que a América Latina é a terra do futuro, uma terra de projetos, enquanto não se efetiva como uma terra autêntica e original, imita as relações de poder da Europa. Este modelo de relação que mantém o latino-americano num estado de inconsciência de seu papel diante da história da humanidade acaba por ser um exemplo de uma constituição repressiva do sujeito. Pode-se afirmar que esta inconsciente identidade imitativa mantém as relações de dominação. Para Leopoldo Zea , todo homem é um sujeito histórico que busca respostas para problemas que surgem em qualquer situação humana, mas as respostas para o homem da América Latina surgem de sua circunstância latino-americana. Ao se deparar com sua condição histórica de colonizado, o homem da América Latina vê suas respostas aos problemas humanos atreladas ao pensamento do colonizador europeu. A identidade do latino-americano se origina na peculiar situação de dependência em relação a seus colonizadores. A compreensão sobre a identidade do homem latino-americano é tarefa que exige uma compreensão histórica deste homem e de suas circunstânicas. Para Zea, há uma necessidade urgente: a de tomarmos consciência do passado sem ameaçar o futuro . Desta decorre uma segunda necessidade também urgente: a de termos claro nosso espaço de latino-americano no conjunto de outros povos que chamamos de humanidade. Os conquistadores que chegaram à América encontraram um mundo estranho à sua cultura e alheio a seus pontos de vista. Este mundo estranho formado por “homens e povos com outros costumes e outra concepção de mundo e de vida” [tradução nossa] (Zea, 1972, p.68) não cabia no horizonte dos descobridores, levando-os a considerar os povos encontrados no novo mundo como povos demoníacos, animais sem história, terra de projetos, o que facilitou e muito as ações de extermínio e de escravização. Homens que não pertencem ao modelo de homem europeu, não pertencem à humanidade e, portanto, não têm direitos. Os colonizadores com seus desmandos se encarregaram de construir uma estrutura tal de sociedade que convenceu este povo a ser eco e sombra da Europa. ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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Em seu livro America como conciencia, Zea afirma que muitos missionários religiosos iniciaram estudos sobre os índios americanos com o aparente objetivo de conhecer esta cultura que era estranha aos modelos europeus, mas o que, de fato, pretendiam era realizar uma ação de dominação, evangelização, cristianização destes povos para retirá-los da situação de pecado na qual viviam, ou seja, o de não participarem da história universal, leia-se europeia. O conhecimento como respeito à cultura indígena se transformou num desejo de modificação desta cultura. Não tinham a missão de compreender o índio, mas de transformá-lo segundo os padrões europeus. O estudo missionário foi apenas uma fachada para a aproximação destes missionários dos povos indígenas, seus estudos foram pretexto para a dominação, para a ocidentalização, para a cristianização. Com o entendimento sobre os povos indígenas da América como obra demoníaca, a Europa passa a cumprir o próximo passo: a conquista. Uma conquista com caráter providencial: “era Deus, a providência, que, de acordo com os seus secretos fins, havia permitido o descobrimento de uma terra que havia sido abandonada ao demônio” [grifo do autor, tradução nossa] (Zea, 1972, p. 70). Como Deus permitiu o descobrimento, cabe ao europeu cumprir sua missão de evangelização e fazer com que estes povos adentrem a cultura universal, europeia. A colonização, a conquista, a dominação retiram do homem da América Latina uma dimensão fundamental da vida humana: o seu passado. Agora, sim, inicia-se a história da América Latina, uma história que tem como marco inicial o descobrimento e esta história vai sendo construída pela sobreposição de culturas. Diante desta realidade cultural na qual a América é compreendida como fruto da Europa, sem história e sem humanidade, o homem latino-americano rejeita o passado, olha e não se reconhece no presente e coloca a América no futuro. Este homem sem história e sem humanidade, portanto sem vida, porque vida é história e o homem é um ente histórico, torna-se alvo da dependência e do domínio europeu. O maior problema do homem latino-americano é não ter consciência de sua própria história, de uma história concreta como a de qualquer outro povo, permitindo-lhe aceitar uma situação marginal em função de uma história que não é sua. 40

Zea nos apresenta a América Latina como entidade cultural que busca uma identidade e como situação vital circunscrita num determinado tempo histórico. Essa busca de identidade surge num momento de crise mundial: começo do século XX e duas grandes guerras, levando o homem latino-americano a se IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

questionar se há uma cultura própria na América, pois antes disto “o americano se sentia seguro ao abrigo de uma cultura que se apresentava com caráter de validade universal” [tradução nossa] (Zea, 1945, p.16). Só diante de períodos de crise é que o homem pergunta sobre sua existência, sobre sua cultura, sobre sua concepção de vida, e foi assim com o latino-americano. É isto a que chamamos de tomada de consciência. O homem latino-americano, diante da crise, se vê, de repente, diante da necessidade de construir uma cultura própria que só é possível de posse de uma consciência histórica que permite a relação entre passado, presente e futuro, exigindo uma interpretação da realidade histórica que tem como resposta uma alteração na ação do homem: o homem conhece sua realidade, se apropria da relação com o passado e constrói uma nova concepção de mundo que altera suas circunstâncias. A razão histórica é um movimento dialético entre as circunstâncias e a ação do homem no mundo. O homem mexicano, segundo Zea, é expressão do que há de concreto na humanidade, assim como cada homem de cada nacionalidade o é. Ao tomarmos consciência de nossa condição humana, reconhecemos a condição humana de todos os que participam da circunstância humanidade. O europeu reconhece em si a única expressão do homem universal e deixa de lado todos os outros homens e todos os outros povos. No início do século XX, começa a busca por uma nova maneira de interpretar o mundo a partir da necessidade de se reconhecer na América Latina uma cultura autêntica, mas para isto é fundamental que se conheça o homem que está inserido nesta cultura, como se constitui e como se vê nela, ou seja, qual é a identidade deste homem que busca olhar e olhar-se na cultura latino-americana. Este homem é o mestiço. Para Zea, a América Latina ainda não havia construído sua própria história e nem ocupado seu lugar na história universal porque viveu até então a cultura europeia e isto só aconteceu porque esta cultura europeia ainda dava respostas às necessidades deste homem latino-americano. Só a partir da insuficiência das respostas europeias é que o homem latino-americano parte em busca do que lhe é de direito e autêntico. Diante do desmoronamento da cultura europeia se pergunta se se dará seu desmoronamento também. Assim, a América Latina se descobre como uma cultura constituída e que, ao invés de eco e sombra, esta América sempre foi uma circunstância que forjou sua cultura à sombra da árvore da cultura europeia. Zea pretende salvar o homem latino-americano de seu sentimento de infeALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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rioridade diante da cultura europeia ao justificar que suas ações não foram cópias da Europa, mas que esta lhe permitiu solucionar os problemas da circunstância americana. A tomada de consciência vem no sentido de que o homem latino-americano não se veja como europeu, mas que se reconheça como latino-americano, mestiço, homem concreto desta circunstância que não é a europeia. No momento em que as respostas europeias não eram mais suficientes, o homem latino-americano deixa de ser imitação do homem europeu e passa a buscar novas respostas a seus problemas dentro das novas circunstâncias. Mudam as circunstâncias, mudam as respostas aos problemas que elas apresentam. Assim, o homem altera sua filosofia e sua cultura quando se faz necessário, ou seja, quando decide enfrentar as desafiadoras circunstâncias e passa a construir a própria vida, a própria cultura, a própria história. Eis o papel da consciência histórica na filosofia de Zea: se, como homens históricos, só conhecemos a partir de uma perspectiva histórica, então a consciência que temos de nossas circunstâncias em relação às três dimensões temporais (passado-presente-futuro) nos permite recorrer à história para que continuemos nossa vida tendo clareza de nossa identidade. Só nos reconhecemos como homens na relação dialética circunstância-tempo histórico.

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Uma das tarefas da filosofia latino-americana é a de tornar claro quais são as necessidades e os limites do homem latino-americano na construção de sua cultura a partir da consciência histórica de sua situação e de sua circunstância, além de definir-se como homem ligado a estas circunstâncias e não às circunstâncias que lhe são alheias. A interpretação histórica da América Latina leva o latino-americano a descobrir a personalidade cultural deste continente e com isto descobre também a responsabilidade sobre seu próprio destino, sem a tutela da Europa. Esta nova postura diante da América Latina, a de emancipar-se, não significa romper com a cultura da qual é filha. Só através da consciência histórica é que o homem latino-americano tem condições de reconhecer seu ser, sua humanidade e ter conhecimento de sua relação com o mundo e com outro homem, isto porque “nem todos os homens, sociedades e culturas têm tido consciência de sua historicidade” [tradução nossa] (Zea, 1957, p. 38). O homem, fazendo uso de sua consciência histórica pode conhecer-se como “ente histórico, flutuante, sem uma constituição permanente” [tradução nossa] (p. 39) e ter consciência desta sua identidade humana permite à América Latina tornar-se consciente de sua posição diante do mundo e na história da humanidade. Segundo Zea, os esforços direcionados para a compreensão da identidade do latino-americano se depara com o “caráter contingente de nossa cultura e de nosso ser. A pergunta sobre a IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

peculiaridade da cultura e o homem na América (Latina) tem como ponto de partida esta consciência do contingente” [tradução nossa] (Zea, 1976, p. 49). A urgência de Zea em proclamar a necessidade de tomada de consciência e consequentemente de uma compreensão histórica está justamente na base da libertação do homem latino-americano da dominação da ideologia europeia que exige esforços no sentido de que este homem participa da criação de valores materiais e espirituais que já não são privilégio de um grupo de povos como fora outrora privilégio da Europa, quais sejam, o domínio da tecnologia, a ciência e, principalmente, a dignidade moral e material como direito de todo homem, de todos os povos e culturas. Exigir dignidade é fruto de uma busca de identidade como resposta à “feitura” inevitável da história humana. III. Identidade e mestiçagem O homem latino-americano se encontra, historicamente, diante da emancipação política, já dada ou já conquistada e, ao mesmo tempo, diante da dependência cultural e da busca, em consequência, de algo que lhe fosse próprio, autêntico, traduzida na necessidade da busca da identidade e, nesta busca pela identidade, vai sendo encontrado o indivíduo, não qualquer indivíduo, mas o indivíduo concreto, o homem de carne e osso em suas múltiplas expressões. Este homem concreto, o latino-americano, deseja ser um homem e não apenas uma abstração que anule as diferenças, o que faz deste homem um homem inserido numa circunstância, que, em última análise, partilha da circunstância humanidade como todos os homens. A busca da identidade de um povo é a tentativa para salvar homens e povos do nada do ser e do não-existir. O mestiço latino-americano é jogado no vazio de sua existência ao se descobrir nem europeu, nem índio. É a identidade este algo que nos assemelha e que também nos distingue diante de outros homens, é o ponto de partida para a afirmação de um homem, de um povo e da própria humanidade, principalmente daqueles homens colocados à margem do mundo europeu e norte-americano. Olhar para si mesmo como um valor humano, reconhecendo-se num mundo que também é o seu mundo, é a busca de sentido para sua própria existência. Para Zea (2005), citando Bolívar, somos todos mestiços: É impossível atribuir com propriedade a que família humana pertenceALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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mos. A maior parte do indígena foi aniquilada, o europeu se misturou com o americano e com o africano, e este se misturou com o índio e com o europeu. Nascidos todos do seio de uma mesma mãe, nossos pais, diferentes na origem e no sangue, são estrangeiros, e todos diferem visivelmente na epiderme; esta dessemelhança nos impõe uma obrigação da maior transcendência. (p. 167) e nos conscientizarmos desta identidade só é possível aceitando o passado, enfrentando as circunstâncias do presente e participando da construção do futuro. O objetivo desta discussão é buscar conciliar a singularidade latino-americana com a circunstância humanidade. Segundo Altmann, Zea “coloca ênfase na concepção do latino-americano como resultante da práxis histórica. Suas formulações teóricas não fogem jamais do cotejo com a problemática da realidade” (Saladino, 2003, p. 5).

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Este homem concreto da América Latina que, como todo homem é mutável e histórico, carrega uma identidade também histórica que abriga a diversidade e a pluralidade própria da justaposição de culturas que esta América vivencia. Esta justaposição de culturas inclui tanto a cultura europeia quanto as culturas indígena e negra. A realidade é que as massas indígenas foram colocadas à margem do mundo ocidental e isto fez com que o homem latino-americano se acreditasse europeu, imitando sua cultura. Assim, é o homem mestiço que está à margem da Europa e também da América Latina. Um mestiço que foi considerado pela cultura europeia como um infra-homem: nem é milenar como os asiáticos, nem é primitivo como os africanos. É uma justaposição de culturas que lhe nega uma identidade. Este infra-homem é segundo o modelo europeu, já que o mestiço não corresponde a este modelo de homem. Neste sentido, a miscigenação resulta num rebaixamento da condição de homem. O infra-homem é inferior ao homem asiático e ao homem africano. Zea, ao contrário, valoriza a miscigenação entendida como mestiçagem, categoria importante na constituição e na compreensão da identidade do latino-americano. Assim, considerar o mestiço um infra-homem, ignorando a realidade da mestiçagem, marginaliza o homem concreto, o que facilita a manipulação ideológica deste homem descaracterizado em sua identidade. Para Zea, a realidade humana é expressão da multiplicidade de relações e de concretudes nas mais diversas dimensões e que reconhecer um ser não pode negar outro. O homem é expressão concreta de seus quefazeres.

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Esta mesma construção, integração, constituição do latino-americano, estão presentes em relação ao negro. Segundo Zea, o negro da América Latina tem consciência de sua descendência africana, sabe-se herdeiro de seus avós escravos e vítima da exploração da mão-de-obra. Diferentemente dos índios, os negros têm voz, há “um conceito de ‘negritude’ tomado como instrumento reivindicativo do homem negro e suas expressões culturais” [grifo do autor, tradução nossa] (Zea, 1976, p. 469). Este movimento reinvidicatório ressalta um homem concreto e não uma visão romântica ou emudecida ou abstrata de homem, mas um homem com uma determinada cor de pele, cabelo, olhos e cultura. Indigenismo e negritude são conceitos ideológicos que têm como origem, mais do que a questão étnica, a marginalização destes povos e sua situação de dependência; são expressões concretas dos homens distintos por raça e pela diversidade de sua cultura, mas não menos homens do que todos os homens. A diversidade se encontra com a unidade do ser do homem que partilha do que há em comum com todos os homens. Esta compreensão do homem como um homem igual e diverso a todos os homens é o que faz com que Zea, através de sua práxis de denúncia do estado de dependência, anuncie a igualdade entre todos os homens, aspire à liberdade e reclame os direitos humanos a todos os homens e não só ao latino-americano. A tão almejada liberdade e a inserção do latino-americano no destino da humanidade só são possíveis se houver a tomada de consciência do estado de dependência e de sua identidade de mestiço. Para Zea, quando o homem conhece a si mesmo, seus limites e suas possibilidades, quando conhece suas circunstâncias, torna-se capaz de encontrar soluções autênticas e originais para os problemas que surgem em suas circunstâncias, sem a necessidade de recorrer ao que lhe é alheio. Para tanto, em primeiro lugar, o que “devemos intentar é uma descrição sincera de nossas circunstâncias, da realidade que nos é mais próxima e com a qual temos que contar” [tradução nossa] (Zea, 1945, p. 40). Este conhecimento de nós e de nossas circunstâncias nos permite melhores soluções. Porém, o latinoamericano ainda não consegue definir o que lhe é próprio. Zea (1945) diz que acontece algo muito estranho ao latino-americano: “somos conscientes de que a cultura europeia não é nossa, que a imitamos, mas se buscamos em nós mesmos, não encontramos isso que queremos chamar de nosso [...] Temos nos encontrado com um ser que não temos feito.” [tradução nossa] (p. 43).

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Ter consciência de nossa mestiçagem nos leva a olhar nossa circunstância de uma maneira inteiramente nova, porque não é uma visão de mundo nem indígena, nem europeia, nem negra, mas do europeu, do índio e do negro. Então, o que é ser latino-americano? A esta questão Zea (1976) responde: “homens concretos e, portanto, não menos homens que os que se apresentavam a si mesmos como modelo de humanidade” [tradução nossa] (p. 474). Nisto consiste sua discussão sobre a mestiçagem e a necessidade da tomada de consciência frente a nossa realidade histórica de colonizados porque, segundo Zea, o homem latino-americano tem negado reconhecer-se como mestiço. Só mediante isto é que se torna possível a emancipação sociocultural que Zea almeja para a América Latina. Enquanto não nos enxergarmos como mestiços que somos, estaremos dependentes das soluções da Europa e, mais recentemente, da América do Norte, para nossos problemas que, por sua vez, estão na circunstância latino-americana. A identidade do latino-americano está intimamente ligada à herança cultural da Europa e, como herança, o homem latino-americano não pode se desprender da cultura europeia, operando uma ruptura, porque na própria dialética da luta do homem com as circunstâncias, ele absorve e adapta esta cultura, faz uso dela para resolver suas questões. O latino-americano deve tomar consciência da realidade como uma multiplicidade de expressões e que sua realidade é a justaposição de culturas. Na busca pela identidade “que identifique, com precisão, homens com outros homens, mas sem confundi-los entre si” (Zea, 2005, p. 342) é que o latino-americano se encontra com o homem, pura e simplesmente, o homem concreto, “com suas peculiaridades, a cultura e a pele que fazem dele uma pessoa concreta e não uma abstração” [tradução nossa] (Zea, 1976, p. 451). Este ponto de partida é, sem dúvida, a consciência histórica de que o latinoamericano é mestiço. Só a partir do conhecimento de si mesmo, o latinoamericano tem condições de exigir seus direitos na participação da construção e da condução da história da humanidade.

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Para Zea (1976), o homem latino-americano só poderá exigir o “reconhecimento de sua humanidade e o de sua participação no fazer de uma história que deve ser de todos os homens” [tradução nossa] (p. 9) ao reconhecer-se como um homem entre todos os homens. Isto significa dizer que estes homens: europeus, negros, índios, mestiços, crioulos buscam no reconhecimento de IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

sua identidade a afirmação desta própria identidade, também buscando, com isto, “o apoio e a justificação de seu direito de participar nas tarefas próprias de todos os homens” (Zea, 2005, p. 346). O mundo latino-americano é “um mundo mestiço em que conquistador e conquistado estão mesclados” [tradução nossa] (Zea, 2000, p. 74). É o mestiço precisamente, flor e fruto da união do conquistador e do conquistado. O mestiço e a mestiçagem, com isto desaparece a odiosa discriminação racial que, de uma maneira ou de outra, tornou possível a ordem herdada pela América Latina e que vai, felizmente, desaparecendo [tradução nossa] (Zea, 1996, p. 97). E é neste mundo que o mestiço, ao se reconhecer como tal, como o homem concreto da América Latina através da compreensão histórica, “se concebe como ente concreto que deverá ser respeitado como tal e, a partir deste respeito, é possível participar de uma tarefa que não é exclusiva de uns homens, mas de todos os homens: seu próprio futuro” (Zea, 2005, p. 344). O mestiço se reconhece como este homem concreto que vive e morre na América Latina, “é o retorno a si mesmo, mas não para ficar ancorado em seu peculiar modo de ser, mas para prolongar-se em outras expressões do humano, considerando-as como próprias” (p. 346). A questão da identidade que perpassa a questão da mestiçagem revela, segundo Zea, uma identidade que vai além do mestiço, supera as questões de raça, de etnia, de origem e chega à ideia de compreensão, de superação, de igualdade, de libertação. A identidade é a situação vital do homem circunscrita num determinado tempo histórico. A consequência da tomada de consciência de sua identidade mestiça está na superação das relações de dominação, na ação solidária, na compreensão do outro homem como distinto e como semelhante. É a liberdade que repousa sobre as relações entre os homens. Zea (2000) ilustra a ideia de mestiçagem apresentando a fala de Maurice Béjart, um marselhês, francês, europeu ocidental que se sabe imerso e parte de um horizonte humano extraordinariamente mais amplo do que o existente. Declara: “sou um mestiço: minha avó materna era curda, meu avô paterno, catalão, minha avó paterna, bretã. Encontro minhas raízes em todos os pontos do planeta. Em todas as partes sou um nômade. Não vivo em nenhum lugar. Ali para onde vou planto minha tenda antes de empreender viagem novamente. Por acaso não somos todos um patchwork de culturas?” [grifo do autor, tradução nossa] (p. 44) ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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Somos todos de todas as partes, vivemos um mundo multirracial, multicultural, multi-étnico. É um mundo mestiço, de diversidade racial e cultural, que acaba por aglutinar culturas que parecem contraditórias. Esta nova consciência planetária exige de nós uma ação mais solidária e é semente de um mundo de paz, dialógico e intercultural. IV. A identidade de mestiço como fator de libertação A originalidade e a autenticidade do pensamento na América Latina estão na consciência da identidade do latino-americano como mestiço. Não se pode negar a mestiçagem, ao contrário, é ela que nos permite adotar uma e não outra solução para os problemas circunstanciais desta América, cabendo ao mestiço, síntese da justaposição de culturas, o papel de superação da dependência cultural na qual vive e também desempenhar o papel sintetizador de culturas diversas, promovendo a integração, a solidariedade e a paz. Se este latino-americano não se reconhece como mestiço, perpetua a dominação cultural e não inicia o processo de emancipação, de libertação, pois continua reconhecendo-se como herdeiro da Europa, o que não lhe exige mudanças na concepção de vida. V. Leopoldo Zea e a educação Ao analisarmos a filosofia circunstancial de Leopoldo Zea e refletirmos junto com ele sobre a identidade mestiça do latino-americano, podemos afirmar que um ideal de educação com base nesta filosofia só pode ser uma educação crítica, popular e voltada para a realidade concreta que permite a tomada de consciência do estado de dependência para então libertar o homem da dominação. A filosofia de Leopoldo Zea (2000) nos inspira a realizar uma educação que promova a paz entre os homens e a superação das diferenças: “alcançar a integração através da educação e da cultura” [tradução nossa] (p. 284).

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Zea declara, nos finais dos anos setenta, que é necessária uma reforma educativa que possibilite maior liberdade e justiça social: “uma reforma educativa que forme homens que enfrentam sua realidade e a critiquem, homens capazes de realizar uma inversão de valores, isto é, de fazer das falhas do sistema, de suas fraquezas, pontos de partida de sua transformação” [traIXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

dução nossa] (Medin, 1992, p. 110). Para Zea, segundo Medin (1992), educar é educar para a liberdade e para a justiça social: “o homem faz parte de um sistema ao qual há de ser útil. A instrução está encaminhada a capacitá-lo para esta função. Educar é ... formar homens.” [tradução nossa] (p. 111), considerando que esta educação deva ser uma educação popular. VI. Considerações Finais Diante da dependência cultural o único caminho possível, segundo Zea, para sua superação é a compreensão histórica que desemboca na libertação. Libertação como liberdade de expressão do mestiço na escolha da condução de seu destino e na participação do destino da humanidade. Isto faz com que sua filosofia esteja comprometida com valores humanos no sentido mais humano que possa haver: valores do homem como homem simplesmente. É na dialética com suas circunstâncias que o homem constitui sua identidade, sua história, sua convivência. E por crer na convivência e na filosofia como tomada de consciência é que Zea motivou a criação de grupos como o Hiperión, de associações e instituições, publicou e estimulou a publicação de artigos, revistas e várias obras coletivas, propôs acordos e contatos entre a UNESCO e a UNAM, e, sobretudo, estimulou a formação de redes de intelectuais numa reunião de esforços para a compreensão da América Latina e a libertação dos diversos povos da dominação cultural da Europa, inicialmente, e dos Estados Unidos, mais recentemente. A principal herança que Zea nos deixa é a crença de que é possível fazermos uma filosofia autêntica e original na América Latina, pura e simplesmente porque já filosofamos no momento exato em que nos preocupamos em compreender o outro e o mundo, de maneira sistemática, para que esta filosofia seja ação diante das circunstâncias. A filosofia latino-americana, circunstancial, de Leopoldo Zea é, na verdade, um diálogo com o mundo, uma maneira de pensar a América Latina em conexão com este mundo que vive o movimento da globalização, que, para Zea, deve ser um movimento de humanização da humanidade.

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Relações entre ética burguesa e o esvaziamento da Erfahrung em contextos de unidimensionalidade do pensamento e do comportamento Bruno Perozzi da Silveira

Mestrado em Educação Escolar pela UNESP/ Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara em fase de conclusão [email protected] Graduação (licenciatura e bacharelado) em Ciências Sociais pela UNESP/ Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. Desenvolve pesquisas que se enquadram no campo da Educação Escolar, mais especificamente na área de Filosofia da Educação. Interesse pela Teoria Crítica da sociedade aplicada ao estudo da Educação, em específico a Teoria Crítica de Herbert Marcuse.

Resúmen - Resumo - Abstract O presente artigo propõe-se a tarefa de realizar alguns breves apontamentos sobre a importância dos conceitos de ética e experiência na Teoria Crítica da sociedade. O caráter de apontamentos advém da vastidão da tarefa. Logo o presente escrito tem como pretensão elaborar algumas reflexões que coloquem em pauta a questão do esvaziamento da experiência em Walter Benjamin, tendo como pano de fundo os contextos de unidimensionalidade do pensamento e do comportamento (como nos propõe Herbert Marcuse) e a conse-

El presente artículo propone algunos aportes sobre los conceptos de ética y experiencia en la Teoría Crítica de la sociedad. El carácter de aportes, se debe a la amplitud que implica esta tarea. El presente escrito tienen como objetivo elaborar algunas reflexiones que ubiquen la cuestión del vaciamiento de la experiencia en Walter Benjamin, teniendo como antecedente el contexto de unidimensionalidad del pensamiento y del comportamiento (como propone Herbert Marcuse) y la consecuente modificación ética que es determinante en el vaciamiento

In this article we propose demonstrate short reflections about the importance of the concepts of “ethics” and “experience” in the Critical Theory of the society. We affirm that are “short reflections” because of the complexity of the concepts. Of that way, this paper proposes the elaboration of some ideas and interpretations focusing the question of the emptying of the experience in Walter Benjamin, having like backdrop the context of reduction of the thought and of the behavior to one dimension (as proposes Herbert Marcuse). The consequence of this

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quente modificação ética que é determinante no esvaziamento da Erfahrung, e em sua transformação gradual em Erlebnis.

de Erfahurung, en su gradual transformación en Erlebnis

“emptying” is a transformation of the ethics that determines the emptying of the Erfahrung and to its gradual transformation in Erlebnis.

Palavras-chave: Teoria Critica da sociedade, unidimensionalidade do pensamento e do comportamento, experiência, ética, Walter Benjamin, Herbert Marcuse. Palabras Clave: Teoría crítica de la sociedad, unidimensionalidad del pensamiento y del comportamiento, experiencia, ética, Walter Benjamin, Herbert Marcuse. Keywords: Critical Theory of the society; unidimensionality of thinking and behavior; ethics; experience; Walter Benjamin; Herbert Marcuse.

Recibido: 18-05-2013

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Aceptado: 28-06-2013

Para citar este artículo: Silveira, B. P. da. (2014). Relações entre ética burguesa e o esvaziamento da Erfahrung em contextos de unidimensionalidade do pensamento e do comportamento. Ixtli. Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación. 1(1). 53-65 IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

Relações entre ética burguesa e o esvaziamento da Erfahrung em contextos de unidimensionalidade do pensamento e do comportamento Introdução: Ficamos pobres. Abandonamos uma depois da outra todas as peças do patrimônio humano, tivemos que empenhá-las muitas vezes a um centésimo do seu valor para recebermos em troco a moeda miúda do “atual”. […] Em seus edifícios, quadros e narrativas a humanidade se prepara, se necessário, para sobreviver à cultura. E o que é mais importante: ela o faz rindo. Talvez esse riso tenha aqui e ali um som bárbaro. Perfeito. No meio tempo, possa o indivíduo dar um pouco de humanidade àquela massa, que um dia talvez retribua com juros e com os juros dos juros. (BENJAMIN. 1987, p.119) Este artigo surge como continuidade de certas ideias desenvolvidas nas apresentações e palestras do 2º Congreso Latinoamericano de Filosofía de la Educación, realizado entre 21 e 23 de março de 2013 na Universidad de la República, na cidade de Montevidéu, Uruguai. Neste congresso apresentei um trabalho que tinha como tema o conceito de história em Walter Benjamin e suas possíveis relacões com o conceito de história dos autores da chamada História Cultural. Os debates posteriores às apresentações foram sobremaneira frutíferos e diversas discussões surgiram acerca do problema da educação e da filosofia da educação. Nestes debates dois conceitos apareceram em vários momentos e permearam, de certa forma, toda a conversa: A questão da Experiência (e seu progressivo esvaziamento) e da Ética (dentre suas inúmeras facetas). Desta forma,o presente artigo tem como intenção contribuir e continuar com os ricos debates propostos no congresso acima citado. Portanto, não pretendemos realizar um levantamento aprofundado acerca dos conceitos de ética e experiência, mas tão somente relacioná-los em alguns escritos de autores das primeiras gerações da chamada “Escola de ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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Frankfurt”. Dessa forma o caminho traçado passará pela crítica da moralidade em Theodor W. Adorno, pelo conceito de experiência em Walter Benjamin e as implicações do esvaziamento da experiência enquanto modificação ética e material em contextos de unidimensionalidade do pensamento, segundo o que analisa Herbert Marcuse. Erfahrung e Erlebnis: Momentos de uma transformação ética Após este breve intróito cabe-nos desenvolver algumas reflexões acerca do conceito de experiência, principalmente em Benjamin para que possamos sugerir a proposta central do presente trabalho: refletir sobre o esvaziamento da experiência como uma grande transformação material e ética resultante e integrante do processo de desenvolvimento do capitalismo maduro. Mesmo que o conceito de experiência seja central na obra de Walter Benjamin, segundo Jeanne Marie Gagnebin, em seu texto “Walter Benjamin ou a história aberta” publicado como prefácio para a segunda edição brasileira da reunião de textos de Benjamin intitulada “Magia e técnica, arte e política” (1987), estes conceitos serão colocados dentro de uma problemática mais ampla somente a partir da década de 1930. É neste período que Benjamin passa a diferenciar dois tipos específicos de experiência: a “Erfahrung” e a “Erlebnis”. Com essa diferenciação o autor nos coloca frente ao problema do esvaziamento da “Erfahrung” na sociedade capitalista e a consequente ampliação e imposição da “Erlebnis”. Ou seja, o problema levantado por Benjamin é de ordem ética e moral, e diz respeito a uma profunda transformação ética que vem ocorrendo de maneira progressiva com o desenvolvimento e imposição total do capitalismo. Ao contrário do que se possa afirmar não existe contradição, dentro da obra de Benjamin, entre o uso do conceito experiência e o método materialista.

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A Erfahrung enquanto conceito central obra benjaminiana deve ser compreendida como parte de sua concepção filosófica e histórica. Assim, ao afirmar no texto sobre o narrador que “as ações da experiência estão em baixa, e tudo indica que continuarão caindo até que seu valor desapareça de todo” (Benjamin, 1887, p.198), Benjamin esta se referindo às profundas transformações no mundo material e ético que vêm ocorrendo com uma rapidez sem precedentes. IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

Estas pungentes transformações impedem a experiência comunicável, pois retiram, no mundo capitalista moderno, a capacidade do indivíduo comunicar suas experiências, uma vez que esta comunicação exige uma comunidade e um tempo completamente distintos do isolamento e da rapidez do tempo progressivo imposto de maneira totalitária sobre os indivíduos. Benjamin é insistente ao demonstrar que a Erfahrung está intimamente ligada à arte de contar, ou seja, à possibilidade de intercambiar aprendizados e juízos, à capacidade de compartilhar sentimentos e histórias presentes em um mundo rico em comunidade. “Pressupõe, portanto, uma comunidade de vida e de discurso que o rápido desenvolvimento do capitalismo, da técnica, sobretudo destruiu.” (Gagnebin, 1987, P.10). E, mais do que isso, as ações de experiência vêm progressivamente perdendo suas bases materiais e éticas pelo isolamento e pela substituição da experiência comunitária e comunicável pela experiência vivida no isolamento (Erlebnis). Dessa forma a Erfahrung se esgota ao perder suas bases de memória e tradição comuns, e o “indivíduo isolado, desorientado e desaconselhado (o mesmo adjetivo em alemão ‘ratlos’)” (Gagnebin, 1987, p.10) perde gradativamente a capacidade de comunicar e aprender através da experiência. Amigos e admiradores de Benjamin, Theodor W. Adorno e Max Horkheimer também tratam da importância da experiência e da ética ao longo de sua obra. Apesar de não utilizarem as mesmas categorias de Benjamin, estes autores utilizam-se de uma metáfora curiosa em uma nota presente na Dialética do Esclarecimento (2007), denominada “Sobre a Gênese da Burrice”. Nesta, há uma comparação entre a inteligência e as antenas do caracol, que através de sua visão tateante conhece o mundo, podendo se retrair frente a algum perigo, identificando-se, dessa forma, novamente com todo. Assim, a maior liberdade e a existência mais esclarecida dependem do contínuo posicionamento para novas direções, e a manutenção dessas “antenas” no perímetro externo, no extra perimeter. O problema para os autores reside no fato de que essas antenas atrofiam-se pelo medo e pela repressão das possibilidades e, assim, tendo “sido definitivamente afugentado da direção que queria tomar, o animal torna-se tímido e burro” (Adorno e Horkheimer, p. 239, 2007). Este processo se aproxima da análise que Benjamin faz no texto sobre o narrador (1987) ao alertar sobre a perda de uma faculdade eminentemente humana: a faculdade de intercambiar experiências. ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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A questão colocada neste famoso texto de Benjamin é o progressivo e incontível agigantamento das forças produtivas sobre o homem ao qual acompanha uma transformação ética sem precedentes que substitui a necessidade de autonomia pela escolha pela heteronomia, a transformação da Razão em uma deformação instrumental. A imposição de uma mixórdia cultural, técnica e científica é erigida acima do “frágil e minúsculo corpo humano” (Benjamin, p.198,1987) de forma tão devastadora que a transmissão da Erfahrung ─ pela autoridade da velhice ou pelo viajante conhecedor de outras paisagens ─ desaparece em um contexto onde o pensamento e a ação humana são direcionados para a afluência e a aceitação do sistema social como um todo. O aparato ideológico e cultural desse sistema social vende um padrão de comportamento que exclui a visão tateante, propagando e propagandeando a retração do conhecimento e a manutenção da inteligência no perímetro do afluente, do impositivamente aceito. Dessa maneira, as possibilidades de uma experiência comunicável, por sua memória e tradição comuns, sucumbem frente ao avanço da experiência vivida (“Erlebnis”). Assim, [...] quando a experiência nos é subtraída, hipócrita ou sorrateiramente, que é hoje em dia uma prova de honradez confessar nossa pobreza. Sim, é preferível confessar que essa pobreza de experiência não é mais privada, mas de toda a humanidade. Surge assim uma nova barbárie. (Benjamin, p.115, 1987). Este processo histórico indicado por Benjamin se impõe de forma ampla e espetacular e, portanto, mais aterrorizante. Dilacera as “antenas de caracol” da inteligência (para retomarmos a metáfora de Adorno), impossibilita o intercâmbio de experiências, e sobre essa cicatriz dolorosa a “nova barbárie” começa a afundar suas raízes.

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Algumas questões emergem ao nos depararmos com o problema do esvaziamento da experiência. A análise crítica da profunda transformação material e ética é pressuposto para pensarmos sobre o esvaziamento da experiência. A constatação do esvaziamento do que é humano, essa imposição sem precedentes de uma “vida danificada” deve ser vértice de uma análise da sociedade que se proponha compreender historicamente os limites do que é dado. A transformação material, apesar de se apresentar espetacularmente com toda sua grandeza, deve ser compreendida enquanto imposição histórica, enquanto IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

desumanização pela razão técnica, que opera através da totalitarização do aparato produtivo que amplia e determina não apenas as habilidades e atitudes socialmente necessárias,mas também as necessidades e aspirações individuais. […] a tecnologia serve para instituir formas novas, mais eficazes e mais agradáveis de controle e coesão social. […] Em face das particularidades totalitárias dessa sociedade, a noção tradicional de “neutralidade” da tecnologia não pode mais ser sustentada. A tecnologia não pode, como tal, ser isolada do que lhe é dado; a sociedade tecnologica é um sistema de dominação que já opera no conceito e na elaboração das técnicas. (Marcuse, 1979, p. 18 e 19) A constatação portanto do caráter de dominação da sociedade tecnológica deve ser relacionada de maneira dialética ao processo de transformação ética que acompanha, determina e é determinada pela transformação material. Assim, quando nos deparamos com as constatações dos autores da teoria crítica da sociedade devemos estar cientes de que o processo de dominação tecnológica, que se desenvolve desde a chamada acumulação primitiva, com uma rapidez sem precedentes, acompanha uma transformação ética de mesma proporção. A compreensão que temos de ética hoje tem suas raízes na antiguidade clássica, principalmente, e de maneira mais sistematizada, na filosofia pós-socrática. Assim, os questionamentos sobre o ethos, ou seja, sobre os comportamentos e as virtudes dos cidadãos, passam a ter centralidade em Sócrates, mas são sistematizados de fato por Aristóteles. Neste, a ética está intimamente relacionada à vida pública: Podemos então, sumariamente, destacar alguns elementos: a vida virtuosa é racional, implica a educação da vontade em conformidade com os princípios racionais da moderação e, finalmente, está fundamentalmente ligada à política, uma vez que o homem é definido como animal político e sua conduta ética tem expressão na polis e a partir dela é julgada. É na sociedade - na polis - que os homens podem alcançar o bem supremo: a felicidade. Ética e política são inseparáveis. (Maia, 1998, p.6 ) Esse entrelaçamento entre ética e política, tendo como base a virtude e a razão é marcante nos escritos aristotélicos. Em Ética a Nicômaco, Aristóteles desenvolve com clareza sua compreensão de ética. Para ele a ética esta relacionada à razão prática, ou seja, à razão que delibera, interfere e ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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transforma a pólis, a razão com uma finalidade, um telos definível. A ética é portanto atributo do sujeito que age segundo um fim, é diferente da razão teórica, pois só pode existir no mundo prático, no mundo da pólis. Dessa maneira, afirma Maia (1998) Dizer que a ética refere-se à práxis significa que o sujeito que pensa e age, a ação praticada e a finalidade do agir (telos) são inseparáveis. […] A conduta ética afirma, assim, a independência e a autodeterminação do sujeito face à vontade alheia e às suas próprias paixões. Entregar-se a outrem para satisfazer seus desejos é ignóbil, assim como entregarse a suas próprias paixões, pois nesses casos o sujeito não escolhe autonomamente. A razão reta guia a excelência moral e esta é uma disposição para escolher o meio termo adquirida, tal qual a aprendizagem de uma arte, pela repetição dos atos em conformidade com ela. A virtude, portanto, é uma força de caráter, pois é a vontade “treinada”, pela mediação da razão, para a conduta virtuosa. (p.6) Essa concepção de ética desenvolvida por Aristóteles representa o auge da racionalidade da cultura helênica. Porém, esta perspectiva relacionada à práxis é progressivamente substituída pela ética individualista burguesa desde Hobbes, o que restringe a ética a um campo específico da filosofia, substituindo-a pelo individualismo e pelo instinto de conservação individual. A concepção mecânica e maquinal da ação humana restringe as possibilidades de uma compreensão ética teleológica, virtuosa e racional. Em um mundo de guerra de todos contra todos, é a resignação e a heteronomia escolhida que mantém a coesão social.

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Kant tenta recuperar a Razão enquanto pressuposto ético, e mais do que isso, tenta retomar a questão da autonomia frente à heteronomia propagandeada desde Hobbes. Porém o abismo entre o sujeito ético kantiano e a ampliação galopante da heteronomia, desde o princípio da modernidade, sob o argumento da necessidade de coesão social, demonstram as contradições de se pensar em uma ética relacionada à práxis em condições históricas e materiais distintas das do cidadão grego. Ou seja, ao pensar na questão da autonomia em um momento histórico já avançadamente burguês as colocações de Kant dizem respeito à possibiliIXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

dades ilusórias frente ao esvaziamento da experiência e da ética relacionada à práxis. Dessa forma, Kant […] também contribui, ao afirmar a possibilidade de autonomia do sujeito - sem considerar as condições objetivas - e a comunhão entre seus interesses e os interesses da sociedade através da razão, para a constituição de uma idéia de indivíduo condizente com o mundo burguês. Segundo Adorno e Horkheimer (199l), os conceitos kantianos são ambíguos, isto é, expressam uma contradição dada para o indivíduo burguês. (MAIA, 1998, p.8) A autonomia se esvazia de seu sentido clássico, daquele demonstrado por Aristóteles, dentro da filosofia kantiana. Do mesmo modo que a emancipação pela razão torna-se mera especulação, uma vez que na ética burguesa a razão é instrumental e reproduz incessantemente a heteronomia. Essa brutalidade contra a liberdade e contra a autonomia é a base maior da grande transformação ética que vem ocorrendo desde os primórdios do capitalismo. Tal transformação é parte integrante e determinante do processo de transformação material. Assim o esvaziamento da experiência comunitária (Erfahrung), e sua progressiva substituição pela experiência individual (Erlebniz) desenvolve-se e se amplia com o processo de Revolução industrial, tornando-se totalitária no homem unidimensional. Neste processo, a memória e a tradição comuns, e a comunidade de vida e discurso são esvaziados de sentido. O indivíduo isolado é refém de suas experiências prescritas por uma forma de domínio material e ético que Herbert Marcuse denominou como unidimensionalidade do pensamento e da ação. Este conceito é apresentado por Marcuse em uma obra publicada pela primeira vez em 1964 cujo título é traduzido na edição brasileira por “A ideologia da sociedade industrial. O homem unidimensional” (1979). Para o autor na sociedade industrial desenvolvida o aparato produtivo e suas mercadorias e serviços acabam por impor um sistema social de maneira total. Os produtos doutrinam e manipulam, promovem uma falsa consciência que é imune a sua falsidade. E, ao ficarem esses produtos benéficos à disposição de maior números de indivíduos e de classes sociais, a doutrinação que eles portam deixa de ser publicidade; torna-se um estilo de vida. É um bom estilo de vida ─ muito melhor do que antes ─ e, como ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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um bom estilo de vida milita contra a transformação qualitativa. Surge assim um padrão de pensamento e comportamento unidimensionais no qual as ideias, as aspirações e os objetivos que por seu conteúdo transcendem o universo estabelecido da palavra e da ação são repelidos ou reduzidos a termos desse universo. (Marcuse, p. 32, 1979 grifo nosso). Dessa maneira, a ideologia da sociedade industrial acaba por produzir sua criatura mais acabada, sua mercadoria mais valiosa e desumanizada, esvaziada de experiência, de consciência e de objetivos que possam questionar o universo estabelecido: o homem unidimensional. O homem unidimensional é o produto ideológico por excelência da sociedade capitalista moderna (a sociedade industrial avançada, nos termos de Marcuse). É seu exemplo ético mais óbvio, o ápice de um processo que separa e esvazia ética de sua referência prática. No homem unidimensional a experiência comunicável, oriunda da comunidade entre vida e palavra, é impedida pelo esvaziamento da comunidade da experiência no nível ético e pela criação e satisfação de falsas necessidades ─ “satisfação repressiva”. A Erfahrung é pressuposto para libertação e para o reconhecimento das necessidades verídicas: aquelas que designam condições objetivas para a satisfação universal das necessidades vitais, além da progressiva suavização da labuta e da pobreza. Porém, no homem unidimensional, reduzido ao pequeno espaço da experiência vivida, da Erlebniz , ocorre uma progressiva anulação das necessidades que exigem a libertação e a superação dessa mesma sociedade. A imensa gama de escolhas abertas ao indivíduo não demonstra a ampliação e riqueza da experiência, porquanto o fator decisivo seja o que é disponibilizado para a escolha dos indivíduos, e o que é de fato escolhido e comunicado por estes. Assim: “A livre escolha entre ampla variedade de mercadoria e serviços não significa liberdade se esses serviços e mercadorias sustêm os controles sociais sobre uma vida de labuta e temor ─ isto é sustêm a alienação.” (Marcuse, p.28, 1979). 62

O indivíduo acaba por se identificar e comunicar somente a experiência que lhe é imposta, e mais do que isso: acaba por tomá-la para si, reconhecendo-a enquanto experiência livre e comunicável, única e cheia de sentido. IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

As criaturas se reconhecem em suas mercadorias; encontram sua alma em seu automóvel, hi-fi, utensílios de cozinha. O próprio mecanismo que ata o indivíduo à sua sociedade mudou e o controle social está ancorado nas novas necessidades que ela produziu. (Marcuse, p.29-30, 1979) A educação sofre desse mesmo esvaziamento de sentido. A prática educativa, o pensar sobre a educação pressupõe uma experiência comunicável, pressupõe um compromisso ético, estético e político. Neste sentido a filosofia da educação parece cada vez mais desprovida de seus elementos centrais de experiência e comunicação. A perspectiva crítica sobre o processo de esvaziamento da Erfahrung, a compreensão histórica da ascensão da ética burguesa, e do esvaziamento de seu sentido prático são, de diversas formas, caros a uma perspectiva filosófica sobre a educação. Chega-se o momento em que desenvolver uma filosofia da educação passa a ter como pressuposto e condição uma perspectiva crítica sobre o processo de esvaziamento conceitual, ético e da experiência. Desenvolver Teoria Crítica sobre educação passa a ser o primeiro passo para pensarmos em uma educação para emancipação. A filosofia da educação, desse modo, não deve se furtar a questionar e demonstrar os limites do conhecimento em um contexto de unidimensionalidade do pensamento e do comportamento. Do mesmo modo é imprescindível a demonstração de perspectivas e caminhos outros, que não só neguem, mas demonstrem possibilidades que se encontram esvaziadas de sentido. Pensando dessa forma, torna-se essencial à Filosofia da Educação, ao filósofo que tem como objeto a educação, a dialética entre o pessimismo (quanto aos limites do conhecimento em tal contexto) e a utopia (quanto à necessidade vital de pensarmos caminhos diferentes e novos para que possamos quebrar com o eterno retorno da barbárie), é necessário que a filosofia da educação se assente sobre o terreno da crítica aprofundada, para que se possa propor esperança aos desesperançados (como nos cita Marcuse, utilizando-se das palavras de Walter Benjamin, ao fechar sua obra: A Ideologia da Sociedade industrial. O homem unidimensional (1979)) Conclusões Esta é a pobreza da qual Benjamin se lamentava; a transformação sem precedentes que anuncia uma nova barbárie, a transformação material e ética, em que a nossa sociedade, com a produção e a distribuição em massa, ancorada e justificada por um amplo projeto ideológico e exaltada pela indústria cultural, exige o indivíduo por inteiro, seu passado, seu presente e ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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seu futuro. A dimensão “interior” do indivíduo ─ dimensão que é distinta e até mesmo antagônica às exigências externas ─ apresenta-se invadida ou, como coloca Marcuse, “introjetada” pela realidade tecnológica. A experiência como comunidade entre a vida e discurso, como a ponte curta entre a memória e o cotidiano, desaparece na experiência vazia. A Erlebniz, a forma de experiência do homem unidimensional, é compartilhada, imposta e reproduzida pelo “pequeno grupo dos poderosos, que sabe Deus não são mais humanos que os outros, na maioria barbáros, mas não no bom sentido” (Benjamin, 1987, p.119). É aqui que o progresso da alienação torna-se inteiramente objetivo; no momento em que o indivíduo alienado é completamente absorvido por sua existência alienada, quando já não encontra espaço para a oposição, quando o “poder crítico da Razão” é transformado em neurose e impotência, e frente à grande e irreprimível produtividade do todo, é reduzido à condição de irracional e no triunfo da ética individualista, toda experiência deixa de ser comunicável. Frente a essa perspectiva pessimista e as conclusões oriundas de uma Filosofia da Educação que se coloque enquanto crítica torna-se necessário a proposição de novos caminhos, de novas possibilidades em um mundo que prega sua reprodução como o futuro único, como única possibilidade. O caráter utópico e esperançoso são armas contra o resumo das possibilidades. O papel de uma Filosofia da Educação que promova a possibilidade de uma educação para emancipação, que retome o sentido humano da ética, que desenvolva espaços e tempos para a experiência comunicável é central dentro da Teoria Critica. A dialética entre pessimismo e utopia deve movimentar e descortinar as possibilidades que se encontram suprimidas em nosso tempo. Os meios de realizar essa utopia devem ser construídos neste processo, em conjunto, de tal modo que possamos entender a educação enquanto caminho e fim para a autonomia e a emancipação.

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Referências: Adorno, T. W. E Horkheimer, M. (2007). Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. Benjamin, W. (1987). Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Brasília: Ed. Brasiliense. Gagnebin, J. M. (1987). Walter Benjamin ou a história aberta. In: BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. Brasília: Ed. Brasiliense. Maia, A. F. (1988). Apontamentos sobre ética e individualidade a partir da Mínima Moralia. Psicol. USP, São Paulo. 9, (2). doi: 10.1590/S010365641998000200006. Marcuse, H. (1979). A ideologia da Sociedade industrial. O homem unidimensional. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editores.

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IXTLI - Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación Volúmen 1 - Número 1 - 2014

pp. 67-87

Experimentação em sala de aula, currículo imanente e o pensamento da diferença: a filosofia como prática de formação de professores. Marcus Pereira Novaes

Pesquisador do Grupo OLHO (Laboratório de Estudos Audiovisuais), Universidade de Campinas (Unicamp) [email protected] Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (2014) na área de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte. É pesquisador do Grupo OLHO (Laboratório de Estudos Audiovisuais) da Faculdade de Educação da Unicamp e membro da atual diretoria da Associação de Leitura do Brasil (ALB). Estuda a filosofia da diferença em suas conexões com a educação e as imagens.

Resúmen - Resumo - Abstract O objetivo deste trabalho é apresentar possibilidades da filosofia da diferença como prática de formação docente e abrir brechas para um currículo imanente, em que haja espaço para práticas experimentais. O presente trabalho busca apresentar possibilidades de aberturas do currículo à experiência, ao levar em conta conceitos filosóficos, sobretudo da filosofia da diferença, para deslocar-se das características transcendentes que tomam a maioria dos currículos e que, por muitas vezes, rejeitam as possibilidades de criação e inovação, já que visam produzir subjetividades ideologicamente pré-configuradas no projeto moderno. Com autores como Deleuze e Foucault, mas também Spinoza e Nietzsche, podemos entender

El objetivo de este trabajo es presentar las posibilidades de la filosofía de la diferencia como práctica de formación docente y abrir espacios para un currículum inmanente, en el que haya lugar para prácticas experimentales. Este trabajo pretende presentar posibilidades de apertura del plan de estudios a la experiencia, teniendo en cuenta los conceptos filosóficos, especialmente de la filosofía de la diferencia, para desplazar las características trascendentales que toman la mayoría de los diseños curriculares que, muchas veces, rechazan las posibilidades de creación e innovación, ya que se dirigen a producir subjetividades ideológicamente preconfiguradas con el proyecto moderno. Con autores como Deleuze y Foucault, pero también con Spinoza

The aim of this work is to present possibilities of the philosophy of difference as a practice of teacher training and to open gaps for an immanent curriculum, in which there can be space for experimental practices. This work seeks to present possibilities of openings of the curriculum to the experience, taking into account some philosophical concepts, mainly the philosophy of difference, to dislocate from transcendental characteristics presented in most of the curriculums which, very often reject the possibilities of creation and innovation, since they aim to produce subjectivities ideologically pre-configured in the modern project. Following authors like Deleuze and Foucault, as well as Spinoza and Nietzsche, we can understand better some terms which have

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melhor alguns termos que se colocam como fundamentos da educação, tais como: consciência, projeto, afetividade, essência, dentre outros, e repensá-los ao colocarmos nosso pensamento em devir. Assim, apontaremos uma possibilidade no uso dos conceitos da filosofia da diferença para o campo da educação e também conexões destes com os pensamentos da arte e da ciência. O resultado do trabalho com o pensamento da filosofia da diferença em cursos de formação de professores é o de pensarem a importância de outra prática de aula, em que o professor se dá a chance de experimentar a si mesmo, como também aos alunos que busca afetar. Com a possibilidade de experimentação docente poderíamos proliferar pensamentos mais abertos às diferenças, ao buscar articular conhecimentos que visem à variação, e não apenas à homogeneidade do que é sempre o mesmo.

y Nietszche, podemos entender mejor algunos términos que se colocan como fundamentos para la educación, tales como: conciencia, proyecto, afectividad, esencia, entre otros, y repensarlos al colocarlos frente a nuestro pensamiento. Así, proponemos una posibilidad en el uso de los conceptos de la filosofía de la diferencia para el campo de la educación y también relaciones de estos con el arte y la ciencia. El resultado del trabajo con la noción de filosofía de la diferencia en cursos de formación de profesores ha permitido valorar la importancia de otras prácticas en el aula, donde el profesor se de la posibilidad de experimentar él mismo, así como también sus alumnos. Con la posibilidad de la experimentación docente podrían proliferar pensamientos más abiertos sobre las diferencias y buscar articular conocimiento que busquen el cambio y no sólo la homogeneidad de aquello que es siempre lo mismo.

been elected as fundamentals of education, such as: conscience, project, affectivity, essence, and others, and rethink them when we put our thought in becoming. So, we are going to point out a possibility in the use of the concepts of the philosophy of difference to the field of education, and also their connections with Arts and Science thoughts. The result of this work with the thought of the philosophy of difference in training courses for teachers is to lead them to think the importance of another class practice, where the teacher gives himself the chance of experimenting himself, as well as to the students he is trying to affect. With the possibility of the experimentation by the teacher we could proliferate thoughts more open to the differences, by articulating knowledges which seek variation, and not only the homogeneity of which is always the same.

Palavras chave: filosofia da diferença, experimentação em sala de aula, currículo imanente, pensamento, afeto. Palabras Clave: filosofía de la diferencia, experimentación en el aula, currículum inmanente, pensamiento, afectividad. Keywords: Recibido: 19-04-2013

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Aceptado: 03-07-2013

Para citar este artículo: Pereira Novaes, M. (2014). Experimentação em sala de aula, currículo imanente e o pensamento da diferença a filosofia como prática de formação de professores. Ixtli. Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación. 1(1). 67-87 IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

Experimentação em sala de aula, currículo imanente e o pensamento da diferença: a filosofia como prática de formação de professores. Currículo e o problema da causalidade Muitos são os interesses nas discussões curriculares que, certamente, poucas vezes, não estão relacionados a uma finalidade política e discussão da subjetividade que se tenta produzir, vinculando-se à busca de uma formatação de uma espécie de sociedade ideal, seja esta capitalista, socialista, emancipatória, democrática. Parece que, de todo modo, as tentativas de implementação de um Currículo maior, tenta ainda se antecipar, controlar e produzir sujeitos que terão sua formação garantida em projetos que busquem criar e estipular atuações precisas, ou técnicas, para uma certa sociedade que se projeta produzir. Hoje, ainda, os currículos estão diretamente referendados por “verdades” e discursos científicos que tentam organizar o tempo, de uma maneira cronológica, linear e arborescente. As tendências discursivas que atravessam o Currículo se amparam majoritariamente em colher os “frutos” de um futuro, criar soluções para problemas já dados e idealizar um modelo de povo, de cidadão. Dentro destas perspectivas é comum também pensar com os olhos na história do passado para construir um futuro. Contudo, ao fecharmos os olhos para o presente, descartarmos o tempo como intensidade e o reduzimos apenas à extensividade, dificultamos que o Currículo possa ser também transpassado por momentos em que se busque a produção de experiências no presente, a criação como invenção de problemas e afirmação de singularidades que componham o múltiplo. Parece potente pensar o problema da causalidade ao longo da história da filosofia, tal qual fora apontada por Deleuze (2011. p.451), e que, segundo ele, haveria três proposições causais: a) Causa transitiva: seria uma causa que sai de si para produzir o que produz, ou seja, seu efeito está fora dela. Seu efeito é exterior, a causa ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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sai de si para produzir esse efeito. Cita o cristianismo em sua distinção real entre o mundo e Deus, Deus como causa transitiva, sairia de si para produzir o mundo. b) Causa emanativa: é uma causa tal, que o efeito é exterior a ela, mas ainda que seu efeito saia dela, a causa permanece em si para produzi-lo. Exemplifica a luz como causa emanativa; o Sol permanece em si para produzir a luz, mas o que produz sai de si, o raio luminoso, a luz difundida, sai dele. Complementa que esta seria uma causa que acompanharia a filosofia neoplatonista (Plotino). c) Causa imanente: não é apenas uma causa que só permanece em si para produzir seu efeito, e sim que o efeito produzido permanece nela. Seria, segundo Deleuze, a maneira de Espinosa aliar Deus à natureza. Ao tentarmos relacionar o problema da causa com o Currículo, talvez possamos pensar que este, a priori, comportaria uma causa transitiva; através dele o sujeito-aluno se transformaria em sujeito-trabalhador, ou um profissional bem sucedido, pronto para atuar na sociedade. Entretanto nos tempos atuais, parece que o Currículo não abandonaria sua idealização de um produto final, fruto de suas consequentes diretrizes e parâmetros atrelados a uma causa transitiva, mas também não ignoraria um mundo que se compõe de intensas mudanças, sobretudo tecnológicas, que atingem a forma de produção de sujeitos e conhecimentos. O Currículo não abandonaria, então, seu produto à sorte de conhecimentos outrora postulados, mas passaria a compreender também, ao permanecer em si para produzir seus efeitos, uma preocupação em garantir o que produz o “tempo” todo. Nesse contexto o que se cria já está, de certo modo, compreendido a solucionar os problemas que podem surgir, não comporta uma variação para além do que se espera e, caso aconteça, provavelmente absorverá o novo, incorporando-o e preenchendo-o de significados.

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Assim, nesta segunda ideia, o Currículo estaria mais atrelado a uma causa emanativa, e já poderíamos observar alguns de seus efeitos que divergem um pouco dos efeitos antes almejados. Um bom exemplo seria a mudança de uma formação que garantiria os conhecimentos necessários para determinada profissão, e que agora, compreendendo uma sociedade globalizada, tendam a estimular um aluno-empreendedor que se transformaria em um empresário-empreendedor. O Currículo passa então a tentar operar mudanças IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

constantes nas subjetividades que busca produzir, em virtude de necessidades de atualização e de execução das novas habilidades criadas a cada dia. Parece que a maior mobilidade da segunda causa poderia ser mais forte para uma definição curricular que prime por sujeitos em constante formação, acompanhando uma sociedade que muda e se transforma rapidamente, principalmente com o forte avanço tecnológico que muitas vezes acompanha o ritmo acelerado de uma economia e mundo globalizado. Neste apelo e investimento em lapidar cidadãos criativos com alta capacidade de promover o desenvolvimento, tão presentes nos novos discursos, ainda se propõem pensar demasiadamente a criação para finalidades já dadas e resolver problemas já constituídos, excluindo a importância do tempo e da invenção, sobretudo da invenção de problemas. Os Currículos ainda têm uma força moralizadora que busca produzir sujeitos adequados a uma vida sobre controle, linkada, sobretudo, a um sucesso ou fracasso em uma perspectiva empresarial. Ao pensar o tempo apenas cronologicamente e a aplicar funções a estruturas já marcadas, excluindo a intensidade do tempo, os problemas que surgirem mal têm chance de serem colocados ou incitados. A variação para além do esperado não é levada em conta e, assim, fecham-se muitas brechas para o acontecimento e o devir. Cognição e o problema da invenção. Seria interessante que aqui fizéssemos um apontamento sobre o problema de uma política cognitiva, vinculada a muitos parâmetros que interferem no currículo. Apontamos que as correntes cognitivistas exercem certa influência no campo da educação e tendem a pensar, muito fortemente, soluções para problemas necessariamente úteis. No entanto, ao trabalharmos com alguns conceitos da filosofia da diferença poderíamos perceber uma certa subordinação dos potenciais inventivos à inteligência, a cognição reduzida à recognição, privilegiando os possíveis apenas aos padrões identificáveis, limitando o pensamento a um desenvolvimento lógico ideal, com variáveis previsíveis e reconhecíveis. Kastrup (2007, p. 229), aponta dois problemas que não são tratados pelo cognitivismo - ‘o tempo e o coletivo’- destacando que seriam essenciais para ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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o estudo da invenção, o que, se ampliada, não se restringiria à inteligência e a solução de problemas. Reduzir a cognição a isso é um dos efeitos do projeto da purificação crítica, levado a cabo na modernidade. Separar o que existe do cognitivo do que os cognitivistas denominam ‘fatores extracognitivistas’, trabalhar, desde o início, com uma cognição isolada. é perder a possibilidade de entender como ela pode operar de maneira inquieta, ou seja, inquietada por algo que a força a inventar. (Idem). Destacamos que, ao não permitirmos brechas para a invenção criar o impensado e possibilitá-la pensar ou inventar o que não é reconhecido pela psicologia e/ou aos códigos de linguagem, tende-se a criar territórios marcados que reduzem possibilidades de estimular o pensamento a pensar e a inventar o que ainda não está legitimado, a arrancar-lhe o direito de encontrar seu próprio problema. Em uma linha de análise de verdade, se o erro é permitido, é permitido apenas dentro dos códigos que o pode classificar, assim, só se permitiria construir com o erro, caso se saiba previamente aonde chegar. A cognição enquadrada aí, reduz-se à inteligência e resolução de problemas. Para Kastrup (Ibidem), poder criar novos objetos e novos mundos – o que seria essencial para o entendimento da invenção - começaria com um devir da cognição e a invenção só se completaria, quando a esse devir se seguir um esforço no trato com a matéria. Para a autora, ‘o esforço dobra também aquele que o empreende, gerando nele novas formas de conhecer e viver’. Destaca também que a perturbação no coletivo não pode ser deixada de lado. Também acreditamos que podemos encontrar, no outro, uma possibilidade de nos expressarmos melhor, abandonando a ideia de uma necessidade ligada a um egoísmo individuado. Destacamos que ‘o outro’ não necessariamente é alguém que age sobre nós, pode ser um filme, um texto, uma foto, uma pedra etc.

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Quando pensamos que ‘todos os processos cognitivos convergem numa mesma direção, trabalhando para a estabilidade e o reconhecimento das formas (Ibidem, p. 231) - universais e totalizantes’, a invenção se reduziria à solução de problemas e invenções necessárias. ‘O que dá de genuíno a invenção seria sua novidade imprevisível’. (Ibidem). IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

Ao ampliarmos o conceito de cognição, não excluímos o papel da recognição como invenção, mas damos à cognição como invenção, uma ‘potência em diferir de si mesma’ a abrir-se aos acontecimentos que a tomam. Retiramos a cognição de suas aplicações legais, pois ela ‘não cabe a ciência’, embora, possa se encontrar com ela. Kastrup esboça que “uma ‘política inventiva’ (Ibidem, p. 238) tem de lutar permanentemente contra as forças, em nós e fora de nós, que obstruem o movimento criador do pensamento, o que pode redundar em novas práticas psicológicas”. Enfatiza uma não desqualificação da diferença, e valoriza um encontro com o diferente que possa fazer-nos diferir daquilo que projetemos. Pensamos que ao liberar a cognição para pensar o que ainda não está representado, parece um papel importante para nosso encontro com um pensamento que possa se abrir e pensar o impensável. Ao propiciarmos encontros como, por exemplo, textos e imagens que não se querem necessariamente representar, também parece importante para outras possibilidades de aprendizagens e produções de conhecimentos. Mas seriam aprendizagens que não pressuporiam as leis da lógica como suas norteadoras. Coloca-se também como emergencial, uma aprendizagem que valorize as brechas e os devaneios que nossos pensamentos abrem ao circularem nos encontros que temos com acontecimentos. Ao possibilitarmos existirem encontros que não se fecham sobre si mesmos, nem se reduzem ao que atualizam nos estados de coisas que efetivam, eles parecem ser uma necessidade para nossa educação, desde a infância, e não caberia nesse trajeto, aplicações de estruturas para dirigir o que se apreende, pois aprendizagem não se reduz apenas a um domínio sensório-motor. Um currículo que não subsuma as possibilidades de aprendizagens à identificação e à lógica, como no caso em que, às vezes, textos e imagens, e a própria arte, acabam capturados, parece possibilitar as vidas e os corpos que tomam a educação, a liberarem outros fluxos e aprendizagens, permitindo a existência de outras formas de subjetivações e de afirmações de diferenças, como também, poderiam propiciar conhecimentos mais sentidos, ampliado as potências de aprendizagem. Tentativas neste campo colocam-se válidas para podermos quebrar algumas premissas das verdades da cognição anteriormente legitimadas. Ou melhor, para experimentarmos o quão potente pode ser também, abrirmos o pensamento acerca da cognição e investirmos em experimentações, ao ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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nos apoiarmos em uma ontologia que se faz no presente e que atende às vontades do pensamento pensar, criar e inventar para além do já sabido. Currículo Imanente Seria possível constituirmos um currículo que compreenda em sua causa, também o presente? Que não se apoie exclusivamente no futuro para produzir o que se busca? Mas que também, o que se produz seja efeito de uma experiência, de uma exigência e afirmação da vida em sua variação complexa contínua? Para que isso possa acontecer com mais frequência, parece potente pensarmos e preservarmos brechas, intervalos para o currículo. Permitir que o Currículo maior, dado por grande questões políticas, seja atravessado por um currículo menor, e que este último se componha como uma espécie de heteretopia coexistindo com o primeiro. Que seja também afirmada uma postura imanente, aberta à experimentação que não vise apenas repetir resultados ou reproduzir o mesmo. Que o tempo intensivo necessário para invenção seja preservado, que não paralise os fluxos, que haja um plano, uma abertura para o pensamento necessário que não se comprometa em produzir o que já se saiba, e, portanto, opere mais por linhas de fuga, e o que se crie obedeça apenas às ordens dos fluxos, das forças desejantes de criação. Que haja repetição, mas que a repetição seja a do processo e não do resultado. Um currículo assim, não se apoiaria em uma moral vigente, mas buscaria preservar singularidades, buscaria compor uma ética que preserve uma estética de existência. Tal currículo caminharia trechos incertos que iriam na contramão do Uno, não compreenderia um fechamento do Todo, e estimularia o pensamento e o que se produz para além da representação de mundo, mais além da recognição. Sem dúvida é uma postura micropolítica (Deleuze G, Guatarri F., 1996, p. 83). Um currículo menor que pode ajudar a compor uma educação menor (Gallo, S., 2008, p. 64-70), que atravesse, questione os saberes legitimados como verdadeiros e crie outros. 74

Para tanto, também, coloca-se necessária outra conceituação, ou um deslocamento dos conceitos vigentes no campo educacional.

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Desterritorializar os conceitos curriculares A aposta em um currículo imanente poderia compor-se como estratégia de combate a um Currículo totalizante; mas, correria o risco em fixar-se como um contracurrículo, como um modelo alternativo pleno de sentidos e soluções que pusesse ordem no mundo. Um currículo imanente aproxima-se mais de um jogo, de um lance de dados Deleuze, G. (2011, p. 599), um currículo que cria com o Caos, mas não se afunda neste, em que não é possível boiar em formas de saber para produzir verdades e consciências, um currículo tal só pode atender aos fluxos das forças contínuas de criação. Um currículo que se constitua em uma ontologia do presente e com esta criam-se conceitos e/ou deslocam-se outros demasiados rígidos. Se não se preocupa em transcender, a aprendizagem busca intensificar afetos. A consciência não pairaria por aí tomada nas coisas, ela poderia ser sentida nos encontros dos corpos com as conexões aos meios em que se cria. Pensar na imanência também é dar chance a práticas experimentais nas quais o que se projete não esteja pensado de antemão. Tratar-se-ia de apostar no impensável. Deleuze (1992, p. 253) propõe que as três potências do pensamento (filosofia, arte e ciência) criam com o Caos ao recortá-lo e tomá-lo como plano de referência, composição e fuga. Pensamentos que criam, se atravessam e que se transversalizam também na educação. Mas, conforme a perspectiva curricular, podem ser paralisados ou intensificados. Pensar na imanência e trazer o currículo para o presente pode implicar numa desterritorialização do pensamento que não caiba em uma essência de aluno ou professor. Não compreende a essência, pois considera o devir, abertura ao tempo, os acontecimentos. Está atento à vida, a sua variação e, portanto, não tem como colocar-se em um ponto fixo ideal, precisa de experimentação, de deslocamentos e considerações de diferentes pontos de vista, mas que operem no real e nos encontros com todo o campo de virtualidades que possam vir a se atualizar, neste caso, na educação. 75

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Prática (de)formação docente Pensar uma prática de formação docente que contemple também a experiência em sala de aula não implica menos trabalho ou rigor dos envolvidos no processo educacional. Permitir-se afetar por um pensar filosófico dentro do referencial aqui usado tampouco implica uma ideia de salvação do mundo. Em uma entrevista (Tiburi M., 2010, p. 18), o filósofo Daniel Lins coloca que: Nunca se trata de mudar o mundo; em filosofia o messianismo não tem vez. Trata-se, antes, de dar uma chance mínima à filosofia e aos desejos para que a barbárie não derrube o que nos resta de alegria e vontade positiva de potência. Na mesma entrevista, o filósofo afirma: A filosofia deleuziana, ou nietschiana, não trabalha com pensamentos concluídos, ou saberes dados por antecipação. É uma filosofia do desejo - a que nada falta - e do devir, daquilo que está por vir. Pensar para Deleuze é um esporte, é movimento, é pura invenção.(Idem). Ora, talvez o que falte às instituições educacionais seja este cuidado em permitir brechas para o desejo, um não boicote ao devir, e também potencializar os perceptos e afectos dentro e fora de sala de aula. Seria difícil vê-la como prática curricular oculta, são práticas que se estão ocultas, estão muitas vezes por não nos atrevermos e nos deslocarmos do ponto em que nos fixamos em nossas relações. Os excessos de clarividência ou iluminação, em que grande parte das práticas escolares estão envoltas, não permitem outras possibilidades de conexões mais sensíveis aos fluxos e variações, por diversos fatores que dificultam nos atrevermos a questionar dogmas estabelecidos.

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Se de fato, como apontado por Foucault e Deleuze e desenvolvida por Negri e Hardt, estejamos na transição de uma sociedade disciplinar para uma sociedade de controle (Pealbart, P.P. 2011, p. 134), a segunda não daria mais espaços que a primeira, pelo contrário, dentro da educação incitaria ainda mais funções para o corpo discente e docente, que além de toda a carga de conteúdo que tem de lidar, ainda recebem uma demanda extra de produtividade. No entanto o presente trabalho não visa aqui julgar se isto é melhor ou pior, propõe outra mirada e outra postura dentro desta transição, em que não seja IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

abandonada a importância da invenção. Uma prática docente que vise potencializar afetos pode buscar também resistir a uma quantidade de produtividade, pensando e deslocando esta produtividade para a produção e invenção de problemas. Privilegiar a arte, a filosofia e a ciência nos entrecruzamentos em educação é também permitir resistir a uma massificação, mero entretenimento e reprodução de saberes adquiridos descontextualizados. Cada um teria direito ao seu problema, uma deformação na forma de ação pedagógica que passa a vincular o conhecimento ao ato de pensar prático, o conhecimento que esteja vinculado com a experiência, ao corpo, como subproduto da potência de pensar e não o conhecimento alinhavado a formas de saberes transcedentais. Que busque, experimente: Outra parte do corpo que não esse cérebro arrebentado. Outra parte do corpo escritapolítica que não esse currículo. Essa memória que arrebenta o que não faz sentido. Esse currículo que arrebenta o que não faz sentido. Até quando ficar no que faz sentido? E quando no que expressa sentido? Mas o que faz sentido? A realidade? A distinção da realidade junto à ficção e à imaginação? O sonho? O som? A centralidade e justeza pensamento-memória-narrativa? (Andrade, E.C.P., Prioli J.P., Amorim A.C. 2012, p. 148). Coloca-se então como um trabalho árduo diante a imensidão de leis, normas e regras que acompanham o Currículo maior: excesso de trabalhos, provas, relatórios... Compor em outra direção pode demandar posturas e deslocamentos que compreendam uma diminuição do fazer burocrático, para conseguirmos brechas para o pensamento poder acontecer com mais força, não se reduzir à recognição que reage sobre o acontecido, tendo apenas como referencial o já sabido. Permitir a brecha é abrir-se a outras maneiras de sentir e não a busca por uma afetividade correspondente a um só sentimento, pois são vários os sentimentos que preenchem um afeto. Um afeto toma a cada um de modo diferente, não produz um efeito esperado ou antecipado. Permitir-se afetar é abrir-se ao fora acontecimental, é permitir o devir, e nenhum dos dois, acontecimento ou devir, podem ser antecipados, programados, controlados. Como coloca Sandra Mara Corazza: Para fazer multiplicidade é preciso perder o ponto. É por isso que, para Deleuze, o devir é sempre um devir minoritário. Não porque o minoritário ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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seja o justo, o bom, o correto. [...] O devir-minoritário é desejável simplesmente porque é o minoritário que, correndo por fora, ainda é multiplicidade intensiva, ainda é molecular, ainda é pura fluidez e flexibilidade. É o devir-minoritário que é uma multiplicidade intensiva. É dali que pode surgir o novo e o imprevisível. (Corazza S., 2004, p. 152). Um currículo imanente adota uma nova postura que desloca a hierarquia, mesmo que momentaneamente, e põe as conexões criadoras em fluxo. Abre mão de um conhecimento que preza apenas pela verdade, e passa a compreender o erro como aprendizagem. Não se busca mais o homogêneo, o único, o certo, o idêntico. A criação e experimentação como alternativas curriculares em conexão ao pensamento da filosofia da diferença podem possibilitar que o que se produza preserve singularidades, heterogeneidades, preserve a diferença, prolifere o múltiplo. Aqui se busca privilegiar uma aprendizagem afetiva que flui no processo, no entre; e não no fim, nos polos. Busca assim oportunidades para um docente que experimenta e se experimenta. Também se apresentam importantes para outra formação docente, o deslocamento e abertura da linguagem científica, racional e verdadeira, ao incentivo de diferentes estilos de textos e escritas, de outras práticas com imagens e com as artes, entre outras inúmeras práticas que possam ser revisitadas na experiência do educar; que propiciem a potência de pensar, que preservem e possibilitem o encontro com o fora que nos force a pensar. Estimular conjuntamente o incentivo a diferentes estilos docentes parece mais potente e prazeroso, que um modelo correto de ser professor, pelo menos pode ser mais alegre, mais intenso, menos messiânico. Experimentações em sala de aula Como já colocado, este texto pretende apontar a possibilidade de uma articulação e transversalização entre um currículo imanente, a filosofia da diferença como prática de formação de professores e experimentações em sala de aula. 78

Problematizadas a contextualização e possibilidade dos/nos dois primeiros, lançamo-nos a tarefa de pensar como esse processo implicaria experimentações no campo da escola, mais explicitamente como levar conceitos da IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

filosofia da diferença a serem trabalhados no espaço escolar, na sala de aula e tentar, por estes, afetar professores e alunos. Lança-se então uma questão: é possível, no trabalho com a filosofia da diferença, utilizá-la “como” ferramenta para outras possibilidades de práticas escolares? Acreditamos que sim e, para tanto, mostra-se importante apontar experiências realizadas como coordenador pedagógico em uma escola particular na cidade de Campinas, em que projetos surgiram da/pela escrita de histórias para alunos com faixa etária entre 06 e 10 anos. Ressalta-se que o “como” que se segue no desenvolvimento do texto, não pretende ser uma fórmula ou solução e sim, apresentar-se como possibilidade de experimentação em que uma das maneiras possíveis seria a que se apresenta a seguir. Contextualização do trabalho Após criar-se momentos de estudo nas reuniões pedagógicas, que ocorrem quinzenalmente no colégio com os professores do curso, para a leitura e discussão de textos (principalmente de caráter ensaístico) e livros com caráter filosófico e também para assistirmos a filmes e vermos imagens que se conectassem a estes assuntos e conceitos discutidos, foi-se pouco a pouco produzindo um território possível para a experimentação e discussão de outras maneiras de se olhar a educação e possibilidades de se produzir desvios no planejamento programático dos conteúdos a serem aprendidos. Visto que o trabalho com a filosofia da diferença não visa(va) capacitar professores e nem alunos a “apreenderem” conceitos filosóficos, e sim pensar por/com eles a possibilidade de produzir afetos em sala de aula e outras formas de experimentar o conhecimento, a forma encontrada para pensarmos junto aos conceitos que estudávamos foi através de projetos que pudessem possibilitar uma prática embasada nesse pensamento conceitual que se deu principalmente pela escrita de histórias pela coordenação do curso, com as quais cada professor pudesse desenvolver um projeto que tivesse como ênfase um trajeto educativo articulado às situações e pensamentos apresentados ao longo da história. Ressalta-se o termo trajeto por ser um momento que buscava que os professores se sentissem à vontade para começar e terminar seu projeto no ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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momento em que quisessem e também, que não fosse avaliado um resultado final do alunos, mas sim que cada professor avaliasse a possibilidade de pensar seu projeto como processo de aprendizagem. Assim colocada, a aprendizagem está colocada no entre e não como fim com objetivo de verificação de uma verdade. Todo projeto também envolvia uma certa produção dos alunos, diferentes fazeres, dos quais muitas vezes, não se sabia onde exatamente chegar. Vale enfatizar que as produções dos alunos não buscavam coincidirem ou se igualarem, mas multiplicarem pensamentos e afirmarem singularidades, sem tomar a produção do outro como a mais certa, ou melhor. Momentos que pensamos afirmarem diferenças e que ao mesmo tempo, pudessem intensificar a chance de pensar na/pela produção do outro. Colocamos que a possibilidade de discussão conceitual com professores pareceu importante tanto nos desdobramentos dos textos em suas discussões em sala de aula, como também em uma possível afecção que pudesse influenciar na criação de seus projetos, ao insistir-se em não buscar as verdades dos textos, mas possibilidades de coexistências de pensamentos diferentes e outras maneiras de sentir no corpo docente e discente. Trabalhou-se com quatro histórias ao longo de quatro anos, cada uma desenvolvida em um único ano por todas as classes. Não as reproduziremos no texto, mas contextualizaremos a seguir as histórias desenvolvidas e os conceitos que vibram em cada uma. “X” (2010) Nessa história, foi desenvolvido o conceito de “cuidado de si” (Foucault, 1985) e também o de “modulação” tal qual o explora Maurizio Lazzarato (2006), com ênfase ao poder do marketing na produção de falsos desejos.

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A escolha do “cuidado de si” como ferramenta conceitual aparece pela vontade de discutir e diferenciar moral e ética. Assim, nos aproximamos de Foucault ao pensar a moral como valores coercitivos aos quais somos e nos vemos obrigados a seguir, e ética como valores que escolhemos seguir. Aproximamonos a Lazzarato em sua contextualização da máquina capitalista e de sua utilização do marketing como instituição subjetivadora, produtora de falsos desejos e que atua principalmente vinculada aos meios de comunicação. IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

Conceitos que acreditamos serem potentes para pensar junto aos professores e alunos se nossas escolhas se aproximam mais de uma reprodução de desejos prontos ou se são sentidas e pensadas por uma necessidade que não só a do consumo. “A trama da floresta: uma história sobre nossa vida” (2011) Essa história enfatiza o conceito de escolha, enaltecendo a importância de possibilidades de escolha, aproximando-se a leitura que Deleuze (2011) faz de Pascal, Kiekegaard e Sartre. A história é composta de textos em que os alunos têm que escolher por qual caminhos podem seguir ao saírem da zona de segurança da floresta. São apresentadas três possibilidades de percursos: seguir o leito do rio, caminhar seguindo as nuvens ou prosseguir observando o chão e marcar as árvores pelas quais forem passando. Em meio aos trajetos, as escolhas lógicas não necessariamente podem ser consideradas as melhores opções, já que há a intenção de fazê-los se chocarem com o acaso. O acaso passa a ser visto como o momento em que se deparam com um acontecimento que pode alterar as intenções previamente planejadas, contextualizando também as noções de ideal e real. No desenvolvimento da história cada classe foi montando seu trajeto e as soluções para os problemas eram sugeridas por cada aluno. Aos alunos sempre eram dadas opções de escolhas, mesmo que a escolha fosse não prosseguir ou não permanecer no percurso/proposta em contexto. Cada professor montou seu projeto para desenvolvê-lo junto à história e todas as possibilidades de soluções ou pensamentos poderiam ser apresentadas as outras turmas. “Saúde Poética” (2012) Ao longo do trabalho com os professores e a experiência das histórias dos anos anteriores, pareceu importante também tentar trazer os pensamentos das artes e das ciências ao encontro do trabalho com filosofia. Aceitando a proposta de Deleuze em pensar esses campos como potências de pensamento e, por estarmos em uma escola, em também pensar a educação como um dos campos em que essas potências de pensar possam se tranversalizar, começou-se um trabalho conjunto de formação dos professores, trazendo ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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aos encontros de estudo: poesias e imagens. Apresentado esse contexto, a história escrita baseava-se em maneiras diferentes de olhar o mundo, sem serem excludentes. Aposta-se, dessa vez, em um olhar que enfatize a composição ao invés da síntese ou exclusão. Busca-se potencializar outra vez as singularidades em um contexto de múltipla composição. Há como recurso a apropriação de trecho de poemas e poesias de Pablo Neruda (2001) e Manoel de Barros (2008) nos diálogos que se estabelecem no decorrer da história. Procura-se incentivar um pensar que privilegie a solução de problemas e um pensar que invente novos problemas. Nos projetos das professoras enfatizou-se tanto uma experiência por soluções possíveis, como também o pensamento para invenção de novas questões, ou seja, os alunos também foram estimulados a darem “respostas” na forma de novas perguntas. Buscou-se também propiciar aos educandos outras possibilidades de sentirem e estarem no mundo sem ser somente pela aquisição de padrões prontos de comportamento, ou do que é certo ou errado. “Encontros roubados uma história de dar gosto” (2013) Apresenta-se aqui a última história desse ciclo de experimentações e que tem como eixo problemático a ideia de como se dá o conceito de ‘encontro’ em Deleuze e também pretende discutir o conceito de ‘gosto’ aproximandose também do filosofo francês e afastando-se da opinião do senso comum de que gosto não se discute. A história foi escrita com base nas memórias de infância das professoras do curso que responderam algumas questões do que seria para elas um gosto, sem que lhes fossem dado tempo de pensarem muito a respeito (tentativa de evitar uma maneira professoral de responder). Foi também pedido que lembrassem de algum momento marcante da infância em que desenvolveram ou adquiriram um novo gosto. 82

Após a pesquisa com as educadoras fora-lhes ainda solicitado que trouxessem uma imagem que elas acreditassem poder se articular com a rápida entrevista. IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

Assim, a história mistura as lembranças das professoras, um “roubo” num sentido deleuziano, para efetivar sua escrita, com a preocupação em não declarar a memória de nenhuma delas e sim, misturá-las. Não se esconde que é uma maneira de poder afetá-las mais intensamente para que se sintam estimuladas a também afetar os alunos. Importante contextualizar que nesse momento trabalhava-se mais intensamente com o uso de imagens com um caráter mais pós-estrutaralista nos encontros de estudo. Entretanto as imagens trazidas por elas apresentavam predominantemente um forte aspecto representacional. Para também pensar o trabalho com imagens mais abstratas e a potência que podem ter no ensino com esse grupo de alunos e, também por as imagens trazidas não terem sido produzidas pelas professoras (não havia autorização de uso), os alunos trabalharam nas aulas de informática com softwares de edição variados em que a atividade consistia em modificar, rasurar e intervir nessas imagens. Essas imagens (oito iniciais) compuseram então, um vasto banco de imagens (mais de duzentas). Ao final do projeto os alunos escolheram em que parte da história colocariam cada imagem (modificada), podendo escolher aquela que modificaram ou a de outros alunos, composição que dificilmente possibilitaria coincidências de um aluno a outro em toda a história. Pensa-se também na possibilidade em ser afetado no encontro com a imagem do outro, problematizando um elo de pura identificação com aquilo que se produziu e a escolha daquilo que mais lhes interessou, como também enfatiza-se a tentativa dos alunos pensarem a montagem e composição da história em uma conversa texto-imagem que não fosse somente ilustrativa. Importante destacar o atravessamento da arte nesse trabalho ao pensar a produção e posterior uso de imagens que perderam seu uso representacional, seu uso explicativo ou decorativo no texto. Parece relevante primeiro apontar uma certa dificuldade de parte dos alunos em começar esse tipo de trabalho na manipulação das imagens. A dificuldade inicial não se deu pela dificuldade em mexer nos programas de edição e sim, pela dificuldade em acreditar, entender que eles poderiam intervir como quisessem nas imagens, ou melhor, a grande dificuldade foi que se deslocassem da lógica do certo ou errado, do medo de errar em um trabalho em que estava claro que poderiam experimentar e ensaiar a vontade com as imagens, e que se houvesse qualquer noção de erro, essa poderia ser encarada como parte importante ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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da aprendizagem conectada também ao acaso, vistos aqui como importantes momentos para a criação. Posterior a esse primeiro momento o interesse dos educandos por esse tipo de trabalho se desdobrou a ponto de termos muitas procuras de alunos e pais pelos programas de edição usados. A potência dos conceitos na experimentação escolar Dentro de todas as experiências em práticas motivadas pelo pensar com os conceitos filosóficos no campo educacional, acredita-se ter sido importante apontar aqui que é possível acreditar na escola como espaço de criação e invenção. Ressalta-se também a necessidade da exemplificação prática que fora abordada neste tópico, pois muitas vezes apontamos apenas o que não tem, ou o que falta no espaço escolar. Claro que não se pensa que o trabalho com a filosofia da diferença salvará a escola moderna, ou que é a solução de seus problemas. Mas parece importante afirmar que há tentativas de tentar pensar uma outra escola enfatizando-se a criação e invenção, as experiências possíveis e vinculando um saber filosófico a uma prática filosófica possível.

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O conceito de afeto tão utilizado nesse ensaio coloca-se como uma grande aposta na tentativa de pensar junto aos professores novas possibilidades do fazer e do pensar em educação, pois parece forte o vinculo entre aprendizagem e afeto. Vale frisar mais uma vez que o afeto é visto aqui em consonância ao modo em que Deleuze pensa o afeto espinosano. O afeto não como algo a provocar sentimentalismos, reconhecimentos de uma consciência flutuante, mas o afeto como uma percepção extraordinária singular de quando encontramos com algo que nos mobiliza a pensar, a dizer, a fazer, a educar. Educar para possibilitar afetos parece uma boa escolha, uma boa aposta a se pensar a aprendizagem em sala de aula. O afeto também como possível ferramenta conceitual a se desdobrar com professores e alunos. Pensaremos então aprendizagem próxima a Deleuze e arriscamos colocar que ninguém sabe como se aprende, a não ser por uma afecção intensa sentida em nosso corpo e que desencadearia em nós um outro modo de pensar e que poderia interferir em nosso agir IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

A estratégia pensada na formação com os professores passa por uma tentativa de se criar um gosto filosófico, um gosto artístico, que não estejam fundados no ser e sim que possam ser experimentados, sentidos e que possam colocar corpos em devir, proliferando singularidades e diferenças dentro da escola, possibilitando invenções. Os conceitos que estão implícitos nas histórias parecem apontar uma necessidade de práticas de trabalho, tanto por professores quanto por alunos, evitando cair apenas na reflexão sobre as coisas. As histórias e seus projetos decorrentes, colocam-se como uma tentativa imanente em educação, que pense uma aprendizagem que se faz experimentar afirmando as singularidades que compõem o múltiplo no espaço escolar e estimulando-as a pensar e criar. Parece também importante neste trabalho, o fato da produção de professores e alunos não buscar aproximações pelo igual ou semelhante, acredita-se que aqui é relevante a comparação, mas a comparação deslocada do certo ou errado, melhor ou pior, para uma comparação em que se possa ter a capacidade de pensar potencializada pela ideia de que o trabalho do outro pode disparar em mim, seja com discentes ou docentes. Também destaca-se a invenção por parte de professores e por parte dos alunos ao não saberem de antemão aonde chegar. Aposta-se em uma aprendizagem intensiva e não apenas quantitativa. Uma aprendizagem que pode passar por um cuidado de si e que pode vir a afetar o outro, em um pensamento que tenha chances de escapar de uma totalização operada por modulações de subjetividades lineares, como no caso da primeira história, “X”. Que não exclua o acaso quando escolhemos um trajeto quando nos damos conta da não obviedade da vida, como na segunda história: “A trama da floresta”. Que intensifique as oportunidades de escolhas e problematize possibilidades de invenção quando não sabemos as respostas de antemão. Uma aprendizagem que possa se fortalecer no encontro entre ciência e arte, e a não necessidade de subsunção ou hierarquia, entre um pensamento e outro. Aponte possibilidades de coexistências de visões de mundo e olhares diferentes para nossa constituição e valorização da vida, como em ‘Saúde Poética’. E também uma aprendizagem que valorize as forças dos encontros, não os diminuindo aos estados de coisas que os atualizam em suas classificações ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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psicologizantes. Uma aprendizagem que intensifique gostos, afastando-os de rotulações universais, em: ‘Encontros roubados uma história de dar gosto’. Uma aprendizagem que insista em intensificar os corpos da educação abrindo brechas no Currículo e trazendo-o a pensar e inventar na imanência. Considerações Ao buscar pensar as possibilidades de um currículo imanente e a experimentação em sala de aula, a filosofia da diferença mostra-se potente como prática de formação de professores. Ressalta-se que um currículo imanente não busca colocar-se como modelo aos Currículos vigentes, mas busca pensá-lo e praticá-lo em coexistência a este. Para tanto é preciso pensá-lo no presente, no fluxo das forças criadoras. Repensar os conceitos filosóficos presentes no Currículo e como afetam o campo educacional parece uma boa alternativa para o trabalho com professores ao potencializar práticas educacionais que abram espaço para experimentações, que deem abertura ao tempo intensivo e que propiciem paixões alegres na constituição docente. Provocar outros olhares, propiciar deslocamentos, potencializar afetos colocam-se como uma grande aposta para outras práticas de aula, em que o professor dê chance de se experimentar a si mesmo, como aos alunos que busca afetar. Um outro caminho que não apenas o da competitividade, excesso de produtividade esperada, ou do agir ressentido. Criar talvez um gosto pelo estudo não como apreensão de fórmulas e/ou modelos corretos e homogeneizadores. Mas tentar experimentar uma outra prática docente que busque articular conhecimentos que visem a variação, a criação e a invenção.

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Considerar as experimentações nos encontros com as potências do pensamento (arte, filosofia e ciência) e dar o direito de cada uma buscar seu problema, pode ser uma chance de dar respiro a vida, criar com desejo, ter tempo de ser afetado ao não paralisar o devir. Tentativas em dar ao docente maiores oportunidades de talhar sua própria estética de existência em um plano imanente e gozar da vida aqui, no presente. IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

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Deleuze G. & Guatarri F. (1992) O que é filosofia? Rio de Janeiro: Editora

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IXTLI - Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación Volúmen 1 - Número 1 - 2014

pp. 89-106

A relação entre a meditação heideggeriana sobre a essência da técnica e o tema do Cuidado (Sorge). José Fernandes Weber

Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de Londrina (UEL)

[email protected] Graduação em Filosofia. (UNIOESTE); Mestrado em Filosofia (UNICAMP) e em Educação (UEM); Doutorado em Filosofia da Educação (UNICAMP); Interesse pelas relações entre Filosofia e Educação/Formação/Bildung; Estuda o romantismo alemão, o pensamento de Nietzsche, e as relações entre técnica, tecnologia, antropotécnica e educação em Martin Heidegger, Eugen Fink, Gilbert Simondon e Peter Sloterdijk.

Resúmen - Resumo - Abstract O objetivo do artigo é apresentar a relação entre a meditação heideggeriana sobre a essência da técnica e o tema do cuidado (Sorge). Além de uma breve introdução ao modo como a técnica foi concebida no século XX, o texto é composto por dois outros momentos: o primeiro, em que será reconstituída a crítica de Heidegger à essência da técnica; o segundo, em que serão apresentadas as reflexões de Heidegger sobre o estabelecimento de uma relação de liberdade com a técnica, dada não por um ato de vontade, mas de pensamento, expressa na noção de cuidado (Sorge), enquanto dimensão fundamental do nosso modo de ser no mundo, em que, partindo do âmbito do pensamento filosófico,

El objetivo de este trabajo es presentar la relación entre la reflexión heideggeriana sobre la esencia de la técnica y el tema del cuidado (Sorge). Después de una breve introducción sobre el modo como fue concebida la técnica en el siglo XX, el texto desarrolla otros dos temas: el primero reconstruye la crítica que Heidegger realiza a la esencia de la técnica y, el segundo, donde se presentan las reflexiones de este autor sobre el establecimiento de una relación de libertad frente a la técnica, dada no por un acto de libertad sino de pensamiento, expresado en la noción de cuidado (Sorge), en cuanto dimensión fundamental de nuestro modo de ser en el mundo, en que, partiendo del ámbito propio del pensamiento filosófico, puede adentrarse en el

The purpose of the paper is to present the relation between Hiedegger’s meditation about technique and the subject of care (Sorge). Besides a brief introduction to the manner technique was conceived in the twentieth century, this paper is composed by two other phases: the first one, where Heidegger’s criticism of the essence of technique is reconstituted; the second one, in wich will be presented Heidegger’s reflection about establishing a free relation to technique, given not through a will’s act, but thought’s act, expressed in the notion of care (Sorge), while a fundamental dimension of our way of being in the world, in wich, starting of the sphere of a philosophical thought, we penetrate into the domains of a unusual

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adentra-se nos domínios de uma compreensão pouco habitual do educar, segundo a qual o cuidado (Sorge) revela-se no proteger e guardar a indigência e a fragilidade da existência temporal humana. Para o autor, ao “abrigar” e “cuidar” é forjado um domínio de liberdade em relação à vigência incondicional da técnica. Assim, compreender a técnica e o seu modo próprio de vigência é condição para apreender o que está implicado na tecnologia, e possibilitar um modo mais adequado para pensar o sentido filosófico, pedagógico e humano inerente às noções de abrigo, guarda e cuidado, todas essas acepções possíveis de Sorge.

ámbito de una comprensión poco habitual sobre la educación, según la cual el cuidado (Sorge) se revela en la protección y cuidado de la indigencia y fragilidad de la existencia temporal humana. Para el autor, el “abrigar” y “cuidar”, da lugar a un ámbito de libertad frente a la vigencia incondicional de la técnica. Así, comprender la técnica y su modo propio de aplicación es condición para advertir lo que implica la tecnología y posibilitar un modo más adecuado para pensar el sentido filosófico, pedagógico y humano, propio de las nociones de abrigo, protección y cuidado, en tanto acepciones posibles de Sorge.

comprehension of the education act, according to wich care (Sorge) reveals himself in to protect and to guard the indigence and fragility of human’s temporary existence. To the author, in protecting and caring, a free domain is forged in relation to the unconditional validity of technique. So, comprehend technique and his proper mode of validity is the condition to apprehend what is implicated in technology, and to make possible a more adequate way to think philosophical, pedagogical and human senses inherent to the notions of protection, guard and care, all this possible meanings of Sorge.

Texto resultante das seguintes atividades de pesquisa: 1. Pós-Doutorado (Novembro/2013 a Outubro/2014) no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), campus de Marília, sob supervisão do Prof. Dr. Pedro Angelo Pagni, com Bolsa financiada pelo Programa CAPES/PNPD; 2. Projeto de Pesquisa “Técnica, tecnologia em Heidegger e Simondon: destruição do pensamento ou ampliação da experiência?” – PROPPG/ UEL, financiado pelos seguintes órgãos de fomento: 1. MCTI/CNPq/CAPES (Chamada 07/2011); 2. Edital MCTI/CAPES/CNPQ 14/2012 Universal; 3. Fundação Araucária (Chamada 05/2011); 4. FAEPE/UEL (Edital 01/2011); 5. Fundação Araucária (Bolsa Produtividade Em Pesquisa/2013)

Palavras chave: Técnica; Cuidado (Sorge); Heidegger Palabras Clave: Técnica; Cuidado (Sorge); Heidegger Keywords: Technique, Care (Sorge), Heidegger;

Recibido: 30-05-2013

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Aceptado: 01-06-2014

Para citar este artículo: Fernandes Weber, J. (2014). A relação entre a meditação heideggeriana sobre a essência da técnica e o tema do Cuidado (Sorge). Ixtli. Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación. 1(1). 89-109 IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

A relação entre a meditação heideggeriana sobre a essência da técnica e o tema do Cuidado (Sorge). A vigência da tecnologia tornou-se imperativa na contemporaneidade. Por isso, é impossível imaginar, dado o profundo e vertiginoso nível do desenvolvimento tecnológico, práticas ou concepções que abdicassem radicalmente das conquistas tecnológicas. Tanto é que, sobre os que insistem em não render-se à tecnologia, paira uma suspeita de arcaísmo, pois não apenas a dimensão material do mundo – os objetos –, mas também as “configurações subjetivas” – o imaginário, a representação de si, dos outros e do mundo, por exemplo – são marcadas e constituídas indelevelmente pelo modo tecnológico de criar e representar o mundo e o humano. Disso resulta uma cada vez maior consciência da importância da tecnologia, pois sua vigência não opera apenas uma transformação do mundo circundante externo – ela não apenas cria objetos com os quais se modifica a paisagem externa –, mas também opera uma transformação do próprio humano. Se ela opera uma forma ampla de subjetivação, abdicar de considerá-la em toda sua extensão, significaria restringir consideravelmente a própria apreensão do humano em suas possibilidades. Pierre Lévy1, no parágrafo de abertura de As tecnologias da inteligência, diz: Novas maneiras de pensar e de conviver estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática. As relações entre os homens, o trabalho, a própria inteligência dependem, na verdade, da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos (Lévy, 2010, p. 7) 2 Por tal razão, fácil será constatar que a tecnologia, enquanto tema privilegiado para a reflexão sobre o modo contemporâneo de ser, não se limita ao âmbito A obra de Pierre Lévy, dedicada extensamente aos temas da tecnologia e da informação, pode ser interpretada como uma versão soft ou light, cuja versão hard é a obra de Gilbert Simondon sobre os objetos técnicos, como veremos no segundo momento deste texto. Tal distinção leva em conta, não apenas o estilo da linguagem – muito mais acessível em Lévy – mas principalmente o desenvolvimento de uma metodologia para pensar o objeto técnico e a técnica, no caso de Simondon muito mais elaborada e filosoficamente mais consistente e de consequências mais amplas 1

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A este respeito, conferir também: Escóssia (1999); Kastrup (2000). ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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de abrangência dos objetos tecnológicos que tornam nossa vida mais cômoda. Se este plano, o da presença dos objetos tecnológicos no nosso quotidiano, é o mais visível, com o qual mantemos maior proximidade, dada justamente pelas facilitações que ele proporciona, contudo, a tecnologia abrange outras dimensões nas quais nossa tranquilidade é desestabilizada. Refiro-me, por exemplo, à possibilidade de, em decorrência do desenvolvimento tecnológico, ao mapear o código genético, selecionar “características desejáveis” para embriões, com o que, não apenas são evitadas possíveis doenças de fundo genético, mas é projetado um ideal de humanidade perfeita, ou mais perfeita do que aquela recebida pela nossa destinação natural enquanto membros de uma espécie determinada.3 Também na educação, o influxo da tecnologia tornou-se preponderante. A proliferação de materiais, livros, artigos, teses acadêmicas, insistem em afirmar, e existem razões mais do que plausíveis para tal insistência, que uma dimensão decisiva do significado da educação no século XXI apenas será configurada adequadamente quando forem incorporados os desafios lançados pela tecnologia. E o motivo para tal afirmação consiste em perceber, e neste particular o juízo está corretíssimo, que as novas tecnologias implicam um novo modo de conceber o próprio processo de constituição do conhecimento, além de expressar a necessária interação entre a escola e o mundo, afinal, incoerente seria conceber a escola como um espaço absolutamente autônomo, embora não seja necessário, sequer desejável, pensá-la como um espaço totalmente dependente. Assim, o que há de fundamental e digno de destaque na insistência crescente pela incorporação da tecnologia à educação não se refere à mera incorporação de novos objetos à escola, em que, não sendo mais eficientes o giz, o Uma das polêmicas filosóficas mais acirradas dos últimos 20 anos, travada por Habermas e Sloterdijk – embora jamais tenha havido um debate de fato entre os autores, tratou-se de uma polêmica nos bastidores – deveu-se a um posicionamento antagônico entre os dois autores a respeito do significado da engenharia genética, bem como sobre a razoabilidade e legitimidade da imposição de limites à pesquisa genética. Encontramo-nos num estágio tal que, em um tempo relativamente próximo, ser-nos-á possível programar geneticamente as características genéticas dos nossos filhos. Aquilo que antes, num plano não biológico, cabia exclusivamente à religião, à moral, à educação, poderá receber um “complemento tecnológico”. Este fato tecnológico possui consequências de amplo alcance, não apenas éticas, jurídicas, mas também, ontológicas, educacionais. A este respeito, conferir: Sloterdijk (2000); Habermas (2010). Também a este respeito, afirma Kunzru: “Existe, agora, a possibilidade de se fabricar humanos melhores, ampliando suas capacidades por meio de dispositivos artificiais” (Kunzru, 2009, p. 122) 3

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quadro-negro e o por vezes monótono discurso do professor, agora ter-se-ia um novo objeto – o computador –, que substituiria os velhos objetos obsoletos. O computador torna-se preponderante na medida em que revela um outro modo de mediação com o mundo e conosco . Portanto, “computador na escola”, “educação à distância” – temática que introduz outro tópico decisivo para uma sociedade como a nossa, a saber, o tópico da democratização do acesso ao conhecimento – são noções a revelar mudanças decisivas, não apenas nas formas institucionalizadas de manter e promover a educação, mas principalmente, nas formas mais extensivas de pensar a própria constituição do humano. Contudo, embora tais ideias revelem uma dimensão importante do problema, elas podem, ainda assim, deixar escapar um dos aspectos mais decisivos para apreender a real extensão do que está implicado na tecnologia, a saber, o problema da sua definição e da sua consequente significação. O mero uso de objetos tecnológicos, tanto no quotidiano, quanto na escola, ainda não significa que tenhamos a real extensão do que seja a tecnologia. A este respeito, Gilbert Simondon afirma: “[...] possuir uma máquina não é conhecê-la” (Simondon, 2007, p. 267). Ou seja, o mero uso de objetos tecnológicos na escola também não implica que já esteja resolvido o problema do alcance da percepção e da intelecção do que é um objeto tecnológico, qual sua relação com o animal, com o humano e, enfim, com a natureza. E o modo como, via de regra, é concebido o computador na escola, a saber, como um objeto usado para resolver um problema, ou um objeto que, ao agenciar processos de cognição, auxilia, facilita o processo de conhecimento, revela que talvez ainda não saibamos posicionar adequadamente os objetos tecnológicos no plano das realizações humanas. Com essa ressalva não se pretende introduzir uma correção ao modo como, na educação, é pensado o tema da tecnologia. Não se trata, portanto, nem de apresentar uma crítica à incorporação da tecnologia à educação, muito menos de mostrar uma insuficiência dos discursos que elegem a tecnologia como um fato para pensar a educação. Pretende-se operar por extensão, não por limitação. Busca-se tão só indicar a necessidade premente de refletir sobre a realidade dos objetos tecnológicos; sobre a necessidade de definir claramente o que é um objeto tecnológico, antes de usá-lo como um dado evidente, mostrando com isso suas conexões com as realidades humanas e naturais. Por conseguinte, busca-se apontar para a necessidade da constituição de uma ontologia crítica do objeto tecnológico, pois o mero uso de objetos tecnológicos, sem tal reflexão e definição, pode levar a constituição ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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de uma ignorância profunda: a não percepção do que seja aquilo com o qual lidamos e que nos constitui à medida em que somos formados, seja na escola ou nos planos mais amplos de nossa vida. Este texto é uma parte de um projeto maior cuja tentativa consiste em apreender o núcleo da reflexão sobre o tema da tecnologia, da técnica e da educação nas obras de dois filósofos: Martin Heidegger e Gilbert Simondon. Apesar de possuírem concepções divergentes a respeito dos temas, interessa ressaltar o aspecto comum às suas considerações: a centralidade da técnica e da tecnologia. Dada a necessidade de delimitação no presente artigo, a discussão terá como foco o pensamento de Heidegger. Num momento posterior da pesquisa, que ora se inicia, buscar-se-á verificar, a partir do estudo de obras específicas da área da educação, a produtividade das análises dos dois filósofos para a educação. Não se quer com isso insistir num modo inadequado, embora comum e recorrente, de considerar a relação entre filosofia e educação, segundo o qual a filosofia traria à educação as condições da sua própria inteligibilidade, segundo o qual, sem o auxílio fundamental da filosofia, a educação não apreenderia o significado mais íntimo dos seus próprios procedimentos e reflexões e; segundo o qual, o pensamento fundamental à educação somente poderia ser dado pela filosofia. Embora tal modo de conceber a relação entre filosofia e educação pareça-nos inadequado, há, porém, um ganho decorrente da introdução da reflexão filosófica sobre os temas em questão, qual seja, mostrar que é possível que estejamos operando, ou com termos cuja significação não conhecemos plenamente, ou com significações sustentadas em concepções insuficientes ou mesmo equivocadas. Dada a centralidade do problema da técnica e da tecnologia para as nossas vidas e para a educação, insistir na necessidade de dar definições rigorosas e de depurar as significações não parece ser um procedimento ocioso do qual poderíamos abrir mão. ***

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Hans-Georg Gadamer, no encerramento de uma de suas últimas conferências, intitulada “Educação é educar-se”, em 19 de maio de 1999, no DietrichBonhoeffer-Gymnasium da cidade de Eppelheim, proferiu uma sentença marcante sobre o futuro da educação num mundo cada vez mais dominado pela tecnologia: “Mantenho-me na posição de que, se o que alguém quer é educar-se e formar-se, é de forças humanas que se trata, e que somente assim sobreviveremos incólumes à tecnologia e ao ser da máquina” (Gadamer, 2000, p. 48). Longe de ser a expressão desencantada de um filósofo no alto IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

dos seus 99 anos, pois Gadamer jamais se mostrou pessimista, a frase revela, contudo, uma das características marcantes da reflexão filosófica do século XX sobre a tecnologia – ao menos em autores de língua alemã –, a saber, a suspeita de que há um perigo inscrito em sua essência e que, se a tecnologia não for dimensionada adequadamente, ela ameaça destruir a humanidade. A este respeito, Arnold Gehlen, no parágrafo de abertura de sua obra A Alma na era da técnica, ao mostrar as motivações e os equívocos deste modo de conceber a técnica, apresenta um panorama elucidativo sobre o modo como habitualmente a técnica foi concebida na Alemanha. Diz o autor: É raro que a abundante literatura crítica, que floresce na Alemanha desde Nietzsche e Spengler, não apresente uma tonalidade polémica contra a técnica. Temos de aceitar isto como sintoma de que a nossa sociedade ainda não terminou o íntimo debate com as profundas alterações que sofreu no processo de industrialização. Na vida pública têm larga expansão as receosas previsões de um futuro em que dominará o “estado de termitas”, o alastramento das massas, a teledirecção do cérebro, da personalidade e a decadência da cultura (Gehlen, 1967, p. 15). Muitos foram os autores que corroboraram este modo polêmico, negativo de pensar a técnica. Dentre eles, apenas para citar alguns de uma longa lista possível, destaco: Nietzsche (2001; 1992); Adorno & Horkheimer (1985, p.15); Benjamin (1996, p. 166); Arendt (2010, p. 21-25); Jonas (1985, p. 15; p. 302-305); Anders (1987); Heidegger (2002a; 2002b) e Türcke (2010, p. 09-12; p. 173-232). Embora não haja unanimidade a respeito de todos os elementos deste intrincado problema, ainda assim é possível identificar um acordo quanto a dois aspectos: 1º. a tecnologia, enquanto produto da técnica, representa um perigo para a humanidade; 2º. a compreensão da tecnologia só se torna plena se fundamentada numa reflexão sobre a essência da técnica. Neste particular, a obra de Heidegger se destaca, justamente por ser a reflexão mais radical e de mais longo alcance a respeito de tais temas, razão pela qual servirá de baliza para a caracterização desta posição de suspeita sobre a tecnologia e a técnica. 1. Essência da técnica e destruição do pensamento em Heidegger A reflexão de Heidegger inscreve a questão da essência da técnica no âmbito do problema do desencobrimento. Logo no início do seu texto “A questão da técnica”, deixa claro que a técnica não é igual à essência da técnica, que a ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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essência da técnica não é nada de técnico, e que a determinação instrumental da técnica não nos mostra a sua essência. Por essa razão, uma reflexão sobre a tecnologia – mera determinação instrumental da técnica – que não conduza à reflexão sobre a essência da técnica jamais apreende o essencial. Como compreender tais enunciados? Pela elucidação da verdade como desencobrimento e não como adequação (a verdade não é adequação da coisa ao intelecto) ou representação (a verdade não resulta da capacidade representativa que o homem possui dos objetos); ela não é o “correto de uma representação” (Heidegger, 2002, p. 16). Para Heidegger, “a técnica é uma forma de desencobrimento.” (Heidegger, 2002, p. 17). Portanto, distinto deve ser o modo de considerá-la. Neste “outro âmbito” se processará a reflexão sobre a essência da técnica em conjunção com a reflexão sobre o modo de se dar da verdade, pois, para Heidegger, a verdade se dá (es gibt), não é o resultado de uma produção do homem: “O homem não tem, contudo, em seu poder o desencobrimento em que o real cada vez se mostra ou se retrai e se esconde” (Heidegger, 2002, p. 21).

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Como compreender o desencobrimento? Como abertura, pois “o conhecimento provoca abertura. Abrindo o conhecimento é um desencobrimento” (Heidegger, 2002, p. 17). Tanto a episteme, quanto a poiesis, também a tekne – os três modos dos gregos conceberem o conhecimento – se configuram como modos de algo se manifestar, apreensíveis pelo pensamento, mas jamais criadas por ele. A tekne, que é tomada inadequadamente como equivalente ao técnico, possui, portanto, um sentido originário bastante diferente do moderno: ela também é uma forma de desencobrimento, ela desencobre o que não se produz por si mesmo, ela é um modo auxiliar para que algo venha a ser. Quem constrói uma casa, diz Heidegger, não cria a coisa como se determinasse, a partir de um esforço seu, uma coisa. Algo bem diferente ocorre. Construir uma casa, ou criar qualquer outro objeto técnico, não é um ato por meio qual meramente se produz uma coisa, e sim, um modo de fazer viger os quatro modos da vigência, as quatro causas aristotélicas, normalmente compreendidas como causa material (o material de que uma coisa é feita); causa formal (a forma em que se insere o material); causa final (o fim para o qual algo é feito); causa eficiente (o que produz o efeito). Embora o resultado seja um produto, uma coisa, a condição da vigência desta coisa não resulta do ato criador do construtor – em que a causa vige enquanto intenção realizada –, e sim, a possibilidade de que haja construção resulta da vigência destes quatro modos em conjunto. Isso leva Heidegger a afirmar que “o decisivo da tekne não reside, pois, no fazer e manusear, nem na aplicação IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

de meios, mas no desencobrimento mencionado” (Heidegger, 2002, p. 18), ou seja, em trazer algo à existência. Tal modo de compreender leva a uma crítica, implícita na argumentação heideggeriana, à ideia segundo a qual a técnica seria um agenciamento de meios para a consecução de fins, portanto, a uma recusa da compreensão operatória da teoria causal aristotélica. A este respeito, Leopoldo e Silva afirma que: A compreensão heideggeriana, a partir do significado propriamente grego de causa, caminha em outra direção, em que a relação operatória de efetuação é substituída pela de comprometimento. As quatro causas devem ser vistas como comprometimento com a produção da coisa. Assim quando digo que a causa material corresponde à matéria de que algo é feito, o que se quer dizer na verdade é que há uma espécie de compromisso entre uma certa matéria e a produção de um objeto; quando falo em causa final, quero dizer que há uma espécie de compromisso entre a produção da coisa e a finalidade a que deverá servir. Com isso supera-se a idéia de que se trata apenas de fazer algo, a partir de alguma coisa, para um certo fim. Na articulação das quatro causas, algo se mostra na sua matéria, na sua produção e na sua finalidade. Algo se desabriga desvelando-se no seu modo de ser. E aquilo que tendíamos a entender como operação revela-se um deixar acontecer, o ocasionamento ou o que vem a aparecer (Leopoldo e Silva, 2007. pp. 369-370). Se a técnica também é um modo de desencobrimento, qual é a sua essência? Heidegger o diz: é a com-posição. A com-posição denomina “o tipo de desencobrimento que rege a técnica moderna” (Heidegger, 2002, p. 24), ela é o “apelo de exploração que reúne o homem a dis-por do que se des-encobre como dis-ponibilidadde” (Heidegger, 2002, p. 23). E a característica do desencobrimento efetivado pela técnica moderna consiste na exploração, em tomar tudo como um estar à mão4, em dispor daquilo que se desencobre no sentido da disponibilidade à exploração. Quem explora não cultiva, tampouco protege 5. Aqui chegamos ao aspecto nuclear da crítica de Heidegger à técnica moderna. O perigo supremo da técnica moderna consiste em que a Zuhanden: o ente-à-mão (disponível, explorável); Vorhanden: o ente à-vista (simplesmente aí). 4

Esta ideia pode ser relacionada com duas noções heideggerianas que muito dariam a pensar à educação: cuidado (Sorge) e pertencimento (Eigenthum). A este respeito, conferir: Dalbosco (2006). Estes temas serão tratados no próximo subitem deste trabalho. 5

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com-posição destrói “toda visão do que o desencobrimento faz acontecer de próprio e, assim, em princípio, põe em perigo qualquer relacionamento com a essência da verdade” (Heidegger, 2002, p. 35). A consequência temível do império da técnica é a planificação, o controle, a exploração, pois ela impede o surgimento do desencobrimento em si mesmo, em seu sentido mais genuíno, o da irrupção do modo peculiar de ser de cada coisa, ou seja, de irrupção da diferença, do pensamento. Perdemos completamente o sentido do que seja, por exemplo, o rio Reno, quando o concebemos, por vigência do modo técnico de dispor o mundo, como um dispositivo para fornecer energia. Diz Heidegger: A usina hidroelétrica não está instalada no Reno, como a velha ponte de madeira que durante séculos, ligava uma margem à outra. A situação se inverteu. Agora é o rio que está instalado na usina. O rio que hoje o Reno é, a saber, fornecedor de pressão hidráulica, o Reno o é pela essência da usina. Para se avaliar, mesmo à distância, o extraordinário aqui vigente, prestemos atenção, por alguns instantes, no contraste das duas expressões: “O Reno” instalado na obra de engenharia da usina elétrica e “O Reno” evocado pela obra de arte do poema do mesmo nome, de Hölderlin. E, não obstante, há de se objetar: o Reno continua, de fato, sendo o rio da paisagem. Pode ser. Mas de que maneira? – À maneira de um objeto dis-posto à visitação turística por uma agência de viagens, por sua vez, dis-posta por uma indústria de férias (Heidegger, 2002, p. 20). Assim, a técnica moderna concebe a posição do próprio mundo no sentido da exploração, da intensificação dos meios como modo de intensificação dos ganhos. Não apenas a natureza, o próprio sentido de mundo, passa a ser concebido como um grande estoque de rentabilidade. E o perigo que daí emana, não é apenas o da destruição da natureza causado por máquinas e equipamentos técnicos 6. O maior dos perigos é o da destruição do pensamento. A este respeito, no escrito de uma conferência, intitulado “Serenidade”, Heidegger o diz de um modo lapidar: “A revolução da técnica que se está a processar na era atómica poderia prender, enfeitiçar, ofuscar e deslumbrar Temor que se apodera intensivamente na atualidade, dado o colapso climático, sem que se perceba o ponto cego das propostas da intervenção ambiental, mesmo quando conscientes: enquanto continuarmos a conceber a natureza como um espaço a ser explorado, nenhuma proposta de educação ambiental será efetiva. A crise ecológica é apenas a extensão do modo como nos relacionamos com o mundo enquanto natureza, ou seja, como algo disposto à exploração. 6

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o Homem de tal modo que, um dia, o pensamento que calcula viesse a ser o único pensamento admitido e exercido” (Heidegger, 2002, p. 26). A compreensão da abertura enquanto dis-ponibilidade à exploração impõe ao pensamento a unidimensionalidade que implica na destruição do pensamento. Isto faz Heidegger afirmar: “A com-posição é o perigo extremo porque justamente ela ameaça trancar o homem na dis-posição, como pretensamente o único modo de desencobrimento. E assim trancado, tenta levá-lo para o perigo de abandonar sua essência de homem livre” (Heidegger, 2002, p. 34). Por essa razão, “o perigo não é a destruição da natureza ou da cultura, mas uma restrição no nosso caminho de pensamento, uma diminuição da nossa compreensão de Ser” (Dreyfus, 2003, p.165). Haveria algo mais temível? Heidegger acredita que não. 1.1. A instauração de uma relação livre com a técnica: pensamento e cuidado (Sorge) Do exposto é possível ver que, para Heidegger, o que está em perigo com a vigência da disponibilização planetária da técnica, não é apenas um domínio particular do humano, restrito a um mau uso, decorrente de uma moda ou um defeito do tempo, e sim, o próprio pensamento, entendido enquanto irrupção da diferença. E embora Heidegger matize seu tom senão catastrófico, pelo menos profundamente crítico, ainda assim, mantém tal positividade como uma genuína questão de esperança, que, numa primeira aproximação, é ofuscada pela vigência da técnica, afinal, superar tal vigência não é uma alternativa facilmente à disposição, pelo menos não no sentido de que se trataria simplesmente de mudar alguns hábitos de vida e cuja mudança estaria a disposição de uma empreitada individual ou coletiva, advinda de uma mera mudança na tonalidade da vontade. Porém, não apreenderíamos o decisivo da reflexão heideggeriana sobre a técnica, tal qual exposta em “A questão da técnica” e em outros textos relativos ao mesmo tema, se não percebêssemos que o propósito do autor é justamente apontar para um horizonte de superação da vigência incondicional da técnica. Já no início do seu texto sobre a técnica, o autor situa o seu propósito nos seguintes termos: Questionaremos a técnica e pretendemos com isto preparar um relacionamento livre com a técnica. Livre é o relacionamento capaz de abrir nossa Pre-sença à essência da técnica. Se lhe respondermos à essênALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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cia, poderemos fazer a experiência dos limites de tudo o que é técnico (Heidegger, 2002, p. 11). Se este é o propósito do questionamento da técnica, por meio de um trabalho em que se dá a construção de um caminho, que é um caminho de pensamento (Cf. Heidegger, 2002, p. 11), como conciliá-lo com a impossibilidade de colocar-se ao abrigo da vigência da técnica por um ato de vontade, conforme apontado acima? Não haveria uma contradição entre esta impossibilidade e a tentativa heideggeriana de instaurar uma relação de liberdade para com a técnica? No já referido escrito Serenidade, o autor aponta, por diversas vezes, para o “crescimento do que salva”, adventício do próprio desencobrimento peculiar à técnica; ou ainda, é indicada a disposição de uma “serenidade para com as coisas” em que o império da técnica poderia ser anulado em sua dimensão deletéria, por meio de um equacionamento adequado da nossa relação com os objetos técnicos e a atividade do pensamento. Também em “A questão da técnica”, mais precisamente no final do questionamento, declara de modo surpreendente: Ao invés, a essência da técnica há de guardar em si a medrança do que salva. Neste caso, uma percepção profunda o bastante do que é a com-posição, enquanto destino do desencobrimento, não poderia fazer brilhar o poder salvador em sua emergência? (Heidegger, 2002, p. 31). Como compreender esta afirmação? Em primeiro lugar, reafirmando que a técnica, por si só, “Não é perigosa. Não há uma demonia da técnica” (Heidegger, 2002, p. 30). O que há de perigoso na técnica é a sua essência, a com-posição, o tomar tudo no sentido da exploração, como já mostrado. O perigo que daí emana é o comprometimento da essência do homem, do lugar em que ocorre o desencobrimento, a saber, a verdade e, principalmente, a com-posição encobre o próprio desencobrimento, pois destrói todo e qualquer mistério do mundo, na medida em que concebe tudo a partir do cálculo e da exploração. Em decorrência, o mundo torna-se um lugar para o uso das coisas. Nisto reside o perigo supremo. Por essa razão, não há contradição entre o projeto do estabelecimento de uma relação livre 100 com a técnica e a impossibilidade de fazê-lo por um ato de vontade, pois não se trata do agenciamento da vontade, e sim, da instauração do pensamento meditativo que, ao apreender a essência da técnica, já se põe ao abrigo da IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

vigência do modo do cálculo e, com isso, mantém-se aquém do domínio da essência da técnica. Assim, o dito heideggeriano segundo o qual “a essência da técnica há de guardar em si a medrança do que salva”, revela a instauração de uma outra relação com a técnica na exata medida em que mantém a presença do pensamento que medita e que recusa o mero cálculo. Ou seja, não é no âmbito da vontade que a questão se resolve, mas a mudança implica numa mudança que advém do pensamento: tanto do modo como se o concebe quanto do modo como se dá sua vigência. Portanto, apreender a essência da técnica é a condição para o estabelecimento de uma relação livre com ela. Heidegger diz: “Por isso, tudo depende de pensarmos esta emergência e a protegermos com a dádiva do pensamento. E como é que isto se dá? Sobretudo, percebendo o que vige na técnica, ao invés de ficar estarrecido diante do que é técnico” (Heidegger, 2002, p. 35). Em segundo lugar, considerando que a recusa da submissão à técnica, a instauração da liberdade para com a técnica, tema da obra tardia de Heidegger após a virada representada pela obra Beiträge zur Philosophie: vom Ereigniss, re-atualiza um tema de sua primeira grande obra, Sein und Zeit: o tema do cuidado (Sorge) 7. No âmbito de significação e de vigência do cuidado, conjugado ao significado da vigência do pensamento enquanto meditação, adquire-se a compreensão plena do dito heideggeriano: “a essência da técnica há de guardar em si a medrança do que salva”. E é neste âmbito que os temas até aqui abordados adquirem relevância para a educação. Embora pudesse sofrer uma crítica a opção metodológica aqui adotada, a saber, introduzir na discussão sobre a técnica – tema típico da “segunda fase” do pensamento heideggeriano – a noção de cuidado a partir de Ser e Tempo – obra máxima da primeira fase do seu pensamento –, a opção parece defensável na medida em que, apesar das diferenças claras entre as duas fases, o cuidado permanece como tema comum a ambas, aparecendo tanto em Ser e Tempo (primeira fase) quanto em “A questão da técnica” (segunda fase). Quanto às mudanças de sentido da noção de cuidado, apesar da Traduzo Sorge por cuidado, não por cura, como habitualmente se faz. A razão principal para esta opção se deve ao fato de cura, ao menos em seu sentido usual, implicar uma ideia que pode conduzir a um equívoco: conceber o sentido de homem e mundo como algo que se alcança e cuja vigência se assemelha a uma posse, a um estado, se não pleno, pelo menos substancialmente instituído, como quando se diz, por exemplo que “aquele homem curou-se de uma doença e agora está saudável”. Cuidado parece-me expressar mais fielmente a reversibilidade das situações, ínsita à própria condição humana. 7

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permanência nas distintas fases, objeção que ainda poderia ser mantida, sustento que o mais decisivo permanece inalterado e que, com relação aos aspectos fundamentais, não ocorre uma alteração significativa a ponto de inviabilizar a opção. E a demonstração será dada com duas citações: a primeira, extraída de Ser e Tempo, diz: “[...] em sua estrutura fundamental o ser-aí é cuidado” (Heidegger, 1967, p. 278) 8; a segunda, retirada de “A questão da técnica”, afirma: “Pois é o que salva que leva o homem a perceber e a entrar na mais alta dignidade de sua essência. Uma dignidade que está em proteger e guardar, nesta terra, o des-encobrimento e, com ele, já cada vez, antes, o encobrimento” (Heidegger, 2002, p. 34). Proteger e guardar é outro modo de dizer cuidado. Como se efetiva a relação de liberdade para com a técnica? Ela se dá no modo do cuidado, de proteger e guardar a essência humana. Como Heidegger a compreende? Para Heidegger, o cuidado, enquanto estrutura fundamental do ser-aí, carrega consigo a estrutura fundamental da temporalidade, pois, “a unidade originária da estrutura do cuidado reside na temporalidade” (Heidegger, 1967, p. 327). Isso quer dizer que o cuidado não implica meramente um abandono ao quotidiano, pois o mero abandono ao quotidiano, como mostrado em Ser e Tempo, revela um modo inautêntico de ser. A temporalidade inerente ao cuidado mostra a totalidade da vigência do tempo no ser-aí, enquanto facticidade (passado), a decadência (presente) e a existencialidade (futuro). O presente é compreendido enquanto decadência pelo fato de ser aí justamente que o cuidado deve viger, instaurando uma relação autêntica com o mundo e consigo próprio. Mas como chega ao homem a consciência da temporalidade? Certamente não por uma apreensão de um sentido originário do tempo, mas pela angústia, pois é a angústia que põe em marcha a apreensão da ideia de temporalidade. De acordo com Dalbosco, isso leva a uma consideração sobre o significado pedagógico da tríplice dimensão articulada estruturalmente. É ela que empurra o ser humano a ver sua condição finita a partir de uma dupla perspectiva: a da familiaridade

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Dasein é o termo utilizado por Heidegger para expressar aquilo que o homem é, sua realidade ontológica fundamental. Uma tradução possível para o termo é Presença. Sigo aqui a opção de Cláudio Dalbosco (2006), que opta por utilizar a expressão ser-aí. A respeito da polêmica sobre a tradução, conferir: Schuback, 2008, pp. 15-32. 8

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e tranqüilidade de sua ação imersa no mundo quotidiano, no qual ela se encontra sob o domínio da decadência e do falatório; e a da ação angustiada existencialmente que, ao por o ser humano na posição de poder ouvir o clamor de sua consciência, assume o cuidado como modo prático de enfrentar o fato de que é um ser jogado no mundo e que caminha para a morte. Cuidado é, neste sentido, a dimensão existencial da ação assumida pelo ser humano para, consciente de sua temporalidade e historicidade, se formar a si mesmo por meio da postura dialógicacompreensiva com os outros e com as coisas (Dalbosco, 2006, p. 1131).

Assim, resulta da apreensão da temporalidade como estrutura inerente ao cuidado, uma ideia decisiva com a qual a filosofia, a pedagogia, enfim, cada uma, está pouco à vontade, a saber, o reconhecimento da incompletude humana como qualidade ou característica do nosso modo de ser. A este respeito, uma passagem do ensaio de Cláudio Dalbosco é esclarecedora: Transformando-se em consciência angustiada, a ação humana, baseada no cuidado, enfrenta sua mais cruel e, ao mesmo tempo, mais humana dimensão de sua facticidade, a saber, de que é gerada (movimentada) por um ser, o ser humano, que é incompleto e que, por sê-lo, caminha para a morte (Dalbosco, 2006, p. 1132). Fácil será ver a conexão da compreensão heideggeriana do cuidado com a recusa da disponibilidade exploradora, de homem e mundo, decorrente da essência da técnica. Se há uma recusa da vigência da essência da técnica é por ela obliterar esta verdade cruel, porém, iluminadora: a dignidade humana consiste precisamente na sua fragilidade. Se, como queria Hölderlin, o poeta predileto de Heidegger, “Os homens são feitos para cuidar da indigência, e tudo mais surge de si mesmo” (Hölderlin, 1994, p. 143), recusar a essência da técnica significa recusar um modo inautêntico de configurar o que é, homem ou mundo, e instaurar uma relação de maior gravidade, e exatamente em virtude disso, também de maior autenticidade com o existir. Se Heidegger não escreveu nenhum tratado específico sobre a educação, nem por isso recusaríamos razoabilidade às suas reflexões como irrelevantes para a educação, na medida em que elas atingem o núcleo de qualquer 103 processo educativo que consiste precisamente em tornar significativo o fato da existência. Tanto mais relevante se mostra a meditação heideggeriana ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

sobre a técnica e o cuidado (Sorge) se considerarmos que nesta conjunção encontramos o núcleo do nosso modo atual de ser no mundo. Quem se defrontar com o desafio de tornar significativo o fato da existência e acolhê-lo, deverá topar com esta problemática e empenhar-se em esclarecê-la. E se o fizer saberá um pouco mais sobre o que significa existir aqui e agora.

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Teoria Crítica, Educação e Filosofia: pensando relações... Juliana Rossi Duci

Universidade Estadual de São Paulo Júlio de Mesquita Filho - UNESP/Campus Araraquara/SP [email protected] Mestre em Educação Escolar UNESP/SP, especialista em Ética, Valores e Saúde na Escola USP, membro do grupo de Estudos e Pesquisa “Teoria Crítica: Tecnologia, Cultura e Formação” (CNPq). Tem experiência nas áreas de EaD, tecnologias educacionais e produção bibliográfica referente aos seguintes campos: teoria crítica e ensino à distância, educação e formação cultural.

Resúmen - Resumo - Abstract Este artigo reflete e discute sobre as contribuições da Teoria Crítica da Sociedade para o campo da Filosofia da Educação, já que esta oferece uma revolucionária teoria do conhecimento para ultrapassagem das realidades sociais opressivas e ideológicas. Para tanto, voltamos o olhar para as obras de Walter Benjamin, Theodor W. Adorno e Herbert Marcuse destacando as reflexões e análises desses autores e utilizando-as como subsídio no campo educativo. A educação autorreflexiva e autocrítica é pensada em seu potencial para a superação das condições de dominação que permanecem em nossa sociedade, cada vez mais tecnificada e pretensamente democrática. Desse modo, pensar a práxis educativa se afigura como

En este artículo se analiza y reflexiona sobre las aportaciones de la Teoría Crítica de la Sociedad para el campo de la filosofía de la educación, ya que ofrece una teoría revolucionaria del conocimiento para la superación de las realidades sociales e ideológicos opresivos. Por eso, nos volvemos a ver las obras de Walter Benjamin, Theodor W. Adorno y Herbert Marcuse destacar las reflexiones y análisis de estos autores y su uso como entrada en el campo educativo. La educación auto-reflexiva y la auto-educación se considera en su potencial para superar las condiciones de dominación que permanecen en nuestra sociedad cada vez más dependiente de la tecnología y supuestamente más democrática. Por lo tanto, pensar

This article discusses and reflects on the contributions of Critical Theory Society for the field of Philosophy of Education, as this offers a revolutionary theory knowledge for overtaking oppressive social realities and ideological. To this end, returned his gaze to the works Walter Benjamin, Theodor W. Adorno and Herbert Marcuse highlighting reflections and analyzes of these authors and using them as allowance in the educational field. The self-reflexive and self-education is thought to their potential to overcome the conditions of domination that remain in our society, increasingly tecnificada and supposedly more democracy. Thus, thinking educational praxis as it appears something urgent and necessary for breaks

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algo urgente e necessário para que se rompa com as condições que mantém nosso potencial à barbárie. Deste modo, buscou-se, ao fazer a exposição de como esses autores elaboraram suas análises da contemporaneidade, pois elas nos trazem elementos que apontam para a possibilidade de uma pedagógica crítica, realizar um esboço de uma Filosofia da Educação. Concluiuse, por meio de tais reflexões, que elas fornecem os elementos para promover a formação autônoma e emancipatória a partir da crítica da sociedade.

en la praxis educativa aparece como algo urgente y necesario que rompe con las condiciones que conservan nuestro potencial hacia la barbarie. Se busca, entonces, exponer cómo tales autores abordan en sus análisis de la contemporaneidad, elementos que apuntan a la posibilidad de una pedagogía crítica, ofreciendo un esbozo para una filosofía de la educación. Se concluye mediante estas reflexiones que ellas proporcionan los elementos para promover la formación autónoma y emancipatoria, a partir de la crítica de la sociedad.

with the conditions that keeps our potential to barbarism. Thus, we sought, to make the It shows how these authors elaborated his analysis of contemporary, for they bring us evidence shows that the possibility of an educational critical, perform a sketch of a Philosophy of Education. It was concluded, By means of such reflections that they provide the elements for promote autonomous formation and emancipating from the criticism of society.

Palavras chave: Teoria Crítica da Sociedade, Filosofia da Educação, Walter Benjamin, Theodor W. Adorno e Herbert Marcuse. Palabras Clave: Teoría crítica de la sociedad, Filosofía de la Educación, Walter Benjamin, Theodor W. Adorno y Herbert Marcuse Keywords: Critical Theory of Society, Philosophy of Education, Walter Benjamin, Theodor W. Adorno and Herbert Marcuse. Recibido: 07-05-2013

Aceptado: 01-06-2014

Para citar este artículo:

108 Rossi Duci, J. (2014). Teoria Crítica, Educação e Filosofia: pensando relações.. Ixtli. Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación. 1(1). 107-123

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Teoria Crítica, Educação e Filosofia: pensando relações..

Introdução “Negativa”, “polêmica”, “pessimista”; esses são alguns adjetivos que frequentemente identificam de forma mais ou menos taxativa as reflexões e temas abordados pela Teoria Crítica da Sociedade. Tal perspectiva teórica se consolidou entre as décadas de 1920-1960, a partir da formação do Instituto de Pesquisa Social, na cidade de Frankfurt, Alemanha. Assim, o presente artigo se apóia na Teoria Crítica a fim de refletir sobre o seu potencial pedagógico, principalmente em relação a temas, tais como “desbarbarização”, “emancipação” e “bidimensionalidade do pensamento” em contraposição ao historicismo, dominação, barbárie e unidimensionalidade; temas presentes nos referenciais pedagógicos da atualidade, e que acreditamos ser também objeto de reflexão da Filosofia da Educação. Para tanto lançamos mão das contribuições de Walter Benjamin, Theodor W. Adorno e Herbert Marcuse, autores que buscaram problematizar em suas análises o predomínio da dimensão instrumental da razão numa sociedade cada vez mais comandada pelas tecnociências, de forma a se converter em instrumento de dominação, e, consequentemente, com força para restringir o caráter emancipatório da formação humana. Devemos ter em mente que as propostas pedagógicas atuais que emanam das políticas educacionais, não apenas no Brasil, mas também em toda a América Latina se atrelam às novas demandas sociais, tais como a formação de um indivíduo adaptado à chamada “sociedade do conhecimento” e à cultura digital que a sustenta. Há, portanto, uma premente demanda pela adaptação dos sujeitos a uma realidade social altamente dinâmica, e em constante transformação. Por esse motivo, no que concerne à educação, tais propostas enfatizam, via de regra, o quão essenciais são as vivências e as descobertas individuais para a aprendizagem “flexível”, bem como o desenvolvimento do educando vinculado às novas demandas da sociedade, e, mais precisamente, do mundo do trabalho. ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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Nesse contexto, o processo de educação formal hodierno, converge cada vez mais para a integração das novas gerações à uma ordem social profundamente injusta, ainda que se apresente como supostamente mais democrática. E isso, no instante mesmo em que as perspectivas em relação à escolarização – meio objetivo de adaptação e “inclusão” – se revelam alarmantes. Ao refletirmos sobre os processos educativos e suas múltiplas propostas metodológicas, sustentamos que a Teoria Crítica da Sociedade pode contribuir para problematizarmos, de um ponto de vista profícuo, o estado atual da educação enquanto um campo de atuação voltado à reflexão da realidade. A contribuição da reflexão frankfurtiana Compreendendo o legado da Teoria Crítica enquanto ruptura da noção de história compreendida como progresso linear científico-tecnológico, apontaremos nesse artigo para a necessidade do resgate da consciência racional emancipatória, tal como essa figurou nos primórdios da modernidade, ao menos como promessa, enquanto lembrança de um possível antídoto contra a barbárie que se naturalizou em nossa cultura. E, desta forma, em concordância com as reflexões de Bruno Pucci (1994), sustentaremos que as contribuições conceituais da Teoria Crítica podem nos auxiliar na construção de uma ação pedagógica educacional e formativa, de “resistência individual e coletiva, resistência através da Razão, da cultura, da educação e da arte”. Nesse sentido, elencamos alguns pontos que corroboram o potencial pedagógico dialético das reflexões frankfurtianas, tais como: a autorreflexão crítica como um elemento fundamental na luta pela emancipação; o resgate da noção de formação cultural enquanto condição para a emancipação; a educação e o processo de “desbarbarização” no sentido de reestabelecer as condições de autonomia, de consciência e liberdade do indivíduo no ambiente social; o passado em prol do esclarecimento; e, o papel do intelectual e da Universidade no processo de formação e “desbarbarização”.

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Embora não haja uma teoria pedagógica sistematizada pelos autores frankfurtianos, acreditamos que suas análises poderão contribuir para a realização efetiva de um fazer pedagógico que busque a emancipação e a autonomia humana. Assim, mais uma vez, concordamos com Pucci (1994) quando afirma que:

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[...] a Teoria Crítica não se propõe a desenvolver uma teoria educacional específica. Pretende sim, a partir de suas análises sobre os problemas sociais do mundo ocidental, especificamente dos problemas culturais, trazer luzes e enfoques novos à concepção dialética da educação que vem sendo constituída, por muitas mãos e mentes, a partir de Marx (Pucci, 1994, p. 54). A fim de melhor desenvolvermos nossa discussão sobre a ação pedagógica, apresentarmos em breves linhas alguns dos principais pensadores pertencentes à primeira geração do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt. Walter Benjamin [suprimi as palavras entre vírgulas.] refletiu profundamente sobre o conceito de história de um ponto de vista não teleológico, e concebeu o ato revolucionário como o ato de “agarrar o freio de emergência da locomotiva da história” em face de um progresso tido como irreversível em direção à catástrofe; isto com o intuito de rompermos com o seu mal infinito. Para tanto, seria imprescindível propiciarmos uma formação cultural que promovesse a elaboração do passado e, quiçá, a sua superação de forma efetiva. Theodor W. Adorno, outro grande expoente do Instituto de Pesquisa Social, afirma a necessidade de superação da barbárie cuja expressão emblemática foi Auschwitz, e aponta para os perigos da consolidação de uma sociedade calcada na semiformação generalizada, buscando desta forma estabelecer a Bildung (formação cultural, e, em parte, educacional), como uma tarefa urgente para que essa realidade social se altere. Herbert Marcuse, teórico da sociedade tecnológica, desenvolveu seu pensamento partindo da análise da ideologia da sociedade industrial, e da unidimensionalidade do pensamento imposta por tal sociedade em período de afluência. Importante ressaltar que suas análises se voltarão para um contexto de dominação social posto em marcha pelo capitalismo por meio da abundância de bens de consumo, e não de sua privação. Pois com a retomada e o desenvolvimento das forças produtivas verificadas nos países industrializados após o término da segunda guerra mundial, o caráter da dominação social imposto pela ideologia teria sofrido uma significativa mutação histórica. Passemos, então, à exposição sucinta de como tais autores abordaram em suas análises da sociedade capitalista contemporânea elementos que apon- 111 tam para a possibilidade de uma pedagógica crítica.

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Walter Benjamin e a educação Refletir sobre as possíveis contribuições que Walter Benjamin nos fornece para compreender a atual conjuntura relativa ao universo escolar é rememorar os motivos pelos quais as formas de sentir, perceber, pensar e manifestar que ocorrem no sujeito perante o seu processo de apropriação da realidade, muitas vezes não acontecem de maneira dialética, sobretudo na sociedade capitalista. Para Benjamin, ao contrário de Karl Marx, as conjunturas para superação do sistema capitalista não estão dadas no próprio esgotamento das suas forças produtivas, o que supostamente culminaria no comunismo, e sim com o frear do progresso que esse sistema incita de modo ainda mítico, como que incitado pelas forças do destino. Embora a instituição escolar esteja inserida nessas relações sociais, e muitas vezes se torne instrumento de reprodução e intensificação delas, também haveria nela uma possível força de ruptura, desde que atenta a certas precondições inerentes ao intrincado processo dialético por meio do qual os indivíduos se formam. As conjunturas atuais em que a educação brasileira se pauta, têm como base a formação de um estudante autônomo e emancipado que consiga se inserir no mercado de trabalho, no mundo tecnológico e globalizado, possibilitando uma intensificação de suas relações sociais e da produção material. Tais intenções estão explicitadas na legislação brasileira que direciona o andamento de todas as escolas federais, estaduais e municipais. Os requisitos explicitados para a educação condizem com os mesmos objetivos do início de nossa modernidade que direcionava suas relações sociais através do modo de produção capitalista.

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O sistema capitalista garantiu sua expansão com a revolução industrial. Nessa época, a força produtiva do ser humano ganhou a promessa de ajuda das máquinas, porém o trabalho se tornou ainda mais mecânico e desgastante. Dessa forma, presenciou-se a intensificação da alienação por meio do trabalho; isso uma vez que o trabalhador passou a se afastar fundamentalmente do produto que era lapidado pelas suas mãos, não se reconhecendo em sua própria atividade produtiva, e muito menos nas relações sociais necessárias para tal produção, além de se exaurir em algo que em nada lhe acrescentava do ponto de vista intelectivo e sensitivo. Considerando que sociedade se transformava cada vez mais tecnicamente, IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

e que suas relações se tornavam totalmente mecanizadas, Benjamin refletirá acerca de algo que se perdeu nesse ciclo de estranhamento: a capacidade de narrar. Até então o narrador constituíra uma figura de fundamental importância para a transmissão da experiência no processo histórico-social em curso, uma vez que era ele o responsável por narrar as histórias em seu cotidiano. Como nos relata o autor: “por mais familiar que seja o seu nome, o narrador não está de fato presente entre nós, em sua totalidade viva. Ele é algo distante, e que se distancia ainda mais”. (Benjamin, 1987, p.197). Para se narrar uma história, é imprescindível que o narrador tenha plena consciência da construção cultural em que está envolto. Além dessa consciência, o narrador era aquele que possuía a arte de dar conselhos, já que estava cônscio das experiências que herdou, e de sua contribuição para o enriquecimento dessas mesmas experiências. No entanto, para aconselhar é necessário que aquele que pede tal conselho saiba ouvir e interpretar. Mas, na atualidade, tanto não possuímos mais sujeitos capazes de narrar, como aqueles sujeitos que compreendam tal verbalização; pois, para isso, é fundamental certo tipo de sabedoria. “A arte de narrar está definhando porque a sabedoria – o lado épico da verdade – está em extinção” (Benjamin,1987, p.200). O fim da figura do narrador na sociedade atual se concretiza justamente pelo fato da alienação estar mais expressiva no que tange à apropriação dessa experiência por parte do sujeito, além de que a sociedade da sapiência cedeu lugar à sociedade da informação. Destarte, a ideologia capitalista se volta para a administração de todas as coisas a fim de não prejudicar a rotatividade do mercado. Além de a maioria da população atual estar se relacionando de forma alienada, porque ela se encontra determinada por novos contextos de trabalho, presenciamos, hoje, uma continuação do mesmo processo no tempo livre. É aí que se insere a indústria cultural, a qual se apodera de toda cultura e a recria mediante as determinações do mercado capitalista, cujo objetivo maior é o de instigar o consumo retroalimentando o sistema. Não podemos esquecer que hoje a figura do narrador também concorre com as diversas mídias, pois as informações passaram a circular nesses meios, principalmente no que tange a inserção do mundo microeletrônico, fazendo 113 com as relações sociais se tornem mais integradas, e as notícias mais rápidas de serem transmitidas para todos globalmente. Com isso, presencia-se uma ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

mudança na perspectiva que o sujeito possui de compreender o mundo ao seu redor, pois tais notícias se transformam, hoje, cada vez mais em imagens. Tal processo nos conduz ao que Türcke (2010) chamou de “distração concentrada”, uma vez que somos bombardeados a todo o momento por informações. Todavia, passamos a carecer do tempo de reflexão, imprescindível para que possamos compreendê-las, elaborá-las. Concentramo-nos, mas, logo em seguida, distraímo-nos. Nessa perspectiva, grande parte das informações que nos são transmitidas já foram lapidadas minuciosa e tecnicamente a fim de sustentar o óleo que mobiliza a engrenagem do capitalismo. Com isso, paira uma questão fundamental sobre a escola: o universo escolar deve servir como freio ou acelerador para o abismo que a “locomotiva” impulsionada pelo sistema capitalista está nos arrastando? As diversas formas de sentir, perceber, pensar e se manifestar no mundo - ao contrário do que se pensava, isto é, que iriam acontecer de forma enriquecedora - já que presenciamos um constante aumento do conhecimento científico, se tornaram quase impossíveis de serem concretizadas. Pelo contrário, mostram-se cada vez mais cúmplices de uma formação educacional heterônoma, a fim de que as novas gerações continuem sustentando, através do trabalho que irão realizar no mercado, a cultura medíocre que nos é proporcionada pela sociedade de mercado. Diante disso, torna-se uma condição essencial reavaliar a real função da escola, uma vez que ela deveria cumprir com sua tarefa prioritária de formar sujeitos autônomos. Devendo também o ensino levá-los a interpretar as diversas linguagens que lhes são oferecidas em seu cotidiano, de maneira a possibilitar que se tornem sujeitos de suas próprias escolhas, decisões estas que não sejam tomadas apenas em benefício próprio, e sim da coletividade. Torna-se imprescindível que a escola seja o principal instrumento que também forme para a leitura das diversas explosões de imagens que são embutidas em seu campo sensitivo através dos meios audiovisuais. Nesse sentido, as reflexões de Walter Benjamin nos permitem enfrentar a heteronomia gerada pelo capitalismo nessa época de reprodutibilidade técnica, com o fim de formularmos meios para que a autonomia reflexiva seja efetivada no ambiente escolar. 114

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Theodor W. Adorno e a Educação A discussão sobre formação (Bildung) considerando suas possibilidades e limitações dentro de uma sociedade crescentemente tecnificada e administrada que rouba dos sujeitos as potencialidades de desenvolvimento autônomo é um aspecto importante dos estudos do filósofo e musicólogo alemão T. W. Adorno. Esses estudos percorrem caminhos através da filosofia, sobretudo da estética, e, mais especificamente, da música (PUCCI, 2003), esforçandose em compreender a convivência de alto desenvolvimento da racionalidade com uma irracional desumanidade. A temática Educação é foco de ensaios de Adorno (1995) e aparece pensada em sua finalidade ética: possibilitar que Auschwitz, enquanto representação da mais crassa barbárie, não se repita. Assim, para o autor, a Educação encontra-se diante de uma tarefa hercúlea e aporética: como afinal produzir sujeitos autônomos e sensíveis se a construção das subjetividades se dá em uma sociedade essencialmente antidemocrática, desumana e conformista, fundada a partir da dominação? Formação (Bildung) e Semiformação (Halbbildung) Em seu texto “Teoria da Semiformação ” (Halbbildung), Adorno afirma que: [...] sem dúvida, na ideia de formação cultural necessariamente se postula a situação de uma humanidade sem status e sem exploração. Quando se denigre na prática dos fins particulares e se rebaixa diante dos que se honram com um trabalho socialmente útil, trai-se a si mesma. Não inocenta por sua ingenuidade, e se faz ideologia (Adorno, 2010, p.13). Para o autor, o processo capitalista de produção implantou uma desumanização que negou aos trabalhadores todos os pressupostos para a formação e, acima de tudo, o ócio: “os dominantes monopolizaram a formação cultural numa sociedade formalmente vazia” (Adorno, 2010, p.14). Em consequência, propostas de formação isoladas, que pretendem ser capazes por si mesmas de acabar com esse monopólio, que é objetivamente instaurado, se tornam uma ilusão: “as tentativas pedagógicas de remediar a situação transformaramse em caricaturas” (idem, ibidem). Ou seja, as limitações para a formação estão postas objetivamente na sociedade tal como esta se organiza. E, per- 115 versamente, num contexto que enaltece as liberdades individuais, ao mesmo tempo em que as impede, a dificuldade de uma efetiva formação (Bildung) ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

é descaradamente travestida de acesso democrático: “a formação cultural agora se converte em uma semiformação socializada, na onipresença do espírito alienado, que, segundo sua gênese e seu sentido, não antecede à formação cultural, mas a sucede” (Adorno, 2010, p.9). Como contrapartida subjetiva consequente tem-se “a confusão e o obscurantismo, e, pior ainda, uma relação cega com os produtos culturais não percebidos como tais, a qual obscurece o espírito a que esses produtos culturais dariam expressão viva” (Adorno, 2010, p.30). Essa relação regressiva que os sujeitos culminam por manter com a cultura, vem na contramão do que seria, de fato, uma formação cultural e humanizadora, presa à seguinte aporia: “se na ideia de formação ressoam momentos de finalidade, esses deveriam, em consequência , tornar os indivíduos aptos a se afirmarem como racionais numa sociedade racional, como livres numa sociedade livre” (Adorno, 2010, p. 13). Finalidades da Educação A necessidade de que Auschwitz não se repita é para Adorno um imperativo que deve nortear a educação. Sua palestra “Educação após Auschwitz”, publicada pela primeira vez em 1969, explana com indignação o paradoxo da civilização: originar e fortalecer o que é anticivilizatório. Esse é um dos problemas fundamentais sobre o qual se debruça a Teoria Crítica: o mesmo processo de desenvolvimento da racionalidade que levou a um almejado progresso da técnica trouxe consigo inexoravelmente o retorno à irracionalidade e à barbárie.

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Entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, que, estando na civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a sua própria civilização – e não apenas por não terem em sua arrasadora maioria experimentado a formação nos termos correspondentes ao conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por uma agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, na terminologia culta, um impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda mais o perigo de que toda esta civilização venha a explodir, aliás uma tendência imanente que a caracteriza (Adorno, 2003, p. 155).

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Nesse sentido, a crítica adorniana tem como alvo a própria racionalidade tornada preponderantemente instrumental que se volta para um utilitarismo, para a dominação, para a manipulação e para o conformismo. Adorno alerta para a necessidade de se voltar a razão contra si mesma para que esta possa reconhecer os seus limites, e possa, assim, fazer jus ao pensamento capaz de esclarecer-se. Função educativa do refletir Para Adorno (1995, p. 125), “o único poder efetivo contra o princípio de Auschwitz seria autonomia, (...) o poder para a reflexão, a autodeterminação, a não-participação”. Se a potencialidade de formação crítica e autônoma é fortemente limitada nessa sociedade enganosamente democrática e se o próprio desenvolvimento técnico da sociedade e o acesso aos bens da cultura aparecem sob a capa de uma pseudodemocracia que nos oblitera uma postura crítica diante de práticas irracionais, então a educação, para Adorno, só teria sentido quando orientada para a autorreflexão crítica. Citando Adorno: É preciso reconhecer os mecanismos que tornam as pessoas capazes de cometer tais atos, é preciso revelar tais mecanismos a eles próprios, procurando impedir que se tornem novamente capazes de tais atos, na medida em que se desperta uma consciência geral acerca desses mecanismos. [...] É necessário contrapor-se a uma total ausência de consciência, é preciso evitar que as pessoas golpeiem para os lados sem refletir a respeito de si próprias. (Adorno, 1995, p. 121). A Alemanha do século XX ter sido capaz de produzir Auschwitz demonstra a farsa do processo civilizatório e escancara que o almejado desenvolvimento da técnica e da racionalidade e a adesão à irracionalidades podem conviver. A educação enquanto autorreflexão crítica é a via potencial para a elaboração do passado no sentido de que não se reproduzam as mesmas condições que produziram Auschwitz. Formação cultural em direção à emancipação Adorno nos adverte, assim, contra um processo educativo apartado de uma reflexão crítica, e indica a importância da retomada da sensibilização e da reflexão numa sociedade marcada por um pretenso progresso que retorna ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

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à irracionalidade. Tal perspectiva demonstra a necessidade da crítica permanente aos modismos educacionais, pois tais modismos é um sintoma de nossa incapacidade reflexiva e apego estetista e não ética – lembremos da crítica de Kierkgaard ao par antitético ética/ estética, autor este estudado por Adorno - às ideias veiculadas pelo mercado capitalizado. O resgate da formação cultural e o esforço no sentido da promoção de sensibilização, da educação para a autonomia e a autorreflexão crítica são, portanto, reflexões importantes no que tange ao processo formativo e educativo. Lembrando que a tarefa aporética da Educação permanece: tais modos de se pensar o processo educativo almejando uma superação do existente acontecem necessariamente dentro de uma sociedade fundamentalmente desumana – motivo suficiente para alertar para a urgência de uma reflexão crítica sobre a Educação. Em tempo, separar o processo educativo de condições de reflexão, sem um esclarecimento das nossas contradições sociais e das artimanhas mantenedoras dessa sociedade se torna ilustrativo daquelas condições antes mencionadas que mantém nosso potencial para a barbárie e nos afastam daquilo que poderíamos chamar de humanidade. A relevância da preocupação e do conhecimento dos mecanismos de semiformação é imprescindível àqueles que acolhem a responsabilidade da educação e se almejam educadores, de modo que interpretar o mundo e agir no sentido de sua superação não seja uma tarefa fragmentada. “A educação não pode desconhecer esta superdeseducação que se alastra e tudo invade no imaginário e no cotidiano, nos sonhos e nos projetos que se efetivam. Esta dessensibilização é barbárie” (Ramos de Oliveira, 2001, p.50). O Homem Unidimensional e a Educação [suprimir diversas palavras] Devemos ter em conta que Herbert Marcuse não chegou a tratar especificamente do problema da educação de uma maneira explícita e direta ao longo de sua obra; porém, ao pensarmos na escola como reprodutora de instâncias ideológicas, e ao tomarmos a educação em suas possibilidades latentes de emancipação e autorrealização humana, isso nos permite apontar o campo de análise crítica onde Marcuse desenvolve suas ideias. 118

A crítica que o autor fez à ideologia da sociedade industrial (Marcuse, 1979), diz respeito ao fato de que as forças de coesão e integração do capitalismo maduro não são forças meramente ideológicas ou espirituais, e sim forças IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

sociais materiais poderosas que têm o poder de barrar a negação que movimenta a dialética, e mesmo de transformá-la em força positiva que reproduz o todo repressivo ao invés de destruí-lo. A maneira como a sociedade industrial organiza suas bases produtivas tende a se tornar totalitária através da manipulação das necessidades por interesses adquiridos. Esse aspecto total de sua dominação impede o surgimento de uma oposição eficaz ao todo, pois opera até mesmo na dimensão da reflexão e do pensamento conceitual, fragmentando-os e limitando-os à dimensão do que é dado, à dimensão da aceitação e da reprodução. Em outras poucas palavras, reduz toda a potencialidade do pensamento a uma só dimensão, ao pensamento unidimensional. A crítica da ideologia que Marcuse empreende é de extrema importância para compreender a educação nesse contexto ideológico mais amplo. Ao realizar a crítica ao pensamento unidimensional da sociedade industrial avançada, Marcuse nos leva a refletir sobre as condições nas quais erigem as diretrizes pedagógicas em vigência, e a situá-las como reprodutoras do contexto ideológico da sociedade afluente. O processo de identificação é quase mimético: o indivíduo identifica-se sem mediações com sua sociedade e “nesse processo a dimensão ‘interior’ da mente, na qual a oposição ao status quo pode criar raízes é desbastada” (Marcuse, 1979, p.31). Essa dimensão, que representa o espaço de poder do pensamento negativo, é silenciada no processo de plena identificação do indivíduo com a sociedade como um todo. É aqui que o progresso da alienação torna-se inteiramente objetivo: quando o poder crítico da razão é transformado em neurose e impotência frente à grande e irreprimível produtividade do todo, no qual o mesmo capitula a condição do irracional. Esse processo de identificação e de mimese, representa o projeto ideológico total da cultura da sociedade atual, “a adaptação toma o lugar da consciência”, como também observara Adorno. (Adorno, 1977, p. 292). Essa dimensão ideológica se coloca como única e racional, pois o próprio processo produtivo e suas mercadorias impõem um sistema social e um determinado modo de pensar convergente. Os produtos dessa sociedade prescrevem hábitos e atitudes que são aceitos sem questionamentos. E ainda, promovem, através da identificação imposta, uma falsa consciência que se desenvolve no sen- 119 tido de não mais se reconhecer na sua própria falsidade. Essa consciência falsificada milita contra qualquer transformação qualitativa, porque propõe ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

um padrão unidimensional de pensamento e comportamento. Nesse processo as idéias e pensamentos “transcendentes” são repelidos e reduzidos ao universo ideológico existente, tendo, portanto, seu caráter de negação e oposição anulado e até mesmo transformado em positividade. Encontramos-nos diante de uma das contradições essenciais de nosso período histórico: quanto mais a tecnologia e a ampliação do acesso à informação parecem criar condições materiais para a pacificação e a diminuição progressiva da labuta e da pobreza, mais a mente e o corpo dos homens são condicionados em sentido contrário pela via do consumo. A dialética entre a tendência para a consumação da racionalidade tecnológica e os parcos esforços para conter essa mesma tendência, nos atesta o caráter irracional presente no próprio frenesi com que essa racionalidade engendrada socialmente se aplica aos problemas educacionais que se avolumam trocando as vestes. Compreendida dessa forma, a racionalidade tecnológica torna-se o grande meio de dominação atual: o pensamento unidimensional é exaltado e promovido pelos elaboradores da política e da ciência e por seus arautos da indústria cultural. Assim, todo tipo de comportamento oposicionista é barrado e a transcendência histórica do existente é tida como metafísica e irreal. A razão tecnológica movimenta-se em prol dos interesses dominantes, o que converte o avanço tecnológico e científico em sofisticados aparatos de dominação. O projeto cultural e ideológico da sociedade industrial contemporânea demonstra, deste modo, o seu caráter totalitário através do processo de esvaziamento do pensamento conceitual reflexivo. Por intermédio de um processo repressivo da reflexão, a palavra termina por absorver o conceito, tornando-o, por assim dizer, apenas um clichê, um slogan, que evita o desenvolvimento genuíno do significado. E, no contexto de uma sociedade cada vez mais midiática, o conceito se deixa esterilizar por imagens capazes de identificarem a coisa com sua função na realidade já estabelecida, anunciando assim um comportamento padronizado. Desse modo, linguagens icônicas postas em circulação o tempo todo terminam por minar a capacidade de abstração e, por conseguinte, o próprio pensamento como mediação entre o sujeito e a realidade de maneira a confiná-lo ao imediatismo dos fatos. 120

As contribuições teóricas de Marcuse para pensarmos a educação – especialmente nessa nossa era digital - nos remetem a questões filosóficas e críticas. Para esse autor, o ponto de partida para pensarmos a emancipação IXTLI - Revista Latino-Americana de Filosofia da Educação - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

seria a produção de uma teoria crítica da sociedade que possa esclarecer, e, mais do que isso, demonstrar as contradições profundas e progressivas da sociedade contemporânea. E, aqui, a teoria crítica pensada especificamente no âmbito da educação figura como relevante no processo de esclarecimento e emancipação. Afinal, o papel central da educação nesse momento histórico orienta-se pela imprescindibilidade do pensamento conceitual, da potência reflexiva capaz de reconstruir e desvendar, em meio ao gigantesco aparato ideológico e tecnológico de nossa sociedade, dimensões que estão sendo sistematicamente negadas. Só assim, consideramos, a educação poderia contribuir para uma formação efetiva dos sujeitos, por meio do autoesclarecimento, autônomos. Considerações finais A discussão que expomos acima visou assinalar, por intermédio das contribuições dos pensadores da chamada “Escola de Frankfurt”, que essas reflexões não só não foram superadas, como elas nos permitem esclarecer as relações de dominação, hoje, que continuam progressivamente mais intensas e sutis. A análise crítica acerca das condições atuais de educação, convertida entusiasmadamente em novos ambientes que prometem uma democratização inaudita, se torna imprescindível para que possamos caminhar no sentido da construção de um processo educativo emancipatório orientado para a autonomia. Uma sociedade que priva em larga escala, e de modo requintado, seus futuros cidadãos de uma formação cultural substantiva, ao mesmo tempo em que anuncia a mais vasta democratização das informações e de aceso ao ensino, não poderá humanizar-se. A educação pensada criticamente deve realizar um “salto de tigre” ─ na alegoria benjaminiana (1987) ─ esse salto dialético que, mais do que compreender e identificar os rastros dos oprimidos e derrotados do passado, erija suas derrotas como o escalpo da catástrofe contínua, que é sublimada e dissimulada pela história geral, afirmada pela ideologia da sociedade industrial e reproduzida incessantemente pela semiformação, de forma que todo esse horror sirva de base para a efetivação do esclarecimento e do motor para uma prática educativa transformadora. Nesse sentido, as contribuições da Teoria Crítica para a educação se tornam 121 de suma importância frente a um contexto histórico em que se reproduz e se afirma a barbarização crescente, o esvaziamento do pensamento conceiALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

tual e da reflexão, a dessensibilização e a desqualificação da sabedoria. A educação como emancipação e como formadora de sujeitos autônomos é um dos fins práticos da Teoria Crítica: sua proposta dialética de retomada da humanidade como valor perdido sob o cortejo dos vencedores demonstra o papel revolucionário de toda educação que se pretenda crítica. Por essa via devemos afirmar e promover a compreensão de que “o ‘estado de exceção’ em que vivemos é na verdade regra geral.” (Benjamin, 1987, p.226 ).

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RESEÑAS / RESENHAS

Resenha do I Congresso Latino-americano de Filosofia da Educação em Campinas Em julho de 2010, um grupo de pesquisadores decidiu pensar caminhos para a interlocução da Filosofia da Educação na América Latina, em Bogotá, Colômbia, no contexto do 12º Congresso Internacional de Filosofia da Educação da International Network of Philosophers of Education - INPE. Foi criado um Comitê Gestor que assumiu a responsabilidade de construir as condições para a construção de uma Associação de Filosofia da Educação na América Latina, nos mesmos parâmetros da Philosophy of Education Society dos Estados Unidos ou mesmo do INPE. Os (as) responsáveis pelo trabalho originário de Filosofia da Educação na América Latina foram: Juan Martín López Calvo e Renato Huarte (México), Angela Santi e Samuel Mendonça (Brasil), Sonia Vásquez (Chile), Leopoldo Arteaga (Peru), Andrea Díaz (Uruguai), Andrés Mejía e Ciro Parra (Colômbia). Em pouco tempo, houve a construção de proposta para a realização do I Congresso Latino-americano de Filosofia da Educação, na cidade Campinas (Brasil) e assim nasceu a Associação Latino-americana de Filosofia da Educação - ALFE. O evento contou com a organização do Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas e da Associação Latino-americana de Filosofia da Educação (ALFE). A Pontifícia Universidade Católica de Campinas ofereceu os recursos de infra-estrutura e o financiamento foi concedido pelas agências de fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). O apoio formal do Departamento de Filosofia, História e Educação (DEFHE) da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas marcou a presença, no Congresso, de importantes professores de filosofia da educação do Brasil. Além disso, a participação de professores do Grupo de Trabalho 17 – Filosofia da Educação, da Associação Nacional de PósGraduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) foi crucial para o êxito do evento em PUC Campinas. A expectativa de público para este 1º Congresso era muito modesta no entanto, por meio de ampla divulgação entre pesquisadores na América Latina, o número de trabalhos recebidos superou as expectativas dos or- 127 ganizadores. Houve a publicação impressa dos resumos discutidos neste evento e, no portal da ALFE, a publicação de mais de mil páginas de produção ALFE - Associação Latinoamericana de Filosofia da Educação

resultante deste evento, com o registro de ISSN 2236-7519. A conferência de abertura, ministrada pelo Prof. Dr. Antonio Joaquim Severino, intitulada “A Filosofia da Educação e os desafios da educação no contexto historicossocial latino-americano da atualidade”, apresentou um balanço do status da Filosofia da América Latina. Foram apresentados cerca de 180 trabalhos de autores de diversos países e de todas as regiões do Brasil. Houve presença de autores dos Estados Unidos da América, Portugal, Espanha e diversos países da América Latina: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, México, Peru, Uruguai. Os trabalhos foram apresentados em sete (sete) eixos temáticos: Fundamentos da Educação, Método e Pesquisa em Educação, Política e Educação, Ensino de Filosofia, Democracia e Educação, Filosofia e Educação na América Latina e Teorias da Educação. Os diferentes momentos de discussão de análise da produção que trata da filosofia da educação na América Latina foram estimulantes e suficientes para que os participantes daquele evento pudessem planejar a continuidade do trabalho da ALFE. Nesse sentido, houve uma importante Assembléia que definiu a composição da primeira Diretoria e as principais metas para os próximos anos, com destaque para a criação de uma revista eletrônica que pudesse aglutinar os diferentes interesses de investigação de pesquisadores latino-americanos. A publicação deste primeiro número da Revista Ixtli significa o compromisso assumido ainda em Campinas, com todos os filiados e com o público em geral, em relação à divulgação do conhecimento filosófico educacional da América Latina.

Prof. Dr. Samuel Mendonça Presidente da ALFE (2011-2013/2013-2015) Programa de Pós-Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica de Campinas 128

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AVISOS - ANÚNCIOS

La Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación, A.C. en conjunto con la Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) CONVOCAN a todos los interesados en temas relacionados con la filosofía de la educación a presentar propuestas de trabajos para el 3er Congreso Latinoamericano de Filosofía de la Educación Las tradiciones de filosofía de la educación en América Latina: desde el norte hasta el sur a realizarse en las instalaciones de Ciudad Universitaria de la UNAM, México, D.F. del 29 de junio al 2 de julio de 2015

Antecedentes: Como uno de los propósitos de la Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación (ALFE), A.C., se busca crear espacios de encuentro entre investigadores del área de la filosofía de la educación en América Latina. 131 Siendo un área interdisciplinaria, el estudio filosófico del fenómeno educativo es algo que las sociedades, los grupos académicos, los especialistas y ALFE - Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación

el público en general de los países latinoamericanos requieren emprender. En este tenor nos dimos cita más de 300 personas en el 1er Congreso realizado en la Pontificia Universidad Católica de Campinas en 2011 y el 2° Congreso con más de 700 personas en la Universidad de la República en Montevideo, Uruguay en 2013. En este auge y con una mayor experiencia, México fue electo país para realizar el 3er Congreso en las instalaciones de la Facultad de Filosofía y Letras de la UNAM en el campus de Ciudad Universitaria. Descripción: El 3er Congreso Latinoamericano de Filosofía de la Educación busca ser un marco amplio de diálogo interdisciplinario para todos aquellos quienes estén interesados en una aproximación filosófica al fenómeno educativo en/desde/ para América Latina. Buscando este objetivo la temática a abordar será: Las tradiciones de filosofía de la educación en América Latina: desde el norte hasta el sur. Dentro de este tema, los trabajos podrán incluirse en alguna de las siguientes líneas temáticas: • Las diferencias y similitudes de la filosofía de la educación dentro de América Latina • Lo propio y lo ajeno a lo latinoamericano en la filosofía de la educación • “Los clásicos” en la filosofía de la educación. La recuperación de tradiciones • “Lo emergente” en la filosofía de la educación. Actualidad y problemáticas • Enseñanza de la filosofía y filosofía de la educación en América Latina 132

El Congreso está dirigido a los miembros de ALFE y al público en general. Se recibirán propuestas de trabajos en dos modalidades: trabajos concluidos y trabajos en proceso. Además, habrá mesas redondas, mesas plenarias, magistrales y actividades culturales y académicas. IXTLI - Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

Reglas para la presentación de propuestas: 1. Cada autor podrá presentar sólo una propuesta, sin importar si ésta ha sido en coautoría. 2. Una propuesta podrá tener como máximo tres autores. Cuando hubiere más de un autor: • Uno de los autores será responsable del envío de la propuesta y la administración de los datos relativos de la misma. • Sólo los coautores que efectivamente lleguen al Congreso recibirán certificado de asistencia. 3. Las propuestas deberán tener las siguientes características: • Deberán estar escritas en castellano, portugués o cualquier otra lengua hablada en América Latina. En este último caso, el título, resumen y palabras claves deberán también estar en castellano o portugués. • Indicar una de las líneas temáticas en las que se inscriben, además de título, resumen (entre 250 y 500 palabras), palabras clave (entre 3 y 5 separadas por comas) y obras consultadas. Deberán aparecer tanto nombre, institución de origen y correo electrónico del autor o autores de la propuesta. Los ponentes deberán indicar los materiales a utilizar (proyector, televisión, reproductor de DVD, etc.) en el correo que envíen. • Los trabajos completos deberán tener una extensión entre 25,000 y 45,000 caracteres con espacio. En el caso de los trabajos en proceso deberán tener una extensión entre 15,000 y 30,000 caracteres. 4. ¿Cómo enviar las propuestas de trabajos? • Las propuestas deberán ser enviadas al correo 3ercongresoalfe@gmail. com indicando en el asunto del correo electrónico: “Trabajo completo” o bien “Trabajo en proceso” y la línea a la que quiere adscribir su propuesta. Recibirá un correo confirmando su recepción. • Además, deberá adjuntar en el mismo correo su propuesta en un archivo 133 .doc o bien .docx. Deberá utilizar la fuente Times New Roman, tamaño 12, papel A4 o carta, márgenes preestablecidos con interlineado de 1.5 ALFE - Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación

y color negro. El archivo no podrá exceder el límite de 4 MB. Por tal motivo, todas las imágenes deberán ser incorporadas al documento base en su tamaño original (no redimensionar en el documento base) a 72 dpi de resolución máxima. Le sugerimos usar los formatos jpg o gif para sus imágenes. Fechas importantes: 1ª Convocatoria

7 de julio de 2014

Límite de recepción de trabajos

30 de noviembre de 2014

Respuesta de trabajos aceptados

15 de enero de 2015

Programa completo

31 de marzo de 2015

Congreso

29 de junio al 2 de julio de 2015

Comité Académico Internacional Alejandro Cerletti - Universidad de Buenos Aires / U. Nal. de General Sarmiento Alexandre Filordi e Carvalho - Universidade Federal de São Paulo Alexandre Simão de Freitas – Universidade Federal do Pernambuco Alonso Bezerra de Carvalho - Universidade Estadual Paulista Amarildo Luiz Trevisan - Universidade Federal de Santa Maria Andrea Díaz Genis - Universidad de la República Montevideo Andrés Mejía Delgadillo - Universidad de los Andes - Bogotá Angel Alonso Salas – Universidad Nacional Autónoma de México Ángela Medeiros Santi – Universidade Federal do Rio de Janeiro 134

Antonio Joaquim Severino - Universidade Nove de Julho Artur José Renda Vitorino - Pontifícia Universidade Católica de Campinas IXTLI - Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

Avelino da Rosa Oliveira - Universidade Federal de Pelotas Bruno Pucci - Universidade Metodista de Piracicaba Carlos Cullen - Universidad de Buenos Aires Diego Barragán - Universidad de la Salle - Bogotá Elisete Tomazetti – Universidade Federal de Santa Maria Enrique Puchet – Universidad de la República - Uruguay Gregorio Valera Villegas - Universidad Simón Rodríguez - Caracas Hilda Patiño - Universidad Iberoamericana de la Ciudad de México - México Hilda Beatriz Salmerón García – Universidad Nacional Autónoma de México Irazema Ramírez – Escuela Normal Superior Veracruzana Jesús Ernesto Urbina Cárdenas, Universidad Francisco de Paula Santander, José Pedro Boufleuer – Unijuí – Universidade Regional Leoni Maria Padilha Henning - Universidade Estadual de Londrina Leopoldo Arteaga Ramírez – Universidad Ricardo Palma, Perú Luis Flores González – Universidad Católica de Chile Márcio Danelon – Universidade Federal de Uberlândia Marcos Antonio Lorieri - Universidade Nove de Julho Marcus Vinicius da Cunha - Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto María Guadalupe García Casanova – Universidad Nacional Autónoma de México Marisa Meza - Universidad Católica de Chile Martín López Calva - Universidad Iberoamericana Puebla - México ALFE - Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación

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Mauricio Langon- Instituto de Profesores Artigas - Uruguay Nadja Hermmann - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Néstor Corona - Pontificia Universidad Católica Argentina Patricia Velasco - Universidade Federal do ABC Pedro Ângelo Pagni - Universidade Estadual Paulista Pedro Gontijo – Universidade de Brasilia Pedro Goergen - Universidade Estadual de Campinas Ralph Ings Bannell - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Renato Huarte Cuéllar - Universidad Nacional Autónoma de México Samuel Mendonça – Pontifícia Universidade Católica de Campinas Selene Georgina López Reyes-Universidad Popular Autónoma del Estado de Puebla Silvio D. Oliveira Gallo – Universidade Estadual de Campinas Sonia Vásquez - Universidad Católica de Chile Tarcísio Santos Jorge Pinto - Universidade Federal de Juiz de Fora Walter Omar Kohan – Universidade Estadual do Rio de Janeiro Comité organizador local Renato Huarte Cuéllar Guadalupe García Casanova Pilar Martínez Hernández 136

Alexandra Peralta Verdiguel Itzel Casillas Avalos IXTLI - Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación - ISSN 2408-4751 1(1). 2014

Luis Miguel Hernández Pérez Rodolfo Cisneros Contreras Josefina Magaña Solís Angel Alonso Salas María Cristina Rico León Adriana Hernández Barocio Ana Rosa Angela González Estrada Maria Mayte Cruz Pérez Jennifer Pérez Dorantes Sofía Ortega Nava Mesa directiva de ALFE, A.C. Samuel Mendonça – Pontifícia Universidade Católica de Campinas - Brasil Natalia Sánchez Corrales –Universidad de La Salle - Colombia Martín López Calva - Universidad Iberoamericana, Puebla-México Andrea Díaz Genis – Universidad de la República - Uruguay Renato Huarte Cuéllar -Universidad Nacional Autónoma de México - México Andrés Mejía Delgadillo - Universidad de los Andes - Colombia Eduardo Gabriel Molino- Instituto de Ed. Superior Alicia M. de Justo – Argentina Marisa Meza - Universidad Católica de Chile - Chile

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IXTLI - REVISTA LATINOAMERICANA DE FILOSOFÍA DE LA EDUCACIÓN POLÍTICA EDITORIAL Ixtli es la revista de la Asociación Latinoamericana de Filosofía de la Educación (ALFE). Temática y alcance Ixtli: Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación es una publicación latinoamericana, arbitrada, electrónica, de frecuencia semestral, de acceso gratuito, que sirve como espacio de diálogo crítico acerca de asuntos educativos desde un abordaje filosófico, indagando sobre los problemas conceptuales y de sentido en la educación. Publica artículos originales de investigación filosófica que no hayan aparecido en otras revistas o medios de divulgación, después de un proceso doblemente ciego de evaluación. Es de interés para investigadores en filosofía de la educación, investigadores educativos en general, y personas que trabajan o se interesan por la educación en sus múltiples dominios de acción. Los artículos de Ixtli están escritos en varios idiomas, principalmente español y portugués. Proceso de revisión por pares El proceso de evaluación es doblemente ciego. Es decir, los evaluadores no saben quiénes son los autores, y los autores no saben quiénes son los evaluadores. Normas para autores/as Artículos de investigación filosófica Se entiende que todo artículo enviado a Ixtli es original, y que no ha sido publicado ni está siendo simultáneamente sometido a revisión para publicación en alguna otra revista, libro u otro medio de divulgación. Lineamientos de forma. Los archivos deberán ser enviados en formato Word (.doc ó .docx) o Rich Text Format (.rtf). El tipo de letra preferido es Times New Roman, tamaño 12 puntos. Los artículos que se publican en Ixtli normalmente tienen una longitud de 5000 a 7000 palabras, incluyendo el título y las referencias, sin contar el resumen y las palabras clave. Sin embargo, artículos de menor o mayor longitud podrán ser considerados. La citación de fuentes debe seguir el estilo APA en su 3ª edición española. Las tablas, gráficas, y figuras, deberán ser enviadas en archivos independientes, y su lugar de inserción dentro del cuerpo del artículo deberá ser claramente señalado. Los archivos gráficos deben estar en formato gif, tiff, o jpg, y ocupar como máximo, en total 1 Mb. No se alojarán archivos con grabaciones de audio o video. Sin embargo, es posible incluir dentro de los artículos enlaces a páginas de internet en los que estos se encuentren alojados. Adicionalmente al texto del artículo, se pide a los autores que envíen un resumen de no más de 250 palabras, así como 5 palabras clave que ayuden a clasificar e identificar el contenido del mismo.

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Lineamientos de contenido. Ixtli es una revista de investigación, y por lo tanto los artículos que publica deberán caracterizarse por presentar tesis originales, argumentadas sólidamente, que han entrado en una conversación rigurosa con los trabajos de otros autores en la literatura filosófica y educativa, entre otras disciplinas. Se aceptan artículos con diferentes orientaciones filosóficas, así como de diferentes tipos de discusiones incluyendo las que son acerca de conceptos importantes en educación, de concepciones y formas de dar sentido en programas y políticas educativas, de las implicaciones de las teorías e ideas de diferentes autores para asuntos de la educación, entre otras. Los artículos publicados por Ixtli pueden hacer referencia o analizar información empírica, pero deben necesariamente mantener una aproximación de reflexión filosófica. No existe un esquema o formato estándar para la organización y estructura de los textos. Cada autor deberá decidir sobre este aspecto de la manera en que sea más conveniente dependiendo del tipo de argumento presentado y de las estrategias retóricas que sean más apropiadas. Reseñas Lineamientos de forma. Los archivos deberán ser enviados en formato Word (.doc o .docx), o Rich Text Format (.rtf). El tipo de letra preferido es Times New Roman, tamaño 12 puntos, a menos que existan razones de contenido para que sea diferente. Las reseñas que se publican en Ixtli normalmente tienen una longitud de 1500 a 3000 palabras, sin incluir la información bibliográfica del libro reseñado. Sin embargo, reseñas de menor o mayor longitud podrán ser consideradas. Las referencias deben seguir el estilo APA en su 3ª edición en español. Las tablas, gráficas, y figuras, deberán ser enviadas en archivos independientes, y su lugar de inserción dentro del cuerpo del artículo deberá ser claramente marcado. Los archivos gráficos deben estar en formato gif, tiff, o jpg, y ocupar como máximo, en total 1 Mb. No se alojarán archivos con grabaciones de audio o video. Sin embargo, es posible incluir dentro de los artículos enlaces a páginas de internet en los que éstos se encuentren alojados. Lineamientos de contenido. La reseña deberá presentar muy brevemente las ideas principales desarrolladas en el libro reseñado, y discutir su solidez, su pertinencia y su significancia, entre otros aspectos posibles. Debe permitirle al lector hacerse a una idea tanto de qué va a encontrar en el libro, como de cuál es la opinión del autor de la reseña acerca de los aspectos mencionados antes. Envío de trabajos a: La postulación de trabajos ha de hacerse a la siguiente dirección electrónica, indicando en el asunto: “Postulación de artículo” o “Postulación de reseña”. [email protected]

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IXTLI - REVISTA LATINO-AMERICANA DE FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO POLÍTICA EDITORIAL Ixtli é a revista da Associação Americana de Filosofia da Educação (ALFE). Temática e alcance Ixtli: Revista Latino-americana de Filosofia da Educação é uma publicação latino-americana, arbitrada, eletrônica, semestral, de acesso gratuito, que serve como espaço de diálogo crítico sobre asuntos educativos na perspectiva filosófica, indagando sobre os problemas conceituais e de sentido na educação. Publica artigos originais de investigação filosófica que não tenham sido publicados em outras revistas ou outros meios de comunicação, depois de um processo duplamente cego de avaliação. A revista é de interesse para investigadores em filosofía da educação, investigadores de educação em geral e pessoas que trabalham ou se interessam pela educação em seus múltiplos domínios de ação. Os artigos de Ixtli são publicados em vários idiomas, principalmente espanhol e portugués. Processo de revisão por pares O processo de avaliação é duplamente cego, isto é, os avaliadores não sabem quem são os autores e, igualmente, os autores não sabem quem são os avaliadores.

Normas para autores/as Artigos de investigação filosófica. Há o pressuposto de que todo artigo submetido à Ixtli seja original e que não tenha sido publicado e nem esteja em avaliação em outra revista, livro ou outro meio de divulgação. Orientações quanto à forma. Os arquivos deverão ser enviados em formato Word (.doc ou .docx) ou Rich Text Format (.rtf). O tipo de letra é preferencialmente Times New Roman, tamanho 12 pontos. Os artigos publicados na Ixtli normalmente tem entre 5000 e 7000 palavras, incluindo o título e as referências, sem contar o resumo e as palabras-chave. No entanto, artigos de menor ou maior número de palavras poderão ser considerados. A citação de fontes deve seguir o estilo APA. As tabelas gráficas e figuras deverão ser enviadas em arquivos independentes e seu lugar de inserção dentro no corpo do artigo deverá ser claramente assinalado. Os arquivos gráficos devem estar em formato gif, tiff ou jpg e ocupar no máximo 1Mb no total. Não podem ser colocados arquivos de áudio e vídeo, no entanto, é possível incluir dentro do artigo links de páginas de internet que alojem tais arquivos. Adicionalmente ao texto do artigo, pede-se aos autores que enviem um resumo de no máximo 250 palavras com 5 palavras-chave que ajudem a identificar o conteúdo do manuscrito.

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Orientação para conteúdo. Ixtli é uma revista de pesquisa e, portanto, os artigos que publica caracterizam-se por apresentar teses originais, com argumentação sólida, que tenham interlocução com os trabalhos de outros autores em literatura filosófica e da educação, entre outras disciplinas. São aceitos artigos com diferentes orientações filosóficas, assim como de diferentes tipos de discussões incluindo as que versam a respeito de conceitos importantes da educação, de concepções e formas de dar sentido a programas e políticas educativas, das implicações das teorias e ideias de diferentes autores sobre temas da educação, entre outras. Os artigos publicados pela Ixtli podem fazer referência ou analisar informações empíricas, mas devem necessariamente manter aproximação com a reflexão filosófica. Não existe um esquema ou formato padrão para a organização e estrutura dos textos. Cada autor deverá decidir sobre este aspecto da maneira que seja mais conveniente dependendo do tipo de argumento apresentado e das estratégias retóricas que sejam mais apropriadas. Resenhas Orientação para forma. Os arquivos deverão ser enviados em formato Word (.doc ou docx) ou Rich Text Format (.rtf). O tipo de letra é preferencialmente Times New Roman, tamanho 12 pontos, exceto se existem razões de conteúdo para que seja diferente. As resenhas publicadas na Ixtli normalmente tem entre 1500 a 3000 palavras, sem incluir a informação bibliográfica do livro resumido. No entanto, resenhas com número maior ou menor de palavras poderão ser consideradas. As referências devem seguir o estilo APA. As tabelas gráficas e figuras deverão ser enviadas em arquivos independentes e seu lugar de inserção no corpo do texto deverá ser claramente marcado. Os arquivos gráficos devem estar em formato gif, tiff ou jpg e ocupar no máximo 1Mb no total. Não podem ser colocados arquivos de áudio e vídeo. No entanto, é possível incluir dentro do artigo links de páginas de internet que alojem tais arquivos. Orientação para conteúdo. A resenha deverá apresentar, de maneira breve, as ideias principais desenvolvidas pelo livro resumido, e discutir solidamente sua pertinência e significância, entre outros aspectos possíveis. Deve permitir que o leitor faça uma ideia do que encontrará no livro, assim como de qual é oposicionamento do autor da resenha a respeito dos aspectos mencionados anteriormente. Envio de trabalhos para: A solicitação de avaliação de artigos deve ser feita para o endereço eletrônico abaixo, indicando, no assunto, de “Solicitação e revisão de artigo” ou “Solicitação de revisão de resenha”. [email protected]

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