A poética da heresia de Héctor Escobar Gutiérrez

May 27, 2017 | Autor: R. Menezes | Categoría: Poetry, Translation of Poetry, Poesía, Tradução, Poesía Colombiana
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POÉTICA DA HERESIA HÉCTOR ESCOBAR GUTIÉRREZ O TEXTO: A Poética da heresia compreende uma seleção de sonetos extraídos de três livros publicados por Héctor Escobar Gutiérrez. Para o poeta colombiano, a poesia não é apenas canto, mas invesinves tigação e ascese, combinando magia e ciência para fundir naturenature zas dissímeis e antagônicas. Seu propósito: produzir espanto – virtude taumatúrgica – e atualizar potências mágico-alquímicas mágico – virtude teúrgica – como um m meio de elevação espiritual. “Sacrificar um mundo para polir um verso”, é uma proposição que se aplica bem ao trabalho poético de Héctor.

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Textos traduzidos: Escobar Gutiérrez, Héctor. El libro de los cuatro eleele mentos. Pereira: Editorial Gráficas Olímpica, 1991; El punto y la esfera. Pereira: Talleres de Litografia Moderna Digital, 2004; Estetas y heresiarcas. Pereira: UNE Ediciones, 1987.

O AUTOR: Tantrista, hermetista, alquimista, demonologista, Héctor Escobar Gutiérrez (1941-2014) é um poetaa colombiano natural de Pereira. É considerado “obscuro” por seus leitores devido ao teor místico-esotérico de sua poesia. Foi, oi, em um país fortemente catócató lico, uma suma autoridade em matéria de satanismo, ocultismo e esoterismos (gaya scienza, tarô, demonologia, numerologia, tratra dição cabalística, alquimia, mitologias diversas). No fundo do seu satanismo – de ascendência baudelairiana e byroniana – reside uma atitude existencial iconoclasta, radicalmente filantrópica e antropocêntrico-humanista, humanista, uma sensibilidade poético-melancólica poético e pessimista face ao mistério da existência, e a busca – teúrgica, de viés luciferino – por atualizar os poderes arcanos pelos quais o iniciado pretende se libertar das cadeias deste mundo. mundo Para além ou aquém de todo (neo)satanismo, o que subsiste de essencial a respeito da obra de Héctor é a intuição heterodoxa de um universo governado por forças do bem e do mal em pé de igualdade, num perpétuo embate de que se originam todas as coisas. O TRADUTOR: Rodrigo Inácio Ribeiro Sá Menezes é natural de Salvador, Bahia. Para a (n.t.) traduziu ensaios de Emil Cioran.

Poética de la herejía|Héctor Héctor Escobar Gutiérrez

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POÉTICA DA HERESIA “Iniciado na arte de ritos amatórios, no desnudo altar depositei meu ex-voto.”

________________________ HÉCTOR ESCOBAR GUTIÉRREZ

A ORAÇÃO DE JUDAS

Com a alma maldita por vender-te, neste inferno estou que me deve condenar; por fazer-te nas costas sangrar não posso, bom Jesus, deixar de ver-te. Por sentir-me culpado de tua sorte o coração, sangrando, levo enforcado da madeira de tua cruz, Mestre amado! e este será o estigma de minha sorte. Mas tu ressuscitaste, Senhor meu, e paralisado pelo frio sigo eu de um eterno desdém, incompreendido. Mas tu sabes, Deus, aí em tua glória, que minha traidora ação, embora irrisória era um pacto com o Cristo... e foi cumprido.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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OUTRO

Outro homem querer ser lhe é impossível a quem vive a fundo a sentença de carregar como um fardo a consciência de entender que existir é o punível. Ninguém nunca pôde ser distinto do fantasma que habita sua pelanca; e que franzindo a sua carranca, fez do seu crânio um labirinto. O Emerson de Borges também havia querido de sua razão fazendo omissão ser diferente do homem que havia sido. Emerson conseguiu? Borges tem suas dúvidas. Porque sê-lo ou não sê-lo a ninguém ajuda, ainda mais se o ciclo foi cumprido.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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À MORTE

Sombra, ominosa sombra de outra sombra. Morte te denominam os mortais. Quando haverão de cessar todos os teus males? Tanto matar, impune, não te assombra? Tanto escombro que deixas não se cerceia. São teus nomes sinônimos letais Morte, escutando que estás nos umbrais, do moribundo, o ai! com que te nomeia. Quando haverás de extinguir-se, silenciosa, íntima morte, grave, vaporosa, para sepultar-se, enfim, fora do mundo? E assim, em teu ruinoso cenotáfio, Poder gravar este último epitáfio: Aqui jaz a Morte no profundo.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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SOLIDÃO

Solidão, que meu crânio trepanas com teu punção de insídias me espreitas, que róis sem razão por detrás do meu peito minhas vísceras, pletoras e membranas. Como ferem, ó, tuas zarabatanas o meu fraco ser, deixando-o em frangalhos; abrindo com seus dardos o retalho, de que emana meu cruor como fontanas. Nas tardes e nas noites também feres com tuas puas e cardos e alfinetes de minha pele a epiderme com crueldade. Solidão, diz, até quando teu tormento atuará sem consciência, em detrimento de minh’alma, minha fé e minha bondade?

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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VERSARIA

Relendo o Parnaso colombiano (estraçalhado libro que ainda guardo) irado penso que, com tanto bardo, já não quedam no parnaso humano. Nem restam penas para tanta mão, nem tantas rosas, nem irascível cardo, nem termos castiços, nem lunfardo, nem agudezas de esteta que esteja são. Aqui o verso se colhe por colheitas: madrigais, caldas e endechas brotam deste solo como ervas. Aqui nascem mais vates que mafiosos, rico éden prometido aos ociosos, é este o lar de louros e gaios.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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TORPORES

Lá dentro vazio sinto o coco: sem ideias, nem imagens, nem nada; do meu crânio no fundo entocada uma sombra se alça pouco a pouco. Do meu discernimento fundiu-se o foco, a escuridão aumenta obstinada a tamponar a cauda iluminada que me fazia crer-me sábio ou louco. Em mim a gravidade é uma tara que pesa, entristece e estraçalha, acentuando um torpor que só me ferra. Esta noite me vejo como um tonto, e escrevo este soneto ou sonetonto, para ver se um crítico, ao lê-lo, berra.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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VISÃO DO AMOR

Visão, que ante meus olhos te deslocas, sugerindo a urgência do desejo; dando ainda mais ritmo ao régio sacolejo desse andar com que tanto me provocas. Visão que no meu espírito entrevejo como um vívido signo, quando combinas com tua voz esse raio com que intimas, este amor que exalta com seu adejo. Voz que sinto vibrar soando adentro: no vértice íntimo, no centro, deste abscôndito amor em voo canta. Que me eleva a puras dimensões da fantasia da luz e das visões, de teu amor que em minh’alma se agiganta.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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AMAR SEMPRE

Tudo é morrer, banal, se amor não provê sua chama; pois, quem é amado e ama sabe do Amor o essencial. E então aparece o mal, se o Amor a alma não inflama; se ela solitária no deserto clama, ao ver sua angústia abismal. Sabei-lo, ó, amadores: não são Amor os pesares interiores, nem negligência, nem frialdade. Amar é o dom profundo, de ver elevar-se o mundo do Todo à Unidade.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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TERRA, I

Rocha, sonho do silêncio – faz fantasia de estalagmite – de outro tempo – inaudita – é a rocha que presencio. Gravidade que evidencio na pedra que gravita: uma alma nela dormita e sua fantasia reverencio. Sonho pétreo do denso rochoso, sólido, intenso, rude matriz cavernosa. Rocha de abismal negrura que ao cair na fundura se desagrega multiformosa.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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FOGO, I

Por furtar o fogo vivo dos deuses imortais sofro angústias e males e Zeus me foi esquivo. Atado ao penhasco altivo bebo minhas noites letais e meu cruor, em mananciais, brota por ordem do divo. Só no meio da noite – noite de tosco reproche – vislumbro meu torpe destino. Sofro um mal sem nome por outorgar ao homem do Fogo o raio divino.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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ÁGUA, I

Meu coração é uma fonte de água em sangue tingida e não se estanca sua ferida de água-sangue aos montes. Oh, afluente insurgente de rubra tinta acendida, do meu peito desprendida, emana uma ninfa dolente. Jorro de água, tu emanas de minhas íntimas fontanas, límpido cruor nutritivo. De rubra água é o caudal que obscura voz filial louva com ritmo aflitivo.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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AR, I

Do ponto à periferia vou atrás de níveas esferas com minhas asas tão ligeiras transcenderei a matéria. Ah, longe da humanidade e de seus hórridos gritos, asteroides e aerólitos circulam com celeridade. Para além do impossível vou com minha asa inaudível em busca do desconhecido. Vendo o cume me preparo e tisno meu ser elevado até o azul reluzindo.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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Estetas e heresiarcas: Safo

As charmosas gemem – com ardor te evocam –, anseiam tua doçura, o tato de tuas mãos, em noites de amor e de sonhos pagãos as ninfas loucas tua carícia invocam. Seus corpos de rosa serpeiam se se tocam – de Lesbos rememoram os gozos distantes –, Seus nubilosos corpos, jucundos e ovantes, Desfrutam sorrindo e a Eros provocam. Eu também, ó Safo!, te amo por teus cantos, teus límpidos versos de rosas e acantos e tua voz com rumores de gárrulas linfas. Tão amorosa te recordo lá em Mitilene: com paixão enfeitiçaste a alta Selene, Átis, Telésica e as divinas ninfas.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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Estetas e heresiarcas: William Shakespeare

Hoje não hei de louvar a glória do genial dramaturgo – reconhecida unanimemente em qualquer latitude –; mas se ao vate imortal que, como um novo Licurgo, determinou as leis líricas para pulsar o alaúde. Que recorreu a Inglaterra como se fosse seu burgo que em dramas e comédias demonstrou excelsitude, que em todas suas ações foi como um taumaturgo, que os cânones ortodoxos superou com sua atitude. Hoje hei de louvar o bardo de impecáveis sonetos, o cisne de inspiração fulgente, mais alto que o Sol, cuja auréola a arqueia dos céus estreitos e estende ao orbe imenso os reflexos do arrebol. Ele é, sem dúvida, o verdadeiro rei da Inglaterra e à dominação do seu cetro se submete a Terra.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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Estetas e heresiarcas: Dom Quixote de la Mancha

Com o elmo sem pluma vai o iluso Dom Quixote pela senda empoeirada da real Castela; já não arde em la Mancha sua castiça centelha e o cansado Rocinante vai minguando seu trote. Uma penúria que o agonia honra seu mote e de sua lança em riste resta só um toco de madeira e no entanto Sancho Pança adormece em sua cadeira, marcha o castelhano como um esquálido zote. Assim perambulam pela vida as risíveis figuras dos cavaleiros e suas graves tristuras: são o retrato mesmo da esplêndida Espanha! São os fidalgos de uma heroica façanha, dos tempos em que a Espanha não tinha confins, dos tempos de Dulcineias e de altivos paladins!

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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Estetas e heresiarcas: Rainer Maria Rilke

Tímido, ofegante, sonhando claridades, com suas mãos lassas e seus olhos cansados, o lírico observa os matizes rosados que o crepúsculo funde em azuis vacuidades. Distante do mundo e de suas veleidades, cadencia seu verso com acentos sonhados; elegias entoa com ritmos cinzelados e órficos sonetos em aéreas soledades. Silente viageiro de face imperceptível, magnífica lírida de música inaudível cuja voz ascende à esfera luminosa. Seu final foi a imagem exata de sua vida – a morte era seu amor, sua musa preferida –: matou-o a beleza, o espinho de uma rosa.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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Estetas e heresiarcas: Charles Baudelaire

Com vertigem ao cimo do vinho e da droga caiu teu ser, ó albatroz, oh rei das alturas!, e enterrado no fundo da fétida fundura o mal que te condena em seu negror te afoga. Abaixo, mais fundo, teu sino ígneo voga, imutável à dor, à infernal tortura, e assemelha tua figura a uma pétrea escultura que nunca, ante nada, por sua impiedade advoga. Proscrita dos céus foi tua alma um dia por blasfemar contra Deus com rebelde porfia por render homenagem a Satã, o iníquo. Mestre da vida, do verso e do espanto, nenhum poeta jamais transcenderá teu canto porque, assim como Deus, tu eres o conspícuo.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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Estetas e heresiarcas: Stephane Mallarmé

Ourives de silêncios, suspensos, estruturas, de tropos, sintaxes e conceitos abstratos, ordenaste com método as consonâncias puras, dominaste os númenos com sibilinos pactos. Geômetra cerebral que a realidade enclausura, conjuraste o azar antecipando os atos; foste o novo Orfeu de cifradas partituras, deste ao francês a ideia e o tom exatos. A figura simbólica, deliquescente, concreta, perfila os contornos de esplêndida lucidez, sem que se esfume sua quintessência secreta. Não obstante o mistério do vocábulo absoluto, o autêntico se conota na musical fluidez que augura o movimento do teu verso impoluto.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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Estetas e heresiarcas: Antonin Artaud

“Dai-nos crânios ardentes de braseiros!”, pediste no ato atroz da demência e calcinada pelo fogo da tua consciência não a apagaram tormentas nem aguaceiros. Crepitaram os incêndios e do abismo às cimas, sem clemência; ante as chamas não fizeste reticência, poucos foram contigo os pioneiros. Entre os ignícolas foste o elegido para ser em eternas flamas convertido: tocha dos vulcões enclausurados! Místico sem Deus, queimado na fundura, que imploraste em preces de loucura: “crânios por tua presença atravessados!”

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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Estetas e heresiarcas: Fiódor Dostoiévski

Sumido na abstração de visões penosas, com os olhos doídos de tanto contemplar o espanto e a alma apunhalada pelas dúvidas e o quebranto, recordas a inclemência das noites nevosas. Recordas os minutos, as horas tormentosas sentidas ante a morte com um interno pranto: cárcere, desterro, epilepsia, ó herói, ó santo!, tu conheceste o segredo das almas ominosas. Apenas tu pudeste em vida sentir tais horrores, sem experimentar o gozo de lenitivos amores que deram a teu existir o balsâmico consolo. Tudo compreendeste, o crime e as paixões, E a premida avalanche de tantas decepções Te abismou, fatalmente, no fundo do subsolo.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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Estetas e heresiarcas: Autorretrato

Tantrista, goético, do demônio devoto, assíduo leitor dos ímpios grimórios, iniciado na arte de ritos amatórios, no desnudo altar depositei meu ex-voto. Do pavor em que vivo meu ser está imoto ardo nas cimas de báratros ustórios, ajo em busca da face de rostos ilusórios, meu espírito vaga desde um século remoto. Das musas recebo seus mágicos sopros, a rima decanto com buris e escopros e o ritmo percebo das altas esferas. Minha voz com fé seu treno diabólico e meu ser abrasa um círculo parabólico em cujo centro ardem míticas fogueiras.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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In Memoriam: Emil Cioran

É Cioran sem dúvida o heresiarca deste mundo convulso, pós-moderno; deste mundo que é símile do inferno e onde impávida reina a parca. O caos e a crise sua obra abarca porque o desastre é e foi eterno; por isso – nem adail nem subalterno – é do pensar anárquico o patriarca. O sem par, o sarcástico, o rotundo, o que observa a vida no profundo com o olho de um místico extraviado. Brindo a ele estes versos em memória Para exaltar a ascese peremptória desse seu estilo crítico e crispado.

Poética da heresia|Rodrigo I. R. Sá Menezes (trad.)

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