Xancra II (Cuba, Beja): resultados preliminares da necrópole islâmica

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Descripción

4.º COLÓQUIO DE ARQUEOLOGIA DO ALQUEVA O Plano de Rega (2002-2010)

MEMÓRIAS d’ODIANA 2.ª Série Estudos Arqueológicos do Alqueva

FICHA TÉCNICA MEMÓRIAS d’ODIANA - 2.ª Série TÍTULO

4.º COLÓQUIO DE ARQUEOLOGIA DO ALQUEVA O Plano de Rega (2002 – 2010) EDIÇÃO

EDIA - Empresa de desenvolvimento e infra-estruturas do Alqueva DRCALEN - Direcção Regional de Cultura do Alentejo COORDENAÇÃO EDITORIAL

António Carlos Silva Frederico Tátá Regala Miguel Martinho DESIGN GRÁFICO

Luisa Castelo dos Reis / VMCdesign PRODUÇÃO GRÁFICA, IMPRESSÃO E ACABAMENTO

VMCdesign / Ligação Visual TIRAGEM

500 exemplares ISBN

978-989-98805-7-3 DEPÓSITO LEGAL

356 090/13

Memórias d’Odiana • 2ª série

FINANCIAMENTO

EDIA - Empresa de desenvolvimento e infra-estruturas do Alqueva INALENTEJO QREN - Quadro de Referência Estratégico Nacional FEDER - Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional Évora, 2014

ÍNDICE 9

INTRODUÇÃO

11

PROGRAMA

15

LISTAGEM DOS PÓSTERES APRESENTADOS

17

CONFERÊNCIAS

19

“Alqueva – Quatro Encontros de Arqueologia depois...”. António Carlos Silva

34

“O património cultural no Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva: caracterizar, avaliar, minimizar, valorizar …”. Miguel Martinho

45

“O Acompanhamento no terreno do Projecto EFMA na área da Extensão de Castro Verde do IGESPAR”. Samuel Melro, Manuela de Deus

53

COMUNICAÇÕES

55

“Um mundo em negativo: fossos, fossas e hipogeus entre o Neolítico Final e a Idade do Bronze na margem esquerda do Guadiana (Brinches, Serpa)”. António Carlos Valera, Ricardo Godinho, Ever Calvo, F. Javier Moro Berraquero, Victor Filipe e Helena Santos

74

“Intervenção arqueológica em Porto Torrão, Ferreira do Alentejo (2008-2010): resultados preliminares e programa de estudos”. Raquel Santos, Paulo Rebelo, Nuno Neto, Ana Vieira, João Rebuje, Filipa Rodrigues, António Faustino Carvalho

83

“Contextos funerários na periferia do Porto Torrão: Cardim 6 e Carrascal 2”. António Carlos Valera, Helena Santos, Margarida Figueiredo e Raquel Granja

96

“Intervenção Arqueológica no sítio de Alto de Brinches 3 (Reservatório Serpa – Norte): Resultados Preliminares”. Catarina Alves, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

103

“Caracterização preliminar da ocupação pré-histórica da Torre Velha 3 (Barragem da Laje, Serpa)”. Catarina Alves, Catarina Costeira, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra, António M. Monge Soares, Marta Moreno-Garcia

112

“Questões e problemas suscitados pela intervenção no Casarão da Mesquita 4 (S. Manços, Évora): da análise intra-sítio à integração e comparação regional”. Susana Nunes, Miguel Almeida, Maria Teresa Ferreira, Lília Basílio

119

“Um habitat em fossas da Idade do Ferro em Casa Branca 11, na freguesia de Santa Maria, concelho de Serpa”. Susana Rodrigues Cosme

125

“Poço da Gontinha 1 (Ferreira do Alentejo): resultados preliminares”. Margarida Figueiredo

132

“Currais 5 (S. Manços, Évora): diacronia e diversidade no registo arqueoestratigráfico”. Susana Nunes,; Mónica Corga, Miguel Almeida, Lília Basílio ÍNDICE

Memórias d’Odiana • 2ª série

5

Memórias d’Odiana • 2ª série

6

137

“A villa romana do Monte da Salsa (Brinches, Serpa): uma aproximação à sua sequência ocupacional”. Javier Larrazabal Galarza

145

“Dados para a compreensão da diacronia e diversidade do registo arqueológico na villa romana de Santa Maria”. Mónica Corga, Maria João Neves, Gina Dias, Catarina Mendes

155

“A pars rústica da villa da Insuínha 2, freguesia de Pedrógão, concelho da Vidigueira”. Susana Rodrigues Cosme

162

“A villa da Herdade dos Alfares (São Matias, Beja) no contexto do povoamento romano rural do interior Alentejano”. Mónica Corga, Miguel Almeida, Gina Dias, Catarina Mendes

171

“A necrópole de incineração romana da Herdade do Vale 6, freguesia e concelho de Cuba”. Susana Rodrigues Cosme

178

“Necrópole romana do Monte do Outeiro (Cuba)”. Helena Barranhão

185

“O conjunto sepulcral do Monte da Loja (Serpa, Beja)”. Sónia Cravo e Marina Lourenço

191

“O sítio de São Faraústo na transição da Época Romana para o Período Alto-Medieval, freguesia de Oriola, concelho de Portel”. Susana Rodrigues Cosme

197

“O sítio romano da Torre Velha 1. Trabalhos de 2008-09 (Barragem da Laje, Serpa)”. Adriaan De Man, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

203

“Análise preliminar dos contextos da Antiguidade Tardia do sitio Torre Velha 3 (Barragem da Laje - Serpa)”. Catarina Alves, Catarina Costeira, Susana Estrela, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

212

“A Necrópole de São Matias, freguesia de São Matias, concelho de Beja”. Susana Rodrigues Cosme

219

“Xancra II (Cuba, Beja): resultados preliminares da necrópole islâmica”. Sandra Brazuna, Ricardo Godinho

225

“Funchais 6 (Beringel, Beja) – resultados preliminares”. Manuela Dias Coelho, Sandra Brazuna

231

PÓSTERES

233

“Primeiros resultados da intervenção arqueológica no sítio Torre Velha 7 (Barragem da Laje - Serpa)”. Adriaan De Man, André Gregório, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

237

“A Torre Velha 3 (Serpa) no espaço geográfico. Uma abordagem morfológica de um “sítio” arqueológico”. Miguel Costa, Eduardo Porfírio, Miguel Serra

242

“O contributo da Antropologia para o conhecimento das práticas funerárias pré e proto -históricas do sítio de Monte da Cabida 3 (São Manços, Évora)”. Maria Teresa Ferreira

246

“Villa Romana da Mesquita do Morgado (S. Manços, Évora): considerações acerca das práticas funerárias”. Maria Teresa Ferreira

ÍNDICE

“Monte da Palheta (Cuba, Beja): dados para a caracterização arqueológica e integração do sítio à escala regional”. Mónica Corga, Gina Dias

256

“Aldeia do Grilo (Serpa): contributos para o estudo do povoamento romano na margem esquerda do Guadiana”. Carlos Ferreira, Mónica Corga, Gina Dias, Catarina Mendes

261

“Resultados preliminares de uma intervenção realizada no sítio Parreirinha 4 (Serpa)”. Carlos Ferreira, Susana Nunes, Lília Basílio

267

“Depósitos cinerários em Alpendres de Lagares 3”. Maria Teresa Ferreira, Mónica Corga, Marta Furtado

271

“Workshop Dryas’09: Estruturas negativas da Pré e Proto-história peninsulares – estado actual dos nossos conhecimentos... e interrogações”. Miguel Almeida, Susana Nunes, Maria João Neves, Maria Teresa Ferreira

276

“Intervenção arqueológica na Horta dos Quarteirões 1, Brinches, Serpa”. Helena Santos

280

“A Intervenção Arqueológica no Monte das Covas 3 (S. Matias, Beja): Os contextos romanos de época republicana”. Lúcia Miguel

284

“O Sítio do Neolítico antigo da Malhada da Orada 2 (Serpa): resultados preliminares”. Ângela Guilherme Ferreira

289

“Intervenção arqueológica nas necrópoles do Monte da Pecena 1 e Cabida da Raposa 2”. Andrea Martins, Gonçalo Lopes, Marisa Cardoso

7

ÍNDICE

Memórias d’Odiana • 2ª série

250

“XANCRA II (CUBA, BEJA): RESULTADOS PRELIMINARES DA NECRÓPOLE ISLÂMICA”. 6$1'5$%5$=81$116, RICARDO GODINHO117 1. Introdução A intervenção arqueológica realizada pela ERA - Arqueologia, S.A. no sítio Xancra II enquadrou-se num conjunto de acções levadas a efeito com vista à minimização de impactes sobre o património cultural, decorrentes das obras de implementação do Aproveitamento Hidroagrícola de Alvito – Pisão, promovidas pela EDIA, S.A. Este sítio encontrava-se já referenciado na base de dados do Igespar (CNS 6689), havendo notícia da identificação de uma necrópole de época romana aquando da construção da estrada que atravessa o pequeno outeiro onde se encontram os vestígios. Os trabalhos decorrem em três fases. A primeira fase consistiu na realização de 4 sondagens mecânicas, conforme preconizado nas medidas de minimização previstas para esta ocorrência no Estudo de Impacte Ambiental, onde se registou a presença de contextos funerários. Posteriormente, tendo em conta os resultados obtidos, procedeu-se à decapagem mecânica do depósito de superfície ao longo do eixo do traçado da vala (previamente marcado pela topografia da obra), num total de 264 m², estabelecendo-se a ligação entre as áreas escavadas na primeira fase, e alargando a área de intervenção nos limites Norte e Sul procurando, assim, delimitar o espaço de necrópole e registar as sepulturas existentes na área de afectação de obra. A terceira fase dos trabalhos consistiu na escavação de todas as estruturas identificadas dentro da área de afectação nas fases precedentes (respectivo registo e caracterização). A realização destes trabalhos teve como objectivos genéricos a caracterização e a avaliação do valor científico e patrimonial dos vestígios que constituem o sítio arqueológico, bem como a definição dos seus limites espaciais na área de afectação da obra e o salvamento dos contextos identificados através do registo arqueológico.

2. Enquadramento O sítio Xancra II localiza-se a Sul de Cuba e a Este de Faro do Alentejo, concelho da Cuba, Distrito de Beja. Situa-se na vertente de uma pequena elevação, próximo de uma pequena linha de água, com uma total visibilidade para a planície que se estende até Beja. Actualmente esta é uma zona marcadamente agrícola, onde se desenvolvem sobretudo culturas de sequeiro e o olival, prática que pode ter afectado possíveis contextos arqueológicos existentes, nomeadamente no que se refere a estruturas positivas que hoje são inexistentes na área intervencionada.

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116 117

COMUNICAÇÕES

Memórias d’Odiana • 2ª série

219

De referir a presença de vestígios de uma villa (Villa da Xancra) próximo ao local intervencionado, onde também se observam à superfície alguns materiais de cronologia medieval islâmica.

3. A Necrópole

Memórias d’Odiana • 2ª série

220

A intervenção realizada no sítio Xancra II permitiu registar uma longa diacronia de ocupação do espaço, desde a Pré-História recente até ao período Islâmico. De facto, no decurso dos trabalhos identificou-se uma ocupação do espaço em época pré-histórica, materializada num conjunto de fossas associadas a materiais enquadráveis no período do Calcolítico (nomeadamente fragmentos de pratos de bordo espessado), sendo possível observar na fotografia aérea dois fossos concêntricos na zona imediatamente a Este da área de afectação da obra. No entanto, a ocupação mais antiga deste espaço enquanto necrópole corresponde a um conjunto de 3 sepulturas da Idade do Ferro, que se distinguem claramente das restantes quer pela morfologia das estruturas (sub-quadrangulares), quer pelo ritual de enterramento (em decúbito dorsal com os membros inferiores flectidos e orientados com o crânio a Norte), quer pelo facto de apresentarem espólio associado (contas, colares, brincos). Segue-se, aparentemente, um hiato e a ocupação seguinte (aquela sobre a qual nos vamos debruçar mais especificamente) integra dois tipos de ritual funerário, um em decúbito dorsal e outro genericamente em decúbito lateral118 direito, evidenciando a presença de dois grupos culturais distintos: cristão e islâmico. De facto, um grupo constituído por cinco sepulturas com enterramentos individuais, sem reutilização funerária, apresenta características típicas de contextos cristãos: deposição em decúbito dorsal; orientação em torno do eixo Oeste/ Este (embora com desvios para SO/NE e NO/ SE); membros inferiores estendidos e posição dos membros superiores mais heterogénea, variando estes entre estendidos e semi-flectidos junto à Figura 2 – Vista geral de um enterra Figura 3 – Pormenor do espólio região pélvica e flectidos com as mãos sobre o tómento da Idade do Ferro (Sep. 60). associado ao enterramento. rax. Nenhum dos indivíduos apresentava espólio funerário associado. Salienta-se que este grupo se encontra isolado na área Norte da intervenção. Morfologicamente as sepulturas são semelhantes, de planta ovalada ou sub-rectangular, apresentando as estruturas associadas a enterramentos em decúbito dorsal uma largura da cabeceira tendencialmente superior à dos pés, situação que não se verifica nas restantes, à excepção aparente da sepultura 73. O comprimento varia entre o 1,80 os 2,20 metros por 34 a 40 cm de largura na cabeceira e 17 a 30 cm nos pés. Os restantes enterramentos registados (perfazendo um total de 33 ou 34 indivíduos) apresentam características funerárias típicas de contextos islâmicos: inumação genericamente em decúbito lateral direito, com algumas variações que se deverão a rotações do corpo; orientação SO – NE; rosto virado aproximadamente para nascente; quase total ausência de reutilização de sepulturas e ausência de espólio funerário. Destaca-se o caso da única excepção, correspondendo a uma sepultura em que foi registada uma reutilização do espaço funerário, tendo-se observado a presença de três conexões anatómicas que poderão corresponder a dois indivíduos. Esta é uma situação anómala, uma vez que não era, geralmente, admitida (Torres e Macias, 1995; Macias, 2005; Le Bars, 2008). As sepulturas encontravam-se dispostas em linhas paralelas, sem contacto ou sobreposição, à excepção de um caso constituído pelo conjunto das sepulturas 58 e 59 e a Sepultura 72. Morfologicamente apresentam algumas variações: a larga maioria corresponde a fossas simples, de planta sub-rectangular ou ovalada; tendo-se registado um caso de uma sepultura (Sepultura 18) com uma delimitação parcial da fossa por pequenos blocos de pedra irregulares e de cerâmica.

118

Genericamente em decúbito lateral direito, porque ocorrem ligeiras variações provavelmente relacionadas com rotações dos corpos aquando ou posteriormente à deposição dos indivíduos.

COMUNICAÇÕES

Figura 6 – Vista geral da estrutura e enterramento da sepultura 18.

Figura 5 – Vista geral da estrutura e enterramento da sepultura 52.

Figura 7 – Vista geral da estrutura e enterramento da sepultura 24.

Figura 8 – Vista geral das estruturas e enterramentos das sepulturas 58 e 59.

Figura 9 – Vista geral da estrutura e enterramento da sepultura 72.

COMUNICAÇÕES

221

Memórias d’Odiana • 2ª série

Figura 4 – Vista geral da estrutura e enterramento da sepultura 54.

O comprimento destas sepulturas varia entre o 1,70 metros e os 2,26 metros de comprimento por 0,28 a 0,50 metros de largura. No entanto, as que se encontram associadas a enterramentos de sub-adultos tendem a ser mais pequenas: 1,30m de comprimento por 30 cm de largura. Registou-se ainda a presença, em algumas sepulturas, de uma fossa mais alargada e rectangular no topo, tornando-se ovalada e mais estreita em profundidade, formando um degrau lateral em ambos lados da estrutura. Esta característica levanta a hipótese de este degrau ter como objectivo servir para apoiar uma cobertura, embora não se tenha registado qualquer vestígio físico da sua existência. Os blocos de pedra registados na sepultura 24 poderiam corresponder aos calços de lajes de cobertura, no entanto, não se registou outros vestígios desta possível presença. Por outro lado, tendo em conta a profundidade a que se encontram já estes blocos e o facto de o enterramento não se encontrar afectado, esta afigura-se-nos uma hipótese pouco plausível. Salienta-se o caso das sepulturas 58 e 59 que parecem corresponder a um conjunto projectado em simultâneo. Inicialmente é aberta uma vala mais alargada no depósito, apresentando 4.35 metros de comprimento por 0.65 metros de largura. A cerca de 18 cm de profundidade o espaço é subdividido para a abertura das duas sepulturas, formando um degrau. Junto a este conjunto, constituído o único registo de uma fossa que foi cortada, identificou-se uma terceira sepultura (sepultura 72). A sua escavação permitiu verificar que esta estrutura já existia a quando da abertura do conjunto das sepulturas 58 e 59, no entanto, deveria estar sinalizada à superfície uma vez que a afectação verificada é mínima e, aparentemente, apenas incidiu em parte da parede da fossa. No indivíduo, registou-se uma ligeira deslocação pós-deposicional de alguns ossos, nomeadamente a mandíbula e algumas costelas, o que não terá justificação pela abertura das novas sepulturas mas outros processos pós-deposicionais. De facto, estas três sepulturas, parecem, assim, corresponder a um conjunto de pessoas com um vínculo familiar, hipótese que apenas o estudo do espólio osteológico aqui presente e a realização de uma análise mais específica poderá corroborar. No que se refere às coberturas, apenas na sepultura 71 se observou a presença de um

fragmento de uma laje que indicia poderem ter constituído uma cobertura da estrutura. Contudo, não é de excluir a possibilidade de outras das sepulturas terem tido coberturas que possam ter sido removidas por alguma acção não identificada.

3DOHRGHPRJUDÀD A análise da estimativa da idade à morte permitiu concluir que o grupo islâmico é constituído maioritariamente por adultos. No grupo cristão apenas se regista a presença de indivíduos que se integram nessa categoria etária.

Nt  6XEDGXOWR Adulto Adulto? Total

 34 34 34

Islâmico N  20 1 34

%

Nt

 59 3 100

 5 5 5

Cristão N  5 0 5

%  100 0 100

Tabela 1 – Estimativa da idade à morte dos indivíduos islâmicos e cristãos exumados do sítio Xancra II, Cuba.

Homem Mulher Indeterminado Total

Nt

Islâmico N

34 34 34 34

9 10 15 34

%

Nt

26 29 44 100

5 5 5 5

Cristão N 2 3 0 5

% 40 60 0 100

Tabela 2 – Diagnose sexual dos indivíduos islâmicos e cristão exumados do sítio Xancra II, Cuba.

Não foi possível qualquer diagnose sexual em mais de 40% dos indivíduos islâmicos. Naqueles em que foi possível efectuar a diagnose sexual, observou-se uma distribuição quase equitativa entre homens e mulheres. No grupo cristão regista-se a presença de dois homens e três mulheres (ver: Tabela 2)

Paleopatologia

Memórias d’Odiana • 2ª série

222

Foram observados diversos casos patológicos em ambos os grupos. Registou-se a presença de casos de patologia oral em ambos os grupos, sendo disso exemplo a presença de cáries, periodontite, perda ante-mortem de dentição e elevados graus de desgaste dentário. Foi ainda identificada em ambas as amostras casos de patologia degenerativa articular e não articular. A primeira consiste em casos de osteoartose (OA) e de nódulos de Schmorl. A segunda é composta, naturalmente, por entesopatias localizadas no esqueleto axial (no segmento torácico) e apendicular (nos membros superiores e inferiores). Foram registados poucos casos de patologia congénita. Estes resumem-se a: vértebras transicionais localizadas na fronteira sacro-lombar; um caso de spina bifida occulta de uma 11ª vértebra torácica; um caso de retenção da sutura metópica. Na patologia traumática, observou-se uma fractura numa clavícula que se encontrava completamente reduzida. Por fim destacamos o caso registado num crânio de um indivíduo adulto masculino islâmico. Este consiste numa lesão linear que afectou a tábua externa, Fig. 10 – Caso de possível lesão traumática devido à acção de um instrumento cortante, como por exem o diploe e a tábua interna do parietal esquerdo. Esta encontra-se displo uma espada, de um indivíduo islâmico. posta de forma ligeiramente oblíqua relativamente ao plano transverCOMUNICAÇÕES

so, estendo-se desde a sutura coronal até junto ao lambda. As paredes da lesão são, macroscopicamente, regulares e lisas. A lesão aparenta ser peri-mortem, não se observando qualquer regeneração óssea. A linearidade da lesão e a regularidade das suas paredes é compatível com a acção de um instrumento cortante (Aufderheide e Rodríguez-Martín, 1998). A sua localização é compatível com a manipulação de, por exemplo, uma espada manipulada por um dextro. De facto, a maioria das lesões cranianas devida a violência inter-pessoal localizam-se do lado esquerdo do crânio, reflectindo esta localização a predominância de dextros (Roberts e Manchester, 2005).

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COMUNICAÇÕES

223

Memórias d’Odiana • 2ª série

O faseamento das realidades arqueológicas identificadas no espaço de necrópole teve em consideração quatro factores: as relações estratigráficas entre as diferentes unidades registadas, o modo de construção e tipologia das sepulturas e o ritual funerário identificado. No entanto, a compreensão do ritmo de ocupação do espaço necessita de datas mais finas para as últimas ou última fase da necrópole uma vez que os elementos disponíveis para a interpretação das estruturas, ou a falta deles, não possibilitam que se estabeleça uma cronologia mais precisa para estas sepulturas: cristã e islâmica. Não se registou qualquer espólio em associação com os enterramentos, e as sepulturas intervencionadas com diferentes ritos funerários não estabelecem qualquer relação física entre si, condicionando uma interpretação mais sustentada. De facto, estas sepulturas não se cruzam no espaço, encontrando-se as primeiras na área Norte da Necrópole e as segundas na área Sul. Esta localização pode ser um acaso, não nos podemos esquecer de que a área intervencionada nos limita a visão do todo a uma faixa de cerca de 2 metros de largura, mas poder também ser o reflexo de duas áreas diferenciadas contíguas num mesmo espaço de necrópole. As inumações cristãs em espaços funerários ocupados por outras culturas não são desconhecidas, sincrónica e diacroniacamente (Arìes, 1977). Em Portugal regista-se, por exemplo, o caso da necrópole Cristã/Islâmica em Mértola (Torres, 1995; Macias, 2005), onde se verifica uma utilização continuada do espaço de necrópole. Embora as necrópoles cristãs habitualmente se encontrem associadas a uma igreja/templo que sacraliza o espaço, no cristianismo primitivo a inumação dos indivíduos era realizada no exterior das áreas habitadas, mantendo-se ainda vigentes resquícios dessas práticas, num cânone do concílio de Braga do século VI d.C. (Arìes, 1977). Embora em inúmeras necrópoles cristãs se observe a reutilização do espaço funerário (por exemplo: Filipe et al., 2003; Brazuna e Antunes-Ferreira, 2008; Filipe e Figueiredo, 2008; Ferreira e Godinho, 2008), a manutenção da integridade do corpo/esqueleto no post mortem era inicialmente vista no cristianismo como extremamente importante para a ressurreição, existindo o receio desta não ocorrer caso a sepultura onde se havia sido inumado fosse violada. Esta crença popular estava correlacionada com a não divisão do corpo em relação à alma (Ariès, 1977). No período islâmico Beja é tomada pela força das armas em 713, conquista a cargo de Abdelaziz. Mas, para o exército, o importante era conquistar os principais centros urbanos e políticos, a partir daí os restantes núcleos passavam automaticamente para a posse dos Mulçumanos, sendo que grande parte da população cristã se manteve, tornando-se moçarabes ou convertendo-se ao Islão, os Muladíes (Lopes (coord),1997). Os trabalhos realizados na zona de Serpa no âmbito da Carta Arqueológica do concelho, coordenados por Conceição Lopes, revelaram uma continuidade na ocupação do espaço rural atestada pela presença de materiais de época islâmica em villae e pequenos sítios romanos. Esta situação parece repetir-se nesta área do concelho de Cuba, quer com a presença materiais de época medieval islâmica na villa romana da Xancra, identificados em trabalhos de prospecção, quer no espaço que cremos corresponder à necrópole da villa dada a referência a sepulturas de época romana aquando da abertura da estrada situada no espaço contíguo à área agora intervencionada, ficando também aqui atestada a evolução cultural dos habitantes. Fica, contudo, por esclarecer a cronologia de ocupação para estes dois grupos de sepulturas, podendo colocar-se a hipótese de corresponderem a diferentes fases de utilização, sequenciais ou não, ou a duas necrópoles vizinhas utilizadas por duas comunidades culturalmente distintas que habitam numa área comum no mesmo período cronológico. O recurso a métodos de datação absoluta poderia ajudar a clarificar esta questão. Salienta-se que, embora não se tenham registado vestígios da existência de um muro que dividisse a área Norte, onde se encontravam os enterramentos de ritual cristão, da área Sul, onde se encontravam os enterramentos islâmicos, a verdade é que as características agrícolas actuais do terreno levariam a que uma estrutura simples de delimitação de espaço pudesse desaparecer com facilidade. No que se refere aos dados antropológicos recolhidos, a análise paleobiológica encontra-se condicionada pela questão da representatividade das amostras. De facto, a dimensão de ambos os grupos, particularmente o cristão, é reduzida, não oferecendo representatividade das populações às quais pertenceriam. Acresce a necessidade de uma categorização mais precisa dos indivíduos adultos para que se pudesse realizar, no caso do grupo islâmico, uma análise acerca da natureza das amostra e respectiva população. Para além das limitações referidas, há que sublinhar que a área

intervencionada foi reduzida, não sendo, assim, possível excluir a possibilidade da(s) necrópole(s) poder(em) apresentar uma organização espacial, por exemplo etária, e a área intervencionada poder corresponder a uma área destinada a segmentos específicos das populações inumadas. Não obstante as diversas condicionantes mencionadas, e não olvidando que uma intervenção mais alargada poderá revelar novos dados que sugiram novas perspectivas, sugerimos as possíveis interpretações que se seguem. A ausência de sub-adultos no grupo cristão poderá sugerir estarmos na presença de uma amostra seleccionada. No grupo islâmico, a distribuição equilibrada entre homens e mulheres poderia sugerir uma amostra de uma população natural, contudo a frequência observada dos sub-adultos e, neste grupo, de indivíduos de idade mais baixa parece ser incompatível com essa hipótese. Há, porém, que considerar a possível preservação diferencial entre adultos e sub-adultos (Guy et al., 1997; Bello e Andrews, 2006). De facto, devemos destacar a presença de diversas estruturas negativas morfologicamente semelhantes a sepulturas que não continham qualquer conteúdo e que do indivíduo mais jovem apenas foram recuperados alguns dentes, não tendo sido observada a presença de quaisquer outros elementos esqueléticos. Em termos patológicos foram observados diversos casos habituais no registo paleopatológico, destacando-se o caso da possível lesão traumática de um indivíduo islâmico devido à acção de, por exemplo, uma espada.

%LEOLRJUDÀD ARIÈS, P. (1977) - O Homem Perante a Morte, I. Mem Martins, Publicações Europa-América. AUFDERHEIDE, A. C.; RODRÍGUEZ-MARTÍN, C. (1998) - The Cambridge Encyclopedia of Human Paleopathology, Cambridge, Cambridge University Press. BELLO, S.; ANDREWS, P. (2006) - The intrinsic pattern of preservation of human skeletons and its influence on the interpretation of funerary remains. In: Gowland, R.; Knüsel, C. (eds.). Social Archaeology of Funerary Remains, Oxford, Oxbow Books: 1 - 13. BRAZUNA, S.; ANTUNES-FERREIRA, N. (2008) - A Igreja de S. Martinho. Resultados preliminares de uma intervenção arqueológica, Era Arqueologia, 8: 50-69. BRAZUNA, S.; GODINHO, R. (2008) – Xancra II, Fase 3, Relatório dos Trabalhos Arqueológicos, Era-Arqueologia,S.A., Lisboa. FERREIRA, Â.; GODINHO, R. M. (2008) - Escavação arqueológica na necrópole do convento de S. Gonçalo, Lisboa, Era Arqueologia, S.A. FILIPE, I.; BRAZUNA, S.; MATOS, V.; FREITAS, J. (2003) - Necrópole de S. Martinho: análise preliminar dos dados arqueológicos e antropológicos, Era Arqueologia, 5: 55-79. FILIPE, I.; FIGUEIREDO, Á. (2008) - Necrópole do Colégio de Santo Antão-o-Novo: Síntese preliminar dos resultados arqueológicos e antropológicos, Era Arqueologia, 8: 70-91.

Memórias d’Odiana • 2ª série

224

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COMUNICAÇÕES

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