Virais de Internet - relevância e expertise

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VIRAIS DE INTERNET – RELEVÂNCIA E EXPERTISE Paulo de Tarso Irizaga Pereira (PUCRS) [email protected] RESUMO: Um dos comportamentos mais proeminentes dos usuários da web é o compartilhamento de itens de informação. Dentre estes, destacam-se os virais, conjunto de imagens, sons ou vídeo que se espalham rapidamente e atingem uma dimensão vultosa de pessoas. Este trabalho apresenta a estrutura básica dos virais e sua taxonomia, buscando explicitar sua importância para os estudos linguísticos. Com base na Teoria da Relevância e Memética, procura-se entender os efeitos que os virais desencadeiam no âmbito da Pragmática, bem como o processo inferencial que os usuários ativam quando engajados no acontecimento discursivo. Enfoque especial é dado à relação entre a fecundidade, acessibilidade e formação do conhecimento enciclopédico, os quais desempenham um papel importante na construção de suposições implicadas e no desencadeamento de efeitos poéticos. Um princípio de expertise viral é sugerido com vistas a explicar tais processos e elucidar alguns fatores que governam as estratégias utilizadas pelos usuários para o reconhecimento dos virais. PALAVRAS – CHAVE: Virais; Web; Teoria da Relevância; Memética.

1 Introdução

Este artigo busca apresentar um panorama sobre pontos abordados em minha dissertação de mestrado (PEREIRA, 2015), acrescentando informações mais específicas sobre a relação entre acessibilidade e virais em redes sociais. Para tanto, utilizo conceitos da Teoria da Relevância (SPERBER; WILSON, 1986; 1995; 2005; WILSON; SPERBER, 2012) e da Memética (BLACKMORE, 2000; DAWKINS, 2001), além de algumas contribuições da Linguística da Internet (CRYSTAL, 2001; 2006; 2005; 2011; 2013), da Ciberpragmática (YUS, 2011; 2014) e da teoria da comunicação, destacando a comunicação de massa e disseminação de conceitos entre as pessoas, presentes em McLuhan (2007). Neste artigo, inicialmente será exposta a abordagem que a Teoria da Relevância (TR) dá ao fenômeno da acessibilidade. Em seguida, apresentamos nosso conceito de virais na internet, sua estrutura e outputs. Por fim, analisamos a relação entre acessibilidade e virais, onde será desenvolvido o conceito de princípio de expertise viral que, creio, possa ser útil para a correta descrição do fenômeno estudado.

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2 A acessibilidade à luz da Teoria da Relevância (TR)

A TR postula que a cognição humana é orientada à relevância, e que o cômputo desta é obedece a um princípio de custo-benefício em que quanto maior os efeitos cognitivos positivos e menor o custo de processamento de informação, maior é a relevância. A esses conceitos, adicionam-se uma série de subtarefas simultâneas, as quais a mente humana realiza, obedecendo a uma lei de menor esforço. Resumidamente, o processo de compreensão das inferências se dá pela computação dos efeitos cognitivos, considerando hipóteses interpretativas (desambiguações, atribuições referenciais, suposições contextuais, implicaturas, etc.) em ordem de acessibilidade. O destinatário, então, para a computação dos efeitos cognitivos quando o nível de relevância esperado é alcançado. Para os objetivos deste trabalho, importa explicitar melhor o que a TR entende por acessibilidade. A teoria postula que o conhecimento enciclopédico ligado à informação é diretamente relacionado com a repetição (SPERBER, WILSON, 1995, p. 52). Dada a consolidação de uma representação mental para um indivíduo, o esforço para processar suposições semelhantes que venham a aparecer em igualdade de contextos é diminuído, pois a suposição adequada é a que estará mais imediatamente ativa na memória, ou seja, mais acessível. De acordo com os autores (SPERBER, WILSON, 1995, p. 77): A força de uma suposição é uma propriedade comparável a sua acessibilidade. Uma suposição mais acessível é aquela que é mais fácil de recordar [...]. Um ponto de vista mais plausível é que, como resultado de algum tipo de habituação, quanto mais uma representação é processada, mais acessível ela se torna. Por isso, quanto maior for a quantidade de processamento envolvida na formação de uma suposição, e quanto mais frequentemente for acessada depois disso, maior será a sua acessibilidade.

Frisamos que a acessibilidade não se refere somente ao repertório de suposições que estão armazenadas na memória, mas ainda ao conjunto de entradas enciclopédicas em que estas informações aparecem. Assim, quanto mais repetida for uma suposição, mais facilmente recuperáveis serão as entradas enciclopédicas associadas a essa suposição. O contrário também ocorre. Caso uma suposição seja processada poucas vezes, pode ser que esqueçamos a entrada enciclopédica a ela ligada. Este tratamento da acessibilidade vai ao encontro do que se observa empiricamente no caso dos virais da internet. A exposição repetida de uma estrutura fixa em determinados contextos faz com que os usuários compreendam de forma automática as implicações, adequações e

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funções pragmáticas dos virais com um rico histórico de processamento, conforme se verá na seção 4.

3 Conceito, estrutura e taxonomia dos virais

Visando fazer uma diferenciação entre viral e meme (BLACKMORE, 2000; DAWKINS, 2001), uma vez que entendemos que o primeiro seja uma sub-espécie do segundo, restrito às enunciações que se propagam na rede, utilizo neste trabalho o conceito elaborado em Pereira (2015, p. 41):

Viral, no âmbito deste trabalho, refere-se a toda enunciação realizada em ambiente multimídia que, partindo de um modelo básico passível de reconstrução, é amplamente compartilhado na web, mantendo, porém, a mesma ideia originária. Virais são tipos especiais de meme, existindo apenas em ambientes virtuais. Devido às propriedades limitadoras dos meios pelos quais se reproduzem, os registros mais conhecidos de virais atualmente são: slogans de hashtags, vídeos virais, imagens meméticas e tirinhas (comics) virais.

Como memes virtuais, os virais apresentam a seguinte estrutura: a) Longevidade: capacidade de um viral de tornar-se estável, perdurando no tempo com uma fórmula mais ou menos fixa e altamente reconhecível pelos usuários web.

Figura 1 – Troll face: utilizado para evidenciar uma atitude de sarcasmo ou deboche frente a um enunciado ou situação.

Figura 2 – LOL: utilizado para evidenciar uma situação ou atitude em que o locutor está rindo, feliz ou expõe a comicidade de um ato.

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b) Fecundidade: capacidade de um viral de difundir-se rapidamente, determinada tanto pelo seu conteúdo quanto pelas possibilidades do meio a que está incluída. c) Preservação de cópias: a qualidade replicadora por excelência. É a capacidade de fazer réplicas a partir de um modelo básico.

Figuras 3 e 4 – Willy Wonka Irônico: trata-se da personagem Willy Wonka do filme A Fantástica Fábrica de Chocolate. Independentemente da língua onde é veiculada, a estrutura se mantém constante. A primeira frase é uma repetição de um enunciado do ouvinte/receptor, e a segunda é uma pergunta irônica, inferindo a contradição da resposta com a opinião presumivelmente assumida pelo receptor em potencial. Alguns traços, como a dêixis de pessoa, estão sempre presentes, marcando o papel dos articuladores.

Quanto aos outputs virais, estes se encontram divididos em quatro categorias básicas: a) Imagens meméticas: são outputs virais compostos exclusivamente por imagens, estáticas ou animadas. As figuras apresentadas anteriormente são exemplos de imagens meméticas. b) Tiras virais: caracterizados por tirinhas (comics) que possuem uma estrutura fixa e desencadeamento discursivo que se repete, como um enredo fixo. c) Vídeos virais: incluem todos os tipos de faixas de vídeos geralmente distribuídos em sites como Youtube e Vimeo, que se espalham na rede. Exemplos incluem os flashmobs, montagens, cenas de filmes, novelas, animes, clips, entrevistas ou cenas pitorescas do cotidiano. d) Hashtags: de grande popularidade no Twitter, as hashtags ou jogo-da-velha (#) deixaram de ser exclusivamente marcadores de tópico (ZAPPAVIGNA, 2012; YUS, 2011) e passaram a ser utilizadas em campanhas, protestos e demais manifestações que buscam atingir grandes públicos. Em diálogos virtuais, os virais podem desempenhar diversos papeis pragmáticos,

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semelhantes ao que já se verifica com emoticons (YUS, 2014). Na verdade, argumentamos que os virais são uma evolução dos emoticons, mesclando diversas plataformas multimídia (PEREIRA, 2015). Obviamente, o uso de virais em diálogos depende dos recursos disponíveis no website em que ocorrem as interações discursivas. Assim, se uma sala de bate-papo não permite o compartilhamento de imagens, nenhuma imagem viral poderá ser utilizada para cumprir um papel pragmático específico. Por isso, a proliferação de virais é intimamente dependente do meio em que estão vinculados. Quanto mais frio é o meio (MCLUHAN, 2007), maior a sua riqueza de acesso, aqui entendida como sendo determinada por dois fatores primordiais: a quantidade de recursos multimídia que permite integrar em sua interface e o número de ferramentas de compartilhamento que disponibiliza aos usuários. Desta forma, os meios frios são o ambiente propício para que os virais existam como tal, propagando-se pela web e consolidando-se como conhecimento enciclopédico.

4 Expertise viral

Yus (2011) menciona diversos estudos no âmbito da TR, os quais apontam que a habilidade de um usuário com as ferramentas informáticas melhora à medida que aumenta sua interatividade com estes dispositivos. Uma vez ambientados a um determinado site, aplicativo ou programa, o usuário habitua-se a percorrer um caminho específico em busca de informação. Porém, quando ocorrem mudanças de lay-out em uma página, os usuários encaram desafios que demandam a reaprendizagem da estrutura semiótica e uma nova configuração de representações mentais, o que certamente aumenta o custo de processamento. Isso é evidenciado intuitivamente, quando os usuários sentem uma espécie de desconforto ao terem de lidar com as peças intermediadas quando estas sofrem atualização em sua interface. Por isso mesmo, buscar uma interface amigável, em que as informações estejam ordenadas hierarquicamente e sejam facilmente encontradas é um grande desafio para os webmasters e web designers. Conforme o usuário se acostume com a ferramenta, seu uso fica cada vez mais automatizado e intuitivo, consequentemente, diminuindo o custo de processamento. Em outras palavras, quanto mais exposto a um ambiente virtual x, mais consolidada ficará a representação mental do usuário com relação ao ambiente virtual x, pois se ativam automaticamente processos mnemônicos necessários à interação com o ambiente virtual

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x. Logo, a exposição constante torna determinado ambiente virtual sensível à recordação, o que a TR chama de acessibilidade, fazendo com que o processamento seja reduzido, o que contribui para o aumento de relevância. No caso específico dos virais, postulamos que sua estrutura fixa resulta na redução de custo de processamento conforme a contínua exposição, facilitada pelo alto grau de compartilhamento que as ferramentas de mídia social oferecem. Como é característico dos virais o contágio com um grande número de usuários da web espalhados pelo mundo, presume-se que o compartilhamento da estrutura fixa aliada a um conceito fixo (relacionados à preservação das cópias), em pouco tempo, transforma-se em conhecimento enciclopédico partilhado entre os usuários das redes sociais. Tal conhecimento, conforme postulado na TR, é utilizado para a produção de inferências entre as pessoas engajadas no acontecimento discursivo. Alguns virais tornam-se tão consolidados que encerram em si mesmos uma função pragmática específica, de forma que os usuários podem deles fazer uso em diálogos virtuais. Exemplificaremos esta questão com o viral Homem-Aranha com câncer. Os diálogos abaixo foram retirados da internet, conforme segue:

Diálogo 1 Usuário 1: @katyperry Queite Peuri vosse é uma cem educassão! fiko disperdissando um monte di doces nakeli klipe kalifornia guirls. Usuário 2:

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No diálogo acima, o enunciado do Usuário 1 é um tuite (postagem no microblog Twitter) direcionado à cantora Katy Perry, conforme a funcionalidade @username (YUS, 2011; ZAPPAVIGNA, 2012). De imediato, nota-se que a mensagem é escrita desobedecendo completamente às regras ortográficas, aproximando a escrita da oralidade, além de observar algumas regras convencionais do meio, como a troca do ‘c’ e ‘q’ por ‘k’, quando foneticamente realizados com o mesmo som. O Usuário 2 responde com uma imagem memética, em que a figura do super-herói Homem-Aranha é mostrada, em uma cama de hospital. A seguinte frase está contida na imagem “Seu Português é tão bom que me deu câncer”. A mera computação das peças informativas não permite ao Usuário 1 apreender o sentido do viral, sendo, necessário, pois, proceder com o enriquecimento do nível explícito com suposições de nível implícito até que a expectativa de relevância seja atendida. Considerando que o uso de uma língua não é capaz de gerar câncer em outrem, o Usuário 1 logo percebe que se trata de uma hipérbole, ironia ou sarcasmo, o que o faz entender que este viral é um enunciado ecoico. Acessando seu conhecimento enciclopédico, o Usuário 1 pode saber que o uso de determinadas variantes da língua é estigmatizado e chega a causar até mesmo a repulsa por parte das pessoas que não o utilizam ou dominam. Assim, uma implicatura forte pode ser derivada: a de que o enunciado indica uma ojeriza por parte do Usuário 2 à modalidade discursiva utilizada pelo Usuário 1 em seu enunciado. Do input visual, o Usuário 1 recebe diversos estímulos que podem ajuda-lo a montar esquemas de suposições e obter, assim, efeitos contextuais necessários ao enriquecimento ou reforço da interpretação do enunciado do Usuário 2 (efeitos poéticos, nos termos da TR). O Usuário 1 poderá implicar, por exemplo, que sua enunciação fora tão repugnante para o Usuário 2 que somente a imagem de um super-herói acamado poderia sugerir o grau de intensidade da aversão produzida pelo enunciado. Assim, essa suposição, mais fraca, tem o efeito de reforçar a suposição mais forte, fazendo com que o Usuário 1 conclua que o significado do viral é explicitar uma atitude de ojeriza do Usuário 2 para com a modalidade escrita do conteúdo proposicional emitido.

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Diálogo 2

Alguém que já tenha sido exposto ao Diálogo 1, acima, e que possua conhecimento da língua inglesa, facilmente reconhecerá semelhanças entre o conteúdo proposicional daquele diálogo e deste aqui apresentado. Este diálogo virtual, retirado de um fórum de discussão, mostra uma enunciação de um Usuário 1 (omitiu-se a foto e nickname na imagem) numa modalidade de inglês semelhante ao que foi exposto no Diálogo 1. Um usuário 2 responde à mensagem fazendo uso da mesma imagem memética do Homem-Aranha, com a frase linguisticamente codificada “Esta postagem me deu câncer”. Automaticamente, nossa memória ativa as premissas implicadas no diálogo 1, levando-nos a fazer inferências semelhantes ao caso anterior. Assim o é que dificilmente atentamos para a diferença específica do conteúdo linguístico das duas proposições, uma evidenciando que ‘o Português’ é ruim, e a outra, mais generalizada, indicando que a postagem é ruim. No entanto, ainda é possível inferir que a imagem memética evidencia a atitude do Usuário 2, de forma que já temos acessível na memória não só o significado geral deste viral, mas os contextos específicos em que ele costuma aparecer.

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Diálogo 3 Usuário 1: Esses funk’s de SP são ridículos. Funk bom é RJ, filhão! Usuário 2: Qualquer funk é ridículo :/ Usuário 3:

No diálogo acima, vemos três usuários engajados no evento discursivo. O Usuário 1 demonstra seu desprezo pela música funk do Estado de São Paulo, elucidando sua preferência pela versão desenvolvida no RJ. Algumas implicaturas fracas poderiam ser formadas a partir do seu enunciado. Por exemplo, a possibilidade do Usuário 1 também ser carioca ou, ainda, ter visitado o RJ e reforçado suas convicções a respeito da superioridade da qualidade do estilo no estado, em comparação a SP. O Usuário 2 discorda do conteúdo proposicional do enunciado imediatamente acima, salientando que qualquer funk é ruim, independentemente de onde seja proveniente. O emoticon utilizado visa a comunicar a intensidade do sentimento de desprezo codificado verbalmente pelo Usuário 2 (YUS, 2014). Para o âmbito deste tópico, é de especial interesse a análise do enunciado evocado pelo Usuário 3. Pelo nosso conhecimento dos Diálogos 1 e 2, identificamos que a imagem memética Homem-Aranha com câncer reaparece e, logo, inferimos automaticamente não só a discordância com o conteúdo proposicional do primeiro enunciado, mas também o atitude do Usuário 3, que busca deixar explícito seu sentimento de repulsa à preferência musical do Usuário 1. Isso se deve ao fato de que se encontra acessível em nossa memória não apenas o significado desta imagem memética, mas também as peças de informação enciclopédica a elas ligadas e o rol de contextos onde a imagem costuma aparecer. Desta forma, boa parte do processamento que fizemos para enriquecer o significado das interações discursivas no Diálogo 1 não é

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mais necessário, pois ele é facilmente recuperável mnemonicamente. Uma vez diminuído o custo de processamento, a relevância é aumentada, ainda que, como todo o efeito poético, o resultado seja a criação de uma série de premissas implicadas. De qualquer maneira, nossas implicações contextuais estão tão automatizadas pela acessibilidade que, por vezes, não se nota a falta de constituintes linguísticos na elocução presente na imagem postada pelo Usuário 3. A frase está incompleta, pois lemos “que meu câncer” em vez de “que me deu câncer”. No entanto, tal detalhe já não faz diferença para a criação de inferência, uma vez que o conhecimento enciclopédico mapeou os contextos em que essa imagem pode ocorrer, e só fará a computação havendo um efeito cognitivo positivo que demande uma nova entrada de dados (por exemplo, contradizendo uma suposição existente). Caso haja tais efeitos cognitivos, então, a suposição e situação contextual em que o viral ocorre passam a constituir um novo padrão (assim como ocorre com os replicadores, segundo a Memética), que será reforçado pelo histórico de exposição e estará acessível na memória, como uma nova peça que compõe nosso conhecimento enciclopédico deste viral. Em Pereira (2015), explorei de forma mais pormenorizada as sugestões oferecidas por Sperber e Wilson (1995) no que diz respeito às porções de informação reunidas na memória enciclopédica e como poderia ser encarado o seu enriquecimento. Dado que a repetição de modelos sedimenta as informações enciclopédicas e as tornam acessíveis na memória, sempre que um modelo semelhante ao sedimentado aparece, a informação nova é mesclada com a antiga e amplia as entradas enciclopédicas para aquele modelo. Isso explica por que os usuários demonstram uma facilidade em apreender o sentido de virais que tiveram a sua estrutura modificada em algum nível, levando em consideração a sua fecundidade. Do exposto acima, podemos notar que a acessibilidade desempenha um papel fundamental na busca pela relevância no que concerne à interpretação dos virais. É por meio da exposição repetida que o conhecimento enciclopédico é consolidado e se torna acessível à memória, que o utiliza para a formação de suposições necessárias à interpretação dos enunciados. Quanto mais expostos somos, menos custoso se torna o processamento dos virais e mais facilmente identificamos outros virais semelhantes. Com o objetivo de formalizar essa capacidade dos usuários web e entendendo que isso possa ter impacto para outros objetos além dos virais, apresento aqui o que chamo de princípio de expertise viral.

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4.1 Princípio de expertise viral

a) Quanto mais exposto a um viral com a estrutura x, mais experto o usuário se torna no reconhecimento das funções pragmáticas típicas de um viral com a estrutura x. b) Quanto maior é a expertise viral de um usuário no reconhecimento de uma estrutura viral x, menor é o custo necessário para o processamento de uma estrutura viral x’.

Em a temos a ampliação e consolidação da representação mental de uma estrutura x que se ativará automaticamente sempre que aparecer em um contexto específico. Já b dá conta de explicar o enriquecimento que um usuário experto faz a fim de identificar e/ou manipular os virais em novas acepções. O princípio de expertise viral explica, também, como erros ortográficos ou sensíveis modificações de imagens, que poderiam ser encaradas como ‘má formação’ de um viral, têm importância menor para a apreensão de seu sentido pragmático. Da mesma forma, o princípio explica como a mescla entre virais é reconhecida entre usuários mais expertos. A relação entre conhecimento enciclopédico, acessibilidade e fecundidade dos virais engendra pelo menos três comportamentos distintos, que se somam à sua estrutura básica, os quais denomino virais mesclados, virais ecoados e virais regionais (PEREIRA, 2015, p. 55). Virais mesclados são virais formados pela soma de dois virais com estruturas distintas, podendo ser oriundos, inclusive, de diferentes taxonomias. Virais ecoados, por sua vez, são virais que só encontram seu sentido pela identificação do discurso viral que ecoam. Por fim, virais regionais são aqueles cujo sentido só pode ser obtido pela aquisição de um conhecimento enciclopédico ligado a um determinado país ou cultura. Pelo que dissemos anteriormente, cremos que o processo de identificação de todas essas subcategorias de virais pode ser mais bem elucidado pelo princípio de expertise viral, que tem como objetivo formalizar a acessibilidade em contextos virtuais.

5 Considerações finais

Apresentamos aqui um panorama sobre o trabalho já realizado em Pereira (2015), explicitando as principais caraterísticas dos virais, sua taxonomia e uso em enunciados

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realizados no contexto digital. O enfoque dado nesse artigo recaiu sobre a relação entre a viralidade e a acessibilidade. No entanto, avançado no trabalho que já havíamos desenvolvido, aqui formalizamos um princípio de expertise viral, o qual explicita, no nosso entender, a relação entre o compartilhamento e a acessibilidade, contribuindo com uma explicação sobre a facilidade que os usuários web têm de reconhecer virais de diferentes estruturas e de diversos comportamentos pragmáticos. Esperamos que este trabalho possa contribuir com futuras pesquisas sobre este objeto, que tão pouco enfoque tem recebido no âmbito da linguística.

Referências

BLACKMORE, S. The meme machine. Oxford: Oxford University Press, 2000. CRYSTAL, D. A revolução da linguagem. Rio de Jeneiro: Jorge Zahar Ed., 2005. ________. Internet linguistics. Abindgon: Routlege, 2011. ________. Language and the internet. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. ________. ________. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. ________. O princípio: entrevista com David Crystal. In: SHEPHERD, G.; SALIÉS, T. G. (Org.). Linguística da internet. São Paulo: Contexto, 2013. DAWKINS, R. O gene egoísta. Belo Horizonte: Itatiaia, 2001. MCLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensão do homem (understanding media). São Paulo: Cultrix, 2007. PEREIRA, P. O aspecto viral das mídias sociais: uma abordagem pragmática. Dissertação (Mestrado). PUCRS, Porto Alegre, 2015. SPERBER, D.; WILSON, D. Relevance: communication and cognition. Berlin: Blackwell Publishers, 1986. 2ª Edição, 1995. ________. ________. 2. ed. Berlin: Blackwell Publishers, 1995. ________. Teoria da relevância. In: Linguagem em (Dis)curso – LemD, Tubarão/SC, v. 5, n. esp., p. 221-268, 2005. WILSON, D.; SPERBER, D. Meaning and relevance. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.

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Cyberpragmatics:

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communication

in

context.

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Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Co., 2011. ________. Not all emoticons are created equal. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, SC, v. 14, n. 3, p. 511-529, set./dez. 2014. ZAPPAVIGNA, M. Discourse of Twitter and social media. London: Continuum International Publishing Group, 2012.

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