Tríplice Fronteira Brasil-Argentina-Paraguai: iniciativas de integração e cooperação por meio de Infraestrutura, Educação e Saúde. Anais do II Seminario Internacional de los Espacios de Frontera (II Geofrontera). Posadas-ARG: Universidad Nacional de Misiones, 2014.

July 28, 2017 | Autor: C. Pereira Carnei... | Categoría: Political Geography, Fronteras, Geografía Política, Integración Regional, Borders and Borderlands
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II SEMINARIO INTERNACIONAL DE LOS ESPACIOS DE FRONTERA (II GEOFRONTERA): DIFERENCIAS E INTERCONEXIONES

ISSN: 2362-3365

TRÍPLICE FRONTEIRA BRASIL-ARGENTINA-PARAGUAI: INICIATIVAS DE INTEGRAÇÃO E COOPERAÇÃO POR MEIO DE INFRAESTRUTURA, EDUCAÇÃO E SAÚDE

Camilo Pereira Carneiro Filho PPGEEI/UFRGS [email protected]

Resumo: Os projetos de cooperação e integração transfronteiriça em curso na Tríplice Fronteira Brasil-Argentina-Paraguai impactam de diferentes maneiras um território marcado por inúmeros fluxos de mercadorias, pessoas e capitais. No âmbito governamental as políticas para a Tríplice Fronteira vêm sendo realizadas através de iniciativas em áreas como saúde, educação, infraestrutura energética e de transportes, etc. Tais iniciativas são desenvolvidas de acordo com interesses de grupos localizados tanto localmente, como em centros de poder situados nas capitais nacionais, e muitas vezes, vão de encontro aos interesses dos habitantes da fronteira, o que ocorre em algumas obras da IIRSA. Por outro lado, iniciativas de cooperação em nível local, como as que estão em curso nos campos da educação (UNILA e PEIBF) e da saúde (SIS Fronteiras) podem ser ferramentas importantes para uma integração de fato e uma melhor gestão do território transfronteiriço. Perfil acadêmico do autor: Pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais da UFRGS. Doutor em Geografia pela UFRGS, mestre em Geografia pela UFRJ.

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1. INTRODUÇÃO

A partir do final do século XX, geógrafos, historiadores, cientistas políticos, sociólogos e antropólogos passaram a demonstrar através de suas pesquisas uma preocupação em analisar as micro-relações das populações locais nas regiões de confluência entre os Estados nacionais, tendo em vista o processo de regionalização mundial e as novas funções atribuídas às fronteiras. Os novos usos políticos que vêm sendo atribuídos às regiões fronteiriças derivam de processos de negociações multiescalares que envolvem os agentes ou policymakers das políticas externas dos países e um grande conjunto de atores nas escalas local e regionalfronteiriça (RÜCKERT; DIETZ, 2013). No caso da América do Sul, a Tríplice Fronteira Brasil-Argentina-Paraguai tem um papel importante no processo de integração em curso devido à sua relevância econômica e demográfica – as três cidades gêmeas juntamente com suas respectivas áreas de influência possuem pouco mais de um milhão de habitantes – e à intensidade dos fluxos econômicos e humanos da região. Atualmente, o território da Tríplice Fronteira vem sendo impactado por projetos de infraestrutura desenvolvidos no âmbito da IIRSA – Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana – e do PAC 2 – Programa de Aceleração do Crescimento. Por serem determinados desde os centros de poder nacional – São Paulo, Brasília, Buenos Aires, etc. – e por tratarem a fronteira como um “lugar de passagem”, esses projetos em curso muitas vezes vão de encontro aos interesses dos habitantes da fronteira. Por outro lado, algumas iniciativas também provenientes de uma escala federal de decisão, que vêm sendo desenvolvidas no âmbito da educação – UNILA e PEIBF – e da saúde – caso do SIS Fronteiras –, ainda que com algumas imperfeições e dificuldades, estão provocando um impacto positivo e vêm possibilitando uma cooperação transfronteiriça de fato. 2.

COOPERAÇÃO

TRANSFRONTEIRIÇA

ATRAVÉS

DE

OBRAS

DE

INFRAESTRUTURA?

Nos últimos anos, obras de infraestrutura vêm atravessando as fronteiras sulamericanas e conectando pontos estratégicos nas redes de transporte, energia e comunicações. Tais obras estão sendo promovidas, principalmente, através da IIRSA, iniciativa que possui uma série de projetos que abrangem a Tríplice Fronteira, alguns deles também inseridos no PAC 2.

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As obras da IIRSA ganham novo fôlego com a crescente demanda por commodities na Ásia (China em particular), um dos fatores por trás dos projetos de integração física da América do Sul. A IIRSA atende uma lógica exploratória intensiva em território e formas patrimonialistas e rentistas de apropriação (do território), o que caba por gerar conflitos (PORTO GONÇALVEZ; QUENTAL, 2012). Nesse cenário, a vontade dos atores locais possui um forte adversário, haja vista que por trás dos projetos de infraestrutura da IIRSA estão grandes empresas privadas brasileiras que, na última década, vêm espraiando sua atuação por diversos países. Trata-se de um seleto grupo de empreiteiras que conta com o apoio do BNDES, fomentador de grande parte das obras de integração de infraestruturas realizadas na América do Sul (HIRT, 2013). Tendo em conta que as grandes empresas utilizam o território em função dos seus próprios objetivos, sendo cegas para tudo o mais, por vezes desrespeitando o entorno econômico, social, político, cultural, moral ou geográfico, é possível afirmar que elas configuram um elemento de perturbação e desordem (SANTOS, 2000). Um exemplo disso é o projeto da segunda ponte sobre o rio Paraná, entre Foz do Iguaçu e Presidente Franco, inserido no eixo Capricórnio da IIRSA e que também faz parte do PAC 2. Os defensores da nova ligação sobre o rio Paraná alegam que a obra reduzirá o fluxo de caminhões que passam pela Ponte da Amizade e possibilitará que os mais de trinta mil carros de passeio e motocicletas que cruzam a fronteira diariamente possam atravessar com mais comodidade e rapidez. O projeto, que conta com o apoio da Itaipu Binacional, tem um orçamento inicial de R$ 180 milhões, a ser financiado pelos governos de Brasil e Paraguai. Nele está prevista a construção de uma ponte do tipo estaiada de 760 metros de comprimento, duas pistas, dois acostamentos e duas faixas de pedestre, além de uma ligação rodoviária de acesso à ponte com 14,4 km de extensão, três obras de arte, três rotatórias e dois centros de fronteira que servirão para operações aduaneiras e para o controle de entrada e saída (ITAIPU, 2013). Apesar de contar com o apoio do governo federal brasileiro, o mencionado projeto possui opositores que contestam os trâmites da licitação e outros aspectos da obra. Recentemente, o arquiteto Nilso Rafagnin, presidente da Fundação Iguassu, denunciou ilegalidades referentes à obra junto ao TCU – Tribunal de Contas da União –, que por sua vez atestou vinte e uma irregularidades: a inexistência de justificativa técnica para a escolha do local da ponte nas proximidades do marco fronteiriço do Brasil; inconsistência dos estudos de impacto ambiental; descumprimento da exigência da realização de estudos de proteção ao patrimônio cultural e histórico; descumprimento da exigência de avaliação prévia de impactos de vizinhança; desconsideração da vocação turística do local em que está prevista a construção da ponte; incertezas quanto à responsabilidade pela obtenção de

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licenças ambientais; entre outras (CÂMARA MUNICIPAL DE FOZ DO IGUAÇU, 2013). Após o TCU reconhecer a existência de “defeitos gravíssimos” no edital 889/2012 o DNIT teve de revogar a licitação. Um ponto chave do imbróglio foi o critério de localização da ponte não ter sido debatido pelos idealizadores da obra com os atores locais. Pelo projeto atual a nova ponte seria instalada junto a um dos mais importantes atrativos turísticos da Tríplice Fronteira – o Marco das Três Fronteiras –, o que prejudicaria o pleno desenvolvimento do potencial turístico da região e também traria prejuízos ao Paraguai, uma vez que o país deveria desembolsar R$ 120 milhões para a construção dos acessos à Ruta 7, que leva à Assunção. Caso a nova ponte fosse instalada no local previsto no Projeto Iguassu-Aguas Grandes (http://projetoiguassu.com/), seu custo sairia de cem a cento e vinte milhões de reais mais barato para o governo do Paraguai (RAFAGNIN, 2013). Existem muitos outros projetos no âmbito da IIRSA que abrangem o território da Tríplice Fronteira. Projetos que abarcam temas como: cooperação energética (uma nova linha de transmissão entre Itaipu e Assunção); infraestrutura aduaneira (melhorias no Centro de Fronteira de Puerto Iguazú); infraestrutura de transportes (melhoramento e concessão das Ruta 2, 6 e 7 do Paraguai, melhorias na infraestrutura rodoviária da BR-277 e a construção de uma ponte sobre o rio Peperi-Guaçu para a interconexão de Santa Catarina com Misiones); transporte ferroviário (Corredor Ferroviário Bioceânico, linha férrea entre Ciudad del Este e Assunção-Villeta e ramal ferroviário entre Presidente Franco e a cidade de Pilar); aproveitamento do lago de Itaipu (sistema de transporte multimodal que permita a transposição do lago para cargas que transitam em transporte fluvial e ampliação das instalações portuárias de Puerto Indio); e infraestrutura aeroportuária (ampliação e reequipagem do aeroporto Internacional Guaraní) (IIRSA, 2013). Alguns críticos da IIRSA apontam que a adoção de eixos de integração e desenvolvimento reforça a polarização regional segundo as vocações distribuídas e construídas em torno de recursos naturais. A iniciativa também é identificada com o receituário neoliberal uma vez que promove a constituição de espaços privilegiados da economia internacional. Além disso, a ausência de consulta social – movimentos sociais ausentes do debate –, a baixa divulgação e a participação seletiva de determinadas universidades, ministérios, institutos de pesquisa, bancos e empresas privadas do país confirmam as suspeitas de que a IIRSA pode estar atrelada a interesses do grande capital nacional e internacional. Corroborando essa análise, é importante lembrar que a IIRSA segue um modelo de desenvolvimento para fora baseado na concepção espacial de eixos de integração e desenvolvimento e no conceito de sustentabilidade econômica, ambiental e social em escala

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continental, mencionados pelo ex-presidente da Cia. Vale do Rio Doce, Eliezer Batista da Silva em um trabalho, de 1995, intitulado Infraestrutura para o Desenvolvimento Sustentado e Integração da América do Sul (SENHORAS, 2008). Para Hirt (2013) as intencionalidades dos eixos da IIRSA estão ligadas a ações de exploração intensivas em território – processos intolerantes com entes não mercantis. A implementação da iniciativa corrobora a ideia de que a territorialidade do capitalismo engendra a mercantilização até as últimas consequências, posto que a iniciativa vem sendo materializada em obras construídas de forma autoritária, rodovias, barragens, hidrelétricas e linhas de transmissão que geram, muitas vezes, indivíduos sem terra e sem teto. 3. A EDUCAÇÃO COMO FATOR DE APROXIMAÇÃO DOS POVOS: UNILA E PEIBF

Ao contrário das obras de infraestrutura da IIRSA projetadas para a fronteira, que não levam em conta os atores locais, as iniciativas no âmbito da educação prevêem a participação da população das cidades da Tríplice Fronteira e assim configuram ferramentas em prol da integração e da cooperação transfronteiriça. Os projetos no campo da educação, além de constituírem um fator facilitador da cooperação entre os diferentes lados da fronteira, geram impactos positivos em escala local. Ao longo da fronteira Brasil-Argentina há diversos exemplos de interação e cooperação promovidos através do intercâmbio de professores e alunos (MEC, 2013). Uma iniciativa que nasceu para estimular esse intercâmbio foi o Projeto Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira (PEIBF), criado em 2005 através de um acordo entre Brasil e Argentina. O projeto tem o objetivo de promover o intercâmbio entre professores dos países do MERCOSUL e suas metas são a integração de estudantes e professores brasileiros com seus pares estrangeiros e a promoção do aprendizado da segunda língua aos alunos brasileiros e dos países vizinhos. Em 2009, o projeto já ampliado, funcionava em cinco países e contava com vinte e seis escolas, sendo que mais da metade delas na fronteira Brasil-Argentina (MEC, 2013). O município de Foz do Iguaçu participa do Projeto Escola Intercultural Bilíngue de Fronteira através da escola municipal Adele Zanotto Scalco, de educação infantil e ensino fundamental. No início de 2006 a escola foi selecionada pela Secretaria Municipal de Educação para a implantação do projeto, que começou a funcionar em 2010, apenas com os alunos de 1ª série, passando a ser ampliado gradativamente para as séries seguintes. Seu funcionamento se dá na forma de intercâmbio. Um dia por semana, professores da escola ministram aulas em língua portuguesa aos alunos da Escuela Intercultural Bilingüe nº 2, em Puerto Iguazú, instituição parceira no projeto. Da mesma

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forma, professores argentinos, atravessam a fronteira semanalmente para ministrar aulas em espanhol na escola Adele Zanotto Scalco (E. M. ADELE ZANOTTO, 2013). A Secretaria Municipal da Educação, por meio da equipe de ensino do Ministério da Educação e da UNILA, acompanha o desenvolvimento do PEIBF. Periodicamente são realizados encontros bilaterais e planejamentos conjuntos visando o bom andamento do projeto. Contudo, alguns acontecimentos recentes ameaçaram a continuidade do PEIBF. No último ano a UNILA suspendeu a parceria com a escola Adele Zanotto que, ainda assim, com esforços de seu corpo docente e de sua diretoria, manteve o intercâmbio de professores com a Escuela Intercultural Bilingüe nº 2 (BATISTA, 2013). Apesar dos percalços, os bons resultados do projeto são confirmados pelos corpos docentes das escolas que alegam que não são apenas os professores de línguas (português e espanhol) que participam do desenvolvimento do projeto. Toda a escola se envolve, de forma indireta, uma vez que o PEIBF não se limita ao conhecimento da língua estrangeira, mas também da cultura de cada país (E. M. ADELE ZANOTTO, 2013). Outro exemplo de integração e cooperação transfronteiriça no campo da educação na Tríplice Fronteira Brasil-Argentina-Paraguai é o da UNILA – Universidade Federal da Integração Latino-Americana. Instituição criada com o objetivo de formar recursos humanos aptos a contribuir com a integração latino-americana, o desenvolvimento regional e o intercâmbio cultural, científico e educacional do subcontinente. Tendo em vista a sua proposta, a localização geográfica da fronteira foi uma vantagem levada em conta e aproveitada na implantação da UNILA (criada pelo governo brasileiro, através da lei 12.189/2010) que teve a sede instalada na cidade de Foz do Iguaçu. Na UNILA são oferecidos, atualmente, dezesseis cursos em áreas de interesse mútuo dos países da América Latina e em áreas consideradas estratégicas para o desenvolvimento e a integração regionais. Criada com o intuito de possuir os corpos discente e docente compostos por 50% de estrangeiros latino-americanos, a UNILA encontrou empecilhos na legislação brasileira. Ainda que em maio de 2013, o percentual de alunos estrangeiros se aproximasse de 50% (paraguaios e argentinos, na maioria) do total de alunos da universidade1, a situação era bem diferente no tocante aos professores da instituição. Em relação ao corpo docente, de 2010 a 2011 o número de professores estrangeiros era bem próximo ao de brasileiros. Contudo, devido às restrições da legislação trabalhista brasileira – os estrangeiros devem ser contratados como professores visitantes, com contratos de dois anos renováveis por até dois anos – muitos dos professores estrangeiros

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Na UNILA, todos os alunos estrangeiros que comprovam necessidade – situação de baixa renda familiar – recebem bolsa de estudos.

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deixaram os quadros da UNILA antes do início da renovação de contrato. Esse fato explica o percentual de aproximadamente 30% de professores estrangeiros nos quadros da universidade em maio de 2013 (LOURENÇO, 2013). Outro ponto a ser ressaltado é a validação dos diplomas dos alunos estrangeiros. Atualmente a questão vem sendo negociada entre a Reitoria da UNILA e as instâncias competentes dos ministérios da Educação dos países de origem dos alunos. O problema precisa ser resolvido rapidamente, uma vez que em 2014 quatro cursos da universidade terão suas primeiras turmas de formandos (LOURENÇO, 2013). No âmbito dos projetos da UNILA, além da já mencionada participação no PEIBF, em 17 de maio de 2012, foi assinado um protocolo de intenções entre a universidade e o Consórcio Intermunicipal de Fronteira – CIF. O ato marcou mais um passo na cooperação entre a UNILA e o IFPR – Instituto Federal do Paraná. No âmbito dessa cooperação, a universidade irá fazer uso das dependências da antiga Faculdade da Fronteira, onde promoverá cursos superiores e atividades acadêmicas de pesquisa e extensão, oferecendo também assessoria técnica para os municípios do CIF (UNILA, 2012). Ainda que encontre obstáculos decorrentes das legislações nacionais e das limitações orçamentárias, as iniciativas de cooperação transfronteiriça no âmbito da educação refletem seus resultados na Tríplice Fronteira, onde promovem a aproximação dos povos e a possibilidade de interação e intercâmbio entre diferentes culturas. A educação e o ensino do idioma do país vizinho são muito importantes para harmonização das relações transfronteiriças, para o desenvolvimento local e a melhoria da convivência dos povos. 4. A COOPERAÇÃO NA ÁREA DA SAÚDE: MUITOS PACIENTES E POUCOS RECURSOS

A saúde pública é um campo que suscita profundas questões de Geografia Política. Dentre elas podem ser destacadas: a definição de quem exerce o poder e disputa a agenda da política de saúde; a compreensão dos projetos políticos dos atores sociais que atuam na área da saúde e a delimitação de espaços de poder. Em resumo, as questões de saúde pública chamam a atenção para a discussão das relações entre o Estado, o poder e a democracia, considerando-se os movimentos sociais e suas escalas de ação (GUIMARÃES, 2006). Na Tríplice Fronteira, a saúde é um problema que envolve as populações dos três países. A questão mais delicada diz respeito aos muitos brasileiros que residem no Paraguai e que, apesar de terem filhos nascidos naquele país, continuam mantendo vínculos afetivos e familiares com o Brasil, especialmente com os municípios do oeste do Paraná. Essa

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população participa de eleições e visita os familiares cotidianamente, além de recorrerem de forma rotineira ao SUS e fazerem uso de serviços médicos em hospitais e postos de saúde no Brasil (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE FOZ DO IGUAÇU, 2010). A precariedade do serviço público de saúde no Paraguai faz com que os brasiguaios e parte da população paraguaia (que reside em cidades próximas a Foz do Iguaçu) busquem atendimento nos serviços de saúde no Brasil. No hospital Costa Cavalcanti, em Foz do Iguaçu, são realizados muitos partos de grávidas que residem no Paraguai, tanto brasiguaias como paraguaias. No passado, um grande número de mulheres chegava para dar a luz no hospital estando desprovidas de qualquer exame. Em virtude da ausência de exames das gestantes paraguaias e com o objetivo de melhorar a qualidade da assistência prestada à população e organizar o atendimento para as gestantes brasileiras residentes no Paraguai, a Secretaria Municipal de Saúde, com o apoio da Itaipu Binacional, implantou o Centro de Atendimento à Gestante – CAGE. No centro são realizados o pré-natal e demais exames de gestantes paraguaias e brasiguaias. Apesar da boa vontade dos profissionais de saúde e do bom atendimento prestado, a população flutuante de pacientes sobrecarrega o sistema do município de Foz do Iguaçu. Para amenizar o problema, em 2005, o governo federal implantou o programa SIS Fronteiras. O objetivo do programa era fornecer apoio financeiro às regiões de fronteira, por meio de um levantamento diagnóstico realizado pela Universidade Nacional de Brasília, que comprovaria o atendimento prestado no SUS à população de brasileiros residente nos países fronteiriços – em especial no Paraguai –, como também a estrangeiros residentes ou não em cidades brasileiras de fronteira (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE FOZ DO IGUAÇU, 2010). O primeiro município do Brasil a ter o projeto aprovado no âmbito do SIS Fronteiras, com ações voltadas à equidade da atenção, foi Foz do Iguaçu. Esse projeto já teve duas fases contempladas, que incluem investimentos em unidades básicas de saúde, como a construção da Unidade Básica de Saúde Jardim América – bairro periférico de Foz do Iguaçu – e a reforma e ampliação da Unidade Básica de Saúde Vila Yolanda, além de cursos de aperfeiçoamento da gestão e custeio parcial do Centro Materno Infantil (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE FOZ DO IGUAÇU, 2010). O Centro Materno Infantil foi criado em 2006 e, assim como o CAGE, também contou com o apoio da Itaipu Binacional. No local são atendidas mulheres e crianças brasileiras residentes no Paraguai e na Argentina. As ações de prevenção e assistência curativa prestadas no centro colaboram para a melhoria dos indicadores de saúde de Foz do Iguaçu, uma vez que estendem o acesso à saúde às parcelas mais carentes da população.

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Por sua vez, a Unidade Básica de Saúde da Família do bairro Jardim América é um modelo de cooperação transfronteiriça. A unidade, que presta atendimento à população de vinte bairros da região oeste de Foz do Iguaçu, também atende a comunidade brasiguaia, que chega a vir de cidades distantes, como Santa Rosa del Monday (71 km), Santa Rita (78 km) e Naranjal (105 km). Além dos brasiguaios, a unidade recebe pacientes argentinos e paraguaios que vivem nas proximidades de Foz do Iguaçu (JUSTUS, 2013). Apesar das iniciativas e projetos com boas intenções e resultados, os repasses do Ministério da Saúde não são suficientes para cobrir o número de pacientes atendidos nas unidades de saúde pública de Foz do Iguaçu. Os paraguaios e brasiguaios atendidos nessas unidades não são contabilizados adequadamente, além disso, muitos brasiguaios possuem cartões do SUS2, fornecidos com fins eleitoreiros por políticos paranaenses, uma vez que muitos possuem títulos de eleitor e votam no Paraná. Situação que não é muito divulgada pela mídia e que demanda mais atenção por parte do governo brasileiro. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os problemas econômicos que cada lado da fronteira encara estão ligados às dificuldades de se prover as estruturas administrativa, política e legal para organizar a cooperação transfronteiriça e a gestão integrada do território. Dificuldades decorrentes da inexistência de uma forma legal ou institucional comum para tanto. A Constituição Federal brasileira, por exemplo, concentra grande parte da competência acerca dos temas de fronteira à União. Assim, as esferas local e regional possuem pouca margem de manobra para articular políticas em prol do desenvolvimento local e da cooperação transfronteiriça. Desde o surgimento do MERCOSUL, o ritmo de abertura das fronteiras vem sendo regulado com o intuito de se controlar o impacto sobre o mercado de trabalho, o nível e a qualidade do emprego e a seguridade social nos países membros. A implementação do bloco não contemplou adequadamente a realidade transfronteiriça, que não foi reconhecida e nem incorporada nas ações programáticas próprias de fronteira institucional de integração. Temas como saúde, educação e trabalho ficaram de fora da agenda de prioridades do MERCOSUL, que contempla principalmente a circulação de mercadorias e as obras para sua facilitação – caso da IIRSA. Com isso, temas de suma importância à vida das populações da fronteira vêm sendo regulados através de acordos pontuais, que não garantem os direitos e tampouco a prestação dos serviços públicos de forma eficaz e continuada.

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No cadastro para obtenção do cartão do SUS os brasiguaios informam endereços falsos no Brasil.

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A população da fronteira precisa encontrar canais de comunicação com atores de outras escalas – regional e nacional – para expor suas demandas e ter suas necessidades atendidas. Por outro lado, as instâncias nacionais de poder precisam assumir que uma verdadeira política de integração para o MERCOSUL deve ser implantada a partir da integração das fronteiras internas do bloco e do fortalecimento da cooperação transfronteiriça.

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