Tribunal Penal Internacional (breve análise)

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Descripción

Tribunal Penal Internacional

(breve análise)





Antônio Márcio da Cunha Guimarães[1]



(artigo publicado no livro Direito Internacional: Homenagem a Adherbal
Meira Mattos, organização: Paulo B. Casella e André de Carvalho Ramos,
editora Quartier Latin, São Paulo, 2009.




SUMÁRIO: 1. Tratado de criação do TPI – 2. Breve histórico /
objetivos – 3. Conseqüências de sua criação – 4. Adoção pelos
países – 5. TPI e o ordenamento jurídico brasileiro (contradições,
convergências) – 6. Conclusão






1. tratado de criação do TPI

O Tribunal Penal Internacional foi criado por um Tratado
Internacional celebrado entre vários países, também conhecido como ESTATUTO
DE ROMA, levando o nome da cidade no qual foi finalizado/firmado em 17 de
julho de 1998.

O TPI criado pelo Estatuto de Roma é uma instituição de caráter
permanente, ou seja, diferentemente de outros tribunais internacionais que
o precederam, que foram criados em determinados momentos históricos com
fins específicos (como por exemplo o tribunal para a antiga Iugoslávia e
Ruanda), este foi criado para permanecer ativo, em funcionamento,
independente de algum fato ou acontecimento específico.

Exercerá facultativamente sua jurisdição sobre indivíduos com
relação aos crimes mais graves de transcendência internacional, conforme
definido no próprio Estatuto (art. 1).

O TPI está vinculado às Nações Unidas (art. 2), tem sede na
cidade da Haia, nos Países Baixos (art. 3), podendo realizar sessões em
outros lugares quando isto for conveniente.

Neste sentido, a perenidade de sua existência é assegurada na
medida em que os seus órgãos são criados de maneira estável e continuada.

No artigo 4 temos sua condição jurídica e prerrogativas. O TPI
tem personalidade jurídica internacional com plena capacidade jurídica para
a promoção dos atos e realização de seus propósitos. O tribunal pode
exercer suas funções e prerrogativas no território de qualquer Estado-parte
e, mediante acordo especial, no território de qualquer outro Estado.

O tratado de criação do TPI, inegavelmente, como já apontado
por inúmeros juristas e especialistas no assunto, é reconhecido como sendo
um tratado de direitos humanos. Tem como intenção primordial não deixar
impune vários crimes internacionais, genocídio, crimes contra a humanidade,
de guerra, etc.

Como bem apontado por André de Carvalho Ramos[i] in Tribunal
Penal Internacional, Edit. RT, 2000 – "as regras constantes do Estatuto de
Roma demonstram a preocupação da comunidade internacional em evitar que a
impunidade dos agentes responsáveis pelas condutas tipificadas possam
servir de estímulo a novas violações."


2. breve histórico / objetivos

Verificamos ao longo da história humana, que o homem dotado de
poder muitas vezes o usa de forma inadequada e acaba por violar os direitos
dos demais contemporâneos. Essa violação se dá quando do exercício do poder
alcançado ou mesmo quando está em sua escalada de aquisição do poder e para
tanto usa de todos os artifícios a sua disposição, muitos deles ilegais,
imorais e criminosos.

Neste ano de 2008, presenciamos o caso do presidente do Sudão –
Omar Al-Bashir, contra o qual pairam suspeitas de que tenha sido o
responsável por crime de genocídio em seu país. O promotor-chefe do TPI
pediu sua prisão para que seja processado e julgado por tais acusações. Os
juízes do tribunal ainda tem que analisar o pedido e deferir ou não tal
solicitação. De qualquer forma, como a ordem de prisão, caso venha a ser
determinada oficialmente, será cumprida ? O país Sudão irá entregar seu
governante máximo para ser julgado pelo TPI ? se ele próprio é a autoridade
principal do país, como atender tal pedido de prisão ?

É exatamente para tais situações que o tribunal penal
internacional foi criado, para processar e julgar pessoas quando o país das
quais eles são cidadãos não tem condições para tanto, ou não tem interesse
em promover tais atos. Aí entra a jurisdição suplementar do tribunal, sendo
competente para levar adiante os processos que seriam ou são inviáveis no
país de origem.

Imbuídos de tais propósitos, é que 120 países votaram
maciçamente pela aprovação do Estatuto de Roma, tal como foi finalizado,
com apenas 7 votos contra e 21 abstenções. Infelizmente, com os votos
contrários de EUA e China e abstenção da Índia, na prática mais da metade
da população mundial residente nestes países ficaram, a princípio, fora do
alcance da jurisdição do tribunal. Nada impede, obviamente, que tais países
e outros que não o fizeram ainda, venham a aderir ao TPI no futuro.


3. conseqüências de sua criação

A própria criação e existência de um tribunal penal
internacional permanente já é um grande avanço em nossa história. Sua
funcionalidade e aplicabilidade com o tempo pode acabar por traduzir-se em
um fortalecimento do próprio tribunal e principalmente, na cristalização do
princípio da Universalização dos Direitos Humanos, na medida que passa a
ser um preceito jurídico amparado e protegido por toda a coletividade
mundial, não dependendo apenas desse ou daquele país para a sua garantia ou
defesa.

Com esse desenvolvimento da proteção mundial dos direitos
humanos, através de um tribunal penal internacional permanente, que venha a
processar, julgar e condenar criminosos violadores dos direitos do homem,
mormente de forma coletivamente, como no caso de genocídio, crimes de
guerra, torturas, etc., ou seja, crimes praticados contra grupos sociais,
contra coletividades, na busca ou para manutenção de um poder ilegítimo,
porquanto exercido através da força e não democraticamente, é bem provável
que venha a diminuir a prática de tais atos criminosos. Com certeza, não
restarão impunes tais atividades delituosas, ainda que sua prática não seja
de todo coibida.

Experimentar uma realidade de justiça é muito importante para
que haja esperança dos povos em um futuro melhor. E na medida, que as
atividades do TPI se fortaleçam, se desenvolvam, se consolidem, com mais e
mais criminosos mundiais sendo julgados e condenados, com certeza irá ter
uma diminuição porque a impunidade deixará de existir e a real
possibilidade de responsabilização pelos atos destes criminosos
(governantes ou não) irá impor uma conduta mais precavida.


4. adoção pelos países

Já em sua criação, o TPI foi aprovado de forma inconteste por
120 países. Espera-se que ao longo de sua existência, outros países venham
gradativamente a aderirem ao seu texto e sua jurisdição.

A maior aceitação do TPI pela comunidade internacional virá na
medida em que a própria opinião dos habitantes dos diversos países se
conscientize de tal benefício e necessidade e acabe por "forçar" seus
respectivos governantes a firmarem o tratado internacional em questão.

Obviamente, os países que ainda não aderiram é porque possuem
governos "fortes"(ditaduras em muitos casos) e não pretendem ver julgados
os seus atos "rigorosos" para manutenção da paz interna e na verdade, o seu
poder interno.

Outro país importante no cenário mundial, seja em termos
populacionais, econômicos e bélicos é o EUA, que infelizmente também não
aderiu ainda ao TPI, não obstante ele não se enquadrar na premissa anterior
de governo "forte" do ponto de vista democrático. Entretanto, embora seja
uma democracia, do ponto de vista interno, de sua sociedade, no plano
externo adota uma postura de sherif do mundo moderno e responsável (?) pela
paz mundial. Nessa missão que atribuem a si próprios acabam por violar
direitos de países menores e mais fracos, imputando à força à outras
civilizações, o seu americam way of life, sem questionar se estes povos
assim o desejam ou não. Nessa esteira de raciocínio, a "guerra de
libertação" de povos oprimidos por parte dos EUA, com por exemplo, a
invasão do Iraque, talvez pudesse ser apreciada em processo penal no TPI e
isto com toda certeza não interessa aos americanos e principalmente, aos
seus governantes.

Espera-se que no futuro tal pensamento mude e também a
democracia americana seja contida e responda aos interesses mundiais e não
somente aos próprios interesses econômicos.


5. TPI e o ordenamento jurídico brasileiro
(Contradições, convergências)

A questão que se coloca no tocante à essa análise consiste em
saber se existe alguma vulnerabilidade ou ofensa à nossa legislação interna
ao ratificar e acolher o texto do tratado internacional de criação do TPI.

Como o artigo 120 do Estatuto de Roma não admite reservas, ou
seja, a adesão de algum país à este tratado internacional deve ser total,
ampla, sem possibilidade de escusar-se de cumprir qualquer regramento ou
cláusula que seja. Em outras palavras, o Estado adere e cumpre o tratado do
TPI na íntegra, em sua totalidade ou não adere e não faz parte dele, pois
cumpri-lo em parte não é uma opção.

Nesse sentido, mister saber se existe algum comando no texto do
TPI que seja contrário ao nosso ordenamento jurídico brasileiro, ofensivo
aos nosso princípios fundamentais. Em caso de ofensa à nossa Constituição
Federal por exemplo, como proceder ?

Em uma leitura rápida, podemos identificar dois pontos que
poderiam suscitar alguma dúvida: são eles – a questão da a) pena de prisão
perpétua e a questão da b) entrega de acusado. Tais preocupações também já
foram motivo de estudo de André de Carvalho Ramos[ii] que apontou não
haver conflitos com nosso direito interno. E quais seriam os eventuais
conflitos desses assuntos com o nosso ordenamento jurídico pátrio ?

a) pena de prisão perpétua

Em primeiro lugar, analisemos a questão da pena de prisão
perpétua prevista no artigo 77, §1º, b). Como é de conhecimento geral, tal
penalidade não é prevista em nosso direito interno brasileiro e foi motivo
de grandes debates quando da discussão do tratado do TPI, porquanto outros
países da América e também da Europa não possuem tal estipulação em seus
respectivos ordenamentos jurídicos internos, o que poderia ser um problema.

No âmbito da reunião de discussão do Tratado de Roma, tal
polêmica foi dissolvida com dois argumentos e fatos:

Primeiro – os crimes considerados pelo tribunal, pelo qual os acusados
serão julgados são de extrema gravidade, de impacto muito forte, tanto
pela brutalidade do ato, quanto pelo número de vítimas atingidas;


Segundo – existe o mecanismo obrigatório de revisão da pena (sua
execução) após decorridos 2/3 do tempo (nos casos de pena nas quais
são fixadas um lapso temporal de reclusão não superior à trinta anos,
ou após 25 anos de reclusão no caso de pena de prisão perpétua,
conforme o disposto no art. 110, §1º, 3. Essa obrigatoriedade da
revisão da pena, segundo o entender de Claus Kreb[iii], foi decisiva e
que possibilitou a aceitação da pena de prisão perpétua pelos países
que antes eram contrários.


Em nosso entendimento, tal realidade se aproxima ou é
exatamente igual à nossa realidade brasileira. Em que pese haja expressa
proibição de aplicação de pena de caráter perpétuo – artigo 5º, inciso
XLVII, b) da Constituição Federal, na prática isto ocorre porque quando o
criminoso é autor de vários crimes, todos de alta periculosidade e gravame,
e acaba por ser condenado, lhe é imputado, em muitos casos, penas que
somadas ultrapassam o vida provável do indivíduo. Não são raros, na
verdade, algo que se vê com freqüência, meliantes com condenações à 120
anos, 150 anos, e que, com certeza, não sobreviverão à este período tão
longo de reclusão.

E a razão de prazos tão longos de cumprimento de penas no
Brasil, se deve exatamente porque se tratam de crimes de maior gravidade, e
repetidos, o que ocasiona a soma dos tempos de reclusão, atingindo totais
de anos que nunca serão integralmente cumpridos pelo infrator, que
obviamente falecerá antes, pois sua vida não atinge tantos anos, ainda mais
em condições difíceis que se verificam em sistemas prisionais.

Vê-se, por conseguinte, que os critérios adotados pelo Tribunal
Penal Internacional são absolutamente compatíveis com a nossa realidade
brasileira, e invocar alguma diferença legal entre o sistema jurídico
interno, em especial a legislação penal brasileira, em confronto com o
artigo 77 do TPI é mera discussão que se apega à formalismos técnicos.

Ao se valorizar tal posicionamento - formal, poderíamos
entender que realmente existe uma disparidade entre conjuntos normativos
(brasileiro e o TPI), e de difícil aproximação face à impossibilidade de
reservas pelos Países ao texto e teor do tratado, como já apontado antes.

Não obstante, André Ramos já apontou que existem decisões do
Supremo Tribunal Federal acolhendo pedidos de extradição de outros Estados,
nos quais havia a possibilidade de condenação do extraditado à pena de
prisão perpétua. É o caso do procedimento de extradição 693 do STF,
requerido pela República Federal da Alemanha.

Importante considerar ainda, que a instituição do Tribunal
Penal Internacional através de um tratado internacional fortemente
caracterizado como sendo de direitos humanos implicou no estabelecimento de
algumas garantias e seguranças ao homem, in casu, em favor daquele que é
julgado pelos crimes horríveis previstos no artigo 5. Não obstante a
conduta delituosa do agente, de grande repúdio pela comunidade
internacional, à ele foram asseguradas todas as prerrogativas justas e
humanas previsíveis em um processo criminal que extrai seus fundamentos de
um tratado internacional de direitos humanos, tais como o devido processo
legal, a ampla defesa, a não existência de crime sem que a lei defina
previamente.

Estes princípios são perfeitamente coincidentes com o
pensamento e sentimento brasileiro, estampadas que estão, também em nossa
Carta Magna, asseguradores dos procedimentos adequados para que o processo
a que o acusado é submetido atinja a Justiça como ideal maior.

De qualquer forma, entendemos ser perfeitamente possível adotar-
se o regime de prisão perpétua, entre as penas previstas no tratado do TPI,
ainda mais se levarmos em consideração a revisão obrigatória da pena
prevista no artigo 110, e principalmente, a gravidade dos crimes cometidos,
conforme elencados no artigo 5, ambos do Estatuto de Roma. E a ratificação
do Brasil ao Estatuto de Roma não apresenta maiores entraves no tocante à
este ponto – prisão perpétua, em face de tudo quanto ponderado.

b) entrega de acusado

Outra questão importante, que poderia trazer alguma polêmica,
tem a ver com a entrega de acusado pelo Estado-membro à jurisdição do
Tribunal Penal Internacional para vir a ser processado e julgado. E qual
seria a polêmica ? apenas quando este acusado for um nacional do Estado-
membro, no nosso caso, houver uma requisição de entrega ao tribunal de um
cidadão brasileiro para que seja processado e julgado por aquela corte
internacional.

A nossa Constituição Federal prevê em seu artigo 5º, LI, que
nenhum brasileiro será extraditado. Assim, precisamos bem definir se
entrega é a mesma coisa que extradição, ou não. Se o entendimento final for
no sentido de que ambos os vocábulos acarretem em mesmos conceitos, aí sim,
teríamos uma enorme dificuldade em face da proibição expressa em nossa
Constituição em extraditar nossos nacionais para que sejam submetidos à uma
jurisdição estrangeira. Contudo, seria o Tribunal Penal Internacional uma
jurisdição estrangeira ? é outra indagação importante a ser vencida.

Avançando por partes, temos que o termo extradição é bem claro,
e representa o envio de um cidadão, nacional ou estrangeiro, à um outro
Estado soberano, para que seja submetido à um processo neste país, mediante
requisição formal, e procedimentos adequados, que passam, inclusive, por
uma delibação junto ao Supremo Tribunal Federal, conforme artigo 102, g, da
CF.

A mesma constituição federal proíbe em seu artigo 5º, a
extradição desde que o requerido seja cidadão brasileiro (nacional ou
naturalizado), com algumas exceções que aponta. Inciso LI – nenhum
brasileiro nato será extraditado, e o naturalizado estará protegido do
pedido de extradição se tratar-se de crime comum antes da naturalização ou
envolvimento comprovado em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.
Também aponta restrições ao pedido de extradição de estrangeiro que esteja
em nosso território em alguns casos específicos – inciso LII (crime
político ou de opinião).

Em qualquer situação das acima indicadas, temos que o envio do
indivíduo será em favor de um outro Estado, que o processará e julgará
pelos crimes que lhe são imputados (excluídos, obviamente, aqueles que a
nossa CF não permite a extradição). E no caso do Tribunal Penal
Internacional ? estamos diante de uma OUTRA jurisdição estatal ? Nosso
pensamento é que não. Não se trata, de forma alguma, de outra soberania,
não se afigura a jurisdição do Tribunal Penal Internacional como sendo
pertencente ou subordinada à este ou aquele País, mas sim, à todos, à toda
a comunidade internacional, inclusive e principalmente, o próprio Brasil,
que se afigura como Estado-membro do Estatuto de Roma.

Poderíamos então, entender que a jurisdição do TPI, não se
trata de outra jurisdição estatal, mas uma jurisdição supranacional da qual
o Brasil é membro integrante, com obrigação de participar e colaborar.

Outrossim, caso a entrega seja entendida como verdadeira
extradição, poderemos ter algum tipo de problema no cumprimento de alguma
requisição futura do TPI, quando se tratar de pedido relativo à algum
brasileiro.

Não obstante essa considerações, devemos apontar também que, no
artigo 89, §1º, do Estatuto de Roma, temos que o cumprimento dos pedidos de
captura e entrega dos indivíduos serão feitos pelos Estados em conformidade
com o disposto nas regras do Estatuto de Roma e com os procedimentos
previstos em seu direito interno. Como questão final, poder-se-ia até mesmo
descumprir um pedido de entrega de um nacional brasileiro à jurisdição do
TPI, em razão destes procedimentos internos (não especificados no Estatuto,
mas que poderiam ser as disposições constitucionais proibindo a extradição
do nacional).

Por outro lado, se entendermos os dois conceitos como sendo
totalmente distintos, não existirá qualquer dúvida ou empecilho para a
entrega ou envio ao TPI, de um indivíduo que esteja em nosso território,
mesmo que se trata de um nacional, de um cidadão brasileiro.

A dificuldade inicial em aceitar os dois conceitos como sendo
diferentes é que não existe em nosso ordenamento jurídico a expressão
entrega, ou o ato jurídico da entrega, utilizado da forma como está
previsto no Estatuto de Roma. No tratado internacional existe a clara
diferenciação entre entrega e extradição exatamente para contornar
problemas de recusa dos Estados em enviar seus nacionais para processo e
julgamento pela corte internacional. Acontece que, internamente, ao menos
no Brasil, somente temos a extradição como instituto, e a entrega como mero
ato formal de disponibilizar o indivíduo em mãos do Estado ou ente
solicitante. Para nós a entrega é apenas este ato formal de enviar o
cidadão para que se submeta à jurisdição alienígena ao passo que para o TPI
se trata de verdadeiro instituto, diverso da extradição.

Temos aqui uma outra possibilidade em acatar as normas do
Estatuto de Roma sem ferir nosso ordenamento jurídico interno, baseando-se
na premissa de que se trata de um Tratado Internacional de Direitos Humanos
que deve ser prestigiado e acolhido pela nossa sociedade, aliado ao fato de
que não se trata de outra jurisdição estatal, mas de uma jurisdição
facultativa e porque não dizer – complementar à nossa própria jurisdição
estatal, incapaz de promover naquele caso concreto, com seriedade,
imparcialidade e segurança algum tipo de julgamento. Podemos acolher em
nosso conjunto normativo a expressão "entrega" como sendo um novo conceito
jurídico, diverso do conceito de "extradição" e não um mero ato formal de
disponibilização do indivíduo.


6. Conclusão

O Tribunal Penal Internacional foi criado em 17 de julho de
1998, instituído através do Estatuto de Roma, verdadeiro tratado
internacional de direitos humanos. Entrou em vigor em 01 de julho de 2002,
60 dias após ter atingido a adesão de 60 países, sendo que atualmente conta
com a adesão de 106 países (até junho de 2008). O Brasil, por sua vez,
aderiu ao tratado e editou o Decreto Nº 4.388, de 25 de setembro de 2002.

O nascimento de uma jurisdição permanente universal é um grande
passo em direção da universalidade dos Direitos Humanos e do respeito do
direito internacional. Afigura-se como medida mais eficaz e pronta a
debelar os males da humanidade ao invés dos tribunais ad hoc, criados de
forma temporária e muitas vezes sem o poder moral que decorre de um
tribunal permanente acolhido por mais de 100 países. Além do que, os
tribunais ad hoc sempre poderão estar mais sujeitos às pressões do momento
e da circunstância, fatores que não afetam negativamente a atuação de uma
corte perene, bem estruturada, com regras bem definidas e de forma previa,
por uma grande maioria de Estados da comunidade internacional, com
objetivos esclarecidos e não apaixonados.

Não devemos olvidar que o Estatuto de Roma é considerado um
tratado internacional de direitos humanos, que instituindo de forma
permanente um Tribunal Penal Internacional, tem por objetivo coibir, evitar
que crimes contra a humanidade sejam perpetrados. Considerando esse ponto
de visão, o nosso foco maior estará sempre na coletividade humana, e não no
ser humano individualmente considerado. Devemos proteger e amparar o BEM
COMUM, um conjunto de pessoas, que muitas vezes não tem a possibilidade de
defender-se e são agredidas e massacradas por indivíduos ou grupos menores
que agem criminosamente. A análise do confronto entre o direito violado de
uma coletividade (muitas vezes as vidas das pessoas são subtraídas em
extermínios em massa) e o direito individual do criminoso não toma muito de
nosso tempo. É unânime, em qualquer parte do mundo, qual seja o direito
mais importante e, portanto, que deva ser protegido e amparado.

No tocante ao Brasil e nossa sociedade, poderá chegar o dia em
que sejamos testados. Diante de um caso concreto de cumprimento de pena de
prisão perpétua de algum condenado, poderemos ser invocados a dar
cumprimento à execução dessa pena privativa de liberdade. Na qualidade de
Estado-membro participante do tratado, nossas acomodações prisionais podem
ser requisitadas para a executoriedade de alguma pena imposta à algum
condenado. Poderemos ser requisitados também, a entregar um indivíduo para
processo e julgamento pelo Tribunal Penal Internacional que seja um nosso
nacional – um cidadão brasileiro. Aí então, nestes momentos de ocorrência
de casos concretos, poderá surgir alguma dificuldade, ou oxalá, não.

Esperamos que, não obstante alguns entendimentos que possam
haver no sentido de que haja esse ou aquele conflito entre as disposições
do Estatuto de Roma com determinada disposição normativa interna
brasileira, tenhamos a grandeza de atender ao comando maior da Humanidade e
da proteção internacional dos Direitos Humanos.


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[1] Doutor e Mestre em Direito Internacional pela PUC/SP, faculdade na qual
leciona desde 1991. Advogado e consultor jurídico. Autor de obras
jurídicas.

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[i] CHOUKR, Fauzi Hassan, e AMBOS, Kai. TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL, Edit.
RT - SP, 2000;
[ii] ___op. cit.
[iii] ___op. cit.
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