Tribuna de Santos

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A TRIBUNA

Quarta-feira 1

www.atribuna.com.br

outubro de 2014

Entrevista

Jorge Félix,

jornalista e mestre em Economia Política

Para envelhecer bem, é preciso planejamento DIVULGAÇÃO/LEO RODRIGUES

THAÍS LYRA DA REDAÇÃO

Hoje, Dia do Idoso, destaca-se a seguinte reflexão: pensar no futuro, na aposentadoria e transformar essa fase da vida em puro bem-estar não é mais uma prerrogativa pessoal. O motivo: o Brasil está envelhecendo e, em 2040, 7% da população terá 80 anos ou mais. Atualmente, essa parcela representa 1,7 %. Os desafios para esses brasileiros no século 21 serão muitos e o jornalista Jorge Félix acaba de lançar Viver Muito (Editora Leya),emqueabordajustamenteessasquestões.Mestre emEconomia Política pela PUC/SP, ondeintegrao Núcleode PesquisasPolíticas para o Desenvolvimento Humano, ele afirma que as pessoas acima de 60 anos estão muito distantes do que é consideradovelhice. Como é o idoso do século 21? O que mudou? Estamos envelhecendo mais e melhor, principalmente devido ao avanço da medicina. Isso possibilita que o ser humano do século 21 tenha acesso a terapias que antes, em comparação aos nossos avós, eram muito difíceis e caras. Embora uma parcela da população não possa contar com isso. Mas é só isso? Não. Houve uma transformação brutal no processo industrial. Temos máquinas que fazem o trabalho pesado, dispositivos de maior segurança, o que deteriora menos as pessoas fisicamente ao longo do seu ciclo laboral. No Brasil, temos duas questões que possibilitaram esse envelhecimento melhor: o forte processo de urbanização nas últimas décadas, com a mecanização do campo, e também a seguridade social. Podemos apontar ainda as garantias trabalhistas desde Getúlio Vargas (na presidência do Brasil, de1930 a 1945/1951 a 1954) até a Constituição de 1988, com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). Qual é a expectativa de vida no Brasil? A última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad ) revelou que é 74 anos. Ser idoso no Brasil e nos países pobres é a partir dos 60 anos. Temos hoje, 13%dapopulaçãocomesseperfil. Já nos países ricos, o idoso é apartirde 65anos. Qual é o ideal? Aquela ideia que tínhamos de envelhecimento – por estarmos envelhecendo melhor – foi adiada para a faixa dos 80 anos. Mas isso não quer dizer que não teremos velhinhos como nossos avós ou com certo grau de dependência. O ser humano do século 21 vai chegar à velhice clássica, não mais aos 60, mas aos 80. A Organização Mundial de Saúde (OMS) revela uma fragilidade elevada nos quatro últimos anos de vida. Esse constitui o desafio do envelhecimento populacional. Mas o idoso de 60 anos está fora desse parâmetro, não? Sim, completamente distante dessa velhice a que estávamos acostumados. A fase idosa está descolada da fase cronológica reconhecida como idoso. Inclusive, há entre os pesquisadores uma grande discussão sobre

Palestra Em alusão ao Dia do Idoso, será realizada, hoje, às 19h30, a palestra gratuita sobre o Estatuto do Idoso. Ministrada pelo promotor público da Vara do Idoso de Santos, Roberto Mendes Freitas Junior, o encontro será no auditório da ETEC Aristóteles Ferreira (Avenida Epitácio Pessoa, 466, Aparecida). Informações pelo telefone 3227-6003, ramal 33.

A minha tese de doutorado, por acaso, fala sobre como ocorre essa reinserção do idoso. São duas coisas: ele voltaparaomercadoaposentado, portanto, já possui uma renda; ou então, pela fragilização da segunda da metade da carreira, pode ter ficado um período desempregado antes de ser idoso e nãocompletou asexigências para se aposentar. É uma pequena parte, mas existe. Em ambas, ele se coloca para o mercado aceitando condiçõesmaisprecárias.

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Ospaisdevemfalardisso(envelhecimento)comas crianças.Elesprecisamnotarqueestãobotandonomundo pessoasquepodemviver100anos.Então,oplanejamentosobrea velhicedeveserfeitodesdecedo.Sejanaalimentação,na educaçãoe,principalmente,nasfinançaspessoais” qual é a idade para uma pessoa idosa: 60 ou 65 anos. A legislação brasileira é confusa? Digoque vivemoscertaesquizofrenia em relação à legislação. Porquehá leisque dãodeterminados benefícios aos 60 anos e outros, aos 65. A Constituição define (idoso) com 60 anos, mas o transporte (gratuito) é aos 65. É preciso rever esse parâmetro para que possamos igualar toda a legislação para os idososem uma idade só. Qual é o desafio do próximo presidente no que diz respeito aos idosos? Semdúvidas,aquestãodaprevidência. Os candidatos não expõem o que realmente vão fazer sobre o assunto. É preciso rever a mentalidade, deixar de tratar o assunto como despesa e pensaremreceita.Temosquasemetadedomercadonainformalidade. Então, as pessoas não pagamprevidência.Oestadobrasileiro deveria ter consciência de que uma sociedade envelhecida se mantém com base em um sistema de repartição superimportante. O fato de alguém não pagar previdência deveria ser crimeelevaraspessoasà cadeia.

volvem essa população são os cuidados. Quem vai cuidar dessaspessoas quando tiverem certo grau de dependência? Essa é uma realidade que já vive o mundo europeu e os Estados Unidos. A taxa de fecundidade vem diminuindo e as mulheres tendo menos filhos, com 1,8% de filho por mulher. Teremos famílias mais vulneráveis para oferecer esses cuidados. E no Brasil só tem um asilo federal, no Rio de Janeiro, o Cristo Redentor. Os outros são municipais ou estaduais e mesmo assim só são 6%. Como é possível equacionar essa situação? Precisamos mudar a concepção de asilo e partir para os centros dia. Precisamos ter programas públicos de cuidadores para que esse profissional possa ir na casa das pessoas, fiscalizar, fazer visita. Tudo o que existe na sociedade brasileira é oferecido pela filantropia. Só que, com o aumento dessa população, nós vamos ter pessoas que vão sair do mercado de trabalho para cuidar dos idosos de sua família. O assunto tem que ser tema de política pública e também envolverasempresas.

Isso tem a ver com o envelhecimento da população? Sim. O segmento de 80 anos ou mais é o que mais cresce na população. Em 2040, vai representar 7%. Hoje representa 1,5%, segundo o Censo (IBGE) de 2010. Em 2040, serão 13,7 milhões de pessoas. A nossa economia deve se preparar.

De que forma? Se hoje as empresas estão preocupadas com creches, terão que se preocupar com asilos. Na Europa já temos esse movimento. O Japão, por exemplo, teve que inventar uma licença de quatro meses, no mesmo modelo da licença-maternidade, para que o funcionário cuide do familiar.

Por quê? As principais questões que en-

O assunto vem sendo tratado da forma que merece?

Não. A sociedade brasileira, que sempre se viu jovem, começa a se deparar com questões econômicas que são originadas pela demografia. Os candidatos não falam disso, ninguém pensa. É como se fosse algo lá para frente. E não é. Quando este próximo mandato presidencial terminar, o Brasil já será um país envelhecido segundo parâmetros da ONU, que considera 12% da população de idosos. No caso de Santos, que tem 20% de população idosa, como encarar esses desafios? Essas cidades que já estão em umníveldeenvelhecimento, como alguns municípios do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Águas de São Pedro e Santos, em São Paulo, as prefeituras vivem uma outra realidade: os problemas serão os desafios do Brasilem um futuro bem próximo. Santos já tem as repúblicas, em que os idosos moram juntos. Na Alemanha visitei algumas casas nesse modelo e há empenho do poder público. Aqui, deveria ser um programa articulado no âmbito federal, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) e até do Ministério do DesenvolvimentoSocial. Além do envolvimento do poder público no tema, o que mais poderia ser feito? Cito novamente a Alemanha, onde há repúblicas constituídas por pessoas que estudaram na mesma universidade e que hoje estão com 70, 80 anos. Não são estranhos, Tem um filme da (atriz) Jane Fonda, chamado Se Vivêssemos Todos Juntos, que aborda isso

Quando devemos pensar que vamos envelhecer? Já na infância. Os pais devem falar disso com as crianças. Eles precisam notar que estão botando no mundo pessoas que podem viver 100 anos. Então, o planejamento sobre a velhice deve ser feito desde cedo. Seja na alimentação, na educação e, principalmente, nas finanças pessoais. E quem não teve essa orientação? Deve começar o quanto antes: aos 20, 30 anos. É um desafio para os jovens, que terão que pensar desde cedo em duas etapas da vida profissional. Farei tal coisaatétantos anose depois quenãomaistiverforça,paciênciaouvontade,fareioutra. Como está inserção do idoso no mercado de trabalho, já que profissionais acima dos 60? Ainda existe preconceito? Olha, o preconceito já ocorre a partir das 45 anos, que é quando o trabalhador é demitido porque passa a custar caro e é trocado por um mais jovem. Os sociólogos franceses chamam de fragilização da segunda metade da carreira - um grande problema contemporâneo, no Brasil e no mundo. Aqui, há hoje uma oferta menor de mão de obra qualificada. Então diminui a margem de demissões e trocas por um profissional mais baratinho. E os idosos foram grandes beneficiados nessa dinâmica. Mas nós estamos com mais trabalhadores idosos querendo trabalhar do que o mercado absorve. E para onde vão esses profissionais?

De que tipo? O empregador oferece coisas do tipo: ‘você vai se distrair, ter contato com o público, só que não posso pagar um salário mínimo”. O idoso já entra ganhado menos, sem carteira assinada, seguridade social, sem nenhuma garantia trabalhista, nada. Em resumo: tem uma inserção (profissional) marginalizada. O que é preciso mudar? Existe toda essa filosofia de queéótimo continuartrabalhando porque dá continuidade às relações sociais, mantém sua vida ativa e preenche a necessidade de fazer parte. Claro que isso tudo é superimportante na velhice. Mas o essencial é refletir o motivo do idoso estar trabalhando. Quando sabemos que envelhecemos bem? Se o idoso continuar trabalhando por necessidade ou para complementação de sua renda, ele não atingiu a liberdade intrínseca no sentido da aposentadoria. Se não tem esse sentimento de liberdade, de estar trabalhando para continuar ativo, o trabalho continua sendo um fardo e puramente uma questão de sobrevivência, não podemos considerar isso uma boa velhice. No livro, o sr. fala que idosos que namoram podem garantir uma renda maior. O que isso significa? Falo com base em uma pesquisa que mostra que os idosos que mantêm suas relações pessoais, principalmente as amorosas, estimulam sua capacidade cognitiva por muito mais tempo. O que acaba beneficiando a renda, a sua inserção no mercado de trabalho e o plano B de carreira. É precisodefenderuma políticapública que permita o idoso conviverem, namorar, se divertir. Quando ele namora, é visto como assanhado ou assanhada. E isso precisa acabar. Afinal, tirando algum acontecimento inesperado, todos vamos envelhecer... Claro! A gente fala idoso como se estivéssemos muito longe disso, como fosse um ser extraterrestre. Mas os idosostambém somosnós.

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