Transtornos mentais comuns em mulheres: estudo comparativo entre donas-de-casa e trabalhadoras; Psychological disorders among women: a comparative study …

June 28, 2017 | Autor: Edna Maria De Araújo | Categoría: Mental Health, Comparative Study
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Descripción

Transtornos mentais comuns em mulheres

TRANSTORNOS MENTAIS COMUNS EM MULHERES: ESTUDO COMPARATIVO ENTRE DONAS-DE-CASA E TRABALHADORAS PSYCHOLOGICAL DISORDERS AMONG WOMEN: A COMPARATIVE STUDY BETWEEN HOUSEWIVES AND WORKERS

Tânia Maria de Araújo* Maura Maria Guimarães de Almeida** Cristiane da Costa Santana*** Edna Maria de Araújo**** Paloma de Sousa Pinho*****

RESUMO RESUMO:: Este estudo objetivou estimar a prevalência de Transtornos Mentais Comuns (TMC) entre donas-de-casa e trabalhadoras inseridas no mercado de trabalho, segundo características sociodemográficas, de saúde reprodutiva, atividades domésticas e de lazer. Realizou-se estudo epidemiológico de corte transversal em amostra aleatória de mulheres com 15 anos ou mais de idade, da zona urbana de Feira Santana, Bahia, 2002. Foram estudadas 1.235 mulheres (652 trabalhadoras e 583 donas-de-casa). A prevalência de TMC foi elevada: 43,4% entre donas-de-casa e 36,8% entre trabalhadoras. Baixa escolaridade, ausência de atividades de lazer, menopausa, ter realizado aborto e ter sofrido agressão foram potenciais fatores de risco para TMC, em ambos os grupos. Os resultados revelam a importância da morbidade psíquica entre as mulheres, especialmente entre as donas-de-casa, e apontam a necessidade de criação de programas e ações voltados para a prevenção e promoção da saúde mental nesses grupos. Palavras-chave: Saúde mental; transtorno mental comum; mulher; dona-de-casa. ABSTRACT ABSTRACT:: This study aimed to estimate the prevalence of common psychological disorders among women, housewives and workers - women who have an employment - in Feira de Santana, Bahia, according to socio demographic characteristics, reproductive health, housework and leasure activities. A cross-sectional study was conducted in a random sample of women aged 15 or older, living in urban areas of Feira de Santana in 2002. The sample was composed of 1,235 women (652 workers and 583 housewives). The prevalence of psychological disorders was high: 43,4% among the housewives and 36,8% among the workers. Low educational level, no regular leasure activities, menopause, previous abortion and physical agression were potencial risk factors to psychological disorders in both groups. Results showed the relevance of psychological morbidity among women, specially among housewives, and pointed out the need of programs and actions directed toward the prevention and promotion of mental health among these groups. Keywords: Mental health; psychological disorders; woman; housewife.

INTRODUÇÃO

Desde os tempos mais remotos, coube à mu-

lher o dever de cuidar do lar, do marido e dos filhos, desenvolvendo diversas atividades em sua vida cotidiana como: costurar, cozinhar, limpar, lavar roupas, educar os filhos, exercer o papel de cuidadora e, às vezes, ser chefe da família, sustentando-a1. As pesquisas de saúde mental das mulheres devem, portanto, considerar os múltiplos papéis p.260 •

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exercidos, incluindo avaliação dos diferentes espaços da vida nos quais as mulheres atuam, seja no trabalho profissional ou doméstico. Afinal, enquanto os homens chegam em casa e descansam, a maioria das mulheres começa uma nova jornada laboral: as atividades domésticas. Dessa forma, o presente estudo objetivou estimar a prevalência de transtornos mentais comuns (TMC) em mulheres donas-de-casa e tra-

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balhadoras, segundo diferentes características sociodemográficas, de saúde reprodutiva, atividades domésticas, atividades de lazer e agressão física sofrida.

REFERENCIAL TEÓRICO

O trabalho doméstico por muito tempo

não foi considerado como trabalho, mas como uma característica predominantemente feminina: cuidar dos filhos, marido e do lar, sendo responsável pela saúde de toda a família e descuidando-se, na maioria das vezes, da sua própria saúde1. Tal concepção naturalizou o trabalho feminino no âmbito familiar. Isso explica porque os riscos da atividade doméstica na saúde física e mental das mulheres donas-de-casa têm sido ignorados pela sociedade. Segundo Oliveira, Carneiro e Sttorti2, tarefas monótonas e repetitivas de cunho doméstico, às quais as mulheres estão expostas desde a infância, acabam por estender-se ao mercado de trabalho, nos casos de mão-de-obra não qualificada. No entanto, a maioria das investigações sobre a saúde da mulher não inclui a sobrecarga doméstica na abordagem do trabalho feminino3. No que diz respeito à saúde mental, os resultados das pesquisas sobre trabalho, maternidade e saúde das mulheres sugerem que o importante para as mães não é o fato de trabalhar fora ou estar em casa, mas sim a relação entre aquilo que fazem e seu próprio valor e desejo. As mães mais deprimidas são aquelas que estão em casa, embora prefiram trabalhar fora1. As mulheres são o foco prioritário de atenção das políticas de saúde, por serem vistas, na medicina moderna, essencialmente como mães. Esse fato orientou quase toda a produção científica, nesse campo, para aspectos da saúde reprodutiva. Mas, com a entrada progressiva da mulher no mercado de trabalho, surgiram estudos sobre os efeitos do trabalho na saúde das mulheres, principalmente explorando diferenças quanto à prevalência de sintomas e de doenças entre trabalhadoras e donas-de-casa4. A monotonia da rotina doméstica, associada à pouca possibilidade de mudança, traz frustrações para as mulheres que almejam realização profissional e não buscam formas de realizar o que desejam, seja por ter filhos ou por pressão de seus maridos5. Isso pode ser um determinante para a ocorrência de distúrbios mentais, pois, de acordo com Maslow apud Potter e Perry 6, a realização

pessoal é uma das necessidades de mais alto nível. Quando uma pessoa satisfaz suas necessidades primárias, a auto-realização é a maneira que ela tem de desenvolver seu potencial. O trabalho profissional pode proporcionar, para as mulheres, novas experiências, maior oportunidade de socialização e uma forma de escape do confinamento do espaço doméstico7. Porém diversos estudos2,3,8,9 apontam o trabalho como gerador de impactos negativos na saúde física e mental. Os aspectos relacionados ao trabalho profissional que podem causar o adoecimento mental estão ligados principalmente à organização do trabalho, com destaque para a estrutura hierárquica, divisão e conteúdo das tarefas, estrutura temporal e as relações humanas no trabalho3,9. Para as mulheres trabalhadoras, a superposição de responsabilidades com família, casa e trabalho é um grande gerador de estresse, podendo provocar doenças mentais e sentimentos de baixa estima2,7,9. Os transtornos mentais e comportamentais afetam mais de 25% da população; são universais, atingindo pessoas de todas as idades. Cerca de 20% de todos os pacientes atendidos por profissionais de atenção primária à saúde têm um ou mais transtornos mentais e comportamentais que causam grande impacto sobre os indivíduos, suas famílias e comunidades. Os indivíduos, além de apresentar sintomas de seu distúrbio, sofrem por estar incapacitados de participar de atividades de trabalho e lazer10. Os TMC são caracterizados por sintomas como ansiedade, humor depressivo, sintomas somáticos, decréscimo de energia vital e pensamentos depressivos. Esses sintomas provocam sofrimento mental e destacam-se atualmente como os mais prevalentes problemas de saúde11. Autores10-12 assinalam maior ocorrência de TMC em mulheres. No entanto, a avaliação da saúde mental entre as donas-de-casa, no Brasil, é restrita, registrando-se número limitado de investigações 7,13 especificamente sobre esse grupo populacional. Entre os aspectos referentes ao trabalho doméstico, associados aos sintomas depressivos, de ansiedade ou psicossomáticos, destacam-se a rotinização das tarefas e interrupções constantes das atividades14. Aquino15 encontrou associação positiva entre sobrecarga doméstica e prevalência de hipertensão arterial, constatando-se que essa associação aumentava quando o tempo para o lazer tornava-se insuficiente. R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2006 2006 abr/jun; 14(2):260-9.

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Em um estudo16 sobre avaliação de trabalho remunerado/não remunerado e saúde, verificouse que elevadas demandas domésticas tiveram efeito negativo sobre a saúde. Em outro estudo, Dytz, Lima e Rocha5 notaram que as mães jovens possuíam uma forte tendência em apresentar doenças relacionadas ao estresse provocado pela monotonia da rotina doméstica na qual predominavam a falta de lazer e distração, o que as desmotivavam e faziam com que se sentissem prisioneiras do lar. Observa-se, a partir dos aspectos discutidos até aqui, que diferentes tipos de inserção social podem estar associados a diferentes tipos de repercussões no processo saúde-doença. Avaliar a relação entre tipo de inserção social de dois grupos de mulheres e saúde mental, descrevendo suas características, como proposto aqui, pode tornarse uma importante ferramenta na reflexão sobre aspectos que possam promover a saúde das mulheres, elevando sua qualidade de vida.

METODOLOGIA

Este é um estudo epidemiológico do tipo

corte transversal, realizado pelo Núcleo de Epidemiologia da Universidade Estadual de Feira de Santana-Bahia. Estudou-se amostra representativa da população feminina, residente na zona urbana de Feira de Santana, com 15 anos ou mais de idade. As áreas de estudo foram selecionadas por meio de amostragem aleatória estratificada por subdistrito, a partir de dados censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O processo de seleção aleatória teve as seguintes etapas: sortearam-se setores censitários em cada subdistrito da zona urbana; em cada setor censitário, foram selecionadas as ruas; todos os domicílios das ruas sorteadas foram visitados; todas as mulheres com 15 anos ou mais de idade foram entrevistadas por um membro da equipe de pesquisa, previamente treinado. Para a coleta de dados, foi utilizado um questionário estruturado, contendo questões sobre: características sociodemográficas, caraterísticas do trabalho profissional e doméstico, avaliação da saúde mental, saúde reprodutiva, atividades de lazer e atos de violência (agressão física). Para avaliação dos TMC, utilizou-se o SelfReport Questionnaire (SRQ-20). Esse instrumento de triagem de morbidade psíquica neurótica foi desenhado pela Organização Mundial de Saúde p.262 •

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para uso em populações de países em desenvolvimento.17 Como é um instrumento para detecção de sintomas, é bastante adequado para estudos populacionais. Neste estudo, definiu-se o ponto de corte para classificação de suspeitos de TMC em sete ou mais respostas positivas às 20 questões existentes, como conduzido em outros estudos 3. A coleta de dados foi realizada no período de setembro de 2001 a fevereiro de 2002. Foram visitados 1.479 domicílios e entrevistados 3.190 indivíduos, sendo identificadas 1.235 mulheres, classificadas em donas-de- casa (583) e que estavam inseridas no mercado de trabalho (652). As informações obtidas foram armazenadas em banco de dados, utilizando-se o programa estatístico Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 10.0. A análise de dados compreendeu duas etapas: caracterização da população e avaliação da saúde mental (cálculo das estimativas de prevalência de TMC segundo variáveis de interesse). As taxas de prevalência e razões de prevalência foram calculadas para cada característica avaliada no estudo, em especial, características sociodemográficas (idade, escolaridade, situação conjugal e cor da pele); aspectos do trabalho doméstico (tipos de atividades realizadas e apoio na realização das tarefas), saúde reprodutiva (filhos, menopausa e aborto), atividades de lazer e agressão física. Procedeu-se à avaliação de freqüências simples, análise bivariada e cálculo de razões de prevalência e intervalos de confiança de 95%. O projeto do estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital São Rafael (Salvador-Ba), tendo sido aprovado. Todos os indivíduos que aceitaram participar do trabalho assinaram termo de consentimento,seguindo-se a Resolução 196/96 – Ética em Pesquisa com Seres Humanos.

RESULTADOS

E

DISCUSSÃO

São analisados os resultados referentes aos

tópicos caracterização da população, TMC e investigação de potenciais fatores de risco.

Caracterização da População Entre as donas-de-casa, 73,6% tinham um companheiro; 17,8% eram viúvas, desquitadas ou separadas e 8,6% eram solteiras; 90,7% tinham filhos; em média, 4,7 filhos. O baixo nível de escolaridade também foi uma realidade (56,3%

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possuíam apenas o ensino fundamental, 13,7% nunca foram à escola, e 5,7% sabiam apenas ler e escrever o nome; somente 24,3% tinham o ensino médio ou nível superior). Cerca de 63,2% referiram ter cor da pele parda, 19,0% branca e 16,4% preta; 51,6% tinham até 40 anos de idade. Entre as mulheres trabalhadoras, 46,3% eram casadas e 67,1% possuíam filhos (em média 3,0 filhos); concluíram o ensino médio (47,6%) ou superior (7,4%); eram de cor parda (57,2%); 57,5% tinham idade entre 21 e 40 anos. No que se refere ao apoio na realização das atividades domésticas, 41,8% das donas-de-casa e 29,3% das trabalhadoras responderam que não recebiam qualquer tipo de ajuda nas tarefas domésticas. Entre as mulheres que referiram receber algum tipo de ajuda, 38,8% das donas-de-casa e 53,2% das trabalhadoras afirmaram que essa ajuda era dada por mãe, irmã, filha ou vizinha. Os maridos ou companheiros tinham pequena participação no trabalho doméstico, ajudavam nas tarefas em apenas 7,1% dos casos entre as donas-de-casa e 4% entre as trabalhadoras. Contavam com ajuda fornecida por empregada doméstica, 17,2% das trabalhadoras e 6,9% das donas-de-casa. A ajuda na realização das tarefas domésticas vinha majoritariamente de outras mulheres: caso de 78,5% das donas-de-casa e 86,0% das trabalhadoras; apenas 9,9% das trabalhadoras e 17,0% das donas-de-casa que recebiam ajuda, a recebiam de um homem (marido, pai, filho, irmão), o que confirma que este tipo de atividade ainda é predominantemente desempenhado pelas mulheres. Com relação ao grau de responsabilidade segundo o tipo de tarefa assumida pelas mulheres, observou-se que a atividade de cozinhar é

realizada pela maioria que a assumia parcialmente ou totalmente (donas-de-casa: 72,3%; trabalhadoras: 37,7%). A limpeza da casa aparece em segundo lugar para ambos os grupos estudados. A tarefa de passar roupa apresentou os menores percentuais, quando se considerou a maior ou responsabilidade integral por sua execução, como mostra a Tabela 1. Foram encontradas diferenças entre donasde-casa e trabalhadoras quanto ao cuidado com crianças pequenas (£12 anos). Entre as trabalhadoras, observou-se distribuição percentual dispersa entre as opções avaliadas, com o predomínio da opção de não realizar ou ser responsável pela menor parte dessa tarefa (44,2%); entretanto as donas-de-casa eram as principais responsáveis por cuidar das crianças (65,3% dos casos). Esses resultados revelam que, no caso das trabalhadoras, parece haver maior compartilhamento da tarefa de cuidar das crianças, provavelmente em decorrência da sua ausência de casa durante a jornada de trabalho profissional. No caso das donas-de-casa, os achados podem estar indicando, como apontado em outros estudos13, que o cuidado com crianças pequenas constitui fator importante na decisão da mulher em permanecer em casa para assumir essa tarefa. A insuficiência de equipamentos sociais para auxiliar na tarefa de educar as crianças (como creches e escolas) e a cultura predominante que atribui à mulher o papel de educadora sustentam essa posição1,7,18. Deve-se destacar também, entre as donas de casa, a alta incidência de tarefas domésticas, muitas vezes monótonas e repetitivas. Em relação às trabalhadoras, nota-se que, apesar de terem uma atividade profissional, continuam realizando as tarefas domésticas, assumindo dupla jorna-

TABELA 1: Distribuição percentual das atividades domésticas realizadas segundo o grau de responsabilidade das mulheres. Feira de Santana, BA, 2002.

Incluiu apenas mulheres que tinham crianças com 12 anos ou menos de idade em casa.

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da de trabalho, como tem sido também apontado em outros estudos3,8,13,14,19.

TMC: investigação de potenciais fatores de risco A prevalência TMC em ambos os grupos foi elevada, embora maior entre as donas-de-casa (43,5%) do que entre as trabalhadoras (36,8%). Estudos revisados 12,20 também registram prevalências mais altas de transtornos depressivos e de ansiedade entre as mulheres, quando comparadas aos homens. Vale ressaltar que é controversa a questão de maior risco à saúde mental: se ocorre entre as donas-de-casa ou entre as trabalhadoras. Estudos13,14,16 mencionam fatores de risco e de proteção, em ambas as situações, e destacam que as possibilidades de equilibrar as tensões de cada situação específica e o suporte disponível nesse enfrentamento poderão definir a nocividade ou não da exposição a um ou outro tipo de atividade. Ser dona-de-casa, na realidade estudada, foi uma situação de maior risco à saúde mental do que estar profissionalmente inserida no mercado de trabalho. Na avaliação dos tipos de sintomas psíquicos verificados pelo SRQ-20, segundo agrupa-

mento proposto por Iacoponi e Mari17, apresentados na Tabela 2, predominou o de humor depressivo/ ansioso, com destaque para sentir-se nervosa, tensa ou preocupada (74,1% das donas-de-casa e 66,6% das trabalhadoras). Este grupo de sintomas foi também o mais prevalente em outros estudos, entre mulheres, que utilizaram o mesmo instrumento de triagem (o SRQ-20) 13. O sintoma de menor prevalência foi o de ser incapaz de desempenhar um papel útil na vida (6,7% da donas-de-casa e 4,7% das trabalhadoras). No grupo de sintomas somáticos, o prevalente foi ter dores de cabeça freqüentes, 49,3% entre as donas-de-casa e 46,9% entre as trabalhadoras. Ao avaliar o decréscimo da energia vital, o sintoma mais referido foi o de cansar-se com facilidade: 47,1% das donas-de-casa e 40,9% das trabalhadoras. Perder o interesse pelas coisas, do grupo de pensamentos depressivos, atingiu 21,1% das donas-de-casa e 16,7% das trabalhadoras. A análise bivariada avaliou associação entre TMC e variáveis sociodemográficas, de saúde reprodutiva, atividades domésticas, atividades de lazer e violência física. Os resultados mostraram que, embora diferenças tenham sido observadas nos dois grupos, alguns fatores foram importantes

TABELA 2 2: Distribuição das donas-de-casa e mulheres trabalhadoras segundo grupos de sintomas do SRQ-20. Feira de Santana-BA, 2002.

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para a ocorrência de TMC: a baixa escolaridade, a não realização de atividades regulares de lazer, menopausa e ter sofrido alguma agressão física estavam associadas à prevalência de TMC, configurando fatores de risco potenciais desse agravo, conforme mostram as Tabelas 3 e 4. Além desses aspectos, entre as donas-de-casa, também apresentaram maior prevalência de TMC, em níveis significativos, as mulheres que referiram já ter realizado aborto, como mostra a Tabela 3. No caso das trabalhadoras, além dos fatores anteriormente mencionados, estavam associados à elevada prevalência de TMC: ter filhos (a prevalência aumentava com o aumento do número de filhos); cor da pele (parda ou negra), e não receber ajuda nas atividades domésticas. Tais resultados são apresentados na Tabela 4.

Os resultados mostram que as mulheres acima de 40 anos, nos dois grupos, apresentaram prevalência de TMC mais elevada do que as mais jovens; contudo, a diferença observada não foi significativa. A avaliação de TMC, segundo a situação conjugal, revelou resultados similares para donasde-casa e trabalhadoras: a ocorrência de TMC foi mais elevada entre aquelas que eram viúvas/separadas ou desquitadas, atingindo 41,1% das trabalhadoras e 51,5% das donas-de-casa. As solteiras apresentaram a menor prevalência de TMC: 36,0% entre as donas-de-casa e 31,3% entre as trabalhadoras. Observa-se que, em todas as situações analisadas, a prevalência de TMC foi mais elevada entre as donas-de-casa. Resultados similares têm sido encontrados em outros estudos 3,11. Mesmo não se observando nível de significância estatística, a

TABELA 3: Prevalência (prev %) de TMC em mulheres donas-de-casa segundo variáveis sociodemográficas, ajuda nas atividades domésticas, lazer, menopausa, aborto, agressão, razões de prevalência (rp) e intervalos de confiança (ic95%). Feira de Santana-BA, 2002.

menos de 40 anos mais de 39 anos

mais de 2 filhos

t(*)= total de mulheres estudadas; f(**) = total de mulheres em cada estrato.

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TABELA 4: Prevalência (prev%) de TMC em mulheres trabalhadoras segundo variáveis sociodemográficas, ajuda nas atividades domésticas, lazer, menopausa, aborto, agressão, razões de prevalência (rp) e intervalos de confiança (ic95%). Feira de Santana-BA, 2002.

menos de 40 anos mais de 39 anos

mais de 2 filhos

t(*)= total de mulheres estudadas; f(**) = total de mulheres em cada estrato.

elevada prevalência na situação de separação ou de viuvez mostra que esse grupo necessita de atenção especial nos programas de assistência à saúde. Ao analisar o grau de escolaridade, observou-se que a ocorrência de TMC foi bastante elevada entre as analfabetas, nos dois grupos estudados, principalmente para as mulheres que estavam inseridas no mercado de trabalho; destas, 59,5% apresentaram TMC. Outros estudos3,5,11,21 também encontraram prevalência mais elevada de transtornos mentais entre mulheres com baixo nível de escolaridade. Além de configurar-se um fator de risco à saúde mental, a baixa escolaridade pode ser determinante no acesso ao mercado de trabalho. Ludermir e Melo Filho11 verificaram relação en-

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tre transtornos mentais comuns, escolaridade, ocupação e exclusão do mercado formal de trabalho. Esses autores referem que o efeito da educação na saúde psicológica está ligado ao conjunto de possibilidades que pode criar: a educação pode influenciar aspirações, escolhas de vida e motivar comportamentos mais saudáveis, tendo repercussões positivas na vida das pessoas. Em geral, as possibilidades de entrada no mercado de trabalho são maiores e melhores para as pessoas com maior nível de educação. A relação entre TMC e exclusão no mercado formal de trabalho pode explicar porque as donas-de-casa apresentaram maior prevalência de TMC do que as mulheres que estavam inseridas no mercado de trabalho.

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A presença de filhos foi um potencial fator de risco para a ocorrência de TMC entre as trabalhadoras, mas não entre as donas-de-casa. Esse resultado pode ser explicado, pelo menos em parte, pelos conflitos que as trabalhadoras enfrentam entre o cuidado aos filhos e as exigências do trabalho profissional. Como se observou, 65,3% das donas-de-casa eram inteiramente responsáveis pelo cuidado de crianças pequenas, conforme mostra a Tabela 1; assim, pode ser que os conflitos vivenciados, com relação a esse aspecto, sejam menos intensos do que na situação que exigia dividir ou atribuir essa tarefa a outra pessoa, por necessidade. Em prosseguimento, a literatura registra resultados controversos sobre a associação entre morbidade psíquica e presença de filhos. Loscocco e Spitze22, por exemplo, verificaram que a presença de filhos era produtora de estresse e elevação de sintomas psicossomáticos e de ansiedade entre mulheres; já em outro estudo sobre morbidade psíquica no Brasil21, a presença de filhos é ressaltada como fator protetor e de recompensa no âmbito doméstico. A prevalência de TMC foi mais elevada entre as mulheres menopausadas, tanto entre trabalhadoras, quanto entre donas-de-casa. Em estudo sobre sintomas depressivos em mulheres no climatério23, foi destacada a crença, bastante difundida, de que a depressão é mais freqüente durante esse período, cogitando-se a possível relação entre sintomas depressivos e deficiência de estrógenos como responsável por essa maior vulnerabilidade. A ausência de apoio no trabalho doméstico foi um fator de risco para TMC entre as trabalhadoras. Também entre as donas-de -casa, a prevalência de TMC foi mais elevada entre aquelas que não recebiam nenhum tipo de ajuda. A distribuição desigual do trabalho doméstico segundo o gênero pode contribuir para ocorrência de problemas físicos e emocionais. De acordo com Glass e Fujinomoto24, as desigualdades percebidas pelas mulheres na realização das tarefas no interior da família podem ter repercussões negativas sobre a saúde mental, aumentando, por exemplo, os sintomas de depressão. A influência das atividades de lazer sobre a saúde mental tem sido destacada nos últimos anos 14,18 . A realização de atividades prazerosas pode funcionar como fonte de distensionamento das

pressões, conflitos e estresse cotidianos, possibilitando o reequilíbrio físico e mental 3. As mulheres que sofreram agressão também apresentaram elevada prevalência de TMC (69,2% entre as donas-de-casa e 57,8% entre as trabalhadoras). As estatísticas de violência doméstica são altas, atingem preferencialmente a mulher, que, por medo e vergonha, não denunciam os agressores. A partir de estudos feitos em outras realidades, sabe-se que as mulheres vítimas de violência estão mais expostas a complicações reprodutivas, tentativas de suicídio, depressões, dores crônicas e uso de álcool e drogas25.

CONCLUSÕES

Os resultados apontaram elevada ocorrên-

cia de TMC entre as mulheres. Diversos fatores estavam associados à ocorrência de TMC, em donas-de-casa e trabalhadoras, revelando ser estes potenciais fatores de risco à saúde mental, independente da inserção no mercado de trabalho. Cabe registrar, contudo, que, em todas as situações avaliadas, a prevalência de TMC foi mais elevada entre as donas-de-casa. Esse fato mostra que as mulheres necessitam de atenção especial no que se refere à promoção de sua saúde mental e aos programas de saúde das instituições e empresas, bem como no programa de saúde da família, considerando a estreita relação entre adoecimento físico e psíquico. A equipe de enfermagem deve estar preparada para identificar sinais e sintomas do adoecimento psíquico no cotidiano de suas atividades na comunidade. A oportunidade de conhecer o ambiente do lar das mulheres credencia a equipe como elemento facilitador das ações dos profissionais, visando sua melhor qualidade de vida. Além da assistência direcionada para o grupo mais atingido e a prevenção e controle dos fatores de risco aqui descritos, deve-se atentar também para a elaboração de políticas públicas mais amplas, direcionadas para a elevação da qualidade de vida das populações e para a construção de ações de promoção de bem-estar social, tais como: oferta de equipamentos sociais para divisão do trabalho doméstico (creches, escolas, lavanderias comunitárias e cooperativas de produção de alimentos a baixo custo), ampliação das áreas de lazer e garantia de acesso ao mercado de trabalho para quem deseja trabalhar.

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Araújo TM, Almeida MMG, Santana CC, Araújo EM, Pinho PS

TRASTORNOS MENTALES COMUNES

EN

MUJERES:

ESTUDIO COMPARATIVO ENTRE AMAS Y

TRABAJADORAS

RESUMEN: Este estudio objetivó estimar la prevalencia de Trastornos Mentales Comunes (TMC) entre amas y trabajadoras, según características sociodemográficas, de salud reproductiva, actividades domésticas y de ocio. Fue un estudio epidemiologico con corte transversal en muestra aleatória de mujeres con 15 años o más de edad, de la banda urbana de Feira de Santana-Bahia-Brasil, 2002. Fueron estudiadas 1.235 mujeres (652 trabajadoras y 583 amas). La prevalência de TMC fue elevada en los dos grupos: 43.4% entre amas y 36.8% entre trabajadoras. Baja escolaridad, ausencia de actividades de ocio, menopausia, tener hecho aborto y tener sufrido alguna agresión fueron factores potenciales de riesgo para TMC, en ambos los grupos. Los resultados revelan la importancia de la morbidad psíquica entre las mujeres, en especial entre las amas, y señalan la necesidad de creación de programas y acciones dirigidas para la prevención y la promoción de la salud mental en esos grupos. Palabras Clave: Salud mental; trastorno mental comun; mujer; ama. Recebido em: 24.10.2005 Aprovado em: 26.05.2006

Notas * Doutora em Saude Publica, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Professora Titular do Departamento de Saude, Nucleo de Epidemiologia. E-mail: [email protected] Endereço: Km 3 - BR 116- CAMPUS UNIVERSITÁRIO – Avenida Universitária, s/n Departamento de Saúde/Núcleo de Epidemiologia - Sexto Módulo CEP: 44031-460- Feira de Santana- BA, Brasil. ** Doutora em Enfermagem, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Professora Titular do Departamento de Saude, Nucleo de Epidemiologia. *** Academica de Enfermagem, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Departamento de Saude, Nucleo de Epidemiologia. **** Mestre em Saude Coletiva, Doutoranda em Saude Publica/UFBA, Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Professora Adjunta do Departamento de Saude, Nucleo de Epidemiologia. ***** Mestranda em Saude Coletiva – Universidade Estadual de Feira de Santana - Programa de Pos-Graduacao em Saude Coletiva do Departamento de Saude, Nucleo de Epidemiologia.

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