También la lluvia - Guerra da Água e Colonialidade

June 20, 2017 | Autor: João Pedro Vazquez | Categoría: Colonialidad, También la lluvia
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Descripción

Universidade de Brasília
CEPPAC
Cultura e Identidade nas Américas
Docente: Dalila
Discente: João Pedro Vazquez – 12/0014432




Resenha – Tambien la lluvia




O filme Tambien la lluvia esboça a problemática decorrente do processo de privatização da água na Bolívia, no início do séc. XXI. A trama se passa pela jornada de uma equipe cinematográfica que pretende realizar um filme sobre Cristovão Colombo sob uma perspectiva mais cruel do colonizador. A questão envolvendo a colonialidade se manifesta já no começo, quando se percebe que a escolha do local se deve a um menor valor de custo e que, caso decidissem gravar o filme em inglês, eles receberiam um valor maior de financiamento.
Outro aspecto relevante a se destacar é o menor custo da mão de obra indígena. Em certo momento, o produtor do filme Costa, ao falar com os financiadores, acha ótimo a pequena remuneração demandada pela mão de obra indígena. Porém, ele é constrangido por Daniel, um trabalhador quechua e uma das lideranças do movimento contra privatização, que denuncia a sistemática desvalorização dos trabalhadores indígenas. Esse caso pode ser associado com a análise de Aníbal Quijano quanto à colonialidade do poder que vigora no mundo moderno. Segundo Quijano, o racismo e o trabalho foram articulados de tal forma, ao longo do processo colonial, que se instituiu uma matriz hierárquica de classificação racial junto aos diferentes modelos de trabalho. Primeiramente, todos os modelos de exploração do trabalho (escravidão, servidão, pequena produção mercantil, reciprocidade e salário), que na Europa surgiram sequencialmente, apareceram conjuntamente no ambiente colonial. Essas formas de trabalho se articulavam em torno da relação capital-trabalho e foram deliberadamente implantadas para servir o mercado mundial. Com a associação entre identidades raciais e papéis sociais, impôs-se uma divisão racial do trabalho, em que cada forma de exploração do trabalho esteve articulada com uma raça específica (índios e a servidão, negros e a escravidão, bracos e o salário e a administração colonial). Assim como as demais estruturas de dominação sob o regime capitalista, a relação raça-trabalho se transparece como "natural".
Uma das figuras centrais interpretadas pelos personagens é Bartholomé de Las Casas. Durante uma discussão entre os atores em um jantar, é exposto que Bartholomé de Las Casas é uma das poucas pessoas a denunciarem as atrocidades cometidas pelos espanhóis, exigindo, então, um tratamento mais equânime entre brancos e indígenas. Em contraponto a essa ideia, o intérprete de Cristóvão Colombo critica o fato de Bartholomé de Las Casas, apesar se sua postura digna, não questionar a autoridade espanhola no "Novo Mundo". Isso demonstra claramente como a lógica da dominação imperava no consciente dos colonizadores ibéricos, ainda que buscassem um tratamento mais "humano" para seus dominados.
Com esse cenário é possível abordar um pouco mais sobre o que Enrique Dussel compreende como processo de encobrimento do Outro. Primeiramente, há de se desmistificar a noção de que o surgimento da Modernidade e da própria subjetividade europeia foram processos forjados apenas pela Europa. Não foram somente com o Renascimento, a Reforma Protestante e a Revolução Francesa que se formou a auto-interpretação europeia. A definição intra-europeia de Modernidade e de si mesma não leva em conta o processo de colonização e dominação dos povos indígenas.
Ao entrar em contato com as sociedades na América, há uma transformação do pensar a si próprio do europeu. A Europa provinciana renascentista se torna a Europa "centro do mundo". Essa ideia foi fundamentalmente calcada em noções de superioridade nas mais diversas esferas do mundo social: racial, religiosa, moral, econômica, etc.
De acordo com Hegel, o Mediterrâneo é o eixo da história universal, onde essa seria marcada pela superioridade europeia. A África e a Ásia têm contato com o mar Mediterrâneo, porém elas são desqualificadas e excluídas do entendimento hegeliano de história porque essas regiões "não teriam história", onde o ser humano era encontrado em "estado bruto", havendo como pressuposto de que a Europa era "centro e fim" da humanidade. A visão hegeliana, que serviu como construção epistemológica para a basilar o pensamento europeu eurocêntrico, não se sustenta quando se entende que a comparação com as demais culturas foi crucial para o autoentendimento europeu como centro da humanidade e fim a ser alcançado. Somente a partir da interação com outras civilizações que se fez possível a auto-interpretação europeia com viés de superioridade. Junto à compreensão de que muito do conhecimento e invenções proclamadas europeias, na realidade, possuem origem ou influências de outras regiões ou culturas (ex.: impressão), é inegável que a subjetividade europeia é formada a partir de múltiplas interações com outras visões de mundo, e não uma obra individualmente construída.
Vale ressaltar que essa interação da Europa com outras sociedades é fortemente marcada pela violência. É necessário desmistificar a noção do "encontro de dois mundos" frequentemente frisada quando se trata desse assunto. De fato, a conquista e a dominação do "eu" europeu sobre o "mundo do Outro" indígena é o que se esconde atrás do véu da falaciosa e eufemística noção de "encontro de dois mundos", entre europeus e indígenas, por muitas vezes imaginado segundo uma ótica liberal de comunicação entre iguais que compartilham da mesma codificação de significados.
Voltando à compreensão do encobrimento do Outro, esse processo se suscitou a partir da negação da distinção da América, como um outro distinto, enquanto os europeus imprimiam seu próprio entendimento sobre aquilo e aqueles que se encontravam na América. Em outras palavras, Cristôvão Colombo e outros colonizados, no decorrer de certo tempo, achavam que o local que haviam "descoberto" era a Ásia, projetando todas suas ideias e expectativas sobre as sociedades originárias da América.
O reconhecimento do outro, como ser diferente, somente se concretizou por meio do processo de dominação e colonização. Entretanto, esse reconhecimento não é de alteridade, em que se compreende o "outro" como diferente, mais igualmente válido ao "eu". Esse ponto se direciona a uma crítica de Bartholomé de Las Casas. Apesar de reinvidar um melhor tratamento para com os indígenas, Las Casas não ia ao cerne da questão: o processo de colonização das sociedades indígenas. Isso se justifica porque Las Casas, assim como os demais empreendedores do colonialismo, avistavam o "mundo do Outro" indígena como excluído de qualquer racionalidade e validade religiosas possíveis. Essa exclusão é explicada a partir da premissa teológica dos colonizadores de que o catolicismo detinha superioridade sobre as religiões indígenas.
Essa premissa teológica, junto a outros elementos, compunham um ego moderno dos europeus que detinham um ímpeto universalizante e que, portanto, justificou a colonização, configurando um processo de universalização da particularidade europeia, por meio da violência física e epistêmica. Esse ego moderno também se instituía por lógicas binárias: moderno X tradicional, civilizado X bárbaro, branco X indígena, superior X inferior. Esses elementos unidos "justificavam" a ambição de "modernização" e "civilização" dos europeus sobre as sociedades indígenas.
No filme, apesar do esforço da equipe cinematográfica em dar outra abordagem à história e uma visão mais realista da crueldade espanhola, ou seja, desconstruir a harmoniosidade dos espanhóis frequentemente relatada em histórias, e, portanto, dando maior valor ao sofrimento indígena decorrente, existe um tencionamento entre os valores da equipe e dos atores indígenas. Em certa parte, a produção do filme esbarra em um empecilho para a gravação da cena do afogamento das crianças indígenas pelas suas próprias mães. De um lado, a necessidade de gravar o filme de forma completa e retratar uma das consequências da brutalidade da exploração espanhola, do outro, a necessidade de resguardar as mães de reproduzirem uma cena de um momento histórico tão traumatizante para vida das famílias quechua. Apesar do desespero e da insistência de Sebastían, o diretor do filme, Daniel foi bem firme e direto sobre a não realização da cena: "Há coisas mais importantes que seu filme".
Observa-se o racismo e a colonialidade ainda presentes nas instituições. No filme, a privatização do serviço de abastecimento de água acontece porque o governo se encontra com problemas com o balanço do orçamento. Com indicações de estudos de Havard e do FMI, o governo escolhe privatizar o serviço, com base no argumento da escassez de recursos financeiros. Porém, o que se observa é que o governo realiza uma opção política em adotar essa medida. O fato do governador ter seguido a colocação das instituições internacionais ilustra como se dá a reprodução da colonialidade. Instituições internacionais, reconhecidamente de cunho liberal, acham-se no dever de apontar os rumos que sociedades, ora exploradas, devem adotar, como se a resolução dos problemas específicos de países ora colonizados fosse seguir os mesmos passos que problemas de países ora exploradores. Isso demonstra como ainda o paradigma do desenvolvimento ainda impera fortemente, em que se acredita que existe uma lista de elementos a serem alcançados pelos "países subdesenvolvidos" para que esse logrem o "desenvolvimento". Essa perspectiva omite as problemáticas oriunda dos processos de colonização que vigoram até hoje.
O racismo dos agentes institucionais é visível quando o governador diz que "se cedermos um centímetro, esses índios nos levam à Idade da Pedra". Por detrás dessa colocação é possível averiguar o conflito de visões: de um lado, a perspectiva desenvolvimentista e colonialista, que encara qualquer valor divergente ou não atrelado do desenvolvimento econômico (leia-se desenvolvimento capitalista) como "atrasado" e "bárbaro", por outro, está a resistência dos valores indígenas que buscam viver de acordo com suas cosmovisões, que diferem profundamente em termos políticos, sócias, culturais, naturais dos valores impostos pela Modernidade e suas instituições (família, Estado, mercado, escola, etc.)
Por fim, vale uma consideração sobre o personagem Daniel e a conjuntura em que esse se insere. Daniel está disposto a lutar pelo seu direito à água, uma substância vital à vida e que ele se recusa a encará-la como mercadoria. É possível visualizar como o capital se articula para desestabilizar outros sistemas de valor. Isso se dá através do constrangimento veiculado por diferentes fontes. Primeiro, o Estado, que traça uma decisão política sobre o orçamento e prefere adotar a medida de privatização do serviço de água, tornando-a uma mercadoria com custo. Segundo, a empresa, que ao funcionar através da lógica do lucro, aumenta a taxa de serviço, explora os trabalhadores subordinados, e ainda reprime e cerceia a população que tenta adotar medidas alternativas para driblar a privatização. Por fim, a equipe de filmagem, que desestimula Daniel a participar das manifestações em prol ao direito fundamental à água, preocupada em terminar o filme acima de tudo, além de chantageá-lo com a oferta de dinheiro em troca das filmagens.


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