Solidarnosc. Dentro da unidade, a diferença

September 17, 2017 | Autor: Ana Guardião | Categoría: Communism, Sindicalismo
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Descripción





SOLIDARNOŚĆ: DENTRO DA UNIDADE, A DIVERSIDADE



"During war, the rabbi and the bishop walk side by side – there is no
difference between the two. But when they arrive at Freedom Station,
the rabbi rallies his own people around him – because he knows them
better and trusts them more – and the bishop rallies his."1


Lech Wałęsa





O movimento Solidarność coloca um marco na história da mobilização social e política.
Num país com uma população oprimida e desmoralizada, o movimento consegue, em
dezasseis meses, mobilizar cerca de um terço da população para aquela que era uma
realidade socio-económica à beira da catástrofe.

A capacidade mobilizadora da sociedade civil em torno daquela que, mais do que uma
questão puramente operária, provinha de uma necessidade de liberalização de um
regime autoritário, tornou-se num marco incontornável na história dos movimentos
sociais e políticos. Solidarność realmente significava o espírito vivido em torno de uma
realidade incomportável de baixos níveis de vida e incorfimidade com o poder vigente:
o espírito de solidariedade e entre-ajuda no ceio de um povo que ansiava pela afirmação
e respeito pelas suas necessidades.

Se o Solidarność traduzia uma imagem de unidade social face a um inimigo comum,
não se pode considerar que este, tal como qualquer outro movimento, tenha tido uma
composição homogénea. Mais, os acontecimentos do período de transição, com a
fragmentação e divisão dos rostos principais do movimento em formações políticas
distintas permitem supor a existência de divergências anteriores ao período democrático
que contribuíram para a própria evolução do movimento. Por isso, se era necessária
uma coesão dentro do movimento face a um exterior hostil, essa coesão não implica que
o Solidarność fosse uma força homogénea. Tal assunção, espelhada muitas vezes na




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Lech Wałęsa numa entrevista realizada para a série da BBC Freedoms Batle, in Ash, T. G. (1999, p.375)

1



literatura existente, prova-se redutora pela forma como desvia esta questão para a
margem da investigação, deixando escapar a riqueza de movimentos existentes dentro
do Solidarność. Afirmar que havia alas divergentes dentro deste movimento não remete
as suas conquistas para segundo plano. De facto, esta análise mostra-se vital para o
estudo da sua evolução já que é na forma como os intervenientes directos se comportam
que surge aquilo que está por detrás dos factos apresentados na história do Solidarność
e na história polaca.

Assim, para compreender os acontecimentos no período de transição para a democracia,
é necessária uma abordagem que implique na análise a vertente heterogénea do
Solidarność. Esse será o objectivo deste ensaio.




ANTECEDENTES DO SOLIDARNOŚĆ: INTELECTUAIS E A RESPOSTA A UMA
APATIA GENERALIZADA



Depois da invasão da Checoslováquia em 1968 e da afirmação de Brezhnev de que
utilizaria o exército soviético sempre que necessário para manter a autoridade soviética
em todos os Estados subjugados ao Império Comunista, os cidadãos destes países
viviam conscientes de que era impossível fazer face a um poderio tão grandioso. As
populações da Europa de Leste viviam numa grave apatia depreciativa, impotentes para
lutar contra o despotismo soviético. No entanto, esta como que se tornou numa bênção
(Stokes, 1993, p. 21) porque, ao perguntarem o que poderiam fazer localmente, muitos
encontraram o caminho que os levava do Estalinismo ao pluralismo: ao deixarem de
abrigar ilusões acerca do socialismo, começaram a pensar de forma renovada.

Lezsek Kołakowski foi um dos intelectuais que faziam parte deste fenómeno. No seu
ensaio Hope and Hoplessness de 1971 registou as razões para a mudança de visão do
comunismo que deixou de ser um problema intelectual para se tornar somente numa
questão de poder: a democratização dos regimes socialistas era impossível já que
qualquer reforma democratizante apropriava algum aspecto do controlo total que o
regime dispunha, facto do qual este não iria abdicar; a liberdade de informação era
igualmente impensável nestes regimes já que pressupunha um alargamento de direitos;
para além disso, uma revolução tecnocrática como aquela que Gierek estava a tentar


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fazer era também impossível já que o regime soviético iria dizimar todas as formas de
vida social que não estivessem directamente relacionadas com o mesmo.

O que restava então à população polaca? Para Kołakowski esta esperança residia em
pensar que a honestidade era possível e que os cidadãos deveriam ir para além da mera
aceitação de viver uma vida ética e expressar a sua oposição antipolítica à tirania dos
opressores (Stokes, 1993, p. 22). Segundo Adam Michnik, um dos activistas intelectuais
participantes mais tarde no Solidarność, «a oposição não deveria dirigir-se ao Estado
totalitário, tentando mudar o imutável, mas ao público independente, ou pelo menos a
um público que vivia "como" independente» (Michnik in Stokes, 1993, p.25).

Michnik, em conjunto com outros intelectuais, como Jacek Kurón, Jerzy Jedlicki, Jan
Józef Lipski e Mirek Chojecki, formaram, em 1976, o KOR (Komitet Obrony
Robotników – Comité para a Defesa dos Trabalhadores) com a missão de apelar a
valores éticos e a standards sociais e não políticos, actuar abertamente, revelando os
nomes dos seus participantes, e conduzir as suas actividades dentro da lei polaca
baseando-se na constituição do país e nos acordos de Helsínquia. O objectivo deste
comité, que um ano mais tarde modificaria o seu nome para Comité de Auto-Defesa
Social KOR , não se restringia apenas à assistência aos trabalhadores, mas também ao
estímulo de criação de novos centros de actividade autónoma do Partido Comunista,
tornando o conceito abstracto de sociedade civil numa realidade.

A principal actividade deste comité era a publicação clandestina, porém ficou a dever-se
igualmente a esta instituição a criação de uma universidade livre e do Comité Fundador
dos Sindicatos Livres da Costa (Komitet Założycielski Wolnych Związków Zawodowych
Wybrzeża- KZWZZW) cujo núcleo central providenciou alguns dos membros mais
importantes do que viria a ser o Solidarność: Andrzej Gwiazda e a sua mulher Joanna
Duda, Bogdan Borusewicz, Bogdan Lis, Anna Walentynowicz e, pouco depois da sua
formação, Lech Wałęsa (Stokes, 1993, p.30).

O KOR foi, assim, o primeiro elo de ligação entre intelectuais e a população,
principalmente o operariado. Este comité que surgiu como uma forma de abstracção da
sociedade perante uma situação que estava, acreditava-se, fora do seu alcance – o
combate ao regime comunista – foi, pelas actividades que desenvolveu, o primeiro
impulso da criação de uma sociedade civil com um espírito de entre-ajuda e
solidariedade.

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Este foi o facto, a aliança entre intelectuais e operários, que distinguiu a sociedade
polaca das restantes da Europa Central e de Leste, e aquilo que fez com que o
Solidarność se tornasse numa realidade. Ilustração desta mesma realidade foi o tipo de
relações existentes no local onde nasceu o Solidarność, Gdańsk, onde o Comité
Fundador dos Sindicatos Livres da Costa era o ponto de encontro da oposição
intelectual e dos trabalhadores (Ash, 1999, p. 365).




A FORMAÇÃO DO SOLIDARNOŚĆ: A VITÓRIA DA SOLIDARIEDADE
OPERÁRIA



O ano de 1956 providenciou o primeiro vislumbre da luta dos trabalhadores contra o
regime vigente: "Pão e Liberdade" foi a primeira voz que se ouviu em uníssono por
parte da classe operária polaca. No entanto a chegada de Gomułka ao poder acabou
com a esperança dos trabalhadores: primeiramente, os concelhos de trabalhadores
foram incorporados na estrutura partidária, o que lhes impedia uma movimentação livre
e, em segundo lugar, as propostas de abertura económica do regime por forma a
proporcionar um melhor nível de vida à população viram-se frustradas devido à inércia
burocrática na estrutura da nomenklatura (Ash, 1999, pp. 11-13).

A única garantia que os trabalhadores viam concedida era a manutenção dos preços dos
produtos alimentares reduzidos. Alguns destes preços estavam já congelados há mais de
uma década, o que causava graves distorções na economia polaca, levando à decisão por
parte da liderança de aumentar em 36% o preço dos produtos em Dezembro de 1970, o
que despultou uma onda de greves por todo o país atingindo algumas das maiores
fábricas polacas.

Dezembro de 1970 foi uma data decisiva para a os trabalhadores e para a emergência do
Solidarność: o conflito entre a classe operária e a liderança, motor do desenvolvimento
das sociedades segundo a teoria que criou o comunismo estava, pela primeira vez na
Polónia, a mostrar-se real. "[o] gigante que o regime comunista havia criado, a nova
classe operária flectiu pela primeira vez os seus músculos, agarrou os homens que
governavam segundo o seu próprio interesse pelo pescoço, e sacudiu-os" (Ash, 1999, p.
14). Este episódio resultou numa mudança de liderança política com Gierek a subir ao

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poder. Não obstante, o marco das revoltas de 1970-71 foi a percepção por parte do
operariado de um sentido de união e comunidade e, para além disso, de que a classe
operária tinha de se movimentar fora da égide do Partido Comunista.

A política de Gierek relativamente à classe operária pode caracterizar-se por uma
tentativa de entendimento que tentava mascarar as dificuldades económicas com que o
país se confrontava desde a década anterior, o que veio a resultar na necessidade de
aumentar novamente o preço da carne.2 Quase imediatamente os trabalhadores numa
fábrica perto de Varsóvia entraram em greve, seguidos rapidamente por outros. Nas seis
semanas seguintes Jacek Kuroń, membro do KOR, contava já 150 fábricas paradas por
todo o país. (Stokes, 1993, p. 35).

O Estaleiro de Gadańsk era um desses focos de rebelião. Porém, a decisão dos
trabalhadores em fazer greve não era justificada somente pela questão do aumento do
preço da carne. Para além da reclamação de um aumento salarial que acompanhasse a
subida de preços, os trabalhadores reclamavam: "(1) a reintegração de Anna
Walentynowicz e Lech Wałęsa [membros do KZWZZW] que haviam sido exonerados
do estaleiro em 1976 por razões políticas [...]; (2) a construção de um monumento em
memória dos trabalhadores mortos em Dezembro de 1970; (3) o aumento dos subsídios
familiares por forma a estarem ao nível daqueles auferidos por detentores de cargos
priviligiados; (4) garantias de segurança para todos os participantes nas greves."
(Weber, 1989, p. 28).

Wałęsa surgiu nesta greve como o líder dos trabalhadores, reclamando as injustiças que
assumiam uma proporção crescente desde 1970, prevendo uma paralisação prolongada
até que as demandas dos operários fossem atendidas. No entanto, a maior parte dos
trabalhadores contentou-se com um aumento salarial oferecido pelo patronato e, dois
dias depois do início da greve, a paralisação parecia começar a desmobilisar-se.

Porém, durante esses dois dias, representantes de comités de greve de outras fábricas da
região reuniram-se no estaleiro de Gdańsk apelando a Wałęsa para manter a paralisação
em solidariedade com as restantes greves. Assim que os trabalhadores começaram
novamente a agrupar-se, Wałęsa percepcionou a sua insatisfação com o acordo feito

2 Na realidade, o mecanismo que Gierek engendrou para mascarar este aumento foi, em 1976, o de vender
2,5% da carne a um preço mais elevado em lojas especiais. No entanto, em 1979, a percentagemn de
carne vendida nesses estabelecimentos tinha aumentado para 19%, aumento esse que não era
acompanhado por um aumento generalizado dos salários dos trabalhadores.

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com as autoridades, e numa das iniciativas que o tornaram num dos políticos com maior
sucesso nos regimes pós-autoritários, apelou a que a greve continuasse.

Dentro de vinte e quatro horas, Wałęsa e os colegas operários de toda a região formaram
o Comité de Greve Inter-Fabril – Solidarność. A rebelião tinha agora um eixo de apoio
central: em solidariedade a sociedade civil começava a brotar.




DE PLATAFORMA SINDICAL A MOVIMENTO POLÍTICO: OS 498 DIAS DO
SOLIDARNOŚĆ



A formação do Solidarność era uma realidade inimaginável para os membros do KOR
já que tinham consciência dos limites de tolerância do regime soviético. Jacek Kuroń e
Adam Michnik tentaram mesmo impedir os trabalhadores de reivindicarem a formação
de uma plataforma sindical livre e auto-governada. No entanto, e como os dois
intelectuais afirmaram mais tarde, a sua prisão antes de poderem chegar a Gdańsk
resultou numa bênção.

Membros do KOR como Bronisław Geremek e Tadeusz Mazowiecki rapidamente
surgiram como conselheiros da plataforma sindical, em especial de Lech Wałęsa,
mesclando-se no meio da liderança do Solidarność. A sua primeira obra conjunta ficou
conhecida como Acordo de Gdańsk. A formulação do documento demonstrava já as
diferenças de perspectiva entre os líderes operários e os membros do KOR: enquanto
que os operários queriam um discurso mais agressivo no documento, os seus
conselheiros defendiam uma abordagem mais suave por forma a conseguir um
verdadeiro acordo entre a plataforma sindical e as autoridades. O resultado foi um
documento que agradaria a ambas as partes.

Toda a história do Solidarność, desde Agosto de 1980 até ao verão de 1990, ficou
marcada por esta interacção entre os trabalhadores e intelectuais no geral e entre Wałłsa
e os seus conselheiros em particular. O Solidarność significava, entre outras coisas, a
solidariedade entre estas classes e indivíduos e quando a plataforma se dividiu, a divisão
espelharia um afastamento dos operários e dos intelectuais em geral, e destes indivíduos
em particular.


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Porém, os desenvolvimentos da história do Solidarność enquanto plataforma sindical
livre, mostraram a importância da união destas duas esferas contra um outro grupo de
activistas designado por Biezenski (1996) como a «inteligência administrativa».

A emergência de uma organização sindical independente pedia, necessariamente, uma
liderança que surgisse dentro do operariado. Estas figuras de liderança surgiram
naturalmente pelo papel que haviam tido nas greves. Na costa norte, muitos dos líderes
grevistas eram já conhecidos pelo papel que tinham tido nas greves de 1970, incluíndo
Lech Wałęsa e Anna Walentynowicz em Gdańsk, e Marian Jurczyk e Aleksander
Krystosiak em Szczecin. Biezenski identifica esta liderança como fazendo parte de uma
«primeira vaga» dentro do Solidarność e que se caracterizava por defender os interesses
dos operários enquanto sindicalistas e não por questionar o Partido Comunista enquanto
figura de autoridade enquanto activistas políticos. Desta forma pode-se aferir que em
relação a questionar directamente a autoridade, a liderança operária tomava uma posição
defensiva.

Esta posição tomada pela liderança operária era ainda mais defensiva do que a posição
dos membros do KOR, o que os colocava numa posição intermediária entre as duas
grandes divisões que surgiram dentro da plataforma sindical. Michnik afirmou mesmo
que esta posição defensiva colocava alguma inércia e ineficácia na organização,
faltando aos líderes da primeira vaga a capacidade de providenciar uma direcção firme:
«the lack of a clearly articulated program led [...] to a radicalization of attitudes»
(Michnik in Biezenski, 1996, p. 265). Esta organização "oca" aleada à personalidade de
Lech Wałęsa que, segundo alguns autores, tinha um caráter extremamente individualista
e algo autoritário, condenaram a liderança operária a uma perda de relevância no início
de 1981, o que levou à emergência de uma segunda vaga de liderança composta pela
inteligência administrativa após as eleições.

A liderança de Wałesa foi sempre marcada pela negociação e compromisso com as
autoridades comunistas, o que resultava num acto recorrente de tentativa de acabar com
as sucessivas greves que assolavam a economia polaca durante este período e,
consequentemente, numa discórdia generalizada dentro da plataforma sindical.

O ponto máximo desta questão ocorreu em Março de 1981 em Bysgoszcz. Quando os
activistas representantes da facção rural do Solidarność, que estava a tentar adquirir um
estatuto legal, se recusaram a deixar uma reunião com o conselho do governo local, as

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forças de segurança actuaram, o que despoletou o apelo a uma greve geral. Wałęsa
rapidamente tentou acalmar a questão negociando com as autoridades, o que resultava
numa paragem imediata da greve por parte do Solidarność e a permissão do governo
para a facção rural actuar ainda que não tivesse um estatuto legal. Apesar do
entendimento, esta atitude de Wałęsa causou impacto negativo dentro da plataforma
sindical com o abandono da mesma por parte de alguns intelectuais e com uma
convulsão de protestos no Congresso Nacional de Setembro seguinte que elegeria uma
liderança composta principalmente por activistas intelectuais administrativos que
mudaria radicalmente a essência do Solidarność. Esta nova liderança caracterizava-se,
por activistas com educação superior, afastados dos momentos grevistas e da formação
do Solidarność e que apareceram devido ao seu discurso carismático e radical bebido
pelos eleitores dos corpos locais e regionais. O seu activismo tinha somente começado
em Julho desse mesmo ano com protestos generalizados acerca do aumento dos preços e
da falta de comida.

O Congresso foi o veículo encontrado para a alteração imediata do Solidarność: foi
declarado que a organização deixava de ser uma simples plataforma sindical para se
tornar num movimento social que iria estabelecer como objectivos as mudanças sociais,
económicas e políticas. O primeiro acto ilustrador desta nova versão do Solidarność
seria a elaboração de um Programa de carácter claramente político cujo principal
objectivo a criação de uma República Auto-Governada baseada nos princípios da
democracia, auto-gestão, auto-governo regional e a primazia da sociedade acima do
Estado (Biezenski, 1996, p. 272).

Imediatamente a seguir à conclusão do Congresso o renovado Solidarność começoua
sua actividade com uma greve geral. Wałęsa tentou mais uma vez parar a greve
temendo repercussões negativas por parte de uma autoridade desgastada e
economicamente falida. No entanto, os seus esforços não deram fruto. Segundo
Biezenski a «futilidade da táctica da greve tornou-se auto evidente» já que, apesar de
algumas vitórias pontuais «as greves não conseguiam pôr comida nos supermercados»
(Biezenski, 1996, p. 273).

Para os activistas a incapacidade de mudar a realidade estava exactamente no modelo do
Solidarność enquanto sindicato, sendo que a solução estaria na formulação de um
referendo à população que incluía um voto de confiança no Partido Comunista e um


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apelo a eleições livres. Apesar dos líderes da primera vaga terem mostrado a sua
oposição total à medida, não tinham qualquer outra alternativa em cima da mesa e as
negociações entre o Solidarność e o Partido Comunsista tiveram um fim abrupto e
definitivo em Agosto. Não obstante, o apelo à instauração de eleições livres continuou
e, a 12 de Dezembro foi anunciado, por parte da oposição que o referendo iria ser feito.
Para o Partido Comunista foi a gota de água: a Lei Marcial foi imposta numa questão de
horas (Biezenski, 1996, p. 273).




"NIE MA WOLNOŚCI BEZ SOLIDARNOŚĆ!": O RETORNO DO SOLIDARNOŚĆ E
A TRANSIÇÃO PARA A DEMOCRACIA



A imposição da Lei Marcial significou o fim do Solidarność enquanto organização em
grande escala: a legalidade da plataforma sindical tinha sido retirada e a organização
operava apenas em alguns pontos do país já que grande parte da sua liderança havia sido
detida pelas autoridades e as unidades sindicais tinham sido absorvidas dentro de um
novo organismo do Estado.

No entanto, no meio de um ambiente adverso, as posições divergentes conseguiram
reunir-se e, quando em 1986 se abriu uma brecha na tirania da autoridade, a organização
conseguiu começar a recuperar terreno. E, dois anos mais tarde, começou a vislumbrar-
se o caminho para a democracia.

Mais uma vez foi pela mão dos trabalhadores que se deu o passo decisivo: em resposta
ao aumento dos preços, as grandes empresas do país – bastiões do Solidarność –
voltaram a entrar em greve. Nas ruas soavam os apelos dos trabalhadores: "Nie ma
wolności bez Solidarność!" (Não há liberdade sem o Solidarność [solidariedade]!). A
31 de Agosto de 1988, no oitavo aniversário do Acordo de Gdańsk, o Ministro do
Interior recebeu Lech Wałęsa para discutir a situação: a proposta discutida era a
formação de uma "round table" que incluísse o Solidarność para discutir o futuro da
Polónia.

A 6 de Fevereiro de 1989 tinham início as negociações para uma Polónia democrática
com o Solidarność na liderança das mesmas. Desta negociação saiu um acordo que


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estabelecia uma transição para a democracia com o Partido Comunista na liderança já
que, apesar de tudo era a única organização preparada para governar.

No entanto, a crise económica mostrou-se imperativa e o governo de maioria comunista
caiu deixando ao Solidarność que havia ganhado os restantes assentos no Sejm a
responsabilidade de governar.

Devido às suas características o movimento não teve capacidade para comandar um país
que necessitava de uma reforma económica estruturante e em 1991 ocorreram novas
eleições. Wałęsa, que tinha sido marginalizado politicamente desde o verão de 1989,
conseguiu ganhar as eleições presidenciais por uma larga maioria, surgindo mais uma
vez como elo de ligação entre as forças políticas. Mas, numa época em que a liberdade
impera, as divisões políticas reacenderam-se.

Nas eleições desse ano o Solidarność já não existia enquanto plataforma concorrente,
dando lugar a uma divisão daqueles que haviam sido os seus maiores activistas em
novos partidos políticos.




CONSIDERAÇÕES FINAIS



Entre a unidade e a divergência, o Solidarność conseguiu afirmar-se como um dos
movimentos mais significativos naquilo que respeita à oposição a um regime
autoritário. Mais do que um movimento dirigido somente à classe trabalhadora, esta
organização mostrou-se fulcral para a revitalização da sociedade civil polaca no
despertar para percepçaõ de uma realidade insustentável.

No entanto, as divergências existentes dentro do movimento que muitas vezes são
descuradas tiveram um papel significante para o desenrolar da história do Solidarność e
da história polaca naquele que foi o caminho para a democracia. Aquela que começou
por se uma plataforma sindical comedida com o apoio de intelectuais influentes,
rapidamente degenerou num caminho de radicalismo de oposição ao regime. Menos
atenta do poder repressivo do Estado do que a liderança operária e consciente apenas de
uma necessidade imperativa de soluções políticas para a crise económica, a inteligência
administrativa levo o Solidarność a um combate pelo poder de estado, precipitando,

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assim, a imposição da Lei Marcial por parte do poder vigente, o que resultou numa lenta
caminhada para o desfecho fragmentado do período democrático.

Poder-se-iam colocar questões de como teria sido o desenvolvimento da questão polaca
se o Solidarność nunca tivesse mudado a sua essência, mas esse seria um exercício
inútil. O que importa referenciar é que foi neste movimento, apesar de degradado, que
as autoridades confiaram o papel de negociador da transição democrática e a que o povo
polaco deu a confiança da governação após a transição para a democracia e foram as
suas divergências que permitiram a formação de uma sociedade de representação
pluralista no período democrático.

Como Wałęsa aponta, perante a adversidade é importante que a união se mantenha, após
a concretização dos objectivos, é saudável que se adquira os direitos que a democracia
defende: liberdade e igualdade.




BIBLIOGRAFIA



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