SOBRE A IN-CONSTITUCIONALIDADE DO ITCMD EM HERANÇA PROVENIENTE DO EXTERIOR

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IBMEC

WENDERSON A. NUNES DOS SANTOS

AS CONTROVÉRSIAS SOBRE A IN-CONSTITUCIONALIDADE CONSTITUCIONALIDADE DO D ITCMD EM HERANÇA PROVENIENTE DO D EXTERIOR.

Rio de Janeiro (RJ) 2015

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WENDERSON A. NUNES DOS SANTOS

AS CONTROVÉRSIAS SOBRE A IN-CONSTITUCIONALIDADE DO ITCMD EM HERANÇA PROVENIENTE DO EXTERIOR.

Trabalho Final apresentado ao Curso de LLM DIREITO CORPORATIVO, turma LLM 26/2013, do Ibmec Business School como parte dos requisitos para atendimento da resolução nº 1 do Conselho Nacional de Educação, de 08 de junho de 2007.

Orientador: Prof. Márcio Caldas Aprovado em ___/___/______ Parecer do Prof. ____________________

Rio de Janeiro (RJ) 2015

Agradecimentos. Primeiramente, agradeço a Deus pela minha existência e por todos os dons a mim emprestados, sem os quais eu jamais conseguiria chegar até aqui. Num segundo momento, dedico esse trabalho aos meus pais, exemplos de perseverança e maturidade que, com o passar dos anos, não se endureceram, ao contrário, sempre se mantiveram humildes e simples, repassando aos seus filhos que os valores morais como caráter, honestidade, humildade, simplicidade e paciência são essências para se alcançar qualquer coisa nessa vida. Agradeço também a minha esposa pela compreensão e paciência a mim dispensada, nos momentos de estudos e dedicação, para a elaboração deste pequeno artigo. Por fim, registro minha gratidão ao professor e orientador do presente trabalho, Márcio Caldas, por suas orientações didáticas e aulas de estímulos à pesquisa.

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RESUMO A proposta principal do presente trabalho é analisar e apresentar as controvérsias sobre a in-constitucionalidade do ITCMD em herança proveniente do exterior, adotando como centro de discussão a ausência de lei complementar regulamentadora do referido imposto, conforme previsto na Constituição Federal, art. 155, §1º, III, ''b''. O debate adquire relevância ímpar quando percebemos que na maioria dos Estados-membros da federação existem dispositivos na legislação estadual do ITCMD prevendo a exigibilidade do imposto causa mortis sobre herança proveniente do exterior. A questão já é discutida há muito tempo, mas alguns meses atrás o assunto entrou para a pauta de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, com origem num mandado de segurança impetrado por uma contribuinte paulista, a qual compreendeu ser indevido o recolhimento do imposto numa herança proveniente do exterior (Itália), em virtude da ausência de lei complementar no Brasil regulamentando o tributo. Importante ressaltar que a própria jurisprudência nos tribunais estaduais não é pacífica, embora já existam 02 mandados de segurança em curso, um no Tribunal de Justiça do Rio e outro no Tribunal de Justiça de São Paulo, nos quais os contribuintes impetrantes dos mandamus já lograram êxito em primeira instância e os dois Estados estão recorrendo das decisões. PALAVRAS-CHAVE ITCMD. Herança. Lei Complementar.

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ABSTRACT The main purpose of this paper is to analyze and present controversies over the in-constitutionality of ITCMD an inheritance from abroad, adopting as a discussion center the absence of complementary regulatory law of this tax, as provided in the Federal Constitution, art. 155, § 1, III, '' b ''. The debate takes on unique importance when we realize that in most Member States of the federation there are devices on the ITCMD state legislation providing for the payment of the causa mortis inheritance tax from abroad. The issue is already discussed for a long time, but a few months ago it joined the agenda of general repercussion of the Supreme Court, originating from a writ of mandamus filed by a São Paulo taxpayer, which understood to be improper the payment of taxes in heritage from abroad (Italy), due to the absence of complementary law regulating the tax in Brazil. Importantly, the very case law in state courts is not peaceful, although there are 02 ongoing court injunctions, one on the River Court and one at the Court of São Paulo, in which the plaintiffs taxpayers' mandamus already were successful at first instance and the two states are resorting decisions. KEYWORDS ITCMD. Heritage. Supplementary Law

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LISTA DE ABREVIAÇÕES E DEFINIÇÃO DOS TERMOS 1. CF.- CONSTITUIÇÃO FEDERAL 2. ITCMD- IMPOSTO DE TRASMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO 3. LC- LEI COMPLEMENTAR 4. STF- SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL 5. TJRJ- TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTAUAL DO RIO DE JANEIRO 6. TJSP- TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL DE SÃO PAULO 7. CTN- CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 5 2.

BREVES PONDERAÇÕES SOBRE O FATO GERADOR DO ITCMD.................8

3. A CONTROVÉRSIA SOBRE A IN-CONSTITUCIONALIDADE DO ITCMD SOBRE HERANÇA PROVENIENTE DO EXTERIOR............................................... 10 4. A REPERCUSSÃO GERAL NO STF SOBRE O TEMA E A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS ESTADUAIS DO RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO ............................. 15 5. CONCLUSÃO ..................................................................................................... 24 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................... 26

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1.

INTRODUÇÃO “Política fiscal tem de ser política de justiça e não mera política de interesses” (Douglas Yamashita e Klaus Tipke)

A análise e discussão sobre a exigibilidade do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) pela legislação infra-constitucional dos Estadosmembros da Federação em heranças provenientes do exterior está na pauta de repercussão geral do STF, devido a ausência de Lei Complementar para regular o referido imposto. A título de curiosidade, inicialmente, vale destacar que no Brasil o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doações passou por algumas mudanças no decorrer do tempo, assim como qualquer outro tributo instituído desde o império. Segundo Regina Celi Pedrotti Vespero Fernandes1, no período inicial (antigüidade) os tributos eram concebidos de forma muito distinta da que caracteriza o Estado moderno. Na sua observação, os tipos mais freqüentes de tributação eram exigidos pelo trabalho pessoal forçado, com a entrega em espécie de uma parte da produção da terra, assim, como a obrigação de manter certo número de guerreiros e de funcionários reais. A pesquisadora, citando o professor Petronio Baptista de Araújo, assevera que o ITCMD teve sua origem no Egito Psamético I (666 a 654 a. C.). Segundo ela, foi por meio de um papiro, datado do ano 117 a.C., que se divulgou uma lei que tornava obrigatória a inscrição das heranças nos registros públicos, mediante o pagamento de uma taxa de 10% a 15% sobre o valor total de bens transmitidos, abrangendo, inclusive, as sucessões em linha reta. 1

FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação –

ITCMD. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

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No caso do Brasil, a maioria da doutrina sustenta que a cobrança desse imposto teve origem com a denominada décima da herança ou legado, previsto no Alvará de 17.06.1809. Entretanto, apenas a partir de 1891 que ficou determinado e previsto que caberia aos Estados a cobrança do imposto causa mortis. Num conceito geral, o Imposto sobre Transmissão 'Causa Mortis' e Doação – ITCMD2 é um imposto brasileiro de competência dos Estados e do Distrito Federal, que incide quando da transmissão não onerosa de bens ou direitos, tal como ocorre na herança (causa mortis) ou na doação (inter-vivos). Importante consignar que, conforme previsão legal, o ITCMD é devido aos Estados nos casos de heranças, legados e doações ou na mera transferência de bens, como valores depositados em contas correntes ou aplicações financeiras, acima de determinado montante, já que a legislação sempre prevê casos de isenção. Os questionamentos mais atuais envolvendo a incidência do ITCMD, ora debatidos pela doutrina e na esfera judicial, se referem ao inconformismo do contribuinte mediante à insistência dos Estados na exigibilidade do recolhimento desse imposto sobre herança proveniente do exterior. A maioria dos Estados da federação exige o pagamento do imposto, em que pese a inexistência de Lei Complementar reguladora. O assunto ganhou maior relevância quando entrou para pauta de temas de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal, no início desse ano de 2015. Preliminarmente, insta consignar que o imposto sobre transmissão Causa Mortis e Doação, doravante simplesmente denominado ITCMD ou ITD (de forma mais abreviada em alguns Estados), está previsto no art. 155, I, da CF 88, na qual a 2

Essa é a sigla que contempla todas as iniciais da nomenclatura adotada pelo artigo 155 da

Constituição para a espécie do imposto, entretanto em alguns Estados a sua nomenclatura ou sigla podem sofrer alterações, omitindo um ou mais termos de acordo com a legislação local (ITD, ICD, ITCD e ITCMD).

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competência para sua instituição e cobrança ficou reservada aos Estados e ao Distrito Federal. Apesar de todos os Estados já terem regulamentado o referido imposto, a grande discussão, atualmente, recai sobre a constitucionalidade do ITCMD sobre herança proveniente do exterior. Segundo a Constituição Federal de 1988 a regulamentação desse imposto sobre bens deixados no exterior pelo falecido deve ser instituída por Lei Complementar, que até o momento não foi editada pela União. Nesse ponto específico é que nascem as grandes controvérsias sobre a exigibilidade pelos Estados membros.

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2.

SOBRE FATO GERADOR DO ITCMD Segundo o professor Eduardo Sabbag3 o fato gerador do ITCMD se

caracteriza basicamente com a passagem jurídica da propriedade ou de bens ou de direitos de uma pessoa para a outra, em caráter não oneroso, seja pela ocorrência da morte de uma delas (transmissão causa mortis) ou por doação intervivos (ato de liberalidade do doador). Em

quase

todas

as

leis

Estaduais,

o

legislador

infraconstitucional,

resumidamente, positivou quando é devido o imposto: “na transmissão de qualquer bem ou direito havido por sucessão legítima ou sucessão testamentária, inclusive a sucessão provisória e na transmissão por doação, a qualquer título, de quaisquer bens ou direitos”4. Pelo Código Civil de 20025, a data do óbito do autor da herança é o fator gerador do Itcmd, porque com a sua ocorrência abre-se a sucessão, transmitindo, desde logo, o domínio e a posse da herança aos herdeiros legítimos e testamentários, conforme art. 1.7846 do referido Código. Para a professora Sasha Calmon Navarro Coelho7, o fato relevante deste imposto é o acréscimo patrimonial do herdeiro, do legatário, do meeiro e/ou do cessionário (quinhões ou meações). Em relação ao momento da ocorrência, a autora Marilene Talarico Martins Rodrigues8 complementa que o fato gerador do imposto

3

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, pág 1017.

4

http://www.portaltributario.com.br/tributario/imposto_itcb.htm

5

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm

6

Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e

testamentários. 7

COELHO, Sasha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense,

2010. p. 458. 8

RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. Artigos comentados. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva.

(Org.).

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ocorre na abertura da sucessão, que se dá com a morte de determinada pessoa, à qual pertenciam os bens. O autor Hugo de Brito Machado9 assevera que a morte operaria automaticamente a transmissão da propriedade de todos os bens que a pessoa natural possuía. Segundo ele a transmissão de dá por força de lei, simplesmente, ou por ato de última vontade do autor da herança. A formalização dessa transferência ou transmissão de propriedade, ordinariamente, ocorre por processo de inventário, que no âmbito deste, o imposto é lançado pela autoridade competente (fisco estadual) e pago pelos interessados e/ou herdeiros e beneficiados. De fato, é inegável que o imposto causa mortis, como é usualmente tratado, está reservado aos Estados, aos quais competem a sua instituição (Constituição Federal, artigo 155, I). Oportuno destacar que no Estado do Rio de Janeiro, o fator gerador do ITCMD está previsto no art. 1º, incisos e parágrafos da Lei Estadual 1427, de 13 de fevereiro de 1989, com última alteração pela lei 5.440/200910.

9

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 378

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Art. 1º - O Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e por Doação, de quaisquer Bens ou

Direitos, tem como fato gerador: I - a transmissão da propriedade ou domínio útil de bens imóveis por natureza ou acessão física, como definidos na lei civil; II - a transmissão de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia e as servidões prediais; III - a transmissão de títulos, créditos, ações, quotas, valores e outros bens móveis de qualquer natureza, bem como os direitos a eles relativos. * IV - a aquisição de bem ou direito em excesso pelo herdeiro, cônjuge ou companheiro, na partilha, em sucessão causa mortis, dissolução de sociedade conjugal ou alteração do regime de bens. * nova redação dada pela Lei nº 5440/2009. § 1º - Para efeito deste artigo, considera-se doação qualquer ato ou fato não oneroso que importe ou se resolva em transmissão de bens ou direitos. § 2º - Nas transmissões causa mortis e doações ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários.

10

3.

AS CONTROVÉRSIAS SOBRE A IN-CONSTITUCIONALIDADE DO ITCMD SOBRE HERANÇA PROVENIENTE DO EXTERIOR DIANTE DA AUSÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR REGULAMENTADORA DO IMPOSTO. O grande debate atual se instalou sobre essa exigência dos Estados para o(s)

beneficiário(s) de herança proveniente do exterior recolher o imposto de transmissão causa mortis. Afirma o professor Hugo de Brito Machado11 que, em situações que o doador tem domicílio ou residência no exterior, e, também quando o autor da herança possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior, a cobrança será regulada em lei complementar. O debate doutrinário e a discussão judicial, atualmente travados, sobre a inconstitucionalidade do imposto, possuem fundamento constitucional diante da ausência da referida lei complementar reguladora do ITCMD nos Estados, por força do disposto no art. 146, inciso III, da CF. O grande dilema é exatamente essa ausência de lei complementar para regulamentar a instituição do imposto, requisito disposto no artigo 155, §6º, inciso III da CF/88. Nesse diapasão, o professor Ives Gandra da Silva Martins12 conceitua lei complementar nos seguintes termos: “É, portanto, a lei complementar norma de integração entre os princípios gerais da Constituição e os comandos de aplicação da legislação ordinária, razão pela qual, na hierarquia das leis, se posta acima destes e abaixo daqueles. Nada obstante alguns autores entendam que tenha campo próprio de atuação – no que têm razão , tal esfera própria de atuação não pode, à evidencia, nivelar-se

11

12

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 376.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Necessidade de lei complementar para a conformação do imposto de transmissão “Causa Mortis” e por doação de bens e recursos recebidos do exterior – inteligência do artigo 155, §1º, inciso III, da Constituição Federal. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Escrituras, n. 99, 2003. p. 154.

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àquela outra pertinente à legislação ordinária. A lei complementar é superior à lei ordinária, servindo de teto naquilo que é de sua particular área mandamental.” Com bastante lucidez, o Constituinte Originário consignou na Carta Magna de 1988 a competência dos Estados-membros referente às transmissões patrimoniais que venham a ocorrer no território nacional. Sem demasia, ficou previsto também que a regulação para a instituição do ITCMD em herança no exterior caberia à lei complementar. Entretanto, o assunto ainda permanece sem solução, tendo em vista a não edição da LC para regulamentar o referido imposto. Essa omissão acabou permitindo a famigerada discussão sobre a competência dos Estados para exigir o ITCMD em heranças provenientes do exterior. As legislações estaduais, em sua maioria, expressamente, preveem a incidência do ITCMD nessas circunstâncias, em que pese à inexistência lei complementar, com fundamento na redação contida no art. 24, e parágrafos da CF13. A Lei nº 1.427/89 (alterada pela Lei nº 5.440/2009), que regulamenta o ITCMD no Estado do Rio de Janeiro, prevê a cobrança do referido imposto em herança deixada no exterior, conforme o art. 9º, inciso IV14:

FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e

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Doação – ITCMD. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. 14

http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/b24a2da5a077847c032564f4005d4bf2/541098e046aa07

b7032565540066df22: RJ - Lei nº 1.427, de 13.02.1989: Arts . 8º e 9º RJ - Lei nº 1.427, de 13.02.1989 “Art. 8º - O imposto é devido ao Estado do Rio de Janeiro se nele estiver situado o imóvel transmitido, seja por sucessão causa mortis ou por doação, ainda que a mutação patrimonial tenha lugar ou resulte de sucessão aberta em outro Estado ou no exterior.” (...)

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Art. 9.º: No caso de transmissão de títulos, créditos, ações, quotas, valores e outros bens móveis de qualquer natureza, bem como dos direitos a eles relativos, o imposto é devido ao Estado do Rio de Janeiro se nele tiver domicílio: ... IV - o herdeiro ou legatário, se o de cujus possuía bens, era domiciliado ou residente no exterior, ainda que a sucessão tenha sido processada no País. A doutrina majoritária assevera que é questionável se as normas estaduais instituidoras do ITCMD podem exigir o imposto sobre herança decorrente do exterior, tendo em vista a ausência da Lei Complementar, de competência privativa da União.

Art. 9º - No caso de transmissão de títulos, créditos, ações, quotas, valores e outros bens móveis de qualquer natureza, bem como dos direitos a eles relativos, o imposto é devido ao Estado do Rio de Janeiro se nele tiver domicílio: I - o doador, ou se nele ocorrer a abertura da sucessão, nos termos da legislação civil; II - o donatário, na hipótese em que o doador tenha domicílio ou residência no exterior; III - o herdeiro ou legatário, se a sucessão tiver sido processada no exterior; IV - o herdeiro ou legatário, se o de cujus possuía bens, era domiciliado ou residente no exterior, ainda que a sucessão tenha sido processada no País. http://www.fazenda.sp.gov.br/itcmd/LEI_10705consolidada.asp: SP - Lei nº 10.705, de 28.12.2000: “Artigo 4º - O imposto é devido nas hipóteses abaixo especificadas, sempre que o doador residir ou tiver domicílio no exterior, e, no caso de morte, se o "de cujus" possuía bens, era residente ou teve seu inventário processado fora do país: I - sendo corpóreo o bem transmitido: a) quando se encontrar no território do Estado; b) quando se encontrar no exterior e o herdeiro, legatário ou donatário tiver domicílio neste Estado; II - sendo incorpóreo o bem transmitido: a) quando o ato de sua transferência ou liquidação ocorrer neste Estado; b) quando o ato referido na alínea anterior ocorrer no exterior e o herdeiro, legatário ou donatário tiver domicílio neste Estado.

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O argumento da inconstitucionalidade nasceu porque não existe a LC e o Estado não poderia fazer as vezes da União, a quem caberia autorizar a instituição do referido imposto. Nas palavras do professor e doutrinador Ives Gandra: “Desde a Constituição de 1967 e do CTN, recepcionado com eficácia de lei complementar, que os autores desse Código têm a lei complementar como lei nacional e não apenas federal, conforme sucessivas manifestações em Congressos e Simpósios”. Destaco o texto de Gilberto de Ulhôa Canto, que presidiu a Comissão elaboradora da revisão do anteprojeto de Rubens Gomes de Sousa para diploma de tal envergadura - que em 37 anos de vigência jamais teve um artigo considerado inconstitucional - o seguinte trecho: Quando prevista pela Emenda Constitucional n° 18, de 01/12/1965, a figura da lei complementar encontrou injusta oposição por parte de alguns juristas, que não compreendendo o seu alcance e sua importância, consideraram-na afrontosa à autonomia dos Estados e Municípios, e um indevido instrumento de autoritarismo da União em todo o campo impositivo.”. Conforme dispõe a doutrina e a própria Constituição de 1988, não cabe aos Estados o exercício da competência Legislativa plena, na ausência da norma federal. Trata-se de competência exclusiva da União a edição de Lei Complementar necessária à instituição do ITCMD na transmissão de bens localizados no exterior. A lei complementar, como já afirmado por muitos doutrinadores, é de caráter nacional e não pode ser usurpada pelos Estados e o Distrito Federal, sob o fundamento de que possuem autorização constitucional para produzir normas supletivas para regular “peculiaridades” de interesse local, assim com o preconizado

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no artigo 24, §3º, da Constituição Federal15. O fato é que a lei complementar para regulamentar o ITD em herança do exterior é de interesse nacional e de competência plena e o assunto não é meramente de interesse local. O endosso doutrinário para o discurso da inconstitucionalidade do imposto em herança decorrente do exterior está no argumento de que a Constituição Federal não admitiu que outra espécie norma pudesse suprir a ausência de Lei Complementar Federal, razão pela qual não seria coerente permitir Lei Ordinária Estadual, aprovada com muito menos rigor, pudesse substituir a norma complementar exigida pelo constituinte no art.155,§1º, III, ''b'' da Carta Magna. O jurista Ives Gandra da Silva Martins, em sua obra Uma teoria do tributo16, esclareceu com brilhante precisão a questão em comento, postulando: [...]

sempre

que

o

direito

pátrio

tributário

depender

de

compatibilização com o direito estrangeiro, a necessidade de uma regulamentação nacional abrangente impõe a exigência de lei complementar, se a matéria estiver fora de órbita federal – como é o caso -, visto que, pela indissolubilidade da União, tal veículo tem sido considerado desnecessário pela Suprema Corte em algumas 15

Nesse sentido, o voto do Ministro Carlos Velloso no RE136.215-4-RJ: ''penso que não se pode

prestar à matéria local, para o fim de permitir, na Iinha do § 3º do art. 24 da Constituição, que o Estado-membro exerça competência Legislativa plena. E porquê? Porque a matéria, por não ter caráter local, por serem iminentemente nacional, não é daquelas que cabem na clausula inscrita na parte final do §3º do art.24 da Constituição-*para atender suas peculiaridades, vale dizer, para atender a peculiaridades Iocais. E' que o Estado-membro somente exercera' competência plena, na falta de 1ei federal, para atender suas peculiaridades (§3º do art.24 da Constituição). Ora, definir fato gerador de imposto, conforme vimos, interessa a mais uma entidade política que compõe a Federação, diz respeito a diversas entidades políticas, a mais de um Estado-membro, interessa e diz respeito à própria União. 16

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma teoria do tributo. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p.

393.MARTINS, Ives Gandra da Silva. Necessidade de lei complementar para a conformação do imposto de transmissão “Causa Mortis” e por doação de bens e recursos recebidos do exterior – inteligência do artigo 155, §1º, inciso III, da Constituição Federal. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Escrituras, n. 99, 2003. p. 154

15

“contribuições” federais, pelo simples fato de que não haveria uma multiciplidade de entidades com idêntica competência impositiva. [...] Sem lei complementar, portanto, não pode ser cobrado o imposto do inciso I do artigo 155 da C.F., nas hipóteses do seu §1º, III, em face da clara subordinação do legislador estadual à disciplina de norma nacional sistematizadora”. 4.

A REPERCUSSÃO GERAL DO NO STF SOBRE O TEMA E A POSIÇÃO DOS TRIBUNAIS ESTADUAIS DO RIO DE JANEIRO E SÃO PAULO. No início do presente ano (2015), o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou

reconhecendo a repercussão geral de uma tese bem interessante e relevante para o direito tributário. Trata-se do Recurso Extraordinário nº 851.108/SP, interposto pela Fazenda do Estado de São Paulo contra acórdão da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), o qual reconheceu o direito do contribuinte não ser compelido a recolher o valor referente ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), relativo à doação testamentária de um imóvel localizado em Treviso, na Itália, e sobre a transferência de uma quantia em moeda estrangeira (Euro), ambas as operações realizadas em 2005. Constam nos autos que quase cinco anos após a ocorrência do fato gerador, isto é, a transmissão dos bens, a contribuinte foi notificada pelo Fisco paulista para que procedesse ao recolhimento do ITCMD, acrescido de multa e juros, com fundamento no art. 4º, inciso II, alínea "b", da Lei Estadual nº 10.705/00, reproduzido no art. 3º do Decreto 46.665/02. No caso apontado, a contribuinte alegou que as referidas normas foram editadas pelo legislador estadual com o objetivo de suprir a omissão do Congresso Nacional em disciplinar a matéria, doação testamentária sobre inventário processado no exterior, uma vez que, conforme o comando expresso no art. 155, § 1º, III, "b", da CF, a incidência do ITCMD, neste caso, está reservada à regulamentação por lei

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complementar. Ainda não houve um desfecho final da situação, mas a contribuinte tem grandes chances de êxito na matéria. Atualmente, já existem discussões judiciais acerca da exigibilidade do tributo nessas situações específicas, havendo precedentes favoráveis ao contribuinte na 1ª Instância do Tribunal Estadual do Rio de Janeiro e São Paulo. A jurisprudência sobre o tema ainda está dividida. No estado de São Paulo, por exemplo, há jurisprudência em sentidos opostos no que diz respeito à possibilidade da incidência do ITCMD em tais hipóteses. No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos de Arguição de Inconstitucionalidade 0004604-24.2011.8.26.0000, decorrente de Mandado de Segurança preventivo impetrado para obstar a incidência do ITCMD sobre a doação de quotas de empresa situada no exterior, foi proferido, em 30 de março de 2011, acórdão assim ementado: “I – ... II – O Legislador Constituinte atribuiu ao Congresso Nacional um maior debate político sobre os critérios de fixação de normas gerais de competência tributária para instituição do imposto sobre transmissão de bens – móveis/imóveis, corpóreos/incorpóreos – localizados no exterior, justamente com o intuito de evitar conflitos de competência, geradores de bitributação, entre os Estados da Federação, mantendo uniforme o sistema de tributos. III – Inconstitucionalidade da alínea ‘b’ do inciso II do artigo 4º da Lei paulista nº 10.705, de 28 de dezembro de 2000, reconhecida. Incidente de inconstitucionalidade procedente17.”

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Esse entendimento vem sendo reiteradamente manifestado pelo TJSP, conforme se extrai dos

seguintes Acórdãos: “MANDADO DE SEGURANÇA ITCMD SOBRE HERANÇA DE FALECIDO QUE POSSUÍA BENS, ERA RESIDENTE OU DOMICILIADO OU TEVE SEU INVENTÁRIO PROCESSADO NO EXTERIOR

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Há, contudo, um acórdão em sentido contrário proferido pelo próprio TJSP na relatoria do voto do Desembargador João Carlos Garcia: “(...) na ausência de lei complementar nacional (CR, artigo 146, III, a), os Estados assumem competência plena para a edição de leis tributárias concernentes a tributos que daquele ordenamento careciam, na forma, aliás, da prescrição textual da própria Carta Magna (CR, artigo 24 §3º). Ausência de Lei Complementar disciplinando a competência para a sua instituição (art. 155, § 1º, III, “B”, CF) - Omissão legislativa que não pode ser suprida pelos Estados - Inconstitucionalidade do art. 4º, II, “b”, da Lei Estadual nº 10.705/2000 reconhecida pelo Colendo Órgão Especial - Indevida a incidência do imposto. Recursos improvidos.” (Acórdão nº 2013.0000562916, de 16.09.2013, Relator Desembargador Moacir Peres.) “ITCMD Incidência no caso de o de cujus possuir bens, ser residente ou domiciliado ou ter o seu inventário processado no exterior. Alegação de que é válida a Lei Estadual nº 10.705/00 que instituiu o imposto. Descabimento. Hipótese em que a Constituição Federal condicionou a instituição do imposto, nesse caso particular, a lei complementar que ainda não foi criada. Art. 155, § 1º, III, b, da Constituição Federal. Inconstitucionalidade do art. 4º, inciso II, alínea b, da Lei Estadual nº 10.705/00 declarada por este tribunal na Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004604-24.2011.8.26.0000. Recurso não provido.” (Acórdão nº 2013.0000451749, de 07.08.2013, Relator Desembargador Jarbas Gomes.) “Reexame necessário e apelação. Mandado de Segurança. ITCMD. Herança em dinheiro, de pessoa residente no exterior. Sentença concessiva da ordem. Manutenção. Aplicação do artigo 155, parágrafo 1º, inciso III, alínea ‘b’, da Constituição Federal. Exigência de Lei Complementar, ainda não editada. Cobrança com base em Lei Estadual. Recursos Desprovidos.” (Acórdão 2013.0000132832, de 12.03.2013, Relator Desembargador Amorim Cantuária.) “AGRAVO DE INSTRUMENTO Ação anulatória de débito fiscal Bem imóvel localizado no exterior recebido por herança Incidência de Imposto sobre transmissão 'causa mortis' e doação de bens (ITCMD) Impossibilidade Exação que depende da edição de lei complementar, conforme decidido pelo Órgão Especial em incidente de inconstitucionalidade Decisão agravada reformada para conceder antecipação da tutela, haja vista a presença dos requisitos legais. Agravo provido.” (Acórdão nº 2013.0000106499, de 04.03.2013, Relator Desembargador Paulo Galizia.)

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(...) Completando o sentido, ADCT, artigo 34, §3º, pelo qual, com a ‘promulgação da Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto’. Acresça-se, ainda, que a impetrante não fez prova alguma de que as liberalidades que o falecido a ela outorgou foram, de qualquer forma, tributadas na Itália, a justificar, na linha de sua argumentação, a necessidade de lei complementar nacional para evitar a bitributação” (Apelação/Reexame Necessário 0011110-17.2012.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, Relator Desembargador João Carlos Garcia, julgado em 25 de setembro de 2013)18. O § 3° do artigo 24 da CF e o § 3º do artigo 34 do ADCT, mencionados nos acórdãos acima como fundamentadores da possibilidade da incidência do ITD mesmo que não haja a lei complementar a que se refere a Constituição, determinam, respectivamente, que "inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades" e que “promulgada a Constituição, a União, os 18

No mesmo sentido, há decisão monocrática proferida pelo Ministro Ricardo Lewandowski, do

Supremo Tribunal Federal (“STF”), que considerou constitucional a exigência do ITD pelo Estado do Rio de Janeiro, sob o argumento de que, inexistindo lei federal que traga a respectiva norma geral, a instituição de tal tributo estaria garantida pelo exercício de competência plena dos Estados, prevista no art. 24, § 3º, da CF/88, em conjunto com o art. 34, § 3º dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (“ADTC”). Há, também, precedentes do STF no sentido de que os dispositivos acima referidos fundamentariam a constitucionalidade de leis ordinárias instituidoras do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e da Contribuição Social sobre o Lucro (CSL). Mas, diferentemente do que ocorre no caso do ITD incidente em doações e heranças provenientes do exterior, em nenhuma daquelas hipóteses, a CF exigiu de forma expressa e específica a necessidade de prévia lei complementar que regulasse a forma como se daria o exercício da respectiva competência. Naqueles casos, os contornos constitucionais daquelas competências estavam claramente definidos. Isso torna esses precedentes inaplicáveis ao caso em exame.

19

Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nela previsto”. Já na Comarca da Capital do Rio de Janeiro tramita um mandado de segurança preventivo com pedido de liminar perante a 11ª Vara de Fazenda Pública do TJRJ (processo nº 0189188-24.2011.8.19.0001), no qual foi julgado procedente o pedido da contribuinte de não pagar o ITCMD sobre herança (dinheiro) proveniente do exterior. Nos autos os legatários, ora contribuintes, afirmaram que, em 13/02/2011 foi aberto inventário da Sra. Marguerite Zwirn, cidadã suíça, divorciada e falecida em 1/08/2010 e que os impetrantes na qualidade de legatários declararam o recebimento de sua respectiva parte do legado e deram quitação, sendo então transferido o dinheiro para as contas. Ocorre que o fisco estadual do Rio de Janeiro, domicilio da falecida, exigiu o recolhimento do ITCMD, conforme previsão do art. 9º da Lei Estadual nº 1.427/89. Os impetrantes entenderam que a exigência era inconstitucionalidade, por se referir à matéria cujo tratamento estaria reservado à Lei Complementar pela Constituição a República. Diante disso, invocaram a doutrina e jurisprudência sobre a matéria e o pedido liminar foi deferido pelo Juiz da 11ª Vara de Fazenda Pública. Nos autos, o Órgão da Procuradoria Estadual manifestou combatendo as alegações dos impetrantes, mas em sentença de 1ª Instância não teve seus fundamentos acatados. No recurso de apelação da Fazenda Estadual do Rio de Janeiro, os autos foram remetidos ao Órgão Especial do Tribunal Pleno para decidir sobre a Constitucionalidade do art. 9º, IV, da Lei 1427/89 que regulamenta o ITCMD no Estado do Rio de Janeiro. A matéria ainda não foi decidida pelo pleno do tribunal de justiça. Na leitura dos autos acima resta evidente a verdadeira dimensão das atribuições conferidas à lei complementar no Direito Tributário brasileiro, no sentido de fazer com que o nosso sistema tributário seja único e uniforme, assim como evitar

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que cada entidade federativa estabeleça normas gerais distintas, e que, consequentemente, coexistam milhares de sistemas tributários incompatíveis entre si. Assim sendo, o CTN adquiriu o inegável e elevado papel de Lei Complementar consistente em dispor sobre normas gerais que dirimam conflitos de competência entre as diversas unidades da federação (mais de 5 mil) e passou a ter a natureza de lei nacional e não federal, como bem demonstra Ives Gandra no texto abaixo transcrito19: “Desde a Constituição de 1967 e do CTN, recepcionado com eficácia de lei complementar, que os autores desse Código têm a lei complementar como lei nacional e não apenas federal, conforme sucessivas manifestações em Congressos e Simpósios. Destaco o texto de Gilberto de Ulhôa Canto, que presidiu a Comissão elaboradora da revisão do anteprojeto de Rubens Gomes de Sousa para diploma de tal envergadura - que em 37 anos de vigência jamais teve um artigo considerado inconstitucional - o seguinte trecho: "Quando prevista pela Emenda Constitucional n° 18, de 01/12/1965, a figura da lei complementar encontrou injusta oposição por parte de alguns juristas, que não compreendendo o seu alcance e sua importância, consideraram-na afrontosa à autonomia dos Estados e Municípios, e um indevido instrumento de autoritarismo da União em todo o campo impositivo.” Antes existia uma interpretação equivocada do legislador infraconstitucional, onde se afirmava que a lei complementar afetava a autonomia dos Estados e Municípios, e por isso seriam elas inconstitucionais. Contudo, conforme afirma 19

“Necessidade de Lei Complementar para a Conformação do ITCMD – Inteligência do artigo 155,

§1º, inciso III, da Constituição Federal”, Revista Dialética de Direito Tributário, n. 99, Dezembro/2003, p. 154. Gustavo Brigagão é sócio do escritório Ulhôa Canto Advogados, secretário-geral da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), diretor do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), presidente da Câmara Britânica do Rio de Janeiro e professor na Fundação Getulio Vargas.

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alguns autores, tratava-se de um equívoco, porque a instituição da Lei Complementar e o âmbito de sua competência estão expressos na Constituição Federal que assegura a autonomia. Ademais, importante compreender que as leis complementares também têm a função de frear a deliberada autonomia legislativa da própria União, haja vista que nem leis federais sobre tributos do poder central escapam à necessidade de se submeterem ao que as leis complementares prescrevem, dentro dos limites que lhes são próprios. Por ser a lei complementar elaborada pelo Congresso Nacional, a União não tem condição alguma de influir; porque os Senadores representam os Estados e os Deputados os colégios eleitorais dos Estados e dos Municípios. Por outro lado, segundo o professor José Antônio Lopes Lima20 existe permissão constitucional expressa que permitiria os Estados-membros e o Distrito Federal a legislarem sobre matéria específica, conforme previsão do artigo 34, §3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), onde se lê: "Promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do Sistema Tributário Nacional nela previsto." Entretanto, conforme já dito pelo ilustre professor Ives Gandra, há que se interpretar os dois dispositivos constitucionais acima citados (§ 3° do artigo 24 da CF e o § 3º do artigo 34 do ADCT) como regras de aplicação restrita às hipóteses de ausência de lei federal (ordinária), e não àquelas para as quais haja a necessidade da edição de lei complementar (nacional) que as regule, como no caso em exame. O STF já manifestou sobre assuntos correlatos na mesma linha de entendimento acima: (a) os relativos às 27 Ações Diretas de Inconstitucionalidade que foram propostas contra leis estaduais que instituíram o Adicional do Imposto 20

LIMA, José Antonio Farah Lopes de. Imposto sobre transmissão causa mortis e doação: regra-

matriz e aspectos controversos. Revista de Direito Tributário, São Paulo, nº 87, Malheiros.

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sobre a Renda sem que houvesse a prévia e necessária lei complementar que dispusesse sobre como seriam dirimidos os possíveis conflitos de competência21; e (b) os relativos às ADINs que examinaram a incidência do ICMS nos serviços prestados por empresas de navegação aérea, sem que lei complementar regulamentasse (ou regulamentasse de forma eficiente) os mesmos possíveis conflitos22. Nos mencionados precedentes, o Supremo Tribunal Federal firmou que a ausência de lei complementar (essencial para evitar conflitos de competência) impediria a incidência do tributo, daí decorrendo a inconstitucionalidade dos dispositivos legais que a previam. Compreendo que o mesmo raciocínio e interpretação devem ser feitos para os dispositivos das leis estaduais que prevêem a incidência do ITCMD nas hipóteses para as quais haja expressa determinação constitucional da prévia edição de lei complementar para regular o imposto sobre herança no exterior. A doutrina majoritária ressalta que se a regulamentação ainda está pendente e os artigos 35 a 42 do CTN (os quais dispunham sobre normas gerais relativas à incidência do antigo ITBI estadual) já não se prestam a esse fim, por tratarem de tributo de configurações distintas do atual ITCMD, a princípio, será inconstitucional a incidência desse imposto estadual (ITCMD) enquanto não houver lei complementar que expressamente regule a competência para a sua instituição nas hipóteses em que o transmitente tenha domicílio ou residência no exterior, os bens inventariados sejam localizados no exterior, ou, ainda, o próprio inventário seja realizado fora do Brasil. Essa é a interpretação mais coerente conforme determina a Constituição Federal. O Ministro Octavio Gallotti, relator do RE nº 136.215-4/RJ, em que se discutiu tema semelhante, afirmou: 21

ADIn n. 28-SP, Relator Ministro Octávio Gallotti, Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 151, p.

657, 19.09.1991. 22

ADIn n. 1.600-8, Relator Ministro Nelson Jobim, 26.11.2001.

23

''o disposto no § 3º do art.24 da Constituição não pode, portanto, significar/abolição da Lei Complementar necessária à dirimência de conflitos de competência entre as Unidades da Federação. O âmbito do dispositivo está limitado, logicamente, às situações de alcance simplesmente isolado ou Iocal, com o também indica expressão Iiteral da norma, em sua parte final, quando se declara destinada a atender os Estados em suas “peculiaridades’’”, sem se mostrar assim, pertinente ao trato da meteria tributaria que haverá, fatalmente, de compreender o inter-relacionamento de mais um Estado''. Alguns anos atrás, podemos dizer até 2010, o Supremo Tribunal Federal vinha decidindo quanto à inconstitucionalidade, por ausência de lei complementar, da incidência de ICMS sobre a prestação de serviço de transporte aéreo de passageiros intermunicipal, interestadual, internacional, e de transporte aéreo internacional de cargas. Entretanto, na atualidade, os tribunais pátrios divergem quanto à possibilidade de os Estados membros exercerem a competência plena para legislar sobre o assunto. Agora, uma vez reconhecida a repercussão geral sobre a questão do ITCMD em herança proveniente de exterior e deixada pelo de cujus, a decisão que está por vir, certamente, acarretará a padronização de uma interpretação constitucional, podendo colocar um ponto final sobre as controvérsias atualmente existentes.

24

5.

CONCLUSÃO Não propusemos trazer uma solução sobre as controvérsias, mas demonstrar

o debate em torno da questão e os fundamentos sobre a alegada inconstitucionalidade do ITCMD em herança proveniente do exterior. Há certa inclinação jurisprudencial dando razão ao contribuinte, tendo em vista a inexistência de lei complementar para regulamentar o imposto.

Como foi,

lucidamente, colocado pelo Ministro Octavio Gallotti, relator do RE nº 136.215-4/RJ: ''o disposto no § 3º do art.24 da Constituição não pode, portanto, significar/abolição da Lei Complementar necessária à dirimência de conflitos de competência entre as Unidades da Federação. O âmbito do dispositivo está limitado, logicamente, às situações de alcance simplesmente isolado ou Iocal, com o também indica expressão Iiteral da norma, em sua parte final, quando se declara destinada a atender os Estados em suas “peculiaridades'', sem se mostrar assim, pertinente ao trato da meteria tributaria que haverá, fatalmente, de compreender o inter-relacionamento de mais um Estado''. Após

toda

essas

explanações,

nos

sentimos

convencidos

da

inconstitucionalidade do ITCMD em herança proveniente do exterior, dada a inexistência de lei complementar para regulamentar o imposto, conforme dispõe a Constituição Federal no art.155,§1º, III, ''b''. A expectativa é que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o assunto, adote a tese que mais se adequa aos preceitos constitucionais tributários, isto é, a de que para a incidência do ITCMD acerca da transmissão de bens nos casos em que o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, seja necessária, primeiramente, a edição de lei

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complementar que regule, especificamente, o imposto. Sendo indevido a exigibilidade antes da edição de Lei Complementar pela União. Contude, independentemente de nossas opiniões e interpretações, é importante acrescentar que enquanto não for editada a esperada lei complementar para regulamentar o ITCMD em heranças provenientes do exterior ou não houver uma decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o tema, o contribuinte ficará à mercê da insegurança jurídica e dos desgastes pela busca em defesa de seu regular direito.

26

6.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ADIn n. 28-SP, Relator Ministro Octávio Gallotti, Revista Trimestral de Jurisprudência, v. 151, p. 657, 19.09.1991. ADIn n. 1.600-8, Relator Ministro Nelson Jobim, 26.11.2001. CATALAN, Marcos. Direito das Sucessões: Por que e Para quem? Reflexões a partir da realidade brasileira. In: Direito Sucessório em Perspectiva Interdisciplinar. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. COELHO, Sasha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 458. FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Impostos sobre Transmissão Causa Mortis e Doação -ITCMD. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. LIMA, José Antonio Farah Lopes de. Imposto sobre transmissão causa mortis e doação: regra-matriz e aspectos controversos. Revista de Direito Tributário, São Paulo, nº 87, Malheiros. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2010. Pags 376 e 378 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Uma teoria do tributo. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 393. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Necessidade de lei complementar para a conformação do imposto de transmissão “Causa Mortis” e por doação de bens e recursos recebidos do exterior – inteligência do artigo 155, §1º, inciso III, da Constituição Federal. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Escrituras, n. 99, 2003. p. 154

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RODRIGUES, Marilene Talarico Martins. Artigos comentados. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. (Org.). SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, pág 1017. Sites: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm:

Art.

1.784.

Aberta

a

sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. BRASIL. Constituição

da

República Federativa

do Brasil.

Disponível em:

. Acesso em: 19 out.2015. FERNANDES, Regina Celi Pedrotti Vespero. Impostos sobre Transmissão Causa Mortis e Doação -ITCMD. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. http://www.portaltributario.com.br/tributario/imposto_itcb.htm http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/CONTLEI.NSF/b24a2da5a077847c032564f4005d4bf2/54 1098e046aa07b7032565540066df22: RJ - Lei nº 1.427, de 13.02.1989: Arts . 8º e 9º http://www.fazenda.sp.gov.br/itcmd/LEI_10705consolidada.asp: SP - Lei nº 10.705, de 28.12.2000. http://www.conjur.com.br/2014-jul-16/consultor-tributario-nao-incide-itd-lei complementar: Necessidade de Lei Complementar para a Conformação do ITCMD – Inteligência do artigo 155, §1º, inciso III, da Constituição Federal”, Revista Dialética de Direito Tributário, n. 99, Dezembro/2003, p. 154. Gustavo Brigagão - secretáriogeral da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), diretor do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), presidente da Câmara Britânica do Rio de Janeiro e professor na Fundação Getulio Vargas.

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