SOBRE A GUERRA E DIREITO INTERNACIONAL

July 25, 2017 | Autor: Eduardo Currito | Categoría: Direito Internacional, Relações Internacionais, Guerra
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NOVO DIREITO INTERNACIONAL  Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas - Universidade de Lisboa, Lisboa



SOBRE A GUERRA E DIREITO INTERNACIONAL 

“A melhor forma de prever o futuro, é inventá-lo.” Alan Kay

M. Sc. EDUARDO CURRITO (Ph. D. Student) E-mail: [email protected] Sites: www.zintro.com/expert/EDUARDO-CURRITO utl.academia.edu/EDUARDOCURRITO

2012 / 3 1

ÍNDICE

1. SOBRE A GUERRA………......…......……………..................................……………3

2. INTRODUÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL……………..……………….15

3. JUS AD BELLUM…............................................................................................…...16

4. JUS IN BELLO…………………………...................................………….......…..…17

5. JUS POST BELLUM...................................................................................................21

BIBLIOGRAFIA

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1. SOBRE A GUERRA

O presente ensaio pretende analizar o fenómeno da guerra, suas causas, conceito e diferentes estratégias militares. Pretendendo responder às seguintes questões: Quais as causas da guerra? Qual o conceito de guerra? Que diferentes abordagens para o fenómeno da guerra? São questões importantes para se perceber, tanto quanto possível, toda a complexidade de tal acontecimento. Desde sempre que a guerra tem apaixonado estudiosos de todos os tempos, cujas abordagens variam consoante os autores: desde a guerra subversiva de Sun Tzu, os fins a justificarem os meios de Maquiavel, até à guerra como a continuação da política de Clausewitz (que marcou as grandes guerras do século passado). O Novo Direito Internacional merece um particular destaque devido à sua actualidade. A ideia é perceber as suas origens e o que é que mudou no teatro de guerra, quais os seus novos “inputs”.

1.1 Introdução A guerra é o capítulo fundamental da sociologia dinâmica, em virtude dela ser a mais notável das formas de transição concebidas na vida social. A justificação apresentada para tal afirmação é baseada nos factos de que a guerra1: é o mais nítido ponto de referência cronológico, bem como o padrão das grandes mudanças na sociedade; é o fenómeno que liga os vários compartimentos da História; marca a

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G. Bouthoul, Le Phénoméne-Guerre, 1962, tradução portuguesa de António Simões Neto, O Fenómeno Guerra, Lisboa: Estúdios COR, 1966.

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ascensão e queda das civilizações; é também o grande impulsionador da técnica e das tecnologias. Importa, pois, estudar o fenómeno guerra à luz das normas científicas e segundo a metodologia adequada, ultrapassando alguns dos obstáculos que até hoje têm atrasado a polemologia. Os obstáculos enunciados são: a falsa evidência da guerra, é necessário afastar todos os pré-juízos e preconceitos de modo a afastar ideias pré-concebidas sobre este fenómeno; a guerra parecer dependente da exclusiva vontade humana, existe a ilusão que a guerra é um fenómeno consciente e portanto controlável (importa saber quais os impulsos que as motivam); ilusionismo jurídico, o Direito Internacional apenas funciona como “paliativo”, impedindo por meios legais e coercivos um fenómeno que é de “natureza patológica”, ou seja, os tratados e acordos de paz apenas têm remédio para combater alguns factores que provocam o sintoma guerra mas não debelam a doença por completo.

1.2 Conceito de Conflito Não faltam termos, na linguagem corrente, para designar os diversos afrontamentos entre os homens, desde a concorrência ou a competição até à guerra, passando pelo diferendo, litígio, luta e combate ou simplesmente pelo debate, desacordo, disputa ou rivalidade. Convém, assim, um esforço de precisão conceptual, que facilitará, oportunamente, a delimitação do conceito de guerra. Coser2 define o conflito como um afrontamento em torno de valores e de reivindicações relativas a recursos, estatutos, direitos ou poder, em que cada um dos oponentes visa neutralizar, causar danos ou eliminar o seu adversário. No conflito a 2

L. Coser, The Functions of Social Conflict, New York: Free Press, 1956.

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hostilidade não se manifesta apenas ou necessariamente pela violência física, podendo evidenciar-se por outras formas variadas, económicas, psicológicas, diplomáticas, entre outras.

1.3 Causas da Guerra As teorias e opiniões sobre as origens e causas da guerra podem ser agrupadas em duas grandes categorias: deterministas e evolucionistas. As concepções deterministas concluem que a guerra sempre existiu e existirá, fazendo parte da natureza e sendo necessária à marcha e evolução da humanidade para estádios superiores. Nesta óptica, a paz, embora também natural, tem sempre um carácter temporário, não tendo sentido a ideia de paz perpétua. As concepções deterministas podem ser de dois tipos: teleológicas, em que a guerra faria parte das forças que trabalham para um fim último, fixado por Deus ou pela Providência, ou pela própria História, devendo ser interpretada à luz do movimento para esse fim último; e biosociológicas, em que a inevitabilidade da guerra radicaria na estrutura biológica do homem e no facto de as sociedades serem governadas por leis vitais que seriam idênticas às que governam o homem. Quanto às teorias evolucionistas, encaram o fenómeno da guerra como um produto de factores materiais e espirituais do homem ou das sociedades humanas, e susceptíveis de evolução num sentido favorável à anulação da violência entre os homens e entre as sociedades humanas ou, pelo menos, à sua redução ou ao seu controlo a níveis que não ponham em risco a sobrevivência de grupos ou sociedades. Segundo estas teorias, a paz perpétua3 é possível, pelo menos a longo prazo, e, mesmo no curto prazo, 3

Referência ao utopismo de Kant com a sua Constituição Universal.

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será possível evitar muitas guerras ou controlar, de modo racional, a forma como se desenvolvem, no caso de eclodirem.4

1.4 Conceito de Guerra A concepção clássica da guerra reflecte a influência da forma de que o fenómeno essencialmente se revestia até tempos relativamente recentes. Em consequência tal concepção conduz-nos a um conceito de guerra identificado com luta militar. A guerra é uma situação de violência armada entre dois ou mais Estados acompanhada da rotura de relações pacíficas. É uma luta armada entre Estados, utilizando meios e formas regulamentadas pelo Direito Internacional, com o fim de impor um ponto de vista político. De acordo com uma definição corrente, a guerra é uma luta armada organizada, travada por razões políticas. No entanto, para além da força militar, existe todo um conjunto de formas de coacção, que sempre fizeram parte do arsenal da política dos Estados nas suas relações com outras unidades políticas, como são os casos da coacção psicológica e económica. Por outro lado, o carácter ideológico da maior parte dos conflitos modernos, associado às novas possibilidades de outras formas de coacção que não a militar, abre perspectivas novas à acção política. Em consequência, os alvos da guerra não são apenas as Forças Armadas, mas quaisquer fontes de poder do adversário, isto é, tudo o que permite forçar o adversário a aceitar a nossa vontade.

Immanuel Kant, Zum Ewigen Frieden, ein Philosophischer Entururf, 1784, tradução portuguesa de Artur Morão, A Paz Perpétua e outros Opúsculos, Lisboa: Edições 70, 1995. 4 Abel Cabral Couto, Elementos de Estratégia, Volume I, Lisboa: IAEM, 1988.

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Em face do exposto podemos adoptar o conceito de guerra, segundo Cabral Couto, como uma “violência organizada entre grupos políticos, em que o recurso à luta armada constitui, pelo menos, uma possibilidade potencial, visando um determinado fim político, dirigida contra as fontes de poder do adversário e desenrolando-se segundo um jogo contínuo de probabilidades e azares.”5

1.5 Conceitos de Estratégia Militar A estratégia é a conjugação do pensamento e da acção com um propósito, um desígnio. As duas componentes complementares do acto estratégico são de natureza oposta e exigem disposições contrárias: para pensar é preciso duvidar, enquanto para agir é preciso acreditar. É a passagem de uma para a outra que, evidentemente, constitui problema. A obra mais antiga que se conhece sobre estratégia militar é A Arte da Guerra de Sun Tzu (militar chinês), cujos ensinamentos ainda hoje são objecto de estudo e compreensibilidade6. Considerada uma estratégia eterna, por não estar presa ao seu tempo, ela contém a essência da sabedoria da estratégia militar. O pensamento de Sun Tzu abrange inúmeros parâmetros do pensamento e acção estratégica. Certo da importância da guerra para um Estado, define as relações da estratégia com a política, define os princípios da guerra, formas de aplicação da estratégia, e chama a atenção para o factor moral e psicológico das tropas. Descreve também, de forma astuciosa, a importância da informação.

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Abel Cabral Couto, ob. cit., p. 148. “Analistas afirmam ser a execução da obra posterior a cerca do ano 500 A. C.” Sun Tzu, A Arte da Guerra, Lisboa: Publicações Europa-América, 1983, p. 17. 6

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Em grande parte a sua estratégia é uma estratégia subversiva7, para Sun Tzu o vencedor sabe frustrar os planos do seu inimigo e romper as suas alianças. Abre clivagens entre o soberano e os seus ministros, entre comandantes e comandados, entre superiores e inferiores. Os seus agentes e espiões estarão activos em todo o lado, recolhendo informações, semeando a discórdia e alimentando a subversão. O inimigo deve ser isolado e desmoralizado, a sua vontade de resistência quebrada. Assim, e sem qualquer batalha, os seus exércitos serão vencidos, as suas cidades tomadas e o seu Estado derrubado. Apenas e somente quando o adversário não puder ser dominado por aqueles meios se recorrerá à força armada. Na Europa o pensamento estratégico nasce com Maquiavel (princípio do século XVI), inserido no movimento Renascentista sob influência da cultura antiga. As suas considerações incidem em três grandes domínios: o estudo dos princípios da guerra, a importância da batalha, assim como as relações entre o político e o militar 8. Grande conhecedor da natureza humana, é de sua autoria a obra clássica de filosofia política O Príncipe, que autonomiza o político e a política, com um poder liberto da moral onde os fins justificam os meios, “Se um príncipe tiver o propósito de vencer e de manter o Estado, os meios empregados serão sempre tidos por honrosos e louvados por todos, pois o vulgo só julga pelo que vê e pelos resultados.”9 Mas o fundador do pensamento militar moderno foi Clausewitz, influênciado pela filosofia de Kant e intérprete do pensamento napoleónico (por sua vez induzido por Maquiavel), com o seu tratado Da Guerra10 onde, entre outras, faz novas definições da 7

Guerra indirecta (Ex: Guerra revolucionária dos movimentos de libertação, pós 2ª Guerra Mundial). Maquiavel, Discours sur l’Art de la Guerre, Paris: Gallimard, 1952, 1. 9 Maquiavel, O Príncipe, 2ª Edição, Lisboa: Publicações Europa-América, 1976, pp. 95-96, 2. 10 Carl Von Clausewitz, Vom Kriege, 1832, tradução, da versão inglesa, de Inês Busse, Da Guerra, Lisboa: Publicações Europa-América, 1982. 8

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guerra e estabelece novas relações entre a política e a guerra. A sua reflexão é marcada pela ideia de finalidade e, bem ou mal interpretado, o essencial do seu pensamento está condensado na fórmula “A guerra é uma mera continuação, por outros meios, da política.”11 Conceptualmente, Clausewitz recusa-se a distinguir política e estratégia, o que sujeita toda a sua obra a interpretações radicais. Enriquecido ao longo dos séculos, o processo estratégico procura atingir os desígnios propostos (a missão), por definição de objectivos (resultado da avaliação de soluções possíveis e de meios) e de estratégias ou vias de acção alternativas conducentes à acção. Não é um processo linear na medida em que os resultados obtidos no terreno, positivos ou negativos, modificam os dados iniciais, tratando-se pois de um processo iterativo.

1.6 Origem dos Novos Conflitos Buscar e entender as causas da nova conflitualidade tem sido ensejo de vários autores, dos quais importa destacar: Samuel Huntington, Robert Kaplan e Alvin e Heidi Toffler. Para Samuel Huntington12 a origem fundamental da conflitualidade reside e residirá não em causas primariamente ideológicas ou económicas - contrastando abertamente com a antiga ordem - mas sim em diferenças culturais. Com efeito e apesar do Estado-Nação continuar a assumir o maior protagonismo na cena internacional, os

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Carl Von Clausewitz, ob. cit., p. 46. Samuel P. Huntington, The Clash of Civilizations – Remaking of World Order, 1996, tradução portuguesa de Henrique M. Lajes Ribeiro, O Choque das Civilizações e a Mudança na Ordem Mundial, Lisboa: Gradiva, 2ª Edição, 2001. 12

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principais conflitos ocorrerão entre nações e grupos

de diferentes civilizações13. O

choque civilizacional dominará a política global. Robert Kaplan14 aborda o problema da conflitualidade na perspectiva analítica do Estado-Nação. Na sua tese defende a ideia de que alguns Estado-Nação vêm-se tornando ou tornar-se-ão ingovernáveis resultando daí a anarquia do sistema. Nos casos em que esta anarquia coincida com um Estado de reconhecida importância 15 no contexto regional ou grupo de Estados, poderão daí advir consequências adversas para toda a comunidade internacional. Para Alvin e Heidi Toffler16 as mesmas forças que estão a transformar a nossa economia e a nossa sociedade, estão prestes a transformar igualmente a guerra. À medida que se transita da economia de força bruta para a de força mental, caminha-se para o conflito tendo como base a guerra da força mental. O mundo encontra-se dividido em três civilizações simbolizadas pela enxada, pela industria e pelo computador, cuja interacção gera o choque. É a partir deste confronto que será determinado o novo ambiente de segurança internacional. Não se pode hoje, como não se pôde nunca, estabelecer como causa da conflitualidade uma única origem. Apesar da natureza agressiva própria da condição humana, a conflitualidade é hoje sobretudo consequência das condições materiais e de fenómenos estruturais decorrentes do sistema político e social vigente assim como do equilíbrio de forças do sistema internacional, sendo que, neste último, os protagonistas se

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Define oito civilizações: Ocidental, Confuciana, Japonesa, Islâmica, Hindu, Eslavo-Ortodoxa, LatinoAmericana e Africana. 14 Robert Kaplan, Conference an Roles and Missions of the Special Operations Forces in the Aftermath of the Cold War, Cambridge: MA, November 15, 1994. 15 Como potenciais Estados refere a China, México, Índia, Paquistão, Indonésia, Nigéria e Irão. 16 Alvin e Heidi Toffler, Guerra e Antiguerra, Lisboa: Ed. Livros do Brasil, 1994.

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identificam cada vez mais com grupos do que com Estados 17. Sistematizando, poder-se-á apontar como principais as seguintes origens da conflitualidade: o aumento da consciência civilizacional, uma distribuição assimétrica da riqueza e escassez de recursos (acentuado com o crescimento demográfico), a fluidez de fronteiras e as novas tecnologias.

1.7 O fim da Guerra dos Números Os conflitos que tiveram lugar a partir da década de 40 no século XX foram fortemente influenciados pela sociedade industrial que os ia suportando. Foram fortemente influenciados pelas teorias de Clausewitz, segundo o qual a guerra é um acto de violência levado às últimas consequências. Este conceito influenciou decisivamente toda a sociedade da produção em massa e a própria guerra assumiu características massificadoras, aparecendo o conceito de guerra total, no qual a guerra deveria ser travada política, económica, cultural e militarmente, devendo a sociedade ser convertida numa máquina de guerra. Estes conceitos levaram para a escolha de alvos, durante os conflitos, que era preciso acabar com a capacidade industrial do adversário e por isso, tudo aquilo que contribuísse para o esforço de guerra desse adversário era considerado alvo. Assistiu-se aos grandes bombardeamentos sobre as estruturas industriais dos respectivos adversários, não se fazendo distinção entre militares e civis.

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Apesar dos Estados se afirmarem ainda como os principais actores da cena internacional, o deslocamento do epicentro da origem do conflito, antes inter-Estados agora intra-Estados, encontra nos grupos étnicos, religiosos e mesmo ideológicos os seus vectores de afirmação.

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Importava era um exército numeroso, com elevados efectivos e assistiu-se, particularmente durante o período da guerra fria, à criação dos super exércitos, onde o seu potencial era matematicamente calculado com base no inventário de homens e material. Esta antecipação do desfecho das batalhas, em resultado da avaliação do potencial relativo de combate em presença, começou por ter os seus dias contados a partir da Guerra do Yom Kippur, em 1973, nos famosos Montes Golan, quando as forças israelitas, em nítida inferioridade numérica face às forças sírias, venceram, contrariando claramente a rigidez matemática do cálculo do potencial até então em vigor. Na sequência, surgem os novos conceitos de Defesa Activa e a Batalha Ar-Terra, conceitos que estendem os combates para além da frente da batalha, até às retaguardas das linhas inimigas. A frente da batalha, uma linha bem definida e característica da I Guerra Mundial diluiu-se na profundidade do campo de batalha, nada estando suficientemente longe da frente para estar a salvo.

1.8 As Guerras Tecnológicas De facto, são as tecnologias ao serviço dos exércitos que fazem a diferença. Como escreveu Campen18, a Guerra do Golfo foi uma guerra em que um grama de silício num computador pode ter tido mais efeito que uma tonelada de urânio. Tal afirmação, produzida por um especialista envolvido nesses conflito é confirmada pelas declarações de muitos outros que, em coro, descrevem as maravilhosas possibilidades das novas tecnologias. Desde a manutenção e abastecimento automatizados das aeronaves, simulação de cenários de evolução da situação táctica recorrendo aos computadores com 18

Alan D. Campen, The First Information War, Fairfax: AFCEA International Press, 1992.

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programas de inteligência artificial, designação de alvos por sistemas laser, execução de bombardeamentos com bombas inteligentes (tomahawks), até à utilização intensiva de sistemas de pesquisa de informação no campo de batalha, os AWACS 19 e os J-STARS20. Todas estas tecnologias contribuíram para a desmassificação do campo de batalha, conseguindo, com uma única saída ou arma, obter os mesmos resultados, com um mínimo de perdas, que antes se obtiam com bombardeamentos macivos e elevadas perdas de pessoal e material. Os conflitos que se avizinham serão causados pela disputa de recursos, tecnologias, informação e serão caracterizados pela forte pressão da opinião pública quanto à rapidez de resolução e eficácia das acções militares no que respeita ao alcançar rapidamente o end-state. Efectivamente, a evolução tecnológica e as transformações sociais, ao nível do crescente interesse das comunidades pelas questões políticas, ambientais e pelos direitos humanos, irão ditar que os aparelhos militares sejam capazes de resolver os conflitos de uma forma rápida, aparentemente "sem dor" para qualquer das partes, limpa e barata. Claro que estas exigências da comunidade internacional não são fáceis de satisfazer e comportam custos elevadíssimos. Isso, porque guerras com aquelas características necessitam de recursos tecnológicos, nomeadamente ao nível da informática, das comunicações e da robótica que poucos poderão almejar a curto prazo. Isto fará com que as guerras que se perspectivam para o futuro possam ser classificadas em função da tecnologia dos seus intervenientes.

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Airborne Warning and Control System — sistema de aviso e controlo aerotransportado, normalmente transportado num avião tipo Boeing 707, modificado e equipado com os mais sofisticados sistemas de comunicações e sensores, apresentando um "disco" característico montado no último terço da fuselagem. 20 Joint Surveillance and Target Attack Radar — sistema misto de radar de vigilância e ataque a objectivos.

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Assim, e utilizando a classificação das sociedades de Toffler, teremos guerras entre países da Segunda e Terceira Vagas, entre países da Terceira Vaga e entre países da Segunda Vaga21. As primeiras serão caracterizadas pela rápida resolução através de conflitos de elevada intensidade mas de curta duração. A barreira tecnológica levará o país da Segunda Vaga à derrota, a menos que ele utilize métodos paralelos de coacção, como o terrorismo. Haverá uma baixa probabilidade de tais guerras acontecerem. O segundo tipo de guerras é o mais temível e poderá trazer consequências imprevisíveis. É também o de mais difícil previsão em termos de resultados finais. Suponho que a crescente consciência da interdependência global entre os países da sociedade da informação, a sua maior capacidade de resolver os diferendos pela via pacífica e os custos inerentes a tais conflitos tornam estes conflitos muito improváveis. O terceiro tipo de guerras terá a caracterização dos conflitos das décadas de 50-70, muito equivalente aquilo que se classifica como Guerra Clássica.

As diferentes abordagens reflectem, de alguma forma, diferentes épocas e maneiras de ver o fenómeno da guerra. Todas são úteis porque sempre aplicáveis em diferentes cenários. Na actualidade o “catálogo” de eventuais conflitos é tão grande e diversificado, que o futuro da guerra não se apresenta claro e dedutivo de estudos anteriores.

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Alvin e Heidi Toffler, ob. cit..

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2. INTRODUÇÃO AO DIREITO INTERNACIONAL

Na perspectiva teórica-analítica, a cooperação e o conflito “são considerados como expressões de atitude e do comportamento social dos actores projectadas na acção, num ambiente relacional de complementaridade interactiva”22, relações internacionais, consideradas como dinâmicas sociais verificadas no plano relacional da sociedade internacional, processo evolutivo de construção social da realidade. O Direito Internacional tende a privilegiar uma acepção da guerra “enquanto estado legal ou condição ontológica, e como capacidade jurídica que permite a dois ou mais grupos hostis conduzir um conflito armado”23. Elevando a legalização da guerra a uma necessidade ética e existencial, de acordo com critérios estabelecidos, de legitimidade, de necessidade e/ou de direito, regidos “pelo ius bellum e pelos príncipios da denominada tradição da guerra justa: ius ad bellum, ius in bello e ius post bellum – respectivamente, o direito para fazer a guerra, as leis que regem o modo de fazer a guerra e a ordem do pós-guerra”24. O princípio de auto-defesa dos interesses nacionais, a legítima defesa é inerente a todo o sistema jurídico, e a prevenção dos conflitos armados tem sido procurada em três direcções: princípio da interdição do recurso à força armada, condições de recurso a medidas de coacção não militares, e direito de conflitos armados internacionais. O direito de legítima defesa pode-se exercer de maneira colectiva. As partes se comprometem a considerar que uma agressão dirigida contra uma de entre elas é uma 22

Victor Marques dos Santos, Teoria das Relações Internacionais. Cooperação e Conflito na Sociedade Internacional, Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2009, p. 19. 23 Manuel de Almeida Ribeiro, Francisco Pereira Coutinho, Isabel Cabrita, Enciclopédia de Direito Internacional, Coimbra: Edições Almedina, 2011, p. 231. 24 Idem, ibidem, p. 232.

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agressão dirigida contra outra ou todas as outras partes (exemplos de intervenções consentidas ou solicitadas).

3. JUS AD BELLUM

A primeira tentativa de limitação do emprego da força foi a Convenção DragoPorter, em 1907, para recuperação de dívidas contratuais. O passo seguinte seria o de objectivar os critérios de guerra ilícita, guerra de agressão. Por sua vez, as guerras legítimas “são as justificadas para a defesa de um direito «que o Direito internacional deixa à competência exclusiva» dos Estados e as que são empreendidas no exercício do direito de legítima defesa”25. Finalmente, em 1928, temos a ilegalização da guerra pelo Pacto Briand-Kellog, que já incluía 63 Estados em 1939. Actualmente, existe a interdição geral do recurso à força pela Carta das Nações Unidas, do qual a guerra não é senão uma forma extrema. A Assembleia Geral adoptou por consenso, em 1974, a resolução que define a agressão como “o emprego da força armada por um Estado contra a soberania, a integridade territorial ou a independência política de um outro Estado, ou de qualquer outra forma incompatível com a Carta das Nações Unidas”26. Trata-se de uma simples recomendação da Assembleia ao Conselho de Segurança, podendo este último proceder à sua aplicação num sentido tanto restrito como extensivo. Assim, “é reservada a responsabilidade principal do Conselho de Segurança

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Nguyen Quoc Dinh, Patrick Daillier, Alain Pellet, Droit International Public, Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, 2002, Tradução de Vítor Marques Coelho, Direito Internacional Público, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2ª Edição, 2003, p. 955. 26 Idem, ibidem, p. 960.

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em matéria de manutenção da paz, condição posta pelas grandes potências para que seja aceite este documento”27.

Terrorismo O uso do terror como um meio de atingir fíns políticos não é um fenómeno novo, mas recentemente adquiriu uma nova intensidade. Progressos têm sido feitos para estabelecer regras de lei internacional aplicáveis a particulares manifestações de terrorismo. Em 1992, o Conselho de Segurança (resolução 731) referesse aos actos de terrorismo internacional como os que constituem ameaças à paz e segurança internacionais. Impondo sansões aos Estados que dêm apoio a essas actividades.

4. JUS IN BELLO

Sob o ponto de vista jurídico, convém preterir o conceito tradicional de guerra, stricto sensu, em favor do de conflito armado internacional, mais abrangente e que corresponde melhor à realidade contemporânea. O Direito da guerra aplica-se não somente aos conflitos interestatais mas igualmente aos outros conflitos cujo carácter internacional é hoje em dia reconhecido. O Direito da guerra (jus in bello) e mais amplamente, dos conflitos armados internacionais, deve ser distinguido do Direito preventivo da guerra (jus ad bellum) e do recurso à força. Aquele, não se aplica senão após deflagrado o conflito. “O seu objectivo essencial é o de regulamentar, no quadro do estado de guerra substituído ao estado de

27

Idem, ibidem, p. 961.

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paz, duas séries de relações, as que se processam entre combatentes e as que se processam entre combatentes e não-combatentes.”28 Sempre existiram relações bélicas entre os povos, e o Direito da guerra existe desde uma época recuada e procede também do costume. Primeiramente, a sua necessidade foi expressa pelos teólogos que, “em nome do direito natural tanto quanto da moral, ensinavam que os beligerantes autorizados a desencadear uma guerra justa tinham todavia a obrigação de respeitar as regras humanitárias.”29 Realizações positivas foram obtidas, depois do final da Segunda Guerra Mundial, sobre o Direito humanitário da guerra e a interdição ou a regulamentação do uso de certos tipos de armas. Com a Conferência de Genebra de 1949, organizada pelo Comité Internacional da Cruz Vermelha, houve um reforço do Direito humanitário da guerra, onde se adoptou três Convenções sobre os doentes, feridos e prisioneiros e uma quarta Convenção sobre a protecção da população civil em tempo de guerra. “Assim, o regime de beligerância deve conciliar, na medida permitida pela evolução das técnicas, as necessidades militares e as exigências humanitárias elementares.”30 Daí a necessidade de distinguir o direito de Haia, centrado na condução das hostilidades e que se esforça por limitar a extensão da violência e o direito de Genebra, consagrado à protecção das vítimas. Os beligerantes não têm uma opção ilimitada de meios para prejudicar o inimigo.

28

Nguyen Quoc Dinh, op. cit, p. 985. Idem, ibidem, p. 986. 30 Idem, ibidem, p. 992. 29

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Direito Humanitário O Direito humanitário obriga a objectivar a distinção entre combatentes e não combatentes, distinção que muito se esbateu no quadro dos conflitos do século XXI. Por exemplo, um guerrilheiro é considerado um combatente, enquanto o mercenário vê recusar-se-lhe a qualidade de combatente (e portanto a de prisioneiro de guerra). Decorre do Direito humanitário também a protecção de prisioneiros e de feridos, do Pessoal das Nações Unidas e do pessoal associado, bem como da população civil. A protecção do ambiente também é contemplada.

Ingerência Humanitária O problema da Ingerência Humanitária acontece porque é contrária à Carta das Nações Unidas. No entanto, o Direiro respectivo passou por diversas fases dentro do Sistema das Nações Unidas, nomeadamente: Ingerência Imaterial (1948 a 1968); Ingerência Caritativa (que é aberta com o “Sem Fronteirismo e Testemunho” dos Médicos sem Fronteiras, ilegalidade justificada pela moral); Ingerência Civil Legalizada (1988 a 1991); Ingerência Forçada (nova leitura da Carta pelo Conselho de Segurança); e Ingerência Dissuasora (actual, cujo objectivo é a prevenção – nascimento de uma Ingerência Judiciária).31 A primeira experiência de intervenção da ONU num caso de ingerência humanitária (Responsability to Protect)32, foi na Somália em 1992.

Toda a violação das regras do Direito de conflitos armados internacionais compromete a responsabilidade internacional do Estado autor da infracção. Adicionando31

Manuel de Almeida Ribeiro, Mónica Ferro, A Organização das Nações Unidas, Coimbra: Edições Almedina, 2ªEdição, 2004, pp. 292-294. 32 Simon Chesterman, “Responsabibity to Protect”, in www.ipacademy.org, 2003.

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se um mecanismo de responsabilidade penal dos indivíduos autores destas infracções graves, consideradas como crimes de guerra e sancionadas enquanto tais.

Conflitos Internos Nos conflitos internos, na medida em que terceiros estão em causa, o direito internacional tradicional desenvolveu as categorias de rebelião e insurreição. Desde que um Estado defina a sua atitude e caracterize a situação, diferentes disposições legais internacionais se aplicarão. Se os rebeldes são vistos como criminosos, o assunto diz respeito unicamente às autoridades do País e nenhum Estado tem a legitimidade para intervir.33 Se os rebeldes são tratados como insurgentes, estatuto admitido no Direito Internacional, resulta a obrigação de tratar os prisioneiros de guerra de acordo com as regras internacionais, e aplicação das regras de protecção da população civil aplicáveis a conflitos internacionais. A insurreição é um conflito de dimensão e natureza considerável, onde os rebeldes controlam uma parte substâncial do território de um Estado e têm uma estrutura capaz de exercer autoridade sobre a respectiva população.34 A ajuda externa às autoridades governamentais para reprimir uma revolta é perfeitamente legitima, desde que pedida pelo governo. Por sua vez, a ajuda aos rebeldes é contrária à lei internacional. Mas a prática dos Estados está longe de ser unânime neste ponto. Se ocorrer uma intervenção ilegal do lado governamental, então pode ser argumentado que a ajuda aos rebeldes é aceitável. Situação observada no Afeganistão, aquando da invasão Soviética.35

33

Malcolm N. Shaw, International Law, Cambridge: Cambridge University Press, Fourth Edition, 2000, pp. 798-799. 34 Manuel Almeida Ribeiro, Op. Cit., 2011, p. 253. 35 Malcolm N. Shaw, Op. Cit., pp. 800-802.

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O que não aconteceu na Líbia, em 2011, onde alguns Estados reconheceram os rebeldes como representantes legítimos do povo líbio, o que permitiu inclusivé ajuda militar. Caso único que cria um precedente.

Neutralidade Devido às características das guerras modernas, o direito da neutralidade evoluiu profundamente, existindo situações intermediárias entre a neutralidade e a beligerância, neutralidade diferencial, por oposição à neutralidade integral clássica: obrigação de imparcialidade e obrigação de abstenção36. Por neutralidade diferencial, a prática permite isolar alguns casos: quando um Estado intervem num conflito pela ajuda, a sua atitude é classificada de não-beligerância; quando um Estado está ligado a outro por um pacto de assistência mútua ou de defesa colectiva (base jurídica); e quando o Conselho de Segurança decide empreender uma medida de coacção com o emprego da força contra um agressor que, pelo seu comportamento, ameaça a paz internacional.

5. JUS POST BELLUM

As operações de manutenção da paz não se encontram previstas na Carta das Nações Unidas. Aquelas são criadas pelo Conselho de Segurança, que decide o mandato, a composição da força que será enviada para o terreno e a duração da operação. Estas missões são caracterizadas pelos seguintes princípios: “a legitimidade, o apoio contínuo e activo do Conselho de Segurança, o compromisso sustentado dos países contribuidores

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Nguyen Quoc Dinh, op. cit, p. 1005.

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com tropas, a existência de um mandato claro e exequível, o consentimento e cooperação, a imparcialidade e objectividade, o não recurso à força e a unidade.”37 Actualmente, existem instrumentos usados nas operações de paz de grande flexibilidade, para as Nações Unidas se adaptarem e tratarem os diferentes tipos de conflitos: Diplomacia Preventiva; Realização da Paz; Manutenção da Paz; Imposição da Paz; e Construção da Paz38. Em 2000, foi elaborado o Relatório Brahimi com o objectivo de repensar a própria forma como as operações eram pensadas, executadas e financiadas. Além das recomendações, o documento serviu de reflexão para toda a sociedade internacional. “Mas a solução para os problemas da manutenção da paz, como de quaisquer outros dentro das Nações Unidas, passa pela vontade política dos Estados Membros de fazerem da Organização um verdadeiro instrumento de paz.”39

37

Manuel de Almeida Ribeiro, Op.Cit., 2004, p. 116. Idem, ibidem, p. 117. 39 Idem, ibidem, p. 120. 38

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BIBLIOGRAFIA

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