SILVA, António Manuel S. P.; ALVES, Lara Bacelar (2005) – Roteiro de arte rupestre do Noroeste de Portugal

June 14, 2017 | Autor: A. Silva | Categoría: Rock Art (Archaeology), Prehistoric Rock Art, Rock Art, Arte Rupestre
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Descripción

Arte Rupestre Prehistórica do Eixo Atlántico ———— Arte Rupestre Pré-histórica do Eixo Atlântico

EQUIPO DE TRABALLO COORDINACIÓN José Manuel Hidalgo Cuñarro Arqueólogo. Vigo. Membro do ICOM (Consello Internacional de Museos) AUTORES Fernando Javier Costas Goberna. Arqueólogo. Vigo. Lara Bacelar Alves. Arqueóloga. Núcleo de Arqueologia da Universidade do Minho, Braga. Antonio de la Peña Santos. Arqueólogo. Museo Provincial de Pontevedra. Antonio Manuel S. P. Silva. Arqueólogo. Câmara Municipal do Porto. ISBN: Depósito legal: Fotografías Galicia Fernando Javier Costas Goberna Antonio de la Peña Santos J.M. Hidalgo Cuñarro, 16, 86, 88, 89, 99, 100, 101, 104, 106, 108, 110, 117, 118, 132, 137, 140, 142.

Portugal F.J. Costas Goberna, 173, 174, 176, 177, 182, 183, 193, 194, 195b, 198, 199.

Lara Bacelar Alves, 172, 180, 204, 205, 206, 211. António M. Silva, 175, 190, 191, 195a, 196, 197, 213. Antonio M. Baptista, 178, 202. Antonio P. Dinis, 219.

Calcos e Deseños Galicia F.J. Costas Goberna A. de la Peña Santos

Portugal E.J.L. Silva A. Cunha A.M. Baptista F. Lanhas Centro Nacional de Arte Rupestre

Coberta: Petroglifo da Pedra do Labirinto. Mogor, Marín, Pontevedra. (J.M. Hidalgo)

© 2005 Copyright Eixo Atlántico, coordinador e autores de la publicación.

índice

Introducción José Manuel Hidalgo Cuñarro ......................................................................................1 Arte rupestre en Galicia Antonio de la Peña Santos ............................................................................................3 Roteiro de petroglifos de Galicia Antonio de la Peña Santos, Fernando Javier Costas Goberna ........................................83 Arte rupestre pós-glaciar no Noroeste de Portugal António Manuel S.P. Silva, Lara Bacelar Alves ..........................................................171 Roteiro de arte rupestre do Noroeste de Portugal António Manuel S.P. Silva, Lara Bacelar Alves ..........................................................189

ROTEIRO DE ARTE RUPESTRE DO NOROESTE DE PORTUGAL António Manuel S.P. Silva Lara Bacelar Alves

BACIA DO MINhO

De olhar pétreo sobre as margens galegas do Rio Minho, encontra-se o mais notável conjunto de cervídeos insculpidos em rochas conhecido, até à actualidade, em território português. Na realidade, são os complexos de arte rupestre situados nas faldas ocidentais do Monte de Góios, como a Laje das Fogaças e a Laje da Chã das Carvalheiras e na quinta da Barreira (Verdoejo, Valença) que guardam os melhores exemplares destes motivos clássicos de uma tradição artística pré-histórica que se expande pela fachada atlântica do noroeste peninsular. Ainda sobre a margem esquerda do Rio Minho, as encostas meridionais do imponente cume do Monte Faro oferecem exuberantes rochas insculturadas com motivos abstractos, como pode ver-se na Tapada do Ozão ou no Monte de Fortes (Gandra, Valença), ou ainda representações de armas e idoliformes, visíveis no Monte da Laje (Gandra, Valença).

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LAjE DAS FOGAÇAS (LanheLas, Caminha)

Acessos: Seguindo pela E.N. 13 a partir de Viana do Castelo, desvia-se para a localidade de Lanhelas (entre os Kms. 97 e 98). A partir da Igreja Matriz, toma-se a Rua Ilídio Couto, seguindo-se à esquerda até à Rua da Boavista que conduz ao cimo do lugar, onde se encontra a arruinada oficina de pirotecnia da firma Libério Fernandes, Lda. As gravuras rupestres ocupam um penedo de acentuada pendente para SO. com cerca de 7 m de comprimento, facilmente identificável, no interior desta propriedade, junto aos pavilhões mais antigos da fábrica. A laje apresenta-se truncada por um muro em alvenaria, sendo a composição visível hoje cerca de um terço da observada por A. Viana nas primeiras décadas do século xx.

Laje das Fogaças, Caminha. Panorámica geral.

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Laje das Fogaças, Caminha. Zoomorfo.

Encostado ao limite oriental da Chã das Castanheiras, conforme topónimo antigo, e voltado para a foz do Minho, ergue-se um afloramento de granito de grão fino, de textura homogénea e superfície superior amaciada pelos elementos. Conhecida desde tempos imemoriais, a Laje das Fogaças é assim chamada por apresentar gravuras circulares inseridas em linhas ovaladas que lembrariam «fogaças», conforme informa Abel Viana. Porém, é uma figura zoomórfica que capta a atenção imediata do observador. Este caprídeo ou cervídeo de tipologia sub-naturalista, embora retratado em postura algo estática, apresenta pormenores anatómicos interessantes como as orelhas e cauda. Aos quartos traseiros do animal sobrepõe-se um sulco de gravação profunda com c. de 1,5 m de comprimento no sentido descendente

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que é interrompido por covinha. Este esquema compositivo encontra paralelos na vizinha Laje da Chã das Carvalheiras, com similar técnica de gravação e tipologia da figura dominante. Contudo, não são estes os únicos motivos presentes nesta laje de grandes dimensões, parcialmente camuflada por sedimentos que recobrem parte da composição. Aqui, A. Viana, seu descobridor, identificou um total de 41 figuras, sendo a grande maioria representações abstractas de cariz geométrico, como motivos circulares simples e compósitos, entre os quais se destacam as espirais. Ainda são visíveis, na superfície inferior fortemente inclinada, nove destas figuras, destacando-se três espirais, círculos seccionados, um rectângulo encimado por semi-círculo, de tipo idoliforme, e uma figura em forma de «lira» da qual parte uma linha sinuosa que termina em gancho. A presença de sobreposições e as distintas morfologias dos sulcos das gravuras observáveis indicia que estamos perante um painel multi-periodal – a composição original terá sido alterada e/ou retocada em épocas posteriores, embora seja difícil aferir o período de tempo que passou entre a gravação dos diferentes motivos. Há contudo uma certa uniformidade formal que sugere uma cronologia pré-histórica quer para a criação, quer para as alterações feitas a este painel. A Laje das Fogaças foi classificada como Monumento Nacional em 1974. Bibliografia COSTAS GOBERNA, Fernando J. e VIÑAS CÚE, Ricardo – “La fauna en los grabados rupestres de la ribeira portuguesa del Miño” Terra Antiqua. www.terraantiquae.com. Disponível em 29.12.2001. VIANA, Abel – Insculturas rupestres do Alto Minho (Lanhelas e Carreço – Viana do Castelo, Portugal). Sep. “Boletin de la Comissión de Monumentos de Orense”. 20. Orense, 1960.

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LAjE DA Chà DAS CARVALhEIRAS (LanheLas, Caminha)

Acessos: Seguindo pela E.N. 13 a partir de Viana do Castelo, desvia-se para a localidade de Lanhelas (entre os Kms. 97 e 98). A partir da Igreja Matriz, toma-se a Rua Ilídio Couto, seguindo-se à esquerda até à Rua da Boavista que conduz à zona mais elevada da povoação. Sensivelmente a meia encosta, toma-se a Rua do Alto da Boavista, e a c. de 200 m encontra-se, do lado esquerdo, um estradão de terra batida, por onde deverá seguir-se c. de 200 m até encontrar um grande afloramento sobrelevado, parcialmente destruído por trabalhos de extracção de pedra, do lado esquerdo do caminho, após pronunciada curva à direita. A Chã das Carvalheiras é, tal como o nome indica, uma extensa área de relevo aplanado na vertente ocidental do Monte de Góis, debruçada sobre o estuário do Minho, com ampla visibilidade sobre ambas as margens, tendo o recorte do Monte de Sta. Tecla como polo focalizador no horizonte.

Laje da Chã das Carvalheiras, Caminha. Zoomorfo.

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Trata-se de uma chã fechada a Nascente pela declivosa encosta do Monte de Góios, que, devido à sua localização, recolhe as águas de escorrência que se acumulam entre os penedos. Em tempos idos, nesta área natural de passagem formar-se-iam zonas de encharcamento que propiciariam boas pastagens para animais. Num pequeno outeiro que se destaca junto ao remate oriental da chã surgem, gravados na pedra, numerosos cervídeos. Ocupam a face lisa de uma rocha voltada a Nascente, que outrora integraria uma massa granítica imponente mas se encontra parcialmente destruída por trabalhos de extracção de pedra. A Laje da Chã das Carvalheiras apresenta um rico repertório figurativo. A. Viana já detectara três conjuntos de gravuras: no painel Sudeste, um grande quadrúpede sub-naturalista, associado a motivo geometrizante junto à cauda. Esta figura é ladeada por dois sulcos que percorrem longitudinalmente a

Laje da Chã das Carvalheiras, Caminha. Panorámica geral.

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Laje da Chã das Carvalheiras, Caminha. Zoomorfo.

superfície da rocha, interrompidos por covinha nos pontos terminais. No painel central ocorre um outro cervídeo isolado e um conjunto de oito covinhas concentram-se no topo da rocha. Mais recentemente, Costas Goberna e Viñas Cúe constataram a existência de mais cinco quadrúpedes de representação esquemática com os corpos virados para Norte no espaço delimitado pelos dois grandes sulcos longitudinais, por baixo do zoomorfo de talhe profundo, e um conjunto de dois círculos concêntricos junto ao terminus de uma das linhas sinuosas. Outros três quadrúpedes, orientados para Sul, e uma figura humana parecem ocupar o painel setentrional. A leitura desta composição é acessível, de Laje da Chã das Carvalheiras, Caminha. Detalhe. -195-

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preferência sob luz natural rasante, ao observador que se posicione em frente ao painel granítico. Bibliografia COSTAS GOBERNA, Fernando J. e VIÑAS CÚE, Ricardo – “La fauna en los grabados rupestres de la ribeira portuguesa del Miño” Terra Antiqua. www.terraantiquae.com. Disponível em 29.12.2001. VIANA, Abel – Insculturas rupestres do Alto Minho (Lanhelas e Carreço – Viana do Castelo, Portugal). Sep. “Boletin de la Comissión de Monumentos de Orense”. 20. Orense, 1960.

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TAPADA DE OZÃO (Gandra, VaLença)

Acessos: Seguindo pela E.N. 101, que conduz de Valença a Monção, corta-se, poucos quilómetros adiante para a estrada para o miradouro do Monte Faro. Subindo pela encosta ocidental da elevação, encontra-se um desvio, à direita, que indica a direcção de Taião. Toma-se esta estrada, que passa pela localidade de Ozão e, a cerca de três quilómetros do cruzamento surge, do lado esquerdo, a Capela do Senhor da Boa Morte. A partir da capela deve seguir-se, a pé, pelo caminho de terra à direita da mesma, ao longo de c. de 150 m. A rocha decorada surge, do lado direito do caminho, junto ao remate de uma pedreira numa extensa chã voltada a Oeste. Embora se trate de um penedo de consideráveis dimensões que guarda gravuras de relevo profundo, não é facilmente visível desde o caminho, já que se encontra numa depressão artificial. As gravuras rupestres da Tapada de Ozão são talhadas num bloco granítico de grão médio, de forma suavemente trapezoidal, com cerca de dois metros de comprimento, sobrelevado em relação ao solo original. A sua face superior encontra-se profusamente decorada com motivos geométricos que acompanham, em muitos casos, as dobras naturais do granito e se estendem pelas superfícies laterais viradas a Nascente e a Sul.

Tapada de Ozão, Gandra. Círculos concêntricos.

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Tapada de Ozão, Valença do Minho.

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A componente gráfica desta rocha não se poderá entender como uma aplicação cumulativa de motivos individuais alheados uns dos outros, mas de uma verdadeira composição intencionalmente elaborada com base na conjugação de três tipos de formas: círculos concêntricos, covinhas e linhas. Não obstante, reconhecem-se pontualmente sobreposições de figuras de tipologia similar. Os motivos circulares são variados, ocorrendo as formas simples com e sem covinha central, círculos concêntricos e raiados. A. Cunha e E. Silva notam que as figuras circulares com diâmetros maiores se encontram maioritariamente na periferia da composição, enquanto as covinhas distribuem-se um pouco por toda a superfície gravada, embora com maior incidência na zona central. Ocorrem ainda manchas de pontos emoldurados por sulcos. As linhas sinuosas, mais frequentes no centro, servem também de elo de ligação entre diferentes motivos geométricos.

Tapada de Ozão, Valença do Minho. Vista lateral.

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Nesta rocha surpreendem as gravuras bem sulcadas, sugerindo quase um carácter escultórico, já que se moldam às sinuosidades e relevos naturais do suporte rochoso. A composição, eminentemente abstracta, oferece um notável barroquismo com escassos paralelos nos conjuntos conhecidos no Noroeste peninsular e leva-nos a enfatizar a ideia de que o entendimento de um sítio com arte rupestre deverá sempre relevar a intíma relação entre gravuras, o seu suporte pétreo e a paisagem onde se insere. Bibliografia BAPTISTA, António M. – “Arte Rupestre do Norte de Portugal: uma perspectiva”. Portugalia. Nova Série, 4-5, 1983-1984 [Actas do Colóquio Inter-Universitário de Arqueologia do Noroeste. Homenagem a Rui de Serpa Pinto]. Porto, 1984, p.71-82. CUNHA, Ana Leite da; SILVA, E.J. Lopes da – “Gravuras rupestres do Concelho de Valença. Montes dos Fortes (Taião), Tapada do Ozão, Monte da Laje”. Actas do Seminário de Arqueologia do Noroeste Peninsular, 2. Guimarães, 1980, p.121-31.

Tapada de Ozão, Valença do Minho. Círculos concêntricos.

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SERRANIAS DA PENEDA/GERêS

As terras altas da Serra Amarela e do Soajo guardam interessantes vestígios de arte rupestre, embora não constituam um grupo absolutamente homogéneo. São portanto representativos da variabilidade temática e estilística que caracteriza o cenário supra-regional da arte rupestre do pós-glaciar no norte de Portugal. Separados pelo profundo vale do Lima ocorrem dois importantes núcleos, intervisíveis entre si. Na margem esquerda, ergueu-se um verdadeiro «santuário rupestre» no alto do Gião, composto por mais de uma centena de rochas decoradas, enquanto que na margem direita, na Bouça do Colado, o Penedo do Encanto oferece uma intrincada composição gráfica onde abundam os círculos concêntricos e agrupamentos de covinhas ligados entre si por linhas sinuosas. A estátua-menir da Ermida é uma peça singular da escultura pré-histórica cujo estilo de decoração se inspira nas grafias de feição geométrico-abstracta desta tradição artística do Noroeste. •

ESTáTUA-MENIR DA ERMIDA (ermida, Ponte da BarCa)

Acessos: Desde Ponte da Barca, toma-se a E.N. 203 na direcção de Lindoso, até encontrar o cruzamento para a Ermida, à direita, iniciando-se a subida pela encosta ocidental da Serra Amarela. A escassos metros surge uma bifurcação, onde deve inflectir-se à esquerda até alcançar a aldeia. A estátua-menir encontra-se exposta no Museu da Ermida, podendo solicitar-se a visita na Junta de Freguesia caso se encontre encerrado. Este notável exemplar da estatuária pré-histórica foi descoberto na parede de uma velha casa na aldeia da Ermida em 1981. O achado despoletou grande interesse entre a população local que procedeu à sua remoção para estudo, o que levaria à criação de um pequeno museu local, onde a estátua se encontra. A estátua-menir foi afeiçoada num bloco de granito local e apresenta uma forma claramente antropomórfica, resultando numa peça escultórica com

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Estátua-menir da Ermida, Ponte da Barca.

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Estátua-menir da Ermida, Ponte da Barca. Desenho segundo A.M. Baptista, 1985. -203-

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1,50 m de comprimento por 0,45 m de largura. O anverso, de recorte aplanado, recebeu uma cuidada gravação que reforça o seu talhe antropomórfico, delineando pormenores anatómicos nas zonas superior – onde é representada uma singela face – e central, à altura do tronco, estando ausente qualquer vestígio de gravação na parte inferior. O estudo técno-morfológico deste monumento sugere que estamos perante a representação de uma figura feminina. A um rosto de traço fino, naturalista, associa-se uma zona peitoral onde surgem talhados dois círculos concêntricos com covinha central, idênticos, embora descentrados. Corresponderiam estes elementos à representação de seios, separados por uma linha que serve de eixo central ao intrincado recticulado que se desenvolve em plano inferior, formado por duas colunas simétricas em forma de «espinha de peixe». Tal como refere A. Martinho Baptista, seria um monumento concebido para ser erigido com a extremidade inferior enterrada no solo, à semelhança dos menires, tendo-se proposto uma cronologia para a estátua-menir da Ermida balizada entre finais do 3º milénio a meados do 2º milénio a.C. (Calcolítico Final ou 1ª Idade do Bronze). Constitui aspecto curioso nesta peça a aplicação de grafias com base em figuras geométricas (círculos e recticulados) que se ancora num ciclo artístico de ar livre de tradição atlântica, exemplificado na vizinha rocha da Bouça do Colado, embora a área mais clássica de distribuição das estátuas-menires seja o Sul da Europa. Bibliografia BAPTISTA, António Martinho – A estátua-menir da Ermida (Ponte da Barca, Portugal). Sep. “O Arqueólogo Português”. Série 4 (3) 1985. S.l.: C.M. Ponte da Barca/Parque Nacional da Peneda-Gerês.

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SANTUáRIO PRÉ-hISTÓRICO DO GIÃO (CaBana maior, arCos de VaLdeVez)

Acessos: Partindo de Arcos de Valdevez, sede de concelho, toma-se a E.N. 202-2 e logo após transpor a povoação de Giela deve virar-se à direita, na direcção de Cabana Maior e Soajo. Alcançada a Portela do Mezio, toma-se o estradão que segue à direita para o alto do Gião. O percurso até ao «santuário rupestre» está sinalizado. Sobranceira à margem direita do Lima, a imponente elevação do Gião é encimada por dois cumes que atingem altitudes na ordem dos 800 metros. Uma cumeada mais baixa, em semi-círculo, une os dois montes e define a cabeceira de um amplo anfiteatro natural, pontuado por massas graníticas aflorantes. Nas zonas baixas desta encosta jorram, de uma nascente, as águas do Ribeiro do Gião que corre no interior do anfiteatro, proporcionando uma fonte permanente de água às manadas de cavalos e bovinos que compartem este idílico espaço

Gião, Arcos de Valdevez. Implantação de um dos núcleos de gravuras.

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com rochas gravadas desde a pré-história. No interior do anfiteatro, o visitante sente-se confinado pelo relevo que encerra um espaço circular. Intui-se aqui o sentido de «santuário» evocado pelos seus primeiros investigadores. Na verdade, J. Fontes nota que «o observador sente-se como que dentro de um templo enorme, isolado do exterior e cercado por todos os lados por lajes com centenas de gravuras». A arte rupestre concentra-se em duas grandes áreas – o interior do amplo recinto natural (Gião 1) e o topo de um outeiro situado para Nascente daquele (Gião 2). Neste último foram identificadas cinco rochas gravadas, sendo que apenas uma apresenta uma composição de cronologia pré-histórica, com figuras em forma de estrela e diversos recticulados. As restantes rochas guardam modernas cruzes de termo. O Gião 1 comporta um conjunto mais significativo de rochas decoradas, concentradas especialmente em dois montículos formados por moles de granito. À superfície afloram tanto blocos de pedra irregulares e infor-

Gião, Arcos de Valdevez. Troço da “cerca” com pedras gravadas.

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Gião, Arcos de Valdevez. Decalque da rocha 15, grupo 4. Segundo A.M. Baptista, 1981. -207-

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Gião, Arcos de Valdevez. Decalque da rocha dos esteliformes, Gião 2. Segundo A.M. Baptista, 1981. -208-

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mes como lajes aplanadas rasas ao solo. quer nuns como noutros foram talhados os motivos mais característicos desta estação: figuras geométricas e esquemáticas onde dominam os quadrados e rectângulos segmentados internamente (é notória a ausência dos motivos circulares característicos da arte de feição atlântica), antropomorfos esquemáticos e covinhas. Destaca-se a composição da ciclópica rocha 1 do Gião 1 onde se inscreve um singular motivo antropomórfico. Intimamente associada às gravuras, reveste-se de grande importância a presença de um muro formado por blocos afeiçoados dispostos na vertical que delimita, a meia encosta, os principais núcleos de arte rupestre. Um grande número dos esteios que compõem a «cerca do Gião» encontra-se decorado com motivos idênticos aos presentes nas restantes superfícies.

Gião, Arcos de Valdevez. Motivos geométricos numa das rochas.

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Merece também um olhar atento um penedo sobrelevado, balouçante, que se destaca num local próximo da crista do anfiteatro. É o Outeiro do Valtijoso, de contorno vagamente zoomórfico e que exibe um abundante conjunto de cruzes gravadas, umas em épocas recentes, outras, mais complexas, que lembram as gravuras pré-históricas. Trata-se, com grande probabilidade, de um penedo que serve de marco de termo de várias aldeias, já que no alto do Gião convergem os limites das freguesias do Soajo, Cabana Maior e Ermelo. A prática de fixar imagens em rochas tem longa tradição no Noroeste, o que é atestado pela proliferação de cruzes de termo ou de cristianização de lugares considerados pagãos. Bibliografia BAPTISTA, António M. – “Introdução ao estudo da arte pré-histórica do Noroeste Peninsular. 1. Gravuras rupestres do Gião”. Minia. 2ª série, 3 (4), Braga, 1980, p.80-100. BAPTISTA, António M. – “A arte do Gião”. Arqueologia. 3. Porto, 1981, p.56-66. FONTES, Joaquim – “Sobre algumas figuras rupestres do Sanctuário Pré-histórico do Gião”. Revista de Arqueologia. 1. Lisboa, 1932, p.75-82.

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COSTA ATLâNTICA

No litoral português entre o Minho e o Douro destacam-se as figurações esquemáticas de quadrúpedes numa rocha que se ergue das areias de uma praia no sopé do Farol de Montedor. Já na margem direita do Rio Cávado, a Laje dos Sinais, registada já em 1878 nos cadernos de campo de Martins Sarmento, oferece uma composição onde dominam os círculos concêntricos, alguns dos quais embelezados por semi-círculos adossados aos anéis exteriores, uma espiral e uma suástica inserida num círculo. Já a poucos quilómetros do Porto, numa encosta sobranceira ao rio Leça, surge uma área rica em vestígios desta natureza. Dali foi retirada a rocha actualmente exposta no Museu da Maia, mas conservam-se, nas proximidades, outras jazidas in situ. •

PRAIA DE MONTEDOR (Carreço, Viana do CasteLo)

Acessos: Seguindo pela E.N. 13 de Viana do Castelo para Caminha, corta-se à esquerda na direcção de Montedor. O penedo gravado encosta-se aos afloramentos do lado norte de um pequeno areal que confina com o monte encimado pelo Farol de Montedor. As gravuras ocupam a face vertical de um afloramento granítico banhado, na sua base, pelas águas do oceano. Este penedo surge no sopé de uma das elevações mais proeminentes da costa nortenha, entre o estuário do Minho e a foz do Lima, constituindo um importante ponto de referência da paisagem envolvente. A implantação deste sítio com arte rupestre é singular no contexto do Noroeste português, quer pela sua proximidade do mar, quer pela presença de figurações esquemáticas de quadrúpedes, que encontram os melhores paralelos estilísticos em áreas mais continentais da Península. A cena principal comporta um grupo de animais – graficamente resumidos aos mais elementares traços anatómicos – representado em movimento na direcção Nascente, à excepção de uma pequena figura junto ao limite do

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painel, voltada ao mar, que parece enfrentar o grupo. Alguns destes zoomorfos são figuras incompletas e a outros adossam-se recticulados. No painel do lado direito do observador, separado do primeiro por profunda fractura na rocha, ocorrem, em plano superior, duas figuras compósitas de difícil decifração e, em plano inferior, um motivo complexo de feição antropomórfica. Todas estas gravuras ocorrem num afloramento granítico, naturalmente polido, que apresenta à superfície tons avermelhados e amarelados. As gravuras abertas nesta face captaram a coloração mais clara do interior da rocha, proporcionando ao observador um interessante efeito pictórico. Bibliografia LANHAS, Fernando – “As gravuras rupestres de Montedor”. Revista de Etnografia, 13. Porto, 1969, p.367-86.

Montedor, Viana do Castelo. Aspecto dos afloramentos onde se situam as gravuras.

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Montedor, Viana do Castelo. Levantamento das gravuras. Segundo F. Lanhas, 1969.

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PEDRA PARTIDA DE ARDEGÃES (ÁGuas santas, maia)

Acessos: Encontra-se no Museu de História e Etnologia da Terra da Maia, situado no Município da Maia, poucos quilómetros a Norte do Porto. Trata-se de um grande bloco de granito de grão fino, com as dimensões de 230x120x100 cm, que apresenta uma face plano-convexa profusamente gravada. As referências mais antigas a esta rocha datam da década de 1940. Nos inícios dos anos de 1960 foi observada, no seu local original, por diversos investigadores, como E. Anati e Santos Júnior, que providenciou a sua deslocação para a Faculdade de Ciências do Porto, onde se conservou até anos recentes. A decoração produziu motivos de profundidade variável que parecem organizar-se em duas grandes áreas. No canto inferior esquerdo vêem-se um conjunto de círculos concêntricos, alguns com covinha central e um deles raiado, associados a outras linhas curvas, aparentemente delimitados por uma outra linha curva. Este conjunto é considerado por alguns especialistas como o núcleo de gravação mais antigo, considerando a profundidade do talhe e o facto de são ser interceptado pelos restantes motivos. A parte mais extensa do painel é ocupada por um reticulado exuberante, formando pequenos quadrados ou rectângulos, muitos deles pontuados centralmente, quebrado em alguns pontos por círculos concêntricos isolados, motivos em U e algumas linhas avulsas. Um traço horizontal na parte inferior parece marcar o limite do painel decorado e provavelmente a parte visível da pedra, que deveria estar originalmente enterrada. A interpretação estilística desta rocha considera-a habitualmente um caso de certo modo híbrido no quadro do complexo galaico-português, uma vez que associa temas clássicos do grupo da fachada atlântica, como são os círculos concêntricos e pontuados, ao geometrismo marcadamente ortogonal produzido

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Pedra partida de Ardegães, Maia.

Pedra partida de Ardegães, Maia. Levantamento: Centro Nacional de Arte Rupestre; reprod. C. M. Maia -215-

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pela retícula de espaços, ora vãos, ora pontuados no meio, que domina quase por completo o painel e tem paralelos mais evidentes em grupos artísticos um pouco mais interiores – de que são exemplos paradigmáticos a Pedra Escrita de Serrazes (São Pedro do Sul, Viseu) ou a rocha gravada de Buriz (Lugo). O bloco decorado de Ardegães fazia parte de um complexo que conserva ainda outros penedos com gravuras, situado numa encosta orientada a Nascente sobre o rio Leça. Nas imediações existem alguns monumentos megalíticos e está em curso de escavação a “Bouça da Cova da Moura”, uma estação arqueológica com estruturas e espólio datáveis de entre o Calcolítico e a Idade do Bronze (inf. pessoal de A. Tomé Ribeiro, responsável pelos trabalhos, que agradecemos). Esta intervenção pode vir a revelar-se crucial para a contextualização arqueológica e datação da pedra de Ardegães e do complexo artístico em que se integra. Bibliografia ANATI, Emmanuel – “El arte rupestre galaico-português”. In Simposio Internacional de Arte Rupestre - Barcelona 1966. Barcelona: Diputación Provincial/ Inst. Prehistoria y Arqueologia, 1968, p.195-256. SHEE TWOHIG, Elizabeth – “A pedra decorada de Ardegães de Águas Santas (Concelho da Maia)”. Arqueologia, 3. Porto, 1981, p.49- 55.

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ARTE NOS CASTROS

Desde os inícios da investigação sobre os povoados proto-históricos conhecidos no Noroeste por castros, já no século xix, que se registou a existência de motivos gravados em penedos ou blocos avulsos, cuja importância e significado, contudo, só mais recentemente têm sido valorizados. Na verdade, conhecem-se gravuras em dezenas de castros no Norte e Centro de Portugal, se bem que na maioria dos casos se resumam a motivos muito esquemáticos ou abstractos, como covinhas ou círculos. Entre os casos mais divulgados contam-se os da Citânia de Sanfins, Briteiros, Sabroso, S. Julião, Barbeito, Crastoeiro e outros. Normalmente, estas gravuras são interpretadas como pertencendo a um momento de ocupação anterior ou pelo menos bastante antigo desses povoados, o que se reforça pela evidência de muitas dessas representações se encontrarem sobrepostas por construções da Idade do Ferro. O povoado do Crastoeiro (Mondim de Basto) é a única estação arqueológica deste género cujas gravuras foram integralmente levantadas e publicadas. •

CRASTOEIRO (FreG. e ConC. de mondim de Basto)

Acessos: O acesso ao povoado faz-se pelo estradão que liga a estrada municipal Mondim de Basto – Bilhó (a partir do lugar da Caínha) à estrada que conduz ao santuário de Nossa Senhora da Graça (junto à pista de aterragem de parapentes). quatro das rochas gravadas situam-se a Norte do sítio arqueológico, junto a um dos sectores escavados, localizando-se as restantes duas a Sul do castro. Implantado num esporão rochoso na vertente Sudoeste do Monte Farinha ou da Senhora da Graça, o povoado tem as suas construções dispostas em plataformas entre penedos graníticos, por vezes também utilizados como base ou apoio de muros. A ocupação deste povoado estende-se do séc. iv a.C. ao séc. i da era cristã.

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Arte rupestre prehistórica do Eixo Atlántico

Foram identificadas no Crastoeiro seis rochas com motivos gravados. O tema mais comum é o das covinhas, com vários diâmetros e profundidades, por vezes rodeadas por círculos. Os círculos, aliás, concêntricos, raiados e por vezes dotados de uma linha que arranca do centro são muito recorrentes, observando-se igualmente uma espiral. Vêem-se ainda algumas linhas que parecem ligar alguns dos motivos, bem como um rectângulo segmentado numa das rochas. Sendo sempre problemática a datação da arte rupestre nestes contextos, é de realçar todavia a circunstância das gravuras não terem sido destruídas pelos habitantes do Crastoeiro, o que sugere uma eventual incorporação ritual ou simbólica destas representações. Bibliografia REY CASTIÑEIRA, Josefa; SOTO-BARREIRO, Maria José – “El arte rupestre de Crastoeiro (Mondim de Basto, Portugal) y la problemática de los petroglifos en castros”. In Dinis, A. Pereira – O povoado da Idade do Ferro do Crastoeiro (Mondim de Basto, Norte de Portugal). Cadernos de Arqueologia – Monografias, 13. Braga: Univ. Minho, 2001, p.159-200.

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Roteiro de arte rupestre do Noroeste de Portugal

Crastoeiro, Mondim de Bastos. Rochedo gravado.

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