Série entrevistas - Gavan McCormack - Q&A series - Gavan McCormack

May 25, 2017 | Autor: Claudia Antunes | Categoría: Japanese Studies, Modern and Contemporary Japan, Japan-China relations, Japão
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Japão tem pico de sentimento anti-China, afirma historiador
CLAUDIA ANTUNES
DO RIO
O sentimento anti-China no Japão é hoje maior do que em qualquer momento desde a 2ª Guerra Mundial e vai em sentido contrário ao projeto americano de reforçar alianças no Sudeste Asiático para conter a ascensão chinesa.
A avaliação é de Gavan McCormack, professor da Universidade Nacional da Austrália e veterano pesquisador da história do Japão e das relações do país com EUA e China.
Fluente em japonês e chinês, McCormack estudou na Universidade de Osaka nos anos 60 e escreveu Estado Cliente, o Japão no Abraço Americano [editora Verso, sem tradução brasileira], entre outros livros.
Para o historiador, os líderes e a burocracia japoneses estão "aprisionados" entre a lógica da Guerra Fria, quando o país foi favorecido pela proteção americana, e o presente, em que as trocas econômicas com os chineses se tornaram primordiais.
Nos últimos anos, McCormack se dedicou à questão de Okinawa, no extremo sul do arquipélago japonês. A ilha concentra os cerca de 36 mil militares americanos no país e sua população insurgiu-se contra a construção de uma nova base para os fuzileiros navais em área de preservação ambiental.
Abaixo, a íntegra da entrevista, feita por telefone de Canberra, onde ele leciona.
Como está a situação em Okinawa?
Em 2009, o premiê [Yukio] Hatoyama tentou renegociar o acordo de construção da nova base. Ele tinha um programa abrangente para uma relação mais equilibrada entre Japão e EUA e tentou estabelecer com a China uma relação equivalente.
Mas os EUA se recusaram a falar com ele por nove meses, até que ele se rendeu e renunciou. Seu sucessor, [Naoto] Kan, vem tentando cumprir o acordo.
Mas em Okinawa a resistência continua. Na história recente do Japão, nunca houve província ou região que tenha resistido ao governo por tempo tão longo e em tema tão relevante. No mês passado, na eleição para governador de Okinawa, os dois candidatos principais prometeram se opor à nova base.
Quem vai prevalecer?
Okinawa é pequena, com 1,3 milhão de habitantes [menos de 1% da população japonesa]. Tóquio pode, claro, manter a decisão de construir a base. Mas só conseguirá fazê-lo pela força. E não é realista pensar que o governo vá mandar tanques para afastar os manifestantes e começar a construção.
O possível é que o conflito se espalhe pelo resto do Japão e se volte contra a presença militar dos EUA como um todo. Ela está concentrada em Okinawa, mas há bases em todo o país, que é tratado pelo Pentágono como uma grande plataforma para a projeção do poder militar americano.
Os EUA demandam do Japão maior apoio militar. Em que estágio está essa questão?
O governo está discutindo a estratégia militar para os próximos cinco anos e a premissa é que a cooperação com o Pentágono será aprofundada e ampliada.
Há três temas em debate. O primeiro é mudar a interpretação da Constituição [que proíbe a participação em operações ofensivas] para que as chamadas Forças de Autodefesa possam participar de exercícios de segurança coletiva, isto é, lutar ao lado dos americanos.
O segundo é se a China será apontada como inimigo potencial no futuro. Discute-se também se o Japão deve poder exportar armas. Hoje há uma proibição autoimposta, mas eles alegam que é difícil ter forças militares sofisticadas se não podem exportar.
Há também uma discussão sobre os chamados três princípios não nucleares [o Japão não produzirá, terá ou permitirá a presença da bomba em seu território], que podem ser transformados em dois ou em dois e meio, de modo que navios americanos com armas nucleares possam ancorar em portos japoneses sem restrições.
Esse movimento responde ao temor da ascensão chinesa?
Até há dois meses, o único medo real no Japão era da Coreia do Norte. Mas esta está exaurida, falida, e ninguém de fato espera que vá lançar uma guerra contra quem quer que seja.
O que mudou no Japão recentemente é que a visão da China como uma ameaça começou a se espalhar, particularmente depois do incidente perto das ilhas Senkaku [a soberania sobre a região é disputada pelos dois países e o capitão de um pesqueiro chinês foi detido ao colidir com um barco-patrulha japonês].
O incidente se transformou num momento de expressão de raiva e hostilidade em relação à China. Pela primeira vez nos 65 anos depois do fim da 2ª Guerra, eu vejo a disseminação no Japão desse sentimento, com implicações perigosas.
Quando o governo Hatoyama foi formado, há apenas 16 meses, seu primeiro gesto foi enviar uma missão de 600 pessoas à China. Foi o ponto alto da amizade sino-japonesa. Em pouco tempo isso mudou, e o clima agora é inverso.
O que de fato aconteceu em Senkaku, na sua avaliação?
Difícil saber. Mas o fato é que essas ilhas são disputadas por Japão, China e Taiwan. Os EUA dizem não ter posição sobre os direitos de soberania. O governo japonês sempre se recusou a reconhecer que seja uma região disputada.
Quando o líder chinês Deng Xiaoping [1978-1992] visitou o Japão para a assinatura de um tratado de amizade, em 1978, disse que a questão das ilhas era muito difícil e sugeriu que o tema fosse deixado para uma geração 'mais sábia' no futuro.
Houve um acordo entre os dois lados para não fazer barulho sobre o tema. Quando a Guarda Costeira japonesa deteve o barco chinês, o governo da China ficou furioso e acusou o Japão de romper esse acordo.
E isso favorece a estratégia americana, não?
Sim, mas o problema para o Japão é que os EUA são agora uma superpotência em declínio, e estão ansiosos a respeito da China.
O Japão está aprisionado entre a lógica da Guerra Fria, quando os EUA eram a superpotência global e era necessário ser protegido por eles, e o presente, em que a China é o número dois do mundo. Não há futuro para o Japão sem cooperação econômica e ambiental com a China, que é seu maior parceiro comercial.
Hatoyama falou em uma Comunidade do Leste da Ásia, similar à Comunidade Europeia, e os EUA eram muito hostis a essa ideia. Mas acho inevitável que haja um organismo regional de cooperação.
O Japão está no centro da estratégia dos EUA no Pacífico. Essa aliança contribuiu para o fato de o país até hoje não ter normalizado totalmente as relações com os vizinhos que invadiu na Segunda Guerra?
O Japão do pós-guerra foi construído pelos EUA, e o objetivo principal foi ter um país subordinado. Por muitos anos, a regra foi que o Japão não teria nenhuma relação com a China. Na Guerra Fria, isso foi satisfatório para o Japão, que obteve grandes benefícios econômicos com a relação com os EUA. Mas isso significava que naquele período o país não precisava selar a paz com os vizinhos ou se preocupar com a China.
A situação mudou, mas a cabeça dos líderes políticos e burocratas japoneses continua no passado, e a crença de que o Japão deve fazer o que os EUA pedem é ainda muito forte. Em algum momento, o Japão terá que crescer e estabelecer uma relação de iguais tanto com os EUA quanto com a China, e isso significa ser honesto ao encarar o passado.
Apesar de 65 anos terem se passado, na China, na Coreia e em boa parte do Sudeste Asiático a percepção é a de que os líderes japoneses ainda não aceitaram honestamente a responsabilidade pela agressão e os crimes de guerra. Houve alguns passos adiante, mas a questão ainda não está resolvida de todo.
O sr. ficou surpreso com o fato de telegramas de diplomatas americanos divulgados pelo WikiLeaks terem indicado que a China é favorável à reunificação da península Coreana?
Não. Minha avaliação é que a China não tem uma relação especialmente próxima com a Coreia do Norte, mas preza a existência de uma zona-tampão entre seu território e as forças americanas [na Coreia do Sul]. Na Guerra do Coreia, os americanos chegaram à fronteira da China e esta reagiu com uma contraofensiva. Acho que a China aplaudiria a ideia da reunificação coreana, mas insistiria numa Coreia neutralizada, detalhe que os telegramas vazados não mencionam.
Nesse caso, isso seria do interesse dos EUA?
Não. De certo modo, a estratégia americana requer uma Coreia do Norte, e uma Coreia do Norte hostil. Do contrário, qual seria a razão para a presença de suas forças na Coreia do Sul e no Japão? Tenho certeza de que no Pentágono há muita consciência disso. Do outro lado, claro, os EUA são importantes para a Coreia do Norte, porque a única coisa que unifica a ditadura é a hostilidade das grandes potências.
Mas ainda estou esperando os telegramas da embaixada em Tóquio. Se os acordos secretos com Washington forem expostos, haverá um impacto grande.
Vietnã e outros países no Sudeste Asiático estão assinando acordos de cooperação militar e nuclear com os EUA. Como interpreta isso?
A atitude na região é determinada pelo fato de a China ser grande e perto, enquanto os EUA são grandes, mas distantes. Você se alia ao que está longe para contrabalançar o que está perto, isso é básico. Mas os governos do Sudeste Asiático são realistas, sabem que a China não vai sair dali.
Por outro lado, acredito que a construção de instalações navais pelos americanos e chineses na região vai alimentar a instabilidade nos próximos anos.
A China vem tendo posição mais assertiva no seu entorno, especialmente marítimo. O país tende a ser mais hostil em relação aos vizinhos?
É difícil saber o que vai na cabeça dos formuladores políticos em Pequim. Mas o fato histórico é que todos os líderes chineses estão muito conscientes da humilhação que a China sofreu por 150 anos sob os imperialismos ocidental e japonês. Sua primeira regra é não permitir que o país seja enfraquecido ou vitimizado de novo.
A China está recuperando a posição econômica que tinha há 200 anos, quando respondia por 50% da economia mundial. Mas nunca foi um poder expansivo, militarmente imperialista. Claro que historicamente teve períodos alternados de expansão e contração na Ásia Central e, no Sudeste Asiático, as relações entre a China e o Vietnã sempre foram complicadas, especialmente na administração da fronteira. Mas acho que esse lado foi resolvido.
Claro que a China está se expandindo militarmente, mas seu objetivo básico é defender suas águas territoriais. No Mar do Sul da China existem as ilhas disputadas pelos chineses, vietnamitas e indonésios. Acho que é preciso haver um acordo internacional sobre essas elas.
No Mar do Leste da China, havia negociações avançadas entre Japão e China para o desenvolvimento conjunto dos campos de gás e petróleo. Mas o Japão interrompeu essas tratativas, e não há como explorar esses campos sem cooperação porque eles avançam sobre as duas fronteiras.
O Japão ajuda a pagar a manutenção das bases americanas em seu território. Isso vai continuar?
Por causa dos problemas econômicos americanos, isso se tornou um tremendo benefício para os EUA. São cerca de US$ 5 bilhões por ano em subsídios, a chamada 'taxa de apoio do país anfitrião'. E, apesar dos problemas financeiros do Japão, o governo decidiu que, no Orçamento para 2011, não haverá redução nessa verba. 


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