Retornos e recomeços. Experiências construídas entre Moçambique e Portugal.

June 15, 2017 | Autor: Marta Rosales | Categoría: Social and Cultural Anthropology, Colonialism, Post-Colonialism, Mozambique, Goan Diaspora
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Descripción

_¡NSTITU'TÕ DË ÜI

ÕPs o ADEUS AO rMPÉRIO -

40

ANOS DE DESCOLONIZAçÃO

Mário Machaqueiro e Pedro Aires Oliveira indice remissizto; Carla Araújo e jorge Machado-Dias Organizøção: Fernando Rosas,

ORGANIZAçÃo FERNANDO ROSAS, MÁruO MACHAqIETRO

R,:)'',/'

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crAS stciÂ,s

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ßIåLIOTECA E

PEDROATRES OLTVETRA

Reuisão de texlo: Joào Ferreira Colecção:

Documenta Historica

-

Série especial

@ Nova Vega e Autores, 1.e edição (2015)

OADEUS

Direitos reseruados em língua portuguesø por: Nova Veg4 Lda. Apartado 4352 - 1503-003 Lisboa

AOMÉruO

[email protected]

www.novavega.pt

4OANos DE DESCOLONIPORIUGUESA Sem autorização expressa do editor nøo é permitida ø reprodução

parciøl ou total desta obrø

clesde que

Jinalidades específicøs dn diaulgøção

Edit or

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tøl reprodução não decorra e dø

clas

críticn.

: Assírio Bacelar

Capa: Carlos César Vasconcelos lmøgem da capø: Caixotes de madeira com os

pertences de retornados, Lisboa (foto de época) Pagínøção electrónica: Jorge I SBN : 97 8-989 -7 50 -040 -4

Machado-Dias

Depósito legal n,e 40041.3115 Impressão e acøbamento:

Artipol - Artes Tipográficas, Lda.

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ÍNorcn

Introdução.

.......'...'........7

Fernando Rosas, Mário Machaqueiro, Pedro Aires Oliaeira O Anticolonialismo tardio do antifascismo português

L3

Fernando Rosas

25

Os partidos nacionalistas africanos no tempo da revolução

MøIunNaaitt O balanço militar em1974 nos três teatros de operações NorrieMncQueen

44

A descolonização portuguesa: o puzzle internacional

60

Pedro Aires Oliueira

Visões das forças políticas portuguesas sobre o fim do império, dois planos em confronto e uma política exemplar de descolonização (1974-1975)

78

Bruno CørdosoReis

Guiné-Bissau: libertação total António Duarte Silaa

e

reconhecimentos portugueses

1.02

125

O processo de descolonização de Cabo Verde Ângela Sofiø Coutinho

Moçambique, descoloni zação

e transição para

aindependência:

herança e memória AméliaNeaes de Souto

...'.....'...........'..141

O processo de descolonização de Angola F ernando T aa øres P imentø

A inelutável independência ou os (in)esperados ventos de mudança emSão Tomé e Príncipe

1,57

\75

AugustoNascimmto O inacabado processo de descolonização de Timor Fernøndo Augusto de Figueiredo

Retornos e recomeços: experiências construídas entre Moçambique e Portugal Mørta Vilar Rosales Memórias em conflito ou o mal-estar da descolonização Mário Møchaqueiro

............. Notas biográficas dos Autores Índice remissivo

O trabalho de investigação que envolveu este livro foi financiado por fundos nacionais através da FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projectoUlD/H'lS/04209/2013

191

209 227

'......'.'.....247

....254

Retornos e recomeços: experiências construídas entre Moçãmbique e Porfugal Marta Vilør

Rosales

" Vínhømos à rua e aígmos ømontoados de caixotes. Pnrecia umø cidade encøixotadq. Erø umø aisão impressionønte. A

corrida...chegou a não haaer madeirs pørø fazer cøixotes. (...) Enchiø-se tudo, tudo. (...) Umn aez fui øo cais e o espectáculo era degradante, erahumilhnnte, tão triste. Nunca møis me posso esqLtecer."l

O processo de descolonização do "primeiro e último império colonial em África"z envolveu directa e indirectamente uma parte considerável da população portuguesa. Dos quase meio milhão de indivíduos envolvidos neste intenso e cornplexo processo, estima-se que o número de retornados que chegaram

a

Portugal vindos de Moçambique

corresponderá a cerca de 34% (158 945 pessoas). Este capítulo tem como objectivo contribuir para a discussão e análise deste processo central da sociedade portuguesa contemporânea a partir de uma lente original: a das experiências vividas por dez famílias que integram o êxodo de Moçambique e se encontram desde então em Portugal. De origens Goesa e Portuguesa, estas famílias apresentam duas particularidades que as tornam não representativas da generalidade da população retornada. A primeira prende-se com o facto de possuírem uma experiência de vida longa na antiga colónia, o que contrasta com as trajectórias da grande maioria dos indivíduos envolvidos no retorno das ex-colónias. A segunda particularidade resulta da posição que ocuparam na estrutura social moçambicana, que as coloca num lugar privilegiado face à restante população do território durante o período colonial. Como irá ser discutido ao longo do

capítulo, estas particularidades contextualizam objectiva e subjectivamente

as

memórias, discursos e avaliações das famílias em causa, o que as torna simultanea-

I

mente singulares

e

interessantes.

1

Esta e as demais citações em itálico do presente capítulo resultam de um conjunto de entrevistas realizadas em Lisboa e Maputo entre 2002 e 2005 junto de várias famílias de origens portuguesa e goesa/ no âmbito da investigação que daria origem à tese de doutoramento da autora em Antropologia Social e Cultural: As Coisas da Casa. Objectos Domésticos, Memórias e Narrøtiaas Identitórias de Famíliøs com Traj ectos Transcontinentals (FCSH/UNL, 2007). Dietmar Rothermund, The Routledge Companion to Decolonizatior (Londres: Routledge, 2006).

2

210

O capítulo encontra-se estruturado em três partes. Na primeira faz-se uma breve introdução às migrações de retorno resultantes da descolonização portuguesa. Esta primeira parte é construída a partir de dados de natureza qualitativa e quantitativa, recolhidos a partir de fontes secundárias, e tem como objectivo enquadrar a segunda e terceira partes. Na segunda parte apresentam-se as linhas dominantes que sobressaem das experiências vividas pelas famílias. Exploram-se as primeiras reacções à revolução e ao fim inevitável do império, a pluralidade de posições existentes nas famílias em relação ao abandono de Moçambique, bem como os modos encontrados para escolher, gerir e transportar a s " coisas de Africa" que as acompanharam na viagem para Portugal. Na terceira parte retratam-se as experiências quotidianas clos primeiros tempos de vida em Portugal, os processos de acomodação3 a um novo contexto e as trajectórias percorridas até ao presente. Na segunda e terceira partes, dar-se-á especial atenção às práticas e aspectos regulares das vidas das famílias, usando como lente analítica a sua relação com o espaço doméstico e a materialidade que, com as famílias, nele habita. Esta opção procura responder, por um lado, à relativa falta de informação disponível sobre as dimensões quotidianas e rotineiras da vida. Muitas vezes preteridas emfavor dos momentos e eventos extraordinários, estas são no entanto fundamentais para o entendimento da realidade social e das forças que lhe dão forma e conteúdo. Por outro lado, esta opção é reveladora da importância discreta da materialidade para a convocação de memórias, estabilização de processos disruptoresa e estabelecimento de novos posicionamentoss e novas relações com o outro e consigo mesmo6. As coisas das casas e as suas vidas sociaisT falam das trajectórias percorridas por si mesmas e pelas famílias, quer reforçando ideias e posições por elas expressas quer sugerindo visões e pormenores complementares

e/ou alternativos aos seus discursos.

Contextualização A descolonização Portuguesa iniciou-se pouco depois da Revolução de Abril, ainda durante o processo de transição do país para a democracia. Motivo de conflito entre os principais protagonistas do processo, foi alvo de sucessivos e intensos debates entre SpÍnolae o Movimento das ForçasArmadas (MFA), aomesmo tempo quemarcavapresençanas manifestações públicas que emergiam pelo país. A totalidade dos partidos de esquerda mostrava-se favorável à descolonização. O processo encontrava--se inscrito nos seus programas políticos e ocupava um lugar central nas preocupações dos dirigentes do Partido Socialista (tlS), do Partido Comunista Português (PCP) e do Movimento Democrático Português/ Comissão Democrática Eleitoral (MDP/ CDE) que entraram nos primeiros governos provisórios8. Os partidos de centro-direita manifestavam-se, ou igualmente favoráveis à descolonização (caso do Partido Popular Democrático), ou aproximavam-se discretamente da opção federalista defendida por Spínola. 3

a

Daniel Miller, Stuff (Londres: Polity Press, 2009). Marta Rosales, "The domestic work of consumption: materiality, migration and home making",

Etnográficø 14.3 (2010): 507-525. Pierre Bourdieu, Lø Distinction. Critique Sociale du lugement (Paris: Minuit,1,979). 6 Mary Douglas e Baton Isherwood, The World of Goods (Londres: Routledge, 1979). 7 Arjun Appadurai, The Social Life of Things (Cambridge: Cambridge University Press, 1986). 8 António Costa Pinto, "Portugal e a resistência à descolonização", in Francisco Bettencourt e K. Chaudhuri (orgs.), Históriø da Expansão Portuguesn, (Lisboa: Círculo de Leitores, 1999).

5

Retornos

O Adeus ao Império - 40 Anos de Descolonização

e

recomeços:

experiências construídas entre Moçambique

e

Portugal

211

Segundo Costa Pintoe, a descolonização portuguesa foi da exclusiva responsabilidade dos governos portugueses. Muito embora a revolução e a questão das colónias tenham despertado o interesse da comunidade internacional, Portugal geriu sozinho o processo em todas as suas fases. Depois da queda de Spínola em Setembr o de 1974, a descolonização evoluiu rapidamente, assumindo urn carácter global. A pressão internacional, os movimentos de libertação e uma vontade generalizada de resolver rapidamente o problema das colónias, convergiram decisivamente afectando uma parte significativa das forças políticas no sentido da busca de uma decisào célere e uniforme. A descolonização decorreu de facto rapidamente. A independência nas antigas colónias foi negociada e concluída em poucos meses. Este facto, aliado às guerras civis que eclodiram e à reduzida participação dos colonos na definição e gestão da transição para a independêncial0, precipitou a saída massiva de colonos em direcção a Portugal e, nalguns casos, a países vizinhos como a Africado Sul ou o Zimbabué. O repatriamento da população portuguesa residente nas colónias não constitui um fenómeno original na história do século XX europeia. A França, o Reino Unido, a Itélia, aBélgica e a Holanda conheceram igualmente processos de repatriamento intensos/ num período que se estende do pós-guerra aos anos setenta e que envolveu aproximadamente quatro milhões de pessoas. Assim, e apesar das suas especificidades,

não se pode afirmar que o caso português constitua uma originalidade no quadro europeu. Embora o número de repatriados portugueses seja relativamente significativo (505 000 pessoas), o facto que mais o demarca dos demais processos europeus prende-se sobretudo com a sua temporalidade. Este factor é, segundo Pena Pires11, determinante para a sua caracteúzação por duas razões. Em primeiro lugar porque o repatriamento português ocorre num momento de crise económica intérnacional e nacional, com especial impacto a nível do mercado de trabalho. Em segundo lugar porque foi fundamental para a definição das condições em que se desenrolaram a integração no contexto de acolhimento e o desenvolvimento de identidades colectivas originais entre os envolvidos no processo. No caso português, o facto do processo de repatriamento ter

ocorrido massivamente durante o ano de 1975 poderâter contribuído para valorizar a memória de uma experiência comum e/ consequentemente, para secundarizar os elementos distintivos existentes entre a população repatriada. A partilha do retorno não produz¡u, no entanto, resultados significativos ao nível associativo e de autodemarcação no contexto da população portuguesa em geral. As referências à existência de animosidades e desconfianças em relação aos "retornados" um pouco por todo o país12 coexistem com registos que tendem a sublinhar o sucesso da sua integração no contexto nacionall3. Espera-se que os registos etnográficos que se apresentam ao longo deste capítulo contribuam para iluminar a aparente contradição presente nestes dois argumentos centrais. e

Pinto, "Portugal e a resistência à descolonização". Rui Pena Pires, "O regresso das colónias", in Francisco Bettencourt e K. Chaudhuri (orgs.), Histórin da Expnnsão Portuguesa, (Lisboa: Círculo de Leitores, 1999). 10

11

Pires, "O regresso das colónias".

Stephen C. Lubkemann, "The moral economy of Portuguese postcolonial return", Diøsporø: A |ournal of Trønsnøtionnl StudiesLL.2 (2002): 1,89-21,3. 13 Rui Pena Pires, "O regresso das colónias", in Francisco Bettencourt e K. Chaudhuri (orgs.), Históriø dø Expansão Portuguesa, (Lisboa: Círculo de Leitores, 1999). 12

212

O Adeus ao Império

Retornos e recomeÇos: experiências construídas entre Moçarnbique

- 40 Anos de Descolonização

A maioria dos processos migratórios associados às descolonizaçÕes encontra enquadramento no termo repatriamento, que designa os movimentos migratórios de refugiados, mais ou menos forçados, em direcção ao seu estado nacionalla. Embora nem todos os processos de repatriamento ocorridos na Europa no século XX resultem de descolonizações, estas assumiram um carácter central, sobretudo durante as décadas de 50 e 60, envolvendo mais de quatro milhões de pessoas. Em termos gerais, o processo de repatriamento português apresenta câracterísticas que o distanciam de outros semelhantes ocorridos no decurso das descolonizações efectuadas por outros países europeus. Pena Piresls realça três factores distintivos. O primeiro diz respeito à dimensão do contingente de repatriados que, embora registe números próximos dos apresentados pelo Reino Unido e ltália, supera os contingentes espanhóis, holandeses e belgas. Atendendo ao número de habitantes do país, o fluxo de repatriados portugueses é, deste modo, consideravelmente mais elevado do que o apresentado pelos restantes países europeus, representando 5% da população total residente em 1981. O segundo factor divergente prende-se com o contexto temporal em que o processo ocorreu. As especificidades da política colonial do Estado Novo fizeram com que os processos de repatriamento dos restantes países europeus coincidissem temporalmente com a intensificação do fluxo migratório para as colónias nas décadas de 50 e 60. A terceira diferença invocada relaciona-se com a intensidade e concentração no tempo em que o processo ocorreu dado que, segundo o autor, a grande maioria dos repatriados terá chegado a Portugal no decurso do ano de1975. Embora as características acima descritas digam respeito à generalidade da população repatriada, é necessário referir a existência de situações diferenciadas neste grande contingente. Apesar de a maioria dos portugueses residentes nas colónias ter decidido abandoná-las16, Portugal não terá sido para alguns, nem o primeiro destino nem o único. Rui Pena Pires apresenta no seu estudo uma sociografia relativamente extensa da população repatriada,realizadacom base em dados recolhidos no âmbito do Censo de 81, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Da quantidade considerável de dados trabalhados pelo autor, despertam particular atenção aqueles que permitem ler semelhanças e especificidades das famílias que integram este capítulo, face à generalidade da população repatriada. Observe-se em primeiro lugar alguns dados gerais relevantes sobre esta população, para em seguida se focar a atenção sobre o caso moçambicano. De acordo com os dados do INE resultantes do censo de 1981, a população retornada era compostapor 471.427 individuos,6'J.% dos quais com origem em Angola (290 504),34% ernMoçambique (158 95a) e os restantes 5% das demais ex-colónias. A larga maioria da população teria nascido em Portugal, não se notando a existência de uma prevalência regional clara, com excepção do Alentejo que se apresenta claramente sub-representado. Pena Pires chama a atenção para o contributo que o norte f centro interior do país parece ter dado para esta migração específica, sobretudo o distrito de

e

Portugal

213

Bragança. No que respeita ao distrito de residência à data do censo, observa-se uma concentração clara em três distritos (Lisboa, Porto e Setúbal), sendo que um terço da totalidade dos mesmos se encontrava em Lisboa. A composição demográfica da população retornada apresenta, na sua generalidade, diferenças consideráveis face à estrutura da população portuguesa da época. O número de homens supera o número de mulheres e a estrutura etária aponta para uma população maioritariamente jovem. Estas duas características são menos evidentes nos casos de Angola e Moçambique do que no caso das restantes antigas colónias. Mesmo assim, estima-se que 64% da população envolvida neste processo tivesse menos do que 40 anos e apenas 22,7% tivesse mais do que 60 anos em 1981. Estes dados reforçam a representação da migração ultramarina portuguesa como uma migração tardia e sobretudo intensa nos últimos anos do período colonial. Segundo Castelo17, residiriam em Angola, em 1920, 20 700 indivíduos e em Moçambique, no mesmo período, cerca de 11 000. Os fluxos migratórios para os dois territórios foram sofrendo períodos de maior e menor intensidade, fruto da evolução das conjunturas interna e externa e terá atingido os seus valores mais altos ern\965, jâ depois de iniciada a guerra colonial (19 804 de entradas no caso de Angola e9 209 de entradas no caso de Moçambique). Segundo a autora, este crescimento decorre sobretudo do desenvolvimento das economias de Angola (muito dinamizada pelo esforço de guerra) e de Moçambique que atraíram um número considerável de quadros técnicos da administração pública, dos serviços e da indústria. Castelo refere ainda que Moçambique apresenta um claro decréscimo das entradas a partir de1965, sendo que no caso de Angola este processo só se fará notar mais tarde, a partir de1970. A distribuição da população repatriada pelo território nacional seguiu um padrão desigual. Dos originários de Moçambique,35,6% residiam, à data do Censo de 81, no distrito de Lisboa, 11-% no distrito do Porto, e9,7% no distrito de Setúbal17. No que se refere à população oriunda de Angola, e no mesmo momento temporal, observa-se uma concentração em Lisboa ligeiramente inferior à apresentada pelo primeiro grupo (30%), e valores muito equivalentes no que respeita ao Porto e a Setúbal. Esta concentração territorial (mais de 50% da população reside em apenas três distritos) reflecte, segundo Pena Pires, uma clara opção pela fixação em espaços urbanos, especialmente pelos de maior dimensão e que ofereciam à data maiores oportunidades de emprego. Apesar disso, o retorno de repatriadosre nascidos em Portugal ao seu distrito de naturalidade apresenta valores muito significativos (53%), o que poderá ser explicado pela necessidade de recorrer ao apoio das redes familiares para a reintegração no território nacional. Estarazão terá sido mesmo, segundo o autor, a mais importante na determinação do local de residência, em termos globais. No que respeita às qualificações escolares, o primeiro dado a merecer atenção prende-se com a disparidade existente neste domínio entre a população repatriada e a população residente. Os contrastes são significativos, quer no que respeita à percentagem Cláudia Castelo, Pnssagens pørø ,4.frica. O Poooamento de Angola e Moçambique com Nnturais da Metrópole, 1920-1.974 (Porto: Afrontamento, 2007). 18 Rui Pena Pftes, Migrações e Integração (Oeiras: Celta, 2003). 1e Não é disponibilizacla informação diferenciada por colónia de origem, daí que os dados apresentados 17

15

Rui Pena Pires, Migrações e lntegração (Oeiras: Celta, 2003), 190.

r6 Pires, Migraçoes e Integraçoo. 17

Flouve igualmente situações em que se optou pela permanência, e mesmo pelo retorno posterior, como foi constatado ao longo da pesquisa.

respeitantes à distribuição da população repatriada, segundo o distrito de naturalidade, digam respeito à totalidade dos indivíduos vindos das ex-colónias.

214

O Adeus ao Império

Retornos

- 40 Anos de Descolonização

de analfabetismo, quer no que respeita à conclusão de formação superior (ver Quadro 1). Analisando os dados referentes à população com 30 ou mais anos em 1gï12o, constata-se que as percentagens de analfabetos e de indivíduos sem qualquer grau

escolar na população residente (28,3% e20,2%, respectivamente) são mais elevadas do que na população repatriada (5,8% e L0,5%, respectivamente). os dados relativos à formação média e superior permitem ainda inferir que a percentagem de residentes com

formação superior não atinge os 3%, estando abaixo da população repatriada que apresenta valores a rondar os 5%, e o mesmo se passando com a formação média, embora com diferenças menos significativa s (1,2%

e

2,6To,respectivamente).

Quadro 1: Repatriados e população residente total com 30 ou mais anos por qualificação académica Po¡r1¡

Total

270 265

10û

5..r32 213

100

'15 744

5,11

'r 454 2¡J5

28,3

cscrevcr scm tcr gr.ìu Primário clenrelrtar Prcpar;rirlrio Srcr.u-rdário urrificado Sccuncl á rio cornplemcntat r Pro¡;s1iþ1¡¡i¡6 ou .12" ¿uro Curso profissional r.¡r¡ ariístiço S¿rl¡r: lc.r e

Curso méclio Curso suf¡erior

N

28 417

10.5

1 035 92f:

20,2

131 829

48,¡i

1 819 12û

35,4

30 932

11.4

223 351

4,4

27 912

103

201 48û

1.O

11 085

4,1

76724

1.5

1 178

0,4

B 314

3 271

1,2

20 234

t,2 o4

12 895

't,2

if) 9(]i

7 0û2

4,8

215

Portugal

l98l

Profissões

N

Total

o/c

239 486

100

!'rofissires cit*rtífieas, téc¡ricas, ¿¡rtíseas e sinrilares

30 330

12,7

Dilectoles c quirdtos supcriorcs ¿rr.-ltni¡ristrativos

,l 38(}

1.8

sinrilares

58 t!55

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Itcsst¡¡l clo cotnércir-¡ e vctrtlcdores

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Dircclorcs { Ècrcntcs rie hotôi¡, e¡fés. rest¿ìur.l¡ltr..É Agriculkrrr's, pcsc¡dor¡:s c c¿ìç¡dorûs

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13 274

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)1

Fonte: INE., Recenseamento Geral da População, 1981, ern Pena Pires (2003:216).

t/r

N

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e

l¡ç¿6 Resiri-rr te

Qualif icação aeadémica

ela

recomeços:

Quadro 2: Repatriados por profissões,

T:orças ;rrmatlirs

Rt'patriatlos

e

experiências construídas entre Moçambique

115 889

Fonte: INE, XII Recenseamento Geral da População, I 98 l, em Pena pires (2003:

2 I

3)

As tendências demonstradas pelo quadro mantêm-se em relação à populaçao em situação de escolarização. A taxa bruta de escolarização da população jovem repatriada é cerca de duas vezes superior à da restante população, quer no ensino secundário (81.,8% e 43,4%, respectivamente), quer no ensino superior (18% e 8,7%, respectivamente). Com base nesta informação, argumenta-se no sentido de a população repatriada ter constituído, em termos de qualificações académicas, um reforço importante Para a população nacional, factor que terá sido determinante para a sua integração positiva no mercado de trabalho. O quadro seguinte procura sintetizar a distribuição da população repatriada2l activa (52% do total). Os resultados apontam no sentido de uma integração profissional que se revela significativa nas áreas das profissões científicas, técnicas e artísticas (12%) e dos serviços administrativos (24,2o/o).

Pena Pires descreve o plocesso de integração da população repatriada na sociedade portuguesa, em termos gerais, como um caso de integração rápido e bem-sucedido22. De acordo com o autor, os repatriados usufruíram de um conjunto de apoios estatais23 que/ embora importantes/ se pautaram por ser manifestamente inferiores aos concedidos pelos outros países europeus aos seus repatriados. Nesses sentido, terão sido outros os mecanismos fundamentais que permitiram que a maioria dos repatriados tenha integrado a sociedade portuguesa com sucesso. O primeiro aspecto diz respeito ao facto desta população ser maioritariamente composta por emigrantes de primeira geraçao. Este facto permitiu accionar com relativa facilidade vínculos relacionais com iedes e contextos anteriores de pertença, com especial incidência para a família. O segundo factor prende-se com o facto de o retorno ter coincidido com uma coniuntura de mudança acélerada e abrangente na sociedade portuguesa. Esta fez-se sentir sobretudo nas alterações introduzidas ao nível do alargamento do emprego público, decor-

rente clo desenvolvimento do sistema de Estado-Providência no país, o qual exigia "níveis de qualificação escolar mais frequentes entre os retornados que na generalidade da população"2a.Esta segunda particularidade conjuntural facilitou, não só a reinserção profissional da população repatriada com recursos académicos mais elevados, como contribuiu para a retoma das estratégias profissionais iniciadas nas colónias e interrompidas com o êxodo. A par destas alterações, Pena Pires refere ainda a existência de uma retracção por parte dos investidores tradicionais, o que ocasionou a abertura do mercado para novos agentes económicos e novas áreas de investimento. Destas mudanças resulta uma alteração alargada das hierarquias sociais, corn implicações na recomposição das elites socioeconómicas, o que permitiu que as elites retornadas tives2 De acordo com o autor, existem ciados que apontam para a existência de uma franja minoritária da

20

Opção tomada de forma a isola¡ os resultados da escolarização antes do repatriamento. Ver Rui

Pena Pires, Migrações e Integração (Oeiras: Celta, 2003), 2L2. 21

lJma vez mais não é disponibilizada informação diferenciada por coiónia de origem, daí que os dados apresentados digam respeito à totalidade dos indivíduos vinclos das ex-colónias.

população repatriada cuja integração envolveu processos de marginalização económica e social. Indicativo ä"åtu rltuuçaà é o facto ãe a pãrcentagem de repatriados desempregados constituir, em 1981, o dobro da população nacional em geral. Ver Rui Pena Pires, Migrações e lntegrnçño (Oeiras: Cella,2003),2I8. â, Ñomeaclamente, pequenas doações e assistência material e administrativa à chegada, crédito para actividades económicas em conclições especiais e facilitação na retoma da sua anterior inserção na função pública, através do Quadro Geral de Adidos. Ver Pires, Migrações e lntegrnção,226-247. 2a Pires, Migrnções e lntegrnção, 203-220.

216

Retornos

O Adeus ao Império - 40 Anos de Descolonização

sem oportunidade de negociar a sua inclusão de forma positiva. Em terceiro lugar, o autor refere a existência de um comportamento estratégico diferenciado decorrente da ex-

periência colonial. As diferenças correspondem, não só a experiências profissionais aprendizagens e competências de liderança aprendidas no contexto da sua participação nas estruturas coloniais -, mas tarnbém a expectativas de mobilidade social ascendente, comprovadas pelo forte investimento efectuado na (re)qualificação escolar, mesmo pela população adulta. Em síntese, e de acordo com o trabalho desenvolvido por Pena Pires, o repatriamento das ex-colónias portuguesas pode ser descrito, no plano social e na generalidade dos casos, como um processo positivo, para o qual contribuiu decisivamente um conjunto plural de factores ao qual se fez aqui breve referência.

e

recomeços:

experiências construídas entre Moçambique

e

Portugal

217

No 25 de Abril estáanntos nø Beirn. Percebi logo como é que as coisns se inm pøssar. Cotnecei imediatamente a prepnrør terreno para aoltarmos pørø cá. Se não por nós, pelo menos por causa dos miúdos. Não quero parecer pretensioso e nuncø me enaolai em acção política, møs procurei sempre estør o mais informndo possíuel. [...] Internamente føIaaa-se do glorioso império português a combster os terroristøs, tnas eu lembro-me de ter ido a Noaa lorque e de nøs Nnções l-lnidas o moaimento da FRELIMO ser reconhecido formølmente como moaiffiento político. [...] Compreendi rapidømente o que ia øcontecer em

Moçambique.

Surpreendidas pela rapidez do desenrolar dos acontecimentos e sujeitas à instabilidade criada pela inexistência de uln programa bem definido no que respeita à "questão colonial", as famílias entrevistadas descreveram detalhada e longamente esta

No caso das famílias que optaram por permanecer no país nos primeiros anos após a independência, os discursos recolhidos apontam no sentido da inexistência de uma justificação dominante que sustente a decisão de permanecer em Moçambique. O mesmo se pode afirmar em relação às avaliações realizadas sobre os primeiros tempos de independência. As entrevistas sugerem que o modo como as famílias em estudo se posicionaram face ao novo contexto político e social está longe de ser homogéneo. Se há famílias que, apesar de assumirem uma postura crítica e não coincidente com a nova ordem roãiul, optam " por ficar" por razões de defesa do seu património económico e/ ou devido ao facto de a maioria das suas redes de sociabilidade ter tomado a decisão de permanecer no território, existem também casos em que o projecto político do novo estado moçambicano foi defendido de forma intensamente participada. Assim, encontramos casos de apoio efectivo à revolução e ao processo de independência e, simultaneamente, de oposição clara ao novo regime político. O segundo ponto de interesse decorre do primeiro e chama a atenção para o facto de todas as famílias terem abandonado Moçarnbique nos primeiros anos da independência2s, apesar da cliversidade de posicionamentos de que se deu conta anteriormente. Ao contrário das razões apontadas para a permanência, os motivos apontados para o êxodo são muito semelhantes e estão relacionados com duas razões centrais: o desmantelamento de instituições, sobretudo ao nível da saúde e da educação, e o facto de a maioria das famílias ter filhos

fase das suas biografias, que caracterizam como um momento marcante e complexo. O

muito jovens.

Experiências de Retorno: Abandonar Moçambique A queda do regime, bemcomo

a sucessão de

acontecimentos que se lhe seguiram,

foi recebida com apreensão pela generalidade das pessoas que habitavam na colónia. Segundo relatou a grande maioria dos entrevistados, o 25 de Abril constituiu o primeiro momento em que os colonos portugueses verdadeiramente equacionaram a possibilidade da sua continuidade em África ser interrompida, apesai do conflito armaclo no

território decorrer há aproximadamente uma clécada. Penso que ø maioriø døs pessoøs uiaiø com "a cøbeçø enterradn ns øreis", Ninguém acreditnaa que a Suerrq, que eru ums coisa que tt se passaaa lá no norte" , clrcgnsse cá ø baixo àBeirs e muito menos aLourenço Marques.

primeiro elemento de interesse que sobressai dos seus testemunhos prende-se com a diversidade de posições existentes relativamente à sua permanência em Moçambique. No que se refere ao momento de abandono definitivo da colónia, encontram-se duas grandes tendências: a primeira, minoritária, em que se optou pela vinda para portugal no decorrer do período de transição para a independência ou imediatamente a seguir a esta; a segunda, maioritária, em que o êxodo aconteceu mais tarcle. o primeiro caso engloba apenas duas famílias, em que ambas justificam esta decisão como resultando de terem tomado rapidamente consciência de que "o (seu) estilo de vida estava conde-

nado a desaparecer". Nunca pusemos øhipótese

car depois do 25 de Abril. AIiás, percebe-se que quem o fez teae uma experiênciø desastrosq. Ficaram dois ou três ønos e não conseguirøm adøptør-se porque erq impossíael.Impossíuel. [...] vint mesmo a seguir à independência. Lembro-me de

f

perfeitamente dq cerimónia em que a bandeira de Portugnl foi substituídø peln bcmdeira de Moçambique. A seguir metemo-nos no aaião calmos e serenos. Nesse din, no aeroporto, eles pensnunm que aínhamos de férias, mas eu snbiø que nunca msis ig aottnr. [.,.] Comprámos bilhetes de idø e uoltn pørø não dør ø sensøção de fuga. Tinha de ser,

Quøndo se deu s reaolução nós concordámos cont eln. Achátnos bem e a nossø aontade era problemas. ficør e ajudør o país. E tentámos. Ficámos até 77. Depois comeÇaratn ahøoer Os primeiros problemas comeÇaraffi pelo facto de sermos cøtólicos, Os meus filhos eraftl ncusados nn escolø pelos colegas e professores de serem " alienados" . [...] Foi uffia {¡Itura te.rrí1el Na ruabatiam-nos no carro. Sabe, na nosss testø não estrtuct escrito se éramos ou não ø fnztor da independênciø e passámos por muitos sustos. Começámos a pensar nss Penso que por nós tínlumos ftcado, møs tiaemos que pensar rlos crianÇqs e no seu

futuro.

nossos

filhos.

As crescentes dificuldades decorrentes da transição política, aliadas a um quadro social que não possibilitava objectivamente a reprodução do estilo de vida anterior, le5 Tal como foi referido anteriormente, a totalidade das famílias em estudo chega a Portugal até ao final cla década de 70 (a úliima a estabelecer-se definitivamente fálo en 1979) o que faz com que nào se possa considerar os casos estuclados corno excepcionais no contexto do universo da população repatriada. Para uma observação detalhacla desta questão, ver António Costa Pinto, "Portugal e a resistência à descolonização", in Francisco Bettencourt e K. Chaudhuri (orgs.), História dn EtVansño Portttguesn, (Lisboa: Círculo de Leitores, L999),75.

O Adeus ao Império

21.8

Retornos

- 40 Anos de Descolonização

vam

a que a totalidade das famílias opte por abandonar Moçambique definitivamente. As argumentações que sustentam a escolha de Portugal como destino de residência permanente constituem a terceira linha de questões a merecer uma observação mais atenta. Como foi referido anteriormente, um dos factores apontados por Pena Pires para descrever o processo de retorno português como um caso particularmente bem-sucedido decorre clo facto de estas serem constituídas maioritariamente por migrantes de prirneira geração. Dado que esta característica não se aplica a nenhuma das famílias em estudo, a decisão quase generalizada2' de migrar para Portugal é descrita pela maioria das famílias como uma decisão difícil de tomar. Como referem alguns dos entrevistados, Portugal representava um destino que, apesat derelativamente conhecido, não correspondia efectivamente ao sentimento de retorno. Muitas das famílias referem ter ensaiado a possibilidade de se estabelecerem nos países afric¿rnos vizirùros ou de migraïem para o Brasil. Apesar de se encontrarem há algumas gerações a viver em Moçambique, a maioria optou pela solução que descrevem como "mais segura". Os países africanos apresentavam o risco de evoluírem politicamente para uma conjuntura semelhante à ocorrida em Moçambique e o Brasil, do ponto de vista do mercado de trabalho, não oferecia as mesmas possibilidades de integração profissional que os contactos estabelecidos em Portugal ou a pertença ao quadro do funcionalismo público português pareciam garantir. Estas afirmações não devem, contudo, ser interpretadas como factores de relativização da decisão tomada. A maioria dos entrevistados não podia cotttar, à partida, com a existência de redes de apoio informal e preParou-se antecipadamente para umprocesso de integração moroso, no que descrevem como um contexto "estran geiro" :

Foi um choque culturnl incríael. Aindahoje é difícil conaíaer com determinadqs dimensões destepaís. Pensei emaoltar (pøra Moçambique) muitas oezes. Penseí epenseí arduamente.

O caso das famílias de origem goesa apresenta algumas singulariclades que decorrem, em primeiro lugar, da sua origem especificae,em segundo, da opção de se fixarem nas antigas colónias britânicas nunca se ter posto devido às políticas de apørtheid em vigor. Embora as suas representações sobre Portugal não fossem necessariamente tão críticas como as expressas pelas famílias de origem portuguesa, migrar para a antiga metrópole constituiu uma "aventura, dado que o nosso país de origem era Moçambique-. Assim, as questões centrais que se levantaram relacionaram-se sobretudo com o facto de as famílias não terem optado por retornar a Goa. As respostas chamam a atenção païa a existência de dois aspectos que pesaram nas estratégias desenvolvidas pelas famílias: a sua carreira profissional no quadro da função pública ou em empresas privadas de capital português, o que lhes proporcionava uma perspectiva positiva de integração em Portugal, e as especificidades do seu relacionamento com a origem. Goa não

foi o destino eleito pela msioriø dos goeses porque muitos deles erøm funcionários públicos, o que lhes gørantiø integrøção no mercødo de trctbøIho cá.

Da totalidade das famílias apenas há a registar dois casos em que a migração não ocorreu clirectamente

para Portugal.

recomeços: e

Portugal

219

Antes de uir, passamos por umø føse ern que não percebentos bem se somos cøpøzes de uiaer nanossn terra, ou sernmos ter de søir. Essaføse foi,curtøpnrnuns e mãislongøpørø outros, porque significou cortar com as rsízes. Custou-me muito tomar s decisão. [,..] Eu pendiø entre encontrar um sítio em que me encontrøsse minimamente integrado. A decisão ers entre uir pnra cá e adøptar-me a utn noao contex.to, ou adøptør-me a0 noao contexto de Moçambique. Porque o contexto que eu conlrccia e onde tinhctaiaido não era opçã0, Tinha desapørecido. Muitns pessoas ainda o forøm reencontrûr em Macau, durønte algum tempo, A idn parø Mncau pørece-me que foi, não tanto rt procurø de nouos horizontes, ou por razões económicas, mas ø tentatiaa de reaiaer uma sociedade coloniøI próximø da que tinhnm aiuido em Africs. Foi uma procura de encontrar um estilo de uidn que já conheciam,

Como fica patente nos discursos dos entrevistados, se a opção de migrar e viver permanentemente em Portugal foi equacionada como um processo complexo e difícil, a opçao de retornar a Goa nunca chegou a ser verdadeiramente ponderada por qualquer das famílias. Como sugere uma das entrevistadas, o papel desempenhado pela origem goesa enquanto elemento identitário volta a marcar presença através de uma modatidade discursiva que se assemelha um pouco à apresentada pelas famílias de origem portuguesa, quando explicitam as suas representações sobre a metrópole, referindo-se a si mesmos como "portugueses diferentes". Nesse sentido, equacionar a reconstrução das suas vidas em Goa, à êpoca jâuma província da União Indiana, nunca constituiu uma hipótese exequível, independentemente de todos os mecanismos de reprodução cultural que marcaram a sua longa trajectória em Moçambique27, pelo que Portugal, a par com Macau, constituiu a hipótese mais viável como destino. Enquanto dimensão central do períoclo que antecedeu a saída definitiva de Moçambique, o abandono da casa é relatado pela generalidade das famílias de modo intenso. Uma vez tomada a decisão de migrar, todas as famílias foram confrontadas com a necessidade de tomar um conjunto de decisões respeitantes à(s) casa(s) que habitavamnesse momento e à generalidade dos seus objectos domésticos. As descrições apresentam especificidades próprias, pelo que não se pode afirmar a existência de um pãdtao uniforme no que respeita aos princípios que presidiram a todo o processo. De um moclo geral, ê possível distinguir a existência de duas modalidades de registos: a primeira, em que a saída foi planeada cuidadosamente, e a segunda, em que a decisão de abandonar a casa foi precipitada por uma conjugação de factores externos não

controláveis pelas famílias.

A escolha dos objectos a transportar para o novo destino obedeceu, para além das decisões tomadas pelos sujeitos, a um conjunto de critérios impostos pelas autoridades moçambicanas. Consicleradas pelas famílias "entraves adicionais", a existência de "listas" cle objectos cuja saída do território estava interdita e a obrigatoriedade dos funcionários alfandegários procederem a uma vistoria completa dos "contentores" foram contornadas pelas famílias, especialmente pelas que tiveram oportunidade de planear detalhadamente a sua saída. Para uma discussão mais cletalhada desta dimensão, ver Marta Rosales, "The Goan elites frorn Mozambique. Migration experiences and iclentity narratives during the Portuguese colonial perio.d", in Charles Westin et al. (oigs), ldentity Processes nnd Dynamics in Multi-etlmic Elrope (Arnesterdão: Amsterdam University Press, 2010), 220-233.

27 26

e

experiências construídas entre Moçambique

O Adeus ao Império

220

Retornos

- 40 Anos de Descolonização

Quøndo cheguei, os meus contentores

e øs

minhns

coisøs jó cá estøuam.

recomeços:

experiências construídas entre Moçambique A mobítiø da

cqsq

jantør, ns loiçøs, Tudo isso tinhø aindo øntes atraués de pessoas conhecidqs que eram despachøntes e que se prontificøram a øjudør. Llm ømigo nosso, que era dø mørinha, de

foi

øssistir so embørque dos nossos contentores. Foi ele que os trouxe. [...] euando chegámos fomos buscør as nossas coisøs. Aos poucos e poucos fui mandando tudo o que tinia.

as minhas jóiøs,

'cortødn

Anna Hecht, "Home Sweet Home: Tangible Memories of an Uprootecl Childhood", in Daniel Miller (org.), Honte Possessions. Mnterial Culture behind Closed Doors (Oxford: Berg, 2001), I2Z-I45. 2e Jean-Sebastien Marcoux, "The Refurbishrnent of Memory", in Daniel Milier (org.), Home possessions, 69-86.

221.

Portugal

euando aiemos não trouxemos nødø porque não quisemos. [. . .] Trouxe is minhns pratas e mais nødø. [...] Viei,mos para urna casû que não tinhø nndø. [...] Depois, mandaram-me ølgumøs coisas. Viersm três peçøs de mobiliário desenhadas e também aeio ø minhø colecção de relógios. Depois mandaram-me o meu quarto de hóspedes, o quørto døs miúdas, amesa dø sølø de jantar, møs jápequenaporque teae que ser

especiais.

O contexto temporal em que a decisão de migrar foi tomada desempenhou, na perspectiva dos sujeitos, um papel importante na possibilidade de planear com maior ou menor rigor a partida. Parece mesmo existir uma posição relativamente consensual no senticlo de afirmar que quem iniciou o processo de êxodo no decorrer do período de transição e nos primeiros tempos da independência do país usufruiu, à partida, de condições objectivas mais favoráveis do que os que optaram por permanecer mais tempo em Moçambique. Ainda de acordo com as argumentações das famílias, parece igualmente importante considerar as circunstâncias pessoais que marcaram o momento exacto do êxodo. De acordo com os registos recolhidos, houve casos em que uma série de eventos não controláveis (problemas corn as autoridades, problemas de saúde, perda repentina do posto de trabalho) precipitou a saída. Não pretendenclo relativizar os dois factores já enunciados, é no entanto importante chamar a atenção para a necessidade de os pensar num quadro mais abrangente. O abandono permanente da casa original é um momento especialmente crítico e intenso, no decurso de qualquer processo migratório. Como referem Hecht2s e Marcoux2e, a perda da casa, especialmente em contextos de migração forçada, equivale à perda de um património memorial e identitário importante, uma vez que implica a quebra da unidade de um contexto fundamental. Nesse sentido, e muito embora não se possa estabelecer uma correlação directa entre os objectos eleitos paraviajar e o modo como o passado é avaliado, reconstituído e materiali zado, as coisas retidas constituem um elo importante com o passado pois, de certo modo, contêm e representam o espaço doméstico perdido. O facto de as famílias expressarem posicionamentos diferenciádos, não só face aos objectos que integravam as suas casas em África/ mas também no que se refere ao modo como avaliaram a situação e as consequências da sua perda, desempenha uma função decisiva nas decisões tomadas. Assim, para além das condições objectivas apontadas, é igualmente necessário ter em conta dimensões de ordem subjeciiva para compreender as particularidades de que se revestiram as estratégias das famílias. Os resultados apontam para a existência de uma lógica fundamental que, embora com materializações diferenciadas, atravessa a generalidade das argumentações. Particularmente ilustrativa das perspectivas que desmistificam a conceptualização do estatuto, valor e significado dos objectos como uma dimensão definida a priori (Dou-

e

glas e Isherwood30; Bourdieu3l; Appadurai3z; Miller33) a generalidade das coisas preãentes nos espaços domésticos africanos foram submetidas a uma análise que conjugou a reaprôciação do seu significado e valor no momentò do êxodo, com um exercício de projecção face aos quotidianos no novo contexto.

Só se podiam trazer coisqs de acordo com umn lista que nos erû dsda. Tiae que escolher muitíssimo. [...] Nao podíømos trazer tudo. Deixei Iá øIguns objectos e mobílias muito

28

e

adøptadøparø caber ns sala de iantar daqui, as cadeiras e mais nada. porque sabiøm que fundamentølmente em trazer o que tinham chegauam'có sem' mais nada, Houae gente que trouxe coisas porque sabiø que não tinhø diríheiroparø comprar quando cá chegasse.lábastaaø apreocupação de chegør øumpaís

As

ó

pessoas preocuparaffi-se

noao e ter queprocurar empreSo e casa.

No primeiro exemplo, o menos comumno conjunto dos casos estudados, a lógica deixa transparecer uma sobrevalotização dos objectos seguida pela família e* "uuru p"ãrouis, fuce a outros objectos fundamentais para a reconstrução de um espaço domésa lógica inverte-se e opta-se por sublinhar as expectativas iico. No segundo "*"*pio, face ao futriro próximo ierem sido um elemento determinante na escolha dos objectos a reter. Para além das lógicas descritas, os registos recolhidos apresentam um outro conjunto de considerações-reveladoras da complexidade que envolveu o processo de abanäono da casa. Como já foi referido, não se registaram quaisquer casos em que fossem relatadas grandes pérdas resultantes de constrangimentos externos accionados pelo processo ãe exodo generalizado da colónia. O mesmo se passa no que respeita às àstratégias familiarei e pessoais seguidas. Independentemente da lógica dominante, nenhum dos entrevistaáos denunciou uma posição ambivalente face às opções tomadas há trinta anos atrás. Esta constatação não obvia a existência de elementos indiciadores de uma reavaliação profunda, quer dos objectos perdidos, quer dos objectos eleìtos. Como ilustram us a.gn*"trtaçõeã que se apresentam em seguida, os processos de escolha levados a cabo pelas famílias constituíram um momento muito significativo no modo como as suas relações com as coisas do passado-se estruturam no presente. Tiae que escolher muitíssimo. [...] Por exeffiplo, haaia uma mesalindíssima em minha cøsa que foi mandøda føzer pelo meu sogro que era arquitecto e desenhadø por ele. Era absolutamente espectacular: um p'é de mødeirø lindíssimo, um tampo de mármore enorme ' Tiae penø de ø d'eixar mas... tnmbém gostaaø de søber se a tiaesse trazido onde é que ø metiønas cøsas døqui. No geral,posso dizer que nmqioriødas coisøs quenão trouxefoiporquenão quis.Não tiaemos

groirdtt þrobtemøs.'Mas aou-lhe dizer umø coisa: muitas døs coisøs que hoie aalorizo Mary Douglas e Baron Isherwood, The World of Goods (Londres: Routledge, 1979). pierie Bouidieu, La Distinction, Critique Sociale du lugement (Paris: Minuit,1979). 32 Arjun Appadurai, The SociøI Life of ihings (Cambridge: C.amfrlle! Unive_rsity Press, 33 Dániel lvliller, Materinl culture and Mass consutnption (oxford: Blackwell, 1987).

30

3r

1986)

,).r')

O Adeus ao Império

- 40 Anos

Retornos

de Descolonização

cá, não aølorizøan de mûneira nenlruma lá. Mesnto não precistmdo,

ló tiaesse continuado não sei se lhes daria o nresmo aalor.

continuo

ø

recomeços: e

Portugal

223

trabolhoao em Moçøntbique aceitou-me cñ. Møs os que tinha colLgas da cotnissão de trabslhadores não me aceitsrøm nqds bem. Diziøm air parø cá de ainão de ,+frica, que tinln mnltratndo os pretos e agora não iinhs o direito ao meu msrido: eu não e nrranjøriogo trqbqlho. Foi de tal modo que eu dizia muitas r)ezes quero i",r trabilhar. Mqs ele respondia senlpre que tinha de ser porque não podíømos uiuer

usá-¡ts. se

Ao

Como já foi referido, o repatriamento das ex-colónias portuguesas apresenta urn conjunto de características que o diferenciam de outros ."ri't_ tantes dos demais processos de descolonização europeusun.'A "piäódior'r"rtr"rrãrt"r, conjugação a" r,:Ã"ìi

fim

senL o

de nooe meses, n empresa onde

tneu ordenødo. EIe tambémpassou por mausbocados onde estaas.

relativamente elevado de repatriados (5% dã populåçao total "- com residlnte em 19g1), a intensidade com que o processo decorreu, inteiferiu no modo como os entrevistados descrevem e avaliam essa fase específica das suas vidas. De acordo com os r"*d: recolhidos, estas características fizèram-se especialmente sentir na primeira fase da sua vida em Portugal, em duas dimensõer, u p.o"ùru de trabarho e a procura de ap"råi de transitória, esta situação.foi vivida péla grande maioria "uru. das ?amílias .or-u'.ã.ä ansiedade. Dada a impossibilidade dã u""ìonu, um dos mecanismos apontados por Pena Pires como centrais para o sucesso da integração na sociedade pårtugue"u'_l retorno à localidade de origem e mobilização das-redes cle solidariedade familiar - o primeiro impacto com o novo contexto é quase sempre descrito como muito negativo:

Embora os exemplos relatados não sejam passíveis de generalização3s, a maioria dos entrevistados aponta estes factores como determinantes nas estratégias de intefamigração desenvolvidäs. Como relata uma das entrevistadas, a ausência de laços chegarmoa levou-nos entenderem, nos não de cá "as pessoas iiurår, aliada ao facto de -nos muito às pessoas delé{' .As redes de sociabiliclade de Moçambique foram reconstruídas quase imediatamente após a chegada a Portugal e funcionaram/ quer como um mecanisino central para a inserção no mercado de trabalho, quer como um dos critérios relevantes na escolha daâtea residencial.

A mniorin das pessoas ødøptou-se. E speciølmente quem tinha cá famítiø. euem tintm ló todn ø famíIia teae møis dificutdades. Nño tinlum apoio. FøltøaL,-lhes a tininhø, cont-å

Ajudúaamo-nos uns ãos outros. O meu marido, depois de ter uma situação profissional eàtápel, coffieÇou aajudar os ømigos que tinhammais difculdades deinserçãoprofissional' A pouco e pouco fomos reencontrando os ømigos de Iá. Ë fomos puxando uns amigos e pessoss coîn quem nos dáasmos parø ttirem aiaer pøra aqui'

nós dizemos. Eu arguns pontos de apoio. Fctmiliøres dos meus pøis e a minha .tinrm madrinhø que uittiø ny t-l,nlø, Essa famíliø recebeu-nos muito bem. Agorø'quem nño tinhL, cá fømíliø foi muito difícil. Ainda hoje hó gente que diz " isto nuncã foí i minhn terra,t, . Eu reconheço que deue ter sido muito mail dtfíc¡i, t...l Haaiøm fømítiss inteiras a aiaerem num quørto de.hotel. Era difícil encontrar traballn. À chégadn, n únicct ,oiro qi, recebiam era Lrm cobertorzinho. Cheguei ø uer, quøndo busc"crr os pais ao aeroporto. fui Ainds tenho esses cobertores de recoidação. Er, tudo uma misériø pegadø

A

nossq aida teue umø trønsþrmação muito grønde, Lá tínhctmos uma aida bott. Tínhomos os nossos empreSos e os nossos empregados que cuidaaam

dn casa. Cáfoi tudo muito complicødo. Tiaem,os dificuldødes, Forom ønos muito diflceis. Nem'me quero lembrør. Muitns lágrimas chorei.

lnais

Para

das preocupações expressas rerativamente à procura de casa e de -além trabalho, o terceiro elemento perturbador que merece maiár destaque prende-se com o modo como os portugueses receberam as populações repatuiàdai. Embora encontrem justificação na conjuntura vivida na èpãca -,,as pessoas de cá, com o 25 de Abril, também não sabiam muito bem o q.r" rh", ia acoitecer. E pensavam: e agora ainda vêm mais estes para desestabililar" -, são frequentes os relatos de incompreensão e mesmo intolerância vividos no quotidianå: Chømaoqm-nos exploradores do preto. Chegáuamos e éramos logo øpelidødos de retornados. Eu andaan num carro com uorønte do tnd.o direito , isro'ero umø trøgédiø. Até bombinhss de carnnuør debaixo do cørro me punhøm. Eu tinha um medo doido.

3a

e

experiências construídas entre Moçambique

Rui Pena Pires, Migrações e Integraçõo (Oeiras: Celta, 2003), 1g0-1g2.

Estes dois extractos são significativos para a confirmação da tese defendida por de Pena Pires acerca da integração ãas populações retornadas das ex-colónias' Apesar

ambos os grupos não serem constituídos por migrantes de primeira geração, o que/ como foi alirmado, dificultou e em muitos casos impossibilitou a instrumentalizaçã.o da de suportes familiares, os demais aspectos referidos pelas famílias vão ao encontro e Assim, processo. o sobre autor pelo apresentadas geneialidade de argumentações redes de fortalecimento e reconstituição à iara alem do papelimportante atiibuido intramigranteåruãssentàs em capitais sociais adquiridos em Moçambique, as famílias fazemtãmbém referência u n*i"grrttdo factor igualmente apontado pelo autor' Nas palavras dos entrevistados, os retornados de Moçambique não só se "apoiaram mutuaos n-rente", como detinham o que Pires designa por uma "biogtaÍiaespecífica"31 que difepor se catacletizava que distinguia da generalidadeãa populaçãoportuguesa e renças"signifiátivas ao nível da experiência profissional, conjugadas com fortes expectativas de mobilidade social ascendente: Dizinm que nós chegáuamos

cá e røpidømente

púnhamo-nos

de pé.

Púnhsmo-nos

de pé

com trøbctlho. O mlu mørido tinhø dois effipregos porque u¡n ordenødo só nño chegaaa' em famílias Embora constitua um posicionamento minoritario, é de realçar a existência cle casos, quer alvo de sido terem nunca afirmam entrevistados que os em poúuguesa, de origem goesa quer cle origern seus quais{uer ão*"rliário, o., ititrrá"r hãstis por pãrte da restante população na generalidade.dos de suPorte rede uma de da ausência invocação à que iespeita no sucede mesmo O corrt"*io, quotidianos. familiar .-oo .r* factor determinante no sucesso ou insucesso da sua integração em Portugal' 36 Rui Pena Pires, Migrações e Integrnção (Oeiras: Celta,2003), 221' 37 Rui pena pires, "Oiegr"sso das".o1ónias", in Francisco Bettencourt e K. Chaudhuri (orgs.), História

3s

dtt Expønsão Portuguesa, (Lisboa: Círculo de Leitores, 1999),194'

224

O Adeus ao Império

- 40 Anos de Descolonização

Retornos

e

recomeços:

experiências construídas entre Moçambique Førtámo-nos de trabslhar realmente. As pessoas de cápor aezes desconfiaaam. Acusa_ aam-nos disto ou døquilo, møs aquilo que conseguimos foi com trqbøIho. Começámos tudo de noao. Tudo de noao. Houae muita gente que ueio sem nada e, por isso, não tinha nadø a perder. só tinhøm que cqminhar em frente, Não haaia alternøtiaø. Essa atitude contrastaas muito com a àas pessoas døqui. Aqui as pessoas eram muito " øcomodadns" . Lembro-me das grandes má.goøs sobre o que tinham perdido com o 25 de Abrit. eueixøaøm-se muito mas não se "mexism". Nós não. A møioria dos moçambicønos tømbém sem nadn. Chegøram

ficou

sem nødø, mss aiernm todos pøra lutnr, pnra recomeçar tudo de noao.

Os níveis de capital cultural detidos, aliados a fortes currículos profissionais e experiências de liderança, jogaram um papel determinante na concretização positiva "desta vontade de lutar e caminhar em frente". A totalidade dos informantes ápresentava à chegada a Portugal um nível de formação académica e/ou profissional que contrastava positivamente, quer com os apresentados pela maioria da população residente, quer com os da generalidade da população repatriada. Por outrolaão, o facto de terem ocupa
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