RESENHA: Scott Weintraub La última broma de Juan Luis Martínez. “No solo ser otro sino escribir la obra de otro”. 1 Santiago de Chile: Cuarto Propio, 2014

July 15, 2017 | Autor: Cristiane Lira | Categoría: Chilean Literature, Juan Luis Martínez, Chilean Poetry
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RESENHA

Scott Weintraub La última broma de Juan Luis Martínez. “No solo ser otro sino escribir la obra de otro”. 1 Santiago de Chile: Cuarto Propio, 2014 Jorge Polanco Salinas (Universidade do Chile) e Trad. Cristiane Lira (University of Geórgia) [email protected] e [email protected]

Juan Luiz Martínez (Valparaíso 1942 – Villa Alemana 1993) foi um poeta conhecido no Chile por sua estranheza. Publicou apenas dois textos em vida La nueva novela (1977) e La poesía chilena (1978), os quais chamaram a atenção por seus procedimentos sofisticados, iniciando pela rasura dos nomes do autor e a preocupação com o formato do livro. Deixou anunciado um trabalho chamado El silencio y la trizadura que aparentemente esteve desenvolvendo até a sua morte. Na busca por uma pista para este livro mítico, alguns pesquisadores e a viúva do poeta publicaram postumamente três textos declarados como O livro inédito de Martínez. O primero deles foi Poemas del otro, editado pela Universidade Diego Portales no ano de 2003, com prológo e notas de Cristóbal Joannon, abrindo o catálogo de poesia chilena da universidade mencionada previamente. No entanto, agora em 2014, Scott Weintraub descobriu a curiosa trama desse livro de Martínez e publicou-a re1 Scott Weintraub. A última brincadeira de Juan Luis Martínez. “Não somente ser outro senão escrever a obra de outro”.

Terra roxa e outras terras – Revista de Estudos Literários Volume 28 (dez. 2014) – 1-128 – ISSN 1678-2054 http://www.uel.br/pos/letras/terraroxa

Jorge Polanco Salinas (Universidade do Chile) Resenha de Scott Weintraub. A última brincadeira de Juan Luis Martínez. “Não somente ser outro senão escrever a obra de outro”.

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centemente pela Editorial Cuarto Propio como La última broma de Juan Luis Martínez. “ No solo ser otro sino escribir la obra de otro”, cuja astúcia parece ter sido retirada da cartola de um mágico. Como o próprio pesquisador relata, Martínez foi tramando esta suposta “brincadeira” durante anos. E mais, a coincidência de duas das publicações póstumas são dignas de um livro de detetives. Poemas del otro foi editado no ano de 2003 e outro dos livros inéditos El poeta anónimo em 2013, portanto, dez e vinte anos respectivamente depois da morte do poeta. Com base nesses dados e também nos rastros que oferece este último livro sobre o primeiro, o mistério vai sendo alimentado. Contudo, esse ardil começa muito antes, no ano de 1988, quando Martínez envia dois poemas “inéditos” e uma fotografia familiar tirada em 1973 ao extinto jornal La Época de Chile, exatamente uns dias antes do plebiscito de 5 de outubro em que se colocava um fim à ditadura. Os poemas “Quién soy yo” [“Quem sou eu”] e “Mañana se levanta” [“A manhã se levanta”] publicados nessas datas pareciam situados e criados para a ocasião: “Mi pátria está sin nombre, sin tachas / hay una verdad en la subversión/ que nos devolverá nuestra pureza escarnecida”; “Minha pátria está sem nome, sem rasuras / há uma verdade na subversão / que nos devolverá nossa pureza ludibriada” ou “Exijo ser escuchado / si mañana se despierta la libertad” “Exijo ser escutado / se amanhã a se despertar a liberdade” – versos correspondentes aos poemas supracitados, e que pareciam um chamado para que se votasse pelo fim do governo de Pinochet. Mais tarde, Martínez enviou – e ao que parece “traduziu” – uma leitura do primeiro poema como autoapresentação em um seminário de poesia chilena realizado na Universidade Paris Sorbonne em abril de 1992. Por último, deixou postumamente encomendada à sua filha a publicação da gravura “Estoy doblemente tranquilo” / “Estou duplamente tranquilo” para que aparecesse no jornal como uma pista dessa suposta brincadeira, finalizada com a publicação de Poemas del otro que inclui os textos antes mencionados, além de outros quinze que articulam a primeira parte do libro denominada exatamente como seu título. Graças à publicação de El poeta anônimo e de uma ficha de leitura do Instituto Chileno-Francês incorporada a esse livro, Scott Weintraub encontrou o texto do outro autor suíço-catalão chamado também Juan Luis Martinez (sem acento) que publicou em 1976 Le silence et sa brisure, e que Martínez – o chileno – haveria “traduzido” (não se sabe se ele ou outra pessoa) e dele se apropriado, ainda que ele mesmo tenha advertido que eram poemas doi outro; não só nas escassas entrevistas que deu e em uma célebre conversa com Félix Guattari, senão, também, visualmente através das duas caveiras da gravura entregue à filha. É possível que ele não soubesse nesse momento que seu duplo, o poeta suíço-catalão, ainda estava vivo, e que, aliás, faz algumas semanas, Scott Weintraub conseguiu encontrá-lo e conversar com Juan Luis Martínez via Skype. Por sua vez, Pedro Pablo Guerrero – jornalista chileno e leitor do poeta chileno – , ao saber do encontro do crítico estadounidense, também localizou o “outro Martinez” nos Alpes Suíços e entrevistou-o para o seu jorna2l, no qual o escri2 Pedro Pablo Guerrero. “Habla el otro Juan Luis Martinez”. Revista de Libros. El Mercurio: Santiago. 17 de agosto de 2014.

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Jorge Polanco Salinas (Universidade do Chile) Resenha de Scott Weintraub. A última brincadeira de Juan Luis Martínez. “Não somente ser outro senão escrever a obra de outro”.

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tor contou que deixou de publicar no ano de 1993, exatamente na mesma data em que morreu Juan Luis Martínez chileno! Um aspecto interessante desta incorporação “literal”, tal como descreve Weintraub, consiste em que o poeta suíço-catalão seria a antípoda poética do chileno. Seu convencimento acerca da morte do autor alcança a sagacidade de traduzir um livro e retraduzi-lo ao “original” com o objetivo de apresentá-lo na França, e de outra forma publicar dois poemas como textos de circunstâncias. Poemas confessionais – como “El secreto” / “O segredo” –, redigidos em primeira pessoa e com a inclusão de uma afetividade intimista e situada, sempre pareceram estranhos aos leitores dos trabalhos anteriores – e isso sem dúvida Martínez deve tê-lo previsto. No entanto, ao estabelecer este procedimento de “apropriação” na fronteira com o plágio, dá complexidade ao que se entende por poema e pelo nome próprio da assinatura. Ao fim e ao cabo, o autor segue se chamando Juan Luis Martínez. Se não fosse pelo fato do poeta fazer da morte do autor uma concepção poética e um procedimento reflexivo acerca da sua escrita, esse gesto de apropriação se entenderia somente como um estranho delito. Como aponta Weintraub, “Martínez é ainda mais Martínez por ter traduzido um livro escrito por um autor do mesmo nome e por fazê-lo passar como se fosse ‘seu’” (54). Entretanto, a maneira de proceder de Martínez indica que não se trata só de uma brincadeira – ainda que também a contenha – mas também de uma concepção de desapropriação da centralidade do autor e da ênfase no trabalho com os significantes, que observada desde outro ângulo problematiza ainda mais a precariedade das palavras em sua escrita. O que é que o poeta pode dizer com certa propriedade? Tal como o crítico examina em seu livro, o Martínez chileno ocupa partes do texto “Carta poema a Joseph Deteil” para leválas a um registro visual – publicado depois em El poeta anónimo – como faz com Jean Tardieu en La nueva novela. Vale dizer que seu pensamento poético parece privilegiar a visualidade como recurso fundamental do poema. Por outro lado, essa apropriação indica um ponto que é preciso destacar: desde onde deve ser lida a obra de Juan Luis Martínez? Mas além da estratégia do poeta e a capacidade policial do leitor, o aspecto a considerar é se acaso ainda é necessário seguir lendo em termos de origem, ao invés do efeito da sua escritura. O mais provável é que no futuro se encontrem mais fontes e procedimentos, mas isso não indica que as interpretações caduquem completamente, ainda melhor, dão conta da impossibilidade de uma “compreensão” totalizadora. Logo, requer-se um pensar em outros termos, seguindo a rota da rasura no nome do autor: embora os encontros possam fornecer uma leitura atenta – como a que desenvolve Scott Weintraub –, o relevante não consiste em seguir lendo desde a originalidade do autor, senão a partir dos efeitos de seus trabalhos, extraídos como escombros dos documentos da cultura, ao modo de colagem e fotomontagem.

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