Regulamentos Bruxelas I / I Bis: Critérios especiais de compentência legal em matéria de litígios comerciais internacionais.
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Relatório apresentado à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, no curso de Mestrado Científico. Disciplina: Direito Comercial Internacional, ministrada pelo emérito Prof. Dr. Luís de Lima Pinheiro e pela Prof. Dra. Elsa Dias de Oliveira. Tema: Regulamentos Bruxelas I / I Bis: Critérios especiais de compentência legal em matéria de litígios comerciais internacionais. Introdução O presente relatório tem por escopo estudar a matéria do direito internacional privado, designadamente na sua parte processual, em especial, quanto às normas de competência internacional no âmbito do espaço da União Européia. Nos termos do Tratado que institui a Comunidade Européia1, o Conselho Europeu com o fim de criar um espaço de livre circulação, liberdade, segurança e justiça, e, mais especificamente, de melhorar o sistema de cooperação judiciária, relativamente à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial entre os diversos ordenamentos no seio do espaço europeu, decidiu unificar as regras dos diversos membros num só corpo jurídico. O objetivo desta norma é eliminar os obstáculos que surgem nas regras de direito processual interno de cada ordenamento relativamente aos conflitos de jurisdição em matéria civil e comercial, assim como simplificar as formalidades no que refere ao reconhecimento e à execução de decisões proferidas nos EstadosMembros. Este matéria que já foi regida por Convenções Internacionais, a exemplo da Convenção de Bruxelas, de 1968, e na Convenção de Lugano, de 1988(alterada pela Convenção de 2007), é atualmente regida pelo Regulamento (CE) n. 44/2001, denominado Regulamento Bruxelas I, concernente à competência Judiciária, ao econhecimento de decisões e a sua xecução em litígios de matéria civil e comercial. Apesar da amplitude de temas que o Regulamento trata, o objetivo do nosso trabalho nos faz limitar à análise da competência, unicamente. Sendo assim, fica fora do nosso plano as questões relativas ao reconhecimento e à execução de decisões com base nas regras desta norma comunitária. Também deve ser excluída qualquer comparação desta norma com um ordenamento nacional específico, isto porque o Regulamento não leva em conta as disposições de leis nacionais, já que estas podem apresentar disparidades entre si, conforme veremos, dificultando o bom funcionamento do mercado interno2. Embora, em alguns casos, o Regulamento aponte a 1
Arts. 61(c), 65 e 67 doTratado da União Europeia(Tratado de Amsterdam de 2 de outubro de 1997). Cf. Considerando n.4.
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interpretação de dispositivos conforme as normas internas dos Estadosmembros. Sendo assim, em princípio, nosso estudo visa discorrer sobre o aspectos gerais do Regulamento Bruxelas I, que na sua maioria decorrem da Convenção de Bruxelas e que serão mantidos no Regulamento Bruxelas I Bis. Nesse sentido, necessário se faz mencionar os principais aspectos, tal como a adoção da interpretação autônoma em relação aos conceitos materiais, a delimitação de aplicação deste instrumento a partir de critérios materiais(onde cumpre definir o que seja matéria civil e comercial), espaciais(de onde se verifica a importância do réu para efeitos de aplicação da norma) e temporais(com atenção às disposições transitórias). No que refere ao estudo do tema, cumpre salientar que, apesar do nosso tema fazer referência as competências especiais, não devemos interpretála num sentido amplo, onde, por um lado, há a regra geral e, por outro, há as previstas nos arts. 5, 6 e 7(Arts. 7.8 e 9 no I Bis). Nosso intuito é voltado, unicamente, em discorrer sobre aquelas que podem ser aplicadas numa relação derivada do comércio internacional, não sendo o caso de alguns incisos do art.5 e do art.7. Em seguida, trataremos da questão principal do tema que é a interpretação e crítica das competências. Para isso, parecenos conveniente estabelecer a distinção entre competência interna e internacional. Adiante, iremos proceder a uma análise individual de cada uma das competências, respeitando a ordem sistemática do Regulamento. Sendo assim, a priori, iremos tratar da regra geral do domicílio do réu, com base nas alterações promovidas em relação à Convenção, quanto a determinação do domicílio da pessoa coletiva e a solução aplicável ao réu domiciliado em Estado terceiro. Relativamente às competências especiais, iremos discorrer sobre as três principais previsões do art. 5 relativas ao comércio internacional, quais sejam, a competência em matéria contratual, em matéria extracontratual e em razão da exploração de sucursal, agência ou outro estabelecimento. No que tange ao inciso 1, caberá tratar da inovação do Regulamento em aditar a alínea b), facilitando a determinação do local da obrigação que serve de base a demanda, além de mencionar as situações que surgiram ao longo dos anos e a interpretação feita pelo Tribunal da Comunidade Européia. No que refere ao inciso 3, destacaremos a inovação correspondente a admissão de ações preventivas contra danos futuros, além do surgimento de novos tipos de delitos, com o desenvolvimento das comunicações e a solução para determinar a competência nestes casos atuais. Em relação ao inciso 5, oportuno se faz analisar os requisitos para aplicação desta competência com base na jurisprudência do TCE. Quanto a competência atribuída em razão de ações que podem ser conexas, abordaremos todos os incisos do art.6, relativos ao litisconsórcio passivo(1), chamamento de garante à ação ou intervenção de terceiro(2), pedido reconvencional(3) e apensamento de ações de matéria contratual em ação de direito reais sobre imóveis(4). Isto se justifica por não tratar de matéria relativa ao comércio internacional, mas de situações processuais que podem surgir no
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decorrer de uma ação relativa a esta matéria. Conforme nos fora atribuído, o tema do presente estudo também abrange, igualmente, as competências especiais do Regulamento Bruxelas I Bis e, em razão disso, as considerações feitas a cada artigo nos termos do Bruxelas I também serão, dentro do possível, as mesmas em relação àquele já que, conforme se verá, não houveram alterações substanciais nestes dispositivos. Nos mais, nossa proposta tem por base analisar e fazer um levantamento de todas as questões relativas à interpretação de cada uma das competências acima referidas, suscitadas desde a entrada em vigor da Convenção de Bruxelas até os dias atuais, com recurso à Jurisprudência, principalmente, apontando o entendimento atribuído a cada caso concreto e dando nosso contributo pessoal. 1 Aspectos gerais sobre o Regulamento n.44/2001 (BRUXELAS I) Antes de nos aprofundarmos no ponto central deste tema, qual seja, tratar das competências especiais previstas no Regulamento, importante e necessário se faz mencionar a fonte do qual deriva este instrumento e alguns aspectos essenciais ao entendimento desta norma. Em 1968, os EstadosMembros da comunidade européia(França, Alemanha, Itália, Holanda, Bélgica e Luxemburgo) celebraram a Convenção de Bruxelas relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, a partir do Tratado que instituiu a Comunidade Econômica Européia. Esta convenção, apesar de ser estritamente ligada ao direito da união européia e também por ser somente aberta à assinatura dos estados da comunidade, é um tratado internacional3. No mesmo sentido é a Convenção de Lugano, de 1988, que trata da mesma matéria, embora aplicável aos EstadosMembros e alguns outros da EFTA, no vernáculo, Associação Européia de Livre Comércio. Estas convenções são consideradas paralelas4. Estas Convenções tinham por objetivo alcançar a livre circulação de decisões em matéria civil e comercial, a partir da criação de regras relativas à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões, eliminando as formalidades de cada ordenamento nacional e facilitando o desenvolvimento do espaço comunitário5. Para isso, necessário se fez criar uma norma comunitária multilateral que estabelecesse regras que facilitassem e definissem a jurisdição nas ações transfronteiriças, garantindo a segurança jurídica e evitando assim o conflito de competência. Com o passar dos anos, outros estados aderiram à Convenção, de modo que, à cada adesão, houvessem alterações no texto legal. A primeira revisão ocorreu em 1978 com a adesão da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido, onde houveram modificações quanto à jurisdição sobre ações de relações de consumo e sobre usos do comércio em acordos de jurisdição. Já na 3
LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, Vol. III, 2012, p.54; MAGNUS/MANKOWSKI, Brussels I Regulation, 2007, p.18. 4 Cf. o Considerando n.5 do Reg. Bruxelas I. 5 Cf. os Considerandos n.2 e 6.
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segunda revisão, em 1982, com a adesão da Grécia não houveram alterações substanciais no texto do instrumento. Em 1989, houve a terceira revisão, com a adesão de Portugal e Espanha. Nesta Convenção, denominada Convenção de San Sebastian, houveram alterações substanciais em razão de adaptar o texto da Convenção de Bruxelas ao da recém concluída Convenção de Lugano, no ano anterior. Por fim, houve a quarta revisão com a adesão da Áustria, Finlândia e Suécia, onde houveram mais adaptações técnicas do que substanciais para um melhor interpretação da Convenção. Importante se faz destacar que em cada uma destas adesões, todos os Estadosmembros tiveram que ratificálas6. Já em 1997, com o advento do Tratado de Amsterdão, este veio a modificar o Tratado que institui a Comunidade Européia. Dentre as diversas mudanças, ressaltamos a da atribuição de competência à Comunidade para regular o campo judicial. Com isto, surge então, em 2000, o Regulamento Bruxelas I, entrando em vigor em 1 de março de 2002. Não obstante as mudanças que ocorreram nesta transição de Convenção para Regulamento, o objetivo deste daquele ser continuado por este. Sendo assim, a interpretação e o entendimento aplicados à Convenção são também, na sua maioria, aplicáveis ao Regulamento7. Contudo, diferentemente da Convenção, que a cada nova adesão/revisão necessitava de ratificação pelos Estadosmembros, o Regulamento tem aplicação direta a partir da sua entrada em vigor8. Sendo assim, desde a data acima dita. Ademais, o Regulamento é obrigatório em todos os seus elementos. Além disso, substitui a lei processual interna desde que configurados os requisitos para a aplicação deste que será adiante analisado. Quanto as diferenças entre a Convenção e o Regulamento, nos limitaremos a informar as que tratam de competência especial, matéria do nosso estudo. Já no artigo 5, 1, o Regulamento adotou uma definição autônoma do lugar da obrigação no contrato de venda de bens ou de prestação de serviços. No artigo 5, 3, além da redação já prevista na Convenção, ampliou a competência deste artigo para o tribunal do lugar onde possa ocorrer um dano futuro. Relativamente ao artigo 6, 1 estabeleceuse um prérequisito para a caracterização desta competência, ou seja, em havendo vários requeridos, perante o domicílio de qualquer um deles “desde que os pedidos estejam ligados por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente(Art.6,1)”. Outra adaptação do Regulamento foi a de aplicar uma definição autônoma do que seja domicílio da pessoa coletiva, conforme o art.60,1. Por fim, o art.70, 1 estabelece que as convenções futuras sobre matérias específicas que tratem da competência não prevalecem sobre o Regulamento, diferentemente do que ocorria com as Convenções de Bruxelas e Lugano. 6
M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.1415. Cf. o Considerando n.19. 8 M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.22. 7
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Relativamente a interpretação desta norma, ao aplicar o regulamento e a depender do caso concreto, podem surgir dúvidas sobre a matéria de modo que o tribunal nacional submeta a questão ao Tribunal da Comunidade Européia(TCE), sendo este o órgão que detém o poder de interpretar a letra da norma, conforme o Protocolo de Luxemburgo de 3 de junho de 1971. Para que seja possível enviar a questão, é necessário o preenchimento de requisitos que são: a) que surja uma questão de interpretação num processo pendente; b) que a questão seja necessária ao julgamento da causa; e c) que a ação esteja correndo no tribunal de última instância daquele Estadomembro9. Sendo este o caso, o tribunal envia um “pedido de decisão prejudicial” que será interpretado pelo TCE e será respondido. Esta sentença vinculará o juiz que fez a consulta. Por outro lado, é facultativo ao órgão suscitar a questão ao TCE, devendo apenas fazêlo em última hipótese para solucionar o litígio10. Quanto a interpretação, o legislador comunitário optou por utilizar uma solução já adotada na Convenção de Bruxelas, a da interpretação autônoma. Este conceito releva em dois aspectos. O primeiro é de que quando fossem suscitadas questões de dúvida na interpretação do Reg., o TCE não recorresse à uma lei nacional específica, mas decidisse através de um conceito autônomo, supranacional, de modo próprio, respeitando a função do regulamento11, isto, em razão das leis nacionais serem imprevisíveis a uma ou ambas as partes. O segundo é que os conceitos aplicados na Convenção não devem ter por base outros instrumentos normativos internacionais, devendo o Tribunal aplicar os conceitos com referência ao sistema e aos objetivos da Convenção12. A razão de ser para a utilização deste critério é a de que traz segurança às partes, que serão capazes de extrair unicamente dos termos do Regulamento onde poderão demandar uma ação ou serem processados13. Outro aspecto importante do Regulamento consiste na observância dos limites de aplicação que será material, temporal e espacial. a) Âmbito material No que tange ao âmbito de aplicação material, conforme extraímos do art. 1, 1, o Regulamento é aplicável as ações em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição, ou seja, pode aplicarse o regulamento numa ação proveniente de um tribunal de jurisdição penal14 ou de uma jurisdição administrativa. Contudo, da análise do artigo e da proposta do regulamento devemos definir alguns pontos. Segundo CARAVACA, a aplicação material deve ser feita em consideração a dois requisitos. O primeiro é de que os litígios sejam internacionais, enquanto que o segundo 9
LIMA PINHEIRO, 2012,, p.74 ; Caso Marseille (C24/02, n.14) CARAVACA/GONZÁLEZ, Derecho Internacional Privado , vol.I, 6 p.62. 11 Cf. Caso Tessili (C12/76, n.10); Caso Baten (C271/00, n.22). 12 Cf. Caso Dentalkit(C269/95, n.12). 13 M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.32. 14 Cf. Caso Krombach (C7/98, n.5 e 15). 10
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corresponda as matérias civis e comerciais. Quanto ao primeiro requisito, o mesmo autor confronta três teorias do qual se pode definir se os litígios são internacionais. A primeira teoria é a do elemento estrangeiro, de onde independe a nacionalidade ou o domicílio das partes, bastando a existência de um elemento exterior. Este é o entendimento do TCE15 e da maioria da doutrina. Já numa segunda teoria, a de que as partes devem ter domicílios em estados diferentes, caso contrário, aplicarseia a lei interna naquela controvérsia. Este argumento é insustentável, já que o Regulamento prevê competência em matéria exclusiva, de onde se retira que, em algumas situações, o domicílio das partes não releva. Ademais, no caso Owusu , as partes eram residentes no mesmo “estado”, o Reino Unido. Por último, a teoria da negação do caráter internacional. Desta teoria extraise que o regulamento deveria ser aplicável tanto aos litígios internos quanto internacionais, em razão de algumas previsões do regulamento não fazerem disposições ao caráter internacional. Contudo, conforme preconiza o caput do art.73m do Tratado de Amsterdão, a matéria deve ter “incidência transfronteiriça”. Além disso, aplicar um regulamento que trata sobre o conflito de competências numa relação interna onde não existe conflito de jurisdição não tem qualquer cabimento. Já no que pese a determinação do que seja materia civil ou comercial, o regulamento não traz uma definição material, nem o remete ao conceito de uma lei interna. Sendo assim, sua interpretação deve ser autônoma16. Além das matéria excluídas do regulamento no inciso 1(matérias fiscais, aduaneiras e administrativas), também serão excluídas, conforme o inciso 2, as matéria relativas: a) ao estado e a capacidade de pessoas singulares, os regimes matriominiais, os testamentos e as sucessões(embora englobadas pelo Direito Civil); b) as falências, as concordatas e processos análogos ; c) a segurança social; e d) a Arbitragem. Outra questão que merece destaque é a de que o Regulamento só é aplicável nas relações privadas, embora não se limite as relações entre particulares. Isto porque, nas relações entre particular e entidade pública, quando esta não exerça poder de autoridade, ou seja, esteja em paridade com o particular, o Regulamento poderá ser aplicável17. Sendo assim, nas ações relativas a serviços prestados pelo Estado nos quadros de Direito Civil, os contratos celebrados com particulares em matéria de direito privado e os contratos administrativos em que as partes estejam em igualdade poderá ser aplicado o Regulamento18. b) Âmbito de aplicação espacial Conforme já dissemos, o Regulamento será aplicável aos litígios emergentes das relações transnacionais e, sendo assim, necessário se faz determinar um elemento de conexão 15
Cf. Caso Owusu( C281/02, n.25). VICENTE, Competência Judiciária …, 2002, p.356. 17 Cf. Caso Préservatrice (C/266/01, n.16) e, recentemente, Caso The Comissioners (C49/12, n.40 e seg.) 18 LIMA PINHEIRO, Vol. III, p.79. 16
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para que concretize a relação como tal. No Regulamento, o elemento de conexão mais utilizado, mas não o único, é o do domicílio do réu. Todavia, nem sempre será este o critério a ser utilizado. É o que ocorre nas competências exclusivas, onde independe o domicílio ou a nacionalidade das partes, devendo a competência ser estabelecida em razão de matérias específicas, que na acepção do Art.22 são inderrogáveis. Dessas considerações, retiramos que o âmbito espacial do Regulamento abrange competência quando, ao menos, o réu tiver domicílio num Estadomembro ou em razão de algum dos incisos da competência exclusiva. O mesmo não pode ser atribuído aos réus domiciliados no território dos Estadosmembros, devendo, neste caso, ser aplicada a Convenção de Bruxelas, conforme determina o considerando n.23 e o art.68 do Regulamento. Neste caso, se uma ação é de competência do Tribunal deste território, ainda que o réu seja domiciliado num Estadomembro, o juiz deverá aplicar a Convenção ao invés do Regulamento. Caso ocorra o inverso, se a ação for de competência do tribunal de um Estadomembro, mas o réu foi domiciliado num território, ainda assim aplicase a Convenção19. Por outro lado, não existe qualquer referência quanto a figura do autor. Nesse caso, o autor pode ser qualquer pessoa, independente de seu domicílio ser num estadomembro ou num estado terceiro20. Disso, extraise que o Regulamento, diferentemente das Convenções Internacionais, não tem aplicação universal, já que para ser aplicado deve estabelecer conexão com algum Estadomembro21. c) Âmbito de aplicação temporal Segundo o art.76 do regulamento, este entrou em vigor no dia 1 de março de 2002. Sendo este diretamente aplicável, as ações intentadas a partir desta data devem obedecer as regras ali previstas. Porém, o regulamento trata no art.66 das disposições transitórias, cujo a finalidade é respeitar a continuidade entre a Convenção e este instrumento. No ponto 1 do artigo, determina que, nas ações jurídicas intentadas ou os atos autênticos exarados após a entrada em vigor, o Regulamento deve ser aplicado. Por atos autênticos podemos incluir documento públicos formalizados e acórdãos relativos a ações anteriores a entrada em vigor do regulamento22. Já no ponto 2, traz a hipótese em que o Regulamento é aplicado nas ações intentadas antes da sua entrada em vigor, admitindo que o regulamento reconhecerá e executará desde que preenchido os requisitos: a) de a ação ter sido intentada no Estadomembro em que a Convenção de Bruxelas já era vigente; ou b) se a competência na ação se baseou nas regras previstas no cap. II do Regulamento, ou numa convenção em vigor celebrada entre o estadomembro de origem e o requerido. d) Forum non Conveniens 19
GAUDEMETTALLON, Compétence et exécution …, 2010, p.59. Cf. Caso Group Josi (C412/98, n.45) 21 VICENTE, 2002, p.357. 22 CARAVACA/GONZÁLEZ, vol.I, p.67. 20
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Apesar deste instituto não ser conhecido no sistema do civil law, merece ser citado, já que é próprio do sistema anglosaxão, do qual o Reino Unido e a Irlanda fazem parte. O Forum non Conveniens consiste na derrogação de competência por um tribunal em prol de outro, segundo a alegação de que este tribunal está em melhor posição de julgar do que aquele em determinado litígio (é o foro mais conveniente). Sua aplicação é amplamente aceita nos países do commonlaw , porém não tem abrigo nos ordenamentos ocidentais. Apesar da ausência na maioria dos estados que compõem a Comunidade Européia, este instituto não é admitido por outros motivos. Primeiramente, confronta diretamente o considerando n.11 do Regulamento, que expressa claramente “as regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica”, além disso, continua e sedimenta que a competência do domicílio do réu deve estar sempre disponível. Segundo porque o Regulamento é obrigatório em todos os seus elementos, não comportando a liberdade do juízo em derrogar a competência pelo instituto processual anglosaxónico. Terceiro pelo fato de sua admissibilidade resultar em uma aplicação não uniforme do regulamento23. A exemplo disto, referenciamos o caso Owusu, onde o autor e o réu(ambos ingleses domiciliados no Reino Unido) firmaram um contrato de arredamento de imóvel numa praia da Jamaica. Durante a estadia, o autor sofreu um grave acidente ficando tetraplégico. Este intentou ação por incumprimento contratual(já que no contrato havia previsão de que a praia não oferecia qualquer perigo) perante um tribunal inglês. O réu alegou incompetência do juiz inglês alegando que os Tribunais Jamaicanos estavam em melhor condição de julgar a ação. O TCE não admitiu a derrogação da competência por meio do Forum non conveniens , já que o réu tinha domicílio no Reino Unido e, sendo assim, deveria aplicarse ao caso o Regulamento24. Já agora, cumprenos mencionar o Regulamento Bruxelas I Bis, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial. Da previsão do considerando n.28 do Reg. Bruxelas I extraise que a Commissão Européia deveria apresentar num prazo de cinco anos um relatório sobre a aplicação deste regulamento e, caso necessário, uma adaptação. A Comissão adotou este relatório sobre o Bruxelas I em 21 de abril de 2009, concluindo que a aplicação do mesmo é satisfatória, mas que pode ser melhorada em alguns aspectos25. Desta reformulação surge o Regulamento n.1215/2012, doravante Bruxelas I Bis. Apesar das significativas alterações, não houveram mudanças substanciais quanto as competências especiais que aqui estudamos26, conforme se extrai do quadro de correspondências, exceto pela introdução de competência em litígios que tratem de direito de propriedade destinado a recuperação de objeto cultural(art.7,4) e a supressão da competência em razão de obrigação alimentar agora regulada pelo Regulamento Bruxelas II. Ambos não nos interessam pois não 23
CARAVACA/GONZÁLEZ, vol.I, p.60. Cf. Caso Owusu( C281/02) 25 Considerando n.1 do Regulamento Bruxelas I Bis. 26 RAMOS, Estudos de direito Internacional …, 2007, p.24. 24
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apresentam qualquer laço com o comércio internacional. O Regulamento Bruxelas I Bis tem o mesmo âmbito do aplicação, seja material, temporal ou espacial, do regulamento anterior e atual. Além disso, nas suas disposições transitórias, aplica o mesmo fundamento do Regulamento Bruxelas I quanto a aplicação da Convenção, dando continuidade ao entendimento do TCE, conforme o considerando n.34 e o art. 66. Segundo o art.81, o regulamento entra em vigor vinte dias após a publicação no Jornal Oficial da União Européia, que aconteceu em 20/12/2012. Contudo, sua aplicação só será efetiva a partir de 10 de janeiro de 2015, com exceção dos arts. 75 e 76, aplicados desde 10 de janeiro de 2014. No mais, o Regulamento Bruxelas I Bis revoga o seu antecessor. Por fim, o Regulamento Bruxelas I é aplicável a todos os Estadosmembros, inclusive a Dinamarca, que celebrou acordo em 2005 com a Comunidade Européia, aderindo aos termos deste instrumento. 2 Competência Internacional no Âmbito do Regulamento A partir do que nos propusemos a estudar, vamos analisar as competências especiais nos Regulamentos Bruxelas I e I Bis, especificamente previstas no art.5, incisos 1, 3 e 5, e art.6(Art.7, incisos 1, 3 e 5, e art.8, no I Bis, respectivamente). Contudo, antes de iniciarmos esta análise, devemos determinar o que seja a competência jurisdicional, além de abordar aqui a regra geral dos Regulamentos. Primeiramente, a competência pode ser entendida como o conjunto de poderes atribuídos a um órgão jurisdicional para que exerça sua função. A competência pode ser interna, quando limita ao Tribunal conhecer apenas das questões relativas a um ordenamento jurídico, ou pode ser internacional, que, segundo LIMA PINHEIRO, é a competência dos tribunais onde “está em causa a atribuição deste complexo de poderes funcionais ao conjunto dos tribunais de um Estado com respeito a situações transnacionais, i.e., situações que apresentam contactos juridicamente relevantes com mais de um Estado”.27 A competência deriva de duas fontes: pode ser legal ou convencional. Será legal quando a própria lei determina as regras para atribuição de competência. Por outro lado, será convencional quando as partes atribuem o poder de julgar a um órgão jurisdicional. Além, a competência pode ser concorrente ou exclusiva. Será concorrente quando um ou mais tribunais forem competentes para julgar a mesma ação(este é o caso das competências especiais do Regulamento, que concorrem com o domicílio do réu), enquanto que a competência será exclusiva quando, independentemente de convenção das partes, um único tribunal seja competente para julgar da ação(este é o caso das competências exclusivas do art.22 do regulamento). Sendo assim, é de grande importância, ou melhor, é imprescindível regras que possam facilitar a determinação da competência numa relação transnacional, já que, como vimos, vários foros podem ser competentes numa única demanda. Embora exista a possibilidade de dois 27
LIMA PINHEIRO, Vol. III, p.21.
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ou mais foros serem competentes, e isto resulte na imprevisibilidade e na incerteza jurídica da parte ré, ao menos o Regulamento traz disposições que delimitam as competências. Nesta norma, conforme a distribuição da competência por matérias ou pelos sujeitos da relação, estas serão, na sua maioria, concorrentes entre o domicílio do réu e um outro foro. A exceção pode ocorrer em litígios que submetam a matéria de agência ou sucursal, onde o autor tem a opção de propor a ação no domicílio do réu, na sede do estabelecimento ou, caso se trata de matéria contratual(o que geralmente ocorre), se utilizar da previsão do art.5, 1 ou se for matéria extracontratual, do art.5, 3. 2.1) A regra de competência geral: Art.2(Art.4 no Regulamento Bruxelas I Bis) Conforme dispõe o art.2 (4, no regulamento I Bis), as pessoas domiciliadas num Estadomembro devem ser demandadas nos tribunais desse Estado, independente da sua nacionalidade. Sendo assim, o critério de definição da competência é o domicílio do réu. Desta disposição surgem questões de interpretação, não obstante a clareza do preceito. Primeiramente, a definição de domicílio quanto a pessoa natural e a coletiva. Sendo pessoa natural, de acordo com o art.59, o legislador optou por remeter à lei interna do Estadomembro do foro, cujo foi submetida a questão. Sendo assim, caberá a lei do foro onde corre a demanda, estabelecer se o réu tem domicílio ou não naquele Estado. No caso de Portugal, deverá o juiz determinálo com base nos arts. 82 e ss., do Código Civil. Este caso é um dos poucos onde o Regulamento atribui o conceito a uma lei interna, já que, como vimos anteriormente, o legislador optou por utilizar de conceitos autônomos. Todavia, podem surgir problemas a partir desta solução, gerando conflito positivo ou negativo de competência, a exemplo de dois juízes de Estados distintos que consideram o réu domiciliado no seu território28. Neste caso, a solução será utilizar das regras de conexão e litispendência do Regulamento. Por outro lado, quando se trate de determinar o domicílio de uma pessoa coletiva, então, caberá ao juiz utilizar o preceito do art.60, 1, no qual se estabelece conceito autônomo sobre a pessoa coletiva (na Convenção de Bruxelas, o domicílio das pessoas coletivas era estabelecido pelo direito internacional Privado do Estado do Foro, conforme art.53). Nesse sentido, uma sociedade ou pessoa coletiva tem domicílio no lugar em que tiver sua sede principal, sua administração central ou seu estabelecimento principal. Já no ponto 2 deste artigo, devido ao não conhecimento destes termos no Reino Unido e Irlanda, especifica no que consiste os termos do ponto 1. No art.2, 2 o legislador atribuiu a regra de assimilação aos não nacionais, determinando que as mesmas regras de competência aplicáveis aos nacionais sejam aplicadas aos estrangeiros. Nesse sentido, a nacionalidade não tem importância para o Regulamento, exceto quando o réu é domiciliado num Estadoterceiro29. 28
ROZAS, Derecho Internacional Privado , 2004, p.81; M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.73.
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O art.3 dispõe sobre as exceções à regra, no qual o réu poderá ser demandado perante o Tribunal de outro Estado quando houver um critério de competência especial, por força das competências enunciadas nas seções 2 a 7. Refere ainda que, contra as pessoas domiciliadas nos Estadosmembros, não podem ser invocadas competências internas previstas no Anexo I do Regulamento. Já o art. 4,1 estabelece que se o requerido não tem domicílio no território de um Estadomembro, então, neste caso, aplicarseá a lei interna daquele Estado(lei exorbitante, exceto no caso das competências exclusivas ou do pacto de jurisdição). No ponto 2, o sentido do preceito equivale ao do ponto 2 do art.2, ou seja, a pessoa, independente da nacionalidade, pode invocar contra o requerido não domiciliado num Estadomembro as regras de competência de direito interno de seu domicílio, assim como as previstas no anexo I. Vale dizer que, apesar da competência internacional interna, a sentença será reconhecida e executada em todos os Estadosmembros do Regulamento30. Caso o réu tenha mais de um domicílio, sendo um destes o do Estado do foro, então, este prevalecerá. Porém, se o réu tiver domicílio em mais de um Estadomembro, embora nenhum destes seja o do Estado do foro, então qualquer dos domícilios é relevante para estabelecer a competência31. Por fim, se o réu mudar de domicílio no decorrer da ação em que a competência foi estabelecida por esse critério, então a competência inicialmente determinada permanece. Disto resulta a economia processual para que não seja proposta uma nova ação, como também na tutela do interesse do autor, além de obstar a possibilidade do réu alegar a incompetência, o que caracterizaria máfé processual32. 2.2) As competências especiais do Art.5(Art.7 no Regulamento Bruxelas I Bis) A partir do que já tratamos no início deste capítulo, o legislador comunitário tratou de criar um Regulamento que apresentasse elevado grau de certeza jurídica estabelecendo uma regra geral para a atribuição de competência ao tribunal de algum dos EstadosMembros, sendo esta determinada pelo domicílio do réu. Todavia, em alguns casos particulares, em razão da matéria, justificase a atribuição de competência a um foro diferente do domicílio do réu por se mostrar mais conveniente para julgar o litígio, por apresentar um laço estreito com a causa. Esta disposição visa trazer um equilíbrio entre o autor e o réu, já que a regra geral favorece o último. É uma competência especial pois é exceção a regra, concorrendo com esta e podendo derrogála. É específica pois trata de disposições bem delimitadas. Não é obrigatória, mas facultativa conforme retiramos do caput do art.5 ao determinar que o autor pode demandar o réu noutro foro. Cumpre destacar que esta competência somente poderá ser aplicada nos casos em que 30
Idem p.76. LIMA PINHEIRO, Vol. III, p.100. 32 Idem, p .103. 31
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o demandado seja domiciliado em algum dos Estadosmembros, ou, de outra forma, aplicarseá a disposição do art.4, 1. O autor tem a opção de intentar a ação no domicílio do réu ou no foro competente em razão deste artigo. Ademais, as matérias abrangidas por este artigo são taxativas e, conforme o TCE, não podem exceder na sua interpretação, devendo ser restritiva33. No mais, em razão de estudarmos a seara comercial internacional, nem todos os incisos serão analisados, mas, tão somente, os incisos (I), que trata da competência em razão de matéria contratual, o (III) que versa sobre matéria extracontratual e o (V) quando um litígio envolva exploração de agência ou sucursal. a) Competência em razão de matéria contratual Segundo dispõe o Art.5, 1 do Regulamento: 1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão; b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: no caso de venda de bens, o lugar num Estadomembro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues. no caso da prestação de serviços, o lugar num Estadomembro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados; c) Se não se aplica b), será aplicável a alínea a);
Esta competência é sem dúvida a mais importante do Regulamento já que estabelece o foro em matéria de contrato que é o instrumento mais comum no comércio34, além de abranger outras situações que não são necessariamente contratuais. Na Convenção de Bruxelas, que antecedeu o Regulamento, a redação do artigo correspondente previa a disposição da alínea (a) deste artigo e abrangia os contratos de trabalho que agora são regulados em outra seção(Arts. 18 a 21). A inclusão do (b) é uma inovação do Regulamento e otimizou a aplicação deste inciso já que passou a tratar dos contratos de venda de bens e prestação de serviços, que abrangem quase todos os outros tipos de contrato, facilitando a determinação do foro competente. Da previsão deste artigo, devemos ter em conta a definição dos três elementos que derivam desta competência, quais sejam, “matéria contratual” relevante para determinar se o inciso 1 é aplicável ou não à causa, “obrigação em questão” que servirá de base para a demanda e “lugar de cumprimento da obrigação”, estabelecendo o foro que será competente35. Primeiramente, devemos determinar o que seja matéria contratual. Segundo o entendimento do TCE, a interpretação de matéria contratual deve ser feita de forma autônoma, fazendo referência ao sistema e aos objetivos do Regulamento(este mesmo entendimento deriva 33
Cf. Caso Handte (C26/91, n.14); Caso OFAB (C147/12, n.31). M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.100. 35 BRIGGS, Civil Jurisdiction and Judgements, 2005, p.147; GAUDEMENTTALLON, 2010, p.165. 34
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da Jurisprudência constante da Convenção), assegurando uma aplicação uniforme em todos os Estadosmembros36. Sendo assim, os tribunais não podem decidir a questão se referenciando pela sua lei interna37. Em razão disto, a definição de matéria contratual pelo TCE abrange situações que na lei interna de um Estadomembro podem ser consideradas como nãocontratual. Por este motivo é que esta competência acaba incluindo situações que não são necessariamente contratuais a alguns ordenamentos. A exemplo disso, no common law , para que um contrato seja válido, necessário se faz que as partes ajam com consideration , ou seja, vontade de contratar. Este prérequisito é estranho aos ordenamentos continentais que, por outro lado, estabelecem o acordo de vontade para nascer o contrato. Sendo assim, não obstante a letra da lei inglesa, esta será excluída pelo Regulamento, abrangendo, então, situações atípicas àquele ordenamento. Conforme se retira da doutrina38, para se caracterizar a matéria contratual é necessário que haja um acordo que vincula as partes e gera obrigações, ou então, uma obrigação voluntariamente assumida por uma pessoa em relação a outra. Esta última merece maior destaque, pois, haverão situações onde a matéria é determinada como contratual, embora não tenha havido consenso entre as partes. Deste entendimento retiramos que para aplicar a competência do Art.5, 1, não é necessária a existência de um contrato, mas, tão somente, de uma obrigação livremente assumida. Por isso, podemos incluir neste inciso, além das ações que versam sobre contratos entre as partes, uma gama de ações que tenham por base uma obrigação. No mais, independe a existência do contrato em si, bastando que hajam elementos constitutivos deste para que a competência seja aplicável39. Nestes termos, a matéria contratual abrange ações indenizatórias em razão do contrato, ações sobre a validade ou invalidade do contrato, rescisão do contrato, contratos nulos, promessas unilaterais, acordos preliminares, ruptura de negociações(com algumas ressalvas), ações intentadas por terceiros, etc. No que tange às ações sobre validade de um suposto contrato, este deve ser abrangido pela competência do inciso 1 por dois motivos: o primeiro é que, se uma parte aciona outra buscando validar um contrato, presumese que estes já tenham negociado a celebração daquele, o que sugere o surgimento de obrigações. Quanto ao segundo, a matéria contratual não pressupõe a existência de um contrato válido como prérequisito para a aplicação da competência, pois, se assim o fosse, o réu poderia arguir sempre a incompetência do foro com base na inexistência de um contrato40 e, consequentemente, se favoreceria sempre da competência da regra geral, o que se mostraria avesso as disposições do Regulamento. 36
Cf. Caso Frahuil S.A. (C265/02, n.22); Caso Réunion Européene (C51/97, n.15). M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.101; JACQUET, Droit du Commerce International, 2010, p.721. 38 LIMA PINHEIRO, Vol. III, p.106; MAGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.102; BRIGGS,, 2005, p.149. 39 LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado, Vol. III, p.107. 40 Cf. Caso Effer (C38/81, n.7); GAUDEMETTALLON, 2010, p.171. 37
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Se a ação tiver por objeto a invalidade de um contrato, então quer dizer que um contrato já fora voluntariamente celebrado, no qual, agora, um das partes pretende invalidálo. Não há dificuldade em determinar que isso se trata de matéria contratual, podendo assim aplicar a competência em questão. O mesmo entendimento deve ser aplicado aos contratos nulos41, embora este merece uma ressalva. Em se tratando de um contrato nulo, não existem obrigações que decorram dele. Contudo, o entendimento é que as partes voluntariamente assumiram uma obrigação, ainda que inexistente, e por essa razão aplicase a competência em matéria contratual. Já em relação aos contratos unilaterais ou promessas unilaterais, embora esta não consista em obrigação mútua às partes, não deixa de ser bilateral, pois, para que promessa seja concretizada é necessária a aceitação da outra parte. Todavia, vincula somente o promitente e por esta razão, pode o promissário intentar ação postulando o cumprimento dessa promessa42, sendo assim aplicável na situação em que uma parte oferece prêmio à outra, e depois se nega a pagálo. O fundamento para que esta situação se enquandre em matéria contratual é o de que uma parte assumiu uma obrigação(a promessa) voluntariamente e, para efeito de interpretação do Regulamento, este requisito é suficiente. Questão interessante que se põe neste caso é o de que, mesmo sendo uma promessa unilateral, aplicamse as regras de competência do Regulamento e não as normas de competência interna. Todavia, quanto a lei que rege a substância deste contrato/promessa, acreditamos que se deva aplicar a lei do domicílio do proponente. Quanto aos acordos preliminares, vulgo cartas de intenção, acordos de negociação, acordos parciais, entre tantos outros, conforme discorremos noutro espaço43, cabe ao juiz fazer uma interpretação da real vontade das partes. Por vezes, as cartas de intenção apenas versam sobre aspectos iniciais de uma negociação, onde as partes mal se conhecem, ou, quando atribuem a estes instrumentos apenas conteúdo organizatório. Neste sentido, não há que se falar em obrigação assumida por nenhuma das partes. Por outro lado, no caso de um acordo parcial, onde as partes já definiram certos aspectos daquele que pode ser o futuro contrato a apreciação deve ser distinta. Neste caso, as partes assumem obrigação recíproca, de modo que devem ser abrangidas por matéria contratual. Ainda sobre essa questão, existem ordenamentos nacionais que impõem deveres précontratuais fundados na boafé, como é o caso de Portugal, Itália e França. Já outros desconhecem tal imposição, por exemplo, o Reino Unido. Disso extraímos que, mesmo que as negociações sejam infrutíferas e as partes não tenham acordado sobre qualquer matéria(assumido uma obrigação), estas podem estar vinculadas por deveres de boa fé, como o sigilo ou o dever de informação. Ao nosso ver, aplicar matéria contratual a esta situação parece uma solução infeliz. Isto porque, o dever de boa fé é intrínseco ao direito privado, independente da relação 41
BRIGGS, 2005, p.155. Cf. Caso Petra Engler (C27/02, n.50 e seg.) 43 Relatório de Mestrado sobre os Negócios Preliminares no Contrato Internacional. 42
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ser contratual ou não. Além, seria preferível aplicar a competência da matéria extracontratual44, pois, conforme interpretação do TCE, a matéria contratual deriva de uma obrigação livremente assumida. A obrigação de negociar de boa fé deve ser entendida como uma regra no decurso das negociações, imposta pela lei. Devemos ter em conta que na ausência de qualquer acordo livremente assumido durante as negociações, não há que se falar em matéria contratual45. Outra situação que merece destaque é a da ação intentada por terceiros. Daí surge a dúvida pela aplicabilidade ou não deste critério de competência. Primeiramente, porque, conforme a interpretação do TCE, a obrigação deve ser livremente assumida, mas, neste caso, o réu não assumiu nenhuma obrigação com um terceiro, mas apenas com a contraparte. Caso esse terceiro não tenha qualquer relação com o réu, por exemplo, no caso do consumidor final que propõe ação contra o fabricante, então a competência do inciso 1 não será aplicável, devendo aplicar a do inciso 3. Por outro lado, se nos termos do contrato houver previsão de um terceiro, o devedor é vinculado àquela parte e será aplicável a competência neste caso46. O que importa destacar nesse caso é que haja previsão de um terceiro ao contrato47. Por fim, cumpre destacar que o Regulamento de Bruxelas deve, tanto quanto possível, ser aplicado em congruência com as disposições do Regulamento Roma I, sobre as obrigações contratuais, de modo a reduzir ao máximo as dúvidas quanto à matéria ser contratual ou não. Já agora, importante se faz determinar o que seja “obrigação em questão”. Este conceito releva pelo fato de a partir da definição da obrigação, também se definir, em regra, o local do cumprimento desta. Esta deve ser analisada sobre dois enfoques, sendo o primeiro através da Convenção de Bruxelas e o segundo, pelo Regulamento. Conforme a Jurisprudência do TCE, nomeadamente no caso De Bloos48, a obrigação em questão foi interpretada como sendo aquela que serve de base à ação. Sendo assim, por exemplo, se o autor intentasse ação com base no nãopagamento da outra parte, a obrigação em questão era a de pagamento, aplicando assim a competência ao foro onde, nos termos do contrato, a quantia deveria ser paga. Esta solução merece críticas, pois, na falta de determinação do lugar de pagamento pelas partes, restaria o recurso a lei nacional e, a depender da lei, esta poderia determinar que o pagamento é no local do domicílio do comprador, que neste caso é o réu, não restando outra alternativa ao autor, senão, intentar ação nos termos do art.2 do Regulamento, resultando na inaplicabilidade do inciso I. 44
Cf. Caso Tacconi(C334/00, n.15) M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.118. 46 BRIGGS, 2005, p.151. 47 M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.120. 48 Cf. Caso De Bloos (C14/76, n.13 e seg.) 45
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Por outro lado, o Regulamento inovou com a inserção da alínea (b), conforme já retratamos. Assim, quando se tratar de uma obrigação decorrente de um contrato de venda de bens ou de prestação de serviços, independentemente da obrigação em questão, será competente o tribunal do lugar onde o bem/serviço fora ou deveria ter sido entregue/prestado. Contudo, na alínea (a) do inciso 1, remanesce a solução adotada pela Convenção, embora já não seja tão utilizada, pois, conforme dissemos, os contratos de venda de bens e prestação de serviços abrangem quase todos os contratos no comércio internacional e alínea (a) deve somente ser interpretada quando (b) não for. Esta solução para determinação se mostra mais conveniente aos princípos do Regulamento, já que, devido a complexidade dos contratos internacionais, por vezes determinar a obrigação que serve de base à ação pode resultar numa pluralidade pluralidade de competências. Ademais, esta solução tem base no princípio da prestação característica do contrato, em conformidade com o Art.4, I, alíneas “a” e “b” do Regulamento Roma I. Designadamente quanto ao conceito de venda de bens ou prestação de serviços, o TCE optou por interpretrálos de forma autônoma. Quanto ao primeiro tipo contratual, devemos ter em conta que os bens referidos pela redação do inciso se referem aos bens móveis corpóreos49 . Sendo assim, excluemse do âmbito deste inciso as vendas de imóveis, direitos, eletricidade e outras fontes de energia, programas de computador(software) entre outros50. Outro requisito para que se identifique o contrato como sendo de venda de bens é o da transferência de propriedade. Uma parte deve transferir à outra a propriedade de um bem mediante uma contraprestação, geralmente o pagamento. Caso não haja esta transferência, então, não se trata de um contrato de venda, mas, sim, de um contrato de locação51. Quanto ao conceito de prestação de serviço também deve ter uma interpretação autônoma e restritiva. O entendimento do TCE é que o contrato de serviço consiste na “efetuação de uma atividade determinada em contrapartida de uma remuneração52. Esta atividade não pode ser subordinada53, pois, se assim fosse, caracterizaria um contrato de trabalho. A exemplo de contratos de prestação de serviços podemos citar o contrato de transporte, o contrato de marketing, o de assessoria jurídica, o de engenharia, de distribuição entre outros. Não raro é a situação que um contrato apresenta elementos que podem resultar num contrato de venda de bens e de prestação de serviços. Neste caso, necessário se faz identificar
49
LIMA PINHEIRO, Vol. III, p.110. M AGNUS/MANKOWSKI,, 2007, p.126130. 51 Idem , p.124. 52 Cf. Caso CormanCollins S.A .(C9/12, n.37) 53 LIMA PINHEIRO, Vol. III, p.110. 50
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qual é a prestação característica do contrato54, para que determine se a competência aplicável seja a do primeiro ou segundo travessão da alínea (b) do Inciso I. Em outras situações o contrato de venda de bens se confunde com o da prestação de serviço. Por exemplo, se “A” fornece a matéria prima para fabricação de um certo bem, além de orientar o fabricante na produção deste bem, então, neste caso, mesmo que o “A” venha a adquirir os bens, tratase de um contrato de prestação de serviço. Na outra mão, se “A” não forneceu a matéria prima para a criação do bem, nem, tampouco, instruiu o fabricante, cabendo a este a qualidade pelo produto, então, a aquisição por “A” caracteriza um contrato de venda de bens55. Outro problema que surge é o das ações em que o pedido se funda em múltiplas obrigações que devem ser executadas em países distintos. Contudo, primeiramente, é necessário que as obrigações sejam determinadas, isto porque, estas podem ser principais ou acessórias, primárias ou secundárias e equivalentes. Se a ação tem como pedido um conjunto de obrigações, no qual uma é principal e as outras acessórias, então, segundo o entendimento do TCE, é necessário que se estabeleça o elemento de conexão como sendo o do lugar da obrigação principal, seja a entrega de bem ou prestação de serviço56. As obrigações acessórias seguem a principal. No entanto, se a ação tem por fundamento uma obrigação alternativa à principal, pelo seu incumprimento, acolhemos a solução adotada por LIMA PINHEIRO57 de atribuir competência ao tribunal do lugar cujo a obrigação principal deveria ter sido cumprida. Por último, se as obrigações são equivalentes, então, neste caso, a competência terá que ser repartida, já que o tribunal é competente para a obrigação que deva ser executada no seu território, embora já não seja para a obrigação que deverá ser executada noutro. É o entendimento do TCE, que na decisão do caso LeatherTex sedimentou que “uma vez que as duas obrigações que servem de base à petição são consideradas como equivalentes pelo tribunal ao qual a ação foi submetida, convirá afirmar, para conhecer de cada uma destas obrigações, a competência do tribunal do lugar em que cada uma delas deve ser executada e aceitar a fragmentação das competências que daí poderá resultar”58. Em sentido oposto, se a ação tem por base uma obrigação negativa(de não fazer) não há como determinar o local de cumprimento da obrigação, em razão desta não apresentar um elemento de conexão com algum Estadomembro59. Nesse caso, a jurisprudência do TCE determina que se aplique a regra geral do Regulamento, o art.260. 54
M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.136. LIMA PINHEIRO, Vol. III, p.111. 56 Cf. Caso Wood Floor (C19/09, n.33) 57 LIMA PINHEIRO, Vol. III, p.118 58 Cf. n.25 59 Cf. Caso Besix (C256/00, n.50); GAUDEMETTALLON, 2010, p.182 60 Cf. Caso Besix (C256/00, n.50). 55
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Por último, devemos delimitar a interpretação de “lugar de cumprimento”. O lugar do cumprimento da obrigação é uma questão na qual as partes têm total controle, bastandoas determinar, nos termos do contrato, onde deverá ocorrer. Daí não surge qualquer problema61. Caso ocorra o contrário, então haverão duas soluções, uma para cada alínea ( a ou b ) do inciso I. A solução adotada para a alíena a corresponde àquela adotada na Convenção de Bruxelas, visando a continuidade das normas, qual seja, a utilização do direito de conflitos do Tribunal chamado a decidir o litígio62. Todavia, esta solução não merece suporte já que confronta os ideais e objetivos do Regulamento. Atribuir a determinação do lugar de cumprimento da obrigação a partir das regras de conflito de uma lei nacional resulta na imprevisibilidade da competência e a insegurança jurídica. Noutro sentido, a alíena (b) trouxe um conceito autônomo do lugar de cumprimento nos contratos de venda de bens e prestação de serviços. Sendo assim, independente da obrigação, conforme já dissemos acima, em se tratando de matéria de algum destes contratos, o lugar de cumprimento é onde o bem foi ou deva ser entregue, ou, no caso de prestação de serviços, onde foi ou deva ser executado o serviço. Além dessa disposição, é importante a conjugação com o Regulamento Roma I, conforme os considerandos n.17 e 19 desta norma. Caso não seja possível identificar no contrato o local de entrega dos bens, este deve ser entendido como o local onde o comprador adquire ou deveria adquirir a posse física sobre os bens63. Quanto ao local onde o serviço foi ou deveria ser prestado, este local será onde o prestador do serviço realiza o serviço e o cliente recebe o resultado. Em caso de pluralidade de lugares para entrega de bens dentro de um mesmo Estadomembro, apesar do tribunal de cada local de entrega ser competente em razão de uma conexão estreita com o litígio, o entendimento deve ser no sentido de atribuir competência a um único tribunal, que deve ser feita com base nos critérios econômicos, neste caso o local da entrega principal64. Por analogia, o entendimento deve ser o mesmo quando houverem vários serviços prestados dentro de um Estadomembro. Não há um posicionamento jurisprudencial na hipótese de haverem vários lugares de entrega de bens em Estadosmembros diferentes. No entanto, no caso de prestação de serviços em vários lugares em diferentes Estadosmembros, atribuise competência ao local do serviço principal, conforme se extraiu do acórdão Wood Floor . Segundo a dourina, a solução aplicada 61
BRIGGS, 2005, p.170. Cf. Caso Tessili (C12/76, n.13 e seg.). 63 MAGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.142; LIMA PINHEIRO, Vol. III, p.112; GAUDEMETETALLON sugere que o autor possa intentar a ação em qualquer dos foros que tenha conexão com o contrato, contudo, ao nosso ver, essa solução poderia atribuir competência a vários tribunais o que resulta num forum shopping. 2010, p.203. 64 Cf. Caso Color Drack(C386/05, n.38 e seg.); GAUDEMETTALLON, 2010, p.203; FRANCQ, L’actualité de l’article 5.1…, 2011, p.11. 62
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aos contratos de prestação de serviço deveria ser a mesma aplicável a venda de bens, atribuindo competência ao lugar da entrega principal. Há situações em que para determinar este local, mesmo com base no critério econômico, seja complexa. O exemplo é no caso de prestação de transporte aéreo, onde fica a dúvida em saber se o local de cumprimento da obrigação é o local do embarque ou da chegada. Contudo, o TCE decidiu que por ser uma prestação indivisível, onde não há como mensurar o peso dos serviços, então, tanto o local da partida quanto o da chegada devem ser considerados como lugar da obrigação principal65. Aspecto importante desta competência é a referência que se faz à convenção das partes, já que este termo pode ter mais de um significado. Segundo GAUDEMETTALLON66, esta expressão pode significar o acordo das partes em remeter à alínea a) a solução para determinar o local da obrigação, ainda que o contrato seja de venda de bens ou prestação de serviços. Ou ainda, as partes fixarem o local da prestação característica do contrato diferente de onde os bens devam ser entregues ou os serviços prestados. Noutra hipótese, atribuir a competência a outro forum por meio do pacto de jurisdição, derrogando a competência do artigo 5,1. Este pacto, contudo, deve atribuir competência ao tribunal de um Estadomembro, senão o Regulamento não será aplicável. Ademais, cumpre mencionar a alínea (c ) que tem caráter remissivo, determinando que quando (b) não for aplicável, aplicase (a), conforme já expusemos supra. Por fim, no que refere o Regulamento Bruxelas I Bis, designadamente quanto ao inciso I, não houve qualquer mudança na sua redação. b) Competência em razão da matéria extracontratual Vimos no tópico anterior a enorme abrangência e importância da competência especial em matéria de contratos no Regulamento, além de todos os problemas que derivam da interpretação desta, feitas pelo TCE. No mesmo sentido, fazemos agora sobre a competência em matéria extracontratual. Embora menos frequente que a competência anteriormente estudada, esta também é presente no comercial internacional, v.g. , em casos de danos aos bens durante o transporte, defeitos nos produtos, poluição praticada por industriais, acidentes, prática comercial desonesta, entre tantos outros exemplos, podendo ser considerada a segunda mais importante competência do Regulamento e que já foi alvo de interpretação sobre as mais diversas questões pelo TCE. Conforme preconiza o Inciso 3, do Art.5, acerca da competência: 3. Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o fato danoso; 65
Cf. Caso Rehder (C204/08, n.4043); FRANCQ, 2011, p.13. GAUDEMETTALLON, 2010, p.206207.
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Primeiramente, destacamos a alteração da segunda parte do dispositivo. Nas Convenções de Bruxelas e Lugano, a redação do inciso só previa as ações em que ocorreram efetivamente um dano. Já agora, nos Regulamentos Bruxelas I e I Bis, admitese o ajuizamento de ações em razão de danos que ainda podem acontecer. Esta competência concorre e pode derrogar a regra de competência geral pelo fato do foro em que ocorreu ou poderá ocorrer o fato danoso, além de estar melhor localizado, apresenta uma conexão com o litígio, resultando na organização útil do processo, designadamente, na produção de provas. Segundo, devemos ter em conta o que deve ser entendido por matéria extracontratual. Quanto a denominação “matéria extracontratual”, no português, esta é considerada muito ampla, o que deixa a entender que o que não for matéria contratual, será extracontratual67. Em outras línguas, o termo é mais restrito, como no caso do inglês onde se atribui o termo tort, delict or quasi delict , ou no francês matière délictuelle ou quasi délictuelle . Contudo, apesar da diversidade de terminologias adotadas nas várias línguas que o Regulamento tem versão, a definição deverá ser a mesma, priorizando a uniformidade deste e não se utilizando dos conceitos internos de cada ordenamento para definir o que seja uma dano ou um delito, tendo em vista que estes conceitos divergem de sistema para sistema. Para o conceito de matéria extracontratual do Regulamento, é requisito necessário que haja um nexo de causalidade entre o fato e o dano imputável ao demandado. Assim como na competência em matéria contratual, o TCE aplicou uma definição autônoma, e negativa(em relação ao inciso I do art.5), do que seja matéria extracontratual e, nesse sentido, esta pode ser atribuída a “qualquer ação que tenha em vista desencandear a responsabilidade do réu e que não esteja relacionada com a matéria contratual, na acepção do art.5, 1”68, a partir da violação de direitos ou interesses juridicamente protegidos69, seja pela ação ou omissão do demandado70. Observação importante sobre esta decisão do TCE a dizer é que, ao tempo do julgamento, estava em vigor a Convenção de Bruxelas que apenas previa a competência para danos ocorridos. Com a nova redação, excluise este requisito, não sendo necessária a existência de danos para que possa intentar a ação. Sendo assim, a competência em matéria extracontratual abrange, além das matérias acima mencionadas, ações sobre responsabilidade précontratual, quando não haja qualquer 67
BRIGGS, 2005, p.179; M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.185. Cf. Caso Kalfelis (C189/87, n.18); Caso Gabriel (C96/00, n.33). Segundo Mankowski, na prática, o primeiro passo para se determinar se uma matéria é extracontratual se faz aplicando o conceito de contrato, segundo a jurisprudência do TCE. Se não preencher os requisitos para matéria contratual, então é não contratual, o que não sugere que seja extracontratual, tendo em vista que existem outras matérias no Regulamento(p.184). Em sentido convergente, BRIGGS, p.178. 69 LIMA PINHEIRO, Vol. III, p.115. 70 WATTÉ, Unité de droit international privé de l’U.L.B , p.6. 68
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obrigação voluntariamente assumida71, nas ações coletivas intentadas por associações de proteção com medidas preventivas contra danos futuros72, ações indenizatórias sobre marcas e patentes e, até mesmo, em ações reinvidicatórias73. Segundo a definição do TCE, destacamos a precisão em delimitar os campos de aplicação da competência contratual e extracontratual. Estas não se confundem. É por este motivo que um tribunal que seja competente para julgar uma ação de matéria contratual não será para uma ação de matéria extracontrual, salvo na hipótese da competência coincidir para ambos os casos. Nestes termos, se uma ação tem elementos de ambas as matérias, mas a competência é de tribunais de Estadosmembros diferentes, então ocorre o fracionamento do processo e cada forum julgará o que lhe compete. Outro aspecto importante a respeito destas duas matérias é a aplicação em conformidade com os dispostos nos Regulamentos Roma I e Roma II, sobre obrigações contratuais e extracontratuais, respectivamente, exceto por disposições sobre competência e matérias específicas74. Dando seguimento, é necessário definir o que seja lugar do fato danoso. Conforme a jurisprudência do TCE75, entendese por lugar do fato danoso tanto o local do evento que dá origem ao dano, quanto o local onde o dano se efetiva. Segundo MANKOWSKI76, este é o chamado princípio da ubiquidade. Nesse sentido, os foros onde ocorreram o evento e o dano são considerados equivalentes, pois ambos apresentam uma conexão com o litígio,o que não justifica a exclusão de qualquer um deles, restando ao autor escolher o que lhe convir. Esta prerrogativa ao autor tem por base a ideia de que o réu geralmente atua no lugar do seu domicílio e, sendo assim, coincidindo o local do evento com o seu domicílio, aquele não poderia utilizar da competência especial já que é requisito que não coincida com o foro da regra geral. Na prática, este privilégio concedido ao autor não traz mudanças significativas, pois, a determinação do foro continua sendo previsível, para ambas as partes, embora seja uma opção de foro a mais para o autor. A título de ilustração, se A, residente em Portugal, aciona B, francês, por ressarcimento de danos em razão de um evento ocorrido na Espanha, mas que produziu efeitos em negócios de A na Itália, então, os tribunais da França(domicílio do réu e regra geral de competência), Espanha(lugar onde ocorreu o fato danoso) e Itália(local onde os danos produziram efeitos na vítima) serão competentes para conhecer da ação. 71
Cf. Caso Tacconi (C334/00, n.25 a 27) Neste caso as partes reconheceram que não havia qualquer obrigação assumida nas negociações, o que, ao nosso ver, facilitou na atribuição pelo Tribunal da competência do inciso 3. 72 Cf. Caso Henkel (C167/00, n.42). 73 M AGNUS/MANKOWSKI,, 2007, p.187. 74 Idem, p .191; LIMA PINHEIRO, Vol. III, p.115; 75 Cf. Caso Mines de Potasse d’Alsace (C21/76, n.19); Caso Henkel (C167/00, n.44); Caso DFDS Tortline (C18/02, n.40). 76 Cf. p.190.
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Obviamente que esta ampliação do conceito de lugar de fato danoso(princípio da ubiquidade) só será relevante nos casos em que o local do evento e do dano não coincidem, caso contrário, por exemplo, num acidente de veículos, o local do evento é o mesmo do dano, sendo competente o tribunal do local do sinistro. Relativamente ao lugar onde ocorre o evento danoso, este merece algumas observações. Primeiramente, é considerado o lugar do evento danoso aquele onde o causador do dano atua ou, caso o dano seja causado por omissão, deixa de atuar. Sendo uma ação positiva, então, relevará para identificação do local do evento a conduta consciente ou negligente praticada pelo causador do dano, sendo o tribunal deste local o competente para conhecer da ação. Por outro lado, se o causador do dano é responsabilizado por uma omissão, então, o lugar do evento danoso é aquele em que este deveria ter atuado77. Assim, danos praticados por impressa ocorrem no lugar da publicação, danos difamatórios tem seu lugar no local da declaração etc. Existem casos em que, apesar da clareza da definição de lugar do evento danoso, podem surgir dúvidas quanto a determinação deste. Por exemplo, quando um evento é praticado por uma sequência de ações, quando existem atos preparatórios e um definitivo, qual será o evento relevante?. Ou caso ocorra um dano dentro de um návio que se encontra em águas internacionas, não podendo o autor determinar qual seria o tribunal de Estadomembro competente para julgar? No primeiro caso, o local do evento definitivo deve ser considerado competente. Já em relação ao caso do navio, conforme a jurisprudência do TCE no caso DFDS Tortline , aplicouse o entendimento de que se deve atribuir a competência ao tribunal do Estadomembro em que o navio está registrado. Noutra situação, existem casos em que o dano é praticado por dois ou mais agentes que são domiciliados em Estadosmembros diferentes, embora o resultado possa ter consequências num único local ou em vários. Neste caso, a solução a ser aplicada, ao nosso ver, é a aplicação da competência do art.6,1, cabendo ao autor escolher o tribunal do domicílio do agente que for mais conveniente. No que tange ao lugar da ocorrência do dano, este deve ser entendido como o local onde o dano produziu efeitos na vítima. Este pode ser o local onde a vítima sofre danos físicos ou perda econômica78, embora não possa ser o local do centro do seu patrimônio, exceto quando coincidir. Importante se faz mencionar que o que releva para a determinação da competência é o dano primário79. Sendo assim, os danos secundários, mesmo que sejam noutro Estadomembro não servem de base para determinar a competência, embora recebam proteção. Todavia, há posicionamento doutrinário que considere relevante o local do dano indireto na hipótese de, após resolvido o prejuízo primário daquele ato, a vítima vir a sofrer novamente com o mesmo fato danoso em outro Estadomembro80. 77
M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.195. Idem , p.202. 79 Cf. Caso Dumez France (C220/88, n.20 e 21); Cf. Caso Marinari (C364/93, n.21); 80 CASSAZ, RDIPP, 1999, p.972975 a pud M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.204. 78
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Quanto a solução aplicada ao dano indireto, este é o mesmo entendimento aplicável aos danos por ricochete a um terceiro. Caso este sofra dano e queira acionar o causador do dano, a competência será do tribunal onde ocorreu o dano a primeira vítima e não onde o terceiro tem perda patrimonial. O posicionamento da corte teve fundamento no impedimento do forum actoris, já que o terceiro tinha a opção de demandar no domicílio do réu, no local do evento ou no da produção do dano. Ademais, o lugar da produção do dano deve ser entendido como o local onde o evento produz diretamente os efeitos ao lesado direto81. Feitas estas considerações sobre o lugar do evento e o da produção do dano, devemos agora falar sobre os delitos complexos. Segundo a doutrina francesa82, estes são assim denominados em razão de um evento resultar num dano em mais de um lugar, podendo ser simultâneo, como é o caso da difamação através de meios de comunicação, ou subsequente, como exemplo a poluição. O problema que surge nestes delitos é a determinação de competência já que, conforme vimos, o autor poderá propor a ação no lugar do evento ou no lugar da ocorrência do dano, que neste caso podem ser vários. Esta ampla opção de escolha do foro conferida ao autor vai contra os objetivos do sistema, designadamente no que toca a previsão e segurança jurídica, resultando num forum shopping que deve, desde logo, ser evitado, pois, gera um desequilíbrio processual. A consequência de atribuir competência a vários foros que tenham conexão com o caso concreto é inevitável, contudo, o TCE adotou uma solução que, em parte, limita essa liberdade de escolha, embora seja restrita a casos de ofensa à honra. No caso Shevill83, o TCE 84 desenvolveu o que pode ser chamado de princípio mosaico . Este é oposto ao princípio da ubiquidade. Enquanto o último favorece o autor quando estabelece o lugar do fato danoso como sendo o local do evento ou da ocorrência do dano, o princípio mosaico beneficia o réu ao estabelecer que o tribunal local do evento do dano tem competência para conhecer da globalidade do pedido, enquanto que o tribunal do lugar da ocorrência do dano, nos casos em que se materializa em mais de um local, só poderá conhecer do dano ali sofrido. Nesse sentido, quanto ao dano por difamação através de imprensa, rádio ou televisão, o local do evento é considerado o do estabelecimento do editor, sendo o tribunal daí competente para todo o dano, enquanto que o local do dano dever ser considerado onde a publicação tenha sido veiculada e tenha causado prejuízo à vítima. Embora este princípio esteja limitado aos casos de dano à honra e personalidade, não vemos o porque de não ampliálo a outras situações. 81
GAUDEMETTALLON, 2010, p.226; JACQUET, 2010, p.727. GAUDEMETTALLON, 2010, p.227. 83 Cf. C68/93, n.33. 84 M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.192. 82
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Obviamente que não é fácil visualizar um delito que seja praticado num estado e vá ter consequência em outros, mas podemos usar como exemplo o caso da poluição. No caso das Mines de Potasse d’Alsace, a fábrica estava situada na França, sendo este o local do evento, e os danos se materializaram no Países Baixos, em cidades diferentes. Apesar de neste caso os autores serem domiciliados no mesmo país e terem intentado a ação em conjunto, a poluição praticada pela ré resultou de um único evento provocando dano em mais de um lugar. Restanos aguardar um posicionamento jurisprudencial acerca da questão. O princípio do mosaico não impede a liberdade do autor de demandar em qualquer dos foros que desejar, mas cria obstáculos ao forum shopping , pois, não será vantajoso nem atrativo ao autor demandar nos vários tribunais pela parte do dano que a estes compete. Primeiro porque não há garantia de uniformidade nas decisões e segundo pelo dispêndio processual por cada ação intentada. Caso o dano seja praticado pela Internet, o TCE estabeleceu solução semelhante, no sentido de que “a vítima de uma violação de um direito de personalidade através da Internet pode intentar, em função do lugar da materialização do dano causado na União Europeia pela referida violação, uma ação num foro a respeito da integralidade desse dano. Tendo em conta que o impacto de um conteúdo colocado em linha sobre os direitos de personalidade de uma pessoa pode ser mais bem apreciado pelo órgão jurisdicional do lugar onde a pretensa vítima tem o centro dos seus interesses, a atribuição de competência a esse órgão jurisdicional corresponde ao objectivo de boa administração da justiça”85. Sendo assim, o autor poderá intentar ação no foro do centro de seus interesses que geralmente coincide com o do seu domicílio. Há quem sustente que o local do evento que dá origem ao dano através da internet deve ser o local do upload do material86, contudo, o local do estabelecimento do editor se mostra mais seguro, pois, poderia o editor sustentar que o uploud tenha sido feito num Estado terceiro(numa sucursal, por exemplo), resultando na inaplicabilidade da competência deste inciso, ao menos, no que toca ao local do evento. Uma outra situação que suscitou dúvidas nos Tribunais do Estadosmembros diz respeitos aos vícios ocultos do produto defeituoso. Conforme a jurisprudência no caso ZuidChemie , o lugar da ocorrência do dano deve ser o local onde o dano surgiu devido a sua utilização normal do produto ao fim que se destina87. Ao nosso ver a solução é parcialmente satisfatória. Isto porque, se o produto apresenta defeitos enquanto é utilizado no Estado do autor/vítima, então a solução parece razoável, já que atribuirá competência ao tribunal do autor. Porém, se o produto apresenta vícios num Estadoterceiro, por exemplo, durante uma viagem, a competência será unicamente a do domicílio do réu. Por fim, mas não menos importante, traçamos a última parte do inciso 3 que dispõe sobre o lugar em que o fato danoso poderá ocorrer. A priori, devemos ter em conta que esta 85
Cf. Caso eDate Advertising (C509/09, n.48). M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.200. 87 Cf. Caso ZuidChemie (C189/08, n.23 e seg.); LIMA PINHEIRO, Vol. III, p.118. 86
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disposição só é aplicável as ações preventivas. Ainda assim, o princípio da ubiquidade(determinação do lugar do fato danoso como sendo o local do evento ou o da ocorrência do dano) também atribui competência ao lugar do evento que venha dar origem a um dano ou ao lugar em que esse futuro dano se materialize. No mais, assim como a competência em matéria contratual, o Regulamento Bruxelas I Bis não sofreu quaisquer alterações. c) Competência relativa à exploração de sucursal, de uma agência ou de qualquer outro estabelecimento Relativamente ao art.5(art.7 no I Bis), esta competência especial será a última, mas não menos importante, que iremos analisar. Diferentemente das anteriores que são determinadas em razão da matéria, contratual ou extracontratual, esta não apresenta um fator de conexão material. Ao contrário, serve como uma extensão da competência da regra geral, ao passo que atribui competência a um novo foro em razão do domicílio da casamãe( parent body ou maison mère ). Este critério de competência concorre com o domicílio do réu, com a competência em matéria contratual e a de matéria extracontratual. A redação deste inciso no Regulamento Bruxelas I é uma cópia fiel daquela prevista na Convenção de 1968 e permanece inalterado na redação do Reg. Bruxelas I Bis. De modo que o entendimento jurisprudencial aplicado desde o início da vigência da Convenção deve ser mantido e aplicado aos casos atuais. Segundo a redação do inciso 5, do art.5(7): 5. Se se tratar de um litígio relativo à exploração de uma sucursal, de uma agência ou de qualquer outro estabelecimento, perante o tribunal do lugar da sua situação;
Dessa disposição devemos ter em conta algumas considerações, no qual, primeiramente, para que esta competência possa ser estabelecida, a relação que dá origem ao litígio deve ser composta por três sujeitos, o terceiro que ajuiza a ação, o estabelecimento ou sucursal e a sede ou casamãe. Isto não implica dizer que o processo será formado por uma autor e dois réus, em litisconsórcio, mas que é necessária a existência de uma relação entre o estabelecimento e a casamãe para aplicar a competência, caso contrário não se trata de um litígio relativo a exploração de um estabelecimento. Segundo, esta competência só será aplicável nas relações em que a casamãe for ré, não podendo esta se privilegiar da competência quando for autora. Além disso, a competência do inciso 5 é atribuída unicamente contra a casamãe, embora na prática por vezes haja confusão entre esta e a sucursal. Terceiro, é requisito obrigatório que tanto o estabelecimento quanto a casamãe estejam localizadas em Estadosmembros e que estes não coincidam, pois, caso contrário,
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aplicarseia a regra geral de competência, o domicílio do réu. Outra requisito importante é que o estabelecimento deve está em funcionamento ao tempo do ajuizamento da ação, caso contrário a competência não será aplicável. Este entendimento é determinado por analogia ao art.2 do Regulamento, no sentido de que o réu deve ser julgado no lugar do seu domicílio(atual), não podendo atribuir a competência para o Estadomembro que o réu tinha domicílio anteriormente88. Por último, é pressuposto que o litígio derive de questão relacionada a operação do estabelecimento em favor da sede, caso contrário a competência do inciso 5 não será aplicada. Por exemplo, em litígios onde a sucursal efetue a venda de bens ou a prestação de serviços em nome da sede, quando celebre e execute contratos em nome desta ou quando surjam obrigações extracontratuais à subsidiária, quando esta age em nome da sede. A razão de ser desta competência tem por base o entendimento de que se o réu, casamãe, optou por expandir voluntariamente seus negócios noutro Estadomembro deve ser também responsabilizado por suas atividades neste local89. É o preço a se pagar pela expansão comercial. No que pese ao conceito de sucursal, agência ou estabelecimento, o TCE determinou que deve ser aplicado um conceito autônomo, estabelecido em razão de um conjunto de indícios materiais, excluindo qualquer recurso à uma lei nacional. A distinção entre os termos é irrelevante, devendo se aplicar o mesmo conceito. Sendo assim, o estabelecimento(abrangendo sucursal e agência) ou place of business deve ser entendido como o espaço que tem localização fixa e permanente em um Estadomembro diferente do da sede, que está submetida à direção e controle desta, dotado de um mínimo de equipamentos , que tenha poder para negociar com terceiros em nome desta e certa autonomia, devendo ser compreendida como uma uma extensão descentralizada da casamãe90. Estes requisitos devem ser cumulativos. É fundamental que o estabelecimento seja utilizado para fazer negócios no mercado e não apenas para viabilizar o gerenciamento interno daquela empresa no novo Estado. Por outro lado, há aspectos que são irrelevantes na determinação do estabelecimento. A sede não precisa ter participação no capital da subsidiária, nem é requisito que aquela exerça poderes legais sobre esta, enquanto que a subsidiária por ser legalmente independente. O que se deve ter em conta são os fatos. A dependência que o conceito define deve ser entendida no sentido substancial e não formal. Nesse sentido, se um representante exclusivo conduz seus negócios sem dependência e controle da casamãe, falta o requisito da submissão à casamãe91, resultando na inaplicabilidade da competência do inciso 5. Por outro lado, se o representante, agente comercial ou distribuidor não é exclusivo, então não há nem o que falar sobre se tratar de uma relação de 88
BRIGGS, 2005, p.199; Em sentido convergente: MANKOWSKI, p.229. Idem p.198; M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.219; JACQUET , 2010, p.730; 90 Idem p.198; CLARKSON, Jaffey on the Conflict of Laws, 1997, p.88. 91 Cf. Caso De Bloss (C17/76, n.20). 89
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subordinação à sede, de modo que a competência não será operável92. Noutro caso93, embora a casamãe tivesse um representante, do qual dispunha de poderes para negociar em nome desta e fosse subordinado à direção e controle daquela, não tinha um um estabelecimento fixo, resultando na inaplicabilidade da competência do inciso 5 já que faltava este último requisito. Não deve também ser considerado como estabelecimento a empresa que oferece serviços via online94 para outro país. É comum, principalmente nos últimos anos, verificar empresas que utilizam websites com divulgação internacional, atribuindo a cada país um domínio diferente(“.pt”, no caso de Portugal, por exemplo) que acaba por fazer crer ao consumidor que aquela empresa tem estabelecimento naquele país. Contudo, devemos ter em conta os requisitos para se chegar ao conceito e, neste caso, falta um espaço físico com equipamentos, não abrangendo assim a competência deste inciso. Uma dúvida que fora suscitada no TCE consistiu em saber se era condição para a aplicação da competência do inciso 5 que as obrigações resultantes da exploração do estabelecimento deveriam ser cumpridas no Estadomembro em que este estava situado ou não. A priori, no caso Somafer95, a Corte entendeu que a competência do inciso 5 deveria ser limitada por este requisito, estabelecendo que os compromissos que o estabelecimento assumira em nome da sede deveriam ser executados no Estadomembro em que aquele se situa. Contudo, em acórdão posterior, o TCE96 alterou o entendimento determinando que o local da execução da obrigação num Estadomembro diferente daquele em que o estabelecimento está situado não impede a aplicação da competência do inciso 5. Neste caso, uma sucursal francesa de uma empresa britânica fora contratada para prestar serviços na Espanha, através de outra sucursal da mesma empresa. O réu arguiu que o foro competente era o do local da obrigação, nos termos do inciso 1 do art.5, contudo, conforme já dissemos, a competência do inciso 5 concorre com a de matéria contratual, ao passo que cabe ao autor escolher o foro. No mais, os argumentos do TCE para rejeição do entendimento no caso Somafer foram baseados em três pontos: a) que o inciso 5 não trazia qualquer previsão de que a obrigação deveria ser cumprida apenas no local do estabelecimento; b) se fosse o caso do inciso 5 prever tal disposição, tanto o inciso 1 quanto o 5 teriam a mesma finalidade, qual fosse, atribuir competência ao local da obrigação; e c) reafirmaram que o estabelecimento secundário, embora sumetido à direção da sede, tem poderes para negociar e executar contratos com terceiros e que estes, embora saibam que ali se trata de um estabelecimento da sede, podem tratar diretamente com aquele, dispensando a sede. 92
Cf. Caso Blanckaert and Willems PVBA (C139/80, n.12 e 13). Cf. Caso S omafer (C33/78, n.12). 94 M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.221. 95 Cf. Caso S omafer (C33/78, n.13) 96 Cf. Caso Lloyd’s Registe of Shipping (C439/93, n.16 e seg.); BRIGGS, 2005, p.201. 93
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Já agora, necessário se faz discorrer sobre a importância da aparência externa na relação entre sede e estabelecimento aos olhos do terceiro. Consoante se retira do acórdão do caso Schotthe , o critério a ser utilizado pelo autor da ação para estabelecer a competência do inciso 5 é puramente visual. Nesse sentido, não importa se uma é subsidiária da outra ou se são independentes legalmente, inclusive quando há confusão entre a subsidiária ser o centro de operações e a sede passa a ser tratada como “subsidiária” deste estabelecimento. O que conta neste caso é o modo como as empresas se comportam na vida social e se apresentam aos terceiros 97 . Sendo assim, as filiais também podem ser consideradas prolongamentos da casamãe. O conhecimento da estrutura interna pelo terceiro em saber qual é o estabelecimento ou a casamãe não pode ser requisito, já que o este não tem acesso a tais informações. Além disso, a confiança adquirida pelo autor nesta situação deve ser protegida98. Contudo, na prática isto pode trazer problemas na determinação de competência. Como vimos acima, os litígios relativos à exploração de sucursal podem decorrer de obrigações contratuais ou extracontratuais99. Sendo um litígio relativo a um contrato é necessário determinar qual das empresas, estabelecimento ou casamãe, está envolvida com o contrato. Caso o contrato tenha sido firmado com o estabelecimento, é requisito que este envolva diretamente a casamãe, caso contrário esta competência não será aplicável, mas, sim, a do inciso I e o réu será o estabelecimento. Do mesmo modo, no que pese às obrigações extracontratuais, é necessário que o delito apresente relação direta com a atividade do estabelecimento em prol da casamãe. Caso contrário, se o delito for atribuído ao estabelecimento em razão de atividade particular, a competência será a do inciso 3, já adiantando que o local do estabelecimento deverá ser considerado o local do evento danoso100. Por fim, relativamente aos agentes comerciais, distribuidores e intermediários, apesar de preencherem alguns requisitos para caracterizar um estabelecimento, geralmente não são considerados como um prolongamento da casamãe. Isto porque, geralmente não estão sujeito à direção desta, nomeadamente quanto a horário, decisões ou poder de negociação com terceiros. Por esses motivos a competência do inciso 5 não poderá ser aplicada. 2.3) A competência do Art. 6(Art. 8 no Regulamento Bruxelas I Bis) A partir do que já fora analisado, vimos que os critérios de competência podem ser determinados em razão do domicílio do réu ou de matérias específicas, a exemplo dos litígios que envolvam contratos ou delitos. Além destes, cumpre agora discorrer sobre as competência especiais com base no art.6 do Regulamento, que devem ser estabelecidas em função da ratio connextatis , ao contrário do art.5 que deriva da ratio materiae . Esta é mais uma opção conferida 97
Cf. Caso S chotte (C218/86, n.15 e 16). M AGNUS/MANKOWSKI, 2007, p.225; BRIGGS, 2005, p.200. 99 LIMA PINHEIRO, 2012, p.125. 100 M AGNUS/MANKOWSKI/WATT, 2007, p.227228. 98
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ao autor no ajuizamento da ação, porém, para situações bastante específicas estabelecidas nos quatro incisos deste artigo. O objetivo desta disposição tem por base atribuir competência a um único tribunal em casos onde mais de um foro é competente, em razão da existência de diferentes ações conexas, visando, principalmente, respeitar o princípio da economia processual e a boa administração da justiça. Conforme se extrai do art.6: Art.6 Uma pessoa com domicílio no território de um EstadoMembro pode também ser demandada: 1. Se houver vários requeridos, perante o Tribunal do domicílio de qualquer um deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente para evitar soluções que poderiam ser consideradas inconciliáveis se as causas fossem julgadas separadamente; 2. Se se tratar de um chamamento de um garante à ação ou de qualquer incidente de terceiros, perante o tribunal onde foi instaurada a ação principal, salvo se esta tiver sido proposta com o intuito de subtrair o terceiro à jurisdição do Tribunal que seria competente nesse caso; 3. Se se tratar de um pedido reconvencional que derive do contrato ou do fato em que se fundamenta a ação principal, perante o tribunal onde esta última foi instaurada; 4. Em matéria contratual, se a ação puder ser apensada a uma ação em matéria de direitos reais sobre imóveis dirigida contra o mesmo requerido, perante o tribunal do EstadoMembro em cujo o território está situado o imóvel;
Da interpretação do Inciso 1, devemos tomar nota sobre alguns aspectos. Para que este seja aplicável, o legislador optou por estabelecer dois requisitos, cujo a ausência impedirá sua utilização. Primeiramente, os pedidos devem estar estritamente interligados de maneira que julgamentos separados possam ser inconciliáveis. O TCE, no caso Kalfelis101, adotou este posicionamento com base na disposição do art.22 da Convenção(art.28, 3 do Regulamento Bruxelas I). Quanto ao pedido, à priori, o entendimento do TCE era o de que para as ações serem conexas deveriam apresentar pedidos semelhantes de fato e de direito. Caso não fossem, a competência do art. 6,1 não poderia ser aplicada102. Todavia, neste caso, a competência em questão era em razão de matéria extracontratual, motivo pelo qual a interpretação do inciso 1 não foi a fundo. 101
Cf. Caso Kalfelis (C189/87, n.11 e 12.). Cf. Caso Réunion Européenne SA (C51/97, n.50).
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Em litígio posterior, o entendimento foi modificado passando a aceitar que os pedidos que determinam a conexão do litígio não precisam ser da mesma matéria, nem impedem a aplicação do art.6, 1103. Isto porque o objetivo principal da conexão de ações é evitar julgamentos separados gerando decisões inconciliáveis. A decisão teve por base o entendimento de que o texto do art.6, 1 não faz qualquer referência ao pedido, cabendo ao órgão julgador fazer a análise dos autos para determinar se existe conexão entre estes. Em segundo lugar, mas tão importante quanto, a competência deste inciso só será aplicada quando o tribunal for o do domicílio de um dos réus. Este é o caso de litisconsórcio passivo, não se admitindo o oposto(pluralidade de autores). Sendo assim, se a competência que serve de base para a determinação do foro for outra que não a do domicílio de um dos réus, então o art.6, 1 não poderá ser aplicável e os pedidos não serão reunidos. A título de exemplificação, se o autor intentar uma ação contra um réu com base na coompetência do inciso 1 do art.5 e dessa mesma relação intentar ação contra outro réu, o dispositivo em questão não poderá ser aplicado já que a competência original não foi a do domicílio do primeiro réu. Além disso, devemos aplicar por analogia as regras referentes ao domicílio do réu em Estadomembro e Estado terceiro. No caso do réu domiciliado num estado terceiro que seja demandado num Estadomembro não se aplica as disposições do Regulamento, mas as normas de lei interna do Estado em que este for demandado104. Entretanto, há doutrina que acredita ser possível aplicar o disposto quando o réu demandado em estado terceiro seja acionado no foro do domicílio de coréu num Estado contratante105. Outra questão que fora decidida pelo TCE diz respeito aos casos em que uma ação é proposta no domicílio de um dos réus, mas pelas normas de direito interno a ação contra o réu aí domiciliado é considerada inadmissível. Apesar deste incidente, a competência será válida e atribuída ao foro do domicílio deste (ex) réu, mesmo este deixando de ser parte no processo106. Conforme se retirou do acórdão, a interpretação do regulamento não pode ser feita com dependência aos efeitos de regras internas. Concordamos que, devido aos objetivos do Regulamento e da Convenção, devese apreciar os dispositivos de maneira autônoma sem qualquer referência à lei interna, nem, tampouco, submissão, contudo, na exegese deste inciso devemos ter em conta a existência de dois ou mais réus, o que não é o caso. Se o litígio passa a ser entre um autor e um réu não há conexão de pedidos, razão pela qual deveria aplicar a regra do art.2. No que tange ao art.6, 2, diferentemente do anterior, este não impõe o requisito da ação ser proposta no domicílio de um dos réus, nem que haja uma conexão entre a ação principal 103
Cf. Caso Freeport (C98/06, n.47). Cf. Caso Réunion Européenne SA (C51/97, MAGNUS/MANKOWSKI/WATT, 2007, p.241. 105 LIMA PINHEIRO, 2012, p.131. 106 Cf. Caso Reisch Montage (C103/05, n. 30 e seg.). 104
n.52);
GAUDEMETTALLON,
2010,
p.255;
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e a de chamamento de garante ou de intervenção de terceiro. Ainda, contrariamente, a incidência deste inciso pode ocorrer em processos onde a competência original foi determinada em razão de outros critérios especiais. Quanto aos conceitos de chamamento de garante e intervenção de terceiros, seguindo os objetivos do Regulamento, devese aplicar uma interpretação autônoma. Por chamamento de garante à ação entendese a “ação intentada contra terceiro pelo requerido num processo de modo a ficar isento das consequências neste processo”107. Como requisito de aplicação, o legislador estabeleceu primeiramente que bastava que houvesse conexão entre a ação principal e o pedido de chamamento do garante ou da intervenção do terceiro para que a competência fosse atribuída ao tribunal que conhece daquela ação108. Contudo, em julgamento posterior, sedimentou que não há necessidade de qualquer conexão desde que fique provado que não houve desvio de foro109. Entendese por desvio de foro, os casos em que houve intuito de subtrair o terceiro da jurisdição do tribunal que, para este, seria competente, designadamente, quando haja conspiração entre autor e réu ou quando o autor propõe ação sem fundamento, na expectativa que o réu venha a chamar o terceiro110. Neste caso, pela lógica, deverá o tribunal do domicílio do garante ou do terceiro ser o competente. De resto, as normas processuais nacionais devem complementar o objetivo deste inciso, contudo, sem retirar o efeito da disposição111. Nesse sentido, importante se faz mencionar o art.65, 1 que preconiza que, quanto a competência, o disposto no art.6, 2 não será aplicável na Alemanha, Áustria e Hungria já que estes países desconhecem esse procedimento processual de modo que a decisão só se aplica contra as partes principais do processo112. A terceira competência deste artigo dispõe sobre pedido reconvencional dentro da ação principal e determina a competência do tribunal que conhece a ação principal de conhecer o pedido reconvencional. Conforme sedimenta o inciso 3, é requisito que o pedido derive do contrato ou do fato que se fundamenta aquela ação. Ademais, é necessário que o autor da ação, que passa a ser réu no pedido reconvencional, seja domiciliado num Estadomembro. Entretanto, competência da ação original pouco importa neste caso. Outro aspecto importante é o de que o pedido reconvencional, além da ligação com o contrato ou o fato que origina a ação, deve visar uma condenação distinta daquela da ação e não apenas um meio de defesa, com intuito de abater ou diminuir o valor final113. Diferentemente do inciso anterior, o pedido de reconvenção é reconhecido em todos os Estadosmembros e sua admissibilidade deve ser apreciada pela lei do foro. 107
Cf. Caso GIE Réunion Européenne (C77/04, n.20). Cf. Caso Kongress Agentur GmbH (C365/88, n.11). 109 Cf. Caso GIE Réunion Européenne (C77/04, n.33). 110 LIMA PINHEIRO, 2012, p.132. 111 Cf. Caso Kongress Agentur GmbH (C365/88, n.19 e 20). 112 GAUDEMETTALLON, 2010, p.262. 113 Cf. Caso Danvaern Production A/S (C341/93, n.12 e18). 108
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Por último, temos a competência do inciso 4, inserida na Convenção de Lugano(1988) e depois na Convenção de adesão de San Sebastian(1989), que possibilita apensar uma ação em matéria contratual numa de direitos reais sobre imóveis. Neste caso, e respeitando a competência exclusiva do art.22, 1, o tribunal do local do imóvel será competente para julgálas. No que pese ao conceito de matéria contratual, devemos ter em mente o mesmo entendimento da competência do art.5,1, ou seja, interpretação autônoma. Ademais, é necessário que o autor da ação de direito real sobre imóvel seja o mesmo da ação em matéria contratual, enquanto que o conceito de direitos reais sobre imóveis deve ter por base o art.22, 1. Até o momento não houve apresentação de questão prejudicial relativamente à interpretação deste inciso, de modo que não há pronunciamento do TCE. Conclusões Feitas as considerações sobre as competências especiais dos Regulamentos Bruxelas I e I Bis e tendo em atenção o espaço que nos fora concedido, cumprenos agora finalizar esse estudo. Para isso, necessário se faz enfatizar algumas das soluções adotadas na aplicação desta norma comunitária. Primeiramente, conforme verificamos ao longo do trabalho, a aplicação do Regulamento é bastante satisfatória e atinge os objetivos que persegue, ao menos no que toca à competência. As regras ali previstas apresentam solução para todas as questões de ordem civil(que não sejam excluídas da norma) e comercial, asseguradas pela certeza e previsibilidade jurídica. Essa previsibilidade jurídica pode ser entendida no sentido de que, ao saber qual o foro competente, a parte tem condições de determinar o possível direito material aplicável, por via das normas de direito de conflitos daquele ordenamento. Na prática, o conhecimento do regime aplicável previne a parte de ser surpreendida por desconhecer o direito do lugar onde for demandada. No que se refere aos aspectos gerais, a interpretação autônoma dos conceitos, apesar de ser proveniente da Convenção, foi mantida no Regulamento Bruxelas I e será, também, no Regulamento Bruxelas I Bis. Esta solução é digna de aplausos, primando pela uniformidade jurídica, sem fazer referência aos sistemas de direito nem ordenamentos nacionais que são presentes no continente europeu. De acordo com o que vimos, situações de fato ou de direito tem consequências distintas nos sistemas do common law e civil law ou entre ordenamentos do mesmo sistema. Contudo, essa interpretação se limita apenas em determinar competência a um determinado foro, não havendo qualquer influência na lei aplicável. Por essa razão, haverão situações que, apesar da lei nacional verificar uma situação contratual, a competência poderá ser atribuida àquele foro com base em matéria extracontratual e viceversa. Relativamente a derrogação de competência, há de excluir a aplicação do forum non conviniens , já que, além de ser um instituto processual totalmente estranho aos ordenamentos do civil law , vai contra as disposições do Regulamento, conforme vimos no tópico d) do primeiro capítulo. Os casos de derrogação de foro devem ter por base a existência de outra competência
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que seja concorrente e melhor situada para conhecer da ação, cabendo ao autor escolhêla e não ser declarada de ofício. Quanto à regra geral de competência, apesar das inúmeras exceções que a norma prevê, tornando sua utilização escassa, não deve ser considerada como uma opção residual. Exceto nos casos de pacto de jurisdição ou de competência exclusiva, a regra do art. 2 sempre estará disponível ao autor da ação. Ademais, o domicílio do réu é o elemento de conexão principal para a aplicação do Regulamento, conforme vimos. No que pese a definição de domicílio da pessoa natural, ao nosso ver, a remissão para a lei interna pode suscitar dúvidas, de modo que acreditamos ser plausível estabelecer uma solução uniforme, assim como fora feito com a definição das pessoas coletivas. Concernentemente as disposições do art.5, as inovações trazidas pelos Regulamento merecem destaque. Primeiramente, quanto ao inciso I, o legislador comunitário optou por incluir o princípio da prestação característica como elemento de localização da obrigação do contrato, quando este for relativo a venda de bens ou prestação de serviços. Disso resulta que, independentemente do pedido, caso derive de um desses contratos, o foro competente será o lugar onde o bem/serviço foi ou deveria ter sido entregue/prestado. Essa solução pragmática facilita às partes determinar a competência bastando saber se o contrato é um dos tipos acima mencionados. Na prática, esse preceito minimizou as dificuldades em interpretar o Regulamento e, consequentemente, diminuiu o número de questões prejudiciais perante o TCE. Essa solução tem semelhança com a adotada no Regulamento Roma I, do qual também compete ao TCE interpretar, e que deve ser convergente. Contudo, por vezes, não é possível identificar se o contrato é de venda de bens, prestação de serviços ou outro tipo. Nessa hipótese, o legislador estabelece a aplicação da alínea c), que faz remissão à alínea a), solução já consagrada na Convenção de Bruxelas. Com isso, estes métodos preenchem todas as lacunas na aplicação do inciso 1. Além disso, já ficou sedimentado que a matéria contratual abrange qualquer situação que nasça de uma obrigação livremente assumida. Quanto aos “contratos complexos”, onde uma obrigação deva ser executada em lugares diferentes, a determinação do foro competente com base no lugar da entrega ou serviço principal, a partir de critérios econômicos se mostra a solução mais adequada, no que se refere as obrigações divisíveis. Embora o TCE só tenha se pronunciado acerca do contrato de prestação de serviços, aos olhos da doutrina, do qual nós partilhamos, o entendimento deve ser aplicado também nos contratos de venda de bens. Ao atribuir competência a um único foro evitase a hipótese de um forum shopping. Por outro lado, em casos onde a obrigação é indivisível deva atribuir competência em qualquer dos foros que apresente um laço com o contrato, já que não é possível mensurar maior ou menor importância a um ou outro Estado, nem há justificativa em eliminar qualquer dos foros. No que tange a competência em matéria extracontratual, a nova redação do inciso 3
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admite ações preventivas contra danos futuros, além do que já consagrava a Convenção. Porém, talvez esta não seja a questão de maior importância neste caso de competência. Conforme discorremos, o desenvolvimento apresentado ao longo dos anos para este critério, a partir de casos julgados unicamente, trouxe novo sentido a interpretação deste inciso. Isto se deu pela diversidade de situações que surgiram com o tempo. Primeiro em casos onde houve distinção entre o local do evento e o do dano, no qual surgiu o que pode ser denominado princípio da ubiquidade. Em seguida, os delitos praticados através de imprensa ou meios de comunicação, de onde surgiu o princípio do mosaico, que limita a competência de certos foros e cria obstáculos ao forum shopping . Por fim, e mais recente, a jurisprudência estabeleceu que nos danos praticados por via de internet, além das competências previstas na regra geral e no inciso 3, poderá o autor utilizar da competência do lugar do seu centro de interesses. Em sequência, quanto aos litígios relativos à exploração de estabelecimento, vimos que os requisitos que aqui tratamos e que são cumulativos tornam a aplicação dessa competência bastante estrita. Além disso, ficou constatado que, na maioria das vezes, um agente comercial, um distribuidor ou representante não poderão ser considerados uma “extensão descentralizada” da casamãe. Ademais, ficou demonstrado que a competência do inciso 5 pode ser aplicada tanto em decorrência de relações contratuais quanto extracontratuais. A regra de competência deste inciso tem o mesmo fundamento da regra geral do art.2, entretanto, aplicandose ao domicílio da casamãe. Já no que pese as competências do art. 6, onde a razão de atribuir competência tem por base elementos processuais, vimos que os incisos 1 a 4 admitem conexão de ações nos casos de litisconsórcio passivo, chamamento de garante ou intervenção de terceiro, pedido reconvencional e apensamento de ação em matéria contratual noutra de direitos reais sobre imóvel. No caso do primeiro inciso, vimos nos requisitos que o domicílio de um dos réus deve ser num Estadomembro e que o pedido não precisa ter o mesmo fundamento, alterando entendimento anterior do TCE. Já no segundo, basta que não fique provada a intenção em subtrair o terceiro da jurisdição que lhe seria competente. Quanto ao terceiro inciso, o requisito para a aplicação é o pedido reconvencional de condenação distinta. Quanto ao último, este ainda não foi apreciado pelo TCE, mas, conforme se retira da previsão, não vislumbramos qualquer dúvida de interpretação. Quanto ao Regulamento Bruxelas I Bis, conforme extraímos do anexo III, que dispõe sobre o quadro de correspondências entre ambos os regulamentos, não houveram mudanças quanto às competências especiais. Já nos considerandos, a novidade foi a atribuição das regras de competência aos Tribunais comuns à vários Estadosmembros, como é o caso do Tribunal de Justiça de Benelux. No mais, num apanhado geral, as regras de competência podem ser tidas como completas, no sentido de apresentarem solução para os mais diversos casos que podem surgir nas relações de direito. Isto por dois motivos: a) as regras competências tem basicamente o mesmo conteúdo desde a Convenção de Bruxelas, exceto pela adição de novos termos, embora sem
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excluir os que já eram previstos. Além disso, caso não apresentassem uma alto grau de previsão e certeza, teriam sido modificadas na oportunidade dos projetos dos Regulamentos Bruxelas I e I bis, o que não foi o caso; b) apesar do nosso esforço em encontrar posicionamento divergente por parte da doutrina, constatamos que os juristas que destinaram estudos ao tema se limitam a interpretar, e não criticar, o Regulamento, a partir dos casos julgados pelo TCE. Sendo assim, a importância das decisões proferidas ao longo dos anos e o posicionamento sempre coerente do TCE foram a principal fonte para o desenvolvimento desta matéria. Por fim, esperamos que o presente estudo tenha alcançado seu objetivo em discorrer sobre as competências especiais dos Regulamentos Bruxelas I e I Bis e que possa servir de contributo material para aqueles que desejam investigar algo mais sobre as regras de competência internacional no âmbito da União Européia.
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