QUEIROZ, José Francisco Ferreira – A oficina de cantarias de Ernesto Korrodi. In \"Cadernos de Estudos Leirienses\", Vol. 3, Textiverso, Dezembro de 2014, p. 271-282.

May 19, 2017 | Autor: Francisco Queiroz | Categoría: Cemetery Sculpture and Monuments, The Use of Marble and Other Stones
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Descripción

DEZEMBRO 201 4

.

~.

I

-

LEIRIENSES

Cadernos de Estudos Leirienses - 3

A oficina de cantarias de Ernesto Korrodl' José Francisco Ferreira Queiroz ·

Introdução

o arquitecte Ernesto Korrodi tem sido objecto de alguns estudos, nas últimas duas décadas, muito se sabendo já sobre a importância da sua obra. Porém, algumas facetas não mereceram, até hoje, uma análise detalhada. Duas delas são: a sua actividade como desenhador de túmulos, e a sua oficina de cantarias - onde estes túmulos foram todos, ou quase todos, executados. Especificamente sobre a obra tumular de Ernesto Korrodi, será brevemente publicado um tra balho nosso, em cc-autoria com Renata Alves . O presente artigo ce ntra-se apenas na história da oficina de canta rias de Ernesto Korrodi - a história passivei, e bastante incompleta, visto que nos baseámos quase somente na tradição oral. Trata-se de uma primei ra análise; um repto para que surjam mais trabalhos sobre o tema das cantarias na região. A ofic ina de Ernesto Korrodi Ernesto Korrodi nasceu em Zurique no ano de 1870, cidade onde se formou como esculto r decorador, com apenas 19 anos . Paralelamente, frequentou as disciplinas necessárias para poder leccionar, o que viria a fazer

• Doutor em Históriada Arte pela Universidade do Porto. Investigador PrinCipal da linha "Hemeqe. Culture an d Tourtsm " do CEPESE - Centro de Estudos da População. Economiae Sociedade. O autor não segueas normas do novo Acordo Ortográfico. , Este irabarho basela-se num capitulo doestudo ~O Cemi tério de Santo Antooio do Carrascal: Arte, H istória e Socieda de de Leiria no Século XIX . elaborado entre 1998 e 2000 por Ana Margartda

Portela Domingues e por José Francisco Ferreira Queiroz, e aindapor publicar.

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Fig.1 - Korrodi & Theriaga (retratos publicados no periódico "Leiria IIlustrada", Ernesto Korrodi encontra-se a direita, e José Theriaga a esquerda)

no ano seguinte, quando foi chamado a Portugal. Da Escola Industrial Bartolomeu dos Mártires, em Braga, Ernesto Korrodi passou, em 1894, para a Escola Industrial Domingos Sequeira, em Leiria, instituição da qual viria a ser, mais tarde, o director'. Ernesto Korrodi desenvolveu actividade paralela ao ensino, especialmente como arquitecto, e ainda como empreiteiro. Aliás, desde 1900 e até, pelo menos, 1909, Ernesto Korrodi teve sociedade com o engenheiro militar de Leiria, José Diogo Lopes da Costa Theriaga, a qual designava-se "Korrodi & Theriaga, construtores". A obra mais emblemática de Ernesto Korrodi em Leiria, construída pela sociedade Korrodi & Theriaga, foi o edifício dos Paços do Concelho, cujo projecto inicial (de Korrodi) remonta a 1899 e que demorou vários anos a concluir. Aquando desta obra, Ernesto Korrodi terá encontrado dificuldades para adquirir matériaprima, bem como para recrutar canteiros especializados. Chegou mesmo a

2

CQ-

Sobre a obra de Ernesto Korrodi, em geral, veja-se: COSTA, Lucília Verdelho da - Ernesto Korrodi,

1889-1944: arquitedura, ensino e restauro do património, Lisboa, Editorial Estampa, 1997; OLIVEIRA, Genoveva - Rota de Arquitectura Korrodi. contributo para o conhecimento da vida e obra do

arquitecto (1870-1944), Tese de Mestrado apresentada a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 2006; e SANTOS, Regina Margarida - Ernesto Korrodi, Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura, apresentada ao Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2012.

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locar anúncios para contratação de homens que trabalhassem em lioz e alvenaria aparelhada, e para o fornecimento de pedra branca dos Carvalhos e do Reguengo. Efectivamente, vieram artífices de fora de Leiria para realizar a obra da nova Câmara, alguns dos quais abordar-se-ão seguidamente. Foi em finais de 1905, perante as mesmas dificuldades, que Ernesto Korrodi estabeleceu uma oficina de cantarias, de modo a executar mais facilmente os trabalhos por ele concebidos e a satisfazer prontamente as, cada vez mais frequentes, encomendas provenientes de fora de Leiria, nomeadamente de Lisboa. No "Leiria IlIustrada", n.? 51, de 28 de Dezembro de 1905, refere-se que esta "vasta" oficina, então ainda em montagem, era pertença de Ernesto Korrodi e do Capitão José Theriaga. Porque eram de grande qualidade os seus projectos e desinteressadamente empreendia obras pelo progresso de Leiria, a sociedade Korrodi & Theriaga foi localmente bastante elogiada na época'. No caso do edifício dos Paços do Concelho, a demorada obra ficou

Fig. 2 - Interior da oficina Korrodi: um telheiro extenso e aberto, apoiado em pilares de tijolo. Ao centro, vemos Emesto Korrodi com chapéu , segurando uma planta. Está provavelmente acompanhado de seu filho Emesto Camilo Korrodi. Vêem-se alguns operários, e um carro de bois que transporta um bloco de pedra. Várias pedras estão espalhadas, algumas já lavradas. Diversas ferramentas também se podem ver, nomeadamente serras. Note-se o conjunto monumental do castelo, antes das intervenções de restauro. Esta fotografia foi gentilmente cedida pela D. Maria de Lourdes Bouhon Korrodi.

3

Leiria /Ilustrada, ano 1, n.v 13, 6 de Abril de 1905.

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até mais cara que o orçamentado, devido à subida dos preços da mão-de-ob ra, não tendo exig ido Korrodi qualq uer compensação. Os monumentos ao Ma rquês de Pomba l (em Pombal) e ao Bispo D. Manuel de Aguiar (Sé de Leiria) te rão sido executados na sua ofic ina de cantarias, respectivamente em 1906 e 1907. Certamente, vári os ja zigos do Ce mitério de San to Ant ón io do Carrasca l, em Leiria, fora m co nstruidos nesta sua oficina , ass im como outras ed ificações tu mula res co nceb idas po r Ernesto Ko rrodi para os cemit érios de Ave iro, Pombal, Mar inha G rande , Coimbrã o, Vil a Nova de Ourém, Bombarral e Lisboa, as qua is são abo rda das nu m o utro traba lho, do qual somos co-a uto res' . A o ficina de ca ntarias e escultura de Ernesto Ko rrod i situa va- se na Rua Mou zinh o de Albuquerque, tend o sid o fotografada por Soares Pinto em 1909' . Julgamos que as duas fotografias que aqu i se publicam sobre esta oficina são precisamente de 1909, talvez do refer ido fotógrafo. Na o ficina , eram executados tra balhos de ornato, modelados pelo próprio Ernesto Korrodi, respondendo a encomendas, não só de clientes da região de Le iria, com o de outras partes do pais. Porém, as dificuldades foram muitas, sobretud o aquando da l' Grande Guerra. Numa interessante cart a ao seu amigo escultor, Antó nio Te ixeira Lopes, datada de 3 de Julho de 1919, Ernesto Korrodi escreve': «Me u mui illustre amigo. Por ter estado ausente, só hoje me é passivei

responder à sua estimada carta de 11 de Junho pas sado.

• QU EIROZ , Franci sco / ALV ES , Renata - A obra tum ular de Ern esto KorrOdi (a publicar em 2015). ~ Leirie fIIustrede, n .o226 . 6

ARQUIVO DA CASA-MUSEU T EIX EIRA LO PES , Cene e evu/ses de António Teixeira Lope s, n .o

1715. Note-se que a ligação de amizade de Ernesto Korrodi a António Teixeira Lopes era an terior

a

montagem da ofiCin a de cantarias. Em ca rta de 16 de Janeiro de 1906, Ernesto Korr odi convidava An tónio Teixeira Lopes a executa r o bu sto de Frei Cae tano Brand ão, destinado a um colégio de Braga, obra de escatcra que havia sido encomendada ao próprio Korrodi por ~um amigo (...) eantigo

discipulo afeiçoa da· . Porém, Ernesto Korrodi entendi a que deveri a ser um esculto r aca démico a execut ar a obra, justifican do-se deste modo a Ant ónio Teixeira Lopes: "corno vé, (o encomen dador]

leva a sua admiração pelo meu talento ao ponto de me julga r competente de executar um trabalho de estatuário pel o facto de saber mech er alguma coisa no barro-. Esta e outras cartas trocadas entre Ernesto Korroot e An tóni o Teixeira Lopes fora m já publicadas (Vd. PO RTELA , Ana Marg arida - Al-

guns aspecto s das r elações entre Gaia e Leiria no século XIX, "Boletim da Ass ociação Cultural Ami gos de Gaia ", n ,o 53, Dezemb ro de 2001, p. 8-12). De uma delas , escma por Ern esto Korro di em 25 de Nov embro de 1912 , r ealçamos este l amen to la pidar. · vivo aqui [em Leiria] sem recursos e rod ea-

do por uma sueiade saloios· .

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A oficina de cantarias de Ernesto Korrodi

As colunas que são do modelo das que antigamente lhe fornecia, ficam

hoje por um preço muito elevado, talvez mais caras que em granito, devido aos excessivos jornaes e elevado custo da matéria prima, que aqui no sul triplicou de há 6 anos para cá. Preço de otticine de cada coluna - 11$50 Acondicionamento e frete á estação - 2$50 Total posto sobre vagon - 14$00 O acondicionamento, devido ao barbarismo como é tratada toda a mer-

cadoria hoje em dia, é imprescindivel. Como vê, o preço deve sorpriendel-o e naturalmente não lhe convirá. Sou porém a diser-Ihe a titulo de informação que breve a minha ofticina vae soffrer uma radical transformação, contando produzir este arligo e outros mecanicamente e por preços sem competência. Será então ocasião de reatarmos as nossas relações comerciaes há tanto ano interrompiaes. Aguardo entretanto as suas estimadas ordens e com os meus amistosos cumprimentos sou Amigo grato Ernesto Korrodi». Pode-se concluir, pois, que Korrodi era , além de arquitecto , modelador e empreiteiro, também fornecedor de materiais de construção. Aliás, em 1912, num cabeçalho, podíamos ler: «Ernesto Korrodi - Architecto. Fomecedor de Cantarias em Calcário Brando e Lioz da Região de Leiria. Decoração, Architectura civil e tunererieo', Em 1914, o seu papel timbrado já é ligeiramente diferente: «Ernesto Korroai. Architecto e fornecedor de cantarias. Leiria». Note-se que António Teixeira Lopes tinha o irmão, José Teixeira Lopes, como dono de uma oficina de cantarias no Porto, sendo também arquitecto. Portanto, o facto de António Teixeira Lopes ter recorrido a Ernesto Korrodi para o fornecimento de cantarias indicia que um dos pontos fortes da oficina de Ernesto Korrodi era o tipo de pedra que explorava e trabalhava, ou seja, o calcário e o lioz da região de Leiria. Ernesto Korrodi não competia, pois, directamente com outras oficinas, do Porto e, sobretudo, de Lisboa. Aliás, o facto do mausoléu da família Burnay, em Lisboa, não ter sido feito com pedra dos arredores de Lisboa, sugere a intenção de uma diferenciação , não só pela monumentalidade, mas também pelo uso de materiais diversos daqueles que se viam nos outros jazigos dos cemitérios de Lisboa.

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ARQUIVO MUNICIPAL DE LEIRIA, Processos de ObrasParliculares, 1912.

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Concretamente, sabe mos que o aparatoso mausoléu da família Burnay, no Cemitério dos Pra zeres, em Lisboa, terá sido construído com mármore da região de Leiria (lioz amarelo, rosa e mesclado), à excep ção da cúpu la e abóbadas interiores (que se previa em tijolo com argamassa hidráulica e decorado com estuques) e algumas partes estruturais em alvenaria hidráulica . Segundo a respe ctiva memóri a descritiva, o apare lho seria de escoda e bujarda fina, contrastando com as molduras, pilastras e ca pitéis, os quais se riam brunidos. Korro di não terá chegado a o perar a tal rad ica l transform ação na sua oficin a, com a meca nização dos processos de trabalho. A liás, a ofici na fe cha ria pouco s an os depois da me ncio nada ca rta de 1919. Poré m , com este ence rramento, não se sucedeu um vazio. Antigos trab alhadores da oficina Korrodi terão continuado a trad içã o das cantarias de o m ato em Le iria por mais algum tempo. A lguns canteiros que estiveram li g ad os à o fi c ina de Ernesto Korrodi Por vo lta de 1908 , foram edi ficadas no Cemitér io de Santo Antóni o do Carrascal, em Leiria, duas capel as tumulares desenhadas por Ernesto Korrodi : a da fa mília Serpa e a da famíl ia Tavares Alçada. Uma vez que Korrodi já tinha e ntão a sua ofici na de cantarias, seri a lógico que as ped ras para tais cape las saís sem da dita oficina. Con tu do, associado à construção destas cape las funerári as, surge o nome do ca nteiro A ntónio Ferre ira. Por conseguinte, supomos que A ntónio Ferreira (q ue já e ra canteiro antes de Ernesto Korrodi ter chegado a Leiria, e cujos dados biográficos contamos publicar oportunamente) trabalhasse então como mestre da of icina de cantaria de Korr odi. De qualquer modo, a co nfirmar-se esta hipótese, tem os ind ícios de que António Fe rreira não esteve muito tempo ligado a Ernesto Korrodi'. Ainda assim. podemos aponta r o nome de vários canteiros que efectivamente tra-

balharam na oficina de Em esto Korrodi. Comecemos por Joaquim Ma ria da Costa (nas cido por vo lta de finai s da década de 1860 e fale cid o em Lisb oa no início da dé cada de 1940). Sabemos que chegou a ter ofici na própria, co mo o co mprova um jazigo-capela ainda do sécu lo X IX existen te no Ce mitério de Sour e (de Bernard o Carrete dos San-

• Aliás , é passivei que tenha falecido poucos anosdepois . Antóni o Ferreira teveum filho quetambém foi canteiro, com oficin a própria pelo menos a partir de 191 2-1913: José Ferreira da Assunção. É

pcssrvet que também tenha trabalhado anteriormente na oficina de ErnestoKorrodi.

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A oficina de cantarias de Ernesto Korrodi

tos). Porém, constando-lhe que se ia iniciar a grande obra dos Paços do Concelho de Leiria, para a qual existia falta de mão-de-obra especializada, Joaquim Maria da Costa abandonou o local onde vivia (Buarcos - Figueira da Foz) e veio para Leiria. Isto terá sucedido por volta de 1902, tendo Joaquim Maria da Costa trazido o seu irmão António e o filho mais velho, também canteiro, chamado José Maria da Costa (nascido por volta de 1892)'. A restante família ficou na terra natal , só tendo ido para Leiria quando Joaquim Maria da Costa entendeu que já estava bem estabelecido na cidade do Lis. José Maria da Costa, por sua vez, teve um filho Fig. 3 - Cemitério de Soure: jazigo-capela executado em 1899 pela oficina Joaquim Maria da Costa & C.", na Figueira da Foz

também canteiro: José Moreira da Costa, o qual gentilmente nos prestou escla-

recimentos sobre os canteiros da geração do seu pai, e nos cedeu algumas fotografias antigas, que aqui publicamos. Numa primeira fase, José Maria da Costa trabalhou na obra dos Paços do Concelho, juntamente com o seu pai. Depois, foram ambos trabalhar como 9

Joaquim Maria da Costa teve outro filho canteiro, Joaquim Maria da Costa Júnior, que foi residir

para Pêro Pinheiro, tendo trabalhado ao serviço da família de exploradores de pedreiras Pardal Monteiro, onde se distinguiu como ornatista. Baseamo-nos no relato de José Moreira da Costa, neto de Joaquim Maria da Costa.

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Fig. 4 - José Maria da Costa casou primeiramente com uma senhora de nome Júlia, de quem teve geração (embora tivessem falecido novos, tal como a mãe). Depois casou com Lavtnia do Patrocínio Moreira (da Jardoeira - Batalha), da conhecida família de canteiros Patrocínio. Vemos nesta fotografia o casal, juntamente com José Moreira da Costa, então com três anos (fotografia tirada em 1925, cedida por José Moreira da Costa)

canteiros ao serviço da oficina de Ernesto Korrodi. Paralelamente, José Maria da Costa foi estudar para a Escola Domingos Sequeira, onde terá sido forçosamente aluno de Korrodi. Segundo José Moreira da Costa, outros canteiros que então trabalhavam na oficina de Korrodi eram: José Ferreira dos Santos e seus filhos: Jacinto Ferreira dos Santos (que deixou de trabalhar como canteiro relativamente cedo), Manuel Ferreira dos Santos (conhecido por Vinagre, pois era muito habilidoso, embora inconstante, ao que parece tendo até sido preso por alegada falsificação de moeda), David Ferreira dos Santos, e António Ferreira dos Santos (conhecido por Teque, pois era um canteiro moldureiro). Ainda segundo José Moreira da Costa, José Ferreira dos Santos já era filho de canteiro, cujo nome não apurámos em tempo útil, e tinha dois irmãos (Manuel e Júlio) que também o eram. Os Ferreira dos

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A oficina de cantarias de Ernesto Korrodi

Santos, em geral , eram conhecidos por Pitorros e bastante divertidos 10. Francisco Rito e seu filho, André Rito dos Santos". João de Oliveira. Joaquim Nogueira (a quem os colegas chamavam "a canteira", por verem nele um canteiro de menor capacidade).

É claro que terão trabalhado outros canteiros na oficina de Ernesto Korrodi, até porque havia alguma circulação de canteiros entre oficinas. Também colaborou com a oficina Korrodi o desenhador Fernando de Barros Santa-Rita, que, mais tarde, foi para a Bélgica estudar Arquitectura, tendo deixado em Leiria várias obras", Refira-se que, quando Korrodi se ausentava, a sua mulher, Quitéria Maia, ficava a vigiar o trabalho dos canteiros a partir da janela da casa, pois a oficina era parcialmente a céu aberto e ficava muito próxima da casa de korroc!". Segundo José Moreira da Costa, o seu avô Joaquim Maria da Costa não colaborou especificamente em obras do Cemitério de Santo António do Carrascal, até porque foi mais tarde trabalhar como canteiro em Lisboa 14. Ao contrário, seu pai, conhecido como o José Maria canteiro, deixou no Cemitério de Leiria alguns monumentos de oficina própria, já no segundo quartel do século XX (como a capela n.? 97 e a sepultura perpétua n.? P742, que até possuem a sua epigrafe de canteiro). De facto, quando a oficina de Ernesto Korrodi fechou, José Maria da Costa abriu oficina própria (primeiramente na Rua Direita e, mais tarde, no Arrabalde de Além). Ele próprio desenhava os projectos para os jazigos que ia construir, conforme as indicações dos encomendadores 15. Curiosamente, já sem a sua oficina, Ernesto Korrodi con10

Segundo José Moreira da Costa.

11

André Rito dos Santos foi sócio da Associação dos Artistas. Pertenceu a Tuna União Lis e também

ao Orfeão Leiriense, estando retratado em duas fotografias conjuntas, dos inicios de 1920, publicadas em CABRAL, J. -A música em Leiria, Leiria, Câmara Municipal de Leiria, 1986, p. 62, 148 e 283. 12

Femando Leitão de Barros Santa-Rita nasceu em Leiria em 1891. Era filho de António Augusto de

Barros Santa-Rita e de Amélia Adelaide da Silva Leitão. Faleceu em Lisboa em 1976. 13

Segundo José Moreira da Costa.

14

Porém , se trabalhou com Korrodi , Joaquim Maria da Costa terá provavelmente colaborado em

alguma obra de arquitectura funeràrta para o Cemitério de Santo António do Carrascal. 15

Agradecemos a José Moreira da Costa, por todas estas informações. José Maria da Costa era

sócio da Associação dos Artistas e pertencia a Tuna União Lis, formada precisamente por membros dessa associação, em 1921. José Maria da Costa esta representado numa fotografia conjunta da Tuna, publicada em CABRAL , J. -A música em Leiria, p. 148 (fotografia anexa) e 283 (legenda).

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Cadernos de Estudos Leirienses - 3

Fig. 5 - Nesta fotografia de 1909 vê-se uma das entradas da oficina de Ernesto Korrodi, engalanada com faixas, lendo-se "Officina" e "Korrodi", em duas delas. No portão, vê-se também um compasso e outros símbolos profissionais (colocados para a fotografia). vários operários da oficina apresentam-se com macetas e escopros. O mais

A frente à

do portal,

esquerda segura

um macaco (para levantar os blocos de pedra e os colocar na posição desejada, a fim de serem lavrados). O mais

à

direita segura uma serra braçal. Podemos ver também dois pináculos

neogóticos e umas colunas. Aqui fica a identificação de alguns dos retratados: no extremo esquerdo, sentado, está José Maria da Costa, logo ao seu lado, também sentado, temos André Rito dos Santos. A maioria dos restantes retratados serão os canteiros que neste artigo referenciamos como tendo estado ao serviço de Korrodi (nomeadamente, Joaquim Maria da Costa, João de Oliveira e Francisco Rito). A oficina situava-se ao fundo da Rua Mouzinho de Albuquerque, onde ainda existem vestígios deste e de um outro portal de entrada. Esta fotografia foi gentilmente cedida pela O. Maria de Lourdes Bouhon Korrodi.

tinuou a recorrer aos serviços de José Maria da Costa, como no caso da Igreja do Santíssimo Sacramento (situada na Rua Guerra Junqueiro, no Porto), um dos últimos projectos de Ernesto Korrodi, em que várias oficinas existentes então em Leiria foram contratadas para executar as cantarias, por se tratar de uma obra de grande dimensão. Muito fica por referir sobre a oficina de Ernesto Korrodi , até porque muito ficou também por apurar sobre este assunto. Apenas a título de exemplo, houve um outro canteiro com ligação a Ernesto Korrodi , o qual, ao invés de Korrodi, começou a sua actividade profissional pelas cantarias e ficou depois conhecido como arquitecto. Referimo-nos a Augusto Romão (filho do emprei-

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A oficina de cantarias de Ernesto Korrodi

teiro José Pereira Romão e aluno de Ernesto Korrodi na Escola Industrial Domingos Sequeira), que tanto nos surge como colaborador de Ernesto Korrodi - embora não propriamente em ambiente de concórdia 16 - como seu concorrente. Aliás , a oficina de Augusto Romão é anterior à de Ernesto Korrodi. Por volta de 1910, as duas principais oficinas de cantaria em Leiria seriam precisamente a de Augusto Romão e a de Ernesto Korrodi. Porém, a primeira vez que José Maria da Costa nos surge referenciado num projecto de obras apresentado à Câmara de Leiria , é em 1911, sendo entâo dado como mestre de uma obra cujo projecto é atribuível a Augusto Romão. Ora, nesse mesmo ano, José Maria da Costa talvez trabalhasse na oficina de Ernesto Korrodi.

Fig. 6 - Retrato tirado durante uma excursão dos alunos da Escola Industrial Domingos Sequeira, a Alcobaça, em Junho de 1909. Para além de Ernesto Korrodi, facilmente identificável no centro do grupo (de bigode e pêra, casaca clara e gravata escura), podemos identificar mais algumas pessoas, graças

à

ajuda de José Moreira da Costa, a quem também devemos a publicação desta

interessante fotografia. Assim, no último plano, temos o canteiro José Maria da Costa (o segundo a contar da esquerda) e, imediatamente

à

direita, o canteiro João de Oliveira, estando logo a seguir

o sapateiro Felizardo. No penúltimo plano, logo abaixo de João de Oliveira e quase escondido por um chapéu, temos o canteiro André Rito dos Santos. No mesmo plano, mas do lado oposto , tendo logo atrás um rapaz de casaca clara e logo

à

frente (mas um pouco mais

à

esquerda) uma

rapariga com pomposo chapéu, encontramos o desenhador Fernando de Barros Santa-Rita. Nesta fotografia podemos identificar também o continuo da escola, Guiomar (a figura mais e o guarda da escola (a figura mais

16

Segundo José Moreira da Costa.

295

à

esquerda).

à

direita)

Cadernos de Estudos Leirienses - 3

De facto, em 1912, no projecto de Korrodi para a casa de José Ga udêncio Barreto (que inclui o famoso arco) surge a seguinte anotação a lápis: «José Maria , Rua Mouzinho d'Albuquerque ». Por outro lado, também nesse ano de 1912, Ernesto Korrodi fez o projecto para a casa de habitação do próprio José Maria da Costa, a situar-se num terreno de Ernesto Korrodi na Rua Mouzinho de Albuquerque . A co nfusão entre as oficinas de Augu sto Romão e de Ernesto Korrodi ta mbém deriva do facto de aque la, em 1900, se situar na Rua Mouzinho de Albuquerque , provavelmente ao fundo da rua, pois sabe-se que, em 1902, a oficina de August o Romão pontuava junto à vivenda da fa mília Korrodi" . Por conseguinte, a oficina de Ernesto Korrodi viria a ficar localizada junto à de Augu sto Romão.

17

CABRAL, J. - Anais do Municipiode Leiria, Leiria, C âmara Municipal de Leiria , 199 3, vot. I, p. 95.

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