PresidentA

July 25, 2017 | Autor: Danielle Takase | Categoría: Lingüística, Estudios de Género, Feminismo
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

PresidentA a questão da flexão de gênero em palavras que denotam cargos de prestígio

Trabalho final para a disciplina de Morfologia do Português, Profa. Dra. Marilza de Oliveira. Danielle Takase Queiroz 8571711 Mitchell Tranjan 8608284 Raphaela Piorino 7700104

São Paulo 2015

Introdução Tendo como objeto de pesquisa a flexão de gênero da palavra “presidenta”, nós visamos no presente trabalho analisá-la social e gramaticalmente, problematizando diretamente o uso e a aceitação do termo através de dicionários, gramáticas e artigos jornalísticos, tomando como base preceitos da Sociolinguística Variacionista. No Brasil, o termo vem causando polêmica desde que a então eleita presidenta Dilma Rousseff reivindicou-o para si e a mídia assume diferentes posturas – por vezes admitindo-o (e às vezes utilizando-o pejorativamente); em outras rechaçando a escolha, acusando agramaticalidade. Do mesmo modo, não há consenso entre os próprios linguistas de que esta flexão seja legítima, já que a pouca produtividade da flexão de gênero no sufixo “-nte” no português também dificulta essa categorização. No entanto, há registros da palavra numa tradução do fim do século XIX, ocorre em jornais brasileiros desde o começo do século XX; ademais, a palavra está dicionarizada desde 1913 e há leis que legitimam a flexão de gênero em cargos públicos. Ou seja, a palavra já era utilizada, então, por que hoje há tanto esforço em condená-la publicamente como erro gramatical? Por que esses e outros nomes só são absorvidos na língua pejorativizados ou para denotar que a mulher é esposa de alguém com tal cargo de poder? O que está por trás disso? Nossa hipótese é de que a polêmica causada não é devido à agramaticalidade da palavra,

mas

demonstre

um

pensamento

patriarcal

conservador

instaurado

historicamente e que ainda persiste na sociedade vigente. A conquista de direitos civis para as mulheres é um fato absurdamente recente: direitos ao estudo, condições iguais no trabalho, direito ao voto e à participação política, etc. datam do fim do século XIX e meados do século XX (sendo que boa parte das mulheres ainda não pode usufruí-los plenamente). Consequentemente, as mulheres não ocupavam altos cargos, tanto na esfera pública quanto em empresas privadas, instituições religiosas, exército, etc. Então, inseriram-se em espaços que até o momento lhes era completamente hostil: a política, a academia, a administração, as forças armadas, etc. Isso acarreta mudanças, pois a questão da representatividade é a ocupação de espaços e o reconhecimento social. Não é só no Brasil que a discussão sobre a flexão de gênero em cargos de poder toma forma. Esses questionamentos também servirão de apoio para esta reflexão. Afinal, a reflexão sobre a língua não deixa grandes mudanças históricas passarem despercebidas.

PresidentA: a questão da flexão de gênero em palavras que denotam cargos de prestígio A escolha da palavra presidenta como grande paradigma dessa pesquisa deve-se à polêmica que seu uso originou em meados de 2010 quando a então Presidente da República, Dilma Rousseff, nomeou-se “presidenta”, e não mais “presidente”, através das mídias sociais (com destaque para pronunciamentos e documentos oficiais). O burburinho foi geral e dividiu opiniões. De um lado, havia aqueles que reclamavam uma suposta agramaticalidade da palavra e apontavam-na como um equívoco ou exagero, de outro havia aqueles que defendiam seu uso como legítimo e necessário. A palavra é dicionarizada em 1913, no dicionário de Cândido de Figueiredo 1

(1913) , como um neologismo, incorporando o termo utilizado por Castilho, em 1872, na tradução da peça Les Femmes Savantes, de Molière. Naquele contexto, utilizado pejorativamente, como “mulher que sabe demais, que quer mandar”: presidenta f. Neol. Mulher, que preside. Mulher de um presidente. Cf. Castilho, Sabichonas, 128. (Fem. de presidente) presidente m. e adj. O que preside. Aquelle que dirige os trabalhos de uma assembleia ou de uma corporação deliberativa. Título moderno do chefe de república. (Lat.praesidens)

Ou seja, a palavra entra na língua com conotação pejorativa, como várias outras flexionadas no feminino, algumas até hoje se mantém ofensivas. Outro ponto a ser levantado é que na entrada no dicionário a conotação não é somente de mulher que exerce tal função, mas sim mulher que desposa alguém que a exerce. A linguagem dá prova de seu patriarcalismo. Gramaticalmente, presidenta pode ser considerada a forma feminina da palavra presidente através de um processo de flexão nominal. O termo tem sua origem no latim, da palavra praesidens, entis, particípio presente do verbo praesidere que significa “estar sentado diante”; “vigiar”; “proteger”; “governar” ou “presidir”. Tal forma latina é comum no português para a formação de agentivos (seres que praticam uma ação), como é o caso do termo estudado. A substituição da vogal temática (-e) pela desinência (-a) é um processo normal na língua portuguesa. Alguns exemplos dessa flexão são: mestre, mestra, hóspede, hóspeda, monge, monja, patife, patifa, chefe, chefa, governante, governanta2, etc. No entanto, a pouca produtividade da flexão de gênero em 1

Novo Diccionário da Língua Portuguesa Candido de Figueiredo (1913). Disponível em: . 2 É imprescindível notar que a conotação da palavra marcada pelo feminino em “-nta” é muito diferente da forma terminada em “-nte”, ainda que a palavra seja derivada do francês “gouvernante”, acaba por

palavras com sufixo “-nte” (giganta, elefanta, infanta 3 , parenta, governanta são dicionarizados) e sua caracterização como comum de dois gêneros geram dúvida sobre a legitimidade dessa flexão. A marcação do feminino também gera discussões em outras línguas de origem latina. Pilar Del Rio, jornalista espanhola e presidenta da Fundação José Saramago, em entrevista a uma revista portuguesa

4

, após ser chamada pelo entrevistador de

“presidente”, aponta: “Faço questão de que comece a entrevista dizendo: ‘Só os ignorantes me chamam de presidente’. A palavra não existia porque não existia a função. Existe a função, existe a palavra que denomina a função. Sou presidenta.”. Na língua espanhola, a palavra está dicionarizada desde 1803, no Diccionario Usual de la Real Academía Española com a definição “a mulher do presidente ou a que manda e preside em alguma comunidade”5. Aliás, a RAE destaca que “quanto à marcação do feminino nos substantivos que designam profissões, cargos, títulos ou atividades influem tanto questões formais – etimologia, terminação do masculino, etc – quanto condicionamento de tipo histórico e sociocultural, em especial pelo fato de que se trate ou não de profissões ou cargos desempenhados tradicionalmente por mulheres” 6. Ou seja, há uma relação profunda entre a questão sociocultural e a formação do léxico, e são constatadas mudanças ocorridas ao longo do tempo. No Canadá, muito se questiona quanto à marcação do feminino em profissões e cargos, diferentemente da França que é muito mais conservadora com sua língua. Em casos de cargos intelectuais – entre quaisquer outros que poderiam ser observados – como “autor”, “escritor”, “professor”, no francês tradicional há apenas uma forma (auteur, écrivain, professeur), comum para os dois gêneros. As canadenses reivindicaram a marcação do feminino (então auteure, écrivaine, professeure), que no francês dá-se em (-e), formas dicionarizadas e de uso em documentos oficiais. marcar uma oposição que admite diferentes acepções. Isso não acontece apenas nesta palavra, mas em casos diversos como “sargenta”, “delegada”, “chefa”, “patroa”, muitas vezes utilizadas pejorativamente no sentido de “mandona”, “esposa” e, com carga ofensiva, “lésbicas”. 3 O par infante/infanta também é interessante pelo fato de que (significando filho/a legítimos de um rei) não gozavam dos mesmos privilégios, a começar pelo pronome de tratamento que para o infante era alteza real e para a mulher, apenas alteza, sem sequer mencionar privilégios de herança. Ademais, a palavra consta em textos do império português, por exemplo: “Vida de la Serenissima Infanta D. Maria hija del rey D. Manuel, fundadora de la insigne capilla mayor del convento de N. Señora de la Luz y de su hospital, y otras muchas casas dedicadas al culto divino”, obra de Frei Miguel Pacheco, em 1675. 4 Entrevista concedida a João Céu e Silva, disponível em texto no Diário de Notícias (Portugal) e em trecho do documentário José e Pilar (94’). 5 LÓPEZ, SMP. “Tradutores e ‘presidentas’: higiene verbal no Brasil.”. In: DIOS, ÁM de (Ed.), La Lengua Portuguesa, vol. II, Estudios Linguisticos, Salamanca: Ediciones universidad de Salamanca, 1ª ed., 2014. p.581. Tradução nossa. 6 Ibidem. Tradução nossa.

Se pensarmos historicamente, muitas das atividades para as quais a marcação do feminino inexistia, eram exercidas em ambientes vetados às mulheres. Altos cargos administrativos em empresas eram impensáveis para mulheres que mal tinham direito de trabalhar. Cargos públicos era um sonho distante para quem não tinha nem autonomia em relação ao marido. Mestrado e doutorado para quem mal tinha conquistado o direito de uma educação básica. As forças armadas ainda hoje não se utilizam de termos flexionados para mulheres (por exemplo, nem mesmo capitã, que é um termo corriqueiro no qual não ocorre erro gramatical). A flexão nominal de gênero foi sendo marcada em funções correspondentes a essas esferas à medida que as mulheres puderam passar a frequentar tais espaços (exemplos: graduanda, bacharela, mestranda, doutoranda, desembargadora, ministra, governadora, coronela, generala etc). A eleição da primeira mulher presidenta no Brasil é um fato histórico, pois marca, sem dúvida, uma divisão nas relações entre homens e mulheres, já que a sociedade demonstrou acreditar um pouco mais nas mulheres e o gênero não impediu a escolha dos eleitores. Mesmo que haja outros fatores que tenham influenciado esta escolha, o fato é que pensar em uma mulher presidente ou presidenta, já não é algo impossível como era antes de 1928, quando Alzira Soriano foi a primeira mulher eleita prefeita no Brasil e na América Latina, no município de Lages (RN). Não só a eleição de Dilma demonstra isso, mas a expressiva quantidade de votos que colocaram Marina Silva no terceiro lugar no primeiro turno. Ou seja, as duas mulheres que disputaram as eleições ocuparam duas das três primeiras posições, deixando para trás outros seis homens. Dessa forma, é natural que o termo “presidenta” ganhe força, pois carrega em si a carga semântica que remete à conquista feminina. Assim, não produzimos novas formas, apenas pela possibilidade, mas porque nossas necessidades expressivas exigem novos vocábulos. As mudanças se dão à medida da necessidade do uso. Para o termo presidenta a modificação foi desencadeada graças a uma mudança no contexto político do país. A mesma discussão que acontece aqui no Brasil sobre o uso da palavra presidenta, ocorreu na Argentina quando Cristina Kirchner se apresentou como candidata. Como houve resistência ao uso da palavra presidenta pelos meios de comunicação em seu país, ela bradou em um discurso que desejava ser chamada, se eleita, de “Presidenta”. Após a posse, Cristina rejeitou documentos da Casa Rosada que continham a palavra presidente ao invés de presidenta, exigindo correção e nova impressão. Atualmente jornais Argentinos usam a palavra pedida pela presidenta.

Dessa forma, podemos confrontar a suposta agramaticalidade alegada por alguns. A questão é: existe um vasto acervo de registros escritos com a utilização da palavra presidenta entre os séculos XIX e XX – da qual separamos uma pequena amostra. É possível admitir que isso seja uma resistência ideológica por parte de alguns falantes. A função de presidir era relegada exclusivamente ao homem, uma vez que a mulher conquista seu espaço na sociedade, a função de presidir também se torna possível para as mulheres. Um termo antes pejorativo – presidenta – sofre um processo de ressignificação. A palavra exprime essa nova realidade uma vez que acompanha agora, de fato, uma presidenta no poder e não como esposa de um presidente, nem mandona, nem sabichona. O patriarcado não teme o uso da palavra presidenta, mas o fato de uma mulher assumir uma posição de poder. As reações se darão conforme as percepções.

Corpus Abaixo, tabelas de três diferentes mídias (revista, jornal e notícias online) referentes a algumas aparições da palavra presidenta, em diferentes recortes temporais. A conotação por trás do uso é importante para Revista Fon-Fon – Datas das menções a palavra “presidenta” e índice para fotos 7 Data da Publicação

Foto

29/10/1910

1

31/05/1913

2

15/11/1914

3

05/02/1921

4

Estado de S. Paulo – Datas das menções a palavra “presidenta” e índice para fotos 8

Data da Publicação

Página do jornal

Foto

14/08/1983

46

5

18/02/1989

06

6

06/10/1990

15

7

18/09/1993

09

8

06/02/2005

21

9

06/05/2006

116

10

Folha de S. Paulo - Datas das menções a palavra “presidenta” e índice para fotos 9

7

Data

Foto

01.09.1991

11

09.07.2000

12

28.07.2002

13

16.11.2006

14

02.12.2014

15

Em consulta à Hemeroteca Digital. Disponível em: . Em consulta ao Acervo do Estadão. Disponível em: . 9 Em consulta à Folha de S. Paulo Online. Disponível em: . 8

Conclusão É notório que há uma mudança em curso pela emancipação feminina, e, para tal, a representatividade é importantíssima. A língua não existe sozinha, mas reflete a história. E se a língua reflete a história, procuramos demonstrar que a marcação do feminino em palavras que delegam cargos de poder não é arbitrária, mas emerge duma necessidade histórica de representatividade do feminino em sua luta pela ocupação de espaços. É visível que a implicância com o uso do termo é, sobretudo, devida a uma questão sociocultural, não somente à agramaticalidade que buscamos refutar neste trabalho. Se uma mulher pode ser referenciada como presidenta da enfermaria 10 no começo do século XX, por que ela não pode se referenciar uma chefe de Estado em pleno século XXI? No Rio Grande do Sul, foi lançado um Manual para o uso não sexista da linguagem, que pondera fatos importantes: a discriminação pode ser (e é) transmitida através da língua, já que ela é “reflexo de valores, do pensamento, da sociedade que a cria e utiliza” 11. Se o incômodo quanto ao uso pode ser considerado sintomático desse imaginário consolidado, é porque se está questionando valores impregnados há muito tempo. Para romper com o imaginário que construiu historicamente esses espaços de poder como ambientes intolerantes e predominantemente masculinos é necessário enxergar a marcação do feminino como um reflexo da entrada das mulheres nestes espaços e de sua consequente afirmação dentro deles.

10

Cf. Corpus, Revista Fon-Fon, foto X. O estudo é muito interessante e bem sucedido em sua tentativa de esclarecer o sexismo presente na nossa linguagem e, além disso, apresenta propostas para abandonar essas situações. Afinal, “a língua não só reflete, mas também transmite, reforça os estereótipos e papeis considerados adequados para mulheres e homens numa sociedade”. In: Governo do Rio Grande do Sul (Secretaria de políticas para mulheres). Manual para o uso não sexista da linguagem: O que bem se diz bem se entende, 2014, p. 15. 11

Referências Bibliográficas FIGUEIREDO, Candido de. Presidenta. In: Novo Diccionário da Língua Portuguesa. 2ª ed., 1913, digitalizado (2010) sob supervisão de Rita Farinha, p. 1616. Disponível em: . Acesso em: 07 nov. 2014. ______. Presidente. Idem. GOVERNO DO RIO GRANDE DO SUL (Secretaria de políticas para mulheres). Manual para o uso não sexista da linguagem: O que bem se diz bem se entende, 2014. Disponível em: < http://www.spm.rs.gov.br/conteudo/7349/manual-para-o-uso-nao-sexista-dalinguagem-ja-esta-disponivel>. Acesso em 01 dez. 2014. JOSÉ e Pilar. Realização de Miguel Gonçalves Mendes. Lisboa: Jumpcut, 2010. (125 min.), 1 DVD, son., color. HDV 16x9. Legendado. Trecho utilizado: 94’. LÓPEZ, Sandra Maria Perez. Tradutores e “presidentas”: higiene verbal no Brasil. In: DIOS, Ángel Marcos de (Ed.), La Lengua Portuguesa, vol. II, Estudios Linguisticos, Salamanca: Ediciones universidad de Salamanca, 1ª ed., 2014. pp. 581-598. PRETI, Dino. Sociolinguística: os níveis da fala – um estudo sociolinguístico do diálogo na literatura brasileira. 9 ed. São Paulo: EDUSP, 2003. RÍO, Pilar del. "Presidenta, porque sou mulher!". Diário de Notícias, Lisboa, 6 jul. 2008. Entrevista concedida a João Céu Silva. Disponível em: < http://www.dn.pt/inicio/interior.aspx?content_id=994586&page=1>. Acesso em: 14 dez. 2014. Arquivos digitais consultados: HEMEROTECA DIGITAL. Fon-Fon : semanário alegre, político, crítico e esfusiante. Disponível em: . Acesso em: 18 nov. 2014. O

ESTADO DE S. PAULO. Acervo Estadão. Disponível em: .

FOLHA

DE S. PAULO. Colunas. .

Disponível

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