Pescadores de Ílhavo - Etnografia Portuguesa

September 4, 2017 | Autor: Tomás Coelho | Categoría: Social and Cultural Anthropology
Share Embed


Descripción


Etnografia Portuguesa
Tomás Coelho n.º 60939 Turma A-C1

Ensaio 1 – Relacionar a matéria leccionada com um artigo da "Etnográfica"
Foi-nos proposto, na cadeira de Etnografia Portuguesa, fazer um ensaio crítico, escolhendo um artigo da revista Etnográfica, e depois, pondo-o em relação com a bibliografia da cadeira. Antes de começar a escrever o trabalho propriamente dito, acho importante ainda referir que a relação que vou estabelecer não é propriamente a mais directa/correcta, mas sim fruto da minha criatividade. O tema que escolhi debruça-se em conceitos como identidade, memória, processos de construção identitária, memória colectiva e relações de poder. Para a elaboração deste trabalho terei como base o artigo "Somos todos marítimos": uma etnografia das (in)visibilidades do poder na representação social do passado local em Ílhavo" de Elsa Peralta in vol. 14 (3); 2010; Revista Etnográfica) e o texto do João Leal "Etnografias Portuguesas (1870-1970), Cultura Popular e Identidade Nacional", de 2000. Para concluir, a introdução, é-me importante ainda referir que não irei usar todo o conteúdo presente em ambos os textos, mas sim apenas alguns conceitos que acho importantes, pondo-os em relação e elaborar algumas conclusões.
O trabalho de Elsa Peralta debruça-se bastante na ideia da "construção de uma memória do mar", através da qual é possível observar processos de identidade e de pertença. É através da memória que se criam, de certa forma, neste contexto específico, as relações sociais/de poder entre os diferentes grupos e classes. Neste caso, esta mesma memória é "reproduzida" pelas "posições hierárquicas dominantes na prática da actividade" (PERALTA; 2010). Ou seja, esta identidade local é "cimentada" por uma narrativa de evocação marítima, o que me faz desde logo relembrar o texto de Jorge Dias, "Elementos fundamentais da Cultura Portuguesa", onde esta ideia de que a identidade social e colectiva dos Portugueses debruça-se muito na relação que temos com o mar: "A força atractiva do Atlântico, esse grande mar povoado de tempestades e de mistérios, foi a alma da Nação e foi com ele que se escreveu a história de Portugal" (DIAS; 1955). O passado é visto como uma espécie de construção social, construção esta vinda de "cima" (de classes mais altas), "moldada pelos interesses, pelas aspirações, pelas ansiedades manifestadas em cada momento histórico" (PERALTA; 2010). O passado é, a meu ver, uma das mais poderosas ferramentas no que toca à construção de identidade. É através do passado, e da memória do mesmo, que de certa forma o presente é construído (é através da utilização da memória que muitas das relações de poder que se estabelecem entre as classes se perpetuam: "as representações do passado na esfera pública reflectem, portanto, sempre as relações de poder presentes num determinado contexto histórico e traduzem a tentativa de determinados grupos de se apropriarem estrategicamente de um espaço representacional privilegiado relativamente aos demais grupos presentes no tecido social" (PERALTA; 2010). Mas, não é através da memória, do passado, que a identidade nacional de Portugal é também construída? Alargando agora os horizontes aos conceitos aqui falados, podemos ver que todos estes mecanismos de construção identitária estão bem presentes. Como falámos nas aulas, a ideia de identidade nacional/colectiva é muitas vezes baseada no passado, e por isso mesmo, no relembrar da memória. Somos desde pequenos a conhecer "toda" a história da Nação: conhecemos a história de D. Afonso Henriques, do lusitano Viriato, do Camões, das grandes guerras entre Portugal e Castela, etc.. Todas estas "memórias" servem, a meu ver, para perpetuar um sentimento de pertença, um sentimento de identidade colectiva e para, de certa forma, estabelecer alicerces na sociedade em que vivemos. No entanto, é importante referir, tal como a autora o faz, que "a memória não é o mesmo que o passado; é antes um passado articulado para ser memória" (PERALTA; 2010). A memória, enquanto construção social, manipula assim o passado da melhor forma possível (as memórias vão "ganhando novos pontos", e perdendo outros, de contexto para contexto – "o que realmente muda são, sobretudo, os actores e os que se reclama, em cada momento, proprietários dessa representação" (PERALTA; 2010). A memória é aqui vista como algo que pode ser usado/reutilizado, muitas das vezes pelos detentores de poder de o fazer. Mas nem sempre é assim. A Antropologia/Etnografia Portuguesa tem-se "fascinado pelo popular como instância de fundamentação da identidade nacional" (LEAL; 2000). A gigantesca quantidade das várias expressões culturais das muito diferentes regiões do país fazem com que, de certa forma, a ideia de memória já não se possa falar em termos nacionais. Sim, existe um sentimento de pertença à Nação, mas existe ainda um sentimento ainda mais forte de pertença à região à qual os indivíduos pertencem. A meu ver, não se pode então falar em memória como algo construído por alguns, utilizado para controlar o passado/presente de outros, mas sim em memória como uma espécie de colectânea das mais diversas expressões sociais/culturais no passado e no presente. Só é possível construir e afirmar uma identidade quando esta memória deixa de ser algo privado, e passa a pertencer, literalmente, à esfera pública. O "problema" reside no facto de existirem várias construções de memória para um único só Passado, ou seja, os diferentes grupos presentes no tecido social representam e constroem o passado de forma distinta, visto serem eles mesmos distintos uns dos outros. Para concluir, o processo através do qual se representa o passado, se constrói a memória e se afirma uma identidade é algo de muito "criativo", visto ser um processo que se assenta muitas vezes na "imaginação colectiva e criativa" das pessoas. Ninguém vive no passado, mas mesmo assim, é o passado que mais influencia o presente, seja em termos sociais, culturais, artísticos, políticos, seja em termos pessoais e privados. Só através da memória de certos acontecimentos/crenças/tradições é que a identidade, seja ela qual for, ganha sentido e profundeza simbólica.

Bibliografia
- DIAS, Jorge. 1955, "Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa", Proceedings of the International Colloquium on Luso-Brazilian Studies, Nashville, 51-65.
- LEAL, João. 2000, "Etnografias Portuguesas (1870-1970); Cultura Popular e Identidade Nacional". Lisboa: Publicações Dom Quixote.
- PERALTA, Elsa. 2010, "Somos todos marítimos": uma etnografia das (in)visibilidades do poder na representação social do passado local em Ílhavo », Etnográfica, vol. 14 (3) " 443-464.



Lihat lebih banyak...

Comentarios

Copyright © 2017 DATOSPDF Inc.