Paróquias Suevas e Dioceses Visigóticas - A. de Almeida Fernandes

June 14, 2017 | Autor: Helena Tomé | Categoría: Medieval History, História, Visigoths, Visigodos, História medieval, Sueves
Share Embed


Descripción

Paróquias Suevas e Dioceses Visigóticas A. de Almeida Fernandes quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Capa

Verso da capa em branco.

A. de Almeida Fernandes PARÓQUIAS SUEVAS E DIOCESES VISIGÓTICAS

Dedicatória

AROUCA

1997 pág. 2 Obras do Autor

pág. 3 INTRODUÇÃO Ao lançarmos a reedição da presente obra, é nosso objectivo primordial tornar mais acessível a possível aquisição de tão importante publicação, como são as Paróquias Suevas e as Dioceses Visigóticas Portuguesas. Estamos plenamente cientes de que, qualquer trabalho que seja, é discutível. Uma obra além de determinados valores intrínsecos à investigação e criatividade, revela ainda reflexos pessoais de quem escreve.

Os tempos são difíceis para o lançamento de trabalhos históricos. Proporcionalmente aos meios e à época de abundância , poucos são os novos estudos lançados. Outros de reconhecido mérito encontram-se, por sua vez, esgotados; e todos aqueles que, para aprofundamento de trabalhos de investigação, necessidade bibliográfica ou simples desejo de enriquecimento pessoal se interessam, lutam com falta de muitas publicações que revelem inovação, qualidade e reconhecido mérito. Por outro lado muitos são os tombos e estudos que esperam interessados em se debruçarem sobre os mesmos. Com essas publicações e um melhor conhecimento dos seus conteúdos, poder-se-ia lançar luz sobre muitas questões duvidosas, muitas vezes resultado de escassez de dados. A esse facto não é estranho o reduzido apoio recebido por muitos dos nossos investigadores. E, numa época em que o “material” comanda a sociedade, raros são aqueles que ainda “pagam” para trabalhar no que mais gostam e ao qual dedicaram muitas das suas horas de lazer. Muita da nossa documentação medieval, que pertenceu aos mosteiros, preciosos pilares de uma das mais importantes estruturas temporais da época, não tem conhecido, contrariamente ao que tem acontecido na vizinha Espanha, o incremento merecido. Urge por isso mais interesse, dedicação e incentivos da parte das entidades oficiais para promoverem tais estudos. Há sectores da nossa sociedade que parecem estar “esquecidos” e quanto a nós, a publicação de trabalho, sejam regionais ou nacionais, com qualidade, encontra-se obviamente aí. Não podemos ser pessimistas ao ponto de dizer que a escassez é total. Nada disso. Pós 25 de Abril, tem havido um certo impulso editorial, da parte de algumas autarquias, o que é salutar. Afinal a história deste país é a história das mais diversas localidades que constituem o universo da nação. É pena, isso sim, que a cultura, na sua vertente de reedição ou publicação de estudos, continue a ser um dos parentes pobres das verbas orçamentadas por parte delas e os organismos vocacionados para o efeito. Esbanja-se, por vezes, muito dinheiro em trabalhos que pouco mais são, que o apanágio político de quem os apoia. E num país onde muito há que fazer em prol da sensibilização e educação cultural, a melhor forma de levar o povo até às suas raízes é dar-lhes a conhecer tudo o que esteve na base da sua identidade cultural, quer sejam as suas lendas, as tradições ou então o muito acervo documental que se encontra inédito. Este por vezes esquecido, como se de coisa banal se tratasse, está arrumado num canto ou numa esquina desta ou daquela autarquia. É preciso contribuir para que esses documentos sejam estudados por pessoas de reconhecido mérito. Não nos podemos esquecer por outro lado que muitas das

pág. 4

publicações editadas pelas autarquias, são mero expediente para oferta e acabam por perder-se, pois não atingem os circuitos comerciais. Não existe uma divulgação adequada, salvo raras e honrosas exceções e por isso os livros são desconhecidos no mercado. Merece-nos um particular realce entre

outras, as edições da Câmara Municipal de Tarouca com os três volumes designados Taroucae Monumenta Historica e ainda Tarouca na História de Portugal. Um contributo valioso de uma terra, melhor dizendo, de uma modesta região do interior beirão, que apesar de todas as carências e dificuldade com que luta no setor das infraestruturas, soube conciliar, defender e divulgar com essas publicações, essa fecunda terra. E quantas outras regiões mais ricas o fizeram? É preciso que este ânimo cultural, da autarquia Taraucense, agora uma vez mais renovado com a nossa solicitação para a reedição das Paróquias, em parceria, não esmoreça. Se os presentes não souberem dar-lhe o devido valor estou ciente de que os vindouros esses sim, dar-lho-ão. As Paróquias Suevas e Dioceses Visigóticas são a essência de um estudo profundo, brilhante, inovador e ousado, que Almeida Fernandes elaborou e que por tal facto bem merece o reconhecimento público. A terra que o viu nascer (Britiande) bem pode orgulhar-se do homem lutador que sempre foi, em prol de todas as coisas pátrias. Associamo-nos desta forma à homenagem do cidadão que bem o merece por tudo quanto tem feito de forma desinteressada. As suas obras enaltecem e aprofundam a nossa essência como nação soberana e independente. Revela-se por vezes frontal e por isso torna-se incómodo. É a sua maneira de ser e estar na vida. Esperemos que o futuro independentemente de tudo, saiba reconhecer o valioso contributo que o cidadão Almeida Fernandes deu em prol da cultura e da História Portuguesa. Assim e como porta voz da Associação para Defesa da Cultura Arouquense, ao lançar no mercado o presente trabalho, esperamos poder recolher como até aqui tem acontecido que este mereça da parte do público interesse. Essa é também uma forma de nos ajudar e por outro lado contribuir para que outros investimentos possam ser realizados neste domínio a que desde há anos estamos inseridos, que é a actividade editorial. Um bem haja a todos os que de uma forma ou de outra contribuíram para isso.

O Presidente da Direção

pág. 5

PREFÁCIO INDISPENSÁVEL

O presente trabalho é uma versão resumida do seu texto originário, versão esta publicada, demoradamente (durante três anos), no “Arquivo do Alto Minho” (tendo-se dela tirado uma separata de poucos exemplares, com a data de 1968), nos seus vols. XIV, XV e XVI (ou IV, V e VI da 2ª série). Como na presente sua edição foi inserido um aditamento de carater polémico (se assim

se quiser entendê-lo, pois que se trata de uma simples defesa elucidativa, contra uma falsa crítica, inepta e superficial), o qual aditamento consta da minha comunicação do assunto (solicitado) ao Congresso de Braga de 1989 (Atas, I, 1990, pp. 225-282), são aqui indispensáveis algumas informações preliminares. Tratou-se da primeira tentativa (como tal, pois, hipotética, a apresentei, eu próprio, à publicação) de um estudo identificativo dos nomina parochialia do séc. VI, com seu complemento no das balizas ou extensões diocesanas visigóticas do século VII: até hoje, um estudo global único, porque o Provincial visigótico – que eu saiba – nunca teve quem sobre ele se debruçasse para isso, e porque tal utilização do Paroquial suévico nunca passou de umas tentativas desgarradas, mais ou menos convictas de exatas, e aceites como tal, sobre alguns dos ditos nomina. Foi mal recebido, ou, no melhor dos poucos casos, passou ignorado: e digo “no melhor dos casos” em razão de o silêncio ser, em geral, uma forma de contrariedade ronhosa, mas a mais “benévola” (se esta palavra for, nisto, permitida). Na verdade, o despercebimento –aqui, apenas uma atitude remordida – tanto pode ser involuntário, por mera falta de notícias, apesar de nada abonadora de quem sofria ou sofre dela, como simulado, isto é, sob propósito – do que, para o caso, me não faltam bons indícios, que, propriamente, não quero nem vou aqui especificar ou denunciar. Mas, como acima digo, indispensável é apresentar alguns casos (de silêncio ou do reparo) que limitarei, por sua ordem cronológica, aos oito seguintes: 1º “En effet, A. de Almeida Fernandes trouve de nouvelles identifications des paroisses suèves, que les érudits précédents avaient en vain essayé de situer (…) Il propose d’identifier les pagi du diocese de Braga, mentionnés par le même document, comme des paroisses ariennes tandis que les eclesiae seraient des paroisses catholiques (…). Finalement, A. de A. F. accepte l’authenticité intégrale de la Diviso Wembae, contre l’avis de la plupart des auteurs modernes, et la situe aux années 657-665, ou même au concilie de Tomède de 653, tandis que le Parochiale aurait été rédigé ou concilie de Lugo de 572. Atendons cependant la réaction des spécialistes avant d’accepter ces conclusions hardies”. (“Revue d’Histoire Ecclesiastique”, 1970, nº 1, Bibliothèque de l’Université-Louvain, Belgique – assinado “Dom José Mattoso”). Não me chocou não ser aí contado, em caso tão novo e imprevisto, entre os “especialistas” dele para o efeito (exclusão que pode admitir-se justificada, mas que é, de si mesma, grosseria); nem dei importância ao carater pejorativo da apreciação final ou ameaça (que o futuro concretizou no mais bas bleu, e sôfrega pela baldada espera) com os presumidos e aguardados “especialistas”, que não havia e que nunca apareceram. Somente me apercebi do facto, naquele seu duplo aspeto, em 1985 (J. Mattoso, Portugal Medieval, 1983, pp.41-42: ver adiante). Era a melhor maneira de se repulsar um trabalho e afastar dele

pág. 6

o possível interessado – o que só não sucedeu totalmente porque restam, ainda, algumas pessoas não ciosas, ou honestas, mas que se verificou em bom e influente número de casos. 2º “Almeida Fernandes, baseado numa suposta” (?) “semelhança fonética (aliada a outros pequenos indícios históricos), tentou hipoteticamenteidentificar quase todos os restantes” (?) “topónimos do “Parochiale”: Villanova, Betaonia, Besea, Menturio, Baubaste, Lumbo, Nettis, Napoli, Melga, Tauunasse, Truculo, Mendolas, Palentia. No entanto, este empreendedor esforço, com verosimilhança desigual nos diversos casos, parece-nos ter muito de hipotético (…) (Segue um demasiado perfuntório exame, se tal nome merece; mais uma repetição dos nomes que usei na crítica exposição, e esta sob profundos equívocos e patentes erros de conhecimento). “Por conseguinte, é nossa opinião que é ainda grande a nossa modéstia de conhecimentos em matéria tão difícil das identificações toponímicas do Parochiale”. (Domingos A. Moreira, Freguesias da Diocese do Porto – Elementos Onomásticos Alti-medievais, Porto, 1973, pp. 28-30). “Almeida Fernandes sugeriu que “pagi” perante “ecclesias” ambas as coisas do património religioso diocesano, tivesse um significado também religioso, embora atenuado (“cristãos arianos”) em oposição aos “cristãos católicos” (das ‘ecclesiae’), o que até estaria de acordo com o caso simultâneo dos bispos Argiovito (ariano) e Constâncio (católico) no Porto. No entanto, o III Concílio de Toledo, em 589, que se referia aos arianos, não os apelida de ‘pagãos’ (termo normalmente considerado antónimo de ‘cristãos’, sejam católicos ou não) e no cân. 9 fala de ‘haeresi Arrianae’, e noutro documento do séc. VII se fala de ‘basilica Arrianae’ e noutro documento do séc. VII se fala de ‘basilica Arrianae pravitatis’”. (Aut. E ob. cit., p. 25). 3º Em 1978, na sua edição do mais famoso cartulário da Sé de Braga, o Prof. Doutor Avelino de Jesus da Costa, Liber Fidei, nº 551 (do vol. II, p. 348), refere, isto é, nomeia os publicadores do documento (Brito, Argote, Risco e P. David) e até os autores que simplesmente o registaram (Erdmann, J. A. Ferreira, M. de Oliveira e ele próprio). Também aqui não me chocou ter sido excluído dos registadores, embora aproveitador total e direto do documento de larga data: somente que o meu estudo, único e global, um livro inteiro para o efeito, não constasse. Creio, hoje, um simples esquecimento, pelas públicas e particulares considerações – embora posteriores – que tenho recebido daquele historiador. Mas esse esquecimento, para então, diz tudo: o trabalho não “obteve” reparo, e, quando o teve, foi meramente malsinado e desentendido; e até deposto de toda ou a mais simples consideração (chegando, porém, a ser atribuída a outro a autoria, malevolamente, como adiante refiro). Hoje, porém, parece esboçar-se um movimento oposto: daí – por exemplo – esta edição, que eu não pedi, nem ao mais de leve sugeri. Foi-me, surpreendentemente (para mim), pedida, apenas, a autorização para ela se fazer. 4º “Joaquim M. Neto tentou identificar e cartografar os pagi de Trás-osMontes, fazendo-o com resultados bastante satisfatórios” (aliás desastrosos). “Sendo assim, toda aquela região se fracionava em pagi, o que demonstra a escassez do povoamento e o atraso na urbanização” (!). “Os pagi do bispado

do Porto foram identificados por vários autores” (aliás um único: eu!), “embora não exista ainda um mapa histórico sistemático, da sua delimitação” (como se fazê-la fosse alguma vez possível… ).

pág. 7

“A correspondência com topónimos medievais e modernos pode ser a seguinte”. E segue um quadro que é, absolutamente, a integral reprodução das minhas identificações, atribuída, aí, a Domingos A. Moreira (ob. cit., Freguesias da Diocese do Porto), e onde quem identifica, repito, sou eu, unicamente eu – que, não bastando isto, fui excluído da bibliografia de tão triste, ignara e desonesta produção da Universidade Nova de Lisboa. (Artigo “Do “Pagus ao Paio – Notas sobre a Administração Romana em Portugal”, por João J. Alves Dias “com colaboração de A. H. de Oliveira Marques”: em “Bracara Augusta”, XXXIV, 1980, pp. 662 e 664, excluídos o meu nome e obra para se apresentar o nome e obra de Domingos Moreira como autor das identificações, embora nenhuma dele. Para melhor se aquilatar da tristeza, ignávia e desonestidade de tão miserável coisa, veja-se o meu livro “A ‘Arquimanha’ Feirense de José Mattoso & Cª Ltda., 1994, pp. 282-288: é indispensável). 5º “A hipótese de Avelino Jesus da Costa apresenta-se com uma solidez considerável, visto que conseguiu mostrar a correspondência entre onze paróquias suevas e onze arcediagados do séc. XI e XII. A tentativa de levar mais longe a identificação das paróquias suevas foi depois empreendida por A. de Almeida Fernandes, Paróquias Suevas e Dioceses Visigóticas (1968), o qual aceita também a correspondência entre as paróquias suevas e as terrae medievais” (…) Note-se, todavia, que a maioria das identificações novas por A. de Almeida Fernandes para os topónimos do Parochiale” (sic) “foram contestadas radicalmente pelos especialistas” (de quê, se não houve a mínima refutação filológica?) “ou consideradas como demasiado inseguras: informação pessoal prestada pelo Prof. Joseph Piel e crítica publicada por Domingos A. Moreira,Freguesias da Diocese do Porto, pp. 28-30”. (José Mattoso, Portugal Medieval, 1983, pp. 41-42. Pelo que já expus a este propósito, pode julgar-se da justiça e intenções desta referência: o cumprimento – como enfim o pode, por não ter havido, nem ainda haver, coisa melhor _ da ameaça feita de Lovaina a mim em 1970. 6º “Deve notar que as identificações entre paróquias suévicas e “terras” ou arcediagados medievais até agora feitas se situam predominantemente em regiões de fraca densidade populacional no Norte, ou seja, em Trás-os-Montes e no Alto Minho, mas foi possível encontrar só algumas provas em regiões mais habitadas. Ver A. de J. da Costa, O Bispo D. Pedro, 1959, I, p. 133, Id., 1981, p. 9 de A. de Almeida Fernandes,Paróquias Suevas, 1968, pp. 120122, a consultar com reservas”. (Por quê, se não houve a mínima refutação filológica e histórica?). (J. Mattoso,Identificação de um País, 1985, II, p. 180). Como de costume, a nota para afastar qualquer valor e qualquer consulta – e

tanto assim, que, nessa obra, II, p. 273, J. Mattoso excluiu da sua lista de treze obras minhas, que à sua interessaram, as minhas Paróquias Suevas! É possível que me quisesse ele mundificar de tão esquálida obra minha, mas eu sei “lavar-me”, e costumo fazê-lo com repetição em cada dia e todo o cuidado. Atitude aquela insensata, pois é como queimar alguém a casa, sem ter outra. 7º À margem de um mapa que reproduz, exata e declaradamente, um meu: “As paróquias suevas, segundo Almeida Fernandes, 1968. Emborasujeitas a caução” (repete-se o convite anterior a ele não ser considerado: e porquê se não houve a mínima

pág. 8 refutação definida?). “este mapa representa a única tentativa sistemática e recente de identificação das paróquias que constam da lista do Paroquial(sic) suevicum”. (Já ao tempo, 1992, havia um outro meu, com algumas, embora poucas, alterações e que não foi tido em conta aqui: ver a minha comunicação referida ao Congresso de Braga de 1989, Atas, I, 1990, p. 241. “Por outro lado, o A. apresenta propostas de identificações bastante mais numerosas do que as feitas anteriormente. Algumas delas foram postas em dúvida por filólogos como J. Piel e Domingos Moreira. Apesar disso não podem deixar de ser tomadas em conta como base para investigações futuras”. (J. Mattoso, História de Portugal – Círculo de Leitores, II, p. 313, onde se acrescentam outras insinuações pejorativas, como eu “não ter conseguido provar”, quando quem provará hão-de ser os arqueólogos – pois não houve uma mínima refutação “especializada, “ isto é, filológica e histórica -, aos quais eu forneço no livro as pistas: e assim vai sucedendo, para frustração de tantas e continuadas más e ignaras intenções na Universidade Nova de Lisboa – que as possíveis outras ignoro). 8º Versando a minha tese de que os topónimos genitivos antroponímicos remontam ao séc. V e não à Reconquista, como, para esta, propunha J. Piel, apresentei, em 1968 (isto é, antes), contra este, a origem nas depraedationes suévicas para toponímia tão milhentamente abundante. (Ver neste trabalho, a I Parte, I, p. 56. Tendo-me ele solicitado estas minhas Paróquias Suevas em fins de 1974, e eu satisfeito essa pretensão com um exemplar, aquele filólogo (babosamente seguido, entre nós, no seu prestígio de estrangeiro) operou uma voltaface do séc. IX para o séc. VII, nitidamente em razão do meu referido trabalho, evitando assim o séc. V-VI: só para não ter de me citar, ou para anular que se pensasse que ele havia aderido à minha tese. De facto, escreveu Piel (como se alheio a esta), em 1981: “Para mim. Parece altamente provável que a particular densidade dos nomes de senhorio em causa” (os toponímicos referidos na minha tese) “reflete um povoamento de certo modo estratégico, por ser destinado à consolidação da vitória definitiva dos visigodos sobre o rival reino suevo” (“Congresso Histórico de Guimarães”, 1981, Atas, III, pp. 141-143. Esta artimanha, destinada a encobrir a voltaface que o meu livro lhe provocara e a evitar citar o meu nome – eu o autor da teoria, original para o séc. V-VI, e que ele mudou,

assim, para o VII -, foi largamente desdita por mim na “Revista de Guimarães”, 1983, XCIII, pp. 15-17: este parecer de Piel sobre o “rival reino suevo” no séc. VII e do reino visigótico, quando os suevos haviam já desaparecido um século antes, definitivamente, da cena histórica, é o que há de mais ardilosamente absurdo e manhoso num conspeto historiográfico: custa a acreditar, mas está publicado, e é um dos casos mais caraterísticos do comportamento dos luminares comigo, estranho às camarinhas respetivas como fui, sou e serei. Quem vê as coisas com o “q. b.” de honestidade procede, ao menos, como o historiador inglês H. Livermore em 1996 no “Boletín de la Real Academia de la Historia” (Madrid), CXCIII, cuad. 3, p. 443: sem me citar, embora eu o autor da tese, chama a atenção para ela lembrando que os vândalos “abandonaron la Península, dejando a los suevos para fijar-se em la Gallaecia romana, donde su permanência se refleja en una concentración de topónimos germánicos única en la Península”. (Veja-se o meu mapa, que se reproduz nesta edição e já apresentado ao “Congresso de Braga”, 1989, Atas, I, p. 225).

pág. 9

Ainda que no final deste trabalho se volte ao assunto, fica desde já o leitor bem intencionado com os elementos suficientes para julgar acerca dos objetivos “críticos” e da atenção (desatenção) ou reparo postos até hoje neste meu estudo, da parte dos opiniosos, encartados mas totalmente ignorantes da matéria. Eles não a estudaram (e menos, ainda, a obra em que o faço), e eu estudei-a: certo que é uma boa diferença, sintomática e expressiva. Estudem, pois, e sugiram então – coisa esta que, portanto, nunca deviam ter feito antes. A isto se pode ajustar, perfeitamente, o oximoro de Vieira: ter detratores, ter inimigos, “a mais honrada injúria” que um homem honesto ou probo pode receber…

Tarouca, Setembro de 1997

A. de A. F.

pág. 10 em branco.

pág. 11 Parte I

Preliminares

pág. 12 em branco.

Pág. 13 I

PERMANÊNCIA DA TOPONÍMIA RAZÕES DA CONSERVAÇÃO

1. A historiografia e o problema das identificações.

Sendo uma das duas finalidadesdeste trabalho a identificação das paróquias suevas, que, para distinção, designaremos por paroécias, 1 não ignoramos que estamos sós e de antemão reprovados. A opinião que hoje vigora é a do aniquilamento da respetiva toponímia, em consequência do multissecular conflito muçulmano-cristão: «no conjunto, houve no tempo da Reconquista uma profunda transformação na toponímia, principalmente nos nomes das capitais de distritos ou de cantões: são, com efeito os quadros que cederam durante a crise», escreveu P. David, 2 e este modo de ver, apesar da falta de demonstração esclarecedora, foi, e continua a ser, totalmente aceite, 3 com uma ou outra rara e pouco empenhada exceção. 4Restringe P. David o aniquilamento toponímico ao que este chama «as pequenas capitais de organização anterior à conquista árabe, substituindo-se pelos da Reconquista, e cujos nomes desapareceram tanto na Galiza setentrional como nas terras portuguesas». Estas pequenas capitais do que o referido medievista denomina pequenos distritos 5 são, como declara, precisamente as sedes paroquiais (que designaremos paroecitanas, ainda aqui para distinção), ao mesmo tempo, muitas delas centros numários. Não nos parece acertada a afirmação de um aniquilamento toponímico e de uma desorganização dos quadros administrativos, quando se declara que a organização diocesana e paroquial se manteve, e naturalmente se desenvolveu. 6 Para este facto, apresenta uma razão de todo ambígua e mesmo ingénua: a conservação dos santos patronos de igrejas anteriores à crise, como veremos. Por outro lado, estabelece a tese da desorganização administrativa simplesmente porque entende desaparecidos os nomes das «pequenas capitais» desses «pequenos distritos»: estes, portanto, aniquilados com elas. Bastaria, no entanto, a admissão da persistência religiosa – um dos aspetos da sua tese – para se não entender o contrário no civil, judicial e até militar. Ora o conceito base daquelas doutrinas de P. David, a destruição das «pequenas capitais» e a desorganização dos «pequenos distritos» (que aliás não define o que sejam, e seria necessário), com o desaparecimento da

toponímia respetiva, não é verdadeiro. Este estudo destina-se a mostrá-lo no nosso País: para além do Minho,

_________________ Conquanto o termo paroécia nos surja ainda no séc. VII (Código Visigótico, V, I. 5), consideramo-lo, bem como o seu derivado, paroecitana (sc, ecclesia), apesar na época sueva, deixando para as épocas posteriores o termoparrochia ou parochia. Não se trata, portanto, de pretensiosismo literário e ainda menos de dar o cunho científico ao que escrevemos. 2 Pierre David, Études Historiques sur la Galice et le Portugal, pp. 74-75. 3 Bastam dois exemplos. Segundo Pierre David, o Prof. Torquato de Sousa Soares afirma que, dos nomes de paróquias suevas, apenas uma se manteve ao sul do Douro, Arouca: Reflexões sobre a Origem e a Formação de Portugal, I, p. 165, no que está de acordo com a sua teoria do despovoamento exposto na Biblos, XVIII, t. I., pp. 187-188. Por sua vez, Mons. M. de Oliveira, seguindo palavra por palavra P. David, declara a identificação dasparoéciae «um trabalho dificílimo», ou, mais que isso, impossível, em razão das alegações daquele medievista; e manda arredar as fantasias de escritores antigos sobre o caso: As Paróquias Rurais Portuguesas, p. 44. 4 A bem dizer apenas conhecemos as tentativas do P. Dr. Avelino de Jesus Costa n’O Bispo D. Pedro e a Organização da Diocese de Braga, I, pp. 133-138 e 160, sobre um pequeno número de casos. 5 Pierre David, Ibidem, pp.74-75, nota. 6 Ob cit., pp. 74-75 e 176-177, 255, etc. 1

pág. 14

passamos imediatamente a verifica-lo, não havendo necessidade de uma investigação em regra. Sem trabalho de maior, encontraremos documentos para cima de metade da meia centena de nomes paroecitanos, grande parte deles, para mais, ainda hoje existentes ou representados (o que observamos também sem uma exploração em forma; e, além disso, ainda nesse tempo, como designação de capitais de pequenos distritos. Estas surgem-nos nesses documentos como decanias ou como comitatos e comissos, o mesmo que dizermos condados, nomeando-se até, por vezes, os seus condes. Quanto a nós, pois que se encontra claramente em relação com a «terra» da Reconquista, a vasta paroécia inicial terá correspondido, em regra, a um territorium civitatis, que, no período seguinte, o da famosa crise, se deve entender, mui aproximadamente, pela «terra». Mas este assunto deveremos trata-lo noutro lugar, sem que, no entanto, queiramos presumir de descobridor de um segredo que tem sido (e não temos dúvidas de que continuará a ser) um dos mais guardados da historiografia. Este trabalho será sempre condicional. Assim, na diocese de Lugo, documentam-se, na Reconquista, os velhos nomes paroecitanos de Deza, Doria (Duria), Latra (Larera), Montenigro, Cavarcos, Segios, Carioca (atual Quiroga), etc., como comissos, comitatos e decanias. 7 Na diocese de Iria, sucede o mesmo com Bregantinos, Trasancos, Lapaciencos, Celticos, Arros, Pestemarcos, Besancos, Prucios, Salinense, Metacios, etc., estes quatro últimos correspondentes, ainda hoje, a Besoucos, Pruzos e, em nosso entender, Salnés e Betanzos, para o que há perfeita conformidade fonológica. 8

Na diocese de Orense (Aurias), documentam-se, na Reconquista e da mesma forma, e quase sempre com o correspondente atual, os nomes paroecitanos Buval, Teporos, Geurros, Senabria, Calapacias, etc., hoje Búbal, Tibres (ou Tribes), Valdeorras, Sanabria, Carpazas; e Bibalos parece-nos recordar-se ainda no rio Bibey (Bibali?), afluente da esqueda do Sil. 9

____________________ Quiroga e Ladra, comissos num doc. De 942, citado pelo prof. Emilio Sáez, Los Ascendientes de San Rosendo, p. 34. Um dos afluentes do Minho ainda se chama Ladra, e cita-se o Liber Fidei, nº 11, com Doria (Duria), Deza, Montenigro, Latra, Cavarcos, Segios (Sevios), Carioca. Não se podem confundir Latera e Montenigro com Laetera e Montenigro transmontanos. Nos nossos PMH Dipl. et Ch., nº 66 e 76, figura Deza, o que se compreende: é que respeita à condessa Mumadona e sua estirpe, e esta descende do conde Bitote, que um doc. do séc. IX diz »in Deza, comes»: Esp. Sagr., nº XIV, p. 456. Eis uma prova do carater condal do território e, portanto, do seu papel administrativo, - o que também sucede, documentadamente, com Bergantia (em Iria, não devendo confundir-se com a nossa), Bergido (Bierzo, em Astorga), etc. Num doc. de 868, os territórios ou distritos de Montenigro e Latera: em López Ferreiro, História de la Iglesia de Santiago, II, Ap. Nº 2. 8 No L. Fidei, nº 16, «território Salinense« 8873); no L. Fidei, nº 11, Lamacengos, com suas divisões. No séc. X, os comitatos, comissos e decanias de Salinense, Prucios e Besancos: doc. citado pelo Prof. E. Sáez, ob. cit. pp. 34, 60 e 94.. Trasancos, Lamaciencos e Celticos, decanias do bispo de Lamego refugiado em Iria no séc. VIII-IX: doc. em L. Ferreiro, ob. cit., II, pp.242-243. Pistomarcos, o condado de Vimara Peres antes de Portugal: Gonzaga de Azevedo, Hist. de Port., II, p. 89. No séc. IX, o «Brigantia comes»: doc. na Esp. Sagr., XIV, p. 452. 9 Em 942, o comisso de Buval: Sáez, ob. cit., p. 34; PMH Script., pp. 342, 344, 345, etc., como apelido nobre nos séc. XIII-XIV. Aceitamos a identificação de Geurros a Valdeorras (P. David, Étud. His., p. 39) apenas por uma razão, que cremos se não apresenta: a forma mais antiga Valdejores (Valdeiores), L. Fidei, nº 143, comparando com Jurres (logo, Valle de Jurres), Esp. Sagr., XVI, p. 443. Quando não, consideraríamos Valdeorras um topónimo tautológico, sem relação com Geurros. A identificação de Calapacias (e não Calapacios, como traz P. David, ob. cit., p. 40) pertence ao Engº Pina Manique e Albuquerque, no Boletim da Casa Regional da Beira-Douro, III, nº 3, pp. 70-71: Carpazas, junto de Bande. A identificação de Bibey a Bibali (donde Bibalos paroecitano) está de acordo com o facto de esse rio correr «entre Trives e Valdeorras», o que é facto e se manifesta num falso do séc. XII – DMPDoc. Reg., nº 68. Nada tem com Bembibre: além da impossibilidade fonética, que é total, se há Bembibre na diocese de Orense, há-o também na de Tui, cerca de Vigo, e cujo nome se alatinava Bene Vivere nos séc. X-XII: L. Fideinº 41; DMP Doc. Reg., I, nº 293. 7

pág. 15

Finalmente, na diocese de Astorga, encontram-se Legio, Bergido, Senimure, Ventosa, Caldellas, 10 hoje Leão, Bierzo, Zamora, Ventosa, Caldelas. A nossa falta de informação da toponímia galega não nos permite ir mais longe; mas o que fica julgamos sobrar. Alguns dos documentos que nos informam a persistência destes nomes são apócrifos; mas isso em nada atinge a sua plena realidade toponímica: antes pelo contrário, pois trata-se de falsos reivindicativos de territórios, nas grandes disputas entre as dioceses do noroeste peninsular do séc. XI para o XII, de modo que seria preciso não só que tais nomes ainda então se

conservassem como até vigorassem os seus direitos administrativos. Pelo menos, a realidade destes distritos teria de ser, para o efeito, ainda da Reconquista. P. David refere-se a alguns deles, mas isso não o fez reflectir acerca da sua infundada opinião de aniquilamento. 11 Por isto mesmo é que estão completamente equivocados os seus seguidores quando dizem, na esteira das suas ideias, que, dos nomes paroecitanos suevos, «poucos são os que reaparecem em documentos da Reconquista. 12 2. O desconhecimento da toponímia rural. Não pode ter-se a pretensão de que toda a toponímia do Paroquial suévico, por muito resistente que a consideremos, se conservou; mas também é certo que, além da farta documentação posterior, alguns dos casos de desaparecimento que haja são posteriores à Reconquista. O exemplo de Aliovirio, paroécia portucalense, é notável, visto que, mesmo assim, não se pode dizer que as povoações desapareceram, pois que Oculis é hoje Caldas de Vizela e Aliovirio, quanto a nós, Cidadelhe (Mesão-Frio): houve uma mudança de nome, mas conservando-se na designação nova a característica principal da antiga, Caldas., sinónimo de Olhos, e Cidadelha, a feição especial da remota Aliovirio, uma civitas. 13 Outras vezes, os velhos nomes conservavam-se, persistissem ou não as antigas povoações que os tinham (no primeiro caso, com eles alterados), ora em acidentes geográficos, como rios (os casos de Latera, Alisti, Vallaritia, Bibali, etc., os rios Ladra, Liste, Vilariça, Bibey), ora em territórios, isto é, transitando de topónimos a corónimos (como Laetera, Bregantia, Aravoca, alguns deles, depois, novamente toponimizados, pela aplicação a novas povoações, como Bragança, Arouca e outros). Os nomes paroecitanos correspondentes a grupos étnicos poderiam extinguir-se mais facilmente, visto que tinham uma função coronímica: deverá ter sido o caso de Francos (egitaniense). No entanto, outros conservaram-se, uns pelo menos durante toda a Reconquista, e alguns até aos nossos dias: Teporos e Geurros (paroécias aurienses), Pestemarcos e Metacios (irienses). Eram tribos pré-romanas, e na administração romana

__________ Senimure, o próprio P. David identifica a Zamora (Samora): ob. Cit., p. 41. Ainda hoje há Castro de la Ventosa, sobre o rio Cuá; ib., p. 48. Caldellas e Ventosa são comissos no séc. X, doc. em Sáez, ob. cit., p. 34; Esp. Sagr., XVI, p. 443. Bergido deu população a Astorga, com seu conde; «populos de Bergido cum illorum comité», Esp. Sag., XVI, p. 452. 11 Ob. cit., pp. 46-54. 12 Mons. M. de Oliveira, ob. cit., p. 44. 13 São frequentes as perdas de nomes, e são-no também as mudanças, sem ter havido qualquer despovoação ou aniquilamento material: PMH Dipl. et Ch., nº 169, 496, 27, 200, 420, 547, para Vermoim, Pendurada, Fareja, Cete, etc., que, antes, tinham outros nomes. 10

pág. 16

funcionaram como populi e civitates: os Gigurri, os Tiburi, os Praestamarci, etc., referidos por Ptolomeu, Plínio e Mela. A própria perda toponímica é um fenómeno de todas as épocas e de todas as situações: da guerra como da paz. Séculos depois da crise muçulmano-cristã, os nossos documentos ainda abundam numa toponímia cuja grande parte se não encontra hoje ou, em alguns casos, se não identificará facilmente, o que significa em vias de extinção. Com efeito, é muito possível a queda de um topónimo, outrora importante, na maior obscuridade, e os exemplos que temos, paroecitanos ou não, são mais do que o bastante para assim crermos. Dentro de tal caso, Ovinia (paroécia tudense), Pannonias (bracarense), Valle Aritia (portucalense), para não citarmos outros exemplos, são nomes atualmente mesquinhos: Vinha, na Areosa (junto de Viana do Castelo, onde ainda uma pequena obra marítima se chama Porto de Vinha, e Santa Maria de Vinha é ainda o título paroquial); Panóias, um local na freguesia de Vale de Nogueiras (Vila Real), sem qualquer povoação; Vilariça, uma localidade muito dentro do actual Porto, por onde passava a via militar romana Olisipo-Bracara. Sem pertencer ao Paroquial suevo, mas que talvez nele se encontrasse se a diocese de Lisboa houvesse sido nele incluída, é perfeitamente o mesmo de Ovinia o caso de Santa Maria de Aboboriz (ainda hoje o título paroquial de Amoreira, cerca de Óbidos): para nós, trata-se do oppidumlusitano de Eburobrittium, nome que evoluiu para Aborobriz (Aboboriz), sem dúvida. É o também, ao menos, da época visigótica Santa Maria de Soveroso, na diocese de Lamego, ainda no séc. XVIII o título paroquial de Pinheiros (cerca de Tabuaço). 14 Já não existe, porém, de há muitos séculos, qualquer povoação desses nomes. Todavia, não significa isso aniquilamento: somente evolução e naturais modificações. Para a convicção de que a toponímia paroecitana desapareceu, não pouco contribuiu o desconhecimento da filologia, da linguística e sobretudo da fonética nos nossos melhores historiadores, que a todo o passo o patenteiam. Ora a forma actual é muitas vezes afastada da primitiva: assim, nenhum deles poderia dizer que em Cantonha, ainda que denote um nome de origem préromana, se encontra Carantonis (paroécia bracarense). Junte-se a isto, bastantes vezes, o desvio da trajetória fonológica de um nome, por efeito de uma interpretação popular: o caso de Longos Vales e, se não se aceitar este, o de Medas, pelo menos, não evitam que se trate de Loncoparre (paroécia tudense) e de Mandolas (portucalense). Bastariam duas feições de evolução para nunca nos ser dado pensar que a toponímia anterior à conquista arábica foi aniquilada. P. David ajunta à sua ideia de um tal aniquilamento a de que a esses nomes se substituíram outros, noutros locais, como capitais de distrito, na Reconquista; mas a pretensão é inaceitável. Na realidade, os «novos» nomes são geralmente anteriores à crise ou tão pré-romanos como os das paroécias ou distritos da época mais antiga: Bouro, Nóbrega, Neiva, Maia, Faria, Baião, Cambra, Tarouca, etc., para não mencionarmos nenhum de origem latina. Certo que, tendo emitido nós a opinião da correspondência territorial da paroécia ao territorium (civitatis), seria de esperar que aqueles topónimos aparecessem no Paroquial, como outros que, durante a crise e depois dela, tendo sido paroécias, continuam como distritos civis: Panóias, Bragança, Ledra, Lamego, Arouca,

____________________ Sobre Soveroso, ver Joaquim de Azevedo, Hist. Eclesiást. de Lamego, p. 156. A abadia de Santa Maria de Soveroso ainda nos séc. XVIII-XIX: PMH Script.,p. 388. Desmembrou-se em muitas freguesias. Quanto a Eburobrittium, não nos é possível, pelo que dizemos, seguir a opinião do Prof. Torcato Soares, Reflexões, I. pp. 58 e 251 (Évora de Alcobaça). 14

pág. 17

etc.; mas, embora se entenda que sim, não pode afirmar-se que a sede civil e a sede paroecitana coincidiam. A correspondência territorial não forçou nunca à das sedes, tratando-se de instituições diferentes. Este ponto, no entanto, será tocado noutra oportunidade. Depois do que expusemos, poderá compreender-se que, para nós, a razão que mais pode dificultar ou mesmo tornar aleatória a identificação ou localização de paroécias e suas sedes, é o desconhecimento em que todos estamos da toponímia rural. Não nos consta, de facto, senão uma parte insignificante. As listas de que dispomos, mui frequentemente deturpadas, para cúmulo de infelicidade, são de caráter urbano, nome de locais povoados; e nem mesmo assim completas. Os nomes de simples sítios e até mesmo de campos, a cada passo remotíssimos, escondendo verdadeiras preciosidades para as ciências (linguística, filologia, história, etc.), pode dizer-se que ainda nos não constam. Nada, por isso, nos garantirá que, aqui ou ali, um desses nomes não corresponde, precisamente, a um dos do Paroquial suevo, que se cuidam totalmente aniquilado. Demos os exemplos de Ovínia, de Pannonias, de Valle Aritia: podemos acrescentar vários outros indubitáveis, como Caliabria, hoje o nome Calabre do vasto morro onde a sede da paroécia (depois episcopal) existiu, e como Equesios, cremos que hoje oculto Queijus, bem ao contrário do que se tem dito dos Equaesi junto ao Larouco. 3. Inaceitável o despovoamento profundo. No território do Minho ao Douro, desconto feito à região transmontana, indica o Paroquial suevo a existência de umas cinquenta paroécias, sem acentuadas diferenças de distribuição. Por outro lado, apresenta-se-nos nesse mesmo território, passando do séc. XI para o XII, muito para cima de um milhar de paróquias. Um progresso de tal ordem, que é o mesmo das populações, no decurso de uns cinco e seis séculos considerados de profunda crise, numa região que documentos e crónicas régios apontam como erma, ainda em fins do séc. IX, é sem dúvida o bastante para desacreditar por completo a doutrina do despovoamento. Essa situação paroquial não sofre dúvidas. Se não se documentasse no restante daquela região, bastaria o que se passa, provadamente, entre o Lima e o Ave-Vizela: no séc. VI, finais, há aqui, como veremos, umas quinze paroécias, mas, cinco a seis séculos depois, todo o tempo da famigerada crise de despovoação e ruina, são já mais de quinhentas paróquias. 15

Ora não há razão alguma para se pensar que a situação diferia do Lima para o Minho e do Ave-Vizela para o Douro. Podemos até dizer que o número devia ser aí ainda mais avultado, relativamente à extensão territorial, bastando notar para isso que a densidade paroecitana no território portucalense se revela, como veremos, no séc. VI, muitíssimo superior à do restante território do Douro ao Minho, já de si muito mais florescente que o transmontano e o sulduriense.

____________________ É o que se deduz do Censual de Braga, publicado em 1959 pelo Prof. Avelino de J. da Costa como sendo organização do bispo D. Pedro e, assim, da segunda metade do séc. XI. Este documento preciosíssimo é bastante, só ele, para derrubar a tese do despovoamento do Norte de Portugal: mesmo que se devesse ainda olhar ao que há muitos anos opus em Ponte de Lima Altimediévica, pp. 137-153, para a primeira metade do séc. XII (o que, hoje, não sustento inteiramente), a diferença de tempo é tão pequena que em nada afeta a validade naquele ponto de vista. 15

pág. 18

Nestas duas regiões, guardadas as proporções devidas, o facto também não é muito relevante. Bastará notar que as paroécias ao sul do Douro são umas vinte no séc. VI, mas que, do séc. XII para o XIII, há aí mais de quinhentas paróquias, número que não devia ser muito diferente um século antes. 16 Um tal desenvolvimento da vida religiosa sem dúvida que é a mais sensível das manifestações dos progressos populacionais durante toda a época da «crise» muçulmano-cristã peninsular: demanda espaço de muitos séculos. Como é então possível crer em Afonso III das Astúrias, pelos seus documentos, ou nos cronistas do ciclo, quando declaram erma, no seu tempo, precisamente toda aquela região, hoje portuguesa? Duzentos anos eram absolutamente incapazes, ainda hoje, com todo o poder de ciência e técnica, de produzir um tal resultado. Já nos referimos à tese de P. David de conservação dos quadros paroquiais anteriores à conquista muçulmana ou à famosa crise, enquanto estabelece a derrocada no administrativo e militar. O seu argumento é o do duplo caráter hagionímico e toponímico: por um lado, a permanência dos santos patronos, o que nada significa, porque estes eram os mesmos nos dois períodos, não tendo surgido entretanto titulares novos; pelo outro, a desaparição da toponímia paroecitana numismal, a qual não se prova, e nem mesmo o Autor fez qualquer investigação no sentido de a verificar, como é ele próprio a dizer. 17 Com o argumento hagionímico, pretendeu deduzir a persistência do quadro paroquial: ora também para nós é esse facto verosímil, mas apenas através do progresso permanente, acusado na enorme diferença de número entre as paroécias do séc. VI e as paróquias do séc. XI-XII. Com o argumento toponímico, quis estabelecer a destruição do sistema administrativo: ora nós nunca conseguiremos entender como é que um quadro podia conservar-se (que força teriam para isso o templo e o cemitério?) ao passo que

o outro se anulava, e, sobretudo, como poderia uma população progredir sem uma administração de remotas raízes. Desde o momento que admitiu a conservação dos quadros diocesanos e paroquiais, embora sobre uma falsa base, não podia P. David aceitar a tese do despovoamento. No entanto, nunca se pronunciou claramente a tal respeito, se bem damos conta. O muito que pode concluir-se da sua tese é que não o admitia muito profundo: por um lado, deparava-se com os nomes conservados das cidades anteriores à crise, a despeito desta; pelo outro, entendia que as populações se mantinham à roda das igrejas e dos cemitérios. Concluía então mui simplesmente que o despovoamento ou a destruição não atingira os grandes centros nem os pequenos (os rurais, que eram a quase totalidade): destruídos apenas os médios, as capitais paroecitanas e civis. Era uma dedução de caráter aritmético, visto que não poderia deixar de ter havido destruições e despovoamentos e que os grandes e pequenos centros, em seu entender, escaparam, restavam como vítimas os médios. Daí que nem se desse ao trabalho de verificar a desaparição toponímica paroecitana e numária: entendia, claramente,

____________________ Bastar-nos-ía reparar no que se encontra na região de Lamego, que as notícias dão como continuamente assolada ou pouco melhor que erma: os templos abundam no aro da tantas vezes «destruída» cidade, do sé. XI para o XII: DMP Doc. Part. III, nº 85; Ib. IV, nº 90; DMP Doc. Reg., nº 213; Monachi Silensis Chron., Esp. Sagr., p. 319; etc. Para a região de Lamego, por exemplo, veja-se o que aponto em Os Primeiros Documentos da Salzeda, pp. 7-9 (nota 10 sobretudo). 17 É o que se colhe facilmente das suas expressões e ideias nos Étud. Hist., p. 74. 16

pág. 19

escusada uma tal tarefa, e não hesitou logo em afirmar a desaparição dessa toponímia tanto na Galiza setentrional como nas terras portuguesas. São suas palavras; mas já notamos quão fácuk desmentido se lhes pode dar na Galiza. Quanto a Portugal, é o que veremos. O que com Afonso III não passa de um logro documental, as afirmações do ermo no seu tempo e no nosso território, é, com Afonso I um século antes, um logro da razão humana. Falamos neste porque poderá suceder que, cedendo-se na falsidade do caso com aquele, se argumente que a despovoação se estabeleceu com este, quando, depois das suas campanhas, «christianos secum ad patriam duxit». Esta frase tem-se tomado como significando a transferência das populações cristãs para as Astúrias: mas nós entendemos o contrário, isto é, o seu regresso ao sul, porque este é que era para os refugiados ali a pátria. 18 Se o monarca tivesse atuado do modo por que geralmente se encara o facto, transferindo as populações para o Norte (o que nem hoje seria coisa muito fácil), é que essa população existia e ela mesma fornecer-lhe-ia meios suficientes para a conservação do seu domínio nestes territórios, em vez de abandoná-los, afinal, a um ermo que, ao contrário do que se pensa, poderia facilitar o ataque muçulmano a esse norte.

A presúria não é bastante para se concluir que existia realmente um estado de despovoação: para a explicar, como resultado de disponibilidades agrárias e outras, aqui e além, não se precisa mais que ter em conta que se tratou, realmente, de uma longa colisão. Não impediu um verdadeiro progresso durante todo esse longo período; mas marcas profundas não era possível que não ficassem, em alguns casos. Depois de um exame retrospectivo a todo esse período, sem dúvida que nada de convincente se nos depararia, perante estes factos, para aceitar uma tese de despovoação: teríamos, pois, de, na Reconquista, encontrar, cada vez mais ampliado, o panorama da época visigótica. Neste tempo, já as paroécias iniciais se haviam desmembrado em muitas paróquias: facilitavam este facto a própria extensão territorial, por vezes desmarcada, como teremos de a conhecer, e a abundância de templos em cada uma, porque, na realidade, «in parochiis multae sunt ecclesiae constitutae» então. 19 As próprias leis conciliares estabelecem as condições de desmembramento. 20 Muitas mais razões poderíamos alegar, mas nem tantas eram precisas. Seria mesmo bastante mostrar que a tese de P. David não passa de um conjunto de dois círculos viciosos que se entrecortam: a toponímia paroecitana e numismal desapareceu porque foram aniquilados os respetivos centros (com o competente distrito ou administração), mas crêem-se essas pequenas capitais aniquiladas porque, ao que se julga, os seus nomes não aparecem depois; o quadro paroquial manteve-se porque se conservaram os santos patronos (o que, de resto, não se colhe da razão pretendida), e os patronos mantiveram-se porque o quadro paroquial persistiu. É verdadeiramente curioso o modo como frequentes vezes surgem doutrinas históricas. Esta, de P. David, que foi adotada entre nós, é uma delas. Teríamos razão para pensar, aceitando-a, que, se o Paroquial e algumas moedas não têm chegado até nós, nada

____________________ Chron. Sebastiani, Esp., Sagr., XIII, p. 484. Já assim opinámos e cremos tê-lo demonstrado no nosso estudo Do Porto veio Portugal, pp. 68-76, etc. De resto, se os próprios partidários do ermamento são os primeiros a dizer que a luta na região que depois apontada um ermo (embora não reparem que, afinal, se trata da mesma) «não foi aí tão violenta como ao sul do Tejo» (assim a deduz o Prof. T. Soares, in Biblos, XVIII, I, p. 188), como se entendem destruições maiores nela e a sua despovoação? 19 Cânone 19º do concílio de Mérida, cit. pelo P. Doutor Avelino Costa, O Bispo D. Pedro, I, p.94, sem tratar do nosso problema. 20 Código Visigótico, V, 1, 5; PMH Leg. Et Cons, p. 53. 18

pág. 20

saberíamos hoje dos efeitos da crise, em povoações e toponímia, visto que só estas «pequenas capitais» dos «pequenos distritos» foram aniquiladas. E, se outras fontes do género se houvessem conservado, seria caso para entender efeitos de aniquilamento tantos mais vastos quanto maior fosse o número delas? Nada há, pois, de mais contingente.

4. Razões da conservação e aparências do desaparecimento. Com mais brevidade do que desejaríamos para a boa inteligência do assunto, acabámos de expor as três principais razões por que, sem mais indicação, nos não parece aceitável a tese do desaparecimento da toponímia paroecitana suévica, ao menos como efeito da crise arábica-cristã: o imperfeitíssimo desconhecimento da toponímia rural; não ser admissível um despovoamento profundo ou sequer muito frequente e, muito menos, generalizado; e não o ser, igualmente, a destruição dos centros paroecitanos apenas com a consequente extinção dos seus nomes. Se as populações dos campos persistiram, as mais vizinhas desses pretensamente aniquilados centros bastariam para lhes fixar a recordação pelo menos onomástica. Mas a estas razões outras se juntam, e tão expressivas que nem mesmo em relação àquelas poderemos considera-las verdadeiramente secundárias: - Os nossos documentos da Reconquista são demasiado poucos nos séc. IX e X para deles se poder tirar uma conclusão acerca da persistência ou não persistência toponímica, sobretudo quanto ao Paroquial suevo. A pretensa falta de menções, pode não passar de uma consequência do pequeno número; e tanto assim, que o além Minho, possuidor de mais numerosos documentos, nos oferece sem custo a representação de mais de metade dos nomes paroecitanos, e, facto notável, contra a tese de P. David, não como sedes de paróquia (em cada caso, a paroécia inicial havia-se desmembrado), mas como sedes territoriais civis. Ora a verdade é que aquele medievista afirma a subsistência no paroquial e a subversão no administrativo. Certo que o facto não desdiz aquele primeiro aspeto da sua tese, mas arruína este segundo. Seja como for, é verdade que, em relação ao número de documentos, a comprovação posterior dos nomes paroecitanos não está entre nós em grande desnível com o que se encontra: são muito numerosos os nossos casos indubitavelmente documentados: Pannonias, Laetera, Bregantia, Aliste, Vallaritia, Ovinia, Magneto, Salto, Aliobrio, Arauca, Selio, Eminio, Antunane, etc., para não citarmos senão os que não podem sofrer dúvidas seja de quem for. Como também dissemos, é a perda toponímica um fenómeno de todas as épocas e de todas as circunstâncias, tanto da guerra como da paz. Numerosos topónimos que nos surgem na Reconquista não se identificam hoje, uns, porque desapareceram, outros pela queda na maior obscuridade. Entre eles, há casos do Paroquial que se manifestam ainda naquele período: Aliovirio, Selio, Eminio, Oculis, etc., para também citarmos apenas os que são conhecidos de qualquer mediano investigador ou estudioso. Não foi pois a Reconquista que os aniquilou. Se não houvesse uma investigação mais profunda ou no local, ter-se-iam por perdidos hoje Ovinia, Celo, Caliabria, Pannonias, Laetera, etc.; e, no entanto, vivem ainda mais ou menos obscuramente. De resto já atrás o fizemos notar.

pág. 21

Nada obriga a crer que uma sede paroecitana coincidisse com uma sede administrativa. O caso dava-se: dar-se-ia mesmo de um modo geral; mas poderia não se dar, porque para sede paroecitana era possível servir uma povoação ou até nem haver povoação alguma, bastando a ecclesia. E esta poderia ser mesmo um templo monástico, talvez o caso das paroécias de Magneto, Labrencio, Lurbine, etc. Assim, se a igreja desaparecesse sem ter-se chegado a formar aí povoação, seria mais natural a perda do topónimo. - O nome da paroécia, muitas vezes, nem sequer era o da sua sede, mas do grupo étnico correspondente: Francos, Equesios, Bibalos, Ceurros, Teporos, Pesicos, Pestemarcos, etc., correspondentes a populi citados por Plínio, por Ptolomeu ou mesmo por Mela: os Equaesi, os Bibali, os Gigurri,os Tiburi, os Pesici, os Praestamarci e outros muitos. As suas capitais civis tinham nomes muito diferentes dos das paroécias respectivas: o Forum Bibalorum, o Forum Gigurrorum, Nemetobriga (dos Tiburi). Quando as diferenças tribais se nivelassem, seria então mais natural a perda do nome paroecitano, e isso sucedeu em alguns casos, ao que parece; mas, mesmo assim, não em todos, visto que ainda hoje, como vimos, há Valdeorras (Geurros), Trives (Teporos), Bibey (Bibali). Também sucedia naturalmente o contrário: populi ou tribos que, sem a menor dúvida, constituiriam também uma paroécia, como são os casos dos Limici, dos Nemetatae, dos Copori, dos Turodi, dos Narbasi, mas cujo etnónimo a não denominava. No entanto, este caso já não oferece tanta importância para o nosso problema, visto que, se o nome paroecitano não era toponímico, era ele outro, e nem por isso adiantamos mais para o seu conhecimento. Finalmente, são de apontar circunstâncias das quais algumas intrínsecas ao próprio Paroquial, explicando boa parte das dificuldades no achado de correspondência atuais aos nomes paroecitanos. Assim, estão uns reduzidos hoje à total insignificância, a ponto de já não designarem verdadeiros lugares, como Bauvaste (paroécia portucalense), e, além de insignificantes, desaparecidos de povoação, como Ovinia (tudense); outros estarão já semi substituídos, como Celo (bracarense), ou mesmo substituídos, como Celo (bracarense), ou mesmo substituídos por completo, como Selio (conimbricense). Outros transformaram-se até ao «irreconhecível» pela evolução fonética, o que, de resto, já apontámos, mas nunca é demasiado insistir no facto, sobretudo num resumo como este: Carantonis (bracarense), Tauvase (portucalense), ou por efeitos de interpretação popular, total ou parcialmente: Loncoparre (tudense), Mandolas, Melga, Menturio (portucamense). Noutros casos, deu-se uma depravação total da forma originária nas diversas lições do Paroquial, como julgamos para Tuentica (lamecense), e outras vezes pouco profunda, como em Osania (visiense), mas o bastante para desviar a pista do investigador. Este, para a não perder, tem então de recorrer a outros meios. E, na verdade, se é um facto que nos nomes paroecitanos se deram deturpações ora leves ora profundas, nada nos proíbe crer que, em alguns casos, essa depravação fosse quase total. Alguns nomes alteraram-se por efeitos de redução ou encurtamento, como suposmos ter sucedido em Erbilione (tudense), Labrêncio (portucalense);

e, ao contrário, por alongamento, fenómeno bastante vulgar na antiga toponímia, como poderá ter sido o caso de Carantonis (bracarense).

pág. 22

Enfim, como de passagem fizemos também notar, alguns nomes deixaram de ser de lugares ou povoações e passaram a acidentes geográficos mais ou menos vizinhos: Vallaritia (bracarense), Latera (lucense), quanto a rios; talvez Lurbine (conimbricense), para um monte. Depois da transposição, poderia vir a dar-se o caso de o nome regressar a um lugar ou povoação nova (mas mesmo assim não antes da Nacionalidade), situada nesse acidente geográfico. Deste facto, porém (embora suceda com Bregantia, mas sem relação com tal ordem de acidentes), não temos exemplos indubitáveis. Não o cremos sequer para Antunane (conimbricense). 5. Conservação do quadro paroquial e seu progresso. Com a conquista arábica declarou P. David, «um quadro ao menos subsiste, o quadro diocesano e paroquial», tese que o autor justifica deste modo: «a persistência do quadro paroquial é demonstrada pelo estudo dos santos patronos das igrejas da região que nos interessa: nos séc. X e XI as igrejas velhas ou reconstruídas têm por titulares aqueles que eram tradicionalmente venerados sob os reis visigóticos». 21 Duas teses em contrário surgiram: uma, de Autor português, que, omite o nome daquele mesmo medievista, ao qual, no mais, segue em tudo; uma outra, de Autor espanhol. O primeiro, referindo-se às duas épocas que a conquista arábica separa, afirmou que, «quando aparece outra vez constituída a organização paroquial, verifica-se que ela é inteiramente diversa da primitiva», dado que, «desde o séc. VIII, a ocupação muçulmana desarticulou a organização eclesiástica do atual território português e obstou ao natural desenvolvimento do regime paroquial.«». 22 As razões, porém, que aponta são totalmente inaceitáveis, principiando pela primeira: a paróquia da Reconquista, ao contrário da anterior, «já não abrange um extenso distrito, mas apenas a área de uma villa», por isso que «se retalhou em pequenas unidades o vasto quadro das primitivas paróquias». É uma pretensa diferença, esta, relativa a território e a número; mas não nos parece compreensível que o número e ainda o território hajam a marcar diferenças numa instituição. A essência e a finalidade, que podiam estabelecer as diferenças são sempre as mesmas, trate-se ou não de uma paroécia extensa, sejam muitas ou poucas essas paróquias. Além disso, porque aquela tese aponta para antes da invasão arábica a transformação dos «oratórios privados», outrora dependentes da igreja do distrito» (a paroecitana), em «centros autónomos», não se percebe que só na Reconquista se verificasse a proliferação paroquial, a que essa mesma transformação tendia: de feito, com mais razão se daria na época visigótica. É o que realmente acontece; e nem mesmo se entenderia que a conquista muçulmana subvertesse, como se alega, os quadros para manter deles aquele elemento de proliferação paroquial: esses centros autónomos, cada vez mais numerosos.

O próprio facto de a paróquia da Reconquista corresponder a uma pequena área, enquanto que, na Suévia, a paroécia era vastíssima, está a oferecer-nos uma panorâmica da evolução – e, portanto, da conservação do quadro e seu progresso pela fragmentação.

____________________ 21 22

Étud. Hist. p. 177. Mons. M de Oliveira, As Paróquias, pp.176-178.

pág. 23

A segunda razão achada para a diferença paroquial nos dois períodos não atua, porque, afinal, trata-se apenas de diferenças, se na verdade as há, introduzidas pela evolução: «Não foi menor a mudança noutros aspectos: as igrejas edificadas e dotadas por senhores particulares, leigos ou eclesiásticos, continuavam a ser propriedade dos fundadores, transmissível aos herdeiros». 23 Se continuavam, como poderá entender-se a descontinuidade diferenciadora? Na verdade, a Reconquista manteve e aperfeiçoou o regime das igrejas «próprias» ou dominiais. O mesmo Paroquial suevo, segundo nos parece, já nos apresenta casos de igrejas dessas, embora se trate das extensas paróquias do séc. VI: os das ecclesiae de Curmiano, Cantabriano, Carisiano, que são fundi, e Marciliana, que é villa. O terceiro e último argumento pertence ao plano espiritual, que se pretende ter sido na Reconquista mais elevado, como o provaria a designação «filigreses» dada aos fiéis e proveniente de filii ecclesiae. Na verdade, nada leva a crer que esta designação, por si só, prova, sequer, mais elevada espiritualidade na instituição e que, assim, atue como diferenciadora; e não só não prova como também nem pode compreender-se, visto que é a própria tese a alegar que aquela espiritual designação já aparece nos «princípios do séc. VI», nada impedindo supô-la muito anterior. Visto que já se documenta séculos antes da conquista muçulmana, será mais natural crer numa espiritualidade mais elevada na primeira época, e tanto assim que foi essa espiritualidade que fez surgir tal designação. Uma tal espiritualidade não tenderia, evidentemente, a aumentar no tempo: bastaria mesmo atentar na materialidade chocante de cada vez mais afinado mecanismo da igreja «própria», ao mesmo tempo tão aceite pelos autores. Não há, pois, dúvida que nunca uma tal espécie de argumentos poderá demonstrar que a Reconquista fez surgir da aniquilação que «obstou ao seu natural desenvolvimento» uma organização paroquial «inteiramente diversa da primitiva», como quer o Autor português em questão. E é notável que um outro autor, sem se referir àquele (como já aquele se não referia a P. David, pois que estes investigadores, talvez não pouco por serem todos eles eclesiásticos, se poupam o mais possível), afirma precisamente o contrário, pondo-se, portanto, na esteira do autor francês: «não obstante as invasões, lutas e dificuldades de toda a ordem, se manteve e desenvolveu a organização paroquial do séc. VI, como demonstrou P. David, baseado sobretudo na hagiotoponímia». 24

Foi por isso que este outro autor português fez uma severa crítica de um notável autor espanhol que, não aceitando o argumento hagionímico de P. David, se explica deste modo: «O remoto dos patronos celestes venerados nas igrejas portuguesas do vale do Douro carece de valor, porque não puderam levar para ali santos novos os seus repovoadores galegos do séc. IX». 25 Não é possível, evidentemente, aceitar-se a tese de despovoamento que este autor espanhol defende e ainda menos uma restrição ao vale do Douro com que se obceca; mas não deixa de ter inteira razão na contrariedade que opõe à tese do autor francês. Sem dúvida que este último acerta quanto à tese em si, a conservação do quadro paroquial, mas não no motivo que para isso aponta: essa pretensa hagiotoponímia. 26

____________________ Ver o que escreve P. David, ob. cit., p. 190. Prof. Avelino de J. da Costa, ob. cit., I, p. 170. 25 O defensor de P. David contra Sánchez-Albornoz, in España, II, p. 420, é o Prof. Avelino de J. Costa, ob. cit., I, pp. 352-359. 26 P. David definiu hagiotoponímia como «ciência dos patronos de igrejas, ou de localidades»: na Ver. Port. de Hist., II, p. 243. É uma noção errónea, ou pelo menos e para isso uma designação imprópria. 23 24

pág. 24

Na verdade, o facto de os titulares serem os mesmos nas duas épocas, cortadas pela conquista muçulmana, não pode significar uma tal continuidade. Como não haviam eles de ser os mesmos se outros titulares não haviam entretanto surgido? Os santos mártires eram os patronos, e outros mártires desde então que a bem dizer não houvera. O argumento ambíguo ou indiferente: não prova nem nega, e deve ter sido isto mesmo o que o autor espanhol quis significar, se nos não equivocarmos. Mas, fosse este ou não o seu pensamento, isto é, seja ele ou não originalmente nosso, é um facto que a ingenuidade da pretensa prova de P. David, - que, de resto, conta não raras do mesmo género na suas obras. O autor português defensor de P. David contra o autor espanhol apresentou três argumentos que alega contidos na tese do autor francês. Infelizmente, não nos é possível desenvolvê-los para mostrar convenientemente a sua inanidade, nem mesmo destituída de consequências prejudiciais à tese defendida. Ainda assim, diremos algumas palavras. A primeira razão respeita à continuidade diocesana (a qual pode de algum modo, reputar-se condicional da das paróquias), garantida com a do colonato episcopal, «pelo menos desde os fins do séc. VIII». Mas esta limitação elimina o melhor do argumento no tempo, porque tal colonato deveria provar-se anterior à conquista muçumana. Desvale também em espaço, porque se trata de umas quatro ou cinco insignificantes villas junto de Braga. Enfim, essas villulas episcopais tudo no-las está a indicar como aquisições, por presúria, do bispo Oduário, quando este atuou naquela cidade, ainda em tempo

de Afonso I (meados do séc. VIII). 27 Cremos nas continuidade diocesana, mas não é tal colonato que a prova. O segundo argumento é que, «ao iniciarem-se as campanhas de Afonso III, 28 havia na região numerosos e importantes núcleos de população e várias igrejas, dedicadas a diferentes santos». Mas esta razão, que respeita mais directamente à permanência da paroquialidade, claudica (qual a anterior quanto à permanência diocesana) como raciocínio e como facto. Como raciocínio e conforme se pretendera basear a continuidade diocesana no colonato episcopal e este naquela, alega-se a permanência do quadro paroquial sob a crise baseando-a na hagiotoponímia, outro círculo vicioso (qual o da primeira razão), porque o que está em causa é exactamente o sentido, a extensão e o valor do depoimento desta. A pergunta é sempre: pode, de facto, provar-se a continuidade, por serem os santos patronos os mesmos nas duas épocas? A hagiotoponímia, como mostrámos, nem afirma nem nega, e o defensor argumenta a favor do impugnado precisamente com aquilo que a este recusou. Quebra a razão ainda como facto, já que o argumento não atua suficientemente em tempo e em espaço: neste, porque os exemplos de igrejas dados são todos restritos a Braga, cerca de muros (atual cidade), e, naquele, porque não se prova a anterioridade ao séc. VIII em todos eles, embora deva existir. Mas, mesmo no caso desta existência, a refutação pelo Autor espanhol não era diminuída além do que já o está por si (falsa, de facto, mas não pelo discutido), dado que é ele mesmo a admitir uma tal

____________________ “presit domno Od(u)ario epíscopo civ(itat)es Lucense et Bracalense de succo et mortuorum et restauravit eas et populavit eas et populavit eas ex plebe fami l iae” doc. do L. Fidei, nº 22. Há nisto muito exagero quanto ao estado de Braga, para firmar pretensões episcopais, mas o suficiente de verdade para se deduzir o que dizemos no texto, quanto à origem da posse episcopal dessas villas. 28 Afonso III não nos parece ter feito campanha neste território (embora seja ele mesmo, rei, que o diz e até se apresente repovoador de um imenso ermo, do Minho ao Mondego, estado e ação absurdos), porque os atuantes firam os seus condes, pelo menos Vimara Peres, Oduario e Ermenegildo Guterres, respetivamente em Portucale, Flavias e Conimbria: Chron. Laurban., PMH Scriptores., p. 20; doc. L. Ferreiro, Hist. de Santiago, II, 176. 27

pág. 25

anterioridade nos templos: as igrejas, nesta região, «atravessaram um período de ruína e abandono». 29 Enfim, não são de esquecer as discordâncias do defensor consigo próprio: tendo afirmado o florescimento do território em «numerosos e importantes núcleos de população e várias igrejas», alega depois, sempre em referência à mesma região e período da Reconquista, que «tempos conturbados como este são mais propícios à diminuição do que a aumento demográfico e não permitem grande desenvolvimento económico». 30 O terceiro argumento é que, se, como pretende o autor espanhol, o repovoamento se fez em massa com elementos galegos, nesse caso «os primitivos padroeiros deviam ser iguais e estar distribuídos de maneira idêntica

aos da Galiza« no nosso território. O defensor de P. David declara que tal não aconteceu. Para isso se demonstrar, constrói-se um quadro de percentagens de freguesias dedicadas aos «titulares de grande expansão de culto a Santa Maria e S. Salvador, e respeitante à Galiza e Portugal, do qual se pretende colher, quanto à Galiza, que percentagem de S. Salvador «desceu para menos de metade», em relação a Portugal, mas que a de Santa Maria, «foi subindo, pelo contrário, notavelmente». De seguida, atende-se aos titulares «de culto restrito», para se mostrar que apareceram em Portugal alguns que na Galiza se não encontram, e outros lá que se não encontram cá. Destes dois exames se julgava dever concluir-se que, aquém e além do Minho, se tratava de «povos com devoções religiosas diferentes»; de «ereção de paróquias em épocas diversas de repovoamento»; e, em cada parte daquele rio, de «um modo próprio de organização paroquial que já vinha de séculos». Não seria inútil, mas levar-nos-ia longe, demonstrar que nada disto é possível concluir-se e que, mesmo a concluir-se, nada significaria para o caso. Pior que isso, e é quanto nos basta, (ficando o melhor da questão para outra necessidade, por conduções de saúde e possibilidade de o trazer a lume, o que é falibilíssimo): não só não se baseia desse modo a tese de P. David como até se contraria, pois que o referido medievista francês exprime precisamente o inverso daquilo quem para defender o Autor espanhol, o Autor português alega. Que pretende, com efeito, esta defesa? Duas coisas: uma, que atendendo-se às diferenças de percentagens, «os oragos eram, em parte, diferentes»; outra, que, por isso mesmo, «diferente era, na mesma época, a maneira como se distribuíam nas terras portuguesas e galegas». Titulares diversos, alega, pois, o defensor: os mesmos, cá e lá, diz o defendido: «les mêmes sont choisis, au nord comme au sud du Minho». Quadros paroquiais diferentes, afirma o defensor: tão perfeitamente análogos que até podem sobrepor-se, afiança à letra o defendido: nada «n’empêche pas que les deux tableaux ne soient vraiment superposable». 31

________________________ O caso da presúria de um desses templos – o de S. Frutuoso, em Montelios (Real) – no tempo de D. Afonso III, se fosse tomado à letra como índice de ruína e de despovoação (doc. em L. Ferreiro, Hist. de Santiago, II, Ap. Nº 15 – o que nos não parece possível, escondendose, nessa aparência, um ato que, em certa medida, de violência e arbitrariedade, de acordo com os exageros e falsidade do rei sobre a discutida ermação), estaria a perfeito favor do contrariante espanhol de P. David. 30 O Bispo D. Pedro, I, pp. 150 e 153, respetivamente. 31 Étud. Hist. , p. 242. 29

pág. 26

Estava, de facto, P. David muito longe de pensar como o seu defensor: apontando o caso único que, em seu entender, estabelece realmente diferença de aquém para além do Minho (preocupação que o medievista teve para vincar

a perfeita identidade) – o de S. Martinho de Tours, devoção peculiar ao nosso território -, chega a prevenir expressamente que não é esta diferença, cujas razões são, como ele lembra, bem conhecidas, coisa que possa «impedir que os dois quadros hajam verdadeiramente de sobrepor-se.» Esta estranha tese, como a por ela defendida, a de P. David, sustenta a permanência da organização paroquial. Nós também pugnamos por ela precisamente, mas não com tal espécie de argumentação: basta-nos o enorme número de paróquias que vigoram em plena Reconquista, cada vez mais multiplicadamente. Para o que propriamente nos interessa, ou seja, a possibilidade de conservação da toponímia anterior à conquista arábica, fornece-nos a permanência do quadro paroquial um dado a favor. É esta, para nós, a nítida importância do argumento hagionímico. – não dizemos hagiotoponímico. Cumpria-nos, por um lado, mostrar a inexatidão da tese de um quadro novo; mas, pelo outro, admitindo este, esclarecer que entendemos ao contrário do que é costume. Quer dizer, não é a conservação do quadro patronal (segundo as razões que entendeu P. David) que nos prova a do quadro paroquial: a admissão deste, pela razão que acabamos de definir ou relembrar, é que nos permite concordar com aquele.

6. Conservação da organização agrária ou das «villae». Se o argumento hagionímico, desde o momento que se baseie, como deve ser, na conservação do quadro paroquial, nos pode fornecer razões para julgarmos mantida a velha ou nova toponímia anterior à conquista muçulmana (e aquele qualificativo «nova» irá ser em breve explicado), o mesmo sucede com o argumento propriamente toponímico, qual decorre da possibilidade da permanência da organização agrária pelo menos, sobretudo na sua manifestação mais comum, a villa. Sem a subsistência de tal organização, não poderia verificar-se a das populações (e, portanto, a dos quadros a que nos temos referido). Por outro lado, encontramos na Reconquista um domínio da designação villa que pode reputar-se absoluto, e de tal modo que mesmo não tratando já davilla romana, mas de uma evolução, mais ou menos profunda, não pode reputar-se um efeito da Reconquista. Se esta lutava com a perturbação e com a falta do elemento humano, o que, afinal, querem as teses correntes, não é possível atribuir-se-lhe a extrema vulgaridade ou o número extraordinário de villae que se nomeiam na época, a não ser como herança da pretérita, a suévico-visigótica, que a havia recebido, certamente transformada, da romana. Dois problemas que estreitamente se relacionam com a nossa tese da permanência da toponímia paroecitana respeitam, pois, à villa: um de facto aos limites dela; o outro, às suas denominações. Continuaremos a lamentar que as circunstâncias nos impeçam de conceder a estes dois problemas a demora que para este trabalho necessitavam. Um caso ou outro de inventariação de limites na Reconquista poderá dar a ideia de um aniquilamento; mas, na verdade, além de raríssimos, não se relacionam em

pág. 27

absoluto com o estado de povoação do respetivo território. 32 O caso geral, como se sabe, é o da menção da «villa» «pro suis locis et terminis antiquis». Supondo-se que a expressão se converteu em fórmula durante a reconquista e mesmo aceitando-se esta como um período de aguda crise, nem por isso poderá fugir-se a atribuir essa expressão a uma realidade que não deve deixar de ser a da época anterior. Bastaria o desaparecimento dos limites, se o caso tivesse tido a generalidade que se usa considerar-se, para que tal expressão caducasse. A própria menção de limites antigos nos casos de presúria há-de mostrar que nem ainda aí houvera aniquilamento populacional; e, se o não houve, não é de crer o da toponímia, cujo fator de conservação são sempre os habitantes. A declaração de limites «antigos» na Reconquista não pode, pois, quanto a nós, deixar de corresponder a uma permanência que é o resultado de uma lei ainda no séc. VII em perfeito vigor: «antiquos terminos et limites sic stare jubemos sicut antiquitis videntur esse constructi», o que, portanto, provinha já da romanidade. 33 Ainda nisto se manifesta o que já de muitos outros modos se concluiria: o logro histórico que é a despovoação anterior a Afonso III (866-910) e a má inteligência vulgar da atuaçãode Afonso I conduzindo os cristãos consigo à «pátria» nos meados do séc. VIII. A pátria, como vimos, referia-se aos refugiados, e era para eles o seu sul liberto. Se os limites se mantinham, sinal é de que o mesmo sucedia, geralmente, com a villa e os seus elementos constituintes: a população, mesmo que rarefeita; a agricultura, garante dessas população, materialmente, o templo e o culto, ainda nos casos mais precários. Sendo assim, não era muito fácil que o nome da localidade desaparecesse, menos como ato da vontade algum, a não ser em casos excecionais. Mas nem mesmo nos de presúria total nos mostra a Reconquista mudança do nome ou a aplicação do nome do presor, no genitivo, que já se não usava havia séculos: o nome que a presúria encontrava, onde podia exercer-se, mantinha-se, em geral, 34 e, se se mantinha o local, é que o mesmo sucedera com a população. Verificamo-lo com nomes de lugar não antroponímicos, e não há razões para se crer que o mesmo não sucedia com os que correspondem a genitivos de nomes pessoais, geralmente de origem germânica. Há quem atribua estes à Reconquista, ou seja, um efeito da presúria; no entanto, todas as circunstâncias que apontamos e outras que se poderiam alegar a concluir que tal ideia é errónia. Algumas são já conhecidas, mas nem por isso têm desfeito a convicção de que a denominação data da Reconquista. São elas a coincidência da área dessa toponímia com o reino suevo, e tratar-se sempre de nomes de pessoas. 35 Esta segunda circunstância,

______________________ Basta-nos apontar os casos de inventariação dos termos de Braga e Dume: L. Fidei, nº16 e 17, respetivamente de 873 e 911. Dume, por exemplo, nunca esteve despovoada: a população 32

serva, com que o Paroquial suevo carateriza o lugar, aparece exatamente muito depois, porque se manteve na gleba local. Não é possível alongarmo-nos com outras considerações, mas é elucidativo aquele exemplo: no Paroquial, em Dume, «familia servorum»(doc. P. David, Étud. Hist., . 38); em plena Reconquista, «familia ibi degente», doc. na Esp. Sagr.., XVIII, pp. 313315. 33 Cód. Visig., X, III, 1. 34 Os exemplos documentais são muitos: PMH Dipl et Ch., nºs 6 e 9; «villa Sonosello», do nome de um riacho; «villa Lauridosa», da vegetação; His. de Sant., II, Ap. p. 29 («villa Nogaria»); etc. As fábulas lucenses sobre a presúria de Oduário (vê-las em P. David, Étud. Hist., pp 144-146) mostram o mesmo: o fabulador lucense aplica às «villas» o nomes dos seus pretensos presores não em genitivo, mas em nominativo, prova de que já não era usado aquele. Casos que se diriam genitivos, não o são realmente, porque se trata de n. pessoais em i-: PMH Dipl et Ch., nº 61, 420, 423, etc. E há outras aparências, como nos nº 75, 153, 173, etc. 35 J. Piel, Os Nomes Germânicos na Toponímia Portuguesa, p. 6.

pág. 28

quanto a nós, significa a possessão, pelo nome do proprietário; e aquela, a época. Em suma, um possessor suevo. Há mesmo um momento e um clima histórico que podem explicar o mais satisfatoriamente possível a nossa atribuição da toponímica genitiva à primeira metade do séc. VI, época da instauração do domínio suevo. Informa-nos, com efeito, Idácio do grave e prolongado conflito entre vencedores (os Suevos) e os vencidos (os Romanos hispânicos) «ob quorum depraedationem», isto é, em razão das expropriações suevas das villae romanas. A população hispânica não se submetia facilmente ao facto de serem «Suevi sub Hermerico rege medias partes Gallaeciae depraedantes per plebem»; e essa resistência levava os depredadores a firmar com redobrado empenho as propriedades, assim obtidas, impondo-lhes os seus nomes, no caso possessivo, depois de alatinado convenientemente o nome germânico. As «depraedationes» suevas não são simples expedições militares, e somente em 443 se estabeleceu a paz ou um modus vivendi, entre contentores: «ad palacium Hermericum pacem cum Gallaecis quos praedabatur assidue»,36 etc. O próprio facto de se tratar de genitivos parece-nos indicar a anterioridade à conquista muçulmana. O latim vulgar já do séc. III para o IV não possuía senão três declinações e dois casos, um deles aquele. Nestas circunstâncias, os próprios genitivos toponímicos latinos terão a sua explicação: villae que escaparam à expropriação sueva ou, mais naturalmente, villae que os Romanos espoliados organizaram. Se temos, pois, razões que nos parecem sobrantes para situar esta toponímia genitiva antronímica, quase toda de origem germânica, numa época anterior à invasão árabe, razões também nos não faltam para a não considerarmos propriamente romana. As designações prediais da romanidade diferiam muito das da toponímia que nos ocupa, pois faziam-se por derivados em -anum (para o fundus) e -ana (para a villa). Ora, destes casos, somente um número restritíssimo chegou até nós: esta toponímia romana, que devia ser abundante, esta, sim, é que foi aniquilada: e não o pode ter sido na Reconquista, até porque deu lugar àquela. A época dessa nova toponímia mostra-se na própria confusão de declinações, isto é, no facto de qualquer antropónimo poder formar o seu genitivo não só em -i, mas ainda em -ani, em oni, bem como -anis, e -onis. 37 A Reconquista não reconheceu este uso, e

uma tal toponímia, portanto, não foi criação sua. Há, pois, razões para a recuar a antes da conquista muçulmana, e outras para a avançar da romanidade propriamente: o ponto de encontro destes dois movimentos, de recuo e de avanço, é a época sueva. Nesta, encontramos, de facto, como já vimos, o momento e o ambiente da sua imposição. E, na verdade, basta perguntar (e meditar sem custo...): por que razão esta toponímia, que é caso único na Península, apenas se encontra na região do "Paroquiale", isto é, na que foi sueva (desde o mar Cantábrico ao Mondego). Ora, se esta toponímia pré-muçulmana das villae se manteve, a despeito da crise, o mesmo devia suceder com a paroecitana, no mais avultuado número de casos.

____________________ Os nossos historiadores não dão, que saibamos, qualquer atenção a este facto e o único autor que se lhe refere, embora para fins muito diversos dos nossos, é o Dr. F. Veloso, A Lusitânia Suévico-Bizantina, p. 51. Também não se pode esquecer que A. Sampaio foi talvez quem lançou a ideia de que a toponímia antroponímica germânica se deve aos presores da Reconquista: As Vilas do Norte de Portugal, onde se manifestam mesmo erros de conhecimento. 37 Os próprios hipocorísticos germânicos (em -ila, naturalmente), como nos é fácil de observar, já faziam o seu genitivo em -ani, em pleno séc. VII: Cód. Visig., II, 1, 5 e 6, etc. O uso era, evidentemente, muito anterior. Atenda-se ao nº 8 do prefácio: não só a posição errada, e tendenciosa, de J. Piel, mas sobretudo a de Harold V. Livermore. 36

pá. 29

E ainda no mesmo sentido depõe a toponímia dos apelativos comuns e a preponderância da hagionímia oriental. Naquela toponímia, com efeito, sobretudo a alusiva à vegetação, revelase-nos um fenómeno do latim popular o mais tardar dos séc. IV e V: a sua profusão vocabular por derivações, obtidas com uma sufixação antes desconhecida e já na Reconquista desusada, na grande parte dos casos. 38 Na referida hagionímia, notamos a absoluta maioria dos tituli orientais sobre o total dos restantes. O facto, quanto a nós só pode significar edificações de martyria numa época em que apenas as igrejas orientais praticavam a fragmentação dos corpos santos (ou a distribuição das relíquias, condição fundamental dessas edificações), 39 Quando, pois, as igrejas não orientais a consentiam, já os mártires do oriente eram por isso titulares da maioria dos templos, o que se mantém, por isso mesmo, na atualidade. Prova isto que uma tal situação, que é a mais remota, atravessou todas as épocas. 40

____________________ 38 Suf. -etu, -itu, -ale, -ar, -osu, -aceu, etc., com suas flexões causais numéricas e genéricas. Ver o nosso art. «Toponímia» na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, XXXII, pp. 70-84, sobretudo quanto a «famílias» toponímicas, embora hoje nos arredemos de bastante que aí dissemos. 39 P. David, Étud. Hist., pp. 210-211 (onde, claro está, se não ocupa desta circunstância, nem dá por ela). 40 Cremos que muito melhor que as razões de P. David seria esta, para mostrar a persistência do quadro paroquial pela do patronal.

pág. 30

II

BASE TERRITORIAL E SEDE DA PAROÉCIA DIVISÕES CIVIS E ECLESIÁSTICAS

1. Os centros paroquiais primitivos e a historiografia.

O «ressort» paroquial, para A. Longnon, está no pagus. É a paroécia, de que se desmembraram as várias paróquias que depois surgem no respetivo território. 41 Mas para W. Seston, baseado na doutrina de A. Grenier, está no vicus. 42 Vê-se que cada autor conduz o caso para o centro populacional ou divisão do território de que tratou mais especializadamente, o que é elucidativo da vacuidade do assunto e da indecisão em que nele se labora. As nossas próprias inexatidões, portanto, em nada poderão escandalizar, a não ser porque nos pertenceram. Por exclusivas em demasia, arredou P. David aquelas teses. «Não se trata de uma regra geral, nem sobretudo de uma regra jurídica: a autoridade diocesana inspirava-se nas conveniências e nas oportunidades» quando erigia as paróquias. 43 Embora P. David o não cite neste ponto, isto mesmo o havia dito I. de La Tour, por outras palavras: a paróquia «estabeleceu-se onde quer que uma aglomeração de homens, livres ou não, proprietários, artífices ou colonos, tornou necessária a sua criação». E logo elucida, levando o caso para as origens paroecitanas: «não foi nos quadros de uma divisão administrativa ou regional que a paróquia se instalou». 44 Nesta doutrina, duas circunstâncias muito diferentes nos parecem confundidas: os inícios e a evolução. De certo modo, uma, de espaço; e a

outra, de tempo. Cremos que foi esta confusão que levou a afirmar que não houve apenas paroécias de pagi ou apenas de vici, como pretenderam respetivamente, Longnon e Seston (escusado dizer que temos em vista origens, inícios), mas de villae, de fundi, de castella, e chega mesmo a estabelecer dois grupos: as de pagi e as de não pagi. 45 Nisto, foi influenciado, nitidamente, pelo facto de assim as distinguir o Paroquial suevo, do que veremos a verdadeira razão, ou a que tal nos parece. Para o carater que P. David confere à distinção, afigura-se-nos não haver um motivo sério. Além de ser nítida a confusão que referimos, a definição de pagus por Isidoro de Sevilha não esclarece a diferença, visto que engloba pagus, vicus ecastellum numa só categoria sem aludir ao que os distinguisse. De resto, jamais essa diferença seria inteligível paroquialmente, que é o que nos interessa, pois que a essência da instituição não podia variar. São, portanto, aqueles os centros paroquiais, mas temos de distinguir dos centros paroecitanos: estes, como dissemos, respeitando às origens, enquanto os outros, à evolução. As primeiras paróquias, as paroeciae, eram enormes, ao passo que aos referidos centros não correspondem, em geral, grandes territórios. Tratava-se, sobretudo, de

____________________ Études sur les Pages de la Gaule, P. II. t. 2, pp. 6 e 7, cit. por P. David, que escreve: «a même pensé que le pagus á formé le ressort de la paroise primitive, dont les autres auraient été plus tard démembrées», Étud. Hist., p. 16. 42 Cit por Mons. M. de Oliveira, traduzindo: «Fora da cidade, residência do bispo, foi o vicus que forneceu os elementos das primeiras paróquias rurais»: As Paróq. Rurais Portug., p. 28. 43 Étud. Hist., pp. 16-17. 44 Les Paroisses Rurales du IV au XII siècle, cit. por Mons. M. de Oliveira, ob. cit., p. 28. 45 Étud., pp. 17, 69 e 70, etc. 41

pág. 31

núcleos populacionais. A única exceção parece-nos ser o pagus, e nem sabemos se foi precisamente para ladear esta dificuldade, com mais ou menos consciência, que P. David lhe negou a correspondência a «um grande território». Fê-lo, porém, ao que nos parece, sem qualquer razão, como em breve verificaremos. Na verdade, nota-se bastante diversidade de opiniões sobre o pagus. Grenier considera-o uma subdivisão da civitas (a esta correspondendo a diocese, o que, genericamente, é errónio): a civitas, um povo, e o pagus, uma tribo. 46 O pagus ter-se-ia tornado «uma unidade rural e circunscrição territorial», de que ficou a ser a cabeça «cercado ordinariamente das habitações de um vicus»; e teria sido por isso que a designação pagus passou

a aplicar-se ao campo, depois de ter sido a dessa «pequena capital». 47 Mas a realidade deve ter sido outra. No território da civitas e no do pagus (pomos de parte, pelo que veremos, a ideia de que as civitates se subdividiam em pagi), havia muitas villae, cada uma com possíveis vici, que, fortificados, teriam o nome de castella. O vicus e o castellum eram sobretudo povoações, e naturalmente aglomerados (assim o mostrando, num dos casos, a raiz vic- e, no outro, o caráter de fortaleza); ao passo que opagus e, em menor escala, a villa (que podia assumir, em núcleo, a própria feição do vicus e do castellum, mas corresponder também a uma povoação dispersa) e ainda o fundus eram principalmente territórios, por pequena que fosse a sua extensão. Aliás era esta, neles e nelas, muito variável. Posto isto, merecer-nos-á um pouco mais de atenção (não tanta ainda assim como a necessária) a noção de pagus, que tão dessemelhantemente ocorre. P. David, antes de expor o seu parecer acerca do pagus, lembra a definição que dele dá Isidoro de Sevilha: o pagus, como o vicus e ocastellum, é um pequeno povoado que, precisamente por sua pequenez, não possui a categoria de civitas e, por isso mesmo, foi ligado ou subordinado a uma. 48 Tal definição acha-a P. David conveniente ao vicus e ao castellum (com os quais o engloba a referida definição), mas não a eles: para aquele medievista, o pagus, que tanto pode ser o nome da respetiva população como o da sua capital, é um centro de distrito territorial, o que se não dava com os vici e com os castella; e, desse modo «a palavra pagus designa um cantão habitado por uma população distinta», ou, noutros termos, «um grupo étnico restrito». 49 Como se vê, faz-se a distinção do pagus em território: um «distrito territorial» ou um «antão»; e, em população: um grupo humano que, embora pequeno. se extremava dos outros, de modo a possuir uma denominação tribal, um nome étnico, que, algumas vezes, designava o mesmo território. Este o aspeto em que parece encontrar-se hoje a questão dos centros paroquiais originários - os paroecitanos-, mas que, apesar dos nomes que, aliás bastante

_____________________ A ideia de pagus como subdivisão da civitas parece também vigorar nos nossos autores, talvez não pouco pela reticência em que Leite de Vasconcelos deixou a questão, limitando-se a declarar, depois de se referir aospagi gauleses, que «não conhece textos (nossos) nesse sentido»: Relig. da Lusit., II, pp. 76-77. Mas, se assim, nada poderemos adiantar no sentido de aproximar dos gauleses os pagi do nosso caso. 47 É uma amálgama incompreensível de nomes e noções. Por isso mesmo, embora o não confessem, parecem os nossos autores reduzir-se a copiar, desistindo da crítica, como faz Mons. M. de Oliveira, As Paróq. Ruarais, pp. 22-2348 Ver em P. David, Étud. Hist., p. 15 e nota, a definição isidoriana. 49 Ob. cit., pp. 15-16 e nota. 46

pág. 32

divergentemente, a subscrevem, inspira muitas e não insignificantes dúvidas. Sem que, pelo que fica exposto, nos preocupe o que dizem os já referidos autores, continuaremos a dar alguma atenção àquele deles que, tendo obtido a maior audiência perante os nossos historiadores, colocou a questão no aspeto em que ainda hoje entre nós se mantém.

2. Os centros e distritos paroecitanos originários. P. David, na sua contrariedade à definição isidoriana de pagus, não se baseia no facto que para isso nos pareceria mais natural: a definição é do séc. VII e, nesse tempo já tardio, podiam os pagi estar profundamente alterados e, assim, ter aquele nome uma significação diferente da primitiva, tanto mais que é facto ter sofrido uma forte evolução semântica. 50 Em lugar disso, prefere contradizer uma definição contemporânea desses pagi, como se, mil e duzentos anos depois, fosse possível ver melhor a questão que os coevos, e como se Santo Isidoro pudesse ter-se equivocado tão grosseiramente ao englobar numa só noção pagus, vicus e castellum. Sem a mínima preocupação eclética, parece-nos haver razões suficientes para considerar os conceitos de Isidoro de Sevilha e de P. David não muito afastados ambos da realidade, ou mesmo reais ambos eles. A diferença estará apenas na época: primitivamente, o pagus teria a feição aproximada sob o que encara aquele medievista; mais tarde, alterada essa feição, a situação seria a definida por Isidoro de Sevilha. E não pararia aqui a evolução. Antes, porém, de fixarmos o nosso modo de ver, convém examinar o ponto de vista de P. David. Em nota, aflora este medievista o papel administrativo do pagus para lho contestar - no que, como vimos, mais não faz que seguir La Tour. O que se não compreende é que, se não há função administrativa no pagus, seja este encarado como um distrito e, o que é mais, com sua capital. Ora capital de quê? O caso será reabordado adiante. Alega ainda aquele autor que nenhum dos nossos pagi é «um grande território, mais ou menos equivalente, a um condado, como se emprega em França, sobretudo no período carolingiano: corresponde preferentemente ao ager dos textos carolíngios do sul da França.» Mas esta comparação mais contradiz que abona: nesse tempo, o ager gaulês mostra-se já paroquialmente dividido - «ubi dioceses sunt» 51- ao passo que o nossopagus paroquial (se é, como todos cuidam, um pagus genuíno, o que teremos ainda de discutir) apresenta-se uno nesse ponto de vista, indiviso: por outro lado, é de crer que a ideia de ager haja acudido àquele autor em razão do significado de «campo» (mas o que era este «campo»?) que o vocábulo veio a tomar. Nega ainda P. David que o pagus fosse um «grande território». No entanto, sem para isso precisarmos de fazer especial investigação, não pode haver dúvida de que os

____________________ A amálgama de noções e nomes a que, numa das notas anteriores, nos referimos pode muito bem ser um resultado da acumulação, numa mesma época, de situações e aspetos convenientes a várias. E assim nos parece realmente ser, como a seguir veremos. 51 Esta frase é referida pelo próprio medievista, ob. cit., p. 16, nota, o que não deixa de surpreender. Quanto ao termo diocese, empregava-se, como se sabe, tanto para designar um bispado como uma paróquia. pp. 14-15. 50

pág. 33

nossos pagi transmontanos (Pannonias, Laetera, Bregantia, etc.) são, realmente, grandes distritos. Veremos que já são de tamanho médio outros (Ovinia, para mais não citarmos), embora haja alguns muito pequenos. São estes os da diocese portucalense (Mandolas, Labrencio, Palentiaca, Valle Aritia, etc.), e este último caso é altamente significativo na investigação, porque a referida diocese, como veremos a seu tempo, já está no séc. VI densamente povoada (apenas surpreendendo que os autores, se atentam no facto - do que duvidamos - não tirem dele as conclusões pertinentes) e, por consequência, possuidora de uma extensa subdivisão paroecitana. Não pode isto deixar de significar o profundo desmembramento das paroécias iniciais: aqui, como por toda a parte, necessariamente poucas. É evidente que estas discrepâncias só podem levar-nos a vermos nos pagi paroquiais algo de especial, do que não é ainda este o momento de nos ocuparmos. Cumpre dizer que esta nossa observação, contra a tese de P. David tem por condição o seu próprio convencimento de que os pagi do nosso Paroquial suevo são verdadeiros ou genuínos pagi, conformes à definição ou ideia que o ilustre medievista nos manifesta deles. Se exata ou não, é caso, como dissemos, para se ver. Quando tivéssemos, portanto, de aceitar a geral opinião de que esses pagi são reais (nem sequer parece acudir a qualquer autor a ideia de que poderão não o ser), obteríamos um natural apoio para a nossa tese da evolução do pagus e respetivo conceito histórico: poucas paroeciae e, portanto, ainda menos pagi (porque nem todas estariam estabeledidas nestes), inicialmente; depois, muitas parochiae e, correspondentemente, muitos mais pagi do que os anteriores, o que revelaria a evolução em todos os pontos de vista (territorial e populacional, civil e religioso pelo menos, porque até podíamos dizer étnico ou, melhor, tribal). 52 Particularmente, o grande número e a acentuada pequenez dos pagi portucalenses estariam a indicar-nos uma profunda subdivisão de alguns pagi iniciais de relativamente avantajada extensão. Mas seria isso? Veremo Ainda nega mais P. David: que os nossos pagi tenham um sentido administrativo. Mas todos os que indubitavelmente identificamos são além de, por vezes, extensos territórios, também distritos administrativos na Reconquista, o que não pode considerar-se uma situação nova. Sabemos que aquele autor e todos com ele admitem que o quadro administrativo anterior à conquista muçulmana foi aniquilado, mas parece-nos - e alguma coisa disso veremos - uma tese inadmissível. Para o caso e visto que esses nomes agora distritais aparecem religiosos (paroecitanos) na época suévico-visigótica, basta-

nos atentar em que há pelo menos essa relação ou ligação religiosa entre os dois períodos: havia, na Reconquista, as Terras de Bragança, de Ledra, de Panóias, de São Martinho, etc.,como anteriormente houvera as paroécias de Bregantia, Laetera Pannonias, Ovinia, etc., todas, por sinal, pagi, o mesmo, porém, sucedendo com as que o não eram. Acresce que lhes correspondiam na Reconquista, arcediagos, o que reafirma a ligação eclesiástica. De facto, aquela conclusão impões-se ainda pelo facto de ser acompanhada a permanência do papel administrativo civil de outra análoga, no aspeto religioso, pois que esses arcediagados mostram-se frequentemente relacionadas com as primeiras paróquias.

____________________ Cumpre fazer desde já notar que não há a menor prova para uma ideia que ultimamente se firmou sem qualquer base objetiva: a de que S. Martinho de Dume criou as mais numerosas das paróquias informadas pelo Paroquial do seu tempo. Ver, por exemplo, Prof. T. Soares, Reflexões, I, pp. 163-164. O seu labor paroquial exerceu-se noutro aspeto, que muito importa este nosso estudo. 52

pág. 34

Apesar da grande proliferação paroquial, chega isso mesmo a ser nitidamente rasteável no próprio território diocesano portucalense. Quanto a nós consendida a ousadia, tanto o exposto como as mais circunstâncias concorre a ideia de que o pagus inicial ou verdadeiro era uma civitas especial, não pela sede e território, mas por sua especial etnia. Como se compreenderá, as diferenças tribais iam-se matizando e, por isso, atenuando progressivamente, por influência das etnias vizinhas. Em razão do sentido inicial, manter-se-ia aquela designação nos fragmentos e núcleos de populações dispersos no próprio território, pontos ou locais onde as caraterísticas do pagus substituiam por mais ou menos tempo, mas cada vez menos contrastantes. Se, na realidade, os pagi anotados no Paroquial suevo fossem os genuínos, teríamos, na sua distribuição, sobretudo na diocese portucalense, a manifestação daquele facto: tantos e tão pequenos são eles, pela sua acumulação, na maior parte, à roda de Portucale, que não podemos admitir que, inicialmente, pudessem eles ter sido assim tantos e pequenos (em contraste com o tamanho médio e sobretudo o extenso nas outras dioceses), e só que se havia dado um forte desmembramento nos poucos de início, recebendo cada um deles o nome de pagus - instituísse-se neles ou não a paróquia. De acordo com a nossa opinião, acima expressa, a consequência a esperar seria que o pagus, depois de ter sido um distrito territorial, com sua capital própria, se dispersasse em fragmentos descontínuos, que depressa se

equiparariam ao vicus e ao castellum e - poderemos dizê-lo a partir do séc. VII - à villa (de povoamento disperso ou aglutinado). Depois, a designação pagus aplicar-se-ia a qualquer centro e seu território com caraterísticas semelhantes, ainda que de diferente origem. Talvez seja isto mesmo o que nos parece entrever-se em certas expressões das leis visigóticas, afins de definição comum ao pagus, aocastellum e ao vicus por Isidoro de Sevilha. De facto, enquanto este escreve e enumera «vici et castella et pagi ii sunt qui nulla dignitate civitatis ornantur» (por isso mesmo estando integrados no território de uma civitas), temos, numa dessas leis «non sit poenitus civitas, castellum, vicus aut villa». 53 E o mesmo se encontra, como não podia deixar de ser, nas disposições conciliares: «intra civitatem vel in loco in quo est ecclesia aut castellum aut vicus aut villa». 54Para nestas expressões legais termos a própria enumeração e até ordenação isidoriana, bastar-nos-ia, simplesmente, substituir villa por pagus, o que se nos afigura bastante sintomático. Além disto, tem aquela última expressão um sentido eclesiástico porque aponta a civitas como local de igreja - não devendo esquecer-se que a designação civitas tanto se dava à povoação capital como ao território. Mas a igreja podia ainda estar num vicus, num castellum ou numa villa - e quem diz villa diz pagus nesse tempo, portanto. Daqui até o pagus passar a significar o campo, ager, nada mais seria preciso que continuar a evolução, atingindo a degenerência sobretudo o aspeto étnico, finalmente anulado ou quase.

____________________ Código visigótico, IX, 11, 21. Concílio I de Toledo, cân. 9 (ano de 400), cit. por M. de Oliveira, ob. cit., pp. 27-28 (sem tratar do nosso problema). 53 54

pág. 35

Os centros paroecitanos e territórios respetivos foram, pois, inicialmente, quanto a nós, as civitates: estas o «ressort» paroquial que Longnon restringiu ao pagus. Mas parece-nos ter acertado, apesar da contrariedade de P. David: simplesmente restringiu demasiado. Deverá, pois, considerar-se a civitas, tendo sido o pagus paroquial uma civitas especial.

3. A base territorial da paroécia e a sede paroecitana. Concorda isto que acabámos de concluir com o facto de ter a civitas, na época, administrativamente, o melhor lugar, - como distrito e como capital. O seu carater episcopal não passa de uma ocorrência singular: atenda-se a que

as civitates eram muitíssimas mais que as sedes de bispado;55e muitas vezes foram primeiramente sedes paroecitanas, como é o caso das sedes episcopais de ereção mais tardia - as do séc. VI e VII: Lameco, Portucale, Tude (oppidum dos Grovii), Aurias (oppidum dos Narbasi ou antigo Forum Narbasorum), Egitania (oppidum dos Igaeditani), Calabria,civitates, não haja dúvida, em cabeça e em território. Anteriormente, o mesmo, como indica o caso de Conimbria (oppidum de Cunei ouConii celticizados, migrados do sul). No territorium civitates (tal a expressão plena, muitas vezes abreviada em civitas, mas, ainda mais, prevalecendo, em territorium), haviavillae que, no caso de ter sido a civitas o pagus, poderiam mais tarde chamar-se pagi - cada uma delas com um ou mais vici, estes com fortificação ou sem ela. Eis, como se nos afigura, o panorama pelo menos no séc. VII, quando já as paroécias se iam desmembrando em parrochiae, instituídas em oratoria villaria (ou basilicae) Assim se compreenderá o papel da civitas (que também poderia chamar-se nesse tempo castellum) como «ressort» paroquial. A designação castellum seria mais geral (embora não mais numerosa) que vicus (considerado parte ou acidente da villa - esta, porém, podendo não conter vici, quando a população fosse dispersa), como a designação civitas era mais geral do que pagus, em aceção primitiva deste. As leis visigóticas tanto podem interpretar-se pela sinonímia quanto pela diversidade em frases como « civitate vel castello iubeat exhibere» e em enumerações, tais como «civitas, castellum, vicus aut villa», 56 - devendo notar-se a ausência de pagus, precisamente, porque, repetimos, o pagus, com o tempo, veio a transformar-se em caso particular de qualquer das quatro feições de agregado populacional, até degenerar de todo em ager. Teve, pois, a instituição paroquial o seu início e o seu desenvolvimento no territorium civitates, - o que não quer dizer que todos os territórios fossem, desde logo, tornados em paroécia. E não nos parece aceitável a doutrina de I de La Tour de que «a paróquia surgiu onde quer que se tornou necessária a sua criação» por aglomeração humana, sem qualquer ajustamento a uma «divisão regional ou administrativa». Confunde-se justificação com possibilidade, quando é certo que nem sempre ou raro andam juntas. Não é possível admitir, por exemplo, que no séc. VI se erigiu a

____________________ «Cada conventus abrangia muitas dezenas dessas pequenas nações» chamadas civitates»: Alberto Sampaio, As Vilas do Norte de Portugal, p. 23. Acrescenta o autor que «cada cividade ocupava, pois, uma circunscrição -ager (no sentido de território), maior ou menos». 56 Código visigótico, IX, II, 5; IX, I, 2. 55

pág. 36

vastíssima diocese de Egitanis apenas com três paroécias, incluída a sede episcopal, desmembrada de Conimbria, porque naquele dilatadíssimo terrritório do Erges ao Nabão e da Estrela ao Tejo houvesse, então, três aglomerados importantes. Outros deveria, sem dúvida, haver, e não eram paroécias. E devemos notar que as também vastas dioceses de Conimbria, Viseo e Luco não podiam conter nos meados do séc. VI, respetivamente, apenas nove, sete e quatro centros populacionais de vulto (tantas eram as paroécias constituintes), com a agravante de nem se tratar de bispados recentes. Isto, quanto à primeira parte da afirmação de La Tour. A segunda pretende alhear da divisão regional e da administrativa a paroécia. Mas o regional pode encarar-se geografica e etnicamente. O primeiro destes aspetos não favorece a pretensão, porque, se é certo que as paroécias que identificamos (e bastam as indubitáveis) se revelam alheias à geomorfologia (agravando-se, muitas vezes, com uma sede em posição totalmente extrema, como no caso de Ovinia), não o é menos que o mesmo sucede com as nossas circunscrições. A contrariedade oferecida pelo segundo desses aspetos regionais é mais evidente ainda: o facto de os históricos e distintos grupos étnicos, por isso mesmo chamadospopuli (palavra que chega a ser traduzida por «nações» por A. Sampaio), como os plinianos Bibali, os Coelerni pliniano-ptolomaicos, os Gigurri, osCopori, os Equaesi, Celtici, Triburi, Praestamarci, Pesici e outros, terem nomeado paroécias, que o Paroquial do séc. VI designa por aqueles mesmos nomes (prova da grande antiguidade da instituição paroquial em cada um desses populi, que já então pouco ou mesmo nada se poderiam distinguir, mantendo-se os nomes por tradição remota), esse facto, íamos dizendo, mostra que o regionalismo étnico ou tribal desempenhou um papel preponderante na génese da instituição, bem ao invés da pretensão de La Tour e dos seus sequazes, tanto mais que não podemos crer que, no território de cada um desses populi, apenas um aglomerado notável houvesse ou que, ao menos, outros não fossem surgindo à distância do respetivooppidum, sem que neles se erguesse parochia. Quanto ao administrativo, tão pouco se nota uma tal razão. Se a paroécia, como se prerende, se estabeleceu onde quer que fosse justificada por agregados populacionais e económicos, como é possível desligá-la dos quadros administrativos, se é certo que, com o estabelecimento destes, sucedia precisamente o mesmo? Populações e atividades representam por igual nas duas organizações - civil e eclesiástica. Além disto, era naturalíssimo que grupos tribais, como aqueles populi, se regessem por um administrativo próprio, de acordo com o bem conhecido espírito pragmático e objetivo da administração romana. A mostra disso é que, na região paroecitana que temos em vista (a abrandida pelo Paroquial suevo), não faltaram municípios romanos com nomes étnicos - prova de instituição sobre a respetiva tribo -, precisamente como havia paroécias de designação étnica: Forum Gigurrorum, paroécia de Geurros; Forum Bibalorum, paroécia de Bibali. O caso em que o nome administrativo, municipal, é étnico e o não é o nome eclesiástico, paroecitano, respetivo, em nada vai contra o nosso asserto, sendo clara a correspondência: Forum Narbasorum, paroécia de Aurias (no séc. VI elevada a sede episcopal), Aquae Celenae, paroécia dos Celenos (que também foi sede episcopal, transferida a Iria Flavia). O que este caso deverá significar é que as sedes civil e religiosa podiam não coincidir, - mas não é certo que, mesmo assim, não coincidissem, como revelará o caso de Aquae

Celenae, visto que foi uma sede episcopal.

pág. 37

Diz-se que «essas paróquias primitivas abrangiam grandes distritos e tinham a sede no respetivo centro populacional» 57 De facto, assim é, mas só quanto ao território. Mesmo quando as duas circunscrições, civil e eclesiástica, coincidiam - e devia ser, de início, o caso mais geral -, não era forçoso coincidissem as sedes. Não no-lo sugere apenas a razão natural, porque há, para mais não alegar, a expressão conciliar já referida: «intra civitatem vel in loco in quo est ecclesia aut castellum aut villa», etc. A ecclesia podia estar, portanto, na própria civitas, mas, igualmente, em qualquerlocus, que nem seria de obrigação um povoado. Há, porém, mais que considerar a este respeito. Passados já os meados do séc. VI, existiam no reino suevo, desde vários séculos, muitos centros ainda de grande importância, mas que no Paroquial não surgem, o que quer dizer que não eram sedes paroecitanas: basta pensar em Aquas Flavias, em Enegia, na Civitas Baniensis. Significará isso que não constituíam paroécia os respetivos territoria? De modo algum, em tão notáveis civitates: o que isso há-de querer dizer - e outra explicação nos não parece existir - é que a sede religiosa, por qualquer motivo (como dificuldades de cristianização inicial menores à distância da civitas), não estava naquelas povoações, mas num locus do territorium, povoado ou não, com o seu nome particular. Os casos de paroécias com denominação tribal poderão, muitas vezes, entrar neste número: os Tiburi tinham a sede civil em Nemetobriga, e, todavia, a paroécia recebeu e conservou um nome tribal, não, portanto, toponímico, o que leva a crer que a ecclesia se não edificou na civitas. Apesar de ter havido uma notável civitas de Aquas Celenas, sede civil dos Celeni, nem mesmo assim se poderia dizer que a religiosa paroécia dos Celenos coincidia, se não fosse o caso de ter sido sede episcopal. A distinção fica indecisa, mas a possibilidade pode ser um indício perfeito do que afirmamos.

4. Correspondência das divisões civis e eclesiásticas. Com lucro para a nossa doutrina, poderíamos desenvolver o que fica exposto; mas, além de um simples resumo nõ comportar um tal alongamento, parece-nos o que está o bastante para se admitir que foi a organização eclesiástica que, em todos os seus escalões, se adaptou ao civil. Não esta àquela, como se diz às vezes. 58Bastará notar que, quando a Igreja organizava os seus quadros, já as divisões administrativas romanas tinham séculos de uma proficiente função. O natural, pois em tais circunstâncias, seria a posterior aproveitar a anterior, Não há, assim, dúvida de que «a organização da Igreja espanhola no séc. VII obedeceu, em seu aspeto geográfico, por uma parte, à velha tradição hispano-romana, e,

____________________ Mons. M. de Oliveira, Hist. Ecles. do Portt., p.90. (No entanto, P. David, embora sem razão alguma, negou extensão às paroécias de pagi). Aquele mesmo autor, ob. cit., p.30, diz também que «a cada civitas presidia em regra um bispo». É uma ideia errada, , devida ao facto de chamarem sempre civitates as sedes episccopais. Pode perceber-se porquê: foram, primeiro, sedes paroecitanas, estabelecidas em civitates. A cada civitas é que devia, sim, xorresponder uma paróquia primitiva, se não em sede, ao menos em território, embora isso possa não ter-se dado simultânea ou imediatamente em todas elas. 58 Assim o P. Doutor Avelino de Jesus da Costa, O Bispo de D. Pedro, I, p. 4, etc., e muitos outros aurores. 57

pág. 38

por outra, às realidades do momento histórico».59Essa tradição, que faz recuar muitos séculos tal circunstância, vem a ser a divisão da Hispânia em cinco províncias civis, pela reforma de Diocleciano. O imediato aproveitamento que desta remodelação civil fez a Igreja, para assentar e definir as suas metrópoles, mostra, claramente, como era seu uso, por sua própria conveniência, o recurso às divisões civis administrativas. Na época visigótica, são ainda cinco as províncias eclesiásticas ou metrópoles aquém Pirinéus, coincidindo com as cinco grandes províncias civis (Galécia, Lusirânia, Tarraconense, Cartaginense e Bética). Assim sucedera anteriormente nos escalões inferiores, civis e eclesiásticos. De facto, precisamente na época de Diocleciano, quando aquele facto se deu no superior escalão e sendo a Igreja ainda, e mais que nunca, perseguida, reunem-se no concílio de Iliberis alguns dos quarenta bispos da HisPânia (os outros, representados), e aí se mostra «a existência de comunidades cristãs distantes da cidade episcopal e regidas por um presbítero ou diácono». 60Não podem deixar de ser as paroécias, o que desde logo nos fez evocar para a Galécia as que supomos mais remotas - aquelas que se instituíram nos populi ou divisões tribais. Por outro lado, devemos ter em vista o papel das civitates no campo paroecitano, tal como o deixamos definido: umas poucas delas, residência de um bispo; as outras, correspondendo a uma paroécia. Entre os dois escalões, o metropolítico e o paroecitano, situa-se naturalmente o médio, o diocesano, episcopal. Se pensarmos que no civil se dá o mesmo (no plano superior, a provincia, e no inferior a civitas ou territorium civitatis), não se dirá que a comparação é demasiado geométrica, ao ter-se em vista o escalão intermédio, o conventus juridicus, subdivisão provincial: ao conventus corresponderia, inicialmente, o bispado, como à provinciaum metrepolita e à civitas um diaconus ou presbyter. O facto de ainda em pleno séc. VI haver conventos jurídicos (melhor diríamos o território que constituíra o convento) que correspondiam a uma só diocese, como Bracara e Asturica, parece-nos expressivo de que assim devia

ter sido inicialmente, dando.se, depois, o desmembramento: algumas paroécias, cada uma com sede em civitas, elevadas à dignidade episcopal, o que é um facto em Lameco, Aurias, Tude, Portucale, Egitania, Calabria. Isto, porém, não significa que a sede do bispado, único de início no conventus, tivesse, necessariamente, de ser a sede deste, como decorre dos casos do convento Escalabitano (nunca tendo havido um bispo de Scalabis) e do convento Pacense (tendo sido Pace uma diocese de criação tardia, sé. VI). E, em prol desta doutrina, teremos de verificar a seu tempo que há uma perfeita coincidência entre as balizas diocesanas visigóticas, expostas no séc. VII no Provincial (a tal respeito, assaz caluniado), e os limites do convento respetivo obtidos por indicações alheias àquele monumento. Devemos ainda notar que, depois da queda do império romano, o vocábulo provincia surge numa aceção diferente do da reforma de Diocleciano, designando circunscrições civis menores, o dux à testa, as quais se subdividem em civitates, à frente o comes. 61 Eclesiasticamente as correspondêncas faziam-se, para a provincia, no bispado, e,

____________________ 59 L. Vásquez de Parga, La Division de Wamba, p. 13. 60 Sem tratar do nosso problema, refere o facto Mons. M. de Oliveira, Hist Ecles. de Port., pp. 30-31. 61 Gama Barros, Hist. da Admin. Públ., VII, pp. 393-390, não distingue substancialmente entre dux e comes, reputando-os a ambos chefes de província. Não parece de modo algum acertado, o que, porém, nos não é possível mostrar aqui.

pág. 39

para a civitas, na paroécia - melhor dizendo, em vez desta, um grupo de parochiae que haviam surgido na única primitiva. O caso da província é um - se não o único - em que o civil se foi apoiar no eclesiástico: o desenvolvimento humano que levara a fragmentar a diocese única, correspondente a um conventus, em vários bispados, conduziu, naturalmente, a um facto idêntico no civil, o desmembramento doconventus em provinciae, correspondentes aos bispados referidos. Nem isso admira quando a Igreja dominava toda a sociedade civil cada vez mais. Pouco a pouco, a criação de novas provinciae pode ter deixado de apoiar-se nas divisões episcopais, e vice-versa; mas o processus originário deve ter sido esse. Não nos é porém possível desenvolver aqui este ponto, que a muitos poderá parecer estranho. Nem por isso restará dúvida, ou assaz nos enganamos - o que sempre admitiremos -, de que, no civil, o territorium (ou civitas) evoluiu, na Reconquista, para terra, e, no eclesiástico, a paroecia para archidiaconatus). Ligando os dois casos, está por um lado, a correspondência que, naquele

segundo período, achamos, no primeiro período. À falta das considerações pertinentes, que demandariam maior espaço, limitar-nos-emos a exemplos. Recordaremos os que, no início deste estudo, apresentámos: as paroécias que o Paroquial suevo aponta além Minho surgem, na Reconquista, com os mesmos nomes nas funções de condados, comissos, decanias, isto é, num papel administrativo que tem ainda a importância de contrariar a exagerada tese do ermamento, já noutros aspetos tão frágil. Remetemo-nos, pois, para o que dissemos quando comprovámos a permanência da toponímia. A mesma tríplice coincidência se observa aquém Minho, nas paroécias bracarenses chamadas Pannonias, Laetera, Bregantia, Astiaco e Tureco, a que podemos juntar Vallartia e Aliste (não bracarenses de início, como veremos), com as «terras» civis de Panóias, Ledra, Bragança, Miranda e Lampaças e ainda os de Ferreira e Aliste, e estas «terras», por sua vez, com os arcediagos de Panóias, Ledra, Bragança, Miranda, Lampaças e ainda os de Ferreira e Aliste. Que alguns deles formassem ou não, mais tarde, um só arcediagado, o facto em nada se modifica. A sua junção (mostrando na pluralidade de designação coronímica a pluralidade anterior) tem, de resto, um paralelo cvil: várias «terras» reunidas numa só rico-homia (apanágio de um só rico homem) ou honor, sem que cada uma deixe de ser «terra». Se passarmos à diocese tudense, o mesmo encontramos e igualmente se manifesta nesta tripla correspondência: paroécia de Ovinia, Terra de São Martinho (civil) e Terra da Vinha (eclesiástica, um arcediagado). Não desejamos dar exemplos prévios senão com casos indubitáveis. Os restantes, que demandam investigação, ver-se-ão a seu tempo. Até naquela diocese em cujo território o número de paróquias ultrapassou mais cedo, pela multiplicação, o das circunscrições civis, se vislumbra suficientemente a primitiva correspondência. Trata-se da diocese de Portucale, em cuja parte ao norte do Douro (que era a única inicial) havia, de facto, no séc. XII, nove arcediagados: Maia, Refóios, Aguiar, Penafiel, Lousada, Gouveia, Benviver, Baião e Penaguião, 62sendo o de Lousada chamado também Meinedo. 63Havia sido este o nome de uma paroécia bracarense

____________________ 62 63

Censual do Porto, p. 493 (ano 1185). Ibidem, pp. 558 e segs. (faltando Refóios e Penaguião).

pág. 40

(Magneto), a qual se escolheu para sede do bispo de Portucale, diocese acabada de criar, enquanto, em nosso entender, o arianismo se não extirpava à roda desta civitas e nela mesma, como veremos. O Paroquial, à parte o caso

de Magneto, não contém nome algum que lembre aqueles: é que, nesse tempo (séc. VI), repetimos, já o desmembramento paroquial era muito profundo neste território: pelo que seria natural nenhuma das paróquias apresentar o nome de uma das paroécias. Por tal motivo, já nem consideramos tipicamente paroecitano este território no séc. VI, mas verdadeiramente paroquial. No civil é que a correspondência se apresenta flagrante (e não pode provar-se-lhe modernidade que autorize a pensar numa tal adaptação tardia do civil ao eclesiástico), visto que as «terras» possuem precisamente aqueles nomes. Exceto alguns casos de criação pelo prelado da diocese, os quais em nada alteram a questão de origem (o mesmo se verificando no civil), é, portanto, muito crível e natural que o arcediagado represente a paroécia; e, conforme os bispos que iam surgindo no território de uma metrópole, pela criação de novas dioceses, ficavam sujeitos ao metropolita, também os párocos das novas paróquias o deviam ficar ao da ecclesia mater inicial, ainda que difíceis de precisar tais relações. 64

____________________ Os clérigos dos templos que abundavam no território da paroécia eram clientes ou servidores do dominus da respetiva villa e, ao paroquializarem-se esses templos super se (nas condições expressas pelo Código Visigótico, V, I, 5 e 6, o que não podemos desenvolver aqui), tornavam-se delegados do bispo ou seus clérigos (P. Doutor Avelino Costa, ob. cit, I, p. 94, citando La Tour, Bidagor, etc., e achando «impressionante» que o número de arcediagados bracarenses seja precisamente o das paróquias da diocese apontadas no Paroquial suevo, p. 132 e título do capítulo na p. 106): ora, não se faria essa subordinação por intermédio do archipresbyter ou archidiaconus, delegado episcopal? 64

pág. 41

PARTE II

AS PARÓQUIAS SUEVAS

pág. 42 em branco.

pág. 43

I O PAROQUIAL SUÉVICO

CRÍTICA 1. Falsas razões da genuinidade do Paroquial. Depois do exame crítico de P. David, o Paroquial suévico redigido entre 572 e 582 - 585 é hoje considerado sem discrepância um documento fidedigno, «sobre o qual historiadores e geógrafos podem trabalhar com segurança», como aquele medievista garantiu. 65 Mas, ao ler-se com suficiente atenção a sua tese, conclui-se que a sua opinião de desaparecimento da toponímia paroecitana sueva (doutrina a que já fizemos as necessárias e breves referências) foi por ele lançada para colocar o Paroquial numa base de autenticidade. Reputando aqueles nomes «uma toponímia esquecida, ignorada», já no séc. XII, pelo que «um falsário do século XII» não poderia inventá-la, despertando ela, além disso, a maior estranheza, seguida de suspeita, e logo desprezo, nos historiadores e estudiosos, o documento teria de reputar-se autêntico e da própria época de que pretende ser. 66 Igualmente não será difícil concluir que são inoperantes as razões de fidedignidade que P. David encontra, no que vamos servir-nos do resumo circunstanciado e exato que delas fez um reputado historiador. 67 a) «A autenticidade do Paroqueiao baseia-se, sobretudo, na circunstância de os dados dele constantes serem inintelifíveis fora da data que lhe é atribuída». Podiam, porém, forjar-se outros documentos nessas condições e nem por isso seriam autênticos: bastava que os seus dados não fossem próprios de outra época. Visto que, como P. David alega, a organização paroquial informada pelo documento era ignorada posteriormente, seria impossível verificar a verdade daquela, de preferência a outra de que um falsário se lembrasse. Faltando, pois, dados coincidentes fornecidos ao menos por ourra fonte, não parece possível apresentar como provas intrínsecas da sua genuiidade as circunstâncias seguintes: - O documento, ao definir a Igreja dos Bretões, 68 revela o conhecimento do caráter particular das igrejas célticas, sendo ignorado como se pretende, já na Reconquista, o tempo de um possível forjador. Não se entende como é que há esse conhecimento hoje, e então, bem mais próximo daquele tempo, o não havia; e nem há prova da falta deste conhecimento hoje, e então, bem mais próximo daquela tempo, o não havia; e nem há prova da falta desse conhecimento. Ao contrário, poderia manter-se, ao menos, na região e, particularmente, na igreja de Mondonhedo, como herdeira de Britónia. - «No séc. XII, ninguém, nas chancelarias episcopais, não somente na Galiza, mas de todo o ocidente, tinha a noção do que era no sé. VI a organização das paróquias rurais, tal como no Paroquial se apresenta. (») O argumento vale tanto como o anterior. Se não se tinha ideia há oitocentos para mil anos, como é que agora se tem? Supondo mesmo que disso se sabe hoje por outras fontes (o que não é verdade, pelo menos para o nosso território, pois que se trata apenas do Paroquial, no que assenta todo o

defeito do raciocínio), era bem mais fácil sabê-lo nesse

____________________ 65 Étud. Hist., p. 82. 66 Ob. cit., p- 75. 67 O Prof. Dr. Torquato Soares, REflexões, 1, p. 156, nota, pelos Étud Hist., p. 71-77. 68 Étud. Hist., pp. 44 e 57-63.

pág. 44

remoto tempo da Reconquista, como mais vizinho dos factos, e mais provido delas. De resto, a expressão «organização das paróquias rurais, suposta numa organização então diferente de depois, apenas pode referir-se ao número. 69 Ora vem a ser o mesmo P. David a apresentar os exemplos de que, afinal, existia esse conhecimento que nega, isso para a própria época do Paroquial: na Gália, dioceses do séc. VI com quatro, com quinze, com trinta paróquias, 70 a panorâmica paroecitana exata daquele mometno. E isto não podia ser conhecido na Península e em todo o Ocidente até o séc. XII, e conhecer-se hoje? b) Outra alegação de autenticidade assenta na coincidência de nomes do Paroquial com o de oficinas monetárias suévicas e visigóticas, «localidade que hoje é impossível de identificar e que não eram mais bem conhecidas entre o séc. X e o XII», por se tratar de uma toponímia praticamente ignorada na época de Reconquista». Nos preliminares deste estudo, vimos já que tal não é exato, quantoà toponímia; e podemos dizer mais: que nada prova que, se se possuísse hoje maior quantidade de documentos da Reconquista, de que bem poucos temos, os dados toponímicos paraoecitanos não seriam muitos mais, visto que tantos se nos deparam nesses poucos. Quanto à toponímia numerária,é bastante lembrar que, se hoje nos restam moedas que repetem nomes paroecitanos, muitos mais deviam aparecer e existir outrora. Não faltariam, pois, a um possível falsário os instrumentos da fraude. Depois, para que serviria uma fraude toponímica, se essa toponímica situava os dados do falso no tempo mas não no espaço? Tenho observado que certos autores desprezam os dados toponímicos como falsos se for apócrifo o seu documento: pelo contrário, se falso este, maior razão para o não serem eles.

2. Sentido do termo «pagus» no Paroquial suevo. Deveria este assunto merecer-nos um capítulo à parte, mas, atentas as suas finalidades, tendentes a firmar a genuinidade do Paroquial, e tendo ainda em vista o resumo a que somos apertados, terá de figurar como um simples

aspeto de crítica daquele documento (no original, monumento). Não está, evidentemente, em jogo a justiça da definição de pagus como é costume dar-se, e nem mesmo a noção que temos dele, o que tudo já foi exposto preliminarmente. No entanto, algumas palavras diremos ainda da ideia que os autores têm de pagus para avaliarmos o grau de coerência com o caso paroecitiano. Nisto reside o nosso problema, e não na definição. Sendo tal ideia a de grupo populacionalmente distinto, em seu território à parte, e naturalmente de nome tribal, seria de esperar que, se o pagusdo Paroquial fosse isso, deveriam as paroécias de nomes étnicos ser indicados neles como pagi, que é uma distinção ou separação nele feita para a diocese primitiva de Braga. 71 Ora não é isso o que observamos com as mui numerosas paroécias de populi, de tribos especiais, que sobretudo

____________________ Esta ideia da «organização das paróquias rurais», poderíamos nós ligar o facto de, em Braga, se arrolarem as de pagi à parte; e, igualmente, chegar-se-ia, deste modo, a um desmentido da argumentação de P. David, pois quepagus, como a seguir veremos, não tem no paroquial o sentido próprio que lhe dá. 70 Étud. Hist., p. 13. Um caso refere-se mesmo a paróquias que P. David diz «de pagus»; no entant, poderiam ser paroécias eretas «em pagus», o que não é o mesmo. 71 Por igual se verifica nas de Tui e Porto, mas, como estas acabavam de ser separadas de Braga, consideraremos, para todos estes efeitos, uma única diocese: Braga, abrangidas aquelas. 69

pág. 45

existiam além do Minho: as que ainda no séc. VI se denominavam etnicamente, cada qual com seu distrito próprio (separado mesmo no administrativo). É o caso das dos Bibalos, Geurros, Teporos, Celenos, Pesicos, Coporos, Pestemarcos, Celticos, Equesios (as «nações» plinianas e plinianoptolomaicas dos Bibali, Gugurri, Tiburi, Coelerni, Pesici, Copori, Praestamarci, Celtici, Equaesi) e de muitas mais, algumas até no atual território português (Camianos, Francos, Carantonis). 72 Destas paroécias, que todas deviam ser pagi no sentido próprio, nenhuma é considerada como tal naquele monumento; mas, para maior contraste, são-no, sem exceção, outras cujos nomes não revelam grupos distintos, tribais: Ovinia, Laetera, Berese, Mandolas, etc. Se os pagi se arrolaram à parte no Paroquial simplesmente para marcar nas respetivas paroécias uma diferença populacional-territorial (caraterística do pagus), o mesmo deveria fazer-se com aquelas cuja organização nesses sentidos se diferenciava dos pagi e de outras, o que será o caso de paroécias de existência ou pelo menos a fundação em domínios, tais como Curmiano, Carisiano, Cantabriano (fundi) e Marciliana (villa). Pois não sucede assim. A primeira singularidade, por+em que logo ressalta nem sempre é de qualquer destas. Já P. David notou que, «para três dioceses (Braga, Porto e

Tui, até então uma só, e assim consideraremos sempre nesta discussão), as paróquias de pagi são nitidamente distinguidas» no documento.73 Não nitidamente apenas, mas intencionalmente, não deve haver a mínima dúvida: e qual essa intenção? Nas outras dioceses, não podia deixar de haver também pagi, e aquela mesma expressão de P. David nos revela ser essa também a sua ideia. Não obstante, descuidou-se totalmente de buscar uma razão do facto, e até denota que nem sequer lhe acudiu que pudesse haver um motivo para apenas se distingirem os pagi: e numa só diocese inicial, para mais. A distinção faz-se no Paroquial desta maneira: de um lado, as paroécias consideradas ecclesiae; do outro, as paroécias consideradas pagi, nitidamente qual se estas não fossem ecclesiae como aquelas. Tal facto, aliado aos de se fazer essa distinção apenas na primitiva diocese de Braga e de em nada poder interessar ao eclesiástico que uma paroécia fosse ou não um pagus (a origem, a organização, a essência, a finalidade paroquial nunca podiam diferir por isso, diga-se o que se disser), pode muito bem orientar-nos para a solução do problema, com a ajuda de um quarto indício: o sentido religioso que o termo pagus assumiu já mui remotamente. Dele se derivou paganus, qualificativo não só do indivíduo ou do local de fé contrária à que vigorava entre as populações que assim os qualificavam ou que eram ortodoxas, mas também dos próprios ímpios ou dos desviados à heresia. Para se notar a antiguidade deste sentido, basta atender-se a que ele se fixou

____________________ Será permitida neste ponto uma breve nota, relatva ao sentido degenerado de pagus, que definimos em preliminares: assim denominados os próprios fragmentos dispersos de um pagus legítimo. No Paroquial suevo, a par depopuli ou tribos cujos nomes designam paroécias, não se encontram paróquias que tragam os nomes de outras tribos ou populi, por vezes ainda mais notáveis que aquelas: Limici, Turodi («oppidum», Aquas Flavias), Lemavit, Neri, Grovii, Helleni, Leuni, Seurbi, etc. Notamos que, em geral, os seus assentos correspondem a zonas de multiplicação paroecitana, já no séc. VI: no território dos Turodi, as paroécias da região de Chaves; no dos Grovii e Helleni, algumas das oito paroécias bracarenses que passaram à nova diocese de Tui; no dos Leuni, as restantes dessas; no dos Seurbi, as bracarenses de entre o Lima e o Cávado. Era natural, em casa caso, uma paroécia única de início, a qual se fosse desmembrando (o que podia suceder também no administrativo civil), ao mesmo tempo que, por influências estranhas, se daria uma descaracterização étnica, no caso de se tratar de pagus. 73 Ob. cit., pp. 16 e 69-70. 72

pág. 46

naturalmente numa época em que ainda o vocábulo pagus vigorava, ou seja, antes, talvez muito, da conquista muçulmana.74 Assim caímos na época sueva. Mas este indício é talvez o menor de todos. Conhece-se também o horror que então inspirava tudo o que fosse herético, sobretudo ariano: «on sait l'horreur (escreve P. David) a propósito, precisamente, da liturgia do tempo do

Paroquial) qu'inspirait aux catholiques occidenteaux tout ce qui était arien».75 Por outro lado, por esse tempo só se chamava ecclesia à assembleia legítima dos cristãos, como o mesmo autor lembra (sem tratar, claro está, do nosso problema): «Le mot ecclesia signifie d'abord la communauté régulierement assemblée, le conventus legitimus des chrétiens».76Quando, portanto, o Paroquial põe, de um lado, as ecclesiae e, do outro, nitidamente a elas contrapostos, os pagi, outra coisa não pode o facto significar que a existência de paroécias ainda na fé ariana, ao tempo da organização desse documento, claramente antí-heréticos, por ser de inspiração martiniana. Esta conclusão ficaria suficientemente abonada com as circunstâncias expostas, tanto mais que foi até então o arianismo o maior problema social dos reinos germânicos, fundados sobre a romanidade, e que a época do nosso documento é a crucial dessa heresia na Suévia; mas outras várias circunstâncias históricas coevas no-lo demonstram, as quais passamos a ver o mais rapidamente possível. Acabava de dar-se a conversão definitiva dos Suevos ao catolicismo. A obra, porém, de S. Martinho de Dume, da recondução da Galécia ao cristianismo integral, ainda não estava completa: aqui e além, naturalmente, persistiam alguns focos de heresia (pagi), resistindo o arianismo em algumas paroécias, sobretudo, como se compreende, nas das regiões extremas da diocese- A situação dos pagi está de perfeito acordo: correspondem à região oriental, hoje transmontana, e aos extremos de noroeste (Tui) e de sudoeste (Porto). Nisso não pomos dúvidas, e nem preciso é proceder a localizações e menos ainda a identificações.77 Por outro lado, procede o Paroquial da assembleia de Lugo, anti-ariana destinada, expressamente, à restituição e consolidação do catolicismo, «ad confirmandam fidem catholicam»,78 o que esclarece a questão. A existência de pagi nessas condições apenas na diocese de Braga em os seus paralelos hostóricos no facto de os Suevos haverem sido renitentemente arianos (provam-no, pela insegurança revelada na ortodoxia, as suas duas conversões) e no facto de terem habitado «certa zona predominantemente»,79 a qual é a bracarense, com expansão gradual para o Minho e Douro, e o atual território transmontano.80 São, exatamente, os extremos chamados pagi porque ainda neles funcionava a heresia quando se lavrou o Paroquial.

_____________________ Mons. M. de Oliveira até diz que «foram os pagani a última conquista da pregração cristã»: As Paróquias Rurais, p. 23. 75 Ét. Hist. , p. 95; e dava-se o mesmo com o priscilianismo: «en Galice tout ce qui paraissait propre aux sectateurs de Priscillien inspirat l´horreur»: Ib. , p. 90. Era muito natural que alguma paroécia ainda então fosse prisciliana pelos seus usos: Ib., p. 180 (onde, como é óbvio, não se trata do assunto que debatemos). 76 Ob. cit., p. 7. 77 Pagi (genuínos) devia, claro está, havê-los por todo o território. É por isso nuito sintomático, para nós, que os pagi paroecitanos se localizem apenas na cristandade bracarense primitiva e, nas regiões extremas: revela-se no facto o avanço da recondução ao catolicismo a partir de Braga, transformadas as paroécias mais vizinhar, mais cedo e mais facilmente, em ecclesiae (no sentido católico). 78 Ob. cit., p.30 (Texto do Paroquial). Cremos por isso mesmo que o documento data de 572, ou, melhor ainda, logo de 569 (assembleia conciliar de Lugo). 74

79 80

Esta expressão é do Dr. F. Veloso, A Lusitânia Suévico-Bizantina, p. 35. Prof. T. Soares, Reflexões, I, pp. 143, 157, etc.

pág. 47

Uma das razões por que então se erigiam as novas dioceses de Tui e Porto (Portugal), desmembradas de Braga, se não foi ela a principal, parecenos ter sido precisamente a necessidade de confiar a prelados próprios a extirpação desses resíduos da heresia. A sede em Portucale (Porto), quanto a nós, sem dúvida que se decidiu logo, pela importância do lugar, mas não teve efetividade imediata em razão de se tratar de uma paroécia ariana com numerosas outras, arianas quanto ela, rodeavam imediatamente, como a seu tempo veremos.81 A própria ampliação da diocese de Braga para além do TuaTuela, através de extensas paroécias «paganas» (ampliação essa que, como haveremos de ver também, data de então), em detrimento de Astorga, sede que estava em condições menos propícias que Braga para o efeito, deve ter obedecido ao mesmo desiderato, propondo-se exercer aí S. Martinho de Dume diretamente essa ação final. Outra circunstância decorre concordando com a nossa tese. O arianismo suevo era particularmente intenso no núcleo da Suévia, a região bracarense: daí que, fora desta diocese, se não apontem no Paroquial pagi. É que as paroécias «paganas» que porventura nessas regiões exstissem haviam sido reconduzidas com mais facilidade à ortodoxia. Finalmente, é costume atribuir-se um grande papel a S. Martinho de Dume «não só criando novos quadros (diocesanos), mas também promovendo o desenvolvimento da vida religiosa rural, bem evidente no avultado número de paróquias da sua diocese».82 É isto o mesmo que dizer que a ele se deve a instituição de pelo menos um elevado número delas, o que por nada, em absoluto, se pode provar.83 As paroécias, tirante uma ou outra então ereta, vinham como de antes, e o que ele fez sovre elas foi principalmente restituí-las ao grémio legítimo dos cristãos, transformá-las depagi em ecclesiae.

3. Considerações sobre as variantes toponímicas. Os nomes das paroécias (os nomina parochialia ou paroecitanos) apresentam-se-nos no Paroquial, sob dois aspetos: o fidedigno e o deturpado. Este, por isso mesmo, deve procurar-se o melhor possível, pelo estudo do sentido e grau da depravação. As formas fidedignas podem ser mais que uma, em cada caso. Além da original, isto é, da forma do próprio original do monumento e que podia coincidir com a originária,84 há a considerar formas da evolução, pois que os copistas, tratando-se, como é um facto, de um documento utilitário, atualizavam os nomes na sua época, sempre que podiam (ou julgavam poder fazê-lo). Os casos de equívocos, por tal via, devem ser os

____________________ O caso dos dois bispos simultâneos de Portucale, um ariano (Argiovito) e outro católico (Constâncio), ainda anos depois de organizado o Paroquial, parece-nos refletir esta circunstância claramente. 82 Prof. T. Soares, ob. cit., 1, pp. 158-159. 83 Aponta-se uma única, Pannonias (aut. e ob. cit., I, p. 158), mas com razões equivocadas e totalmente inaceitáveis, - uma delas ser esse nome o da pátria de S. Martinho de Dume. Mas uma coisa é Pannonia e outra é Pannonias, sem precisar de alegar-se mais, pelo menos por agora. Os sábios eminentes e os "consagrados académicos e universitários" (como nos opõe, comprometendo-os, J. Mattoso), não gostam nada disto, e compreende-se. Um deles foi o autor citado no caso (T. Soares), o qual não ficou a "gostar" nada de mim. 84 Isto é, com a primitiva forma do topónimo. Este, de facto, podia ter já evoluído no séc. VI, mas não tantas vezes e tão gravemente como pretende P. David, Étud. Hist., p. 29. Nem conhecemos suficientes casos, além daqueles que a terminação - bria revela (de -briga): Torbria, Tongobria, Senabria. As mais das vezes, ainda a forma original devia ser a originária, o seu étimo ou forma primitiva do topónimo. 81

pág. 48

mais raros, e nenhum descobrimos. São casos de genuinidade as formas Pannonias e Pan(n)oias, Senequino e Senequio (i nasal), Leporeto e Leboreto, Truculo e Truluco, Auneco e aunego, Tureco e Turego, Astiatico e Astiatigo, Carioca e Carioga, Venecanos e Vereganos, Langetude e Langetue, Berizo e Berzo. Não nos alongaremos com explicações fonéticas, que são elementarmente evidentes. Daquele modo, pode suceder que o documento, em alguns casos, não revele mesmo a forma original, desde que nele figure apenas a evolução (que, todavia, até pode faltar). As formas deturpadas, por sua vez, procedem de várias causas, as quais, depois do necessário estudo, que aqui não podemos desenvolver (apresentamos apenas os resultados), descobrimos terem sido as seguintes: 1) Confusões provenientes de escrita visigótica: do a com u (e viceversa), como Laetra-Luetra, Ad Portum-Ad Postam, Ciliotao-Ciliotuo, LetunioLetania, Tureco- Tarego, Palantucio-Palantatio, Toraca-Toruca, AonzoasteBonus Zoust,; de i com l (e vice-versa), como Coleia-Colela, Taboleia-Tabulela, Celo-Ceio; de s com r, como Vesugio-Verugio, Vasea-Verea, A Portis- Ad Postis. Outras confusões devidas a semelhanças gráficas: de t com r (CortisCottis, Atavoca-Aravoca, Lutbine-Lurbine, Centendonis-Carandonis, JutresJurres); de c com t (alguns casos em deturpações já, como Certis-Cercis, Letera-Lacera, Nestis-Nescis, Tuentia-Tuencia, Annosce-Anoaste, MartilianaMarciliana, Lambrenton-Lambrencio; de c com g (Ciliolis-Giliolis, CetaniaGetanio, de e com c (Lenicto-Lemeto, Cereis-Cercis); mesmo de n com fl (Nandolas-Flandolas, Napolles-Flapolet); das letras m, n, u (vogal) e u consoante, i vogal e i consoante, isoladas ou em grupo, entre si; e das diversas vogais, entre si igualmente. 2) Casos de pronuncia do copista, sobre consoantes que deviam cair normalmente e, por isso mesmo, provocavam na sua glote tal fenómeno, inconscientemente: Aglio-Ailio; Salinense-Saliense 85 podendo, todavia, ser evoluções, isto é, formas autênticas.

3) Preocupações de interpretação de um nome desconhecido e de efeito rebarbativo, por um lado, conhecido: Cottis-Gotis (Gothis), em vista um nome étnico familiar, tanto mais que abundava nos deste género; ; AntunaneAsturiane, outro falso nome étnico: Bonzoaste-Bonus Zoust, parecendo querer ver-se em Bon- o lat. bonus, 86, Loncoparre-Ludoparre, supondo-se o lat. lucus e ludus; Omina-Omnia, talvez pelo popular lat. omnia, se não é antes um simples erro de leitura; Anoaste-aquaste, ligando-se ao lat. aquas.87 4) Erros de ortografia, um facto de todos os tempos, mas que os autoresm que saibamos, nunca fazem entrar em jogo: Cotis, em vez de Cottis (se não Cottis em vez de Cotis), Lametto em vez de Lameto, Panoias em vez de Pannoias. São estas as causas mais frequentes da deturpação. E nada impede (o contrário seria incrível) que estas, por vezes, fossem tão longe que nenhuma das formas de determinado nome seja genuína. Tais nos parecem os casos de Tuentica, Aunone, Ciliotao, e julgamos que ainda Ominam com suas variantes.

____________________ A primeira impressão seria a de que se trata de formas ambas genuínas, uma delas a evolução da outra. Basta, porém, o caso de Salinense, que não podia ter aí evoluído para Saliense (i nasal) visto que, hoje, sem a mínima dúvida (como até vimos em preliminares) é Salnés. 86 Não é menos singular o caso de ter Argote pretendido fazer corresponder Aquas Fl(avias) a Aquaste, variante de Anoaste:cf. o P. Doutor A. Costa, O Bispo D. Pedro, I, p. 137. 87 Atenda-se à nota anterior. 85

pág. 49

A fim de evitar alongamentos, prescindiremos de explicações fonéticas demoradas e da justificação da escolha de uma forma de preferência a outra, quando procurarmos localizar ou identificar as paroécias: e isso porque tais explicações são elementares, e porque o principal dessa justficação (a razão das depravações) fica desde já elucidado.

4. Razões da fidedignidade do Paroquial suevo. Depois de todo o anteriormente exposto, é este monumento para nós um documento fidedigno, pelas razões seguintes (e não pelas que P. David apontou e que foram aceites sem qualquer dúvida pela nossa historiografia): a) A perfeita realidade de várias formas de um mesmo topónimo em numerosos casos. Revelando-se entre as variantes uma forma original, ou, pelo menos, muito vizinha dela, e formas de evolução fonética, possui-se, desse modo, uma trajetória temporal do nome, a qual só poderá compreenderse por uma diuturnidade de uso indubitável. Logo, existiram e persistiram (se não até hoje, pelo menos suficiente tempo) esses nomes, o que se confirma com a sua propriedade linguística. 88

b) O especial sentido em que o documento empregou o termo pagus para a diocese bracarense inicial, designando três grupos de paroécias. Esta sentido (paróquias ao tempo ainda heréticas ou «pagãs»), liga-se a certas circunstâncias, uma das quais, sem ele, se interpretaria inexacta ou pelo menos muito exageradamente (a instituição do maior número dessas paroécias por S. Martinho de Dume) e outra nem mesmo se explicaria: dois tipos de instituições paroecitanas (quando há apenas um), visto que umas paróquias se dizem ecclesiae e as outras se rubricam de pagi, como seecclesiae também não fossem. c) O facto de várias catedrais terem aceite o documento na mesma época, simultaneamente tanto servindo-se dele, como submetendo-se ao seu conteúdo, o que já sucede no séc. XI.89 Sendo certo que várias adavam então em acesas discussões territoriais, o documento não se iria inventar para as srevir a todas, simultânea e contraditoriamente. Acrescem os retoques e as interpolações que apresenta (como as de Aliste e Vallaritia), promovidos pelas conveniências de umas sés contra as outras. O documento era então considerado uma escritura venerável, de indiscutível legitimidade, pela sua própria vetustez, já então insuspeitada. 90 d) A distribuição perfeitamente coerente do povoamento revelada na distribuição das paroécias: raras e muito extensas na região hoje transmontana e ao sul do Douro (referindo-nos apenas no nosso território); frequentemente ao norte do Ave e ocidente do ____________________ A esta se referiu também P. David: «os especialistas, logo à primeira vista, encontram aí camadas sucessivas de nomes de lugares, os substratos mediterrâneos pré-latinos, nomes célticos numerosos, nomes de domínios hispano-romanos»: Étud. Hist., p. 75. Um falsário nunca os inventaria, é certo, mas poderia servir-se deles, desde que, como é facto, existissem no seu tempo; e o documento resultava, assim falso, mostrando uma certa feição de organização paroecitana como poderia mostrar outra. 89 Braga serviu-se dele, em 1078, contra Orense: L. Fidei, nº 21 e 619 e, em 1103, contra Astorga: L. Fidei, nº 6 e 588 (bula papal em que se chama Ledra e Aliste «parrochias», o que só pode provir de informação prestada por Braga sobre o Paroquial, visto que, já do séc. XI para o XII, as paróquias são muitas em Aliste e Ledra). A própria chamada «divisão dos condados de Lugo» (L. Fidei, nº 11) reflete o Paroquial e denota o seu uso pela sé de Lugo. 90 «tempore ipsius regis Teodemiri… diviserunt ad cathedra Bracarencem ecclesias et parrochias» (e citam-se Cotis, Equisis, Vergantia «et alias»): L. Fidei, nº 21 e 619 (1078). 88

Pág 50

Tâmega, e de grande densidade ao sul do Ave-Vizela, mais ou menos a extensão que foi separada de Braga como diocese portucalense. Esta última circunstância está também de acordo com a inegável e crescente valorização sueva da cidade de Portucale e do respetivo território, a origem, já nesse tempo, da Província Portugalense (da Reconquista). 91 e) Finalmente, e esta nos parece uma das circunstâncias mais flagrantemente abonatórias, a concordância do Paroquial com outro documento eclesiástico pré arábico, a Divisio Wambae ou Provincial visigótico, que fixa a extensão de cada bispado por quatro pontos axiais opostos. A Divisio

Teodemiri ou Paroquial suevo também fornece essa extensão, não por limitações, mas pela distribuição das respetivas paroécias. Se num dos documentos fosse possível identificar, em cada caso diocesano, as quatro balizas e, no outro, em cada caso ainda, localizar as paróquias, deveríamos verificar uma coincidência de extensões definidas por essa dupla via; e, verificada ela, autenticar-se-iam os dois documentos reciprocamente. Veremos que é isso o que realmente sucede. 5. O método para as identificações paroecitanas. Pretenderam P. David e V. de Parga fornecer-nos, respetivamente, «un texte critique du Parochiale sueve» 92 e «el texto primitivo do Provincial visigótico.93 As pretensões são surpreendentes, em tanto que o primeiro considera desaparecida a respetiva toponímia e o segundo a sua como inidentificável ou mesmo fabulosa. Fabulosa ou inidentificável, autêntica mas desaparecida, como lhes seria possível apresentar de preferência uma forma de cada nome, entre tantas variantes com que ele ocorre) Como nesta segunda parte tratamos do Paroquial, referimo-nos apenas ao caso de P. David. Procurou este restituir o texto do documento através dos oito ou nove exemplares ou lições que dele restam e da toponímia suévica e visigótica,94 e, sem declarar em que se baseia, apresentou uma lista única, com a anotação das variantes de cada nome. Acontece mesmo não figurarem em qualquer lição alguns nomes da sua lista. A este pretenso texto crítico falta, pois, a base, além de repousar sobre circunstâncias históricas inaceitáveis. Quanto a nós, buscámos proceder o mais rigorosamente possível, da seguinte maneira, única que, entre tantas dificuldades, nos pareceu aconselhável: a) Primeiramente, intentámos investigar e escolher a forma mais provavelmente real, tendo em vista o quádruplo aspeto em cada caso: a forma originária, a forma original, as formas evoluídas (ou atualizadas pelo copista) e as depravadas. Quanto a este assunto, já nos manifestámos, sobretudo no tocante às deturpações, o bastante para nos alongarmos, a nossa preocupação neste estudo.

____________________ Uma tal origem poderia deduzir-se por outras vias confirmativas, entre as quais o facto de aquela província aparecer na Reconquista com um grande valor, - precisamente quando a cidade que lhe dava a designação não só não era a sede do seu governo (civil) como até se encontrava em estado de insignificância e obscuridade (em que se manteve até inícios da nossa Monarquia). Evitando repetições, ver, sobre o caso, os nossos estudos Do Porto Veio Portugal, pp 17-20, 17-30 e 68-88, e Intervenção de Lamego (1995), pp- 121-124, etc. De 91

resto, uma província de Portucale na época sueva está dentro da possibilidade histórica que sobre provinciae apontámos em preliminares do presente estudo. 92 Étud. Hist., p. 18. 93 La Division de Wamba, p. 59. 94

Sobre as fonts paroquiais suevas, ver P. David, Étud.

Pág. 51

Hist., pp. 29-30 crítica ib., pp- 20-29.

b) Obtida, assim, pelo menos uma forma genuína, o nosso trabalho continuava com a busca do topónimo que, na região apropriada, lhe conviesse e se lhe assemelhasse. c) Seguidamente, operámos fonologicamente, ainda que sob o inconveniente da aplicação de um método glotológico com tal ponto de partida. Mas supomos que a ninguém se pode deparar diverso caminho. d) Finalmente, numa sorte de confirmação, procurámos verificar se o nome em estudo se harmonizava com certas circunstâncias históricas que, exatamente por isso, já anteriormente expusemos e que, resumidamente, são: - Em cada diocese, uma distribuição de nomes (o mesmo que de paroécias) a mais uniforme possível, isto é, sem grandes vazios nem demasiada acumulação, exprimindo uma densidade paroecitana aceitável, relativamente não só ao estado atual, mas, sobretudo, ao que se sabe da densidade de povoamento histórico em determinados territórios (o que é variavelmente típico na primitiva diocese de Braga). - Uma correspondência, ao menos aproximada, do número de divisões civis (territoria civitatum) ao de paroécias tendo como sensivelmente representantes dessas divisões no civil as «terras» da Reconquista (os arcediagados) não só a tais divisões civis, como às paroécias iniciais, - sem esquecermos que não eram iniciais todas as da Suévia e, portanto, as do Paroquial, porque muitas desse tempo já haviam resultado de desmembramentos (como é típico na densa diocese portucalense). - O facto de, quando se organizou o Paroquial, as paroécias arianas (pagi) não deverem manter-se dispersas ou isoladas entre as ortodoxas (ecclesiae), mas acumularem-se, suficientemente, em certas zonas, devendo recair numa destas situações de cada pagus – o que tão sintomática e espontaneamente nos resultou que desse modo chegámos à ilação de três zonas de acumulação pagana, principais. - A revelação ou o indício de sede paroecitana pela existência de templos que constituíssem o núcleo do «grupo paroquial»: uma igreja central ou mãe (ecclesia mater), dedicada a Santa Maria, a partir do séc. VI (até então sem titular); outra batismal (ou batistério), dedicada a S. João Batista; e mesmo uma cemiterial, que, por motivos que aqui não podemos descrever, supomos dedicada a S. Salvador, - não se devendo exigir senão uma proximidade relativa, pois poderão considerar-se as mais das vezes templos cujos oragos apenas refletem a tradição do remoto vigor daqueles nas proximidades, ou seja, não representarão sempre diretamente os da sede ou capital paroecitana. - Por fim, certos dados arqueológicos, como a existência de oppida ou civitates no local fixado ou presumível, ou ainda próximo dele. A maior dificuldade que oferece o «Parochiale» advém da falta do seu arquétipo, resultando indispensável um texto crítico. Circulo vicioso, porém: só o conhecimento das correspondências atuais poderia fornecê-lo, para excluir as variantes não condicentes, ou seja, as deturpações. É que muitas variantes são válidas, como atualizações efetuadas no tempo das cópias, no qual as correspondências ainda se conheciam. Distinguir entre uma e outras é uma tarefa fundamental, naturalmente de caráter fonológico. A história e a arqueologia são mais contribuídas nisto que contributivas; mas a arqueologia

poderá ser naturalmente confirmativa – e é o que, repito, vai sucedendo (Lurbine, Ad Portum, Osonio, Carantonis).

pág. 52 mapa.

As villae na época do "Parochiale"suévico (retângulos laterais: as "villae" no atual e Viana do Castelo pelas povoações atuais (retângulo superior)

e pela documentação (retângulo inferior)

Pág. 53

Separadas ou joeiradas no possível as deturpações, é necessário no mesmo pé decidir, ao menos provisoriamente ou como base de trabalho, em cada caso, a forma direta – que pode não ser já a primitiva, isto é, a do arquétipo, por efeito das atualizações inegáveis. O caso inverso é o de não haver uma única forma íntegra, por efeito das deturpações. São inegáveis os exemplos de ambos os grupos. Mas o que a tudo isto sobreleva e tem de estar presente, caso por caso, é ser o do «Parochiale» um texto sintático, apesar de se tratar de simples relações nominais. São perfeitamente distinguíveis dois grupos: - Boa parte dos nomina parochialia em causa neste estudo são ablativos do singular, exprimindo a situação da igreja ou sede no próprio local do nome. Assim, Magneto significa «in Magneto ecclesia sita». Mesmo que na segunda metade do século VI se não declinasse já, tal sintaxe resultaria do próprio texto, isto é, este exprimir-se-ia declinando como se não apenas nominal ou precisamente porque, de maneira sucinta, o era. Tomarei, pois, como diretas as formas oblíquas, até porque não havia diferença sensível da direta para a sua oblíqua no topónimo assim expresso. - Outros são ablativos do plural, e no seu grupo devem estabelecer-se três conjuntos: um de relações tópicas ou de situação, e assim Oculissignifica «ecclesia ad (ou apud) Oculos sita»; outro de relações utilitárias (ou populacionais), o caso de Equesis significando «ecclesia ad Equesios servata»; e o terceiro de relações extensivas ou espaciais, pelo elemento alongado» ia átono, o caso de Carantonis scilicet Carantonia, significando «Carantoniensium locus» e também «ecclesia ad Carantonienses servata». Tomarei, pois, de tais casos as formas em -os (Oculos, Equesios) e nesse último o alongamento (Carantonia); mas, como as formas em -is nem sempre, embora coincidentes em tal, remetem a um caso direto, sendo, pois, reais, utilizá-las-ei com o critério devido lutando contra 0 referido círculo vicioso (tomando, por exemplo, Ceresis, Taubis, e não *Ceresos, *Taubos). Na toponímia pré-romana, as formas em -is, de facto, não faltavam. Claro que há sempre margem de indecisão, mas não podemos por isso deixar o trabalho: cumpre só proceder-se com o máximo de circunspecção. Uma das particularidades deste e até fundamental é a acentuação tónica, pois que dela depende mais ou menos profundamente a evolução fónica. Também nisto há que fazer a opção circunstancial, assente, em cada nome, na especificação linguística, espacial e histórico-arqueológica. Mas não será de perder-se de vista que a grande parte da toponímia daquelas épocas, neste noroeste, se revela proparoxítona, do que há, na Galiza, constantes exemplos de então, por possuir conservadas muito mais abundante documentação que a nossa.

Devemos também despreocuparmo-nos de uma sede paroquial ter de corresponder a uma localidade importante, ou mesmo a uma povoação em forma. De outro modo, não seria explicável a falta de nomes de locais importantes no «Parochiale» como eram Flavias e Beteca, que cito por terem sido, pouco antes, sedes de bispo, e ainda Anegia, Refogios e Amaia, também nos inícios nacionais referidos a vastos territórios. Muito haveria de demorar no caso. Nem o estabelecimento de uma sede de cristandade se faria, inicialmente, preferindo-os, sendo eles centros de paganismo e, depois, de heresia, que foi um tremendo problema social neste noroeste: centros, pois, de hostilidade e até de perseguição. Explica-se perfeitamente, a possibilidade de correspondência atual dos nomina parochialia a localidades na sua maioria insignificantes: assim Ovinia, que ainda se representará entre nós como vasto arcediago desde o Minho até ao Minho-Coura, constitui um exemplo típico.

pág. 54

Não vamos estender esta tentativa à totalidade do Paroquial, pois que, como é fácil de compreender, apenas nos interessam as dioceses do nosso País. Não quer isto dizer que fujamos às implicações com outras, como Tui e Orense, pois foram inicialmente da diocese de Braga. Porque era da máxima conveniência, seria nosso desejo expor, em cada caso, o trabalho de restituição toponímica, bem como a justificação da evolução fonética. A falta de espaço obriga-nos a, no caso de dúvida, em qualquer dos dois campos, aconselhar a quem for capaz de a fazer uma verificação à luz do método e circunstâncias que ficam expostos. Supomos que, ao menos na grande parte dos casos, a verificação coincidirá connosco. Vamos dar um único e breve exemplo, sobre o primeiro nome que o Paroquial apresenta com variantes e que pertence à diocese de Bracara. Disporemos esse exemplo pelas alíneas atrás consideradas: a) Coetos e Coettos são uma mesma forma, com erro ortográfico. Cotis e Gotis, e ainda Totis, revelam confusões vulgares (de t e c, e de c e giniciais), reduzindo-se a Cotis; esta e Cortis são o mesmo que Cottis (um erro ortográfico e confusão de r e t); Gentis é má leitura de Gottis (representado por Gotis), o mesmo que Gotthis. Influíram ainda as ideias do lat. gentis, cortis e gothis (gottis). Resultam duas variantes distintas: Coetos e Cottis, desta tendo provindo aquela (confusão de e e t em certas escritas). Partindo do presente para o passado, pode chegar-se à decisão: quer dizer, ou Cottis ou Cots (raiz Cot-, pré-romana, relativa a dureza: logo, rochedos). b) No vasto território diocesano há, apenas, hoje Cotas (f.do c. de Alijó) e Cota (f. Mairos, c. Chaves). A primeira era da terra e arcediagado de Panóias, paroécia de Pannonias: o bastante para se rejeitar, tanto mais que Cottis é ecclesia e Pannonias pagus. Havia, porém, outras mais razões para a pôr de parte. c) Cota obedece à vista a cinco das seis condições desta alínea: preenchia um vazio, do alto Tâmega ao Rabaçal; correspondia à terra de Verim; achava-se no arcediagado deste nome; não era rodeada de pagi,

embora junto deles; notabiliza-se a sua arqueologia, sendo vizinha ao sul pelo menos uma civitas. Pode ser que seja ou haja sido (não sabemos, pois é já na Galiza atual) de orago atual mariano, e assim se realizará a sexta condição (Trasiglesia). Mesmo assim, não é este exemplo o caso mais típico: damo-lo, repetimos, porque, entre os nomes do Paroquial, é este o primeiro que apresenta variantes. Antes dele, há apenas dois (Bracara e Centumcellas), os quais as não têm. Não se veja neste exemplo mais do que pretendemos, e assim prevenimos.

II PARÓQUIAS BRACARENSES AS "ECCLESIAE" 1. Bracara: Braga. 2. Centumcellas: ? 3. Cotos: Forma atual Codos, nome, ainda hoje, de um braço do alto Tâmega95 e nascido cerca de Trasiglesia (bastante a nascente de Verin). O topónimo Trasiglesia, que substituiu, forçosamente, um outro (e pode ser Cotos), terá provindo da ecclesia do «Parochiale». Sem sair da região, reajusto hoje com aquele topónimo, que só posteriormente conheci, a solução Cota, f. Mairos, (c. Chaves), que outrora apresentei. Não é, pois, de crer que a civitas Cotis tivesse existido precisamente sobre Mairos,96 ainda que aqui a arqueologia é notável pela cerâmica companiforme; e Trasiglesia referida pode recordar a ecclesia suévica, cujo território seria civitas Cotos, pois que, como já expus, não é forçoso que a sede paroecitana haja sido a sede da civitas (embora mais naturalmente coincidissem).97 Possui esta paroécia a importância de ter-se incluído no seu território a cidade de Aquas Flavias (Aquae Flaviae), centro notável que haveria oferecido resistência ou outros inconvenientes à fixação inicial da sede paroecitana nela, como urbe de paganismo então mais convicto ou de civilização mais apurada. Seria a paroécia, por isso muito remota, dos Turodos (Turodi), o povo que neste território habitava98 e cuja cristianização se teria, pois, feito a partir de um centro mais modesto. Quando já o novo credo vigorava em toda a circunscrição, o nome paroecitano inicial, como se compreende, mantinha-se ainda quando a sede se haveria transferido já a Flavias,99 Chaves. 4. Lameto: Lamedo (f. Roças, c. Vieira). A identificação não nos pertence,100 Na origem, uma civitas Lamaetum, à qual nºao deve talvez considerar-se estranho o cume do Castelo logo sobre o lugar, passado o Ave. 5. Anoasce: Nasce, f. Calvos, c. Póvoa de Lanhoso. Reforço esta solução apresentando a forma de 1258 Nasci, que outrora desconheci devendo Anoaste ser má

____________________ É o «Tâmega de Codos», antigamente chamado de Felzes (1078 Lib. Fidei, n.os 350 e 400). Talvez se refira ao local 1078 «ibi invenitur omne ruína antiqua» (Lib. Fidei. n.os 21 e 619). Uma frase respeitante mesmo ao «Parochial» na região de Verin. 96 Em 1078, ainda por aí se devia rastear, pois que se citam ruínas; «ubi scriptum est Cotis et ibi inventur omne ruína antiqua», doc. do L. Fidei, nº 21 e nº 21 e nº 619. 97 É notável a grande devoção mariana nessa zona (títulos das freguesias de Mairos, Paradela e Lama de Arcos, todas limítrofes); w acresce que a festa patronal em Mairos é a da Expetação que, como se sabe, foi, primitivamente, única (até ao séc. X). Da parte da Galiza atual, nada conseguimos apurar, mas é de crer identicamente: influência da eclesia mater (em Trasiglesia, creio eu). 98 Não é estranho aceitar a opinião do P. Doutor Avelino de Jesus da Costa de que Chaves foi a sede da paroécia de Cottis ou da dos Equésios: quando à primeira, basta a diferença do nome; quanto à segunda, não ser dosEquaesi, mas dos Turodi, o território flaviense. Também não parece aceitável a sua opinião de que a civitas Batocas citada no séc. XI teria sido a de Cottis (ver O Bispo D. Pedro, 1, pp. 134 e 136): bastaria a diferença do nome, se mais não houvesse. Não podemos demorar-nos com grandes particularidades. 99 O facto de ter sido bispo em Chaves o cronista Inácio não indica o caráter episcopal da cidade, o qual nunca surge. Seria um bispo que ali veio residir, por qualquer motivo. 100 Fê-la o P. Dr. Avelino Costa, ob. cit, I, p. 134. 95

pág. 56

leitura (a vulgaríssima de t em vez de c): no entanto, Anoaste poderia defenderse, foneticamente, para Nasce. Deve ter-se em vista que na Idade Média aparece muitas vezes o -i final a representar o -e final surdo). 101 6. Millia: Belha (f. Burgães, c. Santo Tirso). A evolução do nome é regular: Milia > *Melia > *Melha> Belha, a que se aplicou um artigo, por etimologia popular, resultando a escrita Abelha («a Belha»).102 O fenómeno é vulgaríssimo em toponímia. Sobre o lugar, está o cume castrejo do Mouro, mas civitas Milia pode ter sido a famosa citânia de Sanfins de Ferreira. O nome, porém, ficou no local onde se fundou a igreja paroecitana de Sancta Maria de Milia. Quando se erigiu a diocese de Portucale, restou esta paroécia no extremo bracarense, e ficariam no portucalense, ao nascente, as de Magneto, Bauvaste, etc. Reforço igualmente a solução, com o topónimo «a Velha». que era de Negrelos onde se situa Abelha (forma falsamente interpretativa - o que «a Velha», embora diferente, também já era), coisa que eu também desconhecia ao tempo e me reforça assim e agora. Milia > Belha (Velha) e Melga > Belga oferecem a mesma fonética excecional, mas ocorrente, m->b- inicial. 7. Ciliolos:103 Celouros, f. e c. Fafe. Não identifiquei outrora, mas faço-o hoje. Como em outros casos (Celiorico, Caliabria, etc), o grupo -li- equivale a ll-(geminado). A fonética é impecável: Ciliolos < > Cellolos > *Celloros >

Celouros.104 8. Ad Portum: Porto (f. Proselo, c. Amares). Notável atravessadouro do Cávado, pela via militar romana Bracara-Asturica (a chamada «estrada da Geira»), com sua ponte romana subsistente: a ecclesia não estava, porém, aí, mas nas cercanias, como indica a preposição ad. Quanto a nós, a representante atual da igreja de Sancta Maria ad Portum é a paroquial de Santa Maria de Ferreiros, por motivos vários: o título mariano; a vizinhança daquele lugar (Portus Celadi ou Portus Catavi); a antiguidade paroquial de Ferreiros, em contraste com a designação paroquial de Ferreiros, que a Reconquista, comprovando-se com restos visigóticos (e porque não suevos?) do templo.105

____________________ 101 Deve

notar-se que Nasci não é um genitivo, que, a ser, o seria de antropónimo: não há este, que conste. Entra, pois, em muito presumível pré-romanidade. J. P. Machado, no seu erradíssimo dicionário onomástico etimológico, explica este topónimo por «nassa», rede de pesca. Além da falta total de congruência toponímica numa «nassa» (nem permanência, nem extensão, nem circunstância), há a falta de rio ou de pesca e está contra a forma antiga. As grafias ç e ss são hoje etimologicamente ambíguas, nada se podendo afirmar sem se saber qual delas. Ainda hoje, em várias regiões (sucede mesmo geralmente no Brasil), esse -e se aproxima de -i. 102 Não pode admitir-se o n. comum «abelha» que, no norte do país, carece de congruência toponímica, motivo por que «a Belha», Abelha, apenas surge duas vezes. Os topónimos antigos também se repetiam. No sul, o caso já é diferente (sobretudo por alcunha de proprietários). A solução confirma-se com "Soeiro da Velha - natural de Negrelos"; PMH-N. Série, I (1980, LV A3 e LL 22 A5, estando aí «a Velha» por «Avelha» ("Abelha"). 103 Argote identifica «às vizinhanças do rio Celinho, a que chamavam Ciliolum», e o P. Dr. Avelino Costa, ob. cit. , I, p. 137, aceita, embora com dúvida. Tal nome nunca existiu e, a ter existido, a representação era, foneticamente, impossível, pois que se escrevia com s, som então diferente de ç: «arroios Selio et Seliolo» (PMH Dipl. et Ch., nº 201). 104 Como a crítica anda alheia às leis da fonética, é de lembrar que, na estrutura em causa, há uma dissimilação l - l > l - r. O que J. P. Machado diz deste topónimo, referindo-se ao étimo que lhe dei na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, s. v., é descabido: ignorou a forma antiga, e não se preocupou com obtê-la, pois que eu a apontei e, afinal, duvidou dela. Não se percebe porquê. 105 Sobre os restos visigóticos, sem tratar do nosso problema, ver o Prof. Avelino Costa, ob. cit., II, p. 207.

pág. 57

9. Agilio: Desejo excluir a identificação que outrora propus a Gelhe no c. Ponte de Lima 106 - não por efeito de crítica, que nunca houve, mas porque o «Parochiale» arquiva Ailio, que é nítida evolução de Agilio. 107 Não tenho proposta. 10. Carantonis: Cantonha (f. Costa, c. Guimarães), 108 A nossa

identificação procede de uma forma alongada, fenómeno frequente na toponímia antiga, isto é, *Carantónia,109 A evolução fonética, nesse caso, haveria sido (Carantonis >) *Carantonia>*Carantõia>, *Carantonha> *Cantronha> Cantonha. 110 E não seria incrível a realidade de Carantonia no próprio original do documento. Se a localização fosse, como cremos, acertada, a civitas Carantonis seria o monte castrejo da Penha; e o territorium, que viria a chamarse vimaranense (mas só em plena Reconquista), teria sido o da tribo dos Carantonii. Diz uma crítica de Domingos A. Moreira, contra a minha identificação: «em vez de ser relacionado com Carantonis deve ser antes relacionado com a expressão documental de 1202 "ego Petrus Cantoni nostra hereditate quam habemus in villa de Costa in loco qui dicitur Cantoni"»; e, além de um informe meramente onomástico de Piel e J. da Silveira; cita o documento, como se eu, que tive nisso o maior cuidado, o tivesse desconhecido (coisa que todo o meu trabalho nega). Nada mais ajustável que o antropónimo Cantonius, e eu bem o via. Mas as coisas, muitas vezes, falham. Vejamos: Eu não podia ter deixado de ter em conta as formas antigas Cantoni e Cantono, esta muito notável: citei-as e expliquei-as. Ora, não se apoiou (a crítica nada achou bem) nem se refutou: como se de tudo isto eu nada tivesse feito. É absolutamente rejeitável ver aquele proprietário como a origem do topónimo pela sua alcunha. por um processo vulgaríssimo na Idade Média, não deu o nome ao lugar, recebeu-o dele. É esta a mesma origem dos apelidos de procedência toponímica. Portanto, Cantonha não houve a partir dele, mas muito antes. Precisamente, pois, o contrário: aquele Pedro Cantonha (ou seja a forma antiga, pois para o caso vale o mesmo) é de Guimarães, e, para não sair daqui e dos seus contemporâneos, temos logo, nas inquirições de 1220, Paio Covilhã, Pedro Várzea, Martim Ribeira, Pedro Guimarães, Paio Moreira, João Verba, Mem Pinheiro, etc. Foi deles que os lugares de tais nomes receberam estes? Dos lugares é que eles os tiraram e seria um jamais acabar de exemplos. Com estas coisas e idênticas se fez, segundo José Mattoso, uma «contestação radical» ao meu trabalho )e para cinco nomina parochialia somente, em uma centena). O dito Mattoso exagerou, comprometendo a outro.

____________________ Veja-se esta obra, p. 64, da sua primeira publicação. A forma atual, pois, seria Ilho ou Elho (ignorou a natureza da vogal inicial em duração fonética). 108 A forma do Paroquial é Carandonis, mas P. David, sem explicar, diz ser, evidentemente, Carantonis. Supomo-lo também, mas por um uso notarial muito frequente a sonorização de oclusivas surdas. 109 Cp. Nebis > *Nebia (Neiva); e aé, supomos, Iliberis> Iliberia (Elvira); e talvez mesmo Hispalis> *Hispalia (Spalia, Sevilha), com influências arábicas; etc. A realidade da forma *Carantonia revela-se no topónimo antigo Carantonha, termo da Covilhã no séc. XIII: TT. Inquirições da Beira e Alto Douro, fl. 4. 110 A perda do r ocorre toponimicamente com certa frequência: Remestruías (DMP Doc. Reg., I, nº 76), hoje Remostias; Cresconii (Paredes), hoje Gasconha (ant. Casconha). Quanto a Cantonha e Catonha, sabemos como as nasais antes de tónica afrouxam em todo o Minho. As 106 107

formas Cantono e Cantoni em 1258 (PMH Inquis, pp. 723 e 736) resultam da forma de então, Cantonha, a segunda, em declinação locativa, e a outra, com a confusão corrente das vogais finais; cp. Duria, Durio, etc. A minha solução, segundo M. L. Real, foi comprovada arqueologicamente: cfr. Prof. Avelino Costa, Actas do Congr. de Guimarães, III (1981, pp. 138 e 139.

pág. 58

Não explica a função antroponímica da palavra: se alcunha ou se patronímico. Deduz-se, porém, patronímico. Deduz-se, porém, patronímico (até pela forma latinizante Cantoni), visto que invoca Silveira e Piel. Ora o n. pessoal Carantonius, de origem pré-romana, caíra em desuso muitos e muitos séculos antes: pelo mínimo, a crítica estava obrigada a documentá-lo em uso do séc. XII para o XIII - a que pretende fazer remontar o topónimo a fim de o afastar de Carantonis. Os próprios autores invocados pelo crítico acima nomeado (um deles, creio que vivo ainda) poderão dizer que não era sua intenção, ao ligar o n. pessoal ao topónimo, apresentar este como aplicação tão tardia. O «pidalismo» toponímico não é atento às situações, por não precisar de raciocínios: bastam a vista e o ouvido para o ajuntadouro de quanto parece o mesmo. Não podemos proceder assim, e menos ainda comprometer um autor (eu) e procurar anular-lhe a obra desse modo. A arqueologia confirmou a minha «descoberta» de gabinete (M.L.Real). 11. Ciliotao. Esta forma não se encontra no «Parochiale». P.David adotou-a. Suponho tratar-se de deturpação de Ciliorico, por más leituras e não compreendidas escritas. Além da estranheza fonético-morfológica em -tao, nada mais corrente que ic ser lido a e r lido t.: é incontestável. Em tal caso, a «urbos Cellorico territorio Basto», do séc. XI-XII ainda. 111 Mais um caso que outrora não identifiquei, o que faço hoje: na f. Carvalho, c. Celorico de Basto. 12. Taubis: Toubres (f. Jou, c. Murça). A identificação desta paroécia a Tougues (c. de Vila do Conde, ao sul do Ave), ainda hoje aceite e até explicada, 112 é totalmente inadmissível: se não houvesse o muito mais que há, bastaria situar-se em território que sempre foi portucalense diocesano. A evolução fonética não oferece qualquer singularidade: Taubis > *Toubes> Toubres; 113 e a arqueologia da romanização e a toponímia da localidade (Castelo, Cidade e Banho) abonam a civitas Taubis por aqui. 13. Setunio*: Sandonho (f. e c. Vila Pouca de Aguiar). A nossa localização subordina-se à forma Setunio, que o Paroquial não contém. Não contém igualmente Cetanio, a forma crítica de P. David, mas hoje, por isso mesmo, aceite; e não é este o único caso de uma proposta sua de forma toponímica que não se encontra em qualquer lição do Paroquial e que aquele autor dá sem explicações. Deve ter pensado, como é corrente, em...Citania.

____________________ PMH - Dipl.nº 755 (1091) e Inquis. p. 755. Para a realidade do topónimo, notar ao lado Celoriquinho: 1258 1b., p. 135 (Arnóia). 112 A opinião é de Argote, e defende-a o Prof. Avelino Costa, ob. cit., I, pp. 134-135. Baseia-se ele que o v de Tauvis (a forma preferida por P. David, apesar de o v aparecer em duas variantes, contra seis com b) se transformou em b, o que, porém, torna mais difícil aceitar a evolução para Tougues; e que a dorma Taukis de documentos do séc. XI aparece «por ser fácil a troca do k pelo b». Não se percebe o que se quer: sobretudo na sua pronúncia, não tem sentido algum para o caso. Também o facto de haver, de ambas as bandas do Ave, Tougues, Touguinha e Touguinhó não pode indicar com a paroécia de Tauvis (sic) se estendesse por ambas. Há muitos casos análogos na toponímia, sem que as povoações respetivas tenham qualquer relação. É, finalmente, para excluir a alegação do ilustre autor de que a paroécia de Tougues passou para o Porto mediante uma troca em que Braga recebeu da sé portucalense Vilariça (a do Sabor, até porque nunca se considera outra). Jamais tal paroécia de Vallaritia foi da diocese de Portucale ou Porto, como a seu tempo veremos. 113 Quanto ao r epentético, é fenómeno bastante frequente: stela > "estrela". Na toponímia Mestras (Alvoco da Serra), de «mestas», n. comum (PMH Inquis., pág. 1074); Medros, de Medos; Vilar de Viandro (Mondim de Basto), Viando (Envenandus), n. próprio; «vidra» e «vidre», por «vide», no Alto Minho; "lestra" >"lesta" (planta); etc. 111

pág. 59

No que nos respeita, baseamo-nos nos seguintes fatores: a forma Setanio, que pode ser má leitura de Setunio, pela confusão vulgaríssima do uredondo visigótico com a e deste com aquele, na mesma escrita; o facto de entre as sete lições do topónimo, somente duas conterem C (ç) inicial, som muito diferente, antigamente, de S, que, assim, domina em absoluto; e, enfim, não estarmos influenciados do preconceito de que este nome paroecitano se deve aproximar forçosamente (que é o que se tem feito) de Citânia, preconceito que levou os antigos e leva os modernos a afirmar que se trata de «Cetanio», paróquia sueva cujo centro seria talvez a Citânia de Briteiros. Uma tal opinião não tem defesa: bastaria a fonética (pois é da semelhança de nomes que tal se deduz) para provar o absurdo dessa localização; e nem mesmo na época sueva poderia uma tal povoação ser centro paroquial, por estar, havia muito, abandonada. O nome Citania tem origem e uso eruditos: nunca poderia ser forma toponímica, por impossibilidade de tal evolução: esta seria Cedanho ou Cedanha. Reduzindo-se, em nosso entender, todas as formas a Setanio, que supomos má leitura de Setunio,114 inclinamo-nos para identificar este nome a Sandonho, por uma evolução fonética regular: Setunio > *Sedunio > *Sedõio > *Sedonho > *Sendonho, Sandonho, embora se aparente um nome germânico. É ainda hoje o de montanha comum aos concelhos de Ribeira de Pena e Vila Pouca de Aguiar, e a Civitas Setunio poderia ter sido a forte povoação que

existiu sobre a atual Cidadelha. 115 A povoação deste nome surgiu depois do abandono daquela (com o que concorda não haver hoje povoação denominada Sandonho: era uma civitaticula em relação à civitas. Veremos repetir-se exatamente o mesmo caso com Aliobrio. 14: Oculis, Oculos*: Olhos (f. Caldas de Vizela, c. Guimarães). 116 Esta reoresentação indubitável mostra que Oculis do Paroquial pode considerar-se organicamente Oculos, pelo que em Equesis podemos tomar Equesios. 15.Cerecis (acento, Cé-): As variantes do nome abonam duas formas, Cerecis e Ceresis, sendo esta uma evidente dissimilação daquela. Quando propus Cereje na f. Valbom (c. Vola Verde), não tive em conta a proparoxitonia vulgar na toponímia pré-romana: desejo alterar isso. Assim, apresenta-se em perfeita correspondência Cerjes (mal escrito com S-) na f. Pedreira, c. Felgueiras. 117

____________________ O S incial aparece transformado, por vezes, em L e J, por fácil confusão paleofráfica. Deve notar-se, ainda, com Cetania, a variante Getanio, que deve ter levado P. David a adotar Cetaniom inexistente. 115 A povoação primitiva, a civitas Selunio, devia ter sido notável pelos próprios restos de outrora, os quais levara certos autores a localizar aqui a civitas Cauca pré-romana e romanizada, que Idácio diz, efetivamente, na Calécia. Mas fizeram-no porque Pouca (Vila Pouca, vizinha) sugería-lhes Cauca! O pior é que este método das semelhanças visuais e auditivas ainda vigora, entre autores de "bom" tomo. Leite de Vasconcelos, pelo valor desta instância, refere-se especialmente a ela, dizendo que «deve ter sido um nome pré-romano», embora ignore «qual fosse»: Etnografia Portuguesa, III, p. 151 (nota). O nome Sandonho, se fosse pessoal (J.M.Piel não o considera entre os nomes germânicos), fugiria à congruência toponímica, necessária como nome de montanha, onde as povoações extintas são préromanas, muito anteriores ao germanismo toponímico. 116 Identificação de Argote, repetida pelo Prof. Avelino Costa, ob. cit. I, pp. 135 e 137. sem sabermos de Argote, já antes nós, na cit. Enciclopedia, XXXVi, p. 553, etc., por documentos do séc. XI relativos a Oculos e Termas Calidas: PMH Dipl. et Ch.,nº 138, 223 e 225. 117 J. P. Machado regista Serges como se forma autorizada. e por ela opina: «Talvez se trate de antropónimo que não consigo atestar». Eu também não, além de serem sempre ilusórios na toponímica (a não ser num ou noutro caso a comprovar) os patronímicos, o que afirmo, apesar de parecer estranho. Tudo, pois, a favor do que digo. 114

pág. 60

16: Petroneto: Pedrego (f. Pereira, c. Barcelos). A evolução não oferece anormalidades: Petroneto > *Pedronedo > Pedrõedo > Pedreedo > *Pedredo > Pedrego (por dissimilação). «É um lugar que fica a noroeste desta freguesia, já na encosta do monte de Senhora da Franqueira. O nome Pedrego deve ter origem no facto de ser numa encosta íngreme e muito pedregosa». 118 Aquela caraterística local confirma a própria evolução de Petroneto para

Pedrego: 119 -ego não é o suf. eco, visto que, como fica à vista, resultou da dissimilação d - d < d -g na evolução de Petroneto; e esta nossa identificação tem ainda por si só a situação sob o oppidum que antecedeu o famoso castelo de Faria medievo, mas também o imemorial culto mariano naquele ato, representação provável do de Sancta Maria de Petroneto. 17. Equesis, Equesios*: Queijus (f. Veade, c. Celorico de Basto). O populus pliniano e ptolomaico dos Equaesi tem sido colocado, não sabemos bem porquê, junto da serra do Larouco, - o que já levou a supor Chaves a sede desta paroécia, e ainda por outra razão: a menção que um documento de 1078 faz, pelo Paroquial, de Equisis, Cottis e Vergantia, nesta mesma ordem. Eata, porém, não prova a sucessão por contiguidade, mesmo a existir tal ideia na mente do escriba: a identificação que este poderia fazer seria apenas a de Vergantia nomeadamente por facilidades toponímicas, visto que ainda hoje as há (quanto às demais, simples opinião falível), tão certo que logo se referem outras, sem nome Vergantiam nomeadamente «et alias».120 Citou aquelas como poderia, pois, citar outras. De resto, para supor Equesis no território Flaviense, seria preciso localizar aí os Equesi também: ora aquele território era de Turodi e, mais ao norte, Lubeni.121 O obscuro topónimo Queijus, também insignificante pelo local, 122 parece-nos obedecer a uma origem em Equesios (tanto mais que o n. comum que lembra não possui congruência toponímica): Equesios > *Quesios > *Que(i)jos, Queijus, Cajus (tendo desaparecido a pronúncia do u ). Ainda hoje, de acordo com aquela presumível origem, o nome oscila entre osítono e paroxítono. 123 Mesmo quando viesse a provar-se que os Equaesi estanciavam, de facto, no Larouco, para ambas as bandas, poderia supor-se um ramo estabelecido, um pouco para sudoeste, no médio Tâmega, o qual se paroquializasse, sendo a remota paroquial atual de Santa Maria de Veade o resíudo da de Sancta Maria de Equesi(o)s. O populos, ao Norte, certamente possuiu também a sua paroécia, nesse caso, mas com outro nome ou a de Salto.

____________________ Informação que, a nosso pedido, nos prestou o pároco de Pereira, P. Luís Mariz de Oliveira, em 1966. 119 O Prof. Avelino Costa, ob. cit., I, p. 137, identifica a Padredo (f. Canedo, c. Celorico de Basto), o que é errado. A forma antiga, Padreedo, com um e nasal (PMH Inquis., P 654), mostra, absolutamente, a origem no lat.platanetu-. 120 L. Fidei, nºs 21 e 619. 121 A opinião que não aceitamos é a do Prof. Avelino Costa, ob. cit., Ipp. 134 e 136. Aquae Flaviae foi fundada, de facto, cerca do oppidum dos Turodi, e, um pouco ao norte, Cambedo (f. Vilarelho da Raia) é, quanto a nós,Cambaetum, o oppidum dos Lubeni (e não na atual Galiza). 122 A informação que, em 1966, a nosso pedido, nos deu o pároco de Veade, P. Joaquim Pimenta Rodrigues, acentua e escreve Cajus. A escrita costuma ser Queijos, porque, na realidade, há ditongo no nome, e a professora então do lugar, D. Maria Francisca da Visitação, escreveu-nos: «Prestei a maior atenção, pois ouvia pronunciá-lo como grave e sobretudo como agudo». De princípio, não havia esse ditongo «popular», ei, como se mostra na pronúncia Quejos (ou Cajus para os que a tornam oxítona), a qual deve ser a real. Uma tal oscilação da tónica é importante no estudo deste topónimo. A sua insignificância atual nada tem com a importância antiga: basta recordar Ovinia, hoje oculto na obscura Vinha (Areosa). De resto, nem era imprescindível a importância no local onde se erigisse a ecclesia: de qualquer modo, a 118

paroécia não deixava de receber-lhe o nome. 123 Ver a nota anterior.

pág. 61

Como vimos em Oculis, tomado organicamente como Oculos, o que é indubitável, o mesmo será permitido, pois, com Equesis, tomado, para, tomado, para este efeito, como se fosse Equesios. A forma atual, pelo informe direto que obtive e que coloquei em foco (a crítica referida não deu atenção a isso) oscila Quejos Cajus. Para Domingos A. Moreira, o crítico (logo sofregamente proclamado por José Mattoso de "radical" contra mim, apesar de incidente só em cinco nomina parochialia, e isso com absoluta falta de razão e critério), para essa "crítica" - repito -, nada há com Equesios, por se tratar da expressão arc.acajuso (cá em baixo) - o que estabeleceu sem saber se a topografia admitia tal interpretação ou, portanto, origem. Ora, a informação que recebi (a memória não me atraiçoa) foi a de muito ter custado a quem me informou ir ao próprio local. Em altura, portanto, deveria ter acasuso nesse caso e «adotando» o ponto de vista de Moreira. E isto bastaria - mas há grandemente mais e que se torna necessário expor, não só para aquilatar da validade de certos processos de exame, mas também para se obviar a possíveis reparos metodológicos. - Ortografia. Foi causa da oposição, claramente, haver, em Arouca, o topónimo Caçus (sic), que foi entendido de acasuso (cá em cima): logo, Cajus teria de ser de acajuso. Em tal caso, deveria ter escrito Casus ou, ao menos, Cassus (dois -ss- em vez de ç cedilhado). Terá a crítica entendido que foneticamente era possível -s- sonoro passar a ç? Que se mudasse a -s- surdo ( -ss-), deixe-se-me falar assim, ainda se entenderia (por dissimilação). Precisa-se de estudar fonética elementar. 124 De nenhum modo se poderia estabelecer contrariedade tal, sem forma antiga do tal Caçus. Eu também a não tenho para Quejos ou Cajus, mas é diferente: porque parto de Equesios como se o fosse, para confirmá-la. - Ortoépia. Se as origens de Caçus e Cajus fossem respetivamente acasuso e acajuso, ou suas aféreses, a pronúncia deveria ser Cajus, oxítona. Ora, não é - e tanto não é que temos também Quejos, como já informei, e, o que confirma esta, até ditongada, Quijos (seja fonética, meramente, seja por falsa interpretação). Revela-se, assim, -e- tónico anterior ao -a- de Cajus (a outra pronúncia, que é, portanto, posterior a Quejos), o que remete diretamente à possibilidade de origem Equesios, foneticamente irrefutável após aférese. - Semantologia. Se a crítica fosse válida, teríamos em Cajus e Caçus topónimos frásicos, o que é de extrema raridade: «nós acajuso» dirigidos a quem? e a que propósito? E que poder toponimizador teria isso? Uma das leis fundamentais da ciência toponímica, que é a da congruência, exige, absolutamente, no fator, a permanência, a extensão e a circunstância: onde estão, aí? A crítica mostra-se sempre alheia à ciência (que o «pidalismo» também não conhece, por lhe bastarem os olhos e as orelhas).

- Sintaxe. Admitidas aquelas frases nos topónimos (o que é impossível, mas admita-se), teria de provar-se o tardio dos topónimos para concordarem com o tardio delas. A crítica, que tudo me exigiu, nada exige de si. A toponímia não se origina de frases (a não ser em casos muito raros, e sempre a comprovar), mas de nomes, apelativos ou próprios. Casos prepositivos e adverbiais são raríssimos e, nesta ciência, como se idiotismos.

____________________ O elemento Caç- pode e deve ser o que se encontra em 1258 Cazurraes (Inquis., pp. 807809), 1127 Kazorros (DMP - Régios, nº 75, etc.) Não me admiraria nada que Caçus, se esta é a grafia, fosse de origem árabe, bem conveniente à região de Arouca. 124

pág. 62

- Morfologia. As formas (a)cajuso e (a)casuso, não são realidades: lapsos de leitura - por «acá juso» e «acá suso» - e transtornam totalmente o tal Caçus (devendo recordar-se o aspeto ortoépico e o ortográfico). Transtornado, pois, o pretenso paralelo Cajus: 125 não são unidades morfológicas necessárias ao que quis a crítica, que nem nisso pensou. Nem mesmo se admite com tamanha facilidade (ou inconsciência) opocopar as palavras (*Cassuso, *Cajuso): de trissílabos, sem mais razão, formar dissílabos (*Cassus, *Cajus). - Fonologia. Jamais se considera. O crítico lembra-me o lat. deorsu- para «juso» e sursu- para suso». Ora, tais voos só podem impressionar um José Mattoso: são a alta «especialidade» que propalou faltar-me. Mas o lat. deorsu- nunca poderia evoluir diretamente para o port. «jus(o)» ou «jusso», senão para «jos(o)» ou «josso». E tal lei cumpre-se na toponímia, porque o que deste advérbio temos nela é Jós, quer isolado, quer em complexos, como Chão de Jós, Fontejós (Fonte de Jós). A forma «jus(o)» é analógica com «sus(o)», isto é, devida a esta e, portanto, tardia, e aqui recaímos na questão crononógica imprescindível. Se na toponímia nos aparecer algum caso com -u-, ele é tardio (da época em que já o efeito analógico se havia imposto). A crítica preocupou-se pouco ou nada com estes aspetos - nem ao menos o essencial, o fonológico. 18. Ad Saltum: Salto (c. de Montalegre). 126

OS "PAGI"

19. Panonnias: Panóias (f. Vale de Nogueiras, c. Vila Real). Não oferece qualquer dificuldade ou dúvida. 127 O que convém é salientar a extensão do seu

território, desde o Marão até o Douro, e do baixo Corgo ao Tua Terminal, a própria Terra de Panóias da Reconquista, de acordo com o facto de nenhuma paroécia se poder identificar nele. 20. Laetera: Ledra (f. e c. Mirandela). O topónimo desapareceu, mas conserva-se como determinativo. 128 Já assim sucedia nos inícios nacionais: Ledra, o nome do território, e São Martinho, o local da civitas Laetera. 129 Este hagiotopónimo na velha Ledra pagana acorda um eco da paroecitana Suévia de S. Martinho de Dume, que muito espalhou o culto do seu homónimo Turonense. Pode ser mesmo um resultado (ou, noutro conspecto, um indício) da sua obra de conversão das paroécias arianas (pagi) em católicas (ecclesiae). ____________________ Moreira transcreve uma canção tardia com «Caterina casuso a vi estar», etc. Não há «casuso», mas «cá suso» (cá aferético): ora, mesmo admitindo faltar o a em razão do -a do n. pessoal, o que sucede muito, temos aí aquela inexatidão ou falta de realidade. Sem esta, não era possível o topónimo. 126 Sem sabermos de Argote e antes de o ter afirmado o Prof. Avelino Costa, ob. cit., I, pp. 133 e 136, o mesmo dissemos na cit. Enciclopédia, XXXVI, pág. 805. A Igreja de Santa Maria do Salto atual recorda a paroecitana sueva, e é possível que a povoação se haja formado junto à igreja. 127 Ver o nosso artigo «Terra» na cit. Enciclopédia, XXXI, pp. 450-451, e o que dissemos no vol. XXXIII, pp. 802-805. 128 Fornos de Ledra, Vale de Prados de Ledra. 129 Nas Inquirições de 1258, diz-se que «villa de Mirandela stabat in Sancto Martino... posuerunt ipsam ubi modo» TT Inquirições de D. Afonso III, L. 2, fl. 93 v. A cidade atual foi fundada junto ao Tua, do séc. XII para o XIII, com carta, abandonando-se Ledra: quando à nova vila se deu o nome artificial de Mirandela, entendia-se em 1258 que a antiga também assim se chamara, ou que assim deveria chamar-se ou considerar-se, como se compreende. 125

pág. 63

21. Brigantia*: Bragança (f. Castro de Avelãs, c. Bragança). Repetem-se os casos de Pannonias e Laetera, quanto a oppidum e civitas,130 territorium e «terra», paroécia e arcediago. 22. Astiatico: Santiago (f. Vila de Ala, c. Mogadouro). Desde Pannonias, segue-se no documento uma continuidade territorial tão evidente que foi possível ao interpolador tardio colocar Aliste (território usurpado na Reconquista por Bracara a Asturica) entre Bregantia e Astiatico. Havia, pois, uma limitação desta paroécia com aquelas, o que leva à correspondência na Terra de Miranda, que existiu ao lado da Terra de Bragança e da Terra de Aliste, para não citarmos outras. 131 Este concurso de circunstâncias, entre mais, leva-nos a reputar o topónimo Santiago como sendo a interpretação popular, por paronímia, de uma forma de evolução de Astiatico: Astiatigo >132*Astiadigo > *Estiadego > *Setia(d)go133 > Santiago.134 Acresce que, sobre o lugar, há os vestígios de

uma notável povoação fortificada, que supomos ter sido a civitas Astiatico.135 23. Tureco: Balsemão (f. Chacim, c. Macedo de Cavaleiros). Repete-se o caso anterior: paroécia limítrofe de Astiatico e de Vallaritia, que foi colocada pelo interpolador da Reconquista de seguida a Tureco. Com o preenchimento do moderno distrito de Bragança por Laetera, Bregantia, Astiaco e Vallaritia (a leste do Tua-Tuela), resta o território da vasta Terra de Lampaças medieva: a esta identificamos o territorium da civitas Tureco, e esta supomo-la no castelo de Balsemão, fortaleza notável da Reconquista. Completa-se a verosimilhança com o remoto culto mariano a este local, como já sucedia com Astiatico. A posição extrema não obsta: há casos indubitáveis análogos (Ovinia, etc). 24. Auneco: ? 136 25. Merobrio: Não identifiquei outrora, mas faço-o hoje: Marouba ou Maroube, na f. Fojo Lobal, c. Ponte de Lima. Com Maroubo < > Maroube, houve Marouba (que postula Maroube, de facto), visto que ao lado é Maroubinha. A evolução fonética não

____________________ O Prof. Avelino Costa identifica Bregantia primitiva a Castro de Avelãs, ob. cit., I, p. 136; mas já muito antes o havíamos feito na cit. Enciclopédia, XXXI, p. 441. 131 O nome Miranda era puramente coronímico nos inícios nacionais, e a atual povoação de Miranda não figura ainda: o que dela costuma dizer-se pertence a Miranda do Corvo. Quanto ao sentido da contiguidade territorial, para a descoberta de correspondências, já a ele se referiu o Prof. Avelino Costa, ob. cit., I, pp. 137, 138, mas sem tirar qualquer conveniente proveito do facto. 132 Quanto à transformação de As- em Es- em Aspeleias, cp, Asturãos-Esturãos, AsperãosEsporões, Aspídio-Espio, Aspino-Espinho, etc. 133 Es- transformando-se em Se- é fenómeno análogo a Er- transformando-se em Re-: Ermegilde-Remegilde, Ermigio-Remígio, etc. 134 Não obsta ao caso poder ter existido aqui algum templo a Sant'Iago: o próprio topónimo, por efeito de paronímia, levaria à sua edificação. Basta lembrar Sangilde, hoje São Gil (f. Perre, c. Viana do Castelo): o caso do «mons Magaio» (DMP Doc. Part., III, nºs 135, 312, etc.), também chamado «mons Macario» (Ib., III, nº 454) ou já no séc. XIII, «Samagaio» (PMH Inquis., p. 927), levando à ereção nele da ermida de S. Macário (c. São Pedro do Sul); o caso de Secelea (DMP Doc. Rég. I, nº 178), nome evoluído para Secea ou Sezea, parónimo de S. José, o que levou à substituição de um nome pelo outro e à edificação da ermida (f. São João de Tarouca); etc. 135 A essa velha povoação, refere-se o Abade de Miragaia, Portugal Antigo e Moderno, X, s. v. Villa de Alla; mas, claro está, não ao nosso caso. 136 Apesar da semelhança do nome com Tureco, esta paroécia não existia no moderno distrito de Bragança, mas para ocidente. Não sabemos localizar. O próprio topónimo é possível que seja Anneco (com an pré-romano) e não Auneco. Hoje seria Onego (ou Nego). 130

pág. 64

oferece anormalidade alguma: Merobrio > Merobio (destruição do grupo

consonântico por dissimilação) > Maroibo, Maroibe, Maroiba (e correspondentes em -ou-). 137 26. Berese (acento Bé-): Bessa, ou Beça (c. Boticas). A forma Bérese não oferece dúvidas, e apenas pode discutir-se a acentuação: supomo-la na primeira sílaba 138 e, em tal caso, a evolução fonética é normal: Berese > *Berse > *Besse > Bessa.139 A civitas Berese, em tal caso, corresponde ao notável castro de Carvalhelhos, o qual mostra ainda indícios da sua romanização. 140 Continuo, pois, a identificar a Bessa ou Beça, f. do c. de Boticas, pelas razões que ficam ditas. Temos para o caso a escrita (e pronúncia) 1258 Beza; mas, para discorrer por esta, seria preciso provar que não houve influência de um parónimo prestigioso que existiu. 141 De resto, nem nisso é preciso pensar: aqui, basta a origem (-rs-) do -ss- para se admitir, em vez de -ss-, a correspondente sibilante surda -ç- (como é -ss-). 27. Palantusio*: Pandoz (es), (f. Parada de Bouro, c. Vieira do Minho). O Paroquial apresenta formas com -cio- (aliás deturpadas ou com letras espúrias).142

____________________ J. P. Machado diz «deve ser variante demarouva, variedade de cereja». Mera vista e ouvido: além da falta total de congruência (ver a nota 17), a palavra foi derivada de «amaro», amargo, (como o foi o arc «amaral», etc.). De facto as maroubas são cerejas pequenas e amargas. A eférese de «amarouba» é correntia (Maral, Marelo, Marante, de Amaral, Amarelo, Amarante). J. M. Neto, O Leste do Território Bracarense (1275), pp. 45-60, localizou no c. de Freixo de Espada-à-Cinta, face a Barca de Alva, por esta razão: como Alióbrio portucalense era um «porto» no Douro e o nome é parecido com Meróbrio, este teria de ser também um porto do Douro: portanto, só ali. E isto (que como as mais identificações foram feitas nesse trabalho) recebeu o apoio de uma produção universitária de Lisboa publicada em «Bracara Augusta», XXXIV (1980), pp. 659-671. J. M. Neto entendeu que todos os pagibracarenses teriam de situar-se no distrito de Bragança e buscou metê-los nele todos, o que conseguiu. Escapou de Panonias porque se sabia onde era: quando não, sempre lhe arranjaria aí um lugar, por apertado que fosse. Também entendeu que a ordenação dos nomina foi territorial de contiguidade, o que é extremamente falível (e desmentido por casos que nem precisam de ser investigados, pois sabe-se onde se situavam). 138 Esta acentuação pode ter o seu exemplo na de Beriso (de Bergido), a qual talvez se desconhecesse hoje se não se soubesse que corresponde a Bierzo (portanto, acento na primeira sílaba). Cp. ainda Cártese (tudense), hoje Cartas. 139 Há quem escreva Beça; mas supomos que a escrita legítima é Bessa, como temos num tempo em que ainda o ç se distinguia do ss: ver doc. de 1430 no Livro I de Misticos, etc. Docs. para a Hist. da Cid. de Lisboa, I, p. 56 (1947). Poderá haver Beça, mas com origem diferente (cp. o espanhol Baeza). A escrita Beza de 1258 PMH -Inquis., p. 1821, para este lugar, não se prova original: se não é erro, pode ser já influência de "Beça" (de outra origem). Ver a nota 141. Cp. Beriso-hoje, Bierzo, no país vizinho. 140 Deste castro traçou o Prof. Santos Júnior nos Trabalhos de Anitopologia e Etnologia, XIX, pp. 187-193. Quanto à identificação de Berese, tem sido feita de várias maneiras. Para Argote, «parece que era o lugar de Peireses» (f. Chã, c. Boticas, nome em que há quem pretenda ver Beteca, uma efémera cidade episcopal da Galiza antes da conquista muçulmana, o que a fonética imediatamente repudia). O Prof. A. Costa, ob. cit., I, p. 137, sem alegar razões, faz uma identificação ainda menos viável a Barreses (f. Beiral, c. Ponte de Lima). Ora Barreses é um nome pátrio, com o suf. -enses, relativo à população ou à geologia local. Mais tarde, ainda sem justificação, mudou de parecer, substituindo por «castellum Berense», no território que 137

havia sido dos Limici (ob. cit., Add et Corr., p.3, caderno solto). Claro que se trata de simples ilusão de vista e de ouvido, até por ser Berense outro nome pátrio, de origem germânica (de Bera, gót. bairha, «urso»), ou pré-romana. Muito melhor seria então Peireses. 141 O de Baeza (jaen). E tanto assim que até J. P. Machado, ignorando as formas antigas, explica a nossa Beça ou Bessa por Baeza transmitido pelo apelido nobre, não obstante se ignorar se por aqui andaram os nobres de Baeza. Imaginou, simplesmente. Beça, aliás, até deveria ser arábico (Abeza), o que está a favor de a Beça transmontana não deve escrever-se assim, mas Bessa. J. M. Neto identificou Berese a Banreses (c. Macedo), o que é erradíssimo: vista e ouvido bastando tratar-se do suf. -eses< lat. enses. Além dosso, a forma antiga é distante de Berese que farte: 1258 Venreses PMR, Inquis., pp. 1311 e 1316 (e pior seria um erróneo Veareses que alega). 142 Palantusico, Palantusino. Sons ou letras espúrias são bastante frequentes tanto no Paroquial suevo como no Provincial visigótico; mas é importante figurar s.

pág. 65

Na verdade, documenta-se Palantucio, a forma talvez por isso preferida por P. David. No entanto, como a evolução de Bergido (paroécia asturiense) se apresenta nas moedas tanto Beriso (época sueva) como Bergido (visigótica), que supõe *Bersio, a par de Berizo, Berzo (não numárias), será bem admissível a evolução Palantucio Palantusio, embora com certa reserva. De resto, parece que ainda em época muito tardia podiam alternar as terminações -ujo (-ugio) e -uso, o que sucede com aquele topónimo, que ainda no séc. XII aparece Bandugio e Banduso. 143 Quanto à sonorização do p inicial, tem suficientes exemplos. 144 A olhar a isto, o nome de paroécia (vizinha ao norte de Aliovirio, outro pagus), teríamos o pequeno rio Banduje (ant. Bandujo), o qual no séc. VI ficou a dividir as dioceses de Bracara e Portucale. A atual pequenina povoação de Banduje tirou do rio o nome, o que enfraquece, desde já, a aproximação que outrora operei. Logo, não Banduje, no c. Penaguião, junto ao limite da diocese, mas já fora desta. Daí ter-me afastado da inteira verosimilidade de Pandós, f. Parada de Bouro, c. Vieira: sem preocupações de indicar todas as formas, Palantucio> *Paantuço> *Paantoço (não se trata de suf. -uço)> Pantoz > Pandozes pluralizado, como acontece em casos similares, e, hoje mal escrito Pandoses. 145 28. Celo (Cello): Celo ou Boa Vista (f. Mancelos, c. Amaranre). É de crer que a forma Celo esteja mal ortografada; mas, mesmo a ser exata, talvez se pudesse manter a consoante média, por ser nome de um só tema, como em topónimos monotemáticos germânicos. As opiniões até hoje manifestadas sobre a localização desta paroécia são absurdas. 146 A nossa identificação tem por si, além da igualdade do nome, um remoto culto mariano no morro sobre o lugar, Sancta Maria de Cel(l)o. Mantenho Celo, (f. Mancelos, c. Amarante), dado que o -l- pode ser cacográfico, apesar do «Parochiale» e das moedas: nada melhor, equivalente a ll ou a li, que temos em Celorico, perto. 147. 29. Sub Pelegio: Aspeleias (f. Tuizelo, c. Vinhais). O Paroquial arquiva duas formas: Subpelegio (topónimo prepositivo), originária, e Suppelegio,

evolução. 148 A civitas denominar-se-ia *Pelegio, ficando abaixo dela a ecclesia: Sancta Maria sub Pelegio (se não era *Pelegia, pela mui corrente confusão de vogais). Hoje, "as Peleias", com falso antigo.

____________________ A forma já do séc. XI para o XII alternava em Bandujo e Banduja (as terminações -a e o alternavam com frequência na toponímia remota): Bandugiam, 1115, Censual do Porto, p. 2; Bandugiam e Bandusum, 1134, DMP Doc. Reg., nº 139. Aqui, u e a não se deverão à escrita visigótica. 144 O fenómeno p-> b-, em posição inicial, é pouco frequente, e costuma ser explicado como efeito de vogal prostética ou de «fonética sintática» (um falso artigo «a»). Esta não se compreende para o caso, pois que os nomes não a consentem, nem em género, nem em número; e, de resto, não resultaria sempre unidade morfológica. Aquela é rejeitável: basta atender aos derivados toponímicos do lat. pruneu-: uns não apresentam qualquer vogal inicial (Brunh-, com vários sufixos e suas flexões) e nunca a tiveram; outros apresentam-na (Abrunh-, com variada sufixação), mas não a tinham, como é fácil verificar na documentação antiga. Segue-se que pruneu- evoluiu para «brunho». cada um deles, conforme a época, deu origem à referida família toponímica. Portanto o fenómeno p-> b- deu-se sem vogal protésica. É, aliás, o também pouco frequente mas observável caso de c-> g- (inicial). Cp. ainda Purganis > Burgães (que nada tem com «burgo»). 145 1258 Pandozes (*Seppeleio> *Espeleio, *Aspeleio(s) > Aspeleias (com um fenómeno siléptico e de pluralização, devido ao falso artigo, «as Peleias», que levou a considerar-se Peleias o topónimo, aliás ainda hoje acompanhado desse falso artigo, «as Peleias»). Também deve ter-se em conta que se está em região de evolução do latim para o leonês, pelo que não surpreende a conservação do l intervocálico. 149 30. Senequino: Sanguinha (-inho), f. Meinedo, c. Lousada. Com Senequino o Paroquial arquiva a forma Senequio, sua evolução (i nasal, em -io

> -inho na evolução seguinte). Identifiquei, com toda a reserva, outrora, a Sarraquinhos, c. Montalegre. Ignorava ainda a forma 1258 Cerraquinhos. 150 Não me decidi então por Sanguinho (e Sanguinha) na f. Meinedo, c. Lousada, um nome a que aquele evoluira com toda a normalidadem dado que era aí a ecclesia de Magneto portucalense. Pois bem, esse proponho agora. A divisão diocesana passava por aqui: Senequino seria uma ecclesia na extrema bracarense - e aquela talvez de instituição muito recente ao tempo do «Parochiale». Há disto mais casos em extremas diocesanas e separados pelos limites interpostos, como Portucale portucalense e Portucale conimbricense, Insula conimbricense, Ovelione visiense, Selio coni mbricense eFrancos egitanienses. Eram contraposições de sedes paroquiais naturalíssimas, em extremas diocesanas respetivas; e há mais casos indubitáveis. As atuais divisões de freguesias não podem servir de obstáculo. As paróquias não incluídas nesta numeração não oferecem que observar mais. As cinco de Carantonis (cuja evolução a Cantonha não tem a oposição fonética que à primeira vista se lhe julgaria), 151Equesis, Visea, Lumbo e Melga (esta portucalense) foram já todas defendidas da crítica, que as alvejou errónea e equivocamente, creio que sem má intenção (intenção má esta que já houve claramente do seu sôfrego seguidor contra mim, José Mattoso). Um trabalho que, há uns anos, foi aceite por uma das universidades (a Nova de Lisboa) e que comprimia no atual distrito de Bragança onze dos doze pagi, é completamente falho de base científica linguística e de critério. 152 O próprio resultado é absurdo, pois que apresenta essa região, contra a rarefação geral dos casos do interior, mais povoada ou pelo menos tanto como a região de maior densidade paroquial suévica, a interamnense. O bastante, mesmo que muitíssimo mais não houvesse, como fica exposto.

____________________ Por esta mesma evolução leonesa é que em Senabria, logo ao norte de Pelegio (Subpelegio), se conservou o n, devendo ter dado, numa evolução portuguesa, Seabra. Ora em leonês manteve-se Sanabria. Cp. Pelagio > Pelaio. De resto, poderia ter caído o e da primeira sílaba e vir a ser-lhe restituído. Quanto à evolução: Su > Se, deve-se a assimilação; e Se- > Es- > As- são fenómenos já vistos a propósito de Astiatico. 150 PMH, Inquis., p. 1524. 151 A forma Carantonia foi justificada, além de ocorrer noutras partes: Carantonia > Carantonha Crantonha > Cantonha (o grupo consonântico é destruído muitas vezes: Cosconho > Crescónio > Questove > Cristóvão, etc.). A última forma aparece com uma variante, Cantonhi, equivalente a Cantonhe do século XII para o XIII (Cantonho é erro que revela Cantonhe), a qual não perseverou. 152 Por mero acaso, coincidiu comigo (sem o saber, e por motivos errados e equivocados) nos casos Subpelegio e Astiatico. Por desconhecer, eu creio, não fui referido. Os critérios «não podem ficar para trás», «por exclusão de partes», significação igual em nomes parecidos, etc., são o que há de mais surrealista. Acresce o total desconhecimento das leis fonológicas ou do método glotológico; mas isso até se verifica nos chamados «especialistas».(Para J. Mattoso, e para me desconceituar, meramente). 149

pág. 67

O "Parochiale" Suévico (tentativa de identificação das "parochiae")

pág. 68

III PARÓQUIAS PORTUCALENSES AS ECCLESIAE

1. Portucale: Porto. 2. Villanova: Vila Nova c. Maia). O próprio nome indica uma paróquia de desmembração em conformidade com a grande densidade paroecitana no território do Ave-Vizela até ao Douro. O título mariano (para mais, pela festa da Expetação, a única primitiva) e a grande antiguidade da paróquia de Santa Maria de Vila Nova estão de acordo com a identificação. 3. Betaoma*: Vandoma (c. Paredes). Estamos convictos de que a forma Betaonia do Paroquial, se bem que única, não foi bem lida e que revela a correntíssima consusão do m com o grupo ni, até porque a terminação -nia era a que mais naturalmente devia acudir ao copista. E no entanto, não faltam ainda hoje topónimos em -oma, como Morsdona, Bastiona, etc. 153 A evolução fonética não oferece qualquer singularidade: Betaoma >*Bedaoma>*Bedoma> Bendoma, Vandoma. A forma antes da Nacionalidade já era Bendoma, designando um notável oppidum, que é, sem dúvida, a civitas Bataoma; e conserva-se aí o culto mariano, embora já não titular da paróquia. 154 4. Vesea: Inveja, f. Penamaior (c. Paços de Ferreira). P. David prefere Visea a Vesea, embora uma das formas goze de tantos testemunhos como a outra. Influenciou-o claramente o nome Viseo, da cidade episcopal, quando nada há de comum entre os dois nomes: pelo contrário, o acento em Vesea deve estar na primeira sílaba, o que tornaria a evolução para Beja 155 absolutamente normal. De resto, Vesea poderia ser evolução de Visea, com i tónico breve. O topónimo Castelo no lugar pode recordar a civitas Vesea, ou Visea. Com a evolução Vesea em proparoxitonia, fiz-lhe, pois, corresponder Veja ou Beja 1258,156 parece que na f. Mouriz (c. Paredes). Não desejo manter isso: se não se trata do mesmo lugar, mudo para Inveja, com uma próstese falsamente interpretativa, 157 pouco distante, c. Paços de Ferreita, f. Pena Maior. Domingos A. Moreira, tomou a palavra acentuando-a na primeira sílaba, o que eu já havia feito, justificando-o; todavia, opôs-se à minha identificação

Beja=Veja (aliás Inveja, como mais tarde verifiquei, por mim mesmo) dizendo simplesmente poder

____________________ 153 «alpe Morsdoma in ripa Sausa», onde fica também Bendoma: PMH Dipl. e Chart., nº 370. Bastiona é um sítio na parte serrana da freguesia de Tarouca. 154 «castrum Bendoma» PMH Dipl. et Chart., nº 148, 198, etc. Por vezes Benidoma, má leitura de Bemdoma (lb., nº 532). Não passa de um sonho a relação com Vandôme francesa, nos escritores fantasistas do séc. XVII-XVIII; mas note-se como tal elemento pré-romano também aparece fora de Portugal. A nasalação Be- > Ben- deve-se ao -m- seguinte. 155 Este local é citado nos PMH Inquis., p. 570. É claro que não se pode pensar na etimologia de Beja, a cidade, porque provém de Pax (Julia) com intervenção glotológica árabe; e nem mesmo em topónimo de importação, porque um tal movimento toponímoco efetuava-se, com a Reconquista, de norte para sul. 156 PMH, Inquis, p. 573. 157 Temos casos análogos em Enjoas e Empaio, provadamente de Joas (que hoje entendo Jós) e Paio: cfr. a minha Toponínia Vianense, «Cadernos Vianenses», VI (1982), pp 297 e 328.

pág. 69

haver «outro» termo para explicar Beja (de fixar esta forma, pois foi a que adotei e a crítica tomou para discretear como se vai ver) e por existir uma «série de antroponímica gremânica» (assim lhe chama) apropriada. Vejamos, pois. * Do aventado ou outro nome, não dá exemplo, nem fala mais - contra o que seria devido e de exigir, porque, nestas coisas, não há falar por falar, nem autoridade a que baste dizer é ou não é, sem justificação alguma. * Quanto a tal série antroponímica, apresentou esta: Begica Enneconi 968, Aloito Begikaz 995, Begion Godulfici 1080, Ioannes Beiariz, sem data. Novamente como se eu desconhecesse nomes que me são tão familiares há dezenas de anos (cerca de quatro decénios). Como chama a isto «séries», não devia ter apenas em vista a ordem cronológicas, mas a existência do -g- nas primeiras formas e a sua inexistência nas últimas. Ora parece que não é por isso: amontoou pela ordem dos anos (amontoar é método «pidalesco»: de vista e ouvido) e, como teria de ser, pois as transformações fonéticas são cronológicas, teria resultado do facto uma pretensa série fonológica. Mas não: e os nomes sem sequer se relacionam.

- Tudo indica (pela frequente confusão de b) e h), ou pode mesmo afirmar-se, que há má leituras do caso: o Begica 998, um «senior» vimarense, aparece Hegica 957, 158 e o Beiariz patronímico que se alega é Heiariz 1131 (o próprio documento de que o crítico não aponta a data). Um nome que é de crer seja arábico (não germânico), e com ele outro (o patronímico Begikaz), não dão o B- para Beja, - e há mais provas disso. 159 Vejamos se, não dando o -b-, dá Domingos A. Moreira, o -j- do mesmo topónimo Beja, que me refuta de Visea, Vesea. - A fonética do -g- naqueles nomes, o que a crítica parece ignorar, é mais sincópica que de conservação. É mesmo por não o saber que nem repara que os seus alegados Benion e Beion são o mesmo nome. esta forma precisamente a evolução daquela 160, Portanto, a crítica também não obteve o j- para a sua Beja (a sua, que não a minha). Pior - pois é agora evidente que Moreira entende que o -i- dessas formas (Beion e Beiariz) é uma consoante, o -j- de que precisa, quando ele não passa, pelo menos ainda, do -i- vocálico pré-existente (em Bejion, pelo menos) e ditongado, na primeira sílaba, pela síncope da fricativa. Confirma-se que o amontoado à Pidal daria em série fonológica só por acaso - mas, para o pior, nem isso é.

____________________ PMH, Diplomata, nºs 97 e 71. Doc. Livro Preto, nº 342. Poderia alegar-se o caso daquela senhora de patronímico Beicaz (aceite-se o B- para discutir), 1107 DMP Partic III, nº 247. Com ela, e para o mesmo fim, e num mesmo lugar, figura um Eicanus 1b., nºa 376, que deve ser seu pai. Portanto, sempre má leitura: ou ele Beicanus (Beica>Begica) ou ela Heicaz (Hegicaz). Ora, o erro está no B-, porque não se documenta Begica mas Hegica (repare-se no que se expõe no texto a seguir), e na toponímia é Hegica (Egica) só que figura: o caso de Icas > 1258 Heyca PMH Inquis., p. 473 (Beyca seria um erro). Mais uma palavra, ainda, para o tal Beiariz desta crítica (e seu admirador e adotante Mattoso): pois que o diz germânico, pergunto que modo válido há de juntar reiks a ila. 160 É perfeitamente, o caso de 944 Agion(e) dito em 1041 Aion, a mesma pessoa (PMH Dipl., nos 54 e 316. 158 159

pág. 70

Mais não se precisa para rebater este particular profundamente infeliz da tal crítica, que J. Mattoso propalou ser «radical». Mas há mais. Na verdade, de acordo com a confusão (aliás má leitura: a confusão é só da crítica), acabada de referir, temos que Begica é forma que nem se explica: não se encontra um elemento germânico beg-, ao passo que há (h)eg. Teria de ser de tema -a-, e, por outro lado, Beja teria de provir de monotemático. Ora este nunca poderia dar o -j- a Moreira em razão da vogal temática. Tomemos então o seu hipocorístico: a única realidade, neste caso, seria o desaparecimento do -g- (e não só o do l sufixal, o da base do hipocorístico, isto é, próprio da sua vogal temática). Não há o B-, nem dá o-j- para Beja de

Domingos A. Moreira: o B-, porque não existia, e o -j- porque não se formava (como não dá também o -g-). Desculpe-se o tom brincado destes reparos fonéticos: é um dos processos de aprendizagem, como se sabe - e não só um de «cstigar», na aceção etimológica desta palavra. A minha identificação de Vesea poderia ser posta em causa alegando-se uma transplantação por moçarabia migrada do Sul - e eu mesmo pus essa hipótese. A crítica nem nisso tocou: admitir essa possibilidade era aceitar-me alguma coisa, e não se estava disposto a isso. Tão chocante a minha ousadia de trabalhar linguisticamente no «Parochiale» suevo - reservado só ao «pidalismo», que, afinal, nem nele entra. Por isso, desagradou tanto o meu trabalho. 5. Menturio: Montoiro, Monte Doiro (f. Perafita, c. Matosinhos). A evolução é regular, com influência final de etimologia popular (que, como se sabe, ocorre inúmeras vezes na toponímia, o seu campo mais espontâneo): Menturio > *Mentuiro> *Mentoiro> Montoiro, Montouro, interpretado popularmente Monte Doiro, Monte Douro. O topónimo Crasto pode muito bem recordar o oppidum da civitas Menturio. Algumas considerações atinentes o tal assunto fã-las-ei breves, como tudo isto, por necessidade: *Montouro, que faço corresponder a Menturio foneticamente, diz J. P. Machado, no seu dicionário onomástico etimológico, que estará por Monte de Oor (Or); ora, se assim, seria Mont(ed)or; ora, se assim, seria Mont(ed)or - e seria preciso conhecer uma forma antiga. De Netos, que fiz corresponder a Nettos (de Nettis), diz tratar-se do apelido de família Neto - o que não consta lá, como de lá fui informado. De Belga, que fiz corresponder a Melga, dis o n. comum «belga», sem olhar à total falta de poder toponimizador ou congruência (extensão, permanência e circunstância); e a própria embora discutida etimologia do vocábulo está a favor da nossa Belga nada ter a ver com ele. Lavra, que liguei aLabrencio (e a Labruge, local adjunto, ou seu rio), foi resolvido pelo regressivo verbal «labra», impossível de admitir na remota documentação do topónimo Lavra (além da falta de congruência). Tronco, que mostrei em Truculo, é para Machado o n. comum «tronco» (sem dizer se de prisão ou se de árvore). Medas, que corresponde, inubitavelmente, a Medolas (século X) e em que vi Mendolas do «Parochiale», foi dado como n. comum «meda», ignorando aquelas formas. Aqui estão o que é crítica e o que é ciência hoje entre nós e lá nas "alturas": mas regressemos a Menturio, após tão edificantes exemplos de como "anda" o assunto ainda hoje, com tanta e tal oposição a mim sem uma prova inconcussa ou sequer viável. Esta paroécia, se acertamos, é uma das cinco ou seis que ocupavam o ângulo do Douro com o mar, de acordo perfeito com o desenvolvimento crescente de Portucale, a partir do séc.

pág. 71

IV-V: Labrencio, Menturio, Villanova, Truculo, Valle Aritia, Netis, quando não

ainda outras, transmitindo a Portucale no séc. VI, por se tratar quase sempre de paróquias arianas, a sua singularidade e eclesiástica episcopal (com Magneto), como já vimos de passagem. 6. Torebria: Talvez Milhundos (c. Penafiel), como veremos em conclusões. 7. Baubaste: Bidebaste /f. Vila Boa de Quires, c. Marco de Canaveses). O Paroquial aponta duas formas legítimas: Bauvaste e Baubaste. A evolução fonética teria sido: Baubaste > *Babuaste (dissimilação) > *Badvaste (consonantização) *Badbaste:> *Bedebaste (dissimilação) > Bidebaste, Bidebasto. O local fica abaixo do cume castrejo de S. Domingos, que, neste caso, não deve corresponder à civitas Bauvaste. 8. Bonzoaste: ? 9. Lumbo: Lomba (c. Amarante). Optamos por tal correspondência 161 tendo em vista estes dados: a falta em que sem isto nos ficaria o arcediago e Terra de Gouveia (de Riba Tâmega); completar-se, assim, o conjunto de correspondências na parte oriental da diocese (Bauvaste Benviver, Melga - Baião e Aliobrio - Penaguião). 162 O próprio nome, até porque podia ser Lumba original, dado que, nestes documentos dos séc. VI e VII, as trocas de -o e -a finais são frequentes, está de acordo. 163 Bastou o facto de existir mais uma Lomba nos limites da diocese (a de Portucale) para que a crítica se dispusesse a substituir o lugar que escolhi por outro do mesmo nome, como se eu ignorasse que outros o tinham, dentro desses limites (no que pus todo o meu cuidado), e propusesse um sem quaisquer razões de preferência a outro. Ad libitum, o que usei. Eis o que diz: «Assim, "Lumbo" em vez de referir-se à atual f. Lomba, não poderá aludir ao topónimo "Lumba" citado na querela dos limites diocesanis entre o rio Odres e Burgâes?» Mera quezília - mas foi «contestação radical», secundum Mattosum... Tendo eu, no meu trabalho, tratado das divisões diocesanas na época visigótica, é evidente que não poderia desconhecer tal caso, e um documento tão divulgado.Não admiti a Lomba que diz (e que é na f. Sabrosa, c. Paredes), como não a de Burgães,simplesmente por se acharem junto da linha diocesana divisória, e não terem os títulos paroquial, histórico e arqueológico que considerei em Lomba do c. Amarante. E cofirmei-me na solução quando verifiquei, cartograficamente, ocupar um território paroquialmente vago, enquanto o das outras Lomba resultaria preenchido (Milia, Magneto, Vesea, etc.). 10. Nettis: Netos (f. Jovim, c. Gondomar). P. David prefere a forma Nescis sem justificar, 165 havendo Nestis e Neris e não se explicando o nexost. Quanto a nós, todas as formas se reduzem a Nettis, ainda que o Paroquial não revele o grupo tt(facto que já se dá com Cottis, indubitavelmente, como vimos), tanto mais que a confusão de s e t ocorre com frequência, não falando já da ainda mais frequente entre t e c.

____________________ Os limites da diocese pela vula de 1108, informados de Portugal para Roma, iam, depois do rio Odres, «ad Lumbam» (mal kido Limbam) doc. em Erdmann, Papsturkunden, p. 163. Nada tem com esta, portando; mas nota-se a realidade de Lumba. Ver a segunda das notas que se seguem. 162 Na parte oriental, não existia a forte subdivisão paroecitiana que se verificava na central e, sobretudo, na ocidental. 163 Cp. Duna, por Durio, no Provincial, e, ainda neste, muitos outros casos: Gesta - Gesto, Silva - Silvo, Travella - Travello, Vadosoto - Vadesota, Cobella - Gobello. Note-se ainda a remota realidade de Lumba (e não Lumbo), localidade que balizava as dioceses de Bogastri e Ilici. (Cfr.o Provincial, em V. de Parga, La Division de Wamba, pp. 74-78). 164 É o seu título Paróquias Suevas e Dioceses Visigóticas, bem expressivo do que pretendi. 165 Étud. Hist., p. 34 e nota. 161

pág. 72

A série fonética justifica a identificação que fazemos: Nettis > *Nettes > Netos, com auxílio de interpretação popular (ou até por simples dissimilação). Mais natural ainda, que Nettis equivalha a Nettos, como sucede com Oculis > Oculos, documentalmente, e com Equesis > Equedios. Além disso, o topónimo nada tem com o apelido pessoal ou o substantivo de que dá ideia; e a situação do Oppidum de Gondomar, (nome germânico) na vizinhança pode muito bem permitir-nos crer que se trata de civitas Nettis - mais uma vez a ecclesia se tendo erigido fora da sede civil, se é que esse arcaico oppidum a era ainda. 166 11. Napol(l)í: (Napoli): Nabole (f. Duas Igrejas? c. Paredes). Em 1258, cita-se um indivíduo de apelido Nebole, que é, nitidamente, toponímico. Existia, pois, ainda, um local desse nome; mas não sabemos onde situado, embora a citação se faça na f. de Mouriz, c. Paredes, 167 no qual já encontrámos as paroécias de Betaoma e Vesea. Esse indivíduo é um proprietário naquela freguesia, o que não força a que o local de Nabole fosse nela; não devia, porém, ser muito longe, como se compreende. O facto leva-nos a pensar em Duas Igrejas, topónimo que nos indica, como nos parece, a existência simultânea de dois templos paroquiais, constituindo unidade, - o que só pode ser ecclesia mater e ecclesia baptismalis, (uma, de Santa Maria, que, para mais, é ainda o orago daquela freguesia, e outra, seu batistério, de S. João). A evolução de Napoli (acento na segunda sílaba) não oferece singularidade: Napoli > *Nabole > *Nabol, Nebol>Nebole (restauração da vogal surda final), ou, melhor, Nabole, novamente, a forma que deve ser genuína no séc. XIII, em que ainda existiria. 12. Curmiano: ? 13. Magneto: Meinedo (c. Lousada). Antes de mais, tendo este topónimo a variante Caguesto, sua deturpação (pois que Magneto é indubitável), não

deixaremos de apontar o que uma tal variante representa na apreciação dos casos de depravação, ainda os mais inverosímeis. Além de se revelar a confusão de n com a, muito vulgar e compreensível, prova-se a realidade de inserções ou de letras espúrias (como o s, se não é confusão com t, devida a uma errada ortografia do modelo, Magnetto), e o aparecimento das letras mais inesperadas (como o n substituído por c). O nosso método não deixa de receber, com este exemplo (e muitos outros há), uma justificação apreciável. Mas não para nisto a importância de um caso tão indubitável para nossa justificação. É que com este nome e esta paroécia ocorrem várias circunstâncias que apontámos como indispensáveis na procura e confirmação de uma correspondência. Assim, arqueologicamente, podemos rastear a origem da civitas Magnetum na elevação chamada ainda Crasto, e o territorium civitatis representa-se, na Reconquista, na chamada Terra de Lousada, a que, no eclesástico, correspondia o arcediago de Meinedo, também chamado Terra de Lousada por influência da designação civil. 168 A igreja atual revela ainda restos visigóticos, e há vestígios de povoação romanizada (abaixo do

____________________ A nosso pedido, informou-nos, em 1966, o P. Domingos Costa, pároco de Jovim: «não creio que esse nome se relacione com nenhum Neto célebre» e «a origem deve ser idêntica» à dos restantes topónimos da freguesia. (Sobre o «mons castro Gondomar» ver PMH Dipl. et Chart., n.os 409, 818, 874, etc.). 167 PMH Inquis., pág. 570. Quanto a Nebole, por Nabole, ver Betoca, ib., p. 616, por exemplo, para se notar que é engano frequente ou que pode sê-lo. 168 «sextus (archidiaconatus) Terra de Laussata»: Censual do Porto, p. 494 (ano 1185); «Arcediago de Meinedo» (séc. XIII-XIV), Ib., p. 576. 166

pág. 73

oppidum). 169 Aquele templo foi-o de um mosteiro dedicado a Santo Tirso, o que nada atenta contra Sancta Maria de Magneto paroecitiana, dado que a titular da paroécia ainda aí se lembrava nos inícios nacionais. 170 O facto prova que a titular do templo da paroécia poderia vir a ser substituída, sem que o caso atente contra a realidade paroecitana num local que disso apresenta provas ou simples indícios. Também se nota que a civitas já devia estar, havia muito, abandonada, por uma povoação na baixa, com o seu nome ou com outro, mas designando-se por aquele o templo da paroécia, e esta, portanto. 171 14. Leporeto: Cerca de Vila do Bispo? (c. Marco de Canaveses). Ver o aditamento. 15. Melga: Belga (f. Santa Maria do Zêzere, c. Baião). Evidentemente que o n. comum «belga», além de grande falta de congruência toponímica de

povoação, é muito posterior ao topónimo Belga, além de este ser o único (o que seria pouco de crer noutras condições): A fonética não oferece qualquer contrariedade, e o topónimo Crasto, na vizinhança, pode muito bem recordar a civitas Melga, com sua necrópole logo ao lado, em Paços. O facto de o topónimo Belga não existir senão aqui culmina a convicção. Incluo este caso com os precedentes por ter sido aquele com que se quis demonstrar que eu devia ter «garantido a identidade histórica» dosnomina com os nomes que lhes dei como correspondentes - coisa absurda: primeiro, porque é o mesmo que exigir um estudo infalível, ambição de insensato (eu declarei hipotético o meu, bem claramente: mas, hoje, não o creio tanto isso como então, por mais que os críticos se escandalizem); segundo, porque enuncia um despropósito, o de se exigir que se apresente o que se busca antes de o buscar, ou exigir-se ter por obtido aquilo que se quer obter. E apresenta-se um único exemplo, Melga > Belga, por ser (repito as suas palavras) aquele «em que a verosimilhança da relação fonética é maior». Significa isto aquilo que em tão pequena extensão de objeções já se notava: parece que o desconhecimento da fonética elementar. Esse caso não é o de maior verosimilhança, nesse ponto de vista: as leis fonológicas do m não permitem pensar isso, porque só excecionalmente se dá o fenómeno m- > b-, inicial. 172 A lei é tal m- conservar-se. Pelo exame à crítica dos cinco casos, únicos em que ela nomeadamente incidiu (Carantonis, Equesis, Visea, Lumbo e Melga), totalmente errada e equivocada, vê-se havendo boa fé, o que ela vale. Se quem a fez e alguém a propala como válida avaliaram já a injustiça do descrédito que lançaram sobre mim e a minha obra, sem fazerem a mínima substituição objetiva ou nomeada, ficarão na obrigação moral

____________________ Cit. Enciclopédia, XVI, p. 741. «monasterii Sancti Rirsi de Mainedo»: PMH Inquis. p. 543, a qual «ecclesia Sancti Tirssy de Magneto» era então a paroquial: Censual, p. 570. No entanto cita-se aí ainda em 1258 «portella Sancte Marie»: PMH Inquis., p. 553. 171 O professor Torquato Soares, Reflexões, I p. 160, parece emitir a opinião de que Magneto é um caso de estabelecimento de sedes episcopais «em sítios ainda não povoados». Não pode ser, pois, o caso; e a significação do facto episcopal de Magneto já a aflorámos e será reabordada noutra parte deste estudo. (Aliás, o topónimo até prova que o local era povoado). 172 Já muito depois de redigida esta comunicação, descobri uma crítica feita por este mesmo filólogo a uma opinião minha acerca de um topónimo no conc. de Ponte de Lima (crítica essa de 1983, «Arquivo de Ponte de Lima», IV, 1983, pp. 173-176), referindo-se a mim apenas por indefinição: «supôs-se», «fui lembrado», etc., e nomeado sempre os outros autores, Não quero, hoje, fazer considerações sobre o caso, senão que mantenho o meu ponto de vista. Não creio que haja filólogo verdadeiro que concorde com a oposição que me foi aí assim feita. 169 170

pág. 74

de retratar-se tão pública e extensamente como me prejudicaram (e ao estudo

do «Parochiale», pois nem olho à intenção) perante quem estimaria comprometer-me. E esse «quem» eu sei que não falta; e não é um só. Isso, repito, não me preocupa como pessoa: preocupa-me pelo meu trabalho, que foi, e é, honesto e válido; e é único ainda. Apresentem-se alternativas - e queime-se a obra quando houver outra. E já nem digo seja ela melhor. Assim é que não. E isto não é polemizar: o «Parochiale» precisa de ser estudado. Quem não for capaz de o fazer não impeça os outros. Nem maldiga do que não conhece. Corrigir, se se puder, sim. 16. Tongobria: a arqueologia prova junto a Marco de Canaveses. 17. Villa Gomedei: ?173 18. Trauvasse (Táuvasse): Tougues (c. Vila do Conde). Todas as variantes se reduzem a Trauvasse ou Trauvase (que vem a ser o mesmo, atendendo a que o s simples e o s duplo teriam aí a mesma pronúncia); e o acento devia estar na sílaba inicial. A evolução fonética é, nessas condições: Tauvasse > *Tauvas > *Taugas > *Tougas >Tougues. A mudança da terminação –as em –es é muito frequente na toponímia.174 Já vimos que Taubis, bracarense, nada tem com Tougues, ao contrário do que um Autor atual pretendeu.

OS “PAGI” 19. Labrêncio: Lavra (c. Matosinhos). Em favor desta identificação, temos o remoto fenómeno da redução toponímica, que devia existir como o inverso e que se verifica, em nosso ver, também em Erbilione, tudense. Aliás, pode considerar-se mesmo o caso de Labrencio se ter formado de Labra.175. O topónimo Crasto cerca do local, com vestígios romanos, o título S. Salvador, que condiz com a organização paroecitana, podem ainda servir para abonar por aqui esta sede de paroécia. 20. Aliobrio (f. Cidadelhe, c. Mesão Frio). Este nome, como já sabemos, é um dos que provam mais à evidência a falsidade da tese do desaparecimento da toponímia paroecitana e numária com a conquista muçulmana e a Reconquista. O local ainda do séc. IX para o X tinha bastante importância, 176 e o nome desapareceu já depois do séc. XII.177 ____________________ Seria absolutamente absurdo pensar em Gumeei (f. Ribafeita, c. Viseu), embora a origem do nome possa ser idêntica. 174 Arcas-Arques, Ribas-Ribes, Cabanes-Cabanas, Rocas-Roques, Eixos-Eixes, etc. E bastaria Chávias (Flávias) - Chaves, pois não é o ablativo (Flaviis) que ainda se cuida. A forma diplomática Tauquis, Taukis, contém puramente um artifício tabeliónico, muito vulgar: a transformação das oclusivas sonoras em surdas, estando, pois, longe de ser o que julga o Prof. Avelino Costa, ob. Cit., I p. 134 («ser fácil a troca do k pelo b»), ao identificar Tauvis ou 173

Tougues., como já vimos. Somente é um pouco singular a evolução – v - > - g – medial, embora não inadmissível. 175 «monesterium Labra que est fundato ab antiquo in ripa maris», dizia-se no séc. IX para o X: PMH Dipl. et Chart., nº 12. No entanto Labrense (inter Ave et Labrugia… território Labrense», Ib., nº 281), não é o mesmo nome Labrencio. 176 Ainda em 911 «facta est congregatio magna in locum predictum Aliobrio» (Ordonho II e s seus grandes): L. Fidei, nº 19. 177 Cerca de 1250, «homines de Alovrio»: Prof. Avelino Costa, O Bispo D. Pedro, I p. 159. Reparo que se acha nos PMH Inquis., p. 1227, mas tudo me está a sugerir que se trata de deturpação de Lovrigo (Loverigos), hoje Lobrigos: o texto respeita à sua zona, precisamente, o que diz tudo, em meu ver, tanto mais que em “Alovrio” se trata do c. Marta de Penaguião (com zona de Mesão Frio longe daí, sendo a de C. Mesão Frio indubitável paraAlibrio: ver a nota 178).

pág. 75

Em 1116, diz-se que os lugares de Seixido e Fontelas de Baixo, partindo com Fontelas de Cima, Godim e Oliveira, tinham como estes, «jacentia in Aloifrio… discurente ribulo Sarmenia et flumine Doyro»,178 do que se vê que o território de Aliovirio era cortado pelo pequeno rio Sermanha (zona comum aos atuais concelhos de Peso da Régua e Mesão Frio). Outro documento da ocasião refere-se à portagem do Douro, desde o «porto» ou passagem de Aliobrio até à foz: «de portu de Aliovirio». 179 Não significa, evidentemente, que a povoação estivesse mesmo à beira do rio, ao que nem a topografia convém, tratando-se de povoado notável, de que de resto, não há aí, ao contrário do que se esperaria, o mínimo indício. A passagem do Douro aí chamava-s «de Aliovirio» por servir esta povoação ou o território deste nome, que no Douro limitava. Por isso mesmo estava depois aqui uma das três passagens mais importantes do Douro hoje português, sendo o «Porto de Alva» (Barca de Alva) a do extremo oriental, e o «Porto do Douro» (hoje Porto) a do final. Em 970, citam-se «terras que jacent usque in muro qui (que) divident per villa de Civitatelia… usque Sarmenia»,180 isto é, desde «o muro» até ao Sermanda. Esse muro (com bem mais notável importância há mil anos) deve ser o do monte sobre a Cidadelha (tanto mais que essas «terras» limitavam por ele e iam «per lombo», pelas elevações até ao pequeno rio), e dele ainda no séc. XIX se dizia tratar-se de «ruínas de uma antiga povoação, cujos muros ainda em parte estão levantados», com uns três metros de altura. 181 Para nós, trata-se da velha civitas Aliovirio, a qual, decaindo, originou, perto, uma outra, mais pequena, uma civitaticula, origem de nome Cidadelha (Cividadelha); e o «porto de Aliovirio» é Moledo, passagem ainda importante e famosa nos inícios nacionais, onde precisamente atravessava o Douro a via militar romana de Bracara aos Transcudani, etc., por Lameco.182 21. Vale Aritia (Porto). É dos mais notáveis este topónimo paroecitano: todavia a expressão toponímica Valle Aritia não consta do Paroquial, mas de moedas visigóticas. A forma Vallericia, naquele monumento, que dir-se-ia, por isso, ser anterior à dita expressão, é, pelo contrário, uma evolução sua, devida a atualizações (no tempo da cópia).

A forma atual, Vilariça, é a do nome de um local que devia ficar muito dentro da atual cidade do Porto e pelo qual passava a via militar Olisipo – Bracara: desde Miragaia ou mui cerca, «seguiria a via romana por Entre Quintas, Vilar e Vilariça». 183

____________________ DMP, Doc. Rég. I, nº 45. Nele se leu Santanelas em vez de Fontanelas, sem a menor dúvida. 179 PMH Dipl et Chart., nº 25 (pretensamente do séc. X). 180 PMH Dipl et Chart., nº 101. 181 P. Leal, Port. Ant. E Mod., 11 (1874), p. 299. Ver as notas arqueológicas na cit. Enciclopédia, VI. P. 752 (sem fazer qualquer evocação a Aliobrio). Esta povoação devia já estar decaída antes da nacionalidade. Nada, pois, indica que a «congregatio magna» de 911 não fosse na própria Civitatelia, sua substituta, sendo já Aliobrio um corónimo (nome de território), como depois nos aparece, nomeadamente no documento de 1116, onde esse carater coronímico é flagrante. 182 PMH Inquis., pp. 1004-1005; TT Chancelaria de D. Dinis, L. 2, fl. 108v-109; Viterbo, Elucidário, s. v. Caria. Não significa que em tempo de D. Teresa se chamasse já Moledo ao passo. (passo no original) 183 Ver Prof. T. Soares, Reflexões, I pp 154-155, nota, citando Armando de Matos. Como não conseguíamos localizar esta Vilariça, obtivemos por carta o seguinte informe do Dr. A. de Sousa Machado: «A forma como ele (A. de Matos) escreve Entre Quintas – Vilar – Vilariça dá a entender que são pontos próximos, dentro da cidade do (Porto). Na realidade, Entre Quintas e Vilar são contíguos, e, assim, parece-me que não faria sentido que citasse dois pontos ligados, para, imediatamente, saltar para um terceiro, distante. Na minha hipótese, pois, Vilariça seria pouco acima do Palácio de Cristal, na casa da Torre da Marca. E o facto de ficar assim dentro da cidade, explicaria melhor que desaparecesse da memória»: Claro está que A. de Matos não iria inventar, - para mais, coincidindo com a existência de uma Valle Aritia paroecitana portucalense e esse nome, se deixou de vigorar, apenas há pouco desapareceu. São coincidências a que teremos, realmente, de dar um positivo valor, que merecem; e nem nos repugna crer que, quando se elevou a sede do bispado, talvez Portucale não fosse sede paroecitiana, apesar do desenvolvimento tomado: a sede (ecclesia) estaria, de tempos, pois, remotos, em Valle Aritia, pouco distante, aliás, da civitas. 178

pág. 76

Tendo P. David caído nela, estabeleceram os nossos autores uma confusão de graves consequências com Vallaritia bracarense (a do Sabor). A essa confusão, se bem que os ditos autores não expliquem, levaram circunstâncias variadas, de que expomos e criticamos as principais: a) A semelhança ou suposta igualdade de nomes. São eles, porém, totalmente diversos: em Villaritia (bracarense), o termo *vallaricia, «no sentido concreto de munitio», muros de fortificação, 184 e em Valle Aritia, dois termos, valle e aritia, este em função adjetival e concordando ainda em género com o primeiro. 185

b) A igualdade de «categoria», pagus. Como, porém Vallaritia bracarense é nome interpolado, nada prova que o interpolador olhasse a tal distinção (que, nesse tempo, já nem devia existir, quando mesmo não fosse ela no sentido herético que lhe achámos no Paroquial), e tudo indica que apenas considerou a contiguidade territorial (a Tureco – Lampaças). c) o carater interpolativo referido de Vallaritia bracarense, o qual, em razão de Valle Aritia portucalense, levou a considerar uma subtração à diocese do Porto, para a de Braga. Mas nunca aquela Vallaritia podia ter sido do Porto: se o fosse, esta diocese seria extravagantemente estreita e alongada, uma fita à margem norte do rio Douro, desde o mar à atual fronteira espanhola (pois que Vallaritia compreendia Alba, Alva). De resto, ficaria separada do Porto por toda a extensão do Corgo final ao Tua inferior, território indubitavelmente de Pannonias (Panóias). Estes absurdos 186 são antes um notável apoio da genuinidade de Valle Aritia portucalense, Vilariça dentro do atual Porto. 22. Truculo Tronco (ff. Paranhos – S. Mamede de Infesta, cc. Porto e Matosinhos). Apesar das variantes, esta forma não oferece dúvida, 187como não a oferece Truluco, forma de evolução (hipertética) daquela, e certamente ainda Trunluco (na qual se confundiu o primeiro u com o a, em escrita visigótica, resultando sem dúvida a errada lição Tranluco, a qual, de qualquer maneira, abona uma nasalação que já em tais condições, poderia esperar-se). A evolução teria sido, pois: Truculo > Truluco >*Trun ( l ) co > *Trunco > Tronco (nada tendo o topónimo com o n. comum «tronco», falho de congruência toponímica). 23. Cepis: Há nos concelhos de Marco de Canaveses e Penafiel um lugar de Cebes, que anda mal escrito, respetivamente Ceves e Seves. Não localizo, precisamente, mas deve situar-se no limite que o torne comum a duas freguesias, uma de cada concelho – de zona à direita, pois, do rio Tâmega. Esse lugar, além de ser “portucalense”, diocesano, de sempre, tem um nome que evoluiria de Cepis ( > *Cepes > “Cebes”), com toda a normalidade fonológica. 24. Mendolas (Mêndolas): Medas (c. Gondomar). Além de Mandolas, o Paroquial arquiva Mendolas, que lhe é equivalente ou é mesmo a sua evolução. A representação na atual freguesia de Medas ainda se prova pela forma do séc. X–XI,

____________________ Leite de Vasconcelos, Etnografia Portuguesa, III, pp. 176 – 177. Raiz ar-, alusão a secura ou infertilidade. 186 Temos de novo em vista os antigos equívocos do Prof. Avelino Costa, n’O Bispo D. Pedro, I, pp.106, etc., sobre Vallaritia e Taubs. 187 P. David, Étud. Hist., p. 35. 184 185

pág. 77 Medolas, 188 e pela dos séc. XIII – XIV, Medãas (acento na primeira sílaba).189 Está, pois, documentada a série fonética: Mandolas > Mendolas > Medolas > Medõas > Medãas (acento na primeira sílaba e nasalação provocada pelo m inicial e depois desaparecida) > Medas. 190 São confirmantes aqui da civitas Mandolas os restos de fortificações de um tipo mais evoluído que o castrejo, na eminência sobre a igreja paroquial. A dedicação desta a Santa Maria corresponde, por sua vez, à paroécia de Sancta Maria de Mandolas, e a existência de um remoto templo de S. Salvador poderia ter-se originado da igreja cemiterial paroecitana. 26. Palentia: Binça (f. Beire, c. Paredes). Palantia está documentada no Paroquial (e epigraficamente), bem como Palentia, que é a sua evolução. P. David preferiu a forma Palentiaca, um «alongamento» daquela 191 e apenas com três abonos, tendo aquelas os restantes cinco. Essa forma, porém, não se deve ter imposto e, por isso, não se fez a evolução com ela, 192 o que aconteceu ainda noutros casos (como Caliabriaca, de Caliabria). A evolução para Binça não parece oferecer grandes dificuldades: Palantia > Palentia > *Paencia > *Baença > Bainça > Binça. Hoje, paragogicamente (fenómeno correntio na toponímia), diz-se Binças, com a pseudocorreção do b (Vinças).193 É notável a posição isolada deste pagus entre ecclesiae, ao que nada se oponha, estando, de resto, próximo, ao nordeste, o de Celo. Acresce que um tal isolamento pagano, ainda nesta diocese, se verifica com Mandolas, se bem que este pagus se separasse do acervo de pagi da zona do atual Porto e redondezas apenas pela paroécia católica de Nettis. Isto se não estão erradas as nossas identificações e localizações, o que, para algum caso ou outro, sempre admitiremos suceder.

____________________ Limites de Melres (com Medas): PMH Dipl. et Chart., nº 420. Médãas PMH Script., p. 376. A forma Médanas é apenas uma ortografia (an=ã) tabeliónica sobre a real, Médãas, nos PMH Inquis., p. 520, ou simples artifício erudito. 190 Sobre a evolução fonética, convém notar que a nasalação da primeira sílaba foi «absorvida» pelo M-, que, mais tarde, a refaria, mas na segunda (desaparecendo, por fim, também nesta, pela «reabsorção» naquela consoante nasal). 191 A variante Palentiaga (caso único) é, claramente, artificiosa, uma sonorização «pessoal» (pelo copista). Quando ainda se conservasse o l (e até o t, pois não se trata apenas de grafia), seria inadmissível tal fenómeno. 192 Muitas vezes, temos encontrado, ou utilizado, o fenómeno de «alongamento» toponímico, que se dava em épocas remotas. Não é descabido, por isso, lembrar-lhe a frequência em – ia (Nebis > Nebia), em –encio (Labra > Labrencio), em –one (Erbilio > Erbilione), em – ona (Olisipo > Olisipona, Barcino > Barcinona, Tarraco > Tarracona, Narbo > Narbona, etc. ). No geral, mantinha-se, e com ele se fazia a evolução: Nebia > Neiva, Olisipona > Lisboa, Tarracona > Tarragona, etc.; mas, outras vezes, não se impunha, talvez por falta de generalização: Erbilio, Labrencio e o caso presente, Palentia (Palantia). 193 A forma Palantia contém-se no gentílico Palantianus, referente a um indivíduo (liberto de Augusto) que figura numa inscrição aparecida «na Terra da Maia, que naquele tempo se 188 189

chamava Palancia», diz Viterbo, que a reproduz (Elucidário, s. v. Vieira). Diz isso porque a lapide surgiu ali; mas o próprio epíteto Palantianus, indca que o indivíduo em questão não era dali. Se aí era Palantia (a inscrição escreveu com dois ll, certamente errados), todos eram lá Palantiani: para que se dizia ele, pois, Palantianus, se fosse a sua pátria e visto que lá vivia? Aliás, o nome foi sempre Amaia (Amaea), pré-romano. O –s paragógico facilitou-se pelo ç anterior, e também para melhor se distinguir de Beça, outro topónimo local. Sendo a forma atual Vinças, os róis toponímicos ainda trazem Vinça (Binça). A mudança de timbre da nasal de Palantia para Palentia não foi única, pois veio a sofrer a de en para in em razão da especial pronúncia local e para mais se distinguir de Beça, que também existe na freguesia.

pág. 78

IV

PARÓQUIAS TUDENSES AS ECCLESIAE

1. Tude: Tui. 2. Corello*: Corelo (f. Vascões, c. Paredes de Coura)- P. David prefere Turedo a Torello, sem dizer a razão, como de costume, 194 mas, para nós, é muito crível que nenhuma das variantes do nome seja exata, quanto à consoante inicial: poderia tratar-se de *Corelo, dada a vulgaríssima confusão de t e c. Mas, ainda a ser exato o t, a evolução para c podia dar-se: estas consoantes, em posição inicial, alternam, por vezes, na toponímia. 195 3. Tabolela: ?196 Não identifiquei outrora, relegada para a atual Galiza. Entendo hoje Taboexa (castelhanizado Taboeja),entre Monção e Puenteareas. 4. Lecoparre: Longovares (f. Longos Vales, c. Monção). Adota P. David a forma Lucoparre, o que não dificulta a identificação, porque a evolução poderia dar-se deste modo: Lucoparre > Locoparre (documentada) >*Logobarre > *Longobar€ > *Longovar. 197 Longos Vales é um topónimo proveniente de uma interpretação popular da forma Longovares, que vigorava nos princípios nacionais, 198 até porque ali não há quaisquer «longos vales». De resto, esta expressão pode considerar-se popular somente enquanto interpretação (ou «etimologia popular»), mas nunca uma criação toponímica popular espontânea, que exigia o adjetivo posposto ao substantivo. 199 Quanto à mudança de *Longovar para Longovares, se não se trata mui simplesmente de um fenómeno paragógico, frequentíssimo na toponímia, explica-se pela existência de dois centros religiosos e populacionais, conjuntos e desse nome: S. João de Longovares, que foi mosteiro e paróquia, e Santa Maria de Longovares, igualmente paróquia, sendo muito vizinhas as duas igrejas. O facto contribuiu para se perder a consciência da significação plural

do topónimo, se dela se trata, e firma por si mesmo a realidade paroecitana: Santa Maria de *Longovar representaria a ecclesiamater de Sancta Maria de Locoparre, e S. João de *Longovar a respetiva ecclesia baptismalis.

____________________ Supôs talvez o suf. Etu. Este aplicava-se quase só a vegetação. Torelo tem seis abonos, contra dois. Não provém do nome de um afluente do Coura ou deste no seu início: não passa aí o Coura, e nem outro curso de água. Aliás, deveria ser, nesse caso, Courella, como os similares Távara – Tavarella, Barosa – Barosella, Tua – Tuella, etc. 195 Crescimiri (Creisemini), hoje Trouxemil (o que muito surpreendeu J. Piel, Os Nomes Germânicos, p. 288); Coreixas, hoje Toreixas (f. Ansede, c. Baião), Cp. Corella, em Aragão. Não faltam outros indícios concordantes: o remoto culto mariano de Gontrode (Castanheira), o culto patronal primitivo S. Martinho, em Vascões, uma reminiscência que pode ser sueva (PMH Inquis., pp. 357 e 358); a grande proximidade da civitas onde se ergueu o castelo medieval da «terra». 196 P. David propõe Tabulela erradamente, interpretando, talvez, pelo lat. Tabula. Foi o procedimento dos copistas antigos, como vimos. Os nomes pré-romanos em –eia, eram vulgares, tanto no uso pessoal como na toponímia: Coleia (no Paroquial), Mendiculeia (oppidum lusitano do Sul), Volteia, Lavineia, etc. Em território português, não achamos o correspondente de Tabikeua: deve, pois, ser além do Minho, como os outros casos em que também o obtemos. 197 Como se vê, domina o fenómeno da sonorização. Quanto à nasalização da sílaba inicial, nada tem de estranho, e nem precisaríamos de atender ao caso de Toraca > Taranca (ver adante) para o admitirmos. De resto, é um facto: basta a forma Loncoparre, que o próprio Paroquial apresenta ao lado de Locoparre, e que deve ser uma forma fonética «pessoal» ou artificial – o ensurdecimento das oclusivas, do costume de notários e copistas, como os documentos revelam a cada passo. 198 Em qualquer documento antigo, como PMH Inquis., p. 374 e passim. 199 O nome «vale» é abundantíssimo na toponímia com um complemento qualificativo Vale Longo (Valongo), Vale Verde (Valverde), Vale Ancha (Valancha), Vale Boa (Valboa), etc. (O nome, de acordo com o étimo, era, inicialmente, feminino). O adjetivo jamais se antepunha a «vale». 194

pág. 79

Também não é insignificativo para o caso (civitas Lopoparre) o topónimo Castelo na eminência, outrora fortificada, que cobre aqueles dois templos. 5. Aureas: 6. Longe Tude: O mesmo. Suponho tratar-se de Longe Tude, expressão sintática perfeita e talvez de caráter não inteiramente toponímico. Pelo menos ainda não ao tempo. Deve corresponder à parte da diocese mais afastada de Tui,, no curso médio do Leres, nordeste de Pontevedra. 200 7. Carisiano: Não tenho proposta. 8. Marciliana: ? 201 Deve ser Marzá (ou castelhenizada Marzán, na f. Rosal, Cerca de La Guardia, foz do Minho.

9. Turonio: Toronho (Vigo). 202 10. Celesantes?. 203 Não identifiquei no primeiro trabalho, mas sem dúvida é Cessantes, no litoral, perto de Redondela. 11. Toraca: Taranca (f. Rio de Moinhos, c. Arcos de Valdevez). À forma documentada Toraca, prefere P. David, sempre sem explicar, Toruca. Ora, além da confusão vulgaríssima (e de cada passo no Paroquial) entre u e a visigóticos, temos a realidade do elemento terminal pré-romano – uca. As outras formas abonam tanto a originária, Toraca, como a sua evolução Toranca, 204 e a série fonética é normal: Toraca > Toranca > Taranca (séc. XIII). 205 As outras circunstâncias são confirmativas. O local é dominado pelo morro onde se ergueu o castelo medieval de Valdevez, denominado Santa Cruz e já derrubado no séc. XIII; 206 mas aí se chama ainda Vila Franca tão inexplicavelmente que não pomos dúvida em considerar tal nome como interpretação popular de Villa Tranca (Taranca), topónimo que o povo criou sobre os vestígios da povoação (civitas Toraca), considerados se uma vila, tanto mais que estavam fortificados.207 ____________________ É muito remota a existência aí do santuário de Nª. Sª. De Liyo em fundação primitus. Certamente como os anteriores todos ao norte do Minho. 202 Falando dos dois mosteiros que indubitavelmente S. Frutuoso levantou, o de Montelios e o de Turonio, diz Mons. J. A. Ferreira que deste se não conhece a situação e dele «somente sabemos o nome»: Fastos Episcopais de Braga, I, p. 111. Herculano, que aquele Autor tantas vezes copia longa e textualmente sem mesmo o citar, alude muitas vezes ao distrito de Toronho, ao historiar as invasões portucalenses na Galiza, entre 1128 e 1140: Hist. de Port., II, p. 149, III, pp, 88 e 90, deduzindo-se que não se trata da região de Tui. Um documento do séc. XII refere-se a «in Turonio villa Benevivere»: L. Fidei, nº 19. Trata-se de Bembibre, cerca de Vigo. 203 Deve ser além Minho. 204 Assim em Toruaca o u pode dever-se a um a visigótico, e o a que se lhe segue terá resultado da semelhança de u e n (confundido o u com a). Também em Tortuca o t confusão com a, por estranha que pareça (bem mais singulares as contendo o Paroquial), e o u, lido em vez de n. 205 PMH Inquis., p. 390 A nasalação, (sem influência do m); Bouçoães, ant. Bouçoas; outras vezes, em sílaba média: talvez Poçancos, se de Poçacos; o popular «esfuranca» (por «esfuraca»). Dá-se também na sílaba inicial: Anguieira, ant. Aguieira; Longobarre, de Locoparre. Como se vê, tanto em sílabas tónicas (o caso de Toraca > Toranca) como em átonas. 206 «castelo de Sancta Cruz… bastimento do castello» e «ora jaz esse castello derribado», 1258: PMH Inquis., p. 379. 207 No séc. XIII, parece que ainda se não chamava «vila» ao local do castelo de Santa Cruz, mas era natural se lhe desse o nome de Taranca. A aplicação do adjetivo «franca» à palavra «vila», se significasse o que realmente é noutras partes, - uma colonização por elementos francos, - seria tardia demasiado. Por seu turno, para significar a povoação isenta («franquida»), outro sentido que também tem, o demasiado tardio seria agora do termo «vila». De resto, seria impossível, dado que aí se não 200 201

Pág. 80

Acresce que o culto mariano é particularmente intenso nesta zona do vale do Vez e suas eminências, com numerosos templos de fundação imemorial, o que pode reputar-se efeito da tradição cultural de Sancta Maria de Toraca.208 Nesta mesma montanha, a famosa e remotíssima ermida chamada Senhora do Castelo pode recordar a ecclesia mater, se não representá-la.

OS “PAGI”

12. Annove*: Annova (f. Calheiros, c. Ponte de Lima). É hoje «aNova» a expressão do topónimo, com o falso artigo tão vulgar na toponímia e com outros exemplos no Paroquial. 209 Nada há de comum com o adjetivo «nova», 210 mas foi ele que levou a uma interpretação popular que transformou o topónimo Annove em Anova (a «Nova»). É certo que P. David preferiu, sempre sem explicar, Aunone; mas, além da confusão de n com u, correntíssima, há variantes que, pela própria grafia, garantem Annoue, como são Agnoue, isto é, Agnone, 211 e Angnone, cujo primeiro n pode ser espúrio, mas preferivelmente (dada a alteração que imprimia na pronúncia), uma nasalação provocada pela sílaba nasal seguinte. O tema inicial é ann-, bastante representado na toponímia; e nãoaun-. Nos princípios do séc. XII, aponta-se precisamente sobre a Nova a chamada Civitas Vetus.212 trata-se de uma coincidência frisante para a civitas Annove. 13. Sacria: ? 213 14. Erbilione: Ervelho (f. Cristelo Covo, c. Valença). Erbilione deve ser um alongamento, que se não manteve, de *Erbilio, análogo ao de Legio em Legione deve ser um alongamento, que se não manteve, de *Erbilio, análogo ao de Legio em Legione (mas este com melhor sorte, pois persistiu) e até a outros casos do Paroquial. 214 Ficava *Erbilio junto ao morro onde, nos inícios da Nacionalidade, se fundou a atual vila de Valença, 215 morro esse da sobredita f. de cristelo, topónimo que alude às

____________________ fundava ou se não repovoava vila alguma. Surgiu popularmente, a designação Vila Taranca, Vila Tranca, depressa se passaria interpretativamente, a Vila Franca, pois só este adjetivo realizaria algum sentido na expressão toponímica. Mas era também foneticamente possível, como revela a evolução do topónimo Frandes para Trandes, se admitirmos a possibilidade do inverso. (Deve notar-se que J. Piel deu a Trandes a origem em Tradinandici: Os Nomes

Germânicos, p. 285; mas, ignorava a forma primitiva, Frandes; de Fredinandici. Ver o que dizemos na cit. Enciclopédia, XXXII, p. 486). 208 Também há Tranca (Taranca) na f. de Moreira, c. de Ponte de Lima, mas não optámos por ela, em razão de Tranca sobre o vale de Vez ter mui diversas possibilidades, além de ali se tratar de outra paroécia, a de Annove. Verifica-se o fenómeno da repetição toponímica na antiguidade, como na atualidade. Também é costume apontar-se, entre Vigo e Pontevedra, na época luso-romana, um lugar de Turoca, nome semelhante à forma Toruca, adotada por P. David (ver Herculano, Hist. de Port., I, mapa pp. 58-59). Não é o mesmo; mas, mesmo sendo-o, deverá ter-se em conta a repetição toponímica. 209 Assim Sub Pelegio > «as Peleias». 210 O lugar da Nova é o mais populoso e muito antigo na freguesia. Supomos que era daqui natural o navegador João da Nova (note-se o uso do falso artigo já no séc. XV), e não da Galiza, onde há Nóboa. Mas não é o mesmo que Nova, que sempre foi assim (Anova). Escusado dizer que pomos hoje totalmente de lado uma opinião mal refletida que, em tempos, demos de Annove em Nóboa: Ponte de Lima na Alta Idade Méda, p. 18). 211 Cp. Agnofrica (Annofrica), Anegia. 212 Doc. Do Cartolário do Mosteiro de Crasto, nº 24. 213 Certamente além Minho. Emendo a minha superficial opinião de ser hoje Sarria (Ponte de Lima na Alta Idade Média, p.18): Basta notar que não pertencia à diocese de Tui. 214 Palentiaca – Palentia e Labrencio – Labra, no Paroquial; Castrelione – Castrelio. L. Fidei, fl. Nº 246. 215 É absolutamente rejeitável uma Contrasta romana. Tanto esse nome como Valença são topónimos artificiais, impostos pelos reis, nos sécs. XII e XIII.

Pág. 81

respetivas e remotas fortificações (ant. Crastello, na origem a civitas *Erbilio). Concorda com o facto o culto patronal (Santa Maria), que sempre aqui se exerceu. 216 15. Canda*: Canda (f. Alvaredo, c. Melgaço). P. David preferiu Cauda, sem se justificar, como sempre; mas era vulgaríssima, como temos dito e encontrado, a confusão de u e n. A variante Gauda, que, em primeiros e mui perfuntórios estudos, nos mereceu preferência, 217 deve reputar-se a mesma, tanto mais que, a crer-se real, teria de ser considerada nome germânico, o que não é aceitável, senão muito execionalmente, no Paroquial suevo. 218 O topónimo é pré-romano, com o tema cand-, devido ao caráter pedregoso do local das civitas.219. Canda situa-se abaixo da famosa Cividade de Paderne (assim chamada por ser Paderne a sede de freguesia mais vizinha e não porque haja sido o seu nome), 220 a qual «cividade» é que devia ter sido a civitas Canda.. É o caso de Ovínia e o de Cartese, que seguem. Nesta freguesia de Paderne existiu, desde muito antes da Nacionalidade, a igreja de Santa Maria e S. Salvador221 – recordando-se na titular a ecclesia mater de Sancta Maria de Canda e, no titular, a respetiva cemiterial. Quanto à ecclesia baptismalis da paroécia, é lembrada, logo ao lado de Canda, em S. João Baptista (Ramoães). Também ao lado, o título patronal S. Martinho (Alvaredo) pode ser um eco da Suévia paroecitana, num tal conjunto de concorrências.

16. Ovínia: Vinha (f. Areosa, c. Viana do Castelo). Numa freguesia onde não há, nem nunca houve, a «vinha» (prova de que o topónimo Ovinia nada tem com este nome), é Vinha a antiga designação paroquial da atual Areosa, paróquia residual de Ovinia; e conserva-se ainda tal nome no título da igreja (Santa Maria de Vinha, designação da freguesia ainda muito depois do séc. XIV), bem como numa pequena obra do mar, em face da igreja.222 Não pode haver a mínima dúvida na correspondência.223 Corrobora-se esta na divisão eclesiástica (arcediagado) Terra de Vinha, cuja correspondência civil estava na Terra de São Martinho, outro eco da Suévia paroecitana.224 A civitas Ovinia deve, pois, ter sido a famosa Cividade ou Cidade Morta de Sancta Luzia, no afamado monte que cobre o local e Viana.225 Também reputamos a vizinha igreja de S. Salvador de Adro (a antiga de

____________________ Tendo comunicado ao Eng. Pina Manique e Albuquerque as nossas soluções tudenses, verificámos a coincidência com as suas nos casos de Erbilione, Lucoparre e Ovinia. São os únicos que aquele investigador entende existirem ao sul do Minho, os restantes catorze na Galiza. Nós consideramos nove além Minho e oito aquém, por rodas as razões já explicadas. 217 Chegámos a pensar em Gave (f. do c. de Melgaço), o que pusemos de lado, em razão da forma antiga Agábi. 218 Apenas o caso do Rodomiro (viseense). Vila Gomedei é falível, como germanismo. Os locais de nome germânico eram então recentes e, em geral, propriedades rústicas («villas»). 219 O tema cand- faz parte de mui numerosos topónimos: Candedo, Candosa, Candal, Candeeira, Cando, etc., com suas flexões. O topónimo Ganda não nos aparece senão ali entre Minho de Lima. Um caso de além Minho talvez não ofereça tantas coincidências paroecitanas juntas. 220 De facto, Paderne é o genitivo Paterni, sc. «villa». 221 No século XIII, a carta de couto do mosteiro de Paderne, além de citar estes titulares, refere-se à cividade: «inde civitatem» DMP Doc. Reg., I, nº 186. 222 Em 1258, ainda «parrochia Sacnte Marie de Vinea»: PMH Inquis., p. 330. Em 1320, no catálogo das igrejas, «Sancta Maria de Vinha» (doc. Em F. de Almeida, Hist. da Igreja em Port., II, p. 655); etc. 223 Não há apenas Porto de Vinha na f. Areosa, mas Sobrevinha e Chão de Vinha. Triplamente flagrante na própria toponímia (além do título paroquial ainda de hoje, Santa Maria de Vinha). 224 O território oviniense estendia-se do Lima ao Coura final e de rio Podre e Arga ao mar: doc. Na citada Hist. da Igreja, II, p. 655. 225 Sobre a evolução territorial (para a “Terra de São Martinho”) deve ver-se o meu livro Ainda Ponte de Lima, pp. 52-55. 216

pág.

82

Viana) uma recordação ou ainda a representação da cemiterial, em local diferente, mas talvez mesmo no primitivo; e a de S. João de Arga ou Agra, 226uma recordação ou efeito da existência algures da sua ecclesia baptismalis. 227

17. Cartase: Cartas (f. Mentrestido, c. Vila Nova de Cerveira). É o mesmo que esta variante Cartese (acento na primeira sílaba), 228 levando a igual resultado. O topónimo Cartas nada tem com o n. comum «cartas», a que falta toda e qualquer congruência toponímica.229 Também não Quartas. Fica o local logo abaixo da Cividade de Cossourado, onde a recordação patronal mariana se mantém. Seria aí a civitas Catarse, 230 e o culto mariano perseverou no alto e na baixa, bem como, muito vizinho, na igreja batismal. 231 No meu trabalho, as identificações operadas no território tudense aquémMinho teriam de transferir, se exatas, as outras, na quase totalidade, para além: com as identificações que, por motivos alheios a tal circunstância, aí operei, parece agora bem justificada essa realidade. 232

____________________ Nada tem com o remoto mosteiro de S. João de Arga, na serra deste nome: o templo seu representante situa-se sobre a atual cidade, e o termo provém do termo comum «agra», aqui ainda muito usado na Idade Média (PMHInquis., p. 332). 227 Ovinia figura no “Parochiale” como cristandade ao tempo herética: pagus. Claro que, enquanto a oposição a este meu ponto de vista não passar de palavras, sem prova objetiva, eu continuarei nele. Num documento «religioso», só no ponto de vista de religião se pode encarar o agrupamento rubricado paga em três únicas dioceses, e estas no noroeste infestado pela heresia (como se nas outras regiões não houvesse pagi no sentido próprio, que aqui lhes excluo). Domingos A. Moreira também contradisse lembrando-me textos onde a palavra heresia se liga à palavra “basílica” sem se dizer pagã esta (como se a sematologia, em sentido geral e ocasional, não pudesse existir) e ensina-me que pagão quer dizer sem religião, como se eu ignorasse. Que significa uma cristandade, a atual f. Lordelo (c. Felgueiras), aparecer, momentaneamente, chamada em 1258 Lordelo dos Pagãos (PMH, Inquis., p. 557) – nem muito antes nem muito depois, sendo cristãos esses «pagãos»? E por que há hoje na palavra o sentido que tem? Creio que não será preciso lembrar que tal sentido em algum tempo começou: prove-se que não foi mesmo por heresia. 228 Cp. Bérese > Bessa > Bériso > Bierzo; etc. 229 Nem uma carta de foral conseguia criar tal topónimo. Piormente se nunca a estas terras se concedeu, como é facto, alguma. Não nem uma simples carta de foro. A repetição do topónimo na atualidade reflete um fenómeno já vulgar antigamente. Não deixaremos de relembrar como, sob a aparência de nomes comuns, se ocultam muitos nomes paroecitanos: Ovinia > Vinha, Cártaze > Cartas, Melga > Belga, Trúculo > Tronco, Annove > Nova, Nestis > Netos, Mândolas > Medas, Mília > Abelha (Belha) etc. 230 Há outros lugares de Cartas, o que não surpreende: porque é que a toponímia antiga se não repetiria, pois que tanto se repete atualmente? Cartas da f. Mentrestido prefere-se por probabilidades que outros casos não têm. Nem eles existem entre Minho e Lima. 231 Junto de Cartas, fica o remoto templo de Santa Maria (que passou a invocar-se por N. S. da Ajuda), e, perto ainda, o de S. João Batista, que determinou o topónimo São João. 232 Convém notar outras «etimologias» de J. P. Machado para topónimos que faço (não faz – ignora o documento) corresponder a nomina do «Parochiale» e que anulariam essa correspondência se acertadas. Além das já apontadas, temos muitas mais. Assim, Celo é relacionado (embora interrogando), por aquele filólogo, com o lat. Coelum «céu» - ideia surrealista que lhe adveio de Outeiro do Celo. Eu também já ouvi explicar a sério Portuzelo por Porto do Celo: do Céu. Estamos edificados. Sanguinho, que fiz corresponder a Senequino, nem ao menos é a planta (aliás seria incongruente, mas não é isso que obsta a tais explicações): foi devido a fazerem-se «chouriços» de sangue no local. Ervelho, que fiz corresponder a Erbilione (forma alongada de Erbilio pré-romano), procede do n. comum «ervilha». Peleias, que vi em Pelegio da designação subpelegio ecclesia, vem de «pleia», jogo do soco, armação de madeira e até fetos tropicais – à escolha. Canda, apesar de «pidalista», nem lhe lembrou canda «rochedo», pré226

romano. Tudo vista e ouvido – por vezes com as mais vagas semelhanças: não viu emCentumcellas (teve também este nome uma paróquia bracarense, que não identifico ainda) o rio Zêzere, ou as plantas chamadas «zânzaras»? Não riamos, porque isto é muito sério.

pág. 83

V

OUTRAS PARÓQUIAS DIOCESE DE AURIAS

Tal como na diocese de Tui na parte ao norte do Minho, a nossa investigação não se estendeu à de Orense, sobretudo por falta de meios. Assim, não daremos opinião senão em casos raros, que nos resultaram sem trabalho especial. Convém também que previnamos não nos parecer de aceitar a opinião de P. David de que a diocese de Aurias (Orense) foi desmembrada de Asturica. Veremos, na terceira parte, que o foi de Bracara, razão por que lamentamos não podermos dar uma opinião no maior número de casos aurienses. 1. Aurias. Orense. 2. Letaos. 233 3. Buval234. ? 4. Palla Auria; 5. Verugio (Vesugio): ? 6. Bibalos: região do rio Bibey, entre Puebla de Tribes e Valdeorras. Sendo nome étnico, torna-se natural faltar um topónimo, propriamente, que lhe corresponda. Não se pode pensar em Bembibre, por variadas razões, fonéticas e históricas, como, de resto, vimos já no início deste estudo. Os Bibali viviam entre os Nemetatae (El Bollo) e os Tiburi (Tribes ou Tibres), o que corresponde à região cortada pelo rio Ribey, afluente da esquerda do Sil: o nome talvez provenha, pois, diretamente, do lat. Bibali. 7. Teporos: Puebla de Tribes. 235 Era a paroécia dos Tepori. 8. Geurros: Valdeorras. 236 Como, mais ou menos, em todos os casos tribais (Bibali, Gigurri, Verecani, Tiburi; etc.), nesta diocese, já ao dosGigurri, quanto a Valdeorras (Vale de *Jorres), nos referimos em preliminares. Era a paroécia dos Gigurri.

9. Pincia; 10. Casavio; 11. Verecanos: 237? 12. Senabria: Recorda-se em Puebla de Sanabria (sem ser o mesmo local) o topónimo paroecitano. 238

____________________ Este topónimo paroecitano é omitido por P. David, sem dizer a razão. Consta dos textos bracarenses do Paroquial, o que bastaria para a aceitação plena: é que a diocese de Aurias proveio de Bracara. 234 Foi também omitido por P. David, certamente porque o julgou o mesmo que Bibalos. Não há confusão possível: além de se tratar de nomes muito diferentes, Buval, como no início deste estudo vimos, ainda surge na Reconquista como um comisso ou comitato, e o nome até era usado entre nós, nos inícios da Nacionalidade, como apelido de família nobre. 235 Não significa correspondência na povoação, claro está; apenas em território. No de Tibres e no de Senabria, fundaram-se povoações sedes da Reconquista, as quais receberam o n. comum «Puebla» com um determinativo coronímico, assim se formando os topónimos hoje vigentes. Estes casos provam a conservação, ao menos coronímica, da toponímia paroecitana. E a função coronimica era aqui natural, visto se tratar de designações de populi. 236 Ver a nota anterior. 237 Como este nome aparece, em alguns exemplares do Provincial visigótico, substituindo Perosa como baliza oriental da diocese de Aurias (ver V. de Parga, La Division de Wamba, p. 81: sem se referir ao nosso problema), podemos ter nisso um indício da situação desta paroécia. 238 Ver a nota a Teporos. 233

pág. 84

13. Calapacias: Carpazas (Bande). Não se trata de Calapacios, como traz P. David. Também no início deste trabalho nos referimos a este nome e à sua identificação, que não nos pertence. Dos treze nomina, nesta dioceseidentificam-se, ou localizam-se (aparecendo vários nos documentos da Reconquista), oito: dos restantes, continuo a nada saber, sobretudo porque, das sete dioceses, esta é totalmente exterior a Portugal e não dispus de meios de me informar, nem quem mos proporcionasse. Este trabalho, como, em geral, , qualquer outro meu, foi elaborado em total isolamento de contribuição pessoal ou direta.

DIOCESE DE VISEO

1. Viseo: Viseu. 2. Rodomiro. 239

3. Submoncio. 240 Submonitio: Menciono sub Monitio apenas para reforçar a solução Mo (n) ço, local elevado não longe da atual Guarda. A fonética também se não opões:Monitio > Monecio > (que também está no «Parochiale»: *Mõecio > * Moeciu (en) > Moõcio (on), por assimilação > *Moncio > Moço (com desnasalação desassimiladora). A palavra significava vigia, local de vigia, 241 origem do n. comum «moço», segundo entendo. 4. Suberbeno: 242? Menciono igualmente para reforçar, mas não junto de Seia, senão na zona de Manteigas, antiga Mantega, Me (n) tega, talvez efémera episcopal Beteca da metrópole bracarense antes do «Parochiale», o que não posso aqui desenvolver. A ecclesia, porém, era designada no séc. VI (fosse a efémera episcopal ou melhormente outra) referindose ao Mons Herminius, de que não há provas de ser a Serra da Estrela): 243 sub Erbeno ou ecclesia sub mons Herbeno. A titular de uma das freguesias da vila de Manteigas é Santa Maria, o que está de acordo com a paroécia – e quase ao lado está a da S. João (f. Sameiro, que foi povoação medieval notável – ainda mais, ou não menos que Manteigas), como reminiscência da ecclesia baptismalis, enquanto ecclesia mater aquela.

____________________ Topónimo de origem germânica e paroécia, pois, de instituição relativamente recente. A variante Ropermiro, com per substituindo do ou de, é um exemplo, entre tantos, das mais inesperadas deturpações. Corresponderá a paroécia à região de Sátão? 240 Topónimo prepositivo sub Moncio. Havia, pois, Moncio, localidade ereta em altura. Corresponderá à região da Guarda (que foi viseense, sem a menor dúvida), onde ainda há Pera do Moço? Este nome foi pessoal (lat. Mucius), mas Moncio também evoluía para Moço. O determinativo seria, assim, «de Moço», não um n. pessoal, mas relativo a vigia e fortificação 239

(cruzamento munitio x monitio): cfr. O nosso livro As dez Freg. Do Conc. De Tarouca (1955) pp. 169 – 171. 241 Não posso tratar aqui do assunto: consta de outras obras minhas.

Topónimo prepositivo, com o anterior: sub Erbeno. Havia, pois, Erbeno, sítio ou zona alta (lat. Herba). O nome Hermínio dado à Serra da Estrela é literário: seria mons Erbeno > Erbeno, tanto mais que a dita serra é notável pela sua pastorícia “herbácea”. Neste caso, a paroécia corresponderia à região de Seia. Vila que se formou junto ao castelo chamado de Seia (Sena) por ser tal o nome da região. (Cp. o caso de Tarouca). A povoação primitiva não era a atual, mas a certa distância, no sítio arqueológico de Nogueira: ver o nosso artigo na cit. Enciclopédia, XXV, p. 128. Aí seria Sancta Maria sub Erbeno (Herbeno), depois representada pela importante igreja pré-nacional de Santa Maria de Seia (também assim chamada por ser a originária da região de tal nome). Notar-se-á que o nome antigo da Serra surge Ermeo, Ermio, com e ou i nasal, e com H ou sem ele: não desacorda com a natural origem em Ermeno, Herbeno. 243 No entanto, é de referir J. D. Lucas Batista, Toponímia do Concelho de Manteigas (1994), pp. 11-12, com a raiz indoeuropeia men, ou melhor, celta merri-, mini-, com “er- intensificativo”, embora me não pareça viável à face do topónimo ou nomen parochiale que é Erbeno: sobretudo se bem o remeto à atual Estrela. 242

pág. 85

5. Osonio*: Osonho (f. Cota, c. Viseu). O Paroquial apresenta a terminação –a, mas frequentíssima a troca com o –o, tanto nele quanto no Provincial, como vimos. P. David adota Osania, o que não impede que tudo milite a favor de Osonio. Era Osonio o nome daquele lugar, «antigamente», 244 ou, depois, Osonho, como ainda hoje, apenas com o falso artigo em que se transformou a vogal inicial (« Zonho», como diz o povo). A arqueologia de Cota e o topónimo São Salvador (com nascentes minerais no próprio local e a que se ligaria um culto pagão, substituído por aquele) são elementos favoráveis.

6. Ovelione: Abelhão (f. Ul, c. Oliveira de Azeméis). A evolução fonética não oferece qualquer irregularidade, tendo-se apenas verificado, no final, uma influência interpretativa (ou «etimologia popular»): *Ovelhão > Abelhão, como em inúmeros casos se encontra. De facto, o n. comum sugerido não tem a mínima congruência toponímica (como o caso de Milia, bracarense). 245 Geograficamente, no que pareceria residir a maior dificuldade, também a identificação se justifica. Vê-lo-emos na terceira parte deste estudo; mas podemos, desde já notar que a paroécia de Aravoca (Arouca) foi visiense e está parecidamente desviada para ocidente. Existe sobre o local um castro bastante aperfeiçoado, com vestígios de povoação romanizada. Nessa eminência, chamada Crasto, teria, pois, sido a civitas Ovelione. Passava aí a via romana Olisipo-Bracara. Materiais romanos (marco miliário, ara votiva, etc. ) chegaram a ser incorporados na igreja. Para mais, é esta dedicada, como sempre, a Santa Maria, o que mais nos convence da possibilidade de Sancta Maria de Ovelione aí. Sob reservas, porém sendo de crer que o caso visiense corresponda a templo neste extremo para cá do rio e com o mesmo nome do centro castrejo vizinho (ou além do rio, em ve atual): lembrem-se Portucale (os dois) e Sélio-Francos. 7. Totella: Dificílimo ser Tondela. 8. Coleia: Gouveia. 246 O Paroquial arquiva as formas exatas Coleia (que também aparece na diocese de Luco) 247 e Goleia. A evolução fonética teria sido Coleia > Goleia > Go (u) eia > Gouveia. Todavia, a questão pode e deve ser outra. 248

____________________ Sobre Osonio, municipalizado com Cota, ver PMH Inquis., pp. 876-877; e Livro das Doações de Tarouca, fl. 17 v e 18. Dá notáves indicações arqueológico-devocionais para a minha identificação o trabalho “Sepulturas rupestres de Cota”, em “Beira Alta”, L ½ (1991), pp. 169-178, de J. A. de Meneses Marques: uma prática confirmação para o meu perceber. 245 A diocese Suévico-Visigótica de Viseu até Ventosa (Vouzela) como ponto mais setentrional se, encarada por Luis Seabra Lopes em “Beira Alta” LV-1/2 (1996), p. 180, no seu trabalho Talábriga, abona a extensão ao rio (talvez ultrapassado) em Abelhão. Este topónimo no local pode ser já um deslocamento do primitivo adjunto seu. 246 Mesmo que se admitisse a variante Colela, não seria possível considerar Conlela (f. São João da Serra, c. Oliveira de Frades). 247 P. David, Étud. Hist, p. 38, adota Colea; mas V. de Parga, precisamente pela mesma fonte daquele medievista, traz Coleia: La Division de Wamba, p. 98. Várias Coleias havia, portanto, além destas, a que deu origem a Gouveia em riba do Tâmega (ver Lumbo, portucalense). Mas o caso, aqui, deve ser outro. 244

248 Os notários medievais germanizavam o topónimo em Gaudela, certamente por influência de topónimos semelhantes (em Gouv-, de Gaud-), DMP Doc. Reg., I, nº 296; Livro das Doações de Tarouca, fl. 63 (ano 1202), etc. Outras vezes, Gauvea e mesmo Gouvea (em documentos latinos): cit. Livro das Doações, fls 62 (ano 1181), 65 (ano 1205), etc.; e até Gouvela., Nova Marta, I p. 225. A hesitação é antes arbitrariedade que mostra bem o artificialismo. Se fosse nome germânico, tratar-se-ia de hipocorístico; mas, em tal caso, não se teria –ela, mas o suf. –ila, e o acento estaria na primeira sílaba. Ora nada disso sucede. O nome seria, pois, pré-romano. Inclino-me hoje para um lat. *cotela (raíz cot., relativa a dureza), com a evolução *cotela < Godela < *Godea (ou *Goda < «Go (u) veia», a julgar do próprio e antigo plural documentado “as Gouveias” (c. Pinhel). Ver o meu livro “Tarouca Monumenta Historica” 1/3 (1993), pp. 219-222, onde desenvolvo assunto e se documenta, o que aqui não é possível. O fenómeno–t < -d- < síncope de Cotela Arauoca (vocalização do v) > Araoca > * Arauouca (desenvolvimento ditongal que impediria a sonorização) > Arouca. A forma Arauca que aparece nos nossos documentos seria artificial, uma latinização desta. 254 Noutra hipótese, poderá ser antes a única real e é precisamente a solução que hoje defendemos: o pré-romano ar (a) “água” + suf. Ouca < > auca, significando a ligação água-relevo. A civitas Arauca existia, não junto à atual vila ou no assento desta, mas bastante para ocidente, sobre o Arda, em Roças. 255 4. Cantabriano: ? (Ver Camianos). 5. Omnia. Pomos de parte a restituição que julgamos Ovivia na primeira publicação deste trabalho. O topónimo resta ainda, Ónia (é até local elevado), na região dos c. Moimenta da Beira e Sernancelhe, cerca desta vila. Não há o impedimento –onia em vez de –onha; temo-lo ainda em Campodónio e Vinhadónia, nada tendo em contrário a etimologia ser outra. Em apontamentos de que hoje não lembro a procedência, acho Alto da Ónia, na f. Carregal, c. Sernancelhe. 6. Camanios: Má leitura Camianos; não identifiquei no primeiro trabalho, mas faço-o agora a Tamanhos, c. Trancoso. 256 Sendo assim, como hoje admito, Cantabriano, nais à banda de Conimbria, seria, pois, a vertente sul

paivota do Montemuro, onde a ecclesia baptismalis estará representada por S. João de Pinheiro.

DIOCESE DE CONIMBRIA

1. Conimbria: f. Condeixa-a-Velha, c. Condeixa-a-Nova). 2. Eminio: Coimbra. 3. Selio: Tomar. 257 4. Lurbane*: Lorvão (c. Penacova). Esta formação não se encontra no Paroquial e P. David adotou a variante mais testemunhada, Lurbine; mas esta parece abonar Lurvane tanto como as outras, na origem. 258 Além disso, a terminação –ane repete-se noutro nome

____________________ Ver o meu estudo Arouca na Idade Média, pp. 303-304. Ver o que digo em Arouca na Idade Média, pp. 84-85, e Toponímia Arouquense (1995) pp. 34-37. 256 Esta paróquia passou no século seguinte, certamente, para a nova diocese de Caliabria, com o que se perdeu, definitivamente, o território para a de Lamego. A mudança Camanhos, antes do século XV-XVI, explica-se pelo paralelismo dos adj. «camanho» e «tamanho» (ou até pode suceder ter sido Tamanios a forma). J. P. Machado apresenta uma extravagante explicação de Tamanhos, atribuída a cristãos-novos, assim chamados, sem olhar a que o topónimo é anterior a eles e que um judeu que cita chamado «Tamanho» (como se do lugar) vivia também havendo já o topónimo, além de outras absurdezas críticas. 257 Referido aqui no Itinerário de Antonino. Acresce que, nos nossos inícios nacionais, disso se conservava a recordação: «soyam chamar a Sancta Maria de Thomar Sancta Maria de Selho»: TT Livro dos Mestrados, fl 93 v. A devoção mariana provém da paroécia de outrora. Tomar é nome posterior (de origem arábica): foi dado ao rio e, deste, passou à nova povoação aí fundada (a atual cidade). 258 Lurbine podia estar, efetivamente, por Lurbane, pois que, em certas escritas, o a, depois de uma letra redonda, podia ser tomado como i. De resto, se Lurbine fosse real, sofreria influência arábica (para mais, numa região que foi um longo e intenso foco de moçarabismo), passando a Lurbane. As formas Laurbano e Lauribano são artificiais, tabelionares, por uma 254 255

pág. 88

paroecitano conimbricense, Antuname. A própria arqueologia do templo, que veio a ser monástico, está de acordo, 259 e também o está a remota alusão que é costume apontar-se ao dito mosteiro, 260 se bem que, hoje, nos restem apenas notícias da Reconquista.

Identifico, pois, a Lorvão (por Lurbane, a forma que se teria devido a influências arábicas). A arqueologia veio a confirmar claramente. 261 O caso não pode ter sido grato aos autores que me contrariaram (sem apresentarem, ao menos, as alternativas a que estavam obrigados) no meu trabalho de identificação e localização, e, recorrendo a estes e mais prejudicialmente que eles, sobretudo J. Mattoso. Piel, com as suas opiniões próprias, que inçaram de erros e equívocos as nossas coisas, para o caso a nossa toponímia, não podia aceitar nada, desde que a tudo meu neste trabalho reputava «demasiado inseguro» (como ele a Mattoso, segundo este, particularmente, informou). Mas vê-se, pois, com o caso de Lorvão, que segurança tem para isso. Piel, de facto, nunca poderia admitir Lurbine-Lorvão, porque, para si, Lorvão procede de «villa» Norbani, porque entendeu, sempre, que os topónimos antroponímicos em –ão eram acusativos. Sempre os entendi eu genitivos (ou seja, não em –anem), os únicos toponimicamente congruentes, e assim o exprimi no meu trabalho (que me solicitou pessoalmente – como, a outro propósito e noutra obra, tive de referir). Aparece, agora, a não propor Norbanem, mas Norbani – genitivo tal como eu postulara. Mas o principal seu até é o seguinte: - Quanto a tal genitivo, que passou a propor, tem, desde logo, pouco favorável a região, pois que nela já rareiam muito os genitivos antroponímicos toponímicos. Acentuo isto porque toca num dos dois aspetos essenciais da finalidade desta minha obra pelas «villas» existentes nas “paroeciae”, como veremos. - Pior é o erro fonético-cronológico que Piel comete com o seu *Norbani > «Lorvão»: o L deste topónimo aparece logo na mais antiga notícia que deste topónimo temos (séc. IX-X), e o fenómeno N- > L- apenas se verifica muitos séculos depois (uns cinco, nada menos). 262 Com critérios e conceitos erróneos, como Piel e Moreira revelam, muito seguros do contrário, seria maravilha aceitar-se um trabalho criterioso com escrúpulo, e acertado dentro das contingências que sempre existem. E, sendo os contraditores pessoas prestigiadas, mal do contradito – ou, melhor, mal da sua obra, que, tendo contra ela tais potências, é «suprimida» sem ter sequer substituta. Não é coisa aceitável dentro da razão e do merecimento.

____________________ falsa a aproximação do Lat. Laurus. Convém, no entanto, examinar, em prole de Lurbane, as outras variantes, Lurbinie (ou Lurbime, que é a mesma, ni lido m): o a de Lurbane seria lido u, em letra visigótica, e a junção deste ao nbastaria para se ler mi (ou im), Lurbinae: o a procederia de um n que, por sua vez, foi lido a (por Paio de Oviedo?); o a que se seguia ao b foi considerado a (visigótico), vindo depois a ser lido in no conjunto de sinais similares que se sucediam. Efeitos, sempre, de cópias e recopias, ou de sucessivas leituras, sobre Lurbane. 259 Ver Correia de Campos, Arqueologia Árabe em Portugal, p. 86 (não tratando, claro está, do nosso problema). 260 Ver Frei Leão de S. Tomás, Bened. Lusit., I, p. 313. 261 Artigo de Nelson C. Borges, «Conimbriga», XXIII (1984), p. 154. Este autor, sem a mínima autoridade filológica, arreda Piel e prefere o fantástico loureiro; refere a indicação no «Parochiale» suévico sem qualquer alusão ao meu trabalho, tendo sido neste que se fez essa relacionação pela primeira vez; e apresenta os restos da basílica, que diz do séc. VI, tempo do «Parochiale».

Cp. Landim ainda Nandim do séc. XV para o XVI (doc. A. de J. da Costa, O Bispo D. Pedro, II, p. 44); «lembrar» ainda «nembrar» no séc. XV; etc. 262

pág. 89

5. Insula: Granja (f. Cucujães). Tudo indica que esta paroécia correspondia à região da Feira até ao mar. 263 P. David, no seu texto crítico, conquanto ponha Insula à parte de Antunane, afirma que «é possível e talvez provável» que se trate de «um só topónimo», Insula Antunane. 264 As razões, embora desde logo aceites, 265 são o que há de mais absurdo, como passamos a ver. Deve entender-se Ínsua atual, lugar junto a Cucujães e que ainda do séc. XI para o XII gozava de certas e inegável notoriedade. Arredadas no primeiro trabalho as fantasias distraídas e incongruentes de P. David (ver, a seguir, Antunane), apontei Ínsua das ff. Granja – Cucujães (c. Oliveira de Azeméis) sem querer afirmar. Hoje, não duvido, sem desprezar a incerteza relativa. Ainda do séc. XI-XII era um núcleo notável dividido, Insula de Mazada e Insula Sancti Iacobi. 266. 6. Antunane: Antuã (f. Salreu, c. Estarreja). Melhor se dirá a atual vila (mais recentemente, cidade) de Estarreja. Aquela forma é indubitável e constitui pelas suas deturpações 267 uma das amostras mais completas do grau de depravação a que podia ser conduzido um nome do Paroquial ou do Provincial, para não falar de outros documentos (monumentos no original). Sobre os nomes paroecitanos Insula e Antunane emitiu P. David esta opinião: «Antunane representa certamente o nome da ribeira de Antuã; inclino-me a crer que se devem ligar as duas palavras Insula e Antunane; a ilha de Antuã seria o território limitado a leste por esta ribeira; formaria um distrito paroquial cuja capital corresponderia a Aveiro ou à Feira». 268 Como dissemos, esta extravagante opinião foi logo alegremente aceite pelos nossos autores, dotados de um notável poder mimético e às vezes histriónico dos grandes nomes. Como é que um insignificante curso de água (que apenas tem certa importância pelo papel desempenhado nas disputas entre as sés de Coimbra e Porto sobre limites) ia dar o nome a uma «ilha» onde ele nem sequer corria, pois que era ele que a «formava», com o Vouga, o Douro e o mar? Como é que essa «ilha» ia ter o nome paroquial Insula, quando não era esta a única paroécia nela existente, visto que a parte norte era ocupada pela de Portucale (Castrum Anticuum)? Como é que o povo, criador da toponímia, poderia dar-se conta da existência de tal «ilha», um território demasiado vasto e, piormente, limitado por um fio de água? Que importância pode supor-se existente em Aveiro e ainda propriamente na Feira, na época sueva, para se lhes atribuir a qualidade de centro dessa paróquia? Como é que Aveiro podia ter tido esse papel, se nem sequer se situava dentro dessa «ilha»? Por que razão pensar-se que Antunane é o nome da ribeira de Antuã e não, precisamente, a povoação de Antuã, que foi notável remotamente e não teria

____________________ Por estas razões, possível uma insula romana como origem; sobretudo, era por aqui o singular e remoto centro religioso que originou a designação civitas Sancte Marie (que nada tem com a povoação que hoje se batizou ridícula e injustificadamente – um roubo histórico – de Santa Maria da Feira, anterior Vila da Feira); a situação das restantes paróquias da diocese deixa livre o território ao norte da de Antunane, que se estendia toda para o sul da sua sede (como a seguir mostramos); não era estranho, antes de esperar, existirem nesta parte norte da diocese três das sete paroécias desta, por ser a parte vizinha da portucalense e o seu povoamento dever, pois, aproximar-se do alto nível desta. 264 Étud. Hist., p. 37. Ver o aditamento a este trabalho. 265 Ver, por exemplo, Mons. M. de Oliveira, As Paróquias, p. 45. 266 1109 DMP, Part., III, nº 325, etc.; cerca de 1115 PMH, Dipl., nº 22. Machado, para Lorvão, vai também para o loureiro (sem se dar ao cuidado de explicar a morfologia da palavra para tal; mas, decompondo laur-ib-ano, o b não pode ser eustómico, porque não há eustomia onde nem sequer hiato, devendo com «laurus» ser, portanto, lauranus, laurianus). 267 Cir. Antunane (a forma real) com Antussiane, Astussiane, Asturiane, Astrucione. 268 Étud. Hist., p. 78. 263

pág. 90

recebido da ribeira o seu nome, se lho transmitiu? Por que razão Insula não será um topónimo devido a uma insula, propriedade romana, se haviainsulae como havia villae e havia fundi, etc., alguns deles centros, para mais, de paroécia? Espertezas sem par, próprias das “consagradas” (como há quem me opõe ou me oponha). Estas duas últimas interrogações estabelecem a perfeita diferença entre Insula e Antunane – duas paroécias e não uma só, porque são nomes independentes. Não há relação de aposto ou qualificativa que lhes «achou» P. David. Era Antunane, quinda na Reconquista, a denominação de um vasto território, o que condiz com a anterior existência de um seu distrito paroecitano: mas estender-se-ia sobretudo ao sul ou quase nada para o norte do Vouga (ficando mesmo Antuã fora de tal «ilha», na margem esquerda da referida ribeira, mais uma prova de que nada tem com Insual) 269 A povoação ainda nos inícios nacionais conservava alguns vestígios da sua passada importância, visto ser ainda então uma vila e cabeça de julgado. 270 Sobre ela, houve um forte oppidum, que poderá reputar-se a civitasAntunane. Sobre ela houve um forte oppidum, que poderá reputar-se a civitas Antunane; e nele, para mais, um remoto culto de Santa Maria. 271 7. Portucale: Santa Marinha ou Portugale (f. e c. Vila Nova de Gaia).

DIOCESE DE EGITANIA

1. Egitania: Idanha-a-Velha (f. e c. Idanha-a-Nova). 2. Monecipio: Covilhã Velha (f. Alcaide c. Fundão). O local situa-se alguns quilómetros ao nascente de Alcaide, dominado por um morro, que pode ter sido povoado e fortificado. O distrito paroecitano respectivo, quanto a nós, é o territorium dos Lancienses Oppidani (o seu oppidum seria aqui), os quais, de facto, constituíram um municipium romano, 272 confinante com o dos Igaeditani e com o dos Lancienses Transcudani. 273 Continuo a localizar na estância chamada Covilhã Velha (sem nada ter com Covilhã). Às razões outrora apontadas, acrescento esta circunstância: como o «Parochiale» contém uma indicação insólita «tota Egitania» (isto é, Idanha não só), significando, pois, território (de acordo com o suf. –nia), e, como Idanha se acha a sudeste, ficam a considerar-se, pela especial configuração geográfica, o nordeste (Covilhã-Fundão) e o sudeste, ficam a considerar-se, pela especial configuração geográfica, o nordeste (CovilhãFundão) e o sudoeste, 274 região de Tomar. São três zonas distintas, únicas, e a verdade é que as paróquias são ____________________ «in vilia (sic) Antoana quarta portione de vilia Rravazollo», doc. do séc. X, em Ferreiro, Hist. de Sant. II, p. 170. Travaçô fica muito distante de Antuã para o sul, já cerca de Águeda. 270 Inquirições de 1220, na Coletânia do Milenário de Aveiro, I, p. 59. 271 O Prof. T. Soares, Reflexões, I, p. 167, em mapa, coloca Antunone (sic), «paróquia sueva», ao sul do Mondego, entre Emínio e Conimbrica. Ficariam três das sete únicas paroécias da diocese muito juntas. Aliás, a forma Antunone não existe, e talvez haja confusão com Antanhol, cuja origem é muito diferente. Quanto à evolução Antunane > Antuã, tem que admitir-se a forma assimilada intermédia *Antunana. 272 É citado por Plínio: Prof. T. Soares, ob. Cit., I, p. 132-133 (sem tratar do nosso problema). 273 Aut. e ob. cit., I, p. 128. Teremos de referir-nos ainda aos Oppidani e Transcudani. Não há razão alguma para marcar Monecipio noutra parte, como, por exemplo, no castelo »in diocese Egitaniae situm et vocatur Luzes» (f. Teixoso, c. Covilhã): DMP Doc. Reg., I, nº 130. 274 É necessário ter em conta as profundas alterações dos limites diocesanos com o domínio arábico, que ao sul do Douro foi suficientemente duradouro para a sé de Conimbria, por exemplo, se estender para Seia, e ainda além sensivelmente. 269

pág. 91

também três: ocupando a da sede episcopal, Egitania, o sudeste, assume maior probabilidade Monecipio na de nordeste, completando com Francosna zona restante. 3. Francos: Tancos (c. V. N. da Barquinha) foi a identificação a que se inclinou Viterbo, baseado apenas em semelhança visual e auditiva; e outrora

pareceu-me atendível por motivos menos fonéticos que geográfico-históricos, mas capazes de vencer ao menos boa parte da dificuldade. 275 Todavia não desejo manter Tancos, com que Viterbo me iludiu. A região é que é a mesma, pois identifico a Francos na f. Beselga, nome este que pode muito bem dever-se à basilica > «Beselga» paroquial suévica. Sendo assim, como tudo indica, esta ecclesia, muito vizinha de Selio, contrastava, digamos pois, nestas extremas diocesanas, a esta ecclesia conimbricense no seu, o qual era ainda mais vasto.

____________________ Elucidário, s. v. Garda. Embora com uma prudente reserva, explicaremos as nossas razões. Foneticamente: dá-se, por vezes, como vimos, f-> t (inicial) ea perda do r em grupo consonântico; historicamente era contígua a remota paroquial de Sancta Maria de Moriela (Almourel), como na terceira parte veremos, podendo tratar-se da poaroquia dos Francos; geograficamente, ocupa-se com Tancos a região deixada livre na diocese pela localização das restantes paroécias dela. (absurdo ligar a Tancos o pré-romano Tacabis, «oppidum» lusitano: (bastaria a fonética). Posto de parte Tancos, porém, fica toda a probabilidade a Francos da f. Beselga: quase bastaria o etnotopónimo Francos. 275

pág. 92 CONCLUSÕES

1. A densidade de distribuição das sedes paroecitanas. A estreiteza de limites impostos não me permite mais referências ao «Parochiale». Limitei-as às dioceses da metrópole bracarense (na divisio de Compluto): 276 são 106 nomina e deles alguns poucos não possuem localização ou «regionalização» que eu possa atribuír-lhes. Tendo quase todos, à vista, atravessado o período do pretenso despovoamento, pode também aqui julgar-se o que vale tal doutrina. Não vamos, evidentemente, repetir o que dissemos acerca da distribuição em epígrafe. Relembramos, somente, um facto, fundamental na compreensão deste trabalho: ao nome paroecitano correspondia um espaço mais vasto que atualmente; e pode mesmo achar-se hoje esse nome em local que, embora vizinho, não era o da ecclesia mater. 277 No entanto, para um estudo da densidade da distribuição paroecitana, isso representa o mesmo que coincidência, dada a proximidade. Referindo-se à «região representada pelas dioceses de Coimbra e de Idanha», do mar ao Erges, pelo menos, afirma P. David que «a organização paroquial conserva aí um caráter arcaico». Explica-o pela raridade paroecitana, e esta não como correlativa das populações, o que devia ser, mas pelo género das sedes. Assim se deduz destas palavras: «aí se encontram somente seis ou sete centros para Coimbra e três para as Idanhas; todos parecem ter sido instalados

em velhas localidades e mas importantes que o vicus ordinário; para mais forte razão, não se encontram aí paróquias estabelecidas emvillae ou fundi». 278 Confessamos ignorar o que seja uma organização paroquial mais «arcaica» que outra, quando, como é o caso, não estão em consideração dogma, disciplina, liturgia. Origem, essência, finalidade são sempre as mesmas, e a verdade reveladora é que essa raridade paroecitana, que, quanto a nós, reflete a densidade populacional, oferece hoje um paralelo, pelo seu relativamente mais baixo valor, nos distritos fronteiriços que para o norte do Tejo se sucedem. Não, portanto, apenas na diocese egitaniense (do Tejo à Estrela), mas também na viseense (da Estrela a Vallaritia, já ao norte do Douro) e na bracarense (de Vallaritia a Bregantia, pelo menos). 279 Nesta última, essa zona mais oriental (para lá do Tua-Tuela) é, ainda assim, a mais florescente de toda aquela faixa fronteiriça. 280 De facto, comporta essa zona quatro paroécias (Laetera, Vergantia, Astiatico e Tureco) 281 num território inferior ao extremo correspondente viseense (este com duas apenas, talvez: a de Caliabria e, acaso, Submoncio) e à vasta totalidade egitaniense (com as únicas três da diocese: Egitania, Município e Francos). _____________________ Veja-se V. de Parga, La División de Wamba (1943). Pode ser o caso de Ovinia (Tude). 278 Étud. Hist., pp. 77-78. 279 O assunto compreender-se-á melhor pela exposição, a fazer, na terceira parte deste trabalho, sobre a extensão de casa diocese. 280 Temos em vista, mais ou menos, claro está, os modernos distritos administrativos de Castelo Branco, Guarda e Bragança. 281 Não incluímos Aliste, por pertencer à diocese de Asturica, de onde Bracara a usurpou duradouramente. 276 277

pág. 93

Nessa época, a razão principal de uma criação diocesana já estava no montante populacional. 282 Por isso mesmo foram as seis paroécias viseenses do Arda no Távora e do Paiva ao Douro separadas para constituir a diocese de Lameco, ficando na diocese originária, em território cinco a seis vezes maior que o desmembrado, dez paroécias (entre as quais a se Vallaritia), quando, por uma densidade populacional aproximada, deveriam ficar viseenses algumas trinta, pelo menos. Irá, pois, crer-se que tão poucas paroécias revelam um caráter mais arcaico, nessa parte da diocese, que na desmembrada? É certo que Egitania se separou de Conimbria, apenas com três paroécias, incluída a nova sede episcopal; mas, aqui, temos de apreciar, como motivos do facto, a vasta extensão da diocese primitiva e a consequente grande distância a que estas paroécias se achavam da sede conimbricense. Era esta um outro motivo de criação diocesana, ainda com a finalidade de uma

paroquialização mais abundante, que um prelado próprio mais facilmente poderia realizar. E a prova é que, para a diocese de Caliabria, novo e análogo desmembramento, agora em Viseo, veio a dar-se, no séc. VII: não mais de três paroécias a constituíram (as de Caliabria, Vallaritia e, talvez, Submoncio, que devia ser a única do extremo sul). Ficavam assim em melhores condições de se «desenvolver» paroquialmente os ainda vastos territórios que restavam aos prelados de Conimbria e Viseo. De uma maneira geral, a densidade paroecitana revela um estado populacional idêntico ao da atualidade; e não se pode dizer que se trata de um efeito aparente, derivado do facto de poder uma mais abundante toponímia fornecer, naturalmente, mais abundantes coincidências, que podem ser ilusórias. Adiante, responderemos a esta natural objeção; mas é também possível apresentar novos indícios em favor da nossa maneira de ver. De facto, a diocese de Portucale surge-nos povoadíssima, e, para assim a vermos, nem precisamos de fazer qualquer identificação nela: basta-nos conhecer a sua reduzida extensão, onde, ao tempo da separação desta diocese da de Bracara, se acumulam vinte e cinco paroécias. Ao contrário, mas provando o mesmo, visto que hoje é, aí, muito densa a população (única zona onde se nota a disparidade entre aquele passado e o presente, a diocese de Conimbria mostra, ao norte do Vouga, apenas duas paroécias (as de Insula e Portucale – Castrum Antiquum), um território em que, por sua extensão e pela paridade populacional de hoje com a região do Porto, deveria haver de oito a dez. O caso portucalense, sobretudo na parte ocidental da diocese (porque a leste do Tâmega apresenta-se no estado da região vizinha, hoje transmontana, isto é, com mais “rara” paroquialidade), merece um relevo especial. Apesar do excecional número de paroécias, era pequena: trata-se da diocese mais acanhada entre todas as de então, inferior mesmo à de Lameco. 283 Supomos correlativo um tal facto da própria importância que vinha obtendo, desde o séc. V. a urbe; e, quanto a nós, é nisso e é então que devemos procurar a origem da província portugalense, a raiz política mais remota da Nacionalidade. 284 Da relativa identidade entre o estado populacional de hoje e o da época paroecitana e que nos parece inegável, podemos deduzir o que já por outros vários indícios ____________________ Embora sem seguirmos a sua doutrina exatamente, como vimos, é também a ideia de I. de La Tour (cit. por Mons. M. de Oliveira, As Paróquias, p. 28). 283 Já vimos ser um equívoco a opinião de que Portucale constituía «uma extensa diocese», como a afirma o Prof. T. Soares, Reflexões, I, pp. 163-164; e sabemos que esse equívoco se deve, sobretudo, às erradas ideias acerca de Vallaritia. 284 Sem nos basearmos neste flagrante indício, assim já no nosso estudo Do Porto Veio Portugal, pp. 9-14 e 40-48; e reforçamos tal parecer em novos estudos, Notas às Origens Portugalenses e Intervenção de Lamego. 282

pág. 94

independentes havíamos concluído: a Reconquista não foi, de forma alguma, um período de graves destruições e de ermo ou profundo despovoamento que, de há mil anos para cá, pelo menos, se vem afirmando. Manteve-se sem grandes alterações o estado anterior, que agora conhecemos melhor, e processou-se um progresso sem apreciáveis dificuldades ou longas interrupções, tanto no eclesiástico, que é comprovado pelo elevadíssimo número de parochiae, como no civil. Um outro indício notável do facto está precisamente na zona litoral do Douro ao Vouga, única onde não existe a relativa paridade com os tempos atuais no séc. VI, mas observável já no X: enquanto que, naquele tempo, são umas duas as paroécias nessa região, mais tarde são numerosíssimas as paróquias, o que se deverá à época visigótica; e, quando não à Reconquista, é ao menos um estado que esta manteve. De um modo geral, vem a ser mesmo o que se passa em toda a região ao sul do Douro interessada no Paroquial, existindo, ao norte, umas sessenta e quatro paroécias e, ao sul, num território quase duplo, apenas umas vinte e cinco, quando deveriam ser, pela mesma proporção, mais ou menos cento e vinte. Verifica-se que o povoamento sul-duriense é, aproximadamente, a quinta parte do norte, o que já não se encontra no séc. X-XI, por muito «desfavorável» que ainda seja a situação, sobretudo na metade oriental. 285 Como dissemos, é digno de nota o denso setor portucalense do ângulo norte do Douro com o mar: Valle Aritia (com Portucale-Castrum Novum), Truculo, Menturio, Labrencio, Villanova, Nettis, pelo menos; e, na mesma diocese, outro setor ainda mais denso, no médio Sousa: Betaoma, Vésea, Napóli, Palantiaca, Baubaste, talvez Cépis e Torébria. 286 A região do mar ao Tâmega e a Barroso, para o norte do Douro, é, sem dúvida, a mais povoada no séc. VI. Merece aí especial referência o território tudense, nas suas duas partes, separadas pelo Minho. Na parte hoje portuguesa (do Lima até ao Minho), o número de paroécias que nos pareceram identificáveis (oito) condiz com a paroquialidade que, ao contrário do que se esperaria, «diminuía» na direção norte: basta atentar no pequeno número de paroécias de extensas dioceses como Iria (oito), Luco (quatro) e até a vastíssima Asturica (dez). Assim, na parte Tudense de além Minho, nove paroécias estão de acordo com o facto, porque essa zona é bastante mais vasta que a zona a sul. Certamente, reflexo do povoamento. Sendo, pois, a densidade paroecitana, na moderna Galiza, muito inferior à de entre Douro e Minho finais, também deveríamos afirmar, se seguíssemos o critério de P. David para o sul do Douro, que a organização paroquial era aí mais arcaica; mas seria inadmissível.

____________________ 285 Do Mondego para o Tejo, a situação não devia diferir

no séc. VI da de entre Douro e Mondego: uma ou outra paroécia olisibonense, como Usabia (Alcobaça), Eburobriz (Óbidos), Mafar (Mafra). O ermo que nesta região se aponta no séc. XII é em geral uma falsidade e um exagero, análogos aos de Afonso III para as regiões do norte. Ver, por exemplo, o que dizemos na cit. Enciclopédia, XXXVII, pp. 871-875. 286 Não o tendo feito na ocasião oportuna, emitiremos aqui a hipótese de que Torebriga seria o oppidum que a Reconquista conheceu acastelado e chamado Penafiel. (Era este o nome de todo o concelho, com sede em Arrifana de Sousa: elevado no séc. XVIII a cidade, tomou esse

nome, que, portanto, já não era de lugar, havia muitos séculos). Existia na atual Duas Igrejas (Canas), o que consta arqueologicamente e de documentos: «in Penafidel de Kanas», PMH Dipl. et Chart., nº 357. Duas Igrejas significa o grupo paroquial: a ecclesia mater e a ecclesia baptismalis. Ao lado (f. de Milhundos), ainda se recordava o topónimo Torebriga no séc. XIII se admitirmos Torebriga, paroecitana > *Trebria (queda da vogal pretónica) > *Trebia (perda do segundo r por dissimilação) > *Brevia, Brevia PMH Inquis., p. 593. É de crer (mais que, propriamente, a evolução fonética) que tivesse influído, para a forma Brevia (>*Trelia), o n. comum arcaico “brévia” monástico, bem de acordo com um passado paroecitano. O caso, sem dúvida, seduz, pois.

pág. 95

Para justificar tal arcaísmo, recorria ainda aquele medievista à sua opinião de que as sedes paroecitanas não são aí nem villae nem fundi, nem mesmo vici ordinários mas «velhas localidades» mais importantes que essas. Ora, já não olhando ao exposto, parece fácil mostrar a inanidade de tal encaro: - Visto que o Autor afirma o desaparecimento da toponímia paroecitana e o desaparecimento dos respetivos centros, não lhe devia ser possível fazer comparações e afirmar-lhes uma caraterística. - Já vimos que não tem cabimento a opinião de que uma paroécia, pelo facto de tomar o nome de um velho centro ou de outro, teria forçosamente nele a sua sede. - Nem se vê o que permita estabelecer distinção de sedes entre o norte do Douro e o sul. De ambas as bandas há nomes de velhíssimas povoações, como, ao norte, Torebriga, Tongobriga, Senabriga, Pannonias, Brigantia. Se ao norte há paroécias com a sede em villae ou semelhante (como Marciliana, Villa Gomedei, Villa Nova), ao sul temo-las igualmente em locais que haviam sido prédios da romanidade e da Suévia (como Insula e Rodomiro); e, se ao norte existem em fundi de outrora (Carisiano, Curmiano, respetivamente das estirpes dos Carisii, dos Curmii), também assim sucede ao sul (Cantabriano, dos Cantabri, que não são aqui o povo deste nome). 287 Resta-nos responder a um reparo natural: dir-se-á que a coincidência das regiões de maior densidade paroecitana com as mais densas da atualidade não passa, quanto aos nomes encontrados, de uma conclusão ilusória, já que, onde é mais densa a população, mais densa é a toponímia, o que conduz a um maior número de achados, em correspondência aparente. Mas é que os nomes assim encontrados são todos anteriores à famosa crise: na quase totalidade, são mesmo pré-romanos. Com pouca população ou com muita, que é o que interessa, existiram deste então sempre. Se, originariamente, fosse ela pouca, não poderiam eles ser então tantos; e, se ela se não conservasse, não poderiam eles ser hoje tantos como são então, isto é, ter-se mantido. Correspondendo essas zonas de densidade populacional de outras (época paroecitana) às de idêntica densidade agora, temos de concluir pela manutenção (aliás confirmada de vários outros modos, como vimos) e pelo progresso: seja, pois, pela correspondência toponímica paroecitana, ou ainda outra que aqui nos não interesse.

2. A distribuição territorial dos “pagi” e o sentido dela. Não vamos repetir a noção que de pagus deduzimos para o Paroquial suevo: a paroécia ainda então de fé herética, com pagus uma designação intencional regional, semipejorativa – como se não tratasse de cristãos (autênticos cristãos, que só os ortodoxos se considerariam). Anotando aquele documento (monumento no original) os pagi apenas na primeira diocese de Bracara (até ao Tua-Tuela), pois que Portucale e Tude se separam dela então, acrescidos dos quatro casos asturienses (Laetera, Bregandia, Astiatico e Tureco, transferidas na mesma ocasião para Bracara), este assunto respeita somente ao entre Douro e Minho. 288 Já chamámos a

____________________ Sem qualquer visão do problema que nos ocupa, refere-se P. David à família dos Cantabri representados nesses tempos em Conimbria: Étud. Hist. , p. 80, segundo Idácio (séc. VI). 288 De facto, uma única paroécia pagana nos parece encontrar-se ao norte do Minho: a tudense de Sacria. 287

pág. 96

atenção para o facto de estas paroécias arianas (ou, nalgum caso ou outro, priscilianas) se situarem sobretudo nos extremos das dioceses (Bracara e Asturica, até então), e explicámo-lo em nosso entender. Convém, no entanto, mais algumas considerações. A maior parte da atual região transmontana resistia à obra de conversão católica de S. Martinho de Dume na ocasião em que se redigiu o Paroquial, pouco depois da assembleia de Luco, senão nela mesma, que é o que mais nos parece (569): Setunio, Taubis, Cottos eram aí, então, as únicas ecclesiae ou paroécias católicas, entre o Tâmega e o Rabaçal. Para oriente do Rabaçal e do Tua, encontramos apenas pagi: Cubpelegio, Vergantia, Astiatico, Tureco e Laetera. 289 A parte sul do moderno distrito de Vila Real está todo nesse estado: pagi de Pannonias e, acaso por aqui, o de Anneco (Auneco?) (que não localizámos), fazendo ligação aos de Aliobrio e Celo, como um todo. A região de Barroso, igualmente: pagus de Berese. Supomos que o principal motivo da integração de quatro pagi do extremo sudoeste da diocese de Asturica na de Bracara, nesta ocasião, deve ter sido precisamente a conveniência de confiar a S. Martinho de Dume a obra, talvez árdua, da sua restituição à ortodoxia, não estando o prelado de Asturica nas condições de a alcançar. Não só não seria reconhecido dos arianos dessas cristandades como também careceria do prestígio e poder persuasivo do Apóstolo da Suévia. Outro motivo, como veremos, deve ter sido a compensação das amputações diocesanas bracarenses em Aurias, Tude e Portucale, ao passo que Asturica era enorme e dela se não separaram então bispados.

Conforme o extremo oriental agora bracarense era ocupado todo por algumas cristandades heréticas, assim sucedia com os outros extremos, o de noroeste (Tude), e o de sudoeste (Portucale), acabados de separar-se. A significação não deve diferir, mas noutro sentido: não deveria reputar-se difícil ao bispo de cada uma destas novas dioceses (talvez por sua mesma filiação Martiniana, ou prelados por S. Martinho escolhidos ou aprovados) a recondução dessas paroécias ao cristianismo integral, até por pouco numerosas dentro do total das cristandades respetivas. Os pagi que passaram para a nova diocese de Tude acumulavam-se entre o Lima, o Minho e o mar: os de Ovinia, Annove, Erbilione e Cartese, pouco distantes os de Canda e acaso Sacria, talvez separados pelo Minho. O caso de Portucale não desacorda daquele. A povoação havia adquirido importância recentemente (séc. V-VI), embora não tenhamos a certeza de que era sede paroecitana quando foi escolhida para sede episcopal. Parece-nos mesmo muito crível se incluísse numa das paroécias vizinhas, e, sendo assim, era esta a de Valle Aritia, um efeito da relativa recentidade do desenvolvimento de Portucale, chamado, por essa mesma recentidade, Castrum Novum. O Paroquial usa com ele uma diferença, que é dizer onde se situava a sede episcopal: «sedes Portugalensis in castro novo» o que nunca faz com as outras sedes. O seu estabelecimento aqui criaria a ecclesia, a paróquia própria: e daí que na soma se inclua : «sunt haec XXV». Seja assim ou não, foi esse castrum escolhido para a nova sede diocesana; mas o domínio ariano não permitiu que o prelado residisse ali imediatamente. A paroécia

____________________ Não incluímos Alisti, usurpação de Bracara posteriormente w que devia ser pagus, mas não temos certeza. A sua interpolação obedeceu apenas a um critério de contiguidade territorial. O mesmo com Vallaritia. 289

pág. 97

onde, provavelmente, até então se incluíra. Valle Aritia, era um pagus; e nas vizinhanças, imediatos, outros pagi havia: Truculo, Labrencio, Mandolas. Fê-lo então em Magneto, uma paroécia católica cerca dos limites bracarenses, entre outras, uma talvez Cepis, pagana, e as mais já igualmente ortodoxas: Oculis, Milia, Betaoma, Napolim, Vesea, Torebria, Bauvaste. É certo que não ficava longe, a nordeste, o pagus de Celo, e bem mais perto, ao poente, o de Palantiaca; mas não constituíam problema, dado o predomínio católico e até porque este último pagus não passaria de débil resto da heresia na bacia média do Sousa, à direita. Acumulavam-se aqui paroécias muito pequenas, analogamente ao que sucedia no litoral do Douro. Referindo-se a Portucale, escreveu recentemente um historiador notório que «a respetiva diocese, segundo parece, não resultou de uma verdadeira

criação, mas da transferência da sua primitiva sede em Magnetum»; mas logo acrescenta que isto é «uma simples ilação» resultada do facto de em 572 aparecer o primeiro bispo com o título da «Magnetensis ecclesia», enquanto que o Paroquial coloca a sede em Portucale e inclui Magneto entre as paroécias da diocese. 290 Em 589, de facto, já o prelado se diz na «Portugalense ecclesia». 291 Ora, desde o momento que se verifica ser o mesmo território, com Magneto ou com Portucale como sede, não devia tratar-se de simples ilação, mas de uma conclusão fundamentada ou verdadeira: transferência de um local para o outro. Mas isto, claro está, quando não se tenha em vista o nosso modo de encarar os factos: Magneto, a sede provisória da diocese, criada para Portucale e de Portucale considerada, o que só o arianismo impedia se efectivasse de momento. Nem se compreenderia que se escolhesse uma sede para, em tão poucos anos, se trocar por outra; certamente que nenhum caso de tal facto se conhece. O título Magnetensis não significa o carácter episcopal da respetiva igreja: é apenas uma manifestação de facto. O próprio Paroquial deve ter sido organizado, como dissemos, na ocasião destas criações e transferências. 292 Conquistada pouco depois, a já católica Suévia, pelos Visigodos heréticos (585), coloca o rei vencedor bispos arianos em diversas sés. Na de Portucale, era então prelado o católico Constâncio, que devia residir, como o seu antecessor (Viator), em

____________________ 290 Prof.

T. Soares, Reflexões, 1, pp. 162-163 3 nota. Citações, na edição crítica do LIber Fidei, I, p. 17, pelo Prof. Avelino Costa (sem se tratar aí do nosso problema). 292 Mons. J. A. Ferreira atribuiu a sé em Magneto ao facto de aí haver um mosteiro. Mas este apenas sr prova no séc. XII: ainda em 1120 não é ele citado entre os da diocese: Censual do Porto, p. 4, e só em 1131 temos a sua primeira notícia DMP Doc. Rég., I, nº 121. Apesar disso, logo a outro Autor lembrou dizer que o bispo de Magneto era-o apenas de «um mosteiro ou igreja, à semelhança do Dumiense (opinião de Mons. M. de Oliveira). Se isto fosse assim, só em 589 é que se teria a prova de que esta diocese se desmembrou do de Bracara quando se erigiu nela a de Tude e se criaram outras, isto é, ao tempo da assembleia de Luco (569). E não param nisto os absurdos de tais pareceres, que o Prof. T. Soares, ob. Cit., I p. 163, acolheu. Absurdos, de facto: porque, além do já referido, nada prova (antes o contrário) uma tão remota existência do mosteiro em Magneto, ao passo que, em Dumio, é inevitável a fundação sueva do seu, pelo seu primeiro bispo (S. Martinho); porque, em Dume, há uma série de bispos, além do referido, e em Magneto só consta um (pelo menos de outro não sabem aqueles autores); porque é Dume às portas de Braga e o seu bispado não foi eliminado por este, enquanto que em Magneto, tão longe da respetiva sede episcopal (Portucale), o teria sido quase logo, o que é incompreensível; porque o Paroquial suevo cita Dumio como bispado (e até o refere o Provincial visigótico, ao menos de nome), embora minúsculo, e não menciona Magneto como tal (contra o que não se pode argumentar com datas, visto que o Paroquial é reconhecido por anterior à primeira notícia sobre um bispo chamado Portucalense, marcando-se a sua possibilidade desde 572, o que não impede que nos pareça possível recuar a 569); e, enfim, porque se fala de um bispo em Magneto quando se não fala em Portucale, e fala-se deste quando cessa toda a referência àquele. Há nisto uma relação forçosa de identidade, que apoia a nossa opinião do bispo de Portucale residindo primeiro em Magneto (pela razão apontada) ou da sede em Portucale estando o bispo, provisoriamente, na ecclesia paroecitana de Sancta Maria de Magneto. Parece-nos ainda muito 291

expressiva a situação de Magneto na extrema divisória com Bracara e a uma equidistância geométrica dos extremos diocesanos oriental (foz do Corgo) e ocidental (foz do Ave).

pág. 98

Magneto; mas foi nomeado pelo monarca ariano Argiovito, que Portucale, pouco antes ainda ariano, se já havia deixado de o ser (o que não cremos), recebeu sem embargos. Assim foi a coexistência, em nosso entender, dos dois: mas não vamos crer que frente a frente, recíprocos adversários um com sé, outro sem ela: era forçosa a distância, e a sede em Magneto, portanto, persistia. Morto Leovigildo, quase logo, e. quase logo também, convertidos os Visigodos à ortodoxia, com Recaredo, os bispos arianos, não pouco para conservarem as suas sés, abjuraram da heresia, no 3º concílio de Toledo. Argiovito é um deles; e assim nos aparece em Portucale quase um quarto de século, ao passo que de Constâncio nada volta a saber-se. Nada mais, também, de Magneto «episcopal»: para nós, são eclipses pessoais e extinções diocesanas correlativas.

3. Correspondências divisionais civis e eclesiásticas. Um mapa em que marquemos as paroécias identificadas ou localizadas não será expressivo apenas quanto à variação ou distribuição da densidade paroecitana e no tocante à distribuição dos pagi paroecitanos, aspetos a que acabámos de dedicar alguma atenção: sê-lo-á, ainda quanto ao importante problema das relações entre as divisões administrativas civis e eclesiásticas, antes e depois da conquista muçulmana, até aos inícios da nacionalidade portuguesa. Além Minho, como já vimos, contra a opinião corrente na historiografia portuguesa, surgem na Reconquista muitos dos nomes paroecitanos e, o que representa muito mais, os respetivos distritos, na feição civil de comitatos, comissos ou decanias, o mesmo que entre nós se chamava «terra» (com seus mandantes) não vêm do séc. XI, como agora se anda a dizer, mas muito anteriores (com nítida antecedência nos territórios suévicos-visigóticos assunto que não posso aqui debater, senão dizer que o equívoco contraria logo os nossos primeiros documentos e é, pois, manifesto. Aquém Minho, não há razão alguma para que o mesmo não tivesse acontecido: o que houve foi uma perda documental muito profunda, dando a falsa ideia de uma diferença que em nada pode basear-se. Não deve explicar-se por um mais profundo despovoamento, porque não só não existiu realmente, mas é também deduzido ele mesmo dessa aparência. As observações que se seguem respeitarão unicamente ao território hoje português: além de nos não se possível uma investigação através do espanhol, é o português o que mais erroneamente costuma ser descrito. O espanhol – ou dele – nem sequer me consta a investigação.

Do Minho ao Ave, território tudense e bracarense ocidental, a densidade paroecitana é, como vimos, a mais elevada depois da portucalense, que, mesmo assim, a quadruplica, aproximadamente. Conseguimos localizar ou mesmo identificar aí cerca de trinta paroécias, das quais são oito tudenses. Parece-nos notável a coincidência deste número de paroécias tudenses com o número de «terras» dos inícios nacionais, antigos comissos ou mesmos comitatos: é que essas «terras» são também oito. Assim, à paroécia de Canda corresponde a Terra de

pág. 99

Valadares 293 e, exatamente, o arcediago de Valadares. 294 A paroécia de Toraca possui a sua correspondência na Terra de Valdevez 295 e no arcediago deste nome. 296 A de Annove tem as suas na Terra de Ponte 297 e no arcediago de Labruja. 298 A de Ovinia, na terra de São Martinho inicial e no arcediago chamado Terra de Vinha. 299 Finalmente, as paroécias de Cartase, Erbilione, Corello *(Torello) e Locoparre correspondem, respetivamente, às Terras de Cerveira, Fraião, Coura e Pena da Raínha. Formavam, porém, nos séc. XIII e XIV um único arcediago, chamado de Cerveira e tão extenso que tudo leva a crer que foi constituído com vários que, por qualquer motivo, se extinguiram ou se uniram. 300 A extinção ou união, de resto, podia ser apenas temporária. Exatamente o mesmo se dava no extremo oriental da diocese bracarense com o «archidiaconatus de Bragancia et de Miranda et de Lampazas et de Ferreira et de Laedra»: 301 chegámos já a dizer que a pluralidade dos nomes indica a das circunscrições eclesiásticas, portanto reunidas, as quais correspondem, mui nitidamente, às Terras de Bragança, Miranda, Lampaças, Valariça e Ledra. Estas, na Suévia, são as paroécias de Vergantia, Astiatico, Tureco, Vallaritia e Laetera. Era um arcediago de mais para ser originário ou mesmo definitivo. Ao nordeste, ficava-lhe o arcediagado de Aliste, que na Terra de Aliste tem correspondência civil e na paroécia de Alisti a eclesiástica. 302 Do Marão e do Corgo ao Tua e ao Douro, estendia-se a paroécia de Pannonias, como era na Reconquista a Terra de Panóias e o extenso arcediago do mesmo nome. 303 Mas a paroécia de Taubis deve ter sido constituída, parte à sua custa e parte à de uma ignota paroécia. Compreende-se que, diferindo as conveniências divisionais do civil para o eclesiástico, e vice-versa, a coincidência podia e devia deixar de observar-se algumas vezes, sobretudo da parte eclesiástica. Oferece-nos a diocese portucalense, flagrantemente, um tal exemplo, na parte ocidental e média. ____________________ «território Valladares juxta flúmen Minei», 916 (doc. Em E. Sáez, Los Ascendienles de San Rosendo, p. 111): é a “terra” (PMH Inquis., pp. 374-378) e não o lugar do nome. Aquela data mostra bem a anterioridade da circunscrição ao séc. X: não era uma inovação. 294 Catálogo das Igrejas, in F. de Almeida, Hist. da Igreja em Portugal, II, p. 656. 295 «ipse ville in Valle de Vice», 1066 (doc. Em L. Ferreiro, Hist. de Sant., II, nº 97. 293

Catálogo das Igrejas, ob. Cit., II, pp. 654-655. Deve notar-se a existência aqui da pequena circunscrição, de seis paróquias únicas, denominada Terra de Távora. Não deve passar de um beneficio ocasional ou temporário, explicando que, conforme podiam agregar-se várias circunscrições, para formar uma única e mais extensa, também se daria o contrário. Isto, porém, em épocas já muito tardias. 297 Sobre a Terra de Ponte inicial, ver os nossos estudos Ponte de Lima na Alta Idade Média, pp. 63-67, e Ainda Ponte de Lima Altimediévica, pp. 42-44, 180- 186, etc. Depois da fundação de Caminha, foi integrada na de São Martinho. 298 Catálogo, ob. cit., II, pp. 654-654. Consta que este arcediagado foi uma criação tardia. Supomo-lo antes uma restauração, o que não é possível desenvolver aqui. 299 Sobre a «terra» de São Martinho e sua evolução (cujo estado final é o dos PMH Inquis., pp. 327-342), ver os nossos estudos, referidos em nota anterior, e ainda o nosso trabalho Como Nasceu Viana, pp. 7-12 e 69-70. 300 Catálogo, ob. cit., II, pp. 652-653. Este arcediagado reunia oitenta e três freguesias em 1320. O mais vasto, depois deste, não chegava a ter metade, - o de Valdevez. Sobre as quatro «terras», ver PMH Inquis., pp. 349-374, estando já a Terra de Coura (DMP Doc. Rég., I, nº 71: «in Coira», 1124) unida à de Fraião, de que voltou a separar-se. 301 L. Fidei, nº 818, ano 1145. O arcediagado de Ferreira corresponde à Terra de Valariça (todo o sul do moderno distrito bragantino, como sabemos): nada tem com Ferreira, muito ao norte, nos confins de Ledra, Lampaças, Vinhais e Bragança, mas com a «Turre de Ferreyra» do julgado e terra de Valariça: TT Inquirições de S. Afonso III, L. 6, fl. 15 v. Por isso mesmo é que nunca aparece um «arcediagado de Valariça». A inclusão na diocese do Porto inicial é um absurdo, que já demasiado esclarecemos para poder deixar dúvidas. 302 «in terra de Miranda… in terra de Alisti»: L. Fidei, nº 419; «in Alisti», DMP Doc. Rég., nº 298; «archidiaconatum de Alisti»: L. Fidei, nº 818. 303 «in Pannonias», L. Fidei. nº 623 (ano 1086); «terra de Pannonias», Ib., nº 650 (ano 1101); «archidiaconatum de Pannonis», L. Fidei, nº 818. 296

pág. 100

A evolução da paroécia de Cottos fez-de para o arcediagado de Baroncelli (Verim) e o de Montenegro, em correspondência com a «terra» civil deste nome. Vela se compreendia talvez Chaves, como sabemos. Administrativamente, porém, também surgiu nela uma nova «terra», a de Rio Livre (Monforte, cujo castelo se ergueu na «civitas» Botocas). 304 Este duplo caso é um dos que a evolução torna porventura naturais na própria extensão territorial. Entre Cottos e o Tuela, que a separava da de Bregantia, estendia-se a paroécia de Sub Pelegio, a que correspondeu, no civil, a Terra de Vinhais (nome, evidentemente, muito posterior). Dir-se-ia, porém, incluída no arcediagado de Bragança (se não no de Montenegro), outra divergência compreensível. No entanto, correspondia-lhe, nos séc. XIII-XIV, o grupo das «igrejas de Frieira», circunscrição remota. O vasto arcediagado de Barroso, paralelo à Terra de Barroso (que se repartiu cedo em outras circuncisões, Borba e Montalegre), evidencia duas paroécias: Salto e Berese (que talvez expliquem aquela subdivisão administrativa, situando-se Salto em Borba). 305 A Terra de Aguiar deve corresponder à paroécia de Setunio* (forma já convenientemente explicada), mas surge integrada no arcediagado de Panóias, repetindo o possível caso de Sub Pelegio relativamente ao de Bragança. Desde o médio Tâmega e Barroso para ocidente, até ao mar, a diocese bracarense afigura-se-nos apresentar coincidências notáveis, tais como:

Anoaste, arcediagado de Lanhoso e «terra» deste nome (em que parece ter depois surgido a de Saoás); Lameto, arcediagado e Terra de Vieira; Equesios, arcediagado e terra de Basto (depois desmembrada em duas, civis: Celorico e Cabeceiras). Ad Portum, arcediagado de Entre Homem-e-Cávado e Terra de Bouro inicial; Petroneto, arcediagado e Terra de Faria, 306 são outros paralelos bracarenses ocidentais. O extremo meridional da diocese bracarense, como se compreende, já começa a revelar algo da notável multiplicação verificável na portucalense. Assim, a paroécia de Celo, a que corresponde o arcediagado de Sousa (nome impróprio, pois que a circunscrição eclesiástica se estendia do alto Sousa ao Tâmega), 307 parece apresentar duas «terras», pelo menos (Felgueiras e Santa Cruz), e parte de outra, (Lousada) com a paroécia de Ceresis, pelo menos. É certo que a fragmentação se manifesta, aqui, no civil e, ao sul, no eclesiástico; mas o significado é o mesmo. Logo ao lado, porém, se encontra o caso do arcediagado de Guimarães, em cujo território achamos as paroécias de Oculos e de Carantonia. Quando a diocese de Portucale se separou da de Bracara, o território da «civitas» Milia ficou dividido pelas duas, o que explica que o mesmo sucedesse com a circunscrição civil, a Terra de Refóios, que se documenta como comisso no séc. X (exemplo do que sucedia com as outras, não tendo delas ficado notícia, que, naquela – o que diz tudo –, é simplesmente fortuita). 308 Parte, portanto, numa diocese, e parte noutra, ____________________ «ad civitatem Batocas… por mediatorio de Marius, L. Fidei, nº 359; «ipsa civitatelia de Batoccas», L. Fidei, nº 400, «ecclesias de Baroncell». 305 «archediaconatum de Barroso», L. Fidei, nº 818; «Borba de Barroso», PMH Inquis., p. 666. 306 No L. Fidei, nº 818, citam-se numerosos arcediagados, entre os quais todos estes, exceto Vieira; mas este refere-se no L. Fidei, nº 828 (cp. «território Velaria», PMH Dipl. et Chart., nº 420). 307 «archidiaconatum de Sausa», L. Fidei, nº 818. 308 Doc. Do séc. XX, em Sáez, ob. cit., p. 34. 304

pág. 101

isso explica, perfeitamente, a correspondência a dois arcediagados: o de Riba de Ave (Negrelos), na diocese de Braga, e o de Refóios, na do Porto.309 Na diocese bracarense, não localizámos duas paroécias: Centumcellas, e Anneco; mas deve notar-se que também não encontramos correspondentes às «terras» de Vermoim, Montelongo, Anóbrega e Neiva, arcediagados dos mesmos nomes; e ainda à «terra» de Penela e às pequenas terras de Aguiar e Santo Estevão, que devem ter sido uma única inicial. Por força que existirá uma relação com estas «terras», arcediagados e paroécias.

Ao sul do Ave e do Vizela, como várias vezes temos observado, a situação paroquial é já no séc. VI muito evoluída, como se revela na acentuada subdivisão, tão juntas e, por isso, pequenas são as paroécias portucalenses. Assim, o arcediagado de Amaia (Maia) apresenta as paroécias de Tauvasse, Labrencio, Villanova, Menturio, Truculo, Valle Aritia, Nettis e Mendolas, pelo menos. Era, civilmente, a ainda grande Maia, do Douro ao Ave (mas que, primitivamente, chegava ao Lima), 310 «terra» que se subdividiria tarde nos julgados de Gondomar e Bouças, com Maia residual. O arcediagado de Aguiar, limítrofe, correspondente à «terra» deste nome, mostra as paroécias de Betaoma*, Vesea, Palantiaca e Napolle, e, certamente, alguma (s) outra (s) que não identificamos ou localizamos. Nos outros casos, parece haver correspondência uniforme: Torebria será o arcediagado e Terra de Penafiel; Magneto, o arcediagado de Meinedo e Terra de Lousada (pelo menos parte), 311 Bauvaste, talvez o arcediagado e Terra de Benviver; Melga, o arcediagado e Terra de Baião; Aliobrio, o arcediagado e Terra de Penaguião (parte desta, por ser bracarense a outra); Lumbo, o arcediagado e Terra de Gouveia. Nesta diocese, não identificamos ou localizamos três paroécias: Bonzoaste, Curmiano, Villa Gomedei; no entanto, mas deve notar-se que também pouco achámos para o arcediagado e «terra» de Refõios. Algumas delas lhe pertencerão, até por ser limítrofe de Amaia e Aguiar, muito subdivididas, porque a parte central e ocidental da diocese são as mais prolíficas. Uma ou outra será da região oriental portucalense, mais falha. Ao sul do Douro, o panorama difere inteiramente: raras e, por isso, enormes as paroécias, é um facto a falta de correspondência às circunscrições civis. Não parece haver mesmo uma divisão em arcediagados de base tradicional, sucedendo que a diocese de Lamego denota nunca a ter instaurado verdadeiramente. Não é possível deixar de relacionar-se esta circunstância com uma flagrante divergência dos territórios ao norte para os ao sul do Douro: a falta de domínio muçulmano efetivo ao norte, em contraste com a sua subsistência ao sul, até meados do século XI. A organização eclesiástica há de ter sofrido, sem dúvida, as consequências do facto, por tolerante que o domínio árabe fosse. Deste modo, esclarece-se ainda melhor o problema do pretenso despovoamento ao norte do Douro: se a organização eclesiástica se mostra, ao norte, perfeita e progressiva, tal facto só

_____________________ No Censual do Porto, p. 493, declara um documento do séc. XII que, nesta diocese, «erant decem arqhidyaconatus», a saber: Maia, Refóios, Aguiar, Penafiel, Lousada (ou Meinedo, ib., p. 576, séc. XIV), Gouveia, Benviver, Baião e Penaguião, com o de Santa Maria, este ao sul do Douro. 310 PMH Script., p. 277. 311 Censual do Porto, pp. 493-576. 309

pág. 102

pode resultar, por um lado, da permanência das populações e, por outro, da falta de domínio muçulmano. Já da parte sul o mesmo se não dava, e não porque não se conservassem, pois, as populações. Assim, a explicação, ainda a aceitarmos algum despovoamento (mas nunca ao grau exagerado a que se leva, e circunscrito a certas zonas), há de achar-se na sobredita dominação. A situação da metade sul do País, que já se libertou dentro do nosso período nacional, confirma, plenamente, o facto observável do Douro ao Mondego. Uma final observação à muito moderna opinião de que a «terra» como divisão administrativa provém do séc. XI: não tem o mínimo fundamento, e há documentos da sua anterioridade. É sobre esta que a presente dissertação repousa: somente o nome era diferente de «terra», até ao séc. IX-XI (territorium, commissum, comitatum, ou outro) – assunto que não é para aqui.

pág. 103

PARÓQUIAS DA SEGUNDA METADE DO SÉCULO VI (NO TERRITÓRIO HOJE PORTUGUÊS)

pág. 104

pág. 105

pág. 106 em branco.

pág. 107 Parte III

DIOCESES VISIGÓTICAS

pág. 108 em branco.

pág. 109

I

O PROVINCIAL VISIGÓTICO CRÍTICA

1. Considerações sobre a validade do documento. Até aqui, tem o nosso trabalho incidido sobre o Paroquial Suevo, chamado também Divisio Theodemiri (segunda metade do século VI); mas, desde agora, servir-nos-emos do Provincial visigótico. É este, como veremos, dos meados da segunda metade do século VII, embora se lhe chame também Divisio Wambae -, de Vamba, um rei que certamente lhe é bastante posterior. 312 Conjugaremos, porém, os dois documentos, e isso por uma razão simples. Sendo o Paroquial uma relação de paróquias por dioceses, torna-se evidente que a extensão de cada uma destas dioceses, ficará mui aproximadamente definida desde que em número bastante as paróquias se identifiquem ou localizem; por outro lado, é o Provincial uma divisão de dioceses por limites. Os sois documentos (no original, monumentos), quanto a nós, funcionam, pois, como complementares, até pela pequena diferença de tempo que os separa; e isto, em suma, significa que cada um deles pode servir de confirmação ao outro, - um, definindo a extensão diocesana por limitações, e o outro, por paroécias. O problemas apenas se nos levanta em ser um desses documentos considerado tão suspeito, ou mesmo fabuloso, quanto o outro, o Paroquial, se reputa de uma genuinidade frisante - aliás, só depois que P. David lha pretendeu demonstrar. A sua argumentação, como vimos, não parece procedente, mas isto não se notou nunca e, por isso, nada impediu ser aceite sem reservas. Todavia, durante longos séculos, havia o documento sido votado, como ainda hoje, o Provincial, à suspeita e à fábula e, por isso, desprezado. Como se vê, parece por vezes depender de bem pouco um critério de aceitação ou rejeição documental: basta uma opinião "autorizada" (mas falível, do que ainda é Rui de Azevedo, com os seus "falsos"como os diz, expoente entre nós).). Não poderá suceder com o Provincial o mesmo? A posição negativa da historiografia portuguesa, quanto a ele, além de seguir na esteira da espanhola do mesmo sentido(cremos que ainda (em) vigor), afigura-se-nos assentar, por um lado, em má inteligência das opiniões de P. David (o qual talvez não tivesse querido ir tã longe) e, por outro, refletir a sentença contra ele proferida por V. de Parga. 313 ____________________

312 O

documento contém duas ordens de indicações, pelo que se tem querido ver nele duas partes distintas; uma, os nomes das dioceses; a outra, os limites de cada uma. Uma tal visão predisporia já por si a supor duas épocas diferentes, o que não parece de boa crítica, e levou a uma dupla denominação: Provinciale, se se excluírem tais limites; Divisio Wambae, se eles se considerarem, - como pretende o P. Doutor Avelino Costa, na edição crítica do Liber Fidei, 1, p.12, citando P. David Este, porém, não diz bem isso, mas o Provinciale deverá ser o nome das «listas» (das «dioceses» sem os limites ou com eles, e «reservar-se-ia o nome de Divisio Wambae às listas, quando incluídas no quadro lendário que atribui a este rei o papel que se lhe tem dito»: Étud. Hist., p- 4, nota. Ver a nota seguinte. 313 Nestes conspectos, parece hoje assente que os limites «têm de ser eliminados como fabulosos e destituídos de qualquer valor histórico»: P. Doutor A. Costa, ob. cit., 1, p. 12. Esta ideia de fábula deve, porém, considerar-se e assim aparece em P. David a propósito muito diverso: os limites não estariam indicados primitivamente, e, quando mais tarde, se ajuntaram, o Provincial passou a ser, «as mais das vezes (note-se a restrição), transmitidos num quadro legendário que lhe tem feito dar o nome de Divisio Wambae»: Étud. Hist., p. 2. Sobre a lenda, ver L. Vásquez de Parga, La Division de Wamba, pp. 86-87, etc. Ainda que o quadro da transmissão de um documento (monumento, no original) seja lendário, não se provará, só por isso, que um tal documento(monumento, no original) é fabuloso.

pág. 110

Tem sido o que há de mais díspar a seu respeito a posição da historiografia espanhola, desde a aceitação como autêntico (ou, pelo menos, organizado sobre um original da época visigótica, com várias alterações) até à rejeição total, como falso. Produto da oficina de Paio de Oviedo (primeira metade do séc. XII): eis, a bem dizer, a tese de V. de Parga, autor que, depois de um etudo dos vários exemplares, pretendeu apresentar «o texto primitivo». 314 Interessa-nos, pois, desde já, a sua opinião sobre os limites de cada diocese fixados na Divisão: «Se os prólogos e epílogos se forjaram, sem dúvida possível, nos séc. XI a XII, sucedeu o mesmo com o nome das quatro localidades que servem de limite a cada diocese? A nossa convicção íntima far-nos-ia pronunciar pela afirmativa, ainda que reconhecendo que não temos argumentos convincentes em que apoiá-la, já que, se muitos dos nomes são absolutamente impossíveis de identificar se outros de uma vulgaridade que permite encontrá-los em qualquer parte, em alguns casos parecem refletir um certo conhecimento de toponímia da região em questão e algum deles tem sido aceite sem desconfiança pela linguística tão experiente como Gamillscheg. Portanto, prescindindo da fábula de Vamba apresentando-se num concílio a ler uma lista dos limites de sedes..., devemos perguntar se, ainda que reconheçamos uma falsificação no prólogo, não poderia o fundo geográfico ter uma base autêntica e antiga». 315 Não restará dúvida de que estamos perante o mesmo sentimento que, em matéria toponímica, inspirava até há uns vinte anos o Paroquial suevo: o de estranheza, suspeita e consequente rejeição, que até P. David declarou merecer o contrário. Ora não nos parece crível que um forjador pudesse fabricar tamanho número de topónimos, linguística e foneticamente aceitáveis, tanto mais que, para as finalidades da fraude, era necessário correspondessem

a localidades conhecidas, ao menos então, ou com possibilidades de então se conhecerem. A fraude, se existia, tinha um fim utilitário ou prático: não podia ser um simples passatempo do falsificador. De que serviam limites não identificáveis, por forjados? Desatento a essa circunstância, passa V. de Parga, sem querer pronunciar-se definitivamente, «a fazer algumas observações» contrárias a uma possibilidade de aceitação do texto, não pondo em causa os nomes das dioceses (nem os arquétipos que determinaram os dois grupos a que chama Oreto e Compluto), mas apenas o balizamento. Ousamos examiná-las mui rapidamente (não podendo alongar-nos), por não nos parecerem de uma crítica suficiente a resignarmo-nos a dar o caso por julgado daquele modo. 316 2. Falsas razões da fabulação do Provincial. a) A limitação da diocese de Osma, diz V. de Parga, é, em todos os textos da Divisão, referida «ao caminho dos peregrinos que levava a Compostela», o que «não pode, de modo algum, remontar ao período visigótico». Ora nada pode obstar a que o balizamento, constando de um documento primitivamente único, viesse a ser modificado aqui e além, com vista a finalidades especiais: e, ali, existia, de facto, uma: mostrar que Burgos se fundara dentro daquela ____________________ 314 V.

de Parga, ob. cit., pp. 31-41 e 89-85. (no original) Aut. e ob. cit., pp. 90-91 316 As razões de V. de Parga encontram-se na ob. cit., pp. 91-92. 315

pág. 111

diocese. O facto de ser tendencioso um pormenor do documento não pode lançar uma tal suspeita sobre todo ele. Também o Paroquial suevo reflete casos análogos, e não é possível duvidar-se da sua genuinidade, anterior ou até presente. b) «Não há o menor indício que permita supor fosse conhecida a Divisio antes da passagem do séc. XI para o XII», continua V. de Parga. Se então fosse forjada, a razão seria a urgência do seu emprego, e o documento, para ser aceito, devia apresentar os sinais externos da sua antiguidade, o que, desse modo, não era possível; ao contrário, a primeira notícia da sua utilização considera-o «scriptum vetus», antiguidade que não podia ser apenas intrínseca. Para mais, são os próprios questionantes que dele se servem a considerá-lo intrinsecamente suspeito, 317 mas isso não para todo ele, senão que para o pormenor relativo a Osma, na disputa que se travava sobre Burgos ainda no início do século XII, a qual disputação viria de antes. Outrossim, para se duvidar da autenticidade também a pretexto de um uso tardio do documento, seria preciso conhecerem-se as condições e as vezes em

que essa utilização deveria ou não ter-se efetuado. Ora, a verdade é que tanto poderia ter havido, até então, necessidade ou mesmo possibilidade do seu uso, em questões tais, como, em caso contrário, não ter chegado até nós qualquer notícia ou um simples indício. É de crer, porém, pior que isso: a falta de ocasião ou pretexto de o utilizar, pois que se faria sobretudo, se não apenas, em questões de limites. Ora as dioceses hispânicas, antes do séc. XI-XII, não estavam em condições de se preocupar com tais minúcias, mas assoberbadas por problemas bem mais graves; a sua própria sobrevivência depois da conquista muçulmana - sob domínio arábico ou sob constantes ameaças do mesmo. 318 Por isso é que essas discórdias entre sés respeitam a limites, e surgem apenas quando o ambiente é outro, já arredado um tal risco. 319 c) «As primeiras alusões que podemos rastear apresentam-na (Divisio) como um documento não autêntico», prossegue V. de Parga. Mesmo que não fosse "autêntico" (e que era, repito, a "autenticidade", visto que não seria aferida pela utilização?), nunca por isso deixaria de ser verdadeiro. Essas alusões (aliás uma única) são as da nota anterior e em circunstâncias tais que carecem de valor probativo. Tratando-se de disputa e contestações, é evidente que a uma das partes conviria declarar suspeita a indicação que lhe não conviesse. E o certo é que a dúvida então manifestada se refere a um pormenor (além de não incidir nos carateres extrínsecos). Corresponde a uma alteração nítida, que se revela no próprio insólito da redação, - ocorrente umas quantas vezes e apenas com sés que se envolveram em disputas territoriais ou ambicionavam dignidades metropolíticas ou outras. O Provincial apresenta então ____________________ «scriptum illud vetus quod Oxomensis episcopus habere se dicit... sicul nec a nobis autenticum creditur» (diz o Papa, pela voz contrária à que utilizava o documento e à sua informação): bula de Pascoal II, citada por V. de Parga, ob. cit., p. 92. 318 Sem sairmos do noroeste peninsular (porque nas outras regiões as circunstâncias não são menos graves), bastar-nos-ía atentar nos casos diocesanos de Asturica e Bracara, entendamolas ou não destruídas. Abatidas estavam-no, e tanto que uma (Asturica) teve de ser restaurada pelo povo de uma das suas velhas paroéciasm o de Bergido (Bierzo) doc. na Esp. Sagr., XVI, p. 452) e a outra mudou a sede para Luco, onde o bispo residiu por longos séculos, apesar de já liberto o seu território e bem povoado, desde o séc. IX (L. Fidel, nº 16, etc.) As referências de V. de Parga às «ocasiones que en el correr del siglo XI, hubiesen sido propicias para la utilización deste documento, en el caso de que hubiese sido conocido» (La Division, p. 43), em nada modificam a questão. 319 O que sucedia com as dioceses do Norte nos séc. XI-XII, afastado o perigo muçulmano, que ainda existia para as do sul restauradas, verifica-se só então com estas, para melhor evidência da circunstância basta exemplificar com as violências do séc. XIII entre Guarda (representando a velha Egitania episcopal) e Viseu: doc. em Viterbo, Elucidário, s. v. Guarda. 317

pág. 112

adições, ou redações de balizamento diferentes do usual, o que, mostrando a falsidade nestes casos, total ou parcialmente, afirma, em absoluto, a genuinidade dos outros, sempre sob a mesma fórmula.

d) A primeira vez que a Divisio se utiliza é precisamente para justificar a edificação de Burgos numa paróquia da diocese de Osma, o que se liga de maneira suspeita à especial demarcação desta diocese: alega V. de Parga. Esta contrariedade repete a da primeira nota e a anterior, refutando-se como elas. Pretende-se também que a fábrica de Divisio se destinou ao caso oxomense referido, o que é impossível admitir: trabalho vastíssimo (balizas para muitas dezenas de dioceses) com finalidade desproporcionadamente restrita. Além disso, a diferença na redação do balizamento procurado era tal em comparação com a dos outros casos que logo a denunciava como falsa e frustraria a finalidade visada. 320 E é o que se observa com as próprias declarações dos interessados, respeitantes ao caso em questão e não à totalidade do documento. e) «A delimitação por quatro pontos, dos quais só um é comum às outras dioceses imediatas, não podia servir para delimitar nada», diz V. de Parga. Um falsário, capaz de inventar uma profusa toponímia, não seria tão destituído de senso que adotasse um balizamento que «nada» definiria. Era mesmo uso do séc. VII como já de antes (e vê-lo-emos de muito depois), esse sistema de demarcações, 321 prova da sua eficácia; e encontramo-lo ainda no séc. XII. 322 Nem é verdade que a partição de uma diocese com outra se faça, na Divisio, por um único ponto: deveria então esperar-se, por exemplo, que a baliza (sul) de uma coincidisse com uma baliza (norte?) de outra, o que não se observa, a não ser muito excecionalmente, sendo poucos os casos da menção de um mesmo local em duas dioceses contíguas. Portanto, cada diocese é definida, geralmente, por oito pontos. f) «A admitir a possibilidade desta demarcação, que reputamos absurda, teríamos de admitir a possibilidade de Salamanca e Évora limitarem as suas dioceses através dos territórios das de Cória, em Sotobra, e Idanha e Ossónoba, passando pelos de Lisboa, Évora e Beja, em Sala. Uma simples olhada ao mapa convence-nos do absurdo de semelhante proposta (proposto na transcrição original)» - concluiu V. de Parga. Absurdo nos parece que alguém se lembre de tal argumentação (exemplo do que vale a anterior): um falsário tão arguto e imaginoso que inventava centenas de topónimos e que nem sequer conhecia a situação de cada diocese balizada, fazendo compartir as mais afastadas e frustrando assim o fim que pretendia com tal trabalho. A génese da toponínia foi sempre a mesma, nos seus aspetos subjetivo e objetivo , pelo que a repetição dos topónimos teria de ser um facto inevitável. Assim se mostra no presentem e assim era, provadamente, no passado. Podia haver mias que uma Sotobra, como mais que uma Sala. De resto, um "falsário" que "inventava" tantas dezenas de nomes não ____________________ A redação usual é do tipo «N. teneat de N.usque N. de N. usque N.»; e, no caso de Oxoma (Osma) também assim é, senão que se lê, entre as duas partes, «quomodo currit in camino Sancti Petri qui vadit ad Sanctum lacobum» (V. de Parga, p. 78: cp. pp. 74-85). Evidente interpolação, cujo tendencioso, afinal, se conhece perfeitamente. 321 «A cada nome de diocese está junta uma delimitação sumária por quatro pontos geográficos, marcando as extremidades de dois eixos que se cruzam»; esta «demarcação por dois eixos é verosímilmente anterior à atribuição ao rei Vamba» ou ao tempo deste: P. David, Étud. Hist., p. 2, já posteriormente (1947) a V. de Parga (1943). 322 Restauração de Lisboa diocesana em 1147: PMH Script. p. 405. Adiante nos referimos ao caso. 320

pág. 113

teria imaginação para mais alguns, evitando assim "repetições suspeitas"? Ao contrário de um elemento suspeito, é ele confirmativo. por aquilo mesmo. g) Terceira vez perguntamos (a primeira já o fizemos para o caso do "Parochiale" suévico: para que servia uma relação nominal ou toponímica inventada, isto é, cujos nomina tivessem sido forjados (se tamanha imaginação havia para isso)? Não chegava uma finalidade temporal, pretender-se remontar a determinada época - tarefa muito fácil e sem cuidado -, respeitar ao tempo pretendido, porque, sobretudo, era precisa a autenticidade no seu espacial, ou seja, que o espaço - isto é, a extensão de uma diocese - ficasse bem determinado, indicando-se locais sujos nomes teriam de ser autênticos, e, assim, com eles toda a relação. Mostrada a ineficácia (se nos não enganamos) das razões de V. de Parga contra o provincial, escusamos de nos ocupar das opiniões de outros autores no mesmo sentido, visto que aquele resume as dos que o antecederam e não nos consta outro depois dele. Dissemos que a lista das paróquias de uma diocese pode definir-lhe a extensão, melhor que por quatro pontos opostos. O Paroquial suevo seria, pois, mais útil nesse sentido que o Provincial visigótico. Isto pode servir, além do mais, para responder à observação que se lança contra a genuinidade do Provincial: a sua não utilização antes da passagem do séc. XI para o XII. Além da possibilidade de se terem perdido todas as notícias dessa remota utilização, como afirmámos, há que deveria também duvidar-se, em tal caso, da genuinidade do Paroquial suevo: este não só contém uma toponímia tão «estranha» como a do Provincial, mas ainda as primeiras notícias da sua utilização, apesar de mais remoto, pouco anteriores são às deste; 323 e, no entanto, não é possível apresentar um tal argumento contra a autenticidade da sua toponímia e dos seus dados históricos. 3. A época do Provincial e o método para as identificações. Como já dissemos (e assim se julga), a ligação do nome do rei Vamba a este documento carece de qualquer fundamento sério; mas as circunstâncias que passamos a apontar mostrá-lo-á talvez ainda melhor. No Provincial, não se indicam nunca os limites das sedes metropolitanas; mas há uma exceção: Bracara. Os que se lhe atribuem não são, porém, os seus, pois pertencem a Dumio. O facto deve ter forçosamente um significado. que nos parece decorrer de alguns motivos não difíceis de descobrir nem de explicar. Podia mesmo ter sucedido que a declaração de tais limites apenas para Bracara, não sendo os seus, tivesse sido um facto consciente e intencional, apesar de o nosso primeiro movimento ser o de considerá-lo o resultado de uma distração. De qualquer modo, a explicação seria sempre a mesma. Realmente, se se tratasse de uma inadvertência, a singularidade, que

principiava a ser única, aumentaria com o facto de ser relativa a uma sede que tinha junta ____________________ 323

Fins de 1078: L. Fidei., nºs 21 e 619.

pág. 114

de si outra, o mosteiro-sé de Dumio, com um território insignificante (uma só freguesia de hoje, com pouca diferença, se a há) em contraste com a enorme vastidão daquela onde se encontrava encravado. Não nos parece, pois, de crer numa tal distração e, quanto a nós, essa comunicação dos limites de Bracara a Dumio corresponde à comunicação de um bispo de Dumio a Bracara, isto é, um bispo daquele mosteiro que veio a sêlo desta cidade e metrópole. 324 Ora apenas dois casos destes se deram: o de S. Martinho e o de S. Frutuoso. Aquele está fora de causa, por ser do séc- VI; este convém, e de forma muito impressiva. 325 Eleito bispo de Dumio de 653 para 654 (por morte de Recimoro), passou a sê-lo, cumulativamente, de Bracara (pela deposição de Potâmio, de 656 para 657). Estando junto da cátedra metropolitana o mosteiro que fundou (Montelios, hoje São Frutuoso) e em que desejou ser e foi sepultado, não custa admitir que preferisse a continuação da sua residência nele. Seria sempre o prelado de Dumio por excelência, monge no seu mosteiro. Por tudo isto, é fácil entender que a vastíssima diocese pudesse chamarse vulgarmente também de Dumio, como a minúscula. Quanto a nós, manifestou-se tal facto no Provincial, do que resultou a exceção de se assinalarem as extremas de uma sede metropolitana, tratando-se ou não de balizar outra (Dumio). 326 Admitido o que se nega, mas que temos por verdadeiro, a sua autenticidade, não tem importância para este caso saber onde surgiu o documento. 327 Não seria extraordinário que a inclusão, pelo menos, da balizagem houvesse partido de Bracara ou, ainda melhor, de Dumio, pois que tal exceção possui, forçosamente, um significado, o qual deve girar à roda disso. Mas, fosse proveniente ou não dali, a Divisio parece-nos ser de um tempo em que um prelado bracarense era, ao mesmo tempo, dumiense, o que leva a considerar S. Frutuoso, já elevado à cátedra de Bracara, que ocupou entre 656-657 e 665. Nestas considerações, dataria o Provincial de tal tempo e, em lugar de Divisio Wambae, ter-lhe-ia cabido melhor o nome de Divisio Recesvinthi. O próprio Prof. P. David afirma que esta divisão ou «demarcação por dois eixos é verosímilmente anterior à atribuição ao rei Vamba», 328 o que cremos referi-se mais ao presente caso concreto que ao uso; e, no entanto, nem de longe o guiavam as razões que damos para a autenticidade, tão afastado andava daí o seu raciocínio. Depois da tentativa de determinação de uma época para a feitura ou

aparecimento do Provincial, convém abordar a questão do método a seguir nas identificações das balizas. Esse método parece-nos dever repousar em certas considerações, as principais das quais passamos a expor. ____________________ Já ao facto nos referimos numa comunicação (solicitada) ao Congresso do XII Centenário de S. Frutuoso (Braga, 1960), embora a finalidade da mesma houvesse sido «Limites da Arquidiocese Bracarense até ao tempo de S. Fruruoso». Igualmente nos referimos nela ao sentido especial de pagus no Paroquial suevo. 325 Escusado dizer que, para o Provincial ser do séc. VII, época visigótica, basta o facto de aparecer nele Calabria como sede de bispado, sendo simples paroécia de Viseo no Paroquial, séc. VI. 326 O P. Dr. Avelino Costa, na edição crítica do Liber Fidei, I, p. 15, também declara que os limites dados a Dumio são os de Bracara; mas não apresenta qualquer explicação do fato e nem mesmo lhe aponta o caráter excecional. 327 As principais responsabilidades da falsificação assacam-se a Paio de Oviedo, inícios do séc. XII: ver, porém V. de Parga, ob. cit., pp. 13-30 e 89-96). 328 Étud. Hist., p. 2. 324

pág. 115

Respeita a primeira à forma do topónimo, no que seguimos o método que já usámos na identificação das paroécias, desde a restituição à forma originária mais provável (os topónimos apresentam, neste documento, o mesmo grau de depravação e da mesma espécie do Paroquial) até à busca de um nome de hoje que esteja fonética e historicamente (quanto a extensões diocesanas) de harmonia com o topónimo considerado. Não nos deteremos em apontar o género de depravações, visto que o fizemos já com o Paroquial. A segunda reside na harmonização à extensão diocesana obtida à custa da identificação ou localização do número suficiente de paroécias. Por isso considerámos complementares Provincial e Paroquial e são-no, expressamente, não obstante diferenças de extensão que se explicam e que seriam mesmo de esperar ocorridas em três quartos de século. Essas diferenças constituem preciosos dados históricos para estudo da evolução dos territórios diocesanos. A terceira consiste na oposição mais nítida e natural possível entre os pontos de cada um dos dois pares que balizam uma diocese: não cortarem os eixos assim formados outro bispado, nem mesmo, à parte casos especiais, se aproximarem demasiado de uma linha de limites, colocando-se como que no sentido dela; e situarem-se realmente esses pontos em extremos do territórios, salvo um ou outro caso de intenções especiais, se ocorrer, e mesmo assim sem grande oposição a tal regra. Poderíamos entender uma quarta: nunca nos influenciarmos pela configuração das divisões administrativas e menos ainda religiosas atuais, facto de pronunciado pendor e que constitui por isso um grave perigo, análogo ao de uma base ou condição falsa. Ao contrário, se a divisões administrativas olharmos, como aliás é necessário (do que demos a explicação em preliminares), fá-lo-emos às antigas, sobretudo os conventos jurídicos. Por isso

mesmo é que, conquanto nos situemos no séc. VII, quando tal divisão havia muito caducara, repartiremos as dioceses em três grupos, correspondendo a três conventos (o Pacense, o Escalabitano e o Bracaraugustano), pois não desejamos ultrapassar, sensivelmente, o território hoje portuguêsEnfim, outra regra a respeitar será a de não supormos forçosamente incluído numa diocese um centro que lhe sirva de referência limitante. Os quatro pontos são, como é de compreender, centros, ou acidentes, de importância suficiente para definirem a extensão da diocese até eles ou sua região; e aquele facto revela-se na repetição da mesma baliza em dioceses limítrofes (embora não seja isso regra), não podendo esse centro ser simultaneamente de ambas. Podia o extremo de um bispado estar junto de uma localidade notável já noutro incluída, sem a haver naquele, motivo por que serviria para definir o âmbito do outro. 329 Saber-se a que diocese pertence determinado centro extremo, se àquela em que é mencionado ou se à limítrofe, só poderá resolver-se - e quase nunca satisfatoriamente - conjugando todas estas circunstâncias ou regras do nosso método. Nomes de rios só mui excecionalmente parecem usar-se, e sem podermos asseverar que não são sempre também localidades por onde esses rios passavam. 330 ____________________ Sena, por exemplo, é referida como extremo de Egitânia, mas não é possível crer-se inclusa nesta diocese, por ficar da banda oposta da mais alta serrania de todo o ocidente peninsular. Pertencia a Viseo, do que há outras várias indicações. 330 A diocese de Lameco, por exemplo, era limitada, quase totalmente, por quatro rios opostos: o Arda e o Távora, o Douro e o Paiva; e nenhum se cita, a não ser o Ta(va)ra, que, porém, deve ser a povoação de tal nome, como veremos, e da qual o rio dever ter tirado o nome, em vez de ter-lho dado. 329

pág. 116

II

DIOCESES NO CONVENTO PACENSE OSSONOBA (FARO)

«Oxonoba teneat de Ambia usque Sallam de Isirpa usque Turrem» En virtude de uma dominação arábica efetiva e prolongada e de um repovoamento português que, em nosso ver, introduziu uma nova toponímia, as identificações ao sul do Mondego são muito mais difíceis e falíveis na etimologia e na interpretação que ao norte. Em geral, contentar-nos-emos com simples aproximações nas extensões diocesanas. Para Ossónoba, dispomos das seguintes circunstâncias: Ossónoba e Pax limitavam em Matável, que, em nosso entender, corresponde a Almodôvar: al Matável (pois é natural a influência arábica, como em Almeirim, Almourol, que correspondem a nomes não arábicos na origem) 331 e Ossónoba limitava também com Elbora, o que só poderia fazer-se na banda do oceano,

por estranho que pareça. O Provincial não contém a forma Isirpa expressamente, embora a apresentemos como tal, o que passamos a explicar. Num dos exemplares do documento a forma toponímica é escrita abreviadamente Ipã, a qual em outros se desenvolveu em Ipsa. 332 Esta forma carece de propriedade linguística (os copistas tiveram em vista o lat. ipsa, na sua preocupação de interpretar), pelo que apenas merece exame a primeira; para nós, é, pois a abreviatura de Isirpa, Serpa, 333 centro que não deveria pertencer a Pace, ficando ao sul, sempre em Ossonoba, a paroécia de Myrtilis (Mértola) ou «sacrosancte aeclisia Mertilliane», como no séc. VI se lhe chamava. 334 O ponto oposto, Turre, cai, portanto, no extremo sudoeste, correspondendo ao Promontorium Sacrum: aqui, o cabo de S. Vicente, deveria existir uma povoação denominada Turre, em razão de uma construção apropriada, 335 cerca de Sagres, se desta se não trata, 336 talvez centro de uma paroécia que, nesta região extrema, teria, forçosamente de existir. Nos inícios nacionais já a igreja de Santa Maria do Cabo gozava da tradição de ____________________ Deve ter-se em vista, não a atual, mas a chamada Almodôver Velha, qualificativo expressivo para o caso. É claro que se aponta o ár. al-muduvar por étimo, mas é de crer uma adaptação arábica de nome pré-romano. Previnamos desde já que não nos submetemos desistentemente a origens puramente arábicas como as pretendeu J. P. Machado. 332 As abreviaturas não faltam neste monumento: ver V. de Parga, ob. cit., pp. 81, 82, 84. Por exemplo, Olm para Olmos (diocese de Portucale). 333 Isirpa é uma forma de Serpa: Leite de Vasconcelos, no mapa da Lusitânia proto-histórica (Herculano, Hist. de Port., 1, entre as pp. 42 e 43, da 8ª ed.). 334 Expressão de uma lápide sepulcral de 525 de um princeps cantorum dessa ecclesia, arquivada por Mons. M. de Oliveira, Epigrafia Cristã em Portugal, p. 21. 335 Também na Galiza havia um Promontorium Sacrum com uma torre, a Turris Augusta (foz do Sars) erguida no «promontorio sacro Scipionis romani ducis maonumentum»: Jordanes, cit. pelo Prof. Torquato Soares, Reflexões, 1, pp. 144-145. Seria ainda um caso análogo ao do Castelo de Faro (Corunha), designado Torre de Hèrcules e reconstruída pelo lusitano Caius Servilius Lupus (G. Barros, Hist. da Admin., I, pp. 396, alusão do Prof. T. Soares, sem se tratar do nosso problema). 336 Não cremos que Sagres provenha do ablativo Sacris , até por ser erróneo o outro exemplo de ablativos latinos toponímicos dado com esses pelos autores, Flaviis (aliás Flávias, de onde o arcaico Chávias, Chaves); e, além disso, seria natural aparecer Sacris em vez de Turre, porque, na realidade, não há, talvez, caso mais certo de um extremo diocesano balizado pelo Provincial do que o cabo de S. Vicente, em razão da especial configuração da diocese. 331

pág. 117

remotíssima, podendo estender-se pela época visigótica. 337 Perto, é a Torre de Aspa: e não se tratará de Turre da época referida? Quanto às balizas Ambia e Salla, não ousaremos dizer mais do que tratar-se indeterminadamente, do extremo sudoeste (foz do Guadiana) e do extremo noroeste da diocese (mais ou menos foz do Mira). A diocese ossonobense estendia-se, pois, do Guadiana-Chança inferior até o mar, tendo ao noroeste as alturas que repartem águas ao Mira e ao Sado

inicial, com Matával paroécia inclusa. Os autores, esforçando-se por demonstrar a ultrapassagem do Guadiana a leste pelo conventus juridicus Pacense, terão, nesta nossa dedução sobre Isirpa ossonobense, uma concordância atendível. Não se duvidando que os limites das dioceses primitivas coincidiam com os dos conventos, poderíamos valer-nos de tal facto para deduzir a inclusão de Isirpa (uma vez que eles estendem o Pacense para aí); mas preferimos o contrário, isto é, dar a extensão administrativa como não provada e deduzi-la assim. Em todos os casos, será este o nosso método.

PACE (BEJA)

«Pace teneat de Belgar usque Artam, de Bolla usque Mataval». Como as dioceses meridionais eram, sucessivamente, de sul para norte, Ossónoba, Pace, Élbora e Olisibona, pareceria impossível a linde de Pace com esta última, tanto mais que afirmámos o desenvolvimento da de Elbora para o litoral. Por este mesmo motivo, não admitimos Ambia comum a Ossonoba e Olisibona, tratando-se, quanto a esta, como veremos, de confusão com Usabia. 338 Para maior certeza da confrontação de Pace com Olisibona, não se trata de uma só baliza comum a ambas, mas de duas: Arta e Bolla. Este facto, aliado à extensão de Elbora para o mar, apresenta-nos, inevitavelmente, Pace como uma diocese estendida de Ourique a Albuquerque (região de Bolla) e de Avis-Estremoz (zona de Arta) a Barrancos (região de Bélgar e da antiga Nôudar). A limitação de Pace com Olisibona teria, pois, de fazer-se na região onde convizinhavam os conventos jurídicos Hispaliense e Emeritense, de um lado, e Pacense e Escalabitano, do outro, - o que é uma circunstância concorde com a extensão deste último ao sul do Tejo, como veremos. Seria já isto uma circunstância notavelmente a favor da justeza das referidas limitações (falamos num ponto de vista relativo) e, portanto, da genuinidade do Provincial, onde é apontado suspeito o balizamento. Mas há mais: se o convento Pacense não ultrapassasse sensivelmente o Guadiana para leste, a diocese de Pace teria uma extensão territorial inaceitável, por demasiado estreita e demasiado alongada. Assim ocorre mais uma circunstância em favor dessa sensível dilatação para leste. 339 ____________________ Sobre as remotas igrejas do Corvo (no Cabo) e do Cabo (Santa Maria), ver o nosso artigo na Enciclopédia XXXV, pp. 456-461, onde para a segunda marcámos erradamente o séc. XIII. Aspa poderia lembrar a baliza Ispa, se a forma fosse esta, mas nem assim se admitiria. 338 O u e a visigóticos confundiam-se, e poderia, por isso, estender-se por m, à face de Ambia. 339 Possivelmente, compreendia, no extremo nordeste, Pax Augusta, Badajoz, mais tarde ereta em sede episcopal. 337

pág. 118

ELBORA (ÉVORA) «Elbora teneat de Sotoba usque Peram, de Rutella usque Paratam». O que dissemos da partição de Pace com Olisibona por duas balizas seria suficiente para nos indicar a extensão elborense para o mar. Acresce que Olisibona e Ossonoba não compartiam. Ora a tudo isto se junta o facto de Sotobra corresponder talvez à antiga Caetobix ptolomaica, turdetana de origem - a atual Setúbal ou a fronteira estância da Tróia; ou a *Setobriga, com influência glótica, que levaria a evolução a forma atual. Sendo Sotobra o extremo ocidental, Pera, que lhe é oposto, deve ter sido o oriental. Sucede que o curso superior do Tera como limite com Pace oferece uma concordância que pode reputar-se singular não só com os limites e extensões de Elbora e Pace, pelas extremas desta (sobretudo Arta), mas também com os de Olisibona, por essas mesmas extremas e pelos limites do convento Escalabitano ao sul do Tejo, os quais conheceremos melhor quando nos ocuparmos de Olisibona, A identificação de Pera às fontes do Tera (descida ocidental da serra de Ossa) apresenta-se-nos confirmativa de muitas circunstâncias e auxilia a solução de notáveis problemas históricos, como a extensão tomada pelo convento Escalabitano ao sul do Tejo, originada da progressão lusitana para aqui antes da conquista romana. 340 Das balizas Rutella e Parata nada ousamos dizerm senão que correspondem, indeterminavelmente, aos extremos norte (zona de Mora) e sul (zona de Sines).

____________________ Não seria impossível estar Pera em vez de Tera, ou que este nome evoluísse de Pera, por influências arábicas. Não se sabe a origem de Tera (duvida-se céltica), mais uma circunstância a favor de Pera, na leitura de Tera. Algumas lições fazem-se Petra, mas deve tratar-se de interpretação de Pera (n. comum arcaico «petra», lat petra). Se, porém, é Petra forma real (mais antiga, pois, que Pera, não impedindo, mesmo assim, uma evolução para Tera), provarse-ia, como no Paroquial, um trabalho de atualização que testemunharia a existência do Provincial muito antes do séc. XI-XII. As alegações de V. de Parga, contra a genuinidade, as quais já por outras vias refutámos, seriam também completamente desditas por factos desta natureza. 340

pág. 119

III

DIOCESES NO CONVENTO ESCALABITANO

OLISIBONA (LISBOA)

«Olisibona teneat de Arta usque Usabiam, de Bolla usque Matar». 341 Pelo estudo que fizemos de Pace e Elbora, ficamos sabendo que a diocese de Olisibona se alongava por todo o norte destas, pois que só assim seria possível ter com Pace (estendida a leste de Elbora) dois pontos comuns: Arta e Bolla, respetivamente as regiões de Estremoz e de Valencia (de Alcântara). A diocese era cortada pelo Tejo na sua parte ocidental e por ele limitado ao norte, na oriental, como vamos ver. Sendo Sotoba (Setúbal) o extremo noroeste de Elbora, os limites olisibonenses ao sul do Tejo far-se-iam por uma linha iniciada em Sesimbra, passando cerca de Palmela, para seguir, pelo norte de Montemor e Arraiolos, na direção de Estremoz (baliza Arta), com que partiam até aqui com Elbora; e, daí, até à serra de S. Mamede, por cerca de Arronches, entrando depois no moderno território espanhol, até à região de Valência-Albuquerque (baliza Bolla), com que partiam agora com Pace; infletindo depois para norte, atingiam o Tejo (divisão com Emerita), compreendida, por certo, Valência, que foi fundação lusitana, e era, por isso, mui provávelmente, do convento Escalabitano. Sugeriu, embora com pouca evidência, um ouvido historiador atual uma mais larga ultrapassagem do Tejo por aquele convento do que a preconizada por outros autores, 342 e atribuiu-a a anteriores «migrações de povos de norte para sul» do dito rio, «depois da dominação romana» (isto é, da conquista e pacificação), defendendo-a ainda com «fatores de ordem geográfica». Quanto a nós, o caluniado e desaproveitado Provincial vem confirmar tal dedução. A base démica que originou essa ultrapassagem administrativa parece-nos a justificação suficiente: ser a região essencialmente lusitana. 343 Sem que isso tenha grande importância para o presente estudo, lembramos que o referido autor considera a presença lusitana naquela zona do além Tejo um resultado da paz estabelecida entre os povos peninsulares do sudoeste pelos Romanos, ainda mediante transferências populacionais; mas parece-nos mais um efeito de conquista pelos

____________________ «Até em textos que pretendem ser críticos aparecem Matar e Usabia substituídos, respetivamente, por Mataval e Ambia»; V. de Parga, op. cit., p. 80; Prof. A. Costa, Liber Fidei, 1, p. 16, sem alegarem razões. Trata-se de simples semelhanças gráficas, até porque ambos os autores (o segundo depois do primeiro) acham fabuloso tais nomes. Mas, desse modo, não lhes era permitido ter preferências e ainda menos apresentar um texto respetivamente «primitivo» e «crítico». Se se tratasse de Ambia, Olisibona confinaria com Ossonoba, o que não é possível; se se tratasse de Mataval, igualmente (Matával) na região limítrofe de Pace e Ossonoba, o que levava a confrontação aí de uma terceira diocese. Olisibona, ao impossível). Talvez que estes absurdos devam a sua existência, em parte, ambém a influências das atuais divisões civis e eclesiásticas, as quais podem dizer-se uma transformação total das primitivas, como se compreende, tratando-se do Sul. A própria diferença e, por isso, existência de Mátar e Matável e as de Ambia e Usábia mostram para onde devemos orientar a investigação. Matar e Belgar teem o acento na primeira sílaba, como o seu similar, ainda existente, Nôudar,o que tem toda a importância para identificação ou localização. Cp. ainda Lavar (Lavare), hoje Lavre - e ainda nomes em -al e -ar (Mataval e Modovar). 341

Como o Prof. T. Soares, Reflexões, I, pp 128 e 134, e ainda os mapas das pp. 131, devendo comparar-se com as divisões Albertini e M. Pidal. 343 Ptolomeu considera tão lusitanas como as do norte do Tejo as cidades da zona sul-tagana que assim incluímos na diocese olisibonense; e aponta ainda como tais Emerita e Elbora. Mas a primeira foi sede de conventus juridicus, e sedes de convento originadas de colónias romanas apenas consta terem sido Pax Julia (Pace, Beja, turdetana), Scalabis (Santarém, lusitana) e Augusta (Braga, colónia brácara); além de que Estrabão a aponta túrdula. O Prof. T. Soares tentou conciliar aquela oposição, dizendo que poderia Mérida ter sido «uma colónia de Lusitanos em país de Túrdulos»: ob. cit. I, p. 135. Quanto a Elbora e à sua população originária, deve estar confundida com outra das várias do nome, sobretudo a Ébora apontada por Mela na região do Promontório Magno (cabo Espichel), e que era de Lusitanos. 342

pág. 120

Lusitanos, resultado do seu êxito na guerra luso-céltica que aqueles vieram interromper. Ao norte da linha diocesana que, acima determinámos e foi separatriz dos conventos jurídicos Escalabitano e Pacence, as cidades são lusitanas, pelo menos dominantemente, ao passo que, ao sul, entremisturamse as célticas e túrdulas. 344 Tal facto até podera dever-se à receção dos Celtas, acossados do norte pelos Lusitanos, no território dos Túrdulos. 345 Eis os prováveis motivos de a província romana da Lusitânia se ter estendido bastante para o sul do Tejo e, com ela, o convento Escalabitano, o convento lusitano por excelência. Daí, em nossa dedução, que Olisibona compartisse com Elbora e Pace na linha já definida, um pouco ao sul do Sorraia. O eixo que de Arta se dirigia, na diocese de Pace, para Belgar orienta-se para sudeste, o que leva imedatamente a considerar orientado para nordeste o eixo que dali partia na diocese de Olisibona para Usabia. Este extremo corresponde, assim, à região entre o Lis e o mar, - e não estamos longe de admitir que Alcobaça, topónimo «de origem controversa», 346 sobretudo se resultou da aglutinação de Alcoa e Baça (ou suas formas primitvas), pode muito bem conter Usabia na segunda parte, até pela forma antiga Alcobaxa, 347 Alcobacia e, mais remoto e notável, Alcobasia, 348 Usabia>*Ubasia (por hipótese vulgaríssima)>*Ubaja, *(O)baxa. 349 Neste extremo da diocese, devia forçosamente existir paroécias, que , neste caso, seria Sancta Maria de Usabia, do que não faltam outros indícios. 350 Orientando-se o eixo Arta- Usabia para noroeste, o outro, Bolla-Matar, dirigir-se-ia para sudoeste. Também não estamos longe de supor que Matar pode ser uma forma errada ou m+a lição, por Mafar (fácil confusão de t e f), caso em que corresponderia a Mafra, ou melhor, à sua região antiga, até o litoral, tanto mais que a origem do topónimo Mafra (ant. Máfar), (também é desconhecida, o que quase corresponde a ser pré-romana. 351 Tanto no caso da evolução de Usabia como no da de Matar (ou Mafar), devemos ter em atenção a inevitável influência arábica, visto que se trata de região de longo e efetivo domínio muçulmano e de povoações remotas com importantes fortalezas

____________________ Segundo Ptolomeu, são turdetanas as cidades de Balsa, Ossonoba, Myrtiilis, Pax Julia, Caetobrix, Salacia; e célticas, Lacobriga, Mirobriga, Turres Albae (respetivamente, hoje, Tavira, Faro, Mertola, Beja, Setúbal, Alcácer; e Lagos, Santiago de Cacém, Viana), além de Arandis, Catraleucus, Caepiana. Ao norte da linha divisória dos conventos Pacense e Escalabitano, são lusitanas: Lavare, Aritium, Ammaea (Lavre, Alvega, Aramenha), para as citarmos apenas ao sul do Tejo. 345 Os Lusitanos, desde o momento em que, impelindo os Celtas, com intentos de conquista, para o território turdetano, ultrapassavam o Tejo, passavam, quanto a nós, a ser o inimigo para uns e para os outros. De diferente modo, teria sucedido, se não o aniquilamento natural dos Célticos, ao menos a impossibilidade de estabelecimento entre os Túrdulos, que os receberam à espada. O que deveria ter-se dado foi uma tácita coligação céltico-túrdula, que ainda resistia à progressão lusitana na bacia do Sorraia quando a intervenção romana se verificou. Os Lusitanos, porém, permaneceram no território ao sul do Tejo entretanto obtido (não por migrações ou transferências sob a égide romana, até porque apenas consta o caso de Valência, e menos ainda por corrida à «tomada de posições», como propõe o Prof. T. Soares), e, ao sul, mantiveram-se os Célticos entre os Túrdulos. 346 Assim o considera Mário Fiúza, na sua edição crítica do Elucidário, I, p. 325 (1962) (no original, 19ô2). 347 Assim escreve sempre Viterbo, Elucidário, s.v. Alcobaxa. 348 Alcobacha, Alcobacia, Alcubatia, séc. XII: DMP Doc. Rég., nºs 243, 261, etc.; «initium domus Alcobasia»: Livro da Noa de Santa Cruz de Coimbra, em Fr. A. Brandão, crón.de D. Af. Henriques, p. 140 (ed. de 1945). 349 Apesar dos problemas da aplicação do artigo al a nomes próprios (temos de curvar-nos perante Almourol = al Muriella, Almodóvar = al Matável, etc, em nosso entender) e da dificuldade do som epentético, talvez pudesse mesmo entender-se outra hipótese (aliás desnecessária ao fim em vista): Usabia> *Ubasia, Ubassia> al(C)ubassia. 350 Sobre a importância pré nacional, pré-cisterciense, de Alcobaça, ver, por muito que pese às ideias feitas, o que escrevemos na cit. Enciclopédia, XXXVII, pp. 870-882. 351 David Lopes duvida da origem árabe de Mafra: Enciclopédia, XV, p. 876. Mátar por Máfar, no Provincial, é o caso de Tara por Fara; e repetem-se ambos o de Trandes, ant Frandes (embora inverso). 344

pág. 121

anteriores à Nacionalidade, mau grado os erróneos lugares comuns de deserto na atual Estremadura. Sobre os limites olisibonenses, continuamos na diocese que se segue com novas demonstrações de realidade.

CONIMBRIA (COIMBRA)

«Conimbria teneat de Naba usque Borga, de Torrente usque Lora». Borga é um ponto comum a Conimbria e Viseo e situado, portanto, entre

as duas cidades: logo, a nordeste de Conimbria e junto, ou muito perto, do Mondego. Supomos, pois, que só pode corresponder ao local atual de Vila de Barba (f. Coouto do Mosteiro, c. Santa Comba-Dão), não muito distante daquele rio. 352 O outro ponto, Naba, por isso mesmo, deve procurar-se ao sul, tanto mais que é comum a Egitania. Embora não o identifiquemos, o facto não obsta a uma localização territorial quase precisa. A região de Naba, como extremo sul de Conimbria e ocidental de Egitania, prende ao extremo noroeste de Olisibona (Usabia): ora este, se quisermos compreender devidamente a razão de se não citar Usabia em ambas as dioceses de Olisibona e Conimbria, teria de ficar a ocidente de Naba. Esta é, pois, a região de Tomar, com limite no Nabão inferior (porque, para lá deste, já era diocese egitaniense). Logo que se libertou Lisboa (fins de 1147), restaurou-se a diocese, cujos termos se recordava ou sabia então terem sido «de Alcaser usque ad castrum Leirena et a mari occidentali usque civitatem Eborensem», 353 Évora, ainda então de Mouros. Temos aqui o próprio uso do Provincial, quanto à definição por quatro pontos e ao facto de os nomes destes não corresponderem, forçosamente, a regiões ou localidades inclusas na diocese por eles definida. Nunca a de Lisboa podia abranger Évora, sé remotíssima (que logo se restauraria também, após a libertação): mas note-se que os limites olisibonenses se aproximavam dela, de acordo flagrante com a linha de separação que determinámos. Nesta, de facto, encontra-se um prolongamento na direção de Elbora pela inclusão da civitas Lavar (Lavre), lusitana, em Olisibona. Também se não incluía nesta atual Setúbal (Sotobra visigótica), pois era termo de Alcácer, e, no entanto cita-se nos limites lisbonenses, como Évora; mas, sem isso atingir a justeza dos visigóticos, estendeu-se agora a diocese restaurada pelo antigo território elborense, até compreender Setúbal e Alcácer - o que se explica pela natural obliteração da realidade visigótica. igualmente não se incluía Leiria em

____________________ De Borga pode ter-se formado Borba, por assimilação, e, depois, Barba, por etimologia popular ou simples alteração do timbre da tónica. (A leitura Borca é um artificialismo do escriba, frequentíssimo sobre as oclusivas sonoras). Borba, na época visigótica, seria, em nosso entender, a localidade mais importante desta região e um local fortificado - o castrum que veio a chamar-se Sancta Columba pela devoção a mártir de Sens, uma das mais intensas do ocidente peninsular. A razão da mudança Borga-Sancta Columba, hoje Santa Comba, é a mesma de Scalabis-Sancta Irene, hoje Santarém (sobre o castrum de Santa Columba» ainda nos inícios nacionais, ver DMP Doc. Part. III, n. 112) A diferença é que de Borga ficou em vestígio toponímio, e de Scalabis não. Evidentemente, apresentamos uma simples hipótese em que, porém, entrevemos toda a probabilidade, por várias razões de ponderar. 353 «De Opugnatione Olisiponis», PMH Script., p. 405. Em vez de Leirena, lê-se, aí, Lora, que é um erro devido a tratar-se de um escrito de origem inglesa, do séc. XII. Lora é, porém, no Paroquial, uma baliza de Conimbria e Portucale, fica no extremo norte conimbriense e não no sul, onde é Leiria. 352

pág. 122

Olisibona, apesar de citada Leirena no extremo norte. Nem mesmo se pretendia incluir-se, pois o documento que aponta os quatro extremos np séc. XII é o próprio a citar o «castrum Leirena super fluviam qui dividit episcopatum lixbonensem a colymbriense». Leiria, portanto, entrava parte em Olisibona, visto que o rio divisório é o Lis. 354 Assim, era Usabia, como declarámos, o território desde este rio até ao mar: paroécia olisibonense de Sancta Maria de Usabia, tendo ao sul a de Sancta Maria de Eburobricio, respetivamente, hoje, Alcobaça e Aboboriz (c. Óbidos, f. Amoreira). Quanto a Naba ou Nava, trata-se do território ao oriente do de Usabia, paroécia de Sancta Maria de Selio no séc. VI: entre o Lis e o Nabão, era uma fração do território conimbriense apertada entre o olisibonense e o egitaniense, o que explica alguns históricos acontecimentos do século XII de acordo com as nossas deduções. 355 Quando se pretendeu dar por sede à diocese de Idanha a recém fundada Guarda, os limites egitanienses foram levados, pela tradição, pelo menos, «a Nava de Juncoso sive Nabam fluvio que fluit iuxta castrum de Thomar».356 O topónimo Nava e ainda Nabão lembram , perfeitamente, esta Nava ou Naba visigótica. 357 Vem agora a vez do eixo de extremos em Lora e Torrente. Orientava-se ele, mais ou menos, de noroeste para sudeste, visto que o eixo Borga-Naba se dirigia de nordeste para sudoeste. Assim teria de ser pela própria configuração alongada da diocese. Torrente só pode respeitar à parte média do curso do Zêzere, onde a torrentosa ribeira de Alge, com as famosas Fragas de S. Simão, convém em tudo. 358 Lora, por sua vez, não podia ser junto ao Douro, porque o extremo conimbricense era aí, exatamente, Portucale (Castrum Antiquum), nomeado como paroécia conimbricense no Paroquial suevo. Realmente, não havendo ponto mais setentrional, devia por isso ser citado, se a diocese de Conimbria ainda então aí chegasse. Mas os limites haviam-se modificado, e Lora é, pois, um ponto no Vouga ou junto deste rio. Vê-lo-emos ainda ao tratar da diocese de Portucale, por ser baliza comum às duas.

____________________ Prova de que aqui partiam os dois bispados +e que, quando, no séc. XII, o eclesiástico de Leiria e seu termo foram dados ao mosteiro de Santa Cruz, os dois bispos «de Lisboa e Coimbra» fizeram em separado desistência dos seus direitos nesse território. Pode muito bem supor-se que, para se saber destas e outras limitações, se utilizasse um documento tido por suficientemente remoto. Este, portanto, apenas poderia ser o Provincial visigótico, até pela analogia da partição quadripartida ou da extensão axial. 355 Ao estabelecer-se o isento de Tomar, intervieram os bispos de Lisboa, Coimbra e Idanha. É a prova da tripla partição nesta zona da visigótica Naba, embora não fosse exatamente conhecida, como então se declarava: ver Viterbo, Elucidário, s. v. Garda. Cumpre notar que os limites das dioceses ao sul do Tejo foram os que maiores transformações sofreram, o que se compreende. Assim, Lisboa, estendida agora pela bacia do Sado, que era elborense, perdeu o território da região de Portalegre (daí, mais tarde, as questões sobre o tal território, travadas entre a Guarda e Évora, que, por sua vez, herdada da diocese de Pace, ao sul dessa região). 356 Documento extratado por Vieira Guimarães, Tomar - Santa Iria, pp 102-103. 354

As formas do topónimo Naba, Nava, oferecem deturpações profundas, mas não há dúvida na exata. A menos modificada, Namba, deve ser um resultado «pessoal» da influência nasaladora da consoante inicial. Quanto à citação de Nava naquele documento, é ela bastante elucidativa; e Nabão, sendo, como é forçoso, absurdas as explicações do nome (incompreensível a alusão ao imposto piscatório do nabulum, em todos os aspetos), pode provir de Nabani (fluvium), isto é «rio de Naba» (Nava); veja-se o nosso artigo na cit. Enciclopédia, pp. 895-908. 358 Torrente devia ser o nome de alguma localidade importante nesse tempo, cerca do rio Alge ou perto (na zona das atuais Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, topónimos muito posteriores); e é importante notar a existência pré-nacional do mosteiro de Alge, que poderia prender-se a uma paroécia visigótica: Santa Maria de Torrente:«monasterium de Algia quomodo concludit Algia cum Unzezar», lê-se em 1135 (DMP Doc. Rég. I. n. 146); e nada ,mais se sabe dele. Sobre a torrente, ver a impressionante descrição de Raul Proença, Guia de Portugal, II, p. 523. 357

EGITANIA (IDANHA)

«Egitânia teneat de Sala usque Nabam, de Sena usque Mauriellam (Moriella)». A baliza Nava já sabemos ser na zona do Nabão, de modo que a diocese transpunha aí o Zêzere para ocidente. Mas ultrapassaria a oriente o Erges, como já se pretendeu.359 O problema resolver-se-ia pela identificação da baliza Sala (Salla?), que não encontramos. Entendeu o P. David que a diocese de Egitania se separou da de Conimbria por apresentar uma organização paroquial tão «arcaica» como a sua (o que já dissemos não ser compreensível sem mais explicação) e «o mesmo desenvolvimento paroquial». Está muito longe de ser assim, porque o território egitaniense era bem maior que o de Conimbria; e no entanto, este possuía mais do dobro das paróquias daquele. Se o desenvolvimento paroquial de Egitania fosse o de Conimbria, devia Egitânia possuir umas dez paroécias, em vez de apenas três. Egitania, de facto, proveio de Conimbria, mas, quanto a nós, porque, não sendo assim (e se não proveio de duas, Cauria e aquela), teria de supor-se desmembrada de Cauria. Ora nem sequer o admitimos em parte, por ser Cauria da metrópole de Emerita, e esta não se resignaria a uma criação que resultava em proveito de metrópole rival, bracarense, que já a havia lesado mui gravemente ao estender-se às suas sufragâneas ao sul do Douro. O problema destes limites diocesanos liga-se como o dos limites do convento Escalabitano: para cá ou para lá do Erges? Os autores ora excluem dele os territórios dos dois ramos dos Lancienses (os Oppidani e os Transcudani) e o dos Igaeditani, ora somente estes. Por isso, não está hoje ainda resolvido o problema do convento em que se fazia a inclusão do território de entre o Erges e, mais ou menos, o Ponsul. Em tal problema, devem ter-se em conta, naturalmente, as razões que nos levaram à localização da paroécia sueva de Município (Covilhã Velha) e a sua identificação à sede dos Oppidani; por outro lado, não nos parece que o território destes fosse apenas ao sul da curva do Coa inicial, 360 mas em todo o norte do atual distrito de Castelo Branco - desde o oppidum de Elbócoris (pois identificamo-lo a Bogas), 361 para nascente e sul, até cerca da própria Egitania. 362 E o facto é que, deste modo, ter-se-ia uma repartição paroecitana sueva do território egitaniense a que não faltava coerência: ao norte, Município;

ao sudeste, Egitania; ao sudoeste, Francos, de acordo com a perfeita conformação territorial. Portanto, quanto a nós, o limite escalabitano e, com ele, o diocesano egitaniense far-se-iam no Erges. Sendo assim, torna-se mais fácil localizar o ponto oriental Sal(l)a: zona de Salvaterra (do Estremo), onde o Castelo Buçaco pode representar um oppidum ou civitas, até por ser aquele um nome moderno. Existiria aí, na época visigótica, a paróquia de Sancta Maria de Salla, cuja recordação se mantinha na titular de Salvaterra, importante município medieval.

____________________ 359 Viterbo, Elucidário, s. v. Garda, propõe Sarça (Zarza), atual Espanha, bispado de Coria, o que se deve a uma leve semelhança de nomes e, só por isso, é inadmissível. 360 Ao contrário do que propõe o Prof. T. Soares, Reflexões, I. p. 133, e mapas entre as pp. 140 e 141 e na p. 113. 361 Assim pensamos: Elbocoris> *Ebocoris (cp. Elbora, Ebora)> *Bogores> Bogres> *Bogras > Bogas (até por etimologia popular). 362 Um «terminus augustalis» cerca de Monsanto: Prof. T. Soares, ob. cit., I, p. 132, sem tratar do nosso caso.

pág. 122

As Dioceses nos sécs. VI-VII

pág. 125

O eixo Sena-Mauriella (Moriella), como aquele se dirigia de poente para nascente, estendia-se, no extremo ocidental (onde se verifica a maior dimensão), de norte para sul: Sena é, sem dúvida, a região de Seia, mas não pertencia a Egitania; Mauriella corresponde à foz do rio Zêzere, onde, nos inícios da Nacionalidade, existia ainda a paróquia de Santa Maria de Almourol,

representante, sem dúvida, da visigótica Sancta Maria de Mouriella, e, onde o nome se recorda ainda na ilhota acastelada do Tejo. 363 A forma Almourol, como melhor se vê pela antiga, Almourel, 364 provém da aplicação do artigo arábico al a Mouriella (ou Moriella), por estranho que pareça com um n. próprio. É o caso ainda de Matável, al Mataval (Almodôvar) como pensamos, e até talvez de Usabia, al Ubasia (de onde Alcobaça, embora para este caso tenhamos outro parecer da sua proveniência em Usabia). Finalmente, não deixa de ser notável a coincidência que o Provincial, pela localização da baliza Moriella, oferece com o Paroquial, pela identificação da paroécia dos Francos: Almourol e Francos, respeticamente. Um dos depoimentos consolida o outro; e ambos, portanto, se tornam ainda mais aceitáveis. Além disso, há na ultrapassagem egitaniense do Zêzer final a concordância com a sua baliza Na(m)ba, igualmente dessa banda do rio, onde, de resto, era também Moriella. A própria extensão da nova diocese para esse lado, com uma grandeza superior à que restava à de que proveio, só deverá significar que uma das paroécias ocupava esse extremo sudoeste e era indispensável à viabilidade da diocese criada, - uma razão ainda a favor daquela identificação (Francos ma f. Beselga, c. Tomar, não muito longe de Tancos, embora este nome, ao contrário do que já se quis, não seja Francos).

VISEO (VISEU)

«Viseo teneat de Borga usque Sortam, de Bonella usque Ventosam». Sendo Borga comum a Conimbrica, sabemos já onde se localiza: perto do Mondego e junto da atual vila de Santa Comba-Dão, inclusão em Viseo. Quanto a Sorta, macar-se-á com mais facilidade ainda, por ser baliza comum às três dioceses de Viseo, Lameco e Caliabrica. Não posia situar-se, pois, para oriente do Távora (que, como veremos, separava Lameco e Caliabrica) mas, não estaria afastada, ao ocidente, zona da atual serra da Lapa, onde sempre Lameco e Viseo compartiam. Embora não possamos localizar com justeza, ficava Sorta, portanto, entre o Távora e as nascentes do Paiva. 365. Assim, o eixo Borga-Sorta orientava-se de sudeste para noroeste, o que principia por confirmar-se na configuração geográfica da diocese, mas tem ainda um apoio histórico e

____________________ Ver a cit. Grande Enciclopédia, XXIII, p. 35, e o que aí escrevemos, XXXV, pp. 615-618. «quomodo intrat mons ad fundum de pelago de Almourel»; foral de Zêzere (foz do ria) em 1169, DMP Doc. Rég. I, nº 279. Repitamos que não tem qualquer visto de obrigatoriedade linguística de aceitação a doutrina que se nos possa opor exposta por J. P. Machado no Dicion. Onom. da Líng. Portuguesa, 1, pp. 107-158, e noutros nomes que aqui não interessam. 365 Não seria de surpreender que a velha povoação de Lapa (apesar de ser uma póvoa aforada na segunda metade do século XII) correspondesse a Sancta Maria de Sorta: o nome deve ter363 364

se perdido já tarde (talvez com o aforamento e em razão da impressionante penedia, a "Lapa", e o culto mariano, apesar de uma lenda posterior, é, aí, muito remoto. Aliás, essa lenda pode revelá-lo, embora muito deslocada no tempo.

pág. 126

fonológico. De facto, quanto ao histórico, sabe-se que a primeira diocese se estendia até território da atual Guarda, cidade onde, com a fundação, em fins do séc- XI, se restaurou a sé de Egitania, embora o domínio egitaniense nunca houvesse chegado aí. Ficou o novo bispado com a sede no último extremo norte do território que se lhe assinalou (com larga extensão para o sul, até ao Tejo), precisamente por causa de Viseo. A grande proximidade dos limites restados a esta deu causa, nos primeiros decénios do séc. XIII, a conflitos violentos e escandalosos entre os dois bispos. 366 Nestas condições, isto é, desmembrado da velha diocese viseense o extremo de sudeste, para a Guarda, nada obsta a marcar aí mesmo a baliza visigótica Bonella, a qual corresponde, em tudo, a Boela, junto de atual Belmonte, este, pois, um nome de fantasia que foi criado no séc. XII-XIII e, no séc. XIV, substituiu Centocelas. O local deste último nome e o de Boela são de todo vizinhos, e aí, além do famoso monumento romano que é a torre daquele nome, há ainda vestígios da remota povoação. Foneticamente, está Boela na perfeita correspondência de Bonella. Quanto a Ventosa, convém à localidade deste mesmo nome cerca da atual Vouzela e abaixo do notável e duplo monte castrejo de Lafões (designação árabe que, por o ser, substituiu outra). No séc. VII, a extensão diocesana havia recuado um tanto para oriente 367 (visto que, no VI, parece compreender a paroécia de Ovellione, até ao rio Ul, se não ao rio Antuã). O caso, porém, deveria ser estudado, sobretudo no conjunto dos similares, noutro capítulo, mas não posemos alongar-nos.

LAMECO (LAMEGO)

«Lameco teneat de Sorta usque Petram, de Tara usque Artosam». Sorta, comum a Viseo e Calabria, é, como vimos, a zona da serra da Lapa ou das nascentes do Paiva e do Vouga, não longe do Távora. Petra só pode, pois, situar-se sobre o Douro e, como é óbvio, na zona da diocese onde o rio encurva nais ao norte. Aí se encontra o topónimo em tudo conveniente: a atual Penajóia, antiga Pena Judia ou Pena Judeia, 368 primeiro apenas Pena, de Petra. O eixo Tara-Artosa, em vista daquele, só poderá desenvolver-se de oriente para ocidente, de acordo com a própria extensão da diocese. Assim, Tara deve ser um nome resultado de Tavara, nome que corresponde a uma povoação situada no ponto onde o rio, também assim chamado, encurva mais para nascente, como teria de ser para o caso da maior dimensão. Artosa tem, pois, de corresponder a Arauca (nome que evoluiu para Arouca), a paroécia lamecence do séc. XII mais ocidental. Há, de facto,

_____________________ Ver Viterbo, Elucidário, s. v. Guarda (sem tratar deste problema). Até à região atual de Sever do vouga, que pertencia a Viseu: «Santiago da Hermyda que he no bispado de Viseo»: Livro das Doações de Tarouca, fl. 126 (séc. XIII-XIV). 368 O epíteto adjetival refere-se a um povoamento de Petra (Pena) por Judeus, o que nada tem de singular: ver Altamira, Hist.d'Espagne, pp. 38 e 47 (Paris, 1931). Não desejando insistir nas exatidões e equívocos informados ao Prof. T. Soares, Reflexões, I, p. 150, nota, e não podendo alongar-nos, transcrevemos do nosso estudo Arouca na Idade Média, pp. 184-185: «Ainda Pena Judeia em 1130 (DMP Doc. Reg., I, n. 106). As Inquirições de 1258, escrevendo sempre Penajuya, tónica no i, trazem uma vez Pena Julia PMH Inquis., p. 1002. Não passa de eruditismo do notário, embora já o aceitássemos como real e daí tirássemos deduções». Convirá notar que o lat. Julia nunca poderia evoluir para Júlia, que, de resto, não é o caso antigo, mas Juía. Ora a forma antiga era Penajuía (acento no i), ainda de todo não extinta, e tanto assim, que é ou era (ouvi-o eu próprio) ridicularizada, na pronúncia Penajia, pelos povos vizinhos. 366 367

pág. 127

perfeita conformidade geográfica e arqueológica, e por isso estamos muito longe de convencidos de que a forma Artosa será mesmo uma depravação de «Arauca». 369

CALIABRIA

«Caliabria teneat de Sorta usque Albenam, de Sotto usque Farum». Sorta, comum a Caliabria, Lameco e Viseo, corresponde, como vimos, à Lapa; mas ficava fora da diocese caliabrense, de que a separava o Távora. Sendo o ponto mais ocidental, é Albena, forçosamente, o mais oriental, e corresponde, de forma clara, a Alva, com sucessão fonética documentada: Albena 370 > Albea, Albia > Alva. Mas a localidade era ao norte do Douro, e teremos, pois, de reputar a diocese caliabricense, estendida para aí. Vamos vêlo, tão rapidamente quanto possível em facto que julgamos novidade. Deve notar-se que Álbena é baliza comum a Caliabria e Salamantica, 371 mas, na questão de determinar-se-lhe a diocese, ainda podem figurar Bracara, que se estendeu até aqui ao Douro, e Asturica, se, como tudo indica, atingia o início da linha do Tua-Tuela. A primeira razão para excluirmos Bracara e Asturica é que o território de Albena ocuparia, em cada uma delas, uma posição absolutamente extrema. Se fosse uma delas, não poderia por isso deixar de ser assinalada ou aproveitada para elas no Provincial, o que não sucede. Salamantica fica ainda excluída pelo simples facto de nunca ter ultrapassado o Douro. Antes de mais, convém reunir dados pela consideração do outro eixo,

Sotto-Faro. Sotto ou Soto, 372 até por ser Caliabria a diocese ao norte da de Egitânia e esta não passar para o norte da curva do Coa inicial, corresponde, claramente, a Souto (topónimo que se deve a uma interpretação popular daquele), no atual concelho de Sabugal e, de facto, ao norte dessa curva, Sotto teria sido uma civitas de Transcudani (Lancienses) e uma paróquia visigótica, Sancta Maria de Sotto. É que, neste extremo, devia, forçosamente, existir uma, e convém à sua representação, como seu resíduo, a remota e atual freguesia de Sancta Maria de Souto. Quanto a Faro, não é forma do Provincial, mas estamos crentes de que ela se contém no acusativo Faram, com a vulgaríssima confusão de u redondo visigótico com a. Foi assim que apareceu Fara em certos exemplares, o que não podia ser, pois o nome figurava em acusativo: quer dizer Fara é leitura proveniente da má lição da escrita visigótica Farum. Esse ponto não pode considerar-se ao sul do Douro, mesmo quando se não aceite a ultrapassagem para o norte.

____________________ Há alterações muito mais profundas, a cada passo, no Paroquial, e mesmo no Provincial, como já neste trabalho temos encontrado indubitavelmente, sobretudo no Paroquial). 370 As formas Albea, Albia, Alba e Alva estão documentadas no Censual do Porto, p. 405; no L. Fidei, nº 862; num doc. em Fr.A. Brandão, Crón. de D. Sancho II, p. 61 (ed. 1941); na TT Inquirições de D. Afonso III, I., 2, fl. 104 v, etc. Era ao norte do Douro e, pelo menos então, na arquidiocese de Braga. Ainda hoje, na f. de Poiares (c. Freixo de Espada-à-Cinta), existe num alto que foi acastelado a ermida de Nossa Senhora de Alva, que representa a igreja altimedieva de Sancta Maria de Albea. Deveria tê-lo sido de uma paróquia visigótica. O topónimo Barca de Alva, na margem oposta, foi determinado pela passagem do Douro chamada o «porto de Albia» Todas estas circunstâncias constam daquelas fontes. 371 A forma Albenna, ortograficamente errada, como tantas vezes sucede. Quanto a ser também baliza de Salamantica, ver o texto do Provincial em V. de Parga, ob. cit., p. 80, onde algumas lições contêm a forma correta, Albena. 372 Há as variantes Sote e Soto, com confusões muito vulgares. O t devia ser dúplo, Sotto, mas, como nome de um único tema, a evolução far-se-ia talvez igualmente com t simples, sem auxílio da etimologia popular, Souto, que, afinal, se impôs. Ou bastaria mesmo ter-se formado em Soto o ditongo, como é naturalíssimo, já em época remota. 369

pág. 128

Basta ter em atenção o eixo Távara-Álbena, isto é, do Távora à Barca de Alva, o qual, nesse caso, quase se justaporia ao curso do rio, o que é inadmissível. Mais uma razão para concluirmos que, ao norte dele, não só ficava Albena caliabrense, mas também Faro, para a banda oposta, o que nos levaria ao mui natural achado do monte Faro, sobre o Tua. Trata-se, além disso, de uma elevação castreja ou de civitas, onde o culto mariano tem origens ignoradas e imemoriais (f. Vilas Boas, c. Vila Flor); e a sua identificação caliavrense confirma-se também com o concernente a Bracara, pois que, como veremos, é também sua baliza designada. Não nos surpreenderia uma paróquia visigótica de Sancta Maria de Faro.

Definimos, pois, assim, ao norte do Douro, o velho território paroecitano de Vallaritia: de Albena, ao sudeste, sobre o Douro, a Faro, no nordeste, sobre o Tua. O seu nome, como sucede com Aliste, aparece interpolado entre as paroécias bracarenses no Paroquial suevo, e essa interpolação tem um significado importante. Ao tratar de Bracara, veremos que esta sé, no tempo de S. Martinho de Dume (ou daquele documento), obteve as paroécias asturienses para lá do Tuela (Laetara, Bregantia, Astiatico e Tureco), mas não Aliste, que foi usurpação sua na Reconquista. Por agora, apenas nos interessa Vallaritia caliabrense: com a queda de Caliabria (povoação episcopal que se não refez, como Conimbria), Bracara obteve o seu território, ao norte e ao sul do Douro. O território caliabrense havia sido da diocese de Viseo. Transpunha, pois, esta diocese, inicialmente, aquele rio, para incluir o sul do moderno distrito de Bragança; mas, para assim ser, é preciso admitir que o convento jurídico Escalabitano ( o convento dos Lusitanos, por excelência) ultrapassava também o Douro. Comprovando tudo o que por outras vias temos reduzido, assim era, de facto. É certo que Plínio indica o rio como limite do convento, mas «não com absoluto rigor». 373 Ora a tribo dos Banienses, que ocupava todo aquele território, depois paroécia sueva de Vallaritia, era lusitana, o que também se prova pela inscrição contributária da ponte de Alcântara, onde apenas se apontam municípios vetões e lusitanos. Um deles era o dos Banienses, na Lusitânia. Correlativamente, ocorre a solução do problema dos limites do referido convento, o que transmite ao Provincial um caráter de fidedignidade merecedor de nota. Quanto a nós, atendendo aos limites diocesanos (que nunca ultrapassavam aqueles, mesmo ao constituirem-se novos bispados sobre os existentes), concidiam eles ao oriente com a moderna fronteira portuguesa. Bastaria atender aos limites caliabrienses: o Douro, antes da entrada em Portugal, a linha do Águeda-Tourões e o além Côa meridional, respetivamente ao norte (desde o Tua), ao centro (desde o Távora) e ao sul. De resto, toda a diocese de Viseo era do convento Escalabitano: logo, deste também todo o território caliabrense, qual o definimos, visto ter-se separado dela. 374 De Caliabria, apenas uma palavra final, sem interesse para o presente estudo, mas de sentimento pelo olvido em que o vasto morro da sua existência, Calabre, sobre

____________________ Prof. Torquato Soares, ob. cit., I, pp. 127-128 (sem tratar do assunto que discutimos). Se não se tivesse separado em Viseo, te-lo-ía sido em Salamanca ou em Cauria, ou mesmo em ambas. Mas como já acentuei, estas eram sufragâneas de Emerita, e a diocese de Caliabria foi criada precisamente na ocasião em que Emerita reclamava de Bracara as suas sufragâncias, por esta obtidas do Douro para o sul. Se se criasse Caliabria fora de Viseo, nova perda metropolitana resultava para Emerita, em favor da sua rival, o que, certamente, Emerita não consentiria, impedindo tal criação diocesana. Até por esta via chegamos, pois, à conclusão de que Caliabria provém de Viseo. 373 374

pág. 129

o Douro, se encontra entre os nossos estudiosos e cientistas. Que poderia deparar-se-nos nele? Muito certamente, que satisfazeria o arqueólogo; e porventura muito que satisfizesse o historiador. Não seria uma repetição do que se passa na morta jazida de Conimbrica, requintadamente romanizada; mas não esquecer que tão sede episcopal foi uma como a outra, até à mesma época, mau grado uma destruição mais remota, em nosso entender, em Caliabrica. Não será isto, por si mesmo, sugestivo, para todos os que conquistam o passado, informando-se ou construindo?

pág. 130

IV

DIOCESES NO CONVENTO BRACARAUGUSTIANO PORTUCALE (PORTO)

«Portucale teneat de Avia usque Loram, de Almos (Olmos) usque Solam» 375 Avia é, sem dúvida, o rio Ave, certamente considerado no ponto mais setentrional da diocese, entre o mar e a confluência do Vizela. 376 Lora, comum a Coimbra, situava-se, forçosamente, na região do Vouga, como vimos ao tratar daquela diocese: supomos ser a atual Loure, na margem direita deste rio (c. Albergaria-a-Velha), apesar da aparência (e até escrita) genitiva. De notar que Domingos A. Moreira, ao opor-se, como vimos, à nossa doutrina sobre o Paroquial, refuta (embora sem decisão) Loure atual para Lora (que é préromano: de lor "esconderijo"), exigindo que os bispos do Porto e de Coimbra, no séc. XII em conflito, conhecessem o Provincial, o que não poderia ter-se dado, até por efeito de uma possível falsa interpretação: Lora >*Lore > Lo(u)ri > Loure. É inadmissível o duplo reparo. Repetir-se o topónimo (até em alcunha) em nada obsta: pelo contrário. Não vale a pena levar o caso mais longe, dada a fraqueza e indecisão de tais reparos. Mas interessa notar que o "castro Lora" contém uma deturpação de "Leirena", que o autor referido não nota. O outro eixo, sendo aquele de norte para sul, dirigia-se de poente para nascente (ou ao contrário). É fácil a localização: um dos pontos, o extremo ocidental, a foz do rio Ave; o outro, o oriental, a foz do Corgo. Supomos que o ocidental corresponde a Mindelo (c. Vila do Conde), dada a perfeita identidade de significado entre estes topónimo e Almos. 377 Avia é ainda comum a Bracara, mas em ponto diferente do rio (a foz), como veremos. É um dos raros casos em que o nome de um rio se emprega no Provincial. Lora, comum a Conimbria, indica que a diocese de Portucale se havia já estendido para o sul do Douro, onde limitava no tempo do Paroquial.

BRACARA (BRAGA)

«Dumio 378 teneat de Duria usque ad Aviam, de Tameca usque ad Farum». O eixo Duria-Avia, referido aos rios Douro e Ave, em pontos convenientes à extensão diocesana, não pode considerar-se do Ave para o sul, visto que se tratava da diocese de Portucale, nem do Douro para o norte, pela mesma razão. Também o não

____________________ Sobre a exatidão de Avia como baliza bracarense: ver o P. Dr. Avelino Costa, Liber Fidei, I. p. 15 (apesar de ter por fabuloso o balizamento), corrigindo Albia, que V. de Parga preferiu. As variantes Lobia e Bena são deturpações. Já vimos que não se pode realmente tratar de Albena, dado esta localidade ser de Caliabria. Ver, a este respeito, uma das próximas notas. Lora aparece também mudada, Losola, mas é outro equívoco, por ser Losola baliza Tudense. Ora Tude e Portucale nunca limitaram, além de que, tratando-se de Avia, nunca era possível ser Lora ao norte. 376 A limitação norte da diocese fazia-se, de facto, «a fauce Aviae fluminis ubi cadit in mare oceanum per ipsum flumen sursum»: docs. no Censual do Porlo, pp 2 e 4. 377 Há neste facto uma concordância com a indiscutível localização geográfica do extremo portucalense: as árvores dos géneros 'alnus' e 'ulmos' determinaram uma toponímia muito frequente junto dos cursos de água ou em terrenos abundantes dela, por derivados do lat. 'amoena (sc. arbor), que convém a qualquer desses géneros. Daí Mindelo, ant. 'Ameedello' (o primeiro 'e' nasal), de *amoenetellu - (diminutivo de 'amoenetu' - , derivado de 'amoena'). 378 Já explicámos (no primeiro capítulo desta parte) a razão por que estes limites são declarados de Dumio, mas correspondem, realmente, a Bracara. 375

pág. 131

podemos supor com as extremas em qualquer ponto do Ave (entre o litoral e o Vizela, no máximo avanço para o oriente) e na curva que o Douro faz ao entrar no moderno território português. É que, além de pertencer esta curva à caliabriense Albena, 379 tal eixo não definiria a extensão da diocese portucalense e pelo menos o norte da de Caliabria. Por idênticas razões, tão pouco é possível estremar no Douro totalmente português o eixo que se apoiava em Avia. Assim, aúnica direção possível para esse eixo, além de mais natural, é a de nascente-poente, ou seja, do Douro a qualquer ponto do Ave, no troço separatriz com Portucale. Não é sem intenção que se usou a respeito de Bracara uma relação diferente da geral. Esta nunca emprega a preposição dupla '«usque ad»', mas apenas 'usque': ora aquele ad não indica ponto fixo, 380 quanto ao Ave; já assim não, porém, quanto ao Douro. O ponto deste,

para que qualquer do Ave sirva naquele troço, só pode ser a curva que o rio faz a nordeste de Miranda, quando começa a fronteira hoje portuguesa: se daí, com efeito, tirarmos um eixo para o Ave, a linha irá coincidir com este rio, nesta curta extensão divisória. 381 (Logo, Duria deve considerar-se deturpação de Durio, com '-a' por '-o' ser muito frequente: assim Osania por Osonio, como vimos, etc.). Um tal caso, que é único, corresponde confirmativamente a uma dedução deste nosso trabalho, alcançado por outros meios: a exclusão de Aliste da diocese bracarense antes da conquista muçulmana. Se o vasto território de Aliste fosse então de Bracara, o eixo nunca podia partir do Douro, mas do Esla; e se o tirássemos da foz deste naquele, a linha até sairia da diocese, no início. E Aliste, no Paroquial suevo, uma interpolação, um acrescente tardio, 382 que tem o seu denunciante paralelo na sua falta entre as paroécias asturienses, diga-se o que disser, com base documental ou sem ela. Assim, sem dúvida e uma vez mais, Paroquial e Provincial são harmónicos e mutuamente se autenticam. Com esta conclusão do estudo do eixo Durio-Avia, apresenta-se-nos o problema dos limites do convento jurídico Bracarugustano, com os quais coincidiam os da primitiva (e então única, em todo ele) diocese de Bracara. Pondo, com razão, de parte as demarcações anteriormente apontadas por outros autores, um historiador português da atualidade concluiu que o rio Tuela (o Tua superior) «constituiria o limite entre os dois conventos- o Bracaraugustano e o Asturiense - pelo menos até à sua confluência com a ribeira de Rabaçal. ou pouco mais além», para sul. 383 O motivo de se excluír de Bracara o território de além Tuela, onde localizámos já as paroécias de Laetera, Bregantia, Astiático e Tureco (e ainda Aliste), foi ter o território sido dos 'Zoelae', tribo ásture, que se pensa só podia ter cabimento ásture e não no brácaro.

____________________ Deve notar-se que V. de Parga, ob. cit., p. 81, no texto que pretende ser o primitivo, adota Albia, o que os partidários da extensão de Portucale até ao rio Sabor poderiam logo supor uma confirmação do seu modo de ver. Bastaria, porém, notar que, nesse caso, Albia (evolução de Albena) devia ser portucalense, o que desdiria a extensão de Bracara até aí. Bem certo que a realidade bracarense na baliza Albia poderia manter-se supondo-a mesmo assim no território portucalense: mas é que, como pensamos ter provado, pertencia ao caliabriense. 380 Já o mesmo significado encontramos nos nomes de paroécias suevas Ad Portum, Ad Saltum, e houve as expressões "ad Selium", "ad Calem", etc., viárias, romanas; e, até Sub Moncio, Sub Pelegio, Sub Erbeno, havendo sub Lantio, etc. 181 Cremos que o facto de se tratar de um pequeno troço fluvial é que determinou citar-se este rio nos limites portucalenses e nos bracarenses: qualquer parte dele servia, como se se tratasse de localidade certa. 382 P. David, 'Étud., Hist'., pp. 32 e 46-47, assim o indica, sem tratar deste nosso problema ou sequer o suspeitar. 383 Prof. T. Soares, ob. cit., I, p. 127. 379

pág. 132

Apenas parcialmente poderá aceitar-se tal alegação. A razão principal para nós, que concordamos também com esta exclusão, é ter sido esse território, paroquialmente, asturiense antes de S. Martinho de Dume, até porque, quando mesmo exagerasse certas pretensões, a sé de Asturica algumas razões teria para o reivindicar de Bracara expressamente '«ecclesias que sunt in Bregantia per illum rivulum que dicitur Tuella... contra Zamora ad partem orientis»'. 384 Se a razão apresentada pelo referido historiador fosse válida (pelo menos por si só), também não deveria propor a inclusão em Bracara do território que julga dos Banienses, como o faz, visto que não se trata de tribo brácara, mas lusitana. É esta a ração por que até faz deixar pelos limites Bracaraugustanos o Tua, infletindo-os ao oriente «em direção ao Douro, até encontrar talvez nas proximidades do rio Sabor, onde uma tribo lusitana - a dos Banienses - se tinha estabelecido.» 385 Passando agora ao eixo Tamega-Faro, cumpre prevenir de que estas formas toponímicas não são as que se encontram nos textos do Provincial, mas Rameca (ou Ramecca) e Rumeca (ou Rumecca) para a primeira, e Ara e Aaran (melhor AAra, pois que, por certo, trata-se da forma acusativa, com 'n' em vez de 'm'). Mas é fácil ver a inexatidão delas. O eixo em questão, visto que o outro se orientava de nascente para poente, dirigia-se de norte para sul e, como sucedia com o outro, há nele um ponto fixo e um indeterminado, em certa região restrita, devido à idêntica redação: '«de Rameca usque ad Aaram»' (sic). O ponto fixo é sem dúvida Tameca, nome recordado no rio Tâmega: além da vulgaríssima confusão de 'a' com 'u' redondo visigótico e da não menos vulgar do 't' com 'r' (acrescendo que uma forma Rumeca, contém as duas confusões, enquanto que a outra, Rameca, apenas uma), há que a diocese bracarense do tempo do Provincial se estendia ao norte até às cabeceiras do Tâmega, onde estanciava a tribo dos 'Tamecani'. O seu município foi um dos que custearam a construção da ponte de Chaves (com os 'Equaesi', os 'Bibali', os 'Coelerni', os 'Limici', os 'Quarquerni' e outros). 386 Ora esse ponto fixo, portanto, um lugar e região determinada, não pode ser ao longo do curso do Tâmega, como é óbvio, mas o seu início ou nascentes. Aí estanciavam, pois, os 'Tamecani' e era Tameca; e aí, por isso, o extremo norte da diocese, - o que ainda concorda com o que se sabe do máximo da extensão setentrional desta, depois da separação da diocese de Aurias no séc. VI. O outro extremo, portanto, é Faro (forma deturpada de Fara, Aara e Ara, a primeira no balizamento de Caliabria com Bracara, como vimos); e, não sendo ele um ponto fixo no balizamento de Bracara, embora existisse um local certo do nome, devemos considerar o ângulo ocidental do Tua com o Douro, desde o monte de Faro. E nesse ângulo que efetivamente se realiza a maior dimensão bracarense norte-sul, que é a parte de

____________________ Excluímos desta ementa, por meio de reticências, a expressão '« et discurret usque dum intrat in Dorio»'. O complemento que se lhe segue, '« contra Zamora»', não é de '« discurret»', 384

mas de '« sunt in Bregantia»'. A expressão correspondente a «'aquis discurrentibus in Dorium»', ou semelhante, e não que Asturica reclamasse todo o moderno distrito de Bragança para lá do Tua. As expressões '«in Bregancia»' e '« contra Zamora»' fazem excluir manifestamente a parte sul (como até resulta do contexto e de nunca ter Asturica falado em Vallaritia), o que concorda sintomaticamente com as nossas deduções caliabriense e bracarense: Vallaritia, uma paroécia de Caliabria. Ver doc. na 'Esp. Sagr'., XVI, p. 443. 385 'Reflexões', I, p. 127. Pensamos que outra causa da inexata (ou pelo menos restrita) visão territorial dos Banienses é, aí, devida à inexata situação da 'Civitas Baniensis', não como aí está (mapa entre as pp. 140 e 141), na atual Torre de Moncorvo, mas bastante para noroeste e, o que é mais, à margem oposta do Sabor, na confluência da ribeira da Vilariça com este rio. 386 É totalmente injustificado marcar os 'Tamacani' cerca de Marco de Canaveses. A situação fica assim determinada.

pág. 133

Tameca. E era Faro território caliabriense, mas adotou-se como baliza comum com Bracara por ser o local mais importante na região onde teria de ser apoiado o eixo conveniente. Como já com o outro nos sucedeu, levanta-se-nos agora com este eixo o problema das limitações setentrionais do convento jurídico Bracaraugustano, com o qual coincidia a primitiva e única diocese. Correlativamente, surge o de saber se a diocese de Aurias foi desmembrada de Asturica, como quer o P. David (e é hoje, por isso, crença geral), ou se o foi de Bracara. A maior e mais autorizada parte dos autores que trataram das divisões do dito convento ao norte, para leste do Minho, fazem-nas seguir o Sil, variando apenas na extensão do curso, para montante. Seguidamente, infletiam para o sul, onde já as conhecemos desde as origens do Tuela. Ultimamente um historiador português que estudou o assunto traçou uma divisão mais ao sul, partindo do Minho (cerca de Ribadavia) para leste, até à Serra de S. Mamede e, desta, até à Segundera, de onde se dirigiam, para o sul, às nascentes do Tuela, seguindo depois, como sabemos, para o Douro. Uma tal demarcação resultou, pelo menos em parte, da ideia colhida em P. David de que a diocese de Aurias, que contém todo aquele território, se separou de Asturica e não de Bracara, e a ideia de que Aurias pertencia ao convento jurídico Lucense. 387 Estas ideias são erróneas, e até se nota desde logo uma contradição: se a própria sede episcopal não pertencia ao convento Asturiense, com o qual coincidia a diocese de Asturica, sem qualquer dúvida, é evidente não ser de Asturica que a nova diocese provinha, pelo menos totalmente. Mas, para já, temos ainds mais, e é que Ptolomeu inclui no convento Bracaraugustano 'populi' a que correspondem paroécias suevas integradas na diocese de Aurias, o que, pelo contrário, firma a origem bracarense desta 388. São eles os 'Nemetatae («oppidum» Volobriga', região de El Bollo), 389 os 'Bibali («oppidum» Forum Bibalorum', bacia do rio Bibey, quanto a nós), 390 os Limici («oppidum» Forum Limicorum', Ginzo de Limia), os 'Luanci («'oppidum» Merua', Celanova, 391 os 'Narbasi («oppidum» Forum Narbosorum', que se coloca na própria 'Aurias', atual Orense, 392 os 'Gigurri («oppidum» Forum Gigurrorum', região de Valdeorras, norte do Sil), 393 os Tiburi («'oppidum» Nemetobriga', Puebla de Tribes), 394 etc.

Ora cinco destes povos, pelo menos (os Nemetatas, os Bíbalos, os Límicos, os Luancos e os Narbasos), estanciavam em território que foi incluído na diocese de Aurias; e, se eles pertenciam ao convento Bracaraugustano e se com este coincidia a primitiva diocese bracarense, 395 não é possível supor Aurias proveniente de Asturica. E não é esta a única razão como depressa veremos.

____________________ Prof. Torquato Soares, 'Reflexões', I, pp. 123 e 124; P. David, 'Étud. Hist., p. 69. Quando se queira objetar que Ptolomeu não indica com a suficiente nitidez incluírem-se essas tribos no convento brácaro, poderá responder-se que também não exprime o contrário, nem proíbe crer-se.. 389 Eng. Pina Manique e Albuquerque, 'Mapa da Galécia Romana', p. 10. 390 Os 'Bibali' eram, pois, por esta nossa localização, vizinhos dos 'Nemetatae'. 391 Cit. 'Mapa da Calécia Romana', p. 8. 392 Ver Prof. T. Soares, ob. cit., I, 123, nota, e 222. 393 Ainda hoje tem o território auriense esta ultrapassagem do Sil, - de resto, única, o que é significativo de uma razão de inclusão: os 'Gigurri' serem tribo bracaraugustana, que é o que cremos. 394 Deste modo, os 'Tiburi, Bibali e Nemetatae' eram vizinhos. 395 Esta coincidência é aceite pelos historiadores: Prof. T. Soares, ob. cit., p. 157. 387 388

pág. 134

AURIAS (OURENSE)

«Auriense teneat de Fetosa usque Radicam, de Perosa usque Lacunam». Fetosa é comum a Tude, o seu ponto mais oriental, ou junto dele, como veremos: portanto, a região da entrada do Lima no moderno território português. Trata-se do extremo sudoeste do território auriense. Radica é igualmente um ponto comum a outra diocese, que é Iria, mas sem se incluir, como veremos, em qualquer delas. Trata-se de uma espécie de corredor, apertado entre Iria e Aurias, através do qual ia Luco confinar com Tude, na zona chamada Lacuna. Este ponto surge, de facto, comum às três dioceses: Aurias, Tude e Luco. O eixo Feitosa-Radica, como melhor se verá em Tude, dirigia-se de sul para norte, mas no extremo ocidental da diocese. De facto, possuía ela aí a sua maior dimensão neste sentido, porque ultrapassava o Minho, entre o Sil e o Arnoia (ao ocidente do Minho e do Sil), como ainda hoje sucede. Quanto ao eixo Lacuna-Perosa, visto que Lacuna é zona ao noroeste (exterior, porém, a esta diocese), dirigia-se dali para nascente.

Não nos seria mui difícil observar que esta balizagem auriense foi totalmente substituída, não porque fosse falsa: pelo contrário, para servir os interesses de outras dioceses, sobretudo Asturica. Por agora, conhecido o território diocesano auriense, interessa-nos apenas mostrar outro motivo (aliás desnecessário) por que Aurias se não pode considerar desmembrada de Asturica. É que, se desta houvesse sido, tratar-seía de um corredor extravagantemente alongado para o ocidente, até não longe do mar, apertando-se entre os conventos Bracaraugustano e Lucense, ou, por outra, entre as dioceses de Bracar e Luco. E mais singularmente estreito seria se se admitisse uma divisão daqueles conventos ao sul do Sil, cortando mais ou menos pelo meio, como hoje se pretende, a atual diocese.
Lihat lebih banyak...

Comentarios

Copyright © 2017 DATOSPDF Inc.