Para Sempre

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Claro! A gente envelhece e ficamos mais preocupados com os idosos, antes devidamente ignorados. Envelhecer no Brasil de hoje não é fácil. Por isso escrevi Envelhecer em tempos de cólera no JB em 28/04/2005; outro artigo foi publicado, também no Jornal do Brasil, chamado Para sempre e fala das relações entre pessoas de diferentes idades, sobretudo de mulheres mais velhas do que seus companheiros. Reproduzo:

PARA SEMPRE

Felix Berardo, gerontólogo da Universidade da Flórida, contava que apresentou uma ex-aluna, com dois ou três casamentos que não deram certo, a um professor bem mais velho que se aposentara por problemas de saúde. Achava que ela poderia se beneficiar de uma relação com uma pessoa mais madura e estável, e que ele teria um pouco de alegria num momento difícil. Meses depois, os dois se casaram e mudaram para outra cidade. Felix perde contato com eles. Após sete anos Felix recebeu um convite para ir ao funeral dele. Sem graça por havê-los apresentado, além dos pêsames de praxe, tentou se desculpar. Ela não deixou que ele terminasse, dizendo:
"Não diga bobagem: foram os sete anos mais felizes da minha vida. Faria tudo outra vez".
A história de C.H., um brasileiro, é muito diferente. Tinha estudado nos Estados Unidos e
passado muito tempo em vários países, mas voltou ao Brasil. Dava aulas numa federal onde conheceu um casal que desejava estudar fora. Conversou muito com eles e os orientou. Quinze anos mais tarde, casualmente, a reencontrou. Ela estudara e passara algum tempo em países onde ele também vivera. Divorciada, tivera alguns relacionamentos fracassados e se dedicava à profissão. Saíram algumas vezes. Tinham muito em comum, começando com a importante experiência nos Estados Unidos, México e Costa Rica. A militância contra a ditadura trazia lembranças que também os uniam. Tinham uma ampla cumplicidade. O sexo era importante e bom, mas nunca fora central na vida dos dois. Não obstante, um dia ela terminou a relação, explicando: "Para sempre... Nós, mulheres, sonhamos com relacionamentos e casamento para sempre". Tudo dava certo, mas ela não poderia buscar uma relação "para sempre" enquanto estivessem juntos. É que, com ele, o "sempre" seria mais curto. A diferença entre as idades era grande e a assustava.

Quantos relacionamentos entre pessoas com idades ou em estágios de vida diferentes não são vividos, ou não são vividos em sua plenitude, porque buscamos algo "para sempre"?

"Para sempre" e "infinito enquanto dure" são duas posturas comuns às relações, mas quase opostas: a primeira combina a fantasia e o dirigismo sobre o romance; a segunda aceita que somos contingentes e nossos romances também. Seus seguidores praticam o abandono. A quem? Ao romance, que tem dinâmica própria, decide seu próprio fim. A transcendência estaria na intensidade e não na duração. Essa postura, romântica, tem outro tipo de problemas, em particular para os filhos: não basta que o amor entre os pais seja "infinito enquanto dure". Eles pagam um alto preço pelos divórcios e não podem ser ignorados. Mas os problemas dos filhos e filhas "da outra" ou "do outro" existem em qualquer novo relacionamento no qual um ou ambos parceiros tragam filhos de relações anteriores.

As sociedades regulam as relações de seus membros de maneira variada, inclusive o que deve ou não deve ser igual. Em muitas, o gênero deve ser diferente, mas a idade deve ser semelhante, assim como a raça e classe social.

Essas normas são heranças antigas. Não são lei, não estão no papel, mas são muito influentes. Porém, os padrões de relacionamento são afetados pela demografia. A esperança média de vida cresceu muito: em 1940 era de 45,5 anos e, hoje está perto de 72, um ganho de 26 anos. Essa é a esperança ao nascer; os que chegam aos 40 tem uma esperança bem maior. Apareceram os "novos velhos", de corpo novo e alma nova, mas muitas atitudes e valores em relação a eles ficaram defasados. Se, em 1940, quem passava dos 45 estava no lucro e se comportava como tal, hoje, na mesma idade, as pessoas tem quatro décadas ativas pela frente. Profissionalmente, aos 40 há mais tempo pela frente do que para trás, depois de terminados os estudos. A "crise dos 40", que indicava o início da velhice, hoje marca o fim da juventude.

Há mais velhos e os velhos de hoje são diferentes.
Muitos se rebelaram contra o rótulo de velhos. Contudo, a ampliação da vida não foi igual para homens e mulheres.
A violência aumentou o excedente feminino: entre 1979 e 2002, foram assassinados 645.165 homens e 61.085 mulheres, criando um déficit de mais de 580 mil homens. Mas o déficit é maior porque os homicídios são, apenas, parte das mortes violentas por causas externas, que foram muito maiores: 1.961.219 homens e 418.248 mulheres, criando um déficit de mais de um milhão e meio de homens. Em 2000, o excedente de mulheres era de 2,5 milhões, mas chegará a seis milhões em 2050. Entre 50% e 60% do déficit de homens se devem à violência. A diferença entre a esperança de vida de homens (66,7) e mulheres (74,3) atingiu 7,6 anos em 2000. A violência, muito concentrada em homens jovens e pobres, criou um excedente de mulheres igualmente jovens e pobres, parcialmente represado social e espacialmente, afetando os padrões de relacionamentos. Aumentou o sexo (e a paternidade) itinerante dos
homens, diminuiu a fidelidade de todos. Cresceram as famílias com filhos de pais diferentes. Algumas mulheres pularam a cerca que separa as idades e/ou a da geografia social, em busca de amor e segurança, ainda que como a segunda (e até terceira) companheira. Favoreceram práticas e formas de organização social machistas que são frequentes em muitas áreas do Brasil.

Porém, as fantasias não se ajustam automaticamente às mudanças demográficas, condenando muitas mulheres a prolongada solidão.
O preconceito contra as relações com ampla diferença de idade é muito maior se a mulher for mais velha. Mas essas relações entre o outono e a primavera podem dar certo? Podem. Hernán Vera e Felix Berardo, em 1985, derrubaram dois mitos, demonstrando que os casamentos com muita diferença de idade eram mais frequentes entre os pobres (e não, como se acreditava, entre velhos ricos e mulheres jovens) e que não eram nem mais nem menos felizes do que os com pouca ou nenhuma diferença de idade. Barbara Lovenheim afirma que o estresse da vida moderna está matando muitos americanos e que muitos homens jovens que amam mulheres bem mais velhas enfatizam que a independência e a maturidade da mulher reduzem muito o estresse que existe nos relacionamentos. A vida "lá fora" já tem estresse demais.
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homens jovens e mulheres maduras, idosos, instituições, mulheres jovens e homens maduros, para sempre, terceira idade


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