Os Maracujás - Poesias de Herman Schmitz

August 27, 2017 | Autor: Herman Schmitz | Categoría: Poesia Brasileira, Livros, Literatura Brasileira Contemporânea
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Descripción

OS MARACUJÁS de

HERMAN SCHMITZ 

Copyright ©2007 by HERMAN SCHMITZ Todos os direitos autorais sobre essa obra - incluindo-se adaptações para qualquer outra forma de expressão artística, - são reservados do autor. PRESERVE A PROPRIEDADE INTELECTUAL — Cite as suas fontes!

Capa e Revisão Estilistica: Fernando Martinez Design Gráfico: O Autor Tirágem: on demand Versão 2.5

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PREFÁCIO

Em um dos poemas AS PALAVRAS, Herman cita o Gênesis: E o verbo se fez Deus! Acho que pode-se dizer mesmo que o verbo inventou Deus! O verbo é tudo! Este Maracujá que o Herman nos apresenta, é o verbo em ação, é o verbo revelador, é acima de tudo, o verbo recriando o autor. Os poemas são notadamente autobiográficos, mas longe de ser um clic clic do cotidiano de um sujeito entocado no interior do paraná, eles falam de um sujeito plural, o personagem/autor acaba revelando-se pessoas, muitas pessoas, eu você e quem sabe até a tua mãe. O verbo de Herman trás a luz seres notívagos, poetas mundanos, guerreiros do caos, filósofos do deserto, invasores de coquetéis, paixões limosínicas. A cada poema o autor densuda-se um pouco, mas ao mesmo tempo vai desnudando o leitor que, gradativamente, entra em seu jogo verbo/filos/viagem. Como não ver espelhos quando ele diz: A paranóia começa quando você vê os tiros acertando Em outro momento, sentindo que a festa acabou e o prazer foi embora antes da hora, ele pergunta parodiando Edgar Allan Poe: — Que ruídos inconvenientes São esses, invadindo minhas janelas? Parece que só o verbo pode guardar aquela sensação de irmandade que algumas noites trazem: amigos, conversa, álcool, drogas, sexo, dialética, caos, deuses, cibernética, risos, choros, pratos quebrados, amigos… Herman ressuscita o panteão da noite e redime aqueles que foram expulsos do Édem noturno. 

Herman, como todo bom poeta, acerta muitas vezes o alvo móvel da realidade, como ao descrever um sujeito sozinho em casa, acompanhado apenas dos sons audíveis e inaudíveis de seu computador: E eles se tornam para mim Meus animais noturnos Meus morcegos e corujas Ou pequeninos insetos (my Bugs) A cyberpoesia está a solta, soltem seus micros! Outra coisa muito legal neste livro são os textos que introduzem os poemas. Não digo que sejam indispensáveis, mas funcionam como um verdadeiro host, que vai nos apresentando a casa, o quarto, a geladeira… Os textos parecem dizer: entre, fique a vontade, a casa é tua. Eu já estive em algumas vezes na casa do meu amigo Herman Schmitz, onde varamos a madrugada bebendo, conversando, tramando, confessando; uma casa que funcionava como um paraíso particular para aqueles que não leêm jornais, que sabem que um emprego, dinheiro, acordar cedo não são garantia de felicidade. Aquela casa abrigava uma espécie de democracia, iluminista, por vezes era o próprio Areópago e lá liquidificávamos: Bob Dylan, Fante, Freud, Agostinho, epicuristas & estóicos, fumadores de ópio, Cortazar, Kerouac, Poe… micro e macroscópios apontados para nossa própria aldeia/noite. Prá você que não pode estar lá, esta é a tua chance de espiar pela fresta e ver a festa. Talvez, como eu, você saia daqui cheio de idéias e planos, ou apenas com uma ressaca rachando teu crânio, mas valerá a pena, porque você nunca mais será o mesmo.

Márcio Américo é escritor, ator e dramaturgo



SUMÁRIO PREFÁCIO .......... 3 A FOLHA EM BRANCO .......... 9 O DJ DE SI MESMO .......... 11 COM A MORTE N’ALMA .......... 13 A PARANÓIA .......... 16 AS PALAVRAS .......... 17 Limusine do Amor .......... 20 MAIS JÁ .......... 21 4

Sonho Perverso .......... 25 OS GÊNIOS .......... 26 Artista das vernissagens .......... 27 Natasha .......... 28 O PERFIL DO AVENTUREIRO .......... 30 NÃO ME VENHAM COM ESSA .......... 32 MANIFESTO DA POESIA ZOOM .......... 34 Há que preço! .......... 35 O SUPREMO CAOS .......... 36 DIÁRIO DE SEMPRE .......... 38 UM MAPA DAS DUNAS .......... 40 TELESCÓPIO MACROSCÓPIO .......... 42 NOITE: LUZ E SOMBRA .......... 44 AS MÁQUINAS NOTURNAS .......... 46 As nuvens .......... 48 Os Pássaros .......... 49 Os vizinhos oniscientes .......... 51 O ESTRANHO .......... 52 O GRANDE DUELO .......... 54 O ERMITÃO .......... 57 A DOR .......... 58 Quem é você? .......... 59 A UMA ODE AOS DEUSES DO NOVO SÉCULO .......... 60 STAND SURREALISTA .......... 64 Obsessão .......... 67 FANTASMAS INTOCÁVEIS DA SOLUÇÃO DIALÉTICA .......... 70 O Destino Selado .......... 73 SOBRE O AUTOR .......... 75 AGRADECIMENTOS .......... 79 



Dedicado in memoriam a meu Pai





A FOLHA EM BRANCO A idéia de alguém parar em frente a uma folha em branco e se dispor a escrever, — e o que pode ser pior ainda, — que isto venha a ser publicado, sempre me pareceu de um mistério quase religioso. Portanto, comecemos com isso. Eis a folha em branco! A folha lívida que te desafia Um véu sedoso a encobrir o não dito Uma ausência do além se estendendo sobre epigramas que ainda nem existem Folha! Folha em branco! sedenta de tinta de tipos de letras e expressões de formas e abstrações Cada palavra é uma opção Um risco de liberdade Predisposto a se revelar mesmo no sentido mais oculto ou inusitado Eis a folha em branco! Assim as letras caem sobre o papel no abismo gráfico no redemoinho no vórtice feroz das composições das encadernações, dos teletipos 

Mas o branco absoluto Por sua natureza imparcial Suporta tudo todas as ideologias todas as ondas todas as nuances todas as filosofias E todas as tintas insofismáveis E nessa geografia branca e negra O pior medo A mais terrível blasfêmia O signo cabalístico da infâmia TOTAL — Soletra-se A-NAL-FA-BE-TO

Folha a Folha Folha da manhã: jornal Folha da tarde: contrato Folha da noite: cardápio Folha da madrugada: poesia

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O DJ DE SI MESMO A música é uma espécie de quinta dimensão, que afeta não somente o tempo meu e daqueles que estão ouvindo juntos, como faz mudar intermitentemente o próprio lugar onde estamos. Como introdução uma balada estilo Folk Rock Algo em Mi maior, daí para Sol e Lá maiores Poderia se estar cantando:

Droga de Som, Droga de Som Droga de Som, Droga de Som

Agora um solo de guitarra Para acompanhar essa leitura:

A música é o momento em que voltamos no tempo É noite E a noite se abre para o Dj de si mesmo

O mercúrio teima em subir são 37, 38, já nem mais conto A febre mancha a minha pele e me faz suar e este suor é um suor frio de se congelar 11

Inevitável A música me invade em cada átomo e em cada neurônio brilhando como uma dança nuclear DJ para si mesmo! Striper sonoro angústia no ar, no som nas ondas ondas Cara! De cara! se quebrando ou se levantando a cada acorde a cada solo de B. B. King Os pássaros não cantarão tanto, jamais! DJ do futuro — uma estação só para você! DJ de si mesmo — o que irá me apresentar agora? Outro solo de guitarra, certamente!

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COM A MORTE N’ALMA Uma História de Horror

Muitos de vocês talvez ainda se lembrem do movimento Dark nos anos oitenta. Esse maracujá é dessa época. Um fruto do inverno curitibano que se revelou o cenário ideal.

É claro que é um cara que gosta de se vestir de preto sempre um terno preto Um cara que entra no cemitério ao fim da tarde e engana o vigia, escondendo-se atrás das lápides com a idéia de ficar a sós com a morte E ao crepúsculo sob um céu cinzento que convida ao recolhimento ele se ergue lentamente do seu esconderijo Primeiro espiona o portão principal onde está a guarita do vigia O clima frio e lúgubre do inverno afasta todo e qualquer interesse Ele está a sós no cemitério enorme São tantos túmulos Todos cravejados de cruzes quantas mortes — tantas almas — destinos ou desígnios? Viver, viver, viver... — Como viver nesse santuário da morte? 13

Pacientemente ele contempla as cruzes que se multiplicam ao infinito sua mão procura no bolso interno do paletó negro um delgado cigarro de haxixe ele o apanha em seus dedos pálidos o contempla, prende-lhe a chama mágica e o fuma Aspira a fumaça insulsa que lhe viola os pulmões, — radiosa, por lhe trazer sempre o inusitado… Ele respira um novo ar… Um aroma desconhecido e penetrante cruza os seus sentidos O olfato identifica os átomos sutis da desintegração átomos que se desprenderam — um a um — dessa natureza em que tudo se transforma — e esses átomos modificados estão, como que a que lhe reconstituir o passado Seu corpo inteiro treme com essa sensação milhões de pensamentos turbulentos ameaçam a sua razão a existência se expõe a nu o passado — o presente — o futuro se lhe revelam nesse ar saturado de morte e do além vida

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É quando um cansaço infinito lhe invade a alma Pois ele vê o seu próprio corpo vivo — frágil invólucro de esperança — também sucumbir ao tempo cruel Mas foi porque ele fumou, por ter o haxixe penetrado tão fundo em sua alma que uma paz sublime e infinita lhe invade o pensamento e subitamente parece-lhe que todas essas vidas a seus pés existem como que a provar inquestionavelmente a sua razão de viver Todas essas tumbas, com seus signos desoladores de morte, renascem vivas e instigantes na idéia de se estar vivo Vivo e vivo, de olho vivo, vivenciando, vivendo… E não é com depressão, nem com mal estar que ele pula o muro do cemitério, o muro que o separa da vida e da morte o muro tão fatal e tão temido pois é que enfim a vida sobrevive

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A PARANÓIA Essa poesia foi escrita no momento em que desliguei o telefone sabendo que teria de mudar em quinze dias. Sem apelação, sem ter para onde ir e sem grana. Depois dizem que a vida nas cidades não tem mais espaço para aventuras. A paranóia começa quando um oficial de justiça lhe toma a casa A paranóia começa quando se reconhece o corpo do amigo morto A paranóia começa quando gasta todo o salário na cachaça A paranóia começa com os ômi batendo na porta A paranóia começa quando a cabeça se reparte em duas e você já não sabe mais qual é A paranóia começa quando você vê os tiros acertando A paranóia começa num assunto sem graça que vira moda A paranóia começa quando se repete, repete e não se diz mais nada mais nada… 16

AS PALAVRAS A Bíblia é o livro mais representativo do poder do livro, apenas a sua presença é suficiente para selar pactos, juras e tratados. Hoje, relendo, me pergunto como se fará agora que os livros são cada vez mais virtuais, dígitos imateriais, onde somente o sentido é que importa?

São tantos riscos, traços, marcas e hieróglifos tão difíceis de se decifrar São tantas coisas escritas para se entender Tantos livros antigos e importantes para se ler O Livro Tibetano dos Mortos, os Vedas, o Tao-Te-Ching Aristóteles, Platão, a Retórica Romana O Gênesis, o Novo Testamento, o Corão, o Talmude e os poemas Homéricos São tantas palavras de sabedoria De Confúcio, Lao-Tsé, Zaratustra, Buda, Jesus Shakespeare, Newton ou Joyce O Pilgrim’s Progress de Bunyan São tantas confissões De Agostinho, de Rouseau, De Quincey São tantas Declarações, direitos e manifestos Tratados, Leis, Exposições 17

Intenções e Elucubrações O Contrato Social, O Discurso do Método São tantas cartas de esperança Tantas palavras amigas ou respostas indiferentes Altas, nervosas, irritantes e frias — grafadas na madrugada São tantas vozes repetidas, que ecoam, que recitam — poesias, salmos e mantras Palavras que suplicam, que pedem que se despedem; amargas choramingantes, abusivas, insinuantes insultantes Cada palavra é uma opção Um risco de liberdade Predisposto a se revelar mesmo no sentido mais oculto ou inusitado São tantas palavras imorais palavras imortais, inesquecíveis simpáticas, suaves ou roucas Todas combinações intermináveis de novas combinações de palavras Todas tão vivas e orgânicas como os germes e as algas 18

Deuses criam-se pelo poder do verbo No começo era o verbo, e o verbo estava com Deus E o verbo era Deus (Todos os mantras secretos que conhecem os ocultistas não são mais que sílabas Palavras isoladas na linguagem da Iluminação) — AS PALAVRAS! Ninguém haverá de pronunciá-la sem que essa pronúncia não a faça encarnar-se a si mesma

A AQUELE QUE SABE A PALAVRA DÁ PODER

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Limusine do Amor

p/ Áurea

Tem certos poemas que não me parecem ainda terminados, e este é um deles, são poemas que duram uma vida inteira, da mesma maneira são as relações entre as pessoas que gostamos muito. Meu amor é grande como uma limusine Quando saio na rua Todos se admiram e se espantam Seu coração é tão grande como uma limusine Nele cabe tanta gente Que até eu mesmo me espanto Mas não é uma limusine presidencial Toda preta, à prova de balas E com persianas brancas nas janelas Não, é uma limusine alegre Toda enfeitada nas cores do arco-íris Com portas que se abrem ao menor sorriso Há alguns dias atrás, eu me senti muito sozinho Embarquei nela e saí pelas ruas em busca de companhia Passando ao largo de uma avenida abri as portas e as janelas Cada um que passava e sorria, eu recolhia Até formar-mos uma grande troupe Bebemos, cantamos e falamos alto e amanhecemos o dia 20

MAIS JÁ Londrina é a cidade das festas, dos encontros casuais, das amizades espontâneas e do saborear a vida. Mas o único problema em tudo isso é que tudo tem um fim. Nesta vida há quatro coisas que não podem ser interrompidas jamais! — O sono, a saúde, a riqueza e o sexo.

É fácil de se imaginar o cenário: Uma luz morna reflete O dourado dos copos E por sobre as cabeças Os anéis de fumaça Turvam-se como os pensamentos Os estofados são mais macios que as patas de um gato Frases são trocadas com a mais pura sabedoria E a música Há, a música é simplesmente perfeita! — Oh! Noite das noites… Lá fora, Os vizinhos dormem com os anjos E as estrelas são a nossa única companhia 21

Mas eis que de súbito Uma nova cor se insinua no horizonte e imperceptivelmente, Aparecem átomos contrários a subjugarem esta nossa atmosfera — Que raios de luzes são estas clareando o horizonte? Será que sem querer conjuramos errado e o poder nos foge brevemente? — Mais já amanheceu? Um amanhecer elétrico Onde os raios do sol me tiram vênus e a lua e me dão em troca — os carros e a rua — Que ruídos inconvenientes São esses, invadindo minhas janelas? — Serão somente caprichos da nossa imaginação sobressaltada? Para confirmar Eu saio na sacada De onde eu saco tudo 22

— Não, não é imaginação Lá estão eles: Veículos ensandecidos correndo atrasados na minha rua — Porque teimam em rodar, Levantando essa fuligem de cidade? (Nesta vida há sempre que ter o que nos desafiar O dia-a-dia É tão inútil e tão útil) — Mais já amanheceu? — Que trinados são esses de Pássaros em minhas árvores? — Mas já acabou a cerveja? — Que tilintar retinente é o desse telefone maldito!!! — Mais já tá todo mundo indo embora? — Mais já tá fechando o bar? — Mais que caralho, já acabou a grana? — Mais já gozô? — Mais já acordei? — Mais já dancei? — Mas já foi minha vez? — MAIS JÁ!??! 23

veis

Falar de amor num livro de poesia, é algo como que obrigatório, mas esse é um tema do qual tenho muito pouco a dizer… Se te amei Amei Todas as tuas defesas Amei Todos os seus vícios Amei Hábitos e hálitos Amei até o esgotamento das nossas sensações Quem somos nós dois agora? Amantes, amores de uma só alma? Peles sobre cheiros Prazeres e desejos satisfeitos? O Amor é uma parte Invisível do corpo Imprimo em seus lábios lírios & jasmins Não maçãs... 24

Sonho Perverso A noite é uma criança que pode te molhar o colo, dizem; e essa é uma delas… Numa noite inconseqüente Abrem-se as portas de uma boate Bebe muito, ri muito, conversa às cegas Olhares se entendem Trocam-se sorrisos Sentam-se juntos Acorda com um peso na cabeça Um gosto esquisito na boca E uma umidade incômoda nos lençóis Desperta subitamente a memória A seu lado se deita um desejo realizado Um corpo em repouso Num sonho de anjo perverso

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OS GÊNIOS Uma das minhas ocupações favoritas é sair de casa sem um destino premeditado, caminhar ao acaso tendo como guia apenas a intuição, e nesse percurso, tudo o que me acontece tem o sabor da magia. Os gênios realmente saem das garrafas alcançam a mente e satisfazem desejos

Nas mil e uma noites Surgem muitos gênios Mas os mais geniais São os das nossas noites encantadas

Os gênios hoje são os caras Que alteram o cotidiano Com suas surpresas Mas os genios Os genios de verdade São aqueles que atendem os meus pedidos Bancam uma noitada inesperada E desaparecem na hora exata 26

Artista das vernissagens Eu te convido Vamos lá um vinho bom é o que há

A boa arte que nos abençoa Nos faz algo mais personalidades existentes De alguma forma diferentes dos normais Almíscar e tabaco se mesclam e nos unem num verniz etéreo Arranjos de cores e formas de algum modo nos tornam originais Artistas de ocasião que apareçem na hora exata e fazem arte da própria arte

Acasos fortuitos Brindes em boa companhia O dia-a-dia dos que vivem da arte Não possui calendário E como O tempo engole seus próprios filhos Nos despedimos Acabou o vinho Acabou a arte 27

Natasha Hoje quando encontro minha amiga Natasha na rua não consigo vislumbrar mais nenhum traço daquela figura que se impôs na minha mente como uma paixão homossexual, só posso chamar isso: alucinação. Sua figura me atrai na noite Com os olhos re-desenhados com o lápis da sugestão seus cabelos negros me despertam a atenção — Será o quê? Mulher? Um garoto? Que coisa! Magro como uma mocinha De um casaco feminino — vermelho escarlate desponta uma mão branca como pérola O que desejo? Ele? Ela? — Não Desejo o andrógino, essa coisa indefinida essa extraordinária beleza que repousa no equilíbrio dos gêneros E o que será amanhã, à luz cruel do dia Uma desfaçatez? Uma ilusão formada pelas fumaças dos cigarros Pelas brumas da embriaguês? 28

Mas nada disso importa A ilusão foi impressa no infinito da mente E é isso o que se fez O amor seria isso? — Um olhar: uma idéia Sempre assim Pura força de uma ilusão? Ou será o amor Apenas uma sensação física O desejo da possessão paixão tesão? — Mas, não, não e não Não pode ser somente isso! — Natasha! — Natasha! — Onde estará você agora?

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O PERFIL DO AVENTUREIRO Muitos hoje sofrem o tédio da falta de aventuras; os continentes estão todos explorados, as grandes civilizações já descobertas, e a solidão dos glaciares com pouco encanto; a exploração do espaço é ainda um sonho distante. Restou o prazer do jogo, da sedução, do dinheiro, enfim, todas diversões palacianas. Abro esse maracujá para o meu amigo Carlos Pinheiro. Deve se chegar sem lastros morais nem convicções fortes Esta deve ser a base do seu caráter Ver em cada fatalidade uma oportunidade e em cada momento uma diversão desdenhosa O principal é observar as fisionomias guardar nomes e saber esquece-los e com um pouco de talento ser poeta e bandido quase um cavalheiro quase um sábio regido ao impulso dos sentidos Não professar nenhuma profissão ou religião A sua roupagem é o espírito que deve ser de uma agilidade encantadora 30

Nervos frios mesmo na volúpia pois é empurrado pelo impulso de viver O jogo lhe favorece Jogador do jogo da vida faz dela o seu cenário de aventuras Fazer da sinceridade mais um truque e ter sempre a coragem de abandonar sem saudades — essa corrente de ilusões — a falsa proteção do calor de um lugar Ser, enfim um flaneur a se deslocar por estes salões em que se representam sempre as mesmas comédias

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NÃO ME VENHAM COM ESSA Desde muito jovem que eu vivo por caminhos singulares, hoje eu percebo que foram opções pessoais extravagantes movidas pelo desejo de conhecer o mundo, nunca me preocupei em acumular coisas, em ser isso ou aquilo, e estou publicando esse livro um pouco é para dizer isso. Portanto…

Não me venham com frases feitas Não me venham novamente dizer prá eu trabalhar E nem me fale da importância da grana, cara! Há muito que tenho ouvido coisas assim Essa mesquinharias São tão importantes como as quinquilharias Pré fabricadas que enfeitam a vida das pessoas Perguntem-me antes: Perguntem-me Porque é que eu não quero viver a vida digna de um cidadão organizado Perguntem-me Porque eu não quero me divertir somente depois de uma semana de cinco dias; Perguntem-me Porque eu deixo a vida rolar e o acaso me destinar 32

Talvez eu tenha respostas Talvez não… Agora, Agora eu é que pergunto — Vocês estão felizes? Então,

— NÃO ME VENHAM COM ESSA!

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MANIFESTO DA POESIA ZOOM Quero agradecer aqui o parceiro Augusto Silva que divide a autoria desse manifesto, como também ao Valkir Fedri que a musico-poetou com a banda BONUSTRASH.

ARMADO APENAS DE PALAVRAS O POETA ATIRA E ACERTA NO QUE NÃO MIRA MICROSCÓPIO: O DIA A DIA DAS BACTÉRIAS TELESCÓPIO: A NOITE-A-NOITE DAS ESTRELAS NEM ZEN QUE NÃO TEM ENTÃO TE DOU VINTE POETAS DIFERENTES PRA VOCÊ PASSAR EM BRANCO ESCREVEU NÃO LEU O POEMA É MEU NA CITY OU NO MATO É COBRA ENGOLINDO SAPATO DIXAVEX!!! NO FUTURO CRIANÇA JÁ VAI NASCER SABENDO VOCÊ QUE É MODERNO PERDEU AS NOVIDADES LENDO PÓS, CONTRA OU RETRÔ, LÁ VAI O METRÔ, SINHÔ E VOCÊ?! SINTA O GOSTINHO DA PIMENTA MALAGUETA 34

Há que preço! O comércio é infame pois tudo tem um preço, mas o fato de se estar vivo já não vale alguns trocados? Quando temos Pensamos que levamos — Mas há que preço Deitamos e rolamos? Preço algum me manda ou me devolve! — O que vale Um figo murcho uma bola furada ou uma massa podre? — PESSOA! A vida se vende Sem desconto! Nenhum centavo a mais se subtrai Se todos somos reféns de quem tem mais que o troco Meu resgate eu mesmo pago — Concordo sem apreço A moeda? — IDENTIDADE! 35

O SUPREMO CAOS A física quântica é um grande poema matemático, onde o mundo é visto como um fluxo de acasos providenciais. e a própria vida é descrita como a casualidade que realmente é.

Dedico este poema a Jorge Mautner Aqueles que ainda acreditam em maravilhas que me ouçam…

Se algo ainda pode te surpreender Se alguma coisa ainda pode te prover do inesperado Se alimentas qualquer espécie de esperança no poder do acaso Pode estar certo O que está para chegar O que está vindo SERÁ FILHO DO CAOS! Ele, somente Ele Possui a força suprema Capaz de interferir na ordem aborrecida das séries Ele é o único princípio absoluto É Ele quem distribui as desgraças e as graças É Ele quem rege desde os primeiros segundos do universo 36

É dele a unificação da matéria, dos átomos e das moléculas TODOS SOMOS FILHOS DO CAOS TODOS SOMOS FRUTOS DO AZAR TODOS SOMOS AS GRAÇAS DA SORTE CAOS, CAOS OH SUPREMO E PODEROSO CAOS! Deitai a tua pá nessa engrenagem enfadonha Golpeai e distribui teus tentáculos em nossos caminhos regulares e aborrecidos Fragmentai e interferi nessa ordem absurda que nunca cessa Tua é a nossa suprema imperfeição Porque só em Ti repousa o maravilhoso e o deslumbramento o momento oportuno e a ocasião Nossa vida e nossa morte No estranho, no insólito No ridículo e no fatal É aí que tua presença se manifesta E tenhamos no acidental e no surpreendente a nossa força Porque só assim estaremos participando do universo CAOS Livrai-nos de tudo que seja eterno Tirai-nos do supremo tédio E deixai- nos algo que valha a pena Ok! 37

DIÁRIO DE SEMPRE Esta poesia surgiu inicialmente como uma música-poesia para o show da banda MINIMALOS, e foi onde percebi a força poética do texto de Thoreau, e que ele já era um poema pronto; acrescentamos no palco gravações de máquinas da indústria gráfica. Você Já Leu as Noticias Hoje, Cara?

— Estou certo de nunca ter lido qualquer notícia memorável em um jornal Quando lemos sobre um homem roubado ou assassinado ou morto em um acidente ou uma casa incendiada ou um navio que naufragou ou um vapor que explodiu ou uma vaca que foi atropelada na Wester Railroad ou um cachorro louco que foi morto ou um punhado de gafanhotos no inverno nunca mais precisamos ler mais coisa alguma desse tipo Quando você conhece o princípio, — qual é a finalidade de uma infinidade de instâncias e aplicações? 38

Para um filósofo todas as notícias como as chamamos são mexericos e aqueles que as lêem e as editam são mulheres velhas fofocando em torno do chá David Thoreau — Walden, 1854 Você já leu as noticias hoje, cara? Mas Já leu o jornal hoje, meu? Mas já viu o jornal hoje, meu? Mas já viu já leu?!

Did you read the news today, oh boy…

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UM MAPA DAS DUNAS Este é um poema de viagem, foi escrito meio às pressas quando terminei de atravessar, de carona, o deserto do Atacama, no Chile. Gosto dele por me lembrar uma parte difícil e ousada da minha juventude.

O Atacama é um imenso deserto Um vento pacífico varre esta areia rica de sal cobre, zinco e ferro que mescla-se nas poucas montanhas espaçadas por aqui e ali Aqui não há vida como a conhecemos É uma espécie de solo marciano Decididamente nada pode sobreviver aqui Somente uma vida mineral indefinida espalhada pelos milhares de grãos de fina rocha Regidas por um tempo geológico na longa lapidação entre as eras necessárias para moldar esses arranjos caprichosos O Nauta terrestre vê um mar de terra As ondas são franjas de sal encrespadas ao sol 40

Essa transposição do infinito está na sensação de intemporalidade desses lugares — aparentemente intermináveis — que expõem uma matéria diferente da que somos formados É uma cicatriz, um hematoma na crosta terrestre um arranhão que nos deixa espiar uma curiosa natureza interior E quando avisto novamente os primeiros sinais da civilização — árvores, animais, pessoas e suas casas fecha-se um ciclo em minha mente A natureza da luta pela vida nele se auto explica pois se estou aqui é porque sobrevivi

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TELESCÓPIO MACROSCÓPIO Esta idéia surgiu vendo o grande telescópio de Cerro Tololo, nos arredores de La Serena, no norte do Chile, perto de um outro lugar onde queimei poemas para me aquecer, mas esta já é outra história…

O Grande Telescópio É alguém em pleno deserto gelado que me segue com uma sombra original e curioza a correr veloz pelas salinas brancas Não preciso confirmar basta sentir seu aço brilhante até a alma É uma construção que surpreende num lugar tão parado como esse O significado dessa besta me assusta pois uma nova criatura olho num turbilhão de reflexos oculta por conta do manto da sabedoria o sentido deste apendice ameaçador na solidão de um dia claro Anseio pelo desconhecido, não é? — Na verdade É aqui que se sabe o quanto não se sabe O universo é desconhecido para muito além do alcance da mente 42

Lá está ele novamente Um arco brilhante e prateado uma cúpula de onde se espera o intangível e por isso mesmo o mais desejado Continuo o meu caminho Com a certeza de que aqui nesse pequeno planeta azul Uma cúpula resplandecente Guarda sobre um deserto gelado Um grande olho humano estendido aos confins do universo Catalogando nas noites geométricas por seus estóicos espelhos A maior de todas as dúvidas — Haverá alguém lá fora?

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NOITE: LUZ E SOMBRA Esta idéia me ocorreu quando eu vi uma foto tomada de satélite do mapa da noite no planeta, que é o signo mais flagrante da existência de vida inteligente para qualquer visitante…

É madrugada A realidade é medida pela luz e pelas trevas Nas ruas, nas casas são muitos os pontos luminosos a nos fazerem reais As cidades sobrevivem à custa das suas luzes A iluminação artificial obriga nossos sentidos se re-adaptarem e é isso o que nos ilude pois é um tremeluzir de realidade A noite É repleta de sugestões de sombras fugidias a que damos o nome dos nossos medos Que podem ser traições Pesadelos, um engano fatal 44

Mas do espaço obscuro e misterioso Nada disso importa Meu amigo alienígena Só enxerga as maiores Cidades E por ele saberemos que todas são aldeias aliás — Serão Todas as Nossas Aldeias!

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AS MÁQUINAS NOTURNAS Há muitos anos que trabalho com computadores, e o que mais me fascina é o conceito de programa; isto é, programar uma máquina para que ela trabalhe sozinha, o que é feito normalmente a noite. Este é o meu maracujá eletrônico, cibernético. Uma inteligência que se avizinha da nossa. Elas sussurram por todas as noites São engrenagens sutis rolamentos e relês reles motores rodopiando em si mesmos durante a madrugada Adoro esse ronronar misterioso que vem dos bancos fechados quando passeio na noite As calçadas vazias que ressoam meus passos e as vitrines que iluminam meu contorno são diluições mais sutis da realidade Que estão muito mais próximas da imaginação — Esta que se compõem com as máquinas — do que da poderosa claridade do dia onde a multiplicidade caótica ressoa e apavora ao ponto de se perder os sentidos 46

Quando as máquinas trabalham sozinhas na noite Se ouve é este ruído surdo que vem dos ventiladores secretos em suas entranhas ou dos transformadores atuando sobre as suas cargas elétricas que se atraem e se repelem numa multidão de freqüências Não deixo de sempre me surpreender com essa constância sonora e aos poucos eu vou identificando cada um deles E eles se tornam para mim meus animais noturnos meus morcegos e corujas ou pequeninos insetos (my Bugs) Na sarabanda de uma lâmpada

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As nuvens A inspiração não tem hora nem lugar, mas se deitar numa grama e olhar o céu pode ser tão sugestivo quanto o serviço meteorológico, e quem é vagabundo passa muito tempo olhando o céu.

Cada vez que olho para o céu não me canso de pensar nessa geografia etérea Nessas figuras insólitas que gesticulam morosamente Nesses seres filiformes se arrastando e se contorcendo que se configuram como uma grande mitologia mutante e celeste e penso no quanto é impossível de se fazer um mapa dessas regiões inconstantes Grandes acumulados de nuvens geram tempestades e o lento encontro de alguns cirros nas tardes de verão vão aos poucos formando figuras esguias e felpudas que dizem a cada um uma imagem dos seus sonhos Não há duas nuvens iguais Não há duas pessoas que vejam a mesma cena As nuvens me fazem pensar Pois elas são como a vida estão sempre em movimento em combinações fortuitas Compondo com o que está ao seu alcance O cenário de cada sonho 48

Os Pássaros Fazer Adivinhações através do vôo dos pássaros, é um meio muito antigo de se prognosticar o futuro, sendo que a melhor maneira de prever o futuro, é inventá-lo. Como você pode tudo conhecer, se qualquer pássaro que corta os céus, está imerso num mundo de delícias, negados aos seus cinco sentidos?

— Blake

Amanhecer cheio de dúvidas Uma noite insone de planos e dívidas Abro a janela e me deparo com eles São tantos e parecem tão atarefados barulhentos e inquietos Que intenções secretas os animam em seus vôos incessantes? Pequenos desejos, por certo, os orientam E na casualidade de seus destinos Eu vejo uma nova espécie de loteria Pode alguém predizer em que direção voará agora aquele pássaro? Isso me dá uma idéia maluca 49

Vejo uma pomba branca como a neve pousar em um fio no centro da rua Eu aposto comigo mesmo que ela irá para o sul Ela me olha como que perscrutando o meu desejo molha suas penas, olha para baixo e para os lados se ela for para o sul, penso eu, farei isso e aquilo Mas ela sobe, com um impulso incomum me deixando aqui, na ânsia de também subir

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Os vizinhos oniscientes

O inferno são os outros - Sartre

Na cidade você nunca está só Há sempre uma janela indiscreta Com alguém a te vigiar Um solitário se inquieta E o paranóico encontra todos os motivos para o ser Há sempre alguém na espreita Esperando um vacilo teu Pra te denunciar O incauto segue inocente E o desconfiado se desespera Na cidade há sempre alguém De tocaia numa esquina escura Esperando para te saquear Para o boêmio não há desculpa E esteja feliz quando se chega com a roupa Porteiros, vigias e espias Indiferentes a tudo — nos observam mudos — Quem tá vendo quem tá vendo o quê? 51

O ESTRANHO Ser independente é ser estranho, e ser estranho é ser detestado.

O estranho começa com a sensação do diferente O estranho É quando essa coisa continua e você percebe que o que está acontecendo é algo realmente Muito Estranho! Mas o estranho nem sempre é algo inusitado ou original O estranho Pode ser somente uma impressão Uma suspeita, um tom que destoa O efeito de uma droga… O estranho Está em qualquer coisa As vezes, Eu mesmo Me estranho quando olho para as minhas mãos, por exemplo e elas me são desconhecidas — Minhas próprias mãos? — Meu tão próprio corpo! Estranho… 52

Então, eu mesmo me desconheço? Mas estas são suposições complicadas… — Voltando ao estranho O estranho dos acasos fortuitos das ironias do destino das peças pregadas às custas da nossa credulidade O estranho das confissões intimas da visão de como algumas pessoas vivem O estranho é o louco — O louco é estranho? — Sempre, sempre... Se é louco, é porque é estranho O estranho é também o estrangeiro o desconhecido de origem e de intenções o impenetrável O estranho são todos os elementos alheios A ESSE COTIDIANO TÃO BANAL 53

O GRANDE DUELO Esta composição surgiu numa tentativa de se fazer uma poesia relativista, não sei se consegui, mas certamente, agradará alguns, irritará outros ou enganará a maioria; pois, enfim, — TUDO É RELATIVO.

Meu Deus, Dai-me a força e a coragem De contemplar meu corpo e minha alma sem desgosto.

Charles Baudelaire

Para ser um Homem, um homem completo o momento preciso não basta Há que ser relâmpago ter a rapidez do cirurgião e o domínio exercitado de si mesmo Zumbe, entra, sai sobe e desce voando criatura de si mesmo Repentinamente: degraus desconhecidos despenham-se adiante transportando pavor e incredulidade — Adiante! — Adiante! 54

Correr eternamente a saltar obstáculos e obstruções — Maratona da vida Sorver de um só fôlego todo o ar e transpirar sempre sempre mais além somente um pouco mais… E nunca se chegará ao fim Homem-Universo: Quanto mais do fim se avança tanto mais é a distancia É tudo relativo relativo a quem vê Quando o universo se expande Há segurança e vitalidade Quando se contrai Há dor e futilidade Somos dois eus Nos encostamos espádua contra espádua Um roçar impertinente e impetuoso — Atire! — Atire! E nos atiramos no vazio Como que a preencher este vácuo que nos rodeia 55

Ambições, estigmas e falsidades Cotidiano, família e propriedade Tudo muito simples, claro e inteligível — Meu grande e imenso eu São só vinte passos Nos afastemos e que vença o melhor! Mas ele se nega a lutar Eu também me recuso a lutar E por fim nos quedamos inertes Ombro a ombro Ele vê o dia Enquanto eu vejo a noite Ele vê o trabalho Enquanto eu vejo o ócio Ele Vive — Eu sonho

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O ERMITÃO Uma das minhas atividades favoritas de feriado era escalar o Pico do Marumbi/PR. Hoje a idéia de alguém se predispor a subir uma montanha, excetuando interesses científicos, tem muito de poesia, pois é uma superação em si mesma, o interesse está no próprio objetivo, entendeu? Você já percebeu O quanto é difícil hoje Ficar sozinho Verdadeiras grades, teias, redes de participações de compromissos de alianças de acusações Nos cercam implacáveis Câmeras, vizinhos Janelas indiscretas Policia e pesquisadores Mineradores de comportamento Nos seguem a cada passo O eremita de hoje necessita: um apartamento de cobertura um advogado um administrador E uma fortuna 57

A DOR Quando se fala em dor, logo se pensa em algo terrível ou fatal, mas a dor pode vir de lugar nenhum e sem motivo algum, e servir até como uma espécie de bem, como o último argumento que nos resta.

Estoicismo? Epicurismo? Iconoclastia? — o que será o certo? Tantos já sofreram, e para quê? Há!? — É a dor que me visita novamente um sentimento de infinita angústia que vem de não sei de onde Por que sofrer tanto? Nicotina, álcool, uma boa noitada e tudo se resolve — Mas que merda!?

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Quem é você? Reservo as sensações de prazer para poder repeti-las, é o que eu penso. Mas muitos tem na interferência a sua própria razão e por elas pereceram. Assim como eles eu também me referencio.

Eu, Eu sou profeta assim como João Batista; Sábio como Salomão; Drogado como Baudelaire e Bourroughs; Visionário como Blake; Atual como Bill Gates; & Rebelde

— E QUEM É VOCÊ?

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A UMA ODE AOS DEUSES DO NOVO SÉCULO Foi no meio dos anos 80 que escrevi uma peça de teatro intitulada A Guerra, que era uma espécie de traduçãoadaptação do romance nouveau: La Guerre, de J.M.G Le Clézio. Muito depois, encontrei novamente essa referência — o mundo todo é um texto — num livro de Julio Cortázar intitulado: Libro de Manuel, o qual é o mais recente. Dessa junção nasceu o poema a seguir, que é uma espécie de re-inveção-tradução-adaptação das obras citadas. Atenção ao sairem de casa nas calçadas Saúdem Aplaudam Ofereçam suas oferendas (American Express cards are welcome) MAC DONALD´S SHELL GLOBO GOODYEAR JOHNSONS´S & JONHSONS CAMPBELL´S GENERAL MOTORS Sua potência está no estrépido, na velocidade, na blitzkrieg Se os oferenda sangue, mulheres nuas, óculos raybans, visa e mastercards, prazeres de fim-de-semana, adolescentes ricos e ociosos, poetas laureados (creative writing), sotaques afetados e para cada senador comprado vale um ano de indulgência — UM ANO! E ao longo das ruas e avenidas SANTUÁRIOS Drivers-truth e praças de pedágio 60

Nos postos de gasolina, o sacerdote de uniforme azul e boné com viseira, levanta seu penis flácido e o põe no orifício do SEU VEÍCULO Enquanto você contempla os números que correm o seu preço VINTE LITROS, OS PNEUS, A ÁGUA E O PARABRISA Vinde Adoremus SUPER: é o mais seguro COLOQUE UM TIGRE NO SEU MOTOR COLOQUE O LINGAM DIVINO Seu templo cheira a fogo ESSO PHILIPS FERRARI Seu templo cheira a sangue BAYER COCA COLA XEROX Hoc signo vinces Todos Deuses maiores! O culto dos Deuses maiores é público, fétido e estrondoso se apresenta como POSITIVO, como FESTA, como LIBERDADE Um dia sequer, sem os Deuses maiores é a paralisação de uma nação de homens; Uma semana sem Deuses é a morte de uma nação de homens Os Deuses maiores são sempre os mais recentes e não se sabe se ficarão ou abandonarão aos seus adoradores Diferentes de Buda ou Cristo são um problema, uma incerteza; convém adorá-los febrilmente, colocar um tigre em seu motor pedir a quantidade máxima, encher o tanque com seu frio e desdenhoso orgasmo 61

Contemplá-los ainda é gratuito, até nova ordem entretanto não esteja seguro Os teólogos se consultam: qual será o sentido oculto desses textos sagrados? Coloque um tigre em seu motor — Um apocalipse eminente? — Esses Deuses um dia nos abandonarão? NESTE CASO SEMPRE HAVERÁ OUTROS Sim, se temos recursos, nos amparam Nos templos tecnológicos estão as peças de reposição A UM DEUS MORTO, OUTRO DEUS POSTO E com ele a certeza de que o mundo não naufragou Parece evidente, dizem os teólogos que os Deuses maiores não fazem questão de hierarquia somente a frivolidade dos seus fiéis movimenta favores e constrói altares Ao pé das camas Prostem-se Ofereçam sacrifícios VALIUM PROZAC BROMAZEPAM Seus nomes murmuram: A paz a paz a paz a paz Das dez e meia da noite até as seis da manhã, amém 62

E OS TEMÍVEIS, então Os heróicos que se invocam em tempo de angústia Os de nomes obscuros TESTOVIRONA PROGESTEROL VIAGRA E tantos outros Deuses para o corpo e para a alma, amém Ao largo das ruas e avenidas Prostem-se Saúdem e Ofereçam sacrifícios Oh! Deuses temporais Encarnados Filhas e filhos de um Deus maior CARDIN CHANEL MAX FACTOR e AVON Rogai por nós pecadores HELENA RUBINSTEIN De nossas espinhas, acnes, seios e ancas apieda te, senhora IVES SAINT-LAURENT Te Louvamos e adoramos Até o fim de nossas vidas Prostem-se Saúdem E se deem em sacrifício AMÉM 63

STAND SURREALISTA

Esta poesia é a mais antiga dessa coletânea. Resistiu as intempéries do tempo, passou por naufrágios e cruzou fronteiras; ela persiste tanto quanto uma verdadeira amizade, e por isso é dedicado a minha grande amiga Maria Tereza.

Nossa representação começa sob disfarces numa paródia de um grande baile de máscaras O Eu retorna à sua casa distante e é neste subúrbio que ele apreende o sentido final dos objetos Próximo à porta uma apatia infinita deforma as horas A lâmpada no rosto inaugura as frestas que vão crescendo dispersas armando a armadilha viscosa de pigmentos policromáticos Os olhos fixam um violão aniquilado Um disco gira debruçado sobre si mesmo A serpente escorre corpo a corpo no sonho Idéias em equilíbrio buscam verdades Que fogem do ser como a música — Instante nebuloso do pensamento — Entra na cozinha e descobre um nome na sombra re-explora atento essa ausência física 64

Gravata afundada no pescoço Uma pluma entrelaçada no chapéu ridículo As pernas esticadas sobre a cama e o incenso que espalha-se de uma garrafa vazia O ladrão erótico Rebelde psicanalítico Faz compras de noivado já sonâmbulo joga fraudulentamente xadrez no computador Uma borboleta amarela com as asas em chamas rodeia o seio da Bela Absurda Que acorda com um morcego esquisito lambendo sua face Uma transformação secreta do noivo Uma esfinge nua cavalga na incerteza da noite Na vegetação amortecida pelo vento de galhos inquietos como na sinfonia de Disney um frio lhe invade o rosto e Ilumina os olhos A profundidade do infinito mistura as origens Esse espaço todo ameaça o doente por causa de sua claustrofobia A fantasia assume o paradoxo aproxima o sentido da alma 65

Sobressaltado Acorda com os olhos mesclados de sono foragidos dos sonhos Contagiado pelos símbolos que torturam Revela-se uma dor secreta que vem de lugar nenhum Pintado na parede: Um Deus bêbado no Nirvana cambaleando em direção à eternidade Em busca de liberdade

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Obsessão Tem certas idéias que nos perseguem como fantasmas, como ecos indefinidos que se escorregam no tempo e a única maneira de alcançá-las é escrevendo, e mesmo assim, algo parece escapar. Se ver no seu lugar é uma aprendizagem — Silêncio! Olhos fixos Vamos contemplar Na mente o quadro reluz como um retrato em alta resolução Todo o momento é arquivado pelo biográfico Memórias tão fartas Mil coisas e as vezes nada ao mesmo tempo Algo se faz solução pelo acaso Mais uma verdade E o que prova? Continuo vigilante impassível Mudo como um bloco de cimento Fixo os olhos inertes duros 67

E os lábios mesmo famintos não se mexem Prodigiosa beleza Entrego-me surpreendido por uma apreensão desconhecida E sorrio um sorriso espirituoso que escorre que se espalha Palavras são um instante Banalidades do pensamento trivialidades O riso cessa firmeza da razão Enxugo a testa e as imagens se esticam livres dessemelhantes Todo meu corpo arde faminto pelas mentiras em letra fina Pronto É bonito Ousado Comunica-se por um rio de sentimentos Fantasmagorias Loucuras 68

Soluços herméticos Céus puros de êxtase O tom exato da razão que não tem Me convence Persiste na mente sempre e sempre Incessante Chama-se a isso — Obsessão?

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FANTASMAS INTOCÁVEIS DA SOLUÇÃO DIALÉTICA A poesia filosófica é um ramo ainda não muito apreciado, mas este é um mais um desafio que me tenta. Metade sombra Metade luz Assim divide-se a Iluminação Dos corpos celestes Dos corpos humanos Das partículas atômicas Os insetos dançam ao redor das lâmpadas O sol hipnotiza o girassol Os homens iluminam suas ruas e suas casas Como o mar recebendo eternamente os rios voluptuosos A claridade revela os elementos Iluminados os homens de ação e as águas correntes realizam um ato em si EVOLUIR Para esses o objetivo é agir conquistar espaços Não importando a direção ou a conclusão da jornada 70

Esses homens turbulentos atrelam vida a movimento acelerado Ocorre daí enunciarem a prioridade da velocidade Julgam a vida distante Necessitam rapidez para alcançá-la e cruzá-la No entanto quis a metade sombra O ECLIPSE Acontece existirem então Os Vagos Os melancólicos devotados às águas paradas e profundas aos lagos escuros e crípticos Uma raça afogada obstinada em enganar o mar O natural seria progredir Mesmo que para retornar à origem A energia expande-se O universo alonga-se a cada segundo LOGO Contemplar é anti-evolução é contraproducente O universo está em expansão até o fim ou contraindo-se até despenhar-se sobre si mesmo? Dependendo da direção do tempo podemos estar voltando Mas chegar ao fim do universo É impossível 71

E essa impossibilidade resulta De que quanto mais para o fim se alcança tanto mais é a distância De forma que está tudo absolutamente parado O sofisma não me ilude Uso o corpo como submarino e o meu coração para submergir no asfalto molhado contemplando a própria noite A correnteza enfrenta-me com espasmos Esparsos faróis quase cegando-me Mas para quem vive assim A eternidade é como uma vista para o mar para o Infinito Não mais acelero Paraliso o tempo dentro de mim Cada instante agora é uma eternidade E como Zenão, Aquiles e a tartaruga — Uma tartaruga, entendem? Uma simples tartaruga Eu fico aqui a contemplar E só posso, — não julgar — Mas sim — Observar Há, há… Observar — me entendem? 72

O Destino Selado Um livro quando se edita, ele transcende o autor, ele perpetua uma classe de arte e é além de sí mesmo, porque cada leitor lerá este livro de forma diferente. Espero que este lhe tenha sido um com final feliz.

E por detrás da fechadura do tempo eu me vi Numa noite escura e tenebrosa em meio à solidão de uma mesa de escrever com dezenas de pequenas anotações repassando à minha frente a luz mortiça de um abajur Quando surge uma sombra negra que se desloca me envolvendo Esses papeizinhos são agora como que poeira em minha mente que se desdobram ao vento Minha última recordação… E que será tudo isso na tua mente na tua mente na mente — Presente? 73

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SOBRE O AUTOR

(Pequena biografia de um self made man) Na Roma antiga, o 24 de agosto era feriado, pois era o dia em que se abria um portal no além, uma espécie de finados com algo mais, era o dia em que as nova almas chegavam… Eu nasci em Curitiba, nesta data e as 11 da noite, — no ano da graça de 1961. Ou seja: de graça, como depois se ilustrará melhor… O que importa falar de sí, para o autor de um livro? Eu acho que é uma, começar pela origem da sua arte. — O que te fez cobrir todas essas folhas em branco? — Prá ser sincero, a arte está na vida, eu, por exemplo, estudei o segundo grau num seminário, e esta foi uma oportunidade de fazer arte; esteja-se claro que foi uma epoca muito proveitosa e que eu pude fazer um pouco de tudo: teatro, música, pintura e literatura. Mas o verdadeiro debut na arte ocorreu, já fora do seminário, no curso de Ciências Sociais da Universidade Católica, onde o meu amigo e diretor Anibal Marques me convidou para fazer parte do Grupo de Teatro Inquisição, que foi um marco importante no cenário curitibano, pois era um 75

núcleo onde participavam Roberto Prado, Marcos Prado, Tadeu Woitchescovski, Paulo Leminski, entre outros. Depois desta experiência, montei um grupo de Teatro chamado 3,1416, o qual congregava uma equipe eclética com formação intelectual, artística e de engenharia eletronica, disposta a criar uma nova linguagem, fusão de todas estas tendências. Acho que fiz o possivel, como dramaturgo, escrevi os seguintes textos: Avantpirada – Prelúdio Monetário para um Conserto Urbano (1982), Sinfonia Desconcertante (1983) e Gutemberg Blues — em parceria com Rogério Kalinowski (1983), montados pelo Grupo de Teatro 3,1416 e os textos ainda inéditos Quando a Música está Alta, A Guerra e Tecnofobia. Publiquei, em Curitiba, o livro de poemas O Olho da Câmera, numa edição limitada a cem exemplares; isso em 1984. Paralelo ao meu envolvimento com as artes, sobrevivi de forma irregular e caotica: fiz publicidade para a marca Waikiki, trabalhei em rádio, fui gerente de uma empresa por alguns dias, escrevi contos para revistas eróticas, fui produtor executivo e iluminador de teatro, mas na maior parte do tempo, não fazia nada e andava sempre duro. Foi talvez, por esse motivo, que viajei de carona por toda a América do Sul e norte do Brasil. Uma viagem inconsequênte e perigosa, que felizmente me restou muito útil para o meu desenvolvimento pesoal. Acabei em Londrina, onde montei a editora CyberGround e atualmente a LEIA, no intuito de salvaguardar tecnicamente o escritor local. Paralelo a isto sempre atuei como Design Gráfico na concepção de inúmeros trabalhos artísticos e comerciais desenvolvidos em Londrina. Atualmente reviso o meu livro de filosofia e design PALAVRA EM PROMOÇÃO (aprovado nas leis ROUANE e PROMIC), e também preparo o lançamento de minha tradução do livro Fumèe d’Opium de Claude Farrére, intitulado FUMAÇAS DE ÓPIO. Certamente continuarei escrevendo, mas publicar, depende em parte, da maneira como você adquiriu este livro… 76

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AGRADECIMENTOS Primeiramente quero agradecer a minha mãe pelo sobrenome e pela sua compreensão — nem sempre bem entendida — da maneira como eu vivo a vida. Amigos são sempre importantes no nosso caminho, quero agradecer em especial a galera que faz cultura em Londrina, ressaltando o Fernando Martinez, Júlio Delalo, Augusto Silva, Clóvis Bezerra, Valkir Fedri, Agenor Evangelista, Christine Vianna, Mário Bortolotto, Márcio Américo, Luiz Carlos Mumu, Maria Angélica Abramo, Carlos Pinheiro, Marta Gomes, Renata Duarte, Sandra Jóia e o pessoal da Secretaria da Cultura. Amigos chegados que tornaram-se uma espécie de família londrinense, como a Áurea Palhano, Gerson Palhano, Tati e Jeca, André Bartolo e Katia… Um agradecimento especial para o Clóvis Micheletti e a todos os funcionários da Gráfica Aquarela, que sempre me ajudaram nessas provas e em tantas outras… Agradeço também os amigos das antigas de Curitiba, como a Maria Tereza Berger, Celso Fraga, Rogério Kalinowiski, Nêne e Wilson… E finalmente aos novos poetas, que pelo acaso tenham sido tocados por este livro. 79

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