O Ensino de Modelos Atômicos Mediado pela Leitura

July 28, 2017 | Autor: D. de Assis Rocha... | Categoría: Science Education, Reading Strategies and Cognition
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Divisão de Ensino de Química da Sociedade Brasileira de Química (ED/SBQ) Departamento de Química da Universidade Federal de Ouro Preto (DEQUI/UFOP)

Ensino e Aprendizagem EAP

O Ensino de Modelos Atômicos Mediado pela Leitura Danielle de Assis Rocha¹ (PG)*, Maria Emília Caixeta de Castro e Lima¹ (PQ) *[email protected] ¹Universidade Federal de Minas Gerais Palavras-Chave: Modelos atômicos, mediação de leitura, ensino de química Resumo: Muitos professores quando questionados sobre as maiores dificuldades de aprendizagem dos estudantes, apontam a leitura, interpretação e escrita como as maiores vilãs da sala de aula. Contraditoriamente, os professores da área de ciências da natureza acreditam que ensinar a ler é atribuição dos professores de português, crença também compartilhada por estudantes. Considerando a importância de trabalhar com a leitura em todas as componentes curriculares desenvolvemos, durante o estágio de ensino supervisionado, uma sequência didática para o ensino de modelos atômicos, mediado pela leitura. Neste trabalho apresentamos os pressupostos teóricos assumidos para o planejamento desta sequência e analisamos, à luz da teoria da enunciação de Bakhtin, algumas produções dos estudantes durante o desenvolvimento desta sequência. Concluímos que os estudantes têm sido pouco provocados no sentido de compreender os textos lidos. Portanto, as atividades de mediação de leitura precisam ocupar a sala de aula no sentido de superar dificuldades.

LER PARA APRENDER Muitos professores quando questionados sobre as maiores dificuldades de aprendizagem dos estudantes, apontam a leitura, interpretação e escrita como as maiores vilãs da sala de aula. Porém na maioria dos casos os professores das ciências exatas acreditam que essa atribuição é exclusiva dos professores de português, opinião também compartilhada por alguns dos estudantes. Consideramos aqui a importância de trabalhar com a leitura em todas os componentes curriculares, inclusive nas aulas de química, para que os estudantes adquiram a habilidade de ler para aprender e possam aproveitar melhor o material didático que possuem em casa como um recurso de aprendizagem. No primeiro semestre de 2013 foi desenvolvida no âmbito da disciplina Estágio Obrigatória no Ensino de Química III da Universidade Federal de Minas Gerais, em uma escola estadual em Belo Horizonte, uma sequência didática para o ensino de modelos atômicos. Para o planejamento dessa sequência traçamos, superficialmente, o perfil dos estudantes e de sua professora, através de pequenas entrevistas e questionários. Nas atividades procuramos utilizar diferentes fontes de leitura, tipos de textos e recursos de avaliação. A sequência foi desenvolvida em três turmas de 1º ano do ensino médio. Os estudantes dessas turmas responderam a um pequeno questionário inicial, de modo a fornecer elementos para o planejamento das aulas. A maioria dos estudantes revelou que gosta de ler e entre os tipos de textos favoritos citaram, na maioria dos casos, textos literários, mas também didáticos. Eles contaram ainda que usam o livro didático adotado pela escola, que possuem em casa, para estudar para provas e que costumam consultar outras fontes, como a internet.

XVII Encontro Nacional de Ensino de Química (XVII ENEQ) Ouro Preto, MG, Brasil – 19 a 22 de agosto de 2014.

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Praticamente todos os estudantes têm ideias semelhantes sobre o que é um texto, que definem como “um conjunto de palavras, frases e parágrafos que formam uma história”. Alguns dos estudantes ainda completaram que esse conjunto de palavras não precisa, necessariamente, fazer sentido para formar um texto. Muitos dos estudantes compreendem a importância do uso da leitura na aula de química, pois segundo eles, fica mais fácil aprender quando estão lendo. Contudo, há alguns que acreditam que essa prática deve ser restrita às aulas de língua portuguesa. Foi feita também uma pequena entrevista com a professora de química desses estudantes, a qual revelou trabalhar com textos de jornais e revistas todo inicio de ano, mas que depois da primeira semana começa o “planejamento normal”, quando esses textos são deixados de lado. Essa professora tem uma visão mais ampla, comparada a de seus alunos, sobre o que é um texto, para ela um texto é tudo aquilo que transmite uma informação, dessa maneira uma imagem pode ser um tipo de texto, embora ela não tenha expressado essa ideia. Ela acredita que uma das maiores dificuldades dos estudantes para aprender química reside na leitura e no vocabulário da química. Considera de extrema importância trabalhar a leitura em suas aulas, apesar de admitir que, muitas vezes, deixa essa tarefa para os professores de língua portuguesa. OBSTÁCULOS EPISTEMOLÓGICOS NO ENSINO DE MODELOS ATÔMICOS Para Bachelard (1996) o problema do progresso do conhecimento científico deve ser colocado em termos de obstáculos, não obstáculos externos, como a complexidade e a fugacidade dos fenômenos, mas obstáculos no âmago do próprio ato de conhecer, que surgem por lentidões e conflitos. Esses obstáculos, chamados de obstáculos epistemológicos, são as causas de estagnação e até de regressão do conhecimento. Gomes e Oliveira (2007) identificaram alguns obstáculos epistemológicos de Bachelard, presentes no ensino de modelos atômicos, em alunos de oitava série/nono ano do ensino fundamental e primeiro ano do ensino médio. Um desses obstáculos é a dificuldade de superação dos modelos utilizados, considerando inclusive que muitos desses modelos não são os atualmente aceitos, mas são apresentados com a finalidade de fazer um resgate histórico. Esse obstáculo provoca algumas implicações para o ensino de ciências como a aprendizagem de outros conteúdos relacionados à compreensão do átomo, como no caso das reações químicas. Certamente a compreensão de quaisquer interações moleculares é prejudicada em alunos que aceitem como correto o modelo de Dalton, que ainda não possuía divisão em partículas. Da mesma forma, no modelo de Thomson, que já propõe o conceito de elétron, mas não o de eletrosfera, assuntos como ligações químicas, magnetismo, e emissões de fótons também teriam a aprendizagem seriamente dificultada. (GOMES e OLIVEIRA, 2007).

Esse obstáculo implica que o estudante, por algum motivo, estabiliza seu pensamento em um determinado modelo atômico que pode não ser o aceito atualmente. Nesse sentido, é importante trabalhar em uma perspectiva de questionar as concepções fazendo com que o aluno avance nessa construção.

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Essa perspectiva de trabalhar questionando as concepções pode ser sustentada pela teoria da equilibração de Jean Piaget. Segundo Piaget a equilibração é um processo individual que é acionado quando o sistema cognitivo reconhece uma lacuna ou um conflito, quando uma previsão de um indivíduo em relação a um evento entra em conflito com aquilo que realmente acontece. Em resposta o sistema cognitivo produz uma série de construções compensatórias, que conduz novamente ao equilíbrio (MORTIMER, 1992). Por exemplo, quando apresentamos um experimento que o modelo atômico de Dalton não consegue explicar, provocamos um conflito no sistema cognitivo do estudante, que terá que procurar outras explicações para além desse modelo de forma a resolver o conflito, ainda que provisoriamente. Mediante a apresentação do modelo de Thomson o estudante consegue formular uma explicação para o experimento, desta maneira o sistema cognitivo alcança um novo equilíbrio. Dizemos que o estudante rompe a barreira ou supera um obstáculo epistemológico. Se não é apresentada uma situação que provoque o desequilíbrio do sistema cognitivo o estudante tende a ficar com o pensamento estabilizado no modelo de Dalton. De acordo com Bachelard (1984), Não nos parece com efeito que se possa compreender o átomo da física moderna sem evocar a história das suas imagens, sem retomar as formas realistas e as formas racionais, sem lhe explicitar o perfil epistemológico (BACHELARD, 1984).

MORTIMER (1992) descreveu um perfil epistemológico para o ensino de modelos atômicos. Para o autor qualquer conceito químico pode apresentar os seguintes componentes em termos de um perfil: •

Realismo ou senso-comum;



Empirismo;



Química Clássica;



Química Moderna.

O realismo é a noção que o estudante possui em nível de senso comum e, segundo o autor, é muito importante para o ensino de química. Para se iniciar o estudo de um determinado assunto em química é desejável não só conhecer as noções que os alunos apresentam nesse nível, mas também explicitar essas noções por meio de falas e registros no caderno para serem problematizadas e retomadas em outros momentos por comparação e confronto. Os estudantes apresentam muitas concepções alternativas sobre o conceito de átomo devido a grande dificuldade de abstração exigida e pela necessidade de se transitar do nível macroscópico, também chamado de fenomenológico, para o nível microscópico, também chamado de atômico molecular (MORTIMER, 1995). De acordo com Mortimer (1995) as concepções atomistas que os estudantes trazem para as aulas de químicas são universais. Pesquisas realizadas em diferentes XVII Encontro Nacional de Ensino de Química (XVII ENEQ) Ouro Preto, MG, Brasil – 19 a 22 de agosto de 2014.

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países mostram um padrão nas concepções sobre a matéria nos quatro cantos do mundo. Em suas pesquisas Mortimer identificou duas características principais das ideias dos estudantes sobre a matéria, uma delas são as ideias substancialistas e/ou animistas, em que o comportamento de seres vivos e/ou propriedades da substância são atribuídos a átomos e moléculas. Outro pensamento muito comum é a forte tendência em negar a existência de espaços vazios entre as partículas. Para o ensino de modelos atômicos essa noção de perfil epistemológico resulta em uma abordagem histórica, semelhante à desenvolvida nos livros didáticos, a diferença é a postura em relação à linha evolutiva da química. Os livros mostram uma evolução linear. A consciência da existência desses perfis e dos obstáculos epistemológicos a serem superados demanda de nós docentes acentuarmos as rupturas que ocorrem em relação à passagem de uma zona para a outra do perfil, além de relacionar os sucessivos modelos com os resultados experimentais disponíveis para cada época. Cientes da força dessa teoria pedagógica procuramos nos aproximarmos dos textos didáticos sobre modelos atômicos para propor estratégias de leituras em sala de aula. O QUE É UM TEXTO? Vimos na entrevista com a professora e com os estudantes que eles possuem ideias diferentes e até mesmo contrárias sobre o que é um texto. Para Halliday e Hasan (1985) um texto pode ser definido de maneira simples como uma linguagem que possui uma função em um contexto. O texto pode ser tanto escrito quanto oral, ou estar em qualquer meio de expressão que possamos pensar, como por exemplo, imagens. Para os autores o importante sobre a natureza do texto é que apesar de que quando escrito pareça ser feito de palavras e frases, na verdade ele é feito de sentidos. Os estudantes entrevistados acreditam que o texto é um conjunto de palavras e frases enquanto para os autores esse conjunto não pode ser considerado como um texto a não ser que tenha algum sentido no contexto. Flor (2009), em sua pesquisa, dá o seguinte exemplo. Considere a seguinte imagem:

Figura 1: Exemplo de um texto

Essa imagem desenhada na etiqueta de um vidro em uma bancada de laboratório de química é um texto, pois produz sentido naquela situação. Esse símbolo no ambiente de um laboratório remete à estrutura do ciclohexano, que é um solvente comumente utilizado em laboratórios e faz parte da linguagem dos químicos e estudantes de química. Por outro lado essa mesma etiqueta em um vidro de mel já pode representar os compartimentos de uma colmeia, um favo de mel. Esse símbolo fora de um contexto pode não ter significado e, portanto, não caracterizar um texto. Ou seja, o texto como linguagem não possui sentidos fixados para si e apresenta variadas funções: é veículo XVII Encontro Nacional de Ensino de Química (XVII ENEQ) Ouro Preto, MG, Brasil – 19 a 22 de agosto de 2014.

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de comunicação e é organizador do pensamento e expressão do modo como interpretamos as condições concretas de nossa existência (Paula e Lima, 2011). Dessa concepção de texto decorre nossa concepção de ler e de leitor. LEITOR E LEITURA NA AULA DE QUÍMICA Várias relações podem ser estabelecidas entre o texto e o leitor, Geraldi (2003) aponta quatro “tipos” dessas relações, a chamada leitura-busca-de-informações, quando o leitor vai ao texto em busca de respostas a perguntas prévias, a leituraestudo-de-texto, quando o leitor vai ao texto para escutá-lo e retirar dele tudo que tem para oferecer, a leitura-pretexto, quando o leitor vai ao texto não para escutá-lo ou perguntá-lo, mas para usá-lo para a produção de outras obras e a leitura-fruição, quando a leitura não tem nenhuma das intuições citadas acima, é apenas para desfrutar da gratuidade da presença do texto. Nas respostas do questionário aplicado durante a sondagem inicial, alguns estudantes citaram que fazer a leitura de textos didáticos em casa é uma estratégia de estudo, pois a leitura ajuda a “fixar” a matéria. Nessa leitura o estudante não interage com o texto como sugerido por Geraldi, pois não há um diálogo do leitor com as ideias do autor, a leitura é feita para simples memorização do que está dito no texto. Para Bakhtin (1981) a relação do texto com o leitor é dialógica, nessa relação o sujeito além de conhecer um objeto procura compreender o outro sujeito, aquele que fala no texto. A compreensão do texto é uma forma de diálogo, compreender é se opor à palavra do locutor, é ofertar contra palavras. Para Flor (2009), esse diálogo com o texto é fundamental para a compreensão de como o sujeito leitor aprende, o sujeito não apenas decodifica mensagens pré existentes no texto, mas se torna um sujeito imerso no social, que busca posicionar-se em relação ao texto a partir das influências sociais. Portanto, a partir de uma perspectiva dialógica de leitura o leitor dialoga com o autor e também sofre influências da interação com seus colegas e professores, influência esta mediada pela linguagem. Com base nesses referenciais foram considerados alguns pontos fundamentais para o desenvolvimento da sequência didática de química. Primeiramente consideramos muito importante a diversificação das fontes de leitura dos estudantes, trabalhando principalmente com o livro didático, divulgações científicas e textos da internet, além de textos não escritos como imagens de diferentes fontes e filmes. Também tivemos o cuidado não só de permitir a produção de sentidos que não os habituais, mas também provocar os estudantes a estabelecerem um diálogo com o texto e, dessa forma, permitir olhar para a mesma situação a partir de mais de um ponto de vista. Por fim, concordamos com Flor (2009) quando ela diz que, o ensino de química só faz sentido se permitir que os estudantes ajam no mundo, modifiquem seu cotidiano e busquem através desses conhecimentos uma vida e sociedade melhores. E considero que diante desses objetivos o trabalho com leituras em aulas de química tem um papel importantíssimo, modificando as condições de leitura dos estudantes e retirando-os da posição estática e cristalizada de repetidores não históricos na qual muitas vezes a escola os coloca (FLOR, 2009 p.96).

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RECURSOS OU ESTRATÉGIAS DE ENSINO DESENVOLVIDAS Com base no referencial teórico discutido anteriormente, tomando em consideração o exercício de construir o perfil dos estudantes e da professora, a sequência didática foi planejada. As ações estão dispostas, resumidamente, na tabela a seguir (Quadro 1), nesta tabela encontra-se o número de aulas utilizadas, considerando aulas de 50 minutos, o nome da atividade desenvolvida, os recursos didáticos utilizados para seu desenvolvimento e seu objetivo. Quadro 1: Planejamento de ações

Aula 1

2

3

4

4

5

5

6

Atividade O mundo vemos

Objetivo Problematizar a necessidade de um modelo para a explicação de certos fenômenos. As Ideias do Texto escrito Contextualizar Atomismo* (internet) historicamente as ideias atomistas de Dalton e as controvérsias por trás dessas ideias. Explicações para as Texto escrito Compreender as Leis de leis de Lavoisier e (Livro didático) Lavoisier e Proust pelo Proust modelo de Dalton, mas perceber que alguns fenômenos não podem ser explicados por ele. A natureza elétrica da Simulações Perceber a necessidade da matéria e modelo de interativas virtuais elaboração de um novo Thomson modelo e conhecer o modelo de Thomson. O Modelo Atômico de Texto escrito Conhecer e compreender o Rutherford* (Livro didático) modelo atômico de Rutherford. Espectros Atômicos Texto escrito e Conhecer e compreender o imagens modelo atômico de Bohr. (Livro didático) A evolução das ideias Filme (Átomo – o Entender como ocorre a da ciência choque de titãs) evolução das ideias da ciência e constatar a existência de controvérsias por trás dessa evolução. Encerramento do Reflexões Sistematizar os assuntos Assunto compartilhadas discutidos e os conceitos utilizados e checar a existência de alguns aspectos ainda pouco compreendidos que

Recurso não Experimentos

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As atividades marcadas com um asterisco são aquelas que utilizamos para coletar os dados que seriam especialmente analisados a partir das contribuições das pesquisas no campo da leitura e da escrita. O objetivo da primeira aula foi a de problematizar a necessidade da existência de um modelo para explicar “o mundo que não vemos”, ou seja, o mundo atômico. Para isso fizemos alguns experimentos básicos dentro da sala de aula, já que na escola não dispunha de um laboratório. Na segunda aula foi utilizado um texto de autoria própria, disponível na internet, com o objetivo de contextualizar historicamente o modelo atômico de Dalton e as controvérsias por trás do mesmo. A estratégia de leitura baseou-se na solicitação da proposição de títulos para as quatro sessões em que o texto foi dividido, com o objetivo de auxiliá-los na compreensão de cada parte e, por consequência, na apropriação dos sentidos do texto. Essa atividade será discutida com mais detalhes adiante. Na terceira aula os estudantes fizeram atividades escritas aplicando os conceitos de substâncias simples e compostas e sobre as interpretações de Dalton para as leis de Lavoisier e Proust. Na quarta aula fizemos uma discussão coletiva sobre as propriedades elétricas da matéria, utilizando uma simulação disponível na internet. Após a discussão, onde o modelo atômico de Thomson foi introduzido, lemos um texto do livro didático adotado na escola (PERUZZO e CANTO, 2010) sobre o experimento de Rutherford e seu modelo. Esse texto inicia com uma analogia feita ao experimento de Rutherford, nesta analogia o autor fala para o leitor imaginar que temos uma caixa fechada e queremos descobrir o que tem dentro daquela caixa. Para isso atiraríamos com uma metralhadora na caixa. Caso as balas ricocheteassem concluiríamos que dentro da caixa haveria um material como concreto, ou ferro maciço, caso as balas atravessassem concluiríamos que a caixa estaria vazia ou com materiais menos densos, porém se algumas balas ricocheteassem e outras atravessassem deveríamos concluir que dento da caixa haveria dois tipos de materiais. O uso de analogias requer muito cuidado, Bachelard não é completamente contrário às analogias, contando que elas venham após a teoria, caso o uso ocorra de modo anterior à explicação da hipótese ou teoria ele acredita que pode ocorrer uma tendência à estagnação do pensamento (GOMES e OLIVEIRA, 2007). Como neste texto a analogia vem primeiro, nos preocupando com a estagnação do pensamento, a estratégia usada por nós foi a de propor uma atividade que os estudantes teriam que reescrever os dois parágrafos onde essa analogia é apresentada, substituindo o sentido figurado pelo sentido literal, por exemplo, a metralhadora é a fonte radioativa e as balas são as partículas alfa. Na última aula fizemos mais uma leitura de um texto do livro didático, este sobre o modelo atômico de Bohr. Este texto se caracteriza pela grande quantidade de imagens informativas, que não são apenas ilustrações, sua leitura era essencial para a compreensão deste modelo atômico. Após essa leitura assistimos a um filme, o primeiro episódio de uma minissérie chamada Átomo, produzido pelo canal BBC. Esse XVII Encontro Nacional de Ensino de Química (XVII ENEQ) Ouro Preto, MG, Brasil – 19 a 22 de agosto de 2014.

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documentário, de aproximadamente uma hora, conta a história do átomo, desde Thomson até teorias mais avançadas como a de Schrödinger. Nesse documentário os conflitos e controvérsias por trás desta história são brilhantemente retratados e a partir disto um pouco da natureza da ciência pode ser discutida. Para encerrar a sequência foi solicitado aos estudantes que escrevessem uma carta a um amigo, ou um e-mail como preferiram, contando o que aprenderam sobre o átomo, contando também como aprenderam e o que acharam de toda a experiência com o estagiário. Infelizmente recebemos poucos relatórios, o que não nos permitiu fazer uma análise sobre o desenvolvimento desta sequência. Por falta de espaço escolhemos uma das atividades para fazer uma análise mais detalhada, a atividade da segunda aula, que será descrita a seguir. AS IDEIAS DO ATOMISMO Esse texto tem como objetivo trazer não apenas o modelo atômico de Dalton, mas também o contexto histórico envolvido na sua formulação e aceitação. A introdução do texto trás um questionamento para ser refletido: “Será que as ideias dos primeiros cientistas que propuseram a existência do átomo foram bem aceitas?”, esse questionamento tinha como objetivo pautar a discussão, o processo de construção do conhecimento com, por exemplo, a disputa de ideias entre os pares e a validação das mesmas. Acreditamos com isso aguçar a curiosidade do leitor para continuar lendo o texto. Inicialmente o texto aborda a origem do modelo atômico de Dalton e o contexto histórico envolvido, os experimentos meteorológicos de Dalton que o levou a propor a lei das pressões parciais dos gases e a sua hipótese atômica. Em seguida o texto apresenta as controvérsias envolvidas por trás dessa hipótese e a não aceitação da mesma entre vários cientistas conhecidos, entre eles Gay-Lussac, e conclui com as ideias de Avogadro que interpretou as ideias de Gay-Lussac usando as de Dalton, dando seu acabamento final ao modelo. Como estratégia de leitura e compreensão, o texto foi dividido em quatro partes ou seções, para cada uma dessas partes o estudante deveria dar um título, como exercício de identificação da ideia principal. A ideia principal de cada parte está listada abaixo: 1.

A Origem da teoria atômica de Dalton.

2.

Os trabalhos experimentais de Dalton e sua hipótese atômica.

3.

Os experimentos Gay-Lussac e a sua oposição às ideias de Dalton.

4. A interpretação dos experimentos de Gay-Lussac com as ideias de Dalton feita por Avogadro e a aceitação dessa interpretação. Essa atividade se mostrou mais difícil que imaginávamos e os estudantes tiveram muita dificuldade, muitos deles não conseguiram completar a tarefa da maneira

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desejada por nós. Um dos estudantes, trabalhando individualmente, deu os seguintes títulos: 1.

Origem da hipótese atômica de Dalton.

2.

A lei das pressões parciais dos gases.

3.

As ideias atômicas de Dalton e Gay-Lussac.

4.

Átomos iguais não se repelem.

É interessante como este estudante começa muito bem identificando a ideia principal da primeira parte do texto, mas em seguida dá títulos aleatórios, montados com frases ou palavras aleatórias copiadas literalmente do texto. A lei das pressões parciais dos gases é apenas citada como um dos trabalhos de Dalton, Gay-Lussac não era um cientista atomista, ele era contra as ideias de Dalton. O último título é coerente, Átomos iguais não se repelem, essa foi a conclusão chegada por Avogadro para interpretar os resultados de Gay-Lussac usando as ideias de Dalton, porém inicialmente Dalton foi contra essas ideias de Avogadro, pois ele acreditava que átomos iguais se repeliam devido ao calórico que, para ele, era uma atmosfera de material fluido e rarefeito. Outro estudante deu os seguintes títulos para as partes: 1.

O primeiro modelo atômico

2.

A teoria de Dalton

3.

A nova teoria de Gay

4.

Avogadro e sua controvérsia

Nos títulos desse estudante percebemos uma seleção aleatória de frases. Quando questionado a respeito do motivo pelo qual ele atribuiu esses títulos ele não soube responder. Questionado sobre qual seria essa nova teoria de Gay ele também não soube responder, voltamos ao texto com esse estudante e identificamos as ideias principais dessas partes, mas quando questionado sobre qual seria o melhor título o estudante não conseguia traduzir a ideia em uma enunciação própria, mas continuava citando uma palavra ou frase que tinha acabado de ser lida do texto. A enunciação própria seria a marca do sujeito leitor no texto do sujeito autor. Essa marca pessoal seria um indício para nós de que houve apropriação do texto. Outros estudantes quiseram ser mais criativos com os seus títulos, mas acabaram criando títulos vagos que não representavam a ideia principal do texto, os títulos abaixo, criados por um grupo de estudantes, ilustra isso:

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1.

O grande Dalton

2.

Os primeiros trabalhos de Dalton

3.

Ideias, ideias, ideias

4.

Lussac, o controverso

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Nenhum dos títulos está coerente com a ideia principal do texto, conforme nossa expectativa ou é muito vago, como o primeiro e o terceiro. Quem era o grande Dalton? Por que grande? Ideias, ideias, ideias, quais? Além disso, vale observar que os trabalhos experimentais de Dalton citados na segunda parte não foram seus primeiros e a quarta parte do texto é sobre Avogadro e não Gay-Lussac. Esses três exemplos de conjuntos de títulos são bastante representativos dos demais encontrados em todas as turmas. O que se viu foram sempre tentativas dos estudantes buscarem localizar as respostas no texto ao invés de refletir sobre ele e dalí produzir uma frase autoral. Quando a leitura estava sendo feita em voz alta e era feita uma pergunta para a reflexão sobre o assunto, os estudantes sempre paravam alguns segundos para voltar no texto antes de tentarem responder e ficavam mesmo assim sem resposta caso ela não estivesse explícita no mesmo. Tivemos que repetir a pergunta e instigar a reflexão de modo recorrente e cuidadoso. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com as atividades desenvolvidas nessa sequência foi possível identificar que os estudantes estão muito acostumados a apenas buscar informações no texto e encontraram grande dificuldade quando se depararam com uma atividade onde deveriam refletir sobre ele. Os estudantes afirmaram que utilizam o livro didático para estudar e que seria interessante utilizar a leitura na aula de química, pois facilitaria a aprendizagem, mas o que podemos concluir é que seus estudos estão muito baseados na memorização do texto e não em estabelecer diálogo com o mesmo. Bakhtin afirma que só compreendemos um texto quando somos capazes de ofertar contra palavras e os estudantes falharam nessa oferta. Os estudantes têm sido pouco provocados no sentido de compreender os textos lidos. Portanto, outras atividades de mediação de leitura precisam ocupar a sala de aula no sentido de superar essas dificuldades. As contribuições de Bachelard sobre obstáculos epistemológicos podem nos ajudar a pensar mediações de leitura de textos didáticos de química em sala de aula. Não acreditamos que as atividades de intervenção de estágio consigam superar tais problemas, mas podem contribuir para, uma vez identificados, serem trabalhados de modo mais recorrente no ensino de química para que melhores resultados sejam alcançados.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, I.B. e MARTINS, I. Discursos de professores de Ciências sobre leitura. Investigações em ensino de Ciências, v. 11, p. 121-155, 2006. BACHERLARD, G. A formação do espírito científico. Contraponto Editora, 3ª ed., 316p. 2002; BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. 7ª ed. São Paulo: Hucitec, 1981 FLOR, C. C. Leitura e formação de leitores em aulas de química do ensino médio. 2009. 235 f. Tese (Doutorado em Educação Científica e Tecnológica) - Universidade federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009. GOMES, H. J. P.; OLIVEIRA, O. B. de. Obstáculos epistemológicos no ensino de ciências: um estudo sobre suas influencias na concepções de átomos. Ciência & Cognição, Vol. 12, p. 96 – 109, nov., 2007; HALLIDAY, M. & HASAN, R. Language, context, and text: Aspects of language in a socialsemiotic perspective. Oxford: Oxford University Press, 1985; MORTIMER, E. F. Concepções atomistas dos estudantes. Química Nova na Escola, N. 1, p. 23 – 26, maio, 1995; MORTIMER, E. F. Pressupostos epistemológicos para uma metodologia de ensino de química: mudança conceitual e perfil epistemológico. Química Nova, N. 3, VOL. 15, p. 242-249, 1992. PAULA, H. F. & LIMA, M. E. C. C. A leitura de textos didáticos de ciências como confronto de perspectivas. Ensaio, N. 3, V. 13, p. 185 - 205, 2011

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