Negociar com Bruxelas

June 9, 2017 | Autor: João Pedro Dias | Categoría: Portugal, Semestre Europeu
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Negociar com Bruxelas João Pedro Simões Dias – 2016.02.02

Tem criado um ambiente de assinalável agitação coletiva, no quadro da nossa comunidade política, as conversações que decorrem entre Portugal e Bruxelas a propósito do Orçamento de Estado. Conversações que, não raro, parece raiarem o histerismo, tal o ambiente em que são descritas, em que parecem envolvidas. O que não deixa de ser anómalo e surpreendente num país que integra há 30 anos (comemorados há dias) as instituições europeias e que, nessa medida, se acha vinculado às normas e ao direito produzido por essas mesmas instituições, nomeadamente e à frente de todas, os tratados constitutivos e fundadores das Comunidades Europeias e da União Europeia. Nesta discussão, um pouco esquizofrénica, a que vimos assistindo, não falta quem tente passar uma visão maniqueísta da realidade, em que estariam “do lado de Portugal” todos quantos defendem uma política nacional sufragada nas urnas e anti-austeritária, de opção pela reposição do poder de compra através da devolução de reformas, cortes salariais e outras quantias subtraídas às famílias e aos cidadãos, enquanto se contariam “do lado de Bruxelas” os cultores do austeritarismo, do rigor financeiro, da manutenção das medidas que retiraram rendimento aos cidadãos e às famílias. Nada fará menos sentido. Nada poderá estar mais distante da realidade. Nada poderá ser mais errado. A partir do momento em que Portugal optou, voluntariamente e sem que ninguém lho impusesse, por integrar todos os círculos mais avançados e aprofundados da integração europeia, nomeadamente

fazendo parte do núcleo fundador da moeda única europeia e integrando a união económica e monetária, o na altura chamado “pelotão da frente do euro”, causa ainda perplexidade e não menor estranheza haver quem se incomode ou surpreenda com o simples facto de estarmos obrigados a cumprir todas as normas e regras que constam dos principais tratados europeus e regulamentos financeiros que presidem a essa mesma união económica e monetária. E quando um governo nacional – no caso, o português, podia ser outro qualquer – apresenta um esboço ou projeto de orçamento nacional, no quadro das regras do chamado “semestre europeu”, que é simultaneamente criticado e objeto de dúvidas expressas pela Comissão Europeia, pelas quatro principais agências de rating, pelo insuspeito Conselho das Finanças Públicas e pela não menos credível Unidade Técnica de Apoio Orçamental, é absolutamente normal e natural que se estabeleça um programa negocial entre o dito Estado e as instituições europeias. O anormal e o estranho seria que assim não acontecesse. Já entra no domínio do delírio, porém, a tese conspirativa de conceber uns senhores da Comissão Europeia, saudosos do Dr. Durão Barroso, fechados num qualquer gabinete de Bruxelas, congeminando a melhor forma de tramar o governo português. Além do mais, dois factos parecem ser esquecidos por estes arautos do conspirativismo: o primeiro é que existem outros governos europeus socialistas a quem está a ser exigido o cumprimento das mesmas regras; o segundo, é que a célebre carta que Bruxelas enviou ao governo de Lisboa pedindo explicações sobre o projeto de Orçamento de Estado, vem assinada pelo comissário Moscovici, um relevante socialista francês. A benefício da tese conspirativa, estaremos conversados.... Dizem alguns, reiteradamente, que esse procedimento ilustra na perfeição o ponto a que chegou a perda de soberania nacional das

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nossas instituições políticas, em benefício das instâncias europeias e dos restantes Estados-membros da União. Esquecem essas vozes, seguramente, que neste complexo processo negocial, a interferência de governos estrangeiros e instituições europeias nas nossas opções políticas internas não é, em nada, diferente da influência e da importância que Portugal tem no orçamento de muitos desses países, fruto dessas mesmas opções políticas. Ou seja – para algumas vozes, será lícito e admissível que façamos todas as opções políticas que bem nos aprouver, incluindo aquelas que, pelas suas consequências, se vão repercutir no orçamento desses outros Estados que são nossos parceiros no quadro europeu; já se afigurará, de todo, inadmissível, que esses Estados pretendam ter uma palavra a dizer na definição das nossas políticas internas consubstanciadas no nosso Orçamento de Estado. Esta é a essência do projeto comunitário: a partilha de soberanias que se influenciam mútua e reciprocamente. Infelizmente, trinta anos depois da nossa adesão ao projeto europeu, parece que continua a existir quem ainda não se tenha adaptado a viver no quadro da Europa a que aderimos há três décadas. Em síntese e para recolocarmos as questões no plano em que as mesmas devem ser mantidas, teremos de assumir claramente se queremos estar no euro ou se não queremos estar no euro. Se quisermos estar no euro, teremos de nos sujeitar às regras da união económica e monetária as mais importantes das quais constam do mal-amado Tratado Orçamental. Se não quisermos estar no euro e quisermos voltar a ter a nossa moeda própria, aí somos livres e soberanos para fazermos o que quisermos, os orçamentos que quisermos, gastarmos o que quisermos e termos os défices que quisermos. O que não podemos é querer o melhor dos dois mundos: pertencermos ao euro e agirmos como se fossemos soberanos, como se tivéssemos uma moeda própria. Não temos. Temos uma moeda que é nossa e de mais dezoito países. Logo, temos de nos submeter, de nos adaptar, de nos conformar. Livremente. Sem prescindirmos, se assim for en-

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tendido, de tentarmos mudar e alterar essas regras. Mas respeitando as que existem enquanto vigorarem. Porque ninguém nos obrigou a sermos parte deste projeto. Somos membros do euro porque quisemos. Porque escolhemos. Ninguém nos obrigou nem nos forçou. Acabem, por isso, as lamúrias sobre a UE vetar orçamentos nacionais e interferir na nossa política interna. É assim, porque as regras são essas. Se não as quisermos aceitar ou cumprir, temos bom remédio.

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