\"Musgos\", Teresa Macedo (Porto, In-Libris, 2015)

July 22, 2017 | Autor: C. Martins | Categoría: Poesia
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Descripción

colecção princeps

Teresa Macedo

Musgos

colecção princeps

Teresa Macedo

Musgos

Ficha Técnica Título Autor Colecção Capa Conceito Gráfico Revisão Editor

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Ano de publicação Depósito legal

Musgos Teresa Macedo Princeps Fotografia de Claudina Martins Paulo Gaspar [email protected] Paulo Monteiro In-Libris, Sociedade para a Promoção do Livro e da Cultura, Lda. www.in-libris.pt [email protected] © 2015, dos autores, para os respectivos textos e imagens © 2015, In-Libris, para a presente edição 2015 392116/15

DEDICATÓRIA São etéreos, incorpóreos, ausentes, divindades… Puro engano! Os Anjos são bocas que dizem Poesia, eternos companheiros com asas na cabeça. Um Anjo és tu. Foi por isso que nasceste. Teresa Macedo

PREFÁCIO Quando lemos Musgos de Teresa Macedo, custa a acreditar ser o primeiro livro de poesia desta autora. Habitualmente, as primícias literárias revelam certas fragilidades e pretensões, com a difícil busca por uma voz própria. Porém, neste livro, não parece estarmos perante a juvenília da autora, pois o leitor encontra já uma voz poética desenvolvida e amadurecida, pressupondo um convívio assíduo com a escrita literária, mesmo que ainda inédita. Sendo professora e investigadora na área das Ciências Humanas, academicamente especializada no domínio da literatura infanto-juvenil, com a publicação deste primeiro livro de poesia, Teresa Macedo integra a partir de agora a grande tradição de escritores portugueses que aliam o ensino e a investigação profissionais à vertente criativa da palavra literária, na senda de nomes tão relevantes como Vitorino Nemésio, David Mourão-Ferreira ou Ana Luísa Amaral, entre tantos outros autores mais ou menos conhecidos da recente tradição literária. E torna-se fácil prever que a este livro de Teresa Macedo outros se seguirão, seja na poesia, seja em outros géneros. Como convite à leitura de Musgos, creio ser recomendável enumerar muito rapidamente alguns traços ou linhas de força que captam a nossa atenção, após uma primeira leitura. Desde logo, destaca-se a impressão geral de estarmos perante uma poesia original e com garra, dotada de força expressiva, mas sem cair em modismos de ocasião, e menos ainda em experimentalismos artificiais. Evitando o perigo do confessionalismo, estes “poemas paridos sem rimas” estão antes centrados em preocupações de autognose: “É na poesia que encontro a alma / Do pouco que sou, a nudez que cobre / Uma dor perene, uma perda eterna”. Ao mesmo tempo, em Musgos surpreendemos uma poesia com alma, numa locução intensa e até sofrida, que só se adquire com experiência de vida. Sabemos

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bem – como nos lembra Rainer Maria Rilke, em Cartas a um Jovem Poeta (na bela tradução de Vasco Graça Moura) –, que não se faz poesia apenas com belos sentimentos, em impulsos mais ou menos confessionais ou passionais, sobretudo juvenis: “(...) Ah, os poemas são tão pouca coisa quando os escrevemos cedo. Devia-se esperar e acumular sentido e doçura ao longo de toda uma vida, e esta ser tão longa quanto possível, e então, mesmo no fim dela, talvez se pudesse escrever dez linhas que fossem boas. Pois os versos não são sentimentos (esses têm-se cedo que baste), – são experiências. Por causa de um verso, tem de se ver muitas cidades, pessoas e coisas, tem de se conhecer os animais, tem de se sentir como os pássaros voam e de saber os gestos com que as pequenas flores se abrem pela manhã”. Ora, como assinalado, publicando calmamente em idade madura, Teresa Macedo parece ter apreendido o essencial da mensagem de Rainer Maria Rilke, nomeadamente quando nos relembra que não se nasce poeta: “Um poeta não é um nome dado num baptismo. / Ele faz-se carne no excremento na dor”. Talvez por isso, e por outras razões, estamos perante uma escrita com a força e a autenticidade que decorrem de certas dominantes ou obsessões temáticas: I) natureza metapoética de vários textos ou passagens de escrita, desde os poemas iniciais, visível até na escolha de certos títulos, quando medita na origem, essência e função da palavra poética; II) o pendor dialógico desta escrita, entre o sujeito poético e um Tu, ora presente, ora invocado e desejado (filho, pai, mãe, etc.); III) valorização intensa e quase sinestésica dos vários sentidos; IV) interligadamente, o destaque concedido a uma metafórica de lastro rural, resgatando imagens e metáforas ancestrais, no seu halo de pureza campestre, envolta em certo bucólico franciscanismo: terra, fragas, árvore, ventania, água, orvalho, fogo, semear, campo, jardim, seiva, etc.; V) ênfase concedida a uma singular poética do espaço e sobretudo da casa, enquanto imagem axial com suas variantes de magna mater (berço, seio, regaço, ninho, casulo, descanso, repouso, colo, peito, abrigo) – “A casa, a porta aberta entre flores / O amor sorrir, a fogueira acesa”; VI) configuração

de uma poética do corpo, valorizadora da forma de Eros e da sua força vital; VII) especial atenção a uma tópica da viagem, através das metáforas recorrentes do caminho, chão, viagem, passo, peregrino, mendigo, travessia, barco, voo, errância, entre outras, em notação ora realista, ora onírica, insistindo-se na imagem do caminho errante atravessado pelo homo viator; VIII) celebração da própria vida, quer em colorações mais eufóricas (destaque para o simbolismo do vinho), quer em tonalidades mais melancólicas, porque afinal de contas a geometria da dor pode ser uma das mais fecundas escolas da vida. A escrita de Teresa Macedo não esconde ainda uma certa biblioteca afectiva, ora de forma implícita, ora de modo mais expresso, quando intertextualmente afloram nomes tão diversos como: Camilo, Eça de Queirós, Mahler, Lorca, José Régio, Mário Viana, Manuel António Pina, José Saramago, etc. Mais do que manifestação gratuita, estas referências patenteiam um significativo conjunto de afinidades electivas, numa conversa íntima: “Viajo pelo coração dos livros / e encosto-me a conversar / com os velhos heróis”. Afinal, sabemos bem como todo o ser humano também é construído pelas histórias e livros que leu. Pelo sugerido, Musgos é um título amplamente justificado na sua ambiguidade de sentidos: imagem da singela beleza natural, mas sobretudo da persistência perante as agruras da vida. Contra as maiores dificuldades, resistindo e encontrando força nos valados, muros e rochedos, o solitário musgo sobrevive paciente e lento, como símbolo da vida (e da própria poesia) no presépio da existência: “Rastejo pelos filamentos mortiços / à procura do espaço dos bailes / nocturnos, entre azáleas / e musgos acabados de florir. Muros. Sempre muros, / belos e altaneiros / perante as minhas mãos / calejadas de ouvir / os mesmos sentidos proibidos”. Neste sentido, e também por outras associações – por exemplo, à humidade da natureza, à sobriedade dos fetos ou à magia da floresta –, o musgo é uma poética lição de vida: verdejante e aveludado, a aparente fragilidade do musgo esconde a solidez da rocha, por um lado; e, por outro, o musgo sabe que a vida

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é para ser tecida com vagar, contra a erosão e outras adversidades, preparando a epifania do aguardado Natal ou da felicidade quotidiana. Terminemos com uma brevíssima interrogação sobre o lugar e importância da poesia. É comum ouvir-se dizer que a edição literária está em crise; e, em tom algo hiperbólico e paradoxal, que parece haver mais autores do que leitores. Particularmente, a edição de poesia sobrevive com notórias dificuldades, podendo perguntar-se pela sobrevivência de tão elitista linguagem expressiva. Ou, para retomarmos a invectiva questão de Hélia Correia, em A Terceira Miséria, também nos ocorre perguntar: “Para quê, perguntou ele, para que servem / os poetas em tempos de indigência?” De facto, na mediática e apressada sociedade do espectáculo em que vivemos, existe, aparentemente, pouca disponibilidade para a poesia e para as artes, que exigem uma atitude de receptividade e um ritmo pouco compatíveis com a aceleração deste tempo apressado da hipercultura, em muitos aspectos cinzento e crepuscular, norteado por uma filosofia existencial rasteiramente pragmática e utilitária. Ora, lendo Musgos de Teresa Macedo, o leitor interioriza de novo a ideia de que a palavra poética cativa, medita e humaniza. A palavra da poesia foi durante séculos, e continua a ser, a linguagem do espanto perante os meandros da vida, as interrogações existenciais e o enigma da morte; enfim, a linguagem artística contra a usura do tempo e a busca de sentidos para a vida humana. Neste sentido, a arte e a poesia ajudam o homem na viagem por um mundo desabrigado, ensombrecido pela orfandade e pelo desassossego, tornando a existência mais inteligível e habitável. Moledo do Minho, 4 de Abril de 2015 José Cândido de Oliveira Martins

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