MULHERES QUE SOMOS

June 29, 2017 | Autor: Prisca Paes | Categoría: Feminism, Woman, Feminismo, Mujeres, Mulheres
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Descripción

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MINAS GERAIS/ ESCOLA GUIGNARD Bacharelado em Artes Plásticas

Priscila Angelo Paes Landim

MULHERES QUE SOMOS Uma análise da mulher contemporânea.

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Priscila Angelo Paes Landim

MULHERES QUE SOMOS Uma análise da mulher contemporânea.

Memorial descritivo apresentado ao curso de Bacharelado em Artes Plásticas da Escola Guignard/UEMG Orientador: Prof. Lamounier Lucas SINOPSE: Hibridos de mulheres com bichos, ressaltando características do comportamento feminino em diversas áreas do cotidiano.

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A força chamada morte é uma das bifurcações magnéticas do lado selvagem. Se aprendermos a identificar as dualidades, acabaremos dando de cara com a caveira descarnada da natureza da morte. Dizem que só os heróis conseguem suportar a visão. O homem sem dúvida consegue. A mulher, sem a menor sombra de dúvida, consegue. Na realidade, eles são inteiramente transformados pela visão. (Clarissa Pinkola Estes – Mulheres que correm com os lobos)

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1 APRESENTAÇÃO

O presente trabalho foi desenvolvido durante os meses de fevereiro até setembro de 2014 e tem como pesquisa a figura feminina e suas diversas formas de manifestações. Estas são representadas por híbridos de mulheres e bichos. As análises foram feitas de acordo com o que percebi no meu convívio diário e em experiências vividas ao longo dos meus 30 anos.

2 MEMORIAL DESCRITIVO 2.1 - Etapas de produção

2.1.1 Criação

A ideia de fazer intervenção uma urbana já estava nos meus pensamentos. No entanto, na minha primeira conversa com meu orientador ele esclareceu que seria necessário pensar em uma maneira de transpor o trabalho para o espaço expositivo. Mesmo não sabendo ao certo naquele momento o que seria meu trabalho já combinamos que eu faria registro em foto e vídeo para gerar um produto final que seria exposto na Guignard. Minha maior referencia de criação partiu da leitura do livro Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarisse Pinkola. Nele, a autora fala da mulher selvagem através de mitos e histórias dos arquétipos femininos. Foi quando decidi que iria trabalhar figuras femininas hibridas com animais. Decidido o tema, busquei alguns livros que falassem da psique da mulher. Li o Animus e Anima de Emma Jung, que trata da relação das características femininas do homem e das características masculinas na mulher. Li também O Livro de Ouro da Mitologia, de Thomas Bulfinch, que conta a historia de deuses e heróis da mitologia. Tentei comparar e perceber a figura feminina em relação aos animais. Gente é bicho pensante, e para alguns, mais evoluído em relação a outras espécies. Levando 4

as proximidades em consideração, foi realizada uma pesquisa que comparasse outras espécies com o ser humano do gênero feminino. E, a partir daí, semelhanças com os híbridos foram explorados. E dessa maneira, a posição e a postura da mulher, que mesmo tendo conquistado algumas coisas no quesito igualdade de gêneros, ainda tem relações com a mulher primitiva, com a intuição e com as velhas formas de manter a espécie viva. Através do uso da linguagem da arte urbana, busquei levar os desenhos aos lugares onde essas mulheres-bicho estão representadas. Como se fossem demarcar território. O primeiro desenho feito foi La Loba. Primeiramente, desenhei com lápis depois passei nanquim, em seguida digitalizei e por último vetorizei no Adobe Illustrator. O desenho foi impresso em papel vegetal para gravar a tela de serigrafia. Em seguida criei a Corvo. Depois a Aracne e, por último, a Camaleão.

2.1.2 Execução

Imprimi primeiramente a La Loba, e em seguida, a Corva.

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Foto 01 – Gravação da matriz da La Loba

Crédito: Pablo Bernardo

Foto 02 - Impressão da gravura da La Loba

Crédito: Pablo Bernardo 6

Então fui para as ruas colar os lambe-lambes dessas duas primeiramente. O primeiro lugar que colei foi na Rua Guaicurus, conhecida por ser ponto de prostituição há anos. Lá a Corva foi afixada. Foto 03 - Rua Guaicurus – Belo Horizonte / MG

Crédito: Pablo Bernardo

Colei também na Avenida Afonso Pena, uma vez que esse local também é referência em prostituição. Foto 04 - Avenida Afonso Pena – Belo Horizonte / MG

Crédito: Pablo Bernardo 7

Já a La Loba, foi colada na área hospitalar em frente à Maternidade do Hospital das Clínicas e em outros locais em que são feitos exames obstétricos. Foto 05 - Avenida Francisco Sales – Belo Horizonte / MG

Crédito: Pablo Bernardo

Foto 06 - Avenida Alfredo Balena – Belo Horizonte / MG

Crédito: Pablo Bernardo

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Em sequência, gravei a tela da Aracne e, por último a da Camaleoa. Foto 07 - Gravação da matriz da Aracne

Crédito: Pablo Bernardo

Foto 08 - Impressão gravura Aracne

Crédito: Pablo Bernardo

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Foto 09 – Gravação da matriz Camaleoa

Crédito: Pablo Bernardo

Foto 10 - Impressão gravura Camaleoa

Crédito: Pablo Bernardo

A Aracne também foi colada na Afonso Pena e em outros pontos da cidade.

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Foto 11 - Avenida Alfredo Balena – Belo Horizonte / MG

Crédito: Pablo Bernardo

Foto 12 - Rua Espirito Santo – Belo Horizonte / MG

Crédito: Pablo Bernardo 11

3 DEFESA CONCEITUAL

Emma Jung, em seu livro Animus e Anima, afirma:

Em geral pode-se dizer que o espiritual da mulher, tal como se apresenta, é um caráter pouco desenvolvido, infantil ou primitivo: curiosidade em vez de desejo de conhecimento, preconceito em de lugar de julgamento, imaginação ou sonho em vez de pensamento, desejo em vez de vontade. Onde o homem trata de problemas, a mulher contenta-se com adivinhações; onde se alcança a sabedoria e conhecimento, a mulher se satisfaz com crenças e superstições, ou faz suposições. (JUNG, 1967, p. 29) Já Clarissa Pinkola Estes escreve: A mulher ingênua concorda em permanecer “na ignorância”. Mulheres fáceis de serem logradas e aquelas com instintos fragilizados ainda se voltam, como as flores para o lado em que o sol se apresenta. A mulher ingênua ou magoada pode então, com extrema facilidade, ser seduzida com promessas de conforto, diversão e arte, promessas de inúmeros prazeres, de uma ascensão social aos olhos da família, das colegas, ou de maior segurança, amor eterno ou sexo ardente. (ESTES, 1992, p.40) Com base nos argumentos distintos acima apresentados e nas múltiplas faces da mulher, há uma busca por trabalhar as várias facetas do feminino e suas inúmeras formas de interpretação. O trabalho consiste numa imagem do sexo feminino, pensada e representada com animais. Dessa maneira buscar a reflexão de até onde os extintos primitivos estão presentes na mulher contemporânea e como pode ser manifestado. Este trabalho não foi pensado para ser exposto em galerias e demais museus. A linguagem escolhida foi a intervenção urbana através do lambe-lambe. O público que esta pesquisa pretende alcançar são pessoas que não costumam frequentar espaços expositivos.

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E, dessa maneira, os cartazes perdem sua aura de obra de arte, longe do lugar asséptico das galerias e se apropriam dos espaços públicos, fazendo parte do cenário em que estão inseridos. Dessa maneira demarcam também os lugares. Com a finalidade de transformar esse trabalho em algo além do que mais um cartaz na rua, existe a intenção de se usar a linguagem gráfica para estabelecer uma comunicação mais provocativa, incomodando e instigando a reflexão por parte do receptor diante das imagens. A serigrafia foi utilizada na produção de lambe-lambes que foram colados em lugares específicos onde exista a presença da mulher bicho, de acordo com as figuras retratadas. Locais tais como, maternidades, zonas boêmias, dentre outras ruas da cidade em que a presença da mulher seja forte. Usando recursos de comunicação em massa e técnicas comuns a esse meio, o trabalho propõe a discussão da identidade feminina e suas variáveis. É importante dizer que alguns desses cartazes não duraram muitos dias nas ruas. Cheguei a ver alguns rasgados, outros rabiscados e uns retirados pelo serviço de limpeza da prefeitura. A rua tem esse dado, é efêmera e não tem como prever o que vai acontecer. 3.1 A ser a primeira La Loba:

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La Loba tem como referência o mito mexicano de mesmo nome. Ela é uma velha que vaga pelos desertos e estradas recolhendo ossos, além de habitar uma caverna também coberta por ossos. A lenda conta que ela sabe cacarejar e fazer mais sons de animais do que falar, e quando canta consegue dar vida aos ossos novamente. A figura é composta por: - Cabeça de loba – fazendo alusão ao pensamento desses mamíferos que são extremamente inteligentes – que observa e espera o momento de atacar e recuar. - Ombro, braços e mãos de ossos, que personificam a função da loba do mito, que no caso do desenho é a renovação. - Corpo, nu e grávido, representando a vida que a loba traz em si. La Loba foi colada em frente a maternidades justamente por que é lá que estão as mulheres que carregam em si a renovação, e é sabido que muitas estão lá sem apoio de companheiro, família e amigos. Mesmo em meio a tantas adversidades essas mulheres que ali estão assumem e geram mais um ser. É na hora do parto que todas as mulheres vivem a divindade da vida.

3.2 Corva:

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A Corva, por sua vez, representa as prostitutas. É uma tentativa de representar as mulheres que se refazem todos os dias. Antes da Idade Média, o corvo era considerado um pássaro que trazia sorte. Nos contos nórdicos, Odin abre mão de um de seus olhos para obter sabedoria e quem vê por ele são dois corvos, Hugin (Espírito e Razão), e Munin (Memória e Entendimento), que viajam durante o dia para trazer novidades para o deus. Depois da Idade Média a Igreja tomou o poder e o corvo passou a ser considerado mau agouro, porque, segundo relatos da época, acompanhavam as bruxas. A Mulher Corvo foi criada com base nessa ideia estabelecendo uma relação entre a figura do corvo e o ofício de profissional do sexo, que é tão antigo quanto a humanidade e é tratado como algo ruim, errado e de má sorte. Ela é representada por: - Cabeça de corvo, como a representação da sabedoria que essas mulheres precisam desenvolver para trabalhar; - Tórax de osso, onde os ossos representam a renovação dos sentimentos. Como é da cultura humana utilizar o coração para representar afeto, há uma valorização na figura dessa região tão significativa em contraste com uma profissão onde normalmente não é admitida a expressão dos sentimentos; - Corpo de mulher, ferramenta de trabalho; - Sexo exposto, uma vez que é o meio por onde elas dão prazer e fazem dinheiro; - Asas, representando a liberdade sexual.

3.3 Aracne:

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Como referência ao conto da Aracne, essa mulher trata da personalidade feminina que traça e tece seu próprio caminho. Essa representação se baseia também na espécie viúva negra, que mata o macho após o coito. Essa mulher representa o poder e sedução feminina. Ela é composta por: - Tórax de mulher, seios e nádegas à mostra, partes do corpo feminino usadas para seduzir; - A cabeça e os olhos de aranha, representando a capacidade da mulher de ver várias coisas ao mesmo tempo; - Boca com quelíceras (como os ferrões são chamados na fisiologia aracnídea) que servem param injetar o veneno; - Braços de aranha, representando a capacidade da mulher de fazer várias coisas e de se livrar rapidamente de situações de perigo;

3.4 Camaleoa:

A Camaleoa por sua vez representa a mulher que se adapta a todas as situações. O camaleão é conhecido por sua capacidade de se camuflar em qualquer

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ambiente em no máximo 20 segundos. Sua visão chega a 360 graus, apesar de sua audição não ser muito boa. Essa híbrida tem as seguintes características: - Cabeça, ombros, braços e mãos de camaleão, partes do corpo usadas para se comunicar, logo se adaptar, mudar de cor e textura; - Olhos de camaleão, que permite que observe tudo ao seu redor; - Seios e coração a vista. Justamente por se adaptar, essa mulher é aquela que aceita tudo e se adequa por amor (por isso o órgão em evidencia); - Bacia exposta e protuberante, já que ela está apta a parir e tem condição física para isso; - É uma híbrida puramente emocional, não escuta bem como os camaleões, o que a faz agir intuitivamente a todo tempo; Os cartazes lambe-lambes foram colados nas ruas de Belo Horizonte. Durante a ação, foi feito registro audiovisual, que serão usados na exposição para mostrar o trabalho. Já sobre a escolha do suporte para a execução dos lambe-lambes, foi a partir de um material que aguentasse uma carga de tinta e que também tivesse uma gramatura que fosse viável para ser afixada nas ruas. A decisão pelo papel de rolo partiu das demandas ditas anteriormente. E também por conta da cor rosa que ele tem que remete ao feminino. Esse papel é usado para embrulhar compras. Antigamente servia de embalagens para carne. E, muitas vezes, a mulher é considerada assim, só um pedaço de carne que como o papel é descartado após o uso. O vermelho da tinta das figuras serve para reafirmar a feminilidade. Fiz o grude e preferi aplicar com as mãos e colocá-los em uma garrafa com jato para fazer alusão à ejaculação. Uma fez que o sêmen é parte da concepção dos seres vivos, logo a presença masculina é tão relevante quanto a feminina. É importante dizer que esse trabalho tem como referência o feminismo e não busca de maneira alguma a separação dos gêneros e sim a igualdade.

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Bibliografia ESTES, CLARISSA PINKOLA. Mulheres que correm com os lobos: mitos e história do arquétipo da mulher selvagem/ de Clarissa Pinkola Estes; tradução Waldéa Barcellos; consultoria da coleção, Alzira M. Cohen. – Rio de Janeiro: Rocco, 1994. 608 p. JUNG, EMMA. Animus e Anima. De Emma Jung; tradução Dante Pignatari – São Paulo: Editora Culttrix, 1991. 112 p.

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