MASCULINIDADE, DIVERSIDADE SEXUAL E HOMOFOBIA: REFLEXÕES A PARTIR DO SURVEY IMAGES (INTERNATIONAL MEN AND GENDER EQUALITY SURVEY)

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MASCULINIDADE, DIVERSIDADE SEXUAL E HOMOFOBIA: REFLEXÕES A PARTIR DO SURVEY IMAGES (INTERNATIONAL MEN AND GENDER EQUALITY SURVEY) Ponencia presentada en el V Coloquio de Estudios sobre Varones y Masculinidades, 14-16 de enero de 2015, Santiago de Chile Marcos Nascimento1 - Márcio Segundo2 Resumo: A homofobia representa uma violação dos direitos humanos das pessoas LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) em todo o mundo. Uma definição mais abrangente de homofobia tem sido usada para compreender este fenômeno social: (1) a homofobia é vista como manifestação de discriminações e violências baseadas em orientação sexual e/ou identidade de gênero; e (2) representa um dos pilares da construção da masculinidade, constituindo um desafio para a promoção da igualdade de gênero. Este trabalho visa apresentar a análise do tema da diversidade sexual na pesquisa multicêntrica IMAGES (International Men and Gender Equality Survey) em três países da América Latina: Brasil, Chile e México. A partir das representações e atitudes dos entrevistados sobre a homossexualidade masculina, problematizamos a relação entre masculinidade, diversidade sexual e homofobia e as implicações para ações voltadas para homens e meninos no campo da equidade/igualdade de gênero. Palavras Chaves: Masculinidade. Homofobia. Diversidade Sexual. MASCULINIDADE, DIVERSIDADE SEXUAL E HOMOFOBIA: REFLEXÕES A PARTIR DO SURVEY IMAGES (INTERNATIONAL MEN AND GENDER EQUALITY SURVEY) Introdução Esse texto busca apresentar problematizações acerca da relação entre o fenômeno da homofobia e a construção das masculinidades, a partir da análise do survey IMAGES (International Men and Gender Equality Survey) em três países participantes do estudo multicêntrico “Homens, Equidade de Gênero e Políticas Públicas”: Brasil, Chile e México.

É psicólogo, Doutor em Saúde Coletiva, pesquisador associado do Centro Latinoamericano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ), pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rio de Janeiro, Brasil. Email: [email protected] 2 É cientista político, Mestre em Ciência Política, coordenador da área de Pesquisa & Avaliação do Instituto Promundo, Rio de Janeiro, Brasil. Email: [email protected] 1

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Partimos da premissa que a homofobia não diz respeito a uma “fobia” contra práticas sexuais entre pessoas do mesmo sexo, mas se trata de um fenômeno social que está fortemente ancorado nas normas sociais de gênero que ditam como um “homem de verdade” deve agir e se comportar, gerando preconceitos e discriminações contra aqueles que são considerados “desviantes”, podendo levar à violência psicológica, física e muitas vezes letal (Kimmel, 2005). Reflexões acerca da homossexualidade, diversidade sexual e homofobia tendem a ser consideradas como “um tópico sensível” nas discussões com grupos de homens jovens e adultos. Esse fato decorre de que a homofobia é vista como um fenômeno amplamente aceito, socialmente incorporado, constituindo um dos pilares da construção social das masculinidades (Fone, 2000, Venturi & Bokany, 2011). De maneira geral, as pesquisas que tratam do tema da homofobia se concentram na análise de situações de discriminações e violências sofridas pela população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis). Contudo, mais recentemente, há uma visão sobre a necessidade de levar em consideração a homofobia como um importante fator presente nos discursos e nas práticas dos homens frente à masculinidade, à sexualidade e à equidade de gênero (Pulerwitz & Barker, 2008, Nascimento, 2011) e uma preocupação em incorporar o tema da diversidade sexual no âmbito de trabalho com homens e meninos pela promoção da equidade/igualdade de gênero (Rio Declaration, 2009, Bali Global Youth Forum Declaration, 2012, Delhi Declaration, 2014). Pretendemos, portanto, analisar as representações e atitudes dos homens sobre a homossexualidade masculina, a violência homofóbica, problematizando suas implicações para programas e políticas públicas. “Homens, Equidade de Gênero e Políticas Públicas”: um estudo multicêntrico O estudo “Homens, Equidade de Gênero e Políticas Públicas” (MGEPP, em sua sigla em inglês) é uma iniciativa coordenada pelo Instituto Promundo (Brasil/EUA) e pelo International Center for Research on Women (ICRW, EUA). Trata-se de um estudo multicêntrico que busca compreender como os homens e as masculinidades vêm sendo incorporados pelas políticas públicas de promoção da equidade/igualdade de gênero (Barker et al, 2010, Barker et al, 2011, Barker & Aguayo, 2011). O estudo contempla três componentes: (1) uma revisão de políticas públicas de promoção da equidade de gênero; (2) um survey denominado International Men and Gender Equality Survey (IMAGES) que abarca um conjunto de temas relacionado à socialização, relações de gênero e opiniões sobre políticas públicas de promoção da equidade de gênero; (3) uma pesquisa de natureza qualitativa sobre homens e a cultura do cuidado3.

Para mais detalhes sobre cada um dos componentes e suas respectivas publicações, confira . Acesso em 14/12/2014. 3

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Cada um desses componentes pretende contribuir para chamar a atenção para a importância da incorporação da dimensão das masculinidades nas políticas públicas voltadas para a promoção da equidade/igualdade de gênero. O objetivo do survey IMAGES é conhecer as representações e atitudes de homens, entre 18-59 anos, sobre um conjunto de tópicos relativos à equidade/igualdade de gênero, com intuito de oferecer insumos para o desenvolvimento de políticas nesse campo tais como: trabalho, educação, relações de gênero, experiências na infância, vida doméstica, paternidade e relações com filhos/as, atitudes frente às questões de gênero, saúde (saúde em geral, saúde sexual e reprodutiva, saúde mental), violências (de gênero, homofóbica, entre homens e outras), opiniões sobre políticas de equidade de gênero4. A seleção de itens relacionados à diversidade sexual incluiu temas relativos às crenças e valores acerca da homossexualidade e às possíveis justificativas para o uso da violência física contra homossexuais.

Amostra e Coleta de Dados Os dados apresentados se referem aos países latino-americanos integrantes do estudo global – Brasil, Chile e México –, e foram coletados entre 2009 e 20105. À exceção do caso brasileiro no qual se privilegiou uma amostra de conveniência, em cada uma das demais localidades foi utilizada uma amostra representativa baseada em dados censitários como mostra o quadro a seguir.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do ICRW e, em alguns casos, também por comitês nacionais. Foram realizados procedimentos padrões que assegurassem confidencialidade e demais preceitos éticos em pesquisa com seres humanos. 5 Vale ressaltar que o survey IMAGES tem sido adotado por outros países na investigação sobre homens e equidade/igualdade de gênero. Até o presente momento, o estudo foi levado a cabo em mais sete países além do Brasil, Chile e México: África do Sul, Bósnia e Herzegovina, Croácia, Índia, Mali, República Democrática do Congo e Ruanda. 4

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QUADRO I – COLETA DE DADOS

Amostra Faixa etária Localidades

Organização responsável Coleta de dados

Brasil 750 18-59

Promundo

Chile 1192 18-59 Três áreas metropolitanas: Valparaíso, Concepción e Santiago Cultura Salud

Uso de entrevistadores e parcialmente auto preenchido

Uso de entrevistadores e parcialmente auto preenchido

Área metropolitana da cidade do Rio de Janeiro

México 1002 18-59 Três áreas metropolitanas: Monterrey, Querétaro, Jalapa Colégio de México Uso de entrevistadores e parcialmente auto preenchido

Masculinidades, Homossexualidades e Violências Homofóbicas: algumas considerações iniciais O tema da homofobia vem ganhando cada vez mais relevância no campo acadêmico, do movimento social e de políticas públicas nacionais e globais. O termo homofobia foi incorporado pelo movimento social organizado como uma categoria política que busca denunciar as iniquidades, discriminações e violências contra as pessoas LGBT baseadas em sua orientação sexual e/ou identidade de gênero6. Dessa maneira, a homofobia passou a ser compreendida como um fenômeno sócio cultural e um importante marcador político na agenda do movimento social organizado de direitos humanos. A homofobia designa não somente atitudes e comportamentos individuais em relação à homossexualidade e/ou à identidade de gênero, mas também toda a sorte de preconceitos,

De acordo com os Princípios de Yogyakarta (2006: 7), “a orientação sexual é uma referência à capacidade de cada pessoa de ter uma profunda atração emocional, afetiva ou sexual por indivíduos de gênero diferente, do mesmo gênero ou de mais de um gênero, assim como ter relações íntimas e sexuais com essas pessoas. Já a identidade de gênero se refere à experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos”. 6

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discriminações e violências a que estão submetidas pessoas LGBT sejam estes cometidos por famílias, comunidades, instituições ou o Estado (Nascimento, 2011)7. No caso específico dos homens e meninos, a homossexualidade é percebida como um comportamento que acarreta a “perda” das credenciais masculinas, devendo ser, portanto, evitada e rechaçada (Badinter, 1993, Connell, 1995, Gómez, 2007). Pesquisas mostram que o discurso e as práticas homofóbicos representam um importante pilar na construção da masculinidade já que essa pressupõe e engloba a heterossexualidade. Em outras palavras, para muitas sociedades ser “homem de verdade” significa, entre outras coisas, não ser homossexual (Welzer-Lang, 2001, Kimmel, 2005). Vale esclarecer que a homofobia não afeta somente os homens homossexuais, mas todo aquele que por alguma razão desafia as convenções sociais de gênero em relação à masculinidade. Portanto, a homofobia não se ancora exclusivamente na sexualidade, mas também nas normas sociais de gênero (Nascimento, 2011). Preconceitos, discriminações e violências são comuns na vida da maioria das pessoas LGBT em muitos contextos. Diferentemente de outras formas de discriminação, a família aparece como o primeiro lócus de experiência da homofobia, seguida por instituições como escola, serviços de saúde, locais de trabalho, entre outras (Venturi & Bokany, 2011, UNESCO, 2012). Em grande parte, a identidade das pessoas LGBT se forma através das experiências de discriminação. É através delas que o indivíduo adquire a consciência de sua “inferioridade social” (Eribon, 2008). Há uma carência de dados sobre violência homofóbica em todo o mundo. De acordo com o relatório do Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas (OHCHR, em sua sigla em inglês), a maioria dos países não possui registros oficiais sobre tais atos de violência, e naqueles que os possuem, tais dados são possivelmente subnotificados devido a temores de represálias e de impunidades (OHCHR, 2011). Pesquisas sobre vitimização entre pessoas LGBT realizadas em países da América Latina como Brasil, Chile e México, mostram que em média, sete em cada 10 entrevistados relataram ter sofrido algum tipo de violência e/ou discriminação por conta de sua orientação sexual e/ou identidade de gênero (Carrara & Ramos, 2005; Letra S, 2009, UCN & MUMS, 2011; Brito et al, 2012). Em relação à população trans, a organização alemã Transgender Europe, que monitora dados referentes a homicídios de travestis e transexuais em todo o mundo, aponta que o Brasil, seguido pelo México, Chile e Índia, é o país onde mais se comete esse tipo de violência letal8. É importante destacar que nesses casos de violência, os perpetradores geralmente são homens, e em muitos casos, jovens (OHCHR, 2012). Embora outros termos como lesbofobia (para lésbicas), bifobia (para bissexuais) e transfobia (para travestis e transexuais) sejam utilizados para designar preconceitos e discriminações, usamos o termo homofobia como tem prevalecido em pesquisas acadêmicas e nas agendas políticas do movimento social. 8 O projeto “Transrespect versus Transphobia Worldwide” (TvT) é uma iniciativa global da Transgender Europe. Disponível no site . Acessado em 30/11/2014. 7

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Em alguns contextos, mulheres lésbicas padecem do chamado “estupro corretivo” (como os casos emblemáticos da África do Sul). Trata-se de uma prática de violência sexual com intuito de “ensinar” essas mulheres a serem heterossexuais. Elas acabam por sofrer uma dupla violência: por gênero e orientação sexual (Mkhize et al, 2010). A violência contra a população LGBT também pode ser legitimada por instâncias governamentais. De acordo com o relatório de 2012 da ILGA (The International Lesbian, Gay, Bisexual, Trans and Intersex Association), em nome das tradições culturais, 78 dos 193 países membros da ONU consideram as relações sexuais consentidas entre pessoas do mesmo sexo como um delito passível de punição, muitas vezes com pena de morte (ILGA, 2012). Mais recentemente, a homofobia passa a ser reconhecida como uma grave violação de direitos humanos em várias partes do mundo. Em 2011, o Alto Comissariado de Direitos Humanos das Nações Unidas lançou um relatório, enfatizando a necessidade dos países estarem atentos às diferentes formas de violação dos direitos humanos de pessoas LGBT. O documento é enfático no que se refere à rejeição de quaisquer práticas discriminatórias e marcos legais que sustentem tais práticas, rogando aos Estados que revejam suas leis e práticas discriminatórias (OHCHR, 2011). Em 2012, o mesmo Alto Comissariado lançou o relatório “Born free and equal”, no qual apresenta uma série de recomendações baseada nas legislações internacionais sobre direitos humanos em diferentes áreas da vida cotidiana: acesso a emprego, saúde (incluindo HIV/aids), educação (incluindo a educação em sexualidade) e reconhecimento dos relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo (OHCHR, 2012). Ainda que haja muito por ser feito, todos esses documentos representam importantes instrumentos de advocacy e de pressão social para que o enfrentamento da homofobia se torne uma realidade. Nesse sentido, vale destacar as ações do movimento social organizado em torno da promoção dos direitos humanos das pessoas LGBT e de seu processo de cidadanização em todo o mundo. No caso da América Latina algumas conquistas já foram realizadas pelo esforço do movimento social LGBT, como casamento igualitário entre pessoas do mesmo sexo, leis contra discriminação baseada em orientação sexual e/ou identidade de gênero, processos de discussão sobre criminalização da homofobia, leis de identidade de gênero reconhecendo os direitos das pessoas transexuais, entre os mais importantes (Figari, 2010). Masculinidades, Diversidade Sexual e Homofobia: resultados do survey IMAGES No tocante às representações sobre a (homo)sexualidade masculina, os respondentes de Brasil e Chile creem que “homem que é homem só tem relações sexuais com mulheres” (90% e 89%, respectivamente)9. Podemos perceber que a concepção de masculinidade vigente está associada à heterossexualidade, o que reforça o sentido da heteronormatividade e desqualifica as masculinidades não heterossexuais. 9

Esta pergunta foi aplicada somente no Brasil e no Chile. 6

As reações frente à homossexualidade são as mais diversas. A proximidade e/ou convivência com homens homossexuais é vista como algo que provoca “desconforto”. E se essa convivência acontecer em sua própria família, ela produz o sentimento de “vergonha”. À exceção do México, os demais países ultrapassam os 40% dos respondentes que se envergonhariam de ter um filho homossexual, conforme o Quadro II. Como afirmam Carrara & Lacerda (2011), esses sentimentos deixam transparecer a representação negativa sobre a homossexualidade seja como doença, pecado ou imoralidade. As reações contrárias à possibilidade de uma relação de amizade com um homem gay, variam de 20-29% (no caso do Brasil e México) a 46% (no caso chileno). Essa atitude chama a atenção pela hierarquia estabelecida entre amizade entre “homens” e amizade entre “homens e gays”. A amizade entre homens de orientações sexuais distintas abre brechas para colocar a masculinidade do homem heterossexual em condição de suspeição, como mostra Nascimento (2011). Essa possibilidade é percebida como desqualificadora da masculinidade de um “homem de verdade”. QUADRO II – CONVIVÊNCIA COM HOMOSSEXUAIS (%) Brasil Chile México Eu me sinto desconfortável quando estou perto de um homossexual. 21 55 33 Eu teria vergonha se eu tivesse um filho homossexual. 43 44 24 Eu nunca teria um amigo gay. 20 46 29 No tocante à relação de homens homossexuais com crianças, seja no ambiente de trabalho, seja pela adoção de crianças, à exceção do Brasil, os demais países apresentam valores bem elevados. A resistência à adoção de crianças por parte de homens homossexuais é ligeiramente superior ao fato de trabalharem com crianças. Em ambos os casos, parece haver uma ideia subjacente de que o convívio com a homossexualidade não é adequado para as crianças, podendo ser mesmo “perigoso”. Há uma visão do senso comum de que existe uma relação entre homossexualidade e pedofilia, muitas vezes confundindo uma com outra. O temor de algum tipo de abuso de natureza sexual por parte de homens homossexuais contra crianças é o argumento muitas vezes usado para afirmar essa posição (Uziel, 2002).

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QUADRO III – ATITUDES FRENTE À RELAÇÃO ENTRE HOMENS HOMOSSEXUAIS E CRIANÇAS (%) Brasil Chile México Não deveria ser permitido que homens homossexuais trabalhassem com crianças. Não deveria ser permitido a um homem homossexual adotar crianças.

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Buscou-se compreender em que ocasiões os homens acreditavam que era justificável usar violência física contra um homossexual que não fosse seu amigo ou integrante de suas relações pessoais. O quadro a seguir mostra algumas das justificativas apresentadas e o grau de concordância com elas. QUADRO IV – JUSTIFICATIVA PARA O USO DA VIOLÊNCIA CONTRA HOMOSSEXUAIS(%) É justificável usar violência física contra um homossexual Brasil Chile México quando ele se comporta de maneira feminina 3 8 27 ele beija outro homem em público 3 11 17 ele me paquera 10 48 15 ele me encara 7 22 14 Comportamentos masculinos que remetem ao feminino (trejeitos corporais, voz, vestimenta) são mal vistos pela maioria dos homens. A reação negativa parece ser uma tentativa de confirmação da masculinidade heterossexual em relação àqueles que ousam romper com padrões de gênero hegemônicos para o masculino (Welzer-Lang, 2001, Eribon, 2008). Em relação às expressões de afeto entre pessoas do mesmo sexo, nota-se uma forte variação entre os países. Ainda que o valor encontrado no Brasil seja relativamente baixo (3%), a expressão de afeto tem sido disparadora de inúmeros casos de discriminação em ambientes públicos como centros comerciais, cinemas, restaurantes. Muitos destes casos chegaram a provocar episódios de violência física contra homens e mulheres homossexuais. Geralmente, o argumento usado é que o local “não é apropriado para este tipo de comportamento” e que as reclamações de clientes e usuários aconteceriam mesmo que fosse um casal heterossexual. Essa reação parece ter como fundamento uma questão moral: a expressão de afeto entre casais heterossexuais é valorizada em detrimento daquela de casais homossexuais. Em alguns contextos como o brasileiro, por exemplo, foram organizados eventos públicos denominados beijaços, onde grupos de casais homossexuais, homens e mulheres, protestam de forma pacífica contra algum estabelecimento que tenha cometido atos de discriminação por conta de manifestações de afeto, beijando-se (Venturi & Bokany, 2011). 8

No que se refere ao uso de violência em caso de assédio de natureza sexual por outro homem, há uma grande variação entre países que vai de 10% no caso brasileiro a 48% no caso do Chile. De todas as perguntas referentes a possíveis justificativas para o uso da violência contra homossexuais, essa é a que produz reações mais violentas (à exceção do México). O fato de ser objeto de desejo por parte de outro homem é percebido como uma afronta. A ideia subjacente no ato da paquera entre homens de orientação sexual distintas é que um “homem de verdade” não pode, em hipótese alguma, ser “confundido” com um homossexual. Ser paquerado, em alguma instância, os colocaria em um plano de igualdade, o que deve ser rechaçado de maneira contundente. Nesse sentido, simplesmente dizer que não está interessado não basta. Para “dirimir” qualquer dúvida em relação à sua heterossexualidade, lança-se mão do uso da violência física (Nascimento, 2011). No item referente a ser encarado por outro homem, há uma grande variação. De 7% no caso brasileiro a 22% no caso do Chile. O olhar constante e dirigido a outro homem é muitas vezes interpretado como um desafio e, do ponto de vista da masculinidade tradicional, necessita de uma demonstração de indignação com o uso da força física se necessário. Além disso, o olhar constante e dirigido pode também indicar interesse de natureza sexual, devendo como mostrado no item anterior, ser repelido. Implicações para as ações em prol da equidade/igualdade de gênero com homens e meninos Acreditamos que é necessário fomentar estudos e pesquisas sobre o papel que a homofobia desempenha na construção das masculinidades hetero e homossexual. Esse fenômeno, na nossa compreensão e de outros autores, é iniciado na infância onde meninos adquirem um vocabulário desqualificador de qualquer traço de “feminino” presente no “masculino” (Welzer-Lang, 2001, Kimmel, 2005, Nascimento, 2011). Outro aspecto importante, diz respeito a criação de currículos para a educação em sexualidade que levem em conta o respeito à diversidade sexual e o enfrentamento da homofobia como parte integrante das discussões sobre gênero e sexualidade (UNESCO, 2012). Sobretudo no espaço escolar, a criação de mecanismos de enfrentamento de discriminações e violência homofóbica no através de qualificação de professores/as, de outros profissionais de educação, de campanhas de sensibilização para a comunidade escolar é muito importante. Experiências brasileiras como o curso de formação de professores Gênero e Diversidade na Escola em que há uma problematização das inter-relações entre gênero, raça e orientação sexual parecem ser promissoras (Nascimento, Duque & Tramontano, 2014). Mais especificamente para os grupos educativos voltados para homens jovens e adultos, é necessária a inclusão de temas sobre diversidade sexual e de prevenção da violência homofóbica no currículo educativo. Vários coletivos de homens na América Latina têm progressivamente incluído essa temática nos seus grupos de discussão. (Barker & Aguayo, 2011).

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Campanhas de sensibilização voltadas para o público masculino com enfoque no respeito à diversidade e prevenção da violência homofóbica, incentivando-os a se posicionarem publicamente contra esse tipo de violência, são igualmente importantes. No caso da Rede de Homens pela Equidade de Gênero (RHEG) no Brasil10 e da Aliança MenEngage11 na América Latina existem alguns esforços nessa direção. Alianças entre coletivos LGBT e grupos que trabalham com homens e meninos seriam uma forma de impulsionar atividades nessa direção. À guisa de conclusão O tema da homossexualidade ainda é considerado um tabu em muitas sociedades e criminalizada em muitos países. A garantia de direitos humanos e civis para a população LGBT vem crescendo paulatinamente, mas ainda é preciso enfrentar muitos desafios. A visibilidade das causas da população LGBT e a progressiva conquista de direitos têm provocado reações por toda a parte. Em diferentes contextos há grupos conservadores que lutam pela desqualificação destas causas. Ainda que a inclusão dessa pauta na agenda política das Nações Unidas seja importante, com a recomendação expressa de que os governos levem em consideração a garantia dos direitos humanos e civis desse segmento, há muito o que se fazer quando se pensa, por exemplo, que a homossexualidade ainda é considerada um delito em muitos países. A negação desses direitos traz consequências graves no campo da saúde, educação, trabalho, constituição de famílias, segurança pública entre outros. É necessário engajar gestores de políticas públicas, governos, diferentes movimentos sociais e a sociedade em geral para o enfrentamento das discriminações e violências a que a população LGBT é submetida. No entanto, cabe frisar que a homofobia não se pauta somente pelas questões da sexualidade como a orientação sexual. As experiências cotidianas relacionadas ao gênero, conforme visto, são fundamentais para a produção e manutenção de discursos e práticas homofóbicas contra todos e todas que não se alinham às convenções tradicionais de seu gênero. No que se refere aos homens e às masculinidades, a homofobia e a homossexualidade ainda representam temas sensíveis para os grupos de reflexão e de intervenção. Duas ideias fundamentam essa dificuldade. A primeira diz respeito à noção vigente de que a masculinidade está intrinsecamente associada ao exercício da sexualidade heterossexual. E a segunda de que a homossexualidade está sempre associada ao feminino. A lógica de gênero que enaltece o masculino e desqualifica o feminino precisa ser continuamente trabalhada nos programas que abordam a temática de gênero e sexualidade, sobretudo com grupos de jovens.

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http://lacobrancobrasil.blogspot.com.br/. Acesso em 14/12/2014. http://menengage.org/regions/latin-america/. Acesso em 14/12/2014. 10

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