Lei Anticorrupção empresarial

May 23, 2017 | Autor: Renato Capanema | Categoría: Anti-Corruption
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Descripción

Volume 13

Lei Anticorrupção Empresarial

Aspectos críticos à Lei nº 12.846/2013

Jaques Fernando Reolon Jorge Ulisses Jacoby Fernandes Karina Amorim Sampaio Costa Melillo Dinis do Nascimento Renato de Oliveira Capanema

Coleção Jacoby de Direito Público v. 13

Jorge Ulisses Jacoby Fernandes Coordenador

LEI ANTICORRUPÇÃO EMPRESARIAL ASPECTOS CRÍTICOS À LEI Nº 12.846/13

JAQUES FERNANDO REOLON JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES KARINA AMORIM SAMPAIO COSTA MELILLO DINIS DO NASCIMENTO RENATO DE OLIVEIRA CAPANEMA

1ª edição Belo Horizonte 2014

© 2014 Editora Fórum – tiragem: 500 exemplares

Coordenação editorial: Mailson Veloso Sousa Revisão: Vinicius da Silva Paiva e Ana Alethéa Osório Capa: Murilo Queiroz Melo Jacoby Fernandes Interferência na capa e produção gráfica: Walter Santos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP @@@

160 p. ISBN ###-##-####-###-#

CDU: ###.###(##) CDD: ###.#### Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

JACOBY FERNANDES, J U.(Coord.). Lei Anticorrupção Empresarial – Aspectos críticos à Lei nº 12.846/2013. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014. 160 p. (Coleção Jacoby de Direito Público; v. 14). ISBN @@@@.

Proibida a reprodução desta obra, total ou parcial, por quaisquer processos xerográficos, inclusive eletrônicos, sem autorização expressa do editor e do autor.

SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .............................................................................................................. 9 INOVAÇÕES DA LEI Nº 12.846/2013............................................................................... 11 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8.

Renato de Oliveira Capanema Breve relato histórico ........................................................................................... 11 Opção pela responsabilização administrativa e civil................................................. 13 Penalidades previstas na Lei nº 12.846/2013 .......................................................... 14 Suborno transnacional ......................................................................................... 16 Responsabilidade objetiva ..................................................................................... 17 Medidas de integridade (compliance corporativo) .................................................. 19 Cooperação na Lei nº 12.846/2013 ....................................................................... 23 Considerações Finais ............................................................................................ 25

BREVES COMENTÁRIOS À LEI DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS PELA PRÁTICA DE ATOS CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, NACIONAL OU ESTRANGEIRA ........................................................................................ 27 Jorge Ulisses Jacoby Fernandes e Karina Amorim Sampaio Costa 1. Do contexto......................................................................................................... 27 1.1. Do contexto histórico................................................................................................... 27 1.2. Do contexto nacional ................................................................................................... 29 1.3. Do contexto de superpoderes ao Estado utilizados açodadamente ............................ 30 2. Da responsabilização ............................................................................................ 30 2.1. Civil............................................................................................................................... 31 2.2. Administrativa .............................................................................................................. 31 2.3. Penal ............................................................................................................................. 31 2.4. Das pessoas naturais ..................................................................................................... 32 2.5. Dos agentes públicos .................................................................................................... 33 2.6. Dos prepostos ............................................................................................................... 33 3. Da abrangência da Lei .......................................................................................... 34 3.1. Da Administração Pública ........................................................................................... 34 3.2. Das pessoas jurídicas abrangidas .................................................................................. 35 3.3. Das alterações sociais.................................................................................................... 36 4. Dos atos lesivos à Administração Pública ............................................................... 36 4.1. Da quantidade de normas no Brasil como elemento dificultador da aplicação do direito ...................................................................................................................................... 37

6

SUMÁRIO

4.2. Das dificuldades de aplicação de dispositivos sobre lesões à Administração Pública 37 5. Da responsabilização administrativa ...................................................................... 39 5.1. Dos valores da multa ................................................................................................... 39 5.2. Do critério de cálculo da multa ................................................................................... 40 5.3. Da sanção de publicação da decisão condenatória ..................................................... 40 5.4. Dos critérios para a aplicação das sanções .................................................................. 41 6. Do processo administrativo de responsabilização.................................................... 41 7. Do acordo de leniência......................................................................................... 42 8. Da responsabilização judicial ................................................................................ 43 9. Da criação do Cadastro Nacional de Empresas Punidas - CNEP.............................. 44 10. Da vigência .......................................................................................................... 44 11. Dos vetos ............................................................................................................. 45 11.1. Valor da multa – § 6º do art. 6º .................................................................................. 45 11.2. Dolo ou culpa – § 2º do art. 19................................................................................... 46 11.3. Conduta do servidor – inciso X do art. 7º .................................................................. 46 12. Da questão da constitucionalidade da Lei .............................................................. 47 12.1. Responsabilidade objetiva de pessoa jurídica – hipótese sem previsão constitucional ......................................................................................................................... 47 12.2. Da impossibilidade jurídica de extensão infraconstitucional da responsabilidade na forma objetiva ......................................................................................................................... 47 12.3. Responsabilidade objetiva e a tutela de princípios ..................................................... 48 12.3.1. Princípios tutelados por lei ................................................................................................. 48 12.3.2. Dos valores superiores da moralidade ................................................................................. 48 12.3.3. Normas penais de tutela de princípios ................................................................................ 50 12.4. Compromissos de governo .......................................................................................... 51 12.5. Cenário incerto sobre a conformidade com a Constituição ...................................... 51 12.6. Da afronta ao texto constitucional .............................................................................. 51 12.7. Da vinculação do Poder Público aos direitos fundamentais ...................................... 52 13. Conclusão ........................................................................................................... 53 O CONTROLE DA CORRUPÇÃO NO BRASIL E A LEI Nº 12.846/2013 – LEI ANTICORRUPÇÃO ......................................................................................................... 55 1. 2. 2.1. 2.2. 2.3. 2.4.

Melillo Dinis do Nascimento Introdução .......................................................................................................... 56 A corrupção ........................................................................................................ 56 A corrupção no Brasil .................................................................................................. 56 A corrupção é um fenômeno mundial........................................................................ 57 Enfrentando a corrupção............................................................................................. 57 Os problemas da corrupção......................................................................................... 58

SUMÁRIO 2.4.1.

7

O conceito de corrupção ..................................................................................................... 59

2.4.1.1. Dimensões para pensar um conceito de corrupção ......................................... 59 2.4.1.1.1. 2.4.1.1.2. 2.4.1.1.3. 2.4.1.1.4.

A dimensão das relações corruptas .................................................................................................. 59 A pluralidade do significado da corrupção ..................................................................................... 60 A dimensão estrutural........................................................................................................................ 60 A dimensão da reforma ..................................................................................................................... 60

2.4.1.2. Em torno de um conceito .............................................................................. 60 2.4.1.3. Tipos de corrupção ........................................................................................ 61 2.4.1.3.1. 2.4.1.3.2. 2.4.1.3.3. 2.4.1.3.4.

Corrupção sistêmica........................................................................................................................... 61 Corrupção esporádica ou individual................................................................................................ 62 Corrupção política ou macrocorrupção .......................................................................................... 62 Corrupção burocrática ou microcorrupção .................................................................................... 62

2.4.1.4. Corrupção legal e corrupção moral ................................................................ 63 2.4.2. 2.4.3. 3. 3.1. 3.2. 3.3. 3.4. 4. 4.1. 4.2. 4.3. 4.4. 4.5.

Os custos da corrupção....................................................................................................... 65 O controle da corrupção por meio das instituições .............................................................. 67 Por uma teoria jurídica da corrupção .................................................................... 69 O patrimonialismo ....................................................................................................... 70 O funcionalismo........................................................................................................... 71 A economia................................................................................................................... 73 O (neo)institucionalismo ............................................................................................. 75 O direito brasileiro, suas normas e a corrupção ...................................................... 78 O tratamento constitucional antes de 1988 ................................................................ 79 O tratamento infraconstitucional antes de 1988 ........................................................ 79 O tratamento constitucional após 1988 ...................................................................... 80 O tratamento infraconstitucional após 1988 .............................................................. 82 Temos leis para enfrentar a corrupção. E daí? ............................................................ 83

4.5.1.

O direito brasileiro e as complexidades do combate à corrupção ......................................... 84

4.5.1.1. Pensar o direito a partir da sociedade brasileira ............................................. 85 4.5.1.2. O direito público, alguns de seus problemas e a corrupção ............................. 86 5. 5.1.

A Lei nº 12.846/2013 ........................................................................................... 90 A estrutura da norma ................................................................................................... 91

5.1.1. Os conceitos iniciais da LA ................................................................................................ 91 5.1.2. Os atos lesivos da Lei Anticorrupção (LA) ......................................................................... 92 5.1.3. A responsabilização administrativa .................................................................................... 93 5.1.4. O processo administrativo de responsabilização .................................................................. 95 5.1.5. O acordo de leniência ........................................................................................................ 98 5.1.6. A responsabilização judicial ............................................................................................ 100 5.1.7. Demais disposições da Lei Anticorrupção ........................................................................ 101 5.2. Temas da Lei Anticorrupção ...................................................................................... 104 5.2.1. 5.2.2.

A responsabilidade agora é objetiva ................................................................................. 104 Processo administrativo e devido processo legal ................................................................ 106

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SUMÁRIO

5.2.3. Os sistemas de integridade ............................................................................................... 107 6. Desafios da Lei Anticorrupção ............................................................................ 107 7. À guisa de conclusão .......................................................................................... 108 SANÇÕES DO CONTROLE EXTERNO ............................................................................ 109 1. 2. 3. 4. 5.

Jaques Fernando Reolon Inidoneidade ..................................................................................................... 109 Da legalidade e da interpretação restritiva da penalidade ...................................... 109 Do devido processo legal e da competência do Plenário ........................................ 110 Dos recursos e da revisibilidade judicial ............................................................... 111 Dos casos examinados pelo Tribunal ................................................................... 111

LEI Nº 12.846, DE 1º DE AGOSTO DE 2013 .................................................................... 135 Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Capítulo I - Disposições Gerais.................................................................................... 135 Capítulo II - Dos atos lesivos à Administração Pública Nacional ou Estrangeira .......... 136 Capítulo III - Da responsabilização administrativa ...................................................... 137 Capítulo IV - Do processo administrativo de responsabilização ................................... 138 Capítulo V - Do acordo de leniência ........................................................................... 139 Capítulo VI - Da responsabilização judicial ................................................................. 140 Capítulo VII - Disposições Finais ................................................................................ 141 MENSAGEM Nº 314, DE 1º DE AGOSTO DE 2013 ............................................................ 143 § 6º do art. 6º - Razões do veto .................................................................................... 144 § 2º do art. 19 - Razão do veto..................................................................................... 144 Inciso X do art. 7º - Razão do veto .............................................................................. 144 ÍNDICE DE ASSUNTOS ................................................................................................. 145 SOBRE OS AUTORES .................................................................................................... 159

APRESENTAÇÃO Este livro nasceu de vários encontros. Um primeiro encontro reuniu parte dos autores em um debate em 26 de setembro de 2013, no Tribunal de Contas da União em Brasília/DF. O tema geral era “Contraditório e Ampla Defesa no Tribunal de Contas da União e a Responsabilização da Pessoa Jurídica”. Foi uma promoção conjunta da seccional no Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/DF (por sua Comissão de Direito Administrativo e Controle da Administração Pública), do Instituto Brasileiro de Direito e Controle da Administração Pública (IBDCAP) e do Tribunal de Contas da União (TCU), que contou com o apoio da União dos Auditores Federais de Controle Externo (AUDITAR). Nesse evento, sob a coordenação do Dr. Elísio de Azevedo Freitas, um dos temas foi a Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) e no próprio dia do evento ficou claro que não se poderia deixar de aprofundar a nova legislação, suas consequências e suas críticas. Outra parte dos autores participou, entre 30 e 31 de outubro de 2013, do VI FOMENTA NACIONAL (encontro de oportunidades para microempresas, empresas de pequeno porte e microempreendedores individuais nas compras governamentais) em Recife/PE, realizado pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), com o apoio de diversos órgãos federais e estaduais, em que o tema “Responsabilização das Pessoas Jurídicas por atos de Corrupção contra a Administração Pública” permitiu que mais um encontro apontasse para aspectos que mereceriam uma reflexão e um melhor entendimento. Entre agendas e diversas tarefas, os autores, profissionais do setor público e do setor privado, criaram oportunidades, encontros e discussões que originaram este livro. Foram reuniões marcadas pelo pluralismo, pela mútua compreensão, mesmo quando as posições eram e são, por vezes, divergentes, a partir do profundo respeito pelas trajetórias pessoais e profissionais de cada um. Temos a impressão que essas diferenças ajudam a compor alguns aspectos críticos que estão dados. E com esse mesmo respeito é que colocamos estas palavras a serviço dos leitores. Muitos nos disseram que era melhor explicar a Lei Anticorrupção para apenas depois oportunizar qualquer menção crítica. Pensamos que a expressão “crítica” tem sofrido certo desgaste, muito em parte pelo exagerado tempo que vivemos quando os “críticos” são indesejáveis, especialmente no mundo jurídico. Pensar é sempre pensar diferente. E o ponto de convergência das reflexões dos autores, como dos demais, apenas se alcança, num novo encontro, para no minuto seguinte estar adiante. E aí temos que discutir e aprender um pouco mais. Este foi o espírito dos encontros realizados pelos autores, os textos discutidos e apresentados entre todos, para que esta publicação permitisse ajudar a compreender como a nova Lei Anticorrupção vai ser aplicada no Brasil. O país tem uma tradição de casos de corrupção que acabaram por criar um sentimento de desamparo na população. Em 2013,

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APRESENTAÇÃO

muitos brasileiros foram às ruas para demarcar esse descontentamento. Claro que a proposição legislativa já se encontrava em sua tramitação parlamentar, mas, certamente a mobilização de tantos brasileiros impulsionou sua aprovação. Com esse objetivo, Renato Oliveira Capanema, em “Inovações da Lei nº 12.846/2013” traça um amplo panorama do que a legislação trouxe de novo. Além de oportunizar a todos uma compreensão da Lei Anticorrupção, relaciona essa legislação aos esforços dos organismos internacionais, do Estado brasileiro e das instituições em combater a corrupção. Na segunda parte, os autores Jorge Ulisses Jacoby Fernandes e Karina Amorim Sampaio Costa, em “Breves comentários à Lei da Responsabilização Administrativa e Civil de Pessoas Jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional e estrangeira”, cuidam de apresentar de forma precisa quais são aos pontos relevantes do novo diploma legal, além de apresentarem dados e experiências acerca da sua recepção no sistema jurídico brasileiro. Ao final, Melillo Dinis do Nascimento, em “O controle da corrupção no Brasil e a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção)”, oferece uma abordagem interdisciplinar no sentido de apontar como a lei poderá contribuir com o combate à corrupção. Em complemento, Jaques Fernando Reolon, vice-presidente do escritório Jacoby Fernandes e Reolon Advogados Associados, robustece a discussão acerca da responsabilidade objetiva debatida na Lei, trazendo a jurisprudência sobre o tema e panoramas não explorados pelos demais autores. Explicar uma parte do mundo é uma tentativa de transformá-lo. No caso da corrupção, tanto no Brasil como em outros países há uma agenda importante para modificar as experiências que causam grandes prejuízos a partir de relações corruptas. O livro, ao criticar para explicar e explicar para criticar, acaba por realizar um encontro com as vontades, intenções e saberes do leitor. Os autores.

INOVAÇÕES DA LEI Nº 12.846/2013 Renato de Oliveira Capanema

1.

BREVE RELATO HISTÓRICO

Um olhar superficial pode transparecer que a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que ganhou notoriedade na imprensa como Lei Anticorrupção, é apenas mais uma norma dentre outras muitas que existem no país para punir ou onerar as empresas. Ou então, que foi elaborada às pressas, em resposta às manifestações populares que afloraram no Brasil no final do primeiro semestre de 2013. A verdade, no entanto, passa ao largo das impressões superficiais. A lei tem por objetivo preencher lacuna histórica do nosso marco jurídico, que não dispunha, até então, de legislação específica que punisse as pessoas jurídicas – e não as pessoas físicas – por ilícitos como o suborno, por exemplo. E as manifestações, ao que parece, apenas aceleraram um processo que, por várias razões, já era inevitável. Para melhor compreensão das diversas nuances da lei, que estabelece a responsabilização objetiva, administrativa e civil de pessoas jurídicas por atos contra a Administração Pública nacional ou estrangeira, é necessário, antes de tudo, voltar um pouco no tempo e entender o contexto da concepção e propositura do projeto de lei ao Congresso Nacional em 2010,1 bem como os desafios e dificuldades que se apresentavam naquele momento histórico. A República Federativa do Brasil ratificou e promulgou, em 30 de novembro de 2000, a Convenção sobre Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE.2 Com a Convenção, o país assumiu sério compromisso internacional de punir, de forma efetiva, os nacionais que subornassem funcionários públicos estrangeiros, incluindo-se aí representantes de organismos internacionais. É inequívoca a influência da ratificação da Convenção da OCDE, tanto na tipificação da corrupção ativa praticada por pessoas físicas em transações comerciais 1

BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 6826 de 2010. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Órgão de origem: Poder Executivo. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=466400. Acesso em: 30 set. 2013. 2 BRASIL. Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000. Promulga a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1º dez. 2000.

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internacionais, que incidiu na aprovação da Lei nº 10.467, de 11 de junho de 2002, que incluiu os artigos 337 B, C e D no Código Penal3 quanto na propositura pelo Poder Executivo Federal, em 2010, do Projeto de Lei visando à responsabilização também de pessoas jurídicas – futura Lei nº 12.846/2013. Ressaltam-se também os compromissos assumidos pelo Brasil no âmbito da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção4 e da Convenção Interamericana contra a Corrupção,5 que igualmente estabelecem a necessidade da responsabilização de nacionais – pessoas físicas e jurídicas – por atos de suborno cometidos contra funcionários públicos estrangeiros. Além da premente necessidade de estabelecer a responsabilização de pessoas jurídicas por atos de suborno transnacional, evidenciava-se também, à época, limitações importantes no que concerne à punição de pessoas jurídicas por atos cometidos em território brasileiro. No âmbito administrativo, a despeito da existência de diversas leis que tratam da responsabilização de pessoa jurídica, notadamente no que diz respeito a infrações econômicofinanceiras,6 observa-se que tais normas não têm por objetivo precípuo a proteção da Administração Pública. O suborno de funcionários públicos nacionais, por exemplo, não era previsto em qualquer ato normativo. Além disso, em que pese a Lei nº 8.666/19937 estabelecer penalidades por ilícitos relacionados à frustação da licitação e inexecução de contratos, as sanções são limitadas, em especial a aplicação das multas, restritas ao valor do contrato. No que tange à responsabilização civil, e especialmente penal, o quadro era ainda 3 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 1940. 4 BRASIL. Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1º fev. 2000. 5 BRASIL. Decreto nº 4.411, de 07 de outubro de 2002. Promulga a Convenção Interamericana contra a Corrupção, de 29 de março de 1996, com reserva para o art. XI, parágrafo 1º, inciso "c". Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 08 out. 2002. 6 BRASIL. Lei nº 6.385, de 07 de dezembro de 1976. Dispõe sobre o mercado de valores mobiliários e cria a Comissão de Valores Mobiliários. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 09 dez. 1976. BRASIL. Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998. Dispõe sobre os crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 04 mar. 1998. BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 dez. 2011. 7 BRASIL. Lei de Licitações e Contratos Administrativos e outras normas pertinentes. Organização dos textos e índice por J. U. Jacoby Fernandes. 14. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2013. Artigos 87 e 88

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menos animador. No campo civil, além, obviamente, da obrigação de reparar o dano causado,8 temos como principal expoente a Lei nº 8.429/19929, cujo foco é a responsabilização de agentes públicos por atos de improbidade. Apenas de forma reflexa as pessoas jurídicas podem ser responsabilizadas pelos atos previstos na Lei de Improbidade, e desde que comprovado o envolvimento de agente público. Na seara criminal, o único normativo conhecido é a Lei nº 9.605/1998,10 que estabelece a responsabilização penal de pessoas jurídicas por crimes ambientais, autorizada pela Constituição Federal de 1988, a despeito de a doutrina não possuir entendimento uníssono nesse sentido.11 Diante do quadro apresentado, fez bem o legislador ao aproveitar a oportunidade para incluir no rol de atos do artigo 5º da Lei nº 12.846/2013 não somente o suborno transnacional, mas também o suborno nacional e outros atos lesivos praticados por pessoas jurídicas, em especial os relacionados às fraudes em licitações e contratos. Fica evidente, dessa forma, que a Lei nº 12.846/2013 não surgiu do acaso, pois correspondeu à necessidade latente de se completar, preencher as lacunas do ordenamento jurídico pátrio. Se é certo que a existência de leis, por si só, não garante nada, também é igualmente correto dizer que a ausência delas sequer permite avanços, inibindo o desenvolvimento do país e contribuindo para a permanência do cenário de impunidade. 2.

OPÇÃO PELA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E CIVIL

A opção pela responsabilização administrativa e civil, em detrimento da penal, pode ser explicada por diferentes prismas. Primeiramente, escolher a responsabilização penal significaria adentrar em terreno polêmico e tormentoso de embate jurídico-doutrinário. Não é objetivo aqui discutir as teorias da ficção de Savigny12 ou da realidade de Otto Gierke, tampouco analisar os postulados da Teoria Geral do Crime. A questão é que, fosse essa a opção do legislador, estaríamos até hoje, e ainda provavelmente por muito tempo, empacados 8

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Art. 927 9 BRASIL. Lei nº 8429, de 02 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 03 de junho de 1992. 10 BRASIL. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 de fevereiro de 1992. 11 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, Vol. VIII. 12 BITTENCOURT, Cezar Roberto. Reflexões sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica. In: Coleção Temas Atuais de Direito Criminal, v. 2, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

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em incertezas e controvérsias, o que prolongaria por demasiado ou mesmo inviabilizaria a aprovação da lei. A opção do legislador, antes de tudo, foi uma opção pelo pragmatismo. Além disso, há que se perguntar, de forma bastante direta, quais seriam as vantagens do processo de responsabilização penal frente ao administrativo e cível. Como todos sabem, a medida sancionatória mais representativa do Direito Penal é a restrição de liberdade, que por motivos óbvios não é aplicável às pessoas jurídicas. Todas as outras penalidades, sem exceção, são passíveis de aplicação nas esferas administrativa ou cível. Vale observar, diante do apresentado, o princípio da subsidiariedade do Direito Penal, segundo o qual o Direito Penal só se justifica quando fracassarem as formas protetoras do bem jurídico previstas em outros ramos do Direito. Por fim, ressalta-se que os processos civil e, sobretudo, administrativo, além de adequados, apresentam algumas vantagens, especialmente no que concerne à celeridade do procedimento de responsabilização. Ainda mais tendo em vista o processo penal brasileiro, excessivamente garantivista e repleto de recursos protelatórios. A despeito de respeitáveis opiniões demandas é um dos requisitos para a efetividade muito demoradas simplesmente não tem como individual do cometimento da infração, seja prevalência da inoperância e impunidade.

em contrário, agilidade na apreciação das do aparato sancionador. Isso porque decisões ser efetivas, seja porque distorcem o cálculo porque ressaltam a percepção coletiva de

A responsabilização administrativa, vale dizer, em nada se equivale à responsabilização inquisitiva, sem direito à manifestação e defesa da empresa envolvida. Muito pelo contrário: a experiência ao longo dos anos, especialmente no âmbito dos processos de responsabilização disciplinares conduzidos pela Controladoria-Geral da União, tem mostrado o aprimoramento contínuo do processo administrativo no sentido de incorporar, em sua plenitude, a ampla defesa e contraditório, o que tem refletido de forma direta no reduzido número de revisões judiciais das decisões exaradas administrativamente. 3.

PENALIDADES PREVISTAS NA LEI Nº 12.846/2013

A Lei nº 12.846/2013 especifica que poderão ser aplicadas, na esfera administrativa, as seguintes sanções às pessoas jurídicas: [...] multa, no valor de 0,1 a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, ou de R$ 6.000,00 a R$ 60.000.000,00, caso não seja possível calcular o faturamento bruto da pessoa jurídica; e publicação extraordinária da decisão condenatória.

Questão que de pronto chama a atenção é a gradação das multas, que podem variar

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consideravelmente a depender da empresa13 envolvida e das especificidades do caso concreto. Há que se considerar que no cálculo do quantum da multa, que não pode nunca ser inferior à vantagem auferida pela empresa, devem ser sopesados os diversos critérios estabelecidos no artigo 7º, alguns deles relacionados à infração em si – gravidade, vantagem auferida, grau de lesão, efeito negativo produzido – outros relacionados ao próprio infrator, como condição econômica e existência de medidas de integridade. A cooperação das pessoas jurídicas na apuração das infrações, ademais, tem importância extrema para a determinação do montante da multa, tendo em vista a possibilidade de celebração, inclusive, de Acordo de Leniência, com vistas à redução de até 2/3 da multa aplicável. Importante ressaltar que os limites e critérios da Lei nº 12.846/2013 guardam semelhanças com a experiência norte-americana na aplicação do Foreign Corrupt Practices Act – FCPA,14 legislação promulgada em 1977 e tida como referência na matéria em todo o mundo. Ponto de semelhança é a possibilidade de aplicação de elevadas multas, que efetivamente sejam dissuasivas, a depender do tamanho da empresa envolvida e da gravidade do ato lesivo. Apesar de as multas estabelecidas no FCPA estarem restritas ao patamar de US$ 25 milhões, na prática elas têm sido consideravelmente maiores, tendo em vista os acordos estabelecidos para encerrar o processo de responsabilização e a utilização de normas correlatas para a determinação das multas – como o Alternative Fine Act.15 No conhecido caso Siemens, por exemplo, a multa aplicada superou US$ 400 milhões.16 Além disso, a cooperação das pessoas jurídicas com as entidades governamentais, no caso o Securities and Exchange Comission – SEC e Department of Justice – DOJ, também é traço característico e considerado por muitos o grande fator de sucesso do modelo norte-americano. Andou bem a legislação brasileira ao criar incentivos nesse sentido. Com relação à possibilidade de publicação da decisão condenatória prevista na Lei nº 12.846/2013, que se trata em realidade de decisão administrativa e não propriamente de decisão condenatória – expressão que remete ao âmbito judicial –, deve ser feita a expensas do 13

O conceito de pessoa jurídica da Lei nº 12.846/2013 é bastante amplo, pois a essa norma se aplica às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. Utilizar o termo empresas como sinônimo de pessoas jurídicas, portanto, não é propriamente técnico e tem fins meramente didáticos. 14 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Departamento de Justiça. Anti-Bribery and Books & Records Provisions of The Foreign Corrupt Practices Act. Disponível em: http://www.justice.gov/criminal/fraud/fcpa/docs/fcpaenglish.pdf. Acesso em: 1º dez. 2013. 15 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Departamento de Justiça. Title 18. Crimes and criminal procedure Part I1 –Criminal Procedure Chapter 227 – Sentences Subchapter C – Fines. Disponível em: http://www.justice.gov/criminal/fraud/fcpa/docs/response2-appx-m.pdf. Acesso em: 1º dez. 2013. 16 COUTINHO, Felipe. Lei de delação premiada agita empresas. Folha de São Paulo. São Paulo. 19 fev. 2012. Disponível em: . Acesso em: 1º dez. 2013.

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infrator, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica, bem como publicação na rede mundial de computadores e fixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 dias, no próprio estabelecimento ou local de exercício das atividades da pessoa jurídica. No âmbito da responsabilização judicial cível, que deve ser entendida como subsidiária à responsabilização administrativa, a lei determina penalidades mais gravosas, como o perdimento de bens, a suspensão ou interdição parcial das atividades e, até mesmo, a dissolução compulsória da pessoa jurídica. O processo de responsabilização segue o rito previsto na Lei de Ação Civil Pública.17 4.

SUBORNO TRANSNACIONAL

Segundo a Lei nº 12.846/2013, compete à Controladoria-Geral da União – CGU a apuração, o processo e o julgamento dos atos ilícitos praticados contra a Administração Pública estrangeira, observado o disposto no artigo 4º da Convenção da OCDE. Vale mencionar que esse dispositivo estabelece regra específica para o caso em que dois Estados detiverem jurisdição sobre determinado ato, devendo as partes deliberar, por solicitação de uma delas, sobre a determinação da jurisdição mais apropriada para a instauração de processo. O dispositivo é importante porque, quando mais de um Estado se julgar competente para decidir dado litígio, ocorrerá conflito de jurisdição, fato que tende a gerar problemas caso não existam regras específicas para tratá-lo. A título de exemplo, a jurisdição de nacionalidade estabelecida no FCPA norteamericano é muito abrangente, estendendo-se a fatos que ocorram em outros países e que envolvam cidadãos e empresas de nacionalidade distinta da norte-americana. O FCPA se aplica, portanto, tanto a empresas norte-americanas emissoras de ações que atuem em outros países quanto a empresas de outras nacionalidades que atuem nos Estados Unidos da América. É que as empresas estrangeiras podem praticar o que o FCPA chama de interestate commerce, que significa que a jurisdição territorial pode ser configurada mediante existência de chamada telefônica para os EUA ou envio de correio eletrônico com utilização de servidor localizado no país, bem como comprovação de transferência bancária que tenha passado pelo sistema bancário norte-americano. A jurisdição do Reino Unido, explicitada no UK Bribery Act,18 também é ampla, abrangendo qualquer organização comercial que faça negócio, totalmente ou em parte, em 17 BRASIL. Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (VETADO) e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 jul. 1985. 18 SERIOUS FRAUD OFFICE. Bribery & Corruption. Disponível em: http://www.sfo.gov.uk/bribery-corruption/the-bribery-act.aspx. Acesso em: 1º dez. 2013.

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território do Reino Unido, independentemente de onde tenha sido registrada ou incorporada. Importante ressaltar que tanto os Estados Unidos quanto o Reino Unido são signatários da Convenção sobre o Combate à Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais. 5.

RESPONSABILIDADE OBJETIVA

Pode-se dizer que o aspecto basilar, o coração da Lei nº 12.846/2013, é a responsabilidade objetiva. Apesar de a responsabilidade objetiva atrelar-se no Brasil, sobretudo, à responsabilidade do Estado – Teoria do Risco Administrativo – não é exatamente novidade em nosso ordenamento jurídico sua previsão para pessoas jurídicas de direito privado não delegatárias ou concessionárias de serviço público.19 Ainda sim, a responsabilidade objetiva representa a maior ousadia da Lei nº 12.846/2013, tendo em vista o fato de as outras previsões legais existentes se sustentarem essencialmente no risco, mesmo que potencial, da atividade praticada. Ousadia, diga-se de passagem, necessária, tendo o vista a mudança de comportamento que induz e as vantagens que representa para coibir os atos de corrupção. O que significa, então, responsabilidade objetiva? Responsabilidade objetiva significa punir diretamente as empresas sem necessidade de comprovação de culpa ou dolo das pessoas físicas envolvidas. Basta que se comprove a ocorrência de pelo menos um dos atos lesivos previstos no art. 5º da Lei nº 12.846/2013 e que tais atos foram cometidos em interesse ou benefício da pessoa jurídica. Responsabilidade objetiva não significa, de forma alguma, deixar impunes as pessoas físicas envolvidas. O artigo 3º da Lei nº 12.846/2013 é claro no sentido de que a responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes, administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito. O ponto central da responsabilidade objetiva é que a responsabilização da pessoa jurídica não é condicionada ao prosseguimento ou decisão final acerca da responsabilidade das pessoas físicas. É evidente que, na grande maioria dos casos, a responsabilização da pessoa jurídica só é configurada quando da identificação da pessoa física, mas ocorre que o avanço na responsabilização de pessoas físicas depende da comprovação de culpa e dolo, aspectos cuja discussão pode se arrastar por muito tempo, ainda mais se considerarmos a morosidade do nosso processo penal. Nem mesmo casos extremos, em que não é possível a identificação das pessoas físicas 19

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 set. 1990. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Art. 927, parágrafo único.

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envolvidas, podem impedir o prosseguimento do processo contra a pessoa jurídica. A responsabilidade corporativa prescinde, reitera-se, da comprovação de culpabilidade ou condenação da pessoa natural, haja vista configurarem-se processos distintos e independentes. O fato de as empresas estarem sujeitas a punições por atos de qualquer pessoa que atue em seu interesse ou benefício, ainda que não sejam dirigentes ou funcionários com expresso poder de representação, contudo, não as torna extremamente vulneráveis? Não estariam as empresas inseguras e desprotegidas ante a existência de cenário de incerteza e de excessiva punição? Antes de tudo, deve-se vislumbrar a verdadeira mudança de paradigma que a responsabilidade objetiva e, consequentemente, a Lei 12.846/2013, traz. A insegurança existe para todos, mas seu grau varia de forma considerável dependendo do empenho da empresa em atuar de forma ética no mercado e se blindar frente a desvios cometidos por seus funcionários. A contrario sensu, a responsabilidade objetiva valoriza as empresas que se previnem, que agem ou se esforçam para agir de maneira correta, colocando-as em vantagem comparativa pelo simples fato de, probabilisticamente, correrem menos risco de serem punidas no futuro. Nesse sentido, apesar de as abordagens serem bem distintas, os efeitos práticos da responsabilização objetiva, previstos na lei brasileira, em muito se assemelham aos da responsabilidade objetiva de legislação correlata sobre a matéria do Reino Unido.20 Segundo a lei britânica, a pessoa jurídica deve ser punida pela falha em prevenir os atos de corrupção praticados por pessoa a ela associada que tenha por intenção obter, reter negócio ou vantagem na conduta de negócio para a organização. Voltando à Lei nº 12.846/2013, há quem argumente, com razão, que, mesmo que a empresa atue de forma correta e se previna, ainda sim haverá a probabilidade de desvios ocorrerem, pois não é possível controlar de forma contínua os atos de todos os funcionários. Dessa forma, concluem, agora ao meu ver sem razão, pelo descabimento e injustiça da responsabilidade objetiva. Ocorre que a rationale de aplicação da lei não pode ser meramente binária, especialmente em um contexto de multiplicidade de sanções e, até mesmo, de gradações existentes, como no caso da multa administrativa. Uma análise mais detida da Lei nº 12.846/2013 demonstra que, mesmo diante da ocorrência de irregularidades, as empresas que se empenham para atuar de forma correta não estão de forma alguma em situação idêntica àquelas que são coniventes e toleram atos de corrupção. Existem diversos parâmetros, conforme o artigo 7º da Lei nº 12.846/2013, que devem ser avaliados quando da aplicação das sanções. Uma empresa que tem como modus 20

O UK Bribery Act, de 2010.

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operandi a prática de atos corruptos, tem sua alta direção envolvida com a prática de irregularidades e não coopera com as investigações, deve necessariamente sofrer penalidades muito mais significativas do que uma empresa que, ao revés, encontra e corrige uma falha pontual em seu sistema preventivo, remove os funcionários envolvidos e coopera com as investigações. É falacioso, portanto, dizer que todas as empresas estão, com a lei, submetidas a ambiente de total vulnerabilidade. O grau de insegurança, como explicado anteriormente, é inversamente proporcional ao nível de cooperação das empresas e às medidas adotadas para prevenir e tolher desvios. Em outras palavras: a responsabilidade objetiva induz mudança de comportamento das empresas, pois o quadro de insegurança é muito maior para aquelas que não definem rígidos padrões de conduta e que ignoram seu papel de orientar, controlar e, eventualmente, punir os atos de seus funcionários. E, se o grau de insegurança é maior nesses casos, a menor probabilidade da ocorrência de desvios coloca finalmente as empresas que procedem de forma correta e preventiva em vantagem, alterando-se assim o cálculo da escolha, que antes pendia para o caminho errado frente a um cenário de impunidade e ausência de incentivos em se fazer o correto. A nova realidade, portanto, exige, por parte das empresas, um compromisso integral de não compactuar com atos de corrupção. Diante desse cenário, em que estruturar os negócios com base em princípios éticos deixa de ser uma opção e torna-se um pressuposto de funcionamento e sobrevivência, ganham especial relevância questões como integridade e cooperação, temas esses que, conforme veremos, não foram esquecidos pela Lei nº 12.846/2013. 6.

MEDIDAS DE INTEGRIDADE (COMPLIANCE CORPORATIVO)

A Lei nº 12.846/2013 estabelece que seja levada em conta, na aplicação das sanções, a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica. Evidencia, dessa forma, uma luz, um caminho para que as empresas mitiguem e atuem prontamente frente a desvios praticados por seus funcionários, e fomenta a escolha desse caminho por meio da redução de penalidades. Antes de avançar no assunto, é necessário esclarecer duas questões. Primeiro, é evidente que, por mais completo e estruturado que um programa de integridade seja, ele nunca será capaz de banir a ocorrência de irregularidades. O programa existe para coibir problemas e falhas, e deve ser estruturado de forma a cercar, blindar todas as possíveis fragilidades. Logicamente, não é possível impedir que alguém, atuando contra os princípios e burlando todo o sistema instituído pela empresa, pratique

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alguma irregularidade. Mas deve ser a exceção, e não a regra. E o programa, ademais, quando efetivo, deve ser capaz de identificar a ocorrência de violações, permitindo que a empresa adote medidas corretivas e saneadoras de forma tempestiva. Segundo: é preciso tomar cuidado para que o programa de integridade não se torne uma commodity, um modelo pronto, um check list, uma receita de bolo a ser incorporada pelas empresas. O programa de integridade deve ser adaptado para atender às especificidades da corporação, levar em conta o tamanho, o setor de atuação, o grau de relacionamento da empresa com o setor público. Deve atender, antes de tudo, ao mapeamento de riscos realizado, até porque é justamente essa customização que viabiliza sua efetividade. Sim, o programa de integridade, além de bem estruturado, deve ser efetivo, deve funcionar. Se a alta administração da empresa foi por anos conivente com a existência de desvios, é evidente que o programa carece de efetividade, por mais colorido e pomposo que seja. Tentando trazer para a realidade do leitor, o próximo parágrafo apresenta uma situação simples do cotidiano que, de forma superficial, reflete o desafio enfrentado pelas empresas. Um indivíduo mora em uma casa em um bairro perigoso, com alto índice de roubos. O muro da frente é baixo, as fechaduras são frágeis e as janelas estão quebradas. Ele não se sente seguro em viajar e deixar a casa sozinha, logo, resolve tomar algumas providências para proteger a residência e evitar que algo aconteça ou, em última instância, receber um alerta imediatamente caso a estrutura de proteção seja burlada. A primeira coisa que faz, logicamente, é verificar quais são os pontos críticos da casa, por onde um ladrão pode entrar. Assim, ele aumenta o muro, coloca uma cerca elétrica na frente da casa, um aviso de cão bravo, troca as fechaduras, conserta as janelas e deixa as luzes acesas para parecer que tem gente. Por fim, ciente que, mesmo tudo isso talvez não seja suficiente para impedir alguns ladrões, instala um sistema de alarme e solicita aos vizinhos que fiquem de olho e sinalizem prontamente se algo ocorrer, a fim de que sejam tomadas as medidas saneadoras o mais rápido possível, evitando, assim, um prejuízo maior. O exemplo é interessante, primeiramente, porque mostra que as medidas a serem implementadas dependem de fatores ambientais e precisam, para serem efetivas, refletir as especificidades em questão e o gerenciamento de riscos realizado. Por outro lado, faz-nos pensar se seria possível identificar princípios gerais que norteariam todo e qualquer sistema de proteção a ser implantado em casas sujeitas à ação de ladrões: todas precisam de uma estrutura forte, difícil de ser danificada, rompida; todas precisam de barreiras de controle que impeçam ou inibam a entrada de pessoas não autorizadas; todas precisam de algum sistema de alerta, que avise a entrada de invasores; todos os moradores precisam entender e cumprir perfeitamente as regras que foram instituídas.

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Lógica semelhante, guardadas as devidas proporções, pode ser aplicada aos programas de integridade das empresas. Ainda que dependam, para sua efetividade, de boa dose de customização – Programa Taylor Made –, existem alguns princípios, parâmetros, que podem ser considerados como norte para a construção e aprimoramento dos programas de compliance. A Lei nº 12.846/2013, a despeito de trazer algumas pistas na redação do inciso VIII do art. 7º, não define tais parâmetros, deixando para regulamento do Poder Executivo Federal a tarefa de fazê-lo. De toda sorte, para exemplificação e tentativa de aprofundamento do tema, é possível considerar alguns parâmetros já existentes na literatura especializada, ou que têm sido utilizados por outros países, como os Estados Unidos, que já há algum tempo trabalham com avaliações de compliance - relevadas, obviamente, as devidas diferenças quanto ao escopo e as singularidades dos sistemas jurídicos. A OCDE desenvolveu, em 2010, documento voltado para a implementação de programas de integridades nas empresas visando à prevenção e detecção de casos de suborno transnacional, chamado Good Practice Guidance on Internal Controls, Ethics, and Compliance,21 que estabelece 12 boas práticas que as empresas devem considerar para assegurar que seus programas de integridade sejam implementados com vistas à prevenir e detectar, de forma efetiva, o suborno: a) comprometimento da alta direção da empresa; b) política clara e pública de proibição ao suborno; c) esclarecimento de que o não envolvimento na prática de suborno e o cumprimento das regras estabelecidas é de responsabilidade de todos os funcionários da empresa, de todos os níveis hierárquicos; d) implementação de políticas destinadas à prevenção do suborno, que se apliquem a todos os funcionários e envolvam os seguintes temas: brindes e presentes, despesas com hospitalidade, viagens, doações políticas, doações filantrópicas e patrocínios, não aceitação de solicitação de vantagens indevidas e extorsão; e) supervisão contínua do programa por funcionário de alto grau hierárquico na empresa e garantia de que sejam destinados suficientes recursos humanos e financeiros, que viabilizem a manutenção e autonomia do programa; f) aplicação do programa de complicance, quando cabível, a terceiros, tais quais agentes, intermediários, consultores, distribuidores e fornecedores; g) implementação de sistema de controle contábil e financeiro; h) comunicação, orientação e treinamento periódico de todos os funcionários da empresa, de todos os níveis hierárquicos, sobre as regras de ética e prevenção à prática de suborno; 21

ORGANISATION FOR ECONOMIC CO-OPERATION AND DEVELOPMENT. Good Practice Guidance on Internal Controls, Ethics, and Compliance. Disponível em: http://www.oecd.org/investment/anti-bribery/antibriberyconvention/44884389.pdf. Acesso em: 1º dez. 2013.

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implementação de medidas para encorajar e incentivar o cumprimento das regras de ética e compliance pelos funcionários; j) estabelecimento de medidas disciplinares apropriadas para coibir violações aos regramentos de ética e compliance; k) orientações a funcionários da empresa quando eles se encontram em situação de dúvida ou dificuldade em jurisdições estrangeiras e proteção a funcionários e, quando aplicável, parceiros comerciais, que reportem violações ao programa de ética e compliance; l) revisões periódicas do programa de integridade, de forma a levar em conta as mudanças da empresa e do mercado em que atua. No mesmo sentido, foi desenvolvido pelas unidades governamentais norteamericanas SEC e DOJ um guia visando à avaliação dos programas de integridade no âmbito da aplicação do Foreign Corrupction Practices Act – FCPA.22 A referida publicação enumera uma série de parâmetros que devem ser considerados quando da estruturação do programa de compliance das empresas, vários deles semelhantes aos citados no referido guia da OCDE: a) b) c) d) e) f) g) h) i) j)

comprometimento da alta administração da empresa; elaboração e implementação de padrões de conduta e código de ética; análise de riscos periódica; supervisão do programa de integridade por funcionário de elevado grau hierárquico; treinamento e orientação de funcionários; estabelecimento de canais e procedimentos para o recebimento de denúncias; adoção de medidas disciplinares para casos de violação das medidas de integridade; definição de procedimentos para a tempestiva identificação e remediação de desvios; auditoria e diligências para agentes e parceiros de negócios; e monitoramento e atualização constantes do programa.

Diante do exposto, pode-se observar que existe certa convergência entre os requisitos que têm sido considerados, no âmbito internacional, padrões de compliance. De toda forma, é importante repisar e reforçar a necessidade de que tais parâmetros sejam implementados, tendo em conta a realidade da empresa e o ambiente na qual está inserida. Há ainda outros fatores que precisam ser ponderados quando da aplicação dos programas de integridade, como o tamanho, número de funcionários e complexidade da estrutura das empresas. No Brasil, a avaliação das medidas de integridade deve ser adaptada, em especial, para 22 ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Departamento de http://www.justice.gov/criminal/fraud/fcpa/guide.pdf. Acesso em: 28 nov. 2013.

Justiça.

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as pequenas e microempresas, que, cada vez mais, interagem com agentes públicos e fornecem produtos para o governo. De toda sorte, a adoção de medidas de integridade, diante da nova realidade que a Lei nº 12.846/2013 apresenta, não é mais uma opção, senão uma necessidade. E não somente porque a nova norma estabelece possibilidade de atenuação de penalidades, mas também porque, ao diminuir a probabilidade da ocorrência de irregularidades, diante de um cenário de existência de potencial punição, é racional e vantajoso economicamente se precaver. 7.

COOPERAÇÃO NA LEI Nº 12.846/2013

A Lei traz excelentes incentivos às pessoas jurídicas que optem por cooperar com o Poder Público no âmbito das investigações, estabelecendo, no caso de celebração de Acordo de Leniência, a possibilidade de redução de multa aplicável em até 2/3, bem como a exclusão de algumas penalidades, como a publicação da decisão administrativa e a declaração de inidoneidade da Lei nº 8.666/1993.23 É requisito para a celebração do Acordo de Leniência, que deve ser celebrado necessariamente pela CGU no âmbito do Poder Executivo Federal, que a empresa admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e com o processo administrativo. Além disso, deve ser a primeira a se manifestar – clara influência da legislação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE – e cessar completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da propositura do acordo. Mas por que as empresas cooperariam com o governo se o Acordo de Leniência implica admissão de participação no ilícito? E ainda, por que cooperariam se não há, pela celebração do acordo, nenhuma isenção de culpa das pessoas físicas envolvidas? Cooperariam, primeiro, porque, muitas vezes, a redução das sanções citadas pode significar a continuidade da empresa no mercado, ao invés de sua quebra e paralisação das atividades. Vale ressaltar que, além da possibilidade da aplicação de multas muito elevadas, a declaração de inidoneidade também pode ter efeitos nefastos, dependendo da representatividade dos negócios com o governo no âmbito do faturamento de determinada empresa. Além disso, há de ser considerado, novamente, o novo paradigma trazido pela previsão da responsabilidade objetiva. Ante cenário de potencial insegurança, a prática de irregularidades não pode ser mais o modus operandi das empresas, e as falhas identificadas devem ser corrigidas e superadas, ainda que impliquem expurgar de seu corpo diretivo e quadro de 23

BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2013. Art. 17.

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funcionários pessoas que agem de forma corrupta e afrontam todo o sistema de prevenção e compliance instituído pela empresa. De certo, qualquer previsão no Acordo de Leniência no sentido de possibilitar a exclusão da responsabilidade de pessoas físicas iria contra o próprio espírito da lei. Ocorre que, tendo em consideração total e irrestrito não compactuamento das empresas com as irregularidades, tende a ser natural que se blindem e se previnam ao máximo, e também que se reportem ao poder público toda vez que identificarem violações graves por parte de seus agentes, de forma a mitigar penalidades e manter a confiança interna e externa quanto funcionamento e efetividade de seu programa de compliance. Tal sistemática já ocorre hoje nos Estados Unidos, onde os mecanismos de prevenção e cooperação muitas vezes se interceptam, em clara lógica de interdependência e complementariedade. Nesse sentido, no já mencionado guia de aplicação do FCPA elaborado pelo SEC e o DOJ, são elencados quatro parâmetros basilares para a mensuração, pelas autoridades, do grau de cooperação da empresa: a)

b)

c)

d)

autofiscalização contínua: estabelecimento de mecanismos efetivos de compliance, com apoio da alta administração da empresa, visando à prevenção e identificação de falhas e irregularidades; remediação: quando descoberto algum desvio, devem ser aplicadas as devidas penalidades às pessoas que lhe deram ensejo e as eventuais falhas do programa de integridade devem ser corrigidas; autodenúncia: devem ser realizadas e reportadas para as autoridades governamentais competentes as investigações internas conduzidas pela empresa para verificar a origem, extensão e consequências da irregularidade; colaboração com as autoridades: devem ser providas às autoridades governamentais responsáveis pela aplicação do FCPA todas as informações necessárias para a condução das investigações, bem como todos os documentos que comprovem o esforço da empresa para remediar as irregularidades.

A experiência norte-americana, conforme já mencionado, apenas reforça a importância e o acerto da Lei nº 12.846/2013 em incentivar e impulsionar práticas dessa natureza, visando à colaboração das pessoas jurídicas com os entes governamentais. Ressalte-se, por fim, que, mesmo que a pessoa jurídica não celebre Acordo de Leniência com as autoridades governamentais responsáveis, ainda assim a eventual cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações deve ser levada em consideração para a dosimetria das penalidades, conforme disposto no inciso VII do artigo 7º da Lei nº 12.846/2013.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

São evidentes os avanços trazidos pela Lei nº 12.846/2013. A responsabilidade objetiva e a inclusão do suborno – nacional e transnacional – no rol de atos lesivos imputáveis às pessoas jurídicas são apenas alguns exemplos de como a lei alterou estruturalmente o ordenamento jurídico pátrio, propiciando ao poder público importante arma para o combate à corrupção. Para as empresas, a despeito do potencial risco de punição, a nova norma se apresenta, acima de tudo, como uma oportunidade. Oportunidade para investir em políticas de integridade e reduzir a probabilidade da ocorrência de desvios. Oportunidade para atuar de forma correta e, ao mesmo tempo, se diferenciar no mercado. Oportunidade para viabilizar o crescimento sustentável, baseado na mitigação de riscos e no incentivo à produtividade. O caminho para a competitividade plena, justa e legal, obviamente, ainda é longo, mas a Lei nº 12.846/2013 mostra que passos estão sendo dados. Passos esses que, diante da difícil realidade em que vivemos, devem ser valorizados. As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e de inteira responsabilidade do autor, não representando a posição oficial do órgão governamental a que esteja vinculado.

BREVES COMENTÁRIOS À LEI DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E CIVIL DE PESSOAS JURÍDICAS PELA PRÁTICA DE ATOS CONTRA A

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, NACIONAL OU ESTRANGEIRA Jorge Ulisses Jacoby Fernandes e Karina Amorim Sampaio Costa

O país recebeu recentemente, em seu ordenamento jurídico, a Lei Federal nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, publicada no Diário Oficial da União do dia seguinte dispondo sobre a responsabilidade civil e administrativa da pessoa jurídica, em decorrência de atos lesivos praticados contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. A partir de 29 de janeiro de 2014 inicia-se a vigência dessa norma.1 A experiência nas atividades de controle e de gestão leva os autores a oferecer uma análise do texto legal, a partir de postulados de referência do ordenamento jurídico brasileiro. Os comentários incidem sobre alguns pontos que podem trazer polêmica e que merecem melhor reflexão. 1.

DO CONTEXTO

O texto não se pode compreender, em sua inteireza, sem que se entenda o contexto em que foi produzido ou em que está inserido. 1.1.

Do contexto histórico

A norma tem origem no distante episódio da história estadunidense conhecido como Watergate. Desse episódio, o parlamento daquela nação aprovou a lei Foreign Corrupt Practices Act. Por meio dessa norma, foi introduzido no sistema positivo norte-americano a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica diretamente envolvida em casos de corrupção que tenham sido praticados em seu interesse. A partir do resultado que beneficiou, ou poderia beneficiar, define-se a responsabilização da empresa independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais envolvidas. Sem apego nacionalista ou ufanismo, sempre que se importam modelos, pessoas com consciência procuram ter cautela para verificar a possibilidade de aderência do modelo importado, considerado lá como bem sucedido, para aqui. É que as estruturas organizacionais brasileiras são diferentes e podem não produzir os mesmos resultados. Note: a) 1

a causa da lei foi a espionagem e a corrupção; nas investigações considerou-se

BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2013. Art. 31.

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J. U. JACOBY FERNANDES oportuno expedir lei para impedir que empresas nacionais ou estrangeiras corrompessem servidores públicos e políticos. Descobriu-se lá que alguns políticos triangulavam a receita por outros países.

No ano de 2013, o governo norte-americano foi novamente envolvido em escândalo de espionagem, tanto de outros países como de seus nacionais. A lei que instrumentaliza tão poderosamente o Estado deu resultados? b)

em virtude da política externa estadunidense, o país é frequente alvo de ações terroristas, fato que motivou o reforço dos direitos do Estado frente ao cidadão, mitigando a força do capitalismo.

O Brasil tem um capitalismo já combalido e um Estado com superpoderes, sendo indubitavelmente o maior indutor da política econômica. A máquina de arrecadação de tributos dotada de poderes, que com frequência ultrapassam os limites dos direitos fundamentais, informa que em 2013 foram sonegados 415 bilhões de reais; observando apenas o volume de recursos efetivamente arrecadados, esses correspondem a 36,3% do Produto Interno Bruto – PIB. O orçamento público, só do Governo Federal, prevê para 2014 uma despesa total de 2 trilhões e 362 bilhões de reais; arrecadando impostos, taxas e contribuições, será obtido o valor de 1 trilhão e 129 bilhões. A premissa que lá foi causa, portanto, também não se ajusta ao modelo nacional, pois a causa da pobreza brasileira e mundial é mais falta de gestão e educação do que corrupção-.2 É óbvio que se deve combater a corrupção e aproveitar bons modelos – a prioridade nacional deve ser a melhora da gestão e da educação. c)

nos Estados Unidos da América da Norte, as investigações observam o primado da responsabilidade estatal, e as denúncias veiculadas pela imprensa, se inverídicas, implicam no dever de reparar os danos causados.

Aquele país é prodigo em indenizações de valores elevadíssimos, firmando a responsabilidade de quem denuncia e de quem investiga. A espionagem e a calúnia derrubaram presidentes em episódios de lição de democracia para o mundo. No Brasil, nem mesmo recorrendo ao poder judiciário as indenizações são adequadamente fixadas. Raramente pagas, escudadas no instituto do precatório. Se o povo estadunidense teve bons motivos para instituir norma equivalente, também teve motivos econômicos. Considere a ficção de um país, fortemente capitalista, ter somente empresas éticas. O comércio externo ficaria prejudicado por concorrentes que não tivessem os mesmos princípios. Daí, justificável o esforço de impor aos países aliados ou dependentes norma equivalente. É possível até que se pretendesse edificar um mundo melhor, mas as razões 2

NARDES, Augusto. Presidente do TCU diz que má gestão facilita a corrupção. Brasil Econômico, 18 out. 2013. Entrevista concedida a Sonia Filgueiras. Disponível em: . Acesso em: 6 jan. 2014.

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econômicas sempre antecedem o esforço mundial além-fronteiras. A história nos revela a verdade dessa premissa. Desse modo, duas convenções internacionais foram submetidas a distintos organismos. O Brasil foi signatário de ambas. Um detalhe importante. A tradição do direito brasileiro se faz com berço romanogermânico e no direito administrativo franco-italiano. Portanto, os institutos da responsabilidade subjetiva podem responder adequadamente à necessidade de combater a corrupção. Já existem instrumentos, até reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal, como a desconsideração da pessoa jurídica, que permitem alcançar os verdadeiros causadores e provocar a ruína dos corruptos e corruptores. Seria suficiente considerar a necessidade de a lei ajustar-se à doutrina e jurisprudência nacionais. 1.2.

Do contexto nacional

É necessário também compreender o contexto histórico para a remessa e aprovação do Projeto de Lei – PLC nº 39/20133 que resultou na Lei em comento. Além de ansiosos por dar resposta à seara internacional e, talvez também à voz da população manifestada nas ruas no mês de junho de 2013, os dirigentes e parlamentares brasileiros decidiram pôr fim a alguns projetos escolhidos a dedo, que pelo título, poderiam produzir um conjunto de normas que marcassem uma mudança de paradigma. A norma que tramitou por mais de quatro anos foi terminada às pressas e sancionada logo após o fervor das manifestações vistas país afora. A propósito, o maior volume de recursos públicos brasileiros está fora do diploma legal que trata da corrupção, embora nesse aspecto também possam ocorrer gravíssimos desvios. O gráfico ilustrativo abaixo, publicado na revista Negócios Públicos, demonstra que mais de 40% dos recursos brasileiros são utilizados para pagamento da dívida pública:

Num momento em que vários órgãos públicos estão escolhendo episódios isolados para aplicar exemplarmente as leis, a norma deve ser recebida com cautela. 3

Na Câmara dos Deputados, PLC nº 6.826/2010.

30 1.3.

J. U. JACOBY FERNANDES Do contexto de superpoderes ao Estado utilizados açodadamente

Um fato merece ser recordado e oportuniza a reflexão sobre normas construídas açodadamente, objetivando o que seriam os “ideais superiores” na visão do Estado: na promulgação do Ato Institucional nº 5, que deu superpoderes ao Chefe do Poder Executivo, a órgãos de repressão e à polícia, houve séria discussão entre integrantes da cúpula do governo. Conta-se que Pedro Aleixo manifestou preocupação com a severidade da norma. Foi então que o Presidente da República indagou: “Caro Aleixo, você não confia em mim? Eu preciso desse instrumento para o bem do país.” Respondeu Aleixo, com sua habitual sabedoria mineira: “Sim presidente, no senhor eu confio; temo, porém, o que o guarda de trânsito poderá fazer com tantos poderes.” A semelhança do contexto é oportuna. Tem-se assistido com frequência que, antes de qualquer julgamento, órgãos de acusação e controle divulguem vereditos seus como se coisas julgadas fossem. Mais tarde, o já tímido e combalido Poder Judiciário, na lentidão crônica que lhe é peculiar, quando restaura a ordem jurídica, não consegue restabelecer o que as vítimas dos julgamentos precipitados já sofreram. Sequer ações regressivas contra os que abusaram de seu poder são impetradas. E permanece-se nesse ciclo pernicioso. Como assentado, ponderação e parcimônia são necessárias para aplicação da nova Lei, e tais virtudes podem ser alcançadas com a interpretação sistêmica. 2.

DA RESPONSABILIZAÇÃO

Como se pode depreender do próprio texto da Lei, tratou-se apenas das esfera cível e administrativa da responsabilidade, olvidando-se oportunidade de, cumprindo a Lei Complementar nº 95/1998, instituir um sistema de efetivo combate à corrupção. Essa referida lei complementar prevê que cada norma deve sistematizar um tema, consolidando as leis anteriores. O órgão encarregado de elaborar leis deu seguimento a um projeto de Lei desobedecendo a pretensão prevista em sua própria lei de melhorar o sistema do direito positivo brasileiro. Temos, portanto, mais uma lei. Continua faltando a fixação de uma matriz de responsabilidades, na qual poderia ser inserida a responsabilidade pela apuração, pelo julgamento, antecedência ou não de processos administrativos, prazos e meios de defesa, meios de prova, direitos do investigador e apurador, e, por fim, alcance da responsabilidade da pessoa jurídica, na forma já sedimentada pela jurisprudência. Por falta disso, haverá dificuldade de responsabilizar quando várias leis já tratam do tema, em sentidos diferentes. Note, por exemplo: se um ato de corrupção foi praticado envolvendo concessão, licitação e meio ambiente. Que norma precede? Qual rito processual aplicável? Quem apura? A sociedade está sendo onerada com sobreposição de competências, de funções, de

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leis e cansando de pagar com impostos a falta de efetividade. Responder ao contexto das ruas e melhorar a imagem nacional deveria iniciar com a responsabilidade de produzir normas melhores que dessem mais eficácia ao sistema público brasileiro. 2.1.

Civil

Ao longo do texto legal, em algumas passagens há referência a duas outras leis: a Lei nº 8.666/1993, Lei de Licitações e Contratos, e a Lei nº 7.347/1985, Lei da Ação Civil Pública. Infelizmente a norma não foi coordenada com a Lei de Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429/1992. Seria muito melhor se o país tivesse uma lei para regular esses temas, de modo conexo e sistematizado. Apesar disso, a norma repetiu liames do regramento civil vigente para elucidar que, também nos casos previstos na Lei nº 12.846/2013 aplicam-se às pessoas jurídicas, em larga medida, o que já está previsto em outros diplomas legais. Exemplo disso é a desconsideração da pessoa jurídica, insculpida no art. 3º da nova lei, mas prevista desde 1990 no Código de Defesa do Consumidor4 e, desde 2002, no Código Civil brasileiro.5 2.2.

Administrativa

Da mesma forma como ocorreu com a responsabilização na esfera cível, a responsabilidade administrativa da pessoa jurídica mencionada pela nova Lei é também tratada em diversos outros diplomas legais. A norma agregou diversos dispositivos já previstos na Lei Geral de Licitações e Contratos, na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, também conhecida como Lei de Infrações Econômicas – Lei nº 12.529/2011. Não revogou essas normas, nem mesmo parcialmente; apenas copiando dispositivos entendeu que as condutas previstas em outras normas são também causa de responsabilização administrativa da pessoa jurídica. 2.3.

Penal

Interessante notar que a Lei em comento não tratou da responsabilidade penal das pessoas jurídicas, apesar de já amplamente difundida, especialmente na esfera ambiental. Se a intenção do legislador era fazer uma compilação de leis, avançando aqui e ali em questões que resolveu tratar, poderia também ter avançado na sistematização da responsabilidade penal. 4

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção ao consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 set. 1990. Art. 28. 5 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Art. 50.

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Note: a lei que vai responsabilizar a pessoa jurídica e definir penas severíssimas para esta por atos de corrupção não altera o Código Penal para vincular a responsabilidade da pessoa natural ou física, agente público ou não. Por exemplo: se a pessoa física pratica ato de corrupção de servidor, ou cede à pretensão corrupta desse, causando dano à imagem da pessoa jurídica ou de sua reputação. Eventualmente, causas de diminuição de pena poderiam também ser associadas à responsabilidade penal, administrativa e cível. O direito penal, pelo caráter subsidiário e fragmentário que possui, deve ser sempre a ultima ratio no agir estatal. Por essa razão, as condutas penalmente relevantes praticadas por pessoas naturais em nome de pessoas jurídicas devem ser suficientes para exigir a reprimenda nessa esfera do Direito. 2.4.

Das pessoas naturais

Passou ao largo também da intenção do legislador tratar da responsabilidade objetiva de pessoas naturais no novel diploma normativo. Apesar de o tema estar em constante evolução – a responsabilidade objetiva de pessoas naturais – não se pode olvidar que é por meio delas que as pessoas jurídicas exteriorizam vontade, sendo passível, a priori, de responsabilização objetiva por tais condutas. É impossível atribuir a fenômenos que no mundo jurídico só ocorrem por ficção – lembrando: a pessoa jurídica é uma ficção que a Lei dá concretude e vida – completamente dissociado da pessoa física que pratica os atos. Além disso, considerando o fato de que várias das condutas mencionadas como constitutivas de atos lesivos à Administração Pública relacionam-se a licitações e contratos, e que a Lei nº 8.666/1993 possibilita a participação de pessoas naturais em alguns dos certames que promove,6 o legislador criou uma situação diferenciada. Para uma mesma conduta, se praticada por pessoa jurídica tem-se a responsabilização; se praticada por pessoa física, não. O mesmo raciocínio é aplicável às pessoas naturais que possam eventualmente ser consideradas autoras, coautoras ou partícipes do ato ilícito praticado. A Lei, entretanto, fez questão de fixar que a responsabilidade dos dirigentes e administradores seria subjetiva, mas nada mencionou acerca de outras pessoas naturais que tenham relação, direta ou indireta, com o ato ilícito. É de se entender, com isso, que houve omissão legislativa importante nesse ponto, fazendo incidir, defende-se, o mesmo regramento quanto à responsabilidade subjetiva de pessoas naturais sem vínculo formal com a sociedade empresária enquadrada nos dispositivos da nova Lei. Essas discrepâncias ocorrem pelos fatos narrados no item 1.1. 6 BRASIL. Lei de Licitações e Contratos Administrativos e outras normas pertinentes. Organização dos textos e índice por J. U. Jacoby Fernandes. 14. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2013. Art. 6º, inciso XV.

COMENTÁRIOS À LEI Nº 12.846/2013 2.5.

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Dos agentes públicos

A Lei nº 12.846/2013, claramente, direciona o foco de aplicação àqueles atos praticados por pessoas jurídicas contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Pensa-se, entretanto, que foi esquecida importante vertente no novel diploma, qual seja, a de que determinados agentes públicos podem, eventualmente, também ser responsáveis diretos ou indiretos pelo ato de corrupção que se pretende, única e exclusivamente, creditar à pessoa jurídica. Pululam os exemplos, inclusive flagrados pela imprensa oficiosa, em que agentes do aparelho estatal ou até mesmo trabalhadores terceirizados, valendo-se dessa especial condição, induzem, exigem, forçam, sugerem – entre tantas outras condutas, ativas ou passivas. Em alguns casos, o empresário presta determinados “favores” a eles ou a terceiros em troca, por exemplo, da ausência de notificação por determinada infração que sequer possa existir. A vítima da corrupção, nesse caso, é a pessoa jurídica envolvida. A presunção de legitimidade e de legalidade dos atos da Administração, aqui, torna-se extremamente perniciosa em desfavor do particular que, muitas vezes, será enquadrado nos dispositivos da Lei nº 12.846/2013 sem ao menos poder se defender, pois, em vários casos, é a palavra dele contra a do agente estatal que estará em jogo. Deve-se sempre rememorar que, no texto que inaugura a Constituição Federal, a República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito, tem como um de seus fundamentos os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, alçando à condição ímpar aqueles que promovem o crescimento econômico nacional. O Brasil, autodefinindo-se como capitalista, portanto deve valorizar a iniciativa privada e também protegê-la das mazelas de que possa ser vítima, também coibindo e penalizando a conduta de agentes que possam vir a valer-se da condição pública para praticar atos incompatíveis com os valores republicanos. Perdeu-se, também aqui, a possibilidade de responsabilização de tais agentes, quando a conduta está intimamente ligada à natureza do bem jurídico tutelado. 2.6.

Dos prepostos

Figura que não deve ser confundida com a do empresário citado anteriormente, cioso das responsabilidades e afazeres com que se compraz, é a dos prepostos por ele constituídos e que, nalguma medida, podem fugir às regras éticas e corromper-se. Neste caso, no contexto da lei, além de mau empregado atrairá sobre o empresário que pode nada ter assentido ou aprovado, um fardo tão extraordinário que levará ao fechamento da empresa e sua própria ruína. Novamente, verifica-se que o empreendedor pode ser vítima de atitudes de terceiros que, eventualmente agindo em seu nome, mas com excesso ou abuso de direito, tragam-lhe prejuízos que não concordou em assumir. O país legisla ignorando sua própria realidade. Em episódio recente, o presidente da

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República foi poupado de processo penal sob o argumento de que não sabia, nem consentia, sobre irregularidades praticadas pelos seus subalternos do primeiro escalão. A Lei punirá a empresa fonte do sustento do empresário, que pode ser inocente, pela responsabilidade, na forma objetiva pura. Se a lógica e o senso de justiça ficam ofendidos, a Constituição Federal, como se verá adiante, assegurará o equilíbrio necessário para que o intérprete possa corrigir esses gravíssimos desvios legislativos, que uma interpretação açodada poderia concretizar. A objetividade na responsabilização apenas da pessoa jurídica, mais uma vez, mostrase nociva e desmotivadora da livre iniciativa preconizada pela Constituição Federal, fazendo incidir penalidades sobre quem não tem nada a ver com eventual ato ilícito praticado. Pode-se, também, querer justificar que houve culpa in eligendo ou in vigilando por parte do empresário. É perigosa tal caracterização, pois, incentivado pelo acordo de leniência , o verdadeiro responsável pode encontrar nesse instrumento a forma de transferir a culpa para o empresário. Geralmente, quando se parte para a responsabilização a qualquer custo, ladeando direitos e garantias fundamentais insculpidas na Lei Fundamental, o arbítrio toma conta das ações estatais e a História mostra aonde se pode chegar. Há também exemplos recentes de prepostos de grandes empresas que, supostamente agindo em conformidade com as diretrizes da organização, causaram prejuízos enormes à sociedade empresária. O fato culminou com declarações de inidoneidade açodadas, por parte dos órgãos de controle estatal, que inviabilizaram a consecução da atividade empresarial, que é a maior empregadora e pagadora de tributos do país. Não ficou provada a responsabilidade do empresário, mas inferida por meio de seus prepostos. 3.

DA ABRANGÊNCIA DA LEI

É necessário expender breves considerações sobre a abrangência da norma, bem como quem está submetido ou protegido pela Lei. 3.1.

Da Administração Pública

A expressão “Administração Pública” pode apresentar diversos sentidos, sendo dois deles os mais referidos pela doutrina: o objetivo e o subjetivo.7 No sentido objetivo, designa a própria estrutura física da gestão dos interesses públicos executada pelo Estado. No subjetivo, por sua vez, reflete o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que 7

Por todos, CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de direito administrativo. 26 ed. rev., ampl. e atual. até 31/12/2012. São Paulo: Atlas, 2013, p. 11-12.

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possuem a atribuição de executar, dentro da esfera de competência de cada um, as atividades a cargo do Estado. A norma tutela, dessa forma, os valores da Administração Pública, nacional ou estrangeira, residindo nesta última a novidade trazida pela norma: o interesse do governo brasileiro de coibir práticas de corrupção contra a gestão – ou os órgãos e entidades componentes, dependendo do enfoque – de países estrangeiros.8 É o que, na esfera penal, se chama extraterritorialidade da aplicação da norma.9 A norma omitiu no art. 17, remissão direta à Lei do Pregão – Lei Federal nº 10.520, de 17 de julho de 2002 – o que é incompreensível, pois a sua relevância no país é extraordinária, e à Lei do Regime Diferenciado de Contratação – RDC – Lei Federal nº 12.242, de 4 de agosto de 2011. Sobre o pregão, deve-se ressaltar que essa modalidade licitatória responde atualmente, na esfera federal, por aproximadamente 95% do total das contratações realizadas pelo Poder Público, conforme gráfico abaixo:10

O registro, evidentemente, não afeta a referência de que o procedimento punitivo segue ou as leis de licitações ou a nova norma. 3.2.

Das pessoas jurídicas abrangidas

No polo passivo de eventuais procedimentos punitivos, nos termos do que preconiza a própria Lei,11 foi abrangida a quase totalidade das pessoas jurídicas previstas na legislação e que transacionam com o Estado, inclusive sociedades irregulares , como as constituídas apenas 8

BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2013. Art. 28. 9 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez. 1940. Art. 7º. 10 EVOLUÇÃO dos pregões no Brasil nos últimos 10 anos. In: O Pregoeiro. Ano IX, n. 100, mar. 2013, p. 40. 11 BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2013. Art. 1º, parágrafo único.

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de fato, mesmo que temporariamente. Não foram incluídas, entretanto, as organizações religiosas, os partidos políticos e as empresas individuais de responsabilidade limitada, previstas no Código Civil,12 como se a tais pessoas jurídicas não fosse dada a prática de atos ilícitos. Destaque-se que estas últimas, constituídas de forma unipessoal, são consideradas pessoas jurídicas, assim como as sociedades, e podem participar de atos jurídicos com o Poder Público. Nesse sentido, parece ter havido equívoco na omissão da Lei nº 12.846/2013. Sem expressa disposição de lei, o aplicador não poderá aplicar a analogia para estringir direitos ou penalizar. 3.3.

Das alterações sociais

Cuidou a Lei também de, antevendo situações que poderiam escapar ao controle punitivo, estabelecer situações que, mesmo ocorrendo, ensejariam a apuração e eventual punição da pessoa jurídica envolvida. Assim, previu a subsistência da responsabilidade mesmo na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária,13 não trazendo implicações imediatas no que se refere ao pagamento de multa e reparação do dano causado.O mesmo entendimento se aplica quando envolvidas pessoas jurídicas controladas, controladoras e coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas. Procura-se envolver qualquer empresa ou situação societária nos dispositivos da nova Lei, que, em alguns casos, pode não ter relação com a eventual prática ilícita, ensejando responsabilização objetiva desnecessária e desmesuradamente. Por essa razão, é prudente que o Poder Público, na aplicação de qualquer penalidade, zele pelos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal e pelos princípios que orbitam o ordenamento jurídico nacional e, quiçá, internacional. 4.

DOS ATOS LESIVOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Verifica-se que o diploma normativo procurou estabelecer, em rol taxativo, os atos que, praticados, constituem-se lesivos à Administração Pública, nacional ou estrangeira. Nesse rol concentram-se boa parte dos atos que hoje já estão previstos no ordenamento jurídico em legislações esparsas, fato que, se de um lado pode facilitar a aplicação da nova lei, por outro pode ensejar sobreposições e eventuais conflitos de interpretação. 12 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Art. 44. 13 BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2013. Art. 4º.

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4.1. Da quantidade de normas no Brasil como elemento dificultador da aplicação do direito Nesse contexto, cabe lembrar que desde 05 de outubro de 1988 – data da promulgação da atual Constituição Federal – até 05 de outubro de 2012, foram editadas 4.615.306 normas para regular a vida dos cidadãos brasileiros, o que representa, em média, 788 normas por dia útil lançadas no Brasil.14 A maioria dos efeitos pretendidos, desde a dissolução da pessoa jurídica pela Constituição ou uso fraudulento, até o perdimento de bens, pode ser alcançada por outras normas. 4.2.

Das dificuldades de aplicação de dispositivos sobre lesões à Administração Pública

Haverá, em alguma medida, dificuldade na aplicação de dispositivos que preveem condutas consideradas lesivas à Administração Pública. Como primeiro exemplo, cita-se o ato lesivo de criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo, previsto na alínea “e” do inciso IV do art. 5º da Lei.15 É consabido que empresários inescrupulosos, ao verem a sociedade empresarial que conduzem ser declarada inidônea para contratar com o Poder Público, por exemplo, logo promovem a abertura de outra empresa para possibilitar novas contratações. Com esse ato, conseguem burlar os impedimentos de contratação, os direitos de trabalhadores, fornecedores e, principalmente, as questões afetas aos tributos. Esse ato é, em si, a corrupção que se quer combater? Com certeza é um ato desonesto e lesivo ao erário. Mas a criação de pessoa jurídica de fato, por si só irregular, ensejaria a aplicação desta específica Lei? Outro ponto é: como demonstrar que a criação, às vezes em nome de terceiros, foi irregular? O fato de estar em nome de parentes não é por si só indicativo, pois há familiares com tal inimizade que chegam a ter acusação de concorrência predatória. Existem respostas na atual legislação suficientes para oportunizar o combate a essa irregularidade, bastando que os intérpretes evoluam. O atual art. 115 da Lei nº 8.666/1993 permite que, por norma interna, seja depurado o cadastro referido no art. 32 da mesma norma, 14

Dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT. Disponível em: . Acesso em: 02 ago. 2013. 15 BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2013. “Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: [...] IV - no tocante a licitações e contratos: [...] e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; [...]”.

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sistematizando a verificação de registros públicos já existentes. Assim, por exemplo, a depuração de um cadastro nacional como o SICAF16 pode ser aperfeiçoada, sendo suficiente que os órgãos de controle valorizem a proposta mais vantajosa sobre um apego exagerado à isonomia. No mesmo diapasão, na Lei de Licitações há permissão legal para exigir experiência anterior e que o profissional responsável pela elaboração da proposta tenha vínculo efetivo com a empresa proponente ao tempo da licitação. Basta retornar a interpretação ao sentido literal para permitir que o edital separe os “aventureiros” dos verdadeiros competidores-licitantes.17 Outro exemplo – que se constitui numa inovação – é o ato lesivo de manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a Administração Pública. Nesse caso, a conduta lesiva elencada traz conceito muito amplo, podendo se tornar um verdadeiro aspirador de enquadramento de condutas lesivas genéricas, sem que haja um crivo mais prudente e razoável. Seriam exemplos aplicáveis os famosos aditivos firmados em contratos de obras públicas? Note, por exemplo, a que ponto a violação das regras constitucionais chegam: na atualidade tem-se o Decreto nº 7.893/2013, que limita em 10% o fato gerador que a Lei nº 8.666/1993 limitou em 25%. É comum que os gestores, reconhecendo erros de projetos, acolham pleitos e reestabeleçam o equilíbrio da proposta. Há um esforço do controle para conter os aditivos e imputar responsabilidade por erros de projeto. Qual será, então, a atitude do gestor? Reconhecer o erro da Administração ou ameaçar imputar ilicitude com base nessa Lei Anticorrupção? A pretensão de combater a corrupção, nos moldes postos, não poderia levar ao receio de ajustar o contrato ao princípio constitucional de garantia do equilíbrio econômico financeiro. Por outro lado, a dificuldade do gestor de planejar quando todos os anos o 16

O Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF constitui o registro cadastral do Poder Executivo Federal e é mantido pelos órgãos e entidades que compõem o Sistema de Serviços Gerais – SISG. 17 BRASIL. Lei de Licitações e Contratos Administrativos e outras normas pertinentes. Organização dos textos e índice por J. U. Jacoby Fernandes. 14. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2013. “Art. 9º [...] § 1º É permitida a participação do autor do projeto ou da empresa a que se refere o inciso II deste artigo, na licitação de obra ou serviço, ou na execução, como consultor ou técnico, nas funções de fiscalização, supervisão ou gerenciamento, exclusivamente a serviço da Administração interessada.” BRASIL. Tribunal de Contas da União. Súmula nº 185. Boletim do Tribunal de Contas da União – Especial. Brasília, ano XL, n. 64, dez. 2007. Disponível em: . Acesso em: 13 jan. 2014. “A Lei nº 5.194, de 24/12/66, e, em especial, o seu art. 22, não atribuem ao autor do projeto o direito subjetivo de ser contratado para os serviços de supervisão da obra respectiva, nem dispensam a licitação para a adjudicação de tais serviços, sendo admissível, sempre que haja recursos suficientes, que se proceda aos trabalhos de supervisão, diretamente ou por delegação a outro órgão público, ou, ainda, fora dessa hipótese, que se inclua, a juízo da Administração e no seu interesse, no objeto das licitações a serem processadas para a elaboração de projetos de obras e serviços de engenharia, com expressa previsão no ato convocatório, a prestação de serviços de supervisão ou acompanhamento da execução, mediante remuneração adicional, aceita como compatível com o porte e a utilidade dos serviços.”

COMENTÁRIOS À LEI Nº 12.846/2013

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orçamento é contingenciado e as dotações só liberadas no apagar das luzes de dezembro pode merecer crítica? Mais um exemplo: dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional. A impetração de um mandado de segurança para evitar o abuso de direito por parte de ente estatal pode ser considerada intervenção em sua atuação fiscalizatória apta a ensejar a penalização da pessoa jurídica impetrante? O ajuizamento de ação anulatória de ato administrativo ilegal pode ser interpretado como ato que dificulta atividade de investigação ou fiscalização do ente estatal prolator da ilegalidade? Caminhou mal a Lei nº 12.846/2013 também no sentido de considerar ato lesivo à Administração Pública, nacional ou estrangeira, o ato de a pessoa jurídica prometer, oferecer ou conceder, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceiros a ele relacionados. Não se estabeleceu, por exemplo, qual o limite de relação que eventualmente possa existir entre um agente público e uma terceira pessoa favorecida com o ato ilícito praticado pela pessoa jurídica, inclusive sob o aspecto contratual, comercial ou consanguíneo. Com isso, poderia haver a responsabilização objetiva da pessoa jurídica envolvida sem liame mínimo entre o referido agente e a suposta terceira pessoa. Abre-se campo para a responsabilização sem limites de pessoas jurídicas que possam, por mera hipótese – e apenas para citar um único exemplo – contrariar interesses governamentais. Esses são apenas alguns exemplos, colhidos ao correr da pena, que os intérpretes da novel legislação terão de considerar. 5.

DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

A Lei nº 12.846/2013 também tratou de diferenciar a responsabilidade administrativa da judicial das pessoas jurídicas causadoras de atos lesivos à Administração. Ao fazê-lo, contudo, criou também situações que poderão trazer algum embaraço ao hermeneuta e aplicador das disposições legais. 5.1.

Dos valores da multa

Exemplo disso é o estabelecimento de multa de até 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, cumulada com a obrigação da reparação integral do dano causado. No caso de impossibilidade de utilização do critério do faturamento, a multa pode atingir o montante de R$ 60.000.000,00. Os critérios dessa margem de variação na multa na qual não é possível auferir o faturamento não são claros, o que, numa variação tão grande de valores, pode conduzir a desmandos, em especial nas nossas pouco estruturadas prefeituras que recebem vultosos aportes

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de recursos federais. Isso gera insegurança jurídica ao administrado, o que não é dado à Administração Pública, pois um dos princípios que deve seguir é justamente o de garantir a segurança necessária da atividade administrativa.18 A insegurança implica riscos ao empresário. No momento atual há empresários que se recusam a negociar com órgãos públicos, correndo-se o risco de aumentar esse contingente. A magnitude dessa multa não é prevista em nenhum – frise-se, nenhum – diploma normativo vigente no país e pode ser considerada como critério de enriquecimento sem causa pela Administração. De fato, não se previu relação ou vinculação da sua destinação, dentro do contexto da arrecadação e do orçamento, a exemplo das multas de trânsito, que devem ser direcionadas para a educação dos motoristas. Além disso, a aplicação das sanções de multa deverá ser precedida da manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica do ente público, ou equivalente. É sabido que há municípios no Brasil que sequer possuem tal assessoramento, sendo comum a contratação de escritórios de advocacia privados para desempenhar esse papel, o que pode motivar acordos escusos tanto pela aplicação quanto pela não aplicação da referida sanção de multa. O legislador, nesse ponto, poderia ter restringido a manifestação jurídica tão somente à Advocacia Pública. Faltou ainda a previsão de uma esfera recursiva neutra ou, até, uma mediação independente. 5.2.

Do critério de cálculo da multa

É absolutamente criticável o critério do faturamento bruto como base de cálculo para a aplicação de multa. Melhor procederia o legislador se tivesse estabelecido, exemplificativamente, o produto do ato lesivo, pois mesmo que a pessoa jurídica tenha praticado o ato lesivo, parte do faturamento bruto da organização pode ter origem lícita, servindo também de base de cálculo para aplicação de penalidade, o que não se mostra razoável. 5.3.

Da sanção de publicação da decisão condenatória

Uma das sanções previstas na Lei, a publicação extraordinária da decisão condenatória, parece ter poucos efeitos práticos. Além disso, inseri-la como parte da responsabilização administrativa é inadequado, 18 BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1º fev. 1999. Art. 2º, caput.

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tendo em vista que, de acordo com o que dispõe o próprio diploma normativo, a publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de sentença,19 que é, como cediço, ato judicial e não administrativo. Ademais, explicita-se que a referida publicação será feita em meios de comunicação de grande circulação “na área” da prática da infração e “de atuação” da pessoa jurídica. Quis se referir o legislador ao espaço geográfico ocupado pela pessoa jurídica ou ao setor da economia em que atua? Foram utilizados termos equívocos. Não parece claro o texto, cabendo ao intérprete, mais uma vez, aplicar a legislação considerando o melhor atendimento ao interesse público. 5.4.

Dos critérios para a aplicação das sanções

Procurou estabelecer a Lei em comento, também, um rol de situações que devem ser levadas em consideração pela Administração para a aplicação das sanções. À primeira vista, não parece a Administração Pública brasileira preparada para aferir o efeito negativo produzido pela infração, apenas para ficar num exemplo. O critério da mera existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica é extremamente criticável. Acaso uma pessoa jurídica, imbuída do espírito de praticar atos lesivos à Administração, for autuada, basta, então, “criar” os referidos mecanismos e procedimentos, por qualquer meio, para ter a pena atenuada? Ciente disso, o próprio legislador cuidou de deixar a cargo de regulamento do Poder Executivo federal a disciplina desse dispositivo legal.20 6.

DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE RESPONSABILIZAÇÃO

Vale aqui a ressalva já feita em relação à publicação extraordinária da decisão condenatória, pois é de ato judicial que se trata, e não administrativo, estando topicamente em local inapropriado a referida sanção. A comissão a ser instaurada para apuração da responsabilidade da pessoa jurídica previu o mínimo de 2 (dois) membros e não 3 (três) ou mais, sempre em número ímpar, podendo haver situações em que, existindo divergência entre os integrantes da comissão, o processo fique sem solução. Somem-se a isso os valores elevados a que podem chegar as multas. No caso da multa 19

BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2013. Art. 6º, § 5º. 20 Ibidem, art. 7º, parágrafo único.

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máxima, no valor de R$ 60.000.000,00, seria melhor se houvesse um colegiado com maior número de pessoas, mesmo que as tradicionais 3, pois decisões em grupo tendem a ser mais acertadas. É sempre necessário lembrar que a aplicação dessa Lei se faz pelo instrumental do processo administrativo, exigindo perfeito cumprimento da legislação que dispõe sobre esse tema,21 desde a formação do processo, numeração de folhas e observância do devido processo legal e dos princípios do contraditório, da ampla defesa e da segregação das funções. Nada pior no combate à corrupção do que anulação de processos por violação à lei e o sentimento de impunidade que decorre desse ato. 7.

DO ACORDO DE LENIÊNCIA

Acerca do acordo de leniência, é evidente que a palavra está mal empregada, pois leniência origina do latim leniens, derivando a palavra para lenitivo, que se traduz como alívio, laxativo. Melhor teria sido lenimento, do latim lenimentum, aquilo que embrandece, que suaviza, que mitiga.22 O privilégio de firmar acordo é concedido a quem causa a lesão e adota algum dos meios eleitos pela norma para minorar as consequências, contribuindo com as investigações, indicando os demais envolvidos ou prestando informações e documentos para tornar célere a apuração. O incentivo é plenamente justificável, em bom tempo trazido para a seara administrativa. Falhou a lei, no entanto, em deixar de fora a recuperação do prejuízo causado como condição para a celebração do acordo de leniência, e não como consequência dele, perdendo a oportunidade de resolver a questão de fundo que realmente importa: reparar a lesão. Além disso, na redação final da lei responsabilizou-se a pessoa jurídica que celebrou o acordo da obrigação de reparar integralmente o dano causado, mesmo que possa ter apenas responsabilidade parcial sobre a lesão. Deveria ter excepcionado tal situação, exigindo a reparação apenas da parcela de responsabilidade da empresa envolvida, e não de todo dano, que pode ter mais de um responsável. Isso pode afetar a celebração de acordos. É de se dizer que, se o acordo não for cumprido, restaura-se a apuração e a prescrição 21

Na esfera federal: BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1º fev. 1999. 22 O dicionário explica: “Lenidade [Do lat. leniens.] s.m. e adj. Lenitivo.”; “lenimento [Do lat. linmentum.] 1. s.m. Aquilo que embrandece.” FIGUEIREDO, Candido. Grande dicionário da Língua Portuguesa. 25. ed. Bertrand, Venda Nova, 1996, vol. II. No dicionário brasileiro, popular, leniência. s.f. m.q. lenidade. Etim. leniente sob a f. rad. leni+ ência; ver len(i) sin/var. ver sinonímia de meiguice.

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que foi interrompida.23 A Controladoria-Geral da União – CGU ganhou destaque, com competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou avocar os processos instaurados, para exame ou correção, bem como os acordos de leniência previstos na legislação. Introduziu-se um viés investigativo à avaliação da gestão pública. Deslizou a Lei, entretanto, por ter previsto a possibilidade de a Administração Pública celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável apenas pela prática de atos ilícitos previstos na Lei nº 8.666/1993, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88, deixando de fora o art. 7º da Lei do Pregão24 e o art. 47 da Lei do RDC,25 entre outros dispositivos previstos na legislação e que hoje integram o arcabouço jurídico das licitações e contratos. É particularmente grave ter afastado o acordo de leniência nas hipóteses do uso do pregão, tendo em vista essa modalidade licitatória ser hoje, amplamente, a mais utilizada. Há, por fim, uma contradição no texto legal: para a celebração do acordo de leniência, é requisito que a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito. Contudo, a própria norma fixa que não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada. Ora, se um dos requisitos é a admissão da participação no ato lesivo, mesmo que a proposta de acordo venha a ser rejeitada, por qualquer razão, não há motivos para se desfazer dela – apenas juridicamente, pois, no mundo dos fatos, a responsabilidade já foi manifestada e não deixará de existir por vontade do legislador. 8.

DA RESPONSABILIZAÇÃO JUDICIAL

Não constou, do elenco de sanções judiciais previstos na Lei, a mencionada publicação extraordinária da decisão condenatória, alocada equivocamente no âmbito administrativo. O Ministério Público, no exercício do seu mister constitucional, foi autorizado a buscar a responsabilização pela omissão das autoridades competentes para promover a responsabilização administrativa, medida que deve ser aplaudida, a fim de evitar que haja a perpetuação de atos lesivos ao patrimônio público pela inação de agentes públicos que deveriam 23

BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2013. Art. 22, § 4º. 24 BRASIL. Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002. Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 18 jul. 2002, retificado em 30 jul. 2002. 25 BRASIL. Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011. Institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC; [...]. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 ago. 2011 – Edição Extra, retificada em 10 ago. 2011.

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zelar por ele. 9.

DA CRIAÇÃO DO CADASTRO NACIONAL DE EMPRESAS PUNIDAS - CNEP

Outro ponto de destaque foi a criação de cadastro nacional que registrará todas as penalidades aplicadas com base na nova lei. Todas as esferas de governo deverão alimentá-lo.26 Não houve, todavia, atribuição de competência para seu gerenciamento, ainda que, pelo espírito da Lei, seja possível inferir que deva ficar a cargo da CGU, nos mesmos moldes do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS. Rememore-se, também, a existência do Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Atos de Improbidade Administrativa, mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.27 Seria útil, enfim, que tais cadastros caminhassem para a unificação, de modo a facilitar o controle não só administrativo, mas também social, ampliando a rede de proteção contra aqueles que praticam atos lesivos ao patrimônio público. 10.

DA VIGÊNCIA

A norma passará a vigorar a partir de 29 de janeiro de 2014, ou seja, 180 dias contados de sua publicação.28 Por princípio constitucional, não pode retroagir para alcançar atos praticados anteriormente à sua vigência. Nesse ponto em particular, o dispositivo merece aplauso, porque oportunizará um debate sobre efeitos e poderá ensejar melhor qualificação dos operadores do Direito. A norma, cumprindo o ditame constitucional, estabelece o prazo de prescrição de cinco anos e determina a apuração de responsabilidade a quem é omisso ao dever de apurar a responsabilidade. Aplica-se à União Federal e a todos os entes da Federação, não seguindo, infelizmente, o tratamento dado pela Lei de Responsabilidade Fiscal, olvidando os órgãos postos de permeio entre os Poderes, como o Ministério Público, o Tribunal de Contas e a Defensoria Pública. 26 BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2013. Art. 22. 27 CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Atos de Improbidade Administrativa. Disponível em: . Acesso em: 06 jan. 2014. 28 BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2013. Art. 31.

COMENTÁRIOS À LEI Nº 12.846/2013 11.

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DOS VETOS

Seguindo o regramento constitucional, a Presidente da República encaminhou, por meio de Mensagem, comunicação ao Presidente do Senado Federal acerca dos vetos a artigos da Lei nº 12.846/2013, que podem se dar, no entendimento da primeira autoridade, por inconstitucionalidade ou contrariedade ao interesse público. Os vetos existentes, todos devido a esse segundo critério, foram os seguintes, comentados um a um: 11.1.

Valor da multa – § 6º do art. 6º "§ 6º O valor da multa estabelecida no inciso I do caput não poderá exceder o valor total do bem ou serviço contratado ou previsto." Razões do veto "O dispositivo limita ao valor do contrato a responsabilidade da pessoa jurídica que pratica atos ilícitos lesivos contra a administração pública. Contudo, os efeitos danosos do ilícito podem ser muito superiores a esse valor, devendo ser consideradas outras vantagens econômicas dele decorrentes, além de eventuais danos a concorrentes e prejuízo aos usuários. A limitação da penalidade pode torná-la insuficiente para punir efetivamente os infratores e desestimular futuras infrações, colocando em risco a efetividade da lei."29

É evidente que a multa desse caso não tem qualquer relação com reparação de dano. Aliás, a própria norma, no § 3º do mesmo artigo, destaca textualmente: “A aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação de reparação integral do dano causado”. As justificativas apresentadas para o veto parecem não considerar todas as questões envolvidas, e tão somente a de manter a coerência sistemática da Lei. A parte final do inciso I do caput do art. 6º já estabelece que a multa nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação. Se não for possível, o § 3º do mesmo artigo já aponta a solução, exigindo reparação integral do dano, mesmo que não haja vantagem. Explica-se. Determinada pessoa jurídica constrói um metropolitano e, durante a construção, parte das escavações desaba. Não houve vantagem alguma auferida pela empresa, apenas dano a ser integralmente reparado à Administração. Noutra vertente, imagine-se que certa empresa tenha faturado, no exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, R$ 300 milhões e venha a celebrar contrato de fornecimento de um bem, por exemplo, de R$ 90.000,00. Fornecimento único, sem garantia e nem assistência técnica. Se essa empresa fosse, objetivamente, considerada responsável por determinado dano 29 BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 – Mensagem de Veto. Disponível em: . Acesso em: 06 jan. 2014.

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à Administração e multada, apenas considerando o mínimo legal, em 0,1% do faturamento bruto, teria de desembolsar R$ 300 mil reais a título de sanção, sendo que a “vantagem” que eventualmente poderia auferir estaria limitada aos R$ 90 mil do bem fornecido ao Poder Público. A multa, mesmo mínima, é três vezes maior que o valor do contrato. Tal situação, além de ferir o princípio da proporcionalidade, é absolutamente irrazoável. Nas razões do veto, sequer foram consideradas outras possibilidades, parecendo equivocada a rejeição ao dispositivo, pois melhor seria se fosse compatibilizado pelo intérprete no momento da aplicação. 11.2.

Dolo ou culpa – § 2º do art. 19 "§ 2º Dependerá da comprovação de culpa ou dolo a aplicação das sanções previstas nos incisos II a IV do caput deste artigo." Razão do veto "Tal como previsto, o dispositivo contraria a lógica norteadora do projeto de lei, centrado na responsabilidade objetiva de pessoas jurídicas que cometam atos contra a administração pública. A introdução da responsabilidade subjetiva anularia todos os avanços apresentados pela nova lei, uma vez que não há que se falar na mensuração da culpabilidade de uma pessoa jurídica."30

O veto procurou apenas sistematizar o texto da própria Lei, tendo em vista que é de responsabilidade objetiva que se trata, e não subjetiva, prevendo as exceções em que seria aplicável, como no caso de responsabilização dos dirigentes ou administradores da pessoa jurídica. A CGU, por fim, opinou ainda pelo veto ao dispositivo abaixo transcrito: 11.3.

Conduta do servidor – inciso X do art. 7º "X - o grau de eventual contribuição da conduta de servidor público para a ocorrência do ato lesivo." Razão do veto "Tal como proposto, o dispositivo iguala indevidamente a participação do servidor público no ato praticado contra a administração à influência da vítima, para os fins de dosimetria de penalidade. Não há sentido em valorar a penalidade que será aplicada à pessoa jurídica infratora em razão do comportamento do servidor público que colaborou para a execução do ato lesivo à administração pública."31

Referido inciso determinava que se considerasse, para agravar ou atenuar, o grau de eventual contribuição da conduta de servidor público para a ocorrência do ato lesivo. Seria o caso, por exemplo, de um servidor que exige propina para liberar o pagamento e o empresário a 30

BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 – Mensagem de Veto. Disponível em: . Acesso em: 06 jan. 2014. 31 BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 – Mensagem de Veto. Disponível em: . Acesso em: 06 jan. 2014.

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paga; ou do servidor que reafirma seus valores éticos e inibe a consumação do ato. A redação da norma talvez não foi bem compreendida e acabou merecendo, indevidamente, o veto presidencial. Como registrado anteriormente, deveria ter sido mantido o dispositivo, tendo em vista que, em determinadas situações, a pessoa jurídica envolvida poderia ser vítima da ação estatal, e não o contrário. 12.

DA QUESTÃO DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI

A responsabilização objetiva da pessoa jurídica vem sendo ampliada em normativos infraconstitucionais. É necessário, porém, verificar a correção dessa ampliação. 12.1.

Responsabilidade objetiva de pessoa jurídica – hipótese sem previsão constitucional

Entre os direitos fundamentais, a Constituição assegura o devido processo legal e a apreciação do elemento subjetivo do agente, nas formas de dolo ou culpa. Há somente duas exceções, quando então, há responsabilização e ordem para reparar o dano, independentemente de dolo ou culpa: a responsabilidade objetiva da Administração Pública e os danos causados por acidente nuclear. Nessas duas situações, basta provar o dano e o nexo causal, ou seja, a relação entre o fato e uma ação, com ou sem culpa, para que haja o dever de indenizar. A criação de uma terceira hipótese, a partir de norma infraconstitucional, não é possível. A invocação de algum precedente exitoso de outros países não serve a nós brasileiros. Outros não têm uma Constituição detalhada como a nossa, não têm cultura como a nossa, governantes e políticos como os nossos e, principalmente, um Judiciário como o nosso. Uma pesquisa realizada pela Câmara dos Deputados, veiculada na respectiva TV, revela que a maioria dos brasileiros não acredita ser seu dever cumprir leis. 12.2. Da impossibilidade jurídica de extensão infraconstitucional da responsabilidade na forma objetiva A Lei nº 12.846/2013 procurou deixar claro que a responsabilidade das pessoas jurídicas nela mencionadas é objetiva, ou seja, independe de culpa ou dolo. Adotou a responsabilidade subjetiva apenas para os dirigentes ou administradores, devendo-se perquirir a medida da culpabilidade dos referidos agentes para abertura de qualquer procedimento punitivo.32 Novamente, nesse ponto, deve-se considerar também a responsabilidade objetiva por 32

BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2013. Art. 3º, § 2º.

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eventual conduta ilegal e/ou ilegítima perpetrada pelo agente público, pois a da pessoa jurídica deve, necessariamente, considerar a interferência que pode ter havido e que gerou a responsabilização, sob pena de prática de ato arbitrário. A princípio, ninguém pode ser considerado culpado sem o devido processo legal e sem o exercício do contraditório e da ampla defesa, todos constitucionalmente assegurados.33 A regra nas civilizações é a da responsabilidade subjetiva, e não o contrário. Só se deve reconhecer como válidas as exceções à culpa subjetiva em situações em que o Estado indeniza sem perquirir a culpa, como nos casos de responsabilidade objetiva e por danos nucleares. Apenas nestes. A fórmula inventada da responsabilidade objetiva somente é permitida em casos extremos e como garantia do particular frente ao Estado; nunca poderia ser admitida em sentido contrário, por mais nobres que fossem os interesses a serem protegidos. 12.3.

Responsabilidade objetiva e a tutela de princípios

Sem autorização constitucional, a Lei abre uma nova exceção: a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica de direito privado que causar dano ao patrimônio público.34 Por extraordinário esforço de dialética e de hermenêutica, admitir-se-ia a possibilidade de sustentar a constitucionalidade. Ocorre que, além da causa indicada, outras duas são previstas: atos que atentem contra os princípios da Administração Pública e, surpreendentemente, compromissos internacionais. Nesse último podem ser inseridos quaisquer interesses, inclusive, os referentes à FIFA.35

12.3.1. Princípios tutelados por lei Há dificuldades de aplicação das normas que contêm a pretensão de tutelar ou proteger princípios, fixando sanções para os que a violarem.

12.3.2. Dos valores superiores da moralidade É fato que há um movimento mundial no sentido de combater fortemente atos de corrupção, pois os reflexos de tais atos estendem-se para além dos locais em que são praticados e das pessoas diretamente envolvidas. O principal deles é o direcionamento, indevido, de recursos 33

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Art. 5º, incisos LIV, LV e LVII. 34 BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2013. Art. 2º 35 BRASIL. Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2013. Art. 5º

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públicos para a esfera eminentemente privada, seja do particular ou agente público envolvido, e não para atender ao fim para o qual tais recursos foram disponibilizados: o interesse público primário. Nessas circunstâncias, merecem reflexão alguns questionamentos, voltados principalmente para questão de fundo para a qual se parece legislar, qual seja, no caso, a moralidade. Jeremy Bentham, filósofo e jurista inglês, fundou a doutrina utilitarista, pregando que o mais elevado objetivo da moral é maximizar a felicidade, assegurando a hegemonia do prazer sobre a dor. Estabeleceu que, ao determinar as leis ou diretrizes a serem seguidas, um governo deveria fazer o possível para maximizar a felicidade da comunidade em geral.36 Aplicando ao caso essa teoria, dever-se-ia indagar se, somados todos os benefícios da nova Lei nº 12.846/2013 e diminuídos todos os custos, a norma produzirá mais felicidade do que uma decisão alternativa. O combate à corrupção, dessa forma, trará mais benefícios ou prejuízos à sociedade brasileira? Admitindo-se como certo que um preposto de uma empresa tente corromper um servidor e alcance esse objetivo, mais tarde descoberto. É justo que a empresa receba uma multa no valor máximo, expropriando na prática o patrimônio do proprietário, fechando as portas de um empregador e colocando sem emprego um número indeterminado de pessoas? Ou seria mais justo punir o preposto corrupto, o corrompido e o corruptor? Examinar a contribuição subjetiva de cada um na irregularidade? Será que a tecnologia não pode ser usada, como aliás já vem sendo, pela imprensa como instrumento para aferir o elemento subjetivo do agente, de forma induvidosa? Aos que entendem que sim, ou seja, que o resultado final de punir de forma objetiva a empresa atende à moralidade, exatamente como decorreria da aplicação da teoria de Benthan, pelo somatório geral dos resultados, é de se rememorar caso ocorrido na República Tcheca com a empresa tabagista Philip Morris. Na tentativa de evitar aumento na tributação de cigarros naquele país, pretendida pelo governo, a empresa encomendou uma análise do custo-benefício dos efeitos do tabagismo no orçamento do país, descobrindo que o governo lucra mais do que perde com o consumo de cigarros pela população. A razão, apontou o estudo, é que, embora os fumantes, em vida, imponham altos custos médicos ao orçamento, eles morrem cedo, poupando ao governo enormes quantias em tratamentos de saúdes, pensões e abrigo para idosos. Feitas as contas, o governo teria lucro líquido de 147 milhões de dólares por ano.37 O exemplo pode ser considerado desmedido, mas é bem ilustrativo acerca da necessidade de maior reflexão sobre a profundidade do conceito de moral. Immanuel Kant, filósofo nascido na antiga Prússia, por sua vez, repudia o utilitarismo 36

BENTHAM, Jeremy apud SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 48. 37 SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 56.

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benthamiano. Argumentava que, só porque uma determinada coisa proporciona prazer a muitas pessoas, não significa, necessariamente, que possa ser considerada correta. O simples fato de a maioria concordar com uma determinada lei, ainda que convictamente, não faz com que ela seja uma lei justa. O mesmo filósofo ensina que ser livre é agir com autonomia; agir com autonomia não é agir de acordo com os ditames da natureza ou das convenções sociais, tais e quais podem ser consideradas as leis, e sim de acordo com a lei que cada um impõe a si mesmo. E, se não existe autonomia, não existe responsabilidade moral.38 É de se dizer, ainda, que as pessoas têm concepções diferentes de honra e virtude. Por isso, da mesma forma que a lei moral não pode ter como base os interesses ou desejos dos indivíduos, os princípios de justiça não podem se fundamentar nos interesses ou desejos de uma comunidade. No caso, seriam todos unânimes em declarar ser ilegal a corrupção, reprovável o ato de quem ofende a moralidade, condenável a ação de quem age de forma errada e injusta. Ocorre que, todas as vezes que a ciência jurídica necessitou tutelar esses valores, perdeu seu caráter científico. A evolução do direito implicou no dever do legislador de definir detalhadamente qual é a conduta específica que deve ser proibida, minimizando o dever de interpretar o sentido, aumentando a segurança de toda a sociedade. Sem segurança jurídica, nenhum governo se legitima; não há democracia.

12.3.3. Normas penais de tutela de princípios Normas penais, ou que tenham essa natureza, não podem ser abertas a ponto de tutelar princípios vagamente referidos. Para a validade de uma norma que estabeleça penalidades, é indispensável a aplicação do princípio da anterioridade que, para dignidade dos brasileiros, tem estatura constitucional.39 A exigência de tipificação detalhada e rigorosamente precisa já fez, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça considerar que, sem dolo, a violação da lei ou princípios não pode caracterizar a improbidade. A Lei de Improbidade também visou tutelar elevados valores, mas frustrou esperanças quando inseriu e penalizou a violação de princípios, isoladamente, sem violação da legalidade e sem dano. Normas com caráter penal devem ter prévia e precisa tipificação em lei. Pretender proteger, por exemplo, a moralidade administrativa, sem estabelecer claramente quais atos são 38

Ibidem, p. 138-141. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Art. 5º, inc. XXXIX. 39

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imorais, implica abandonar o direito e a segurança jurídica e retornar dois séculos da civilização ocidental, quando não se distinguia a moral do direito. Necessário se faz refletir, além do disposto no caput dos arts. 1º, 2º e 5º, que impuseram a responsabilidade na forma objetiva, para sanção de pessoas jurídicas, acerca do art. 19. Por esse dispositivo estarão sujeitas ao perdimento de bens, direitos e valores as pessoas jurídicas que praticarem as condutas previstas no art. 5º, cujo elenco abrange inúmeros atos do cotidiano da Administração Pública, como reequilíbrio e prorrogação de contratos. Para esses casos, é dispensável, expressamente, aferir o dolo ou a culpa dos agentes da pessoa jurídica. Ao aplicar a responsabilidade objetiva na penalidade, o fato pode ter efeitos gravíssimos; nenhum empresário pode assegurar a ética de todos os seus empregados e representantes. Qualquer pessoa, mesmo que não possua relação jurídica formal com a empresa, pode anunciar-se como representante de uma pessoa jurídica para pretender interferir numa licitação. É garantia constitucional de que nenhuma pena deve passar da pessoa culpada. A norma, a toda evidência, ficou bastante distante das garantias constitucionais. Até mesmo o exercício da atividade advocatícia pode vir a ser penalizado por alguém que considere que os atos prejudicados lesem a investigação, ou o pleito de um reequilíbrio decorrente de uma planilha manipulada. 12.4.

Compromissos de governo

Outro ponto ainda relevante é a inobservância do disposto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, que define a validade de tratados e convenções internacionais no âmbito do país. Nesse aspecto a Constituição, prestigiando a soberania necessária aos brasileiros, estabeleceu rigorosamente a submissão dos tratados e convenções ao Congresso Nacional. Compromissos de governo não têm sentido equivalente aos termos utilizados pela Constituição. Certamente, nos casos concretos que surgirão, haverá de se interpretar restritivamente a expressão, para que seu conteúdo fique limitado ao que prevê o § 3º do art. 5º, ora referido. 12.5.

Cenário incerto sobre a conformidade com a Constituição

Como o Supremo Tribunal Federal, por vezes, considera além do campo normativo, o vetor político, poderá surgir alguma nova teoria para sustentar a norma. No padrão constitucional conhecido diariamente nos julgamentos daquela Corte, a norma não guarda conformidade com a Constituição. Aos poucos as garantias constitucionais das quais é guardião vão se esvaindo. 12.6.

Da afronta ao texto constitucional

Em síntese: a Lei nº 12.846/2013 fere direito fundamental sobre a individualização da pena e a responsabilidade objetiva; ultrapassa a pessoa do condenado, ferindo as disposições

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constitucionais que asseguram tais direitos.40 A responsabilidade objetiva é, no sistema pátrio, portanto, exceção que foi erigida contra o Estado em favor de seus cidadãos. Não pode ser utilizada pelo Estado contra o cidadão. Na clássica distinção entre as normas jurídicas – quanto à natureza do comando nelas contido, que as classifica como preceptivas, proibitivas e permissivas – é de todo evidente que as referidas disposições fixadas na Carta vedam a ação estatal, impondo um dever de abstenção ao Estado. Proibitivas, portanto. A defesa do interesse público não pode afrontar a Constituição. É de se rememorar, sobre o tema, lição de Luís Roberto Barroso sobre o sentido e alcance do interesse público, que é tradicionalmente dividido em primário e secundário. O interesse público primário é a razão de ser do Estado e sintetiza-se nos fins que cabe a ele promover: justiça, segurança e bem-estar social. O secundário, por sua vez, é o da pessoa jurídica de direito público que seja parte em determinada relação jurídica, como um contrato administrativo fruto de licitação, por exemplo. Em ampla medida, pode ser identificado como o interesse do erário. Esclarece o atual ministro do Supremo Tribunal Federal que o interesse público secundário jamais desfrutará de supremacia a priori e abstrata em face do interesse particular. Se ambos entrarem em rota de colisão, caberá ao intérprete ponderar adequadamente sobre o tema, à vista dos elementos fáticos e normativos relevantes para o deslinde do caso.41 É exatamente esse o ponto de vista defendido linhas antes, quando se tratou dos casos que constituem atos lesivos à Administração Pública nacional ou estrangeira, elencados no art. 5º da nova Lei. Nesse dispositivo estão elencados, basicamente, itens relacionados à proteção ao erário. A serem protegidos, portanto, por pessoas jurídicas de direito público a quem não é dado satisfazer, por exemplo, o interesse de seus dirigentes em punir esta ou aquela pessoa jurídica por razões alheias às que realmente devem permear sua atuação. Por essa razão, afirmou-se que a responsabilidade objetiva pode vitimar o particular sem que este tenha, de fato, praticado qualquer ato contra a Administração. 12.7.

Da vinculação do Poder Público aos direitos fundamentais

Em magistral escólio, Ingo Wolfgang Sarlet, jurista e professor no Rio Grande do Sul, demonstra que, apesar de a Constituição Federal brasileira não ter, expressamente, previsto a 40

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Art. 5º, incisos XLV e XLVI. 41 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 70-72.

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vinculação das entidades públicas e privadas aos direitos fundamentais, como o fez a Constituição Portuguesa, essas devem respeitá-los indistintamente.42 Explicita o autor, ainda, que mesmo em se tratando de norma de eficácia inequivocamente limitada, o legislador, além de obrigado a atuar no sentido da concretização do direito fundamental, encontra-se proibido de editar normas que atentem contra o sentido e a finalidade da norma de direito fundamental. E os órgãos estatais se encontram na obrigação de tudo fazer no sentido de garantir os direitos fundamentais. Especificamente em relação aos órgãos do Poder Executivo, responsáveis, portanto, pela aplicação imediata da Lei nº 12.846/2013, há um alerta necessário. Com a clareza que o distingue, Ingo Sarlet ensina que tais órgãos devem executar apenas as leis que aos direitos fundamentais sejam conformes, bem como executá-las de forma constitucional, isto é, aplicando-as e interpretando-as em conformidade com os direitos fundamentais. 13.

CONCLUSÃO

Algumas pesquisas têm revelado que o brasileiro considera a corrupção, a burocracia e a má qualidade de gestão como fatores impeditivos do progresso. Esforços que venham a ser desenvolvidos para melhorar a imagem do país e criar uma cultura de combate à corrupção não podem e não devem ser desprezados. Antes, merecem louvação. Preocupa, no entanto, que presidentes da República eleitos com essa bandeira – Jânio Quadros e Fernando Color de Mello – não tenham completado os seus mandatos. Talvez porque a desilusão seja uma força muito maior do que a esperança que plantaram. Há muito se verifica que alguns órgãos que buscam evidenciar suas ações estão com arquivos e gabinetes atolados de processos e atuam casuisticamente, por conveniências indizíveis. É vergonhoso assistir à quantidade de ações que prescrevem ou simplesmente são esquecidas, após o espetáculo pirotécnico midiático.43 A pretensão de combater a corrupção não pode ser concretizada com leis com vários vícios; não se faz com sobreposição de funções em que todos podem aplicar sem uma definição adequada de quem trata do quê e em que tempo. Para combater a corrupção e melhorar a gestão, as normas devem conter precisa definição de condutas e matriz de responsabilidades administrativas, civis e penais, evitando a sobreposição de esforços, funções e competências. O Brasil precisa de um Código de Direito Administrativo ou, se nem tanto, uma consolidação efetiva de normas do Direito e Processo Administrativo.44 Enquanto o 42

SARLET, Ingo Wolf. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 322-327. Q. cfr. interessante matéria na revista Época, sob título “O país dos alvarás e da propina: a burocracia infernal que emperra o Brasil, estimula a corrupção – e não evita incêndios, desabamentos, enchentes e milhares de mortes”. Edição de 16 de dezembro de 2013. 44 “O antigo filósofo chinês Lao Tsu já dizia que quanto mais restrições artificiais impuserem ao povo, mais ele será empobrecido; e quanto mais regulamentos houver, mais se estimularão as fraudes, os roubos e outros ilícitos. As 43

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Parlamento, composto por representantes da Pátria, não se dispuser a enfrentar com competência esse desafio, as normas vão oportunizando textos como esse, falhos, favorecendo a insegurança jurídica e a ação de pseudojuristas. Para responder a esperança do povo e dos juristas é necessário produzir uma consolidação de normas. Mas também é necessária por força de lei,45 por necessidade do Judiciário na aplicação, pela segurança jurídica da sociedade. A conformidade da Lei com a Constituição Federal é uma garantia para a sociedade e um fator essencial à celeridade dos processos e eficácia dos fundamentos dos serviços públicos e da cidadania.

normas devem ser poucas, simples e objetivas, a fim de facilitar não só a sua aplicação como também a fiscalização.” Disponível em: . Acesso em: 02 ago. 2013. 45 BRASIL. Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis, conforme determina o parágrafo único do art. 59 da Constituição Federal, e estabelece normas para a consolidação dos atos normativos que menciona. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 fev. 1998.

O CONTROLE DA CORRUPÇÃO NO BRASIL E A LEI Nº 12.846/2013 – LEI ANTICORRUPÇÃO Melillo Dinis do Nascimento “As unhas dobradas são as que se armam de vários modos e invenções para furtar, com tal arte, que nunca lhes escapa a presa. Há na dialética um argumento, que chamamos dilema, porque joga com duas proposições, como com pau de dois bicos, que necessariamente vos haveis de espetar em um deles. Tais são os ladrões que chamo de unhas dobradas, porque as aguçam de sorte que, por uma via ou outra, lhes haveis de cair nelas. Com um exemplo isto ficará claro e corrente. Quando Sua Majestade, que Deus guarde, manda fazer cavalaria para as fronteiras, é certo que há grandíssima variedade nos preços e que nunca se ajustam os avaliadores, umas vezes por alto, outras por baixo, com que fica armado o dilema de que não pode escapar o furto.” Arte de furtar1 “Tanto que lá chegam, começam a furtar pelo modo indicativo, porque a primeira informação que pedem aos práticos é que lhes apontem e mostrem os caminhos por onde podem abarcar tudo. Furtam pelo modo imperativo, porque, como têm o mero e misto império, todo ele aplicam despoticamente às execuções da rapina. Furtam pelo modo mandativo, porque aceitam quanto lhes mandam, e, para que mandem todos, os que não mandam não são aceitos. Furtam pelo modo optativo, porque desejam quanto lhes parece bem e, gabando as coisas desejadas aos donos delas, por cortesia, sem vontade, as fazem suas. Furtam pelo modo conjuntivo, porque ajuntam o seu pouco cabedal com o daqueles que manejam muito, e basta só que ajuntem a sua graça, para serem quando menos meeiros na ganância. Furtam pelo modo potencial, porque, sem pretexto nem cerimônia, usam de potência. Furtam pelo modo permissivo, porque permitem que outros furtem, e estes compram as permissões. Furtam pelo modo infinitivo, porque não tem o fim o furtar com o fim do governo, e sempre lá deixam raízes em que se vão continuando os furtos. Estes mesmos modos conjugam por todas as pessoas, porque a primeira pessoa do verbo é a sua, as segundas os seus criados, e as terceiras quantas para isso têm indústria e consciência. Furtam juntamente por todos os tempos, porque do presente — que é o seu tempo — colhem quanto dá de si o triênio; e para incluírem no presente o pretérito e futuro, do pretérito desenterram crimes, de que vendem os perdões, e dívidas esquecidas, de que se pagam inteiramente, e do futuro empenham as rendas e antecipam os contratos, com que tudo o caído e não caído lhes vem a cair nas mãos. Finalmente, nos mesmos tempos, não lhes escapam os imperfeitos, perfeitos, 1

Anônimo do Século XVII. Arte de furtar. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 344.

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MELILLO DINIS NASCIMENTO plus quam perfeitos, e quaisquer outros, porque furtam, furtaram, furtavam, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse. Em suma, que o resumo de toda esta rapante conjugação vem a ser o supino do mesmo verbo: a furtar para furtar.” Sermão do Bom Ladrão2

1.

INTRODUÇÃO

A Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, muda o paradigma do controle da corrupção no Brasil. A norma dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos de corrupção contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Como parte de um esforço transnacional por mais transparência na gestão pública e ética nas sociedades, a nova lei está em vigor desde janeiro de 2014, conforme seu artigo 31. O presente texto analisa a nova lei, desde a perspectiva do controle da corrupção, do Direito Constitucional e Administrativo brasileiro, além de destacar alguns aspectos teóricos e práticos presentes na nova legislação, mesmo que aparentemente subjacentes à norma. 2.

A CORRUPÇÃO

A Lei Anticorrupção é o centro deste texto. Ao apontar críticas acerca da nova legislação, delimito alguns aspectos da corrupção e sua contextualização no Brasil. 2.1.

A corrupção no Brasil

Há um histórico de casos de corrupção que contamina todos os níveis do Estado brasileiro. A Constituição de 1988, diante da quantidade e complexidade da corrupção, elevou a questão da transparência e da moralidade públicas ao status de direitos essenciais ao próprio Estado.3 Esta tendência é uma novidade na história constitucional do país. Há, nesse contexto, uma tentativa de implantação de muitos valores a partir da normativa constitucional que vem modificando, ao longo dos últimos 25 anos, o arcabouço institucional do Brasil,4 país construído a partir do permanente conflito entre os espaços públicos e privados.5 E, o campo

2

VIEIRA, Antônio. Sermões. Erechim: Edelbra, 1998, Vol. 4, p. 86. Ver de forma sistemática o princípio da moralidade em CAMMAROSANO, Márcio. O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2006. No sentido mais dogmático, ver: GIACOMUZZI, José Guilherme. A Moralidade Administrativa e a Boa-Fé da Administração Pública (O Conteúdo Dogmático da Moralidade Administrativa). São Paulo: Malheiros Editores, 2002, especialmente p. 297. 4 Como obra que avalia o impacto da Constituição Federal de 1988 nas instituições brasileiras, ver: CANOTILHO, J. J. Gomes; LEONCY, Léo Ferreira; STRECK, Lenio Luiz; SARLET, Ingo Wolfgang; MENDES, Gilmar Ferreira. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. 5 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 5. ed. São Paulo: Globo, 2012, p. 819 e ss. 3

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jurídico,6 especialmente o administrativo,7 tem uma grande tarefa. Dentre os diversos elementos jurídicos, culturais, econômicos, sociais, políticos e de accountability para a efetivação do conjunto de valores, princípios e normas da Constituição Federal, a teoria jurídica, especialmente o direito administrativo, deve enfrentar um fenômeno central e recorrente na história brasileira: a corrupção. Ela é um desafio para a sociedade brasileira, pois prejudica o desenvolvimento nacional e afeta a todos. 2.2.

A corrupção é um fenômeno mundial

O caso brasileiro não é único. Várias sociedades, Estados e sistemas políticos contemporâneos lutam contra problemas como a corrupção, o nepotismo, o fisiologismo, o crime organizado, a lavagem de dinheiro, o enriquecimento ilícito, o suborno, o favorecimento, as “mordomias” etc. A terminologia empregada para descrever as áreas problemáticas varia, dependendo do tipo de abordagem – jurídica, econômica, cultural, sociológica, antropológica, policial, filosófica, política ou jornalística. A suposição que esses fenômenos possam ter um denominador comum ou integral não encontra confirmação imediata. Alguns8 apontam para os custos econômicos e sociais, mas há divergência se esses fazem referência à lesão ao patrimônio público ou à perda de credibilidade do sistema político-administrativo. Outros9 enfatizam o aspecto da transgressão, da violação das regras formais ou do consenso moral. Na falta de um termo mais preciso, a expressão corrupção representa toda a série de problemas citados. 2.3.

Enfrentando a corrupção

A sensibilidade pública a respeito da corrupção está crescendo, especialmente na América Latina, conforme os dados da Transparência Internacional.10 Países como Brasil, 6

Diferente da ideia de estrutura ou de sistema, para Bourdieu o campo é um espaço de permanente conflito e luta entre agentes e instituições: BOURDIEU, Pierre; TEUBNER, Gunther. La fuerza del derecho. Bogotá: Siglo del Hombre, 2000, p. 155 e ss. No Brasil, Lenio Streck trabalha com o conceito de “campo jurídico”, também a partir de Bourdieu, constituído em um “conjunto de todos os personagens que fazem, interpretam e aplicam a lei, transmitem conhecimentos jurídicos e socializam jogadores que se encontram no jogo do campo, no interior do qual os conflitos lhe dão dinamismo, mas também o mantém como um campo: os jogadores em competição é que disputam entre si, mas não o campo em si mesmo; portanto, a disputa reafirma e ainda fortalece o campo”. Cf. STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 926 e nota 2. 7 Sobre o campo jurídico administrativo, ver: DROMI, Roberto. Sistema jurídico e valores administrativos. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2007, p. 40 e ss. 8 Por exemplo: CAVALCANTE, Ruszel Lima Verde. Corrupção, origens e uma visão de combate. Brasília: Fundação Astrogildo Pereira, 2006. Na discussão econômica ver: ELLIOTT, Kimberly Ann. A corrupção e a economia global. Brasília: Universidade de Brasília, 2002; e MONTORO FILHO, André Franco. Corrupção, Ética e Economia. Rio de Janeiro: Elsevier; São Paulo: ETCO, 2012. 9 Cf.: BOTELHO, Ana Cristina Melo de Pontes. Corrupção política: uma patologia social. Belo Horizonte: Fórum, 2010. 10 Uma das unidades de análise da Transparência Internacional – TI é o Índice de Percepções da Corrupção – IPC (Corruption Perceptions Index), que em 2012 colocou o Brasil na 69ª posição, com o score de 43 pontos, atrás de países como Uruguai (20º) e Portugal (33º) e à frente de outros, como a Itália (72º) e Argentina (102º) – cf.

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Chile, Argentina e Paraguai passaram o ano de 2013 com várias manifestações públicas contra a corrupção. A doutrina também aprofunda a descrição a e análise do fenômeno.11 Como resultado de profundas preocupações, ainda ao fim do século passado (1996), os países da Organização dos Estados Americanos – OEA aprovaram a Convenção Interamericana Contra a Corrupção – CICC. A Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento – OCDE,12 por meio da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais de 1997, influenciou decisivamente e possibilitou uma série de debates e mudanças nas legislações nacionais e comunitárias.13 Em 2003, as Nações Unidas também criaram a Convenção sobre o tema, a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção – CNUCC. Outros organismos internacionais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a Organização Mundial de Comércio e diversas instituições da sociedade civil lutam14 contra a corrupção em todo o mundo. Vivemos, portanto, um tempo em que há esforços amplos e múltiplos no enfrentamento da corrupção e de seus efeitos em vários países.15 2.4.

Os problemas da corrupção Há muitos problemas na corrupção. Uma extensa literatura ao longo da segunda

www.transparency.org/cpi2012/results. Em 2013, os dados mostraram uma alteração, mas nada significativo, com um score de 42 pontos para o Brasil e o 72º lugar entre 177 países avaliados pelo IPC. O resultado foi um ponto inferior e três posições abaixo que no ano anterior – cf. www.transparency.org/cpi2013/results. A escala de pontuação vai de 0 a 100, na qual 0 representa a percepção mais alta de corrupção e 100 a percepção mais baixa de corrupção. O topo do ranking foi dividido por Dinamarca e Nova Zelândia, com 91 pontos cada. Uruguai e Chile foram os países latino-americanos mais bem avaliados, com 73 e 72 pontos, respectivamente. Porto Rico, Costa Rica e Cuba também ficaram acima do Brasil no ranking regional. A última colocação foi dividida entre Afeganistão, Coréia do Norte e Somália, com 8 pontos cada. A pontuação média é de 39 pontos na América Latina em 2013. Os pontos da região estão apenas ligeiramente acima da pontuação média do Oriente Médio, do Norte da África (37) e da África Subsaariana (33) e muito abaixo da pontuação média de 66 pontos da Europa Ocidental. Como tudo no mundo, esse tipo de dado objetivo acaba por desprezar outras variáveis que mereceriam relacionar-se com a percepção da corrupção. Penso em duas: (a) liberdade de imprensa; e (b) qualidade das instituições democráticas. Cingapura (5º), Malásia (53º) e Cuba (63º), países colocados à frente do Brasil em 2013, não são os melhores exemplos de países quando essas variáveis são consideradas. Para aprofundar o debate entre leis, economia e democracia, ver: MARTINS, Júlia Cardaval. Constituição, Economia e Desenvolvimento. Revista da Academia Brasileira de Direito Constitucional. Curitiba, ago-dez. 2009, n. 1, p. 97-110. 11 Utilizo fenômeno (phainomenon) no sentido de Heidegger, situando-o no mundo na fronteira do eu com os objetos reais: “Fenômeno em sentido fenomenológico é só aquilo que é ser, mas ser é sempre ser de um ente: daqui que quando se visa libertar o ser, seja necessário fazer comparecer o ente na forma apropriada”, cf. HEIDEGGER, Martin, El Ser y el tiempo. 7. ed. México/Madrid/Buenos Aires: F. Cultura Económica, 1989, p. 46-47. 12 A Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, no âmbito da OCDE, influenciou diretamente a Lei nº 12.846/2013. 13 Em 1997 o Conselho da União Europeia aprovou o Convênio relativo à luta contra os atos de corrupção em que estejam implicados funcionários das Comunidades Europeias ou dos Estados Membros dessa união. Em 2003 foi celebrada a Convenção da União Africana para prevenir e combater a corrupção. 14 Em destaque, a Transparência Internacional (www.transparency.org). 15 COMISSÃO EUROPEIA – Secretaria de Gestão, Seminário Brasil-Europa de prevenção da corrupção: textos de referência. Brasília: Ministério do Planejamento, 2007.

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metade do século passado e nestes anos do século XXI tratou desse fenômeno, seus universos e as possibilidades de combate à sua disseminação. Destaco três problemas associados ao fenômeno da corrupção. Não são os únicos que mereceriam uma aproximação, mas são os necessários para pensar a sociedade brasileira diante da Lei nº 12.846/2013.

2.4.1. O conceito de corrupção O primeiro problema que apresento diz respeito à dificuldade de um conceito útil para conhecer e compreender todo o fenômeno da corrupção. Há, de fato, diversas questões distintas associadas ao termo “corrupção”, mas correlacionadas entre si. Há uma definição legal, outras definições políticas, definições da opinião pública e da opinião publicada, dentre outras acepções. A questão é que a conceituação não é apenas um problema de fim, mas de método. A prevenção e o combate à corrupção exigem certo conhecimento que tenha como razão uma linguagem16 capaz de organizar a questão e apoiar no processo, difícil e longo, de modificar o quadro da corrupção.17 Portanto, para discutir conceitos com vistas a analisar o problema e prevenir o fenômeno, são utilizadas quatro dimensões que permitem realizar uma modelação mínima. 2.4.1.1.

Dimensões para pensar um conceito de corrupção

Aqui não pretendo reduzir a questão, nem sintetizar as teorias do problema de maneira simplificada. A intenção é, todavia, a partir das complexidades do mundo real, tentar perceber as relações significativas entre as variáveis do fenômeno, com o objetivo de aumentar a capacidade de fazer previsões e oferecer normas, procedimentos, mecanismos e políticas públicas que possam enfrentar mais e melhor a corrupção. 2.4.1.1.1.

A dimensão das relações corruptas

A dimensão inicial de conhecimento da corrupção está no marco das instituições do Estado e da sociedade, que não se excluem, apesar de terem significados diferentes e propósitos distintos e complementares. Por mais que muitos não sejam simpáticos à ideia de “instituições”, elas são um dado de nosso tempo. Estão aí, existem. Ninguém pode prescindir delas. Se isso é verdade, a questão é: como surgem os incentivos à corrupção nas instituições públicas? Nessa dimensão, se queremos reformas, temos que apontar claramente como são realizadas as operações e as relações corruptas dentro dessas instituições e responder com o objetivo de, por meio de reformas, reduzir de forma decisiva os incentivos para pagar ou cobrar subornos, propinas, vantagens etc., além de incrementar o risco de corromper ou ser corrompido. Esse é o primeiro desafio para entender a corrupção. 16

Tenho que a linguagem é sempre um phármakon, com todas as questões que este uso traz consigo cf. PLATÃO. Fedro. Lisboa: Verbo, 1973, p. 274c-275b. Na passagem em que descreve o mito de Theuth e Thamus, Platão por meio de Theuth coloca a linguagem como um fármaco (phármakon) da sabedoria. Mas, como todo fármaco, pode ser também um veneno se não utilizado em doses proporcionais. 17 Ver GARDINER, John. Defining Corruption. In: PUNCH, Maurice; KOLTHOFF, Emile; VIJVER, Kees van der; VLIET, Bram van (Orgs.). Coping with Corruption in a Borderless World: Proceedings of the Fifth International Anti-Corruption Conference. Deventer/Boston: Kluwer Law and Taxation Publishers. 1993, cap. 3, pp. 21-38.

60 2.4.1.1.2.

MELILLO DINIS NASCIMENTO A pluralidade do significado da corrupção

A dimensão segunda reconhece que o conceito de corrupção não é algo igual em todos os países, culturas, ou mesmo em todas as sociedades. Há que se compreender uma pluralidade de significados. Falar de corrupção nos países escandinavos, no Reino Unido, na Ásia, nos países africanos ou nos países periféricos da América Latina não tem o mesmo significado, apesar de alguns aspectos isolados aparentarem ser os mesmos. 2.4.1.1.3.

A dimensão estrutural

O terceiro aspecto do conhecimento parte da indagação de como as estruturas básicas dos setores públicos e privados produzem ou suprimem a corrupção. A relação entre os incentivos para a corrupção e as formas democráticas deve ser considerada, bem como o poder de negociação relativo que possuem as organizações públicas e privadas e os agentes individuais. Diferentemente da primeira dimensão, trata-se de algo no campo estrutural, em torno da mudança das estruturas institucionais, suas relações com o mercado e com os cidadãos. Questões como a visibilidade, a transparência, a ética das políticas e da Política são fundamentais para definir uma estruturação da questão, a partir de um senso sobre o que é e o que não é corrupção, para permitir mudar a sua percepção na cultura e no espaço da cidadania. 2.4.1.1.4.

A dimensão da reforma

Finalmente, considera-se que o ato de conhecer, explicar, organizar e transformar está diante do grande desafio que é implementar as mudanças. Quaisquer mudanças são difíceis, mais ainda quando exigem um duplo espaço de superação: (a) as estruturas do Estado e da sociedade, suas relações e seus interesses; e (b) a cultura. Como as receitas não funcionam da mesma maneira em todos os países e em todas as instituições, as reformas têm que ser pensadas e adaptadas não apenas para criar um “sistema de integridade”, mas modificar as estruturas e as formas de relação entre Estado e sociedade, especialmente no campo dos negócios, para que estes não se transformem em negociatas. A tensão é, em casos extremos como o brasileiro, reduzir o máximo possível os incentivos para a corrupção e não apenas endurecer os controles ex post. O objetivo de “conhecer” a corrupção não é eliminá-la totalmente, pois esse objetivo, além de possivelmente transcender à condição humana, implica custos excessivos e paralisação absoluta da máquina pública. O que se busca, de forma direta, é reduzir ao máximo a corrupção de modo a estabelecer a melhor relação de custo-benefício eficiente para o Estado, além de garantir a ética na política, e, assim, ampliar a eficiência, a eficácia, a efetividade, a equidade e a legitimidade do Estado, especialmente em países periféricos como o Brasil. 2.4.1.2.

Em torno de um conceito

De todo modo, proponho um conceito, meramente instrumental e voltado para oferecer uma compreensão, dentro do universo pluridimensional, que visa modificar a história

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da corrupção no Brasil. Assim, para fins do presente texto, a corrupção é o uso de bens, serviços, interesses e /ou poderes públicos para fins privados, de forma ilegal.18 Dito de outra forma: a corrupção é a interação voluntária de agentes racionais, com base em ordenamento de preferências e restrições, na tentativa de capturar, ilegalmente, recursos de organizações públicas, das quais pelo menos um deles faz parte, sendo as ações propiciadas por ambiente de baixa accountability.19 2.4.1.3.

Tipos de corrupção

Discorro acerca de uma tipologia da corrupção, iniciando por um corte transversal a partir da relação Estado-sociedade. 2.4.1.3.1.

Corrupção sistêmica

Ao contrário de oportunidades ocasionais, a corrupção sistêmica ocorre quando a corrupção é um aspecto integrado e essencial do sistema econômico, social e político. Não se trata aqui de uma categoria especial da prática da corrupção, mas uma situação em que a maioria das instituições e processos do Estado está rotineiramente dominada e utilizada por indivíduos e/ou grupos, não tendo a sociedade, na maior parte das vezes, alternativa que não seja lidar com a corrupção.20 É uma corrupção no plano estrutural.21

18

Essa definição é próxima da utilizada de forma mais corrente pela Transparência Internacional: “the abuse of entrusted power for private gain”(cf. www.transparency.org). 19 Tomo a segunda definição de MELO, Clóvis Alberto Vieira de. Alta corrupção como resposta a baixos níveis de accountability. Dissertação (Mestrado em Ciência Política). Recife: Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, 2003, 166 f. Disponível em: . Acesso em: 05 nov. 2013. 20 JOHNSTON, Michael. Fighting Systemic Corruption: Social Foundations for Institutional Reform. The European Journal of Development Research, 1998, n. 10, p. 85-104. 21 A partir das ideias de Luhmann, a corrupção sistêmica ocorre no plano estrutural da estabilização das expectativas. Não deve ser compreendida somente em termos penais, nem simplesmente no campo da conduta individual. Decorre de uma sobreposição destrutiva de critérios de uma esfera de ação sobre outras. No campo do Direito, isso envolve não só a compra de sentença ou a troca de benefícios econômicos por um julgamento, mas também a decisão judicial definida primariamente por determinação do poder político conforme a diferença entre governo e oposição, das boas relações, da troca de favores, do parentesco, da amizade etc. E a corrupção sistêmica não tem conceitualmente a ver com a quantidade dos que, direta ou indiretamente, nela atuam e dela se beneficiam. Pode ser um número pequeno. O grande problema da corrupção sistêmica quando se estabelece no plano estrutural em que um código é corrompido e não tem condições de reagir aos episódios de corrupção, é a tendência grave na sociedade contemporânea hipercomplexa de generalização, pois se caracteriza a desdiferenciação sistêmica. Para aprofundar a questão ver: LUHMANN, Niklas. Complejidad y modernidad: De la unidad a la diferencia. Madrid: Trotta, 1998. Há diversos outros escritos do autor que discutem a questão. No sentido de uma crítica aos poderes públicos no Brasil que atuam em grande parte à margem da lei e da Constituição, envolvidos na corrupção sistêmica a partir de Luhmann, ver NEVES, Marcelo. O Supremo e o CNJ face à corrupção sistêmica (textos do Observatório da Jurisdição Constitucional). Revista Consultor Jurídico. 20 abr. 2013. Disponível em: . Acesso em: 27 nov. 2013. Numa perspectiva do diálogo entre o pensamento de Luhmann e o de Habermas sobre a corrupção e sua superação a partir do universo jurídico, ver: MIRANDA, Daniela e SIMIONI, Rafael Lazzarotto. Direito, silêncio e corrupção:

62 2.4.1.3.2.

MELILLO DINIS NASCIMENTO Corrupção esporádica ou individual

A corrupção esporádica é o oposto da corrupção sistêmica e ocorre de forma irregular. Nem sempre é alcançada pelos mecanismos de controle. Apesar desse aspecto, esse tipo de corrupção pode afetar diretamente o campo da moral pública e a economia por meio da drenagem de recursos. 2.4.1.3.3.

Corrupção política ou macrocorrupção

Exposta a dicotomia sistêmica-individual, outro duplo polo do fenômeno da corrupção é abordado: macrocorrupção X microcorrupção. Essa segunda polarização serve para compreender de forma mais sistemática o funcionamento da corrupção frente ao poder. A corrupção política é qualquer transação entre os agentes dos setores públicos e privados em que os bens, serviços, interesses e/ou poderes públicos estão comprometidos com sua conversão em vantagens privadas e ilegais. Geralmente a corrupção política é usada como sinônimo da macrocorrupção, em oposição à ideia de corrupção burocrática ou microcorrupção, por conta do envolvimento de políticos e pessoas na alta Administração Pública, seja na esfera federal, estadual ou municipal. Aqui o fenômeno alcança a prática recorrente em muitos países do uso, por parte dos políticos e agentes do Estado, que detêm poderes públicos em decorrência de mandatos populares por meio do voto (ou do sistema de representação), da autoridade para sustentar o poder, o status e a riqueza, apropriando-se de recursos públicos e pervertendo a maneira como as decisões são tomadas. A corrupção política acontece com frequência maior quando as leis e os regulamentos são ignorados pelas autoridades públicas, colocadas de lado ou ainda interpretadas segundo seus próprios interesses e de seus parceiros no campo privado. No campo da formulação de leis e/ou decisões públicas, a macrocorrupção atinge o fim da política e destrói a democracia.22 2.4.1.3.4.

Corrupção burocrática ou microcorrupção

A corrupção em pequena escala e cotidiana que ocorre nos locais e/ou espaços de implementação das políticas públicas, quando os agentes públicos estão muito próximos dos agentes dos setores privados ou do cidadão comum. Ocorre geralmente na forma de suborno em conexão com o descumprimento das leis, normas e regulamentos já existentes. Os montantes de dinheiro e a troca de vantagens são em quantia modesta, também chamada de um diálogo com Niklas Luhmann e Jürgen Habermas. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1396, 28 abr. 2007. Disponível em: . Acesso em: 27 nov. 2013. Alguns autores tratam da corrupção endêmica numa leitura muito próxima da corrupção sistêmica, mesmo que não compartilhem da origem do pensamento em Luhmann. Q. cfr.: RIBAS JUNIOR, Salomão. Corrupção Endêmica. Florianópolis: Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. Coedição do Autor, 2000. 22 Ver HEIDENHEIMER, Arnold J.; JOHNSTON, Michael (Org.). Political Corruption: concepts & contexts. 3. ed. New Brunswick/Londres: Transaction Publishers, 2009.

O CONTROLE DA CORRUPÇÃO NO BRASIL

63

corrupção de “baixo nível”, por conta da experiência que as pessoas têm no encontro com a Administração Pública e nos serviços públicos que exigem atendimento, licenciamento, controle, poder de polícia, tributos etc. 2.4.1.4.

Corrupção legal e corrupção moral23

Mais um duplo merece uma breve discussão: a ideia de corrupção moral e de corrupção legal. Direito e moral são partes da(s) cultura(s) e acabam por impor um espaço comum de percepção no discurso dos diversos atores sociais.24 A permanente tensão entre direitos e deveres, de um lado, e moral e direito, doutro, é uma marca de nosso tempo. É também uma questão complexa. A sua superação demanda um aparato de garantias e medidas concretas do Estado e da sociedade com o objetivo de melhorar os processos sociais, criar formas que neutralizem as forças desagregadoras e excludentes da própria existência do Estado e da sociedade e, por fim, aproximar o direito da moral pública. Temos, concretamente, a necessidade de compreender as relações entre direito e moral, numa época em que essa questão se desdobra em dois polos: um “ideal” e um “histórico”.25 O dado histórico possibilita a percepção, mesmo que de forma mediata, da evidência de que os muitos caminhos possíveis entre direito e moral são decorrentes de uma profunda relação entre pessoas, comunidades, estruturas estatais, normas e valores. Ao mesmo tempo, há uma idealização a partir de uma dialética no exercício da práxis ético-jurídica organizada a partir da palavra.26 A teia de relações humanas27 exige um tratamento da palavra 23

Aqui não se defende uma cisão entre Direito e Moral. Mas, também, não se cai na armadilha teórica de trabalhar com o Direito e a Moral como uma questão única, apesar da existência de uma “co-originariedade” entre ambos. Expondo as diferenças entre Direito e Moral, Habermas mostra que a relação de co-originariedade entre as duas matérias significa que o direito positivo não pode extrair toda sua força legitimadora de um princípio moral consubstanciado num direito superior, natural, nem pode se reduzir a um empirismo que nega qualquer tipo de legitimidade que ultrapasse a contingência das decisões legisladoras. Dito doutra forma, o direito não é mera cópia da moral, mas também não é completamente estranho a ela. Na compreensão de Habermas no nível de fundamentação pós-metafísico, tanto as regras morais como as jurídicas diferenciam-se da eticidade tradicional, colocando-se como dois tipos diferentes de normas de ação que surgem lado a lado, completando-se. Assim, pode-se dizer, com Habermas, que as questões morais e jurídicas se referem aos mesmos problemas. O que há de comum entre os dois universos é que a moral e o direito servem para regular conflitos interpessoais; ambos devem proteger, de forma simétrica, todos os participantes e afetados. Ver HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre faticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, tomos I e II; MOREIRA, Luiz. Fundamentação do Direito em Habermas. 2. ed. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002; OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Ética e Racionalidade Moderna. São Paulo: Loyola, 1993; STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. 24 Cf. KAHN, Paul. El Análisis Cultural del Derecho: una reconstrucción de los estudios jurídicos. Barcelona: Gedisa, 2001, especialmente o capítulo 2. 25 A conjugação dos dois pólos (ideal-normativo e empírico-histórico) na nossa época é bem explorada por LIMA VAZ, Henrique Cl. de. Democracia e Sociedade. In: TOLEDO, Cl. MOREIRA, L. (orgs.). Ética e Direito. São Paulo: Landy/Loyola, 2002, p. 344. 26 Cf. LIMA VAZ, Henrique Cl. de. Ética e Justiça: filosofia do agir humano. In PINHEIRO, José Ernanne; SOUSA JUNIOR, José Geraldo, DINIS, Melillo; SAMPAIO, Plínio de Arruda (Orgs.). Ética, justiça e direito: Reflexões sobre a reforma do Judiciário. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 24ss. 27 A expressão é da velha filósofa. Ver ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, p. 196: “A rigor, a esfera dos negócios humanos consiste na teia de relações humanas que existe onde quer que os homens vivam juntos. A revelação da identidade através do discurso e o estabelecimento de um

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MELILLO DINIS NASCIMENTO

na esfera pública em espaços jurídicos e morais de valorização e mediação dos conflitos de uma sociedade. O nome disso é Política (com maiúscula). A superação decorre da discussão ampla e livre, pois as chances de aproximação do correto são maiores quando cada um tem a oportunidade de dizer o que pensa e de apresentar seus argumentos num discurso entre iguais.28 Nesse mundo ideal, mas possível, as tentativas de cuidar da corrupção exigem as mais diversas formas de participação social, pelos mecanismos da democracia, numa outra forma de fazer a política. No caso brasileiro, essa percepção ainda está consolidada em toda linguagem (política, jurídica e moral) que, por vezes, separa e/ou confunde esses universos, a depender da vontade e dos interesses presentes entre os usuários, seus discursos e suas relações com o poder. Quanto mais próximo dos centros de poder, especialmente do centro de tomada de decisão política, a razão de agir dos atores no estímulo à adoção de práticas corruptas, tende a afastar tais universos e prescindir do direito e da moral. Na abordagem da existência de uma corrupção moral, de um lado, e doutro, a corrupção legal, a corrupção punível ocorre somente quando a lei é claramente violada. Há, todavia, uma vantagem nesta posição. Ela requer que as leis sejam claras, sem dúvidas sobre o seu significado e sem espaço para a discricionariedade do agente aplicador da lei. Uma interpretação legal a respeito da corrupção deve enfrentar assim a fronteira entre o ato corrupto e o ato não corrupto. Se um ato oficial é proibido pela legislação, em sentido amplo, ele é corrupto. Se não está claramente proibido, mesmo que seja abusivo, imoral ou antiético, ele não é corrupto.29 Mas, sob o argumento de oportunizar um método mais simples, que possa evitar a aproximação potencialmente emotiva e determinar uma percepção (como um bias), o conceito de corrupção legal acaba por desqualificar a moral como parte da estrutura da norma jurídica. Aqui há um problema. A partir dessa perspectiva jurídica, a compreensão da corrupção permite sublinhar a deterioração do comportamento humano regulado por normas e a dependência da abordagem legal para determinar o que é certo e o que é errado. Noutro sentido, tal abordagem cria uma relação direta entre as complexidades do modelo de governança nos países modernos, o crescimento de escândalos de corrupção em todo o mundo e a proliferação de uma legislação de combate à corrupção cada vez mais ampla em seus conceitos. Nessa quadra de proliferação legislativa, há, contudo, aspectos que merecem uma novo início através da ação incidem sempre sobre uma teia já existente”. 28 Cf. OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Direito e Sociedade. In: PINHEIRO, José Ernanne; SOUSA JUNIOR, José Geraldo, DINIS, Melillo; SAMPAIO, Plínio de Arruda (Orgs.). Ética, justiça e direito: Reflexões sobre a reforma do Judiciário. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 89. 29 GARDINER, John A. Defining Corruption, Corruption and Reform. 1993, vol. 7, n. 2, p. 111-124. Aqui penso na lista de pedidos de Natal de 2013 de Lenio Streck, publicada no site Consultor Jurídico: “25. Que os administradores não se safem de seus malfeitos sob o argumento (do século XIX) de que ‘ato foi imoral... mas foi legal’. Dear Santa, quem está ensinando Direito Administrativo para o corpo jurídico que protege a Viúva?”, STRECK, Lenio Luiz. Uma lista de pedidos de um jurista para o Papai Noel. Consultor Jurídico. Disponível em: . Acesso em: 13 dez. 2013.

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reflexão. É que toda legislação, de forma mais ampla ou estrita, visa garantir comportamentos e condutas. Mas quando ela deve tratar mais da legalidade da conduta e menos da moralidade da mesma ação? Difícil a resposta. O fato é que a questão da moralidade tem sido muito “legislada” nos países do sistema romano-germânico (civil law)30 nesta virada de século, muito provavelmente por conta, dentre muitos fatores, da descrença coletiva no comportamento humano a partir de regras morais e/ou culturais e não meramente “jurídicas”. Essa característica cria dificuldades à aplicação da lei, por conta dos riscos de decisões “discricionárias” tomadas sem a devida relação fundamental com a Constituição e com o sistema jurídico. Noutras vezes, essa abordagem diminui a eficácia da percepção de atos corruptos “camuflados” por uma justificação jurídica.31 Nada impede que, diante dessa realidade, cuide-se de trabalhar numa hermenêutica, a partir de uma crítica hermenêutica do direito,32 que garanta, de um lado, a eficácia na aplicação da lei, e de outro, os cuidados necessários para evitar uma retórica jurídica espalhafatosa e voltada mais ao espetáculo que ao direito, na forma de decisões administrativas e judiciais contrárias à própria Constituição brasileira.

2.4.2. Os custos da corrupção Discutidos alguns elementos conceituais, a segunda questão trata dos custos da corrupção. Como disse, a corrupção é um fenômeno que tem atingido todas as sociedades, em menor ou maior escala. Os danos causados por ações corruptas, particularmente no setor público, têm gerado problemas que comprometem a sua própria capacidade administrativa, fazendo assim com que seu desempenho seja minimizado e se reflita, negativamente, em setores importantes da sociedade, como o econômico, o cultural, o social e o político. 33 O Ministério Público Federal, por meio de sua Procuradoria (PGR), no começo de 2014 informou que pelo menos US$ 2,5 bilhões (dois bilhões e meio de dólares americanos), ou cerca de 6 (seis) bilhões de reais estão bloqueados no exterior a seu pedido. São recursos públicos desviados e dinheiro 30

Países vinculados ao sistema da common law adotaram legislações com algumas dessas características “morais”. Por exemplo, a Lei das Práticas de Corrupção no Estrangeiro (Foreign Corrupt Practices Act – FCPA) dos Estados Unidos da América, datada de 1977, e a Bribery Act, norma do Reino Unido que entrou em vigor em 2011. Essas normas têm proximidade com a Lei Anticorrupção, apesar de serem menos duras ao meu modo de ver. 31 O quadro nos países centrais pode ser visto em: KAUFMANN, Daniel. Corruption, Governance and Security: Challenges for the Rich Countries and the World. In: Global Competitiveness Report 2004/2005. World Bank Institute, 2005. A questão da justificação “jurídica” de atos corruptos pode ser analisada a partir das críticas à atuação dos Tribunais de Contas e de outros órgãos de fiscalização, como o Ministério Público, que, para alguns autores, ocupam-se mais de irregularidades formais e perdem-se frente aos grandes casos de corrupção e improbidade administrativa. Ver: PAZZAGLINI Filho, Marino; ROSA, Márcio Fernando Elias e FAZZIO JR, Waldo. Improbidade Administrativa: aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. São Paulo: Atlas, 1999, p. 143 e ss; TRÊS, Celso Antônio. A atuação do Ministério Público contra a improbidade. In: SAMPAIO, José Adércio Leite et alli, Improbidade Administrativa: 10 anos da Lei 8.429/92. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 80. 32 Para aprofundar a questão e a viabilidade de um pensamento jurídico a partir da crítica hermenêutica do direito, há inúmeros textos, artigos e livros de Lenio Streck, dentre outros autores que cuidam de aprofundar essa questão. Ver uma análise sistemática em: STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, em especial os capítulos 5 e 6, p. 197-348. 33 Cf. SPECK, Bruno Wilhelm. Caderno Adenauer 10: Os custos da corrupção. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000.

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de corrupção, ativos identificados em operações como Satiagraha (iniciada em 2004), Banestado (objeto de Comissão Parlamentar de Inquérito em 2003), Tribunal Regional do Trabalho/SP (no final dos anos 90), entre outras.34 Por valores como estes, a corrupção pública tem se tornado alvo de intenso debate no Brasil e em diversos países. Para entender melhor o fenômeno, deve-se destacar a dificuldade de medir o custo da corrupção para qualquer sociedade. Em parte, por conta da própria limitação na apuração dos crimes de corrupção propriamente ditos, em decorrência das poucas formas de controle desse tipo de delinquência. Alguns estudos medem a incidência da corrupção de forma indireta por meio de pesquisas com especialistas em finanças, empresários, banqueiros, professores e “especialistas” em corrupção. Os resultados apresentados nem sempre representam uma descrição do fenômeno da corrupção, senão mais uma forma de expor a percepção dela em determinada sociedade.35 Há uma teoria de que o suborno serve para acelerar uma máquina burocrática, que é lenta ou muito rígida.36 Mas, mesmo que ocorra dessa forma, se levada a uma prática que descreve o modo de funcionamento do sistema, acaba por gerar custos e distorções que transformam os mercados em ineficientes. Agentes governamentais de alto nível que toleram ou adotam a corrupção permitem que exista demasiado investimento público improdutivo e se descuidam de investimentos passados. Falsos sinais são enviados aos mercados, alterando as decisões dos setores produtivos. A corrupção, ainda, reduz o investimento total e limita o investimento estrangeiro direto ou indireto, ao mesmo tempo em que incentiva o excesso de investimento público em obras de infraestrutura.37 Em alguns casos, o fenômeno tem se transformado em escândalos midiáticos, os quais geram cada vez mais reflexões sobre mecanismos de controle que inibam e evitem ações predatórias, por parte de agentes corruptos, contra os interesses públicos cristalizados nos Estados. Nesse caso, outro custo da corrupção é sua descaracterização (ou a mudança de sua essência) por conta de certo tipo de uso “político”, no formato de escândalo,38 e que deve ser compreendido39 para evitar que haja uma dupla banalização: 34

Cf. VASCONCELOS, Frederico. PGR cria unidade para repatriar dólares bloqueados de atividades criminosas. Folha de S. Paulo, São Paulo, 3 jan. 2014. Disponível em: . Acesso em: 3 jan. 2014. Esses valores (6 bilhões de reais) correspondem, em 2013, a 20% dos gastos do Governo Federal com o programa Bolsa Família, programa de apoio às crianças nas escolas e que atende a cerca de 14 milhões de famílias em todo o Brasil. 35 SPECK, Bruno Wilhelm. Caderno Adenauer 10: Os custos da corrupção. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2000. Veja-se que o IPC da Transparência Internacional é baseado nesse modelo, com opiniões de especialistas em corrupção no setor público, empresários e estudiosos. 36 Em que pese o fato dessa não ser a opinião do autor, ele faz expressa referência a essa perspectiva. Ver: MANFRONI, Carlos A. Soborno transnacional. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1998. 37 MARTINS, Rui. O dinheiro sujo da corrupção. São Paulo: Geração Editorial, 2010. 38 Ver ROSA, Mário. A era do escândalo: lições, relatos e bastidores de quem viveu as grandes crises de imagem. São Paulo: Geração Editorial, 2003, p. 431 e ss. 39 Não há nada de errado na divulgação dos casos de corrupção, seja pela imprensa ou pelas redes sociais. Aliás, os casos são bem melhor analisados e enfrentados pelas instituições quando estão sob o descortino da opinião pública. A

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a)

uma que reduza a corrupção a um jogo de troca de acusações e que afirme uma perspectiva de que todos,na política, são corruptos; e

b)

outra que transforme a corrupção como algo essencial da política, determinando que toda forma de fazer a política é, em seu âmago, corrupta, e desqualifique esse espaço de articulação e luta de interesses em algo ruim apenas pelo fato de ser/estar nessa esfera.40

2.4.3. O controle da corrupção por meio das instituições O nível de accountability41 nos países possui importância central para o controle da questão é quando o tema corrupção é o leitmotiv da ação política, vendido como uma regra geral e inabalável. Para um exemplo, ver: CAMAROTTI, Gerson. Memorial do escândalo: os bastidores da crise e da corrupção no governo Lula. São Paulo: Geração Editorial, 2005. 40 A expressão “banalidade” na filosofia política ganhou alcance a partir de Arendt. Aplicada primeiramente aos horrores do holocausto e do nazismo, hoje é utilizada como uma forma de analisar a conduta das pessoas, do Estado e das coletividades frente ao cotidiano de desmantelos, numa ponta, e crueldades noutra, que trivializam experiências negativas que passam despercebidas por quase todos. Ela não procura rebaixar a gravidade do mal, mas aumentá-la. O mais horrível do mal moral é que autênticas perversões se apresentam e são vividas muitas vezes como atos triviais, indiferentes, quase bons. O tema do mal, em Arendt, não tem como pano de fundo a malignidade, a perversão ou o pecado humano. A novidade da sua reflexão reside justamente em evidenciar que os seres humanos podem realizar ações inimagináveis do ponto de vista da destruição e da morte, sem qualquer motivação maligna. O pano de fundo do exame da questão, em Arendt, é o processo de tecnificação da vida ocorrido com a massificação, a industrialização e a racionalização das decisões e das organizações humanas. Ver: ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. 41 Define-se aqui a accountability, em seu sentido mais abrangente, como a responsabilidade dos indivíduos, agências e organizações – públicas, privadas e da sociedade civil – pela execução de seus poderes corretamente. No campo estrito do setor público, corresponde à responsabilidade do governante de prestar contas de suas ações, o que significa apresentar o que faz, como faz e por que faz. A accountability é um tema central no atual debate sobre as novas democracias. Para muitos, a democracia é sólida quando possui eficientes mecanismos de prestação de contas. Ver: DIAMOND, Larry; MORLINO, Leonardo. Assessing the Quality of Democracy. Baltimore: John Hopkins University Press, 2005, p. ix-xiii; MAINWARING, Scott; WELNA, Christopher (Orgs.). Democratic Accountability in Latin America. Oxford: Oxford University Press, 2003, p. 3-33; SCHEDLER, Andreas; DIAMOND, Larry, PLATTNER, Plattner. The Self-Restraining State: Power and Accountability in New Democracies. London: Lynne Rienner Publishers, 1999. p. 13-28. A questão no Brasil tem tomado uma dimensão simplista apenas quanto ao “dever” do administrador público de prestar contas. Penso que em um futuro próximo deveremos avançar, dentre outros aspectos do conceito e a partir do conjunto da sociedade civil, no “direito” de ter as contas prestadas, como algo da essência do controle do poder. Aqui vale a pena ver “O Federalista” – MADISON, James; HAMILTON, Alexander; JAY, John. Os Artigos Federalistas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993. Veja-se a reflexão de Madison: “Mas o que é o próprio governo, senão a maior das críticas à natureza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário governo algum. Se os homens fossem governados por anjos, o governo não precisaria de controles externos nem internos” (art. 51, p. 350). Nos países do bloco latino-americano, essa questão ainda é deficiente, mesmo em Constituições democráticas mais recentes (casos do Brasil – 1988 – e da Argentina – 1994 – reforma constitucional) que não possuem sistemas consolidados de controle do poder por parte do cidadão. Esse debate mais recente no campo do Direito Constitucional Comparado latinoamericano pode ser analisado a partir das reflexões de Raúl Ferreyra – ver: FERREYRA, Raúl Gustavo. Derecho constitucional del ciudadano y derecho constitucional del poder del Estado. In: Academia. Revista sobre enseñanza del Derecho, año 8, n. 15, Departamento de Publicaciones, Facultad de Derecho, Universidad de Buenos Aires, 2010, p. 83-122. Numa outra tradição, próxima do agir do homem público, mas como o mesmo fundamento de que há uma certa ética na condução dos negócios políticos, lembro da expressão cunhada por Winston Churchill, ainda no século XIX,

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corrupção. Essa terceira questão, intimamente relacionada aos níveis de corrupção, coloca a seguinte equação: quanto menor o exercício da accountability maiores os níveis de corrupção. Nesse sentido, a solução para os diversos tipos de corrupção está ligada diretamente às ações de controle. Na Administração Pública do Brasil, esse controle é exercido (muitas vezes de forma assistemática) por diversas instituições. Com o propósito de verificar os desempenhos das leis e das instituições e, por conseguinte, os níveis e as formas de accountability42 na esfera pública,43 são necessários esforços múltiplos no combate à corrupção – controles verticais e horizontais – sob a forma de um sistema44 compatível com as estruturas jurídicas e políticas45 dotadas de eficiência. Tais estruturas colocam a questão da corrupção dentro de um marco teórico de soluções de conflitos a partir de um marco racional e positivo (constitucional, criminal, civil e administrativo) de redução dos impactos da corrupção no Brasil como promoção de um Estado de Direito. No debate sobre políticas para combater a corrupção a partir das instituições, há outros tópicos importantes: (i) a transparência do setor público, (ii) a prestação de contas de políticos e administradores e (iii) o fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e controle, que podem estar tanto ligados ao Estado como à sociedade civil (sem nenhum tipo de e utilizada dezenas de vezes em seus escritos e discursos: correctitude. Uma combinação de correct (correto) e rectitute (retidão), cf.: LANGWORTH, Richard M. A sutileza bem-humorada de Winston Churchill: suas grandes tiradas. Rio de Janeiro: Odisseia, 2012, p. 87. O texto em que a expressão é utilizada é o seguinte: “[...] enquanto respeitava todas as formas de correctitude oficial, ele buscava ‘uma saída’ sem qualquer compaixão”. Na expressão está colocada o equilíbrio ou a intenção entre uma escolha racional (correto ou errado sobre este ou aquele aspecto) e o honesto e o desonesto (retidão). 42 No campo das formas de accountability há um debate acerca de sua relação com a sociedade. Como acontece usualmente no campo do pensamento social, usam-se explicações dicotômicas: formas dialógicas, críticas e argumentativas versus formas burocráticas, hierárquicas e não participativas. No caso do controle da corrupção, há uma tensão e uma contradição permanentes entre prestação de contas e responsabilização que afeta a produção das normas que cuidam de prevenir o fenômeno. Ver: MIRANDA, Luiz Fernando. Pensando a Corrupção na Política: aspectos teóricos e empíricos. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2007. Dissertação (Mestrado em Ciência Política e Sociologia). Rio de Janeiro, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 2007, 171 f.; TAYLOR, Mathew M. Corruption, Accountability Reforms and Democracy in Brazil. In: BLAKE, Charles H. e MORRIS, Stepehn D. Corruption & Democracy in Latin America. Pittsburgh: University of Pittsburgh Press, 2009, p. 150-168. 43 Uso o conceito de esfera pública habermasiano, segundo o qual “a esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas”. Ver: HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984, p. 92. 44 Cf. MARTINS, Carlos Estevam. Governabilidade e controles. In: Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro: FGV, vol. 23, n. 1, 1989, p. 5-20; O’DONNEL, Guilermo. Accountability horizontal e novas poliarquias. Lua Nova, São Paulo, n. 44, 1998. 45 Cf.: SOUZA, Patrícia Verônica Nunes Carvalho Sobral de. Corrupção & improbidade: críticas e controle. Belo Horizonte: Fórum, 2011; DROMI, Roberto. Modernización del control público. Madrid: Hispania Libros, 2005; DURRIEU, Jr., Roberto. Business crimes in Argentina & Latin America. Buenos Aires: Ad Hoc, 2008; MANFRONI, Carlos A. La convención interamericana contra la corrupción anotada y comentada. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 2001; TODARELLO, Guilhermo Ariel. Corrupción administrativa y enriquecimiento ilícito. Buenos Aires: Del Puerto, 2008; ROSE-ACKERMAN, Susan. Corruption and government: causes, consequences and reform. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.

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dicotomia excludente entre Estado e sociedade). Vários autores46 apostam no papel do controle social, exercido por meio de organizações da sociedade civil, a imprensa, a iniciativa privada ou cidadãos individuais. Ao lado do controle social, muitas vezes denominado “controle vertical”, existe o “controle horizontal”. O termo se refere ao controle exercido entre os próprios poderes políticos. Por exemplo, o controle jurídico-financeiro-administrativo, exercido pelos Tribunais de Contas, 47 o controle jurídico – strictu sensu – exercido pelo Ministério Público48 e pelos tribunais do Poder Judiciário e o controle do Poder Legislativo sobre a Administração. Doutrinadores enfatizam as possibilidades de aumentar a eficiência dessas instituições.49 O desempenho dessas instituições depende, em muitos casos, de sua independência, dos recursos humanos e materiais disponíveis para a atuação e da motivação dos seus integrantes para exercer a sua função. Existe também o controle interno. Governos e Administração Pública, na maior parte dos casos, estão interessados em aumentar o seu desempenho e evitar a exposição a escândalos. Por esse motivo, mantêm uma série de mecanismos para a identificação de falhas de eficiência.50 As novas tecnologias de informação podem ser decisivas no enfrentamento dessas questões. Também há experiências com instituições relativamente novas, como Ouvidorias, Controladorias e áreas de Transparência e Controle, para aumentar a voz do cidadão dentro da Administração e prevenir e/ou punir casos de corrupção. 3.

POR UMA TEORIA JURÍDICA DA CORRUPÇÃO

Apesar de ser um problema histórico, não há uma teoria integral da corrupção na tradição do pensamento social. Digo, grosso modo, que essa tentativa foi deixada de lado nas reflexões acadêmicas e teóricas, não havendo, nesse sentido, uma abordagem que dê conta do problema da corrupção que articule os múltiplos âmbitos do direito, da política, da economia, da sociedade e da cultura de forma abrangente e complementar.

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Ver uma sistematização desses autores em KLITGAARD, Robert E. A corrupção sobre controle. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994; ______. Controlando la corrupción: una indagación práctica para el gran problema social de fin de siglo. Buenos Aires: Sudamericana, 1994. No caso da literatura brasileira ver: AVRITZER, Leonardo; FILGUEIRAS, Fernando. Corrupção e sistema político no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011 e AVRITZER, Leonardo et alli (Orgs.). Corrupção: ensaios e críticas. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008. 47 JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. 3. ed. Belo Horizonte: Forum, 2012. Ver, especialmente no capítulo V, o item 5.7. Ética e Controle, p. 879 e ss. 48 Cf. CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. O significado do Ministério Público na prevenção e combate dos desmandos da Administração Pública brasileira: um estudo crítico-discursivo. Tese (Doutorado em Ciências Jurídicas e Sociais). Buenos Aires: Universidad del Museo Social Argentino, 2002, 258 f. 49 Há uma excelente síntese desses autores em FURTADO, Lucas Rocha. As raízes da corrupção no Brasil: estudo de casos e lições para o futuro. Tese (Doutorado em Direito). Salamanca: Universidad de Salamanca, 2012. 50 CONTI, José Mauricio; CARVALHO, André Castro. O controle interno na Administração Pública brasileira: qualidade do gasto público e responsabilidade fiscal. In: Direito Público, ano VIII, n. 37, jan/fev 2011, Porto AlegreBrasília: Síntese-IDP, p. 203.

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Os estudos sobre corrupção são realizados sem a pretensão de uma teoria mais geral, de cunho interpretativo, lidando com a questão e com o fenômeno no estilo “árvore-floresta”. Tal realidade está presente tanto nos estudos mais gerais quanto no “campo jurídico”. Ou é um problema de “cientistas sociais”, ou “mora na filosofia”, ou, ainda, é um tema para os “doutores da lei”. Cada um com seus problemas. Busco aqui, num sentido mais doutrinário e a partir do distanciamento de “ilhas” especializadas de conhecimento, sem desmerecer nenhuma contribuição ou reflexão e sem comprar água barrenta como água profunda, (re)pensar uma teoria jurídica da corrupção, que sem colocar tudo e todos num mesmo pote, ofereça uma dialética de análise.51 O horizonte teórico para o presente texto decorre da percepção de uma integração de perspectivas.52 Essa questão será abordada mais adiante, a fim de cuidar um pouco do discurso teórico sobre a corrupção. De forma mais simples, trato de reunir os principais pensamentos modernos sobre o fenômeno da corrupção, na forma de quatro grandes correntes: o patrimonialismo, o funcionalismo, a economia e o (neo)institucionalismo. 3.1.

O patrimonialismo

Quando nos deparamos com o tema da corrupção, há, comumente, uma vertente interpretativa do pensamento político e social mobilizada para explicar os casos de malversação de recursos públicos e imoralidades. O problema do patrimonialismo (ou do clientelismo) é comumente utilizado para descrever a corrupção, tendo em vista o direito, a cultura, a economia, a política e a sociedade, de acordo com o problema da modernização, do surgimento das modernas burocracias e da legitimação da política moderna. A incorporação do conceito weberiano53 de patrimonialismo normalmente é o foco analítico para o problema da corrupção. No Brasil tradicionalmente não se respeita a separação entre o público e o privado, não sendo o país um exemplo de Estado moderno legitimado por normas impessoais e racionais. O patrimonialismo é mazela comum, de maneira que não se promoveria a separação entre os meios de administração e os funcionários e governantes, fazendo com que estes tenham acesso privilegiado à estrutura e à riqueza públicas para a exploração a partir de suas posições e cargos. Dado o patrimonialismo inerente à construção da cena pública, a corrupção é 51 Adoto como norte o pensamento e o método de Roberto Lyra Filho, em que o direito é processo e não apenas norma. As normas positivas (que evidentemente não se confundem com o positivismo) são parcelas parciais mantidas pela teoria dialética na superação dogmática do positivismo. Tal normativismo, ainda que não se identifique com o legalismo rasteiro que Lyra tão bem combate, exige espaço para uma compreensão do direito como uma forma específica de discurso que organiza o exercício do poder (e não somente por parâmetros deontológicos), e não apenas como um processo que se realiza mediante a positivação de normas jurídicas. Ver LYRA FILHO, Roberto. Desordem e processo. Porto Alegre: Fabris, 1987, p. 305. 52 Aqui também a expressão é de Roberto Lyra Filho, que definiu a “integração de perspectivas” como condição de possibilidade para um conhecimento pleno em todos os domínios do saber, numa espécie de gnosiologia unificadora: LYRA FILHO, Roberto. Análise criminológica de um “passional”. In Perspectivas atuais da Criminologia. Recife: Imprensa Oficial de Pernambuco, 1967, p. 108-109. 53 WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos de sociologia compreensiva. 2. v. Brasília: UnB, 1999. Ver Vol. 1, p. 33.

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um tipo de prática cotidiana, chegando mesmo a ser legitimada e explícita no âmbito de uma tradição herdada do mundo ibérico.54 O centro do problema, para a ponderação que faço entre teorias e realidades, é que a tradição patrimonialista não enfrentou de frente a questão da corrupção, apenas descrevendo-a como sintoma do mesmo diagnóstico: a promiscuidade do privado e do público, este último invadido pelos vícios do primeiro, enquanto este se apropria do Estado para o uso como ente “dominado” e controlado por interesses de poucos. 3.2.

O funcionalismo

No caso da literatura especializada, pode-se dizer que uma tentativa de tratamento sistemático55 sobre a corrupção remonta aos anos 1950, com a emergência de uma perspectiva funcionalista para os estudos das ciências sociais, conforme observava Merton.56 Os estudos mais sistemáticos sobre o tema da corrupção surgiram nos Estados Unidos, tendo em vista o problema da modernização e abordagens comparativas, tomando o tema do desenvolvimento. Ao relacionar o problema do desenvolvimento político e econômico ao tema da corrupção, a abordagem funcionalista procura compreender o modo como ela pode ajudar ou emperrar o desenvolvimento de sociedades tradicionais e subdesenvolvidas. Como pano de fundo, há uma preocupação com os processos de modernização, de acordo com o caráter sistêmico que a corrupção assume em sociedades tradicionais. Nestas, a corrupção é uma função manifesta e latente, é a própria norma, em comparação com as sociedades modernas. Como função manifesta, a corrupção tem por consequência fomentar ou impedir a modernização, representando, em muitos casos, eventuais benefícios para a constituição de uma ordem moderna, balizada, principalmente, nas iniciativas do espírito capitalista. Para a sociologia da modernização, há uma relação necessária entre corrupção e modernização, uma vez que cenários de corrupção amplamente disseminada definem uma baixa institucionalização política e, por sua vez, uma ordem fraca para a mediação e a adjudicação de conflitos.57 Pela abordagem funcionalista, a corrupção seria típica de sociedades subdesenvolvidas, representando um tipo de prática aceita diante da baixa institucionalização 54

FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. 5. ed. São Paulo: Globo, 2012, p. 45 e ss. Ainda sobre esta concepção e sobre o pensamento weberiano a partir de Faoro: VIANNA, L. W. Weber e a interpretação do Brasil. Novos Estudos, CEBRAP, n. 53, 1999; FILGUEIRAS, F. A corrupção na política: perspectivas teóricas e metodológicas. Cadernos Cedes, IUPERJ, n. 5, 2006; SCHWARTZMAN, S. Bases do autoritarismo brasileiro. Rio de Janeiro: Campus, 1982; LEITE, Celso Barroso. Sociologia da corrupção. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1987; MENDONÇA, Kátia Marly Leite, Lua Nova, São Paulo, v. 48, p. 93-108, 1999; SANTOS JÚNIOR, Jair dos. As categorias weberianas na ótica de Raymundo Faoro: uma leitura de “Os Donos do Poder”. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2001. 55 A questão da corrupção sempre esteve presente nos textos filosóficos, religiosos, artísticos, morais, políticos e jurídicos, desde a antiguidade. Contudo, somente no século passado ela se despregou da unidade teórica que a tratava como algo decorrente apenas da natureza humana ou da natureza do Estado, para a construção de uma teoria que, sem ainda conseguir uma sistematização integral do fenômeno, passou a entender a corrupção como um objeto de estudo e não apenas uma circunstância da sociedade ou da humanidade. 56 MERTON, Robert K. Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970, p. 122. 57 HUNTINGTON, Samuel. A Ordem Política nas Sociedades em Mudança. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense Universitária/EDUSP, 1975, p. 79 e ss.

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política. Os momentos de mudança social favorecem a corrupção pelo hiato existente entre modernização e institucionalização, tornando-a típica de sociedades em processo de mudança social. O grande estudioso do tema na época foi Huntington. Sua hipótese central era a de que “a corrupção, como a violência, ocorre quando a ausência de oportunidades de mobilidade fora da política se combina com a exigência de instituições frágeis e inflexíveis, canalizando energias para o comportamento político desviante”.58 Há, portanto, nessa análise, causas e funções comuns tanto para a violência quanto para a corrupção, diretamente influenciadas pela modernização. Violência e corrupção estabelecem relações e se encontram entrelaçadas, pois “tanto a corrupção quanto a violência são meios ilegítimos de se fazer demandas ao sistema, mas a corrupção é também um meio ilegítimo de satisfazer tais demandas.”59 Huntington também reconheceria que esses dois modos de formular demandas ao sistema são utilizados por classes sociais distintas: (a) a violência correspondendo às demandas dos estratos economicamente mais baixos da população; e (b) a corrupção às demandas dos estratos mais altos. Em cenários de baixa institucionalização política, como nota Huntington,60 a corrupção tende a ser um tipo de ação mais acentuada, porquanto a modernização implique novos atores na cena política, ensejando clivagens sociais e um comportamento pouco comprometido com as normas. Pela abordagem funcionalista, dominante na década de 1960, a corrupção poderia cumprir uma função no desenvolvimento. Se mantida sob controle, poderia ser uma forma alternativa, encontrada pelos agentes políticos de articular seus interesses junto à esfera pública. Por exemplo, a construção de máquinas políticas influenciaria o conteúdo das decisões tomadas na arena legislativa, por meio da persuasão das elites partidárias. A constituição dessas máquinas políticas, nas quais a corrupção é o elemento chave, colaboraria para o arrefecimento da disputa social que surgiu com a modernização, servindo, dessa forma, para o desenvolvimento político, econômico e social.61 A corrupção seria, portanto, uma disfuncionalidade inerente a uma estrutura social de tipo tradicional, que, no contexto da modernidade, geraria instabilidade no plano político e econômico. A corrupção, dessa forma, poderia cumprir uma função de desenvolvimento, uma vez que forçaria a modernização. Porém, sua função de desenvolvimento seria cumprida desde que ela estivesse sob o controle das instituições políticas, de tipo moderno. Do ponto de vista dos benefícios, a corrupção poderia agilizar a burocracia, ao tornar mais rápida a emissão de documentos e autorizações formais por parte do Estado. Nessa perspectiva, a corrupção azeitaria o desenvolvimento ao estabelecer um laço informal entre burocratas e investidores privados, o que favoreceria o desenvolvimento econômico.62 58

Idem, p. 80. Idem, p. 105. 60 HUNTINGTON, Samuel. A Ordem Política nas Sociedades em Mudança. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense Universitária/EDUSP, 1975, p. 107. 61 SCOTT, J. Corruption, machine politics and political change. American Political Science Review, v. 63, n. 4, 1969. 62 LEFF, N. H. Economic development through bureaucratic corruption. American Behavioral Scientist, v. 8, n. 3, 1964. 59

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Ao absorver o problema da modernização como núcleo central para explicar a corrupção, a vertente funcionalista buscou compreender os custos e os benefícios da corrupção para o desenvolvimento, de acordo com uma premissa de que seu entendimento considere os aspectos funcionais e disfuncionais dos sistemas políticos. A partir dos anos 1970, a literatura sobre o tema da corrupção deu uma guinada metodológica, direcionando-se para o tema da cultura, e o tema do desenvolvimento passou a ser considerado na dimensão da cultura política, partindo da premissa de que a cultura é proeminente em relação ao político e ao econômico. Apesar de essa vertente ter rompido com a questão dos benefícios da corrupção, ao incorporar o problema dos valores, ela não rompeu com a estrutura metodológica do funcionalismo.63 Nesse contexto, ainda há os trabalhos ligados à conotação da corrupção como algo inerente à cultura política, que ligam a corrupção às interações construídas pelos atores sociais, refletindo experiências e valores que permitem ao indivíduo aceitar ou rejeitar entrar em um esquema de corrupção. Ao lado do sistema institucional e legal, o sistema de valores é fundamental para motivar ou coibir as práticas de corrupção no interior de uma sociedade. A modernização implica mudança dos padrões de valores e de ação por parte dos atores sociais. A corrupção, nessa lógica, representa, antes de tudo, a permanência de elementos tradicionais que utilizam, especialmente, o nepotismo, a patronagem, o clientelismo e a penetração junto à autoridade política para obter vantagens e privilégios. Os trabalhos ligados à vertente da cultura política receberam a influência de Edward Banfield sobre as culturas locais.64 Nessa corrente, o tratamento da corrupção parte de uma concepção metodológica comparativa, decorrente de culturas locais tradicionais contrapostas a uma cultura universal moderna. Dessa forma, a corrupção dependeria de uma mudança de valores básicos da sociedade, que demandariam processos mais lentos de mudança institucional. 65 3.3.

A economia

A partir dos anos 1980, ocorreu outra virada metodológica das pesquisas sobre a corrupção. Ao problema político foi incorporada a abordagem econômica centrada, principalmente, na análise dos custos da corrupção para a economia de mercado em ascensão. Isso se deve ao fato de, a partir da década de 1980, o tema da corrupção florescer junto com os processos de liberalização econômica e política, especialmente nos países periféricos, como os da América Latina e da Ásia, e nos países do Leste Europeu e na Rússia.66 Ademais, a literatura de viés econômico sobre o tema da corrupção refletiu a percepção de que os custos superariam os 63

LIPSET, S. M. e LENZ, G. S. Corrupção, cultura e mercados. In: HUNTINGTON, Samuel e HARRINSON, Lawrence E. (Orgs.). A cultura importa: os valores que definem o progresso humano. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 167. 64 BANFIELD, E. The moral basis of backward society. Glencoe: Free Press; Chicago: The University of Chicago (Research Center in Economic Development and Cultural Change), 1958, p. 35. 65 LIPSET, S. M. e LENZ, G. S., Corrupção, cultura e mercados. In: HUNTINGTON, Samuel e HARRINSON, Lawrence E. (Orgs.). A cultura importa: os valores que definem o progresso humano. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 168. 66 JOHNSTON, M. Syndromes of corruption. Wealth, power, and democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.

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benefícios apontados pela teoria funcionalista. A literatura especializada sobre o tema da corrupção dominada pela economia compreende-a como o resultado de configurações institucionais e o modo como permitem que agentes egoístas maximizem seus ganhos burlando as regras do sistema político.67 O problema da corrupção passou a ser explicado de acordo com conceitos derivados de pressupostos econômicos como o rent-seeking e a ação estratégica de atores políticos no contexto de instituições que procuram equilibrar esses interesses com noções amplas de democracia.68 A teoria da ação considerou o cálculo que agentes racionais fazem dos custos e dos benefícios de burlar uma regra institucional do sistema político, tendo em vista uma natural busca por vantagens. Basicamente, a configuração institucional define sistemas de incentivos que permitem aos atores acumularem utilidade. Uma postura rent-seeking, que é esperada quando as instituições permitem que um agente burle as regras do sistema, ocorre quando ele maximiza sua renda privada em detrimento dos recursos públicos.69 Dessa forma, situações de monopólio de poder e de recursos favorecem situações em que os agentes preferem se corromper a seguir as regras do sistema. As proposições de reformas institucionais, derivadas dessa vertente econômica de análise da corrupção, tendem a ver o Estado como uma instituição naturalmente corrompida, o lugar privilegiado dos vícios e da malversação de recursos, e caminham no sentido de minimizar essas condutas na sociedade e reduzir os incentivos à prática da corrupção, por meio da redução do poder da burocracia70 ou do próprio tamanho do Estado.71 A democracia e os sistemas de probidade devem seguir as regras do mercado, porquanto seja esse o mundo da impessoalidade e uma estrutura competitiva que minimiza os sistemas de incentivo à corrupção. A par disso, a literatura contemporânea tem se dedicado a pensar os sistemas de integridade pública na dimensão da sociedade civil, da mídia e de outros atores importantes no controle da corrupção. Afirma-se, em confrontação com os aspectos econômicos da corrupção, um aspecto público e mais orientado ao político. Reforça-se a ideia de accountability pela via da democracia, em que o problema do controle da corrupção demanda um processo de

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ROSE-ACKERMAN, Susan. Corruption and government: Causes, consequences and reform. Cambridge: Cambridge University Press, 1999. 68 FILGUEIRAS, Fernando. Marcos teóricos para o estudo da corrupção. In: AVRITZER, L., BIGNOTTO, N. et al. Corrupção: ensaios e crítica. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008, p. 157. 69 KRUGER, A. O. The political economy of rent-seeking. American Economic Review, n. 64, 1974; TULLOCK, G. The welfare costs of tariffs, monopolies, and theft. Western Economic Journal, n. 5, 1967. 70 ANECHIARICO, F. e JACOBS, J. The pursuit of absolute integrity: How corruption control makes government ineffective. Chicago: The University of Chicago Press, 1996, p. 22-23. 71 Essa abordagem é estrutural em muitos textos com base na ideia de uma “economia” da corrupção para além das outras dimensões da vida social. Verificar na série de textos: ABED, George T. e GUPTA, Sanjeev (Org.). Governance, Corruption & Economic Performance. Washington, D.C., International Monetary Fund, 2002. Como exemplo: TANZI, Vito. Corruption around the world: causes, consequences, scope, and cures. ABED, George T. e GUPTA, Sanjeev (Org.), ob. cit., p. 19-58, (“... the fight against corruption often cannot proceed independently from the reform of the state.”, p. 53).

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democratização do Estado que está além da questão administrativa e burocrática.72 O problema da abordagem econômica é que ela tende a naturalizar a corrupção na órbita dos interesses materiais, sem perceber que esta está relacionada a processos sociais e, por conseguinte, simbólicos. Assim, a corrupção, para além da questão propriamente monetária e contábil, está relacionada a processos sociais que levam em consideração valores e normas que, além do institucional e do formal, consideram aspectos informais e culturais. A análise da corrupção deve atender ao reconhecimento de normas formais e informais, porquanto a passagem do privado ao público ocorre em meio a configurações de valores e normas. Ou seja, é fundamental pensar o aspecto normativo envolvido no conceito de corrupção, porque ele tem uma natureza fugidia e depende de concepções normativas a respeito das próprias instituições sociais, em que pesem, dessa forma, os valores que definem a própria noção do que vem a ser o interesse público. 3.4.

O (neo)institucionalismo

Estudos sob o enfoque do chamado (neo) institucionalismo, nos últimos anos, vêm trazendo potenciais avanços nas investigações sobre as instituições na realidade brasileira.73 A análise das instituições no contexto da modernidade que se pretende discutir neste ensaio teórico considera a abordagem institucional, que (re)surgiu entre as décadas de sessenta e oitenta, em resposta às crises, limitações e críticas relacionadas aos modelos explicativos até então dominantes nas ciências humanas e sociais: o behaviorismo (escola comportamentalista), o funcionalismo e o marxismo, bem como às abordagens racionalistas e formalistas das instituições. Essa base de análise institucional, somada a outras versões analíticas de origem principalmente sociológica, histórica e da ciência política, veio a compor uma abordagem chamada institucionalismo, para distingui-lo daquelas teorias difundidas antes da Segunda 72

WARREN, M. What does corruption mean in a democracy? American Political Science Review, v. 48, n. 2, 2004. A título de referência, alguns desses trabalhos nacionais com discussões teóricas que envolvem esse enfoque são tratados por ANDRADE, J. C. S.; DIAS, C. C.; QUINTELLA, R. H. A dimensão político-institucional das estratégias socioambientais. In: Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração, XXIII, Foz do Iguaçu, 1999. Anais... Foz do Iguaçu: ANPAD. 16 f. CD; DOLCI, Décio Bittencourt; KARAWEJCZYK, Tamára Cecília. Valores subjacentes à estratégia de uma organização: uma perspectiva de análise sob a ótica da teoria institucional e dos esquemas interpretativos. In: Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração, XXVI, Salvador, 2002. Anais... Salvador: ANPAD. 15 f., CD; GAZZOLI, Patrícia. O (neo)institucionalismo abre espaço para o ator social: uma exigência da investigação empírica. In: Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração, XXIX, Brasília, 2005. Anais... Brasília: ANPAD. 16 f., CD; GIMENEZ, F.A.P.; HAYASHI JUNIOR, P.; GRAVE, P.S. Isomorfismo Mimético em Estratégia. Encontro de Estudos em Estratégia, II, Rio de Janeiro, 2005. Anais... Rio de Janeiro: ANPAD. CD; MACHADO-DA-SILVA, C. L.; FONSECA, V. S. da; CRUBELLATE, J. M. Estrutura, agência e interpretação. Revista de Administração Contemporânea, v. 9, edição especial. Artigos da BAR, 2005. p. 9-39; MACHADO-DA-SILVA, C. L.; FONSECA, V. S. da; FERNANDES, B. H. R. Mudança e estratégia nas organizações. In: Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração, XXII, Foz do Iguaçu, 1998. Anais... Foz do Iguaçu: ANPAD. 15 f., CD; CRUBELLATE, João Marcelo; GRAVE, Paulo Sérgio. MENDES, Ariston Azevedo. A questão institucional e suas implicações para o pensamento estratégico. Revista de Administração Contemporânea, edição especial, 2004. p. 3760. 73

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Guerra Mundial até o advento da chamada revolução behaviorista. Além disso, passou a também incorporar o adjetivo “novo”,74 pois, de certa forma, as abordagens tradicionais (behaviorismo, funcionalismo e marxismo) estariam relacionadas ao “velho” institucionalismo, que não reconhece uma lógica própria no funcionamento das instituições, identificando-as como elementos de um sistema maior e cumprindo funções pré-determinadas. Eis o (neo)institucionalismo, conceito a ser utilizado na presente discussão teórica sobre o fenômeno da corrupção. Quais as suas contribuições? A análise das (inter)organizações pode contribuir para os estudos de controle como método auxiliar de identificação de variáveis que devem ser consideradas na administração pública e suas relações com a sociedade e o mercado. Nessa perspectiva de controle, é fundamental pensar a corrupção em uma dimensão sistêmica que alie a moralidade política – pressuposta e que estabelece os significados da corrupção – com a prática social propriamente dita, na dimensão do cotidiano das instituições e organizações do Estado e da sociedade. Resgatar uma dimensão de moralidade institucional para pensar o tema da corrupção significa buscar uma visão abrangente que dê conta dos significados que ela pode assumir na esfera pública. A partir dessas significações nas instituições, seus impactos e suas transformações, observo que a forma de mudança da corrupção na sociedade, de acordo com aspectos jurídicos, políticos, sociais, históricos, culturais e econômicos muda também a representação das instituições e de seus atores. Faço um exercício breve, para pensar as mudanças de significado na transição do século anteriores para o presente, e nesse contexto da relação entre o fenômeno da corrupção e a mudança dentro e a partir das instituições. Ao fim do século XIX, os republicanos acusavam o sistema imperial de corrupto e despótico. Uma das críticas mais contumazes à Primeira República era o proceder carcomido de seus processos políticos, com clara indicação de que a corrupção estava a acabar o país. Getúlio Vargas caiu em 1954 sob várias acusações, dentre elas de ter transformado o Palácio do Catete em um mar de lama (e de corrupção). O golpe de 1964 decorreu da luta contra a subversão e contra a corrupção. Em 1989 o Presidente da República, Fernando Collor de Melo foi eleito com a grande promessa de combater a corrupção e os “marajás” do serviço público, mas logo foi objeto de impeachment exatamente acusado de fazer uso de práticas corruptas. A diferença é que, a partir dos anos mais recentes, especialmente a partir de 1945, houve uma alteração ao sentido que se dava à corrupção. Até este período os sistemas eram corruptos. Não havia uma associação imediata entre a prática da corrupção e o agente político corrupto. Ocorreu uma mudança, a partir de meados do século passado que colocou as instituições e seus dirigentes como parte do fenômeno da corrupção. 75

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IMMERGUT, E. M. The Theoretical Core of the New Institutionalism. Politics & Society, v. 25, n. 1, mar. 1998, p. 5-34. 75 Ver para tanto a abordagem histórica de CARVALHO, José Murilo. Escola de Transgressão (Dossiê Corrupção). Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 4, n. 42, mar. 2009, p. 18-22. Dentre outros insights, o autor defende que o álibi da cupidez, que tanto marcou a nossa vida social ao longo do tempo, e a corrupção não têm significados

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Pensando a partir desta aproximação, a corrupção pode ser compreendida considerando aspectos pressupostos na prática social ordinária das instituições. Ao analisar os aspectos normativos envolvidos no tema da corrupção e o modo como a construção de sua significação social depende ainda dos valores que circulam no plano da sociedade. A legitimidade da ação política apenas é construída com a pressuposição desses valores fundamentais que configuram o que é e o que não é corrupção; ou seja, valores que configuram uma antinomia entre interesse público e corrupção, tendo em vista concepções de mundo e valores diferentes na moralidade política. Nesse caso, a corrupção deve ser analisada em uma dimensão sistêmica e integral que considere, de um lado, a existência de valores e normas que tenham uma conformação moral e, de outro lado, uma práxis realizada no âmbito do cotidiano das instituições das sociedades importantes para a configuração de um bom governo.76 O distanciamento entre normas legais, morais e a prática social cria um contexto de tolerância à corrupção que explica o fato de atores, consensualmente, concordarem com a importância de valores fundamentais como respeito, honestidade, decoro e virtudes políticas, mas, ao mesmo tempo, concordarem que, na política, um pouco de desonestidade pode cumprir uma função importante.77 Em um sentido maquiavélico,78 é importante distinguir a política do mundo real e os valores normativos passíveis de acordo racional, o que explica esse contexto de tolerância. É dessa forma que a corrupção é “normal” à política, apesar de todos os esforços para impedi-la. Os juízos morais de valor, pautados pela vida e pela excelência, e os juízos de necessidade, pautados pela vida cotidiana, explicam a antinomia existente entre normas legais/morais e a prática social da corrupção, de acordo com a definição de limites teóricos que a circunscrevem. Ou seja, segundo esses limites, é possível definir uma taxonomia da corrupção conforme seu alcance na prática social. A corrupção pode ser controlada, tolerada ou definida como endêmica, de acordo com seu alcance prático na sociedade. No que diz respeito à corrupção, constata-se que não basta uma mudança propriamente dita no aparato formal ou na máquina administrativa do Estado, mas é necessário, também, reforçar os elementos de uma cultura política democrática que tenha no cidadão comum o centro de especulação teórica e prática para uma concretização da democracia brasileira. Os avanços das reformas das leis e da máquina pública, nas duas últimas similares, não são vícios de origem, nem destino a que estamos condenados para a eternidade. 76 FILGUEIRAS, F. Corrupção, democracia e legitimidade. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2008. 77 Para perceber como essa questão é repleta de contradições, recomendo analisar os dados empíricos apresentados na pesquisa “A cabeça do brasileiro” – ALMEIDA, Alberto Carlos. A cabeça do brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2007 – especialmente o capítulo 1, intitulado “Corrupção: com jeitinho parece que vai”, p. 43-71. Ali se conclui que a “opinião pública reconhece e aceita, em grande medida, que se recorra ao jeitinho como padrão moral”. Há, nos dados, uma divisão profunda e clara (50% versus 50%) entre os que o consideram certo e os que o condenam. Por isso, “se os níveis de corrupção no Brasil provavelmente estão relacionados à aceitação social do jeitinho, os resultados da pesquisa indicam que temos um longo caminho pela frente se o que desejamos é o efetivo combate à corrupção” (p. 70-71). 78 Filia-se aqui aos que adotam o pensamento de Maquiavel, não no sentido primitivo do maquiavelismo de um padrão de comportamento reprovável, mas no sentido de constatar a separação entre razão moral e razão de Estado. Há diversos estudos. Para uma análise próxima da questão da corrupção ver: CARVALHO FILHO, José dos Santos. A sobrevivente ética de Maquiavel. In: PIRES, Luís Manuel Fonseca; ZOCKUN, Maurício; ADRI, Renata Porto (Coords.). Corrupção, ética e moralidade administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 129-139.

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décadas, são inegáveis, com o reforço da transparência. Contudo, falta à democracia brasileira um senso maior de publicidade, pelo qual a transparência esteja referida a uma ativação da cidadania, à accountability e à participação, sem os quais os esforços de combate e controle da corrupção ficarão emperrados em meio a uma cultura tolerante às delinquências do agente público. A partir das principais correntes do pensamento social, pode-se descortinar a constituição do enfrentamento do fenômeno da corrupção no universo do Direito brasileiro. 4.

O DIREITO BRASILEIRO, SUAS NORMAS E A CORRUPÇÃO

No contexto do Brasil neste começo de século, em que há uma renovada constitucionalização da vida jurídica brasileira, com uma abordagem pós-positivista em que os princípios passam a contar frente à normativa mais isolada, os esforços de controle da corrupção podem ser renovados a partir da proposta de um sistema de integridade em nível nacional com repercussões internacionais, aliás, como proposto nas Convenções da OEA (1996), da OCDE (1997) e das Nações Unidas (2003), das quais o Brasil é parte e que possuem, portanto, validade no nosso sistema jurídico.79 Há uma direta influência das normas estrangeiras80 a ponto de transformar a corrupção em um dos tópicos mais importantes das relações internacionais.81 Noutro sentido, há uma dimensão complementar que é definir, sob um aspecto criminológico e institucional, a relação da norma, da lei e da transgressão na cultura política no Brasil, no sentido de uma luta pela democracia e pela prevalência do direito. Não é difícil perceber o lento (mas progressivo) esforço institucional de criar normas que tratem do interesse público de um bom governo, despojado de efeitos deletérios, em especial a corrupção. Nos séculos anteriores muito se tentou, por meio de uma legislação resistente aos efeitos da gramática política brasileira. 82 79

OEA: Decreto nº 4.411, de 07 de outubro de 2002, que promulga a Convenção Interamericana contra a Corrupção, de 29 de março de 1996, com reserva para o art. XI, parágrafo 1º, inciso "c" (cf. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 08 out. 2002); OCDE: Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000, que promulga a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, concluída em Paris, em 17 de dezembro de 1997 (Cf. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1º dez. 2000); ONU: Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, que promulga a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003 (cf. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília DF, 1º fev. 2000). 80 GARCIA, Mônica Nicida. Três convenções internacionais anticorrupção e seu impacto no Brasil. In: PIRES, Luis Manuel Fonseca et alli (Coords.). Corrupção, Ética e Moralidade. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 271- 285. 81 SPECK, Bruno Wilhem. O Controle da corrupção como desafio internacional. In SPECK, Bruno Wilhem (Org.). Caminhos da Transparência. Campinas: Unicamp, 2002. 82 A feliz expressão “gramática política do Brasil” é de Edson Nunes. Ela traduz a existência de distintas linguagens (clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos) sob a forma de uma “gramática” que explica o modo pela qual as instituições e o sistema social se articulam e na maneira pela qual ações e expectativas humanas são produzidas. Ver: NUNES, Edson de Oliveira. A gramática política do Brasil: clientelismo,

O CONTROLE DA CORRUPÇÃO NO BRASIL 4.1.

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O tratamento constitucional antes de 1988

No plano constitucional, o final do século XIX e grande parte do século XX trouxeram dispositivos constitucionais prevendo a probidade administrativa como requisito a ser atendido pelo Presidente da República (e, por consequência, pelo aparato burocrático e administrativo como um todo), e que os atos atentatórios à probidade na esfera pública constituiriam crimes de responsabilidade do Presidente da República. A Constituição Republicana de 1891 já previa a probidade administrativa como um valor que, se violado, causaria a responsabilização do Presidente da República, na esfera criminal.83 Na esteira da primeira Constituição da República Brasileira, a Constituição Federal de 1934,84 a Constituição Federal de 1937,85 a Constituição Federal de 1946,86 e a Constituição Federal de 1967,87 com pequenas mudanças entre uma e outra redação, cuidaram de responsabilizar o chefe do Poder Executivo por crime face à violação da probidade administrativa. 4.2.

O tratamento infraconstitucional antes de 1988

No campo infraconstitucional, em meados do século XX, o Código Penal, promulgado em 07 de dezembro de 1940, criminalizou alguns aspectos presentes no fenômeno “corrupção” a partir da perspectiva do funcionário público e da Administração Pública. O artigo 312 tratou do peculato como sendo o crime de apropriação por parte do funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou privado de que tenha a posse em razão do cargo, ou seu desvio em proveito próprio ou alheio. Comete também crime o funcionário público, conquanto não tendo a posse, que subtrai ou concorre para que seja subtraído bem próprio ou alheio, valendo-se da facilidade que lhe proporciona o cargo. No artigo 315, criou-se fato delituoso que não era considerado pelo direito anterior, ou seja, dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei. O Código Penal propôs a punição por pena privativa de liberdade a conduta do funcionário público que exigisse, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou que aceitasse promessa de tal vantagem.88 Outro crime previsto foi o retardamento ou a omissão indevida, na prática de ato ou ofício, ou fazê-lo, contra

corporativismo e insulamento burocrático. 4. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2010, p. 39 e ss. 83 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 24 de Fevereiro de 1891). Diário Oficial, Rio de Janeiro, 24 fev. 1891. Artigo 54, 6º “a probidade da administração” e 7º “a guarda e emprego constitucional dos dinheiros públicos”. 84 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 16 de julho de 1934). Diário Oficial, Rio de Janeiro, 16 jul. 1934. Artigo 57, f “a probidade administrativa” e g “a guarda e emprego legal dos dinheiros públicos”. 85 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Diário Oficial, Rio de Janeiro,10 nov. 1937. Artigo 85, d “a probidade administrativa e a guarda e emprego dos dinheiros públicos”. 86 BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (de 18 de setembro de 1946). Diário Oficial, Rio de Janeiro, 18 set. 1946. Artigo 89, V, “a probidade administrativa”. 87 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (de 24 de janeiro de 1967). Diário Oficial, Brasília, 24 jan. 1967. Artigo 84, inciso V – idem. 88 BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial [da] República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. Artigo 316 (crime de concussão).

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disposição de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.89 Nesse codex, a corrupção (stricto sensu) tem apenas dois sentidos: (i) a corrupção passiva, tipificada pelo artigo 317 do Código Penal como “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes, de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida ou aceitar promessa de vantagem tal”;90 ou (ii) a corrupção ativa, tipificada no artigo 333 como “oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”.91 Ainda no período do Governo de Getúlio Vargas, o Decreto-lei nº 3.240, de 08 de maio de 1941, tratou do sequestro dos bens de pessoas indiciadas por crimes que acarretassem prejuízo ao erário. A importante Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950, cuidou dos crimes de responsabilidade, aí incluído ato do Presidente da República atentatório contra a probidade na Administração, como forma de controlar uma parcela do poder. Mais adiante, frente a um período de maior democracia no país, a Lei nº 3.164, de 1º de junho de 1957, e a Lei nº 3.502, de 21 de dezembro de 1958, estabeleceram regras para o sequestro e o perdimento de bens por tráfico de influência, abuso do cargo e/ou enriquecimento ilícito. A Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, ou Lei da Ação Popular, já em período autoritário, legitimou qualquer cidadão a pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público, e definiu alguns aspectos relevantes para a definição da probidade administrativa (artigos 2º e 4º). Por fim, o Decreto-lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967, no mesmo período autoritário que a Lei de Ação Popular, definiu os crimes de responsabilidade de prefeitos e vereadores.92 4.3.

O tratamento constitucional após 1988 Foi em 1988, realmente, que se atingiu uma nova configuração do modelo

89

Idem. Artigo 319 (crime de prevaricação). BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial [da] República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. 91 Idem. 92 Não é objeto deste texto, mas seria importante discutir a relação entre política, instituições parlamentares, Poder Executivo e controle da probidade administrativa frente às modificações (mais autoritárias ou mais democráticas) do sistema de governo no Brasil. Como problema: qual situação e sistema de governo permitem maior quantidade de normas que têm uma preferência pela ideia de moralidade pública, e o quanto isso pode ser usado, em maior ou menor proporção, para atribuir à oposição um procedimento “corrupto”? Heloisa Starling aborda essa questão da seguinte forma: “A corrupção quebra o princípio da confiança, o elo que permite ao cidadão se associar para interferir na vida de seu país, e ainda degrada o sentido do público. Por conta disso, nas ditaduras a corrupção tem funcionalidade: serve para garantir a dissipação da vida pública. Nas democracias – e diante da República –, seu efeito é outro: serve para dissolver os princípios políticos que sustentam as condições para o exercício da virtude do cidadão.” E numa análise que compara no tempo a questão do combate à corrupção no Brasil, conclui: “O regime militar brasileiro fracassou no combate à corrupção por uma razão simples – só há um remédio contra a corrupção: mais democracia”. STARLING, Heloisa Maria M. Falso Moralismo (Dossiê Corrupção). Revista de História da Biblioteca Nacional. Ano 4, n. 42, mar. 2009, p. 31. 90

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constitucional brasileiro em torno da ideia central de ética política e da moralidade administrativa. A chamada Constituição cidadã93 deu aos temas “probidade” e “moralidade administrativa” um destaque inédito.94 Da mesma forma que não existe uma única compreensão da Constituição (as modernas constituições são plúrimas e com significações políticas variadas), não existe uma única teoria da Constituição. De toda forma, pode-se afirmar que a Constituição brasileira é “o mais avançado texto jurídico-político produzido no Brasil”.95Esse avanço no campo da moralidade, como não poderia ser diferente, ocorreu de duas formas. A primeira, com a existência de normas constitucionais, com a afirmação direta e indireta do princípio originante. São exemplos: a)

o artigo 14 para as hipóteses de inelegibilidade, em conjunto com seu §9º, a fim de proteger, entre outros, a probidade administrativa e a moralidade para exercício de mandato;

b)

o artigo 15,inciso V, que prevê a perda ou suspensão dos direitos políticos em casos de improbidade administrativa;

c)

o artigo 85, que tipifica a improbidade na Administração como crime de responsabilidade do Presidente da República (mantendo a tradição desde a Constituição de 1981, no seu inciso V); e

d)

mais importante, o artigo 37, especialmente seu caput, representou uma mudança no tratamento da moralidade administrativa como princípio da Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União.

Numa segunda dimensão de caráter procedimental, visando à tutela da probidade e da moralidade, a Constituição estabeleceu conjunto de dispositivos centrado no artigo 37, § 4º – que define as sanções aplicáveis em caso de improbidade administrativa, a saber, (i) suspensão dos direitos políticos, (ii) perda da função pública, (iii) indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário. Tal conjunto de punições serve-se do apoio não apenas no Ministério Público (artigo 127, caput), mas também de dispositivos na esfera política (artigo 14, § 9º, e o artigo 17, II e III), no campo parlamentar (artigo 54), ou no controle da administração – as Comissões Parlamentares de Inquérito e os Tribunais de Contas (respectivamente, artigos 54, 93

Expressão cunhada por Ulysses Guimarães, deputado constituinte, presidente da Câmara Federal e da Assembleia Nacional Constituinte quando foi entregue a Constituição pelos parlamentares à sociedade brasileira em 5 de outubro de 1988. O termo decorre da grande quantidade de leis voltadas à área social, mas hoje se crê que o apelido não pegou somente por isso. 94 Além de CAMMAROSANO, Márcio. O princípio constitucional da moralidade e o exercício da função administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2006, ver em PIRES, Luís Manuel Fonseca; ZOCKUN, Maurício; ADRI, Renata Porto (Coords.). Corrupção, ética e moralidade administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2008 os seguintes artigos: ZOCKUN, Carolina Zancaner. Princípio da Moralidade – algumas considerações, p. 37-48; MOREIRA, Egon Bockmann. O princípio da moralidade e seu controle objetivo, p. 99-108; FREITAS, Juarez. Princípio da moralidade administrativa, p. 195-226; MARTINS, Ricardo Marcondes. Princípio da moralidade administrativa, p. 305-334; FERRAZ, Sergio. Corrupção, ética e moralidade na administração pública, p. 367-376. 95 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 524.

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70 e seguintes) –, e no controle administrativo do Poder Judiciário pelo Conselho Nacional de Justiça (artigo 103-B, I, II e seguintes). Por fim, (re)legitimou a cidadania por meio da ação popular com o objetivo de anular ato lesivo à moralidade administrativa (artigo 5º, LXXIII), como um dos remédios jurídicos constitucionais no patamar do mandado de segurança, individual (artigo 5º, LXIX) ou coletivo (artigo 5º, LXX), mandado de injunção (artigo 5º, LXXI), do habeas corpus (artigo 5º, LXVIII) e do habeas data (artigo 5º, LXXII). Ainda nessa quadra de proteção da ética na política, exsurgiram outras normas diretas e indiretas na Constituição de 1988, como o artigo 55, § 1º, que estabeleceu a perda do mandato de Deputado ou de Senador cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar, definindo como uma de suas hipóteses a percepção de vantagens indevidas. 4.4.

O tratamento infraconstitucional após 1988

A partir da Constituição de 1988, o Brasil aprovou novo conjunto de normas para enfrentar o quadro da proteção, racionalização e organização da administração pública, defesa da ética, da moralidade pública, das eleições limpas e do combate à corrupção. Dentre elas, destacam-se: a)

Lei nº 8.027, de 12 de abril de 1990 – Código de Ética para Funcionários Públicos do Poder Executivo Federal;

b)

Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 – Estatuto dos Servidores Públicos;

c)

Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que trata dos crimes contra o Sistema Tributário, especialmente em seu art. 3º;

d)

Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992 – Lei da Improbidade Administrativa;

e)

Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993 – Lei Geral de Licitações e Contratos;

f)

Lei nº 8.730, de 10 de novembro de 1993, que obriga os funcionários públicos a declarar bens e vencimentos;

g)

Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994 – Código de Ética para Funcionários Públicos Civis do Poder Executivo Federal;

h)

Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998 – Lei Contra a Lavagem de Dinheiro, com as alterações da Lei nº 12.683, de 09 de julho de 2012, que tentou tornar mais eficiente a persecução penal nesses crimes;

i)

Lei nº 10.467, de 11 de junho de 2002, que acrescentou o Capítulo II-A ao Título XI do Código Penal e dispositivo à Lei nº 9.613/1998, instituindo a prevenção da utilização do Sistema Financeiro para os ilícitos e criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF;

j)

Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal;

k)

Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, que instituiu, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e

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serviços comuns; l)

Lei nº 10.628, de 24 de dezembro de 2002 – Foro Privilegiado Especial por Prerrogativa da Função, na atuação do Ministério Público;

m) Lei nº 9.840, de 28 de setembro de 1999, conhecida como Lei Contra a Corrupção Eleitoral, acrescentou dois dispositivos à Lei nº 9.504/1997 – Lei das Eleições: m.1) a proibição da compra de votos (artigo 41-A), e m.2) a proibição do uso eleitoral da máquina administrativa (parágrafo 5º do artigo 73), além de permitir que a punição – cassação do registro do candidato – possa ser aplicada mais rapidamente, antes da eleição ou da diplomação do infrator.

4.5.

n)

Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, a chamada Lei da Ficha Limpa, que alterou a LC nº 64/1990 e tornou mais rígidos os critérios de inelegibilidade para candidatos com alguma nódoa no passado político;96

o)

Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 – Lei de Acesso à Informação);

p)

Lei nº 12.813, de 16 de maio de 2013 – Lei do Conflito de Interesses; e, por fim,

q)

Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.

Temos leis para enfrentar a corrupção. E daí?

É notável no recente campo jurídico que se dedica ao combate à corrupção, ao malfeito e à defesa da probidade, da ética pública e da moralidade administrativa e da transparência o quantitativo da produção normativa a partir da Constituição de 1988. Salta aos olhos o número de leis nesse período da história brasileira, sem prejuízo das muitas e importantes decisões dos tribunais pátrios e dos órgãos de controle interno e externo. Mas aqui há uma contradição. No sentido de fornecer uma solução rápida e “justa” aos diversos casos de corrupção, ao lado do fortalecimento das penas, das normas ou dos procedimentos, cuidou-se de produzir uma quantidade expressiva de normas. Contudo, este maior número de leis não correspondeu, na mesma medida, a um sentimento de diminuição do fenômeno da corrupção na sociedade brasileira.97 A princípio, a quantidade não configura um problema em si. Pode ser reflexo da espiral de escândalos e casos de corrupção que, na democracia recente, emergiu ao público em todo o país. Não se defende que o cipoal brasileiro de leis (e os cipoalzinhos que dele descendem) seja sinal de qualidade institucional. Mas, não é possível fulminar o modelo legislativo brasileiro apenas por seu tamanho, sob o risco de jogar fora o bebê junto com a água do banho. Temos, então, um bom conjunto de leis e normas para enfrentar a corrupção. Mas, é necessária uma nova Lei Anticorrupção? Acredito que sim. 96

Essas duas normas foram resultado de ampla mobilização da sociedade, leis de iniciativa popular que recolheram um milhão de assinaturas (a primeira) e cerca de um milhão e trezentas mil (a segunda) em todo o país. 97 Pensemos nos últimos dez anos: em 2002, por exemplo, o Brasil era o 45º colocado na lista, com uma pontuação superior à de hoje; em 2013, o Brasil obteve 42 pontos e ficou em 72º lugar entre os 177 países avaliados pelo Índice de Percepção da Corrupção da Transparência Internacional.

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4.5.1. O direito brasileiro e as complexidades do combate à corrupção O que ensaio, diante de tamanha largueza do espectro normativo, vislumbrar algumas características do combate à corrupção. A primeira delas é que há uma enorme dificuldade, no modelo brasileiro, em oferecer uma resposta integral que transforme a questão da corrupção em uma estratégia comum ao Estado e à sociedade. Mesmo o leitor mais desatento, por conta do texto ou por outro fator, ao encerrar a enumeração da legislação pós1988, não deixaria de concordar que, no campo do combate à corrupção (dentre outros), quanto mais se produz leis, mais leis são necessárias. E, por pior que possa soar, as leis ainda são parte de nossa estrutura estatal e da necessidade social. Não funcionará, por exemplo, uma lei com dois artigos: artigo 1º - Todos serão honestos; artigo 2º - São revogadas as disposições em contrário.98 Aqui cabe ressaltar que não se trata de defender a opção por um modelo impossível para um país, como o Brasil, a partir de sua tradição político-jurídica, de seu Estado e de sua estrutura social. É que o modelo de Constituição que temos não permite a extrema redução na quantidade das leis que transforme – no limite – o sistema em um governo de homens.99 Por 98

Com a Lei Complementar nº 107/2001, que modificou o artigo 9º da Lei Complementar nº 95/1998, a revogação expressa tornou-se determinação legal, necessária aos artigos ou leis revogados. Veja-se que a lei proposta já nasceria com problemas. Claro que minha proposta legislativa modesta decorre da seguinte Constituição: Artigo único – “Todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha na cara.” Esta Constituição foi proposta em 1926 pelo historiador João Capistrano Honório de Abreu (1853-1927), segundo o qual os problemas do Brasil não estavam nas leis (Cf. Revista Nossa Historia, n. 3, ano 1, jan. 2004)x. Muitos ainda pensam em culpar, em parte, as leis pela existência da corrupção e da crise brasileira neste campo. Um exemplo dessa perspectiva está em recente artigo de Marcel van Hattem publicado pelo Instituto Millenium: “A raiz desse problema reside justamente na delegação da nossa própria confiança no próximo ao Estado, deixando-o decidir com quem podemos negociar. Se o Estado disser que o papel ou assinatura mais insignificante não está em dia, o negócio não sai. Ingressamos assim em um ciclo vicioso, em que ‘mais leis’ precisam ser criadas para combater os maus incentivos criados por ‘más leis’”. E aí ele recorda Lord Disraeli: “‘Quando os homens são honestos, leis são desnecessárias; quando são corruptos, elas são quebradas’, escreveu Benjamin Disraeli. Parafraseando o estadista britânico oitocentista, para o brasileiro honesto a lei é vista hoje como estorvo; para o corrupto, como uma fonte de renda. É a tal arte de criar dificuldades para vender facilidades, que faz do Brasil um dos países mais hostis ao empreendedorismo no mundo. Um país onde grande parte da renda produzida acaba sendo desviada nas propinas e favores que o brasileiro paga para quem se serve do público ao invés de a ele servir.” Ver: HATTEM, Marcel van. A lei como estorvo – ou como fonte de renda. Instituto Millenium. Disponível em: . Acesso em: 13 dez. 2013. Certamente, são críticas importantes, mas simplistas. 99 Segundo a erudita distinção de Bobbio acerca de um governo de homens e de um governo de leis, que diz respeito ao modo de governar: “Enquanto o primado da lei protege o cidadão do arbítrio do mau governante, o primado do homem o protege da aplicação indiscriminada da norma geral – desde que, entende-se, o governante seja justo. A primeira solução subtrai o indivíduo à singularidade da decisão, a segunda o subtrai à generalidade da prescrição. Além do mais, assim como esta segunda pressupõe o bom governante, a primeira pressupõe a boa lei. As duas soluções são postas uma diante da outra como se se tratasse de uma escolha em termos absolutos: ou-ou. Na realidade, porém, ambas pressupõem uma condição que acaba por torná-las, com a mudança da condição, intercambiáveis. O primado da lei está fundado sobre o pressuposto de que os governantes sejam maus, no sentido de que tendem a usar o poder em benefício próprio. Vice-versa, o primado do homem está fundado sobre o pressuposto do bom governante, cujo tipo ideal, entre os antigos, era o grande legislador. De fato, se o governante é sábio que necessidade temos de constringi-lo na rede de leis gerais que o impedem de avaliar os méritos e os deméritos de cada um? Certo, mas se o governante é mau não é melhor submetê-lo ao império de normas gerais que impeçam a quem detém o poder de

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outro lado, um governo de leis é preferível no contexto das democracias recentes. Esta opção, além do aspecto essencial da submissão de todos às leis, garante à democracia a emanação (se não exclusiva, ao menos predominante) de normas gerais e abstratas para o seu funcionamento.100 Para entender a necessidade desta opção, conta muito pensar que há uma característica das sociedades (como a brasileira) que exige outra postura: a complexidade. 4.5.1.1.

Pensar o direito a partir da sociedade brasileira

Vivemos uma sociedade e um tempo complexos, em que o direito e sua teoria devem enfrentar tal complexidade101. Há um risco produzido pelas mudanças tecnológicas modernas102, pela mobilidade do capital, pela impossibilidade de controlar totalmente os fluxos econômicos dos mercados, dentre outros aspectos. Há, ainda, o fenômeno do pluralismo de valores, com todos os seus problemas, especialmente a criação de uma nova necessidade: o reconhecimento simultâneo e ao mesmo tempo contraditório desses valores. As sociedades contemporâneas, e a brasileira (a partir de seu lugar no mundo) também estão tomadas pelo maior incremento da complexidade. Vivemos no Brasil, na segunda década do século XXI, na América Latina, em um mundo em mudança.103 Essa é uma realidade marcada por grandes transformações, com um alcance global que, com diferenças e matizes, afetam o mundo inteiro. Os fenômenos da (i) globalização e (ii) das mudanças da ciência e da tecnologia impactam a cultura, a economia, a política, as ciências, a educação, o esporte, as artes e também, naturalmente, o direito. É, também, uma realidade que, para o ser humano, se tornou cada vez mais sem brilho e complexa. A realidade social parece muito vasta para uma consciência que, levando em consideração sua falta de saber e de informação, facilmente se crê insignificante, sem ingerência alguma nos acontecimentos, mesmo quando soma sua voz a outras vozes que procuram se ajudar reciprocamente. Vive-se uma crise do sentido. Mas a questão é que a mera diversidade de pontos de vista, de opções e, finalmente, de informações, que costuma receber o nome de multiculturalidade, não resolve a ausência de um significado unitário para tudo o que existe. Não é uma época de mudanças, é uma mudança de época. erigir o próprio arbítrio à condição de critério de julgamento do que é justo e do que é injusto?” BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia; uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p.152 e ss. 100 Idem, pp. 154-155 101 Gunther Teubner trabalha com o conceito de “complexidade” nos sistemas (dentre eles o jurídico). Ver: TEUBNER, Gunther. Law as an Authopoietic System. Oxford: Blackwell, 1993, especialmente os capítulos I e II, em que o autor discute as consequências da complexidade para o direito. Noutro sentido, mas de certa forma complementar, Nicklas Luhmann cuida da mesma forma da questão da complexidade no direito em: LUHMANN, Nicklas. Sistemas Sociales. Lineamentos para una teoría general. Barcelona: Anthropos, 1998, especialmente o capítulo III com o conceito de dupla contingência. 102 Há uma excelente aproximação acerca do problema desse risco nas sociedades contemporâneas em LUHMANN, Nicklas. El concepto de riesgo. In: BERIAIN, Josexto. Las consecuencias perversas de la modernidad. Barcelona: Anthropos, 1996, p. 123 e ss. 103 A partir deste ponto, todas as características são inspiradas no Documento de Aparecida: texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Brasília, São Paulo: CNBB/Paulinas/Paulus, 2007, n. 33 a 100.

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Dissolve-se a concepção integral do ser humano, sua relação com o mundo e com o sagrado, o individualismo enfraquece os vínculos comunitários e propõe uma radical transformação do tempo e do espaço. Os fenômenos sociais, econômicos, políticos, jurídicos e tecnológicos estão na base da profunda vivência do tempo, ao que se concebe fixado no próprio presente, trazendo concepções de inconsistência e instabilidade. Deixa-se de lado a preocupação pelo bem comum para dar lugar à realização imediata dos desejos dos indivíduos numa região (América Latina) em que coexistem diversas culturas indígenas, afro-americanas, mestiças, camponesas, urbanas e suburbanas. Esta outra época cria a necessidade de normas mais presentes e que contenham uma certa eficácia para permitir o funcionamento das instituições, especialmente se a Política está em torno dos ideais da liberdade e da democracia. A globalização é fenômeno complexo que possui diversas dimensões (econômicas, políticas, culturais, comunicacionais etc.). Lamentavelmente, a face mais difundida e de êxito da globalização é sua dimensão econômica, que se sobrepõe e condiciona às outras dimensões da vida humana. Na globalização, a dinâmica do mercado tende a absolutizar-se como regulador de todas as relações humanas. Esse peculiar caráter faz da globalização um processo capaz de promover iniquidades e injustiças múltiplas. A globalização, tal como configurada atualmente, não é capaz sozinha de interpretar e reagir em função de valores objetivos que se encontrem além do mercado. Ao mesmo tempo, a América Latina é uma região que vive, nas últimas décadas, um progresso democrático que se demonstra em diversos processos eleitorais. No entanto, há diversas formas de regressão autoritária por via democrática. Muitas vezes, a democracia é puramente formal. Noutras vezes, as democracias têm características especiais sob o formato de democracias delegativas.104 Apesar do crescimento de procedimentos eleitorais mais frequentes e com maior legalidade, a democracia participativa e baseada na promoção e respeito aos direitos humanos ainda está distante da realidade latino-americana. 4.5.1.2.

O direito público, alguns de seus problemas e a corrupção

Em uma teoria jurídica da corrupção, o direito público, especialmente o administrativo, é muito exigido todo o tempo. As múltiplas exigências se constituem como problemas para a práxis jurídica. O meio jurídico brasileiro sofre de pobrezas, que decorrem da diferença entre os avanços da Constituição de 1988 no campo jurídico e as dificuldades da doutrina e da jurisprudência em acompanharem o mesmo desenvolvimento. A doutrina tem abdicado de 104

O’DONNELL, Guilermo. Democracia delegativa. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2011, p. 41: “El problema que presentan las democracias modernas es la elitización de la política. Un reducido grupo de políticos profesionales se alternan en el gobierno, en tanto que la población permanece al margen del ejercicio verdadero del poder estatal. En la sociedad capitalista, dividida en clases dominantes y dominadas, la elitización favorece a los grupos más encumbrados, dado que le permite manejar el estado a su antojo. La elitización solo es posible si el común de la gente se mantiene en una actitud pasiva respecto de los conflictos políticos y sociales. Este tipo de funcionamiento de la democracia lo denominamos democracia delegativa, dado que los ciudadanos delegan su poder en la elite y se desentienden de la política”.

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pensar o direito, muitas vezes apenas cuidando de comentar as decisões dos tribunais, em prejuízo ao seu papel tradicional. A jurisprudência, salvo as exceções, não consegue estabelecer um padrão mínimo que permita superar um período de transição que garanta a aplicação das normas jurídicas frente às muitas transformações constitucionais. A atual Constituição, forte, com ampla presença do Estado em toda sociedade, intervencionista e híbrida acerca do controle do poder, ainda não é um conjunto de marcos para o avanço das leis, das ações estatais (inclusive da jurisdição), dos compromissos dos diversos setores sociais e também para o exercício do direito. Noutro campo, o direito ainda padece de problemas internos. Muitos dos conceitos jurídicos expressos nas normas atuais são indeterminados, com termos “ambíguos ou imprecisos – especialmente imprecisos –, razão pela qual necessitam ser completados por quem os aplique”.105 Há uma obscuridade das normas que permite o seu abuso por parte dos aplicadores e dos administrados, transformando tolerância muitas vezes em corrupção.106 Em outro quadro da problemática, a interpretação jurídica brasileira vive presa ao passado autoritário. Luís Roberto Barroso explica: [...] uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional brasileira, que é a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inove nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo.107

Muitas das conquistas dessas novas normas e sua possível aplicação são submetidas a uma abordagem que utiliza marcos jurídicos, pensamentos e doutrinas, além de decisões judiciais anteriores, que violam o próprio avanço constitucional a partir de 1988.108 O direito mesmo pode ser aliado da corrupção. Aqui há uma tensão permanente entre, a partir do mundo do direito e de sua aplicação, prevenir ou apoiar a corrupção.109 Como o administrado está submetido a uma relação de poder, este sempre intensifica as possibilidades de sua violação. Zaffaroni entende a corrupção como uma relação de poder entre pessoas com poderes distintos: A corrupção entende-se como a relação que se estabelece entre uma pessoa com poder decisório estatal e outra que opera fora deste poder, em virtude da qual se trocam vantagens, obtendo ambas um incremento patrimonial, em função de um ato ou omissão da esfera do poder da primeira em benefício da segunda.110 105 GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto, 2003, apud MAFFINI, Rafael. Direito administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 74. 106 Ver MUÑOZ, Jaime Rodrígez-Arana. Ética, Poder y Estado. Buenos Aires: RAP, 2004, p. 174. 107 BARROSO, Luiz Roberto. Dez Anos da Constituição de 1988 (foi bom para você também?). RTDP, p. 20/39. 108 Ver STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 3. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. 109 Ver GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. 6. ed., Tomo 3, Belo Horizonte: Del Rey e Fundación de Derecho Administrativo, 2003, p. 14. 110 ZAFFARONI, Eugenio Raul. La corrupción: su perspectiva latino americana. In: OLIVEIRA, Edmundo (Org.) Criminologia Crítica. Belém: Edições CEJUP, 1990, p. 371: “[La corrupción] suele entenderse como la relación que se establece entre una persona con poder decisorio estatal y otra que opera fuera deste poder, en virtud de lo cual se cambian ventajas, obteniendo ambas un incremento patrimonial, en función de un acto (u omisión) de la esfera de

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No mesmo sentido, Ocampo apresenta a corrupção como filha das relações clandestinas entre o poder da autoridade e o dinheiro.111 Diante das idiossincrasias do poder, especialmente na experiência brasileira, tem-se que muitas circunstâncias são ambíguas: de um lado (i) incentivam o descumprimento da norma e doutro (ii) criam ou aumentam os casos de falta de defesa pelos administrados, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Por exemplo: a)

as normas são de validade duvidosa, obscuras e com muitos poderes conferidos aos aplicadores;

b)

o custo do cumprimento das normas é tamanho que põe em risco a continuidade da conduta privada ou mesmo a impede;

c)

há uma lassidão no controle do cumprimento da norma e aumenta muito a improbabilidade da detecção do descumprimento;

d)

as autoridades “selecionam” aqueles que serão controlados, nem sempre adotando critérios políticos neutros e transparentes;

e)

as vantagens de descumprir as normas, frente aos castigos e punições previstos, são superiores e justificam o risco de “ser pego”.

Há outras práticas e atitudes perniciosas nessa quadra do problema do direito frente à corrupção. Aqui, ainda estamos no campo do poder a partir da leitura do Estado por parte dos cidadãos: (i) há muita insegurança jurídica por parte dos administrados, o que aumenta o caldo de cultivo da corrupção; (ii): os órgãos administrativos são muitos e agem de forma descoordenada; e (iii) apenas poucos administrados (geralmente grandes empresas) conseguem acompanhar as muitas normas e suas subnormas,112 bem como os entendimentos decorrentes delas. Muitas esferas do Estado, em todas as instâncias burocráticas, também provocam: (i) um desprezo pela lei, por conta de normas irreais ou excessivamente ambiciosas; (ii) muito poder discricionário; (iii) pouco juízo dos aplicadores das normas; e (iv) tempos distintos (rápido x demorado) na decisão administrativa, dentre outros aspectos.Tais problemas aumentam a corrupção ao invés de evitá-la. E o fenômeno tem se arrastado, no Brasil recente, de maneira insistente exatamente onde existem tensões, especialmente quando o particular leva as suas diversas demandas frente ao Estado, em todos seus níveis.113Há, ainda, os temas inerentes à dimensão burocrática do Estado moderno. O crescimento do Estado gera um crescimento em

poder de la primera en beneficio de la segunda”. 111 OCAMPO, Luis Moreno. En defensa propia: cómo salir de la corrupción. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 1993, p. 12: “La corrupción es hija de las relaciones clandestinas entre el poder de la autoridad y el del diñero”. 112 Cf. CAMACHO, Ricardo Gomes. Norma, ideologia e a teoria da linguagem. São Paulo: Alfa, 1981, p. 19-30. 113 Ver MAIRAL, Héctor. Las raíces legales de la corrupción: o de cómo el derecho público fomenta la corrupción en lugar de combatirla. In: OLIVEIRA, Farley Martins Riccio de. (Org.). Direito Administrativo Brasil-Argentina: estudos em homenagem a Agustin Gordillo. Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 381-442.

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sua burocracia.114 Na forma como se configurou o crescimento do Estado brasileiro, um projeto de controle da corrupção será eficaz apenas em grande escala. Além dos custos e da dificuldade de acreditar em seu êxito completo, esse controle dará maior força ao problemático sistema de execução da atividade pública.115 Haverá, na mesma medida, o aumento de certas patologias: (i) tomada de decisões esdrúxulas e com destempo; (ii) falta de critérios objetivos na definição das decisões, bem como as prioridades que merecem decidir; (iii) excesso de centralização; (iv) medo de decidir; (v) decisões por autoridades inadequadas, quando não incompetentes; (vi) baixa moralidade; (vii) dificuldade em torno de uma racionalidade mínima; (viii) distância do administrado; (ix) inabilidade de pensar soluções globais e flexíveis; etc.116 Por fim, uma questão que considero crucial: quem controla os controladores? A histórica pergunta (re)discutida por Norberto Bobbio 117 devolve a questão do controle e das promessas descumpridas pela democracia real para o campo político mas também do direito. A questão é simples: em uma sociedade, onde os cidadãos não exercem o controle sobre os grupos controladores, é possível que o controle não seja uma “arma” a serviço da cidadania e da 114

Cf. NUNES, Edson de Oliveira. A gramática política do Brasil: clientelismo, corporativismo e insulamento burocrático. 4. ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2010, p. 52. 115 Cf. ANECHIARICO, F. e JACOBS, J. The pursuit of absolute integrity: How corruption control makes government ineffective. Chicago: The University of Chicago Press, 1996, p. 188. 116 Para Weber, a burocracia é uma organização cujas consequências desejadas se resumem na previsibilidade do seu funcionamento no sentido de obter a maior eficiência da organização. No entanto, ao estudar as consequências previstas (ou desejadas) da burocracia que a conduzem à máxima eficiência, notou também as consequências imprevistas (ou indesejadas) e que a levam à ineficiência e às imperfeições. A essas consequências imprevistas, deu-se o nome de disfunção da burocracia, para designar as anomalias de funcionamento responsáveis pelo sentido pejorativo que o termo adquiriu. Q. cfr.: WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos de sociologia compreensiva. 2. v. Brasília: UnB, 1999, p. 99; CHIAVENATO, Idalberto. Teoria Geral da Administração. 7. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, p. 268; MERTON, Robert K, Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970, p. 271-272 e 275-277: “O processo pode ser abreviadamente recapitulado: (1) Uma burocracia eficiente exige confiança de reação e estrita devoção aos regulamentos. (2) Tal devoção às regras conduz à sua transformação em absolutas; já não são concebidas como relativas a um conjunto de propósitos. (3) Isto interfere com a adaptação rápida, sob condições especiais não claramente visualizadas por aqueles que lançaram as regras gerais. (4) Assim, os mesmos elementos que favorecem à eficiência em geral, produzem ineficiência em casos específicos. Os indivíduos do grupo que não se divorciaram do significado que as regras têm para eles, raramente chegam a perceber a inadequação. Essas regras, com o correr do tempo, assumem caráter simbólico, em vez de serem estritamente utilitárias.” 117 Cf. BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia; uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 30-31. Veja-se como o texto soa profético: “Inútil dizer que o controle público do poder é ainda mais necessário numa época como a nossa, na qual aumentaram enormemente e são praticamente ilimitados os instrumentos técnicos de que dispõem os detentores do poder para conhecer capilarmente tudo o que fazem os cidadãos. Se manifestei alguma dúvida de que a computadorcracia possa vir a beneficiar a democracia governada, não tenho dúvida nenhuma sobre os serviços que pode prestar à democracia governante. O ideal do poderoso sempre foi o de ver cada gesto e escutar cada palavra dos que estão a ele submetidos (se possível sem ser visto nem ouvido): hoje este ideal é inalcançável. Nenhum déspota da antigüidade, nenhum monarca absoluto da idade moderna, apesar de cercado por mil espiões, jamais conseguiu ter sobre seus súditos todas as informações que o mais democrático dos governos atuais pode obter com o uso dos cérebros eletrônicos. A velha pergunta que percorre toda a história do pensamento político — ‘Quem custodia os custódios?’ — hoje pode ser repetida com esta outra fórmula: ‘Quem controla os controladores?’ Se não conseguir encontrar uma resposta adequada para esta pergunta, a democracia, como advento do governo visível, está perdida. Mais que de uma promessa não cumprida, estaríamos aqui diretamente diante de uma tendência contrária às premissas: a tendência não ao máximo controle do poder por parte dos cidadãos, mas ao máximo controle dos súditos por parte do poder.”

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democracia, mas, simplesmente um dispositivo para impor as vontades soberanas do Estado sobre os súditos. No Brasil, particularmente, o controle do poder ainda engatinha apesar da quantidade e da qualidade das normas. Para mim, é resultado de dois movimentos complementares a pouca tradição democrática do país: (a) mecanismos insuficientes de controle do poder (e dos controladores em especial); e (b) uma ainda recente práxis de participação social e popular. O conjunto de normas do atual sistema brasileiro (que melhoraram o controle da corrupção, previnem e punem), ao lado das novas demandas da sociedade, especialmente após a redemocratização, ainda há muito a trilhar para dar oferecer no sentido de garantir que a corrupção atenda à democracia e não ao contrário. Mas, o caso brasileiro do controle da corrupção modifica-se radicalmente, a partir de 2014, com a vigência da Lei nº 12.846/2013. Como não poderia ser diferente, esta norma não se presta como a única (ou a melhor) resposta direta ou indireta ao conjunto de problemas que o direito e a sociedade brasileira passam frente ao fenômeno da corrupção. Em alguns momentos, a lei acaba por reproduzir características desse direito e desta sociedade. A grande questão, contudo, é que a nova norma representa uma mudança de paradigma118 que pode reforçar o combate e o controle da corrupção e mudar o rumo da cultura jurídica e empresarial, além de permitir uma maior visibilidade de temas ainda submersos na relação entre administração e administrados. 5.

A LEI Nº 12.846/2013

A Lei Anticorrupção agrega um importante avanço nas normas que, após a Constituição de 1988, verticalizam o princípio da moralidade e o combate à corrupção. Só que esta norma faz outro movimento ao horizontalizar o alcance desse enfrentamento, ao responsabilizar e punir pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e por atos de corrupção. Na linguagem dos “corruptólogos”, passa-se a cuidar da outra ponta da relação corrupta: o corruptor. E, neste caso, para efeitos da nova Lei, o corruptor é a pessoa jurídica. Como fruto da produção legislativa, ela busca conciliar 118

A ideia de paradigma é empregada na esteira do pensamento de Kuhn, que preconiza a existência de saltos na ciência que ocorrem nos períodos de desenvolvimento científico, em que são questionados e postos em causa os princípios, as teorias, os conceitos básicos e as metodologias, que até então orientavam toda a investigação e toda a prática científica. O conjunto de todos esses princípios constitui o que Kuhn chama “paradigma”. Segundo o autor, o conceito de paradigma tem dois sentidos fundamentais. Num sentido lato, o paradigma kuhniano refere-se àquilo que é partilhado por uma comunidade científica, uma forma de fazer ciência, uma matriz disciplinar. Uma comunidade científica caracteriza-se pela prática de uma especialidade científica, por uma formação teórica comum, pela circulação abundante de informação no interior do grupo e pela unanimidade de juízo em assuntos profissionais. Em sentido particular, o paradigma é um exemplar: é um conjunto de soluções de problemas concretos, uma realização científica concreta que fornece os instrumentos conceptuais e instrumentais para a solução de problemas. O paradigma é, nesse sentido, uma “concepção de mundo” que, pressupondo um “modo de ver” e de “praticar”, engloba um conjunto de teorias, instrumentos, conceitos e métodos de investigação; noutro caso, o conceito é utilizado para significar um conjunto de “realizações científicas concretas” capazes de fornecer “modelos dos quais brotam as tradições coerentes e específicas da pesquisa científica”. Ver: KUHN, Thomas S. The Structure of Scientific Revolutions. 2. ed. Chicago: University of Chicago Press, p. 30 e ss.

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racionalidade, objetividade e moralidade.119 A questão aqui é que normas condizentes com as realidades históricas e comprometidas com as aspirações das populações e com o interesse público, traduzidas numa ética de responsabilidade, no sentido weberiano, são submetidas ao movimento incessante de sua desconstrução. 5.1.

A estrutura da norma

A Lei Anticorrupção – LA brasileira é simples. E dura. Apresenta-se aqui uma descrição estrutural,120 propondo ao leitor a experiência de “compreender” e “(des)construir”.

5.1.1. Os conceitos iniciais da LA Ao dispor “sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira” (artigo 1º), a LA estabelece o seu alcance – bem amplo: as sociedades empresárias e as sociedades simples,121 personificadas ou não,122 independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas,123 ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente (parágrafo único do artigo 1º). Algumas questões destacam-se desde já: a)

a responsabilidade é objetiva (administrativa e civil);

b)

a responsabilidade é pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira;

c)

as pessoas jurídicas (sociedades empresárias e as sociedades simples), independentemente de seu formato, fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, são totalmente alcançadas.

Devo destacar o entendimento de que, na forma prescrita pela LA, estão incluídas nessa listagem aberta as organizações religiosas e os partidos políticos, na forma do Código Civil

119 Cf. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988, art. 37, caput. 120 Foram adotados os ensinamentos acerca da estrutura lógica das proposições normativo-jurídicas, conforme Lourival Vilanova, sem que ele possa ser responsabilizado pela estruturação aqui apresentada da Lei Anticorrupção. Ver: VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Max Limonad, 1997; e ______. Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 136 ss. 121 Conforme o Código Civil Brasileiro, Lei nº 10.406, de 10 de fevereiro de 2002, as sociedades serão divididas em sociedades simples – arti. 997 a 1.038 – e sociedades empresariais – art. 1.039 a 1.096. 122 A sociedade não personificada é aquela que, embora constituída mediante instrumento escrito, não formalizou o arquivamento ou registro dos seus atos constitutivos. Assim, o contrato ou acordo tem validade somente entre os sócios, não tendo força contra terceiros. Portanto, a sociedade não personificada pode ser constituída de forma oral ou documental. O CCB prevê dois tipos de sociedades não personificadas: sociedade em comum – art. 986 e ss. – e sociedade em conta de participação – art. 991 e ss. 123 Na forma do artigo 44 do CCB, as associações (I) e as fundações (III) são pessoas jurídicas de direito privado.

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brasileiro. 124 Há mais: a LA aprofunda a questão da responsabilidade objetiva. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente pelos atos lesivos praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não (artigo 2º), não excluída a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito (artigo 3º), e independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais dos dirigentes ou administradores (§ 1º), que serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade (§ 2º). Se a LA parasse por aqui, já estaria configurada a repetida tese de mudança de paradigma. Por muito tempo, conforme explicitado, a legislação de combate à corrupção cuidou de tudo e de todos, na forma da responsabilidade civil, penal e administrativa, mas apenas no campo da (a) modalidade subjetiva e (b) sem alcançar as pessoas jurídicas. Com a nova lei o quadro mudou radicalmente. Mesmo em casos de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária, a responsabilidade da pessoa jurídica subsiste (artigo 4º), sendo que nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas na LA decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados (§ 1º). A LA fortalece os “vínculos” entre sociedades, determinando que as sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, consorciadas, serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nessa Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado (§ 2º).

5.1.2. Os atos lesivos da Lei Anticorrupção (LA) Quais são os atos lesivos à administração pública nacional ou estrangeira? Para os fins da LA, são todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas,125 que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (artigo 5º). A LA então passa a numerar e definir quais são os atos lesivos, de forma absolutamente exclusiva e excludente: 1 – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; 2 – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos na LA; 3 – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou 124

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Artigo 44, incisos IV e V. 125 As pessoas jurídicas do parágrafo único do artigo 1º da Lei Anticorrupção.

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dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; 4 – no tocante a licitações e contratos: a)

frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;

b)

impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;

c)

afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;

d)

fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;

e)

criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;

f)

obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou

g)

manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;

5 – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional. A lista tem, dentre seus comandos, os três primeiros que objetivam definir os atos lesivos em geral, um quarto que especifica os casos de licitações e contratos, e por fim, um último que cuida de tipificar uma conduta mais imprecisa: “dificultar atividade de investigação ou fiscalização”. Essa última hipótese ou será descumprida, ou, se cumprida, ensejará enormes dificuldades. Tenho a impressão que a proposição é extremamente aberta, pois não deixará de permitir abusos e interpretações desarticuladas da realidade. Ainda nesse artigo (5º) exsurge o conceito, para a lei, do que é “Administração Pública estrangeira”: órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro (§ 1º); as organizações públicas internacionais (§ 2º); e o agente público estrangeiro, aquele que, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais, conforme o § 3º.

5.1.3. A responsabilização administrativa Mais adiante, a LA trata da responsabilização administrativa (artigo 6º). Nessa esfera serão aplicados às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos dois tipos de

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sanções: (a) multa; e (b) publicação extraordinária da decisão condenatória. Parece pouco, mas é muito:a multa (entre 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, nunca inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação, conforme o artigo 6º, I) representa muito para a maior parte das pessoas jurídicas, especialmente por conta da sua adoção sobre o faturamento bruto. 126Essa medida poderá encerrar as atividades de muitas pessoas jurídicas. Em seu inciso II, a LA ainda permite publicação extraordinária da decisão condenatória. Essas duas sanções serão aplicadas, isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações, que deverão ser fundamentadas (artigo 6º, §1º). A fundamentação significa aqui a obrigatoriedade da motivação, tanto da sanção como de sua gradação, na esteira do determinado pela Constituição de 1988, como, aliás, devem ser todos os demais atos da Administração Pública. Qualquer decisão administrativa sem a devida motivação representa retrocesso no Estado de Direito, o que, além de violar a Constituição (artigo 93, X), incorre na violação à Lei nº 9.784/1999 (artigos 2º e 50), dentre outras. As sanções serão precedidas da manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica do ente público (artigo 6º, §2º). A adoção de qualquer sanção não excluirá a obrigação da reparação integral do dano causado (§ 3º). Ainda o artigo 6º detalha como funcionará a multa (§ 4º), caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica (a multa será de R$ 6.000,00 a R$ 60.000.000,00) e a publicação extraordinária da decisão condenatória (§ 5º). Esta ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e também em sítio eletrônico. Os critérios para a aplicação das sanções administrativas serão (artigo 7º):

126

a)

a gravidade da infração;

b)

a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;

c)

a consumação ou não da infração;

d)

o grau de lesão ou perigo de lesão;

e)

o efeito negativo produzido pela infração;

Para aplicar a multa será necessário compreender com solidez a diferença entre faturamento bruto e líquido, já que a primeira conta determinará a incidência dos percentuais. O faturamento bruto é o total de vendas de todos os produtos e serviços oferecidos aos clientes em um determinado período contábil analisado, os quais sofrem ligeiras variações de acordo com cada ramo de atividade ou interesse analítico. Já faturamento líquido diz respeito aos valores do faturamento bruto, subtraídos todos os impostos que a empresa deve pagar sobre sua atividade. Então, o faturamento bruto da lei é o faturamento líquido. Ver: FERRARI, Ed Luiz. Contabilidade Geral. 26. ed. Niterói: Impetus, 2010, p. 100-101. Tenho convicção que esse aspecto vai gerar muita disputa e confusão.

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f)

a situação econômica do infrator;

g)

a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações;

h)

a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;

i)

o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados.

Esses critérios servirão, a partir de muitos cenários de avaliação, para graduar a sanção, sempre de maneira coordenada e sistemática. Ocorre que, tais elementos exigirão um grande cuidado dos aplicadores da norma e deverão ser avaliados em todas as etapas do processo administrativo. Dentre estes critérios, destaca-se o sétimo (cooperação na apuração) e o oitavo (mecanismos e procedimentos de integridade, auditoria, incentivo à denúncia de irregularidades e aplicação de códigos de ética e conduta). A LA favorece a adoção de sistemas de integridade, cujos parâmetros de avaliação serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo Federal (parágrafo único do artigo 7º). Note-se que há duas dimensões ainda muito recentes no direito administrativo brasileiro: (i) a cooperação por meio dos acordos de leniência (artigo 16 e ss.); e (ii) a adoção de sistemas de integridade (artigo 7º, VIII), tema que será aprofundado adiante (5.3).

5.1.4. O processo administrativo de responsabilização O processo administrativo de responsabilização terá minimamente as seguintes etapas bem definidas: a)

instauração (artigo 8º, caput) do processo administrativo;

b)

criação da comissão de apuração (artigo 10) por ato próprio para apurar fato específico, com a necessária publicação do ato que a instituir (idem, § 3º), sendo possível a constituição de comissão permanente em cada órgão ou entidade pública;

c)

organização dos fatos apontados como violadores da norma, bem como dos demais atos necessários à apuração;

d)

defesa da pessoa jurídica, no prazo de 30 (trinta) dias (artigo 11);

e)

diligências e instauração dos procedimentos de apuração, com contraditório e ampla defesa em todas as etapas;

f)

manifestação da Comissão acerca das possíveis sanções ou a não aplicação da sanção, apontando os critérios de sua decisão, por meio de relatórios sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade da pessoa jurídica, sugerindo de forma motivada as sanções a serem aplicadas (artigo 10, § 3º);

g)

manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica do ente público (artigo 6º, § 2º) sobre as sanções;

h)

julgamento (artigo 8º, caput) do processo administrativo pela autoridade competente.

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MELILLO DINIS NASCIMENTO

Alguns detalhes merecem atenção: o processo administrativo de responsabilização será (i) instaurado e (ii) julgado pela autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa (artigo 8º). A competência para a instauração e o julgamento do processo administrativo de apuração de responsabilidade da pessoa jurídica poderá ser delegada, vedada a subdelegação (artigo 8º, § 1º). No âmbito do Poder Executivo Federal, a Controladoria-Geral da União (CGU) terá competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados com fundamento na LA, para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento. À CGU caberá ainda a apuração, o processo e o julgamento dos atos ilícitos previstos na LA praticados contra a Administração Pública estrangeira, sempre observado o disposto no Artigo 4º da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais.127 O processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica será conduzido por comissão designada pela autor idade instauradora e composta por 2 (dois) ou mais servidores estáveis (artigo 10).

Cria-se uma determinação interessante: o ente público, por meio do seu órgão de representação judicial, a pedido da comissão de apuração, poderá requerer as medidas judiciais necessárias para a investigação e o processamento das infrações, inclusive de busca e apreensão (artigo 10, § 1º). Dentre os poderes atribuídos à comissão de apuração, ela poderá, cautelarmente, propor à autoridade instauradora que suspenda os efeitos do ato ou processo objeto da investigação (artigo 10, § 2º). A comissão deverá concluir o processo no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da publicação do ato que a instituir e, ao final, apresentar relatórios sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade da pessoa jurídica, sugerindo de forma motivada as eventuais sanções aplicáveis (artigo 10, § 3º), prazo este que poderá ser prorrogado mediante ato fundamentado da autoridade instauradora (idem, § 4º). A pessoa jurídica terá o prazo de 30 (trinta) dias para defesa, contados a partir da intimação (artigo 11). Haverá a necessidade de muito cuidado no encaminhamento dos temas à 127

Artigo 4º (Jurisdição): 1. Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento de sua jurisdição em relação à corrupção de um funcionário público estrangeiro, quando o delito é cometido integral ou parcialmente em seu território; 2. A Parte que tiver jurisdição para processar seus nacionais por delitos cometidos no exterior deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento de sua jurisdição para fazê-lo em relação à corrupção de um funcionário público estrangeiro, segundo os mesmos princípios; 3. Quando mais de uma Parte tem jurisdição sobre um alegado delito descrito na presente Convenção, as Partes envolvidas deverão, por solicitação de uma delas, deliberar sobre a determinação da jurisdição mais apropriada para a instauração de processo; 4. Cada Parte deverá verificar se a atual fundamentação de sua jurisdição é efetiva em relação ao combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros, caso contrário, deverá tomar medidas corretivas a respeito.

O CONTROLE DA CORRUPÇÃO NO BRASIL

97

pessoa jurídica para a apresentação da defesa, a fim de evitar obscuridades e ambiguidades presentes em muitos casos. O objetivo é evitar a constituição de acusações prima facie aparentemente verossímeis, mas que não resistem a uma avaliação jurídica e/ou judicial prudente e neutra. Tais situações acabam por se acercar perigosamente de um quadro de absoluta ilegalidade e antijuridicidade. Nessa defesa, a pessoa jurídica poderá articular fatos e direitos, propor procedimentos, audiências, produção de provas em toda a sua extensão, com base no devido processo legal, no contraditório e na ampla defesa. O processo administrativo, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade instauradora para julgamento (artigo 12). Evidentemente, poderão ser utilizados os instrumentos da Lei Federal de Processo Administrativo. Dentre eles a possibilidade de apresentação de alegações finais com fundamento na Lei nº 9.784/1999 à autoridade julgadora, eis que albergados, inequivocamente, o princípio do direito à comunicação, o direito de aduzir alegações e apresentar documentos antes da decisão referentes à matéria objeto do processo (artigo 3º, III, e 38, caput, Lei nº 9.784/1999), sendo ainda vedada à Administração Pública a recusa ao recebimento de petições e documentos (artigo 6º, parágrafo único, Lei nº 9.784/1999). 128 Por fim, ainda quanto ao processo administrativo, há três questões gravosas para a pessoa jurídica. A primeira: a instauração de processo administrativo específico de reparação integral do dano não prejudica a aplicação imediata das sanções estabelecidas na LA (artigo 13). A segunda: a personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos na LA ou para provocar confusão patrimonial, estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, sempre observados o contraditório e a ampla defesa (artigo 14). Por fim, a terceira: a comissão designada para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica, após a conclusão do procedimento administrativo, dará conhecimento ao Ministério Público de sua existência, para apuração de eventuais delitos. Há uma observação, mais procedimental, no parágrafo único do artigo 13, que prevê a inscrição em dívida ativa da Fazenda Pública não havendo pagamento do crédito apurado no processo administrativo.

128

BRASIL. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1º fev. 1999. “Art. 2º [...] Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: [...] X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio; [...] Art. 3º O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados: [...] III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente; [...] Art. 6º [...] Parágrafo único. É vedada à Administração a recusa imotivada de recebimento de documentos, devendo o servidor orientar o interessado quanto ao suprimento de eventuais falhas. [...] Art. 38. O interessado poderá, na fase instrutória e antes da tomada da decisão, juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo. § 1º Os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão.

98

MELILLO DINIS NASCIMENTO

5.1.5. O acordo de leniência A LA, em seu artigo 16, apresenta a oportunidade de celebração de acordo de leniência entre a autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública e as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos lesivos (artigo 5º) que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo. Os objetivos perseguidos nessa colaboração são: a)

a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber (artigo 16, I); e

b)

a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração (artigo 16, II). Para a celebração do acordo de leniência, a LA estabelece que:

a)

a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito (artigo 16, § 1º, I);

b)

a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo (artigo 16, § 1º, II);

c)

a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento (artigo 16, § 1º, III). Celebrado o acordo de leniência, as pessoas jurídicas terão os seguintes direitos:

a)

isenção de algumas das sanções previstas (artigo 16, § 2º, primeira parte): (i) publicação extraordinária da decisão condenatória (artigo 6º, II); e (ii) proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos (inciso IV do artigo 19);

b)

redução em até 2/3 (dois terços) do valor da multa aplicável (artigo 16, § 2º, segunda parte).

Por outro lado, o acordo de leniência não eximirá a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado (artigo 16, § 3º), e estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo (artigo 16, § 4º). Alguns efeitos estão previstos na LA acerca do acordo de leniência. Uma vez celebrado, seus efeitos serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas (artigo 16, § 5º). Salvo no interesse das investigações e do processo administrativo, a proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do respectivo acordo (artigo 16, § 6º). E não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada (artigo 16, § 7º). Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará

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impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos, contados do conhecimento pela Administração Pública do referido descumprimento (artigo 16, § 8º). Outra repercussão importante no campo dos direitos das pessoas jurídicas é que a celebração do acordo de leniência interromperá o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos na LA (5 anos, artigo 25), na forma do artigo 16, § 9º. Reafirmando o papel central da Controladoria-Geral da União (CGU), esta será o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo Federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a Administração Pública estrangeira (artigo 16, § 10). Passo seguinte, a LA traz uma ampliação do alcance do acordo de leniência. Em seu artigo 17, permite que a administração pública celebre acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei nº 8.666/1993, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus artigos 86 a 88. Por conta da importância dessas sanções e da possibilidade de incluí-las em acordo de leniência, transcrevo os artigos da Lei nº 8.666/1993: Art. 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato. § 1º A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei. § 2º A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado. § 3º Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente. Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I - advertência; II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior. § 1º Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente. § 2º As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis. § 3º A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do

100

MELILLO DINIS NASCIMENTO Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação. Art. 88. As sanções previstas nos incisos III e IV do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei: I - tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos; II - tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação; III - demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados.

5.1.6. A responsabilização judicial A LA trata também da responsabilização judicial das pessoas jurídicas (artigo 18), impondo-a ao lado da responsabilização administrativa. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, e o Ministério Público, na forma do artigo 19 da LA poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras, em razão dos atos previstos no artigo 5º: a)

perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé (artigo 19, I);

b)

suspensão ou interdição parcial de suas atividades (artigo 19, II);

c)

dissolução compulsória da pessoa jurídica (artigo 19, III);

d)

proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos (artigo 19, IV).

Como visto, as sanções decorrentes da responsabilização judicial são duríssimas, razão pela qual a referida lei exigirá muito cuidado em sua aplicação. Por conta deste aspecto, a LA incorre no detalhamento dos critérios necessários para a dissolução compulsória da pessoa jurídica, na forma do parágrafo primeiro do artigo 19. São eles: a) ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos (artigo 19, § 1º,I); ou b) ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados (artigo 19, § 1º,II). As sanções poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa (artigo 19, § 3º) e o Ministério Público ou a Advocacia Pública ou órgão de representação judicial do ente público poderá requerer a indisponibilidade de bens, direitos ou valores necessários à garantia do

O CONTROLE DA CORRUPÇÃO NO BRASIL

101

pagamento da multa ou da reparação integral do dano causado (na forma do artigo 7º), ressalvado o direito do terceiro de boa-fé (artigo 19, § 4º). Como se não bastasse, nas ações ajuizadas exclusivamente pelo Ministério Público, ainda poderão ser aplicadas as sanções do artigo 6º da LA (multa, entre 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e publicação extraordinária da decisão condenatória), sem prejuízo das previstas no capítulo da responsabilização judicial, desde que constatada a omissão das autoridades competentes para promover a responsabilização administrativa. A LA estabelece (artigo 21) que, nas ações de responsabilização judicial, será adotado o rito previsto na Lei n º 7.347, de 24 de julho de 1985, a famosa Lei da Ação Civil Pública. Já consolidada no direito brasileiro, reflexo das class actions norte-americanas, a ação civil pública ou coletiva foi alçada à condição constitucional logo em 1988 (artigo 129, III, da Constituição Federal). No parágrafo único do artigo 21, a LA determina que a condenação torna certa a obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar expressamente da sentença.

5.1.7. Demais disposições da Lei Anticorrupção Ao cabo de sua organização, a LA cria alguns dispositivos procedimentais e alguns essenciais. No campo procedimental, cria-se no âmbito do Poder Executivo Federal o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base nessa Lei (artigo 22), que será informado e atualizado pelos mesmos órgãos com os dados relativos às sanções por eles aplicadas (artigo 22, § 1º). O CNEP conterá (artigo 22, § 2º), entre outras, as seguintes informações acerca das sanções aplicadas: a)

razão social e número de inscrição da pessoa jurídica ou entidade no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ (artigo 22, § 2º, I);

b)

tipo de sanção (artigo 22, § 2º, II); e

c)

data de aplicação e data final da vigência do efeito limitador ou impeditivo da sanção, quando for o caso (artigo 22, § 2º, III).

Em caso de acordo de leniência, as autoridades competentes para celebrá-lo também deverão prestar e manter atualizadas no CNEP, após a efetivação do respectivo acordo, as informações acerca deste, salvo se esse procedimento vier a causar prejuízo às investigações e ao processo administrativo (artigo 22, § 3º). E, se a pessoa jurídica não cumprir os termos do acordo de leniência, além das informações previstas anteriormente, deverá ser incluída no CNEP referência ao respectivo descumprimento (artigo 22, § 4º). Esses registros das sanções e acordos de leniência serão excluídos depois de decorrido o prazo previamente estabelecido no ato sancionador ou do cumprimento integral do acordo de leniência e da reparação do eventual

102

MELILLO DINIS NASCIMENTO

dano causado, mediante solicitação do órgão ou entidade sancionadora (artigo 22, § 5º, I). Claro que cabe também à pessoa jurídica interessada, uma vez cumpridos os prazos, requerer ao órgão ou entidade sancionadora a sua exclusão. Os órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo deverão informar e manter atualizados, para fins de publicidade, no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), de caráter público, instituído no âmbito do Poder Executivo Federal, os dados relativos às sanções por eles aplicadas, nos termos do disposto nos artigos 87 e 88 da Lei nº 8.666/1993 (artigo 25). Em seu artigo 24, determina a LA que a multa e o perdimento de bens, direitos ou valores aplicados serão destinados preferencialmente aos órgãos ou entidades públicas lesadas. Aqui resta uma imprecisão da norma, pois deixa ao alvedrio do administrador público a sua utilização. Melhor seria a destinação a um fundo público, por exemplo, de combate à corrupção. Superadas as questões procedimentais, cuida a Lei Anticorrupção (artigo 25) do importante instituto da prescrição. Aqui a questão essencial: as infrações previstas na LA prescrevem em 5 (cinco) anos contados da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. Conforme seu parágrafo único, na esfera administrativa ou judicial, a prescrição será interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração. Durante muitos anos, a teoria jurídica padeceu, no campo do direito administrativo, de profundidade acerca da prescrição. Parte da doutrina129 entende que a prescrição encerra o poder do Estado, tanto que ganhou, em 1988, previsão constitucional (Constituição Federal, artigo 37, § 5º),130 remetendo às leis o estabelecimento dos prazos. A questão exige discutir o direito fundamental das pessoas (e das pessoas jurídicas) ao esquecimento, na linha da doutrina civilista e das decisões recentes do Superior Tribunal de Justiça.131 E o direito ao esquecimento 129

Em parte da literatura especializada, o impedimento do exercício dos poderes de sanção do Estado em casos de prescrição corresponde a um bloqueio dos poderes administrativos; ver GARCÍA, Alejandro Nieto. Derecho Administrativo Sancionador. 2. ed. Madrid: Tecnos, 2000, p. 456 e ss. 130 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. “Art. 37 [...] § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.” 131 Da origem no campo penal, passando atualmente o campo civilista, o direito ao esquecimento deve alcançar também o Direito Administrativo. A tese do Direito ao esquecimento ganha força na doutrina jurídica brasileira e estrangeira, tendo sido aprovado, recentemente, o Enunciado nº 531 promovida pelo CJF/STJ: “Enunciado 531 – A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento. Artigo: 11 do Código Civil. Justificativa: Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.” Ver as seguintes decisões do STJ, no campo do direito privado: REsp nº 1.335.153-RJ e REsp nº1.334.097-RJ, todos da relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão.

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requer a oportunidade de esquecer e de ser esquecido, bem como aplicação de uma justa medida temporal. Questão ainda tormentosa na práxis administrativa é a (im)precisão da contagem do tempo da prescrição, exatamente pelas elaboradas criações a respeito da data da ciência da infração ou do dia de sua cessação, em casos infracionais permanentes ou continuados. Aqui não há aspecto de pequena monta, quando se tem em vista a preocupação de se observar o justo processo, em cuja noção se insere a determinação do termo inicial da persecução. Veja-se que, ainda sob o pálio de um mesmo artigo de norma (artigo 25), há duas formas de tempo no processo administrativo: (a) o tempo da ciência por parte da administração pública (tempo do ato de conhecer); e (b) o tempo da cessação da infração (tempo do fato). A prescrição do poder de punir – como a prescrição em geral – atende à necessidade da pacificação das relações sociais e da segurança das relações jurídicas em particular, evitando que determinadas situações de conflito efetivo ou potencial se prolonguem indefinidamente no tempo, deixando a parte a ela submissa, em estado de contínua inquietação, como a famosa espada de Dâmocles pendendo sobre a cabeça, criando suplício interminável. É preciso enfatizar que o instituto da prescrição não deverá ser percebido como de menor importância, mas sempre como fator impossibilitante da sanção, a operar em favor do imputado, porque se trata de algo estabelecido com a finalidade de paralisar a atividade punitiva e pacificar as relações sociais. Não se compadece com esse entendimento superior a alegação tantas vezes repetida de que a prescrição favorece a impunidade ou estimula a pratica de novos ilícitos. Após esse importante tema do Direito Administrativo e Constitucional, a Lei Anticorrupção migra para a sua conclusão, destacando a representação da pessoa jurídica (artigo 26). Essa representação dar-se-á na forma do seu estatuto ou contrato social. As sociedades sem personalidade jurídica serão representadas pela pessoa a quem couber a administração de seus bens (artigo 26,§1º) e a pessoa jurídica estrangeira será representada pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil (artigo 26,§2º). Trata a LA de responsabilizar a autoridade competente que, tendo conhecimento das infrações previstas, não adotar providências para a apuração dos fatos (Artigo 27). Sofrerá a responsabilização penal, civil e administrativa nos termos da legislação específica aplicável. No sentido de cumprir os compromissos internacionais, em especial a Convenção da OCDE (Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais), a LA aplica-se aos atos lesivos praticados por pessoa jurídica brasileira contra a administração pública estrangeira, ainda que cometidos no exterior (Artigo 28). A Lei Anticorrupção não exclui as competências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda para processar e julgar fato que constitua infração à ordem econômica (artigo 29), muito menos a aplicação das sanções previstas da LA que afetam os processos de responsabilização e aplicação de penalidades (artigo 30) decorrentes da: a) Lei nº 8.429/1992, que define os atos de improbidade administrativa (artigo 30, I);

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MELILLO DINIS NASCIMENTO e b) Lei nº 8.666/1993, que define os atos ilícitos, ou ainda outras normas de licitações e contratos da administração pública (artigo 30, II), inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) instituído pela Lei nº 12.462 /2011.

Por fim, como forma de permitir a adaptação da Administração Pública e dos particulares, a LA estabelece sua entrada em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação, passando a ser plena em 29 de janeiro de 2014. 5.2.

Temas da Lei Anticorrupção

Colocados os tópicos da estrutura da Lei Anticorrupção, com breves comentários, procedo a uma análise de três temas gerais, com o objetivo de apontar perspectivas para sua aplicação e para o combate à corrupção.

5.2.1. A responsabilidade agora é objetiva A primeira e grande novidade na Lei Anticorrupção é o fato de cuidar de um aspecto nunca tratado de forma direta pela legislação que tenta proteger o patrimônio público dos ataques da corrupção: a responsabilidade objetiva no campo administrativo e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Aqui cabe, mais uma vez, ressaltar que tal posição legal modificará, no meu entendimento, as relações entre pessoas jurídicas e administração pública frente ao fenômeno da corrupção. A tradição jurídica, em especial no Brasil, consolidou a responsabilidade civil como resultado de uma obrigação secundária, decorrente do descumprimento de um dever jurídico originário. Dito de outra forma, por Sérgio Cavalieri Filho, a “responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário.” 132 Na tradição jurídica, há quatro elementos na responsabilidade civil, a saber: (i) o fato, (ii) o dano, (iii) o nexo de causalidade e (iv) a culpa. Neste caso tem-se a responsabilidade civil subjetiva. Com o passar do tempo, e diante das complexidades das sociedades e do próprio Estado, o sistema da responsabilidade civil calcada na teoria da culpa revelou-se insuficiente para representar a melhor solução aos diversos conflitos. Este passou a conviver com a responsabilidade civil sem culpa, que tem cada vez tomado mais espaço no nosso ordenamento jurídico. Na responsabilidade civil objetiva, não se perquire acerca da ocorrência de culpa (ou do dolo), elemento subjetivo, que desaparece, restando somente: (i) o fato, (ii) o dano e (iii) o nexo de causalidade. 133 132

Cf. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 2. Ver: DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 9. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1994, 1 v.; DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17. ed., aument. e atual. de acordo com o Novo Código Civil – Lei nº 10.406, de 10-1-2002. São Paulo: Saraiva, 2003, 7 v.; GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: Responsabilidade Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, 3 v.; GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003; STOCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999; e RIZZARDO, Arnaldo. 133

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Tal opção da lei, muito combatida por seus opositores, em especial durante sua tramitação no Congresso Nacional, causará profundas transformações, pois, além dos seus efeitos, exigirá uma mudança da cultura das pessoas jurídicas, paralela a que ocorreu com o Código de Defesa do Consumidor na experiência brasileira. Trata-se, no caso da Lei Anticorrupção, de responsabilidade objetiva fundada no risco administrativo, segundo o qual a pessoa jurídica prestadora assume uma atividade arriscada, por natureza, da qual aufere vantagens e, por isso, deve também suportar os ônus que dela decorrem. Como dito, a pessoa jurídica responderá objetivamente pelos atos ilícitos praticados em seu benefício ou interesse por qualquer de seus agentes, ainda que tenham agido sem poderes de representação ou sem autorização superior, mesmo que o ato praticado não proporcione a ela vantagem efetiva ou que eventual vantagem não a beneficie direta ou exclusivamente. Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária. E serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos na Lei as entidades integrantes de grupo econômico, de fato ou de direito, as sociedades controladas ou controladoras, as coligadas e, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas. Um segundo aspecto que salta aos olhos, desde já, é que o patrimônio da pessoa jurídica poderá ser atingido para efeito de ressarcimento dos prejuízos causados. Além da multa (de 0,1% a 20% do faturamento bruto) e da publicação da decisão condenatória, haverá muitas outras consequências, já exploradas dantes. Aqui se coloca questão grave, numa visão mais ampla do fenômeno jurídico da corrupção, acerca da responsabilidade das pessoas envolvidas numa relação ou numa “operação” que possa ser considerada corrupta. Um polo do fenômeno (o corruptor) estará submetido a esta forma de responsabilização: objetiva, que recai diretamente sobre seu patrimônio. Outro polo, corrompido(s) e provavelmente tão envolvido(s) quanto o primeiro na mesma relação, estará(ão) ainda sob o campo da responsabilidade subjetiva, eis que esta impera exclusivamente na legislação que cuida da moralidade, da probidade e da ética dos agentes públicos. Saiu-se de uma situação (anterior à Lei Anticorrupção) em que sequer as pessoas jurídicas eram responsabilizadas, para outro extremo, em que a responsabilidade é objetiva, o que talvez não tenha sido a melhor solução. Em situações em que há uma desproporcionalidade na responsabilização, tenho sempre a opinião de que há riscos de se cometer “injustiças”. Sem contar os riscos de uma solução heterodoxa para evitar o controle da corrupção: mais corrupção! Deveria imperar nesse caso, como noutros, a questão da responsabilidade subjetiva, pois serão comprometidos patrimônios, marcas, nomes, imagens e a própria existência, em muitos casos, das pessoas jurídicas. No mínimo, para equilibrar a balança, a responsabilidade objetiva deveria ser aplicada também aos agentes públicos, incluindo-se aí os controladores em caso de má-fé comprovada, com sanções no mesmo nível. Não sei se punições extremas servem para modificar processos sociais. Responsabilidade Civil. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

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Por conta dessas questões, penso que a dimensão da responsabilidade deverá ser compreendida de forma mitigada, diante das variáveis de uma “corrupção objetiva” 134 que recairão sobre as pessoas jurídicas. O respeito ao devido processo legal e o império das garantias constitucionais serão importantes para que, diante das diversas possibilidades de uso da Lei Anticorrupção, não se permita exatamente mais corrupção.

5.2.2. Processo administrativo e devido processo legal O processo administrativo de responsabilização administrativa, sem prejuízo da responsabilização judicial, exigirá muito de todos os envolvidos. Autoridades, agentes públicos e pessoas jurídicas, sem distinção, deverão intensificar os esforços para garantir a execução do devido processo legal, como parte integrante dos direitos fundamentais do Estado de Direito, bem como da própria Constituição brasileira. Esse esforço surgirá em decorrência da gravidade das sanções e dos cuidados de avaliar a responsabilidade objetiva frente aos riscos de cometer equívocos e atropelar as garantias do devido processo legal administrativo. A cultura brasileira dos processos administrativos neste início de século tem evidenciado um conjunto de problemas: (i) abuso da posição de Estado; (ii) responsabilização prévia, funcionando o processo administrativo apenas como simulacro; (iii) formalismo absoluto; (iv) pouco ou nenhum devido processo legal substantivo; (v) contraditório reduzido ou inexistente, pois as manifestações dos administrados não são sequer consideradas na formação do juízo. A lista de problemas complica-se quando se sabe da dificuldade de formação de agentes públicos com capacidade de enfrentar a questão, ainda mais com uma comissão formada, pela Lei Anticorrupção, por apenas 2 (dois) membros, opção contrária à tradição brasileira de pelo menos 3 (três) membros em comissões de apuração para permitir a superação de situações de empate e garantir um debate mínimo. Outro aspecto é a importância que ganhará a “manifestação” jurídica dos advogados públicos, não apenas no sentido de defender a posição oficial, mas defender principalmente o direito. No caso das autoridades que deverão julgar os casos da Lei, ao invés de apenas resumir e, muitas vezes, assinar sem ler o que as diversas assessorias “prepararão”, os cuidados deverão ser redobrados. Certamente a autoridade haverá que motivar a sua decisão com base, tanto nos fatos, como no direito, de forma a representar o resultado posterior de um trabalho 134

A expressão é de Marçal Justen Filho. Esse autor, ao avaliar a nova lei, crê que não haverá uma “corrupção objetiva” e que a sua interpretação deverá ser em termos, pois “nenhuma pessoa jurídica atua diretamente no mundo”. Claro que isto significa, para o conhecido administrativista, que dever-se-á sempre analisar o caso frente à conduta de um de seus agentes, formalmente ligados à pessoa jurídica ou não, sendo até desnecessário aludir a uma “responsabilidade objetiva da pessoa jurídica”. Esse talvez não seja o entendimento majoritário dos aplicadores da norma. Ver a posição em JUSTEN FILHO, Marçal. A “Nova” Lei Anticorrupção Brasileira (Lei Federal 12.846). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 82, dez. 2013. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2013.

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de juízo comprometido com a Constituição e com a legislação. E, por fim, há a dificuldade de entender que o Estado que analisa o fenômeno da corrupção é ao mesmo tempo, acusador, processante e juiz da questão posta. Essa questão estrutural já mereceu melhor tratamento quanto às questões tributárias, por exemplo, com o processamento em outro nível, mais autônomo, da Administração Pública central, por meio do Conselho de Recursos Administrativos Fiscais (CARF) na esfera federal. Enquanto se luta pela efetivação de uma “justiça administrativa”135 que diminua a contaminação de interesses e relações difíceis entre Estado e sociedade, haverá que se defender permanentemente a formação e o controle estrito dos agentes públicos com o objetivo de separar o joio do trigo.

5.2.3. Os sistemas de integridade Os sistemas de integridade136 são mecanismos e procedimentos que servem para diminuir ou evitar o fenômeno da corrupção em uma determinada organização ou pessoa jurídica. A Lei Anticorrupção aposta na sua existência como uma forma de mudança cultural e como qualificação importante para atenuar a aplicação das severas sanções às pessoas jurídicas. São compostos por (i) manuais de boas práticas de integridade das pessoas jurídicas, (ii) sistemas de acolhimento, tratamento e apoio às denúncias internas e externas, (iii) modelos de procedimentos em casos de corrupção, (iv) criação de códigos de ética e conduta, (v) ampliação dos mecanismos de auditoria e compliance. Além da existência formal desses procedimentos e mecanismos, deverão ser analisados os esforços de cada pessoa jurídica em favorecer o permanente treinamento e inculturação da integridade no cotidiano das empresas. Treinamentos periódicos, publicações, avaliações e punições gradativas para o descumprimento das normas éticas internas serão imprescindíveis para garantir a sua efetividade, pois os sistemas de integridade são parte de um complexo e inexorável processo de educação. Assim, as pessoas jurídicas deverão considerar nos sistemas de integridade aspectos como combate à corrupção, reação ao oferecimento ou ao pedido de suborno, além de incluir valores, políticas detalhadas, procedimentos internos e externos, gestão de risco e de crises, comunicação interna e externa, treinamentos internos de funcionários, guias para fornecedores e outros prestadores diretos e indiretos de serviços, avaliação, monitoria, seguros contra a ocorrência desses eventos etc. Não será um processo simples. 6.

DESAFIOS DA LEI ANTICORRUPÇÃO

Se a Lei Anticorrupção for aplicada da forma como foi concebida, trará diversos desafios às pessoas jurídicas. O primeiro é a percepção de que o quadro legal realmente mudou. Um segundo dado a ser considerado é compreender as diferentes dimensões de cada um das 135

Ver o estudo clássico de MASHAW, Jerry L. Bureaucratic Justice: managing social security disability claims, New Haven/London: Yale University Press, 1983. 136 Cf. POPE, Jeremy. National integrity systems. The TI Sourcebook, 2000, Chapter 22. Disponível em: . Acesso em: 27 nov. 2013; SPECK, Bruno Wilhelm. Caminhos da transparência: análise dos componentes de um sistema nacional de integridade. Campinas: Editora da UNICAMP, 2002.

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pessoas jurídicas, seu tamanho, suas relações e suas capacidades patrimoniais de adaptação às normas e às sistemáticas, além das repercussões em vários campos (tributário, penal, trabalhista, empresarial). No Brasil, esse aspecto deverá ser considerado de forma muito cuidadosa. As organizações de empresas, sindicatos e outras formas de organização deverão conhecer, apoiar e organizar a integração das pessoas jurídicas a esse novo universo. Sem tal apoio, os compromissos que a Lei Anticorrupção exige serão extremamente custosos para a maior parte das pessoas jurídicas no Brasil. Outra questão decorrerá da contínua transferência de papéis e, consequentemente, de responsabilidades, do Estado para a sociedade, por meio das pessoas jurídicas. Ao fazer pesar sobre as pessoas jurídicas os atos ilícitos praticados por seus contratados – outras pessoas físicas ou jurídicas, ou seus próprios funcionários – a nova lei não considerou as dificuldades da organização, da condição humana e de suas capacidades de enfrentar o problema quando se está diante do fenômeno da corrupção. Evitar deslizes éticos não é simples. 7.

À GUISA DE CONCLUSÃO

Não há hesitação em afirmar que ganhou o combate à corrupção no Brasil com a Lei nº 12.846/2013. Essa norma vai impor uma nova agenda jurídica e política para as pessoas jurídicas, independentemente de seu tamanho ou forma de organização, nos próximos anos. Durante muito tempo, discussões e construções deverão ser realizadas. A proposta deste texto era, depois de um pequeno debate sobre o fenômeno da corrupção, buscar pensar a Lei Anticorrupção frente aos desafios e tensões persistentes no Brasil entre Estado e sociedade, apontar elementos para uma teoria jurídica da corrupção e descrever, de forma estrutural, a legislação como um todo, para permitir que os leitores percebessem sua importância. Deixei para o encerramento, duas velhas perguntas: (i) a corrupção tentacular no Brasil diminuirá com a vigência da nova lei? (ii) a lei vai “pegar”? Com todas as reservas e cuidados necessários ao ato de predizer como será a criatura no momento de seu nascimento, a resposta às questões é positiva, na medida expressa do esforço coletivo para que essa realidade mude, respeitando direitos e garantindo deveres. Depende muito mais do conjunto de atores envolvidos na questão que da própria Lei Anticorrupção.

SANÇÕES DO CONTROLE EXTERNO Jaques Fernando Reolon

1.

INIDONEIDADE

A pena de inidoneidade, aplicável ao licitante fraudador, prevista no art. 46 da Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União1 é distinta da inidoneidade para licitar e contratar com a Administração Pública, estatuída no art. 87 da Lei de Licitações2. Esta é aplicável somente por agentes competentes de Órgãos ou Entidades da Administração Pública e pode ser utilizada na fase de execução contratual. Aquela somente penaliza licitantes e não pode usada para penalizar contratados por fatos ocorridos durante a execução do ajuste, mas tão somente por fraudes na fase interna ou externa da licitação. Neste tópico, vai-se discorrer apenas sobre a penalização de competência do TCU, explicando-se algumas de suas peculiaridades e citando exemplos de casos já julgados. 2.

DA LEGALIDADE E DA INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DA PENALIDADE

O processo de aplicação da pena de inidoneidade possui a natureza sancionatória e se insere no âmbito do Direito Administrativo, por isso, sofre influxo das diretrizes garantidoras do sistema jurídico e, subsidiariamente, daquelas oriundas da Lei nº 9.784\1999, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal.3 A reserva legal, considerada por muitos um meio antiquado de operar o direito, é um instrumento valioso para obstar que as punições sejam aplicadas com discricionariedade e, por isso, a referida pena somente pode ser utilizada na exata medida que a lei prescreve. Em termos pragmáticos, a importância da legalidade no manejo dessa sanção deve-se basicamente aos seus efeitos econômicos devastadores na atividade finalística de muitas empresas ou licitantes pessoas físicas que ficam impedidas de participar de licitações realizadas 1

BRASIL. Lei 8.443, de 16 de julho de 1992. Dispõe sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 jul. 1992. 2 BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 jun. 1993. 3 “A incidência imediata das garantias constitucionais referidas dispensariam previsão legal expressa de audiência dos interessados; de qualquer modo, nada exclui os procedimentos do Tribunal de Contas da aplicação subsidiária da lei geral de processo administrativo federal (L. 9.784/99), que assegura aos administrados, entre outros, o direito a "ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista do s autos (art. 3º, II), formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente" MS 23.550 e 27992, ambos do DF.

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com recursos públicos federais por um período de até cinco anos. Não se deve olvidar que as compras governamentais são indutoras da atividade econômica e representam parcela significativa das receitas de licitantes; de alguns, a totalidade, via de consequência, ceifam também inúmeros empregos. Pertinente à interpretação, como seus efeitos jurídicos tolhem o regular exercício de um direito público subjetivo de os licitantes participarem de certames, deve ser restritiva, não se admitindo analogias ou aplicação dos princípios gerais do Direito, salvo para sua adequada dosimetria, alicerçada na razoabilidade e na justiça da punição. 3.

DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DA COMPETÊNCIA DO PLENÁRIO

Além de a Constituição assegurar um processo sancionatório informado pelo direito ao contraditório e à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes4, por força de norma interna corporis, a aplicação da pena de inidoneidade deve ser precedida de audiência do licitante, com vistas à apresentação de suas razões de justificativas no prazo de até 15(quinze) dias. As razões apresentadas pelo eventual responsável serão objeto de análise pela equipe técnica do Tribunal, formada por auditores concursados, e poderá5 ser enviada ao Ministério Público, na condição de fiscal da lei, para emissão de parecer, e, após, pautada para julgamento pelo Plenário, colegiado que possui a competência privativa para processos que tratam de inidoneidade. O processo sancionatório se desenvolve orientado pelos vetores da verdade real e do formalismo moderado, permitindo-se a formação de qualquer tipo de prova, dirigida exclusivamente à formação de juízo pelos julgadores, desde que guardem correlação com o fato examinado. A iniciativa de instaurar processo para aplicar a penalidade pode exsurgir de uma representação de um concorrente ou de uma unidade técnica do Tribunal. Podem, também, ser verificados eventuais indícios de fraudes, no curso de tomadas ou prestações de contas ou processos de fiscalização de atos ou contratos em que o relator ou o Tribunal poderão determinar a audiência do licitante. Processualmente, a fim de tornar célere a penalização, o relator ou o Tribunal pode determinar a constituição de autos apartados.

4 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out. 1988. Art. 5º, incisos LIV, LV e LVII. 5 A possibilidade de o Ministério Público intervir em um processo de aplicação da pena de inidoneidade se deve ao fato de que pode se manifestar, oralmente ou por escrito, em todos os assuntos sujeitos à decisão do Tribunal, mas somente é obrigatória sua audiência nos processos de tomada ou prestação de contas e nos concernentes aos atos de admissão de pessoal e de concessão de aposentadorias, reformas e pensões.

SANÇÕES DO CONTROLE EXTERNO 4.

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DOS RECURSOS E DA REVISIBILIDADE JUDICIAL

As decisões do Tribunal de Contas que aplicarem a pena de inidoneidade a licitante podem ser objeto de recurso próprio ao Plenário e até mesmo de embargos de declaração, se existente obscuridade, omissão ou contradição em acórdão do Tribunal. Haverá situações em que pode ser manejado o agravo, sem efeito suspensivo, quando, por despacho, o relator indeferir liminarmente razão de justificativa adicional do responsável em processo de aplicação da referida pena. Caso esgotados os recursos no âmbito do Tribunal, poderá o licitante penalizado utilizar-se da estreita via do Poder Judiciário que somente poderá reformar as decisões do Tribunal de Contas em casos de crasso erro processual ou material, consoante paradigma histórico do Supremo Tribunal Federal. 5.

DOS CASOS EXAMINADOS PELO TRIBUNAL

Aviso da licitação forjado Simulou-se a publicação do aviso da licitação, inserindo no processo cópia falsa de folha do Diário Oficial. A fraude garantiu a vitória na licitação das empresas penalizadas a fim de pagá-las por fornecimentos realizados antes do certame. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1610/2010 – Plenário. Nota: no caso, a incapacidade de as empresas provarem como tiveram ciência da licitação reforçou a ocorrência da fraude. Discorda-se porque a simples pesquisa de preços no mercado, para fim de estimativa, já ocasiona a devida publicidade. Algumas vezes, a simples leitura da Lei Orçamentária já permite prever com muita antecedência quais licitações ocorrerão. Qualificação técnica - conluio Duas empresas foram declaradas inidôneas para licitar com a Administração Pública Federal por cinco anos porque: a) uma apresentou atestado oriundo de contrato executado pela outra sem comprovar a subcontratação autorizada pela administração; b) havia relações de parentesco entre os sócios; c) as duas possuíam o mesmo representante legal e d) somente as duas ofereceram propostas para os mesmos lotes. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 984/2009 – Plenário. Nota 1: Entendeu-se que se a subcontratação realmente existiu, como alegado pela empresa, mas à revelia da administração, não poderia gerar efeitos jurídicos, eis que operada de forma irregular. Obtempera-se que, mesmo sem a anuência da administração ou admitida no edital ou contrato – e nesse caso irregular à luz dos arts. 72 e 78, inc. VI, da Lei 8.666/1993, poderia flexibilizar-se o entendimento e reduzir a penalidade porque a finalidade da qualificação técnica de demonstrar a aptidão para executar o objeto licitado foi alcançada, embora não cumprida a formalidade. Qualificação técnica - atestados fraudados TCU declarou inidônea, por cinco anos, empresa que se utilizou de notas fiscais e atestados de qualificação técnica falsificados que “[...] permitiram sua indevida habilitação em procedimentos licitatórios [...]”. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 457/2011 – Plenário. O art. 46 da Lei Orgânica do TCU não foi revogado pelo art. 87 da Lei nº 8.666/1993 Também não existe contradição entre o disposto nos artigos 46 da Lei 8.443/1992 e 87, inciso IV, in fine

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e §3º, in fine, da Lei 8.666/1993. O primeiro dispositivo é aplicável à fraude à licitação e o segundo trata de sanção pela inexecução total ou parcial do contrato. São circunstâncias distintas. Verificada fraude à licitação, é competente o Tribunal para aplicar a sanção. Tratando-se de inexecução total ou parcial de contrato, cabe ao Ministro de Estado declarar a inidoneidade. É nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, como se extrai da ementa do processo Pet. 3606 AgR/DF, relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ 27/10/2006, in verbis: “Conflito de atribuição inexistente: Ministro de Estado dos Transportes e Tribunal de Contas da União: áreas de atuação diversas e inconfundíveis. (...) 2. O poder outorgado pelo legislador ao TCU, de declarar, verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal (art. 46 da L. 8.443/92), não se confunde com o dispositivo da Lei das Licitações (art. 87), que - dirigido apenas aos altos cargos do Poder Executivo dos entes federativos (§ 3º) - é restrito ao controle interno da Administração Pública e de aplicação mais abrangente (...).” Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2421/2009 – Plenário. E BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2376/2007 – Plenário. Inidoneidade - fase de execução contratual - somente do art. 87 da Lei nº 8.666/1993 21. A jurisprudência uniforme desta Casa é firme no sentido de que a decretação de inidoneidade somente é possível quando existe comprovação de fraude à licitação, não sendo possível sua aplicação quando verificadas irregularidades relacionadas à execução dos contratos. Transcrevo, a seguir, a título ilustrativo, excertos de Votos nesse sentido proferidos por diversos Relatores. 22. Relator Ministro Ubiratan Aguiar, TC 012.614/2005-2, Relatório de Auditoria, Acórdão nº 814/2007 – Plenário: “14. Considerando que as empresas foram devidamente ouvidas sobre os fatos irregulares apontados, poderia ser aventada a possibilidade de ser-lhes aplicada a sanção prevista no art. 46 da Lei 8.443/1992, que dispõe, in verbis: “Art. 46. Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Publica Federal.” 15. Entretanto, como se vê do teor do artigo da lei, tal possibilidade não pode prosperar na situação examinada nos autos, pois as fraudes apontadas pela equipe de auditoria ocorreram na fase de execução dos contratos celebrados com as agências acima indicadas (durante a realização das subcontratações) e não durante a fase de licitação, realizada pela extinta Secom para contratação das agências de publicidade.” 23. Relator Ministro Valmir Campelo, TC 003.127/2004-6, Tomada de Contas Especial, Acórdão nº 956/2006 – Primeira Câmara: “Nesse mesmo diapasão, dissinto da proposta de declaração de inidoneidade da empresa RG Ribeiro Gonçalves, pois não ficou demonstrada a prática de fraude à licitação.” 24. Relator Ministro Guilherme Palmeira, TC 003.125/2004-1, Tomada de Contas Especial, Acórdão nº 1314/2006 – Primeira Câmara: “Note-se que, pelo menos em duas ocasiões, ao relatar processos análogos ao presente (TC 002.082/2004-8, TC 002.078/2004-5 e o referido TC 003.122/2004-0, Acórdãos 147/2005, 1.033/2005 e 2.057/2005, da 1ª Câmara, respectivamente), defendi o raciocínio – aceito sem restrições pelo Colegiado – de que a declaração de inidoneidade requer estrita comprovação de que as empresas envolvidas contribuíram para a prática de fraude à licitação, (...)” 25. Relator Auditor Marcos Bemquerer Costa, TC 019.812/2003-4, Tomada de Contas Especial, Acórdão nº 1057/2005 – Plenário:

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“Em relação à declaração da inidoneidade das Empresas responsáveis para licitarem ou contratarem com a Administração Pública Federal pelo prazo de cinco anos, proposta pela unidade técnica, entendo que tal penalidade somente poderia ser aplicada por este Tribunal no caso de fraude comprovada à licitação, de acordo com a determinação contida no art. 46 da Lei nº 8.443/1992. Entretanto, não há nos autos elementos suficientes para a caracterização da ocorrência de fraude ao processo licitatório para a contratação das empresas executoras da obra objeto do Convênio em tela.” 26. De fato, consoante aceito pela boa doutrina e jurisprudência, a declaração de inidoneidade de empresas decorrente de atos praticados após o certame licitatório seria de competência exclusiva da Administração, em consonância com o disposto nos arts. 86 e 87 da Lei nº 8.666/1993. Nesse sentido é a lição de Aléxis Sales de Paula Souza (in Extensão da Declaração de Inidoneidade, Revista de Direito e Administração Pública nº 81, mar./05, p. 18). “[...] Mesmo na hipótese de se acreditar que o artigo 46 da Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992 não tenha sido derrogado pela Lei nº 8.666/93, deve-se entendê-lo como de aplicação restrita ao TCU, em sua atuação fiscalizadora, e nunca como paradigma hermenêutico da declaração de inidoneidade nos moldes hoje postos no inciso IV do art. 87 da Lei nº 8.666/93. A uma, porque trata apenas de fraudes praticadas nos processos licitatórios, sem se preocupar com os ilícitos que possam ocorrer durante a execução do contrato, ou mesmo da contratação com dispensa e inexigibilidade. A duas, porque estabelece o prazo da sanção, no caso por até 5 anos, enquanto a Lei nº 8.666/93 determina que a sanção durará até que seja promovida a reabilitação junto a Administração. Como se percebe, a norma é outra e o espírito da lei é outro.” 27. A aludida doutrina foi mencionada no Voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence (Relator) nos autos do Agravo Regimental na Petição nº 3.606-9 – Distrito Federal, acolhido pelo Supremo Tribunal Federal. Consignou o Relator, na oportunidade: “1 – A atuação do Tribunal de Contas da União no exercício da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial das entidades administrativas não se confunde com aquela atividade fiscalizatória realizada pelo próprio órgão administrativo, uma vez que esta atribuição decorre da de controle interno ínsito a cada Poder e aquela, do controle externo a cargo do Congresso Nacional (CF, art. 70). 2. O poder outorgado pelo legislador ao TCU, de declarar, verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal (art. 46 da L. 8.443/92), não se confunde com o dispositivo da Lei das Licitações (art. 87), que – dirigido apenas aos altos cargos do Poder Executivo dos entes federativos (§ 3º) – é restrito ao controle interno da Administração Pública e de aplicação mais abrangente.” Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1287/2007 – Plenário. Inidoneidade - cumulação com a pena de suspensão do art. 87, inc. III, da Lei nº 8.666/1993 4.4 Em trecho do parecer de fls. 27/28, o Ministério Público junto ao TCU assim se manifestou: "Depois, cabe esclarecer que a declaração de inidoneidade das referidas empresas para participar por até cinco anos de licitação na Administração Pública Federal é medida que, se vier a ser adotada pelo Tribunal, será fundamentada exclusivamente no art. 46 da Lei nº 8.443/92, já que cabe à Corte de Contas, no exercício de suas competências, aplicar as sanções previstas em sua Lei Orgânica.(...) Por fim, impende ressaltar que a adoção de medidas administrativas pelo Órgão ou a existência de ações judiciais que as questionem não impedem que o Tribunal exerça suas prerrogativas constitucionais e legais, em razão do princípio da independência das instâncias. Nesse sentido, a imposição aos licitantes pela Justiça Federal de Santa Catarina da sanção administrativa de suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com o Órgão pelo período de dois anos, prevista no art. 87, inciso III, da Lei nº 8.666/93, ou mesmo a contestação judicial promovida pela empresa Pauta

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Equipamentos e Serviços Ltda. (MS nº 2004.04.01.042995-0/SC, fls. 13/17 – Anexo 1), não constituem óbice a que o Tribunal venha a aplicar a sanção prevista no art. 46 da Lei nº 8.443/92, caso entenda pertinente." Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1314/2007 – Plenário. Inidoneidade - parentesco - inobservância do impedimento do art. 9º da L8666 “2. As justificativas apresentadas pelos integrantes da comissão de licitação foram refutadas pela unidade técnica, que demonstrou sua improcedência. Ante a adequação da análise empreendida e diante das irregularidades verificadas (fracionamento dos certames e convite a número mínimo de licitantes, que incluíram 2 empresas em que os sócios eram casados e um deles era servidor do município), que indicam o direcionamento dos procedimentos seletivos, endosso as análises e conclusões da unidade técnica nesse particular e as incluo entre minhas razões de decidir. [...] 9.7. com esteio no art. 46 da Lei Orgânica do TCU, declarar a inidoneidade da Construtora Monte Sinai Ltda. e da empresa individual Daniel Almeida Rosa para licitar com a administração pública federal por cinco anos;” Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 756/2010 – Plenário. Inidoneidade - parentesco - convite A relação de parentesco entre os sócios e a existência de sócios em comum entre as licitantes não enseja a declaração de inidoneidade. No caso, havia mais indícios de fraude, como a opção pela modalidade convite em que a Administração escolhe e convida as participantes, a efetiva ausência de competição devido à oferta de preços unitários e globais idênticos ao orçamento base da Prefeitura e o fato de o autor de parte do projeto ser filho de um dos sócios da única empresa habilitada. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1279/2010 – Plenário. Nota: Realmente não basta argumentar a ausência de norma impeditiva à participação de empresas com parentesco entre os sócios ou sócios em comuns, mas efetivamente demonstrar a insubsistência de todas ou das mais relevantes - as razões elencadas para penalizar, ou melhor, deve-se infirmar o lastro probatório erigido para penalizar. O Controle não pode condenar sem provas ou sem um conjunto de indícios consistentes, mas é dever do responsável refutar os argumentos que induzem à sua penalização quando existentes. É pura discussão do ônus probatório assentado no art. 333 do CPC. Inidoneidade - parentesco 9. A coincidência de sócios entre as empresas e as relações de parentesco em torneios desse jaez indicam a existência de estreitos vínculos entre as firmas e revelam impossibilidade fática de competitividade real entre as interessadas, restando, portanto, caracterizada fraude ao procedimento licitatório. 10. De ressaltar que a competitividade está associada à efetiva disputa entre os participantes do certame. No caso, observa-se que devido ao fato de as licitantes pertencerem aos mesmos proprietários parentes vai prevalecer o interesse do grupo societário como um todo em detrimento dos interesses isolados de cada empresa, o que afasta a real disputa entre as elas. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 775/2011 – Plenário. Nota: esse acórdão demonstra a tendência do TCU de, nos casos de convite, declarar a inidoneidade apenas havendo relações de parentesco entre sócios de empresas que simulam competição no certame, embora a lei não vede expressamente a participação de empresas com esse tipo de quadro societário. Neste caso, também havia indícios de simulação de competição, tendo em conta que o convite obteve apenas uma proposta válida, contrariando a Súmula 248 do TCU que enseja a repetição do certame.

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Inidoneidade - convite - condições de participação - parentesco TCU determinou: “[...] em futuras licitações na modalidade convite, com aporte de recursos federais, abstenha-se de expedir cartas-convite a firmas que tenham sócios em comum ou que apresentem relação de parentesco entre eles, por constituir afronta aos princípios insculpidos no art. 3º da Lei n. 8.666/1993, em especial os da competitividade, da isonomia e da impessoalidade.” Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 775/2011 – Plenário. Inidoneidade - fraude - parentesco O sócio-gerente da empresa vencedora do convite era irmão do representante de outra empresa, dentre um universo de três licitantes. A inidoneidade foi declarada por dois anos. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 480/2007 – Plenário. Nota: relator ressaltou que somente o parentesco não seria motivo para apenar as empresas, por isso baseou-se nos demais indícios para aplicar a sanção. O argumento adicional apresentado pelo Sr. Eduardo Afonso Vanzella, representante da firma Construtora Solar Ltda., relativo ao desconhecimento de que seu irmão Marcos Vinícius Vanzella representava a empresa Construtora Centro América Ltda. no certame chega a ser risível. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 480/2007 – Plenário. Inidoneidade - enquadramento irregular como EPP TCU verificou: participou de licitações como empresa de pequeno porte (EPP), obtendo os benefícios da Lei Complementar 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), sem ostentar a condição que permitia o seu enquadramento como EPP. Feita a oitiva da empresa, oportunidade em que se informou a ela da possibilidade de ser apenada com a sanção prevista no art. 46 da Lei 8.442/1992 (declaração de inidoneidade para participar de licitação na administração pública federal por até cinco anos), esta informou que teria participado das licitações como empresa de pequeno porte, porque estaria assim enquadrada desde 1º de julho de 2007, condição certificada pela Junta Comercial, e não teria sido informada da perda da qualificação de empresa de pequeno porte. A Lei Complementar 123/2006, em atendimento ao disposto nos artigos 170, inciso IX, e 179 da Constituição Federal, estabeleceu tratamento diferenciado e favorecido às microempresas e empresas de pequeno porte, especialmente no que se refere: “Art. 1º (...) I - à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias; II - ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias; III - ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão.” No art. 47 dessa LC há autorização expressa para a concessão de privilégios às ME e EPP nas contratações administrativas, in verbis: “Nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente.” No âmbito da Administração Pública Federal, o tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte nas contratações públicas de bens, serviços e obras foi regulamentado pelo Decreto 6.204/2007 que, no art. 11, estabelece as exigências que devem ser cumpridas pelas empresas que pretendem usufruir dos benefícios proporcionados às ME e EPP, in verbis:

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“Para fins do disposto neste Decreto, o enquadramento como microempresa ou empresa de pequeno porte dar-se-á nas condições do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em especial quanto ao seu art. 3º, devendo ser exigido dessas empresas a declaração, sob as penas da lei, de que cumprem os requisitos legais para a qualificação como microempresa ou empresa de pequeno porte, estando aptas a usufruir do tratamento favorecido estabelecido nos arts. 42 a 49 daquela Lei Complementar.” Perante a Administração, a qualificação como microempresa ou empresa de pequeno porte é feita mediante declaração da Junta Comercial, que a expede com base em informação da empresa interessada, que requer à respectiva Junta o arquivamento da “Declaração de Enquadramento de ME ou EPP”. Da mesma forma, cessadas as condições que permitiam o enquadramento como ME ou EPP, a empresa deverá fazer a “Declaração de Desenquadramento”. Essas ações competem exclusivamente às empresas interessadas em auferir os benefícios da LC 123/2006 e cuja operacionalização foi estabelecida pelo Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC), na Instrução Normativa DNRC 103/2007. Trata-se de “ato declaratório”, de iniciativa de quem pretenda usufruir dos benefícios concedidos às ME e EPP. A declaração, conforme expressamente previsto nos artigos 11 do Decreto 6.204/2007 e 1º da IN/DNRC 103/2007, é feita “sob as penas da lei”, sujeitando os infratores às cominações legalmente estabelecidas. No caso concreto verificou-se, em pesquisas realizadas nos sistemas informatizados da administração pública federal (Siafi, Siasg, ComprasNet), que a empresa Centerdata, apesar de ter faturamento bruto superior ao limite estabelecido pela Lei Complementar 123/2006 (R$ 2.400.000,00), venceu licitações na qualidade de EPP e se beneficiou indevidamente dessa condição. Tal fato é fundamentado na apuração feita com base no somatório de ordens bancárias (OBs) recebidas pela empresa nos anos anteriores aos das licitações em que se sagrou vencedora (R$ 2.521.847,18, em 2006, e R$ 3.653.235,52 em 2007). Os valores correspondem à parcela do faturamento bruto representada apenas por pagamentos recebidos pela empresa de entes da administração pública federal e já ultrapassam os limites fixados para habilitar-se aos benefícios próprios de EPP. Enquanto a empresa não firmar a “Declaração de Desenquadramento”, a Junta Comercial expedirá, sempre que solicitado, a “Certidão Simplificada” a que se refere a empresa Centerdata em suas razões de justificativa, que poderá ser usada na habilitação de empresa em licitações que propiciem benefícios a ME ou EPP. A informação da perda da condição de ME ou EPP, por ser ato declaratório, era responsabilidade da empresa Centerdata que, por não tê-la feito e por ter auferido indevidamente dos benefícios da LC 123/2006, ação que caracteriza fraude à licitação, deve ser declarada inidônea para participar de licitações da administração pública federal. [...] TCU determinou: 9.2. declarar a empresa Centerdata Análise de Sistemas e Serviços Ltda. (CNPJ 02.596.872/0001-90) inidônea para licitar e contratar com a Administração Pública, por um ano; Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1028/2010 – Plenário. Inidoneidade - enquadramento como ME ou EPP Relator observou: “A informação da perda da condição de ME ou EPP, por ser ato declaratório, era responsabilidade da empresa [...] que, por não a ter feito e por ter auferido indevidamente dos benefícios da LC 123/2006, ação que caracteriza fraude à licitação, ato grave que enseja declaração de inidoneidade [...]”. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1972/2010 – Plenário. Nota: o enquadramento como ME ou EPP origina-se de um ato declaratório, sob as penas da lei, da empresa à Junta Comercial que expede a Declaração de Enquadramento de ME ou EPP. Insubsistentes os

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requisitos legais, deverá a empresa declará-los para que a Junta emita a Declaração de Desenquadramento, conforme dispõe a Instrução Normativa 103/2007 - DNRC. Devido à omissão da empresa de declarar que não mais supria os requisitos legais, usufruiu ilicitamente da prerrogativa legal. Inidoneidade - enquadramento como EPP ou ME inverídico Houve aplicação da pena de inidoneidade por dois anos porque a empresa venceu licitações destinadas exclusivamente à participação de Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, apesar de apresentar faturamento bruto superior ao limite previsto no art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2578/2010 – Plenário. Inidoneidade - enquadramento como EPP ou ME - A participação em licitação expressamente reservada a microempresas (ME) e a empresas de pequeno porte (EPP), por sociedade que não se enquadre na definição legal reservada a essas categorias, configura fraude ao certame. - A responsabilidade pela exatidão, atualização e veracidade das declarações é exclusivamente das firmas licitantes que as forneceram à Administração No mesmo sentido: Acórdãos 1028/2010, 1972/2010, 2578/2010 e 2846/2010, todos do Plenário. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 3228/2010 – Plenário. Inidoneidade - enquadramento como EPP ou ME 9.2. declarar a empresa ... inidônea para licitar e contratar com a Administração Pública, pelo prazo de um ano; Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 970/2011 – Plenário. Inidoneidade - atestado de capacidade técnica com conteúdo possivelmente falso Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2179/2010 – Plenário Inidoneidade - mera apresentação de atestado falso sem consumação Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2179/2010 – Plenário Inidoneidade - atestados falsos TCU verificou: “[...] a existência de fraudes à Tomada de Preços[...] e às Concorrências [...], perpetradas pela empresa [...], consistentes na apresentação de atestados e certidões falsos, consoante informações prestadas pelos supostos signatários, a saber a Companhia Hidrelétrica do São Francisco – CHESF e o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura de Pernambuco – CREA/PE. TCU decidiu: “[...] declarar [...] a empresa [...] inidônea para participar, pelo prazo de cinco anos, de licitação no âmbito da administração pública federal”. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 856/2011 – Plenário. Inidoneidade – fraude – requisitos objetivos e subjetivos 11. Permito-me, inicialmente, trazer à baila excertos do voto condutor da Decisão 807/2001Plenário, proferido pelo emérito Ministro Marcos Vilaça, que discorre com singular clareza sobre os requisitos subjetivos e objetivos necessários para a caracterização da fraude, nas searas penal e administrativa, in verbis: “(...) 5. Para restringir a liberdade privada de convencionar, em face da injuridicidade, a fraude contratual pressupõe, cumulativamente, o propósito malicioso das partes e o resultado nocivo à ordem jurídica, sem o que a hipótese não se caracteriza, inexistindo invalidade. 6. Quer dizer, de um lado precisa estar presente o requisito subjetivo, dado pela vontade das partes de

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fraudar, ao manter-se alguém em erro. De outro, o requisito objetivo, verificado pela materialização do dano a esse alguém. 7. Sob o enfoque criminal, o tipo está prescrito no artigo 90 da Lei nº 8.666/93: ‘Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação. Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.’ 8. Essa previsão corresponde ao ilícito apurado pelo TCU, segundo o artigo 46 da Lei nº 8.443/92, com a implicação de sanção administrativa: ‘Art. 46. Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal’ 9. De conformidade com a modalidade contratual, as tipologias criminal e administrativa da fraude exigem a

combinação do elemento subjetivo com o objetivo, sendo que a ausência de um ou outro exclui o ilícito e a respectiva sanção, ainda que possa ter ocorrido tentativa ou um diferente delito. 10. Como elemento subjetivo, requer-se o dolo específico, dado por duas condições em associação, ou seja, a intenção deliberada de fraudar, com o fim de auferir vantagem. Inexiste forma culposa, de maneira que a frustração involuntária do caráter competitivo da licitação afasta a reprovabilidade da conduta. 11. Objetivamente, a norma supõe, em verdade, o resultado mesmo pretendido imediatamente pela ação: a perda da

competitividade inerente ao procedimento licitatório. Sem prejuízo ao caráter competitivo da licitação não há crime, como ensinam os doutrinadores: ‘O crime é de dano ou de resultado. Para aperfeiçoar-se, é indispensável que o expediente empregado pelo concorrente venha a frustrar ou fraudar o caráter competitivo do procedimento licitatório. Tratando-se de crime material, provido de um iter criminis, será admissível a tentativa.’ (Paulo José da Costa Júnior. Direito Penal das Licitações. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 22/23) ‘O ato de frustrar ou de fraudar deve afetar a garantia da observância do princípio constitucional da isonomia e da seleção efetiva da proposta mais vantajosa para a Administração, princípios que orientam o processo de licitação. É necessário que a fraude ou a frustração promova a eliminação do caráter competitivo do processo de licitação.’ (Petrônio Braz. Processo de Licitação, Contrato Administrativo e Sanções Penais. São Paulo: Livraria de Direito: 1995. p. 217) ‘Há que se ficar demonstrado que o caráter competitivo do procedimento licitatório foi, num caso determinado, violentado pelo intuito de obter, para o agente ou para outrem, vantagem daquele ato.’ (Toshio Mukai. O Novo Estatuto Jurídico das Licitações e Contratos Públicos. 3ª ed. São Paulo: RT,1994. p. 113) ‘Consuma-se o fato típico com a frustração ou fraude do caráter competitivo da licitação , independentemente de ter o agente auferido a vantagem que objetivava a conduta punível. A obtenção da referida vantagem, se constitui elementar do tipo subjetivo, sublinhando o especial fim de agir, não é condição para a consumação do delito, que se aperfeiçoa com a só conduta de frustrar ou fraudar o torneio licitatório. Se o agente, porém, chegar a alcançar a vantagem, através da adjudicação do objeto da licitação, temos o exaurimento do crime, o que deve ser levado em consideração pelo juiz na imposição da pena.’ (Jessé Torres Pereira Júnior. Comentários à Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública. 3ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1995. p. 551) 12. Ainda do ponto de vista objetivo, a despeito de não constituir quesito indispensável para a prova da consumação do crime, podemos também usar como fator de convicção a investigação sobre o resultado mediato da conduta, qual seja, a efetiva fruição de vantagem pelas concorrentes, conseguida em detrimento da Administração Pública.” (grifos acrescidos). 12. No caso ora examinado, tenho que o requisito subjetivo da fraude é inequívoco, vez que é infactível dissociar a apresentação do atestado com conteúdo falso, por parte da empresa Fort Empreendimentos e Tecnologia Ltda., da conduta consciente tencionada a burlar o certame e auferir

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vantagem indevida na licitação. 13. O mesmo não ocorre, porém, com relação ao requisito objetivo, haja vista que a licitante foi inabilitada no âmbito da Concorrência nº 3/2008, justamente em razão da falsidade de seu atestado. Não há que se falar, nesse caso, então, em prejuízo efetivo ao certame, em dano à Administração ou, ainda, em eliminação, ou mesmo redução, do caráter competitivo da licitação. Restou caracterizada, assim, tão-somente e no máximo a tentativa de fraude ao certame. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2179/2010 – Plenário. Inidoneidade - tentativa não enseja punição (voto vencido) 14. Observo que o art. 46 da Lei nº 8.443, de 1992, é literal ao prever que a sanção de declaração de inidoneidade do licitante fraudador deve se dar na ocorrência de fraude comprovada a licitação. Ora, o termo em destaque afasta a possibilidade de se admitir a forma “tentada” do ilícito administrativo em questão, sendo esta uma das conseqüências da expressão “comprovada” contida no texto da lei, além, é claro, de afastar nestes casos a inversão do ônus da prova que militaria em favor do TCU, nos termos do art. 113 da Lei nº 8.666, de 1993. 15. Lembro, neste ponto, entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que, “segundo estatui o princípio da legalidade – art. 37, caput, da Constituição Federal, a Administração está, em toda a sua atividade, adstrita aos ditames da lei, não podendo dar interpretação extensiva ou restritiva, se a norma assim não dispuser. Desta forma, a lei funciona como balizamento mínimo e máximo na atuação estatal” (RMS 17108/RS 2003/0170813-5, Relator Min. Gilson Dipp). Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2179/2010 – Plenário. Inidoneidade - tentativa exige previsão prévia legal (voto vencido) 19. Noutros termos, para se punir administrativamente a tentativa, clara é a necessidade de expressa previsão legal, tal como se dá na esfera criminal, no parágrafo único do art. 14 do Código Penal: “Art. 14 – Diz-se o crime: [...] Tentativa II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Pena de tentativa Parágrafo único – Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços.” 20. Além disso, não haveria que se falar em interpretação extensiva dos dispositivos legais sancionadores para alcançar situação não prevista na lei. E, nesse sentido, entendo que, admitir-se a tentativa de fraude à licitação como fato para declaração de inidoneidade do licitante fraudador, por parte desta Casa, consistiria em extrapolar os limites estabelecidos pelo art. 46 da Lei Orgânica. 21. De mais a mais, vejo que, quando o legislador quis apenar a mera apresentação de documentação falsa, ainda que dela não resulte consequências materiais, ele o fez expressamente, como no caso da entrega de documentação falsa prevista no art. 7º da Lei n.º 10.520/2002, que aduz: “Art. 7º Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais.” 22. É por essas razões e pelas circunstâncias excepcionais que envolvem o caso em exame que deixo de acolher a proposta da Secex/AM de declarar a inidoneidade da Fort Empreendimentos e Tecnologia

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Ltda no âmbito deste processo de controle financeiro instaurado no TCU. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2179/2010 – Plenário. Inidoneidade - art. 88 da Lei nº 8.666/1993 comporta tentativa 23. A propósito, entendo pertinente deixar consignado que o ilícito previsto no art. 46 da Lei nº 8.443, de 1992, não se confunde, em definitivo, com aquele indicado no inciso II do art. 88 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que trata da prática de “atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação”. 24. Neste último caso, é cabível, nos termos do caput do art. 88, a aplicação, por parte da própria administração pública, das sanções previstas nos incisos III e IV do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993, que tratam, respectivamente, da suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração e da declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, conforme se segue: “Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I - advertência; II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior. [...] Art. 88. As sanções previstas nos incisos III e IV do artigo anterior poderão também ser aplicadas às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei: I - tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos;

II - tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação;

III - demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados.” 25. Vejo que o inciso II do art. 88 fala em “atos ilícitos visando a frustrar”. 25.1. E noto que o verbo “visar” significa, neste caso, segundo o Dicionário Aurélio, “ter por fim ou objetivo; ter em vista; mirar”, donde concluo que, neste caso, sim, a lei está cuidando de apenar a mera tentativa. 25.2. No caso do vocábulo “frustrar”, o Dicionário Aurélio assim o define, nesse contexto, como sendo: “enganar a expectativa de; iludir; defraudar”. Ora, o verbo “defraudar” comporta significados diversos, como: espoliar fraudulentamente; fraudar; privar dolosamente de; lesar dolosamente; prejudicar, esbulhar; fraudar; contrariar, iludindo com subterfúgios; iludir, desenganar; fraudar; e, ainda, privar fraudulentamente; espoliar. 25.3. Quero demonstrar com isso que o tipo administrativo previsto no inciso II do art. 88 da Lei nº 8.666, de 1993, é distinto daquele indicado no art. 46 da Lei nº 8.443, de 1992, porquanto o primeiro comporta interpretação mais larga e, logo, bem mais ampla que o segundo, que se refere a “fraude comprovada a licitação”. 26. Logo, observo que a objetividade jurídica do tipo descrito na Lei de Licitações e Contratos é bem mais ampla do que a daquele contido na Lei Orgânica do TCU. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2179/2010 – Plenário.

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Infrações administrativas - requisitos principiológicos 16. Ademais, acerca das infrações administrativas, pertinentes as considerações do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello (in Curso de Direito Administrativo. 21ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2006 – p. 808): “Infrações administrativas, para serem validamente instituídas e irrogadas a quem nelas incidiu, devem atender a determinados princípios básicos, alguns dos quais também se aplicam às sanções, a saber: a) princípio da legalidade; b) princípio da anterioridade; c) princípio da tipicidade; d) princípio da exigência de voluntariedade. Quanto às sanções e sua aplicação devem ser mencionados, além dos princípios referidos nas letras ‘a’, ‘b’, ‘c’ e ‘d’, mais: e) proporcionalidade; f) devido processo legal; e g) motivação. […]”. 17. Dentre os princípios mencionados, merecem destaque o da legalidade e, ainda, o da tipicidade (MELLO, op. cit. – p. 808-812), lembrando: “6. (a) Princípio da legalidade – Este princípio basilar no Estado de Direito, como é sabido e ressabido, significa subordinação da Administração à lei; e nisto cumpre importantíssima função de garantia dos administrados contra eventual uso desatado do Poder pelos que comandam o aparelho estatal. Entre nós a previsão de sua positividade está incorporada de modo pleno, por força dos arts. 5º, II, 37, caput, e 84, IV, da Constituição Federal. É fácil perceber sua enorme relevância ante o tema das infrações e sanções administrativas, por estarem em causa situações em que se encontra desencadeada uma frontal contraposição entre Administração e administrado, na qual a Administração comparecerá com todo o seu poderio, como eventual vergastadora da conduta deste último. Bem por isso, tanto as infrações administrativas como suas correspondentes sanções têm de ser instituídas em lei – não em regulamento, instrução, portaria e quejandos. [...]. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2179/2010 – Plenário. Inidoneidade - tipicidade 8. (c) Princípio da tipicidade – A configuração das infrações administrativas, para ser válida, há de ser feita de maneira suficientemente clara, para não deixar dúvida alguma sobre a identidade do comportamento reprovável, a fim de que, de um lado, o administrado possa estar perfeitamente ciente da conduta que terá de evitar ou que terá de praticar para livrar-se da incursão em penalizações e, de outro, para que dita incursão, quando ocorrente, seja objetivamente reconhecível. (…) Assim, o pressuposto inafastável das sanções implicadas nas infrações administrativas é o de que exista a possibilidade de os sujeitos saberem previamente qual a conduta que não devem adotar ou a que devem adotar para se porem seguramente a salvo da incursão na figura infracional; ou seja: cumpre que tenham ciência perfeita de como evitar o risco da sanção e, ao menos por força disto (se por outra razão não for), abster-se de incidir nos comportamentos profligados pelo Direito. A ser de outro modo, além de as sanções estabelecidas para a incursão neles não terem como cumprir a função que lhes é própria, os sujeitos viveriam em álea permanente, por ignorarem como deveriam proceder para estarem ajustados ao Direito, pois tanto poderiam incorrer como não incorrer nelas ao sabor do acaso, isto é, independentemente de suas próprias vontades de escolherem o comportamento conforme ou não ao Direito – o que, a final, seria a própria negação da ordem jurídica. No que se vem de dizer, aliás, está implicada a idéia de que a aplicação de uma sanção pressupõe que o administrado haja procedido voluntariamente. 9. Se na caracterização das infrações administrativas são reclamados os indispensáveis cuidados que preservem a razão de existir do princípio da legalidade, outro tanto se dirá no que respeita à identificação das sanções cabíveis em vista das condutas violadoras que as ensejam.” 18. Se é certo, então, que as infrações administrativas e as respectivas sanções encontram-se vinculadas à existência de previsão legal prévia, também assim seria para a possibilidade de punição da tentativa na seara administrativa. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2179/2010 – Plenário.

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Inidoneidade - princípio da tipicidade 3.3.1 Alega-se também que falta na redação do art. 46 da Lei no 8.443, de 1992, o ‘detalhamento minimamente necessário à configuração da conduta ilícita 'ocorrência de fraude', o que consistiria em não-observância ao princípio da tipicidade pelo legislador. Exame 3.3.2 Há dispositivos na Lei no 8.666, de 1993, que não deixam dúvidas quanto ao fato de que uma licitação, tal como definida no art. 3o do mesmo estatuto legal, consiste num processo administrativo. Transcrevemos a seguir alguns deles: Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifo acrescido) Art. 6o [...] § 2º - As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: I - houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório; (grifo acrescido) Art. 31 [...] § 5º A comprovação de boa situação financeira da empresa será feita de forma objetiva, através do cálculo de índices contábeis previstos no edital e devidamente justificados no processo administrativo da licitação que tenha dado início ao certame licitatório, vedada a exigência de índices e valores não usualmente adotados para correta avaliação de situação financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da licitação. (grifo acrescido) Daí que a fraude a uma licitação é adjetivável de processual. 3.3.3 O ordenamento jurídico contém a definição de fraude processual. Está ela insculpida no art. 347 do Código Penal: Fraude Processual Art. 347 - Inovar artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa. 3.3.4 A fraude processual em foco consiste em crime tipificado no art. 335 do Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal): Impedimento, Perturbação ou Fraude de Concorrência Art. 335 - Impedir, perturbar ou fraudar concorrência pública ou venda em hasta pública, promovida pela administração federal, estadual ou municipal, ou por entidade paraestatal; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, além da pena correspondente à violência. (grifo acrescido) E no art. 90 da Lei no 8.666, de 1993: Seção III Dos Crimes e das Penas [...] Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. 3.3.5 Como se vê, bem tipificada está no ordenamento jurídico brasileiro a conduta ilícita consistente em

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fraude comprovada a licitação objeto do art. 46 da Lei no 8.443, de 1992. Corolário, a alegação não merece prosperar. Nota1: a licitação é um conjunto de atos administrativos ordenados para se obter bens ou serviços. Embora a norma não defina didaticamente e com precisão todos os atos que compõem o procedimento administrativo licitatório, é possível extrair, de diversas fontes, um rito comum e genérico para cada tipo de licitação. A jurisprudência do Sistema de Controle Externo e a praxe administrativa contribuíram para erigir uma rotina genérica e comum a todos os tipos de licitações, possibilitando perceber com razoável clareza as condutas atípicas que, por destoarem da normalidade, podem ser consideradas, em tese, fraudulentas. Quando exigências editalícias, de juridicidade duvidosa, destoam, sem justo motivo, da rotina administrativa de contratações, é possível, no mínimo, inferir a necessidade de aprofundar o exame. Os agentes públicos e licitantes formam uma unidade de doutrina que há muito já assimilou conceitos e procedimentos básicos e usuais, amplamente aplicados na rotina licitatória. Há um senso comum oriundo dessa seara do Direito. Explica-se: a estimativa de preços na fase interna não é mero procedimento de per si. Sabe-se que objetiva respaldar a análise prévia de orçamento, escolher o tipo de licitação, parametrizar os preços na fase externa e, até mesmo, alertar o mercado da intenção de licitar. Ora, quando se realiza uma licitação e não são estimados os preços, pode-se inferir que, no mínimo, uma falha houve. Por isso que a tipicidade [...] da fraude [...] pode ser detectada com razoável precisão, desde que comprovada. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2376/2007 – Plenário. Inidoneidade - Lei nº 8.666/1993 - ausência de contrato 27. Enfim, devo acrescentar que o Superior Tribunal de Justiça tem admitido a aplicação, por parte da Administração Pública, de sanções a licitantes infratores, no caso a suspensão temporária e a declaração de inidoneidade para participar de licitação, com base nos arts. 87 e 88 da Lei de Licitações e Contratos, independentemente de vínculo contratual posterior, conforme restou decidido no RMS nº 9.707/2002-2ª Turma, REsp nº 647.417/2005-1ª Turma e RMS nº 15.999/2003-1ª Turma. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2179/2010 – Plenário. Inidoneidade - CND do INSS com data adulterada Nota: licitante foi declarada inidônea por ter apresentado na licitação certidão negativa de débitos do INSS com data de validade adulterada. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2573/2010 – Plenário. Inidoneidade - fraude - certidões - INSS e FGTS Embora a licitante tenha quitado as dívidas antes da licitação, devido à impossibilidade de obter tempestivamente as certidões de quitação e regularidade do INSS e do FGTS, falsificou-as para participar da licitação. Foi declarada inidônea pelo período de um ano. Nota1: depreende-se dos autos a possibilidade de eximir-se da responsabilidade pela fraude se cometida pelo subordinado, desde que se prove cabalmente a culpa exclusiva deste, não bastando a simples alegação. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 548/2007 – Plenário. No mesmo sentido: [...] ERAM-Estaleiro Rio Amazonas Ltda. teria apresentado documentos falsos para habilitar-se no certame licitatório. 2. a empresa não possui qualquer débito para com a Previdência Social (INSS), bem como com a Caixa Econômica Federal (FGTS), 3. o prévio conhecimento da falsidade do documento 4. não fazendo menção à Certidão Negativa de Débito do INSS Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 548/2007 – Plenário.

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Inidoneidade – cadastro do TCU 9.8. determinar à ADSUP/SCBEX, com fundamento no art. 5º, VII da Portaria-SEGECEX nº 3/2009 c/c o art. 5º, V, da Portaria-ADSUP nº 1/2009, que inclua o nome da SENA Construções Ltda. no cadastro específico de licitantes inidôneas mantido por este Tribunal, em cumprimento ao art. 272 do RI/TCU, tão logo ocorra o trânsito em julgado da deliberação; Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2573/2010 – Plenário. Inidoneidade - SICAF - registro pelo próprio TCU Embora a recente IN nº 2 de 11/10/2010 do MPOG preveja que o TCU poderá registrar diretamente nesse sistema, verifiquei que o Tribunal está ainda se estruturando para fazê-lo. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 457/2011 – Plenário. Inidoneidade - CEIS e SICAF 9.5.2. à Controladoria Geral da União e ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, para registro, respectivamente, no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis) e no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf), quanto ao item 9.2 acima; Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1340/2011 – Plenário. Inidoneidade e inativação no SICAF - fraude - certidão negativa de débitos Empresa foi declarada inidônea pelo prazo de 1(um) ano porque apresentou Certidão Negativa de Débitos de Tributos e Contribuições Federais inautêntica, conforme comprovado em Laudo de Exame Documentoscópico produzido pela polícia. Nota 1: foi determinada ao gestor do Sistema de Cadastramento Unificado de Serviços Gerais - SICAF a inativação da empresa. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1150/2003 – Plenário Inidoneidade - fraude - falsificação - certidão negativa de débitos municipais Empresa foi declarada inidônea por ter apresentado em convite a certidão negativa de débitos municipais com data adulterada. Nota1: a empresa, embora revel, foi julgada. Nota2: embora se aplique ao processo administrativo sancionatório as linhas gerais do Código Penal, não se suspende o processo, em analogia ao art. 366 do CPP. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 821/2007 – Plenário. Inidoneidade - SICAF e DOU 9.4.1. após o trânsito em julgado desta deliberação, em relação ao assunto disposto no item 9.3, expeça comunicação à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, informando a respeito da declaração de inidoneidade ora expedida, e solicite àquela unidade que adote as providências necessárias à efetivação da medida restritiva no âmbito do Sistema Unificado de Cadastramento de Fornecedores – SICAF; 9.4.2. após o trânsito em julgado desta deliberação, em relação ao assunto tratado no item 9.3, providencie a publicação de Aviso no DOU (Seção III), cientificando a quem interessar possa a respeito da referida declaração de inidoneidade; 9.4.3. acompanhe o tratamento dispensado ao assunto (subitem 9.4.1 precedente) no âmbito da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2557/2007 – Plenário.

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Inidoneidade - SICAF 9.3. determinar à Secex/SC que após o trânsito em julgado desta deliberação, em relação ao assunto disposto no item 9.2, expeça comunicação à Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, informando-a a respeito das declarações de inidoneidade ora expedidas, e solicite àquela unidade que adote as providências necessárias à efetivação do decisum no âmbito do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF; Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão Nº 1314/2007 – Plenário. Inidoneidade - efeitos ex nunc 5. Quanto ao primeiro tópico, relativo à eficácia da declaração de inidoneidade, manifestome de acordo com os exames empreendidos nos autos, pois, com amparo na moderna jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF-1, concluiu-se que a declaração de inidoneidade não dá ensejo à imediata rescisão de todos os contratos firmados entre as empresas sancionadas com a administração pública federal. Isso porque a declaração de inidoneidade apenas produz efeitos ex nunc, não autorizando que sejam desfeitos todos os atos pretéritos ao momento de sua proclamação. 6. Nesse sentido, são plenamente aplicáveis os escólios do Exmo. Ministro Teori Albino Zavascki, exarados nos autos do MS 13.964/DF, cuja ementa transcrevo a seguir: “ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. VÍCIOS FORMAIS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE: SIGNIFICADO. 1. Ainda que reconhecida a ilegitimidade da utilização, em processo administrativo, de conversações telefônicas interceptadas para fins de instrução criminal (única finalidade autorizada pela Constituição - art. 5º, XII), não há nulidade na sanção administrativa aplicada, já que fundada em outros elementos de prova, colhidas em processo administrativo regular, com a participação da empresa interessada. 2. Segundo precedentes da 1ª Seção, a declaração de inidoneidade ‘só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento’ (MS 13.101/DF, Min. Eliana

Calmon, DJe de 09.12.2008). Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de ‘licitar ou contratar com a Administração Pública’ (Lei 8666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios). Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/93. 3. No caso, está reconhecido que o ato atacado não operou automaticamente a rescisão dos contratos em curso, firmados pela impetrante. 4. Mandado de segurança denegado, prejudicado o agravo regimental.” (grifos não constam do original) 7. Em acréscimo às ponderações de Sua Excelência, as quais adoto como razões de decidir, pondero que a rescisão de todos os contratos anteriormente celebrados pela empresa declarada inidônea nem sempre se mostra a solução mais vantajosa para a administração pública, pois, dependendo da natureza dos serviços pactuados, que em algumas situações não podem sofrer solução de continuidade, não seria vantajoso para a administração rescindir contratos cuja execução estivesse adequada para celebrar contratos emergenciais, no geral mais onerosos e com nível de prestação de serviços diverso, qualitativamente, daquele que seria obtido no regular procedimento licitatório. 8. Contudo, no que concerne aos contratos decorrentes de certames impugnados, nos quais se verificam condutas que autorizam a declaração de inidoneidade das empresas participantes, entendo

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que devem ser prontamente rescindidos. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 3002/2010 – Plenário. Inidoneidade - revelia - citação por edital A empresa foi regularmente chamada em audiência para defender-se. Após várias tentativas infrutíferas, tanto no endereço da empresa, como no da sócia-gerente, foi realizada citação por edital, que também não logrou resposta. Portanto, considero revel a referida empresa, nos termos do art. 12, § 3º, da Lei 8.443/92. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 457/2011 – TCU – Plenário. Inidoneidade - embargos - motivação do acórdão 6. Conforme destacou a Serur, as decisões exaradas pelo Tribunal são formalizadas em três partes: o relatório do Ministro-Relator, o voto contendo a fundamentação e dispositivos específicos da matéria, nos termos do disposto no art. 1º, § 3º, incisos I, II e III, da Lei 8.443/92. No caso dos autos, as conclusões dos mencionados pareceres foram reproduzidas no relatório da decisão embargada, onde se encontram os fundamentos desta. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 586/2011 – Plenário. Inidoneidade - carta de fiança - fase externa da licitação 7. Ademais, com o intuito de esclarecer qualquer dúvida a respeito do tema, reproduzo a seguir trechos do relatório que integrou o voto e serviram de base para os fundamentos da deliberação embargada, a saber: “4. Por outro lado, o digno Procurador obteve informação suplementar junto à Diretoria do Banco de Brasília - BRB, pela qual restou demonstrado que a Carta de Fiança n.º 100-072/2008, de 28/04/2008, apresentada pela firma vencedora, não poderia ser tratada como documento válido, nem como garantia prestada pelo BRB. Essa conclusão resultou de auditoria interna daquela instituição financeira, que negou a existência da referida Carta de Fiança nos assentos contábeis da entidade (relatório acostado à fl. 11). [...] “12. Considerando que a apresentação de carta de fiança inidônea, se confirmada, era uma conduta que merecia tratamento rigoroso por parte do Tribunal, proporcional à gravidade e seriedade da referida ilicitude, procurei demonstrar que o prosseguimento da apuração dos fatos tinha previsão legal e era o procedimento mais adequado naquele momento. Diante disso, registrei, dentre outros pontos relevantes, as seguintes observações: ‘11. Após a homologação e adjudicação da licitação, convoca-se a vencedora e assina-se o contrato, onde, aí sim, termina a fase externa da licitação. Se a prestação de garantia é condição sine qua non para a assinatura da avença - ou seja, anterior - a irregularidade na apresentação desta garantia é ainda parte do procedimento licitatório. 12. Existe, é verdade, a questão sobre algumas instituições financeiras oferecerem garantia somente após a assinatura do contrato, limitando temporariamente a eficácia da pactuação. Mas a apresentação de um documento viciado, mesmo depois das assinaturas, torna inválido o contrato, pela ausência de boa-fé e mácula ao seu requisito subjetivo de consentimento. Se o contratado não possuísse condições de oferecer a garantia, a Administração não formalizaria a avença; essa nulidade tem efeito ex tunc. A irregularidade, portanto, foi dada na licitação, tornando potencialmente cabível a punição a que se refere o art. 46 da Lei Orgânica do TCU.’ Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 586/2011– Plenário. Inidoneidade - Cadastro Nacional 22. A propósito, registro que o então Ministro de Estado do Controle e da Transparência, por meio da Portaria/CGU n. 516, de 15 de março de 2010, instituiu o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS, que é um banco de dados mantido pela Controladoria-Geral da União – CGU, com

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o objetivo de consolidar e divulgar a relação de empresas ou profissionais que sofreram sanções que tenham como efeito a restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a administração pública federal. 23. O art. 1º, parágrafo único, inciso VI, da referida portaria estabelece que a declaração de inidoneidade pelo Tribunal de Contas da União, nos termos do art. 46 da Lei n. 8.443/1992, terá registro no CEIS. Nesse contexto, cabe notificar a CGU para que promova as medidas necessárias à efetivação do impedimento para licitar das referidas empresas, com o devido registro no CEIS (nesse sentido, v. Acórdão n. 686/2011 – TCU – Plenário). Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 775/2011 – Plenário. Inidoneidade - responsabilidade da autoridade superior que homologa 25. A apenação pela ocorrência deve alcançar também o Sr. Laércio José de Oliveira, ex-Prefeito, responsável pela homologação da licitação e adjudicação do objeto, pois ao homologar o procedimento essa autoridade passou a responder por todos os atos nele praticados, em face de sua expressa aprovação, conforme preconizam os Acórdãos/TCU ns. 113/1999 e 140/2010, ambos do Plenário. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 775/2011 – Plenário. Inidoneidade e independência das instância 8.2. A declaração de inidoneidade de uma empresa é um ato que se insere na instância administrativa, não cabendo o sobrestamento de processo administrativo até o trânsito em julgado de uma ação penal, em virtude da independência das instâncias, conforme farta jurisprudência relacionada no referido parecer. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 856/2011 – Plenário. Fraude licitação - coincidência preços e estilo digitação 10. Entende a Unidade Técnica ser praticamente impossível a ocorrência da “mera coincidência” alegada pelos dois consórcios licitantes, uma vez que os valores, diferentes dos valores estimados na planilha do DNIT, são idênticos até a casa dos centavos, o mesmo acontecendo em relação aos estilos de digitação. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1340/2011 – Plenário. Inidoneidade - fraude - convênio - convite Empresas foram declaradas inidôneas porque a) as propostas das licitantes eram idênticas, b) todos os atos entre a análise das propostas e a emissão da ordem de serviço ocorreram no mesmo dia e c) não foi possível comprovar a existência física de algumas empresas. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2.082/2004 – Plenário. Inidoneidade - fraude - conluio - correlação percentual entre as propostas - prova indiciária Declaradas inidôneas empresas que apresentaram propostas com variações percentuais exatas para todos os itens licitados. Nota1: as propostas da segunda colocada, para os seis itens, eram de 3 e, às vezes, 4% superiores às da primeira; as propostas da terceira colocada eram era de 4,5 e, às vezes, 5% superiores às da segunda colocada. Foi refutado, com demonstração matemática, o argumento de que todas as empresas adotaram como referência os valores do orçamento da administração. Nota2: é possível haver coincidência de preços de itens tabelados, oriundos de empresas oligopolistas ou monopolistas ou de fabricante que tabele os preços para seus fornecedores. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1262/2007 – Plenário.

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Inidoneidade - indícios Observo que não há discordância entre a unidade técnica, o MP/TCU e o relator quanto à existência da fraude. A divergência reside apenas no que tange à declaração ou não da inidoneidade dos licitantes. Mesmo não havendo discordância quanto à ocorrência de fraude, considero relevante acrescentar que, além dos indícios revelados pela 1ª Secex e pelo MP/TCU, há outros fortes indícios de que os consórcios Bravias e 5A trabalharam combinadamente também na formulação de propostas para outros lotes. Examinando os autos, pude constatar que há simetria incomum tanto na formatação da planilha quanto nos preços apresentados para os lotes 1 e 4 pelos consórcios Bravias e 5A. Nas planilhas de preços unitários apresentadas por ambos os consórcios para os lotes 1 e 4, o preço unitário numérico e o respectivo valor por extenso estão em células diferentes e os valores por extenso não estão entre parênteses (fls. 563 e 613, anexo 1). Em nenhuma das outras planilhas apresentadas para os demais lotes, o Consórcio Bravias utiliza essa formatação de planilha e os valores por extenso sempre estão entre parênteses. Considero, além disso, os preços unitários apresentados pelo Consórcio Bravias estão 0,31% menores que os do 5A em treze itens orçamentários do lote 1. Esse mesmo percentual de diferença de preço em prol do Bravias ocorre também para os mesmos treze itens orçamentários do lote 4. Além disso, o único preço coincidente nas propostas do Bravias e do 5A para o lote 1 (limpeza e realinhamento de defensas), também é o único preço coincidente nas propostas para o lote 4. Tal como observado pelo MP/TCU ao analisar as justificativas do Consórcio Bravias, "as hipóteses de erro de digitação e de mera coincidência alegadas pelo consórcio acima mencionado ficam (...) total e amplamente descartadas" (fl. 109). Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1340/2011 – Plenário. Inidoneidade - indícios são provas Diante disso, cumpre-me recordar, visto que pertinente, o entendimento a que chegou o Supremo Tribunal Federal nos autos do RE-68006/MG, ao tratar de matéria envolvendo simulação de ato de compra e venda de imóvel. De acordo com aquela Corte, nos termos contidos no voto condutor do respectivo acórdão, 'Indícios são provas se vários, convergentes e concordantes'. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1340/2011 – Plenário. (grifos não constam do original) Inidoneidade - cabimento das provas indiciárias 23. Se o que extraio dos valores das propostas não pode ser considerado prova de conluio, não sei mais o que pode ser; um “contrato de conluio” assinado pelas partes com firma reconhecida? Um vídeo? 24. Não. Não aceito. Eu me dou por satisfeito com o que tenho nas mãos. Não preciso de mais nada. O convencimento do julgador se faz pelas provas constantes dos autos, com base no princípio da persuasão racional. Tem sido este o entendimento dos Tribunais e da doutrina. 25. O Tribunal já se deparou com situações em que houve questionamento em relação às provas. O Ministro Ubiratan Aguiar, em lúcido pronunciamento, disse (Acórdão n.º 57/2003 – Plenário): “Uma outra relevante questão a ser enfrentada diz respeito a um possível conluio entre as empresas, o que representaria uma fraude à licitação, podendo levar à declaração de inidoneidade das empresas envolvidas, nos termos do art. 46 da Lei nº 8.443/92. O ACE responsável pela inspeção e pela análise das razões de justificativa apresentadas registra que existem fortes indícios de fraude à licitação, ‘porém seriam necessárias provas inquestionáveis para comprovar fraude à licitação e como conseqüência ser declarada a inidoneidade dos licitantes, conforme art. 46 da Lei nº 8.443/92’ (fl. 198, v.p, subitem 18.1). Entendo que prova inequívoca de conluio entre licitantes é algo extremamente difícil de ser obtido, uma vez que, quando ‘acertos’ desse tipo ocorrem, não se faz, por óbvio, qualquer tipo de registro escrito. Uma outra forma de comprovação seria a escuta telefônica, procedimento que não é utilizado

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nas atividades deste Tribunal. Assim, possivelmente, se o Tribunal só fosse declarar a inidoneidade de empresas a partir de ‘provas inquestionáveis’, como defende o Analista, o art. 46 se tornaria praticamente ‘letra morta’.” 26. Além do mais, não se trata de examinar a prática do crime previsto no art. 90 da Lei de Licitações. A aplicação da pena ali prevista – 2 a 4 anos de detenção e multa – é, com efeito, competência do Poder Judiciário. Não cabe ao Tribunal de Contas da União dizer se houve ou não o crime. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1262/2007 – Plenário. Inidoneidade - fraude - prova indiciária É admitida a prova indiciária como fundamento para a declaração de inidoneidade de empresa licitante, independendo, para tanto, o recebimento de qualquer benefício pela empresa, bastando, tão-somente, a participação na fraude. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº Acórdão 630/2006 – Plenário. Inidoneidade - não há necessidade de comprovar vantagem ilícita Destaco que o Tribunal já decidiu pela inidoneidade de licitante fraudador, como no Acórdão nº 548/2007 – Plenário, em caso em que a fraude foi constatada na fase de habilitação, antes mesmo da abertura do envelope com a proposta de preço. Em outro caso, tratado no Acórdão nº 2549/2008-Plenário, o Tribunal declarou a inidoneidade do licitante, mesmo a licitação tendo sido anulada de ofício pela entidade, não se verificando nenhum tipo de vantagem decorrente da fraude. Na mesma linha, o eminente ministro Walton Alencar, no voto condutor do Acórdão nº 767/2005Plenário, que tratou de pedido de reexame contra declaração de inidoneidade de licitante, frisou que compete ao TCU "a aplicação das sanções estabelecidas em lei a quem concretamente tentou burlar procedimento licitatório mediante a utilização do documento fraudado" (grifos não constam do original). Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1340/2011 – Plenário. Inidoneidade e consórcio Assim, com base nos poderes atribuídos nos respectivos termos de constituição dos consórcios, conclui-se que não seria possível o acordo fraudulento sem as participações das empresas líderes Sigma Engenharia Indústria e Comércio Ltda. e Sinalizadora Rodoviária Ltda. O mesmo pode ser concluído para a empresa Pró Sinalização Viária Ltda., integrante do Bravias, cujo diretor, que também é procurador do consórcio, assinou a carta-proposta.[...] 9.2. declarar, nos termos do art. 46 da Lei 8.443/1992, a inidoneidade das empresas Sigma Engenharia Indústria e Comércio Ltda., CNPJ 25.898.180/0001-00, líder do Consórcio 5A, Sinalizadora Rodoviária Ltda., CNPJ 87.942.454/0001-60, líder do Consórcio Bravias, e Pró Sinalização Viária Ltda., CNPJ 44.218.154/0001-20, integrante do Consórcio Bravias, para fins de participação de licitações na Administração Pública Federal pelo prazo de 2 (dois) anos; Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1340/2011 – Plenário. Inidoneidade - fraude - rescisão contratual Por fim, cabe ressaltar a necessidade de rescisão do contrato oriundo do procedimento viciado. No voto condutor do Acórdão nº 3002/2010 - Plenário, o relator, ministro José Jorge, muito bem discorreu sobre os efeitos ex nunc da declaração de inidoneidade, com a ressalva de que esses efeitos não atingem aqueles atos decorrentes do procedimento viciado pela fraude que motivou a inidoneidade: "5.Quanto ao primeiro tópico, relativo à eficácia da declaração de inidoneidade, manifesto-me de acordo com os exames empreendidos nos autos, pois, com amparo na moderna jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – STJ e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF-1, concluiu-se que a declaração de inidoneidade não dá ensejo à imediata rescisão de todos os contratos firmados entre as empresas sancionadas com a administração pública federal. Isso porque a declaração de inidoneidade

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apenas produz efeitos ex nunc, não autorizando que sejam desfeitos todos os atos pretéritos ao momento de sua proclamação. 6.Nesse sentido, são plenamente aplicáveis os escólios do Exmo. Ministro Teori Albino Zavascki, exarados nos autos do MS 13.964/DF, cuja ementa transcrevo a seguir:'[...] 2. Segundo precedentes da 1ª Seção, a declaração de inidoneidade 'só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento' (MS 13.101/DF, Min. Eliana Calmon, DJe de 09.12.2008). Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de 'licitar ou contratar com a Administração Pública' (Lei 8666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios). Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/93. (grifos do original) 3. No caso, está reconhecido que o ato atacado não operou automaticamente a rescisão dos contratos em curso, firmados pela impetrante. 4. Mandado de segurança denegado, prejudicado o agravo regimental'. 7. Em acréscimo às ponderações de Sua Excelência, as quais adoto como razões de decidir, pondero que a rescisão de todos os contratos anteriormente celebrados pela empresa declarada inidônea nem sempre se mostra a solução mais vantajosa para a administração pública, pois, dependendo da natureza dos serviços pactuados, que em algumas situações não podem sofrer solução de continuidade, não seria vantajoso para a administração rescindir contratos cuja execução estivesse adequada para celebrar contratos emergenciais, no geral mais onerosos e com nível de prestação de serviços diversos, qualitativamente, daquele que seria obtido no regular procedimento licitatório. 8. Contudo, no que concerne aos contratos decorrentes de certames impugnados, nos quais se verificam condutas que autorizam a declaração de inidoneidade das empresas participantes, entendo que devem ser prontamente rescindidos". Diante do exposto, entendo que deve-se assinar prazo, nos termos do art. 45 da lei nº 8.443/1992, para o DNIT adotar as providências necessárias à rescisão do contrato firmado com o Consórcio 5A, referente ao lote 6 da Concorrência nº 159/2009.[...] 9.3.2. no prazo de 30 (trinta) dias, adote as providências necessárias à rescisão do contrato firmado com o Consórcio 5A, referente ao lote 6 da Concorrência nº 159/2009, mantendo-o pelo prazo estritamente necessário à nova contratação, por meio de licitação, para execução do objeto, que deverá levar em conta a revisão mencionada no item 9.3.1 deste acórdão; Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1340/2011 – Plenário. Inidoneidade e dosimetria A pena de declaração de inidoneidade para participar de licitações da Administração Pública, pelo prazo de um ano, aplicada pelo Tribunal à empresa Sanda Produtos de Limpeza Ltda., mais que punir a licitante fraudadora pelos fatos ocorridos, busca impedir que ela novamente participe de certames exclusivos para os pequenos e médios empresários, não integrando esse rol. Possui um caráter inerentemente pedagógico. Ao examinar o faturamento bruto da Sanda Produtos de Limpeza Ltda. nos exercícios de 2005 a 2010 (item 25 do relatório precedente), observo que a empresa deixou a condição de ‘pequeno porte’ apenas no exercício de 2008, ano que pode ser considerado atípico. O fato de ter retornado à condição de EPP

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nos exercícios de 2009 a 2011, tendo em vista a redução no seu faturamento bruto, indica que “essa pessoa jurídica continua necessitada do aparato estatal para crescer e beneficiar os empregados que nela trabalham e a sociedade como um todo”, consoante destacado pela instrução dos autos. Nesse contexto, o afastamento por largo período das licitações públicas poderá prejudicar a citada empresa, atualmente beneficiária do tratamento diferenciado dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte previstos na Lei Complementar nº 123/2006, que autoriza o Poder Público a dar preferência às microempresas e empresas de pequeno porte nas aquisições de bens e serviços, criando condições para o acesso dessas empresas aos mercados, como forma de promover o desenvolvimento regional e municipal e, por conseguinte, o crescimento econômico do país. Conforme exposto no relatório precedente, o processo que ora se examina é um dos processos apartados originados da representação da Adplan (TC-027.230/2009-3), relativa à participação indevida de empresas em licitações públicas reservadas a microempresas e empresas de pequeno porte. Alguns desses processos apartados foram julgados por este Plenário, quando a sanção de declaração de inidoneidade para licitar com a Administração Pública foi fixada, para as empresas envolvidas, ponderando-se as circunstâncias de cada caso concreto: seis meses (Acórdãos nº 2.846/2010 e 3.381/2010-Plenário), um ano (Acórdãos nº 1.028/2010 e 1.972-Plenário) e dois anos (Acórdão nº 2.578-Plenário). Assim, ante os argumentos acima expostos, e considerando as circunstâncias objetivas do caso concreto, entendo que o pedido de reexame ora em discussão deve ser parcialmente provido, reduzindo-se pela metade o prazo da declaração de inidoneidade para licitar com a Administração Pública fixado pelo subitem 9.3 do Acórdão nº 1.972/2010-TCU-Plenário. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 259/2011 – Plenário. Inidoneidade - dosimetria e culpa do empregado 4.1.6 Descabida a analogia com o julgamento proferido pelo STJ no MS 7311/DF. Trata-se de caso largamente distinto. Como se infere da consulta às peças deste disponíveis no sítio daquele Tribunal na rede mundial de computadores, a declaração de inidoneidade ali combatida, fundada do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993, decorreu de inexecução de contrato por decorrência de incêndio provocado por empregado da contratante. Veja-se o seguinte trecho do voto vencedor da lavra do Ministro Humberto Gomes de Barros: ‘A declaração de inidoneidade assentou-se em fato (incêndio) decorrente de ato ilícito cometido por empregado da impetrante, sem conivência nem co-autoria desta. A sanção, evidentemente, não está incidindo sobre o infrator’. 4.1.7 Colhem-se nas fundamentações do acórdão proferido pelo STJ, no âmbito do dito mandado, elementos que, ao contrário do alegado, vão ao encontro da decisão do Tribunal aqui combatida. Vejamse os destaques que fizemos no trecho seguinte do voto de autoria do Ministro Franciulli Neto naqueles autos: No caso dos autos, assim descreveu Sua Excelência o Ministro Relator o fato praticado pela impetrante: ‘Pelo que se depreende dos elementos informativos do processo, restaram descumpridas, pela impetrante, cláusulas contratuais essenciais, resultando em prejuízo de mais de dois milhões de dólares ao patrimônio público e justificando, portanto, a aplicação da declaração de inidoneidade da empresa para licitar ou contratar com a Administração Pública Federal, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição. No que diz respeito aos demais argumentos na inicial, com destaque para os de maior relevância, centrados na tese de que a empresa impetrante não agiu com dolo, em outras palavras, não deu ordens para que se praticasse o incêndio e os roubos nos navios sob sua guarda, estou em que, este fato, por si só, não a exclui da responsabilidade de cumprir o contrato, nem tampouco torna inviável a aplicação da sanção da responsabilidade diante dos ilícitos praticados pelo seus prepostos’. Pelo exame da transcrição supra, verifica-se que considerou o nobre Relator como fator determinante para a condenação na pena máxima o alto prejuízo sofrido pela União em decorrência do descumprimento do

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contrato. Tal circunstância, porém, não pode servir de parâmetro para a fixação da reprimenda. Como bem lembrou Roque Citadini, ‘existem condutas graves que não produzem danos ao patrimônio público, mas que comportam punição severa. Suponha-se, por exemplo, a falsificação de documentos indispensáveis à participação da licitação’ (opus cit., p. 586/587). Seguindo essa lógica, há condutas que produzem danos e que comportam penalidades mais suaves. In casu, o próprio contrato ajustado entre a impetrante e o Poder Público previa a possibilidade de descumprimento pela contratada e fixava sua responsabilidade subjetiva pelos danos. É certo que o bem jurídico tutelado pelas sanções elencadas no artigo 87 da Lei de Licitações não é o dever de obediência e sim a execução do contrato (cf. Jessé Torres, opus cit., p. 563). Existem, porém, comportamentos mais graves que aqueles decorrentes de imprudência, negligência ou imperícia, que é a vontade de causar lesão à Administração. Se, para os primeiros já é aplicada a penalidade máxima, resta ferido o princípio da proporcionalidade da aplicação das penas. Vale lembrar, mais uma vez, que o valor do prejuízo não pode ser fator determinante para a cominação desse tipo de penalidade. Não se questiona, pois, a responsabilidade civil da empresa pelos danos, uma vez que, segundo se depreende do exame dos autos, decorreu o prejuízo sofrido da culpa in eligendo e in vigilando da impetrante, mas apenas a necessidade de imposição da mais grave sanção a conduta que, embora tenha causado grande prejuízo, não é o mais grave comportamento. Igualmente, não se está a afastar a possibilidade de aplicação de qualquer penalidade à impetrante. Pelo contrário, da simples leitura do procedimento administrativo que serviu de base à fixação da pena de inidoneidade, conclui-se que a recorrente, de fato, além de arcar com a indenização, deverá sofrer punição com base nas disposições da Lei n. 8.666/93. Repita-se, contudo, que, como não praticou a mais grave conduta, não pode merecer a mais grave punição. Deve ficar registrado, outrossim, que a circunstância de não se declarar a inidoneidade da impetrante para contratar com a Administração não poderá, por óbvio, fazer com que seja ela contratada novamente pela Administração, apesar da evidente demonstração de inidoneidade técnica. Ora, para que a impetrante seja novamente contratada pela Administração, faz-se necessária nova demonstração de sua idoneidade técnica, que será regularmente apurada no processo licitatório, levandose em consideração o desempenho da eventual licitante nos contratos anteriormente firmados e a demonstração de superação das falhas encontradas. Dessa forma, a aplicação das penalidades elencadas no rol do artigo 87 da Lei de Licitações e Contratos deve levar em consideração a inidoneidade moral da contratante, uma vez que, diante da rescisão do contrato atual e pela necessidade de processo licitatório para futuras contratações – sobretudo na área de atuação da impetrante -, não há risco de lesão ao interesse público com a contratação de empresa inapta à realização do serviço. (grifos não constam do original) 4.1.8 Perfilhamos os entendimentos do STJ exarados no trecho de voto acima transcrito. Dois deles interessam ao exame deste caso: (a) o de que cabe punição à empresa por descumprimento do dever de execução de contrato administrativo quando mesmo tenha sido ele causado por empregado e (b) o de que a falsificação de documentos indispensáveis à participação de licitação consiste em conduta grave. Associando-se ambos, tem-se que cabe punição grave para a grave conduta consistente na falsificação citada. 4.1.9 Por fim, alinhamo-nos ao exame deste Tribunal, transcrito no subitem 4.1.5 desta instrução, no sentido da responsabilização intransferível da licitante pela apresentação das certidões. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2376/2007 – Plenário. Inidoneidade - anulação - vício processual no TCU O TCU anulou acórdão que declarou empresa inidônea porque não havia nos autos comprovante da notificação entregue, por correspondência, no endereço.

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Nota 1: o inc. II do art. 179 do RI/TCU dispõe que as notificações devem ser realizadas mediante carta registrada, com aviso de recebimento que comprove a entrega no endereço do destinatário. Nota 2: o Tribunal deve oportunizar defesa prévia à decisão sancionatória, não podendo se valer da admissibilidade do recurso para sanear a falha processual, conforme decidiu o STF no MS 23.550. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 56/2004 – Plenário. Vez que, a despeito de ter sido emitido o Ofício Secex/PR n. 01-170/2003 a ela endereçado, inserto à fl. 105 do volume principal do TC 005.524/2003-7, não há nesses autos o Aviso de Recebimento - AR, previsto no art. 179, inciso II, do Regimento Interno/TCU, de modo a comprovar a entrega da correspondência no endereço da impetrante. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 56/2004 – Plenário. Inidoneidade - fraude - conluio - sigilo propostas Empresas foram declaradas inidôneas por cinco anos. O denunciante registrou em cartório, dias antes da licitação, os preços de todas as licitantes, comprovando o conluio e a violação do sigilo das propostas, à luz do § 3º do art. 3º da Lei nº 8.666/1993. Nota1: fatos que desabonem a conduta do denunciante não interferem na aplicação da penalidade. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 243/2005 – Plenário. Inidoneidade - fraude - termo de compromisso - crime do art. 95 A penalidade foi cominada porque uma empresa desistiu da licitação depois de firmar termo de compromisso com a licitante vencedora de que seria remunerada em 5% (cinco por cento) do faturamento da execução contratual. Nota1: embora o termo de compromisso fosse sigiloso, a fraude foi verificada depois de uma empresa ajuizar ação de cobrança em desfavor da outra. Nota2: cópia dos autos foi remetida à Polícia Federal e ao Ministério Público federal devido à hipótese do art. 95 da L8666. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2008/2005 – Plenário. Convênio - débito restituído à prefeitura e não à União - aproveitamento De outro lado, entendo, ao contrário do MP/TCU, que os serviços que ficaram pendentes (construção de uma sala de aula e de quatro banheiros) têm correspondência com aqueles a que o ex-gestor se propôs a custear no acordo judicial (quatro banheiros). Apesar de a devolução ter sido ao município e não à União, como de direito, entendo que o procedimento pode ser aceito, visto que a devolução foi feita em sede de ação judicial de ressarcimento, ligada, por sua vez, à aplicação dos recursos no objeto do convênio. Ademais, não há evidências de que o dinheiro não tenha sido destinado à melhoria em unidades de ensino. Sendo assim, julgo que o ressarcimento feito pelo ex-prefeito pode ser utilizado para abater o total do débito imputado. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1262/2007 – Plenário. Inidoneidade - desnecessário sobrepreço 27. Mas é da competência do TCU indicar a existência de fraude à licitação, nos termos do art. 46 da Lei n.º 8.443/92. Para tanto, é prescindível a existência de sobrepreço. É possível a aplicação da penalidade até mesmo ao licitante que falsificou documento, por exemplo (Acórdão n.º 2.076/2004 – Plenário). Não tem razão, portanto, a empresa Tertec ao afirmar que a inexistência de sobrepreço é evidência de que não houve conluio. Para a existência da fraude, basta a comprovação da ausência da competição, por meio de artifícios escusos. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1262/2007 – Plenário.

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Inidoneidade - representação - pedido de reexame pelo representante - admissibilidade 2. Informo que trago a matéria a este Colegiado em razão da proposta uniforme, presente nas instruções da Secretaria de Recursos e do Ministério Público, de aplicar a penalidade a que se refere o artigo 46 da referida lei. Igualmente reconheço que a recorrente possui razão legítima e interesse para recorrer da decisão que, embora aparentemente lhe tenha sido favorável, deixou de apreciar o seu pedido, que foi a aplicação de sanção às licitantes fraudadoras. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 1314/2007 – Plenário. Inidoneidade - interpretação do termo “comprovada” A fraude à licitação comprovada enseja a declaração de inidoneidade dos licitantes, nos termos do art. 46 da Lei 8.443/92, proibindo-os de participarem de licitações, no âmbito da Administração Pública Federal, por um prazo de até cinco anos. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2557/2007 – Plenário. Audiência e diligência - revelia e multa Ressalte-se que, contrariamente ao que ocorre quando não atendidas diligências deste Tribunal, a falta de manifestação do responsável em audiência não é passível de pena, mas tão-somente revelia. Fonte: BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2557/2007– Plenário.

LEI Nº 12.846, DE 1º DE AGOSTO DE 2013 Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: CAPÍTULO I DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. Art. 2º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não. Art. 3º A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito. § 1º A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput. § 2º Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade. Art. 4º Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária. § 1º Nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas nesta Lei decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados. § 2º As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta

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Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado. CAPÍTULO II DOS ATOS LESIVOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NACIONAL OU ESTRANGEIRA Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV - no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional. § 1º Considera-se administração pública estrangeira os órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem

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como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro. § 2º Para os efeitos desta Lei, equiparam-se à administração pública estrangeira as organizações públicas internacionais. § 3º Considera-se agente público estrangeiro, para os fins desta Lei, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais. CAPÍTULO III DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA Art. 6º Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e II - publicação extraordinária da decisão condenatória. § 1º As sanções serão aplicadas fundamentadamente, isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações. § 2º A aplicação das sanções previstas neste artigo será precedida da manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica, ou equivalente, do ente público. § 3º A aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado. § 4º Na hipótese do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais). § 5º A publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores. § 6º (VETADO). Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções: I - a gravidade da infração;

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LEI Nº 12.846/2013 II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; III - a consumação ou não da infração; IV - o grau de lesão ou perigo de lesão; V - o efeito negativo produzido pela infração; VI - a situação econômica do infrator; VII - a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações;

VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; IX - o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e X - (VETADO). Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal. CAPÍTULO IV DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE RESPONSABILIZAÇÃO Art. 8º A instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa. § 1º A competência para a instauração e o julgamento do processo administrativo de apuração de responsabilidade da pessoa jurídica poderá ser delegada, vedada a subdelegação. § 2º No âmbito do Poder Executivo federal, a Controladoria-Geral da União - CGU terá competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados com fundamento nesta Lei, para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento. Art. 9º Competem à Controladoria-Geral da União - CGU a apuração, o processo e o julgamento dos atos ilícitos previstos nesta Lei, praticados contra a administração pública estrangeira, observado o disposto no Artigo 4 da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada pelo Decreto no 3.678, de 30 de novembro de 2000. Art. 10. O processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica será conduzido por comissão designada pela autoridade instauradora e composta por 2 (dois) ou mais servidores estáveis. § 1º O ente público, por meio do seu órgão de representação judicial, ou equivalente, a

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pedido da comissão a que se refere o caput, poderá requerer as medidas judiciais necessárias para a investigação e o processamento das infrações, inclusive de busca e apreensão. § 2º A comissão poderá, cautelarmente, propor à autoridade instauradora que suspenda os efeitos do ato ou processo objeto da investigação. § 3º A comissão deverá concluir o processo no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da publicação do ato que a instituir e, ao final, apresentar relatórios sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade da pessoa jurídica, sugerindo de forma motivada as sanções a serem aplicadas. § 4º O prazo previsto no § 3º poderá ser prorrogado, mediante ato fundamentado da autoridade instauradora. Art. 11. No processo administrativo para apuração de responsabilidade, será concedido à pessoa jurídica prazo de 30 (trinta) dias para defesa, contados a partir da intimação. Art. 12. O processo administrativo, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade instauradora, na forma do art. 10, para julgamento. Art. 13. A instauração de processo administrativo específico de reparação integral do dano não prejudica a aplicação imediata das sanções estabelecidas nesta Lei. Parágrafo único. Concluído o processo e não havendo pagamento, o crédito apurado será inscrito em dívida ativa da fazenda pública. Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa. Art. 15. A comissão designada para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica, após a conclusão do procedimento administrativo, dará conhecimento ao Ministério Público de sua existência, para apuração de eventuais delitos. CAPÍTULO V DO ACORDO DE LENIÊNCIA Art. 16. A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte: I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração. § 1º O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:

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I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito; II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo; III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento. § 2º A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6º e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável. § 3º O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado. § 4º O acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo. § 5º Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas. § 6º A proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo. § 7º Não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada. § 8º Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento. § 9º A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei. § 10. A Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira. Art. 17. A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88. CAPÍTULO VI DA RESPONSABILIZAÇÃO JUDICIAL Art. 18. Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a

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possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial. Art. 19. Em razão da prática de atos previstos no art. 5º desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras: I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III - dissolução compulsória da pessoa jurídica; IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos. § 1º A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado: I - ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou II - ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados. § 2º (VETADO). § 3º As sanções poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa. § 4º O Ministério Público ou a Advocacia Pública ou órgão de representação judicial, ou equivalente, do ente público poderá requerer a indisponibilidade de bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento da multa ou da reparação integral do dano causado, conforme previsto no art. 7º, ressalvado o direito do terceiro de boa-fé. Art. 20. Nas ações ajuizadas pelo Ministério Público, poderão ser aplicadas as sanções previstas no art. 6º, sem prejuízo daquelas previstas neste Capítulo, desde que constatada a omissão das autoridades competentes para promover a responsabilização administrativa. Art. 21. Nas ações de responsabilização judicial, será adotado o rito previsto na Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985. Parágrafo único. A condenação torna certa a obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar expressamente da sentença. CAPÍTULO VII DISPOSIÇÕES FINAIS Art. 22. Fica criado no âmbito do Poder Executivo federal o Cadastro Nacional de

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Empresas Punidas - CNEP, que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base nesta Lei. § 1º Os órgãos e entidades referidos no caput deverão informar e manter atualizados, no Cnep, os dados relativos às sanções por eles aplicadas. § 2º O Cnep conterá, entre outras, as seguintes informações acerca das sanções aplicadas: I - razão social e número de inscrição da pessoa jurídica ou entidade no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ; II - tipo de sanção; e III - data de aplicação e data final da vigência do efeito limitador ou impeditivo da sanção, quando for o caso. § 3º As autoridades competentes, para celebrarem acordos de leniência previstos nesta Lei, também deverão prestar e manter atualizadas no Cnep, após a efetivação do respectivo acordo, as informações acerca do acordo de leniência celebrado, salvo se esse procedimento vier a causar prejuízo às investigações e ao processo administrativo. § 4º Caso a pessoa jurídica não cumpra os termos do acordo de leniência, além das informações previstas no § 3º, deverá ser incluída no Cnep referência ao respectivo descumprimento. § 5º Os registros das sanções e acordos de leniência serão excluídos depois de decorrido o prazo previamente estabelecido no ato sancionador ou do cumprimento integral do acordo de leniência e da reparação do eventual dano causado, mediante solicitação do órgão ou entidade sancionadora. Art. 23. Os órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo deverão informar e manter atualizados, para fins de publicidade, no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas - CEIS, de caráter público, instituído no âmbito do Poder Executivo federal, os dados relativos às sanções por eles aplicadas, nos termos do disposto nos arts. 87 e 88 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993. Art. 24. A multa e o perdimento de bens, direitos ou valores aplicados com fundamento nesta Lei serão destinados preferencialmente aos órgãos ou entidades públicas lesadas. Art. 25. Prescrevem em 5 (cinco) anos as infrações previstas nesta Lei, contados da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. Parágrafo único. Na esfera administrativa ou judicial, a prescrição será interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração. Art. 26. A pessoa jurídica será representada no processo administrativo na forma do seu

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estatuto ou contrato social. § 1º As sociedades sem personalidade jurídica serão representadas pela pessoa a quem couber a administração de seus bens. § 2º A pessoa jurídica estrangeira será representada pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil. Art. 27. A autoridade competente que, tendo conhecimento das infrações previstas nesta Lei, não adotar providências para a apuração dos fatos será responsabilizada penal, civil e administrativamente nos termos da legislação específica aplicável. Art. 28. Esta Lei aplica-se aos atos lesivos praticados por pessoa jurídica brasileira contra a administração pública estrangeira, ainda que cometidos no exterior. Art. 29. O disposto nesta Lei não exclui as competências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda para processar e julgar fato que constitua infração à ordem econômica. Art. 30. A aplicação das sanções previstas nesta Lei não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de: I - ato de improbidade administrativa nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e II - atos ilícitos alcançados pela Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, ou outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC instituído pela Lei no 12.462, de 4 de agosto de 2011. Art. 31. Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação. Brasília, 1º de agosto de 2013; 192º da Independência e 125º da República. DILMA ROUSSEFF MENSAGEM Nº 314, DE 1º DE AGOSTO DE 2013 Senhor Presidente do Senado Federal, Comunico a Vossa Excelência que, nos termos do § 1º do art. 66 da Constituição, decidi vetar parcialmente, por contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei nº 39, de 2013 (nº 6.826/10 na Câmara dos Deputados), que "Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências". Ouvidos, o Ministério da Justiça e a Controladoria-Geral da União manifestaram -se pelo veto aos seguintes dispositivos: § 6º DO ART. 6º "§ 6º O valor da multa estabelecida no inciso I do caput não poderá exceder o valor

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total do bem ou serviço contratado ou previsto." RAZÕES DO VETO "O dispositivo limita ao valor do contrato a responsabilidade da pessoa jurídica que pratica atos ilícitos lesivos contra a administração pública. Contudo, os efeitos danosos do ilícito podem ser muito superiores a esse valor, devendo ser consideradas outras vantagens econômicas dele decorrentes, além de eventuais danos a concorrentes e prejuízo aos usuários. A limitação da penalidade pode torná-la insuficiente para punir efetivamente os infratores e desestimular futuras infrações, colocando em risco a efetividade da lei." § 2º DO ART. 19 "§ 2º Dependerá da comprovação de culpa ou dolo a aplicação das sanções previstas nos incisos II a IV do caput deste artigo." RAZÃO DO VETO "Tal como previsto, o dispositivo contraria a lógica norteadora do projeto de lei, centrado na responsabilidade objetiva de pessoas jurídicas que cometam atos contra a administração pública. A introdução da responsabilidade subjetiva anularia todos os avanços apresentados pela nova lei, uma vez que não há que se falar na mensuração da culpabilidade de uma pessoa jurídica." A Controladoria-Geral da União opinou ainda pelo veto ao dispositivo abaixo transcrito: INCISO X DO ART. 7º "X - o grau de eventual contribuição da conduta de servidor público para a ocorrência do ato lesivo." RAZÃO DO VETO "Tal como proposto, o dispositivo iguala indevidamente a participação do servidor público no ato praticado contra a administração à influência da vítima, para os fins de dosimetria de penalidade. Não há sentido em valorar a penalidade que será aplicada à pessoa jurídica infratora em razão do comportamento do servidor público que colaborou para a execução do ato lesivo à administração pública." Essas, Senhor Presidente, as razões que me levaram a vetar os dispositivos acima mencionados do projeto em causa, as quais ora submeto à elevada apreciação dos Senhores Membros do Congresso Nacional.

ÍNDICE DE ASSUNTOS Ação ajuizada pelo Ministério Público - aplicação de sanções - Lei nº 12.846, art. 20 ...........................................................141 ajuizamento - aplicação de sanções a pessoas jurídicas infratoras - Lei nº 12.846, art. 19 ............................................141

Acordo de leniência ................................................................................................... 23, 98, 101 celebração - competência da CGU - Lei nº 12.846, art. 16, § 10 ............................................................................. 23, 140 celebração - requisitos - Lei nº 12.846, art. 16, § 1º...........................................................................................................139 competência para celebração - Lei nº 12.846, art. 16, § 10 ................................................................................................ 99 descumprimento - inclusão de referência no CNEP - Lei nº 12.846, art. 22, §4º ........................................................142 descumprimento - Lei nº 12.846, art. 16, § 8º ..................................................................................................................... 98 descumprimento - sanção - Lei nº 12.846/2013, art. 16, § 8º .........................................................................................140 dever de prestação e atualização de informações pela no CNEP - Lei nº 12.846, art. 22, §3º ....................................142 efeitos - extensão - Lei nº 12.846, art. 16, § 5º ...................................................................................................................140 exclusão do registro - forma ..................................................................................................................................................142 interrupção do prazo prescricional dos atos ilícitos - Lei nº 12.846, art. 16, § 9º .........................................................140 isenção de sanções - Lei nº 12.846, art. 16, § 2º ................................................................................................................140 permanência da obrigação de reparação integral do dano - Lei nº 12.846, art. 16, § 3º..............................................140 publicidade da proposta - rejeição - Lei nº 12.846, art. 16, § 7º ......................................................................................140 reparação ................................................................................................................................................................................... 34 reparação do dano ................................................................................................................................................................... 34

Administração Pública ............................................................................................................ 36 ato lesivo.................................................................................................................................................................................... 36 estrangeira - ato lesivo praticado por pessoa jurídica brasileira - Lei nº 12.846, art. 28 ................................................143 estrangeira - conceito ............................................................................................................................................................... 93 estrangeira - equiparação - conceito .....................................................................................................................................136 nacional ou estrangeira - atos lesivos - conceito .................................................................................................................136 prática de atos ilícitos previstos na Lei nº 8.666/1993 - acordo de leniência - Lei nº 12.846, art. 17 ........................140

Agente público e terceiro envolvido em atos ilícitos....................................................................................................................................... 39 envolvimento nos atos ilegais previstos na Lei de Improbidade........................................................................................ 13 estrangeiro - conceito - Lei nº 12.846, art. 5º, § 3º ............................................................................................................137 oferecimento de vantagem indevida....................................................................................................................................136 responsabilidade objetiva ........................................................................................................................................................ 48

Agentes políticos ...................................................................................................................... 72 América Latina crescimento da corrupção ....................................................................................................................................................... 57 progresso democrático manifestado em diversos processos eleitorais .............................................................................. 86

Aplicação da Lei Anticorrupção - dificuldades ...................................................................................................................................... 87 da multa da Lei Anticorrupção - base de cálculo ................................................................................................................. 40 de sanções ................................................................................................................................................................................. 94

Apuração da responsabilidade de pessoa jurídica ................................................................................................................................. 96 e julgamento de atos ilícitos.................................................................................................................................................... 96

Atestado de capacidade técnica possivelmente falso .........................................................................................................................117 falso - inidoneidade................................................................................................................................................................117 falso sem consumação - apresentação - inidoneidade .......................................................................................................117

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SOBRE OS AUTORES

Atestado fraude - qualificação técnica ................................................................................................................................................. 111

Ato administrativo ...................................................................................................................33 ilegal - ajuizamento de ação anulatória.................................................................................................................................. 39 legalidade .................................................................................................................................................................................. 33

Atos ilícitos acordo de leniência interrompe prazo prescricional ........................................................................................................... 99 apuração e julgamento ............................................................................................................................................................ 96 competência da CGU para apuração - Lei nº 12.846/2013, art. 9º ............................................................................... 138 desconsideração da pessoa jurídica ....................................................................................................................................... 97 financiamento, custeio, patrocínio ou subvenção de práticas ......................................................................................... 136 praticados em benefício de pessoa jurídica ............................................................................................................... 105, 108 responsabilização de dirigentes e administradores de pessoa jurídica ............................................................................ 135

Atos lesivos da Lei Anticorrupção .............................................................................................................................................................. 92 praticados por pessoa jurídica contra Administração Pública estrangeira ..................................................................... 103

Audiência diligência - revelia e multa..................................................................................................................................................... 134

Autoridade instauradora de processo administrativo de responsabilização - Lei nº 12.846, art. 10, § 2º ...................................... 139

Avaliação de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidade - Lei nº 12.846, art. 7º, parágrafo único ................................................................................................................................. 138

Base de cálculo ............................................................................................................Ver Multa Bens perda - destinação - Lei nº 12.846, art. 24 .......................................................................................................................... 142

Burocracia ................................................................................................................... ver Estado Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS ..................................... 44, 102 Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP ......................................................... 44, 101 atribuições - Lei nº 12.846, art. 22....................................................................................................................................... 141 conteúdo - informações acerca de sanções aplicadas - nº 12.846, art. 22, § 2º .............................................................. 142 criação ....................................................................................................................................................................................... 44 dever de prestação e atualização de informações acerca de acordo de leniência pela autoridade competente - exceção - Lei nº 12.846, art. 22, § 3º ............................................................................................................................................ 142 inclusão de referência a descumprimento de acordo de leniência - Lei nº 12.846, art. 22, § 4º ................................ 142

Celeridade ................................................................................................................. ver Decisão CGU aprimoramento contínuo do processo administrativo ....................................................................................................... 14 competência de apuração e julgamento dos atos ilícitos praticados contra Administração Pública estrangeira ........ 16 competência para celebrar acordos de leniência - Lei nº 12.846, art. 16, § 10 ............................................................... 99 competências na Lei Anticorrupção - Lei nº 12.846, art. 9º ..................................................................................... 16, 138 manifestação de vetos à Lei Anticorrupção........................................................................................................................ 143 processo administrativo - instauração - competência concorrente .....................................................................43, 96, 138

Clientelismo .............................................................................................................................70 Código Penal ............................................................................................................................79 Combate à corrupção características ............................................................................................................................................................................ 84

ÍNDICE DE ASSUNTOS

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Combate à corrupção leis .............................................................................................................................................................................................. 83 organismos internacionais ............................................................................................................................................... 58, 78 políticas ..................................................................................................................................................................................... 68 reforma ............................................................................................................................................................................... 74, 77

Comissão de apuração de processo administrativo .............................................................................................................................106 designada para apuração de responsabilidade de pessoa jurídica - Lei nº 12.846, art. 10 .................................... 96, 138

Competência CADE, MJ e MF no processamento e julgamento de fato que constitua infração à ordem econômica - Lei nº 12.846, art. 29 ..............................................................................................................................................................143 delegação - instauração e julgamento de processo administrativo - Lei nº 12.846, art. 8º ...........................................138 para celebrar acordo de leniência - Lei nº 12.846, art. 16, § 10 ........................................................................................ 99 para processar e julgar infração à ordem econômica ........................................................................................................103 vedação à subdelegação - instauração e julgamento de processo administrativo - Lei nº 12.846, art. 8º....................138

Compliance corporativo .......................................................................................................... 19 programa de boas práticas ...................................................................................................................................................... 21

Compra de votos proibição ................................................................................................................................................................................... 83

Conceito(s) Administração Pública estrangeira ........................................................................................................................................ 93 da Lei Anticorrupção .............................................................................................................................................................. 91 de corrupção ...................................................................................................................................................................... 59, 60

Contrato responsabilização...................................................................................................................................................................... 37

Controladoria-Geral da União ..................................................................................... ver CGU Controle da corrupção ......................................................................................................................................................... 55, 67, 76, 89

Convenções internacionais influência na Lei Anticorrupção ............................................................................................................................................ 12

Convênio débito restituído à prefeitura e não à União ......................................................................................................................133

Convite inidoneidade - condições de participação - parentesco .....................................................................................................115 parentesco - inidoneidade .....................................................................................................................................................114

Corrupção agentes do Estado .................................................................................................................................................................... 62 agentes políticos ....................................................................................................................................................................... 72 ativa............................................................................................................................................................................................ 80 burocrática ................................................................................................................................................................................ 62 conceito .............................................................................................................................................................................. 59, 60 custos ......................................................................................................................................................................................... 65 danos ......................................................................................................................................................................................... 65 dimensão da reforma............................................................................................................................................................... 60 dimensão estrutural ................................................................................................................................................................. 60 dimensão sistêmica .................................................................................................................................................................. 77 economia de mercado em ascenção ...................................................................................................................................... 73 escândalos na mídia ................................................................................................................................................................. 66 esporádica ................................................................................................................................................................................. 62 função de desenvolvimento .................................................................................................................................................... 72 histórico ............................................................................................................................................................................. 56, 76

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SOBRE OS AUTORES

Corrupção legal ............................................................................................................................................................................................ 63 legislação norte-americana ...................................................................................................................................................... 15 macrocorrupção ....................................................................................................................................................................... 62 microcorrupção ........................................................................................................................................................................ 62 moral ......................................................................................................................................................................................... 63 mundo....................................................................................................................................................................................... 57 no Brasil ................................................................................................................................................................ 56, 64, 70, 78 normas ................................................................................................................................................................................75, 90 objetiva .................................................................................................................................................................................... 106 papel do Estado...................................................................................................................................................................... 107 passiva........................................................................................................................................................................................ 80 política .......................................................................................................................................................................... 62, 73, 77 políticos ..................................................................................................................................................................................... 62 recursos públicos...................................................................................................................................................................... 65 sanções constitucionais ........................................................................................................................................................... 81 significação social ..................................................................................................................................................................... 77 significado ................................................................................................................................................................................. 60 sistêmica .................................................................................................................................................................................... 61 sociedades modernas ............................................................................................................................................................... 71 sociedades tradicionais ............................................................................................................................................................ 71 suborno ...............................................................................................................................................................................62, 66 taxonomia ................................................................................................................................................................................. 77 teoria .......................................................................................................................................................................................... 69 teoria jurídica ........................................................................................................................................................................... 86 terminologia ............................................................................................................................................................................. 57 tipos ........................................................................................................................................................................................... 61 tolerância .................................................................................................................................................................................. 77 tratamento constitucional antes de 1988 ............................................................................................................................. 79 tratamento constitucional após 1988 ................................................................................................................................... 80 tratamento infraconstitucional antes de 1988 ..................................................................................................................... 79 tratamento infraconstitucional após 1988 ........................................................................................................................... 82

Critérios para aplicação de sanções ..........................................................................................94 Dano.........................................................................................................................................42 acordo de leniência.................................................................................................................................................................. 42 causado pela corrupção ........................................................................................................................................................... 65 reparação ................................................................................................................................................................................... 42

Decisão condenatória ............................................................................................................................................................................ 94 condenatória - forma - prazo de afixação de edital - Lei nº 12.846, art. 6º, § 5º ............................................................ 137 tomada - celeridade .................................................................................................................................................................. 14

Declaração de inidoneidade ........................................................................................ 23, 34, 99 Decreto nº 1.171/1994............................................................................................................82 Decreto-lei nº 201/1967 ..........................................................................................................80 Decreto-lei nº 3.240/1941 ........................................................................................................80 Desafios da Lei Anticorrupção.............................................................................................. 107 Descumprimento das normas................................................................................................................................................................................ 88 de acordo de leniência ............................................................................................................................................................ 98

ÍNDICE DE ASSUNTOS

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Destinação de multa .............................................................................................................. 102 Devido processo legal............................................................................................................. 110 Dimensão da corrupção ............................................................................................................................................................................. 59 da Globalização ........................................................................................................................................................................ 86 estrutural da corrupção ........................................................................................................................................................... 60 sistêmica da corrupção ............................................................................................................................................................ 77

Direito aliado da corrupção ................................................................................................................................................................. 87 brasileiro....................................................................................................................................................................... 78, 84, 86 problemas internos .................................................................................................................................................................. 87 Público....................................................................................................................................................................................... 86

Dispositivos procedimentais da Lei Anticorrupção .............................................................. 101 Distanciamento entre normas e prática social ........................................................................ 77 Economia ................................................................................................................................. 73 Enquadramento como EPP ou ME - inidoneidade ........................................................................................................................................117 inverídico como ME ou EPP - inidoneidade .....................................................................................................................117 irregular como EPP - inidoneidade .....................................................................................................................................115

Enriquecimento sem causa multa.......................................................................................................................................................................................... 40

Estado crescimento - burocracia ......................................................................................................................................................... 88

Estrutura da Lei Anticorrupção .............................................................................................. 91 Etapas do processo administrativo de responsabilização ......................................................... 95 Fraude certidão negativa de débitos .................................................................................................................................................124 certidão negativa de débitos municipais .............................................................................................................................124 coincidência preços................................................................................................................................................................127 conluio ........................................................................................................................................................................... 127, 133 convênio..................................................................................................................................................................................127 convite .....................................................................................................................................................................................127 crime do art. 95 ......................................................................................................................................................................133 estilo digitação ........................................................................................................................................................................127 falsificação ...............................................................................................................................................................................124 inidoneidade - parentesco .....................................................................................................................................................115 licitação....................................................................................................................................................................................127 recisão contratual ...................................................................................................................................................................129 tentativa não enseja punição ................................................................................................................................................119 termo de compromisso .........................................................................................................................................................133 violação do sigilo das propostas ...........................................................................................................................................133

Funcionalismo ......................................................................................................................... 71 Fusão e incorporação - responsabilidade restrita - Lei nº 12.846, art. 4º, § 1º ..........................................................................135

Globalização ............................................................................................................................. 86 Histórico da corrupção ...................................................................................................... 56, 76 Idiossincrasias do Poder .......................................................................................................... 88 Ilícitos previstos na Lei nº 8.666/1993 .................................................................................... 99

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SOBRE OS AUTORES

Incorporação e fusão - responsabilidade restrita - sanções não aplicáveis - Lei nº 12.846, art. 4º, § 1º .............................................. 135

Infração(es) à ordem econômica - competências para julgar e processar ............................................................................................. 103 administrativa - requisitos principiológicos ........................................................................................................................ 121 investigação e processamento - requerimento de medidas judiciais - Lei nº 12.846, art. 10, § 1º .............................. 139 prazo prescricional - interrupção do prazo na esfera administrativa - Lei nº 12.846, art. 25 ....................................... 142

Inidoneidade ......................................................................................................................... 109 admissibilidade....................................................................................................................................................................... 134 anulação .................................................................................................................................................................................. 132 apresentação de atestado falso sem consumação ............................................................................................................... 117 art. 88 da Lei nº 8.666/1993 comporta tentativa ............................................................................................................. 120 atestado de capacidade técnica possivelmente falso .......................................................................................................... 117 atestados falsos ....................................................................................................................................................................... 117 ausência de contrato .............................................................................................................................................................. 123 cabimento das provas indiciárias ......................................................................................................................................... 128 cadastro do TCU ................................................................................................................................................................... 124 Cadastro Nacional ................................................................................................................................................................. 126 carta de fiança......................................................................................................................................................................... 126 CEIS ........................................................................................................................................................................................ 124 certidão negativa de débitos ................................................................................................................................................. 124 certidão negativa de débitos municipais ............................................................................................................................. 124 certidões .................................................................................................................................................................................. 123 citação por edital .................................................................................................................................................................... 126 CND do INSS com data adulterada ................................................................................................................................... 123 conluio ........................................................................................................................................................................... 127, 133 consórcio ................................................................................................................................................................................. 129 convênio.................................................................................................................................................................................. 127 convite ..................................................................................................................................................................................... 127 convite - condições de participação - parentesco................................................................................................................ 115 correlação percentual entre as propostas ............................................................................................................................ 127 crime do art. 95 ...................................................................................................................................................................... 133 culpa do empregado .............................................................................................................................................................. 131 declaração ................................................................................................................................................................................. 23 desnecessário .......................................................................................................................................................................... 133 dosimetria ...................................................................................................................................................................... 130, 131 DOU ....................................................................................................................................................................................... 124 efeitos ex nunc ......................................................................................................................................................................... 125 embargos ................................................................................................................................................................................. 126 enquadramento como EPP .................................................................................................................................................. 116 enquadramento como EPP ou ME ..................................................................................................................................... 117 enquadramento como ME ................................................................................................................................................... 116 enquadramento como ME ou EPP ..................................................................................................................................... 116 enquadramento como ME ou EPP inverídico .................................................................................................................. 117 enquadramento irregular como EPP .................................................................................................................................. 115 falsificação ............................................................................................................................................................................... 124 fase de execução contratual - art. 87 da Lei nº 8.666/1993 ............................................................................................. 112 fase externa de licitação......................................................................................................................................................... 126 FGTS ....................................................................................................................................................................................... 123 fraude .......................................................................................................................................... 117, 123, 124, 127, 129, 133 fraude - parentesco ................................................................................................................................................................. 115

ÍNDICE DE ASSUNTOS

151

Inidoneidade fraude tentativa ......................................................................................................................................................................119 inativação no SICAF .............................................................................................................................................................124 independência das instâncias ...............................................................................................................................................127 indícios ....................................................................................................................................................................................128 indícios são provas .................................................................................................................................................................128 INSS ........................................................................................................................................................................................123 interpretação do termo “comprovada” ...............................................................................................................................134 Lei nº 8.666/1993 .................................................................................................................................................................123 motivação do acórdão ...........................................................................................................................................................126 não há necessidade de comprovar vantagem ilícita...........................................................................................................129 parentesco ...............................................................................................................................................................................114 parentesco - convite ...............................................................................................................................................................114 parentesco - inobservância do impedimento do art. 9º da Lei nº 8.666/1993 .............................................................114 pedido de reexame pelo representante ...............................................................................................................................134 pena de suspensão do art. 87, inc. III, da Lei nº 8.666/1993 - cumulação....................................................................113 princípio da tipicidade ..........................................................................................................................................................122 propostas .................................................................................................................................................................................133 prova indiciária.............................................................................................................................................................. 127, 129 recisão contratual ...................................................................................................................................................................129 registro pelo TCU..................................................................................................................................................................124 representação ..........................................................................................................................................................................134 responsabilidade da autoridade superior que homologa .................................................................................................127 revelia.......................................................................................................................................................................................126 SICAF............................................................................................................................................................................. 124, 125 sigilo .........................................................................................................................................................................................133 sobrepreço...............................................................................................................................................................................133 tentativa exige previsão prévia legal .....................................................................................................................................119 termo de compromisso .........................................................................................................................................................133 tipicidade.................................................................................................................................................................................121 vício processual no TCU ......................................................................................................................................................132

Insegurança jurídica ................................................................................................................ 88 multa.......................................................................................................................................................................................... 40

Institucionalismo ..................................................................................................................... 75 Legalidade e interpretação restritiva da penalidade ..............................................................................................................................109

Legislação norte-americana referência no tema corrupção ................................................................................................................................................ 15

Lei Anticorrupção ............................................................................................... 39, 55, 90, 135 aplicabilidade..........................................................................................................................................................................135 aplicação de sanções ................................................................................................................................................................ 19 apuração, processo e julgamento de atos ilícitos.................................................................................................................. 96 ato lesivo praticado por pessoa jurídica brasileira contra Administração Pública estrangeira, art. 28 .......................143 atos lesivos................................................................................................................................................................................. 92 cálculo da multa aplicável às pessoas jurídicas ..................................................................................................................... 15 comissão de apuração ..................................................................................................................................................... 96, 106 conceitos ................................................................................................................................................................................... 91 constitucionalidade.................................................................................................................................................................. 47 contexto de concepção e propositura.................................................................................................................................... 11 critérios para aplicação de sanções......................................................................................................................................... 94 decisão condenatória ............................................................................................................................................................... 94 desafios ....................................................................................................................................................................................107 destinação de multa ...............................................................................................................................................................102

152

SOBRE OS AUTORES

Lei Anticorrupção dificuldades à aplicação ........................................................................................................................................................... 65 dispositivos procedimentais.................................................................................................................................................. 101 estrutura .................................................................................................................................................................................... 91 incentivos às pessoas jurídicas que optem por cooperar com o Poder Público............................................................... 23 influência de convenções internacionais .............................................................................................................................. 11 multa ......................................................................................................................................................................................... 94 opção pela responsabilização administrativa e civil em detrimento da penal.................................................................. 13 penalidades referentes a licitações e contratos ..................................................................................................................... 93 penalidades referentes a licitações e contratos - Lei nº 12.846, art. 30 ........................................................................... 143 prática de atos contra a Administração Pública - responsabilização objetiva ................................................................. 135 preenchimento de lacunas do ordenamento jurídico pátrio ............................................................................................. 13 prescrição ................................................................................................................................................................................ 102 publicação da decisão condenatória...................................................................................................................................... 15 responsabilidade objetiva ........................................................................................................................................................ 17 responsabilização...................................................................................................................................................................... 38 resposta às manifestações populares...................................................................................................................................... 11 sanções aplicáveis às pessoas jurídicas ................................................................................................................................... 14 temas........................................................................................................................................................................................ 104 vigência .....................................................................................................................................................................56, 104, 143

Lei Complementar nº 101/2000..............................................................................................82 Lei Complementar nº 135/2010..............................................................................................83 Lei da Ação Civil Pública ...................................................................................................... 101 Lei da Ação Popular.................................................................................................................80 Lei da Ficha Limpa...................................................................................................................83 Lei de Acesso à Informação......................................................................................................83 Lei de Improbidade..................................................................................................................13 Lei do Conflito de Interesses....................................................................................................83 Lei nº 1.079/1950 ...................................................................................................................80 Lei nº 3.164/1957 ...................................................................................................................80 Lei nº 3.502/1958 ...................................................................................................................80 Lei nº 4.717/1965 ...................................................................................................................80 Lei nº 7.347/1985 ................................................................................................................ 101 Lei nº 8.027/1990 ...................................................................................................................82 Lei nº 8.112/1990 ...................................................................................................................82 Lei nº 8.137/1990 ...................................................................................................................82 Lei nº 8.429/1992 ............................................................................................................ 13, 82 penalidades ............................................................................................................................................................................. 103

Lei nº 8.666/1993 ...................................................................................................................82 art. 87 não revogou o art. 46 da Lei Orgânica do TCU ................................................................................................... 111 ausência de contrato inidoneidade ..................................................................................................................................... 123 ilícitos previstos ........................................................................................................................................................................ 99 limitações .................................................................................................................................................................................. 12 penalidades ............................................................................................................................................................................. 104 sanções previstas....................................................................................................................................................................... 99

Lei nº 8.730/1993 ...................................................................................................................82

ÍNDICE DE ASSUNTOS

153

Lei nº 9.605/1998 responsabilização de pessoas jurídicas por crimes ambientais ........................................................................................... 13

Lei nº 9.613/1998 ................................................................................................................... 82 Lei nº 9.840/1999 ................................................................................................................... 83 Lei nº 10.467/2002 .................................................................................................................. 82 Lei nº 10.520/2002 .................................................................................................................. 82 Lei nº 10.628/2002 .................................................................................................................. 83 Lei nº 12.527/2011 .................................................................................................................. 83 Lei nº 12.813/2013 .................................................................................................................. 83 Lei nº 12.846/2013 .................................................................................. ver Lei Anticorrupção Lei nº 12.850/2013 definição de organização criminosa....................................................................................................................................... 83

Leniência ............................................................................................. ver Acordo de Leniência Lesão acordo de leniência.................................................................................................................................................................. 42

Licitação aviso forjado............................................................................................................................................................................111 experiência prévia para participação - casos específicos ...................................................................................................... 38 fraude - ato lesivo - Lei nº 12.846, art. 5º ............................................................................................................................136 participação fraudulenta ......................................................................................................................................................... 37 penalidades por fraudes relacionadas - Lei nº 12.846, art. 5º ............................................................................................ 13 penalidades por ilícitos relacionados..................................................................................................................................... 12 suspensão temporária de participação .................................................................................................................................. 99

Macrocorrupção ...................................................................................................................... 62 Mensagem nº 314/2013 veto parcial - Projeto de Lei nº 39/2013 - art. 6º, §6º .......................................................................................................143 veto parcial - Projeto de Lei nº 39/2013 - art. 7º, inciso X - art. 19, § 2º ........................................................................144

Microcorrupção ....................................................................................................................... 62 Ministério Público ................................................................................................................... 43 ajuizamento de ações - constatação de omissão de autoridade competente para promover responsabilização administrativa - Lei nº 12.846, art. 20............................................................................................................................141 omissão de autoridade ............................................................................................................................................................ 43 responsabilização...................................................................................................................................................................... 43

Mudanças sociais.......................................................................................................... 73, 76, 85 Multa ................................................................................................................................. 28, 94 da Lei Anticorrupção - critérios ............................................................................................................................................. 40 excessiva..................................................................................................................................................................................... 39 faturamento bruto ................................................................................................................................................................... 39 Lei Anticorrupção - base de cálculo ....................................................................................................................................... 40 reparação do dano ................................................................................................................................................................... 39 responsabilização...................................................................................................................................................................... 39 valor ........................................................................................................................................................................................... 28

Multiculturalidade................................................................................................................... 85 Neoinstitucionalismo .............................................................................................................. 75 Normas .................................................................................................................................... 75 de combate à corrupção .......................................................................................................................................................... 83 de controle da corrupção ........................................................................................................................................................ 90 descumprimento ...................................................................................................................................................................... 88 e prática social - distanciamento............................................................................................................................................. 77

154

SOBRE OS AUTORES

Organismos internacionais ............................................................................................... 58, 78 Organizações religiosas .............................................................................................................91 Parentesco convite - inidoneidade - condições de participação ........................................................................................................... 115 inidoneidade .......................................................................................................................................................................... 114 inidoneidade - convite ........................................................................................................................................................... 114 inidoneidade - fraude ............................................................................................................................................................ 115 inidoneidade - inobservância do impedimento do art. 9º da Lei nº 8.666/1993......................................................... 114

Partidos políticos............................................................................................................... 36, 91 Patrimonialismo ......................................................................................................................70 Patrimônio da pessoa jurídica............................................................................................... 105 Penalidades aplicáveis a pessoas jurídicas ................................................................................................................................................... 14 Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP............................................................................................................. 44 dosimetria na aplicação - Lei nº 12.846, art. 7º, inciso VII ................................................................................................ 24 interpretação restritiva........................................................................................................................................................... 109 na Lei Anticorrupção por ilícitos relacionados na Lei nº 8.666/1993............................................................................. 12 por fraudes em licitações - Lei nº 12.846, art. 5º ................................................................................................................. 13 previstas na Lei Anticorrupção .............................................................................................................................................. 14 previstas na Lei nº 8.429/1992 ............................................................................................................................................ 103 previstas na Lei nº 8.666/1993 ............................................................................................................................................ 104 responsabilidade objetiva ........................................................................................................................................................ 51 zelo pelos direitos e garantias fundamentais na aplicação .................................................................................................. 36

Perdimento de bens responsabilidade objetiva........................................................................................................................................................ 51

Personalidade jurídica desconsideração - possibilidades - extensão dos efeitos da sanção - Lei nº 12.846, art. 14........................................... 139

Pessoa jurídica apuração da responsabilidade ................................................................................................................................................ 96 ato lesivo ................................................................................................................................................................................... 37 ato lesivo contra Administração Pública estrangeira......................................................................................................... 103 dissolução compulsória - determinação - Lei nº 12.846, art. 19, § 1º ............................................................................. 141 patrimônio .............................................................................................................................................................................. 105 prazo para defesa ...................................................................................................................................................................... 96 punição ..................................................................................................................................................................................... 36 representação.......................................................................................................................................................................... 103 responsabilização.......................................................................................................................................................56, 92, 105 responsabilização por crimes ambientais - Lei nº 9.605/1998 .......................................................................................... 13 sanções ...................................................................................................................................................................................... 97 sistemas de integridade ......................................................................................................................................................... 107 suborno - ato lesível imputável ............................................................................................................................................... 25

Poder Executivo dados relativos às sanções aplicadas pelo CNEP - Lei nº 12.846, art. 22, § 1º .............................................................. 142 relativos às sanções aplicadas no CEIS - Lei nº 12.846, art. 23 ....................................................................................... 142

Poder Judiciário dados relativos às sanções aplicadas no CEIS - Lei nº 12.846, art. 23 ............................................................................ 142 dados relativos às sanções aplicadas pelo CNEP - Lei nº 12.846, art. 22, § 1º .............................................................. 142

ÍNDICE DE ASSUNTOS

155

Poder Legislativo dados relativos às sanções aplicadas no CEIS - Lei nº 12.846, art. 23 ............................................................................142 dados relativos às sanções aplicadas pelo CNEP - Lei nº 12.846, art. 22, § 1º ..............................................................142

Política ..................................................................................................................................... 77 de combate à corrupção .......................................................................................................................................................... 68 definição.................................................................................................................................................................................... 64

Prazo para defesa ..................................................................................................................... 96 Pregão lei de responsabilidade pessoa jurídica.................................................................................................................................. 35

Preposto empresário ................................................................................................................................................................................ 33

Prescrição............................................................................................................................... 102 Princípio da tipicidade inidoneidade...........................................................................................................................................................................122

Processo administrativo ..................................................................... ver também Competência aplicação imediata das sanções - Lei nº 12.846, art. 13.....................................................................................................139 apresentação de relatório - Lei nº 12.846, art. 10, § 3º .....................................................................................................139 apuração de responsabilidade da pessoa jurídica - Lei nº 12.846, art. 10 ......................................................................138 apuração de responsabilidade de pessoa jurídica - Lei nº 12.846, art. 8º .......................................................................138 celeridade do procedimento de responsabilização .............................................................................................................. 14 comissão - Lei nº 12.846, art. 10, § 3º.......................................................................................................................... 41, 139 composição da comissão - Lei nº 12.846, art. 10 ...............................................................................................................138 conclusão - Lei nº 12.846, art. 13 ........................................................................................................................................139 condução - composição da comissão - Lei nº 12.846, art. 10 ...........................................................................................138 de responsabilização ................................................................................................................................................................ 95 de responsabilização - Lei nº 12.846, art. 10, § 3º .............................................................................................................139 de responsabilização - Lei nº 12.846, art. 8º .......................................................................................................................138 encaminhamento para julgamento - Lei nº 12.846, art. 12 .............................................................................................139 específico de reparação integral do dano - Lei nº 12.846, art. 13 ....................................................................................139 inscrição do crédito apurado - Lei nº 12.846, art. 13 ........................................................................................................139 instauração - Lei nº 12.846, art. 8º.......................................................................................................................................138 julgamento - Lei nº 12.846, art. 8º .......................................................................................................................................138 para apuração de responsabilidade - Lei nº 12.846, art. 11..............................................................................................139 prazo - Lei nº 12.846, art. 10, § 3º .......................................................................................................................................139 prazo para defesa - Lei nº 12.846, art. 11 ............................................................................................................................139 procedimentos.......................................................................................................................................................................... 41 prorrogação do prazo - Lei nº 12.846, art. 10, § 3º ...........................................................................................................139 representação da pessoa jurídica estrangeira - Lei nº 12.846, art. 26, § 2º .....................................................................143 representação de pessoa jurídica - sociedade sem personalidade jurídica - Lei nº 12.846, art. 26 ..............................142 representação de sociedade sem personalidade jurídica - Lei nº 12.846, art. 26, § 1º..................................................142 responsabilização...................................................................................................................................................................... 41 sugestão de sanções a serem aplicadas - Lei nº 12.846, art. 10, § 3º ...............................................................................139

Proibição da compra de votos ................................................................................................. 83 Projeto de Lei nº 39/2013 mensagem de veto parcial - art. 6º, §6º ...............................................................................................................................143 mensagem de veto parcial - art. 7º, inciso X - art. 19, § 2º ................................................................................................144

Qualificação técnica atestados fraudados................................................................................................................................................................111 conluio ....................................................................................................................................................................................111

156

SOBRE OS AUTORES

Recurso público dano ao erário .......................................................................................................................................................................... 29 desviado..................................................................................................................................................................................... 65

Recursos revisibilidade judicial ............................................................................................................................................................. 111

Reformas almejadas perante o panorama da corrupção ...................................................................................................................... 59 das leis ....................................................................................................................................................................................... 77 institucionais ............................................................................................................................................................................ 74

Reparação .................................................................................................................................36 acordo de leniência.................................................................................................................................................................. 36 dano ........................................................................................................................................................................................... 36

Requerimento indisponibilidade de bens, direitos ou valores - Lei nº 12.846, art. 19, § 4º ................................................................. 141 reparação integral do dano - terceiro de boa-fé - Lei nº 12.846, art. 19, § 4º ................................................................. 141

Requisitos objetivos e subjetivos fraude ...................................................................................................................................................................................... 117

Requisitos principiológicos infração administrativa ......................................................................................................................................................... 121

Responsabilidade .....................................................................................................................36 administrativa .....................................................................................................................................................................27, 91 administrativa - não afastamento da responsabilidade judicial - Lei nº 12.846, art. 18 ............................................... 141 civil..............................................................................................................................................................................27, 91, 104 objetiva ................................................................................................................................................................ 17, 47, 92, 104 objetiva - conceito .................................................................................................................................................................... 17 objetiva - insegurança .............................................................................................................................................................. 19 objetiva - legislação do Reino Unido...............................................................................................................................18, 23 parcial - acordo de leniência ................................................................................................................................................... 42 penal, civil e administrativa - autoridade que não apura infração - Lei nº 12.846, art. 27........................................... 143 pessoa jurídica ...................................................................................................................................................... 30, 31, 36, 47 pessoa jurídica - na hipótese de alteração contratual e institutos afins - Lei nº 12.846, art. 4º.................................... 135 solidária - restrição - Lei nº 12.846, art. 4º, § 2º ................................................................................................................. 135 subjetiva ........................................................................................................................................................................... 47, 105 subjetiva - culpa e dolo ............................................................................................................................................................ 47

Responsabilização administradores ....................................................................................................................................................................... 32 administrativa .............................................................................................................................................................. 13, 56, 93 administrativa - pessoa jurídica responsável por ato lesivo - Lei nº 12.846, art. 6º........................................................ 137 administrativa - processo ....................................................................................................................................................... 106 administrativa e civil em detrimento da penal..................................................................................................................... 13 agentes públicos ....................................................................................................................................................................... 33 anticorrupção ........................................................................................................................................................................... 38 ato ilícito ................................................................................................................................................................................... 32 atos............................................................................................................................................................................................. 32 atos da pessoa jurídica contra a Administração Pública - Lei Anticorrupção ................................................................ 135 atos lesivos................................................................................................................................................................................. 27 cível e administrativa ............................................................................................................................................................... 30 civil.......................................................................................................................................................................................13, 56 corrupção .................................................................................................................................................................................. 27

ÍNDICE DE ASSUNTOS

157

Responsabilização culpa in eligendo ou in vigilando................................................................................................................................................ 34 de autoridade..........................................................................................................................................................................103 dirigentes ................................................................................................................................................................................... 32 empresa .............................................................................................................................................................................. 27, 34 empresas individuais ............................................................................................................................................................... 36 esfera administrativa ................................................................................................................................................................ 30 esfera cível ................................................................................................................................................................................. 30 individual .................................................................................................................................................................................. 27 judicial .............................................................................................................................................................................. 39, 100 judicial - Lei nº 12.846, art. 18 .............................................................................................................................................140 judicial - obrigação de reparação integral do dano - apuração do valor - Lei nº 12.846, art. 21 ..................................141 judicial - sanções .....................................................................................................................................................................100 objetiva ...................................................................................................................................................................................... 27 objetiva - pessoa jurídica - prática de atos lesivos - Lei nº 12.846, art. 2º ........................................................................135 organizações religiosas ............................................................................................................................................................. 36 partidos políticos ...................................................................................................................................................................... 36 penal .......................................................................................................................................................................................... 31 pessoa jurídica .................................................................................................................................................... 27, 56, 92, 105 pessoa jurídica - não excludente da responsabilização individual de pessoa natural autora, coautora ou partícipe de ato ílicito - Lei nº 12.846, art. 3º .....................................................................................................................................135 pessoa natural .................................................................................................................................................................... 27, 32 prepostos ................................................................................................................................................................................... 33 responsabilidade limitada ....................................................................................................................................................... 36 sociedade empresária ............................................................................................................................................................... 32 sociedades irregulares .............................................................................................................................................................. 35

Revelia e multa.....................................................................................................................................................................................134

Sanções à pessoa jurídica ....................................................................................................................................................................... 97 aplicação .................................................................................................................................................................................... 94 aplicação - Lei nº 12.846 .......................................................................................................................................................141 constitucionais.......................................................................................................................................................................... 81 critérios para aplicação ............................................................................................................................................................ 94 da Lei Anticorrupção .............................................................................................................................................................. 94 decorrentes de responsabilização judicial ...........................................................................................................................100 exclusão do registro - forma ..................................................................................................................................................142 por responsabilidade administrativa - aplicação - Lei nº 12.846, art. 7º .........................................................................137 previstas na Lei nº 8.666/1993 .............................................................................................................................................. 99

Significação social da corrupção .............................................................................................. 77 Sistemas de integridade ................................................................................................... 95, 107 Sociedades irregulares - responsabilização................................................................................................................................................. 35 modernas .................................................................................................................................................................................. 71 tradicionais ............................................................................................................................................................................... 71

Suborno ............................................................................................................................. 62, 66 ato lesível imputável às pessoas jurídicas............................................................................................................................... 25 de funcionários públicos - ausência de previsão normativa punitiva ................................................................................ 12 transnacional ............................................................................................................................................................................ 16

Taxonomia............................................................................................................................... 77 TCU cadastro inidoneidade ...........................................................................................................................................................124

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SOBRE OS AUTORES

TCU inidoneidade - vício processual ............................................................................................................................................ 132 Lei Orgânica - art.46 mantido .............................................................................................................................................. 111 registro ..................................................................................................................................................................................... 124

Temas da Lei Anticorrupção ................................................................................................ 104 Tentativa previsão prévia legal ............................................................................................................................................................... 119

Teoria da ação ..........................................................................................................................74 Teoria da corrupção .................................................................................................................69 Tipicidade inidoneidade .......................................................................................................................................................................... 121

Tolerância à corrupção ............................................................................................................77 Tribunal exame de casos ....................................................................................................................................................................... 111

Uso da máquina administrativa ...............................................................................................83 Valores direitos e bens - perdimento aplicado - destinação - Lei nº 12.846, art. 24 .................................................................... 142 perda - destinação - Lei nº 12.846,art. 24 ........................................................................................................................... 142

Veto parcial - mensagem nº 314/2013......................................................................................................................................... 143

Vigência........................................................................................................................... 56, 104 Lei nº 12.846 .......................................................................................................................................................................... 143

SOBRE OS AUTORES JAQUES FERNANDO REOLON Vice-Presidente e Diretor-Jurídico da Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados. É advogado, economista, especialista em Direito Administrativo e autor de diversos artigos na área de Licitações e Contratos. Além da formação acadêmica, possui experiência em análise de processos de licitações e contratos, de pessoal, bem como de tomada e prestação de contas anuais, tomadas de contas especiais, auditorias e fiscalizações do Controle Interno e Externo, tendo em vista os diversos cargos que ocupou no Tribunal de Contas do Distrito Federal, como Assessor de Conselheiro, Assessor-Chefe no Ministério Público junto ao TCDF, Secretário Executivo do Ministério Público junto ao TCDF, entre outros. JORGE ULISSES JACOBY FERNANDES Mestre em Direito Público, advogado, professor de Direito Administrativo, escritor e conferencista. Além dessas experiências, tem, ainda, as desenvolvidas ao longo de sua carreira no serviço público: Membro do Conselho Interministerial de Desburocratização, Conselheiro do Tribunal de Contas do Distrito Federal, Procurador e Procurador-geral do Ministério Público junto ao TCDF, Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, Advogado e Administrador Postal da ECT. Na seara privada preside a Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados. Atuante na elaboração de textos técnico-legislativos, foi redator do projeto do Código de Licitações e Contratos do Estado do Maranhão, do Manual de Gestão de Contratos Administrativos da Justiça Eleitoral e do Superior Tribunal de Justiça. Autor da cartilha “O Governo contratando com a Micro e Pequena Empresa”, do Sebrae, além de mais de diversos livros na área de Licitações e Contratos. KARINA AMORIM SAMPAIO COSTA Consultora e advogada da Jacoby Fernandes & Reolon Advogados Associados. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estácio de Sá. Presta consultoria a diversos órgãos e entidades públicas sobre Licitações e Contratos, assessoramento jurídico na análise de editais, recursos administrativos, memoriais, contratos e outros documentos técnicos, além de consultoria em reestruturações de áreas de compras e licitações em diversos órgãos da Administração direta e indireta, do Sistema “S” e de entes com dotação orçamentária do Governo Federal. É parecerista na área de compras governamentais e coautora de diversos manuais de Gestão de Contratos, dentre os quais o do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo – TRE/SP e do Superior Tribunal de Justiça – STJ. MELILLO DINIS DO NASCIMENTO Advogado em Brasília/DF, professor e pesquisador especialista em Direito Público. Tem também formação em outras áreas das ciências sociais. Desde 2012 é Diretor do Instituto Brasileiro de Direito e Controle da Administração Pública – IBDCAP, em Brasília/DF, atua em movimentos sociais, na Comissão Brasileira de Justiça e Paz, órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, e na Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de Brasília. É autor de vários artigos e livros, dos quais se destacam Sociedade, Igreja e Democracia (São Paulo: Ed. Loyola, 1989) e Direito, Ética e Justiça: reflexões sobre a reforma do Judiciário (Petrópolis: Ed. Vozes, 1996). Nos últimos anos trabalha na investigação da questão da corrupção e em prol dos Direitos Humanos.

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SOBRE OS AUTORES

RENATO DE OLIVEIRA CAPANEMA Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília – UNB e acadêmico da graduação em Direito do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, possui especialização em Controle e Auditoria Pública pela Universidade Metropolitana de Belo Horizonte. É Analista de Finanças e Controle da Controladoria-Geral da União.

Esta obra foi composta em fonte Goudy Old Style, capa cartão supremo 250g, miolo em papel AP 63g, impressa pela Gráfica e Editora Fórum. 160 exemplares. São Paulo/SP, fevereiro de 2014.

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