La literatura argentina revisitada: el mito de la cautiva en un cuento de María Rosa Lojo.

Share Embed


Descripción

ATAS Organizadores Adrián Pablo Fanjul Ivan Rodrigues Martin Margareth Santos

VII Congresso Brasileiro de Hispanistas Comitê Organizador

Comitê Científico

Coordenação

Alai Garcia Diniz (UFSC)

Adrián Pablo Fanjul (ABH-USP)

Alfredo Cordiviola (UFPE)

Carlos Bonfim (UFBA)

Ana Cecilia Olmos (USP)

Fernanda Castelano Rodrigues (ABH-UFSCar)

Antônio Esteves (UNESP – Assis)

Marcia Paraquett (UFBA)

Del Carmen Daher (UFF) Ester Abreu Vieira de Oliveira (UFES)

Antonio Marcos Pereira (UFBA)

Graciela Ravetti (UFMG)

Claudia Blaszkowski de Jacobi

Heloísa Pezza Cintrão (USP)

Edleise Mendes (UFBA)

Isabel Gretel Eres Fernandes (USP)

Hernán Yerro (UFBA)

Livia Reis (UFF)

Ivan Rodrigues Martin (ABH-UNIFESP)

Luizette Guimarães de Barros (UFSC)

Juan Facundo Sarmiento (UFBA)

Magnolia Brasil Barbosa do Nascimento (UFF)

Julia Morena Silva da Costa (UFBA)

Maria Augusta Vieira (USP)

Luciana Mariano (UNEB – Campus V)

María Aurora Consuelo Alfaro Lagorio (UFRJ)

Mailson dos Santos Lopes (UFBA)

Maria Eugênia Olimpio (UFBA)

Margareth Santos (ABH-USP)

María Teresa Celada (USP)

Patrício Barreiros (UEFS / UNEB – Campus I)

María Zulma M. Kulikowski (USP)

Rosa Yokota (ABH-UFSCar)

Mario González (USP)

Xoán Carlos Lagares Diez (ABH-UFF)

Miriam Gárate (UNICAMP) Neide T. Maia González (USP) Silvana Serrani (UNICAMP) Silvia Cárcamo (UFRJ) Vera Lucia de Albuquerque Sant’Anna (UERJ)

Apoio

ATAS do VII Congresso Brasileiro de Hispanistas Organizadores Adrián Pablo Fanjul Ivan Rodrigues Martin Margareth Santos

São Paulo, 2013

Copyright © 2013 dos autores

Catalogação na Publicação (CIP) Serviço de Biblioteca e Documentação Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

C749

Congresso Brasileiro de Hispanistas (7. : 2012 : Salvador, BA). Atas do VII Congresso Brasileiro de Hispanistas [Salvador, BA, 3 a 6 de setembro de 2012] [recurso eletrônico] /organizadores: Adrián Pablo Fanjul, Ivan Rodrigues Martin, Margareth Santos. – São Paulo : ABH, 2013. 18.291 Kb ISBN 978-85-66188-01-1 1. Literatura hispano-americana (História e crítica). 2. Literatura espanhola. 3. Língua espanhola (Estudo e ensino). I. Fanjul, Adrián Pablo. II. Martin, Ivan Rodrigues. III. Santos, Margareth. IV. Associação Brasileira de Hispanistas. V. Título. CDD 868.909

SUMÁRIO

Erotismo y picardía en Vida y costumbres de la Madre Andrea(c. 1650) A. Robert Lauer ............................................................................................................................................................ 17 Topografías del artista y desestabilización enunciativa en el rock de Argentina ............................................................. Adrián Pablo Fanjul .................................................................................................................................................... 23 Memórias da Guerra Civil Espanhola na ficção: leituras de ¿Qué me quieres, amor?, de Manuel Rivas e La lengua de las mariposas, de José Luis Cuerda Adriana Aparecida de Figueiredo Fiuza ...................................................................................................................... 31 A variação na realização do objeto pronominal acusativo no espanhol: um estudo inicial Adriana Martins Simões .............................................................................................................................................. 36 El pensamiento neomoderno en las columnas de Rosa Montero y Rosa Regás Adriana Virginia Bonatto ............................................................................................................................................ 45 Formas de enunciar la violencia en la obra de Doris Salcedo Alexander Castillo Morales – Instituto Caro y Cuervo ............................................................................................... 38 Relación autor-personaje en La última escala del Tramp Steamer de Álvaro Mutis Aleyda Gutiérrez Mavesoy ........................................................................................................................................... 59 Ensino de e/le e inclusão: reflexões sobre formação e trabalho docente Alice Moraes Rego de Souza (PG-UERJ) ..................................................................................................................... 66 Diálogos de Historia Natural: o homem prototípico e o homem em construção Amanda Brandão Araújo ............................................................................................................................................ 73 A hispanidade disposta em paralelo: vozes literárias contemporâneas dos povos originários das américas Amarino Oliveira de Queiroz ...................................................................................................................................... 80 África, Ásia e Oceania: fronteiras fluidas do hispanismo Amarino Oliveira de Queiroz ...................................................................................................................................... 85 Natalia, Julia, Mercedes y Elvira – Retrato de la mujer española en la posguerra Ana Carolina da Silva Pinto ........................................................................................................................................ 91 O “ensaio criativo” de Julio Cortázar Ana Carolina Macena Francini ................................................................................................................................... 98 Discurso autobiográfico e a busca identitária em Mi nombre es Victoria de Victoria Donda Ana Cristina dos Santos ............................................................................................................................................. 104

6

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

O currículo das Universidades Públicas do Estado do Rio de Janeiro e a formação de professores em língua estrangeira: uma reflexão crítica Ana Maria Mendes Larghi ....................................................................................................................................... 111 Las ratas de Miguel Delibes e a denúncia da crise camponesa em Castela nos anos 1950-1960 Ana Paula de Souza ................................................................................................................................................... 118 Quando o metatexto de Tomás Eloy Martìnez autentica as vidas de Perón André Luis Mitidieri .................................................................................................................................................. 124 Calle Mayor e Señorita de Trevélez sob a ditadura franquista Angela dos Santos ...................................................................................................................................................... 131 Distribuição da perífrase “ter” + particípio no espanhol do México Anne Katheryne Estebe Maggessy .............................................................................................................................. 136 Literatura e Espanhol/LE: a questão da comunidade Antonio Andrade ........................................................................................................................................................ 142 A formação de professores de espanhol no Instituto Federal de Roraima: reflexões sobre a prática docente Antonio Ferreira da Silva Júnior ............................................................................................................................... 149 Polifuncionalidad de los marcadores del discurso y enseñanza del ELE Antonio Messias Nogueira da Silva ........................................................................................................................... 156 En busca del Paraíso: la representación de los germánicos en la obra de María Rosa Lojo Antonio R. Esteves ...................................................................................................................................................... 163 Rompendo fronteiras da cidade e da nação: representações de sujeitos que se moven entre as “islas urbanas” de Sergio Olguín e Cristian Alarcón Ary Pimentel .............................................................................................................................................................. 169 As traduções de quadrinhos sob um olhar discursivo Bárbara Zocal da Silva .............................................................................................................................................. 176 Discursos oficiales del 12 de octubre: un día conmemorativo peculiar Beatriz Adriana Komavli de Sánchez ........................................................................................................................ 183 Subordinadas temporais e finais em português e espanhol: questões de contraste e efeitos para a tradução Bruna Macedo de Oliveira ......................................................................................................................................... 190 O tema transversal da Pluralidade Cultural e sua reconfiguração nos LDs de língua espanhola Bruna Maria Silva Silvério ........................................................................................................................................ 198 O policialesco na figura de Amalfitano Bruna Tella Guerra .................................................................................................................................................... 204 ¿Bacrim o paramilitarismo? Análisis de la concepción de paramilitarismo en Colombia en el período 2002-2006 a través de la prensa escrita Camilo Ramírez Rodríguez e Adriana Yamile Suárez Reina .................................................................................... 209

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Inicios de la santidad medieval en lengua castellana: traducción y protagonismo femenino en La Vida de Santa María Egipciaca Carina Zubillaga ....................................................................................................................................................... 215 Chungui: violencia y trazos de memoria, (2009), de Edilberto Jiménez: desenhando a memória coletiva Carla Dameane P. de Souza ...................................................................................................................................... 221 O preenchimento da posição pré-verbal por complementos verbais e a noção de operador na história do espanhol Carlos Felipe Pinto ..................................................................................................................................................... 230 Invasiones del tiempo en el espacio de la casa Carlos Garcia Rizzon ................................................................................................................................................. 239 Pedidos de informação e pedidos de ação em português e em espanhol: um estudo entonacional de produção e percepção Carolina Gomes da Silva, Maristela da Silva Pinto e Priscila Cristina Ferreira de Sá ............................................ 246 De Dulcinéia a Heliana: perspectivismo e metaficção Célia Navarro Flores .................................................................................................................................................. 252 Sierva María de Todos los Ángeles e Maria Mandinga Cinthia Belonia .......................................................................................................................................................... 257 Espacios, mitos y claves del imaginario andaluz en la poesía de Federico García Lorca. Clara Pajares Gil ........................................................................................................................................................ 263 Poesia e ficção na obra de Roberto Bolaño: interseções Clarisse Lyra Simões .................................................................................................................................................. 268 Representaçãoes da mulher e vozes femininas no contexto iberoamericano Cláudia Luna ............................................................................................................................................................. 273 A destreza oral e sua importancia para a formação dos falantes de espanhol como língua estrangeira Cristina do Sacramento Cardôso de Freitas .............................................................................................................. 278 A leitura de professores de espanhol, formadores de leitores, mediada por computador Cristina Vergnano-Junger .......................................................................................................................................... 286 História, memória e ficção em Yo el Supremo e em Hijo de Hombre de Roa Bastos Damaris Pereira Santana Lima ................................................................................................................................. 293 O tratamento dos conectores nas coleções de língua espanhola aprovadas no PNLD-2012: uma questão textual ou discursiva? Daniel Mazzaro Vilar de Almeida ............................................................................................................................. 300 Diccionario Panhispánico de Dudas: dúvidas, definições e comentários Daniela Ioná Brianezi ............................................................................................................................................... 307 Textos e testes: como se configuram as provas de língua espanhola no Enem? Daniela Sayuri Kawamoto Kanashiro e I. Gretel M. Eres Fernández ....................................................................... 312

7

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

8

A necessidade de narrar vivênciada pelos personagens do romance La hora violeta de Montserrat Roig Daniele Cristina da Silva ........................................................................................................................................... 320 La re-invención de América en la poesía y las artes del siglo XX Diana Araujo Pereira ................................................................................................................................................. 327 O trabalho com o plano inferencial de leitura em livros didáticos de Espanhol-LE22 Diego da Silva Vargas ................................................................................................................................................ 335 História, memória e ficção em Juan Gabriel Vásquez Diogo de Hollanda Cavalcanti .................................................................................................................................. 342 Juan José Saer: realidade, representação e ficção na perspectiva de gênero Eduardo Fava Rubio .................................................................................................................................................. 348 O ver-se nas páginas do papel: um estudo da representação feminina nas novelas cervantinas Edwirgens A. Ribeiro Lopes de Almeida .................................................................................................................... 353 Literaturas hispânicas no Oriente? A dupla identidade cultural e linguística em Margalit Matitiahu, de Israel Eidson Miguel da Silva Marcos ................................................................................................................................. 359 Heterotopias de función compensatoria en la escritura hispano-canadiense contemporánea Elena Palmero González ............................................................................................................................................ 364 O discurso de Fama em El cerco de Numancia, de Cervantes, e nas adaptações de Rafael Alberti Eleni Nogueira dos Santos ......................................................................................................................................... 371 Dialogo con la novela El Baile de la Victoria de Skármeta Esther Myriam Rojas Osorio. .................................................................................................................................... 376 Un extranjero en el poema: notas sobre la poesía de Fabio Morábito Fabiola Fernández Adechedera .................................................................................................................................. 380 Santiago Sierra: performer?* Fabíola Silva Tasca ..................................................................................................................................................... 386 Traduzindo e reconstruindo uma representação.Reflexões teórico-metodológicas em torno à implantação de um (novo) curso de E/LE Fátima Aparecida Teves Cabral Bruno ..................................................................................................................... 392 Sintagmas nominais complexos nos gêneros jornalísticos: Uma abordagem comparada entre artigos de opinião e notícias Felipe Diogo de Oliveira ............................................................................................................................................ 398 La literatura argentina revisitada: el mito de La Cautiva en un cuento de María Rosa Lojo Fernanda Ap. Ribeiro ................................................................................................................................................. 404 “La casita de los viejos”, de Maurício Kartun: tempo do sujeito, tempo da história Flávia Almeida Vieira Resende .................................................................................................................................. 408

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

As escritoras na literatura afro-colombiana Francineide Palmeira ................................................................................................................................................. 412 O legado de Mercedes Sosa: a arte como instrumento de luta pela cidadania Franklin Larrubia Valverde ....................................................................................................................................... 418 Néstor Perlongher e Haroldo de Campos – um diálogo antropofágico Gabriela Beatriz Moura Ferro Bandeira de Souza ................................................................................................... 423 Reforma e a compreensão de sentidos de Licenciatura: questão filosófica ou de carga horária? Giselle da Motta Gil ................................................................................................................................................... 430 Corpo e espaço: reescritas da história em Finisterre, de María Rosa Lojo e Desmundo, de Ana Miranda Gracielle Marques ...................................................................................................................................................... 437 Rodolfo Walsh. ‘Exotización’ y conflicto en sus ‘escritos cubanos’ Gustavo Walter Spandau ........................................................................................................................................... 444 A que não soube vingar-se: em torno de “A meu amigo, que eu sempr’ amei” (B846, V432), de Johan Garcia Henrique Marques Samyn ......................................................................................................................................... 448 El uso de los modos indicativo/subjuntivo con tres verbos del español: “creer, pensar y saber” Iandra Maria Weirich da Silva Coelho ..................................................................................................................... 453 O diário de Ana Ozores: a escrita como expressão da subjetividade feminina em La Regenta Isabela Roque Loureiro .............................................................................................................................................. 460 Un niño grande: a ficcionalização de Jorge Luis Borges em Las libres del Sur Isis Milreu .................................................................................................................................................................. 466 Angústia e distopia: a Guerra Civil Espanhola em Saga, de Érico Veríssimo Ivan Rodrigues Martin .............................................................................................................................................. 471 Los marcadores discusivos en español a partir de la Lingüística de la Enunciación: una perspectiva en los estudios de E.L.E. Ivani Cristina Silva Fernandes .................................................................................................................................. 477 Observações sobre a relação cortesania/rusticidade na cena ibérica Jamyle Rocha Ferreira Souza ..................................................................................................................................... 484 La Colmena, de Camilo José Cela: conceitos de grotesco Jany Alfaia .................................................................................................................................................................. 488 A loucura como estrutura narrativa: de Miguel de Cervantes a Machado de Assis Jean Pierre Chauvin ................................................................................................................................................... 494 Religión y alegoría en las narraciones intercaladas del Quijote de Avellaneda John Lionel O´Kuinghttons Rodríguez ...................................................................................................................... 500 A ficção argentina traduz a Guerra das Malvinas Jorge Hernán Yerro ..................................................................................................................................................... 507

9

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

10

Histórias, estórias e histórias: representações ficcionais da matéria de extração histórica nas narrativas de Delibes e de Assis Brasil Jorge Paulo de Oliveira Neres ..................................................................................................................................... 517 Cuerpos indígenas em metamorfosis: Un estudio del cuerpo a parir de mitos y leyendas de indios de la Amazonía Brasileña y Boliviana y sus representaciones en la actualidad José Maria Lopes Júnior ............................................................................................................................................. 519 Quemar las naves: por uma análise do Diccionario de Americanismos da Asociación de academias de la lengua española José Mauricio da Conceição Rocha ............................................................................................................................ 526 El atajo y La trama celeste, de Bioy Casares: historias de mundos posibles José Ronaldo Batista de Luna .................................................................................................................................... 533 Aspectos urbanos y culturales en narrativas gráficas argentinas Jozefh Fernando Soares Queiroz ................................................................................................................................ 540 Livro didático de espanhol e uma aprendizagem intercultural: é possível? Joziane Ferraz de Assis ............................................................................................................................................... 548 Una identidad para los apátridas. Identidad y exilio en dos novelas históricas latinoamericanas Juan David González Betancur ................................................................................................................................. 554 El uso del cómic como instrumento para la formación intercultural del profesor de español Juan Facundo Sarmiento ........................................................................................................................................... 560 O discurso ficcional em Los ríos profundos, de José María Arguedas: as leituras críticas de Antonio Cornejo Polar e Mario Vargas Llosa Juliana Bevilacqua Maioli ......................................................................................................................................... 566 De tabúes y terrores: Costa Rica y Brasil o dos modalidades de la literatura gótico-fantástica en Latinoamérica Karen Alejandra Calvo Díaz...................................................................................................................................... 571 Falar com deus: Estrategias de legitimação da mística feminina na américa hispânica colonial Karine Rocha .............................................................................................................................................................. 578 Percorrendo a trajetória da formação inicial do professor de E/LE Kelly Cristiane Henschel Pobbe de Carvalhoe Rozana Aparecida Lopes Messias .................................................... 583 A autonomia na formação de professores-tutores de espanhol como LE Kélvya Freitas Abreu, Priscila Barros David e Raquel Santiago Freire .................................................................... 589 A caricata valentia e o enredo “casi como fue” – uma análise da releitura “Don Juan Tenorio”, de Chespirito Larissa Pujol ............................................................................................................................................................... 597 Uma análise discursiva da mulher na sociedade através das tirinhas da Mafalda Larissa Zanetti Antas ................................................................................................................................................. 600 Pedro Lemebel, recepción, lectura Laura Janina Hosiasson ............................................................................................................................................. 605

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

O grotesco em Del sol naciente, de Griselda Gambaro Laureny A. Lourenço da Silva .................................................................................................................................... 610 O conceito da honra no Século de Ouro e seu uso como mola dramática em El pintor de su deshonra, de Calderón de la Barca Liège Rinaldi .............................................................................................................................................................. 617 Esta mujer es su padre: Almodóvar, desestabilizações de gênero e a aula de ELE Leandro da Silva Gomes Cristóvão ............................................................................................................................ 623 O corpo em confissão: um discurso sobre o universo feminino simbolizado na obra de arte de Frida Kahlo Leticia Gomes Montenegro ........................................................................................................................................ 628 La potencialidad de los materiales lúdicos como protocolo de observación para el reconocimiento de géneros textuales escritos en español Letícia Joaquina de Castro Rodrigues Souza e Souza Ana Célia Clementino Moura ................................................................................................................................... 634 La tarea/renuncia del traductor en José María Arguedas Ligia Karina Martins de Andrade ............................................................................................................................. 641 Exames de Proficiência em espanhol como língua estrangeira Lílian Reis dos Santos ................................................................................................................................................ 648 Identidades em diálogo: mulher, sexualidade e família no livro didático de espanhol Liliene Maria Novaes Pereira da Silva ...................................................................................................................... 653 Nação idealizada em Aves sin nido Lina Arao ................................................................................................................................................................... 660 La expresión de la contrafactualidad en español: ¿diferentes variantes, diferentes interpretaciones? Lorena Mariel Menón ................................................................................................................................................ 665 Relações entre o Magrebe e a Espanha: os dois mundos de Najat El Hachmi em El Último Patriarca Louise Áurea Oliva .................................................................................................................................................... 673 Considerações sobre a importância da carga cultural compartilhada de unidades fraseológicas no ensino/aprendizagem intercultural de espanhol como língua estrangeira Luana Ferreira Rodrigues .......................................................................................................................................... 671 A formação do professor de Espanhol da Bahia e as variantes culturais hispano-americanas Luciana Vieira Mariano ............................................................................................................................................ 683 Análise das representações sociais nos cinco livros didáticos selecionados pelo PNLD para o ensino de espanhol a brasileiros Lucielena Mendonça de Lima .................................................................................................................................... 689 Representações sociais de futuros professores de espanhol sobre o Mercosul* Lucielena Mendonça de Lima .................................................................................................................................... 695

11

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

12

Um copypaste de si mesmo: Mario Bellatin Luciene Azevedo ......................................................................................................................................................... 702 Tiempo verbal y discurso indirecto: diferentes abordajes Luizete Guimarães Barros ......................................................................................................................................... 709 O uso do pronome relativo possessivo cuyo em língua espanhola: considerações descritivo-analíticas Mailson dos Santos Lopes .......................................................................................................................................... 716 A tradução da ironia na narrativa de Maria Rosa Lojo Maira Angélica Pandolfi ............................................................................................................................................ 723 Aire de las Colinas, Cartas a Clara. Cartas pessoais de Juan Rulfo Mara Gonzalez Bezerra ............................................................................................................................................. 727 María Rosa Lojo: Una escritora de los bordes Marcela Crespo Buiturón ........................................................................................................................................... 732 Versos e cores do Prado Marcelo Maciel Cerigioli ............................................................................................................................................ 736 Literatura e Direito: o entrecruzar de fronteiras em Abel Posse Márcia de Fátima Xavier........................................................................................................................................... 743 O papel da Universidade na implantação do Espanhol no Estado da Bahia Marcia Paraquett ....................................................................................................................................................... 748 La presencia del negro y sus representaciones en el teatro cubano de Gerardo Fulleda León y Eugenio Hernández Espinosa Marcos Antônio Alexandre ........................................................................................................................................ 756 A corrosão dos anos triunfais franquistas Margareth Santos ....................................................................................................................................................... 763 A escrita de si como uma tradução de si: o caso específico da pintora Frida Kahlo Maria Auxiliadora de Jesus Ferreira .......................................................................................................................... 771 El español de todo el mundo María Cecilia Manzione Patrón ................................................................................................................................ 776 Poéticas da memória nas narrativas de Alfons Cervera e Vázquez Montalbán Maria de Fátima Alves Oliveira Marcari .................................................................................................................. 783 Explicaciones de lo femenino en la narrativa de Marcela Serrano María Esther Blanco Iglesias ...................................................................................................................................... 789 Contexto de ocorrência do imperfectivo habitual no Espanhol Paraguaio Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold ................................................................................................................. 796 Variação sobre o mesmo tema: acerca da memória em Sangra por la herida Maria Mirtis Caser .................................................................................................................................................... 803

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Las animalias… como elementos constructores del discurso en el Libro de buen amor de Juan Ruiz, Arcipreste de Hita María Teresa Miaja de la Peña ................................................... ..............................................................................810 Avatares de la historia en Paralelos. La pintura y la poesía en Cuba (en los siglos XVIII y XIX) de José Lezama Lima Mariana Sierra Aponte .............................................................................................................................................. 817 Préstamos terminológicos para una memoria del franquismo. Los niños encontrados de la literatura: una lectura de Mala gente que camina, de Benjamín Prado Mariela Sánchez ........................................................................................................................................................ 822 La investigación académica como sustrato de la narrativa histórica de María Rosa Lojo Marina L. Guidotti .................................................................................................................................................... 829 La casa de Bernarda Alba, metáfora conventual Mario M. González .................................................................................................................................................... 836 O différend indígena na narrativa do subcomandante Marcos Mélanie Létocart Araujo ............................................................................................................................................ 841 Literatura y conflicto armado: cotejando una novela de Garro Mercedes Pessoa Cavalcanti ....................................................................................................................................... 847 La traducción cultural en la literatura latinoamericana: reflexiones a partir de la obra de Gamaliel Churata y José María Arguedas Meritxell Hernando Marsal ....................................................................................................................................... 855 La Guerra Civil Española bajo la mirada de dos escritores aragoneses en el exilio: lectura de El cura de Almuniaced, de José Ramón Arana y Réquiem por un campesino español, de Ramón J. Sender. Michele Fonseca de Arruda ........................................................................................................................................ 864 El tema que nos ocupa: oraciones relativas en español Mirta Groppi .............................................................................................................................................................. 868 Expresso, logo existo: linguagem e constituição do indivíduo nas obras Mañana en la batalla piensa en mí de Javier Marías e Budapeste de Chico Buarque Mônica Gomes da Silva ............................................................................................................................................. 875 Evidencialidad en textos periodísticos: un análisis funcionalista en español Nadja Paulino Pessoa Prata ....................................................................................................................................... 881 Voces daba el bárbaro Corsicurvo. Lenguas y mecanismos de comunicación en el Persiles Nieves Rodríguez Valle ............................................................................................................................................... 887 Cómo se cuenta o contamos nuestra historia: historiografía literaria latinoamericana y enseñanza de la literatura Pablo Gasparini ......................................................................................................................................................... 896

13

14

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

La luz de Cristina Bajo que ha tocado la historia y la memoria cordobesa. Una lectura desde la obra Como vivido cien veces (1995) Phelipe de Lima Cerdeira .......................................................................................................................................... 903 A trajetória dos manuais do professor de ELE no Brasil Raabe Oliveira ........................................................................................................................................................... 910 Manuel Rivas y Miguel Hernández: poesía hacia el porvenir Rachel Coelho Coimbra ............................................................................................................................................. 917 O horizonte filosófico do espaço de La Grande de Juan José Saer Raquel Alves Mota ..................................................................................................................................................... 923 De la prensa periódica a la novela. Cara y ceca o del otro lado del espejo: Manuel Vicent y Benjamín Prado (Aguirre el magnífico y Mala gente que camina) Raquel Macciuci ........................................................................................................................................................ 930 A ficcionalização da teoria, da crítica e do processo de criação literárias em La saga\fuga de J.B, de Gonzalo Torrente Ballester Regina Kohlrausch ..................................................................................................................................................... 937 Ricardo Palma e Las tradiciones peruanas: literatura e formação dos imaginários Regina Simon da Silva ............................................................................................................................................... 944 O aguirre posseano: tirano ou libertador? Regina Simon da Silva ............................................................................................................................................... 953 Provocações de um direito latino-americano que inclua os povos vencidos: notas a partir da Antropofagia de Oswald de Andrade e o surrealismo jurídico de Warat Ricardo Baitz .............................................................................................................................................................. 960 Educación-m no ensino de E/LE: análise de curso via SMS Rita de Cássia Rodrigues Oliveira ............................................................................................................................. 967 Poesía en Voz Alta y la escena cultural mexicana: la experiencia dramática de Octavio Paz Robson Batista dos Santos Hasmann ........................................................................................................................ 975 Cortés, Guatemotzin e Atzimba: da Conquista à ópera nacional mexicana! Robson Leitão ............................................................................................................................................................. 980 Desencuentros con Guimarães Rosa: la polémica de Vargas Llosa y Crespo por la traducción de Gran Sertón: Veredas Rodrigo Labriola ........................................................................................................................................................ 987 El ensayo: prolegómenos para una nueva historiografía ensayística iberoamericana Rodrigo Vasconcelos Machado ................................................................................................................................... 994 Tradução de La ciudad y los perros: análise da domesticação dos termos militares Roosevelt Ferreira ..................................................................................................................................................... 1000

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

O que dizem os (ex) estudantes de um curso de licenciatura em letras-espanhol? Rosa Yokota .............................................................................................................................................................. 1009 O pronome tônico na produção não nativa de brasileiros falando espanhol e de argentinos falando português Rosa Yokota .............................................................................................................................................................. 1016 Palabra y poder en El sueño del pongo, de José María Arguedas Roseli Barros Cunha ................................................................................................................................................ 1023 Linguística Aplicada: estudos interdisciplinares e multiculturais na formação docente Rosineide Guilherme da Silva .................................................................................................................................. 1029 Sobre Ernesto Sábato, el surrealismo y la entrevista a un desconocido muchacho Ruben Daniel Méndez Castiglioni........................................................................................................................... 1035 José de Anchieta: o Barroco na poesia española Samuel Anderson de Oliveira Lima ......................................................................................................................... 1040 Contribuições de Jorge Amado para a Literatura Hispânica no Brasil Sandra Mara Mendes da Silva Bassani ................................................................................................................... 1047 El cine brasileño y España: El caso de Carlota Joaquina, princesa do Brasil (1994) Santiago de Pablo ..................................................................................................................................................... 1053 Zonas de penumbra e vacíos: ficção e História em Manuel Rivas Sebastião Ferreira Leste ........................................................................................................................................... 1060 Conhecendo Urganda Silvia Cobelo e Giselle Cristina Gonçalves Migliari ................................................................................................ 1067 Para enegrecer os modos de saber: histórias da NegrAmérica contadas na literatura de afrolatinos(as) Simone de Jesus Santos ............................................................................................................................................ 1074 Mania de escrever poesia: a prosa poética nas cartas de Emilio Prados Solange Munhoz ...................................................................................................................................................... 1080 La corrección del error y el feedback en la clase de lengua extranjera. Un análisis desde las teorías de la afectividad Stella Maris Baygorria ............................................................................................................................................. 1086 A escolha de retórica em Andrés Bello (1847) Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna ................................................................................................................ 1092 A palavra em O Livro das mil e uma noites e em O lapis do carpinteiro, de Manuel Rivas Susana Álvarez Martínez ......................................................................................................................................... 1098 Tradição e memória: um diálogo possível entre contos de Borges e Cem anos de solidão Suziane Carla Fonseca ............................................................................................................................................. 1105

15

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

16

(Re)Construção de Chico Buarque: analisando a tradução do português para o espanhol em canções de protesto Thais Marçal Passos Sarmento ................................................................................................................................ 1113 Educação intercultural e ensino de e/le Thaísa Alves Brandão .............................................................................................................................................. 1020 Quando as luzes se acendem: a cumbia sob os holofotes, em Noites vazias, de Washington Cucurto Thiago José Moraes Carvalhal ................................................................................................................................. 1124 A transitividade em narrativas escritas por alunos brasileiros aprendizes de espanhol Valdecy de Oliveira Pontes ....................................................................................................................................... 1131 O gênero textual digital blog: o diário virtual eletrônico na aquisição de e/le Valéria Jane Siqueira Loureiro................................................................................................................................. 1137 Os trabalhadores e o impasse do Mercosul social. Valter de Almeida Freitas ......................................................................................................................................... 1144 La dificultad del uso de la preposición en las oraciones relativas de E/LE Vanessa Nogueira ..................................................................................................................................................... 1149 “Das Unheimliche”, de Freud e Así que pasen cinco años, Leyenda del tiempo en tres actos y cinco cuadros, de Lorca Virginia de Sousa Bonfim ........................................................................................................................................ 1156 “La rosa de piedra”: el cuento de nunca acabar Virginia Videira Casco ............................................................................................................................................. 1162 Casos de reinterpretação dativa na área geoletal mexicana Viviane Conceição Antunes Lima ............................................................................................................................ 1168 La traducción como práctica social en el curso de Secretariado Ejecutivo Viviane Cristina Poletto Lugli ................................................................................................................................. 1174 Leitura na Internet: a leitura literária no espaço virtual Viviane da Silva Santos ........................................................................................................................................... 1181 El Brasil Intelectual, de García Mérou, una mirada argentina sobre la formación de la literatura brasileña Weslei R. Cândido .................................................................................................................................................... 1187 Sobre a escritura pictural de Alejandro Xul Solar Yara Augusto ............................................................................................................................................................ 1192

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

17

EROTISMO Y PICARDÍA EN VIDA Y COSTUMBRES DE LA MADRE ANDREA (C. 1650)

Dedicado a Mario M. González A. Robert Lauer The University of Oklahoma

Vida y costumbres de la Madre Andrea (c.

antecedentes como la Celestina de Fernando de Rojas,

1650), obra desconocida hasta 1958, cuando el

así como obras posteriores a 1650 escritas en otras

hispanista neerlandés Jonas Andries van Praag

lenguas

publicara el manuscrito que había encontrado en la

Erzbetrügerin und Landstörzerin Courasche (La pícara

casa Beijers de Utrecht en 1950 (PRAAG, 1958,

Coraje) (1669) de Hans Jakob Christoph von

p.111), ha sido clasificada, desde entonces, como una

Grimmelshausen o The Fortunes and Misfortunes of

novela picaresca anónima. Así la designa Enriqueta

the Famous Moll Flanders (1722) de Daniel Defoe.

Zafra en sus dos recientes libros (ZAFRA, 2009, p.136 y ZAFRA, 2011, p.1), así como Howard Mancing en un importante ensayo (MANCING, 1996, p.288). Si así fuera, Madre Andrea sería entonces la última novela europea escrita en español que versa sobre una pícara, de la misma forma que La lozana andaluza (1528), de Francisco Delicado, constituiría la primera narrativa de este género. Dentro de este marco (15281650) tendríamos otras obras como el Libro de entretenimiento de la pícara Justina (1605) de Francisco López de Úbeda, La hija de Celestina (1612) de Alonso Jerónimo de Salas Barbadillo, La niña de los embustes, Teresa de Manzanares (1632) y La garduña de Sevilla y anzuelo de bolsas (1642) de Alonso de Castillo Solórzano y, acaso, «El castigo de la miseria» (Novelas amorosas y ejemplares, 1637) de María de Zayas y Sotomayor.

Se excluyen

como

Die

Lebensbeschreibung

der

Poco sabemos de Vida y costumbres de la Madre Andrea. Se piensa que el autor sería un judío converso de origen portugués establecido en Amsterdam (ZAFRA, 2011, p.15). El hecho de que escribiera la obra en español no sería extraño, ya que los judíos conversos portugueses, amén de otros, solían escribir literatura en español durante la Monarquía Dual (1580-1640). De hecho, el autor usa varias palabras de origen portugués como velhaco (bellaco), ajudé (del port. ajudar > ayudar), remasgando (del port. resmungar > quejarse, refunfuñar), holla abafada (cubierta), pedintón (del port. pedinte > pordiosero), copo (vaso), baxuras (esp. bajezas, del port. baixar > bajar), mágoas (tristezas), papar (conseguir, follar). A la vez, van Praag indica que la obra contiene algunos galicismos (PRAAG,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

18

1958, p.119), lo que haría pensar que nuestro autor

cliente defiende que Andrea tiene algo suyo. Su

habría sido acaso un converso sefardita que hubiera

herencia biológica y moral, por lo tanto, determina

pasado por algunos de los centros franceses de judíos

su vida ulterior.

portugueses como Ruán, Bayona o Burdeos antes de emigrar a Amsterdam. Otrosí, resalta en la obra el hecho de que el autor tenga altos conocimientos de matemáticas y de que sus alusiones bíblicas sean al Antiguo Testamento (PRAAG, 1958, p.126).

Después de este punto inicial, la narrativa hace un salto temporal indeterminado en el cual la protagonista ha dejado en parte su vida prostibularia para fungir el cargo administrativo de madre de mancebía: «después de la pasión me valí de la agencia»

El manuscrito de nuestra obra contiene 146

(ZAFRA, 2011, p.36). En este oficio tuvo gran éxito

páginas y mide 17 x 11 cm., encuadernado en

y ganó buen dinero: «Era tanta la miel que no me

pergamino. A la par, en la guarda del libro se

dejaban dormir las moscas» (ZAFRA, 2011, p.36). A

menciona en francés el hecho de que la obra es un

diferencia de otras obras picarescas como, v. gr.,

«Manuscrit espagnol, en prose et en vers, du 17e

Lazarillo de Tormes, Andrea, desde el principio de su

siècle?» (PRAAG, 1958, p.111). Van Praag anota el

relato, ha llegado a su «prosperidad y […] cumbre

hecho de que la última página contiene una filigrana

de toda buena fortuna» (CARRASCO, 1997, p.88).

que presenta unas armas entre dos grifos, la cual

Lo que sigue será una serie de encuentros entre

indica una procedencia italiana (genovesa). No

clientes, trabajadores sexuales y la Madre Andrea.

obstante, este tipo de filigrana se usó en Provenza, España y Portugal en los siglos XVII y XVIII (PRAAG, 1958, p.111-112). En ausencia de un facsímile, el cual nos daría información sobre la caligrafía, nos ajustamos a la posible fecha de redacción de 1650, sugerida por el crítico neerlandés (PRAAG, 1958, p.113), aunque es de suponer, como este estudioso indica, que el único manuscrito de esta obra fuera una «copia dieciochesca de otro anterior» (PRAAG, 1958, p.112).

Los relatos prostibularios se dan, primero, en series de parejas sencillas, v. gr., un joven y una prostituta; después, en tríadas; finalmente, en series de parejas gemelas o cuaternarias. Esta sección es en efecto pornográfica, en su sentido etimológico, y de carácter, primero, erótico, en sus relaciones ordinarias; después, exótico, en sus relaciones singulares1. Enriqueta Zafra nos recuerda que antes de que se clausuraran los burdeles de España en 1623 (ZAFRA, 2011, p.5), los prostíbulos servían ciertas

La narrativa de Madre Andrea mantiene una

funciones públicas, tanto para mujeres como para

organización esencialmente cronológica (ab ovo) que

hombres. Para las primeras, la casa de lenocinio

empieza con el nacimiento del personaje homónimo

proporcionaba un modo de vida para féminas pobres

y termina en un punto indeterminado de su madurez.

y solteras que hubieran perdido la virginidad y que

De esta forma sigue inicialmente la estructura básica

no tuvieran familiares en la ciudad donde trabajaran.

de todas las novelas picarescas, con excepción de La

El administrador de un burdel, el así llamado padre

hija de Celestina, que comienza in medias res. A la

de mancebía, proporcionaba por una cifra fija,

vez, Madre Andrea usa una retrospección temporal

comida, alojamiento, ropa, sábanas y velas (ZAFRA,

para informarnos de sus antecedentes, los cuales

2011, p.8). A la vez, las prostitutas eran examinadas

siempre son determinantes en la narración picaresca.

por un médico y, en caso de que adolecieran de un

Andrea fue hija de una prostituta y un padre de

mal venéreo, eran consignadas a un hospital. Si se

mancebía, o sea, un dueño de un burdel. Asimismo,

arrepentían y decidían cambiar de vida, todas sus

por haber tenido su madre múltiples amantes, cada

deudas se cancelaban. En cuanto a los segundos, se

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

suponía que los clientes fueran hombres solteros que

elemento sobrante (super plus): no limita sino que

por falta de dinero o trabajo no podrían casarse. El

provoca el deseo: y todo por un apreciable precio:

burdel, a diferencia de la prostitución clandestina,

«Allá se las hubieron y a mí […] me pagaron

protegía, por lo tanto, a las trabajadoras, a sus clientes

altamente» (ZAFRA, 2011, p.132)2.

y a la comunidad de mujeres honorables y acomodadas, las cuales se reservaban para uniones matrimoniales (laicas o eclesiásticas). Esta forma social de «contener el deseo» en ámbitos destinados para su ejercicio se limitaba legalmente a la fornicación simple entre un hombre y una mujer solteros, solutus cum soluta, y evitaba tanto el incesto como la penetración no natural (ZAFRA, 2011, p.8).

Lo antedicho constituiría el elemento erótico y picaresco 3 de Vida y costumbres de la Madrea Andrea. Toda novela picaresca se vale de episodios y peripecias que, al llegar a un punto culminante, provocan un cambio o paro permanente en la vida, el carácter o el movimiento del personaje principal. La obra, aunque indique la posibilidad de una subsiguiente parte, en efecto termina en ese

Sin embargo, el deseo en Vida y costumbres de

momento4. A veces el cambio es súbito, como en La

la Madre Andrea no puede ser contenido o limitado

lozana andaluza, cuyo personaje principal renueva

socialmente. En efecto, cada incidente prostibulario

repentinamente su vida después de soñar que Plutón

prueba precisamente lo contrario de lo que se

y Marte asolan Sierra Morena: «pues he visto mi

supondría que ocurriera en un burdel antes de su

ventura y desgracia, […] haré como hace la Paz, que

clausura en 1623. El primero, por ejemplo, muestra

huye a las islas, […] Estarme he reposada, y veré

a un joven de familia adinerada que roba dinero de

mundo nuevo, y no esperar que él me deje a mí, sino

su padre para deleitarse en los brazos de la joven y

yo a él» (DELICADO, 1972, p.245). En otras

bella ramera Philipa. El segundo expone a un fraile

ocasiones el cambio se intuye: Elena, de la Hija de

impetuoso

y

Celestina, antes de ser agarrotada y encubada,

encarnizadamente a tres mujeres: la Madre Andrea;

«causando en los pechos más duros lástima y

una criada que, asustada, grita «Aquí del Rey»

sentimiento doloroso» (SALAS BARBADILLO, 2008,

(ZAFRA, 2011, p.84); y, finalmente a una pobre y

p.153), hace testamento y restituye el hurto hecho a

deslucida ramera destinada para su remate. El tercero

un tal don Rodrigo de Villafañe. Finalmente el

revela a un letrado y un médico que primero dialogan

cambio se impone: La pícara Justina, a pesar de narrar

extensa y cínicamente sobre sus profesiones y después

una vida jocosa, aunque moralmente reprehensible,

se valen de una pareja de jóvenes de diferente sexo,

indica al final del primer tomo que su fin será

«dos piezas de serafinas y serafines», para actos

paulatinamente infausto: en el «primer libro me

descomunales: «vengan orinales no diáfanos sino

llamo la alojada, en el segundo la viuda, en el tercero

maduros y encarnados» (ZAFRA, 2011, p.132). Como

la mal casada y en el cuarto la pobre» (LÓPEZ DE

vemos, todos estos usuarios no son personas

ÚBEDA, 2010, p.874). Asimismo, Teresa de

indigentes sino pudientes y, en el caso del fraile,

Manzanares, al concluir su escandalosa crónica,

desposados con la Iglesia. El hecho de que se use a

indica que tuvo un fin infeliz casada, por cuarta y

jóvenes de ambos sexos para actos singulares también

última vez, con un mercader civil, cincuentón y

indica la práctica de un tipo de sexualidad prohibida

miserable. La «segunda parte» de su vida se llamaría,

o «no natural», precisamente lo que un burdel trataba

pues, «La congregación de la miseria» (CASTILLO

de evitar. El prostíbulo de la Madre Andrea, por tanto,

SOLÓRZANO, 2005, p.283).

que

estupra

simultánea

no circunscribe sino que provoca un exceso o

19

20

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

La Madre Andrea es semejante a las susodichas

picarescas tienen aspectos pornográficos, aunque

obras, aunque con algunas diferencias. Si bien hay

generalmente de tipo erótico. Piénsese en la pícara

un cambio o peripecia decisiva, la narrativa se vale a

Justina, que siempre está en peligro de perder la flor;

lo largo de su extensión de fisuras que en efecto

o en Teresa de Manzanares o Elena, la hija de

alteran el discurso salaz dominante. Estas fisuras

Celestina, quienes expresan cándidamente sus deseos

generalmente se manifiestan como elocuciones

sexuales y mantienen ocasionalmente relaciones

vocativas dirigidas al lector que en efecto

adúlteras. Aldonza, la lozana andaluza, es, por

interrumpen y suplantan el discurso previo. En

supuesto, una cornucopia (pornucopia) de sexualidad

términos arquitectónicos, las fisuras representarían

ilimitada. Las relaciones triangulares, evidentemente,

atalayas colocadas en encrucijadas, las cuales

son comunes en toda narrativa picaresca, como se ve

advierten al lector de cómo debiera captar el relato.

en los padres de Guzmán de Alfarache o en la relación

Tienen, por lo tanto, una función adverbial. La

entre el arcipreste de San Salvador, Lázaro de Tormes

palabra «lector» aparece cuatro veces en el texto. La

y la criada-esposa de ambos. Los elementos exóticos

primera vez se menciona en forma neutral al inicio

también se intuyen, como se observa en el padre

de la obra para advertir al leedor que no tome «el fin

afeminado de Guzmán de Alfarache, cuyos afeites

de la palabra», o sea, los «salados casos, ridículos

inducen al narrador a declarar que «son actos de

sucesos, pasatiempos deleitables y dichos de

afeminados maricas, [que] dan ocasión para que

discreción y agudeza», sino que discierna en el modo

dellos murmuren y se sospeche toda vileza, viéndolos

de leer: «antes saca desta obra la cándida flor de la

embarrados y compuestos con las cosas sólo a mujeres

harina con que hagas pan de los santos» (ZAFRA,

permitidas» (ALEMÁN, 1984, vol. 1, p.118).

2011, p.38). La segunda vez invoca al «lector lascivo o continente» (ZAFRA, 2011, p.100), precisamente después de fuertes descripciones exóticas que acaso provocarían placer en el primero y desazón en el segundo. Las dos últimas invocaciones a un «tú» se hacen hacia el final y van dirigidas al «lector pío» y al «lector benévolo». En ambos casos, las descripciones eróticas han concluido y la Madre Andrea, después de haber narrado congeries de desorden y escándalo, declara que «me metí a devota» (ZAFRA, 2011, p.144). Su última advertencia es que uno debe apartarse de ruines compañías, juegos y negocios que provocan la deshonestidad: «Huye pues del demonio y sus tentaciones, y sigue el bien y la santa y verdadera doctrina […], porque sólo de este modo puedes estar,

Recuérdese asimismo la posible inversión del hiperactivo fraile de la Merced del tratado cuarto de Lazarillo de Tormes. Sin embargo, a diferencia de estas obras, Madre Andrea minimiza lo erótico y enfatiza lo exótico y escatológico. El lector de estas narrativas acaso sonriera ante los leves embustes de Justina o Teresa de Manzanares, pero probablemente se turbara ante las alusiones de sodomía, felación, urolagnia y coprofilia de la Madre Andrea y sus clientes. Lo exótico en esta obra se usa no para despertar el interés sino para provocar el desasosiego en el lector. No atrae; repele. En este sentido, se asemeja al Guzmán de Alfarache, aunque también, acaso, a Los 120 días de Sodoma del Marqués de Sade.

vivir y morir cierto y tendrás en este mundo paz y

No obstante, a diferencia de estas dos últimas

después gloria» (ZAFRA, 2011, p.146). Se remata esta

obras, la intención moral se explica clara y largamente

obra con una décima penitencial y ocho redondillas

al final de Vida y costumbres de la Madre Andrea. A la

donde el autor pide clemencia divina.

vez, este propósito se expone en las fisuras del texto a

Vida y costumbres de la Madre Andrea es por lo tanto una obra picaresca con rasgos pornográficos y un auténtico fin moral. En efecto, todas las obras

lo largo de la obra. De esta forma, lo moral irrumpe en

los

momentos

culminantes

ímprobos,

precisamente para desplazar lo concupiscente y

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

desviarlo hacia la probidad: «Deja pues mujercillas,

Referencias bibliográficas

porque quitan el sueño, estragan la salud, deslustran la honra, consumen la hacienda, y muchas veces hacen

ALEMÁN, Mateo (1984): Guzmán de Alfarache. Edición

perder las vidas; sé casto» (ZAFRA, 2011, p.144). Por

de Benito Brancaforte. Madrid: Cátedra. 2 tomos.

ende, si las narrativas picarescas tienden hacia una finalidad

moral,

Madre

Andrea

mantiene

esmeradamente esta función. En esto difiere del final

CARRASCO, Félix, ed. (2001): La vida de Lazarillo de Tormes, y de sus fortunas y adversidades. New York: Peter Lang Publishing, Inc.

irónico de Lazarillo de Tormes o del desenlace ambiguo de Guzmán de Alfarache: «Aquí di punto y fin a estas desgracias. Rematé la cuenta con mi mala vida. La que después gasté, todo el restante della verás

CASTILLO SOLÓRZANO, Alonso de (2005): La niña de los embustes, Teresa de Manzanares. Edición de María Soledad Arredondo. Barcelona: Debolsillo.

en la tercera y última parte» (ALEMÁN, 1984, vol. 2,

CERVANTES, Miguel de (2004): Don Quijote de la Mancha.

p.480). No obstante, se ajusta estructuralmente a

Edición dirigida por Francisco Rico. Barcelona: Galaxia

éstas, y otras, en, v. gr., las extensas digresiones

Gutenberg. 2 tomos.

morales de Guzmán de Alfarache; las descripciones aciagas de la Roma puttana de La lozana andaluza; los aprovechamientos finales del narrador subalterno

CUDDON, J. A. (1993): Pornography. En: A Dictionary of Literary Terms and Literary Theory, p. 729-733. Oxford: Basil Blackwell Ltd.

de La pícara Justina; la narrativa «objetiva» del narrador de La hija de Celestina; los rótulos, escritos

DEFOE, Daniel (2005): Moll Flanders. Introducción y

en tercera persona, de los capítulos de La niña de los

notas de Michael Seidel. New York: Barnes & Noble

embustes, Teresa de Manzanares; el prefacio del autor

Classics.

de Moll Flanders, el cual corrobora, antes de iniciar la

DELICADO, Francisco (1972): La lozana andaluza.

narrativa principal, el arrepentimiento ulterior de la

Edición de Bruno Damiani. Madrid: Clásicos Castalia.

protagonista homónima y su cónyuge: «we resolve to spend the remainder of our years in sincere penitence for the wicked lives we have lived» (DEFOE, 2005, p.308); y la nota final del autor de la pícara Coraje,

GRIMMELSHAUSEN, Johann (2001): The Life of Courage: The Notorious Thief, Whore and Vagabond. Traducción de Mike Mitchell. Sawtry: Dedalus.

donde advierte a los jóvenes sobre los peligros de una

LÓPEZ DE ÚBEDA, Francisco (2010): La pícara Justina.

vida pecaminosa y un arrepentimiento tardío

Edición de Luc Torres. Madrid: Clásicos Castalia.

(GRIMMELSHAUSEN, 2001, p.175).

MANCING, Howard (1996): The Protean Picaresque. En:

En concreto, Vida y costumbres de la Madre

MAIORINO, Giancarlo.: The Picaresque: Tradition and

Andrea reúne a la vez lo más pecaminoso y moral de

Displacement, p. 273-291. Minneapolis: University of

la novela picaresca escrita en español. En efecto, el

Minnesota Press.

tema de la pícara española, iniciado en Italia con La

PRAAG, J. A. van (1958): Vida y costumbres de la Madre

lozana andaluza, culmina en Holanda con la Madre

Andrea: Novela picaresca anónima. En: Rev ista de

Andrea. Sus descendientes literarias se extenderán

Literatura, No 14, p. 111-169.

después por el Reino Unido y América (Moll Flanders) y el Sacro Imperio Romano Germánico (la pícara Coraje). Sus aventuras, sin embargo, requerirían un subsiguiente estudio. Muchas gracias.

SALAS BARBADILLO, Alonso Jerónimo de (2008): La hija de Celestina. Edición de Enrique García Santo-Tomás. Madrid: Cátedra.

21

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

22

ZAFRA, Enriqueta (2009): Prostituidas por el texto: discurso prostibulario en la picaresca femenina. West Lafayette: Purdue University Press. ________, ed. (2011): The Life and Times of Mother Andrea / Vida y costumbres de la Madre Andrea. Traducción al inglés de Anne J. Cruz. Woodbridge: Tamesis.

Notas 1

Según John Anthony Cuddon, la pornografía (del griego porn– [prostituta] y graphein [escribir] > escritura de rameras) es una obra de ficción que enfatiza la actividad sexual de una forma cómica, seria, bizarra o sobrecogedora para suscitar la emoción sexual. Se subdivide en dos clases: a) erótica, la cual describe una actividad heterosexual en gran detalle; y b) exótica, que enfatiza lo perverso u anormal, incluyéndose el sadismo, el masoquismo, la pederastia y otras parafilias (CUDDON, 1993, p.729).

2

Se eliminan de este análisis los relatos no sexuales: El primero entre un poeta, un ebrio y un soldado que se emborrachan, se pelean y después abandonan el burdel sin tener comercio sexual; el segundo entre un filósofo, un matemático y un jaque que arguyen, comen y se salen del prostíbulo; y el de los tres ciegos que se emborrachan, se duermen y después simplemente se retiran de la casa de mancebía. El burdel, por tanto, sirve en estos casos no como un espacio de contención sino de desorden público.

3

El término alemán para este tipo de narrativa es Räuberroman (novela de depredadores o saqueadores). En efecto, el pícaro o la pícara es similar a un ave de rapiña. La acción principal que define a este ente es la de raptar, ya sea pan o vino en el caso de Lazarillo de Tormes, o dinero u honra en el caso de las pícaras. En la novela que nos ocupa, Andrea se jacta de haber trocado «sin violentarme» su honra por dinero: «Porque yo espontánea y liberalmente la repartía [honra], quedándome sin ella; mas no fui tan necia que no pidiese en recompensa el metal que la fortuna a tantos niega, que esa fue la lección primera con que me educó mi madre» (ZAFRA, 2011, p.34). El intercambio nunca es ecuánime, por supuesto. Al final de la novela, Andrea indica que el Hospital de Nuestra Señora del Amor de Dios (de Antón Martín) ya no tiene cupo para los enfermos que les manda la Madre. Las «picarillas [que] tan negro encarnadas […] infectaban cuántos árboles de cinselas [sic] las comunicaban» (ZAFRA, 2011, p.132) se han tenido que trasladar a Suecia y Baviera a infectar nuevos clientes. Por ende, Andrea y sus proxenetas privan, a cambio de un sucinto encuentro, no sólo de tesoro sino de salud, amén de la vida, a sus confiados e incautos clientes.

4

El hecho de que la mayoría de las novelas picarescas aludan a una subsecuente parte se debe a que el personaje al final de la obra todavía vive (salvo Elena, de La hija de Celestina, novela que requiere una narración en tercera persona). Por ende, Moll Flanders afirma lo obvio: «We cannot say, indeed, that this history is carried on quite to the end of the life of this famous Moll Flanders, for nobody can write their own life to the full end of it, unless they can write it after they are dead» (DEFOE, 2005, p.7). Considérese también la respuesta del pícaro Ginés de Pasamonte a la pregunta redundante de don Quijote sobre si el libro de su vida está acabado: «–¿Cómo puede estar acabado –respondió él–, si aún no está acabada mi vida? Lo que está escrito es desde mi nacimiento hasta el punto que esta última vez me han echado en galeras» (CERVANTES, 2004, vol. 1, p.266).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

23

TOPOGRAFÍAS DEL ARTISTA Y DESESTABILIZACIÓN ENUNCIATIVA EN EL ROCK DE ARGENTINA

Adrián Pablo Fanjul Universidade de São Paulo

1. Un caso puntual de un proyecto más amplio

partir de que se trata de uno de los casos, dentro de ese corpus, en que se escenifica, en la enunciación, al artista en actividad creadora relacionada con un

Desarrollamos actualmente un estudio sobre

desplazamiento en el espacio representado, lo que no

la discursividad en el rock argentino, recorriendo sus

excluye, por supuesto, la concomitancia de otras

diferentes épocas, acompañando mecanismos de

lecturas. Ese abordaje nos llevará a la posibilidad de

regulación discursiva, que abordamos principalmente

confrontarlo, en la memoria discursiva, con dos temas

como delimitación de la exterioridad del campo1. En

del período clásico del rock argentino: “El oso”, de

función de un factor que nos ha aparecido como

Moris (Mauricio Biravent, 1970), y “La balsa”,

significativo en los procesos de regulación,

atribuido a Lito Nebbia y a Tanguito2 (1967). Esa

específicamente en cuanto a una de las fronteras

misma confrontación promueve la observación de

recortadas para lo decible en el campo, factor al que

otra problemática central en nuestra investigación en

no nos referiremos aquí porque afecta una de las

curso: la de las configuraciones enunciativas, como

hipótesis centrales de un trabajo que todavía está en

modos relativamente estables de articulación de los

elaboración, hemos dado bastante atención a la

seres en la enunciación, cuya articulación con la

composición “Toxi Taxi”, grabada en 1991 por la

problemática de la memoria explicamos en el ítem

banda Patricio Rey y los Redonditos de Ricota, más

siguiente.

conocida como Los Redondos, una de las más nodales en la historia del rock nacional. El tema fue lanzado en el disco La mosca y la sopa. Creemos que esa composición es un punto de especial densidad, en el corpus del rock argentino, en cuanto a las redes de memoria hacia dentro del funcionamiento del campo y en relación con su exterior. Aquí la abordaremos a

Las tres composiciones están transcritas al final, como anexos.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

24

2. Regulación, memoria y seres en escena

letrística musical alcanza una figuración menos precisa que en la narrativa literaria, y la configuración enunciativa.

Consideramos la regulación a partir de diversos lugares de la teorización foucaultiana y de

No sólo para este caso, sino en el conjunto de

su lectura por estudiosos de la enunciación y del

nuestro trabajo sobre la memoria discursiva en el rock

discurso en función de la problematización de la

argentino, damos crucial importancia a las

memoria discursiva. Como punto de partida, vale

configuraciones enunciativas, o sea, a los modos

recordar que, en El orden del discurso, al proponerse

como se articulan los participantes representados en

el “principio de especificidad” (FOUCAULT, 2008:

la enunciación, tanto los interlocutores como los

53), se concibe el discurso como una violencia

personajes y las voces citadas. Las tendencias

ejercida sobre las cosas, una práctica que les es

dominantes para esas configuraciones y para la

impuesta. Esa violencia, que selecciona y recorta

delimitación entre los seres en las mismas son un

modalidades de enunciación, temas y objetos,

factor que relacionamos con la regulación-

promueve la regularidad, concepto ampliamente

desregulación de la memoria. Así lo sostenemos

tratado a lo largo de La arqueología del saber como

porque creemos que esa distribución de voces y seres,

juego de reglas de formación de los enunciados, reglas

si es observada en una determinada serie de

que “los atraviesan y les constituyen un espacio de

enunciados en un campo, se revela como resultado

coexistencia” (FOUCAULT, 2002: 191). La corriente

de esa violencia reguladora del discurso a la que nos

de análisis del discurso en que actuaron estudiosos

referimos a partir de Foucault, y a la vez como matriz

como Michel Pêcheux y Jean-Jacques Courtine

representacional del conflicto que todo discurso

adoptó varios aspectos de la teorización de Foucault,

conlleva y que, por darse en una escena enunciativa,

entre ellos, la percepción de la regulación como

es precisamente un juego de voces.

relaciones entre enunciados. Al trasladarse a un abordaje del discurso como materialidad lingüística, esos conceptos reciben especificaciones. Así, por

3. Escenas ricoteras3

ejemplo, en Pêcheux (2007), vemos la regulación como principio de una memoria discursiva: espacio

Un biógrafo de Los Redondos ha definido

de producción de implícitos (o preconstruidos),

“Toxi Taxi” como un tema de “urgencia rítmica”, un

paráfrasis y diversas formas de retomada y remisión.

“reggae – acelerado” (GOBELLO, 1999:80). Y es importante recordar que fue un tema de “pogo”.

Como

anticipamos, el

conjunto

de

composiciones entre las que estableceremos relaciones parafrásticas en este trabajo, tienen en común una representación de la actividad estética creadora relacionada con el desplazamiento en la escena representada, lo que, en el título denominamos una “topografía del artista”. La topografía es, en Maingueneau (2001), la dimensión espacial de la

Como movimiento de choque de cuerpos, relacionamos el pogo con la interpelación como acción enunciativa. Nos referimos a la interpelación representada en la enunciación, no debiendo confundirse con el concepto –de raíz althusseriana– de interpelación ideológica como constitutiva de posiciones de sujeto, en determinados períodos de la reflexión de Pêcheux y seguidores.

escenografía representada en la enunciación, el espacio del cual la enunciación dice provenir. Una

En la primera parte y en el estribillo de “Toxi

bisagra entre el mundo creado, que en el caso de la

Taxi” es interpelado un ser representado en segunda

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

persona, por parte de una voz que se identifica al

las de investigadores que abordan la letrística de rock

comienzo en una primera persona del plural (“Te

desde otros puntos de vista, el rock nacional está

tenemos allí…”). Esa interlocución, así como los

marcado históricamente por una cierta rigidez en

posicionamientos subjetivos que la atraviesan

cuanto a la representación de los seres y voces, un

requieren diferenciar dos órdenes de problemas que

cierto deseo de homogeneidad para su lado

creemos que son clave para confrontar momentos y

imaginario en el conflicto. Varios factores

tendencias en la discursividad del rock argentino:

favorecieron, en su época de primer desarrollo y auge,

a) La producción de una interpelación cuestionadora hacia un interlocutor, con la peculiaridad de estar representada como interpelación realizada “en público”, no íntima.

la percepción de ethé relativamente homogéneos y seres representados con un cierto cerramiento sobre sí. Por un lado, había una tendencia ya verificable, en la poeticidad de géneros de lo popular en Argentina, a la delimitación reforzada de los contornos de los

b) La alternancia de ubicaciones, para la voz

seres en la enunciación. Por otro, debe tenerse en

enunciadora, en relación con el conflicto

cuenta, para los años 60 y 70 del siglo XX, el influjo

representado.

de una racionalidad “humanocéntrica” dominante en el campo intelectual argentino de la época (TERÁN,

Sobre la primera, debido al carácter “en público” que señalamos, la interpelación se relaciona con el papel de los interlocutores en el campo roquero y en relación con los conflictos que lo delimitan, en

1991:22), que en el rock se expresó más en su versión hedonista que contestataria, pero que no dejó de estar muy presente.

este caso, como veremos, con el poder opresor y con

Esa tendencia se desestabiliza notablemente

la industria del espectáculo. La representación de ese

en los años 80, concomitantemente con una

tipo de interpelación tiene una larga tradición en la

diversificación del campo del rock y con el aumento

música urbana argentina en períodos de

cualitativo de las desigualdades en la clase media

desestabilización de modelos. Como ha mostrado el

urbana. Los Redondos son una banda que no sólo

trabajo de Menezes (2012), una fuerte tendencia a

corresponde al momento en que la estabilidad de

ese

el

identificaciones roqueras se ha derrumbado (ya no

debilitamiento de las figuras marginales en la

es pensable, por ejemplo, un colectivo de “la

evolución de la poética del tango argentino en los

juventud”), sino que hace efectiva una interpelación,

años 20/30.

más o menos velada, al conjunto del campo en ese

tipo

de

escenificación

caracterizó

En cuanto a lo segundo, la alternancia a la que nos referimos puede ser más o menos marcada, y, por percibir que es uno de los rasgos mediante los cuales la obra de Los Redondos, de modo general, marcó un desplazamiento en el rock argentino, conviene referirnos brevemente a características del campo a respecto.

sentido. Y muy especialmente, en las situaciones de opresión reiteradamente representadas en sus composiciones, diferencias entre agente y paciente, gozador y gozado, instrumentador e instrumento de la violencia del poder, están sometidas a diversos juegos enunciativos. A veces, juegos mostrados, visibles en la figuración, como el disimulo del enemigo en “Nuestro amo juega al esclavo”, o en la

Como hemos defendido en varios trabajos

forma lingüística, como el papel alternado de ejecutor

anteriores (fundamentalmente en FANJUL, 2010)

y víctima (“te esnifo” / “me esnifan”) en “Rock para

mediante observaciones que podemos relacionar con

los dientes”. Pero también el paso no marcado de la

25

26

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

voz de un posicionamiento a otro en relación con el

toque y toque, va detrás del toxi taxi. Así vemos los

sojuzgado: compartiendo su lugar o asumiendo una

andares de los seres construidos en esas

sorna que la acerca al beneficiario-verdugo.

composiciones.

No en vano Monteleone (1992:30), en un

Provoca a la comparación, por ese camino,

artículo centrado en Los Redondos, propone el cuerpo

cierta resonancia en el inicio de “La Balsa” y de “Toxi

roquero como “la epifanía misma del conflicto”.

Taxi”. Una delimitación espacial determinando una

Indagando el frecuente recurso a la figuración infernal

predicación de abandono:

en las composiciones de la banda, rescata metafóricamente la imagen de un círculo trazado en rituales satánicos 4 para llegar a una propuesta que

Estoy muy solo y triste acá, en este mundo abandonado / Te tenemos allí, abandonado allí.

resume muy felizmente ese aspecto de la poética

Ambos se desplazarán desde ese lugar. El

ricotera: “es una invocación: no está dentro del círculo

locutor / artista de “La balsa” seguirá estricta e

pero tampoco fuera porque su sitio no es el

indudablemente su impronta: su (propia) idea es la

pretendido cielo de la pureza”.

de ir al lugar que él mismo más quiera. Su naufragar

Creemos que, en el caso de “Toxi Taxi”, no se registra, como en otros temas de la banda, una intertextualidad deliberada con composiciones clásicas del rock argentino, pero que es posible, desde el lugar de análisis, encontrar un funcionamiento

es un propósito, una deriva positiva y afirmada en su mismidad. El prefabricado de “Toxi Taxi” está “preso”, pero va. NI siquiera vuelto sombra, como está, va a seguir su “propia” dirección. No diseñará su naufragio, irá tras los que lo hacen negocio.

parafrástico que resulta polémico, sino directamente

El andar con un propósito, con una impronta

con las composiciones que consideraremos, con los

propia, aunque sea la de naufragar, es una figura

preconstruidos que les dieron sustento.

recurrente en la delimitación no sólo de la identidad del artista sino también de héroes en general en las escenografías creadas por el rock argentino del

4. Desencuentros –de memorias– del andar

período clásico. Una de los rasgos del tipo de locutor y de personaje puesto en escena por el rock primero y del ethos que su voz encarna es el de una hexis de

Proponemos abordar las tres composiciones

propósito (Fanjul, 2009). En ese trabajo que

propuestas en la Introducción a partir de lo que en

acabamos de referir, que tuvo un carácter

ellas podemos observar como representación de la

comparativo en relación con pioneros del rock

actividad de creación estética. Con ellas, entran en

brasileño, como Mutantes o Raul Seixas, observamos

escena, de ese modo, tres ámbitos: la naturaleza, la

que ese rasgo se presenta inclusive en la escenificación

artesanía y la industria del espectáculo.

de seres identificados con la locura. Y aun composiciones con un tono de profunda desazón, de

El oso se desplaza “sin cesar”, y la naturaleza

la época de la dictadura, como “No te dejes

ilimitada, en la que circula muy contento, sólo será

desanimar”, de Charly García, recogen esa imagen a

recortada en signos tras aprender las piruetas en la

la que, creemos, subyace un preconstruido sobre el

jaula-ciudad de los hombres. Quien se dispone a

desplazamiento como posibilidad creadora.

naufragar construirá su propia balsa para ir donde quiera. Pero el artista-negocio pequeño y simple, entre

Pensamos que la desestabilización de identificaciones en el campo del rock nacional a partir

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

de los 80 fue dando lugar a representaciones del

interesa aquí, el instinto como fundamento de la

desplazamiento y de la creación no compatibles con

creatividad5.

ese preconstruido. Por ejemplo, el tipo de movimiento que Kozack (1992:25) caracteriza como “recorridos circulares y constantemente invertidos”. La autora los relaciona con una ”estética del sobreviviente” de la cual Los Redondos marcarían un “límite crítico”.

La ambigüedad respecto del interpelado, que está preso pero “va”, tiene su contrapartida en la voz enunciadora. “Toxi Taxi” es un claro caso de la alternancia de la voz entre diferentes lugares de decir en relación con el conflicto. Al inicio del canto, el

Por otro lado, también la confrontación de

locutor gana cuerpo en una sonoridad ansiosa y

“Toxi Taxi” con “El oso” da lugar a interesantes

trémula para la voz del intérprete. Su tono en los dos

relaciones de acercamiento y desencuentro en una

primeros versos es de quien habla casi en privado,

memoria relacionada con el género. En el viejo tema

sólo después la voz gana volumen. ¿Cómo no ver la

de Moris, vemos escenificado un desplazamiento que

ambigüedad de la declaración punteada, silabeada,

puede percibirse, si lo consideramos como recorrido

de esos dos versos?

del artista, de la “no cultura” a la “cultura propia”, después de la “prisión” de la industria del espectáculo.

Te te-ne-mo-s a-llí / A-ban-do-na-do a-llí

Esa industria-circo, la cultura establecida desde fuera

¿Allí te guardamos, te mantenemos? Y ¿qué

del campo de identificaciones del rock, se caracteriza,

ubicaciones propone ese acusativo te, con eco en la

por medio de la imagen de las “piruetas”, como

sílaba siguiente? ¿Estás allí para nosotros? ¿Sufrimos

serializada e imitativa. Aunque debe someterse a esa

tu prisión, tu abandono? Creemos que es el inicio de

repetición por estar prisionero, el héroe encuentra la

una oscilación que se desplazará por toda la primera

posibilidad de resistencia en la autopercepción.

parte y el estribillo. El yo/nosotros representado se

Obsérvese el orden “de mis bosques, de mis tardes y

desplaza entre voces y posicionamientos atribuibles

de mí” (destacado nuestro) al enumerar lo que no

al poder opresor -poder sobre la escena y sobre el

fue olvidado. Así, caminando “sin cesar” inicialmente

espectáculo-, a la resistencia a ese poder, e incluso,

en la vastedad de la no cultura, al volver del encierro

finalmente, a la palabra de la calle, en un estribillo

está “contento de verdad”.

que, en su materialidad sonora y por el movimiento

Ni el oso de Moris aparece como “un animal feroz”, ni parece serlo el artista producido de “Toxi Taxi”, pero de este se dice que está preso como si lo fuera. Viendo primeramente esa prisión como control sobre el artista (la segunda parte del tema, como explicaremos, se desliza hacia una problemática diferente y una escenificación más específica), la pregunta desafiante “la fiera más fiera ¿dónde está?” parece evocar, con cierta sorna, una figuración como la del artista de la “no cultura”, que es uno de los extremos de la primera etapa del rock argentino. En efecto, en varias de las composiciones de la época se propone, de modo más explícito que en “El oso”, la naturaleza como espacio de creación, y, lo que más

que sugiere a los cuerpos, es el momento de fiesta colectiva. Esa palabra de la calle juega torciendo el significante hacia su letra, en lo que Authier-Revuz (2011:12) caracterizó como “movimientos bruscos de báscula del sentido en una palabra”: “Un toque por si las moscas van / Otro toque por si vas detrás”6. Así, en el hermanamiento que sigue al pogo, todos podemos “darnos un toque”. Presos, al fin y al cabo, en algo todos nos parecemos al pequeño artistanegocio

27

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

28

5. Estabilización del decir, nueva regulación.

para una nueva regulación de los presupuestos, creer y crear es una concesión. Menos mal que todavía creo en algo, o que creo algo. O, por qué no, cada día creo

La segunda parte de “Toxi Taxi” recupera estabilidad en los posicionamientos de modo

menos mal. Al fin y al cabo, el rock no está en el pretendido cielo de la pureza.

concomitante con una fijación de la escenografía enunciativa. Se configura más claramente un posicionamiento de resistencia, o que al menos no oscila

hacia

formulaciones

o

Referencias bibliográficas

direcciones

argumentativas identificables con el poder. Y la

AUTHIER-REVUZ, J. (2011): Detenerse ante las palabras.

distribución de las voces, si se la compara con el resto

Estudios sobre la enunciación. Montevideo: Fundación de

del tema, cobra nitidez: está claro qué instancia o voz

Cultura Universitaria.

representada dice qué. Y la escena también cobra singularidad, no solo porque el “nosotros” pasó a ser

BELTRÁN FUENTES, Alfredo (1989): La ideología

un “yo”, fundamentalmente porque se trae un nombre

antiautoritaria del rock nacional. Buenos Aires: Centro

propio, “Luis María” y porque la temporalidad pasa a ser episódica: un narrador cuenta un sueño. Luis María Canosa, la figura evocada, murió

Editor de América Latina. DÍAZ, C. (2005): Libro de viajes y extravíos: un recorrido por el rock argentino 1965-1985. Córdoba: Narvaja Editor.

preso “de verdad” en 1978. Había sido parte del rock

FANJUL, A. (2010) “Enunciadores en el rock argentino.

platense en los primeros setenta. Era cercano a Los

Elementos para una comparación con Brasil.” En: Letr@

Redondos y llegó a integrar la banda Dulcemembrillo,

Viv@, No 10, vol. 1, pág. 141-155.

junto con Federico Moura, futuro compositor y vocalista de Virus. Cuando ya no actuaba en música, fue preso acusado de tráfico minorista de drogas7, y

_____ (2009) “Loucura, realidade e deslocamento em cenografias pioneiras do rock”. Em: Anais do V Congresso Brasileiro de Hispanistas e I Congresso Internacional da

acabó muriendo en medio de un motín en el que todo

Associação Brasileira de Hispanistas. Sara Rojo et. al. (org.).

indica que no tenía participación.

Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2009, pág.

Un claro caso de prisionero del control social,

2239-47.

de la gestión opresora sobre los cuerpos que es uno

FOUCAULT, M. (2008) El orden del discurso. Buenos aires:

de los grandes asuntos de Los Redondos, un “común”

Tusquets, 2008.

preso político. A diferencia de la figura representada en la primera parte, está en el pasado y no va a ningún lugar. Y las palabras que repite acentúan la

_____ (2002) La arqueología del saber. Buenos Aires: Siglo XXI.

diferenciación a respecto del creador representado en

GOBELLO, M. (1999): Banderas en tu corazón. Apuntes

el período clásico del rock nacional.

sobre el mito de Los Redondos. Buenos Aires: Prego.

Luis María actualiza el pasado, como sólo

KOZAK, C. (1992): “Estética del sobreviviente: una letra

puede hacerlo un muerto en un sueño. Y con él viene

contemporánea.” En: Espacios de crítica y producción, Nº

un colectivo que compartió la percepción del roquero

11, p. 23-28.

como “visionario”8, mientras el terror construía las

MAINGUENEAU (2001) O contexto da obra literária. São

nuevas topografías del rincón y la pared desierta9.

Paulo: Martins Fontes.

Pero ahora dice que cada día ve menos. Y en el cierre,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

MENEZES, A. (2012). “Entre pátrias, pandeiros e

“Cada día veo menos

bandoneones. O embate entre vozes marginais e

cada día veo menos

disciplinadoras em composições de samba e tango (1917-

cada día veo menos

1945).” Tesis de doctorado en Letras. Universidade de São

creo menos mal”.

29

Paulo. MONTELEONE, J. (1992): “El infierno encantador.

El oso

Violencia y poesía del rock.” En: Espacios de crítica y

Moris, 1970

producción, Nº 11, p. 29-33.

Yo vivía en el bosque muy contento. PÊCHEUX, M. (2007). “Papel da memória”. En: ACHARD, P. et. al. Papel da memória. Campinas : Pontes, p. 49-56.

Caminaba, caminaba sin cesar. Las mañanas y las tardes eran mías. y a la noche me tiraba a descansar. Pero un día vino el hombre con sus jaulas, me encerró y me llevó a la ciudad. En el circo me enseñaron las piruetas.

Anexos Toxi - T axi Taxi Solari / Bellinson, 1991

Y yo así perdí mi amada libertad. “Conformate”, me decía un tigre viejo. “Nunca el techo y la comida han de faltar.

Te tenemos allí,

Sólo exigen que hagamos las piruetas,

abandonado allí,

y a los chicos podamos alegrar.”

preso como un animal (como un animal feroz),

Han pasado cuatro años de esta vida.

así las cosas, la fiera más fiera…

Con el circo recorrí el mundo así.

¿dónde está?

Pero nunca pude olvidarme del todo de mis bosques, de mis tardes y de mí.

Toxi-taxi viene y va y tu sombra va detrás

En un pueblito alejado alguien no cerró el candado.

de hordas notables con

Era una noche sin luna, y yo dejé la ciudad.

los secretos para hacer un negocio tan pequeño

Ahora piso yo el suelo de mi bosque.

y simple como vos.

Otra vez el verde de la libertad. Estoy viejo, pero las tardes son mías.

Un toque por si las moscas van

Vuelvo al bosque,

y otro toque por si vas detrás.

estoy contento de verdad.

Ya no hay tiempos de lamentos ¡Ya no hay más! Un sueño con Luis María, muerto cuando me decía:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

30

La balsa

Tengo que conseguir mucha madera,

Lito Nebbia – Tanguito, 1967

tengo que conseguir, de donde sea. Y cuando mi balsa esté lista partiré hacia la locura.

Estoy muy solo y triste, acá, en este mundo

Con mi balsa yo me iré a naufragar.

abandonado. Tengo una idea, la de irme al lugar que yo mas quiera. Me falta algo para ir pues caminando yo no puedo. Construiré una balsa y me iré a naufragar.

Notas 1

El proyecto cuenta con apoyo del CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

2

Uno de los seudónimos de de José Alberto Iglesias (1945-1972), miembro de los primeros núcleos que fueron dando forma a la delimitación del rock nacional como campo.

3 4

Adjetivo muy usado para referirse a lo relativo a Los Redondos. Monteleone relata, para ello, comportamientos atribuidos al asesino serial Giles de Rais, también conocido como “Barba Azul”. A partir de ese relato, y aprovechando el tema de Los Redondos “Barba Azul y el amor letal” va produciendo una reflexión que vincula lo infernal con la figuración del espacio social como prisión.

5

Así está claramente enunciado, por ejemplo, en un manifiesto circulante en 1973, redactado por Luis Alberto Spinetta: “El que recibe debe comprender definitivamente que los proyectos en materia de rock argentino nacen del instinto”, registrado por Beltrán Fuentes (1989:95).

6

“Por si las moscas” es una unidad relativamente fijada, en español, como introductor explicativo que pone como causa la percepción de una posibilidad, aproximadamente como “por si acaso” o “por las dudas”. La continuidad (“por si las moscas van”) restituye “las moscas” a un valor independiente de esa construcción.

7

Esa circunstancia ha dado lugar a que, en lecturas de interpretación literal de la letra de “Toxi Taxi” que han circulado en los medios, haya una cierta reiteración de “entender” la interrogación “¿la fiera más fiera dónde está?” como denuncia de que no se lleva a prisión a los jefes del tráfico sino a sus agentes menores. A respecto, no es nuestra preocupación lo que hayan tenido en mente o no los compositores, y por supuesto, no podemos afirmar si era o no esa su idea. Pero nuestro abordaje no es contenidístico, no se propone un desciframiento alegórico de las composiciones parte a parte. Por eso, tanto en el contexto de esta lectura interdiscursiva del tema a partir de la representación de la creación artística como en cualquier otro abordaje temático, nos parecería muy reductor ver esa interrogación como mera denuncia, o como dirigida “al mismo” de la segunda estrofa.

8

Sobre la representación del artista, en el rock argentino de los 60-70, como quien ve lo que otros no ven, hay un interesante recorrido en Díaz (2005: 154-167).

9

Aludimos a las composiciones “Mientras no tenga miedo de hablar”, de Nito Mestre, y “En el hospicio”, de Alejandro de Michele y Miguel Ángel Erausquin, ambas compuestas entre 1975 y 1976.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

31

MEMÓRIAS DA GUERRA CIVIL ESPANHOLA NA FICÇÃO: LEITURAS DE ¿QUÉ ME QUIERES, AMOR?, DE MANUEL RIVAS E LA LENGUA DE LAS MARIPOSAS, DE JOSÉ LUIS CUERDA

Adriana Aparecida de Figueiredo Fiuza UNIOESTE

No livro de contos ¿Qué me quieres, amor?, de

cotidiana, principalmente, de mulheres e crianças,

Manuel Rivas, publicado em 1995 e escrito

associada à pobreza e às dificuldades de sobrevivência

originalmente em galego, está presente um conjunto

da Espanha rural pré-franquista. São imagens de

de dezesseis relatos que narram a trajetória de

pessoas simples do interior, retratos do atraso social

personagens que transitam pelo contexto espanhol,

de uma Espanha tradicionalista com os olhos voltados

do início ao fim do século XX. “La lengua de las

para o passado. Certamente este recurso é uma forma

mariposas” é uma dessas narrativas que, juntamente

de dialogar com o espectador no sentido de mostrar

com outros dois contos, “Un saxo en la niebla” e

como a narrativa fílmica, embora seja uma ficção,

“Carmiña”, foi transposta para o cinema em 1999 por

pode ser tão verossimilhante quanto à realidade

José Luis Cuerda, traduzindo-se em um grande êxito

histórica. Trata-se de uma maneira de iludir o

cinematográfico.

espectador, criando com estas representações um

Tanto a narrativa literária quanto a fílmica relatam uma intensa relação entre um professor

suposto pacto de “verdade”, aproximando-o da narrativa ficcional.

primário, Don Gregorio, interpretado pelo ator

Estas imagens “reais” se mesclam estrategica-

Fernando Fernán Gómez, e seu aluno Moncho,

mente com as cenas do filme. É neste momento em

Manuel Lozano. A princípio, por medo, pela ameaça

que o espectador dá um salto para a ficção sem se

que significa a ideia de frequentar a escola, o menino

dar conta de tal fato. Na cena seguinte, Moncho, an-

reluta em estabelecer uma relação amistosa com o

sioso com seu primeiro dia na escola, aparece acor-

professor e os outros alunos, chegando a querer fugir

dado no quarto, incomodando o irmão mais velho

para a América, como havia feito um tio, para escapar

com perguntas sobre o ambiente escolar e a atuação

da guerra na África.

do professor.

As cenas iniciais do filme mostram imagens

A primeira experiência escolar de Moncho,

fotográficas da época, em que se evidenciam a vida

relatada no filme, é traumática. O medo de apanhar

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

32

e a exposição a que o menino é submetido frente aos outros alunos o fazem perder o controle de seu corpo, urinando na frente de todos. Este tirocínio está relatado pelo narrador tanto no filme quanto no conto e é um ponto crucial para entender a metáfora do autoritarismo que paira naquele momento em que a Guerra Civil ainda não havia sido deflagrada na Galicia.

“Si vosotros no os calláis, tendré que callarme yo”. Y se dirigía hacia el ventanal, con la mirada ausente, perdida en el Sinaí. Era un silencio prolongado, descorazonador, como si nos hubiese dejado abandonados en un extraño país. Pronto me di cuenta de que el silencio del maestro era el peor castigo imaginable. Porque todo lo que él tocaba era un cuento fascinante. (RIVAS, 2006, p. 26-27)

Don Gregorio é o professor que ensina não apenas conhecimentos científicos, ele instrui seus

Com o transcorrer da narrativa, Moncho

alunos também sobre as lições da vida, ao discorrer

torna-se amigo íntimo de Don Gregorio, uma vez que

sobre a literatura, a natureza e as mulheres de maneira

o aluno percebe de maneira sensível os pressupostos

libertária, contrariando as convenções da sociedade

libertários do professor e, sobretudo, o respeito aos

espanhola daquele momento. Entretanto, sua conduta

alunos que advém deste princípio pedagógico.

libertária é o que propiciará sua perseguição em um ambiente político sufocante que já se anunciava.

Esta questão dos ideais libertários pode ser

Portanto, no conto e no filme, já se sente de maneira

vista ao longo da narrativa, a exemplo de quando a

velada uma ameaça política no pano de fundo social.

mãe de Moncho pergunta como havia sido na escola:

Esta ameaça pode ser visualizada em alguns episódios

“Te ha gustado la escuela?” “Mucho. Y no pega. El

como, por exemplo, no diálogo entre os pais de

maestro no pega” (RIVAS, 2006, p. 26), o que revela

Moncho sobre a condição econômica de Don

uma pedagogia de Don Gregorio diferente daquela

Gregorio:

que se praticava nos anos de 1930 e que ficava expresso no discurso de outros personagens, como no do próprio pai do menino ao comentar-lhe em tom de ameaça: “Ya verás cuando vayas a la escuela!, frase que se repete na narrativa com o objetivo de enfatizar o tormento que era ir à escola. O diálogo

“Estoy segura de que pasa necesidades”, decía mi madre por la noche. “Los maestros no ganan lo que tendrían que ganar”, sentenciaba, con sentida solemnidad, mi padre. “Ellos son las luces de la República”. “¡La República, la República!¡Ya veremos adónde va a parar la República! (RIVAS, 2006, p. 29)

entre Moncho e sua mãe é referendado pelo narrador, ao complementar o relato do menino:

No discurso final da mãe percebe-se um tom de ameaça, como se a vitória dos franquistas estivesse

No, el maestro Don Gregorio no pegaba. Al contrario, casi siempre sonreía con su cara de sapo. Cuando dos se peleaban durante el recreo, él los llamaba, “parecéis carneros”, y hacía que se estrecharan la mano. Después los sentaba en el mismo pupitre. […] La forma que Don Gregorio tenía de mostrarse muy enfadado era el silencio (RIVAS, 2006, p. 26)

dada como certa. Entretanto, percebe-se que o tema das duas Espanhas também está metaforizado no próprio discurso do casal, uma vez que o pai se identifica com a República (“Ellos son las luces de la República”) e a mãe adota uma postura conservadora, divulgada pela Igreja, que se via advertida pela

Portanto, quando o professor se sente

proposta do Estado laico da República. Esta dicotomia

desrespeitado pelos alunos, atua de maneira diferente

pode ser observada na voz do narrador do conto, logo

dos outros “maestros” da época, castigando não com

em seguida ao diálogo dos pais de Moncho, que

violência física, mas com o silêncio, muito mais

comenta as posições ideológicas dos personagens: “Mi

poderoso que a correção física, como assegura o

padre era republicano. Mi madre, no. Quiero decir que

narrador Moncho:

mi madre era de misa diaria y los republicanos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

aparecían como enemigos de la Iglesia.” (RIVAS, 2006, p. 29). No ápice do conflito entre republicanos e franquistas no povoado a mãe impõe seu caráter religioso na tentativa de salvar sua família. É por esse motivo que ela faz todos negarem o passado republicano, inclusive o pai. Neste sentido, argumenta: “Hay que quemar las cosas que te comprometan, Ramón. Los periódicos, los libros. Todo.” (RIVAS, 2006, p. 31). O episódio nos traz à memória

El alcalde, los de los sindicatos, el bibliotecario del ateneo Resplandor Obrero, Charli, el vocalista de la Orquesta Sol y Vida, el cantero a que llamaban Hércules, padre de Dombodán... Y al final de la cordada, chepudo y feo como un sapo, El maestro. (RIVAS, 2006, p. 32)

Em seguida, o acovardamento dos que não foram encarcerados, mas que compactuaram com a prisão dos inocentes como forma de eles próprios se livrarem do infortúnio dos vizinhos. Tal fato é observado na conduta imitativa dos que assistiram a atuação da guarda civil:

dois momentos emblemáticos da história da espanha, o da Santa Inquisição, época em que se queimavam os livros considerados proibidos e da cena de Don Quijote de la Mancha (1605), cujos livros são queimados, afim de livrar o personagem Quijote de

Se escucharon algunas órdenes y gritos aislados que resonaron en la Alameda como petardos. Poco a poco, de la multitud fue saliendo un murmullo que acabo imitando aquellos insultos. “¡Traidores! ¡Criminales! ¡Rojos!” (RIVAS, 2006, p. 32)

sua suposta loucura. Na verdade, a queima dos livros do pai se trata de um prenúncio do que viria a ser a ditadura franquista, que proibiria a liberdade de expressão, instauraria a Censura e não somente a literária e junto com ela a repressão.

Este pacto com o gesto criminoso da guarda civil é uma forma de proteger-se do mesmo crime, ainda que possa ser considerado um gesto covarde, uma vez que todo o povoado representava uma maioria que poderia facilmente ter parado a guarda

A imposição da mãe se dirige também a Moncho, o menor da família, que, em sua inocência

civil, em minoria, mas nem por isso menos aterrorizante.

de criança, custa a entender a conjuntura daquele momento histórico:

A mãe de Moncho é a primeira da família a tomar a iniciativa de compactuar com os crimes do

“Recuerda esto, Moncho. Papá no era republicano. Papá no era amigo del alcalde. Papá no hablaba mal de los curas. Y otra cosa muy importante, Moncho. Papá no Le regalo un traje al maestro”. “Sí que se lo regalo”. “No, Moncho. No se lo regalo. ¿Has entendido bien? ¡No se lo regaló!” “No, mamá, no se lo regaló”. (RIVAS, 2006, p. 31)

franquismo, como revela o narrador: “Grita tú también, Ramón, por lo que más quieras, ¡grita!” Mi madre llevaba a papá cogido del brazo, como si lo sujetase con todas sus fuerzas para que no desfalleciera. “¡Que vean que gritas, Ramón, que vean que gritas!” (RIVAS, 2006, p. 32)

Ao final da narrativa literária e fílmica, o professor é preso, juntamente com outros homens do

O pai, convencido que o melhor seria gritar,

povoado, por ser considerado um inimigo do regime

insulta aqueles que antes pertenceram ao mesmo

ditatorial que se instaura. O término do relato é

grupo ideológico que ele, começa a gritar

contundente, pois demonstra os dois lados da Guerra,

envergonhado e logo desesperado ofensas para

primeiro o povo sendo aprisionado de forma

dissimular sua profunda consternação e fraqueza:

arbitrária, sem haver cometido crime algum, como

“¡Traidores!”, [...] “¡Criminales! ¡Rojos!” (...) “¡Asesino!

ocorre com:

¡Anarquista! ¡Comeniños!” (…) “¡Cabrón! ¡Hijo de mala madre!” (RIVAS, 2006, p. 33). Moncho, aflito,

33

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

34

também participa do episódio incitado pela mãe:

de as borboletas possuírem uma língua, já que nada

“¡Grítale tú también, Monchiño, grítale tú también!”

consegue vê-la, a não ser por meio de um

(RIVAS, 2006, p. 33). O menino, que é o narrador do

microscópio.

conto, relata como fora sua intervenção no acontecimento: Cuando los camiones arrancaron, cargados de presos, yo fui uno de los niños que corrieron detrás, tirando piedras. Buscaba con desesperación el rostro del maestro para llamarle traidor y criminal. […] con los puños cerrados, sólo fui capaz de murmurar con rabia: “¡Sapo! ¡Tilonorrinco! ¡Iris!” (RIVAS, 2006, p. 33).

No relato, o próprio narrador também parece se surpreender pela falta de língua, configurada na idéia da memória da história recente, que, para que se tome consciência dela, precisa ser desenrolada como a língua da borboleta do relato. Por fim, caberia questionar o motivo dessa necessidade de se abordar o tema da memória na literatura e no cinema contemporâneo. As possibilidades de respostas são

É importante ressaltar que assim como seu

variadas. Daniel Lvovich e Jaquelina Bisquert (2008,

pai, Moncho se consome ao ver o profesor sendo

p. 8) discorrem que a memória se transmite e se

levado para alguma prisão franquista e seu grito de

reforça por meio de práticas de rememoração e

insulto nada mais é que um grito de desesperança

comemoração variadas, utilizadas para estabelecer a

pelo que estava ocorrendo e o que haveria ainda de

memória coletiva. Portanto, o tema da memória na

ocorrer na Espanha de Franco. Esta cena é marcante

literatura é um gesto de se rememorar de forma

no final do filme em que a câmera fica lenta,

coletiva, visto que a literatura pode ser considerada

prenunciando os longos anos da ditadura que se

como um espaço público da expressão da sociedade.

iniciava. Esta é a última lembrança do narrador daquele período turbulento que a história relataria.

Outra resposta plausível é a que nos oferece o historiador Jacques Le Goff, ao refletir sobre a

A memória da Guerra Civil advém justamente

importância da memória no mundo contemporâneo.

da memória desse narrador que, agora já adulto,

Le Goff assevera que “a memoria é um elemento

relembra a efêmera alegria em companhia do

essencial do que se costuma chamar identidade,

professor Don Gregorio, que sonhava em receber de

individual ou coletiva, cuja busca é uma das

Madrid um microscópio para mostrar aos alunos da

atividades fundamentais dos indivíduos e das

escola a língua das boborletas: “Hoy el maestro ha

sociedades de hoje, na febre e na angústia” (2003, p.

dicho que las mariposas también tienen lengua, una

469). Portanto, o controle da memória coletiva pode

lengua finita y muy larga, que llevan enrollada como

ser entendido como um instrumento e um objeto de

el muelle de un reloj. (...) ¿A que parece mentira eso de

poder. Quem possui o controle desta memória,

que las mariposas tengan lengua?” (RIVAS, 2006, p. 26).

inevitavelmente, também alcança o poder. Franco é um dos maiores exemplos desta teoria, para

A borboleta, um animal belo, colorido e

permanecer no poder, manipulou a memória da

delicado, parece ser no conto de Rivas a metáfora da

forma que pôde, com o objetivo de mascarar e

própria infância, época em que tudo parece ser mais

eliminar a memória republicana e antifranquista.

admirável, entretanto, a imagem da língua da borboleta enrolada dentro de sua boca é a imagem da mordaça, da falta de liberdade e do silêncio que a ditadura franquista impôs à sociedade espanhola. Tanto é assim, que Moncho se surpreende pelo fato

Em tempos de ditadura, como já é de conhecimento, a literatura, por sua linguagem altamente simbólica, passa muitas vezes despercebida pelas instâncias do poder, estando livre de suas

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

amarras, podendo revelar, nas fraturas de seu

Referências bibliográficas

discurso, a memória silenciada e esquecida. Em tempos de democracia, a literatura pode

LA LENGUA DE LAS MARIPOSAS. Direção de José Luis

desempenhar a função de preservar uma memória

Cuerda. Local: Espanha: Sogecine, 1999. DVD (95

que se perde no tempo e no espaço, ajudando a fixar

minutos). Sonoro, legenda, color.

sentidos para as reminiscências. Entretanto, não se

LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas:

pode esquecer que as reivindicações do presente e a

UNICAMP, 2003.

intenção do Estado em dar voz e visibilidade ao passado, por meio de políticas da memória, são fundamentais para a valorização dos códigos memorialísticos, oferecendo novas perspectivas sobre a memória e o seu reconhecimento público.

LVOVICH, Daniel; BISQUERT, Jaquelina. La cambiante memoria de la dictadura: discursos políticos, movimientos sociales y legitimidad democrática. Los Polvorines: Universidad Nacional de General Sarmiento; Buenos Aires: Biblioteca Nacional, 2008. RIVAS, Manuel. ¿Qué me quieres, amor? Madrid: Punto de Lectura, 2006.

35

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

36

A VARIAÇÃO NA REALIZAÇÃO DO OBJETO PRONOMINAL ACUSATIVO NO ESPANHOL: UM ESTUDO INICIAL

Adriana Martins Simões PG - Universidade de São Paulo

0. Introdução

de investigar a gramática não nativa do espanhol (GONZÁLEZ, 1994, 1998, 1999, 2001, 2003, 2005;

Os trabalhos de Campos (1986) e Fernández

LICERAS, 1996, 1997, 2002, 2003). Neste trabalho

Soriano (1999) mostram que o espanhol seria uma

apresentaremos alguns dados da análise da variedade

língua em que a categoria vazia em função de objeto

de espanhol de Montevidéu. Partimos da hipótese de

direto estaria restringida a antecedente [-definido; -

que essa variedade apresentaria objetos nulos

específico], embora em outras variedades do espanhol

restringidos a antecedente [-determinado; -

essa categoria vazia seja possível em contextos mais

específico]. Entretanto, ao analisar os dados,

amplos (FERNÁNDEZ ORDÓÑEZ, 1999). Conforme

observamos categorias vazias em função de objeto

Groppi (1997), a variedade de espanhol de

acusativo com referente [+determinado; +/-

Montevidéu também apresentaria objetos nulos

específico], o que contrariaria essa hipótese inicial.

restringidos a antecedente [-definido; -específico]. Considerando-se esses estudos, iniciamos uma análise sociolinguística a respeito da variação na realização do objeto pronominal acusativo de 3ª pessoa no espanhol, tendo como variantes o clítico e o objeto nulo e como corpus entrevistas do PRESEEA. Essa análise integra nossa pesquisa de doutorado1, na qual objetivamos detectar diferenças sintáticas subjacentes entre o espanhol e o português brasileiro nessa área da gramática, a partir das teorias gerativa (CHOMSKY, 1981, 1999) e sociolinguística (LABOV, 2008; WEINREICH, LABOV, HERZOG, 2006), a fim

Este artigo se estrutura da seguinte forma: na primeira parte abordaremos aspectos da gramática do espanhol quanto à realização do objeto pronominal acusativo. A segunda parte será dedicada à metodologia. Na terceira parte apresentaremos alguns dados da análise e por fim algumas considerações a respeito.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1. A gramática do espanhol na realização do objeto pronominal acusativo Por ser um determinante definido (DI TULLIO, 1997; LEONETTI, 1999), o clítico poderia ter como referente apenas um sintagma nominal [+específico] (FERNÁNDEZ SORIANO, 1999). Assim, no caso de um referente [-determinado; -específico] ocorreria o objeto nulo, que nas variedades em geral do espanhol se restringiria apenas a esse tipo de antecedente (CAMPOS, 1986; FERNÁNDEZ SORIANO, 1999). Como na ausência de determinante os nomes comuns do espanhol não constituiriam expressões referenciais (LACA, 1999), seria incompatível que fossem retomados por clítico, como pode ser observado pelo contraste de gramaticalidade nas sentenças em (1) e (2). (1)

— ¿Compraste flo florres es? — Sí, Ø/*las compré.

(2)

— ¿Compraste las flo florres es? — Sí, *Ø/las compré. Entretanto, conforme Fernández Ordóñez (1999), em algumas variedades do espanhol o objeto nulo

poderia ocorrer em contextos mais amplos. Entre essas variedades estaria o espanhol falado no Paraguai em contato com o guarani, no qual o objeto nulo ocorre em referência a antecedente [-animado; +determinado] na fala de pessoas bilingues de nível sociocultural médio e baixo. Essa categoria vazia ocorre em estruturas de topicalização [exemplo (3)], nas construções em que o verbo seleciona o objeto direto e o indireto [exemplo (4)] e nas orações que precedem a do antecedente [exemplo (5)]: (3)

osas d uje Vos sabés, las ccosas dee m muje ujerresi nadie Ø i entiende.

(4)

ugue uguett e i ]. Me Ø i quitó otra vez [ e l jjugue

(5)

otasi en la chacra. — No vas a encontrar las bbotas — Sí voy a encontrar Ø i . Siempre Ø i encontré cuando Ø i busqué.

Outra variedade em que o objeto nulo seria possível em contextos mais amplos seria a do espanhol falado na Serra do Equador, que também apresenta objetos nulos com referente [-animado; +determinado] em construções de topicalização [exemplo (6)], em construções com objeto direto e indireto [exemplo (7)] e em orações adverbiais [exemplo (8)] (cf. FERNÁNDEZ ORDÓÑEZ, 1999): (6)

Las eele le nesi yo nunca Ø i entendí. lecc cio ciones

(7)

¿Te Ø i permitirán entregar sin terminar Ø i ? [ e l ttrr abajoi ].

(8)

No vayas a ver esa p pee lículai porque no Ø i vas a entender.

Já na variedade de espanhol de Montevidéu os objetos nulos estariam restringidos a antecedente [-definido; -específico] (GROPPI, 1997) 2, como pode ser observado pela diferença no julgamento de gramaticalidade das sentenças (9) e (10). (9)

— No tengo coche. — Yo tampoco *lo / Ø tengo.

37

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

38 (10) — No tengo el coche.

Em relação aos fatores linguísticos, entre eles

— Yo tampoco lo / *Ø tengo.

analisamos a estrutura do sintagma determinante4, os traços semânticos 5 do antecedente e diferentes

Tendo em vista esses estudos, partimos da

contextos estruturais como topicalização, construções

hipótese de que na variedade de espanhol de

em que o verbo seleciona objeto direto e indireto e

Montevidéu os objetos nulos estariam restringidos a

orações subordinadas adverbiais. Quanto aos fatores

antecedente [-determinado; -específico], de modo

extralinguísticos, analisamos diferentes faixas etárias6

que nos contextos em que tivéssemos referentes

e variedades do espanhol, sendo elas a variedade de

[+determinados] e [+/-específicos] esperaríamos

Montevidéu e a de Madri.

encontrar a retomada pelo clítico. Contudo, encontramos dados que contrariaram essa hipótese como veremos na terceira parte do artigo.

3. Alguns dados da análise Iniciaremos apresentando alguns dados de

2. A análise sociolinguística: corpus e metodologia

ocorrência de clítico encontrados nas entrevistas. Na maior parte dos fragmentos selecionados os clíticos ocorrem em construções com topicalização,

Para a realização do estudo sociolinguístico,

construções em que o verbo seleciona os objetos

analisamos 20 entrevistas da variedade de espanhol

direto e indireto e em construções adverbiais. Nos

3

de Montevidéu provenientes do PRESEEA (Proyecto

enunciados em (11) e (12) os clíticos retomam um

para el Estudio Sociolingüístico del Español de España

antecedente [+determinado; +específico], porém em

y de América). A variável de nossa pesquisa constitui

(12) trata-se dos casos em que o sintagma nominal é

a realização do objeto pronominal acusativo de 3ª

encabeçado por um quantificador7.

pessoa e como variantes temos o clítico e o objeto nulo. (11a) I: (…) porque después cuando volví allá / ya como que e l bar barrr io no lo sentí tan mío / (…) icic le ta tirada en la plaza de deportes ¡no sabía icicle leta (11b) I: no antes no / eeh como ser Roberto dejó ocho días la bbicic dónde estaba! // después se la trajo el hombre que cuidaba / porque al ver que no la iba a buscar se la trajo el hombre que cuidaba! (11c)

us ab ue los te acordás? E: ahá // decime ¿y a ttus abue uelos ue los no los conocí I: . Último

IFET, no âmbito da Rede Federal de Educação Tecnológica.

acesso em: 30 fev. 2011.

———, Resolução CNE/CP 1/2002, de 18 de fevereiro de

PAIVA, V.L.M.O. “O novo perfil dos cursos de Licenciatura

2002 - Institui a duração e a carga horária dos cursos de

em Letras”. In: TOMICH, ET (orgs.). A interculturalidade

Licenciatura, de graduação plena, de formação de

no ensino de inglês. Florianópolis: UFSC, 2005, pp. 345-

professores da Educação Básica em nível superior.

363.

———, Resolução CNE/CP 2/2002, de 19 de fevereiro de

VEIGA, I. P. A. (Org.) Projeto político-pedagógico da escola:

2002.

uma construção possível. 23. ed. Campinas: Papirus, 2001.

http://www.ifrr.edu.br/campus_bv/index.php/

Nota 1

A oferta inicial dos cursos de licenciatura nas escolas da Rede remete à oferta voltada para a área das Ciências da natureza.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

156

POLIFUNCIONALIDAD DE LOS MARCADORES DEL DISCURSO Y ENSEÑANZA DEL E/LE

Antonio Messias Nogueira da Silva Universidade Federal do Pará

1.

Introducción

aspectos del estudio de Schiffrin y defiende que el marco de participación y el estado informacional no

La polifuncionalidad de los marcadores del

son independientes de las otras tres estructuras, por

discurso (en adelante MD) es un tema que, al parecer,

lo que deben ser incorporados a ellas. Así, según esta

no ha recibido bastante atención por parte de

autora, el modelo ideal se debe basar en tres

estudiosos que se han ocupado de desvelar el valor

componentes: estructura ideacional, estructura retórica

semántico-pragmático de estas unidades discursivas.

y estructura secuencial (las cuales corresponden,

Van Dijk (1979), en su precursor estudio “Pragmatic

respectivamente, a la estructura ideacional, a la

connectives”, observó que algunas unidades presentan

estructura de los actos de habla y a la estructura de

un carácter polifuncional porque operan en distintos

intercambio comunicativo propuestas por Schiffrin).

planos del discurso: el semántico y el pragmático. Otros estudios, como los que se basan en la coherencia discursiva, también han puesto de relieve la polifuncionalidad de los MD, tal es el caso de los modelos de Shiffrin (1987) y de Redeker (1991). El modelo de Schiffrin, al estudiar la coherencia que se construye por medio de relaciones entre unidades adyacentes en el discurso, deslinda el aspecto polifuncional de los MD a partir de cinco dominios del discurso: la estructura del intercambio comunicativo, la estructura de los actos de habla, la estructura ideacional, el marco de participación y el estado informacional (SCHIFFRIN, 1987: 25). Redeker (1991), por su parte, realiza una revisión de algunos

En el ámbito hispánico, todavía hacen falta estudios que se ocupen de forma más detallada del tratamiento de la polifuncionalidad de los marcadores del discurso. Lo cierto es que muchos de los estudios que se han llevado a cabo en este ámbito suelen señalar la especificidad de los rasgos suprasegmentales (como la entonación, la duración silábica, o la delimitación por pausas) que, asociados con los marcadores, determinan el sentido de estas partículas discursivas, así como suelen indicar la existencia de algunos de esos rasgos que, no asociados con una pieza léxica en concreto, pueden funcionar como marcadores. En este sentido, estudios como los

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

de Domínguez García y Dorta Luis (2002), Elordieta y Romera (2002), Martín Butragueño (2002), Briz (1996) e Hidalgo (1997) aportan nuevos datos sobre las propiedades prosódicas y las funciones de algunos marcadores del discurso del español. Martín Zorraquino (1998: 23), por su parte, señala que la polifuncionalidad de los MD “está en relación con la aptitud de las par tículas extraoracionales para recibir rasgos suprasegmentales

157

(…) una mayor o menor fuerza en el acento, una mayor o menor elevación de tono, una mayor o menor cantidad en las sílabas y una mayor o menor duración en las pausas se corresponderían con sentidos o matices diversos en la expresión de los marcadores, los cuales indicarían, por ejemplo, más o menos convicción por parte del hablante en relación con el “comentario” que reflejan, o más o menos connivencia con el interlocutor; o, de otro modo, podrían señalar también que afectan, en mayor o menor medida, a la palabra que les queda más cercana en el enunciado (ALLERTON Y CRUTTENDEN, 1974).

distintos (sobre todo, la entonación), con lo que se

Por otro lado, el hecho, precisamente, de que

contribuye a matizar el valor semántico-estilístico (el

una misma función pueda ser desempeñada por más

sentido) de dichas unidades”. Así, según esta autora,

de una forma, y que, además, en una misma

algunos rasgos suprasegmentales, como, por ejemplo,

ocurrencia de un marcador sea posible identificar más

la entonación, frecuentemente matizan el contenido

de un valor (tanto en el plano semántico-

instruccional de los MD (MARTÍN ZORRAQUINO,

argumentativo como en el enunciativo y en el

2004). De esta manera, por ejemplo, el marcador

interactivo, y en función de factores que no tienen

b ue no ueno no, matizado por la entonación, puede indicar una

incidencia en el texto escrito, tales como la

a ), o una aceptación neta y simple y clara aceptación (a

entonación, las reacciones del interlocutor, la

b ), o un consentimiento resignado (cc ), entusiasmada (b

información directamente accesible a partir del

en este caso bueno puede aparecer con un

contexto situacional, etc.) determina que resulte

alargamiento de las vocales; o, en cambio, puede

extremadamente difícil proponer un significado

d ) del interlocutor (también en expresar desacuerdo (d

constante para cada marcador. Con todo, creemos que

este caso, el marcador bueno puede aparecer con un

resulta posible establecer las diferencias entre los

alargamiento de las vocales y acompañado de una

diversos conectores pragmáticos contrastando el

repetición del signo, cuyo propósito es reforzar la

funcionamiento pragmático y discursivo de aquellos

réplica, intensificándola o atenuándola): a) -¿Te

que realizan una misma función. Sirvan de ejemplo

n oo.); b) -¿Te apetecen apetecen gominolas? (-Bue Buen Bue

las siguientes palabras para comprender la dinámica

no gominolas? (-¡Bue Bueno no! ¡Encantado!); c) -¿Te apetecen Bue

de los conectores:

Buee no gominolas? (-Buee Bueeno nooo …); d) -Me ha dicho tu ex mujer no no que siempre te ha sido fiel. -Buee Bueeno nooo , b uee ueeno nooo … ¿Tú Buee crees? no En definitiva, no solo el marcador b ue ueno no, sino que también muchos otros marcadores, como c lar laroo (que que) y b i e n , por ejemplo, pueden tener su sentido determinado por los rasgos suprasegmentales. Para

Comenzar el análisis desde las funciones permite explicar la polifuncionalidad de un conector y, más importante aún, el que una ocurrencia de un conector se pueda analizar desde distintas, aunque complementarias, perspectivas. La polifuncionalidad (...) es una necesidad para entender el funcionamiento de estos elementos en la conversación coloquial (PONS BORDERÍA, 2000: 209).

Hidalgo Navarro (2010: 65), la cuestión es que en la mente de los especialistas ha acabado calando la

En contraste con los marcadores comunes en

importancia de lo prosódico como factor decisivo

la escritura, los marcadores conversacionales

para explicar la polifuncionalidad de los marcadores.

presentan una mayor polifuncionalidad en el

Así pues, se puede afirmar que:

discurso; una misma forma tiene asociada varias

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

158

funciones y una misma función puede estar

pragmática de estas unidades. Es decir, el surgimiento

desempeñada por varias formas. La relación entre

de diferentes contextos en los que los MD se

formas y funciones es, en palabras de Pons Bordería

manifiestan con múltiples funciones. Así, al trabajar

(2000), suprayectiva, lo que comporta que, a

con los MD, el profesor de ELE:

diferencia de lo observado en la lengua escrita, los marcadores en el discurso oral sean mucho más difícilmente sistematizables.

2. Polifuncionalidad de los MD y su enseñanza en los manuales de E/LE1 Cabe destacar, en primer lugar, que la mayoría de los manuales analizados sigue el enfoque comunicativo, pero, en estos, apenas se ofrecen aclaraciones teóricas sobre el valor semánticopragmático de los MD y la poca información que se presenta respecto de este aspecto suele ser de forma muy superficial y, además, ocupa una parte muy pequeña dentro de una unidad, lo que, a nuestro modo de ver, constituye, según parece, un problema para el aprendizaje de estas unidades, puesto que en diversas unidades didácticas de los manuales analizados suelen aparecer algunos marcadores que, por su polifuncionalidad y carácter distribucional, por ejemplo, ofrecen dificultades para su comprensión, por lo que tanto el docente como el discente se ven ante situaciones donde no saben muy bien cuándo, cómo y qué formas usar en determinados contextos.

(…) más aún que para la didáctica de otras clases de palabras, (…) tiene que recurrir, en la enseñanza de estos elementos, a numerosos ejemplos de cada uno de ellos (de cada marcador), procedentes, además, de textos diversos y situados en contextos diferentes, con objeto de facilitar a sus alumnos el aprendizaje de su empleo” (MARTÍN ZORRAQUINO, 1999).

La polifuncionalidad de los MD es un aspecto que muy raramente se advierte en los manuales de nivel B2 que analizamos, pues solo en cuatro, de los 15 manuales investigados, se presentan, aunque muy por encima, comentarios sobre la polifuncionalidad uales d manuales dee ni nivv e l B2 que de algunos MD 2. Los man tratan de este aspecto son: a) A Fondo (p.81) que, tomando como base un texto conversacional que el estudiante debe escuchar para resolver algunos ejercicios, presenta brevemente un comentario respecto al aspecto polifuncional de los marcadores b ue no y p ues ueno ues, combinados o no en la conversación. no y p ues se usan Según este manual, “Las palabras b ue ueno también con otras muchas funciones”, como, por ejemplo, al principio de frase cuando se quiere marcar que pasamos de una etapa de la conversación a otra: no “Bue Bueno no, p ues yo resulta que es que he tenido las dos Bue condiciones…”, o para darse tiempo a pensar en la no no respuesta “Bue Bueno no… P ues ues… o Bue Bueno no, p ues ues…”; b) Bue

La polifuncionalidad de los MD es una

Sueña 3 (p.159) también se refiere a la

realidad en la lengua y su enseñanza en las clases de

no cuando, por polifuncionalidad del marcador b ue ueno

ELE facilitaría al aprendiz la calidad de su aprendizaje,

medio de un ejercicio, se lo presenta como una

principalmente en los niveles avanzado y superior,

fórmula que los hablantes utilizan para cumplir dos

ya que, según el MCER, a partir de estos niveles, a

no funciones: iniciar una conversación (b ueno no…) y b ue

diferencia de los niveles anteriores (A1, A2 y B1), el

no concluirla (b ueno no.); c) Aula 4 (p.65) presenta una b ue

profesor de ELE debe introducir una mayor

nota en la que queda claro el valor polifuncional del

diversidad de MD con vistas a que el aprendiz

conector es que que, el cual, conforme este manual, puede

convierta “sus frases en un discurso claro y coherente”

introducir “explicaciones y, con frecuencia, excusas

(MCER, § 3.4.). Tal diversidad de marcadores implica

o justificaciones”.

también atención a la versatilidad semántico-

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

La

polifuncionalidad

de

los

159

MD

los casos más complejos de polifuncionalidad, tal es

uales d prácticamente no se trata en los man manuales dee ni nivve l

n , v amos el caso de los marcadores b ie ien amos, e h , y a , sí sí, o

C1 que hemos analizado (un total de 8 manuales de

s ea ima ie n , p ues ea, e nc ncima ima, más bbie ien ues, etc. (cfr. MARTIN

este nivel). El único método que introduce algún tipo

ZORRAQUINO Y PORTOLÉS, 1999) que, por

de información sobre este aspecto es el manual El

presentar matices de versatilidad semántica un poco

Ventilador (p. 58) que presenta una notación en la

más complicados, exigiría de los aprendices un mejor

que comenta la polifuncionalidad de los conectores

dominio de las competencias lingüística y pragmática

ir ea explicativos es dec decir ir, est estoo es es, a sab sabee r y o ssea ea, los cuales,

para comprenderlos y ponerlos en práctica. De

según este manual, por ser marcadores explicativos,

manera particular, la atención a la polifuncionalidad

en general, poseen un doble valor, es decir, o bien

a , o y e , oig a y otros semejantes de los marcadores mir mira oiga

“introducen un argumento que dice exactamente lo

resultaría profundamente interesante en las clases de

mismo de otro modo” o bien “introducen una

ELE, ya que estas unidades desarrollan diferentes

consecuencia del argumento anterior”. Si bien es

estrategias discursivas en la conversación, como, por

cierto que al profesor de ELE no deberían preocuparle

ejemplo: la toma del turno de palabra, el inicio del

excesivamente los casos de polifuncionalidad en un

diálogo o, aun, señalan las relaciones sociales que se

nivel B2, pues son casos complejos que normalmente

establecen entre hablante y oyente (cfr. PONS

y según el MCER, se deben aplicar de manera más

BORDERÍA, 1998: 214).

detallada en los niveles C1 y C2. Ahora bien, si es deseo del profesor trabajar con casos de polifuncionalidad de determinados marcadores, será más razonable que él realice una concienciada selección de marcadores de polifuncionalidad más sencilla para ir introduciéndolos a partir del B2; es decir, no trate de aplicar todos los casos en un nivel B2 o en un nivel C1 o C2, ya que no tiene sentido desde un punto de vista metodológico y didáctico.

Tanto en los manuales de nivel B2 como en más los de nivel C1, la clasificación del conector ade además exclusivamente

como

estructurador

de

la

información que ordena el discurso con vistas a dar continuidad al mismo puede crear confusión tanto en las explicaciones pertinentes que el profesor pudiera dar a sus alumnos, siempre y cuando tome como referencia el manual donde figura esta información, como también a los propios estudiantes

Así pues, resultaría más práctico empezar por

que podrían utilizar este conector, únicamente, como

el B2, aplicando, por ejemplo, casos de versatilidad

ordenador del discurso, inclusive en los contextos que

semántico-pragmática de los marcadores c lar laroo , v ale ale,

exigen su uso como conector aditivo. Así pues,

b ueno3

v e ng a , mir a , oy e , oig a , es que nga mira oiga que, b ue ueno no ,etc.; este último,

pensamos que lo primero que se debería explicar es

en especial, cumple funciones distintas en cada caso

su significado de adición en tanto en cuanto resulte

de su empleo (expresar conformidad con lo propuesto

como un elemento conectivo y su función sea la de

previamente por alguien, atenuar el contenido de una

vincular dos miembros discursivos cuya orientación

respuesta en relación con la pregunta del interlocutor,

argumentativa tiene que ser la misma. Téngase en

introducir un cambio de tema en la conversación,

cuenta que el marcador a d e m á s (junto con el

introducir una autocorrección, etc.); si bien lo más

conector a p a r t e , más propio del español oral

práctico sería no aplicar todos los casos de

coloquial) es el conector aditivo más frecuente, por

no en el nivel B2, sino elegir polifuncionalidad de b ue ueno

lo que las explicaciones que se presentan en los

dos o tres funciones más sencillas de este marcador

más deberían contemplar, en manuales acerca de ade además

y, luego, en el nivel C1 comentar todos los casos

primer lugar, su significado semántico-pragmático de

posibles. Para los niveles C1 y C2, el profesor dejaría

conector aditivo.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

160

Ahora bien, una vez que el alumno aprenda

estructurados, mostrando un uso controlado de

más este significado básico de ade además más, se le podrían,

estructuras organizativas, conectores y otros

entonces, enseñar otras funciones que este conector

mecanismos de cohesión” (MCER: p. 220); hecho que

puede ejercer en los textos. Según nuestra opinión,

refuerza la necesidad de los estudiantes del nivel C1

el problema surge porque los manuales no suelen

de aprender a usar un mayor número posible de MD.

explicar la polifuncionalidad de los MD que

Para ello, el aprendiz necesariamente deberá

introducen en sus unidades didácticas. Así, resultaría

reconocer otros rasgos característicos de estas

conveniente que, en los manuales de ELE, se

partículas discursivas que pasan desde el aprender los

presentasen anotaciones a través de cuadros

diversos efectos de sentido que subyacen al uso de

didácticos, globos, etc. para aclarar el aspecto

varios marcadores, lo que indica la gran riqueza de

polifuncional de los MD, pero siempre después de

sus matices expresivos, hasta su polifuncionalidad,

que se explicase su significado semántico-pragmático

aspecto que, una vez entendido, aporta una mayor

más básico y frecuente en español. Tomamos como

seguridad con respecto al uso de estas partículas.

más de que hemos ejemplo el caso del conector ade además venido hablando: este marcador también puede ordenar la materia discursiva, funcionando, así, como

3. Conclusiones

ordenador del discurso, pues al tiempo que introduce una nueva información coorientada con la temática

En fin, queremos dejar constancia de que

que se presenta en el miembro discursivo precedente

ninguno de los manuales de ELE de que nos

(función de conector aditivo), también la distribuye

ocupamos en este estudio contiene suficientes

y la divide en agrupaciones más pequeñas, con vistas

informaciones sobre la polifuncionalidad de los MD

a que el discurso resulte más fácilmente comprensible.

como para que un aprendiz de español pueda llegar

Por otro lado, se ha de poner de manifiesto la notable

carencia

del

tratamiento

de

la

polifuncionalidad de los MD en los manuales de nivel C1, donde mucho más que en el nivel B2, se hace necesaria su atención. Sin embargo, conforme hemos visto más arriba, solo uno 4 de los ocho manuales publicados para el nivel C1 comenta, aunque de manera muy general, este aspecto y, además, restringiéndose a un pequeño grupo de marcadores ir ea sabee r y o ssea ea). Este es un problema (es decir ir, est estoo es es, a sab es dec que, a nuestro modo de ver, convierte la tarea de aprendizaje de los MD aún más engorrosa, puesto que no toma en consideración el hecho de que la polifuncionalidad de estas unidades constituye un rasgo característico de muchas de ellas, por lo que en el nivel C1 deberían recibir mayor atención. Además, en este nivel, es donde el aprendiz –en lo que se refiere a su expresión escrita, por ejemplo– debe aprender a escribir “(…) textos claros, fluidos y bien

a comprender perfectamente el funcionamiento de las unidades que introduce. Lo cierto es que el profesor de ELE, que –no hace falta decir– ya se enfrenta a la compleja tarea de explicar en sus clases cuáles son los mecanismos de los que se valen los hablantes nativos para estructurar u ordenar su discurso así como expresar la causa, la consecuencia, la condición, la oposición y el contraste, la sucesión temporal o la expresión de hipótesis, etc., también deberá hacer frente a este otro problema que es la ausencia o la carencia de informaciones respecto de la polifuncionalidad de los MD en los manuales de ELE. Pero esta es una tarea que no solo requiere del profesor un conocimiento más profundo del valor semántico-pragmático de los MD que explica, sino que también requiere que él cambie la manera de enseñar dichas unidades, o en otros términos, “(…) en su explicación debería huir de una presentación estática, en listas que perpetúen la vieja idea

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

161

gramatical de una forma una función. Si no la

lef.colmex.mx/Sociolinguistica>. Acessado em dezembro

explicación de estos elementos, aunque desde una

de 2010.

perspectiva diferente, habría vuelto a la rigidez original” (PONS BORDERÍA, 2005: 44).

MARTÍN ZORRAQUINO, M. A. (1994): ‘Bueno’ como operador pragmático en español actual. Em Actas II encuentro de lingüistas y filólogos de España y México. Salamanca, p. 403-412.

Referências bibliográficas MARTÍN ZORRAQUINO, M. A. (1998): Los marcadores ALLERTON, D. J. y CRUTTENDEN, A. (1974): English sentence adverbials: their syntax and their intonation un British English. Em Lingua 34, pp. 1-30.

discursivos desde el punto de vista gramatical. Em MARTÍN ZORRAQUINO, M. A. y MONTOLÍO DURÁN, E. (coords.): Los marcadores del discurso. Teoría y análisis, pp. 19-53.

BAUHR, G. (1994): Funciones discursivas de ‘bueno’ en español moderno. Em Lingüística Española Actual XVI, pp. 79-121.

________ y PORTOLÉS, J. (1999): Los marcadores del discurso. Em BOSQUE, I. y DEMONTE, V. (eds.): Gramática descriptiva de la lengua española. Madrid:

BRIZ, A. (1996): El español coloquial: situación y uso.

Espasa-Calpe, tomo 3, pp. 4051-4213.

Madrid: Arco/libros. ________ (2004): El tratamiento lexicográfico de los ________ (1998): El español coloquial en la conversación:

marcadores del discurso y la enseñanza de ELE. Em Actas

esbozo de pragmagramática. Barcelona: Ariel.

del XV Congreso Internacional de ASELE. Sevilla, pp. 53-

CONSEJO DE EUROPA (2002): Marco Común Europeo de Referencia para las Lenguas: Enseñanza, Aprendizaje y

70. Disponível em . Acessado em outubro de 2010.

Evaluación. Madrid: Instituto Cervantes- Ministerio de

PONS BORDERÍA, S. (1998): ‘Oye’ y ‘Mira’ o los límites

Educación, Cultura y Deporte, Anaya.

de la conexión. Em MARTÍN ZORRAQUINO, M. A. y

DOMÍNGUEZ GARCÍA, N. y DORTA LUIS, J. (2002): La prosodia y las funciones de los marcadores del discurso. Em Actas del V Congreso de Lingüística General: León, Vol.1, pp. 757-771. ELORDIETA, G. y ROMERA, M. (2002): Prosody and Meaning in Interaction: The Case of the Spanish Discourse

MONTOLÍO DURÁN, E. (coords.): Los marcadores del discurso. Teoría y práctica. Madrid: Arco/Libros, pp. 213228. ________ (2000): Los conectores. Em BRIZ, A. y Grupo Val.Es.Co (eds.): Cómo se comenta un texto coloquial, Barcelona: Ariel, pp. 193-220.

Functional Unit entonces ‘then’. Em BEL, B. y MARLIEN,

________ (2005): La enseñanza de la pragmática en la clase

I. (eds.): Proceedings of the Speech Prosody 2002 Conference.

de ELE. Madrid: Arco/Libros.

Aix-en-Provence, p. 263-266. REDEKER, G. (1991): Linguistic markers of discourse HIDALGO, A. (1997): Entonación y conversación coloquial.

structure. Em Linguistics 29, p. 39-72.

Valencia: Universidad de Valencia. SCHIFFRIN, D. (1987): Discourse markers. Cambridge: MARTÍN BUTRAGUEÑO, P. (2002): Hacia una

Cambridge University Press.

descripción prosódica de los marcadores discursivos. Datos del español de México. Em HERRERA E. y MARTÍN, P. (eds.): La tonía. Dimensiones fonéticas y fonológicas, México: El Colegio de México Disponível em .

significação das palavras em sua relação com o

Acesso em: 14 de março.

mundo.

PATATI, C.; BRAGA, F. (2006). Almanaque dos quadrinhos:

Deste

estudo

contextualização

é

depreendemos inevitável

e

que

a

Disponível

em

. Acesso em: 15 de março de 2011.

Tradução de Celene M. Cruz e João Wanderley Geraldi.

VENUTI, Lawrence. (1995). A invisibilidade do tradutor.

Campinas (SP), (19): 25-42, jul./dez.

Palavra. Tradução de Carolina Alfaro. Rio de Janeiro, n.3,

FISH, S. (1992). Is there a text in this class? Tradução de Rafael Eugênio Hoyos-Andrade. Alfa (São Paulo), v.36, p.189-206. ORLANDI, E. P. (1999). Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes.

p.111-134.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

183

DISCURSOS OFICIALES DEL 12 DE OCTUBRE: UN DÍA CONMEMORATIVO PECULIAR

Beatriz Adriana Komavli de Sánchez –UERJ PG - UFF

El objetivo de esta comunicación es presentar una serie de reflexiones en torno al día festivo, conmemorativo del 12 de octubre, vigente en el calendario oficial español y en muchos países hispanoamericanos, objeto de resignificaciones a lo largo del tiempo. Los discursos conmemorativos del “Día de la Raza”, “Día de la Hispanidad”, vigoraron con fuerza entre fines del siglo XIX y la primera mitad del siglo XX y responden a circunstancias históricas y políticas muy particulares. Presentaremos algunas aproximaciones iniciales de nuestra investigación de doctorado que pretende contribuir para discutir la noción de hispanidad de aquella época y construir un archivo, siempre fragmentado, parcial, de estas prácticas discursivas de la memoria pública del 12 de octubre1. Esos discursos oficiales, pronunciados por presidentes o altos mandatarios de gobierno, trataban

Academias de Lengua y Letras de América y en la política externa de aquella época. Actualmente, la práctica de construcción de un archivo con estos pronunciamientos se nos presenta como instigante y desafiadora. Su lectura, su descripción hoy, provoca un efecto de rareza que, según Foucault ([1969]1995), hace con que pertenezcan a un espacio privilegiado, “entre la tradición y el olvido”, una vez que el régimen de enunciabilidad ha cambiado: El análisis del archivo comporta, pues, una región privilegiada: al mismo tiempo próxima a nosotros, pero diferente de nuestra actualidad, se trata de la orla del tiempo que cerca nuestro presente, que lo domina y que lo indica en su alteridad; es aquello que fuera de nosotros, nos delimita. La descripción del archivo desarrolla sus posibilidades (y el control de sus posibilidades) a partir de los discursos que comienzan a dejar de ser los nuestros. (p. 150-151) (Traducción de la autora)

de un ámbito no de objetos materiales sino de dependencias simbólicas y de parentesco. Ese vínculo

Escogimos para esta ocasión presentar

exaltado con la ‘madre patria’ fue tan relevante que

algunos esbozos analíticos del discurso de 12 de

se plasmó en otros dominios asociados: en la

octubre de 1947, pronunciado por el entonces

educación, en los posicionamientos políticos de las

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

184

presidente de la República Argentina, general Juan

Maingueneau (2008, p. 37) en términos de ‘interdicto’

Domingo Perón2.

de un discurso, de lo ‘decible faltoso’. Esos vínculos conforman un juego enunciativo que es preciso examinar.

El abordaje teórico

En esta primera aproximación destacamos el

La visión dialógica de Bajtín y el Análisis del Discurso de línea francesa que considera los estudios enunciativos nos ayudarán a destacar algunas marcas lingüísticas de la red de filiaciones identitarias que se tejían entre la madre patria y las excolonias materializadas en los discursos oficiales del 12 de octubre. El

proceso designativo que conforma, diseña, objetos del discurso. Ese proceso comprende estrategias de sustitución, de paráfrasis, de sinonimia, etc, creando, por un lado, la ilusión de una equivalencia entre las palabras y, por el otro, la estabilización del referente. Ese proceso al mismo tiempo funciona describiendo, calificando. Orlandi (apud KARIM, 2001, p. 83-108) se refiere a dicho mecanismo en términos de

género

pronunciamiento

es

así

caracterizado por Daher (2000, p. 86):

reescritura. Para la autora, la reescritura es un mecanismo constitutivo del lenguaje que nos posibilita nominar algo o alguien de modos

En el género pronunciamiento político, el enunciador acostumbra a anunciar de forma explícita a quien se dirige, aunque pueda dirigirse a muchos otros destinatarios que no sean los directamente anunciados, valiéndose de otros recursos. Estos direccionamientos pueden ser recuperados por medio de diferentes marcas lingüísticas. Otra particularidad de ese discurso político presidencial es la de que el enunciador tiene garantizado por el poder del cargo empírico que ocupa el derecho al pronunciamiento – ya que su papel social así lo autoriza y legitima. La certeza de un auditorio en el cual se incluyen no solo los destinatarios explícitamente designados por él en su discurso, sino una multiplicidad de “oyentes” es otra marca importante de esos discursos. (Traducción de la autora)

Foucault, en su arqueología, sostiene que los límites del enunciado son los otros enunciados con los cuales se puede establecer un espacio de correlaciones, en la medida en que tratan del mismo dominio de objetos, y aún más: “no hay enunciado que, de una forma o de otra, no reactualice otros

diferentes, parafraseándolo. Del conflicto, de la tensión que subyace entre la paráfrasis (lo mismo) y la polisemia (lo diferente), surge el sentido como efecto.

Contextualización del discurso En su clásica obra de referencia para los estudiosos de las ciencias sociales, Anderson (2011, p. 32) así define el concepto de nación, guiado por una visión antropológica: “una comunidad política imag inada



e

imaginada

como

siendo

intrínsecamente limitada y, al mismo tiempo, soberana”. Se imagina y no se inventa, una especie de fraternidad horizontal que atraviesa a todos los integrantes que, sin conocerse, conforman ese concepto moderno aglutinante que se materializa en prácticas.

enunciados” ([1969]1995, p. 113). Esa relación no

Anderson afirma que en América, en ninguna

solo es posible de ser establecida con otros enunciados

de las florecientes naciones la lengua constituyó un

pasados como también condiciona, inaugura, un

problema en aquel inicio (finales del siglo XVIII y

abanico de relaciones posibles futuras. Aquellos

comienzos del XIX) ya que los pueblos y líderes

enunciados renegados son reformulados por

criollos tenían la misma lengua que los

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

185

excolonizadores. El castellano, lengua vernácula, fue

universalista, de nuestro espíritu imperial, de la

impuesto a los indígenas americanos en los dominios

Hispanidad, (...) defensora y misionera de la

de la corona española.

verdadera civilización, que es la Cristiandad” (VALLS, 1999 e ABÓS, 2003, apud TATEISHI, 2005, p. s/d).

Las guerras revolucionarias, por más duras que hayan sido, aun así eran tranquilizadoras, en la medida en que eran guerras entre parientes. Ese vínculo familiar garantizaba que, después de un cierto período de resentimiento, fuera posible reatar íntimos lazos culturales, y a veces políticos y económicos, entre las exmetrópolis y las nuevas naciones (p. 262)...Fue justamente el hecho de compartir con la metrópolis la misma lengua (y también la religión y la cultura) que había posibilitado las primeras creaciones de imágenes nacionales (p. 268). (Traducción de la autora)

Sin embargo la festividad solo gana estatuto legal el 9 de enero de 1958. Según el mencionado autor, la fiesta de 12 de octubre en España no se encajaría en ninguno de los dos tipos señalados en el párrafo anterior. En ese sentido es coincidente con S. Juliá (1990) que en su artículo Vieja nación, fiesta imperial, así califica a esta conmemoración “fiesta imposible de la nación española”. Si es imperial, si es imposible para España,

Una fiesta compartida puede cumplir esa función de afianzar, también, lazos culturales, entre otras. A propósito de las fiestas nacionales, Tateishi (2005, p. s/d) apunta dos tipos de celebraciones de la memoria pública: “la que insiste en la continuidad de la nación desde el pasado histórico, y la que celebra la nación moderna a partir de la ruptura con el pasado”.

¿cómo calificarla para las naciones de lengua española, excolonias? En América la propuesta, hecha por la Unión Ibero-Americana en 1912, de adoptar la fecha del 12 de octubre como Día de la Raza fue acogida rápidamente por muchos gobiernos. En el caso específico de Argentina que nos interesa, el presidente Hipólito Irigoyen, el 11/10/1917 publica un decreto declarando el 12 de octubre fiesta nacional

Conflictos internos en España postergaron la

dedicada a la raza. Recientemente, por el decreto

definición de una fecha conmemorativa nacional

1584/2010 sobre feriados nacionales y días no

hasta que las celebraciones por el IV Centenario del

laborables de la actual presidenta argentina, Cristina

Descubrimiento de América en 1892, luego la pérdida

Kirchner, la fecha fue redesignada como Día del

en 1895 de Cuba y de Puerto Rico en 1898, el creciente

Respeto a la Diversidad Cultural3.

expansionismo de los Estados Unidos en América, el intento fracasado en el norte de África y los regionalismos internos aceleraron la necesidad de reatar lazos con las excolonias americanas, ahora estimadas como ‘hijas’ bajo un nuevo prisma de política la externa, cuyo propósito era recuperar un prestigio perdido. Para tal, siguiendo a Tateishi (2005), la madre patria recorre a su pasado exaltándolo. La coincidencia de la fecha con el día festivo religioso de la Virgen del Pilar, aliada a la ideología de esa hispanidad se mostró muy efectiva para consolidar la fecha conmemorativa: “Se trata así de poner de manifiesto la pureza moral de la nacionalidad española: la categoría superior,

Para entender lo que ocurrió en ese período de tiempo es menester considerar que hasta mediados del siglo XX predominó una manera única, monolítica, de entender la unidad cultural de cada nación que da lugar, en la segunda mitad de ese siglo, al multiculturalismo. Heymann (2007, p. 16-17) apunta que, en escala mundial, ese proceso fue motivado por: la disgregación de la Unión Soviética, la descolonización de África, la constitución de nuevos bloques económicos (UE y Mercosur), el proceso de globalización y los movimientos migratorios. Grupos enteros que habían permanecido en el olvido, en este caso los descendientes remanecientes de diversas comunidades indígenas,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

186

lucharon por sus derechos y reivindicaron su lugar

o indirectamente, para conformar su entramado. Son

en la memoria ahora transformada en valor, un deber

ellas: la reina Isabel (Nueva Recopilación de las Leyes

moral de reconocer múltiples identidades.

de Indias), decreto del presidente Irigoyen de 1917,

Consideramos entonces que es ese nuevo régimen de

Menéndez y Pelayo, Renán, La Galatea, Diario de

enunciabilidad el que nos posibilitará la descripción

Madrid (1788), un versículo de Job, Persiles y

del archivo en cuestión.

Sigismunda, Ortega y Gasset, Discurso de las armas y de las letras de Cervantes, Weber, un notable cervantista inglés (s/d), Madariaga, Crónica General de Alfonso el

Aproximaciones al discurso del 12 de octubre de 1947

Sabio, un escritor contemporáneo (s/d), un dicho, otros discursos pronunciados por Perón (8/6/44, 10/7/44 y 24/11/44). A lo largo del pronunciamiento son hechos

La sesión fue realizada en la Academia

comentarios sobre la obra Don Quijote de La Mancha

Argentina de Letras con el doble objetivo de rendir

así como también hay réplicas a los detractores

homenaje al cuarto centenario del nacimiento de

internos y a las potencias extranjeras enemigas

Miguel de Cervantes, aprovechando la proximidad

(expansionismo de los Estados Unidos y el avance de

supuesta del nacimiento del homenajeado (entre el

la Unión Soviética en Eurasia).

29/9 y 9/10/1547) y conmemorar el Día de la Raza, de hecho, el título del discurso es Homenaje a

Presentamos a seguir, una recolección, no exhaustiva, de las designaciones correspondientes a

Cervantes 4.

Cervantes, España, Argentina, la raza, la hispanidad Se hace preciso aclarar que en aquella época,

y la lengua. Los números entre paréntesis indican los

España – bajo el régimen del General Francisco

subtítulos en los que se encontraron tales

Franco - y Argentina mantuvieron vínculos políticos

designaciones.

muy estrechos, merecedores de muchas críticas, a tal punto que en 1946 las dos naciones firmaron el

CERVANTES: el grande hombre; código del honor

Convenio Comercial y de Pagos por el cual Argentina

y breviario del caballero, pozo de sabiduría y, por los siglos

fornecería cereales a España5.

de los siglos, espejo y paradigma de su raza (1); la universalidad de Cervantes; genio auténticamente español;

A la introducción del extenso discurso de 13

el genio máximo del idioma; la inmortal figura de Cervantes,

páginas, le siguen dieciséis tópicos cuyos subtítulos,

su palpitación humana, su honda vivencia espiritual y su

aquí numerados son: (1) Espíritu contra utilitarismo; (2)

suprema gracia hispánica (5); su vida; su obra; la más alta

La raza: superación de nuestro destino; (3) América: empresa

expresión de las virtudes; su prosa …fina, magistral,… una

de héroes; (4) España rediviva en el criollo Quijote; (5)

riqueza tal de vocablos; la sencillez de su estilo; la perennidad

Porvenir enraizado en el pasado; (6) Entraña popular

del Quijote, su universalidad (6); el glorioso manco de

cervantina; (7) Conciencia social de Cervantes; (8)

Lepanto; su propio dolor físico y espiritual; sus compañeros

Cervantes, prototipo católico; (9) Inteligencia y milicia; (10)

de esclavitud; su vida triste, estrecha, dolorosa; con genial

La revolución y las almas; (11) Grandeza de España; (12)

previsión (7); el inmortal alcaíno; el prototipo del caballero

América y España: identidad pacifista; (13) Paz y justicia

católico, de raíz hispana; su indómita inteligencia (8); el más

social; (14) Argentina es libertad; (15) Transformación del

grande de los escritores castellanos; el inmortal complutense;

6

mundo y (16) Resurrección del Quijote .

Como en todo discurso, otras voces comparecen de manera más o menos explícita, directa

el misterio y la magia de Cervantes (9); Cervantes –el prototipo del español- (10).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

187

ESPAÑA: la Patria Madre, fecunda, civilizadora,

empresa universal; un afán pacifista; este sentido primario

eterna; su maternal regazo; la madre España; tan noble

de la justicia (11); un patrimonio cultural acumulado

tronco (1); su obra civilizadora; única en el mundo; su más

durante siglos (16).

calificado blasón; la mejor ejecutora de la raza; un rosario de heroísmos, de sacrificios y de ejemplares renunciamientos; su empresa; el signo de una auténtica misión (2); nuevo

LA LENGUA: el idioma más hermoso de la tierra (2); la armonía de su lengua (4).

Prometeo; la magnitud de su empresa; magnífico aporte a

Una vez más nos deparamos con un ámbito

la cultura occidental; su sangre; sus hijas (3); la levadura de

semántico difícil de delimitar. En varios momentos

su sangre; una herencia inmortal (4); la ascética grandeza

hay como una superposición entre los valores

ibérica y cristiana (5); la más prodigiosa acumulación de

adjudicados a los diversos objetos de discurso.

incitaciones ideales; la universalidad de lo español (9); lo español,… un desbordamiento de pasión; por esta grandiosidad y por esta fuerza; el sentimiento patriótico español (11).

Una figura emblemática ha llamado nuestra atención, nos referimos a la curiosa designación ‘quijotes de nuestras pampas’ (1) en la que se condensan la figura del Quijote y la del gaucho para

ARGENTINA: coheredera de la espiritualidad

predicar los rasgos en común valorizados: ‘el riesgo

hispánica; isla de paz (1); distintas a la madre en su forma

por el bien’, ‘la ventura de todo afán justiciero’ y ‘el

y apariencia, iguales a ella en su esencia y naturaleza (3);

sabor de “jugarse por entero”’.

su gloriosa trayectoria histórica; el pensamiento inspirador de sus grandes estadistas (12); la patria; el éxito de nuestra política exterior (idealista, quijotesca) (13).

Se rescatan fragmentos del pasado de España, marcados por el signo de una misión cristiana, para (re)crear una historia, interpretada como destino, que

LA RAZA: algo puramente espiritual; una suma

bajo determinada coyuntura se proyecta para un

de imponderables; nuestro origen y nuestro destino; nuestro

presente y un futuro y así hacer frente a las grandes

sello personal indefinible e inconfundible; un estilo de vida

transformaciones sociales en el panorama mundial

(2); esta filiación (4).

de aquella época. Esta hispanidad se alinea al

LA HISPANIDAD: el heroísmo y la nobleza, el ascetismo y la espiritualidad, sus más sublimes proporciones (la vertiente hispánica de la cultura occidental y latina) (4); el sentido misional de la cultura hispánica; valor incorporado

espiritualismo, ya los oponentes son considerados utilitaristas. Perón cierra el discurso haciendo una exhortación que no podíamos dejar de traer:

y absorbido por nuestra cultura; una comunidad de ideas e ideales, valores y creencias; esta imposición del destino (5); el ideal hispánico-ascético, estoico, acaso resignado; la flor de la caballería; ese orbe espiritual,…el más puro y elevado; la más prodigiosa acumulación de incitaciones ideales (9); los valores espirituales; la riqueza espiritual; los únicos valores eternos (10); los pueblos de la hispanidad, la pasión patriótica; unidad de origen, unidad de cultura y unidad de destino; vínculos de idioma, de religión, de cultura, de historia; estas identidades; una empresa universal; la verdadera unidad espiritual de los pueblos hispanos; nuestra

Como miembros de la comunidad occidental no podemos sustraernos a un problema que, de no resolverlo con acierto, puede derrumbar un patrimonio espiritual acumulado durante siglos. Hoy, más que nunca, debe resucitar don Quijote y abrirse el sepulcro del Cid Campeador.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

188

Consideraciones finales

FOUCAULT, Michel ([1969]1995): A Arqueologia do Saber. 4ta ed, Rio de Janeiro: Forense Universitária.

Estas primeras aproximaciones se mostraron muy productivas por revelar los valores adjudicados en aquella época a la noción de hispanidad, que se

GLOZMAN, Mara (2008). La Academia Argentina de Letras y el peronismo (1946-1956). En: anclajes XIII, p. 129-144.

aparta de la definición genérica dada por el diccionario7, noción que puede ser confundida con

GONZÁLEZ, Mario Miguel (2005): Hispanidad e

la de hispanismo y con la que mantiene parentescos.

Hispanismo para profesores brasileños de Español. En: XI Congreso Brasileño de Profesores de Español, 2007,

La fiesta del 12 de octubre parece haber

Salvador. Actas del XI Congreso Brasileño de Profesores de

servido de pasquín para una determinada coyuntura

Español. São Paulo : Librería Española e Hispanoamericana

histórica y política. El advenimiento del

- Casa del Lector, p. 2-8. www.educacion.es/exterior/br/

multiculturalismo, a partir de la segunda mitad del

es/publicaciones/XI_congreso.pdf. Consulta realizada el

siglo XX, podríamos decir que desacraliza una visión

26/01/2012.

de lengua monolítica que se ajustaba a esa formación ideológica.

HEYMANN, Luciana Quillet (2007): O devoir de mémoire na França contemporânea: entre memória, história,

En definitiva, se observan marcas lingüísticas

legislação e direitos. En: GOMES, Angela de Castro

de un movimiento político-cultural que surge a fines

(coord.): Direitos e cidadania –memória, política e cultura,

del siglo XIX bajo el signo del conservadorismo

p. 15-43. Rio de Janeiro: FGV.

(GLOZMAN, 2008) y que rescata valores vigentes en

JULIÁ, Santos (1990): Vieja nación, fiesta imperial. Jornal

la Castilla del siglo XV. En consonancia con González

El País, 19-7-1990. Disponible en: http://elpais.com/diario/

(2005), Tateishi (2005) especifica más aún y afirma

1990/07/19/internacional/648338411_850215.html

que “(la hispanidad) era un concepto íntimamente

(consulta realizada el 08/04/2012).

ligado al nacional-catolicismo del régimen franquista”.

KARIM, Taisir M. (2001): Significação –Da História ao nome Israel e Palestina na Folha de S. Paulo. Em: Sociedade e Discurso. Campinas, São Paulo: Pontes; Cáceres, MT: Unemat.

Referencias bibliográficas MAINGUENEAU, Dominique (2008): Gênese dos ANDERSON, Benedict (2011): Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras, 2 da reimpressão.

discursos. SP: Parábola. TATEISHI, Hirotaka (2005): Estado–nación y fiesta nacional.. En: Oralità e Memoria, a cura di Joan Armangué i Herrero, Cagliari: Arxiu de Tradicions, pp. 59-71).

DAHER, Maria C. F. G. (2000): Discursos presidenciais de

Disponible en: http://www7a.biglobe.ne.jp/~hirotate/

1o de maio: a trajetória de uma prática discursiva. Tese de

hiro-es/art-hiro/hiro-4.htm (última consulta realizada el

doutorado em Lingüística Aplicada ao ensino de línguas.

25/06/2012).

PUC-SP.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Notas 1

Título provisorio de la tesis: Discursos oficiales del 12 de octubre: ¿Raza, Hispanidad o Resistencia indígena? Orientadora: Dra Maria Del Carmen F. G. Daher –UFF.

2

Biblioteca del Congreso de la Nación, Departamento Colecciones Especiales. Discursos Gral. Juan D. Perón, 1947, carpeta No 11.

3

www.boletinoficial.gov.ar Consultado el 26/01/12.

4

Además discursaron el señor presidente de la Academia Argentina de Letras, don Carlos Ibarguren y el Académico de Número, don Arturo Marasso. Se encontraban también presentes el embajador de España, académicos, ministros, enviados especiales, representantes de instituciones culturales y universitarias, miembros del Cuerpo Diplomático y Consular, etc.

5

http://www.tau.ac.il/eial/I_1/rein.htm. Consulta realizada el 28/1/2012.

6

Dada la extensión del discurso no lo presentamos en anexo. Para su versión completa remitimos al lector al sitio del Centro Virtual Cervantes, aclarando que faltan los subtítulos (1) y (8). También alertamos que en otros sitios investigados el pronunciamiento figura incompleto y sin aclaraciones, sin los contenidos de los subtítulos (6) al (15). http://cvc.cervantes.es/literatura/quijote_america/argentina/ ibarguren.htm Consultado el 6/4/2012.

7

Diccionario de la Lengua Española (RAE), 22da ed.: 1. Carácter genérico de todos los pueblos de lengua y cultura hispánica. 2. Conjunto y comunidad de los pueblos hispánicos.

189

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

190

SUBORDINADAS TEMPORAIS E FINAIS EM PORTUGUÊS E ESPANHOL: QUESTÕES DE CONTRASTE E EFEITOS PARA A TRADUÇÃO

Bruna Macedo de Oliveira 1 PG - Universidade de São Paulo

estudo se desviavam do padrão de frequência normal de seleção de infinitivos ou subjuntivos dessas construções em português, seria verificar como tais

1 Introdução

orações são descritas, de uma perspectiva gramatical, em ambas as línguas.

A partir da observação de um corpus de traduções de receitas feitas por treze aprendizes brasileiros de espanhol como língua estrangeira (E/ LE), constatamos uma grande proximidade entre o texto meta e o texto fonte, fundamentalmente nas chamadas orações subordinadas adverbiais temporais, com “quando/cuando” e “até/hasta”, e nas orações subordinadas adverbiais finais, com “para/ para”, no que se refere à seleção dos tempos e modos verbais que se seguiam a essas estruturas. Isso fazia com que o produto das traduções desses sujeitos soasse, intuitivamente, pouco natural, considerando a noção de “naturalidade” como aquelas “coisas que de fato são ditas numa dada área de uma dada língua

No presente estudo, buscamos sistematizar, de forma comparada, as informações normativodescritivas levantadas para o português e para o espanhol, par tindo de alguns casos que serão analisados em nossa pesquisa de mestrado e com base em gramáticas e trabalhos que abordam tais estruturas, para o português, principal, mas não somente, na Gramática de usos do português (NEVES, 2003) e na Gramática descritiva do português (PERINI, 1998) e, para o espanhol, na Gramática descriptiva de la lengua española (BOSQUE; DEMONTE, 2000) e em Construcciones temporales (MARTÍNEZ GARCÍA, 1996).

ou variante linguística” (TAGNIN; TEIXEIRA, 2004, p. 315). O primeiro passo no sentido de comprovar essa intuição, que as construções utilizadas naquele

2 As subordinadas adverbiais temporais: comparações entre “quando/cuando” e “até/hasta”

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

191

A oração subordinada adverbial temporal

segundo a concordância estabelecida em cada caso.

compõe um período composto, constituído por uma

O infinitivo flexionado, segundo Perini (1998), é um

oração principal (nuclear ou matriz) e uma temporal

caso especial existente apenas em língua portuguesa,

que tem o papel de situar ou delimitar

pois, ao contrário do infinitivo impessoal existente

cronologicamente o evento da oração principal

nas línguas românticas, apresenta um sujeito e possui

(PÉREZ SALDANYA, 2000). Em língua portuguesa,

flexões de número e pessoa (3). Um fator importante,

de acordo com Neves (2003, p.787), “a análise das

de acordo com Perini, no que se refere ao infinitivo

construções temporais pode ser representada pela

flexionado, é que, em geral, suas condições de

análise das orações iniciadas pela conjunção

concordância são distintas das dos demais tempos e

‘quando’”, por ser ela uma das mais produtivas em

as intuições dos sujeitos sobre quando utilizá-lo são

língua portuguesa, especialmente na correlação

muito menos seguras do que para os outros tempos

temporal do modo indicativo. Contudo, se o que se

verbais.

pretende é uma expressão de eventualidade, “quando” será acompanhado de futuro do subjuntivo (1)2. (1) Quand o ferver, desligue e deixe esfriar. Quando

(3) Junte a cebola e o alho e cozinhe até estarem macios.

A preposição “até” estabelece relações de dois

As orações introduzidas por “cuando” em

o r ais (4b), em que está ciais (4a)3 e t e mp mpo tipos, espa espaciais

língua espanhola se comportam de maneira análoga

presente a ideia de um limite, um ponto final cujo

ao restante das orações temporais, ou seja, aparecem

início se pressupõe.

com indicativo se designam eventos factuais (passados, presentes ou habituais) e com subjuntivo

(4a) É um caminho progressivo até chegar ao pódio olímpico.

quando se referem a contextos posteriores e não factuais. Diferentemente do que acontece em língua

(4b) Sove bem a massa até dar o ponto.

portuguesa, o conector “cuando” não admite, na subordinada em língua espanhola, a presença de

A preposição “hasta” também se constitui

formas verbais futuras, de modo que, quando o

como um nexo de tipo delimitativo, fornecendo-nos

referido na oração principal se orienta ao futuro,

informações sobre o momento em que começa e/ou

como indica Martínez García (1996, p.38), só será

termina o evento verbal. García Fernández (2000,

possível na subordinada o uso do imperfeito do

p.3198-3199) explica que há uma segunda hipótese

subjuntivo (2a) ou do presente (2b):

relativa a esse conector em língua espanhola, segundo a qual não existiria um, mas dois tipos de “hasta”:

(2a) Junto con la patata cortada echamos el pimentón y cuando estuviera sofrito echamos el agua.

at um d ur urat atii v o (que apontaria o limite final de um calização intervalo, como em (5a)) e outro de lo localização p o nt ual (que situaria o momento em que o evento ntual

(2b) Cuando enfríe, extraer la rama de vainilla.

No caso da preposição “até”, Ilari et al (2008) explicam que se localiza entre as menos gramaticalizadas do português. Esse conector admite verbos tanto no modo finito quanto na forma infinitiva, podendo ou não aparecer flexionados,

ocorre, como em (5b)). (5a) Juan se quedó hasta las tres.

(5b) Juan no llegó hasta las tres.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

192

García Fernández destaca que tal proposta

Castilho (2010) explica que, de uma forma

não estaria livre de problemas, embora haja dois

geral, as orações adverbiais constituem exemplos de

pontos a seu favor. O primeiro diria respeito ao fato

orações construídas com indicativo e subjuntivo. No

de que alguns gramáticos observaram que essa

entanto, esse não seria o caso das orações finais, que

preposição não se comporta da mesma forma em

só se constroem com subjuntivo ou com a preposição

contextos afirmativos e negativos, o que comprovaria

“para” seguida de infinitivo. Segundo Neves (2003,

a dupla natureza. O segundo baseia-se na

p.886-887), as orações finais introduzidas pela

possibilidade de que dito elemento seja seguido por

preposição “para” seguida de “que” e um verbo no

uma oração de infinitivo. Na presença de “hasta”

subjuntivo (modo finito) são aquelas que apresentam

durativo, essa possibilidade se limita a alguns casos

um sujeito distinto da oração principal (8).

nos quais há uma relação de consequência entre a oração subordinada e a principal (6a). Em casos como (6b), tal relação não está prevista.

(8) Leve(suj1) ao fogo par paraa que as batatas(suj2) fiquem bem douradinhas.

As orações formadas pela preposição “para” (6a) Cantó la escena final de Salomé hasta perder totalmente su voz.

seguidas de verbo em infinitivo, por outro lado, podem construir-se: i) com sujeito idêntico ao da

(6b) *Cantó la escena final de Salomé hasta bajar al mercado.

oração principal, caso em que o infinitivo pode ou não, para concordar com seu sujeito, aparecer flexionado (9); e ii) com sujeito distinto do da oração

No caso de “hasta” pontual, não existiria a mesma restrição, como se nota em (7a e 7b), em que ambas as sentenças são gramaticais. Tal diferença, como dispõe o referido autor (ibidem, p.3.201), não

principal, caso em que é mais comum o infinitivo aparecer flexionado, para fazer a concordância com o respectivo sujeito (10), ambos extraídos de Neves (2003: 886).

encontra explicação natural se considerarmos a existência de um só “hasta”, mas sim se houvesse dois. (7a) No pararé hasta no haberlo conseguido.

(7b) No me habló hasta no haber llegado al teatro.

3 As o ub o r dina das finais: o caso d orr ações ssub ubo dinadas dee “par a/ p ar a” para/ a/p ara

(9) Na base em Maranguape, os animais foram colocados um a um em canoas par paraa serem/ser levados até o cativeiro natural.

(10) Convém, atualmente, subdividir a própria contabilidade, par paraa melhor apreendermos a sua finalidade e avaliarmos a sua extrema importância na administração.

Entretanto, quando o sujeito da oração Da mesma forma que as temporais podem ser

subordinada tiver o mesmo referente de qualquer

representadas por “quando”, as finais encontram sua

outro membro da oração principal, a flexão para

representante máxima na preposição “para”. Essas

indicar o sujeito da final é desnecessária (NEVES,

orações são formadas por uma oração principal

2003, p.889):

(nuclear ou matriz) e uma oração final que, segundo Bechara (1999, p.501), “expressam a intenção, o objetivo, a finalidade do pensamento contido na sentença matriz”.

(11) Comprou oito hectares(obj. direto) em Arraial do Cabo, par paraa servir de base à criação de gigas.

Como havíamos assinalado ao tratar da temporal com “até”, o infinitivo flexionado, por suas

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

193

características bastante particulares, ocupa um lugar

p.3621) assinala que os traços semânticos que

marginalizado na sintaxe de nossa língua. Embora as

exprimem a finalidade têm um claro reflexo sintático.

possibilidades de manifestação do fenômeno

Segundo Porto Dapena (1991, p.209) nas orações

dependam de traços semânticos e sintáticos do verbo

finais, utilizar-se-á obrigatoriamente infinitivo

principal, como expõe Perini (1998), exemplos como

quando os sujeitos têm o mesmo referente (15); e

(11) mostram que a escolha pela forma flexionada

subjuntivo quando os agentes não sejam os mesmos

ou não do infinitivo é, em muitos casos, mais optativa

(16), ambos os exemplos extraídos de García (1996,

do que obrigatória. Para Cunha e Cintra (2001), essa

p.74).

eleição depende da evidência dada à ação ou a seu agente, de maneira que, se a opção se der em favor da

(15) Juana canta p ar a alegrarse. ara

primeira, será utilizado o infinitivo não flexionado e se a opção se der em favor do segundo, o infinitivo flexionado.

(16) Juana canta p ar a que nos alegremos. ara

O uso do subjuntivo neste caso justifica-se

Neves (ibidem) explica que, do ponto de vista

pelo traço de intencionalidade que marca a oração

do nível em que estão construídas, as orações finais

subordinada final e porque esta não exprime nenhum

podem ser de dois tipos, distinguidos de acordo com

fato, mas um objetivo, um evento virtual, cuja

seu comportamento sintático: i ) as que ligam o

realização, se chegar a ser produzida, será

conteúdo proposicional da oração principal,

necessariamente posterior ao designado pela oração

a d v e r b i a i s c i rrcc u n s t a n c i a s (13); e i i ) as que

principal. As orações finais podem ainda, segundo

modificam o próprio ato linguístico, a d v e r b iais d dee

Pérez Saldanya (2000, p.3310), aparecer em contextos

e n unciação (14):

sem agente, nos quais se referem à ideia de objetivo como utilidade. Nesses casos, a oração subordinada

( 1 3 ) Esboçou um movimento p a r a seguíssemos em frente.

que

geralmente aparece em infinitivo, seja porque o sujeito da oração subordinada coincide com um argumento da principal, como (17), seja porque não

(14) Par araa dizer a verdade, não sei o que se passa na cabeça do Rei.

diz respeito a nenhum sujeito concreto, mas a um sujeito genérico ou indeterminado, como em (18).

Para a língua espanhola, Galán Rodríguez (2000, p.3625) expõe que as orações finais foram incluídas nas chamadas adverbiais circunstanciais em razão de que a finalidade expressa por elas enuncia uma circunstância, apesar de não contarem com

(17) Esta cuerda servirá p ar a mantener sujeto el ara paquete.

a rascar y cortar las (18) Este tipo de azada sirve p ar ara malas yerbas.

advérbio. Existem, de acordo com Pérez Saldanya (2000, p.3308), dois tipos de orações finais: as

Porto Dapena (1991, p.209-210) acrescenta

propriamente ditas, ou p u r a ss, que indicam o

que há situações em que o infinitivo será utilizado

propósito ou a intenção pela qual um agente realiza

mesmo quando os sujeitos das duas orações não

o evento expresso na oração principal; e as que têm

forem os mesmos, como (19). Essa afirmação é

nt o nse cu um v alo alorr basicame basicament ntee cco nsecu cutt i vo .

corroborada por Galán Rodríguez (2000, p.3629), ao explicar que é desnecessário, em tais orações, que a

Com relação aos tempos e modos verbais que acompanham as finais, Galán Rodríguez (2000,

correferência se dê entre os sujeitos, de forma que o

194

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

agente que executa a ação pode manifestar-se em um complemento direto ou indireto, como (20).

Quando o verbo da oração principal está no imperativo, a situação geral também sofre ligeira alteração. Se os sujeitos não são correferenciais,

(19) Le presté (suj. = yo) mi coche p ar a ir (suj. ‘“ ara yo) a la feria.

( 2 0 ) Llama a la enfermera p a rra a levantarte (enfermera-tú).

O modo subjuntivo, de maneira geral, aparecerá nas situações em que há dois agentes

utiliza-se um verbo na forma pessoal, com subjuntivo (24), se há correferência entre os sujeitos, tanto o infinitivo quanto a forma pessoal (ambos em 25) são possíveis. (24) Haz los deberes p ar a que mañana no te riña el ara profesor.

distintos, como em (21) 4 , em que não se pode considerar a final como de tipo “pura” por não haver

a mandarla hoy / p ar (25) Escribe la carta p ar a que ara ara la mandes hoy.

um sujeito pessoal (+humano) na oração principal. Não obstante, em alguns casos, poderá ocorrer com agentes idênticos (22)5 , em especial quando: i) o verbo principal é passivo; ii) os sujeitos designam entidades inanimadas e não aparece na oração

4 Orações subordinadas adverbiais temporais e finais estudadas: contrastes e efeitos para a tradução

principal um agente explícito, embora se entenda como uma ação que alguém realizará; iii) o verbo

Tomaremos, neste item, aquelas informações

principal está modalizado; e i v) a oração de denota a atitude do falante

objeto de estudo em nossa pesquisa, no gênero receita.

(GALÁN RODRÍGUEZ, 2000, p.3634).

A partir da comparação efetuada, pudemos observar que no uso moderno da língua espanhola, para

(21) Esto servirá p ar a que nos dejen en paz durante ara una temporada.

indicar eventos orientados ao futuro, há duas possibilidades para o emprego de verbos nas construções temporais iniciadas por “cuando”: o de

(22) Los corresponsales fueron convocados a una a que informasen correctamente rueda de prensa p ar ara a sus agencias y periódicos.

imperfeito do subjuntivo e o presente do subjuntivo. Em língua portuguesa, para realizar a mesma relação de sentido, estaria previsto com “quanto”,

Nas situações em que o verbo apresentar um

principalmente, o futuro do subjuntivo.

complemento direto referido a pessoas, a alternância entre infinitivo e um verbo na forma finita pode ser modificada. Isso ocorre porque, além do sujeito do verbo (no caso de este ser também o agente), o complemento direto é suscetível de ser correferencial com o sujeito do infinitivo (23) (GARCÍA, 1996, p.75).

As estruturas com “até/hasta” encontradas em o r al e poderiam receitas exprimem uma relação t e mp mpo ser classificadas, segundo tipologia trazida à luz por at García Fernández, como de tipo d ur urat atii vo , já que é evidente nelas a ideia de consequência entre as duas orações, em que a ação da oração dependente só se cumprirá se a ação contida na principal também

(23) Los jefes lo enviaron a Madrid p ar a hacer unas ara gestiones.

realizar-se. No caso das finais com “para/para”, enfatizamos principalmente as tipologias adotadas em cada uma das línguas. Nas receitas, essas construções poderiam ser identificadas como de tipo

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

195

cir cunstancial (segundo classificação de Neves). A circunstancial

correferencialidade com qualquer dos termos da

as divisão entre finais pur puras as, com agente humano, (26),

principal, parece ser mais provável quando o sujeito

onse cu e de v alo alorr cco nsecu cutt i vo , sem agente ou com um sujeito

da primeira oração se mantém na oração dependente,

não humano, (27), abordada por Pérez Saldanya,

como em (28c), em que fica clara a característica

pode configurar-se como um importante parâmetro

semântica de agentividade e prospectividade.

de análise na classificação das orações finais das receitas de nosso corpus.

(28c) Prepárala en un gran molde cuadrado y córtala a tener unos deliciosos pasteles. en porciones, p ar ara

(26) Par a conseguir una textura más delicada, lo ara podemos pasar por el pasapurés.

5 Considerações finais (27) El aceite sirve p ar a que no se peguen las láminas ara de lasaña.

Com base no cotejo gramatical aqui realizado, No gênero receita, em língua portuguesa, as

podemos dizer que parece haver, em língua

subordinadas finais com “para” parecem funcionar

portuguesa, um leque um pouco mais abrangente que

de maneira análoga às temporais com “até”, já que

o verificado em língua espanhola, para o uso de

ambas podem ser construídas tanto com presente de

infinitivo e subjuntivo nas estruturas subordinadas

subjuntivo (28a), quanto com infinitivo, seja ele

com um caráter prospectivo. Parece existir,

flexionado ou não (28b). Esta última hipótese,

especialmente nos casos de “até/hasta” e “para/para”,

quando for possível a correferência com qualquer um

três possíveis escolhas na tradução para língua

dos termos, será eletiva.

portuguesa, algumas mais e outras menos frequentes em seu uso.

(28a) Vá virando os cubinhos conforme vão dourando par paraa q ue fiquem com um dourado por igual.

Numa breve observação de um corpus de receitas coletadas da internet e escritas originalmente nas duas línguas, verificamos que, em língua

(28b) Embrulhe as batatas em papel alumínio e le levv e ao forno par paraa assar(em) por cerca de 1 hora.

portuguesa, só 2% do total de orações eram seguidas de infinitivo flexionado, o que pode corroborar a

Em (28b), por exemplo, podemos supor que o sujeito de “levar” é o mesmo de “assar” (vvo cê leva ao forno para v o cê assar), ou que há dois sujeitos distintos e a correferência se dá entre o objeto direto da oração principal (as batatas) e o sujeito da final (as batatas). Embora esta pareça ser uma hipótese estranha, devido à possibilidade de não concordância (não flexão) com o sujeito, não resulta pouco incomum. Isso pode evidenciar a natureza flutuante do infinitivo em português.

afirmação de Perini (1998) sobre a insegurança dos falantes com relação ao emprego dessa estrutura. Observamos ainda que a grande maioria das construções finais com “para” (89% do total) e das temporais com “até” (80% do total), em língua portuguesa, são seguidas de infinitivo, em geral, com predomínio de correferencialidade com o objeto direto. Não se constatou o mesmo comportamento nessas estruturas em língua espanhola: encontramos, com “para”, 33% dos casos seguidos de infinitivo e

Em língua espanhola, não parece ser possível

com “hasta”, apenas 18%. Esses dados podem indicar

utilizar infinitivo nas subordinadas finais em todos

que, apesar de o infinitivo ser possível nas duas

os casos indicados para a língua portuguesa. Embora

línguas em caso de correferencialidade com outros

seu uso esteja igualmente previsto quando haja

196

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

termos da oração principal, a distribuição desses usos

BECHARA, E. (1999): Moderna gramática portuguesa. 37.

não ocorra numa mesma medida.

ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lucerna.

Os dados das traduções dos aprendizes referidos na introdução parecem ir na contramão dos números iniciais obtidos nos corpora de receitas escritas em português, já que, nos textos finais por

CASTILHO, A. T. (2010): Nova Gramática do Português Brasileiro. São Paulo: Contexto, p. 338-381. CUNHA, C.; CINTRA, L. F. L. (2001): Nova gramática do português contemporâneo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

eles traduzidos, tanto nas temporais com “até” como nas finais com “para”, houve predominância de

GALÁN RODRÍGUEZ, C. (2000): La Subordinación Causal

estruturas com subjuntivo, como ocorria no texto

y Final. Em: BOSQUE, I.; DEMONTE, V. (dir.) Gramática Descriptiva de la Lengua Española. Vol. 3. Madrid: Espasa,

fonte.

p. 3621-3642.

Resta-nos, agora, realizar um tratamento mais acurado desses corpora de receitas, dos quais apresentamos aqui apenas uns poucos dados quantitativos, comparar o que neles encontrarmos

GARCÍA FERNÁNDEZ, L. (2000): Los complementos adverbiales temporales. La subordinación temporal. Em: BOSQUE, I.; DEMONTE, V. Gramática Descriptiva de la Lengua Española. Vol. 2. Madrid: Espasa, p. 3129-3207.

com as descrições gramaticais efetuadas e, por fim, realizar um cotejo de ambas as análises com o produto

GARCÍA, S. (1996): Las expresiones causales y finales.

das traduções que serão feitas por outros estudantes

Madrid: Arco/Libros.

brasileiros de E/LE. Assim, poderemos observar como

ILARI R. et al. (2008): A preposição. Em: ILARI, R.;

(e se) nossos sujeitos farão uso de todas essas

NEVES, M. H. M. (orgs.) Gramática do português culto

possibilidades que, apesar de semelhantes em

falado no Brasil. V. II. Classes de palavras e processo de

determinados casos, nem sempre parecem coincidir

construção. Campinas: Editora da UNICAMP, p. 760-763.

nas duas línguas e no gênero tratado e, mais detidamente, como se dá nesse gênero e na tradução a questão da correferencialidade nas duas línguas, no

MARTÍNEZ GARCÍA, H. (1996): Construcciones temporales. Madrid: Arco/Libros.

que se refere ao emprego de infinitivos, e se haverá

NEVES, M. H. M. (2003): Gramática de usos do português.

diferenças significativas no uso dessa forma nominal

São Paulo: Editora UNESP, p. 787-801; 884-893.

nas estruturas com “até/hasta” e “para/para”.

PÉREZ SALDANYA, M. (2000): El modo en las subordinadas relativas y adverbiales. Em: BOSQUE, I.;

Referências bibliográficas

DEMONTE, V. Gramática Descriptiva de la Lengua Española. Vol. 2. Madrid: Espasa, p. 3253-3318.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

197

PERINI, M. A. (1998): Gramática descritiva do português. São Paulo: Ática, p.125-179; 199-206; 292-297. PORTO DAPENA, J. A. (1991): Del indicativo al subjuntivo: valores y usos de los modos del verbo. Madrid: Arco/Libros. TAGNIN, S. E. O.; TEIXEIRA, E. (2004): Linguística de Corpus e Tradução Técnica – Relato da montagem de um corpus multivarietal de culinária. Em: TradTerm, São Paulo, v. 10, p. 313-358.

Notas 1

Bolsista Fapesp, FFLCH/USP.

2

Os exemplos a seguir, sempre que não especificada outra fonte, foram extraídos de receitas culinárias obtidas em sites (brasileiros e espanhóis) da Internet.

3

Exemplo extraído de http://www.fac.unb.br/campusonline/esportes/item/2329-brasilienses-rumo-aop%C3%B3dio-ol%C3%ADmpico

4

Exemplo extraído de Pérez Saldanya (2000, p.3.310).

5

Exemplo extraído de Porto Dapena (1991, p.209).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

198

O TEMA TRANSVERSAL DA PLURALIDADE CULTURAL E SUA RECONFIGURAÇÃO NOS LDS DE LÍNGUA ESPANHOLA.

Bruna Maria Silva Silvério PG - UFF

De uma forma geral, a pesquisa propõe-se a

a ela. Isso quer dizer que “ser brasileiro” entende-se

analisar como é abordada a identidade nacional

não se enquadrar em outras identidades que apoiam-

brasileira nos livros didáticos, em diferentes épocas

se em nacionalidades. Além disso, é importante

do ensino de Espanhol. Para isso é importante levar

ressaltar que a identidade nacional pode pautar-se sob

em conta que o termo identidade apresenta uma

diversos princípios: sociais, políticos, geográficos,

definição complexa, mas que há anos vem sedo

etnográficos, para citar alguns. Ainda, segundo Silva

estudado por diversas áreas do conhecimento. Para

(2011):

Woorward (2000), a identidade está intimamente relacionada a sistemas simbólicos e sempre assumimos uma posição, mesmo sem darnos conta. Isso quer dizer que a identidade está presente e qualquer tipo de relação (principalmente nas de poder),

estabelecendo

significados

e

nos

posicionando na sociedade. A autora afirma isso ao dizer: “É por meio dos significados produzidos pelas

A identidade “ser brasileiro” não pode, […], ser compreendida fora de um processo de produção simbólica e discursiva, em que o “ser brasileiro” não tem nenhum referente natural ou fixo, não é um absoluto que exista anteriormente à linguagem e fora dela. Ela só tem sentido em relação com uma cadeia de significação formada por outras identidades nacionais que, por sua vez, tampouco são fixas, naturais ou predeterminadas. (Silva, 2011, p. 80)

representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos.” (Woorward, 2000).

Ao conceituar identidade, não pode-se deixar de focalizar a importância que as relações de poder

Entendendo-se que a identidade está

têm para no seu processo de formação. Baseando-se

intimamente relacionada à diferença, pois uma já

no discurso de Hall (2000), todo processo que gera

pressupõe outra, o sujeito, ao reconhecer a sua

significados está envolvido com relações de poder,

identidade, reconhecerá também o outro. A

onde há sempre a dicotomia entre o incluído e o

identidade “brasileiro”, por exemplo, como deixa bem

excluído. Essas questões devem ser inevitavelmente

claro Silva (2000), pressupõe um referente antagônico

abordadas no ensino, prioritariamente, no ensino de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

língua, já que esta também está subordinadas às relações de poder. Segundo Coracini, em seu ar tigo “A

199

No Guia de Livros Didáticos – PNLD 2011, de Língua Estrangeira Moderna, encontra-se a seguinte consideração:

celebração do outro na constituição da identidade”

Trata-se, portanto, de um momento

(2003), o ser brasileiro não é consituído por como

importante na história do ensino de LEM nas escolas

nos vemos, e sim pelo que os outros, os estrangeiros

públicas brasileiras, que reflete um reconhecimento

acham que somos. Dessa forma, ao assumir uma visão

do papel que esse componente curricular tem na

da psicanálise lacaniana, a autora defende que o

formação dos estudantes. No caso específico de

sujeito é formado pelas concepções e impressões do

Espanhol, esse momento pode significar, também,

outro. Ou seja, em suas próprias palavras, “é possível

uma ampliação do número de escolas que oferecem

afirmar que as representações que fazemos do

essa língua, considerando que sua inclusão no ensino

estrangeiro e as representações que o estrangeiro faz

público é um fato recente. Em suma, a universalização

de nós atravessam, de modo constitutivo, o

da distribuição dos livros de Espanhol e Inglês

sentimento de identidade subjetiva, social e nacional.”

significa um avanço na qualidade do ensino público

(Coracini, 2003, p.201)

brasileiro. (MEC/SEB, 2010)

O presente trabalho propõe analisar três

Isto é, o momento não é só de ingresso das

coleções de livros didáticos destinados ao Ensino

disciplinas de língua estrangeira no Programa do

Fundamental, referentes a diferentes épocas de ensino

FNDE para a escolha dos livros didádicos para o

de Língua Espanhola: Vamos a hablar (JIMÉNEZ e

ensino público básico, mas também representa uma

CÁCERES, 1990), Arriba (CALLEGARI e RINALDI,

esperança de que o Espanhol seja mais difundido

2004) e Saludos (MARTIN, 2010). A coleção mais

entre as escolas. Já que há pouco tempo que foi

atual, Saludos (MARTIN, 2010), foi um dos livros

estabelecida a obrigatoriedade de oferta desta

aprovados pelo PNLD de 2011, ano em que foi

disciplina para o ensino fundamental e médio.

inserido o componente curricular Língua Estrangeira Moderna. Embora tenha sido lançada anteriormente, a coleção foi reformulada para participar da seleção do Programa Nacional do Livro Didático –PNLD 2011 e será essa a edição analisada.

Com base nessas questões da identidade brasileiro, pode-se afirmar que o ensino de língua estrangeira deve vincular-se à noção de cultura, uma vez que esta é parte constitutiva da cultura de um povo ou nação, no sentido de que se assume a posição

Depois de dez anos da criação do Programa,

de existência de “culturas”, respeitando as diferenças

através da Resolução nº 3 de 11 de janeiro de 2008,

sem estabelecer uma organização hierárquica entre

no que dispõe sobre a execução do PNLD, “fica

elas. Como afirma Paraquett, em uma sociedade

definido para o componente curricular de Língua

essencialmente pluricultural1 é importante que haja

Estrangeira o atendimento a partir do PNLD 2011,

uma

com livros de inglês ou espanhol, para os anos finais

interculturalidade, que é, segunda ela, a interrelação

do ensino fundamental” (Diário Oficial da União, 14

ativa de várias culturas que vivem em um mesmo

de janeiro de 2008). Ou seja, apenas no edital de 2011,

espaço geográfico.

Língua Estrangeira (inglês e espanhol) passa a integrar a lista de disciplinas contempladas pelo PNLD.

uma

educação

também

focada

na

Com relação ao corpus do trabalho, pode-se dizer que o LD tem grande importância na aprendizagem da língua estrangeira, pois, além de

200

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

apresentar um suporte a conteúdos abordados em sala

advêm de relações de poder e das vastas possibilidades

de aula, pode ser considerado um dos principais

de relações nos permeiam:

formadores de opinião do aluno acerca dos aspectos sociais e culturais da língua. Levando isso em conta, entende-se que ele deve também ter a preocupação de inserir o aluno na sociedade em que vive como cidadão crítico e que seja capaz de reconhecer-se como participante da diversidade cultural de sua

[…] a identidade marca o encontro de nosso passado com as relações sociais, culturais e econômicas nas quais vivemos agora […] a identidade é a interseção de nossas vidas cotidianas comas relações econômicas e políticas de subordinação e dominação. (RUTHERFORD, 1990 apud Woodward, 2011, p. 19)

nação. Isso se dá a partir da visão socio-interacional da língua e da aprendizagem, como propõe os PCNs (BRASIL/SEF, 1998). Além disso, o aluno, nessa visão, a partir da aprendizagem de língua estrangeira, deve posicionar-se de forma autônoma como uma função de sua cidadania plena. Dessa forma, compreende-se que os LDs têm a função de formar um cidadão crítico, que se posicione e que saiba aceitar e respeitar o outro, cuja manifestação mais evidente na aula de língua estrangeira seja a cultura diferente da sua.

De acordo com a visão de Silva (2011), identidade e diferença estão intimamente imbricadas em uma relação interdependente, isto é, uma não se consolida sem a outra. A identidade “brasileiro”, por exemplo, como deixa bem claro o autor, pressupõe um referente antagônico a ela. Isso quer dizer que “ser brasileiro” entende-se não se enquadrar em outras identidades que apoiam-se em nacionalidades. Além disso, é importante ressaltar que a identidade nacional pode pautar-se sob diversos princípios: sociais, políticos, geográficos, etnográficos, para citar

A relevância das questões identitárias no ensino de língua Cultura e identidade são assuntos que vêm sendo discutidos há muito tempo e abrangem os estudos de diversas áreas. Isso se deve ao fato, baseando-se em Woorward (2011), de que tais conceitos são inerentes a qualquer pessoa e a qualquer relação. Enquanto sujeitos, estamos submetidos a

alguns. Ainda, segundo Silva (2011): A identidade “ser brasileiro” não pode, […], ser compreendida fora de um processo de produção simbólica e discursiva, em que o “ser brasileiro” não tem nenhum referente natural ou fixo, não é um absoluto que exista anteriormente à linguagem e fora dela. Ela só tem sentido em relação com uma cadeia de significação formada por outras identidades nacionais que, por sua vez, tampouco são fixas, naturais ou predeterminadas. (Silva, 2011, p. 80)

sistemas simbólicos e assumimos uma posição na sociedade mesmo sem dar-nos conta. Sistemas simbólicos porque a identidade é marcada por meio de símbolos, como afirma ainda a autora. Isso significa que a construção de uma determinada identidade depende de um símbolo, uma representação simbolica: “É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos.” (Woorward, 2011) Além de depender do símbolo, essa construção identitária também tem uma base social, até porque está intimamente ligada a práticas de significaões que

Ao conceituar identidade, não pode-se deixar de focalizar a importância que as relações de poder têm para no seu processo de formação. Baseando-se no discurso de Hall, todo processo que gera significados está envolvido com relações de poder, onde há sempre a dicotomia entre o incluído e o excluído. Essas questões devem ser inevitavelmente abordadas no ensino, prioritariamente, no ensino de língua, já que esta também está subordinadas às relações de poder.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Uma

questão

importante

para

201

o

comprometer-se com a proposta de formação de um

desenvolvimento da pesquisa pode basear-se na

sujeito crítico, questionador dos sistemas de

pergunta o que é ser brasileiro?. Apesar de ser uma

representação de identidades existentes em seu

pergunta difícil de ser respondida, até pensando na

entorno e, essencialmente, do país em que vive.

diversidade do nosso país – o “ser brasileiro’ pode mudar de acordo com cada região do país, por exemplo – pode-se afirmar que identidade, além de ser dependente do passado histórico e das relações sociais de poder, também tem grande base no que acreditamos ser. Ou seja, a resposta a tal pergunta tem dependência também na ideia do que fazemos

Entende-se que mais do que aprender o código e suas funções na outra língua, o falante toma outra posição subjetiva. Essa posição diz respeito a uma intersubjetividade inconsciente, que põe em jogo as contradições da constituição histórica dos sujeitos. Entendo, portanto, que embora também intermediada pelos métodos e pelos materiais adotados, a atividade pedagógica se dá entre sujeitos, através de elos sociais.(Neves, 2006)

do que é ser brasileiro. Assim, como afirma, Woodward (2000), já que não é possível ter contato

A identidade de um povo e a sua cultura

com todas as pessoas que fazem parte da nossa

formam-se através de diferenças, pois são a partir

identidade nacional, “devemos ter uma ideia

delas que as pessoas assumem determinadas posições,

partilhada sobre aquilo que a constitui.” (Silva, 2000,

a depender de um sistema de classifições onde

p.24)

diversos fatores estão envolvidos. Aqui fica bem claro Silva, em seu livro Identidade e Diferença

(2011), afirma que a identidade e, consequentemente, a diferença devem integrar o currículo pedagógico, já que o encontro com o outro (incluindo o espaço social da escola) é inevitável. No espaço heterogêneo em que vive, principalmente quando se trata de um país plural como o Brasil, o aluno deve ser capaz não só de entender essa diversidade como um produto, como aquilo que existe e que devemos apenas entender e respeitar. Mas sim, compreender o processo em que se dá o estabelecimento das identidades, criticar e questioná-lo: Uma política pedagógica e curricular da identidade e da diferença tem a obrigação de ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com a diferença. Ela tem que colocar no seu centro uma teroria que permita não simplesmente reconhecer e celebrar a diferença e identidade, mas questionála. (Silva, 2000, p. 100)

Dessa forma, entende-se que um currículo pedagógico, bem como o material e o livro didático

que o estabelecimento de uma identidade depende da diferença. Ainda, assumindo uma visão dicotômica da identidade e diferença – onde sempre existe um “eu” ou “nós” e “o outro” ou “os outros” – os dois lados nunca terão o mesmo peso, por não terem o mesmo papel perante a sociedade. Isso significa que um será sempre mais privilegiado que outro. Também, um dos lados, normalmente o mais superior, sempre é considerado o “normal”. A normalidade, relacionada a uma identidade, faz com que ela se torne invisível, destacando-se o “anormal”, o estranho: “A força homogeneizadora da identidade normal é diretamente proporcional à sua invisibilidade.” (Silva, 2000, p.83) Essa relação de desigualdade identitária também precisa tomar um lugar no ensino de língua: “A pedagogia e o currículo deveriam ser capazes de oferecer oportunidades para que as crianças e os/as jovens desenvolvessem capacidades de crítica e questionamento dos sistemas e das formas dominantes de representação da identidade e da diferença.” (Silva, 2000, p. 91 e 92)

utilizados, interessado na inserção do aluno como

Segundo Coracini, em seu ar tigo “A

cidadão participante dos processos de constituição e

celebração do outro na constituição da identidade”

significação da identidade e da diferença, deve

(2003), o ser brasileiro não é consituído por como

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

202

nos vemos, e sim pelo que os outros, os estrangeiros

Referências bibliográficas

acham que somos. Dessa forma, ao assumir uma visão da psicanálise lacaniana, a autora defende que o

BAKHTIN, M. (1992): Estética da criação verbal. São Paulo:

sujeito é formado pelas concepções e impressões do

Martins Fontes.

outro. Ou seja, em suas próprias palavras, “é possível

BRASIL/SEF (1998): Parâmetros curriculares nacionais :

afirmar que as representações que fazemos do

terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua

estrangeiro e as representações que o estrangeiro faz

estrangeira. Brasília: MEC/SEF.

de nós atravessam, de modo constitutivo, o sentimento de identidade subjetiva, social e nacional.” (Coracini, 2003, p.201) Ainda, para que exista uma identidade nacional, é preciso que o outro dê a sua existência.

CALLEGARI, Marília Vasques e RINALDI, Simone (2004): ¡Arriba!. São Paulo: Moderna. CORACINI, M. J. (2007): A celebração do outro: arquivo, memória e identidade. Campinas, SP: Mercado das Letras.

As característica que são atribuídas a nós brasileiros,

_____ (2003): “A celebração do outro na constituição da

por exemplo, é que sustenta a nossa identidade: “o

identidade”. Revista Organon. V. 17, n. 35. Disponível em:

que somos e o que pensamos ver está carregado do

http://seer.ufrgs.br/organon/article/view/30024

dizer alheio, dizer que nos precede ou que precede nossa consciência e que herdamos, sem saber como

COLECTIVO AMANI (1994): Educación Intercultural: Análisis y resolución de conflictos. Ed. Catarata.

nem porquê, de nossos antepassados ou daqueles que parecem não deixar rastros.” (Coracini, 2003, p. 201)

FREITAS, L.M.A.; VARGENS, D.P.M (2009): Pluralidade

É através desse dizer alheio que constroi-se o

Cultural nos Parâmetros Curriculares Nacionais: uma

imaginário de pertencimento de uma nação, e nos

diversidade de vozes. In: Linguagem & Ensino (UCPel.

tornamos singulares diante do estrangeiro.

Impresso), v. 12, p. 373-392.

Sempre que se aprende uma nova língua há um processo de formação da identidade, pois uma língua sempre traz com ela outras identidades, novas formas de organização do pensamento e novas

GIMÉNEZ ROMERO, Carlos (2003): Pluralismo, multiculturalismo e interculturalidad. In: Educación y futuro: revista de investigación aplicada y experiencias educativas, n.8. Disponível em: www.cesdonbosco.com/ revista/impresa/8estudios/texto_cgimenez.doc

imagens do outro. E segundo Coracini (2007) essas novas vozes se entremeiam no incosciente do sujeito

HALL, Stuart (2009): Da diáspora: identidades e mediações

aprendiz. O sujeito por si só é heterogêneo e, ao entrar

culturais. Organização Liv Sovik; Tradução Adelaine La

em contato com uma língua estrangeira, essa

Guardia Resende [et al.] 1ª edição atualizada – Belo

heterogeidade se complexifica, abrindo novas formas

Horizonte: Editora UFMG.

de ver o mundo.

JIMÉNEZ, F. P. e CÁCERES, M. R. (1990): Vamos a hablar: curso de lengua española. São Paulo: Editora Ática. LARAIA, Roque de Barros (2009): Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. LOPES, A.C (2008): O livro didático na política de currículo para o ensino médio. In: Políticas de integração curricular. RJ: Ed. UERJ.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

203

PARAQUET T, Marcia (2010): Multiculturalismo,

PADILHA, P. R (2004): Cultura, multiculturalismo e

interculturalismo e ensino/aprendizagem de espanhol para

currículo intercultural. In: Currículo intertranscultural:

brasileiros. In: BARROS, C. S. (org.) e COSTA, E. G. M.

novos itinerários para a educação / SP: Cortez: Intituto

(org.). Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de

Paulo Freire - (Biblioteca freiriana; v.9).

Educação Básica. SILVA, Tomaz Tadeu da (org.), Stuart Hall, Kathryn MARTIN, I. R (2010): Saludos – curso de lengua española.

Woordward (2000): Identidade e diferença: a perspectiva

São Paulo: Editora Ática.

dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes.

Nota 1

a autora entende esse conceito como a co-presença de várias culturas, ressaltando as diferenças.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

204

O POLICIALESCO NA FIGURA DE AMALFITANO

Bruna Tella Guerra PG - Unicamp

Uma característica essencial da Literatura é a

Não existe sequer um texto que não seja

transcendência textual. Definida por Gerard Genette

transtextual. Essa característica, inclusive, é abordada

(1997) como transtextualidade, essa questão abrange

no conto “La Biblioteca de Babel”, da coletânea

muito mais do que a noção comum de

Ficciones, de Jorge Luis Borges. Nele, é descrita uma

intertextualidade, mas todas as maneiras pelas quais

biblioteca que é comparada ao Universo. Tal local,

um texto pode ultrapassar suas “barreiras”, seus

dividido em partes geometricamente semelhantes, é

limites, e, enfim, estabelecer relações de sentido. Mais

tido como infinito. Diante de tal grandiosidade (sem

que isso, o objeto da poética estaria justamente nessa

um livro sequer igual ao outro, apesar dos limitados

transcendência, nos links textuais estabelecidos entre

caracteres de uma língua), sua compreensão torna-

um texto e outro(s).

se um desafio aos seres humanos, que passam a

Genette, para isso, empresta a figura dos palimpsestos (antes usada por Philippe Lejeune),

almejar a justificativa de suas próprias existências através do entendimento da Biblioteca.

pergaminhos utilizados antes da invenção do papel e

Nesses tempos, surge a lenda del Hombre de

que, após terem suas inscrições apagadas, eram

Libro, que conheceria um tomo com a súmula perfeita

reutilizados, sem, contudo, eliminar inteiramente o

de todos os outros. A procura por tal bibliotecário

que havia sido escrito antes. No sentido figurado, esses

anônimo e pelo resumo de todo o acervo geram uma

“rastros”, essa sobreposição de textos, é a

ânsia de busca retrospectiva: em um livro C poderiam

transtextualidade. Exemplos disso são os títulos,

ser encontradas pistas de um livro B, de um livro B

intertítulos,

imitações,

os resquícios de um A, e assim, ad infinitum, até a

transformações, comentários, entre outros elementos

possível obtenção do objetivo; uma empreitada

que tangenciam, transpassam e oferecem sentidos aos

ilimitada (assumindo a dimensão da própria

textos.

Biblioteca).

epígrafes,

alusões,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

205

Uma das tantas possíveis interpretações do

coerente e plausível torna-se essa ideia quando

conto que a procura pelo livro súmula traz à tona é a

tomamos nota de que em entrevista a Dunia Gras

questão da transtextualidade, tornando claro que

Miravet para a revista Cuadernos Hispanoamericanos,

encontrar “rastros” e sentidos de um texto em outro

Bolaño afirmou que sua poesia e sua prosa pertencem

é inerente à Literatura. É quase uma obviedade, por

a um mesmo projeto estético.

exemplo, que Ulysses, de James Joyce, é um retorno moderno da Odisseia, ou que O Ano da Morte de Ricardo Reis, de José Saramago, retoma a vida de um dos principais heterônimos de Fernando Pessoa.

Uma intenção interpretativa: as pistas de Bolaño

Nesses casos, teríamos um tipo de transtextualidade a qual poderíamos chamar de “externa”, porque estabelece sentidos com obras de outros autores.

Aliado ao projeto estético transtextual, podemos nos atentar a outro ponto importante da literatura bolañeana: geralmente sob forma de

Entretanto, há também a transtextualidade

paratextos, Roberto Bolaño nos dá pistas sobre um

“interna”, aquela que apresenta referências, sentidos

aspecto ao qual podemos considerar ao lermos seus

e links dentro da obra de um mesmo autor. Tomemos

textos, que é o detetivesco. Não são poucos seus títulos

como modelo o personagem Quincas Borba, de

e intertítulos que contemplam a figura do detetive.

Machado de Assis, que após aparecer roubando o

O premiado e famigerado Los detectives salvajes é um

relógio de Brás Cubas em Memórias Póstumas, ganha

dos exemplos, apresentando a imagem do detetive

um folhetim no qual é o protagonista.

como intitulação do texto geral da narrativa e como

Nos finais do século XX e início do XXI, uma

intertítulo da segunda parte do livro. Há ainda outros

representante rigorosa da transtextualidade interna

exemplos pertencentes a coletâneas de textos e

é a obra de Roberto Bolaño. Os links dentro de seus

somente sob forma de intertítulos: o conto

próprios textos são intensos, hiperbólicos: há

“Detectives” de Llamadas telefónicas, os poemas “Los

recorrência de personagens, espaços e ações.

detectives”, “Los detectives perdidos”, “Los detectives helados” de Los perros románticos.

Um exemplo é o personagem Arturo Belano, um dos protagonistas de Los detectives salvajes e

Apesar desses textos trazerem a mesma figura

também do conto “Fotos”, da coletânea Putas asesinas.

no nome, têm estruturas distintas e não contêm casos

Ignácio Echevarría, ainda, afirma em Nota Editorial

policiais aos moldes Sherlock Holmes. Os textos de

que seria Belano o narrador de 2666. Outros casos de

Roberto Bolaño não apresentam enredos que se

transcendência textual interna são o deserto de

enquadram na literatura policial tradicional,

Sonora, bem como a cidade de Santa Teresa, fronteira

assumindo que esta, estabelecida por Edgar Allan Poe

de México e Estados Unidos, ambos locais que

e Arthur Conan Doyle, apresenta elementos

aparecem constantemente nos textos de Bolaño, sejam

constantes

eles poemas, contos ou narrativas longas. A busca por

investigações, pistas, raciocínio lógico, etc.) e

um autor “desaparecido” também ocorre por mais de

estruturas comuns (crime – investigações –

uma vez: em Los detectives salvajes e 2666.

desvendamento do crime).

(assassinatos,

desaparecimentos,

“mundo

No que reside, então, o detetivesco em Bolaño?

bolañeano” nos leva a inferir que essa característica

Uma das soluções possíveis para essa questão reside

faz parte do próprio projeto estético do autor. Mais

no fato de que o gênero policial, que ganhou o apreço

A construção desse linkado

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

206

do público (mostrando-se até hoje na literatura, em

algum personagem literalmente detetive ou da polícia,

séries televisivas e filmes), passou, em meados do

acabando por adquirir um sentido enigmático: quem

século XX a assumir um caráter diferente. Em El

é o policial? Quais seus dissabores?

Túnel (1948), de Ernesto Sabato, por exemplo, conhecemos o assassino já no primeiro parágrafo, sendo ele, inclusive, o narrador da história. Isso nos mostra uma completa inversão da conhecida ordenação dos fatos e do foco narrativo da literatura policial.

A contracapa da edição da Editora Anagrama traz uma citação de Roberto Bolaño (sem referência), que teria dito que el verdadero policía é o leitor tentando ordenar incansavelmente a trama. Esse tipo de leitura é perfeitamente possível para a obra bolañeana no geral, apontando para o próprio projeto

Os textos de Bolaño são mais difusos ainda:

estético transtextual. Bolaño constrói um mundo

apresentam elementos típicos desse tipo de narrativa,

ficcional, e seus leitores procuram encontrar sentidos

como assassinatos, buscas e mistérios, sem

e relações em vão, as pistas são inconclusas, as

necessariamente um estar ligado ao outro. O que nos

histórias não se fecham, não conhecemos por

leva a fazer relações da literatura de Bolaño com o

completo nada que nos é apresentado, e, diante de

aspecto detetivesco não é, então, sua estrutura, mas

tantas informações, nomes e ações, muitas pistas

os títulos temáticos que trazem a questão policialesca.

“escapam por entre nossos dedos”. A precisão lógica

Nesse caso, eles acabam assumindo um sentido

de Auguste Dupin é, então, praticamente descartada.

figurado que encadeam alguns questionamentos: 1)

No caso de Amalfitano, informações que

Quem são os detetives dos textos bolañeanos? 2) Por

obtemos em Los sinsabores del verdadero policía são,

que são referidos dessa maneira? 3) Qual o sentido

na maioria das vezes, diferentes daquelas de 2666.

decorrente dessa escolha?

Devido a isso, a transtextualidade se dá pela percepção de um leitor que utiliza o paradigma indiciário para encontrar possíveis relações e estabelecer sentidos, o

Amalfitano e detetivesco: relações

que o torna o próprio detetive. O movimento feito em La Biblioteca de Babel para buscar um sentido da

Um dos personagens sobre o qual podemos

vida ou da existência da Biblioteca, ocorre também

pensar a respeito dessas questões é Amalfitano, que

em Bolaño na tentativa de encontrar significações e

permeia mais de um texto de Roberto Bolaño. Ele

relações.

aparece em dois livros póstumos: um deles é 2666, dividido

em

cinco

partes

supostamente

independentes, sendo que Amalfitano tem uma só para si: “La parte de Amalfitano”, ainda que participe com maior ou menor frequência nas outras. O outro livro chama-se Los sinsabores del verdadero policía, também com uma divisão de cinco partes, sendo que três

delas

abordam

ações, sentimentos

e

características de Amalfitano. Este último apresenta

Além de entendermos o leitor como detetive, podem haver outras tentativas de identificação do aspecto detetivesco. Amalfitano, por exemplo, apesar de estar longe de ser um Holmes, é um professor universitário, chileno, que em certo momento sofre demissão da Universidad de Barcelona e muda-se para o México, onde começa a trabalhar na Universidad de Santa Teresa.

o mesmo caso de intitulação que remete ao

O fato de ser professor universitário é a

policialesco, apesar de o enredo também não mostrar

primeira característica desse personagem que poderia

nenhuma narrativa policial tradicional, nem mesmo

assemelhar-se ao detetivesco. A pesquisa acadêmica

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

207

segue pistas, faz inferências e estabelece conclusões a

Outro episódio é o de “la voz”, uma voz que

respeito de seus objetos de estudo. O intelectual

Amalfitano escuta e com a qual conversa. Juntos,

latino-americano, porém, é resvalado à margem

acabam refletindo sobre a vida, sobre questões da

através da figura de Amalfitano: mandado para o

existência, mas nada é concluído. Não se sabe se tal

México, região marginal do globo (como toda a

voz é a consciência de Amalfitano, uma vez que parece

América Latina), para uma cidade fronteiriça entre

apresentar conflitos com a questão sexual

México e Estados Unidos, local no qual, segundo um

(Amalfitano assume-se homossexual depois de

personagem de “La parte de Fate”, de 2666, renderia

adulto) ou uma vivência mística que ironizaria o

um relato policial de primeira magnitude.

realismo mágico, através de uma visão eurocêntrica

A imagem detetivesca do professor universitário é recorrente em Bolaño, ocorrendo também em “La parte de los críticos” (também do 2666), em que quatro professores universitários viajam em busca de Archimboldi, um escritor “desaparecido” que não é encontrado por eles. As

da exoticidade da América Latina, onde questões inexplicáveis estariam passíveis de ocorrer. Essa última interpretação estaria em consonância com a apatia de Bolaño por alguns autores que compuseramo boom da Literatura hispano-americana na década de 1960.

buscas são frustradas e as pistas, inconclusas, tal qual

Por fim, um elemento que representaria o

a pesquisa em Literatura, que nunca oferece soluções

ponto de partida de uma narrativa policial tradicional

definitivas.

ocorre como “pano de fundo” das ações de

Nesse mesmo sentido de indefinição, Amalfitano passa, no México, por certos episódios de mistério impossíveis de serem resolvidos em sua objetividade, distanciando-se do tipo de investigação feita pelos tradicionais detetives.

Amalfitano: os assassinatos de mulheres de Santa Teresa, que são citados diversas vezes em “La parte de Amalfitano”, que ganharão uma das parte de 2666: “La parte de los crímenes” e serão abordados também em Los sinsabores del verdadero policía. Para Amalfitano, porém, esses casos não parecem ter significativa

Um deles acontece quando Amalfitano está

importância em sua vida, que seriam um oásis de

desencaixotando os livros que havia selecionado

horror em meio ao tédio de Amalfitano (caso

durante a mudança de Barcelona para Santa Teresa.

quisermos oferecer uma interpretação à epígrafe

O professor depara-se com um chamado Testamento

baudelaireana de 2666).

geometrico, de Rafael Dieste e, não lembrando-se de ter comprado tal livro, nem mesmo de ter estado na cidade da livraria na qual ele havia sido

Conclusão

comercializado, muito menos de tê-lo colocado nas caixas de mudança, acaba por ficar intrigado.

É possível percebermos que a estética

Baseado, então, nas ideias de Duchamp, Amalfitano

transtextual de Roberto Bolaño acaba por criar um

decide pendurar o livro de geometria no varal do

“mundo bolañeano”, no qual há uma “dança” entre

quintal, para que ele sofresse as intempéries e

textos, ocorrendo das mais variadas formas. Esse

aprendesse, enfim, quatro coisas sobre a vida. Nesse

aspecto nos permite alastrar interpretações de um

momento, a resolução de um problema descarta

texto para outros, uma vez que todos parecem ser

qualquer raciocínio lógico.

“retalhos de uma mesma colcha”.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

208

Aqui, utilizamos como exemplo a questão

Referências bibliográficas

detetivesca, presente objetivamente em títulos de livros, contos ou poemas. Esta, servindo também de

BOLAÑO, R. (oct de 2000): Entrevista con Roberto

respaldo para a interpretação do recidivante

Bolaño. (D. G. MIRAVET, Entrevistador) Cuadernos

personagem Amalfitano.

Hispanoamericanos.

A estética de Bolaño permite, então, a busca

BOLAÑO, R. (2011): 2666. Barcelona: Editorial Anagrama.

incansável por pistas e a possibilidade de relacionar

BOLAÑO, R. (2011): Los sinsabores del verdadero policía.

elementos que aparecem com frequência. A

Barcelona: Editorial Anagrama.

incompletude dessas investigações e a infinita busca proporcionada pelo caráter de La Biblioteca de Babel,

BORGES, J. L. (2009): Ficciones. Madrid: Alianza Editorial.

parecem ser descritas, enfim, por uma reflexão de

GENETTE, G. (1997): Palimpsests: literature in second

Amalfitano sobre Santa Teresa, que pensa “(...) que

degree. (C. N. Doubinsky, Trad.) Lincoln: University of

todo lo que había visto en el extrarradio de Santa Teresa

Nebraska Press.

y em la misma ciudad, imágenes sin asidero, imágenes que contenían en sí toda la orfandad del mundo, fragmentos, fragmentos.” (p. 265). Reflexão esta que parece ser uma metonímia de sua própria obra.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

209

¿BACRIM O PARAMILITARISMO? ANÁLISIS DE LA CONCEPCIÓN DE PARAMILITARISMO EN COLOMBIA EN EL PERÍODO 2002-2006 A TRAVÉS DE LA PRENSA ESCRITA

Camilo Ramírez Rodríguez Corporación Universitaria Minuto de Dios Adriana Yamile Suárez Reina Universidad Libre

El abordaje que desde la prensa se hace a los paramilitares como actores sociales que influyen en la sociedad colombiana -pues detentan un poder y tienen un objetivo claro de acción- no responde necesariamente a una perspectiva objetiva, razón por la cual este trabajo pretende analizar cómo la prensa escrita, en par ticular el periódico El Tiempo, representa el concepto de paramilitarismo en Colombia durante los años 2002 al 2006. La motivación de este análisis parte, en primer lugar, del interés por estudiar la capacidad de los medios masivos para erigirse como instancias sociales fundamentales en los procesos de construcción del consenso, y en segundo lugar, porque se hace necesario reconocer las connotaciones de dicho consenso bajo el supuesto de que los medios responden a los intereses propios de determinadas estructuras de poder.

How can ´Sayers´ be represented –impersonally or personally, individually or collectivety, by reference to their person or their utterance, etc. –without privileging any of these choices as more ´literal´ than others, and without thereby also privileging the context or contexts in which one or the other tends to occur as more normative than others (VAN LEEUWEEN, 1996, p. 33).

De esta manera, para el autor, la construcción de los actores se hace principalmente a través de los mecanismos de inclusión y exclusión. Para el primer mecanismo, se remite a modos explícitos de enunciar a los actores, en el segundo, la exclusión, dicha representación se configura a partir de la omisión total o parcial de los sujetos. El análisis de estos dos mecanismos permite rastrear formas conscientes e inconscientes de legitimar intereses ideológicos en el discurso, que para el caso de este trabajo, aluden a la consolidación del “deber ser” del concepto de paramilitarismo en el escenario de la prensa escrita.

Para ello se parte de los postulados de Theo

Metodológicamente, se elige el periódico El Tiempo

Van Leeuwen los cuales se remiten a los diferentes

por su alto índice de lecturabilidad en Colombia y

sistemas de designación discursiva que hacen alusión

porque además está en sintonía directa con las

a los actores sociales como medio de representación;

políticas gubernamentales de turno. Así, se selecciona

en palabras del autor:

un corpus en relación con los siguientes criterios: 1.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

210

Referenciar al paramilitarismo en tanto actor del

presidente entrante era establecer un diálogo y buscar

conflicto armado colombiano; 2. Pertenecer a la

una posible desmovilización de dichos grupos.

tipología textual de editorial puesto que representa la línea de pensamiento del diario; 3. Haber sido publicado entre los años 2002 al 2006. De acuerdo con lo anterior, el corpus resultante fue de cinco (5) editoriales de cada uno de los años que abarcan el periodo estudiado.

Así, el diario El Tiempo representa a los paramilitares como un actor con unas condiciones bastante particulares a través del mecanismo de inclusión. En primera instancia, gracias a la categoría de activación, el diario caracteriza a los paramilitares como poseedores de un proyecto político que se basa en contrarrestar el avance y la acción de las guerrillas, así como en la debilidad del Estado colombiano para

Construcción, difusión y ocultamiento del concepto de paramilitarismo A continuación se presentarán los resultados fruto del estudio del corpus mencionado anteriormente. Cabe destacar que este trabajo no se

afrontar tales acciones. De este modo, el paramilitarismo se concibe entonces como un proyecto paralelo al Estado que comparte un objetivo en común: las guerrillas. No obstante, dicho proyecto se les sale de las manos tanto a sus líderes como al Estado, y se convierte en un problema:

basa sencillamente en abordar la exclusión o la inclusión de los actores, reduciendo el análisis a su aparición o a su ausencia. Lo que se busca a través de estas categorías textuales es analizar el porqué de dicha ausencia o presencia, ya que la exclusión es un indicador de que algo debe ser controlado, y la inclusión, por su parte, señala que es necesario adherirse a las ideas presentadas.

Sus más lúcidos dirigentes aspiraron a configurar un proyecto contrainsurgente civil, de alcance nacional, autónomo del Estado pero sin confrontarlo. […] los paras se han vuelto un factor de inseguridad, incluso para quienes en un primer momento los promovieron con la ilusión de brindarse protección frente a la guerrilla. Ellos sencillamente se independizaron de sus progenitores y ahora esquilman a todo el mundo (I)

No obstante, este problema se da en términos

2002 – 2003: El fracaso de un “proyecto político”

de la “ilegalidad” de su accionar pero se concibe como “un mal necesario” en relación con la guerrilla:

En los primeros meses del año 2002 se generó

Losparasi son la máxima expresión de la

un clima de tensión pues, por una parte, se

debilidad territorial del Estado: sectores de la

recrudecieron los ataques armados y, por otro, se

sociedad civil han tenido que recurrir a apoyar la

avecinaban unas elecciones presidenciales que se

sedición, a apelar a la justicia privada y hasta a

alimentaron de la idea de ahondar en la confrontación militar como única vía para resolver dicho conflicto. La necesidad de realizar una intervención militar,

confabularse con el narcotráfico para defender su vida y sus intereses ante el acoso de la guerrilla, pues el Estado los dejó desamparados (II).

propició que la propuesta presidencial de Álvaro

De allí, tras los primeros acercamientos entre

Uribe “Primero Colombia” tuviera éxito, básicamente,

el gobierno y los paramilitares, se recurre a la

porque estaba comprometida con acabar el problema

estrategia de atenuar las características negativas del

de los grupos al margen de la ley. Bajo esta situación,

actor, situación concebida por Van Leeuwen como

algunos editoriales sugerían que el reto para el

sobredeterminación por desviación, es decir, el diario

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

211

cambia no sólo la nominación del actor, sino las

desmonte total del paramilitarismo. Sin embargo,

características de sus acciones. Esta situación conlleva

dicha ley genera una fuerte polémica que divide la

ambigüedad pues se da una justificación o valoración

opinión pública ya que pasar del “dicho al hecho” no

benéfica de dicho grupo: “PDS, promotores de

es tan fácil como inicialmente se creía. En este

desarrollo social en los barrios”, “simples pandilleros”,

periodo, las negociaciones son calificadas desde el

“Grupo antigurrillero”, “Boy scouts que han

diario como “empantanadas” y la responsabilidad de

aprendido a hacer la guerra en los últimos meses”

este impase recae únicamente en el gobierno:

(III), entre otras. Las primeras desmovilizaciones de miembros de los paramilitares, en conjunto con la minimización del actor y sus acciones realizada por el diario, lo encuadran como un ente con el cual se puede dialogar. De otro lado, la situación del discurso

Luego del fracaso del Referendo, el Gobierno podría estar frente a un nuevo traspié: el fracaso de las conversaciones con los grupos paramilitares con vistas a su desmovilización. A pesar de la insistencia de algunos de estos grupos en realizar hechos demostrativos de su intención de desmovilizarse, el proceso no pinta bien (VI).

combativo se utiliza como trampolín para la futura

El diario hace uso de la estrategia de

reelección ya que, presenta el diario, en cuatro años

activación para poner en el ojo del huracán al

no es posible realizar un proceso de desmovilización

gobierno y su aparente poca voluntad de diálogo;

y lo que menos se quiere es incurrir en los errores de

disminuye la responsabilidad correspondiente a los

los gobiernos pasados: “Muy probablemente la

paramilitares con la estrategia de beneficialización;

promesa oficial de desarticularlos completamente

asimismo, se cuestionan las posibles solicitudes de

antes de terminar la actual administración no se

extradición, situación expresa de los Estados Unidos:

pueda cumplir” (IV). El éxito de dichos diálogos fortalece la credibilidad en el gobierno del presidente Uribe: “Sin duda, la dejación de armas constituye un éxito político para el Gobierno en su política de Seguridad Democrática, que fortalecerá la confianza

Lo de Estados Unidos, por supuesto, es mucho más complejo y exigente, pero muy pragmático. Su verdadero y único interés es aprovechar las expectativas de un desarme paramilitar y el poder intimidatorio de la extradición, para dar un golpe sustantivo al narcotráfico… (VII).

ciudadana en el Gobierno y el prestigio del presidente Álvaro Uribe Vélez” (V). Por tanto, el “fracaso” del

Como se puede apreciar, la intervención de

proyecto político paramilitar y su posible

este país se restringe al provecho que pueda sacar de

desmovilización fue el éxito político del gobierno

la situación, sin importarle los crímenes cometidos

Uribe: la idea de reelección.

por los paramilitares en Colombia. En esa medida, una posible intervención externa no enfrenta el fenómeno

2004: Desmovilización: un problema “Porque, como diría Maturana, es mejor tener siete milparasi en armas que tener diez mil. Pero sin olvidar tampoco que para muchos es mejor tener alguna seguridad que no tener ninguna.” (II)

paramilitar

sino

que

lo

toca

tangencialmente. Adicionalmente, se mantiene la ambigüedad en relación con la caracterización del actor paramilitar, ya que a través de la categoría de la exclusión parcial se cataloga de “más dura” la tarea del gobierno frente a

Tras los primeros diálogos y algunas

las guerrillas sin el “apoyo” que brindaban los grupos

“desmovilizaciones” se plantea una Ley de

paramilitares: “pues la lucha contra las Farc, que así

Alternatividad a través de la cual se negociará el

sería más dura que nunca…” (VII).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

212

De otro lado, se insinúa en una sola editorial,

simultáneamente la estimen demasiado blanda para

a través del uso de la exclusión parcial, cómo dicho

los paramilitares” (IX). En esa misma dirección, en

proceso puede incurrir en la impunidad, pero

varios editoriales se reitera que es mejor aceptar dicha

automáticamente subvierte esta apreciación a través

ley antes de una posible reacción violenta de los

de un cuestionamiento implícito en sus líneas: si se

paramilitares. Los argumentos esgrimidos son la

buscara una paz definitiva la disposición de “perdón”

capacidad de su poder militar, el recrudecimiento de

debe ser mayor ¿Qué estamos dispuestos a dar por

los ataques por parte de la guerrilla, y la poca

una paz definitiva? ¿Cuál es su costo?

efectividad del Estado frente a un conflicto en dos frentes:

2005 - 2006: Colombia, el país del Sagrado Corazón: ¿una “justicia” confesional? Colombia fue consagrada en época de la guerra de los mil días al cuidado del Sagrado Corazón. Dicha consagración, según cuentan los ciudadanos de la época, sirvió para que finalizara este cruento episodio. En épocas más recientes, como la referenciada en los editoriales de los años 2005 y 2006, parece que se reviviera una parte de la historia. Aquí, el proceso de desmovilización de los paramilitares no se consagra a una deidad católica de manera directa, sino que por el contrario se concibe dicho proceso desde una “justicia” confesional, tal como reza el adagio popular: “el que peca y reza empata”, esto en razón a que a la paz se llega a través de la redención, y no a través de la justicia.

Pero mañana, para presionar una negociación en condiciones más favorables, podrían actuar como una fuerza desestabilizadora y atacar violentamente instituciones y políticas del Gobierno. Esto podría coincidir con una reactivación del accionar armado de la guerrilla, y entonces tendríamos un escenario catastrófico: un Estado precario atacado simultáneamente por dos ejércitos irregulares, en medio de un proceso electoral decisivo. […] Los paramilitares están hoy más fuertes que nunca y sus posibilidades de perduración y expansión hacia el futuro son prácticamente ilimitadas. (VIII)

Otro de los argumentos que sustentan la “confesionalidad” de la justicia se basa en la falacia de la autonomía del Estado colombiano. En dicha falacia se apela a la minimización de la influencia de organismos internacionales que están interesados en que este proceso no quede en la impunidad. Un ejemplo de ello es cuando se cuestiona el valor institucional de la Corte Penal Internacional como ente de justicia:

La redención a la cual se hace alusión en las líneas anteriores se presenta en los editoriales a través del apoyo a la Ley 975 de 2005 o Ley de Justicia y Paz. Este documento es calificado en el diario como “lo mejor” que se podría lograr en esta coyuntura a pesar de lo que sus opositores afirman: “Y, en efecto, para llegar a un acuerdo de paz tal vez el nivel de perdón

La Corte Penal Internacional no es el irresistible y omnipotente ángel vengador que nos pintan. Lo que es más real es la posibilidad de la perpetuación y el agravamiento de la guerra en Colombia si no se desmovilizan pronto los paramilitares con un acuerdo nacional inspirado en el principio de la paz como valor supremo, incluso por encima de la justicia. La paz también es un acto de soberanía (VIII).

tendría que ser más alto que el que finalmente otorgará la Ley, aun cuando también más bajo que el

Una intervención externa sería no solo la

que anhelan los paramilitares” (VIII). Para justificar

piedra en el zapato para el proceso, sino que también

la viabilidad de la ley se hace uso del contraste: “ni

traería como consecuencia –implícita- el hecho de

las Farc ni el Eln aceptarán dicha ley por considerarla

que la guerrilla posiblemente retome el poder. Aquí

demasiado

se invocan nuevamente las voces de la cultura: “el

dura

para

ellos,

aun

cuando

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

enemigo de tu enemigo es tu amigo” y la ley debe

213

Consideraciones finales

tratarlo como tal. Así, la Ley de Justicia y Paz, aunque imperfecta, funcionó como mecanismo para que

El anterior análisis relacionado con el

miles de paramilitares se desmovilizaran. Sin

concepto de paramilitarismo presentado por el diario

embargo, este instrumento jamás contestó al

El Tiempo permite establecer los mecanismos a través

interrogante del ¿Por qué no reconocer que hay

de los cuales la representación del fenómeno es de

conflicto armado? El simple hecho de analizarlo

difícil identificación y atenúa la importancia de

implicaría revisar la noción de justicia, verdad y

abordar dicha problemática. Así, se da cuenta de dos

reparación que hasta el momento no se han

ejes particulares: las estrategias empleadas para velar

cumplido.

el fenómeno y la validación del proceso de impunidad.

Posterior a la aplicación de dicha ley, los editoriales del año 2006 se enfrentan a la diatriba de mencionar o no al paramilitarismo. Aquí la estrategia es utilizar la exclusión parcial en razón a que no se puede hablar de paramilitarismo ya que este concluyó en el proceso de desmovilización de sus miembros. No obstante, se conceptualiza el fenómeno al afirmar que para concebir un grupo como paramilitar es porque dicho grupo tiene nexos con el Estado: La diferencia central entre estas nuevas manifestaciones criminales y los grupos paramilitares es que su enemigo ya no son solo los grupos guerrilleros o sus bases de apoyo social y político, sino, igualmente, las instituciones estatales” (x)

En esa misma línea, se utiliza una disociación por contraste, pues se dice que estas nuevas “manifestaciones criminales” no comparten el mismo objetivo del gobierno, sino que ahora, atentan contra las instituciones estatales. Adicionalmente, se hace uso de la categorización al poner en el mismo racero a aquellos que pertenecieron a grupos paramilitares y no se desmovilizaron y al delincuente común. Ahora bien, el paramilitarismo desde su forma nominal no existe, pero como fenómeno estructural endémico de la sociedad colombiana sí, el problema ahora es que es de difícil identificación.

Respecto a las estrategias, se encuentran: la asignación del rol para mostrar a dicho actor como poseedor de una “estructura política” -aunque problemática-, que a su vez conforma una “estructura social” -descompuesta, enquistada, como lo afirma el mismo diario-. Al hacer un acercamiento para resolver la situación legal de esa “estructura social” se visualiza una posibilidad política para el Estado de sacarle partido al conflicto. Por otra parte, el uso recurrente de contrastes ambiguos normalmente entre los paramilitares y la guerrilla no deja una posición clar a,

y

por

el

contrar io,

se

justifica

disimuladamente la acción paramilitar bajo la idea del “mal necesario”. Asimismo, la beneficialización se utiliza para destacar ese potencial bélico del que disponen los paramilitares, basado en acciones hechas pero presentadas como hipotéticas en un futuro próximo, se resalta entonces la necesidad de un diálogo a cualquier precio a partir del miedo. Además, se alude al fenómeno paramilitar con los términos “desmovilizados” o “no desmovilizados” de acuerdo con la favorabilidad o no respecto a la Ley de Justicia y Paz. En el periodo estudiado se evidencia cómo la representación del actor justifica las políticas del Estado y legitima la violencia que este órgano ejerce en defensa de la comunidad, así como también hace eco del proceso que pretende sustentar su impunidad.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

214

De acuerdo con esto último, El Tiempo, al

Referencias bibliográficas

difundir el desvanecimiento de la categoría “paramilitar”, oculta no solo un nombre sino un

FERNÁNDEZ, Juan Carlos. (2004) El Capitán América

discurso que busca la impunidad. Gracias a la

nunca supo convencer a los malos. Leyendo en los cómics

exclusión parcial de este actor se legitima la creación

más allá de la adolescencia. En: CONTRERAS, F. &

de un discurso sobre la defensa de las normas. En esa

SIERRA, F. Culturas de guerra, p. 189 - 224. Madrid:

medida, el proceso de significación de este discurso

Editorial Cátedra.

se configura a partir de unas condiciones de

VAN LEEUWEN, T. (1996). The representation of social

producción específicas que están determinadas por

actors. In C. R. Caldas-Coulthard & M. Coulthard (Eds.),

la filiación del medio con la ideología que proclama

Texts and practices. Readings in Critical Discourse

el gobierno de la época a través del uso de la retórica

Analysis. London: Routledge.

bélica. Al respecto, Fernández afirma: La retórica bélica tiene como finalidad explicar razones, sin encontrar argumentos que hagan imposible el rechazo popular a las acciones armadas y a elaborar relatos dirigidos a crear una ilusión al mismo tiempo de victimismo y de orgullo patrio (…). De esta manera el “buen ciudadano” debe ser sobre todo un “buen patriota” o inscribirse en cualquier otro patrón de lo que es “correcto” en tiempo de guerra, según haya dictaminado el discurso de autoridad dominante para la formación social en la que política y/o administrativamente se encuentre integrado el individuo (FERNÁNDEZ, 1989, p. 189)

Entonces, El Tiempo emplea esta retórica

ANEXOS: Noticias I.

de 2002. II.

La desmovilización de los paramilitares, El Tiempo, 4 de julio de 2003

III. Una desmovilización inédita, El Tiempo, 24 de noviembre de 2003. IV. El Pantano Paramilitar, El Tiempo, 7 de noviembre de 2003.

bélica al evadir la responsabilidad de utilizar la nominación del fenómeno paramilitar como tal. Este

El futuro de los paramilitares, El Tiempo, 2 de agosto

V.

mecanismo conlleva la impunidad puesto que al no

Desmovilización de autodefensas, El Tiempo, 28 de noviembre de 2003.

presentarse nominalmente al fenómeno, se excluyen de manera sistemática los aspectos ideológicos y

VI. El pantano paramilitar, El Tiempo, 7 de noviembre de 2003.

estructurales de la violencia en Colombia. Así, la prensa al caracterizar al actor por su nombre determina su identidad, pero cuando no hay actor – porque es elidido- es difícil identificar quién es el

VII. El ralito y mi abuela, El Tiempo, 4 de octubre de 2004. VIII. No maduros para el perdón, El Tiempo, 8 de abril

responsable de los hechos violentos. La lógica

de 2005.

entonces de difundir el éxito de la desmovilización paramilitar trae consigo no solamente la supresión

IX. Justicia y paz: 2005 y 2016, El Tiempo, 8 de julio de 2005.

del nombre sino el cambio en la concepción del fenómeno. Es más, ahora ya no existe el problema, se limpia el nombre del gobierno sin perder ese brazo oscuro de acción, y se propicia, por ende, su impunidad.

X.

¿Tercera generación?, El Tiempo, 5 de junio de 2006.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

215

INICIOS DE LA SANTIDAD MEDIEVAL EN LENGUA CASTELLANA: TRADUCCIÓN Y PROTAGONISMO FEMENINO EN LA VIDA DE SANTA MARÍA EGIPCIACA

Carina Zubillaga SECRIT (IIBICRIT-CONICET) - Universidad de Buenos Aires

La leyenda de Santa María Egipciaca, una de

La historia, ya en su versión occidental, narra

las santas más populares y paradigmáticas durante la

la vida de una joven nacida en Egipto, María, que a

Edad Media, tiene como primer testimonio escrito

los doce años huye de su casa paterna a Alejandría

un texto griego compuesto por Sofronio en el siglo

para ejercer allí la prostitución y abandonarse a toda

VII que se traduce luego al latín en la segunda mitad

clase de pecados. En un viaje a Jerusalén, en el cual se

del siglo VIII. Estas redacciones iniciales de la historia

embarca con unos romeros siete años después, una

de la santa constituyen la versión oriental de la

fuerza sobrenatural le impide la entrada al templo el

leyenda de María Egipciaca como prostituta

día de la Ascensión, después de lo cual ella dirige una

arrepentida; en ellas, María no es la protagonista del

larga oración a la Virgen María, se convierte y cambia

relato, sino sólo el ejemplo de santidad frente al cual

absolutamente de conducta. Por indicación divina y

resulta confrontado Gozimás, un monje que la

como penitencia por su vida anterior de pecado, pasa

descubre como penitente en el desierto y que

cuarenta y siete años en el desierto, donde sobrevive

encuentra en ella el modelo de humildad necesario

con sólo tres panes, padece incontables sufrimientos

para variar su conducta y reorientar su vida

y finalmente muere en una muerte santa que

espiritual1.

presencia el monje Gozimás, quien la entierra

La versión occidental de la leyenda, que

ayudado por un león y confirma la historia de la

comienza a desarrollarse probablemente en Francia

penitente en la abadía de San Juan, de la que es

a partir del siglo XII, cambia totalmente el eje de la

miembro, extendiéndose luego el relato de su vida y

historia, centrándola en María de Egipto y relegando

muerte santas desde allí a toda la cristiandad.

a Gozimás a ser sólo el testigo de la santidad de la nueva protagonista. La narración de la vida de María se concreta en tercera persona y asume un estricto orden cronológico; la vida de la santa se transforma, entonces, en la biografía de la santa2.

Intentando encontrar una explicación para la transformación de la leyenda en el paso de la versión inicial oriental a la occidental, DELGADO se pregunta: “¿Se debió a un precoz individualismo el

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

216

que se amplificara el protagonismo de la pecadora

narrativa. Un nuevo público, mayoritariamente laico,

penitente y se la caracterizara físicamente allí donde

será el receptor privilegiado de la reformulación de

la versión original se presentaba en forma tan

las viejas leyendas hagiográficas que contemplarán

espartana?” (DELGADO, 2004, p. 184-185). O,

inversiones de protagonismo, preeminencia de la

también: “¿Fue deliberado el desdén del desconocido

figura femenina y un lenguaje accesible para todos

autor del siglo XIII hacia el protagonismo de

como parámetros determinantes.

Zósimas?” (DELGADO, 2004, p. 185). Su respuesta se enfoca, como sucede también con otros tantos estudiosos, en los lineamientos del IV Concilio de Letrán de 1215, cuyo eje en los sacramentos del arrepentimiento y la penitencia se piensa puede haber impulsado relatos e historias como ésta de la pecadora arrepentida.

La Vida de Santa María Egipciaca (en adelante, Vida) del siglo XIII traduce la francesa Vie de Sainte Marie l’Egyptienne con bastante fidelidad y constituye probablemente la hagiografía castellana más antigua de las conservadas por escrito (BAÑOS VALLEJO, 2005, p. 98). Es anónima y está compuesta en verso irregular, lo que la hace contrastar aún más con la

El fenómeno religioso innovador que se está

producción hagiográfica castellana más relevante del

produciendo en ese momento histórico es, sin

período: la escrita por Gonzalo de Berceo en el marco

embargo, más amplio que un concilio singular –por

del mester de clerecía como escuela poética y de la

más importante que éste sea– y además anterior3. Se

estilizada cuaderna vía de versos alejandrinos

trata de la necesidad de la Iglesia de orientar el

monorrimos4.

proceso de conversión cristiana particularmente hacia los laicos, y hacerlo a través de las lenguas vernáculas y de las historias de santos más accesibles y cercanos a los fieles como principales estrategias espirituales. Por tal motivo, se prefieren el verso a la prosa y las imágenes plásticas al convencionalismo retórico, como bien lo testimonian numerosas leyendas y

La traducción de las vidas de santos desde el latín a las lenguas vernáculas que se desarrolla en Europa occidental a partir del siglo XII testimonia, como en este caso de la leyenda de María Egipciaca, un cambio tanto social como devocional; un verdadero proceso de adaptación cultural, centrado primeramente en la lengua y en la apertura a la

devociones a santos que se intensifican ya a partir

laicidad que supone el acceso de historias y leyendas

del siglo XII.

–antes circunscritas especialmente al ámbito

La manera en que se transformó la leyenda

monástico– al conjunto de los fieles cristianos.

de Santa María Egipciaca en su paso a las lenguas

Entre los fenómenos religiosos más relevantes

vernáculas revela sin dudas una adaptación cultural

del siglo XII se encuentra asimismo la extensión del

expresada primera y fundamentalmente en lo

culto mariano debido, fundamentalmente, a la

lingüístico. La evolución de las leyendas hagiográficas

difusión de las órdenes mendicantes. A la popularidad

atraviesa un umbral literario crítico en su traslación

de la Virgen como intercesora y como anti-tipo de

a las lenguas vernáculas (ROBERTSON, 1980, p. 305).

Eva se suma, de manera paralela, el culto también

El poema francés del siglo XII y luego el poema

creciente de las prostitutas arrepentidas. Frente al

hispánico del temprano siglo XIII –que a su vez lo

ideal imposible de feminidad que la Virgen María

traduce– trasladan la leyenda no sólo del latín, sino

encarnó, la devoción paralela a las penitentes tal vez

que además cambian la prosa por el verso, en una

resultó la respuesta posible, aunque igualmente difícil

doble orientación que se manifiesta tanto en el ritmo

de alcanzar, que contribuyó al desarrollo y avance de

y estructura de los poemas como en su variación

la espiritualidad femenina 5 . Ante la santidad

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

217

innegable de la Virgen María, lo que las prostitutas

diferencias las separan: “Un nonbre avemos yo e ti, /

arrepentidas representaron fue justamente el proceso

mas mucho eres tú luenye de mí” (v. 533-534). A la

de transformación del pecado a la gracia visible en

castidad de la Virgen se opone la lujuria como

las figuras contrapuestas de Eva y de la Virgen. En

principal característica de la pecadora, así como la

este sentido, tanto María Magdalena –el prototipo

humildad de la Madre de Dios es confrontada con el

básico de la penitente– como María Egipciaca

orgullo de María de Egipto. En este punto la oración

dramatizan en sus respectivas leyendas a la santidad

alcanza su máximo lirismo, en principio a partir de

como un proceso arduo y complejo pero posible para

la yuxtaposición entre la primera persona de quien

cualquier pecador, más allá de la gravedad de su

ruega y la segunda persona que es rogada en el

pecado. La dramatización de este proceso de

nombre que comparten (“tú María e yo María”, v.

conversión habría resultado un vehículo privilegiado

535), pero extendiéndose luego a una oposición que

en Europa para la exposición de la doctrina cristiana,

parte de la correspondencia entre una y otra y por

ya que al desarrollar actos de conversión,

eso deviene finalmente en identificación gracias a las

arrepentimiento y penitencia las leyendas de

logradas simetrías formales del fragmento.

prostitutas santas comunicaron la doctrina cristiana a los lectores u oyentes como experiencias concretas a ser compartidas antes que como conceptos abstractos6.

La plegaria se revela a partir de estas paradojas y oposiciones que la construyen como un espacio de auto-confrontación, en el cual María se muestra arrepentida al oponer su pecado a la majestad de la

Esta relación innegable entre la Virgen y María

Virgen, reconociéndose entonces en la Madre de Dios

de Egipto presente en los cultos compartidos está

como el modelo de la santidad que finalmente

tematizada en el poema en el momento crucial de la

alcanzará.

conversión de la pecadora, cuando en Jerusalén le

Este encuentro entre María Egipciaca y la

dirige una oración a María, reconociéndola como

Virgen María en el espacio de la oración refleja con

aquella que personifica en sí misma todo el misterio

seguridad la práctica devocional de gran cantidad de

7

de la Encarnación : “… ¡Ay, duenya, dulçe madre, /

los fieles del período, que elevarían sus súplicas tanto

que en el tu vientre toviste al tu padre!” (v. 483-484)8.

a la Madre de Dios como a la pecadora arrepentida,

Esta idea se reiterará en otros lugares de la misma

que se vuelve entonces imagen en el poema de cómo

plegaria, por ejemplo en los v. 517-518: “Grant

rezarle a la Virgen.

maravilla fue del padre / que su fija fizo madre”, conformando a través de la sucesión de estas

Narrativamente, sin dudas, lo central en la

paradojas9 la figura de la Virgen María como la única

nueva versión de la leyenda de la santa es el

en la cual pueden reconciliarse todas las diferencias10.

protagonismo femenino, visible particularmente en

María como Madre del Redentor es también, en este sentido, la intercesora por excelencia entre su Hijo y todo pecador11.

el diseño biográfico de la vida de María y su transformación espiritual concebida como un proceso tan integral que abarca no sólo su espíritu, sino también su cuerpo, como expresión acabada de

A la dinámica de la paradoja de la Virgen

la posibilidad de cambio de todo cristiano. El proceso

María como Madre de Cristo el poeta suma también

de conversión de María Egipciaca, del pecado a la

a continuación la dinámica de la oposición entre

santidad, se expresa básicamente en su Vida a partir

ambas Marías. A pesar de compartir el mismo

de su imagen física, contrastada como la

nombre, la pecadora reconoce en su oración que las

representación gráfica de un antes y un después del

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

218

arrepentimiento presente en el centro del poema en

los ojos: “ojos negros e sobreçejas” (v. 215), en el

la oración que ya hemos referido.

segundo se destaca el negro como imagen gráfica de

El contraste de la descripción primero de la joven, hermosa y pecadora María y luego de la vieja y espantosa penitente asume la forma de dos extremos tan irreconciliables como impactantes. Baste citar

la fealdad y de los atributos físicos perdidos, dejándose el blanco sólo como término de comparación o para describir los cabellos envejecidos de la anciana: “e los sus cabellos, que eran ruvios, / tornaron blancos e suzios” (v. 724-725)12.

sólo los ejemplos más destacados de esa contraposición para imaginar cómo pudieron haber

El poeta organiza estos retratos de María de

sido recibidos por los hombres y mujeres del

modo valorativo, asignándole en la primera

Medioevo. Mientras en su juventud María Egipciaca

descripción una luminosidad exterior –dada por el

“redondas avié las orejas, / blanquas como leche

blanco de su cuerpo, y el plateado y dorado de su

d’ovejas” (v. 213-214), como penitente “las sus orejas,

vestimenta– y una vivacidad evidente –que aporta el

que eran alvas, / mucho eran negras e pegadas” (v.

colorado– que contrastan con la oscuridad interior

726-727); en tanto cuando era bella “la faz tenié

que ese brillo externo necesariamente supone; en el

colorada, / como la rosa quando es granada” (v. 217-

segundo retrato, por el contrario, la impureza física

218), en su vejez se le vuelve “la faz muy negra e

–dada por el cuerpo opaco, sucio y seco de la

arrugada / de frío viento e elada” (v. 732-733); si joven

penitente– remite valorativamente a su purificación

tenía “su cuello e su petrina, tal como la flor del

interior.

espina” (v. 221-222), ya en el desierto “tan negra era su petrina / como la pez e la resina” (v. 736-737); mientras como prostituta “de sus tetiellas bien es sana, / tales son como maçana” (v. 223-224), al arrepentirse de sus pecados “en sus pechos non avía tetas, / como yo cuido eran secas” (v. 738-739); en tanto en su juventud “braços e cuerpo e todo lo al / blanco es como cristal” (v. 225-226), en su vejez posee “braços luengos e secos dedos, / quando los tiende semejan espetos” (v. 740-741).

El eje legendario del modelo de la prostituta arrepentida está cifrado en estos dos retratos contrastantes de María Egipciaca, que asocian por un lado belleza con juventud y corrupción interior y, por otro, fealdad con santidad y vejez. En este sentido, la presencia e importancia de la santidad femenina en los siglos XII y XIII no es un fenómeno aislado en el marco de las nuevas prácticas devocionales y la expresión de la piedad del período, que tiene entre sus principales manifestaciones el modelo de las

Las comparaciones que sobreabundan en la

penitentes.

descripción de la joven y hermosa pecadora, con la leche de las ovejas, con la rosa o con las manzanas, connotando una materialidad viva y colorida, se oponen luego en el segundo retrato de la penitente a la resina, en una pérdida de carnadura que se evidencia claramente en la casi tangible sequedad de su cuerpo sometido a las inclemencias del desierto.

Además de aquellas santas que manifiestan vocación de santidad desde la infancia, la Edad Media asume con interés creciente el culto de las prostitutas arrepentidas, como María Egipciaca, y lo testimonia en relatos hagiográficos como su Vida hispánica centrados en el arrepentimiento y en la dinámica de la penitencia como horizontes de todo cristiano, que

En ambos retratos el mismo esquema de color

podría reconocerse fácilmente en el pecado inicial de

predomina, sólo que invertido; mientras que en el

lujuria de María de Egipto y eso le daría la posibilidad

primero sobreabunda el blanco como representación

de no ver como tan lejana la promesa de santidad.

de la belleza juvenil, y el negro se emplea sólo para

Seguramente los laicos, entre quienes se difundían

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

219

de manera privilegiada estos nacientes textos en

CORTINA, Lynn Rice (1980): The Aesthetics of Morality:

lengua vernácula, encontraron en la transformación

Two Portraits of Mary of Egypt in the Vida de Santa María

espiritual de María de Egipto, presentada

Egipciaca. En: Hispanic Journal, N° 2, p. 41-45.

particularmente a través de las imágenes contrastantes de su cuerpo, un ejemplo cercano y posible de los alcances inconmensurables de la gracia

CRUZ-SÁENZ, M. Schiavonne de (1979): The Life of Saint Mary of Egypt: An Edition and Study of the Medieval French and Spanish Verse Redactions. Barcelona: Ed. Puvill.

cristiana de la salvación. DELGADO, E. Ernesto (2004): Mariales franceses, ingleses

Particularmente en España, el eje del cambio

y españoles en la creación de la vertiente occidental de la

devocional que se produce a partir del siglo XII es la

leyenda de Santa María Egipcíaca: hacia el nuevo modelo

veneración a la figura de Cristo en consonancia con

hagiográfico de los siglos XIII-XIV. En: Revista de Estudios

el descubrimiento de la intimidad individualizadora

Hispánicos, N° XXXVIII, p. 183-208.

de la persona humana (FERNÁNDEZ CONDE, 2005, p. 452). Esa devoción, que se centra en Jesús Niño y en los episodios de su vida oculta, se vincula con la creciente devoción a la Virgen María como Madre del

FERNÁNDEZ CONDE, Francisco Javier (2005): La religiosidad medieval en España. Plena Edad Media (siglos XI-XIII). Asturias-Oviedo: Ed. Ediciones Trea-Ediciones de la Universidad de Oviedo.

Salvador y propicia una sensibilidad que define nuevas manifestaciones religiosas durante el período.

ROBERTSON, Duncan (1980): Poem and Spirit. The

Esa impronta humanizadora eleva, asimismo, a santas

Twelfth-Century French Life of Saint Mary the Egyptian.

como María Egipciaca como modelos con los cuales

En: Medioevo Romanzo, N° VII, p. 305-327.

los fieles devotos pueden relacionarse e identificarse

SEIDENSPINNER-NÚÑEZ, Dayle (1992): The Poetics of

más directa y afectivamente.

(Non)Conversion: The Vida de Santa María Egipçiaca and La Celestina. En: Medievalia et Humanistica, N° 18, p. 95128.

Referências bibliográficas

SNOW, Joseph T. (1990): Notes on the Fourteenth-Century Spanish Translation of Paul the Deacon’s Vita Sanctae

ALVAR, Manuel (1970-72): “Vida de Santa María Egipciaca”: estudios, vocabulario, edición de los textos. Madrid: Ed. CSIC. ANDRÉS CASTELLANOS, María S. de (1964): “La Vida de Santa María Egipciaca” traducida por un juglar anónimo hacia 1215: gramática, fuentes, versificación, texto y vocabulario. Madrid: Ed. RAE. BAÑOS VALLEJO, Fernando (2005): Una “pecatriz” y una mística. La dudosa ejemplaridad de las santas en los poemas medievales. En: CAZAL, Françoise: Pratiques hagiographiques dans l’Espagne du Moyen Âge et du Siècle

Mariae Aegyptiacae, Meretrics. En: CONNOLLY, Jane E.: Saints and their Authors: Studies in Medieval Hagiography in Honor of John K. Walsh, p. 83-96. Madison: Ed. Hispanic Seminary of Medieval Studies. WALSH, John K. and BUSSELL THOMPSON, B. (1977): La vida de Santa María Egipcíaca: A Fourteenth-Century Translation of a Work by Paul the Deacon (Ms. Biblioteca Nacional BN 780). Exeter: Ed. University of Exeter. WARNER, Marina (1976): Alone of All Her Sex: The Myth and the Cult of the Virgin Mary. New York: Ed. Alfred A. Knopf.

d’Or, p. 97-111. Toulouse: Ed. Université de Toulouse-Le Mirail.

WEISS, Julian (2006): The “Mester de Clerecía”: Intellectuals and Ideologies. Woodbridge: Ed. Tamesis.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

220

Notas 1

Para ahondar en esta versión oriental de la leyenda de Santa María Egipciaca, ver SNOW (1990, p. 8396).

2

La prinicpal implicancia del paso de la narración de la vida de la santa a su biografía es una secuencia ininterrumpida desde su infancia hasta su muerte, luego de más de cuarenta años de penitencia en el desierto (ROBERTSON, 1980, p. 313).

3

Aunque es un indicador crucial de los asuntos eclesiásticos contemporáneos, la influencia directa del IV Concilio de Letrán sobre la leyenda occidental de Santa María Egipciaca no debe ser exagerada (WEISS, 2006, p. 84).

4

Llamativamente, sin embargo, la Vida se conserva en un manuscrito de fines del siglo XIV, el K-III-4 de la Biblioteca de San Lorenzo de El Escorial, junto con un poema escrito en cuaderna vía, el Libro de Apolonio, y otro que es una reescritura de los Evangelios Apócrifos, el Libro de los tres reyes de Oriente.

5

Sólo un secreto oculto en la psiquis medieval explicaría de manera acabada la fascinación de la leyenda de las prostitutas arrepentidas, en particular María Magdalena (WALSH y BUSSELL THOMPSON, 1986, p. 6).

6

La función catequética de este tipo de leyendas prevalece sobre los sermones o la enseñanza abstracta (SEIDENSPINNER-NÚÑEZ, 1992, p. 100).

7

Desde comienzos del siglo XII, cuando la difusión del culto mariano se extiende de manera sistemática entre los laicos, la santidad de la Virgen María se basó en su rol como theotokos (Madre de Dios), mediadora entre Dios y la humanidad a causa de la Encarnación de la divinidad que la convirtió en una segunda Eva, madre de todos los que viven en un sentido espiritual. Para profundizar en los diversos aspectos del culto mariano, ver WARNER (1976).

8

Cito según mi propia transcripción del poema que integra el Ms. Esc. K-III-4, del cual estoy preparando una edición crítica conjunta. Existen ediciones del poema hispánico de ANDRÉS CASTELLANOS (1964), ALVAR (1970-72) y CRUZ-SÁENZ (1979).

9

La paradoja está incluso reforzada con el empleo de algunos dispositivos ornamentales, como el uso de la siguiente metáfora: “E fue maravillosa cosa / que de la espina salió la rosa” (v. 519-520).

10 En esta oración la Virgen María no es meramente una persona a quien la pecadora ora, sino un principio formal encarnado, la reconciliación universal de los contrarios (ROBERTSON, 1980, p. 318). 11 “De todas las ideas difundidas desde los albores de la Alta Edad Media, quizá la que mayor influjo tuvo en los siglos posteriores fue la idea de la Virgen como intercesora entre el pecador devoto y Cristo, que es el aspecto más pragmático de su culto…” (DELGADO, 2004, p. 187). 12 CORTINA (1980, p. 41-45) ya señaló la importancia del empleo del color en las dos descripciones contrastantes de María Egipciaca, orientando particularmente sus observaciones y su análisis al carácter figural que adquieren esos retratos.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

221

CHUNGUI: VIOLENCIA Y TRAZOS DE MEMORIA, (2009), DE EDILBERTO JIMÉNEZ: DESENHANDO A MEMÓRIA COLETIVA

Carla Dameane P. de Souza PG - UFMG

Seja a memória uma configuração cultural,

Essa comissão trabalhou com o objetivo de

ou, capacidade investigada por diversas disciplinas

esclarecer a natureza do processo e dos fatos da guerra

(teologia, filosofia, psicologia sociologia, estudos

interna, além de determinar as responsabilidades

literários e outros), à medida em que passa a ser

jurídicas sobre tais acontecimentos e apresentar as

captada pela História, torna-se um recurso

consequências dos abusos contra dos direitos

privilegiado de acesso ao passado, vía construção de

humanos. A necessidade de discurtir e apurar estes

imagens possíveis de serem transmitidas oralmente,

eventos aciona a comunidade nacional, com a

ou, através de seu arquivamento, em formatos de

finalidade de reunir e escrever uma História

escritura diferenciados. E se a História assume a

respaldada pela heterogeneidade de versões e sujeitos

função de um tribunal, porque atua de maneira

envolvidos.

revisionista sobre os eventos do passado selecionando-os, evitando e ao mesmo tempo promovendo o seu esquecimento, a Memória, em seu permanente exercício, atua contra o amnésia e manifesta váriadas versões sobre os espisódios que pertencem, por exemplo, a um evento histórico específico.

Foi num contexto prévio aos trabalhos da CVR - Peru , que Edilberto Jiménez tornou-se um interlocutor de testemunhas da violência, em Chungui e, posteriormente, em toda a Região das Fazendas (Oreja de Perro)3. O antropólogo visitou Chungui, pela primeira vez, em 1996, como membro da equipe profissional do Centro de Desenvolvimento

O Relatório Final da Comissão da Verdade e

Agropecuário (CEDAP) e condutor do programa de

Reconciliação 1 do Peru resulta da reunião de uma

rádio Rimaykusunchik4. Sendo recebido com festa e

série de narrativas sobre a recente História dos

música, sua presença na comunidade passa a ser

conflitos políticos vividos pelo país, nos anos entre

constante, pois, com a finalidade de difundir

1980 e 2000

2

informações sobre como vivia e se organizava aquela população, ele presenciava as dificuladades e

222

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

participava das discussões e atividades relativas ao

Na medida em que “fazer história” relaciona-

cotidiano dos moradores. Foi nesse ambiente em que

se com a necessidade de escrever e arquivar, a

se tornou uma figura familiar e rompeu, pouco a

participação de Edilberto Jiménez foi decisiva, nesse

pouco, com o medo que havia nas pessoas de

processo, porém ele cumpriu uma função extensiva

conversarem sobre os acontecimentos violentos, dos

a de escrivão. Além de traduzir a oralidade para a

quais elas haviam sido testemunhas.

escrita, o idioma quéchua para o castelhano, Jiménez

O silencio sobre a violência em Chuingui chega definitivamente ao fim quando uma delegação desta cidade, encabeçada pelo prefeito, realiza uma denúcia formal ao Congresso. A denúncia tornou pública a existência de 40 fossas comuns e o registro de mais de 200 desaparecidos. Envolvido nesse debate, em torno do reconhecimento dos eventos de violência ocorridos em Chungui, Jiménez ouve de diversas pessoas relatos que o deixaram comovido e, no intuito de responder, ativamente, a essa comoção, começou a anotar os testemunhos orais e a esboçar seus

atuou diretamente sobre as recordações das testemunhas, traduzindo lembranças-imagens, recordadas oralmente, para lembranças-imagens visuais5 . Por levar em conta a importância da imagem para os povos pré-hispânicos, do continente latinoamericano, penso que, durante o processo de produção desse livro, Jiménez devolve às testemunhas, muitas delas falantes do quéchua, analfabetas, ou, que possuem dificuldades para ler e escrever, suas imagens como um formato de escritura legível, amparada por outros códigos, que não o da letra.

primeiros desenhos. Além disso, solicitou a ajuda dos

No documentário Chungui, horror sin

comitês de auto defesa para que pudesse recorrer

lágrimas… una historia peruana de Luis Felipe

outras comunidades da região e registrar mais

Degregori6, aos 20 minutos Jiménez conta sobre como

testemunhos. O material recolhido foi entregue a

o esboço dos desenhos, correspondendo aos relatos,

CVR - Peru e, por causa disso, Jiménez passou a ser

eram muitas vezes supervisionados pelas testemunhas

membro tanto dessa comissão, quanto da Comisedh

que lhe diziam “así como estás dibujando, así ocurrió”.

(Comissão de Direitos Humanos do Peru).

Como se estivessem reconstituindo cada um dos crimes (massacres, desaparecimentos forçados, execuções arbitrárias, tortura, tratamentos

Recordar, imaginar, desenhar e mostrar

degradantes, infanticídio, violência sexual contra mulheres, sequestros, entre outros), as testemunhas

Em Chungui: violencia y trazos de memoria

voltavam aos locais onde haviam fossas comuns, ou

aparecem os relatos orais recolhidos por Jiménez.

lugares onde ocorreram tais delitos. Foi nessa situação

Esses testemunhos formam parte de uma macro

de vis memoriae7 que Jiménez registrou os relatos e

narrativa e adquirem um valor de fonte histórica e

os transpôs para outro código de escritura associando

jurídica, por que se referem a fatos reais

o trabalho de tradutor à criação dos desenhos e

testemunhados diretamente, ou, indiretamente pelos

retábulos.8

sujeitos enunciativos. Nesse contexto, cada um dos testemunhos registrados no livro admite “a iniciativa de uma pessoa física ou jurídica que visa a preservar

Violência e transformação do espaço

os rastros de sua própria atividade” (RICŒUR, 2007, p. 178) e a partir desse rastro “inaugura o ato de fazer história” (RICŒUR, 2007, p. 178).

Ao considerar que um dos temas centrais de que se ocupa a problemática da representação da

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

223

Memória reside na relação estreita entre recordar e

Um dos últimos desenhos de Chungui:

imaginar penso que, a elaboração das ilustrações em

violencia y trazos de memoria faz referência ao Llaqta

Chungui: violencia y trazos de memoria resulta de um

Maqta (jovem da cidade) um gênero musical

processo que inclui previamente, por parte dos

tradicional da região. Esse taqui9 acompanhou, desde

sobreviventes, a ação de recordar. A ação de imaginar

antigas gerações, os encontros sociais (festivais

(no sentido de propor uma imagem à recordação),

juvenis, matrimônios, batizados, festas religiosas,

por sua vez, tem a colaboração de Jiménez que,

aniversários) relacionando-se, diretamente, com o

recorrendo aos seus talentos como retablista transpõe

modo de convivênicia que agrega os moradores à

para os desenhos essa memória individual e coletiva,

comunidade.

tornando visíveis os crimes e os detalhes que entornam os acontecimentos que lhes são relatados.

“Laqta Maqta” (Desenho de Edilberto Jiménez em: Chungui: violencia y trazos de memoria, 2009, p. 317).

Edilberto Jiménez refere-se a essa expressão

Através dos desenhos é possível perceber como

de vida e alegria como algo que consegue ser

a presença do autoritarismo em Chungui compromete

preservado mesmo após os anos de violência. Ao fazer

as perspectivas espaciais e temporais e obstrui a

essa analogia o autor chama atenção aos muitos

normalidade que antes definia as relações que os

aspectos que caracterizavam o relacionamento dos

campesinos mantinham entre si e com o território.

chunguinos com o lugar, e de que maneira esse espaço

Naquela imagem onde se representa o relato sobre a

de confraternização seria afetado devido a presença

chegada do PCP-SL em Chillihua, “Dijeron: “Deben

e permanência dos grupos violentos (Partido

obedecer a los responsables” (H. J. Em: JIMÉNEZ,

Comunista do Peru-Sendero Luminoso (PCP-SL) e

2009, p. 156-157), o espaço celeste aparece

as Forças Armadas Oficiais do Estado Peruano

comprimido por olhos, retratando a presença do

(FFAA)).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

224

atoritarismo e da vigilância de um partido “que tenía

testemunho Jiménez utiliza essa linguagem

muchísimos ojos y oídos y muy facilmente se enteraba

oferecendo elementos visuais distribuídos pelo céu e

de todo” (E. J. Em: JIMÉNEZ, 2009, p.147).

que faz com o que o espaço funcione como um

Essa mesma elaboração de um espaço carregado de olhos e orelhas se repete fazendo alusão ao testemunho “Le dieron más de 20 Chicotazos”

refletor cósmico. Trata-se da respresentação que oferece ao relato “Las cabezas estaban en distintos lugares” (V. C. Q. Em: JIMÉNEZ, 2009, p. 236-237).

(G.M. Em: JIMÉNEZ, 2009, p. 160-161). Em outro

“Las cabezas estaban en distintos lugares”. (Desenho de Edilberto Jiménez. Em: Chungui: violencia y trazos de memoria, 2009, p. 236).

A representação visual desse testemunho põe

Os relatos são sempre de sobreviventes que

em cena, livre de qualquer metáfora, a crueldade

foram direta, ou, indiretamente testemunhas desses

desses assassinatos e a percepção daquele que foi

crimes, por estarem envolvidos nas situações descritas.

tesmunha indireta do fato. O sobrevivente, que não

Mas, há casos em que este sobrevivente tornou-se

presenciou os assassinatos, encontra os corpos das

testemunha por acaso, como no relato “Asustado

vítimas numa tal disposição que o faz supor o que de

agarraba la soga” (E. O. D. Em: JIMÉNEZ, 2009, p.

veras teria ocorrido. No caso dos testemunhos “Vi con

200-201).

mis propios ojos” (M. H. e C. O. Em: JIMÉNEZ, 2009,

despreocupado, dirigindo-se a casa de sua família em

p. 298-269) e em “Lírio Qaqa Profundo Abismo” (T.

Ninabamba, quando se depara frente a uma situação

B. e L. E. C. Em: JIMÉNEZ, 2009, p. 246-247), também

em que é convocado pelos soldados da FFAA a

teremos sujeitos enunciativos que não presenciaram

testemunhar um assassinato.

diretamente os crimes, mas tiveram acesso ao cenário onde este ocorreu, ou, onde os corpos haviam sido abandonados.

O

jovem

estudante

caminhava

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

225

“Asustado agarraba la soga”(Desenho de Edilberto Jiménez. Em: Chungui: violencia y trazos de memoria, 2009, p. 201).

Em outro testemunho, “Estuve calladito en el

camuflar e poder acompanhar as diversas pessoas de

árbol y lloraba calladito” (M. D. e L. I. Em: JIMÉNEZ,

sua familia que haviam sido apreendidas pelos

2009, p. 238-239) sobreviventes contam como se

soldados da FFAA. Nessa situação, escondidos entre

esconderam em meio a paisagem para nela se

árvores, as testemunhas presenciaram o assassinato dos detidos, entre eles mulheres e crianças.

“Estuve calladito en el árbol y lloraba calladito”(Desenho de Edilberto Jiménez. Em: Chungui: violencia y trazos de memoria, 2009, p. 239).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

226

Grande parte desses sobreviventes tornaram-

JIMÉNEZ, 2009, p. 296-297) uma viúva relata, para

posterior

Jiménez, como em um sonho, seu esposo lhe disse o

reconhecimento de fossas comuns e lugares onde eles

local onde seu corpo se encontrava após ter sido

mesmos haviam enterrado seus familiares, após terem

assassinado, à pedradas, pelos soldados da FFAA.

se

peças

fundamentais

para

o

os encontrado mortos. No testemunho “Calladitos sin que nadie sepa, nos llevamos su cuerpito” (H. R. Em:

“Calladitos sin que nadie sepa, nos llevamos su cuerpito” (Desenho de Edilberto Jiménez. Em: Chungui: violencia y trazos de memoria, 2009, p. 296).

Com base na mensagem onírica, deixada pela

“territorio-paisaje-prisión” (VERGARA, 2009, p. 51).

alma do marido, a viúva sai a procura do corpo. Na

O território foi utilizado, na maioria das vezes, contra

representação visual elementos da natureza e ao

as próprias pessoas que antes residiam ali. Os

mesmo tempo cósmicos, tornam-se testemunhas de

caminhos e abismos foram redefinidos, no contexto

sua busca. No relato a mulher conta que estava

da guerra, com a finalidade de que facilitassem os

acompanhada por seu cunhado, mas no desenho

mecanismos de assassinato e a paisagem, fechada em

apenas aparecem como companhias uma lua, que

si mesma, não sugeria frestas para a liberdade. Esse

chora, e os zorros (raposas), que a espreitam. A mulher

enquadramento relativo ao espaço delineia, para o

encerra seu testemunho contando que ela mesma

olhar do leitor, o sofrimento como uma experiência

realizou o funeral do esposo enterrando-o ao lado

concreta, compar tilhada entre vítimas fatais,

de sua casa desde onde “él simpre me cuida y cuida a

sobreviventes e algozes.

sus hijos” (H. R. Em: JIMÉNEZ, 2009, p. 297).

Através desses relatos e suas versões visuais,

Nos desenhos de Jiménez, os elementos

percebo como esse território, um “Local de Geração”

utilizados impregnam o ambiente e fazem com que o

(ASSMANN, 2011, p. 320) impregnado de afetividade

espaço se pareça, aludindo a Abilio Vergara

10

a um

e que vincula, desde muito tempo, os grupos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

familiares, étnicos e sociais, torna-se também um

Qanchi riupas waqansi

“Local Traumático” (ASSMANN, 2011, p. 349) sobre

Chungui mayuwan tupaspa

11

o qual não é possível formalizar um sentido . Por mais que se tente narrar as histórias relativas aos crimes cometidos nessa região, aqueles elementos que ajudam a elaborar a representação dessas memórias,

227

chaynama llaqtallay waqan manaña pipas yuyaptin13. (JIMÉNEZ, 2009, p. 129)

por Jiménez, em seus desenhos, são os mesmos que abrem fissuras sugererindo a impossibilidade de se

No livro de Jiménez encontra-se vários

reproduzir a aura12 desse local e tudo que se refere a

motivos para que Chungui torne-se um lugar a ser

multidimensionalidade dos fatos que ocorreram aí.

recordado, mesmo por aquelas pessoas que nunca estiveram lá. No que se refere à violência

Mesmo assim, enquanto “Local de Geração” Chungui possui uma memória afetiva e costumes que fortalecem os vínculos que unem as pessoas ao lugar. Essa união permeabiliza os obstáculos que se colocam diante da possibilidade de se refazer as próprias vidas e superar os traumas sofridos, pois, esse território é o lugar onde os moradores cultivam à terra como espaço sagrado e estabelecem o contato, através dela, como seus mortos. É para esse território, finalmente,

indiscriminada que caracteriza a guerra interna do Peru, Chungui destaca-se por ali terem-se cometido crimes exemplares contra os direitos humanos14. Essa conexão constitui por um lado, uma ferida difícil de cicratizar na memória nacional e histórica. Por outro lado, é o motivo pelo qual esse lugar tornou-se inesquecível, cuja história não deve se repetir, e cuja lembrança de seus moradores, vivos e mortos, devemos celebrar.

que a população revindica mudanças estruturais e sociais que podem dar fim à pobreza, ao analfabetismo, às doenças e ao atraso consequentes

Referências bibliográficas

de anos de esquecimento. Fazer-se recordar na memória das autoridades e de outros povos é o que deseja o chunguino quando canta e dança este Llaqta Maqta, recopilado por Jiménez:

ASSMANN, Aleida. (2011). Espaços da Recordação. Formas e Transformações da Memória cultural. Projeto de Tradução Coordenado por Paulo Soethe. Campinas, SP: Editora da Unicamp.

Karu llaqtapin tiyani Chungui llaqtapin tiyani karu laqtalla kaptincha periodistapas chayanchu congresistapas qamunchu

JIMÉNEZ, Edilberto. (2009). Chungui: violencia y trazos de memoria. 2. ed. Lima: IEP, COMISEDH, DED. RICŒUR, Paul. (2007). A memór ia, a histór ia, o esquecimento. Tradução: Alain François [et al.]. – Campinas, SP. Editora da Unicamp.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

228

Notas 1

A Comissão da Verdade do Peru tem sua formação durante o governo de Valentin Paniagua (1936-2006) e no governo seguinte, com Alejandro Toledo (1946), passa a se denominar Comissão da Verdade e Reconciliação.

2

Consultar: Informe Final da Comisión de la Verdad y Reconciliación. (2003). Primera Parte: El Proceso, Los Hechos, Las Víctimas. Introducción.

Versão digital disponível em: . Acessado em 23 de junho de 2012. 3

“Orelha do Cachorro”. Segundo Edilberto Jiménez, para os moradores de Chungui não é usual a expressão Orelha do cachorro como nome que dá referência a região das Fazendas “Zona de Hacienda”. O nome Orelha do Cachorro foi dado à essa região, pelos militares, em alusão ao mapa do estado de Ayacucho, cuja forma, assemelha-se a um cachorro sentado. Toda essa região próxima a Chungui corresponderia a orelha desse cachorro. Conferir: JIMÉNEZ, Edilberto. (2009). La violencia. Em: JIMÉNEZ, Edilberto. Chungui, Violencia y Trazos de Memoria, p. 87-129. Lima: IEP, COMISEDH, DED.

4 5

“Conversemos”. Em Paul Ricœur (2007), encontram-se as postulações que distinguem imaginação de memória. Ele explica que na imaginação é possível enxergar um “irreal”, uma imagem fabulada, pois, a realidade se encontra em suspenso. Por outro lado, na memória existe um “real” anterior à imagem. Contudo, o autor aponta ser um traço comum tanto na imaginação quanto na memória, “a presença do ausente” (RICŒUR, 2007, p. 61), e afirma ser possível estabelecer uma linha que as una, isto é, no caso de operações historiográficas do passado, que tornem identificáveis estas conexões entre memória e imaginação. Trata-se da “lembrançaimagem” (RICŒUR, 2007, p. 61).

6

Chungui, horror sin lágrimas… una historia peruana. Diretor Luis Felipe Degregori. Em Castelhano e Quéchua. 62 minutos. Peru, 2010.

7

Para Aleida Assmann (2011) a ideia da mnemotécnica romana, ars memoriae, entendida como “arte”, possui relações com os processos de armazenamento e pretende, sobretudo, atuar contra o tempo e o esquecimento “cujos efeitos são superados com a ajuda de certas técnicas” (ASSMANN, 2011, p. 34). Diferente dela a vis memoriae seria uma memória em “potência”. Estaria mais relacionada com a recordação involuntária que, sem dispor de métodos de armazenamentos artificiais (como é o caso da mnemotécnica) sempre podem ser acessadas pela memória. Ver mais detalhes em ASSMANN, Aleida. (2011). A memória como Ars e Vis. Tradução de Daniel Martineschen. Em: ASSMANN, Aleida. (2011). Espaços da Recordação. Formas e Transformações da Memória cultural, p. 31-36. Coordenador da Tradução Paulo Soethe. Campinas, SP: Editora da Unicamp.

8

Conferir a exposição virtual “Universos de Memoria. Retablos de Edilberto Jiménez sobre la Violencia Política” . Em: Galería Virtual Carlos Iván Degregori. Instituto de Estudios Peruanos. Disponível em: < http://www.iep.org.pe/cid/galeria-cid/>. Acessado em 25 de julho de 2012.

9

Segundo Jiménez Borja (1946, p. 122) no Peru antigo Taki/Taqui significava dançar e cantar como duas ações que se realizam simultaneamente. Conferir: JIMÉNEZ BORJA, Arturo. (1943). “La fiesta y la danza en el antiguo Perú.” Em: Revista del Museo Nacional, tomo XV. Lima Peru, p. 122-159.

10 VERGARA Abílio. (2009). La memoria de la barbarie en imágenes, una introducción. Em: JIMÉNEZ, Edilberto. Chungui: Violencia y trazos de memória, p. 36-67. Lima: IEP, COMISEDH, DED. 11 Ver: ASSMANN, Aleida. Locais. Tradução de Fernanda Boechat Em: Espaços da Recordação. Formas e Transformações da Memória cultural, p. 317-361. Coordenador da Tradução Paulo Soethe. Campinas, SP: Editora da Unicamp.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

229

12 No sentido em que propõe Aleida Assmann, a partir do conceito de aura proposto por Walter Benjamin (1994, p.170), como “uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja”. BENJAMIN, Walter. (1994). A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Em: Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura, p.165-196. Vol. I. Tradução de Sergio Paulo Rounet. 7. ed. São Paulo: Brasiliense. 13 “Vivo num povoado distante / vivo na comunidade de Chungui / certamente por estar distante / os jornalistas não chegam, / nem os congressistas chegam. / Dizem também que o rio Qanchi chora / ao se encontrar com o rio de Chungui / assim chora a o meu povoado / quando ninguém se lembra”. 14 De acordo com o Relatório Final da Comissão da Verdade, em Chungui e nos territórios asháninka, os conflitos alcançaram os maiores índices de violência. Conferir: Informe Final da Comisión de la Verdad y Reconciliación. (2003). Primera Parte: Capítulo 2. Historias representativas de la violencia. Versão dig ital

disponível

em:

<

http://www.cverdad.org.pe/ifi

nal/pdf/TOMO%20V/

SECCION%20TERCERALos%20Escenarios%20de%20la%20v iolencia%continuacion)/ 2.%20HISTORIAS%20REPRESENTATIVAS%20DE%20LA%20VIOLENCIA 20Introduccion.pdf>. Acessado em 26 de junho de 2012.

/2.0%

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

230

O PREENCHIMENTO DA POSIÇÃO PRÉ-VERBAL POR COMPLEMENTOS VERBAIS E A NOÇÃO DE OPERADOR NA HISTÓRIA DO ESPANHOL

Carlos Felipe Pinto Universidade Tiradentes

1. Introdução1

(2)

Tematização: a. *En el paro, el problema resid esidee .

A relação entre ordem de palavras, estrutura

b. *De dos partes el examen co nsta nsta.

informativa e prosódia tem sido um aspecto bastante estudado nos últimos anos dentro do quadro da

(3)

Focalização:

gramática gerativa. Um dos primeiros trabalhos sobre

a. EN EL PARO resid esidee el problema.

o espanhol nesse sentido é o de Hernanz e Brucart

b. DE DOS PARTES co nsta el examen.

(1987). No referido trabalho, os autores mostram que

(HERNANZ e BRUCART, 1987, p. 95)

o espanhol atual, embora tenha a ordem básica S-VO, apresenta uma série de variações que estão relacionadas com efeitos informativos. Considerando

Com respeito à flexibilidade de fronteamento,

as possíveis ordens de constituintes, Hernanz e

ao estudar o posicionamento dos pronomes clíticos

Brucart (1987) mostram que: a) com a tematização,

na história do espanhol, Fontana (1993) mostra que:

é possível a ordem Tópico-S-V; com a focalização, a a)

única ordem possível é Foco-V-S2 (exemplo (1)); b)

O espanhol antigo não impunha

não é todo elemento que pode ser tematizado, ao

restrições ao constituinte fronteado, como se ilustra

contrário da focalização, que não impõe restrições de

no contraste entre (4) e (5):

fronteamento (exemplos (2) e (3): (4) (1)

a. En primavera Juan v isitó Leningrado. b. EN PRIMAVERA v isitó Juan Leningrado.3

espanhol atual: a. *esa aria c a n t ó Montserrat Caballé maravillosamente.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

b. *visitar q u eerr í a n los invitados el otro pabellón. rían esos c. *?con una horquilla para el pelo ab abrían chorizos las puertas de los coches. d. *?maravillosamente cantó Montserrat Caballé esa ária.

231

Neste trabalho, tenho o objetivo de explicar o motivo desses contrastes entre as duas fases do espanhol.

A

discussão

se

concentra

nos

complementos verbais já que os adjuntos, por outro lado, podem ser fronteados sem restrição em ambas as fases da língua6.

e. *?desde Cornellá v ol olvv ió Nuria andando porque no habían autobuses.

2. Distintos tipos de fronteamento (5)

espanhol antigo: a. Deste lugar de Vigeva fue S. M. a Alexandria de la Palla. b. Uino & agua d e ue el clerigo mezclar en el

O espanhol atual tem, pelo menos, quatro tipos de construções A-Barra, conforme os exemplos em (7) a seguir:

caliz. n los xpistianos de sus c. Confessar =se d e ue uen pecados; (FONTANA, 1993, p. 55/61/65/86) b) Os complementos verbais podiam ser

(7)

a. A Nuriai lei dieron un libro anoche.

Clitic left dislocation (CLLD) b.

Left dislocation (LD)

fronteados sem a duplicação pelo clítico no espanhol antigo, diferentemente do

Libros, sólo tengo romances.

c.

que acontece no espanhol atual, como se

Librosi, dicen que Nuria tiene ___i. Topicalization7

ilustra em (6). d. (6)

espanhol antigo:

¿qué libros tienes? Wh-movement

n las yentes christianas. a. Grande duelo av ie ien espanhol atual: b. *esa aria c a n t ó Montserrat Caballé maravillosamente. c. esa aria la c a n t ó Montserrat Caballé maravillosamente.4

Em (7a), o objeto é recuperado por um clítico dentro da oração; em (7b), o XP fronteado não tem correspondência dentro da oração; em (7c) o objeto fronteado deixa um vazio dentro da oração; em (7d) o objeto fronteado é o elemento interrogado.

(FONTANA, 1993, p. 64/55/56)

3. A noção de operador Como se observa pela rápida discussão acima, dois aspectos que contrastam claramente o espanhol atual com o espanhol antigo são a maior flexibilidade para fronteamento de constituintes no espanhol antigo e a maior possibilidade de fronteamento de objetos sem a recuperação com o clítico5.

Discutindo a noção de operador, Cinque (1995, p. 107) mostra o seguinte contraste:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

232 (8)

Gianni, o convidarei amanhã (não hoje) (9)

Cinque (1995) comenta que a falta de

Giannij, loj invitero domani (non oggi)

GiANNIj (*loj) invitero (non Pietro) Gianni (*o) convidarei (não Pietro)

movimento-WH nesse tipo de construção é um argumento crucial10 tendo em vista que, se houvesse um movimento-WH, a categoria vazia poderia se caracterizar como variável já que seria vinculada pelo operador11.

Os dados em (8) e (9) mostram que, na CLLD,

A inserção do clítico é uma estratégia de

a presença do clítico é requerida e, na topicalização, é

último recurso para licenciar a categoria vazia dentro

proibida. Os dados em (9) também mostram que

do VP. Quando o clítico é inserido, a categoria vazia

somente a topicalização é gerada via movimento-WH8

é caracterizada como uma anáfora (vestígio de DP) e

tendo em vista o paralelismo entre (9) e (10).

pode ser licenciada. Com relação ao exemplo em (10), a explicação vai no sentido contrário: como o DP no inicio da

(10) *Chii loi inviterai?

oração é caracterizado como operador já que é

(CINQUE, 1995, p. 108)

derivado via movimento-WH, este DP é capaz de vincular a categoria vazia dentro da oração caracterizando-a como variável. Se o clítico é introduzido, a oração se torna agramatical não

A pergunta que Cinque (1995) procura é responder é por que o DP em TopP, como em (8), não pode ficar sem ser duplicado pelo clítico, como mostra a agramaticalidade de (11):

(11) *Giannij, ho visto ___j

porque a categoria vazia fica sem ser caracterizada, como no caso da CLLD, mas porque o operador não pode vincular nenhuma variável (o operador vincularia o clítico, que não é uma variável).

4. O efeito V2 no espanhol antigo

Gianni, Aux visto Antes de explicar as diferenças entre as duas (CINQUE, 1995, p. 109)

fases do espanhol, é preciso explicar que tais diferenças estão relacionadas com diferenças mais profundas entre as duas fases da língua 12 . As

Na análise de Cinque (1995), o problema de

diferenças apresentadas nos exemplos de (4) a (6)

(11) é que o DP “Gianni” não se caracteriza como

acima levaram Fontana (1993) a analisar o espanhol

um operador e o DP nulo dentro da oração não pode

antigo como uma língua V2.

ser caracterizado como nenhum tipo de categoria vazia. Não pode ser PRO porque é governado; não pode ser pro porque é não identificado; não pode ser vestígio de DP porque é livre na sua categoria de regência; e não pode ser variável porque não é 9

vinculado por um operador .

“Línguas V2” tem sido uma etiqueta utilizada para classificar aquelas línguas nas quais o verbo finito aparece na segunda posição na oração e é precedido exclusivamente por um único constituinte seja qual for a sua função sintática13. Os exemplos abaixo ilustram essa característica do espanhol antigo:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

(12) a. armas odiosas t o mast mastee , matando a tu madre Clitemestra

233

dados em (12) a (15) oferecem evidências de que o verbo, no espanhol antigo, se movia para CP,

b. como agora f ezie ezierro n el maestre don Pero Núnnez

diferentemente do espanhol atual, que exibe movimento do verbo exclusivamente para IP14.

nza el libro de la flor de las mienza c. aqui c o mie

5. Explicando o contraste entre as duas fases do espanhol

historias de oriente

o rg oto rgaa la abatíssima Sancha (13) a. E esta carta ot Garcíez, e la priora doña María Fortúnez e tod

A partir da exposição de Cinque (1995), é possível ter uma explicação para o contraste entre as duas fases do espanhol.

el convento.

No espanhol antigo, assim como nas línguas

has. b. si corazon has

V2, o traço EPP em CP, mais especificamente em FinP, atrai o verbo e o movimento do verbo para Finº nz o el espiritu por las medulas mienz nzo (14) a. y así co mie d esc escee nd ndee r :

permite que qualquer constituinte seja movido para SpecFinP15. Assim, quando se tem a ordem O-V, no espanhol antigo (e nas línguas V2 em geral), o objeto

nerr b. a dios d e b e hombre a d e lantar y p o ne primeramientre. en todos los

fronteado se caracteriza como um operador e pode licenciar a categoria vazia, que é caracterizada como variável deixada dentro do VP.

buenos hechos que quisiere comenzar. No espanhol atual, como não há um traço EPP d e mi paciencia t ole pued c. que no pue olerr ar que haya subido en corazón humano conmigo en el ilícito amor comunicar su deleite.

em FinP, o verbo não se move para Finº e não permite que qualquer constituinte ocupe esta posição. Como o objeto não pode ser movido para SpecFinP, mas somente pode ser concatenado diretamente em SpecTopP através da operação de concatenação

(15) a. si el deudor otros bienes t uv iese b. porque este cuerpo muchas lágrimas ha d e j a d o a sus parientes: y amargos dolores. (PINTO, 2011, p. 255)

externa, não se caracteriza como operador e a presença do clítico é necessária na CLLD e a presença de outro DP é necessária na LD. Por essa razão, se nota o interessante cruzamento de dados em Fontana (1993) e Pinto (2011): quando a ordem O-V sem clítico diminui, a

Os exemplos em (12) ilustram a ordem V2 em oração matriz e oração subordinada; os exemplos em (13) ilustram a ordem O-V sem retomada clítica em oração matriz e oração subordinada; os dados em (14) ilustram a ordem Aux-S-V; os dados em (15) ilustram construções de object shif. O conjunto de

ordem O-V com clítico aumenta; o que é um reflexo da mudança linguística16.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

234 6. Conclusão

indiretos. Quando esses elementos são tematizados, a categoria vazia deixada dentro do VP precisa ser

A conclusão que se obtém dessa discussão é

caracterizada de alguma forma: a) como esses

que os objetos fronteados no espanhol antigo e no

elementos não possuem clíticos, a categoria vazia não

espanhol atual ocupam lugares diferentes na

pode ser caracterizada como uma anáfora; b) como

estrutura. No espanhol antigo, o elemento em

a tematização no espanhol atual é gerada via

primeira posição ocupava SpecFinP, devido ao traço

concatenação, esses elementos fronteados não se

EPP de FinP. Tal movimento era desencadeado por

caracterizam como operadores e não podem

questões meramente formais, por isso, qualquer

caracterizar a categoria vazia como uma variável. No

constituinte, independentemente de sua função

espanhol antigo, como o verbo se movia para Finº e

informativa, podia ocupar a primeira posição sem a

qualquer constituinte podia ocupar a posição de

duplicação pelo clítico.

SpecFinP, esses complementos circunstanciais

No espanhol atual, a periferia esquerda da oração é destinada para usos informativos. Quando um objeto é movido, no caso da focalização, o seu

fronteados conseguiam caracterizar as categorias vazias deixadas no VP como variável porque se caracterizavam como operadores.

lugar de pouso é SpecFocP17. No caso da tematização, o objeto é concatenado diretamente em SpecTopP. Em consequência disso, a ordem O-V em contextos neutros é banida já que não há lugar de pouso disponível para o objeto (SpecFinP não é uma posição ativa no espanhol atual). Por isso, orações do

Referências bibliográficas ADAMS, Marianne (1987a). Old French, Null Subjects and Verb Second Phenomena. Ph.D. Dissertation, University of California.

espanhol antigo, como as ilustradas em (16) a seguir, são agramaticais no espanhol atual:

ADAMS, Marianne (1987b). From Old French to the Theory of Pro-Drop, Natural Language & Linguistic Theory, v. 5, n. 1, p. 1-32.

b r antar ueb antar, [...] (16) a. E tod aquel quj esta carta q ue (1223) ue b r antar (1225) ueb b. quyen esto q uisiese qque

BENINCÀ, Paola; POLETTO, Cecilia (2004). Topic, Focus and V2: Defining the CP Sublayers. In: RIZZI, Luigi (org.). The Structure of CP and IP. The Cartography of Syntactic Structures. v. 2. Oxford: Oxford University Press, p. 52-75. CINQUE, Guglielmo (1995). Bare quantifiers, quantified

A contraparte gramatical das orações em (16) no espanhol atual exibe obrigatoriamente a ordem V-O18 .

NPs, and the notion of operator at S-structure. In: ______. Italian syntax and Universal Grammar. Nova Iorque: Cambridge University Press, p. 104-120.

Esta análise explica também porque o

FONTANA, Josep M. (1993). Phrase structure and the

espanhol atual apresenta restrições à tematização,

Syntax of clitics in the history of Spanish. Ph.D Dissertation,

principalmente de complementos circunstanciais,

University of Pennsylvania.

como apontaram Hernanz e Brucart (1987) e Fontana (1993) nos exemplos ilustrados em (2) e (3). Complementos circunstanciais são selecionados pelo verbo lexical, assim como os objetos diretos e

GÓMEZ TORREGO, L. (2002). Gramática didáctica del español. 8. ed. Madrid: Ediciones SM.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

235

HERNANZ, María Lluisa; BRUCART, José María (1987).

ROBERTS, Ian (2004). The C-Systen in brythonic celtic

La sintaxis. Pr incípios teór icos. La oración simple.

languages, V2 and the EPP. In: RIZZI, Luigi (org.). The

Barcelona: Crítica.

Structure of CP and IP. The Cartography of Syntactic Structures. v. 2. Oxford: Oxford University Press, p. 297-

KROCH, Anthony (1989). Reflexes of Grammar in

328.

Patterns of Language Change, Language Variation and Change, v. 1, p. 199-244. (citado do manuscrito)

SCHWARTZ, Bonnie; VIKNER, Sten (1996). The Verb always leaves IP in V2 clauses. In: BELLETTI, Adriana;

PINTO, Carlos Felipe (2011). Ordem de palav ras, movimento do verbo e efeito V2 na história do espanhol.

RIZZI, Luigi (orgs.). Parametters and functional heads. Nova Iorque/Oxford: Oxford University Press, p. 11-62.

Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas. VIKNER, Sten (1995). Verb movement and expletive RIVERO, Maria Luisa (1980). On Left Dislocation and Topicalization in Spanish, Linguistic Inquiry, v. 11, n. 2, p.

subjects in the Germanic languages. Oxford: Oxford University Press.

363-393. RIZZI, Luigi (1997). The fine structure of the left periphery. In: HAEGEMAN, Liliane (org.). Elements of grammar. Kluwer: Dordrecht, p. 281-337. RIZZI, Luigi (1991). Residual verb second and the Wh criterion. Universidade de Geneva (citado do manuscrito).

Notas 1

Este trabalho faz parte da discussão sobre o movimento do verbo na história do espanhol apresentada em minha Tese de Doutorado (PINTO, 2011).

2

Os termos tópico/topicalização são termos que cobrem vários fenômenos linguísticos e são usados por várias vertentes teóricas, tanto formais como funcionais. Adoto a seguinte distinção terminológica: To picalização = ESTRATÉGIA SINTÁTICA na qual um constituinte é movido de sua posição de base dentro da oração para a periferia esquerda; ou seja, assumo a topicalização como uma operação sintática de movimento A-Barra independentemente de seus efeitos discursivos. F r ont eame nt onteame eament ntoo = EFEITO SINTÁTICO LINEAR em que um constituinte aparece no início da oração (periferia esquerda). A noção de fronteamento que estou assumindo está relacionada exclusivamente com a ordem superficial, sem considerar se há ou não movimento de constituinte. Te mat ização = ESTRATÉGIA DISCURSIVA na qual um constituinte é tematizado, ou seja, é posto em matização destaque, predominantemente na periferia esquerda, como informação conhecida, dada, pressuposta ou como o tópico discursivo. A estratégia discursiva de tematização pode ser realizada através da operação com ou sem movimento sintático.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

236

Focalização = ESTRATÉGIA DISCURSIVA na qual um constituinte é focalizado, ou seja, é posto em destaque, não necessariamente na periferia esquerda, como a informação nova que completa a pressuposição ou o contraste que corrige a asserção anterior. Quando o constituinte focalizado se encontra fora da sua posição canônica na oração, sempre é derivado via movimento A-Barra (topicalização). 3

Nos exemplos, as maiúsculas indicam que o constituinte recebeu a proeminência prosódica. Os verbos são destacados em negrito.

4

Parece haver alguma relação entre definitude e presença do clítico nesse tipo de construção: objetos definidos são obrigatoriamente retomados; objetos indefinidos têm retomada facultativa. Tal contraste pode ser explicado pelo caráter do clítico, que é essencialmente definido:

(i)

A: ¿Viste al chico? B: No, no lo vi.

(ii)

A: ¿Viste algún chico? B: *No, no lo vi. B’: No, no he visto ninguno.

5

Como o espanhol tem um sistema de clíticos defectivo, a retomada só pode ser observada com objetos diretos e indiretos. Línguas que possuem um sistema de clíticos mais ricos, como o catalão e o francês, exibem os mesmos fatos com outras funções sintáticas.

6

É importante ter em mente a diferença entre complemento e adjunto verbal: complemento verbal é o elemento que é selecionado semanticamente pelo verbo; já os adjuntos, não. Nesta definição, na frase “Juan puso el libro en la mesa”, o sintagma “en la mesa” é um complemento do verbo. Observar que esta definição é diferente da apresenta em algumas gramáticas do espanhol (por exemplo, GÓMEZ TORREGO, 2002), nas quais se diz que os complementos circunstanciais podem ser facultativos ou obrigatórios.

7

O que Cinque (1995) chama de topicalização é equivalente a focus movement. Assumo, como apresentei acima, que a topicalização é um movimento A-Barra que deixa uma posição vazia dentro da oração. Se esse movimento é usado como recurso de tematização ou de focalização é algo que pode variar entre as línguas.

8

Rivero (1980) assume que a topicalização é diferente de movimento-WH a partir de dados como (i) e (ii) (i)

a. *¿Qué te pregunta (que) por qué no tiene? b. *¿Qué preguntan (que) quién tiene?

(ii)

a. Dinero, te pregunta (que) por qué no tiene. b. Dinero, preguntan (que) quién tiene. (RIVERO, 1980, p. 380) Se topicalização e movimento-WH fossem o mesmo tipo de movimento, as orações em (ii) não deveriam ser possíveis. Contudo se são o mesmo tipo de movimento ou não é irrelevante para a discussão (ver BENINCÀ e POLETTO, 2004, para uma discussão detalhada da questão em modelos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

minimalistas). O que é relevante é que ambas as construções são derivadas via um tipo de movimento A-Barra. 9

Cinque (1995) diz um operador pode ser definido inerentemente, como os quantifcadores nus, ou estruturalmente, como alguns DPs em CP.

10 Que este tipo de construção não é derivado através de movimento é evidenciado pelo fato de que podem aparecer em contextos de ilha, como mostra o exemplo do espanhol: (i)

El dinero Maria ignora quién lo tiene. (HERNANZ e BRUCART, 1987, p. 86)

Se houvesse movimento do DP de dentro da oração relativa para o inicio da oração matriz, a oração deveria ser agramatical já que orações relativas são caracterizadas como ilhas e não podem ter constituintes extraídos de dentro de si. Ver também Rivero (1980). 11 Lembrar que a definição de operador de Rizzi (1991), no Critério-WH por exemplo, passa obrigatoriamente pela questão do movimento. Se uma categoria não se move, não se caracteriza como operador. 12 Tais diferenças reforçam a hipótese de que um parâmetro é uma série de características que se manifesta em conjunto. Por exemplo, observe-se o parâmetro do sujeito nulo: línguas de sujeito nulo exibem uma série de características que não são encontradas em línguas de sujeito preenchido (extração de sujeito de orações subordinadas, inversão livre, efeito “that-trace” etc).. 13 O grupo mais representativo de línguas V2 na atualidade são as línguas germânicas, exceto o inglês, que perdeu tal propriedade já há algum tempo. As línguas V2 são divididas principalmente em dois grupos: línguas simétricas, que exibem o efeito V2 tanto em orações principais como em orações subordinadas; e línguas assimétricas, que exibem somente o efeito V2 em orações principais. No caso das línguas simétricas, o efeito V2 em oração subordinada pode ser generalizado ou restringido. No caso das línguas assimétricas, nas orações subordinadas, há línguas que, deixam o verbo na última posição da oração e há línguas que deixam o verbo na posição medial. 14 As análises propostas para o efeito V2 nas línguas humanas são muitas e diversas: há análises que propõem que o efeito V2 sempre implica em movimento do verbo para CP e há análises que propõem que há possibilidade de efeito V2 em IP (especialmente no caso das línguas simétricas). No Capítulo 01 de Pinto (2011) fiz uma discussão bastante densa da questão e apresento fortes evidências com base no modelo cartográfico de Rizzi (1997) e nos argumentos apresentados por Vikner (1995) e Schwartz e Vikner (1996) de que o efeito V2 acontece sempre no campo CP. Minha análise, ademais, procura explicar a variação na manifestação no efeito V2 dentro do campo CP. 15 Esta análise se baseia em Roberts (2004). 16 Este aspecto também é trazido por Kroch (1989) a partir da proposta de Adams (1987a; 1987b) sobre a história do francês: In sentences with preposed adverbs and prepositional phrases, the only effect of the change in accent on word order will be a decline in the rate of subject-verb inversion; but in sentences with preposed noun phrase complements, there will be an additional effect, an increase in the rate of use of the resumptive clitic pronouns required by left dislocation. [...] If we fit a logistic curve to Priestley’s data via regression and compare the logistic transform of the fitted curve with Fontaine’s results, we obtain the pattern in Figure 5 below. We have, of course, reversed the sign of the slope of the regression, since the rise in left dislocation corresponds to the loss of topicalization. (KROCH, 1989, p. 13-14)

237

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

238

17 O movimento de constituinte é obrigatório na focalização por uma questão de escopo: o elemento focalizado precisa ter escopo sobre o restante da oração. Por isso, o foco sempre se caracteriza como operador e qualquer constituinte pode se mover para a periferia esquerda. 18 Em Pinto (2011, p.212) sintetizo a seguinte correlação:

Contexto Focalização Tematização Neutro

Espanhol antigo O-V O-V O-V

Espanhol atual O-V O-cl-V V-O

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

239

INVASIONES DEL TIEMPO EN EL ESPACIO DE LA CASA

Carlos Garcia Rizzon UNIPAMPA

Los acercamientos entre “Casa tomada”, de

la transferencia de identidades en relación a “Chac

Julio Cortázar, y “Chac Mool”, de Carlos Fuentes, son

Mool”. La lectura del tiempo como invasor de las casas

muy perceptibles a los lectores de esos cuentos

es otra de las posibles interpretaciones: es el pasado,

publicados en libro en la década de 1950. El primero

caracterizado en la estatua, quien toma la casa en

iar io es el cuento que abre B est estiar iario io, del año de 1951, y el

“Chac Mool”; a su luz y de modo inverso, podemos

otro, también iniciando el libro, hace parte de L os

leer al tiempo presente como siendo el deflagrador

días eenmascar nmascar nmascaraa d os os, obra que marca el estreno del

de la expulsión de los hermanos – siempre restrictos

escritor mexicano en 1954. En ambas narrativas,

al mundo del pasado – en el cuento del escritor

personajes de vidas solitarias y hábitos rutineros

argentino.

abandonan sus casas – herencias y recordaciones de

Las escritas de esos cuentos respetan la

patrimonios familiares – porque ellas son invadidas.

brevedad y la intensidad reconocidas por Edgar Allan

Una, por ruidos imprecisos, como sonidos sofocados

Poe, cuentista que principió la teoría sobre el género.

o murmullos de una conversación; la otra, por la

En los textos “Review of Twice-told tales” (1842) y

réplica de la estatua de un Chac Mool, figura de la

“The philosophy of composition” (1846), el escritor

mitología mexicana que simbolizaba un mensajero

estadounidense estableció principios en la

entre los hombres y Tlaloc, dios de la lluvia que

estructuración del cuento que apuntan para una

propiciaba la agricultura. Sorprendiendo en sus

unidad de efecto, lo que induce a una exaltación del

finales, esos cuentos crean efectos que abren

alma en el lector. Según Poe, desde su primera frase,

diferentes posibilidades para interpretar los

todas las palabras de la composición deben estar

abandonos de las casas por sus moradores. Algunos

direccionadas a provocar, en el final, el efecto deseado,

críticos ya apuntaron alegorías al peronismo (que se

que será alcanzado con la fuerza derivable de la

apodera de Argentina) o a las inmigraciones (que se

totalidad del texto. Para eso, la lectura del cuento en

apropian de Buenos Aires) o mismo del lector (que

una sola asentada, sin interrupciones, se torna

se adueña del texto) en el caso de “Casa tomada”; y a

necesaria.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

240

Aún en el siglo XIX, otro escritor, Antón

ejemplo, que el cuento inicia por su final, es decir,

Chejov, señaló algunas cuestiones más sobre la

preserva la idea de unidad y depuración con el

elaboración de los cuentos. A pesar de no haber

objetivo de alcanzar una intensidad narrativa que sea

escrito artículos teóricos que tratasen de sus

atractiva, pues “el cuento literario consta de los

concepciones acerca del género, el autor ruso

mismos elementos que el cuento oral y es, como este,

mantuvo correspondencias con jóvenes escritores

el relato de una historia bastante interesante y

iniciantes para quienes exponía sus consideraciones,

suficientemente breve para que absorba toda nuestra

aconsejándolos respecto a los textos. Sugiere,

atención” (QUIROGA, 1970, p. 68). En el mismo

entonces, que el cuento deba tratar sus temas sin

sentido y con sarcasmo, probablemente por su

exageraciones, rechazar la subjetividad del autor y

ceguera, Jorge Luis Borges comenta en el prólogo de

volcarse a extrañamientos percibidos en la

Fic cio nes Ficcio ciones nes: “Desvarío laborioso y empobrecedor el de

observación de la propia realidad cotidiana. Su

componer vastos libros; el de explayar en quinientas

pensamiento coincide con Poe cuanto a la brevedad

páginas una idea cuya perfecta exposición oral cabe

y al efecto. Sin embargo, Chejov observa también un

en pocos minutos.” (BORGES, 1989, p. 429)

carácter de apertura de la obra.

También Julio Cortázar, en una conferencia

En sintonía con las ideas de Chejov, “Chac

proferida en Cuba, en el final de la década de 1960, y

Mool” y “Casa tomada” trabajan con la perspectiva

publicada con el título de “Algunos aspectos del

de lo no acabamiento, pues persiste retumbando en

cuento” en la revista “Casa de las Américas”, en 1970,

la mente del lector la continuidad de los

presentó cuestiones respecto al cuento como

acontecimientos. De la misma forma, el cotidiano se

narrativa. Pensando en la ruptura de lo cotidiano que

refleja en las acciones de los “personajes –

los cuentos de Chejov ofrecen, para Cortázar “un

caracterizados por Jorge Luis Borges en análisis a los

cuento es significativo cuando quiebra sus propios

textos de Julio Cortázar, mas que pueden ser

límites” (2004, p. 516) y va más allá de lo que cuenta.

extendidos también al protagonista del cuento de

Comparó esa escritura a una fotografía, donde un

Carlos Fuentes – deliberadamente triviales, regidas

recorte, un fragmento de la realidad, actúa como una

por rutinas triviales. Muy sutilmente el narrador nos

explosión que se abre a una realidad mucho más

atrae a su terrible mundo, donde la felicidad es

amplia, trascendiendo espiritualmente la imagen que

imposible. Es un mundo poroso, en que los seres se

muestra. O sea, partiendo de los principios sugeridos

entrelazan”. Y Borges continúa: “También se juega con

por Poe y Chejov, Cortázar amplía la idea del efecto

la materia de que somos hechos, el tiempo”. (2001, p.

que el cuento provoca en el lector, que es llevado a

521-522).

dar continuidad a la narrativa, pues, en palabras de

En América Latina, nuestros escritores igualmente se dedicaron a pensar sobre el cuento como género literario. El uruguayo Horacio Quiroga, nt os d cur ue autor de Cue uent ntos dee amo amorr, d dee lo locur curaa y d dee m mue uerr t e (1917), con ironía, redijo textos como “Manual del perfecto cuentista”, “Los trueques del perfecto cuentista” y “Decálogo del perfecto cuentista”,

Cortázar, “todo cuento perdurable es como la semilla donde está durmiendo el árbol gigantesco. Ese árbol crecerá en nosotros, dará su sombra en nuestra memoria” (2004, p. 520). De esa forma, vemos la sugestión de la complicidad del lector en la construcción del cuento, siendo exigida su participación en la creación de la historia narrada.

presentando normas para la producción de cuentos.

Otro texto teórico, “Tesis sobre el cuento”, de

Siguiendo conceptos que venían desde Poe, dice, por

Ricardo Piglia, también escritor argentino, aborda

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

241

que el cuento presenta dos historias, una que se lee

de lana para las tricotas de Irene. Se dedican a la

en la superficie de las líneas escritas; y otra aludida,

limpieza de la casa, a la cocina, el hermano a la lectura

comprendida por lo que está por detrás de ellas. Para

u ordenación de una colección de estampillas (“para

Piglia,

matar el tiempo”) e Irene a los tejidos de lana (tal vez un “gran pretexto para no hacer nada”). Lo

Cada una de las dos historias se cuenta de un modo distinto. Trabajar con dos historias quiere decir trabajar con dos sistemas diferentes de causalidad. Los mismos acontecimientos entran simultáneamente en dos lógicas narrativas antagónicas. Los elementos esenciales del cuento tienen doble función y son usados de manera distinta en cada una de las dos historias. Los puntos de cruce son el fundamento de la construcción. (PIGLIA, 2000, p. 73)

perturbador en “Casa tomada” está en la actitud de los hermanos, que se mueven en el terreno de lo fantástico sin distinguirlo de la realidad. Contrariando lo que podría ser natural, son incapaces de reaccionar a la invasión de los ruidos, pues no hay sobresaltos o protestas, apenas buscan refugiarse cada vez más en el interior de la casa, cerrando puertas y abriendo espacio para lo irracional:

Aún según Piglia, el cuento es una historia que esconde una historia secreta. Eso nos remete a la teoría del iceberg, de Ernest Hemingway, o sea, la historia secreta se construye con lo no dicho, con lo subentendido y con la alusión de la historia que está aparente. En los cuentos “Casa tomada” y “Chac Mool”, las historias aparentes de las invasiones caracterizan formas literarias que subvierten padrones

Fui por el pasillo hasta enfrentar la entornada puerta de roble [...] cuando escuché algo en el comedor o la biblioteca. El sonido venía impreciso y sordo, como un volcarse de silla sobre la alfombra o un ahogado susurro de conversación. También lo oí, al mismo tiempo o un segundo después, en el fondo del pasillo que traía desde aquellas piezas hasta la puerta. Me tiré contra la puerta antes de que fuera demasiado tarde, la cerré de golpe apoyando el cuerpo; felizmente la llave estaba puesta de nuestro lado y además corrí el gran cerrojo para más seguridad. (p. 133)

convencionales de la racionalidad, de manera fantástica en el cuento de Cortázar y en el ámbito de lo maravilloso en el relato de Fuentes.

Cuando la invasión se hace completa, la solución encontrada es el abandono de la casa. Para Cortázar, la noción de lo fantástico no difiere de lo

Tanto en uno como en otro cuento, las casas

real, siendo apenas la cara oculta de la realidad,

son descriptas como sólidas construcciones de

oponiéndose, como dijo en la conferencia a los

tiempos imponentes, “un poco lúgubre en su

cubanos,

arquitectura porfiriana” la casa de Filiberto, personaje de “Chac Mool”, y espaciosa y antigua la de los personajes de “Casa tomada”, Irene y su anónimo hermano, donde “podían vivir ocho personas sin estorbarse”. Representan mundos autárquicos y aislados. Encerrados en la seguridad de sus hogares – protecciones de lo ya establecido –, esos personajes

[…] a ese falso realismo que consiste en creer que todas las cosas pueden describirse y explicarse como lo daba por sentado el optimismo filosófico y científico del siglo XVIII, es decir, dentro de un mundo regido más o menos armoniosamente por un sistema de leyes, de principios, de relaciones de causa y efecto, de psicologías definidas, de geografías bien cartografiadas. (2004, p. 508-509)

presentan una falta de aspiración y una indiferencia con el mundo y la sociedad que los rodea.

Cortázar comparte, dice más adelante, con el “fecundo descubrimiento de Alfred Jarry, para quien

Los hermanos, personajes de Cortázar,

el verdadero estudio de la realidad no residía en las

prácticamente no salen de casa, apenas el hermano,

leyes sino en las excepciones a esas leyes” (p. 509).

los sábados, tiene la costumbre de comprar madejas

De forma similar, Borges destaca, en su análisis de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

242

“Casa tomada”, que “la magia es la coronación o

Mool. A partir del momento en que Filiberto lleva la

pesadilla de lo casual, no su contradicción. [...] Todas

estatua a su casa, él pasa a enfrentar una serie de

las leyes naturales lo rigen, y otras imaginarias”. (1989,

perturbaciones, todas en relación al agua, elemento

p. 335).

vinculado a Chac Mool en la mitología: “Amanecí con

Si en la historia fantástica de “Casa tomada” hay una naturalización de lo irreal, creando una atmósfera en que la tensión mental es provocada por difusos e inexplicables ruidos de algo apenas mencionado, en “Chac Mool” el “algo más” se revela por una sobrenaturalización de lo real, donde la presencia concreta de una estatua gana vida y los elementos de lo maravilloso se asocian a los mitos de las culturas indígenas. Para Bella Josef, “na literatura hispano-americana, o mito passou a ser considerado o próprio real compreendido na simultaneidade de suas perspectivas prováveis” (1993, p. 28). Así, en el cuento de Fuentes, el mundo de los antiguos mexicanos actuará sin ningún extrañamiento a la comprensión racional de la realidad. Filiberto es un funcionario público preso a una vida de rutinas y hábitos rígidos, entre ellos, visitar sitios arqueológicos y coleccionar piezas antiguas de la cultura mexicana. Esas actividades, sin embargo, revelan actitudes mecánicas y superficiales, sin ningún carácter investigativo. Su interés por “ciertas formas del arte indígena mexicano” no pasa de un deseo coleccionista, donde la réplica de un Chac Mool que él compra en una feria popular será nada más que un trofeo conquistado, un objeto decorativo

la tubería descompuesta. Incauto, dejé correr el agua de la cocina, y se desbordó por el suelo y llegó hasta el sótano” (p. 15). Los tormentos de Filiberto seguirán en casa, una vez que “la tubería volvió a descomponerse, y las lluvias se han colado, inundando el sótano” (p. 16), e irán interferir en su trabajo, pues él se desequilibra mentalmente y llega a ofrecer “sus servicios al Secretario de Recursos Hidráulicos para hacer llover en el desierto” (p. 21). Aumentando sus problemas, la estatua adquiere vida y lo hace prisionero y esclavo de sus deseos: Y ayer, por fin, un despertar sobresaltado, con esa seguridad espantosa de que hay dos respiraciones en la noche, de que en la oscuridad laten más pulsos que el propio. Sí, se escuchaban pasos en la escalera. Pesadilla. Vuelta a dormir... No sé cuánto tiempo pretendí dormir. Cuando volví a abrir los ojos, aún no amanecía. El cuarto olía a horror, a incienso y sangre. [...] Cuando sin aliento encendí la luz. Allí estaba Chac Mool, erguido, sonriente, ocre, con su barriga encarnada. [...] Chac Mool avanzó hacia la cama; entonces empezó a llover. (p. 20-21)

Dominado por la estatua, que lo obliga a buscar agua, alimentos e inclusive a ceder sus aposentos, huir y dejar la casa es la única alternativa para Filiberto. El Chac Mool, mensajero que es, interliga el pasado con el presente, yuxtaponiendo los tiempos y alterando maravillosamente la realidad:

sin ninguna significación histórica o religiosa. Fue en el sótano que, primeramente, Filiberto colocó la estatua del Chac Mool, antes de llevarla a su cuarto de trofeos: “El traslado a la casa me costó más que la adquisición. Pero ya está aquí, por el momento en el sótano mientras reorganizo mi cuarto de trofeos a fin de darle cabida” (p. 15). Así como el interior de las pirámides de los antiguos pueblos mexicanos preservaba los elementos culturales del pasado, la profundidad del sótano comienza a reavivar Chac

[…] lo real maravilloso comienza a serlo, de manera inequívoca, cuando surge de una inesperada alteración de la realidad (el milagro), de una revelación privilegiada de la realidad, de una iluminación incomún o singularmente favorecedora de las escalas y categorías de la realidad, percibidas con particular intensidad en virtud de una exaltación del espíritu que lo conduce a un modo de “estado límite”. (CARPENTIER, 1976, p. xvii)

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

243

Cuando el Chac Mool se humaniza, Filiberto

padres, es apenas un reflejo condicionado de su

ya no distingue lo que es realidad o delirio,

rutina, ausente de valor e interferencia en la

percepciones que se funden en la mente del personaje:

realización de su vida. Del mismo modo, el interés por un Chac Mool no demuestra ningún

[…] todo es tan natural; y luego, se cree en lo real... pero esto lo es, más que lo creído por mí. Si es real un garrafón, y más, porque nos damos mejor cuenta de su existencia, o estar, si un bromista pinta de rojo el agua... Real bocanada de cigarro efímera, real imagen monstruosa en un espejo de circo, reales, ¿no lo son todos los muertos, presentes y olvidados? [...] Realidad: cierto día la quebraron en mil pedazos, la cabeza fue a dar allá, la cola aquí, y nosotros no conocemos más que uno de los trozos desprendidos de su gran cuerpo. Océano libre y ficticio, sólo real cuando se le aprisiona en un caracol. (p. 19)

Filiberto es un sujeto de “tentaciones burocráticas”, acomodado a una existencia uniforme, mecánica y mediocre, sin alteraciones en sus hábitos. Vivir “en aquel caserón antiguo, con la mitad de los cuartos bajo llave y empolvados, sin criados ni vida familiar” (p. 21) retrata su conformismo por no haber alcanzado los planes idealizados en la juventud:

conocimiento por una cultura, y lo que era una antigua representación divina se reduce a un objeto decorativo que se compra en una tienda de feria que vende recuerdos para turistas. De igual manera, los hermanos de “Casa tomada” preservan la casa “espaciosa y antigua” que “guardaba los recuerdos” de infancia por el hábito de “persistir en ella”. Sus actividades también son repetitivas, como relata el hermano: Hacíamos la limpieza por la mañana, levantándonos a las siete, y a eso de las once yo le dejaba a Irene las últimas habitaciones por repasar y me iba a la cocina. Almorzábamos a mediodía, siempre puntuales; ya no quedaba nada por hacer fuera de unos pocos platos sucios. Nos resultaba grato almorzar pensando en la casa profunda y silenciosa y cómo nos bastábamos para mantenerla limpia. (p. 131)

“parecíamos prometerlo todo, quedamos a la mitad del camino” (p. 11). Es incapaz de ambicionar un

La limpieza de la casa es una rutina que

cambio, pues en toda su trayectoria de vida “había

mantiene un pasado envejecido, sin renovación.

habido constancia”, caracterizándose por la

Como reconoce el hermano, probablemente la casa

manutención de una disciplina que lo impidió de

haya interferido en las vidas de él y de Irene, que no

cualquier transformación o realización de un sueño,

constituyeron familias y permanecieron estériles: “A

lo que le causaba algún sufrimiento: “Sentí la angustia

veces llegamos a creer que era ella [la casa] la que no

de no poder meter los dedos en el pasado y pegar los

nos dejó casarnos. Irene rechazó dos pretendientes

trozos de algún rompecabezas abandonado” (p. 12).

sin mayor motivo, a mí se me murió María Esther

Sin embargo, mientras el mundo se transformaba con

antes que llegáramos a comprometernos” (p. 131).

el tiempo, Filiberto no acompañó los cambios:

Las ejecuciones mecánicas de sus tareas se tornan operaciones improductivas, pues no pasan de simples

[…] decidí gastar cinco pesos en un café. Es el mismo al que íbamos de jóvenes y al que ahora nunca concurro [...]. En fin, hoy volví a sentarme en las sillas, modernizadas – también, como barricada de una invasión, la fuente de sodas [...]. Con el café que casi no reconocía, con la ciudad misma, habían ido cincelándose a ritmo distinto del mío”. (p. 11-12)

rellenos del tiempo. No existe ningún avance y ninguna construcción. Las lecturas de los mismos libros que el hermano hace no añaden nada, pues no realiza relaciones con otras obras, una vez que consideraba que “desde 1939 no llegaba nada valioso a la Argentina” (p. 132). Y las estampillas reordenadas en el álbum no alteran la preservada antigüedad,

Su esfuerzo en mantener la casa, “ciertamente muy grande” y “única herencia y recuerdo” de sus

apenas mantiene la evasiva función de evitar el

244

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

contacto con los ruidos invasores. Ya Irene, “aparte de su actividad matinal pasaba el resto del día tejiendo en el sofá de su dormitorio. [...] a veces tejía un chaleco y después lo destejía en un momento porque algo no le agradaba (p. 131-132). Presos en las recordaciones y en la manutención de lo mismo, sin alteraciones que agreguen novedades, los hermanos no crecen, no se desenvuelven y no producen. Confortables en la mediocridad, no demuestran necesidades y tampoco ambiciones: “Estábamos bien, y poco a poco empezábamos a no pensar. Se puede vivir sin pensar” (p. 135). Vivir sin pensar es no reconocer el pasar del tiempo. La permanencia y la conformación de lo establecido, sin renovación o actualización, llevan a una inexistencia histórica. Tanto los hermanos de “Casa tomada”, que cierran la casa y a sí propios con el intuito de impedir la novedad, lo diferente y la transformación, como Filiberto, un acumulador de piezas de arte indígena que desfigura y anula sus representaciones del pasado, son obligados a abandonar sus casas porque no ofrecen espacio al

categorias da realidade e as categorias de análise. Já não estaremos, então, correndo o risco de confundir o presente com aquilo que já não o é. (SANTOS, 2002, p. 10)

En el ensayo “La penúltima versión de la realidad”, citando diferentes pensadores, Jorge Luis Borges presenta tres dimensiones de la vida: Tres dimensiones tiene la vida, según Korzybski. Largo, ancho y profundidad. La primera dimensión corresponde a la vida vegetal. La segunda dimensión pertenece a la vida animal. La tercera dimensión equivale a la vida humana. La vida de los vegetales es una vida en longitud. La vida de los animales es una vida en latitud. La vida de los hombres es una vida en profundidad. (1989, p. 198)

En esa clasificación, aún según Borges, cabría a los vegetales acumular energía; a los animales, apropiarse del espacio y, a los hombres, únicos seres previsores e históricos, vivir el tiempo. Abdicando del tiempo y dado a la adquisición de objetos y pertenencias, el hombre materialista conquistó personas y territorios, lo que hizo nacer el imperialismo. Eso tornó la vida humana menos intensa y más extensa.

transcurso del tiempo, del movimiento, de la vida. En ese sentido, el geógrafo Milton Santos observa:

Si en “Chac Mool” es el pasado, representado por la estatua de una cultura antigua, que se apodera

Para apreender o presente é indispensável um esforço no sentido de dar as costas, não ao passado, mas às categorias que ele nos legou. Conservar categorias envelhecidas equivale a redigir um dogma, um conceito. E, sendo histórico, todo conceito se esgota no tempo. Se quiséssemos apreender o “presente como história” de Lukács e Sweezy, deveríamos ver o passado como algo que encobre as raízes do presente, sob pena de nos perder em um presente abstrato, irreal e impotente. Os fatos estão todos aí, independentes de nós. Mas nos toca fazer que se convertam em fatos históricos mediante a identificação das relações que os define, seja pela observação de suas relações de causa e efeito, isto é, sua história, seja pela constatação da ordem segundo a qual eles se organizam para formar um sistema, um novo sistema temporal, ou melhor, um novo momento do modo de produção antigo, um modo de produção novo ou a transição entre os dois. Sem relações não há “fatos”. É por sua existência histórica, assim definida, no interior de uma estrutura social, que se reconhecem as

de la casa, exigiendo el reconocimiento de su presencia, en “Casa tomada” los ruidos invasores pueden indicar el tiempo de la modernidad, donde el ritmo de vida de viejos tiempos ya no encuentra lugar. Los sonidos de máquinas, bocinas, altoparlantes, despertadores y, más recientemente, alarmas de autos y llamadas de teléfonos celulares son marcas indisimuladas de nuevos tiempos. La expulsión o el abandono de sus casas son fantásticas o maravillosas cobranzas que el tiempo hace del aislamiento de Irene y su hermano y de Filiberto, este por no conocer y respetar el pasado, y aquellos por la indiferencia con el presente.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Referencias bibliográficas

245

FUENTES, Carlos (2001): Chac Mool. Los días enmascarados. 10ª ed. México D.F.: Ediciones Era.

BORGES, Jorge Luis (1989): La penúltima versión de la realidad. Discusión. Obras completas. 17ª ed. Buenos Aires: Emece. _____ (1989): Prólogo. Ficciones. Obras completas. 17ª ed. Buenos Aires: Emecé. _____ (1992): Julio Cortázar: cuentos. Prólogos.. 8ª ed. Buenos Aires: Emece. CARPENTIER, Alejo (1976): Prólogo. El reino de este mundo. Buenos Aires: Nemont. CORTÁZAR, Julio (2008): Casa tomada. Bestiario. Cuentos completos. Vol. 1. 2ª ed. Buenos Aires: Punto de lectura. _____ (2004): Algunos aspectos del cuento. Obra crítica. Vol. 2. Buenos Aires: Suma de Letras Argentina.

GOTLIB. Nádia Battella (2006): Teoria do conto. 11ª ed. São Paulo: Ática. JOSEF, Bella (1993): O espaço reconquistado. São Paulo: Paz e Terra. PIGLIA, Ricardo (2001): Tesis sobre el cuento. Formas breves. 2ª ed. Barcelona: Anagrama. QUIROGA, Horacio (1970): Sobre literatura: obras inéditas y desconocidas. Vol. 7. Montevideo: Arca. SANTOS, Milton (1986): O presente como espaço. Pensando o espaço do homem. São Paulo: Hucitec.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

246

PEDIDOS DE INFORMAÇÃO E PEDIDOS DE AÇÃO EM PORTUGUÊS E EM ESPANHOL: UM ESTUDO ENTONACIONAL DE PRODUÇÃO E PERCEPÇÃO

Carolina Gomes da Silva PG/UFRJ Maristela da Silva Pinto UFRRJ Priscila Cristina Ferreira de Sá PG/UFRJ

Introdução

prosódicas esses falantes transferem de sua LM para a LE?; (c) a transferência prosódica da LM

Dispomos de uma quantidade de informação

compromete a inteligibilidade e/ou gera um

relativamente importante para a sistematização dos

julgamento negativo da competência prosódica do

níveis lexicais, morfológicos e sintáticos no ensino-

falante de LE, por parte de falantes de LM?

aprendizagem de espanhol como língua estrangeira (ELE). Do ponto de vista fonético e fonológico, a parte segmental está bastante descrita, inclusive em seu quadro de variações dialetais. No entanto, a parte prosódica ainda precisa de mais estudo e descrição. Como nosso objeto de estudo são os pedidos de informação e de ação, pretendemos com este

Nossas hipóteses são: (a) os aprendizes cariocas de ELE realizam os pedidos de informação e os pedidos de ação – em ELE como o fazem em PBLM, ou seja, com o padrão entonacional L+H*L%, respectivamente (MORAES, 2008, p.393), (b) os juízes reconhecem os pedidos, mas julgam a entoação dos aprendizes como insuficiente.

trabalho realizar uma analise contrastiva de tais

Para realizar o estudo da produção,

pedidos em português brasileiro como língua

contrastamos o estudo realizado por Moraes (2008)

materna (PBLM) e em espanhol madrileno como

para o PBLM com o de Estevas Vilaplana & Prieto

língua materna (ELM), a fim de verificar a produção

(2008) para o ELM. Em um segundo momento,

desses atos ilocutórios por aprendizes de ELE e a

descrevemos fonética e analisamos fonologicamente

percepção de ditos atos por parte de nativos de

os pedidos de informação e os pedidos de ação em

diferentes áreas dialetais.

ELE. Já para o estudo da percepção, contamos com

Considerando as diferenças prosódicas já descritas entre o PBLM e o ELM, nos perguntamos:

julgamento de nove juízes nativos de seis áreas dialetais distintas e de três aprendizes de ELE.

(a) como os aprendizes cariocas de ELE produzem o

Nosso trabalho está organizado da seguinte

acento tonal de tais pedidos?; (b) que características

forma: na sessão 1 definimos nosso objeto de estudo:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

247

pedidos de informação e pedidos de ação; na sessão

pedidos de ação. Tais enunciados foram produzidos

2 apresentamos a metodologia adotada; na sessão 3

por dois informantes, ambos do sexo feminino,

apresentamos os resultados e na sessão 4, nossas

cariocas, adultos, com idade entre 25 e 35 anos, com

discussões e conclusões.

nível superior completo em Letras – Português/ Espanhol, professores de ELE e inseridos no mercado de trabalho. Comparamos esses 24 enunciados em

1- Atos ilocutórios: Pedidos de informação e pedidos de ação

ELE com quatro enunciados modelo, sendo dois de pedido de informação e dois de pedido de ação, extraídos dos trabalhos de Moraes (2008) para o

Os pedidos de informação e os pedidos de ação equivalem a atos ilocutórios diretivos,

PBLM (fala carioca) e de Estevas Vilaplana & Prieto (2008) para o ELM (fala madrilena).

correspondendo a tentativas do falante de levar o Descrevemos

ouvinte a fazer algo (Searle, 1984 apud Wilson, 2011, p.94). No entanto, esses pedidos apresentam diferenças entre si.

esses

24

enunciados

foneticamente e os analisamos fonologicamente. Com relação à descrição fonética, obser vamos o comportamento dos parâmetros acústicos de

Nos pedidos de informação, o enunciador

frequência fundamental (F0) e duração no tonema

pergunta algo que desconhece ao ouvinte e supõe que

(último vocábulo tônico do enunciado) dos pedidos,

este detém a informação (KERBRAT-ORECCHIONI,

considerando o formato do contorno entonacional e

2005, p.102). Cabe ressaltar que o enunciador espera

seus movimentos. Os contornos entonacionais dos

que o ouvinte lhe dê uma resposta com sim ou não,

enunciados analisados foram obtidos a partir do

ou seja, espera uma ação verbal por parte do receptor,

programa PRAAT (BOERSMA & WEENINK, 1993-

como em “Renata jogava?”.

2012).

Diferentemente dos pedidos de informação,

Para dar conta da análise fonológica seguimos

nos pedidos de ação, embora o enunciador faça uma

o sistema de notação Métrico Autossegmental (AM),

pergunta, marcada na frase pela formulação

proposto por Pierrehumbert (1980) e Ladd (1996,

interrogativa, ele espera uma ação não verbal por

1999) marcando o tonema (ou núcleo) a partir de

parte do ouvinte, isto é, espera-se o cumprimento de

um tom alto (H) ou baixo (L). Usamos as propostas

um ato qualquer, como em “Destranca a janela?”.

de Moraes (2008), para o PBLM (fala carioca): L+H*L%, para o pedido de ação; e as de Estevas

2- Metodologia

Vilaplana & Prieto (2008), para o ELM (fala madrilena): L*HH%, para o pedido de informação e

Nosso trabalho se divide em duas partes: a primeira se refere à análise da produção dos pedidos de informação e de ação por falantes brasileiros de ELE. A segunda, diz respeito à percepção de ditos enunciados por falantes nativos de espanhol.

H+L*L%, para o pedido de ação. Já para o estudo da percepção, selecionamos 12 enunciados e os deslexicalizamos para que fossem julgados por nove juízes nativos de seis áreas dialetais distintas: 1 da Espanha, Andaluzia; 3 do Chile,

Para o estudo da produção, gravamos a leitura

Santiago de Chile; 2 da Guatemala, cidade da

em voz alta de 24 enunciados interrogativos totais em

Guatemala; 1 de Honduras, San Salvador; 1 do Peru,

ELE, sendo seis de pedidos de informação e seis de

Lima; 1 de Porto Rio, San Juan e por três falantes de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

248

ELE, todos do Brasil, Rio de Janeiro, sendo dois do

analisados, a seguir, em função da implementação da

sexo feminino e uma do sexo masculino, com idade

F0 e da duração, assim como em função de sua

entre 20 e 45 anos, todos com nível superior. Cabe

configuração tonal. Já para o estudo da percepção,

destacar que os três juízes cariocas são professores

os pedidos de informação e os de ação são analisados

de ELE.

segundo o reconhecimento dos atos ilocutórios e a

Esses juízes/avaliadores, falantes de espanhol nativos ou não, após ouvirem cada enunciado,

avaliação da entoação dos aprendizes por parte dos juízes.

tiveram de definir o tipo de pedido (de informação ou de ação) e atribuir um conceito à entoação dada

3.1- Produção

por nossos sujeitos aprendizes a cada um desses 12 enunciados. Esses conceitos poderiam ser: A , se o juiz julgasse a entoação dada ao enunciado pelo sujeito como b o a ; B, se o juiz julgasse a entoação dada ao enunciado pelo sujeito como média e C , se o juiz julgasse a entoação dada ao enunciado pelo sujeito oa. como não bbo

Analisando os dados, observamos que nos pedidos de informação os sujeitos implementam a F0 em ELE com uma subida, em média, de 40 Hz da sílaba pretônica para tônica, seguida de uma queda de 65 Hz da sílaba tônica para a pós-tônica. Já nos pedidos de ação, observamos que os sujeitos implementam a F0 em ELE com uma subida, em

3- Resultados

média, de 25 Hz da sílaba pretônica para tônica, seguida de uma queda de 73 Hz da tônica para a póstônica, como ilustrado no gráfico 1.

Para o estudo da produção, os pedidos de informação e os de ação em PBLM, ELM e ELE são

os d o r mação e d o ne ma/núc le o (Hz): p Média d o g ais no tto dee ação leo pee did didos dee inf info dee F0 das vvo nema/núc ma/núcle

Gráfico 1: Variação de média de F0 nas vogais pretônicas, tônicas e pós-tônicas do tonema dos pedidos de informação e ação em ELE.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

249

Com relação ao comportamento da duração,

sílaba. Por outro lado, nos pedidos de ação, observa-

nota-se que nos pedidos de informação há um

se um alinhamento antecipado na sílaba tônica, ou

alinhamento tardio na sílaba tônica, ou seja, a

seja, a distância em milissegundos correspondendo

distância em milissegundos correspondendo ao

ao alinhamento tonal (pico, vale) em relação à sílaba

alinhamento tonal (pico, vale) em relação à sílaba

proeminente é inferior a 40% da duração total desta

proeminente é superior a 60% da duração total desta

sílaba, como exemplificado no gráfico 2.

Qua dr o cco o mpar at o alinhame nt o tto o nal eem m rree lação à sílaba p nt o ne ma/ Quadr dro mparat atii vo da média d do alinhament nto prro e mine minent ntee no tto nema/ núc le o (%): p os d o r mação e d núcle leo pee did didos dee inf info dee ação

Gráfico 2: Há um alinhamento tardio médio de 890ms (89%) do total da sílaba proeminente, nos pedidos de informação e um alinhamento antecipado médio de 390ms (39%) do total da sílaba proeminente.

No que concerne à atribuição tonal,

atribuição se assemelha a atribuição tonal do PB, fala

constatamos em nossas análises que os sujeitos

carioca, sua língua materna e se diferencia do padrão

realizam os contornos dos pedidos de informação e

descrito para o ELM, fala madrilena: um contorno

de ação em ELE com o contorno melódico final

melódico final ascendente (L*HH%) para o pedido

circunflexo L+H*L%, sendo com alinhamento tardio

de informação e um contorno melódico final

(L+H*L%), no segundo caso. Tal

Sintetizamos estes resultados na tabela abaixo.

Análise Fonológica de Pedidos de Informação e Pedidos de Ação: Atribuição Tonal Pedido de Informação Português do Brasil (fala carioca): L+H*L%

Tabela 1: Síntese das atribuições tonais para os pedidos de informação e os de ação.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

250 3.2- Percepção

permite confrontar pares binários de confusão, isto é, o que está sendo confundido com o que foi

Com os resultados obtidos através do teste de

reconhecido, como ilustrado na tabela 2.

percepção, confeccionamos uma matriz de confusão. É interessante observar que uma matriz de confusão Mat o nfusão: P os d o r mação e d atrr iz d dee C Co Pee did didos dee inf info dee ação

Percepção Produção Pedido de Informação Pedido de Ação

Pedido de Informação

Pedido de Ação

34 40

38 32

Tabela 2: Resultados na matriz de confusão.

Confrontando os dados referentes ao

Confrontando os dados referentes ao

quantitativo de casos em que a intenção do aprendiz

reconhecimento dos pedidos de informação e de ação,

em produzir seus enunciados foi identificada pelos

nota-se que os juízes atribuem melhor nota para os

juízes, nota-se que em 47% dos casos há

pedidos de ação (7,6) do que para os pedidos de

reconhecimento dos pedidos de informação e 44%

informação (6,7). Cabe ressaltar que houve um maior

dos pedidos de ação.

número de reconhecimento do pedido de informação

Como utilizamos neste teste de percepção

pelos juízes (vide tabela 3).

enunciados deslexicalizados, ou seja, sem o nível lexical, somente o prosódico, acreditamos que possa ter dificultado o reconhecimento por parte dos juízes.

Notas at uídas aos p os d o r mação e d atrr ib ibuídas pee did didos dee inf info dee ação

Área dialetal dos juízes Espanha, Andaluzia Chile, Santiago de Chile Guatemala, cidade da Guatemala Honduras, San Salvador Peru, Lima Porto Rico, San Juan Brasil, Rio de Janeiro

Pedido de Informação

Pedido de Ação

10,0/1 6,6/6 5,6/6

10,0/1 7,6/7 5,0/2

3,3/5 5,0/4 7,7/3 9,0/9

5,5/3 8,3/5 7,8/3 8,7/11

Tabela 3: Avaliação do julgamento dos juízes.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Conclusões

251

Espanhol como língua estrangeira, pois acreditamos que, com a descrição dos contornos entonacionais dos

Constatamos com este estudo que o acento

enunciados na LM e na LE, os aprendizes de LE têm

tonal nuclear mais frequente produzido pelos falantes

elementos para contrastar marcas específicas da LM

brasileiros aprendizes de ELE nos enunciados

com as da LE e se tornam capazes de minimizar as

interrogativos totais que funcionam como pedido de

transferências prosódicas de sua LM quando se

informação apresenta subida da sílaba pretônica para

expressam na LE.

tônica seguida de uma queda da sílaba tônica para pós-tônica, com alinhamento tardio do pico na sílaba tônica. Já para o pedido de ação, o acento tonal

Referências bibliográficas

nuclear mais frequente apresenta subida da sílaba pretônica para tônica seguida de uma queda da sílaba

BOERSMA, Paul & WEENINK, David (1993-2012): Praat.

tônica para pós-tônica, com alinhamento antecipado

Disponível em: http://www.fon.hum.uva.nl/praat/

do pico na sílaba tônica.

ESTEBAS VILAPLANA, Eva. & PRIETO, Pilar (2008): La

Em suma, os aprendizes tendem a se basear

notación prosódica del español: una revisión del Sp_ToBI.

no sistema prosódico da sua LM, em outras palavras,

Em: Estudios de fonética experimental XVII. Disponível em:

empregam o sistema de sua LM pelo qual filtram a

http://stel.ub.edu/labfon/sites/default/files/XVII-15.pdf.

fala da LE, fato este que dificulta a inteligibilidade da

Acessado em 05/02/2012.

produção oral do falante de LE e, quando não

KERBRAT_ORECCHIONI, Catherine (2005): Os atos de

compromete a inteligibilidade, gera um julgamento

linguagem no discurso. Niterói: EdUFF.

negativo da competência prosódica do falante de LE, por parte de falantes de LM.

MORAES, João Antônio de (2008): The Pitch Accents in Brazilian Portuguese: analysis by synthesis. Em:

No ensino de espanhol como língua

BARBOSA, Plinio, MADUREIRA, Sandra & REIS, CÉSAR

estrangeira são muitos os trabalhos que apresentam

(eds.).: Proceedings of the Speech Prosody The Fourth

as dificuldades enfrentadas por um brasileiro

International Conference in Speech Prosody. Campinas: IEL.

aprendiz dessa língua, mas são poucos os estudos que tratam especificamente da relação entre entoação e atos ilocutórios. Esperamos, portanto, com este trabalho contribuir no ensino da oralidade do

WILSON, Victoria (2011): Motivações pragmáticas. Em: MARTELOTTA, Mário Eduardo (org.) Manual de linguística, p. 87 – 110. São Paulo: Contexto.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

252

DE DULCINÉIA A HELIANA: PERSPECTIVISMO E METAFICÇÃO

Célia Navarro Flores Universidade Federal de Sergipe – UFS

Em nossa pesquisa atual1, visamos observar,

observar diferentes pontos de vista sobre a

em uma perspectiva comparatista, a influência da

personagem. No poema “La señora Oriana a Dulcinea

obra cervantina, mais especificamente o livro El

del Toboso” (DQ, I, Preliminares, p. 27). Dulcinéia é

ingenioso hidalgo Don Quijote de La Mancha, na obra

descrita como “famosa, honesta y sabia” e em “De

O Romance d’ A Pedra do Reino e o príncipe do sangue

Solisdán a Don Quijote de la Mancha”, o “eu lírico”

do vai-e-volta, do escritor brasileiro Ariano Suassuna.

atribui a castidade de Dom Quixote à incompetência

Neste trabalho pretendemos estabelecer algumas

de Sancho como alcoviteiro, sugerindo-nos a

relações entre as personagens Dulcinéia del Toboso,

possibilidade de uma união carnal entre Dom

da obra cervantina e Heliana, do livro de Suassuna.

Quixote e Dulcinéia e colocando sua honestidade em

Nossa intenção é mostrar como, por um lado, tanto

dúvida:

Dulcinéia como Heliana são apresentadas ao leitor de forma ambígua, sob diferentes perspectivas e, por outro, como ambas são construídas a partir de um processo metaficcional, ou seja, as duas são descritas a par tir de modelos literários pré-existentes. Iniciemos por Dulcinéia.

Y si la vuesa linda Dulcinea, Desaguisado contra vos comete, Ni a vuesas cuitas muestra talante, En tal desmán vueso conorte sea Que Sancho Panza fue mal alcagüete, Necio él, dura ella y vos no amante. (DQ, I, Preliminares, p. 33)

Das 669 personagens que compõe a obra de Cervantes (RILEY, 2000, p. 152), Dulcinéia é, sem

Essa dualidade da personagem será reforçada

dúvida, uma das mais misteriosas2. Não há na obra

e reiterada ao longo da obra. Dulcinéia ora será

de Cervantes uma descrição precisa da personagem,

descrita como uma linda princesa, ora como uma feia

mas uma multiplicidade de pontos de vista 3 que

prostituta. A única descrição mais confiável seria a

incidem sobre ela e que propiciam inúmeras leituras

do narrador, que nos apresenta Aldonza Lorenzo, no

de Dulcinéia. Já nos poemas introdutórios, podemos

primeiro capítulo, como “una moza labradora de muy

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

buen parecer”4 (DQ, I, 1, p. 44). Vejamos rapidamente dois pontos de vista: o de Sancho e o de Dom Quixote. Quando Sancho descobre que Dulcinéia é Aldonza Lorenzo, no capítulo 25 da primeira parte (p. 283), ele diz que ela seria uma mulher de “pelo en pecho” — que tanto pode significar “valente” quanto referir-se ao caráter masculinizado de Dulcinéia —;

253

calidad por lo menos ha de ser princesa, pues es reina y señora mía; su hermosura, sobrehumana, pues en ella se vienen a hacer verdaderos todos los imposibles y quiméricos atributos de belleza que los poetas dan a sus damas: que sus cabellos son oro, su frente campos elíseos, sus cejas arcos del cielo, sus ojos soles, sus mejillas rosas, sus labios corales, perlas sus dientes, alabastro su cuello, mármol su pecho, marfil sus manos, su blancura nieve (...). (DQ, I, 13, p. 141-142)

sua voz se assemelha ao som de um sino e é uma

Nesta descrição, Dom Quixote mobiliza todo

mulher de talhe robusto (“qué rejo tiene”), ou seja,

um sistema de descrição do modelo feminino

não é delicada como uma princesa. Sancho a rebaixa

herdado da literatura renascentista 5: a descrição a

ainda mais ao compará-la a uma prostituta afirmando

partir da parte superior do corpo (cabelos, testa,

que ela “tiene mucho de cortesana: con todos se

sobrancelhas, olhos, bochechas, lábios, dentes,

burla”: “cortesã” também significa, como em

pescoço, peito e mãos) e a comparação com elementos

português, “prostituta” e “burlar com alguém” pode

nobres da natureza (ouro, sol, corais, pérolas etc.).

significar “ter relações sexuais” — também a descrição

Enfatizamos, nessa descrição, a expressão “todos los

das atividades realizadas por Aldonza (“rastrillando

imposibles y quiméricos atributos de belleza que los

lino o trillando en las eras”) tem conotação sexual.

poetas 6 dan a sus damas”, ou seja, Dom Quixote

Segundo González (2010), a intenção de

conscientemente a descreve a imitação dos “poetas”.

Sancho é destruir o universo de Dom Quixote. Sancho

No capítulo 32 da segunda parte, o duque põe

também sentiria um desejo reprimido por Dulcinéia

em dúvida a existência e a linhagem de Dulcinéia e

e, ao rebaixá-la a uma e prostituta, estaria tornando-

novamente se alude à literatura ao comparar

a uma mulher acessível a ele. Sancho cria o que

Dulcinéia com as damas dos livros de cavalarias:

González chamou de “la antidulcinea”, a qual se personifica no capítulo X, da segunda parte, episódio em que Sancho engana Dom Quixote ao afirmar que três feias lavradoras seriam Dulcinéia acompanhada de duas damas. A perspectiva de Dom Quixote sobre Dulcinéia é oposta a de Sancho. Como todo bom cavaleiro, Alonso Quijano necessita uma dama por

— Así es — dijo el duque, pero hame de dar licencia el señor don Quijote para que diga lo que me fuerza a decir la historia que de sus hazañas he leído, de donde se infiere que, puesto que se conceda que hay Dulcinea en el Toboso o fuera de él, y que sea hermosa en sumo grado que vuesa merced nos la pinta, en lo de la alteza del linaje no corre parejas con las Orianas, con las Alastrajareas, con las Madasimas, ni con otras deste jaez, de quien están llenas las historias que vuesa merced bien sabe. (DQ, II, p. 32)

quem se enamorar e, no capítulo 1 da primeira parte, “inventa” Dulcinéia del Toboso, tomando como

Vejamos agora como Ariano Suassuna se vale

modelo uma vizinha por quem durante algum tempo

da mesma estratégia para criar a personagem Heliana.

andou apaixonado. Ao longo do livro de Cervantes, Dom Quixote descreve Dulcinéia diversas vezes, uma das melhores descrições é a do capítulo 13 da primeira

Na obra de Suassuna, o protagonistanarrador, Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, à diferença de Dom Quixote, não é um cavaleiro, mas

parte.

um escritor. O romance que está escrevendo é uma —(...) Solo sé decir, (...) que su nombre es Dulcinea; su patria, el Toboso, un lugar de la Mancha, su

epopeia, da qual o protagonista é Sinésio, um cavaleiro que — após ser raptado e preso — volta

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

254

para vingar a morte de seu pai. A dama de Sinésio é

ocultamente, presenciou um ato estranho de Heliana:

Heliana, a qual é descrita como uma dama dos livros

a acompanhante da moça, Maria Elvira, fizera uma

de cavalaria, porém, como veremos, assim como

pequena fogueira para afugentar as abelhas de uma

Dulcinéia, ela apresenta algumas ambiguidades.

colmeia e, com um graveto, Heliana retirou o mel da

Quaderna nos conta que Sinésio havia se apaixonado por Heliana quando ainda crianças, porém o pai de Sinésio e o de Heliana tinham acordado que Sinésio se casaria com Clara, irmã de Heliana, logo o amor de Sinésio por Heliana era secreto e impossível. Ao descrever as roupas do Donzel Sinésio, Quaderna observa que em sua capa havia um escudo bordado com a figura de uma mulher de cabelos soltos e com as mãos cobertas. Quaderna considera “uma coincidência epopeica, astrosa e fatídica” (SUASSUNA, 2007, p. 47) o fato de que Heliana, o amor da vida de Sinésio, vivia com as mãos cobertas e não permita que nenhum homem as descobrisse, a não ser, Sinésio7. Com isso queremos evidenciar o fato de que Heliana é a típica dama dos romances de cavalaria, o cavaleiro está enamorado por uma mulher que cobre as mãos e, coincidentemente, a dama pintada em seu escudo aparece com as mãos cobertas.

colmeia, desabotoou o vestido e começou a passar mel nos mamilos. Clara conta que a família já está acostumada com as esquisitices de Heliana: — “La em casa, nós já estamos todos habituados com as estranhezas de Heliana! Não é que eu tenha vergonha nenhuma dela; não acho nada de censurável no que ela faz, mesmo quando os outros acham que aquilo é mais do que esquisitice!” (SUASSUNA, 207, 498) (...). “Nós já temos passado por outras situações semelhantes, todas constrangedoras. Heliana sempre foi meio estranha e selvagem, desde menina! (...) É por causa de Heliana que ele (o pai delas) prefere viver isolado, naquela Fortaleza afastada (SUASSUNA, 207, p. 499).

Assim como Dulcinéia, Heliana é mostrada em diferentes facetas. Se por um lado é a dama dos livros de cavalaria, que vive isolada do mundo por seu pai e que tem seu rosto estampado no escudo de seu cavaleiro; por outro, é a mulher lasciva, “estranha e selvagem”, que unta os seios com mel. Encontramos aqui a dicotomia pureza/lascívia presente na

Tais quais as damas dos livros de cavalaria, as

personagem de Cervantes. Poderíamos dizer que, ao

irmãs Heliana e Clara vivem isoladas em uma

nos apresentar a personagem sob diferentes

fortaleza construída pelo pai e são acompanhadas por

perspectivas, Ariano Suassuna está criando uma anti-

uma criada, Maria Elvira, que desempenha o papel das “dueñas” dos livros de cavalarias. Até aqui,

heliana, da mesma forma que Cervantes criou a antidulcinéia.

Heliana é a perfeita dama de cavaleiro andante dos

Como vimos, Heliana é apresentada ao leitor

livros de ficção. Entretanto, o narrador nos conta que

por meios tortuosos: Quaderna conta ao Corregedor

a moça possuía hábitos estranhos e constrangedores,

que uma informante sua, a senhora idosa, contou que

mostrando-nos uma faceta da personagem que se

Gustavo descreveu a Clara o ato obsceno de Heliana.

opõe à imagem de perfeita dama.

Ou seja, a história de Heliana passou de boca em boca

Quaderna nos conta que costumava dar consultas astrológicas em seu gabinete. Em uma delas, uma senhora idosa, parenta de Clara conta a

até chegar aos ouvidos do corregedor e aos olhos do leitor. Assim como Dulcinéia, nunca ouvimos a voz de Heliana, sempre são outros personagens que se referem a ela.

Quaderna que ouviu uma conversa entre Clara e Gustavo, personagem que estava enamorado por

Como vimos, Dulcinéia é inventada por Dom

Clara. Nessa conversa, Gustavo conta a Clara que,

Quixote a partir de um processo metaficcional, ou

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

255

seja, a ficção se remete à própria ficção, quando Dom

fragmento “o mel de abelhas” e “embebidas em mel”

Quixote descreve sua amada a partir dos retratos

— elemento relacionado à Heliana, como vimos

femininos da Literatura renascentista. O mesmo

anteriormente — também apresenta a cor do sol. O

processo ocorre com Heliana, que é descrita em

fogo, o calor e o sol são elementos recorrentes no

comparação com as mulheres das obras de José de

Romance d’A Pedra do Reino.

Alencar. Vejamos.

Assim como Dulcinéia, Heliana apresenta

Inicialmente, Quaderna compara Clara com

facetas opostas: o “negro escarlate da paixão e a cassa

Genoveva Moraes, irmã de Gustavo e noiva de Arésio,

da Pureza”, o fogo de Isabel e o angelical de Ceci,

que era irmão de Sinésio. Para ele, as duas são opostas,

porém, diferentemente de Dulcinéia, essas oposições

Heliana, entretanto, é uma síntese das duas.

estão em perfeita unidade, segundo o narrador. Ao

Posteriormente, Quaderna compara Heliana às

mencionar Lucíola, Quaderna atribui a Heliana a

personagens de Alencar:

faceta prostituta, presente em Dulcinéia.

(...) Clara era como Cecília8, Genoveva como Isabel: uma, loura e angélica, a outra, morena, ardente e no cio. Mas Heliana juntava tudo isso, não em contradição e separadamente, Sr. Corregedor, e sim em unidade, unindo a Verbena, a urze, a urtiga, o Vinho, o mel de abelhas, o amor felino da Onça jovem e fêmea, isto é, o negro-escarlate da Paixão e a cassa da Pureza, ambas ardentes. De fato, pelo que pude ver e adivinhar de seu amor por Sinésio, assim era Heliana! E eu, tendo conhecido Heliana como menina-e-moça e, depois, como moça e mulher, poderia dizer dela tudo o que José de Alencar disse de tantas outras, sempre separando em muitas o que, em Heliana, era espanto e unidade, fogo e canto do sangue. É que, quando eu e Sinésio vimos pela primeira vez aquela que seria a Dama e princesa de sua vida, ela estava com doze anos, a mesma idade da irmã de Lucíola. Era um fruto verde, como a Emília de Diva. Depois, “aveludada pela pubescência”, despertava nela a mulher, na “atitude da corça arisca”, (...). O cabelo dela era como se tivesse sido formado somando-se o louro de Ceci e Clara com o escuro de Lucíola e Isabel, para dar um castanho-claro, fino, macio, dourado. Seu amor era “vinho, fruto e chamas embebidas em mel”, e era daí que se originava também a penugem macia e rara que lhe dourava as coxas “alvas mas amorenada pelo sol” (...) (SUASSUNA, 2007, p. 504)

Essa unidade buscada a partir de oposições (a união dos contrastes) é constante na obra de Suassuna. Enquanto na obra de Cervantes, temos dois protagonistas que aparentemente se opõem (Dom Quixote e Sancho), na obra de Suassuna temos três: Clemente, negro, Samuel branco e Quaderna, que é a síntese dos dois: moreno. Samuel preferia o jogo de xadrez, mais sofisticado e reproduz os personagens da corte (rei, rainha, peão, cavalo, torre etc), Clemente preferia a dama (negros contra brancos), jogo mais simples e popular; e Quaderna, as cartas, nas quais há também reis e rainhas como no xadrez e há os naipes com duas cores, como o jogo de damas. Essa ideia de síntese está na própria concepção da obra de Suassuna: o Romance d’A Pedra do Reino é um modelo do que Suassuna chama de “romance armorial”. O movimento armorial9 encabeçado por Suassuna nos anos 70 procura criar uma arte erudita a partir das raízes populares. Para Suassuna popular e erudito não se opõem, mas se conjugam.

Notamos no fragmento, uma recorrência de

Enfim, neste breve trabalho vimos como a

imagens relacionadas ao fogo: “ar ard ntee e no cio”, ar d e nt

personagem do Romance d’A Pedra do Reino, Heliana

d e n ttee ss”, “ff o g o e o canto do sangue”, “ambas a rrd

pode ser comparada com Dulcinéia del Toboso,

d our ouraav a as “d ouraa d o ”, “cc hamas embebida em mel”, “d d our

personagem do livro de Cervantes por diversos vieses.

sol”. Fogo presente também coxas”, “morenadas pelo sol

Assim como Dulcinéia, Heliana é considerada a dama

em seu nome, pois Heliana, com “H”, deriva de Helios,

de um cavaleiro e é apresentada ao leitor por, pelo

que significa “sol”. O mel, que aparece duas vezes no

menos, duas diferentes perspectivas: a mulher casta

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

256

e a lasciva, assim como Dulcinéia é uma princesa para

DIDER, Maria Thereza. (2000). Emblemas da sagração

Dom Quixote, porém uma cortesã para Sancho.

armorial. Ariano Suassuna e o movimento armorial 1970/

Heliana apresenta as características de uma dama

76. Recife: Editora Universitária da UFPE.

(rosto pintado no escudo e amada secretamente pelo cavaleiro Sinésio, vive isolada em uma fortaleza) e, ao mesmo tempo, é descrita como “estranha” e pratica

FLORES, Célia Navarro (2007). Da palavra ao traço: Dom Quixote, Sancho Pança e Dulcinéia del Toboso, tese defendida na Universidade de São Paulo.

atos, que poderíamos considerar lascivos. Tanto uma como outra é descrita, em um processo de metaficção,

GONZÁLEZ, Mario M. (2010) Las transformaciones de

a partir da própria literatura. Dulcinéia é descrita por

Aldonza Lorenzo. Em Lemir , nº 14, p. 205-215.

Dom Quixote a partir dos retratos femininos da

RILEY, Edward. (2000) Modos de ser. Em Introducción al

poesia renascentista e Heliana é uma das personagens

Quijote. Barcelona: Crítica.

femininas de José de Alencar. RILEY, Edward. (2000) Ideales e ilusiones. Em Introducción al Quijote. Barcelona: Crítica.

Referências bibliográficas

SUASSUNA, Ariano. (2007) Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai e volta. Rio de Janeiro: José

CERVANTES, Miguel de (1998). Don Quijote de La

Olympio.

Mancha. Edición del Instituto Cervantes. Dirigida por Francisco Rico. Barcelona: Crítica. CLOSE, Anthony. (2005) Perspectivismo y existencialismo. Em La concepción romántica del Quijote. Barcelona: Crítica.

Notas 1

A pesquisa conta com o apoio do CNPq.

2

Para um estudo mais profundo sobre a construção da personagem Dulcinéia na obra de Cervantes, ver nossa tese de doutoramente “Da palavra ao traço: Dom Quixote, Sancho Pança e Dulcinéia del Toboso, defendida na Universidade de São Paulo, em 2007.

3

Sobre o perspectivismo no Quixote, remetemos o leitor ao texto de Close (2005, pp. 262-276), no qual ele apresenta os principais estudos sobre o tema.

4

Lembremos que Dom Quixote desautoriza o narrador/autor, Cide Hamete Benengeli, quando diz que por ser árabe, é mentiroso.

5

Lembremos do famoso poema de Góngora “Mientras por competir con tu cabello”.

6

Grifo nosso.

7

Lembremos que, em determinado momento, Dom Quixote pretende pintar um retrato de Dulcinéia em seu escudo, à imitação dos cavaleiros ficcionais.

8

Cecília e Isabel são personagens de O Guarani, de José de Alencar.

9

Sobre Suassuna e o movimento armorial, ver DIDIER (2000).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

257

SIERVA MARÍA DE TODOS LOS ÁNGELES E MARIA MANDINGA

Cinthia Belonia PG - UFF

Neste trabalho abordo o comportamento da

contraiam a raiva (Rhabdoviridae). Para a Igreja, que

personagem Sierva María de Todos los Angeles da

não aceita nenhuma explicação médica, a menina é

obra Del amor y otros demonios de Gabriel García

vítima de uma manifestação demoníaca. A

Márquez. Tal personagem é uma menina branca que

demonologização das práticas culturais de origem

fora criada no pátio dos escravos de sua casa, pois

negro-africana e ameríndia, reproduzidas pela

após seu nascimento foi negligenciada por seus pais.

personagem, constitui, no romance, uma estratégia

Devido a essa criação, a personagem adquire um

da Igreja Católica para a perpetuação do poder

comportamento semelhante ao dos escravos e, por

eclesiástico através da imposição do discurso

isso, além de possuir um nome de batismo

religioso. Durante o vice-reinado da Colômbia, esse

visivelmente católico, recebe também um nome com

discurso servia à legitimação da inquisição e do

a marca da migração interlinguística crioula, que

sistema escravocrata.

caracteriza um ato de exclusão e discriminação: María Mandinga, dado por sua mãe.

Sierva María de Todos los Angeles é uma personagem complexa, que não ultrapassa os 13 anos

Dominda de Adviento, escrava governanta da

de idade. Trata-se de uma menina que possui um

casa, é quem a cria dentro de seus costumes. Seu

comportamento identificado com o ethos negro-

comportamento rotulado como “negro” passa a ser

africano, apesar da pele branca, do título de marquesa,

mal interpretado pela sociedade local, principalmente

da posição social considerável em sua cidade e de um

pela Igreja Católica, quando, após ter sido mordida

nome de batismo católico. Mesmo tendo um quarto

por um cachorro raivoso em companhia de negros,

na casa grande, ela dormia na rede do pátio dos

aguça a suspeição já existente sobre seu

escravos junto das outras escravas da casa. E foi ali

comportamento identificado com o ethos dos

que cresceu:

escravos. À época (século XVIII na América espanhola), estigmatizavam-se as pessoas que

La niña, hija de noble y plebeya, tuvo una infancia de expósita. La madre la odió desde que le dio de

258

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

mamar por la única vez, y se negó a tenerla con ella por temor de matarla. Dominga de Adviento la amamantó, la bautizó en Cristo y la consagró a Olokun, una deidad yoruba de sexo incierto, cuyo rostro se presume tan temible que sólo se deja ver en sueños, y siempre con una máscara. Transpuesta en el patio de los esclavos, Sierva María aprendió a bailar desde antes de hablar, aprendió tres lenguas africanas al mismo tiempo, a beber sangre de gallo en ayunas y deslizarse por entre los cristianos sin ser vista ni sentida, como un ser inmaterial (MÁRQUEZ, 2007, p.54).

cor, além de transitar também no mundo dos negros

Sobre esse aspecto da personagem, conseguindo

Por isso híbrida, por não podermos classificar a

passar entre os cristãos sem ser vista, podemos chamar

personagem numa única identidade. Como uma

de astúcia. Caracterítica típica dos negros e dos

hispano-americana que era, filha dessa colonização,

colonizados para sobreviverem num mundo de

ela possui características do pluriculturalismo que

repressão. Sobre isso o pensador indo-britânico Homi

identifica muitos povos colonizados. Sobre esse

Bhabha em O local da cultura nos diz que:

hibridismo, Stuart Hall afirma que:

A invisibilidade apaga a autopresença daquele “Eu” em termos do qual funcionam os conceitos tradicionais de agência política e domínio narrativo. O que toma (o) lugar, no sentido do suplemento derridiano, é o mau olho desencarnado, a instância subalterna que executa a sua vingança circulando sem ser visto. Ele atravessa as fronteiras entre senhor e escravo; ele abre um espaço interalar entre os dois locais do poema, o Hemisfério Sul da escravidão e o Hemisfério Norte da diáspora e da migração, que então se tornam estranhamente duplicados no centenário fantasmático do inconsciente político. Esta duplicação resiste ao tradicional elo causal que explica o racismo metropolitano contemporâneo como resultado dos preconceitos históricos das nações imperialistas. O que ela de fato sugere é uma nova compreensão de ambas as formas de racismo, baseada em suas estruturas simbólica e espacial comuns – a estrutura maniqueísta de Fanon – articuladas dentro de diferentes relações temporais, culturais e de poder (BHABHA, 2007, p. 91).

por se identificar com os mesmos, e essa livre transição não era permitida aos colonizados. Graças a essa criação negra, a marquesinha branca cresceu diferente dos seus, mas também não tão igual aos negros. Afinal, por mais que se parecesse com eles devido aos costumes que mantinha, ela não era uma deles, mas, como nos ensina Bhabha, era capaz de atravessar a fronteira que há entre senhores e escravos.

A distinção de nossa cultura é manifestadamente o resultado do maior entrelaçamento e fusão, na fornalha da sociedade colonial, de diferentes elementos culturais africanos, asiáticos e europeus.

Esse resultado híbrido não pode mais ser facilmente desagregado em seus elementos “autênticos” de origem (HALL, 2011, p. 31).

A história de Sierva María inicia após ela ser mordida por um cachorro na rua quando passeava com uma das escravas fazendo compras para a festa de seus 12 anos. Além dela, também foram mordidos três escravos negros. É possível que o narrador tenha escolhido esses personagens para sublinhar, através da metáfora literária, o preconceito étnico-social, ao mostrar que em sociedades estratificadas até os cachorros são preconceituosos. Meses depois:

O pátio dos escravos constituía o local onde Sierva María se sentia livre para manifestar seu comportamento dúbio sem sofrer nenhum tipo de discriminação. A exclusão geográfica, demarcada pela fronteira que separava o pátio da Casa Grande, proporcionava a Sierva María um sentimento de

Dos habían desaparecido, sin duda escamoteados por los suyos para tratar de hechizarlos, y un tercero había muerto del mal de rabia en la segunda semana. Había un cuarto que no fue mordido sino apenas salpicado por la baba del mismo perro, y estaba agonizando en el hospital del Amor de Dios (MÁRQUEZ, 2007, p.24).

proteção em relação à sociedade escravocrata, na qual nenhum colonizado poderia experimentar a mesma

Diferente das outras vítimas, Sierva María

liberdade que ela. Pois a menina tinha liberdade para

estava completamente sã. Fazendo sua mãe acreditar

transitar no mundo dos brancos por ser essa a sua

que o cachorro contraíra raiva após mordê-la. A

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

259

ironia, tão comum nas obras de García Márquez,

colonizador, conotação pejorativa, traduzindo o

exemplifica, aqui, a forma como a mãe se referia à

preconceito étnico-cultural característico do período

filha. Considerava a menina de uma presença

colonial.

fantasmagórica e muito assustadora. Mesmo assim “estaba dispuesta a hacer la farsa de las lágrimas y a guardar un luto de madre adolorida por preservar su honra, con la condicíon de que la muerte de la niña fuera por una causa digna” (MÁRQUEZ, 2007, p.25). Pois, sendo ela filha de índio e seu marido um crioulo1, por isso de uma posição social insegura, não poderiam sofrer a humilhação de ter uma filha com raiva, visto que: Toda a projeção eufórica do mestiço passa pela reabilitação dos seus componentes raciais: se a mistura de sangues se torna aceitável para o branco, é porque o negro e o índio adquirem status de humanidade e as suas culturas começam a ser repensadas dentro dos novos enfoques da História (CHIAMPI, p.116).

Esse comportamento se apresentava nas danças africanas que a personagem aprendera desde muito nova, nas línguas mandinga, congo e iorubá, que a menina conhecera antes mesmo do castelhano. Possuía, também, um paladar culinário exótico comparado com o europeu, pois comia com as escravas o que era servido no pátio onde eles viviam. Desenvolveu, além desse comportamento, o costume de mentir por vício, principalmente aos brancos. Como se só confiasse nos negros. Frantz Fanon fala em Pele negra Máscaras brancas que o negro tem duas dimensões, uma com seus semelhantes e outra com o branco. E de fato a menina se comporta de forma diferente entre um e outro, se igualando sempre aos negros. Ao falar a língua dos negros, Sierva María

Sierva María era branca, no entanto, possuía

assume essa cultura, como diz Fanon, ela suporta, por

hábitos e valores negros, por isso o índio e o crioulo

identificação cultural e afetiva, o peso desse povo. Ela

(nesse caso não se trata da cor da pele) não

não assume os valores da metrópole, do país

adquiriram, através dela, o status de humanidade.

colonizador, mas sim assume os valores negro do povo no qual se identificava.

Mesmo antes da menina ser mordida pelo cachorro, sua mãe já a considerava de um

Fanon retoma Sartre, que diz que “é o anti-

comportamento diferente. Sabendo disso, a menina

semita que faz o judeu” (SARTRE apud FANON,

aproveitava para assustar a mãe fazendo um barulho

2008, p.90), para poder dizer , através de Burns, que

estranho. E “ella le aumentaba el susto con una

quem cria o inferiorizado é o racista:

retahíla en lengua yoruba” (MÁRQUEZ, 2007, p.56). Sua mãe costumava dizer que a única coisa que a menina tinha de branco era a cor. E alternava seu nome com um nome africano que havia inventado: María Mandinga. Um nome que combinava o branco, católico e europeu (Maria) com o negro, afroreligioso e africano (Mandinga). Tal nome era uma forma da mãe demonstrar seu preconceito com os negros e com o comportamento da filha que se assemelhava ao deles. Renomeando a filha, Bernarda

O preconceito de cor nada mais é do que a raiva irracional de uma raça por outra, o desprezo dos povos fortes e ricos por aqueles que eles consideram inferiores, e depois o amargo ressentimento daqueles que foram oprimidos e frequentemente injuriados. Como a cor é sinal exterior mais visível da raça, ela tornou-se o critério através do qual os homens são julgados, sem se levar em conta as suas aquisições educativas e sociais. As raças de pele clara terminaram desprezando as raças de pele escura e estas se recusam a continuar aceitando a condição modesta que lhe pretendem impor (BURNS apud FANON, 2008, p. 110).

Cabrera marca a diferença entre as duas, excluindo-a e exilando-a em um mundo (o dos escravos) onde a

O negro, por ter sido colonizado e escravizado,

carga semântica do nome ganha, aos olhos do

nada mais é do que uma criação europeia, pois antes

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

260

do contato com o branco ele não se sentia

O escândalo dos vexames e desvarios de Sierva

inferiorizado por nenhuma outra raça. Fanon afirma

María chega aos ouvidos do bispo da diocese, dom

que o negro é visto pelo branco como a figura do

Toribio de Cárceres y Virtudes. Este conversa com o

mal, do pecado, como um selvagem, animal e, até

pai da menina, marquês de Casalduero, e explica que

mesmo, o diabo. Na Europa o mal é sempre

o que há com ela é uma possessão, pois o que se dizia

representado pelo negro, tanto na figura do carrasco

nas ruas era que a menina “rueda por los suelos presa

quanto na figura de Satã. E acrescenta: “fala-se de

de convulsiones obscenas y ladrando en jerga de

trevas quando se é sujo, se é negro – tanto faz se isso

idólatras” (MÁRQUEZ, 2007, p.67). O bispo diz

se refira à sujeira física ou à sujeira moral” (FANON,

ainda, que a menina não deveria estar aos cuidados

2008, p. 160). Dessa forma, não é estranho o fato de

do médico Abrenúncio, por este ser judeu. Mas o que

Sierva María ser considerada uma possessa por

incomodava a Igreja era a sabedoria do médico, que

apresentar um comportamento negro.

representa a razão na obra, e sabia que a personagem

Quem fazia a ligação entre os dois mundos

não estava possessa.

nos quais a menina vivia era Dominga de Adviento, a

Delaura, o padre-bibliotecário e braço direito

escrava governanta da casa e quem criara Sierva

do bispo, considera junto a este que o corpo da

María: “Se había hecho católica sin renunciar a su fe

menina não tem salvação, e os dois dizem que Deus

yoruba, y practicaba ambas a la vez, sin orden ni

os deu meios para salvar sua alma. E assim, o marquês

concierto” (MÁRQUEZ, 2007, p. 20). E foi nesse

de Casalduero se convence de que deve internar sua

hibridismo que Sierva María cresceu. Stuart Hall fala

filha no convento de Santa Clara, fazendo isso no dia

sobre o hibridismo religioso que presenciou tanto no

seguinte: “Fue en la última celda de ese rincón de

Haiti como na Jamaica, onde, segundo Hall, pôde

olvido donde encerraron a Sierva María, a los noventa

sentir a “África” devido à forma como os deuses

y tres días de ser mordida por el perro y sin ningún

africanos foram combinados com os santos cristãos

síntoma de la rabia” (MÁRQUEZ, 2007, p.76-77). A

no vodu haitiano. E assim como Dominga de

menina é internada num convento porque, numa

Adviento, o contemporâneo pintor francês André

época de Inquisição, era uma boa propaganda para a

Pierre “fazia uma prece a ambos os deuses, cristão e

Igreja Católica, uma possessão demoníaca e o sucesso

vodu, antes de iniciar seu trabalho” (HALL, 2011,

em seu exorcismo.

p32). Esse hibridismo, segundo Hall, está presente em toda a América Latina no “pecado-contrição-

Em Os condenados da terra, Fanon diz que a

absolvição”, pois o baile na terça-feira de carnaval vem

Igreja das colônias não chamavam os colonizados

seguido da missa na quarta-feira de cinzas. Nos diria

para a religão, mas sim para o “camino do branco, do

Hall, em todo lugar há a différance, pois a diferença é

amo, do opressor” (FANON, 1961, p. 38). Pois a Igreja

essencial ao significado, e este é crucial à cultura. Ele

é de brancos, do estrangeiro e colonizador. Ao querer

alerta ainda que o termo “hibridismo não se refere a

salvar a alma da personagem, o que o bispo realmente

indivíduos híbridos. [...] Trata-se de um processo de

pretende é colonizar e usá-la como exemplo e

tradução cultural, agonístico uma vez que nunca se

demonologizar as práticas culturais oriunda dos

completa,

negros e ameríndios.

mas

que

permanece

em

sua

indecidibilidade” (HALL, 2011, p. 71), como é o caso da personagem aqui trabalhada, que vive na indecidibilidade da cultura negra a de sua etnia branca, além da escrava Dominga de Adviento, que se atém a duas religiões.

Ao chegar no convento, uma das escravas do local a vê no pátio e reconhece os colares de candomblé, com isso, leva-a até a cozinha. Ao perguntarem o que aconteceu com seu tornozelo, ela

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

261

responde que sua mãe fez isso com uma faca, pois

claro de que não há provas de que a menina esteja de

como tinha o costume de mentir por vício, usa desse

fato possessa. E ao conhecer Sierva María, vê apenas

estratagema para esconder a verdade sobre o

uma menina pura e indefesa. E diz ao bispo que as

tornozelo mordido pelo cão raivoso. E quando

atas onde as clarissas anotavam o comportamento da

perguntaram seu nome, disse Maria Mandinga. E

menina serviam mais para justificar a mentalidade

assim, Sierva María recupera seu mundo:

da abadessa que o estado de Sierva María. E diz ainda que mesmo que não esteja possuída, naquele

Ayudó a degollar un chivo que se resistia a morir. Lê saco los ojos y le cortó las criadillas , que eran las partes que más lê gustaban. Jugó al diábolo con los adultos en la cocina y con los niños del patio, y les ganó a todos. Cantó en yoruba, en congo y en mandinga, y aun los que no entendían la escucharon absortos. Al almuerzo se comió un plato con las criadillas y los ojos del chivo, guisados en manteca de cerdo y sazonados con especias ardientes (MÁRQUEZ, 2007, p.78).

A abadessa do convento ao ouvir o canto da

convento ela tem todas as condições possíveis para que isso aconteça. Sobre as atas: Decían que la niña se había complacido descuartizando un chivo que degolló con sus manos, y se comió las criadillas y los ojos aliñados como fuego vivo. Hacía gala de un don de lenguas que le permitía entenderse con los africanos de cualquier nación, mejor que ellos mismos entre si, o con las bestias de cualquier pelaje (MÁRQUEZ, 2007, p.107)

menina fica deslumbrada com sua voz, no entanto não sabe ainda de quem se trata. Ao ser informada de que o canto era produzido pela “possessa” que ela aguardava, foi para a cozinha erguendo o crucifixo que trazia pendente ao pescoço. Como haviam dito para ela que a menina estava possuída, tudo o que acontece daí em diante no convento será atribuído aos demônios presentes em Sierva María. Não só a abadessa, mas todas as freiras do convento lhe

Segundo o filólogo cubano Rogelio Rodríguez Coronel: Queda explícito, en síntesis, que las manifestaciones ‘de caráter africano’ (precisamente las religiosas y las danzarias, intimamente relacionadas y privilegiadas en ese mundo) eran contrarias a la ‘civilización’ y a las ‘buenas constumbres’, representada por la clase dominante, blanca, eurocidental y católica (CORONEL, 1993, p.49).

atribuem todos os acontecimentos, considerados por elas, anormais. Sempre que alguém tenta tirar seus colares (Sierva María usava colares de candomblé,

Cayetano Delaura é o único na obra a perceber

além de uma escapulário) ela se altera com muita

que a acusação de possessão feita pela Igreja à menina

agressividade. Sendo considerada pelas freiras dona

foi devido à intolerância e ignorância desta para com

de uma força de outro mundo. Mas as clarissas,

o comportamento negro e afro-religioso da

noviças do convento de Santa Clara, movidas pelo

personagem. E diz que o que parece demoníaco para

tédio, pareciam ter mais curiosidade que medo:

eles (católicos) são os costumes negros que a menina aprendeu ao viver no pátio dos escravos após o

Pero los terrores de las clarisas eran contradictorios, pues a pesar de los aspavientos de la abadesa y de los pavores de cada quien, la celda de Sierva María se convirtió en el centro de la curiosidad de todas. (...) Una niña endemonia dentro del convento tenía la fascinación de una aventura novedosa (MÁRQUEZ, 2007, p.84).

Cayetano Delaura fora incumbido pelo bispo de cuidar do caso. Ao conversar com a abadessa deixa

abandono dos pais. Além da intolerância e ignorância, outro motivo forte que levava a Igreja a condenar (através da Inquisição) as pessoas é o fato de se tratar de uma estratégia de controle e dominação políticosócio-cultural. A Igreja condenava à fogueira ou a outros castigos todos aqueles que, de certa forma, ameaçavam sua hegemonia religiosa e política.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

262

García Márquez apresenta em Del amor

Referências bibliográficas

y otros demonios uma América de brancos, católicos de ascendência européia, e de negros, afro-religiosos

BHABHA, Homi K (2007): O local da cultura. Trad.

e primitivos. Sobre essa América Chiampi afirma:

Miryam Ávila, Eliana Lourenço de Lima Reis, Gláucia Renate Gongalves.Belo Horizonte: EdUFMG.

Os elementos que compõem a imagem da América bárbara são identificados com a herança espanhola (a Inquisição, a escravidão, o despotismo) e com o substrato indígena (a perfídia, a indolência, o primitivismo, a ignorância) – inclusive nas zonas de culturas autóctones superiores (CHIAMPI, 1980, p.110).

CHIAMPI, Irlemar (1980): O Realismo Maravilhoso. Forma e Ideologia no Romance Hispano-Americano. Editora Perspectiva. CORONEL, Rogelio Rodríguez (1993): Marginalidad y literatura en textos afrocubanos de origen yorubá. In:

A contraposição América e Europa no

Terceira Margem: Revista de Pós-Graduação em Letras.

antagonismo entre a inocência do primitivo e a

Rio de Janeiro. Universidade Federal do Rio de Janeiro,

degeneração da razão é representada na obra por,

Centro de Letras e Artes, Faculdade de Letras – Pós-

respectivamente, Sierva María, sua família, os

Graduação, Ano 1, nº1.

escravos e a população nativa dessa Colômbia, e, no

FANON, Frantz (1961): Os condenados da terra. Serafim

segundo caso, pela abadessa e pelo bispo, que,

Ferreira. Lisboa: Ed. ULISSEIA.

fanáticos em suas crenças, não percebiam que o que a menina tinha era um comportamento diferente do europeu. E o definiram como uma possessão. O que

_______ (2008): Pele negra máscaras brancas. Trad. Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA.

na verdade era um comportamento semelhante ao dos

HALL, Stuart (2011): Da diáspora: identidades e mediações

escravos, que por serem considerados inferiores pelos

culturais.

europeus e seus descendentes de cor branca, era

Representação da UNESCO.

facilmente visto como algo demoníaco, como já havia dito Fanon. A perfídia, a indolência e o primitivismo

Belo

Horizonte:

EdUFMG;

MÁRQUEZ, Gabriel García (2007): Del amor y otros demonios. Buenos Aires: Debolsillo.

são construções estereotipadas que legitimavam a visão deturpada, muitas vezes carregadas de preconceito, do europeu sobre os povos das Américas.

Nota 1

Brasília:

O termo crioulo é “egresso do latim criare com o sentido de educar, o termo identificava os que nasciam e eram educados nas Américas sem ser originários delas como os ameríndios, passando, entretanto, a indicar, por extensão, homens de todas as raças, animais e plantas que se transportaram para o continente americano a partir de 1942. (...) O Novo dicionário de língua portuguesa de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira define crioulo como: o indivíduo de raça branca, nascido nas colônias europeias de além-mar, particularmente as das Américas, dominando também de crioulo o dialeto falado por essas pessoas; o negro nascido nas Américas; o dialeto português falado em Cabo Verde e em outras possessões portuguesas da África. (...) Na América hispânica, o termo crioulo não só indica os membros, de classes subalternas, nascidos nas Américas, mas, também, refere-se à lógica sincrética do crioulo vernacular como modelo inclusivo com um majoritário aporte de construções sociais.” (cf. Magdala França Vianna, Crioulização e Crioulidade, p. 103-5, em Conceitos de Literatura e Cultura, 2005.)

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

263

ESPACIOS, MITOS Y CLAVES DEL IMAGINARIO ANDALUZ EN LA POESÍA DE FEDERICO GARCÍA LORCA

Clara Pajares Gil Universidade Federal de Viçosa

Desde su violento asesinato en 1936 a manos

La formación del complejo universo

del bando fascista, la obra de Lorca no ha dejado de

simbólico lorquiano se nutre, además de las

expandirse hasta alcanzar una posición universal en

experiencias y lecturas particulares, de los paisajes,

el mundo de la literatura. Pocos escritores en lengua

imágenes, creencias, supersticiones, leyendas, etc. que

castellana han alcanzado una trayectoria semejante

componen el entorno de su niñez y adolescencia; así

después de su muerte. Y entre las múltiples

como del conocimiento adquirido gracias a una

propiedades que hicieron de su obra un tesoro

enorme curiosidad hacia la historia de su propio

inmortal se encuentra ese ingenio único para mezclar

pueblo.

en un cóctel singular la tradición milenaria y la vanguardia,

universalizando

Andalucía

y

convirtiéndola en un espacio mítico en el que confluyen todos los grandes temas y las grandes preguntas (GARCÍA-POSADA, 1989, p.87).

La posición geográfica de Andalucía la convirtió en tierra de paso de diversos pueblos ya desde la prehistoria, y foco de atracción de grandes civilizaciones. Se ha considerado un lugar geoestratégico al hallarse en el extremo sur de la

Con la pretensión de ser capaces de abrir

Península, entre África y Europa, entre el Atlántico y

ventanas inéditas desde las que poder asomarse a la

el Mediterráneo. En ella se encuentra la Punta de

obra lorquiana, en este trabajo se recorre la palabra

Tarifa que es el lugar más al sur de la Europa

del escritor granadino a la luz de los ingredientes de

continental y el más cercano al continente Africano,

los que se ha nutrido la historia y el fértil imaginario

tan sólo catorce escasos kilómetros de agua separan

de su tierra natal, Andalucía. Nos acercaremos a un

ambos continentes. Una región mucho más cercana

poeta que es heredero de viejísimas culturas, las

a Marruecos que al propio norte de España.

mismas que han dado lugar a una región cuyos orígenes, perdidos en la noche de los tiempos, se debaten a medio camino entre el mito, la leyenda y la historia.

Ya desde inicios de la Edad de Piedra se encuentran muestras de culturas prehistóricas en Andalucía. En los valles del Guadalquivir y del

264

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Guadalete se encontraron guijarros tallados como

muerto está más vivo como muerto que en ningún

primer exponente del paso del homo hábilis y ya en el

sitio del mundo” (LORCA, 2004, p.154).

último estadio del Paleolítico superior, la etapa llamada magdaleniense aparecen las primeras manifestaciones artísticas del hombre de CroMagnon andaluz en diversas cuevas malagueñas y gaditanas. Algunas de éstas, tras el paso y la huella de sucesivas generaciones prehistóricas, acabarían convertidas en auténticos santuarios profusamente decorados con toda clase de motivos zoomórficos, cinegéticos, mágicos etc. Destacan también, repartidos por casi todo el territorio andaluz, los monumentos funerarios megalíticos (MAZARRASA, 1980, p.33-48). Varios de estos sepulcros fueron encontrados en la provincia de Federico García Lorca, Granada. Eran monumentos dedicados al culto de los antepasados, generalmente levantados en lugares altos (para ver y ser vistos), en sociedades que comenzaban tener una relación particular con la muerte y a conceder importancia a la memoria de sus antepasados. Hay quien, como Gómez-Moreno, considera que los monumentos megalíticos andaluces de la Edad del Hierro constituyen el único testimonio arqueológico capaz de sustentar racionalmente el

En los escritos lorquianos se manifiesta un especial interés por las primeras civilizaciones que pasaron por Andalucía, como la de los tartesios. Situada a medio camino entre la Prehistoria y la Historia, en la llamada Protohistoria, la tartesia fue considerada por los griegos como la primera civilización de Occidente. Esta cultura, según el arqueólogo e historiador Adolf Schulten, prosperaría gracias a la riqueza metalúrgica de la zona (enclave importante de comercio de cobre y estaño) (MAZARRASA, 1980, p.55) que atraería a fenicios, griegos e indoeuropeos. Y la imaginación de algunos antropólogos y estudiosos (entre los que se encuentra el propio Schulten) ha querido asociarla a la fabulosa Atlántida de Platón, que algunas teorías presuponen que fue levantada en el espacio correspondiente al actual Parque Nacional de Doñana. A manos de Lorca llegaría un artículo que Schulten publicó en la Revista de Occidente en 1923 y que se refiere a los tartesios como la civilización más antigua de occidente (JOSEPH Y CABALLERO, 2006, p.21).

mito de los Tartesios (MAZARRASA, 1980, p.48).

Numerosos autores de la Antigüedad cuentan

Caro Baroja, sin llegar a mencionar ninguna

historias sobre los tartesios. Estesícoro, en su poema

civilización, afirma: “Es lícito pensar que acaso

Gerioneida, habla de un fundador de la dinastía

algunos de los grandes sepulcros megalíticos

tartésica, el rey Gerión, poseedor de rebaños de vacas

andaluces fueran hechos para grandes reyes de tipo

y toros. García Lorca también lo menciona en su

faraónico” (MAZARRASA, 1980, p.52). No sería una

ensayo Juego y teoría del duende: “Allí estaban los

aberración pensar que el poeta granadino pudo

Floridas, que la gente cree carniceros, pero que en

encontrarse cerca de alguno de estos mausoleos

realidad son sacerdotes milenarios que siguen

arcaicos, estudiarlos u oír hablar de ellos en algún

sacrificando toros a Gerión”. Este sería quizá un modo

momento de su infancia. El culto de la tradición

literario de situar históricamente un primer

andaluza a la muerte (cuyo origen, como vemos, nos

precedente de la tauromaquia, a la que Lorca dedicará

remonta al Neolítico) es un tema recurrente en la

poemas como La cogida y la muerte o Llanto por la

literatura lorquiana. El poeta dice que España es un

muerte de Ignacio Sánchez Mejías. Justino, escritor

país de danzas milenarias (haciendo alusión a pueblos

romano del s.II d.C., habla de los habitantes del

ancestrales) y también de muerte, donde la gente

bosque de los tartesios, cuyo rey fue Gargoris, padre

cobra verdadera importancia después de abandonar

de Habis. Habis había sido fruto de amores

la vida. Un país que exhibe a sus difuntos, donde “un

incestuosos (cosa frecuente en las dinastías divinas

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

265

de la tradición mítica mediterránea) y sería

islamismo. Encontramos multitud de referencias a la

considerado como un rey muy beneficioso para su

Antigüedad Clásica. Alusiones a los dioses del

pueblo, dictando las primeras leyes, enseñando a

panteón, como en el poema San Rafael: “Y mientras

labrar la tierra y dividiendo la sociedad en castas. En

el puente sopla/ diez rumores de Neptuno, /

su Ora Marítima, Avieno (poeta latino del siglo IV

vendedores de tabaco/ huyen por el roto muro”

d.C.) alude a la tierra tartesia (identificándola con el

(LORCA, 2012, p.84) A la cultura latina en poemas

territorio correspondiente a la actual Cádiz) como a

como El emplazado: “Y la sábana impecable, / de duro

una ciudad opulenta. En Juego y Teoría del duende

acento romano, / daba equilibrio a la muerte/ con las

Lorca menciona al que fue considerado el último rey

rectas de sus paños” (LORCA, 2012, p.101) O a las

tartesio: “Allí estaba Ignacio Espeleta, hermoso como

guerras púnicas, recordemos el poema Reyerta en el

una tortuga romana, a quien preguntaron una vez

que dice: “Han muerto cuatro romanos/ y cinco

; y él, con una sonrisa digna

cartagineses” (LORCA, 2012, p.66).

de Argantonio, respondió: ” (LORCA, 2004p. 152) Heródoto nos cuenta que el rey tartesio Argantonio gobernó durante ochenta años (entre 630 y 550 a.C aproximadamente). Pero a partir del año 500 a.C ya no se tienen más noticias sobre los tartesios. Su desaparición aún continúa siendo un misterio (MAZARRASA, 1980, p 51-63).

Para Lorca, Andalucía representaba, entre otras cosas, un pequeño oriente dentro de occidente, generado básicamente gracias a las aportaciones de dos culturas: la árabe y la gitana (esta última llegada desde la Península indostánica). Los musulmanes permanecerían más que ninguna otra civilización en el sur de la Península ibérica (casi ocho siglos), por eso su influencia en la literatura y en las diversas artes

Después de los tartesios las civilizaciones más

será capital. Hasta el punto de que con ellos nacen

destacadas (previas a la conquista católica de la

las primeras manifestaciones líricas (conservadas por

Península completa en 1492) que pasaron por

escrito) en español, las jarchas (aquellos poemillas

Andalucía fueron: Turdetanos, griegos, fenicios,

breves, en lengua romance que acompañaban a las

cartagineses, romanos, vándalos, visigodos,

extensas moaxajas árabes o hebreas). Lorca había

musulmanes y judíos. Se calcula que los gitanos

nacido en un pueblo, Fuentevaqueros, de la provincia

llegarían a la Península en el siglo XV y proliferarían

de Granada, la ciudad de la Alhambra, último

(aunque despreciados y marginados) sobre todo en

baluarte del islam hispánico. En la poesía lorquiana

época de dominio católico. Este cúmulo de

aparecerán referencias al pasado musulmán,

costumbres, tradiciones y religiones heredadas de

frecuentemente diluyendo el elemento árabe en otros

todos estos pueblos aparece claramente reflejado en

de la tradición cristiana (al igual que ocurría en Al

los versos lorquianos. Pero lo interesante es de qué

Ándalus). En el poema San Rafael encontramos: “El

modo se presentan estos elementos, originalmente

arcángel aljamiado/ de lentejuelas oscuras” (LORCA,

amalgamados

asociaciones

2012, p.85) O en el poema San Miguel dice: “San

interculturales estilizadas por la subjetividad artística

Miguel, rey de los globos/ y de los números nones/

del genio granadino que revelaban el mestizaje que

en el primor berberisco/ de gritos y miradores”

Lorca respiraba en su propio ambiente.

(LORCA, 2012, p.82).

y

manifestando

Si nos deslizamos atentamente a través de sus

Algunos símbolos característicos de la

versos, observaremos que Lorca era conocedor de la

escritura lorquiana, como la luna y el color verde,

historia de Andalucía anterior al catolicismo y al

también guardan una estrecha relación con la cultura

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

266

árabe. La luna es el símbolo del islam, cultura que

remotos” (LORCA, 2006, p.161), dejando constancia

también concederá importancia a la noche desde un

de la raíz oriental y exótica de los gitanos. En sus voces

punto de vista literario. Y el color verde, del que tanto

encuentra Lorca los ecos de matusalénicas culturas

se ha hablado, constituye dos de las franjas de la

ya profundamente mezcladas con la, también

bandera de Andalucía (a este verde se le ha llamado

viejísima, alma andaluza, cuya condición híbrida

verde omeya, haciendo alusión a la dinastía de Al

había dado lugar a fenómenos muy apreciados por el

Ándalus). También el verde es el color de los infinitos

poeta, como el Cante Jondo.

olivares del sur de España y remite a la piel morena “aceitunada” de los gitanos.

Nos cuenta Ian Gibson en su biografía de Lorca que un Lorca jovencito acompañó durante

Su poema Crótalo es otra muestra del gusto

varios días a Ramón Menéndez Pidal a las cuevas del

del poeta por remontarse a un pasado remoto cuyos

Sacromonte granadino para recoger romances orales

objetos guardan un vínculo estrecho y casi secreto

(GIBSON, 1985, vol. I, p.300). Tras aquel

con otros de la actualidad. En dicho poema Lorca

acercamiento filológico (en compañía de Menéndez

establece una evidente conexión entre el antiguo

Pidal) a los romances vivos del Sacromonte (con el

instrumento musical de la tradición oriental y las

que el poeta quedó encantado), no es casualidad que

castañuelas. Llama al crótalo “escarabajo sonoro”,

Lorca sienta predilección por esta combinación

imagen que se corresponde bastante bien con la de

métrica para su Romancero Gitano, considerándola

una castañuela, si pensamos en el típico escarabajo

el molde idóneo. Lorca (al igual que habían hecho

negro que abunda en tierras andaluzas (cuyo aspecto

otros poetas del Barroco y del siglo XIX) revitaliza

ciertamente se asemeja al de una castañuela) y

una forma primitiva y oral que se mantenía en el

describe el movimiento como “araña de la mano”. Esa

mundo hispánico desde los albores medievales de su

imagen, dotada de gran plasticidad, remite

literatura.

directamente al movimiento de las manos cuando se tocan las castañuelas (LORCA, 2006, p.201).

La pasión de Lorca por todas aquellas viejas culturas que entretejieron la historia mestiza del sur

Para Francisco Umbral, Lorca paganiza,

de la Península Ibérica nos transporta en un viaje que

esoteriza y regionaliza el cristianismo andaluz en sus

comienzó en la Prehistoria. Todos estos pueblos están,

romances. Señala Umbral que, en el Romance de la

de algún modo (más o menos explícito), evocados

Guardia Civil española, desacraliza e identifica la

en la pluma del poeta granadino. Porque, más allá

condición de judíos de la Virgen y San José con la de

del localismo folclórico anecdótico, más allá del

gitanos. Estas dos minorías (los judíos y los gitanos)

egocentrismo y del subjetivismo literario, Lorca ha

habían estado proscritas por el catolicismo,

sabido proyectarse hacia el exterior, captar la esencia

imperante en Andalucía desde 1492 (UMBRAL, 2012,

de una tierra compleja y saltar de lo antropológico a

p.123).

lo poético y de lo poético a lo inmortal. Como es sabido, Lorca fue un gran admirador

de la cultura gitana, cuyos ambientes frecuentó. Sus visitas a las casas-cueva, hogar de los gitanos del Sacromonte granadino y escenario de fiestas flamencas, quedarían plasmadas en poemas como Cueva, en el que dice que: “El gitano evoca/ países

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Referencias bibliográficas

267

GARCÍA LORCA, Federico (2012): Romancero Gitano (Mario Hernández ed.). Madrid: Alianza Editorial.

ARANGO L., Manuel Antonio (1995) : Símbolo y simbología en la obra de Federico García Lorca. Madrid: Editorial Fundamentos.

GARCÍA LORCA, Federico: Poesía de Federico García Lorca. En: http://users.fulladsl.be/spb1667/cultural/lorca/ indice.html

BAREA, Arturo (1957): Lorca, el poeta y su pueblo. Buenos Aires: Editorial Losada S.A.

GARCÍA MOREJÓN, Julio (1998): Federico García Lorca. La palabra del amor y de la muerte. São Paulo: Faculdade

BERLANGA, Alfonso (1980): Literatura andaluza.

Ibero-americana.

Contribución al estudio de una realidad cultural a través de los siglos. Em: DRAIN, Michel; et al.: Los Andaluces. Madrid: Ediciones istmo. CÁRCAMO, Silvia Inés (1999): Teoría poética y modernidad en García Lorca. Em: Revista APEERJ, nº 4, p.69-84. COLLANTES DE TERÁN, Antonio (1980): Andalucía antigua y medieval. Em: DRAIN, Michel; et al.: Los Andaluces. Madrid: Ediciones istmo. DOMÍNGUEZ ORTIZ, A. (1980): Andalucía en la Edad Moderna. Em: DRAIN, Michel; et al.: Los Andaluces. Madrid: Ediciones istmo. GARCÍA LORCA, Federico (2004): Juego y teoría del duende. Em: Rev ista Litoral, nº 238, p.150-157. Benalmádena (Málaga): Ediciones Litoral S.A. GARCÍA LORCA, Federico (2006): Romancero GitanoPoema del Cante Jondo. Madrid: Editorial Cátedra.

GARCÍA-POSADA, Miguel (1989): Introducción. Em: F. García Lorca. Poesía 1. Móstoles (Madrid): Akal bolsillo. GIBSON, Ian (1985): Federico García Lorca, Tomos I y II. Barcelona: Grijalbo. LARREA, Arcadio (1980): La canción andaluza y el flamenco. Em: DRAIN, Michel; et al.: Los Andaluces. Madrid: Ediciones istmo. MAZARRASA, Rafael (1980): Andalucía prehistórica. Em: DRAIN, Michel; et al.: Los Andaluces. Madrid: Ediciones istmo. MENÉNDEZ PIDAL, Ramón (1979): El estilo tradicional del romancero. Em: RICO, Francisco: Historia y crítica de la literatura española. Edad Media, p. 265-268. Madrid: Crítica. SABOURÍN FORNARIS, Jesús (1984): Mito y realidad en Federico García Lorca. La Habana: Editorial Letras Cubanas.

GARCÍA LORCA, Federico (2011): Poeta en Nueva York. Madrid: Editorial Austral.

UMBRAL, Francisco (2012): Lorca, poeta maldito. Barcelona: Austral.

268

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

POESIA E FICÇÃO NA OBRA DE ROBERTO BOLAÑO: INTERSEÇÕES

Clarisse Lyra Simões PG - USP

Parece haver se formado já entre a crítica e os

singular le permitió [a Bolaño] sobrepasar los escollos

leitores de Roberto Bolaño um consenso sobre a

de una lírica en la que no parecía destacar” (ibidem, p.

menor valia de sua poesia em relação à sua prosa.

99), concluindo que

Exemplo disto pode ser observado neste congresso, em que temos duas mesas de comunicações dedicadas ao autor (Cervantes lidera com três mesas, Bolaño vem na sequência) e nenhum trabalho que trate especificamente de sua produção poética. O meu

[...] se puede afirmar que Bolaño deja de escribir poesía para escribir sobre poetas, para ficcionalizar su propia vida azarosa y su fracasada carrera poética en Los detectives salvajes. Bolaño se sabe un mal poeta, y publica para demostrar y atestiguar que ha fracasado (ibidem, p. 100).

texto, como vocês irão notar, não foge à regra, tendo como objetivo principal especular o modo como a

Esta passagem da escritura de Bolaño, que nos

poesia pode se imiscuir em suas narrativas, e não o

anos 90 se afasta da poesia, passando a escrever

contrário. Não deixa também de ser emblemático o

principalmente ficção, aparece ficcionalizada em Los

fato de o mercado editorial brasileiro vir ignorando

detectives salvajes e é aludida com frequência pela sua

a grande parcela da obra de Bolaño escrita em verso.

crítica. Andrea Cobas Carral e Verónica Garibotto

O crítico Matías Ayala, por exemplo, defende que o trabalho poético do chileno se tornou parte da “pré-história do narrador”, um trabalho que pode ser tomado como um “índice biográfico-literario para investigar retrospectivamente su proceso creativo” (AYALA, 2008, p. 98), mas cujo valor literário é relativizado, não chegando a ser comparável com o de sua produção ficcional. Ayala afirma que “el hecho de […] dejar de escribir en la primera persona del

vêm nisto um trânsito que se relaciona com a economia da escrita, que se desloca desde “la poesía como una práctica que se desarrolla mayormente por fuera del mercado a la narrativa como un ejercicio de supervivencia” (COBAS CARRAL e GARIBOTTO, 2008, p. 178). Alan Pauls, por sua vez, reflete sobre como em Los detectives salvajes – “un gran tratado de etnografía poética” (PAULS, 2008, p. 328), segundo ele - Bolaño “hace brillar a la Obra por su ausencia” (ibidem, p. 328), substituindo o idealismo que

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

269

geralmente cerca a figura do poeta pela colocação em

e sus configuraciones literarias” (ibidem, p. 3), e

cena do que ele chama, segundo a “gran tradición del

levantando nos textos estudados procedimentos

melodrama de artista”, “sed de vivir” (ibidem, p. 328).

como o apelo afetivo ao destinatário, a adesão

Diz Pauls:

ideológica e o ocasional predomínio da emotividade (em Amuleto), a crítica chilena acredita que, por

Operación extraña, la de Los detectives salvajes: la poesía – la “obra poética” – queda afuera, del lado de lo real, de lo real-histórico (Mario Santiago, el infrarrealismo, la historia de la poesía mexicana, etc.); y lo que entra, lo que se infiltra en la ficción y ocupa el sistema circulatorio de la literatura, es algo que sólo creíamos conocer (y despreciábamos) bajo la forma del peor de los estereotipos: la Vida misma, la Vida Poética (ibidem, p. 328).

muitas vezes, o “eu” emerge na narrativa de Bolaño, elidindo a distância imposta pela referencialidade e fazendo-se notar no texto um “profundo deseo [do autor] de estar sin distancia presente en su obra” (ibidem, p. 16). Tais disposições, que corroboram os estudos da autoficção na narrativa bolañiana, interessam aqui na medida em que Solotorevsky as

Não obstante estas opiniões que enfatizam a passagem de um gênero a outro, o poeta catalão Pere Gimferrer enxerga na narrativa em prosa de Bolaño “una forma, apenas mascarada, de poema”, e afirma que “sus ficciones son tan poéticas cuanto narrativos son sus poemas” (GIMFERRER, 2006, p. 7). Tais asseverações, em grande medida contrárias à crítica que insiste em uma mudança substancial de gênero, nos levam a pensar em como poderia o poema subsistir na produção ficcional de Bolaño, resposta que Gimferrer não nos dá.

introduz não apenas como expediente narrativo, mas como uma espécie de resquício ou substrato lírico. Sabemos, é verdade, e Julio Cortázar escreveu sobre isto, que não existe uma linguagem romanesca pura (CORTÁZAR, 1994, p. 143). Segundo o argentino, “toda narración comporta el empleo de un lenguaje científico, nominativo”, que se alterna e se imbrica com “un lenguaje poético, simbólico” (ibidem, p. 143, grifo do autor). Além disto, já fora de uma instância puramente verbal, diz Cortázar que o romance conta ainda com o que ele chama de “aura

Myrna Solotorevsky aponta uma perspectiva

poética”, “atmósfera que se desprende de la situación en

deste

sí [...], de los movimientos anímicos e acciones físicas de

questionamento. Em ensaio sobre a “Anulación de la

los personajes, del ritmo narrativo, [de] las estructuras

distancia en novelas de Roberto Bolaño”, ela defende

argumentales” (ibidem, p. 144). Acima de qualquer

que, apesar do trânsito executado por ele do gênero

teorização, no entanto, Cortázar considera o romance

lírico (no qual predomina a função emotiva e a

um “imenso baú”, uma forma sem leis (CORTÁZAR

expressão da interioridade do falante) ao narrativo

apud GONZÁLEZ BERMEJO, 2002, p. 73), tendo

(ao qual corresponde a função referencial), restam

chegado a afirmar: “Há romances que são poemas. Há

em sua ficção marcas “de esa proximidad al ‘yo’ y de

poemas que são romances” (ibidem, p. 72).

interessante

para

a

consideração

su necessidad de manifestación” (SOLOTOREVSKY, 2008, p. 3).

A hipótese que nós gostaríamos de aventar neste ar tigo, tendo em conta esta prévia de

Analisando variadas obras do autor, tais quais

informações, se erige contra a seguinte ideia,

as novelas Amuleto, Estrella distante, Amberes e La

sustentada por Matías Ayala (crítico já citado no

pista de hielo, Solotorevsky estima que “el Bolaño

início do texto):

presente en sus textos remite a [...] un pseudo-referente real” (ibidem, p. 3). Considerando, contudo, o “Bolaño real” e as “equivalencias entre este, su biografía

Esta segunda sección de la obra poética de Roberto Bolaño [aqui ele se refere à obra poética adulta de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

270

Bolaño, os libros Tres, Los perros románticos y Fragmentos de la universidad desconoc ida, publicados durante os anos 90], variopinta, y poco concentrada, parece ser la compilación de textos escritos a lo largo de los años más que un razonado o persistente proyecto poético. Se puede conjeturar que para entonces estaba concentrado en su narrativa y la poesía la ejecutaba en honor a los viejos tiempos (AYALA, 2008, p. 91-92).

cantadas no por hombres, sino por fantasmas (ibidem, p. 109).

Entre as qualidades que se associam à poesia em sua obra crítica, e mesmo em seus poemas, aparecem sempre as palavras (tão repetidas por ele) “valentía”, “voluntad”, “valor”, e jamais qualquer menção a uma condição específica de linguagem.

Nossa hipótese, portanto, é a de que havia sim um projeto poético posto em marcha por Bolaño, e

Também em seus romances encontramos

que este projeto incluía não somente a sua produção

formulações significativas desta tensão. Em 2666,

em verso, mas também a sua narrativa. Longe do

lemos: “Ingeborg le preguntaba a Reiter por qué no

esquematismo pretendido pelo crítico chileno, que

escribía poesía y Reiter le contestaba que toda la poesía,

chega quase a opor poesia e ficção na produção de

en cualquiera de sus múltiples disciplinas, estaba

seu compatriota, acreditamos que a relação entre

contenida o podía estar contenida, en una novela”

ambos gêneros em Bolaño se dá por contaminação e

(idem, 2004, p. 969). Em Amuleto, por sua vez, se

fluidez, em uma relação ambígua difícil de ser

enuncia a seguinte profecia: “La poesía no

equacionada.

desaparecerá. Su no-poder se hará visible de otra manera” (idem, 2009, p. 134).

Para justificar a falta de limites precisos entre poesia e prosa que vemos na obra de Bolaño, seria

Não por acaso, Amuleto se encontra em alto

necessário recorrer às suas possíveis concepções de

grau contaminada pela poesia. Relato construído a

poesia. A concepção expressada por ele em ensaios e

partir de uma temporalidade múltipla e cambiante,

textos críticos (cuja formulação nunca se aproxima

nele Bolaño logra elidir o tempo uniforme tradicional

do conceito) parece extrapolar qualquer ideia de

da narrativa, através de uma enunciação

forma ou estrutura. É uma concepção que tem por

extremamente lírica da narradora e protagonista

base preceitos outros que não o de verso ou o de

Auxilio Lacouture. No capítulo 9 do livro, exemplar

“infinitos juegos de la Analogía” (CORTÁZAR, 1994,

neste sentido, oscilam três tempos: os anos 1963

p. 144), mas que parece orientar-se por uma espécie

imaginado, o 1968 rememorado, e o tempo da

de caráter da poesia, e que poderia tranquilamente

enunciação, que não se sabe ao certo quando é. Nós

ser contemplada pela narrativa.

percorremos o fluxo da consciência de Auxilio e nos perdemos nele como ela própria, já que nenhum dos

Sobre o escritor chileno Pedro Lemebel, por

tempos de seu relato é sólido, nenhum constitui o

exemplo, Bolaño disse: “Lemebel no necesita escribir

que se poderia chamar o “tempo da realidade”. Se o

poesía para ser el mejor poeta de mi generación. Nadie

comum nas memórias é o tempo da enunciação

llega más hondo que Lemebel” (BOLAÑO, 2006, p. 65).

funcionar como base, como ponto a partir do qual se

Sobre os poetas em geral, afirmou:

organizam as experiências, neste relato a base encontra-se desestabilizada, pois é um espaço – o

No hay nadie en el mundo más valiente que ellos. No hay nadie en el mundo que encare el desastre con mayor dignidad y lucidez. Son, en apariencia, débiles, […] y trabajan en el vacío de la palabra, como astronautas perdidos en planetas sin salida posible, en un desierto donde no hay lectores, ni editores, apenas construcciones verbales o canciones idiotas

banheiro feminino do quarto piso da UNAM, onde a protagonista permaneceu enclausurada durante a invasão da universidade em 1968 – que funciona como mirante, já descolado no tempo, flutuante, a partir do qual Auxilio vê o seu passado e o seu futuro.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

271

Encontrar-se no banheiro, para esta uruguaia

“Obviamente, nunca llevé esta novela a ninguna

residente no México, não implica necessariamente um

editorial” (BOLAÑO, 2009, p. 9). Em 2007, porém,

relembrar: este é um espaço que ela ainda habita (pelo

sai publicado o volume intitulado La universidad

menos imaginativamente). Ele não se restringe,

desconocida, reunião de grande parte da poesia de

portanto, à experiência do ano ‘68, ele se desloca no

Bolaño organizada por ele mesmo e datada de 1993.

tempo e se transforma no teatro de suas visões: em

Neste livro, encontra-se publicado novamente

determinada cena, por exemplo, Auxilio estende a

Amberes, agora sob o título “Gente que se aleja”.

mão no banheiro para apontar o quadro instalado na sala da casa de Remedios Varo, que ela visita em sonho; em outra sequência, a voz da Remedios do sonho de Auxilio se perde entre os ladrilhos do banheiro da UNAM.

O ato não é gratuito. Amberes oferece um texto fragmentado de alto poder desestabilizador, cuja leitura envolve um acentuado grau de angústia, ocasionado pela dificuldade (ou impossibilidade) de se encontrarem os elos que permitam remontar os

Tal disposição temporal nos remete ao texto

fatos e a cronologia. Desta forma, com a dupla

de Octavio Paz que diz: “a crise da sociedade moderna

inserção do texto em volumes de catalogação

manifestou-se no romance como um regresso ao

diferente, Bolaño desloca a questão da determinação

poema” (PAZ, 1996, p. 72). E mais adiante: “desde os

do gênero do autor para o leitor, transformando-a

princípios deste século o romance tende a ser poema

em um ato de leitura. Ler Amberes como romance

de novo” (ibidem, p. 73). Neste ensaio sobre a

certamente é mais desconcertante, já que as

“Ambiguidade do romance”, Paz faz referência a

convenções de leitura deste gênero implicam a

autores como James Joyce, Marcel Proust e William

possibilidade de se obter uma linearidade final (que

Faulkner. Sabemos que eles, através do monólogo

insiste em escapar do leitor neste caso), enquanto a

interior, aboliram a perspectiva, eliminaram o abismo

operação de leitura da poesia obedece a normas

entre o homem e o mundo instaurado pelo narrador

outras, podendo ser uma leitura salteada ou corrida,

em terceira pessoa. Mas, mais do que isso, o monólogo

não estando o leitor preocupado em obter um sentido

interior instaura um tempo na narrativa que não é o

final para o conjunto.

dos fatos, mas um tempo que se desdobra, no caso de Amuleto, em temporalidades múltiplas que, ainda que não prescindam da história (isto é, de “uma narrativa de eventos dispostas conforme a sequência do tempo” [FORSTER, 2004, p. 57]) – e, por isso, continuem inseridas no âmbito do romance –, flertam com a noção temporal do poema, que às vezes é inexistente e às vezes se desloca livremente de um instante a outro, sem a necessidade de constituir uma cronologia.

Neste sentido, pode-se dizer que o que determina o caráter genérico ambíguo deste texto é, antes de tudo, o recurso ao fragmento, elemento constitutivo de grande parte da obra de Bolaño. No jogo da representação, no qual estão em pugna fragmentação e totalidade, caos e ordem, organicidade e arbitrariedade, e, em última instância, a própria possibilidade do narrar, Bolaño logra por em cena a tenuidade dos limites entre poesia e ficção, ao sinalizar que, nas bordas de um romance cujas

Experiência mais extrema neste sentido é a

peças não se encaixam (e que por isto não teria sido

que Bolaño proporciona com o livro Amberes. Datado

aceito inicialmente por nenhuma editora), pode

de 1980, o volume foi publicado em 2002 na categoria

muito bem desenhar-se um poema.

romance, gênero que lhe foi atribuído pelo próprio autor no prólogo à edição, no qual ele diz:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

272

Referências bibliográficas

FORSTER, E. M. (2004): Aspectos do romance. São Paulo: Globo.

AYALA, Matías (2008): Notas sobre la poesía de Roberto Bolaño. Em: PAZ SOLDÁN, Edmundo e FAVERÓN PATRIAU, Gustavo (Orgs.): Bolaño salvaje, p. 91-101.

GIMFERRER, Pere (2006): Presentación. Em: BOLAÑO, Roberto.: Los Perros românticos, p. 7-8. Barcelona: Acantilado.

Barcelona: Candaya.

GONZÁLEZ BERMEJO, Ernesto (2002): Conversas com

BOLAÑO, Roberto (2004): 2666. Barcelona: Anagrama.

Cortázar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. BOLAÑO, Roberto (2006): Entre paréntesis. Barcelona: PAULS, Alan (2008): La solución Bolaño. Em: PAZ

Anagrama.

SOLDÁN, Edmundo e FAVERÓN PATRIAU, Gustavo BOLAÑO, Roberto (2009): Amberes. Barcelona: Anagrama.

(Orgs.): Bolaño salvaje, p. 319-332. Barcelona: Candaya.

BOLAÑO, Roberto (2009): Amuleto. Barcelona: Anagrama.

PAZ, Octavio (1996): Ambiguidade do romance. Em: Signos em rotação, p. 63-74. São Paulo: Perspectiva.

COBAS CARRAL, Andrea e GARIBOTTO, Verónica (2008): Un epitafio en el desierto: poesía y revolución en

SOLOTOREVSKY, Myrna (2008): Anulación de la

Los detectives salvajes. Em: PAZ SOLDÁN, Edmundo e

distancia en novelas de Roberto Bolaño. Em: Hispamérica,

FAVERÓN PATRIAU, Gustavo (Orgs.): Bolaño salvaje, p.

ano XXXVII, número 109, p. 3-16.

163-189. Barcelona: Candaya. CORTÁZAR, Julio (1994): Notas sobre la novela contemporánea. Em: Obra crítica 2, p. 143-150. Madrid: Santillana.

Nota 1

Aluna do mestrado do Programa de Pós-Graduação em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana da Universidade de São Paulo. Desenvolve com o apoio da Fapesp o projeto de pesquisa “Fragmentação e multiplicidade em Los detectives salvajes, de Roberto Bolaño”.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

273

REPRESENTAÇÃOES DA MULHER E VOZES FEMININAS NO CONTEXTO IBEROAMERICANO

Cláudia Luna UFRJ

El discurso sobre la mujer es también un discurso sobre identidad y ciudadanía. Más importante, tal vez menos obvio, el discurso masculino sobre la identidad y la ciudadanía es también un discurso sobre el género. Las dos formaciones discursivas se determinan mutuamente, aunque en relaciones de desigualdad radical. (Pratt, 1995, p. 273)

Vive-se hoje um processo de revisão histórica

A primeira etapa de trabalho constitui-se no

propiciado pelos bicentenários dos processos de

estabelecimento do corpus a partir da compilação das

independência e formação das nacionalidades e seus

fontes, que podem contar com o auxílio de trabalhos

respectivos imaginários na América Latina. Nesse

recentes de recuperação, em curso, ou fazer-se

contexto, abre-se oportunidade ímpar de repensar a

diretamente nos arquivos. Em muitos casos, há

escrita da história como um processo de cunho

lacunas importante a preencher, pois a documentação

marcadamente androcêntrico, sob recorte tradicional,

existente é escassa ou de autoria coletiva.

que relegou ao esquecimento ou a papel secundário a participação de mulheres como a peruana Micaela Bastidas, a equatoriana Manuela Sáenz, ou a brasileira Bárbara de Alencar, embora tivessem papel relevante nos processos encabeçados respectivamente por Tupac Amaru, Simón Bolívar e Frei Caneca. O projeto de pesquisa que ora realizamos visa a confrontar representações e autorrepresentações destas entre outras personagens históricas, considerando os projetos de emancipação que enunciam e as repercussões de sua atuação, no contexto latino-americano. Inicialmente, trata-se de analisar o processo de autorrepresentação expresso nas cartas e documentos públicos e privados de protagonistas das Independências latino-americanas.

Interessa-nos investigar como se representam as mulheres nas independências e se afirmam (ou não) nas esferas pública e privada? Que elementos interferem no processo de construção da subjetividade,

afirmação

ou

negação

do

protagonismo? Nossa hipótese inicial é de que há diferentes condicionantes, como questões étnicas e de classe, estado civil e origem. Por um lado temos a afirmação vigorosa de Micaela Bastidas, esposa de Tupac Amaru e uma das líderes da insurreição andina contra a metrópole; temos o mascaramento dos ideais de Manuela Sáenz, ao colocar-se perante Bolivar como mera amante e cuidadora, apesar de arguta estrategista e lutadora aguerrida. Quanto a Bárbara Alencar, há o ápice do

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

274

processo de apagamento: apesar de presa e

Como já observava Ángel Rama, a América

perseguida, transfere o protagonismo para o filho

Latina se caracteriza pela existência de regiões

Martiniano, e mascara ou dilui sua subjetividade na

culturais, marcadas por história comum e, nesse

construção de documentos coletivos, como na

traçado, esfumam-se as fronteiras nacionais

Proclama de 1817.

estabelecidas pelo História oficial. Recordemos a mais evidente, a gauchesca, unindo territórios pertencentes à tríplice fronteira – Uruguai, Argentina e Brasil. A

O Brasil em face das Independências – cruzamentos e peculiaridades

cultura guarani, do Paraguai e Centro Oeste brasileiro, o elemento afro-americano, no Rio de Janeiro, Bahia e Antilhas, o vasto território cultural

Considerando os projetos emancipadores e as

amazônico, congregando países como Brasil,

rebeliões ocorridas no Brasil, a primeira diferença que

Equador, Peru, Bolívia, Venezuela, Colômbia. São

se percebe em relação aos países vizinhos é a referente

linhas que se cruzam e sobrepõem imaginariamente

ao projeto vitorioso – o da monarquia bragantina,

sobre as linhas demarcatórias oficiais de províncias e

de recorte centralizador e unificador, em oposição à

nações, compondo um segundo traçado, a respeito

vitória das propostas republicanas.

do qual Rama pondera:

Por outro lado, há intenso intercâmbio de ideias entre os americanos de colonização espanhola e os de colonização inglesa. São diversos projetos de América, intentos utópicos e de construção de novas nações ou de repúblicas, de territórios livres, de fundação de espaços sociais marcados por contratos sociais mais ou menos inclusivos, mais ou menos heterogêneos.

En este segundo mapa el estado Rio Grande do Sul, brasileño, muestra vínculos mayores con el Uruguay o la región pampeana argentina que con Matto (sic) Grosso o el nordeste de su propio país; la zona occidental andina de Venezuela se emparenta con la similar colombiana, mucho más que con la región central antillana. (RAMA, 1985, p. 58).

No caso brasileiro, o século XIX será palco de um jogo de tensões entre o regional e o nacional, no

O Brasil pareceria estar distante deste

qual se insere o movimento de 1817, do qual

intercâmbio, à primeira vista, impressão que se desfaz

participará Bárbara de Alencar. Nas primeiras

à medida que adentramos o exame do passado. Uma

décadas do século XIX assiste-se, sucessiva ou

primeira hipótese seria a de que o projeto absolutista

simultaneamente, a intentos mais ou menos logrados

e monárquico, centralizador, enfatiza o recorte

de emancipação em relação a Portugal, movimentos

atlântico, voltando as costas aos processos que se

internos separatistas, oposição entre os diversos

sucedem na América Hispânica. No entanto, é

projetos dos agentes sociais envolvidos, acionando

marcante o recorte imperial brasileiro a respeito dos

liberais

vizinhos, as longas lutas pelo estabelecimento do

republicanos, regionalistas e centralistas. Distintos

território nacional, marcando as guerras de fronteiras

projetos de construção da nacionalidade que se

que atravessam todo o século XIX e os episódios da

cruzarão até que vença o projeto unificador, sob o

diplomacia continental a esse respeito – da Guerra

Império de Pedro II.

e

conser vadores,

monarquistas

e

do Paraguai, a República Cisplatina, a disputa pelo

No Nordeste brasileiro, em especial na

território do Acre, em suma, a definição do grande

província de Pernambuco, o espírito independentista

território emergindo unificado sobre a variedade

era bastante acirrado. Ao mesmo tempo que se

regional.

mantinha comércio diretamente com países europeus

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

275

e africanos, a dimensão continental do país isolava o

negros, mulatos e brancos, comuns na Argentina, no

a região do centro de decisões. A esse respeito narra

Peru e no Brasil – a tentativa de implantar no Brasil

o viajante Robert Walsh:

um modelo semelhante ao intentado nas Antilhas (vide Haiti); o intercâmbio e busca de apoio com os

Os pernambucanos foram os primeiros a reconhecer o direito do Imperador ao trono do Brasil, bem como a total separação deste país de Portugal. Contudo, ainda alimentavam a esperança de se tornarem um Estado independente. Existia uma grande rivalidade entre a província e o Rio de Janeiro, e pequenas causas de descontentamento eram motivo de constante atrito entre as duas províncias. Entre outras coisas, os pernambucanos se queixavam de que lhes era cobrado um imposto para a iluminação das ruas do Rio, enquanto as de própria cidade eram mantidas em total escuridão. (WALSH, 1985, p.184).

Estados Unidos, por parte de insurgentes, calcados num prenúncio de pan-americanismo, antecipando a doutrina Monroe. Finalmente, o intercâmbio entre o Velho e o Novo Mundo, ou seja, a atuação conjunta de intelectuais hispano-americanos na Europa, como Fray Servando Teresa de Mier ou Andrés Bello, principalmente em Londres, e a busca de aprovação pela opinião pública europeia; já no caso do Brasil, a

Como afirmou lucidamente Marcel Velásquez,

presença de brasileiros como estudantes na Escola de

em sua exposição no Seminario Escritoras del Siglo

Coimbra, trazendo para cá o pensamento liberal. Em

XIX, em Lima (2009), resgatar a produção feminina

contrapartida, a presença dos viajantes europeus e

no século XIX importa também como forma de

seus depoimentos sobre o cenário americano, como,

resgatar o contexto em que estão engastadas, muitas

por exemplo Maria Graham1, Robert Walsh ou Daniel

vezes trazendo à tona publicações esquecidas ou

P. Kidder, constituindo um corpus precioso de relatos

renovando o interesse por áreas pouco exploradas.

de viagem que nos trazem informações minuciosas

Em suma, um efeito colateral positivo na revirada do

sobre nossa história e sobre as representações

passado histórico.

cruzadas que se fizeram, reconstituindo o olhar estrangeiro sobre a América, na esteira de Humboldt.

Nesse sentido, refletir sobre a posição das mulheres neste processo, antes de tudo nos leva a

Rodolfo Walsh, por exemplo, capelão da

repensar uma série de questões que nos desafiam

comitiva de Lord Strangford, em suas Notícias do

nestes dois séculos. Como já apontei em trabalhos

Brasil (1825-1829), retrata conflitos regionais,

anteriores, há alguns elementos comuns a todo o

narrando uma tentativa de insurreição malograda que

continente, como o sentimento nativista e o rechaço

se deu em fevereiro de 1929, em Pernambuco, e uma

do elemento ultramarino (os reinóis); o papel

outra no Maranhão. Ele as explica pela distância em

destacado das ordens religiosas no processo –

relação à Corte, associada à proximidade com outras

confrontem-se, por exemplo, os jesuítas expulsos, que,

“províncias republicanas”. Diz ele, referindo-se ao

da Itália, revalorizam o dado americano, como Rafael

Maranhão:

Landívar, e a atuação de Frei Caneca, um dos mentores da Confederação do Equador, de 1824. Especialmente no Nordeste brasileiro, não podemos esquecer a relação estreita que se mantinha entre os coronéis (e as coronelas), a Igreja e o Estado. Outros dados a considerar são a separação entre as etnias e raças, as corporações militares de

A situação dessa província era sabidamente alarmante. Ela fica tão distante da capital que as comunicações entre esta e suas cidades de fronteira nunca se completam em menos de um ano, e em Tabatinga as notícias do Rio são trazidas muitas vezes passando pelo Cabo Horn, vindo assim do litoral e atravessando os Andes. Isso torna a influência do governo relativamente fraca, ao passo que a vizinhança das províncias republicanas representa um forte estímulo para que o seu

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

276

exemplo seja seguido. (WALSH, 1985, p. 85) (grifo nosso)

e de 1824. No seu caso, o destaque maior será para o filho Martiniano de Alencar. Bastidas tampouco terá melhor sorte.

Das heroínas – semelhanças e contrastes

Até onde pude pesquisar, por outro lado, a figura de Bolívar se prestará a uma representação

No cotejo entre a trajetória das personagens

culta e popular de amplíssimo espectro, em todos os

históricas podemos observar, em primeiro lugar, a

níveis, o que, creio, não sucede com Manuela Sáenz.

masculinização da figura feminina no processo das

Já quanto a Bárbara de Alencar, alcançou um destaque

independências. No caso de Manuela Sáenz, isso se

muito grande no campo do imaginário popular

vincula ao papel destacado que tiveram as mulheres

brasileiro, nos cancioneiros, na música popular, no

no campo de batalha, nos diversos países, como

cordel, no maracatu, em suma, em diversas formas

soldados; no caso de Bárbara Alencar, ao matriarcado,

de representação oral. Em relação a Bastidas, ainda

ou seja, ao fato de que era comum as viúvas

estamos no começo da investigação.

assumirem o comando de suas fazendas e por atuarem no campo político. Quanto a Micaela Bastidas, a morte após torturas atrozes aponta para o necessário processo de escarmento, a exemplaridade no castigo como forma de coibir novas rebeliões. Em segundo lugar, o jogo curioso de revelação e encobrimento – em relação a Sáenz, o processo de apagamento de sua atuação, de sua importância no campo político como estrategista e militante, que no seu caso começa por suas próprias mãos, ao colocarse como coadjuvante de Bolívar, nas cartas; e pela posteridade, que a conhece a partir do batismo que este lhe confere de Libertadora do Libertador. No caso

De todas as formas, o que ressalta da pesquisa é o quanto ainda há para se buscar, de forma a reconstituir pelo menos minimamente o efetivo papel desempenhado pelas mulheres nos processos de independência na América Latina. Nosso projeto, em suma, visa a contribuir para o processo de revisão histórica e ampliação do cânone literário latino-americano, no âmbito do processo coletivo de reflexão e crítica acerca dos bicentenários das independências na América Latina. A discussão local, temos certeza, será relevante na construção de saberes globais mais inclusivos e libertadores.

de Bárbara se associa à figura da mártir, da mãe extremada, da mulher aprisionada, que sofre vexames e punição inclemente, mas se mantém fiel a seus ideais. Quanto a Micaela Bastidas simplesmente sua atuação será relegada a segundo plano, e associada sempre ao marido, ou seja, como a companheira de

Referências bibliográficas ABRAMSON, Pierre-Luc (1993). ). Las utopías sociales en América Latina en el siglo XIX. México: Fondo de Cultura Económica.

resistência e luta. ARAÚJO, Ariadne (2002). Bárbara de Alencar. 3ª edição.

Em relação à escrita da história, todas praticamente desapareceram do panteão de heróis da

Fortaleza: Edições Demócrito Rocha (Coleção Terra Bárbara, 1).

historiografia oficial. Manuela Sáenz surge sempre atrelada à figura de Bolívar, como um capítulo à parte. Quanto a Bárbara de Alencar é mencionada em pouquíssimos textos referentes às revoluções de 1817

BERNARDES, Maria Thereza C. C. (1988). Mulheres de ontem? Rio de Janeiro – século XIX. São Paulo: T. A. Queiroz, Editor. (Coleção Coroa Vermelha, v. 9).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

277

BERRUEZO LEÓN, María Teresa (1989). La lucha de

MONTEIRO, Tobias (1982). História do Império: o

Hispanoamérica por su independencia en Inglaterra. 1900-

primeiro reinado. Volumes 1 e 2. Belo Horizonte: Ed.

1830. Madrid: Ediciones de Cultura Hispánica.

Itatiaia; São Paulo: Ed. da USP. (Reconquista do Brasil; Nova Série, v. 41-42).

BONAVIDES, Paulo & AMARAL, Roberto (1996). Textos políticos

da

História

Constitucionalismo.

do

Brasil.

Brasília:

Volume

Senado

8:

MOURÃO, Gonçalo de B. C. e Mello (1996). A revolução

Federal/

de 1817 e a História do Brasil: um estudo de história

Subsecretaria de Edições Técnicas.

diplomática. Belo Horizonte: Editora Itatiaia.

BUSHNELL, David y MACAULAY, Neill (1988). El

PRADO, Maria Lígia Coelho (1999). América Latina no

nacimiento de los países latinoamericanos. Madrid:

século XIX. Tramas, telas e textos. São Paulo: Ed. da USP;

Editorial Nerea.

Bauru: Ed. da USC.

GRAHAM, Maria (1990). Diário de uma viagem ao Brasil.

PRATT, Mary Louise (1995). Género y ciudadanía: las

Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo, Editora da USP.

mujeres em diálogo com la nación. In: STEPHAN

(Coleção reconquista do Brasil, 2. Série; v. 157).

GONZÁLEZ, Beatriz, et alii (org.). Esplendores y miserias del siglo XIX. Caracas: Monte Ávila. p. 261-275.

HOLANDA, Sérgio Buarque, direção e introdução geral (2010). História geral da civilização brasileira. Tomo II:

RAMA, Ángel (1987). Transculturación narrativa en

O Brasil monárquico. Volume 3: O processo de

América Latina. 3. ed. México: Siglo XXI.

emancipação. 12ª edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. ROMERO, José Luís y ROMERO, Luis Alberto, selección, HOLLANDA, Heloísa Buarque & Queiroz, Rachel (1990).

notas y cronologia (1985). Pensamiento político de la

Matriarcas do Ceará. D. Fideralina de Lavras. Papéis

emancipación. II tomos. 2. ed. Caracas: Biblioteca

avulsos, n. 24. (Coordenação Interdisciplinar de Estudos

Ayacucho.

Culturais – CIEC/ECO/UFRJ). SANTOS, Afonso Carlos Marques (2007). A invenção do KIDDER, Daniel P (1980). ). Reminiscências de viagens e

Brasil. Ensaios de história e cultura. Rio de Janeiro: Ed. da

permanênc ias nas províncias do Norte do Brasil:

UFRJ.

compreendendo notícias históricas e geográficas do Império e das diversas províncias. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da USP. (Reconquista do Brasil;

SILVA, Alberto da Costa (2003). Um rio chamado Atlântico. A África no Brasil e o Brasil na África. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Ed. da UFRJ.

Nova Série, v. 16). LIMA, Luís Costa (1986). Literatura e sociedade na América Hispânica (século XIX e começos do século XX).

VIANA FILHO, Luís (2008). A vida de José de Alencar. 2. Ed. São Paulo: Ed. da UNESP; Salvador: Ed. da UFBA.

In: ________. Sociedade e discurso ficcional. Rio de Janeiro:

WALSH, R. Notícias do Brasil (1828-1829) (1985). Belo

Editora Guanabara. p. 69-186.

Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. da USP.

LUNA, Cláudia (2010). Autobiografía y representación de

(Reconquista do Brasil; Nova Série, v. 74-752).

Manuela Sáenz. In: GUARDIA, Sara Beatriz (edición). Las mujeres en la Independencia de América Latina. Lima: USMP, UNESCO, CEMHAL.

Nota 1

Seu diário da viagem e permanência no Brasil, entre 1821 e 1823, foi publicado em Londres em 1824 (GRAHAM, 1990).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

278

A DESTREZA ORAL E SUA IMPORTÂNCIA PARA A FORMAÇÃO DOS FALANTES DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

Cristina do Sacramento Cardôso de Freitas Universidade Estadual de Santa Cruz - UESC

Introdução

métodos pretensamente comunicativos que visam facilitar a aprendizagem desta destreza; o papel da

A partir das ideias geradas no projeto de iniciação

à

docência

intitulado

afetividade na relação professor-aluno e como esta

“Ensino-

influencia na capacidade de expressão oral do mesmo;

aprendizagem da Língua Espanhola: a proficiência

as dificuldades específicas de aprendizagem da

oral em foco”, desenvolvido na Universidade Estadual

destreza oral em língua espanhola; a questão da

de Santa Cruz (UESC - Ilhéus – BA), definiu-se o

fossilização e da interlíngua; a elaboração de um

objetivo desta proposta, que é o de realizar uma

quadro em que se visualizam estes e outros fatores

reflexão a respeito de alguns aspectos relacionados à

que definiríamos como de caráter individual,

destreza oral entre alunos de nível iniciante, entre os

institucional e intrainstitucional; e, finalmente, a

quais se encontram: a investigação criteriosa das

proposição de atividades que desenvolvam de

causas que conduzem à deficiência de sua produção

maneira criativa, natural e estimulante a capacidade

oral, em língua espanhola; a análise detalhada das

de expressão oral de alunos de nível iniciante.

consequências de tal problema; e, finalmente, a proposição de atividades variadas de incentivo à otimização da expressão oral entre os mesmos.

Para tal, sabemos que o processo natural de aquisição de uma língua tem como primeiro elemento de contato a oralidade, considerado o mais constante

Para melhor compreendermos os aspectos que

instrumento de uso linguístico. Portanto, um dos

se relacionam ao desenvolvimento da destreza oral

primeiros pontos a se desenvolver nos aprendizes

em língua espanhola, como L2, entre alunos de nível

espera-se que seja a oralidade. Mas o que vem a ser

iniciante, decidimos organizar este referencial teórico

esta capacidade, habilidade ou destreza de se

em tópicos, entre os quais se encontram: a análise da

expressar corretamente em outro idioma? Quais são

questão das interferências linguísticas entre o

suas características?

português e o espanhol; a observação do uso de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1. Revisão da Literatura

279

do espanhol, dois grandes mitos sobre a língua povoam o imaginário comum. O primeiro é o de que

1.1. Características da destreza oral

a língua é composta basicamente por uma grande lista de palavras. Essa concepção é refletida no senso

Estudos e pesquisas se desenvolveram no

comum pelo apego que muitos professores têm aos

Brasil com o objetivo de compreender o fenômeno

chamados ‘falsos amigos’, os famosos falsos cognatos

da produção oral em língua estrangeira, por falantes

que evidentemente podem levar o indivíduo que não

não nativos. Para Martín Peris (1996, p.50), algumas

domina o idioma a uma série de situações

das principais características desta destreza são: é a

embaraçosas.

destreza mais importante para muitos aprendizes de uma L2; possui uma utilidade prática real; as oportunidades de praticá-la dependem de muitos fatores externos ao aprendiz; conseguir um bom domínio desta destreza não é fácil, já que implica em ser capaz de utilizar um número considerável de microdestrezas capacitadoras, de interação e atuação com o outro, em contexto real.

O problema não está em ensinar os ‘falsos amigos’ aos aprendizes, já que, de fato, esses elementos fazem parte da competência gramatical e linguística ideal de um falante da língua. A questão se centra na ideologia que essa ênfase nas questões lexicais da língua acarreta. Ao apresentar a língua como um grande inventário de vocábulos, essa ideologia, difundida inclusive pelos próprios meios de

No entanto, em função das similaridades em

comunicação, constrói uma imagem de que a

diversos níveis reconhecidamente existentes entre a

diferença entre as línguas portuguesa e espanhola se

língua espanhola e a portuguesa, é possível afirmar

resolve apenas através de uma simples substituição

que ainda há uma carência significativa no que diz

de itens lexicais, promovendo uma visão de que os

respeito à discussão sobre as dificuldades específicas

processos de uma língua se repetem uniformemente

de alunos brasileiros e a proposição de materiais ou

na outra. Não é difícil imaginar o quanto essa visão

atividades que busquem o aprimoramento da

reducionista pode comprometer o desempenho de

expressão oral dos mesmos. As interferências que se

um aprendiz.

produzem na aprendizagem do espanhol por lusofalantes representam o cavalo de batalha de profissionais e alunos e afetam a ambos.

1.3. Métodos pretensamente ‘comunicativos’ O segundo ponto discutido pelas autoras é a

1.2. Interferências entre o português e o espanhol

ideia, não tão velada quanto a anterior, de que a língua é um instrumento destinado fundamentalmente à comunicação. Se a ênfase nos itens lexicais promove

Determinando os efeitos da proximidade

uma ideologia reducionista que impede o aprendiz

entre estas línguas, Kulikowsky e González (1999)

de entender a língua como um sistema autônomo e

fazem uma importante reflexão com relação à prática

extremamente complexo, a ênfase no fator

docente de espanhol para brasileiros. As autoras

comunicativo pode ter efeitos ainda piores no

discutem como a imagem que o aprendiz de uma

processo de ensino-aprendizagem do espanhol. Isso

língua estrangeira tem do seu objeto de estudo pode

se deve ao fato de que a troca dos chamados objetivos

determinar seu sucesso ou fracasso em termos de

gramaticais pelas competências comunicativas, na

domínio oral desse conhecimento específico. No caso

prática, não se realiza da maneira mais adequada.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

280

O falso objetivo de dominar as quatro

começaram a apresentar maior interesse a partir dos

habilidades em cada vez menos tempo é o principal

anos 70. A este respeito, Krashen (1982) estabeleceu

elemento motivador do aprendizado, uma vez que

uma relação direta entre a primeira e o êxito do aluno

fornece uma sensação de domínio imediato logo nas

no processo de aprendizagem de uma nova língua.

primeiras aulas, ainda que essa sensação seja ilusória,

Este psicolinguista levou em conta três variáveis que

como salientam Celada e González (2005), pois

possuem uma influência direta sobre a aprendizagem

provém de um novo reducionismo, o que se refere à

de idiomas: a atitude, a motivação e a personalidade.

uniformidade das situações pragmáticas nas quais um indivíduo pode se encontrar. Ao entender a língua

Explicou que existe um filtro de percepção, o

como um instrumento que ‘serve’ basicamente para

chamado filtro afetivo, que se refere a um conjunto

se comunicar, o indivíduo se apossa de suas

de circunstâncias, angústias, falta de interesse, de

expressões de maneira imediatista e utilitária, o que

motivação, que, em determinados casos, bloqueiam

o distrai da real tarefa de compreender a língua como

a aquisição satisfatória do código e a compreensão

um sistema autônomo, com seus processos

ou, no nosso caso, a produção em idioma estrangeiro.

particulares.

Por isso, o aluno deverá ter uma atitude

Alguns teóricos opinam sobre a importância

positiva que lhe permita uma maior permeabilidade

do desenvolvimento desta capacidade comunicativa

diante do processo de aprendizagem e evitar as

oral, o que inclui, a nosso ver, uma questão mais

barreiras afetivas, que geram por sua vez, bloqueios

ampla que envolve a fluência verbal no idioma

mentais que não permitem que os dados sejam

estrangeiro.

processados de forma completa. Em consequência, para que haja uma melhor receptividade aos

Faerch e Kasper (1983) alegam que quanto mais o aluno se engaja em situações comunicativas, maior variedade e mais possibilidades ele tem não só

conteúdos, se requer empatia, disponibilidade e autoconfiança.

de praticar sua capacidade comunicativa oral na língua estrangeira, como também de construir hipóteses sobre a L2 e testá-las. Dubin e Olshtain (1977) acreditam que o papel do professor deve ser o de facilitar o aprendiz a

1.5. Dificuldades específicas de aprendizagem da destreza oral em língua espanhola

desenvolver suas próprias capacidades e recursos interiores para realizar adequadamente as tarefas

Além destas dificuldades pessoais e

comunicativas. Para Canale e Swain (1980), proficiência

interpessoais que o aluno pode apresentar com

linguística significa não somente saber fonologia,

relação à aprendizagem da língua estrangeira, em

sintaxe, vocabulário e semântica, mas também ser capaz

nossa prática docente percebemos também que,

de fazer uso desse conhecimento apropriadamente em

muitas vezes, alunos brasileiros, aprendizes de

comunicação real.

espanhol como língua estrangeira, demonstram algumas dificuldades no que diz respeito à pronúncia da língua espanhola.

1.4. O papel da afetividade na aprendizagem da expressão oral

Podemos dizer que existem aspectos nas duas línguas

que

não

criarão

dificuldades

na

Por sua vez, estudos sobre a relação entre a

aprendizagem. Teríamos também outros aspectos na

afetividade e a capacidade de aprendizagem do aluno

língua estrangeira, sem equivalência na língua

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

281

materna, nos quais seria mais difícil para os alunos

influência direta e que o aproxima cada vez mais da

alcançarem um nível de produção oral mais próximo

língua-alvo de aprendizagem. Trata-se ainda de um

do ideal. E, por último, há aqueles aspectos que de

sistema variável e dinâmico, distinto tanto da língua

tão similares nas duas línguas, se tornam os mais

materna como da estrangeira (ainda que nele se

passíveis de interferência e que, possivelmente, são

encontrem elementos das duas); e que contém regras

os que provocarão mais problemas na aprendizagem.

que lhe são próprias, pois cada aprendiz possui seu sistema específico em determinado estágio de

O ensino da pronúncia, em língua espanhola,

aprendizagem.

é uma das destrezas que todo aluno necessita dominar quando aprende uma língua estrangeira. Por isso,

Entre os vários aspectos que observamos com

deveria fazer parte dos conteúdos de qualquer plano

relação às dificuldades enfrentadas por alunos

curricular e o professor teria que incorporar às suas

brasileiros de espanhol, como segunda língua,

atividades em aula. Com relação ao momento da

encontram-se: a realização de fonemas nasais na

correção da pronúncia do aluno, esta é necessária no

língua espanhola, a abertura e o fechamento dos

momento em que na produção oral se detectam

fonemas vocálicos, os encontros vocálicos em

equívocos. No entanto, o professor deverá enfrentar

ditongos crescentes, alguns fonemas e alófonos

este momento da correção da pronúncia com cautela.

oclusivos e fricativos, a realização da vibrante

É necessário também que tenha consciência do grau

múltipla, entre outros fenômenos.

de “precisão fonética”, ou seja, o grau que deseja alcançar na produção oral dos estudantes. 1.7. Análise de alguns fatores

1.6. A questão da interlíngua e da fossilização

Foi possível observar que muitos fatores podem intervir no processo de aquisição de uma

Quando não ocorre a devida correção dos equívocos de pronúncia cometidos pelos alunos, desde os primeiros contatos com o idioma estrangeiro, a consequência poderá ser a formação de um processo denominado interlíngua, em que estes futuros professores parecerão se contentar com o estado de língua atingido, sem desejar evoluir a partir da problemática mescla criada entre a língua materna e a língua estrangeira a qual estão expostos. O sistema linguístico desenvolvido por um

segunda língua. A partir de uma série de observações, detectamos que, entre os fatores que mais dificultam a solidez da expressão oral para os alunos iniciantes do Curso de Graduação em Letras (PortuguêsEspanhol), da Universidade foco de estudo nesta investigação, encontram-se: 

Fatores pessoais ou individuais;



Fatores institucionais;



Fatores intrainstitucionais

falante não nativo na língua estrangeira foi

A tabela abaixo busca apresentar estes três

denominado de várias maneiras, no entanto, o termo

aspectos principais envolvidos nesta pesquisa,

mais aceitado é o de interlíngua, proposto por Larry

objetivando investigar criteriosamente as causas da

Selinker (1972). Para ele, a interlíngua é um sistema

deficiência oral, analisar sua consequência e propor,

linguístico interiorizado (com características de

à luz da teoria da revisão da literatura realizada,

linguagem porque serve para comunicar-se e possui

soluções criativas, modernas e práticas para tal

gramática interna), sobre o qual o aprendiz possui

questão.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

282

CAUSAS DA DEFICIÊNCIA ORAL 1. FATORES INDIVIDUAIS (ALUNO) a) timidez excessiva, vergonha, medo de errar e ser ridicularizado em sala de aula. b) distância afetiva no relacionamento professor-aluno, o que afasta os alunos da possibilidade de desejar expressar-se oralmente em língua estrangeira, em sala de aula. c) falsa ideia de facilidade na aprendizagem da língua espanhola, por tratar-se de uma língua-irmã à portuguesa. d) interferências linguísticas da língua materna sobre a língua estrangeira, criando a chamada interlíngua. e) falta de hábito de expor-se em público, em ambiente acadêmico, em língua estrangeira. f) dificuldades naturais de aprendizagem de um novo idioma, no início do processo. g) ausência de conhecimentos prévios em língua espanhola, anteriores à entrada na universidade. h) falsa crença de que, ao se graduarem como professores, ministrarão aulas de língua espanhola, em instituições públicas e privadas de ensino fundamental ou médio, em língua portuguesa. 1. FATORES INDIVIDUAIS (professor) a) utilização de metodologias pretensamente comunicativas no ensino da língua estrangeira. b) ausência de projetos ou atitudes individuais que privilegiem a presença de professores, alunos e outros convidados, falantes de língua espanhola como L1, em atividades acadêmicas em sala de aula de língua espanhola nesta universidade. 2. FATORES INSTITUCIONAIS a) grande quantidade de alunos por turma. b) carga horária insuficiente de aulas. c) ausência de meios auxiliares à aprendizagem, em ambiente acadêmico: laboratórios de informática e de idiomas bem equipados e modernos. 3.FATORES INTRAINSTITUCIONAIS a) ausência de programas de intercâmbio entre professores e alunos de universidades na Espanha e na América e as universidades públicas no Brasil.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

2. Proposição de atividades variadas de incentivo à otimização da expressão oral entre alunos de Língua Espanhola de nível básico

283

oralmente (explicando por que escolheu esta notícia, relatando seus principais aspectos e dando sua opinião sobre o tema); num primeiro momento, os demais alunos escutam a notícia e, num segundo

2.1. Assistir a um filme, em espanhol, sem legenda, e interromper a projeção antes do final para que os alunos tenham a oportunidade de propor finais criativos para a história e para os personagens principais, em forma de redações curtas, individuais (atividade indicada para trabalhar produção escrita e oral criativa).

momento, emitem suas opiniões sobre o mesmo, criando-se naturalmente um ambiente de debate sobre temas atuais diversos.

2.4. Relato de fotos de viagens (atividade indicada para trabalhar produção oral e descrição)

Algumas sugestões de filmes seriam: El laberinto del fauno, Un cuento chino, Vicky, Cristina,

Sequência de atividades: na aula anterior, o

Barcelona, La suerte está echada, La casa de los

professor deverá solicitar aos alunos que tragam 5

espírutus, Manolito Gafotas, Crónica de una muerte

fotos de viagens pessoais ou familiares, em pen driver,

anunciada, Frida, Muerte en Granada e Mujeres al

que considerem interessantes; na aula seguinte, as

borde de un ataque de nervios.

fotos de cada aluno serão projetadas para que todos possam visualizá-las com clareza; os alunos deverão fazer perguntas do tipo quem está na foto, onde e

2.2. Criação de conto moderno, em língua espanhola.

quando foi tirada, por quem, por que escolheu aquela foto específica para apresentar, etc.

Sequência de atividades: tempestade de ideias sobre o tema contos de fadas; compreensão auditiva de conto de fadas curto; leitura em voz alta, pelos alunos, do mesmo conto; escritura, em grupos, de novo conto (com características modernas), de forma

2.5. Produção, em duplas, de diálogo em estabelecimento comercial, baseado em material autêntico (folhetos recolhidos em viagens a países de fala hispânica).

criativa; gravação em áudio do conto produzido; apresentação, de forma teatralizada, do conto criado pelo grupo.

Sequência de atividades: na aula anterior, o professor

deverá

entregar

folhetos

de

estabelecimentos comerciais, em língua espanhola, aos alunos, em duplas; os estabelecimentos 2.3. Pesquisa no laboratório de informática da universidade sobre jornais e revistas digitais, em língua espanhola (atividade indicada para trabalhar leitura, relato oral e capacidade de argumentação, além do uso das novas tecnologias de informação).

selecionados vão depender dos folhetos que o professor possuir para a atividade (por exemplo, de restaurantes, hotéis, estações de metrô, casas de dança, far mácias, consultórios dentár ios ou médicos, livrarias, lojas de roupas, teatros, cinemas, museus, mercados, lojas de eletrodomésticos, bancos,

Sequência de atividades: cada aluno deverá pesquisar na internet uma notícia interessante, em língua espanhola; em seguida, deverá apresentá-la

bares, etc).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

284

2.6. Produção de um vídeo curto (em forma de comercial de tv), em grupos, em língua espanhola, divulgando o Curso de Letras (Português-Espanhol) da universidade (atividade indicada para trabalhar produção oral, escrita, criatividade, organização, trabalho em grupo, uso das novas tecnologias, etc).

análise contemplativa destes fatores que geram dificuldade de produção oral entre os alunos de nível iniciante nas instituições de ensino superior. No entanto, ao longo do processo, nos demos conta de que, sem detectá-los claramente e sem tentarmos solucioná-los em curto ou médio prazo, a consequência recairá diretamente sobre a capacidade

2.7. Atividade de produção oral a partir do vídeo humorístico ‘Qué hora es’ (visa desenvolvimento da produção oral, escrita, criatividade, organização, trabalho em grupo, uso das novas tecnologias, etc).

de expressão oral dos alunos. Acreditamos também que, de nada adiantaria a mera proposição de inúmeras atividades comunicacionais, em sala de aula, de aprimoramento da destreza oral e aquisição de fluência em idioma

Sequência de atividades: neste vídeo de humor produzido por um grupo de humoristas mexicanos, os personagens são americanos e usam frases soltas, completamente descontextualizadas, em espanhol, para demonstrar questões relativas às dificuldades de produção oral em língua estrangeira; após assistirem

estrangeiro, se tais fatores mencionados não forem observados “com novos olhos”, tanto pela instituição de ensino superior, quanto pelo professor e, principalmente, pelos próprios alunos em questão, que deverão encarar o problema da aquisição da destreza oral de frente e não fingir que ele não existe.

ao vídeo, o professor dividirá a turma em grupos e lhes solicitará que criem situações teatralizadas

Assim, para concluir, como podemos

semelhantes às que aparecem no vídeo ‘Qué hora es’.

observar, as causas da deficiência de expressão oral

Tais situações deverão ser gravadas em vídeo.

em língua espanhola estão intimamente relacionadas à sua consequência, a falta de fluência no idioma estrangeiro, e todos devem estar cientes deste fato:

Considerações finais

alunos, professores e, em última instância, a própria instituição de ensino superior.

Finalmente, se pode afirmar que o objetivo do professor de ELE não deve ser simplesmente a

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Referências bibliográficas

285

FAERCH, Claus; KASPER, Gabriele (eds.).: Strategies in Interlanguage Communication. London: Ed. Logman.

CANALE, Michael; SWAIN, Merril (1980): Theoretical bases of communicative approaches to second language teaching and testing. Em: CANALE, Michael; SWAIN, Merril.: Applied Linguistics. Vol 1, n.1, p. 1-47.

KULIKOWSKI, María Zulma Moriondo; GONZÁLEZ, Neide Maia (1999): Español para brasileños. Sobre por dónde determinar la justa medida de una cercanía. Anuario Brasileño de Estudios Hispánicos. Brasília: Consejería de

CELADA, María Teresa; GONZÁLEZ, Neide Maia (2005):

Educación y Ciencia de la Embajada de España en Brasil,

Español para brasileños: un intento de captar el orden de

Nº 9, p. 11-19.

la experiencia. Em: SEDYCIAS, João (org.).: O ensino de espanhol no Brasil. São Paulo: Ed. Parábola.

MARTÍN PERIS, Ernesto (1996): Las actividades de aprendizaje en los anuales de ELE. Tesis doctoral, Barcelona.

DUBIN, Fraida; OLSHTAIN, Elite (1977): Facilitating language learning. New York: Ed. McGraw-Hill.

SELINKER, Larry (1972): Interlanguage. Em: International Review of Applied Linguistics. Vol 10, p. 209-231.

FAERCH, Claus; KASPER, Gabriele (1983): Plans and Strategies in Foreign Language Communication. Em:

VÁZQUEZ, Graciela (2000): La Destreza Oral. Madrid: Ed. EDELSA.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

286

A LEITURA DE PROFESSORES DE ESPANHOL, FORMADORES DE LEITORES, MEDIADA POR COMPUTADOR

Cristina Vergnano-Junger UERJ

1. Introdução

leitores e, assim, refletir sobre como vêm ocorrendo, suas diferenças e especificidades com relação à leitura

Este trabalho traz à discussão parte dos

em meio impresso.

resultados da pesquisa “Interleituras: interação e compreensão leitora em língua estrangeira mediadas por computador”, que vimos desenvolvendo na UERJ,

Nossa questão central volta-se, portanto, para como se lê em ambientes vir tuais. Ou seja, preocupam-nos estratégias, procedimentos e

há cerca de três anos.

conhecimentos que são postos em marcha durante o Vem sendo crescentes os estudos sobre as interações mediadas por computador. Neles observamos

exposições

teóricas

sobre

processo leitor mediado por computadores, em especial quando se trata da Internet.

as

características dos textos virtuais (MARCUSCHI, 2004; 2005); em vários casos, formas de lidar com eles (RIBEIRO, 2005; MAGNABOSCO, 2009) e sobre impactos que as tecnologias da informação e comunicação (TICs) vêm gerando no modo de vida/

Neste breve artigo, apresentamos uma sucinta revisão teórica sobre o tema, as bases gerais de nosso desenho metodológico e uma síntese dos resultados encontrados, especificamente no que foi observado junto a dois docentes de espanhol, sujeitos do estudo.

interação das/entre as pessoas nesta era da informação (LAVID, 2005; CASSANY, 2011). No entanto, sentimos falta de mais pesquisas, hoje mais

2. Revistando alguns aspectos teóricos

frequentes, com um desenho empírico que oferecesse amostras desses novos comportamentos associados aos gêneros digitais. Essa foi nossa motivação para utilizar uma abordagem metodológica empírica no Interleituras, a fim de monitorar procedimentos

Um rápido olhar à nossa volta já nos dá um panorama de como as TICs passaram a fazer parte do cotidiano das pessoas, independentemente, muitas vezes, da faixa etária e de condições socioeconômicas. São caixas eletrônicos, smartphones, câmaras digitais,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

287

cibercafés, redes sociais, blogs, profusão de mensagens

acessos se fazem tanto de forma assíncrona como

instantâneas

v ideogames.

síncrona, de diferentes partes do mundo, em distintos

Necessariamente, tais recursos, suportes e/ou gêneros

idiomas, simultânea ou isoladamente, fomentando a

não são acessíveis de forma universal ou democrática

interação e o acesso a uma realidade plurilinguística

e várias pessoas conseguem prescindir de muitos (ou,

e pluricultural.

(SMS),

e-mails,

ao menos, parte) deles em seu dia-a-dia. Deve-se assumir, no entanto, que, como nos casos da inclusão de outras tecnologias no passado, tantas inovações estejam transformando nossa maneira de usar a linguagem e interagir. A questão passa a ser, como e em que medida isso estaria ocorrendo.

A forma de constituição dos gêneros virtuais é hipertextual, o que significa que não têm um centro, nem uma hierarquia fixa entre suas partes, são efêmeros, fragmentados, interconectados por links. Isso permite que cada leitor construa seu caminho próprio e componha, assim, diferentes produtos finais

Nosso foco está direcionado especificamente

(“textos”) para leitura (RIBEIRO, 2005). Nesse meio

à leitura, entendida como uma atividade complexa,

obser vamos, também, tanto gêneros que se

multidirecional, que está presente em diferentes

caracterizam como reestruturações daqueles já

práticas sociais e demanda um sujeito ativo, crítico e

existentes em fontes impressas, como inovações

reconstrutor de sentidos (VERGNANO-JUNGER,

próprias do ambiente virtual, viabilizados pelos

2010). Isso porque entendemos que não se pode

recursos das TICs (MARCUSCH, 2004, 2005;

produzir sem ser capaz de compreender, tomando tal

MAGNABOSCO, 2009).

compreensão já como um tipo de produção de sentidos. Importam, em tal perspectiva, o texto, com suas marcas linguísticas e tipográficas; o leitor com toda a sua bagagem de conhecimentos prévios, habilidades e estratégias; o contexto espaço-temporal, histórico e cultural; diferentes outros textos que podem ser colocados em diálogo com o que se está lendo, sons imagens etc. Em resumo, a atividade

Essa revolução da era da informação é, contudo, ainda muito recente. De modo que as teorias a respeito e a caracterização de gêneros, recursos e atividades estão em construção e estudo, como as próprias práticas sociais relacionadas às TICs. Talvez, por isso, seja cedo para uma definição precisa de padrões.

caracteriza-se como um processo de construção de sentido que inclui insumos de diferentes direções e naturezas.

3. Uma proposta metodológica

No que se refere às TICs e à leitura em meio

O Interleituras se define como uma pesquisa

virtual, avaliamos essa perspectiva multidirecional

exploratória e descritiva, uma vez que buscamos

como produtiva. Isso porque os autores que vêm

identificar

estudando os textos produzidos especificamente em

caracterizando as práticas leitoras mediadas por

e para ambiente digital os caracterizam como

computador. Adotamos uma abordagem qualitativa

hipertextuais e multimodais (RIBEIRO, 2005;

dos dados, trabalhando com amostras limitadas, sem

VERGNANO-JUNGER, 2010). Isso significa dizer

a pretensão, nesse momento, de apresentar

que, já em sua natureza, implicam a existência de

generalizações sobre as novas práticas. Propomos, ao

diferentes

contrário, oferecer exemplos que favoreçam, em

contextos,

demandando,

linguagens,

portanto,

gêneros,

pluralidade

os

comportamentos

que

vêm

de

conjunto com todos os estudos do grupo de pesquisa

conhecimentos e atitude ativa de seus leitores. Os

LabEV, a discussão, reflexão e construção de um

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

288

quadro mais amplo da questão. Ou seja, procuramos

sujeito e imagens da tela do computador), nas sessões

contribuir para responder os nossos problemas: (a)

de leitura virtual.

como o processo leitor está sendo desenvolvido em meio virtual e, (b) em que medida se diferencia e/ou

4. Apresentando e discutindo alguns dados

aproxima da leitura em meio impresso. Nossos sujeitos são professores de espanhol, escolhidos pelo fato de que suas práticas leitoras

Neste artigo apresentamos dados apenas de

podem influenciar seu trabalho como mediadores e

dois docentes – d-018 e d-019 –, cujo conjunto de

formadores de leitores. Como nossa abordagem de

coletas está completo. Também fazemos um recorte

análise é qualitativa, monitoramos apenas seis sujeitos

no que se refere às leituras selecionadas para

docentes, em quatro sessões de leitura: duas livres e

comentário, limitando-nos às leituras livres: impressa

duas guiadas, cada qual em suportes impressos e

e virtual. O motivo, além do aspecto prático da

virtuais, respectivamente. Ao finalizar as análises,

limitação de espaço, é que se caracterizam como um

convidaremos os sujeitos a participar de entrevistas

contato mais espontâneo com a leitura, com menor

a fim de discutir com eles nossas observações.

pressão e definições de objetivos e atividades por

Como instrumentos para as diferentes coletas de dados, utilizamos: (a) uma ficha de caracterização

parte dos pesquisadores, ao contrario das leituras guiadas que têm uma tarefa a cumprir.

de sujeito, com informações sobre seus hábitos

As únicas limitações que lhes impusemos

leitores e de atividades em meio virtual, faixa etária e

nessas sessões de leitura foram: de tempo (entre 30 e

atividade profissional; (b) um questionário, no qual

45 minutos para cada sessão) e de meio (no caso da

se recolhem as crenças do sujeito sobre leitura,

virtual, apenas o uso do computador conectado à

hipertextos, leitura em espanhol língua estrangeira

Internet e no caso da impressa, qualquer material não

(ELE) e uso de bens informáticos, a partir do grau de

digital/virtual/multimídia, que estivesse disponível na

concordância (nunca/nada, pouco, relativamente,

biblioteca de um projeto de extensão sob a

muito, sempre/totalmente) com uma série de 116

responsabilidade do Setor de Espanhol da UERJ, mas

assertivas divididas em seis blocos temáticos; (c)

se admitindo o uso de materiais impressos próprios).

quatro protocolos de acompanhamento do processo

Também lhes pedimos que registrassem sua atividade

leitor – dois para leitura impressa e dois para leitura

no protocolo escrito e que comentassem oralmente

virtual, respectivamente livres e guiadas –

(para a gravação) o que fizessem e pensassem durante

preenchidos pelo sujeito durante cada uma das quatro

a leitura (ações, dúvidas, dificuldades, estratégias

sessões de leitura monitorada; (d) duas atividades de

usadas).

leitura guiada, contendo propostas de compreensão, por um lado, de um texto virtual e, por outro, de um

No que se refere ao perfil da ficha de sujeito,

abordagem

d-018 (faixa de 31 a 40 anos) é mais velho que d-019

multidirecional de leitura, a serem resolvidas durante

(faixa de 26 a 30 anos) e ambos são professores de

as sessões correspondentes de monitoramento, junto

espanhol nos ensinos fundamental e médio. D-018

com o preenchimento dos protocolos. Além do

gasta mais tempo (até 5 horas diárias) em atividades

material preenchido pelos sujeitos, as sessões são

de leitura e no uso da Internet do que d-019 (entre 1

gravadas em áudio, no caso das leituras em meio

e 3 horas). No que se refere ao uso do computador e

impresso, e em arquivo de áudio e vídeo (voz do

acesso à Internet, enquanto d-018 o faz tanto em casa

texto

impresso,

segundo

uma

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

289

quanto no trabalho, d-019 só o faz em casa. O

concordar plenamente com “Compreender um

primeiro se avalia como um usuário muito hábil e

texto significa formar uma estrutura mental que

autônomo, ao contrario do segundo, que se considera

representa o significado e a mensagem

apenas como relativamente hábil e autônomo, talvez

atribuídos ao texto.”, pois a assertiva indica

pela menor frequência de uso do computador.

uma supervalorização das imagens que o

Em termos de crenças coletadas a partir do questionário, tanto d-018, quanto d-019 oferecem dados que nos permitem incluí-los numa categoria

leitor projeta no texto para lhe dar sentido, numa perspectiva unidirecional, mas, nesse caso, centrada no leitor.

de leitores prioritariamente multidirecionais. Apesar

Quanto ao perfil de usuários de meio virtual,

disso, houve avaliações de assertivas em que ora um,

ambos o dominam para usos cotidianos de caráter

ora outro, tendeu para uma perspectiva unidirecional,

instrumental, reconhecem tanto os aspectos positivos

podendo esta estar centrada no texto ou no leitor.

quanto as limitações do meio, podendo ser avaliadas

Uma das possibilidades, não descar tada pelos

como pessoas que têm uma posição equilibrada (nem

pesquisadores, é que as assertivas tenham sido

ufanista, nem tecnofóbica) a respeito das TICs e seu

compreendidas de forma diferente da pretendida

emprego. Focalizam seu interesse em questões

quando da elaboração do instrumento. Isso seria

relacionadas a trabalho e estudo, embora d-018 abra

admissível, já que a leitura pode variar de indivíduo

mais o leque de possibilidades do computador e da

para indivíduo e poderá ser verificado durante a

rede, incluindo a busca de informação e materiais.

entrevista. Exemplos disso são:

D-019 restringe seu uso ao e-mail, navegação e

a) d-019 concordou totalmente com a assertiva “O centro do processo de leitura é o leitor.”,

participação em redes sociais, esta última não citada por d-018.

desconsiderando que há outros elementos que

Quando efetivamente vão ler durante as

entram em jogo na interação e contradizendo

sessões de monitoramento, podemos tecer algumas

algumas avaliações feitas em outras assertivas.

reflexões sobre as possíveis tensões entre crenças e

Contraditoriamente, afirmou concordar

práticas.

muito com o fato de que “O domínio de vocabulário, conceitos e estruturas gramaticais é essencial à leitura.”, tendendo a uma perspectiva decodificadora, com ênfase no texto. b) d-018 concorda totalmente com a assertiva “O leitor entende um texto ao apreender seu significado, representado pelas suas marcas linguísticas.”, na qual “apreender” implica capturar/ receber o que está exposto no texto, ignorando a bagagem do leitor e outros elementos que possam ser conjugados para estabelecer a compreensão. Também contradiz sua tendência multidirecional, ao

A primeira observação que fazemos se refere à definição de objetivos de leitura e às escolhas de gêneros e assuntos. Uma vez que as leituras eram livres, cada um poderia definir o que fazer, como e por quê. Pudemos constatar diferenças não apenas entre ambos os sujeitos, mas também entre as duas modalidades de leitura: impressa e virtual. No caso da leitura impressa, enquanto d-018 optou por ler para relaxar, para ter um momento de lazer, escolhendo histórias em quadrinhos e contos com temática de futebol, d-019 manteve-se ligado ao trabalho, selecionando textos que contribuíssem para a melhoria de sua prática e planejamentos. Já na leitura virtual, os papéis se inverteram. D-018, define

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

290

sua atividade em termos de busca de materiais para

A observação do comportamento do mouse e

usar em sala de aula. Provavelmente foi motivado pelo

da barra de rolagem da página pôde ajudar a

costume que tem de utilizar a Internet como fonte

confirmar que a leitura feita pelos dois docentes,

de recursos para suas aulas. Selecionou notícias e

sempre silenciosa, não seguia palavra a palavra. Era

críticas de arte (procurava textos verbais sobre

feita em blocos, saltando de um a outro (o cursor

Guernica) em fontes em língua espanhola. Já d-019,

serviu de apoio a essa movimentação), com o

ao contrário do que havia feito na leitura impressa,

skimming servindo como estratégia básica para uma

procurou textos sobre atualidade, educação e política

panorâmica geral de cada material. Mesmo assim,

brasileira, em português, a fim de se atualizar e

havia diferença entre ambos, já que d-018 mostrou-

informar. Os gêneros escolhidos foram notícias e

se sempre menos linear, aproveitando melhor os

vídeo. Foi um pouco menos linear na leitura virtual,

recursos que o meio virtual lhe oferecia.

utilizando skimming e scanning, abandonando o que não lhe interessava e, em vista da impossibilidade de encontrar o tema originalmente desejado, mudando seu foco.

Ao se autoavaliar, na leitura livre impressa, ambos consideraram ter alcançado seus objetivos, sem relatar nada que os tivesse atrapalhado, a não ser, no caso de d-019, o pouco tempo para a atividade

Em termos estratégicos, d-018 não definiu

(informou que lê devagar). D-019 considerou-se mais

hipóteses sobre o que encontraria ao ler os textos

seguro na leitura impressa, pois conseguiu seguir do

impressos, ao contrario de d-019 que esperava ler

início ao fim e alcançar seus objetivos. Ao contrário,

textos

de

na leitura virtual, sua insegurança concretizou-se pela

aperfeiçoamento. Ambos destacaram a importância

fragmentação da leitura, por não conseguir encontrar

do conhecimento de mundo e, na leitura virtual,

o que procurava, saltar de um texto para o outro,

usaram como ponto de partida o buscador Google,

quase se perdendo. Apesar disso, disse não ter sentido

ao qual sempre retornavam para novas pesquisas. Isso

falta de apoio impresso ao ler na tela.

que

atendessem

seu

objetivo

ocorria inclusive quando se tratava de uma fonte

Embora tenha demonstrado mais proficiência

habitualmente consultada, como no caso de d-019

no trato com o computador, d-018, queixou-se que

com o jornal cujas notícias leu e do qual, mesmo

um dos materiais lidos tinha a imagem do quadro

sendo seu conhecido, não sabia o endereço eletrônico

Guernica muito antes das suas explicações e

para acesso.

comentários. Isso tornava a leitura desconfortável e

Apesar de ter mais idade, d-018 demonstrou mais facilidade com a internet e o computador de maneira geral: utilizou editor de texto, estratégias de copiar/recortar e colar, enviou para si mesmo por email materiais, guardou informação na área de trabalho para uso posterior, salvou arquivos em pendrive, consultou diferentes sites, integrando em sua leitura conteúdos ali encontrados. D-019, ao contrário, não acessou links, não deu muito valor às imagens de maneira geral, seguiu a navegação de forma mais controlada/ordenada, embora de forma menos linear do que na leitura impressa.

mais difícil. Concluiu que, se estivesse em papel, teria sido mais fácil. A observação chama atenção, mas também nos permite refletir sobre a necessidade de os textos veiculados em meio virtual serem mais curtos e apresentarem os links para enlaçarem conteúdos, uma vez que sua formatação vertical, sem um fim preciso (nunca temos exata dimensão de sua totalidade espacial), dificulta a organização em texto corrido que temos em materiais impressos, dispostos em páginas numeradas e sequenciais. Nesse aspecto observamos a contradição entre crenças e práticas com relação à postura unidirecional

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

291

marcada pela leitura linear (do início ao fim)

Outro aspecto que nos chama atenção é o fato

realizada e valorizada por d-019, apesar de ter

de que não necessariamente as crenças e percepções

apresentado posicionamentos favoráveis a uma

sobre nossas práticas leitoras se concretizam durante

perspectiva multidirecional em seu questionário. A

o ato de ler. Aprender a ter consciência dessa tensão

fragmentação de atividade leitora em meio virtual

entre expectativa e realidade pode nos ajudar a

atende a uma característica do suporte, mas é

aperfeiçoar a própria compreensão e, assim, sermos

rejeitada como falha de leitura pelo sujeito.

melhores professores.

A atitude de d-018 foi, como já regitramos,

A par tir da descrição desses sujeitos,

menos linear, embora, nos textos literários, ter

defendemos que é possível uma reflexão sobre seu

tendido igualmente a uma leitura seguida e completa

papel na formação de seus alunos leitores e de como

dos contos escolhidos.

tais conhecimentos podem contribuir para otimizar o letramento em espanhol na era digital. Como normalmente transferimos para nossa atividade

5. Algumas conclusões iniciais

didático-pedagógica nossas crenças, o histórico de como aprendemos e daquilo que usamos, é factível

Embora não caiba generalizar comportamen-

assumir que professores que são exploradores das

tos leitores em ambiente virtual com base neste estu-

TICs, seus gêneros e recursos tenderão a levá-los à

do de amostra reduzida, é viável apresentar alguns

suas salas de aula. Da mesma forma, leitores

comportamentos que se caracterizam como possíveis

multidirecionais poderão provocar em seus

tendências na leitura desses docentes. Destacamos: o

aprendizes um perfil de exploradores dos textos, sob

uso de estratégias clássicas de leitura, adaptadas ao

uma perspectiva crítica e reflexiva, aproveitando

ambiente virtual; a necessidade, ainda, de apoio de

todos os recursos, conhecimentos, estratégias que

suporte impresso em alguns contextos de leitura; um

possuam, sejam eles de sua bagagem pessoal, do

perfil leitor que oscila entre uni e multidirecional,

contexto, do texto ou de outros discursos/textos.

mesmo quando tende ao segundo caso em termos de crenças; um aproveitamento heterogêneo e não sistemático dos recursos tipicamente virtuais dos textos de gêneros digitais. Na verdade, poucas foram as estratégias eminentemente virtuais observadas: copiar/colar; acessar links; abrir diferentes aplicativos para resolver as questões de leitura. As faixas etárias podem contribuir para a maior ou menor intimidade com o ambiente virtual,

Cabe, portanto, continuar investigando para ampliar o campo teórico e para levar as novas teorias que estão sendo construídas ao terreno da prática. Em especial e em nossa avaliação, merece atenção o estabelecimento do diálogo entre academia e meio escolar. Isso, não só para aprimorar a formação inicial e favorecer a formação continuada de professores, mas para interagir com docentes e alunos, somando sua experiência aos constructos acadêmicos.

mas nem sempre são fatores determinantes. Nos casos aqui exemplificados, observamos uma melhor integração ao meio, gêneros e ferramentas das TICs,

Referências bibliográficas

inclusive no que se refere à autopercepção da proficiência, por parte do sujeito d-018, mais velho

CASSANY, Daniel. Después de internet... Textos de

do que d-019.

didáctica de la lengua y de la literatura, n. 57, p. 12-22, abril, 2011.

292

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

LAVID, Julia. Lenguaje y nuevas tecnologías; nuevas

(Orgs.) Gêneros textuais e ensino. 3 ed. Rio de Janeiro:

herramientas, métodos y herramientas para el lingüista del

Lucerna, 2005.

siglo XXI. 1. ed. Madrid: Cátedra, 2005. RIBEIRO, Ana Elisa. Ler na tela – letramento e novos MAGNABOSCO, Gislaine Gracia. GÊNEROS DIGITAIS:

suportes de leitura e escrita. COSCARELLI, C. V. RIBEIRO,

modificação na e subsídio para a Leitura e a Escrita na

A. E. (org). Letramento dig ital; aspectos soc iais e

Cibercultura. In: Revista Prolíngua (UFPB), v.2, n. 1, p.

possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: CEALE, 2005.

90-101, jan./jun. 2009.

p. 125-150.

MARCUSCHI, Luiz Antonio. Gêneros textuais emergentes

VERGNANO-JUNGER, Cristina. Elaboração de materiais

no contexto da tecnologia digital. MARCUSCHI, L.A.

para o ensino de espanhol como língua estrangeira com

XAVIER, A.C. (Orgs.). Hipertexto e gêneros digitais. Rio

apoio da internet. Calidoscópio. [S.l.]: Unisinos, v.8, n.1,

de Janeiro: Lucerna, 2004.

p. 24-37, jan./abr. 2010.

_____. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONISIO, A.P. MACHADO, A. R. BEZERRA, M.A.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

293

HISTÓRIA, MEMÓRIA E FICÇÃO EM YO EL SUPREMO E EM HIJO DE HOMBRE DE ROA BASTOS

Damaris Pereira Santana Lima PG - UNESP/ Assis

Hijo de Hombre (1971) e Yo el Supremo (1974)

personagem para quem não foram unânimes os

são romances do escritor paraguaio Augusto Roa

julgamentos da história. Alguns o veem como um

Bastos (1917-2005), que recuperam vários períodos

déspota sombrio, outros como um prócer da nação

da história do Paraguai no século XIX e XX.

paraguaia. Mas o que há de unanimidade é que ele

O romance Yo el Supremo começa quando um pasquim é encontrado cravado na porta da Catedral de Encarnación em forma de decreto com assinatura falsificada do Supremo Ditador, o Dr. Francia. No documento apócrifo o Supremo ordena que seu cadáver seja decapitado, que a cabeça seja posta em um poste por três dias. Para isto o povo deveria ser convocado através do sino da igreja para ver esta barbaridade. Em seguida todos os funcionários da

era um ferrenho defensor da independência e da soberania nacional. Quando ele se defende das acusações sobre si no pasquim fixado na porta da catedral questiona retoricamente: “¿De qué me acusan estos anónimos papelarios? ¿De haber dado a este pueblo una Patria libre, independiente, soberana? Lo que es más importante ¿de haberle dado el sentimiento de Patria? (…) ¿De esto me acusan? (ROA BASTOS, 2008, p. 57).

casa civil e militar também deveriam ser enforcados.

Nos questionamentos do Supremo há a

A partir destes fatos desencadeia-se toda a narrativa.

evidência dos temas históricos do século XIX, do

O ditador começa a procurar quem seria o autor de

período do governo do Dr. Francia, os quais Roa

tal documento exigindo que seu secretário Policarpo

Bastos mostra como podem ser reinterpretados pela

Patiño localizasse o dito autor, o que Patiño jamais

ficção com a intenção de desvelar um fato histórico

conseguirá.

mascarado, como a ditadura do Dr. Francia, no

O romance contém notas que complementam

Paraguai (1816-1840). Em Yo el Supremo Roa Bastos

e outras que contradizem, como as notas às margens

trata de vários temas ligados ao Dr. Francia: as

com letra desconhecida que levam à reconstrução das

revoluções e a independência do Paraguai, o

circunstâncias históricas que viveu o Dr. Francia,

isolamento e militarização do Paraguai como

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

294

estratégia do ditador para livrar seu país das intenções

Supremo, foi-se passando a limpo a história, de

anexionistas de Buenos Aires e as imperialistas do

maneira que a narrativa é a escrita da leitura de vários

Brasil.

textos. Na narrativa há muitas evidências de vários Nora Esperanza Bouvet (2009), em sua obra

Estética del plágio y crítica política de la cultura em Yo el Supremo diz que em seu romance Roa Bastos realiza um trabalho de transformação dos materiais historiográficos em literários para construir uma obra de ficção colada aos referentes históricos que questiona os modos que se utilizaram para construílos. Para a autora “el texto que escribe no olvida en ningún momento que lo es, no pretende ser otra cosa

fragmentos que dão a impressão de rascunhos, ou de papéis que teriam sido descartados: “hoja suelta”, “al margen escrito em tinta roja” (p. 97), “quemado el borde del folio” (p.30), “Letra desconocida” (p.66), “faltan folios” (p. 119). A cópia deste material dá voz à memória do Supremo, personagem que não é onisciente, mas que não tem limitações quanto à história, pois fala do presente da enunciação do romance e se remete à história do Paraguai anterior à ditadura do Dr. Francia.

(reflejar ni representar nada) sino escritura generada por esas otras escrituras contra las cuales se vuelve.”

A história é apresentada através da visão do

(BOUVET, 2009, p. 31-32). Todos os temas que fazem

Supremo que se gaba afirmando: “Yo no escribo la

parte do romance tem matriz historiográfica. Para a

historia. La hago. Puedo rehacerla según mi voluntad,

referida autora “son hilos ficcionales de esbozos

ajustando, reforzando, enriqueciendo su sentido y

novelescos que los historiadores hacen y Roa Bastos

verdad”. (ROA BASTOS, 2008, p. 274).

reorienta” (BOUVET, 2009, p. 76). O romance

O Supremo pode fazer o que está declarando,

reescreve a história com dados para a escritura de

porque o autor outorgou-lhe um caráter fictício e ao

uma versão divergente da história oficial e

mesmo tempo histórico. O Supremo age de acordo

hegemônica. A história da Ditadura Perpétua é a

com sua vontade nesta contra-história que é

matéria da ficção e consiste na cópia de escritos de e

construída com personagens e acontecimentos que são

sobre o ditador. O conteúdo histórico utilizado pelo

históricos. O Supremo se debate contra uma imagem

compilador foi produzido pelo próprio Dr. Francia,

que lhe fora construída por seus sucessores e em

por fontes contemporâneas ao ditador e por

particular por seus detratores, enquanto ele narra,

historiadores. Este conteúdo histórico é integrado ao

conta e corrige esta imagem. Há um passado, ou seja,

simulacro romanesco. As fontes extratextuais são

um plano de fundo o qual ele não pode exercer o seu

muitas.

poder de controlá-lo ou corrigi-lo, já que a narrativa é pós-morte. Os grandes e pequenos defeitos de seu

(…) - de unos veinte mil legajos, éditos e inéditos; de otros tantos volúmenes, folletos, per iódicos, correspondencias y toda suerte de testimonios ocultados, consultados, espigados, espiados, en bibliotecas y archivos privados y oficiales. Hay que agregar a esto las versiones recogidas en las fuentes de la tradición oral, y unas quince mil horas de entrevistas grabadas(…) (ROA BASTOS, 2008, p. 585).

governo, as arbitrárias detenções, os fuzilamentos, a

Neste trabalho de investigação empreendido

incluindo o presente da narrativa e até transcendê-lo.

pelo Supremo e seu secretário Policarpo Patiño para descobrir quem se atreveu a parodiar os decretos do

colônia penal, as crueldades e castigos para com inimigos, adversários e ex- amigos. Também nestas memórias estão as contradições de seu regime paternalista, seus caprichos e sua postura para com os estrangeiros. Esta maneira de construir a narrativa possibilita a Roa Bastos ir do passado ao futuro,

É muito clara a denúncia contra o regime atual, à narrativa, considerado pelo Supremo como

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

295

entreguista, período do governo do general Alfredo

se referem ao século XIX são evocados pelas

Stroessner (1954-1989). O personagem faz alusão às

memórias do ancião Macario, “hijo de uno de los

relações entre Paraguai e Brasil e à sua firme política

esclavos del dictador Francia” (ROA BASTOS, 1971,

de defesa da integridade territorial, protegendo, assim

p. 11), personagem que era considerado a aparição

a soberania nacional do Paraguai. Na Circular

do passado.

Perpétua o Supremo declara: “Llámese Imperio de Portugal o del Brasil; sus hordas depredadoras de mamelucos, de bandeirantes paulistas a los que contuve e impedí seguir bandereando bandidescamente en territorio patrio.” (ROA BASTOS, 2008, p. 115).

Em Hijo de Hombre emerge a convivência dos rituais e ideias míticas aborígenes junto aos ritos do cristianismo, que foram trazidos pelo colonizador há mais de quinhentos anos. A cultura ocidental é mesclada com o substrato dos autóctones, fundindo

No texto da Circular Perpétua o Supremo traz

a cultura cristã com a cultura aborígene. Onde a

à memória as invasões brasileiras em território

língua e a religião espanhola se modificam pelo

paraguaio, onde o Supremo insiste em falar das más

contato com a língua e com a religião do índio. Esta

intenções do Brasil, e a seguir trata de um tema

afirmação é evidenciada desde as epígrafes do

presente naquele momento. “Ya nos ha robado miles

romance, sendo uma da tradição judaico-cristã, texto

de leguas cuadradas de territorio, las fuentes de nuestros

do livro de Ezequiel, Antigo Testamento e a outra é o

ríos, los saltos de nuestras aguas, los altos de nuestras

Himno de los muertos de los guaraníes, a religião como

sierras aserradas con la sierra de los tratados de límites.”

veículo de transculturação. A identidade paraguaia

(ROA BASTOS, 2008, P. 115). Neste fragmento há a

se constrói em um espaço onde as culturas lutam para

alusão a dois momentos: o primeiro à agressão do

se impor e, no entanto se fundem dando origem a

império português no passado, quando lhes fora

uma nova visão de mundo.

roubada grandes extensões de terra; o segundo momento é o presente, quando especifica o roubo de los saltos de nuestras aguas, pelo império do Brasil, referindo-se à construção da usina de Itaipú.

Hijo de Hombre conta a história de dois povoados, Sapukai e Itapé e do seu povo, no período de aproximadamente vinte e cinco anos. Se o tempo da obra fosse ordenado de maneira linear, somente,

Yo el Supremo é uma narrativa que

observar-se-ia que os acontecimentos começam em

desestabiliza o que a história oficial registrou, conta

1910, data da chegada do cometa Halley, da fundação

a história do ditador e do país alterando a linearidade

de Sapukai e do desaparecimento de Gaspar Mora,

da história oficial, cria outra história acrescentando

criador do Cristo de Itapé, e termina com a morte de

o não registrado, o que não se sabe e o que se desejaria

Miguel Vera e a conservação e compilação de seu

saber sobre Francia.

manuscrito por Rosa Monzón, pouco tempo depois

Hijo de Hombre (1960) é o romance de

do final da guerra do Chaco em 1935.

Augusto Roa Bastos que recupera a história do

O principal da narrativa se dá nesse segmento

começo do século XX, a saber, as rebeliões dos

temporal, no entanto há alusões a fatos que precedem

camponeses e a guerra do Chaco. Além dos dados

a esse período. O narrador conta o que ele ouvia

citados acima, a obra ainda evoca a história do

quando criança através do velho Macario. A descrição

período da ditadura de José Gaspar Rodríguez de

do povoado de Itapé, lugar “perdido em el corazón de

Francia, Dr. Francia (1814-1840) e da guerra contra

la tierra bermeja del Guairá” (ROA BASTOS, 1971, p.

a Tríplice Aliança (1864-1870). Os fatos históricos que

12), espaço onde restavam poucas coisas do tempo

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

296

da sua fundação há mais de três séculos. Uma das

em termos de representação coletiva. A memória, bem

poucas coisas que resta é o rancho do Cristo no alto

como a história, pode ser compreendida como

do monte de Itapé.

reconstrução do passado e como conservação das

O início do romance apresenta as memórias do narrador sobre o que ouvia na sua infância, ou seja, a história anterior ao tempo da narrativa. No primeiro capítulo é evocada a história da Ditadura Perpétua quando se narra a vida de Macario que “habría nacido algunos años después de haberse establecido la Dictadura Perpetua. Su padre el liberto Pilar era ayuda de cámara del Supremo.” (ROA BASTOS, 1971, p. 14) Ao contar sobre a Ditadura Perpétua, a visão que Macario apresenta é o Dr. Francia defendia a nação das tentativas anexionistas do Brasil e da Argentina, países que segundo o Supremo, queriam devorar a nação paraguaia. A guerra contra a Trílice Aliança, ou a Guerra Grande é evocada no romance, também através das memórias de Macario.

experiências humanas. Lembrar o passado é uma necessidade do ser humano, pois: “Os indivíduos que compõem uma sociedade sentem quase sempre a necessidade de ter antepassados.” (LE GOFF, 2010, p. 218). Sobre o tema Jacques Le Goff ainda pontua: “A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia.” (LE GOFF, 2010, p. 218). Yo el Supremo é uma metanarrativa onde se percebem as considerações iniciais e as dúvidas a respeito do quê e como narrar na maior parte das modalidades da escrita que irá inserir os diálogos do ditador com seu secretário. Relatos, reflexões em um caderno privado, citações intercaladas, o ditado de uma longa circular, anotações de uma letra

Outro tema histórico evocado no romance é

desconhecida. O romance é construído sobre um

a tortura e a vigília que se estabeleceu nos ervais eram

sistema de citações direta e indiretas, tem uma

como menciona o texto, amparadas pela lei, conforme

intertextualidade complexa, intertextualidade que

a narrativa. Ninguém se atrevia a fugir deste reino de

traduz o inconsciente coletivo do Paraguai no período

terror.

histórico registrado pelo romance. Os personagens, os espaços e os relatos de Hijo

O Supremo ironiza utilizando a metáfora de

de Hombre apresentam a imagem de agonia da

Platão “Estómago del alma. ¡Vaya fineza! ¿Qué alma

história e da sociedade paraguaia do começo do

han de tener estos desalmados calumniadores?

século XX. A narrativa apresenta um país destruído

Estómagos cuadrúpedes de bestias cuatropeas.”

pelas guerras com seus vizinhos, perseguido pelo

Compara seus opositores a animais ruminantes e

avanço da modernidade que promete sucesso para

define suas memórias como “Memoria de masca-

alguns, mas muita dor, miséria e esquecimento para

masca. Memoria de ingiero-digiero. Repetitiva.

a maioria da população.

Desfigurativa. Mancillativa. Profetizaron convertir a este país en la nueva Atenas. Areópago de las ciencias,

A Guerra del Chaco (1932-1935) é outro fato histórico evocado em Hijo de Hombre através dos registros do diário de Miguel Vera, um dos presos militares da prisão de Peña Hermosa.

las letras, las artes de este Continente…” (ROA BASTOS, 2008, p.24). Para o Supremo a memoria dos “memoriosos” é uma má memória, pois, é meramente armazenadora, que repete sem refletir e é demasiada

A memória tema recorrente nas narrativas de

porque exige esquecimento. Para o Supremo, o

extração histórica tem papel de destaque na sociedade

esquecimento faz parte da estrutura da memória

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

297

porque para lembrar alguma coisa, faz-se necessário

Para Le Goff “a outra forma de memória é o

esquecê-la. Segundo Paul Ricoeur (2007, p. 424), em

documento escrito num suporte especialmente

princípio o esquecimento é considerado um dano à

destinado à escrita”. O referido autor ainda salienta

confiabilidade da memória. A própria memória luta

que “todo documento tem em si um caráter de

contra o esquecimento, mas ao mesmo tempo o autor

monumento e não existe memória coletiva bruta.” (LE

pontua que uma memória que nada esquecesse seria

GOFF, 2010, p. 428).

considerada monstruosa. O referido autor problematiza esta perspectiva paradoxal dizendo que o esquecimento constitui-se uma das condições da memória. (RICOEUR, 2007, p. 435) . O esquecimento não significa amnésia, pois faz-se necessário poder esquecer dos detalhes sem relevância para concentrarse no que é essencial.

Em Yo el Supremo o leitor se depara com diversos monumentos escritos, pois é nos documentos históricos, nas circulares, no documento apócrifo, etc., que se encontram os fios condutores da narrativa. A escrita que possui as funções de armazenamento de informações e a possibilidade de reexame e de correção. No romance a tônica é a

Em Yo el Supremo, memória e esquecimento

revisão e a correção dos arquivos que armazenam a

exigem equilíbrio, pois, o “exceso de memória” carrega

história do Paraguai. A narrativa é uma construção

o discurso de detalhes desnecessários, “le hace ignorar

em leitura, escrita e correção do que se escreve. Nisto

el sentido de los hechos.” (ROA BASTOS, 2008, p.40).

se vê o objetivo de Roa Bastos em se escrever uma

É necessário saber lembrar e saber esquecer, não é a

intra-história, pois o discurso da história não é

quantidade do que se lembra ou do que se esquece

confiável, pois é um discurso incapaz de escrever o

que faz construir uma boa memória, mas a qualidade

que passa pelo imaginário coletivo, a história ou a

do que se lembra ou se esquece. “Disculpen, nobles

imprensa oficial não conseguiriam penetrar nos

señores. De seguro estarán fatigadas sus mercedes con

pensamentos de uma sociedade.

tantas bufonerías. Olvídenlas, se lo ruego. Lo que es necesario recordar es el bien de nuestras patrias.” (ROA BASTOS, 2008, p. 315). Lembrar somente o que convém, os fatos revolucionários pela independência do seu país. Em Yo el Supremo há a simbologia de duas pedras: a piedra-bezoar e o meteoro-azar. Quando Le Goff (2010, p. 427) discorre sobre o desenvolvimento da memória: da oralidade à escrita, da Pré-história à Antiguidade, ele fala das formas de memória que são a comemoração, a celebração através de um monumento e pontua sobre a pedra

Al principio no escribía; únicamente dictaba. Después olvidaba lo que había dictado. Ahora debo dictar/ escribir; anotarlo en alguna parte. Es el único modo que tengo de comprobar que existo aún. Aunque estar enterrado en las letras ¿no es acaso la más completa manera de morir? ¿No? ¿Sí? ¿Y entonces? No. Rotundamente no. (…) Se escribe cuando ya no se puede obrar (ROA BASTOS, 2008, p. 75,)

Esta passagem corrobora a importância da escrita na preservação da memória, pois é uma maneira de se renunciar al beneficio del olvido. Como a memória é imortalizada pela escrita.

mármore como suporte a uma sobrecarga de

Já em Hijo de Hombre o tratamento da

memória. Os “arquivos de pedra em Yo el Supremo, a

memória é diferente do que se vê em Yo el Supremo,

piedra-bezoar e o meteoro-azar estão associados às

pois há uma diferença substancial na produção

reflexões sobre a memória. Pedras como fio condutor

literária de Roa Bastos, conforme ele mesmo declara

da reflexão sobre a memória e como um recurso

em entrevista a qual se refere Bouvet (2009). “Yo

literário.

busque superar los estereotipos de la narrativa regional,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

298

pero equivoqué el camino hacia fuera y hacia adentro.”

testemunho não serve mais para nada. Escrever suas

(ROA apud BOUVET, 2009, p. 27) e se auto justifica

lembranças é também uma maneira de contar e

por sua situação como escritor exilado, pela

reviver o passado. Neste fragmento também é

inexistência de uma tradição literária paraguaia na

evidenciada a marca de tempo cíclico, evidenciadas

qual inserir-se, pela fragmentação da cultura

pelas repetidas mortes provocadas por Miguel Vera.

paraguaia, o bilinguismo e a oralidade geraram o

Ele declara ainda que não conta e escreve com a

“mandato ético” de denunciar esta situação e de dar

intenção de reviver o passado, mas com o objetivo de

voz ou ser de alguma maneira o intérprete de uma

purgar os males cometidos consciente ou

coletividade vitimada pela desventura de suas

inconscientemente no passado.

vicissitudes, de uma cultura ágrafa de uma literatura sem passado. “(...) em Hijo de Hombre y otros textos, el planteo estético había quedado condicionado por el mandato ético.” (BOUVET, 2009, p. 27). E diz ainda que quando escreveu Yo el Supremo tinha deixado de ser o cruzado de uma literatura militante. “Lo que quería entonces era trabajar el texto desde adentro. Me había librado de esa conciencia que parecía estar

Vale ressaltar que o ancião Macario sempre contava suas histórias em guarani. A observação de que as histórias eram sempre contadas em guarani mostra que Paraguai é uma sociedade que neste momento parece estar em transição entre a oralidade e a escrita, aqui quem é detentor da memória coletiva detém uma memória essencialmente oral.

dictándome los infortunios de la colectividad, y podía

Em outro momento do romance há a alusão

dejar que esos infortunios fueran irradiados por la vida

à Guerra Grande quando se trata da relação morte e

misma del texto.” (BOUVET, 2009, p. 28).

vida no imaginário nacional. Emerge no relato sobre

As declarações acima podem ser consideradas resposta à diferença percebida na maneira de produção textual e de tratamento do tema memória. Em Hijo de Hombre desde as primeiras linhas emergem as memórias da coletividade na voz do excêntrico, ou seja, do filho do escravo, do motorista, do leproso, etc. A memória também aparece na voz do

María Regalada a filha do coveiro. O trabalho como coveiro era muito cobiçado em Sapukai, “El puesto de sepulturero en Sapukai es casi una dignidad”( ROA BASTOS, 1971, p. 52). Em muitos povoados paraguaios o cemitério é o lugar mais antigo. Sapukai não seria o único povoado fundado junto a um cemitério secular. O fato de o país ser marcado por tantas mortes faz dos cemitérios lugares monumentais, lugares simbólicos. Jacques Le Goff

narrador, Miguel Vera que apresenta suas lembranças

(2010),

de infância:

contemporâneos da memória, pontua que toda a

ao

tratar

dos

desenvolvimentos

evolução do mundo contemporâneo se dirige para Yo era muy chico entonces. Mi testimonio no sirve más que a medias. Ahora mismo, mientras escribo estos recuerdos, siento que a la inocencia, a los asombros de mi infancia, se mezclan mis traiciones y olvidos de hombre, las repetidas muertes de mi vida. No estoy reviviendo estos recuerdos; tal vez los estoy expiando. (ROA BASTOS, 1971, p.14).

as memórias coletivas. A história se esforça para criar

A passagem revela que conta-se para reviver

Os dois romances de Roa Bastos aqui

o passado. As memórias de Miguel Vera contando de

comentados são textos em que história e ficção se

sua infância, com certo pesar, pois diz que seu

cruzam promovendo, assim, uma intertextualidade.

uma história científica a partir da memória coletiva. “História que fermenta a partir do estudo dos ‘lugares’ da memória coletiva. (...) lugares monumentais como os cemitérios (...)” (LE GOFF, 2010, p. 467).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

O discurso ficcional ao dialogar com a história faz

299

Referências bibliográficas

um questionamento à história oficial, construindo, desta maneira uma contra história, como diz o

BOUVET, Nora Esperanza. Estética del plagio y crítica

próprio Roa.

política de la cultura en Yo el Supremo. Asunción: Servilibro, 2009.

Nos dois romances há também a presença de memória e esquecimento, temas em debate na atual produção literária da América Latina. “—Porque el

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2010.

hombre, mis hijos – decía repitiendo casi las mismas

PECCI, Antônio. Roa Bastos – Vida, obra y pensamiento.

palabras de Gaspar–, tiene dos nacimientos. Uno al

Asunción: Servilibro, 2007.

nacer, otro al morir… Muere pero queda vivo en los otros, si ha sido cabal con el prójimo. Y si sabe olvidarse en vida de sí mismo, la tierra come su cuerpo pero no su recuerdo…” (ROA BASTOS, 1971, p. 38)

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. (trad. Alain François [et al.]. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2012. ROA BASTOS, Augusto. Hijo de Hombre. Buenos Aires: Editorial Losada, 1971. ROA BASTOS, Augusto. Yo el Supremo. Buenos Aires: Debolsillo, 2008.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

300

O TRATAMENTO DOS CONECTORES NAS COLEÇÕES DE LÍNGUA ESPANHOLA APROVADAS NO PNLD-2012: UMA QUESTÃO TEXTUAL OU DISCURSIVA?

Daniel Mazzaro Vilar de Almeida PG-UFMG/UFV/UNIFAL

Introdução

alcance a semântica e/ou a pragmática da língua) e alcançam o nível discursivo do texto, aqui entendido

Nos estudos linguísticos existem muitos

como uma construção social.

conceitos e termos que, se não contraditórios, são muito próximos e, às vezes, quando comparamos suas definições, parecem intercambiáveis. Isso acontece até mesmo com os objetos de estudo mais recorrentes nas teorias modernas, como texto, discurso e gênero (textual e discursivo).

Sendo assim, partirei de uma breve discussão dos termos texto e discurso para mostrar a complexidade da separação entre ambos. Em seguida, mostrarei como também são escorregadias as definições do termo conector e seu “quase” sinônimo marcador discursivo.

Ao desenvolver um estudo sobre qualquer elemento que se inclui ou que leva no nome algum desses termos, parece crucial, portanto, refletir sobre o posicionamento teórico que se segue.

Após essas ponderações, analisarei as três coleções de Língua Espanhola aprovadas no PNLD de 2012, observando o que se espera do aluno quando estudam os conectores.

Neste trabalho refletirei sobre o tratamento dos conectores nos livros didáticos do Ensino Médio aprovados no PNLD 2012. Embora não apareçam sob

Texto e discurso: limites incertos

esta nomenclatura, mas sim, frequentemente, sob os nomes das classes gramaticais tradicionais a que

Ao propor a diferenciação de texto e discurso

pertencem, percebemos que não existe um trabalho

neste trabalho, já tomamos a perspectiva de que se

efetivo desses elementos que ultrapassem o âmbito

tratam de elementos ou conceitos diferentes, o que

formal do texto. Em outras palavras, não são levados

parece ser um senso comum para vários linguistas e

em conta como elementos que conectam mais que

teóricos da linguagem. No entanto, a nossa intenção

frases ou enunciados (embora este último conceito

é escolher, dentre as diversas possibilidades de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

301

definições, uma diferenciação que possa nos servir

É nesse mesmo caminho tortuoso que se tenta

para compreender o que acontece com o tratamento

definir discurso. Ao fazer um panorama sobre análise

dos conectores.

do discurso, Maingueneau (2008) explica que discurso

Fazendo um breve histórico do conceito de texto, Bentes (2001) identifica três fases. Enquanto a primeira define o texto como uma sequência coerente e consistente de signos linguísticos delimitada por interrupções significativas na comunicação e possui status de maior unidade linguística, a segunda fase o define não como uma estrutura acabada (um produto), e sim parte de atividades mais globais de comunicação, ou seja, o compreende no seu próprio processo de planejamento, verbalização e construção. Já a terceira fase considera que sempre teremos à nossa disposição mais de uma definição de texto ou daquilo que se postula ser o objeto da Linguística Textual (LT). Ele passa a ser visto como uma manifestação verbal constituída de elementos linguísticos selecionados e ordenados pelos falantes durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, mas também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais. Desse ponto de vista, se desprendem conceitos como textualidade e contexto, que foram passos expressivos para perceber que o texto não é apenas um combinado de frases. Quanto ao primeiro, em um momento dos estudos da LT, o texto passou a ser entendido como um sistema uniforme, estável e abstrato, uma unidade linguística mais alta, superior à sentença e, dessa forma, a textualidade seria uma

pode ser, por um lado, objeto, isto é, uma atividade verbal em contexto que se manifesta sob a forma de unidades transfrásticas, e a linguagem é considerada na sua relação com seus objetivos social, expressivo e referencial. Mas, por outro lado, discurso deve ser visto de forma diferente de língua, já que esta é entendida como sistema de valores virtuais e/ou como idioma compartilhado pelos membros de uma comunidade linguística. No primeiro caso, o discurso é o uso da língua em um contexto particular, que filtra esses valores virtuais ou que pode suscitar novos valores (vê-se uma associação de discurso à dimensão social e mental). No segundo caso, discurso é um uso restrito desse sistema compartilhado. As restrições podem ser um posicionamento em um campo discursivo (discurso feminista), um tipo de discurso (discurso jornalístico), produções verbais específicas de uma categoria social (discurso das enfermeiras) ou uma categorização baseada num critério comunicacional (discurso polêmico). Discurso é também diferente de texto. Segundo Maingueneau (2008), tem-se afirmado que o discurso é a relação de um texto com seu contexto (discurso = texto + contexto). Essa distinção permite distinguir a atividade discursiva nas suas múltiplas dimensões e sua única manifestação verbal, escrita ou oral. No entanto, como vimos anteriormente, o conceito de texto já incorporou o de contexto, o que deixa margens a dúvidas se realmente existe uma diferença entre esse e discurso.

propriedade distintiva do texto. Quanto ao contexto,

Maingueneau (2008) esclarece que, uma vez

ele pode englobar muitas ideias, desde o entorno

que a análise do discurso é uma tentativa de articular

sociocultural no qual a atividade comunicativa se

estruturações textuais e situações de comunicação,

desenvolve, até seu cenário imediato de ocorrência

as pesquisas da área discursiva podem se separar em

ou o conhecimento prévio dos falantes e a própria

dois polos:

1

linguagem .

302

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

- De um lado, os pesquisadores que têm como argumento o estudo da organização textual, especialmente na Suíça romanda, J-M. Adam em Lausanne, ou E. Roulet em Genebra. - De outro, aqueles que visam primeiramente articular discursos e posicionamentos ideológicos. Podemos citar pessoas que trabalham na revista MOTS (S. Bonnafous, M. Tournier, P. Fiala) ou o grupo de Montpellier “Praxiling” (J.-M. Barbéris, J. Bres, P. Siblot, B. Détrie...), que defendem uma concepção de linguagem na qual se misturam as influências do marxismo e da linguística da enunciação. (MAINGUENEAU, 2008, p.147-148).

(doravante MD), não se chegou a um acordo em questões básicas como a denominação e definição de seu conceito. Por isso, é possível encontrar termos como marcadores de relação textual, operadores discursivos, marcadores de estruturação textual, apoios do discurso, enlaces extraoracionais, conectores discursivos, conectores pragmáticos, partículas pragmáticas, partículas discursivas etc. referindo-se, muitas vezes, aos mesmos elementos estudados e, além disso, os conceitos atribuídos a esses termos ora

O autor faz uma divisão interna da área discursiva

se identificam, ora se complementam.

para a qual utiliza termos específicos: na definição do primeiro polo aparece a expressão “organização

Várias foram (e são) as teorias que deram sua

textual”, e na do segundo polo ele usa “discursos” e

contribuição para elucidar a questão e o

“posicionamentos ideológicos”. Curiosamente, essa

funcionamento dos conectores2. Em Almeida (2011),

diferença costuma estar no imaginário comum

optamos por não nos deter a apenas uma das teorias,

quando se distingue texto de discurso, ou seja, os

já que no tratamento dos marcadores discursivos elas

limites do texto estão em sua organização sistêmica,

se complementam devido aos âmbitos do objeto de

enquanto que os limites do discurso se encontram

estudo que cada teoria analisa: seja o contexto em

em seu alcance sócio-ideológico.

que aparece um conector, seja a intenção do falante em usá-lo, seja a carga semântica da expressão, seja

Vejamos, na próxima seção, como se definem

suas características sintáticas etc. Devemos ter a

os conectores, elementos que, como explica Escandell

noção, no entanto, de que nem todas as teorias (que

(2006), foi um dos problemas que mais preocupou,

não são poucas) coincidem entre si e, por isso, a

primeiramente os gramáticos e filósofos, e em seguida

conceituação de MD e conectores apresentam

os pragmaticistas. Ou seja, como descrever o valor

diferenças.

dos elementos de conexão entre orações e outros elementos se tantos pesquisadores o tomam o tomaram como seu assunto de investigação?

Conectores ou Marcadores Discursivos? Uma das maneiras de alcançar o sucesso de que um texto/discurso possa fazer sentido é por meio de conexões entre as palavras, frases, orações, parágrafos, enunciados ou segmentos discursivos. A questão é que, devido à diversidade de critérios adotados e às diferentes proposições metodológicas a partir dos quais se tem abordado o estudo dos conectores e dos marcadores discursivos

Portolés (1998), por exemplo, usa o termo marcadores del discurso e assim os define: son unidades lingüísticas invariables, no ejercen función sintáctica en el marco de la predicación oracional y poseen un cometido coincidente en el discurso: el de guiar, de acuerdo con sus distintas propiedades morfosintácticas, semánticas y pragmáticas, las inferencias que se realizan en la comunicación. (PORTOLÉS, 1998, p.23-24)

Vê-se claramente o eixo pragmático e semântico da definição de Portolés, quando ele explica que a finalidade dessas expressões é de guiar as inferências que se realizam na comunicação.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

303

De forma parecida, Montolío (2001) propõe

Estas perguntas dariam origem a outras

uma definição, mas usa o termo conectores e explica

pesquisas. Dessa forma, voltemos à proposta deste

que

texto e analisemos como os livros didáticos de espanhol aprovados no PNLD 2012 tratam os MD e (…) tienen como valor básico esta función de señalar de manera explícita con qué sentido van encadenándose los diferentes fragmentos oracionales del texto para, de esa manera, ayudar al receptor de un texto guiándole en el proceso de interpretación. (MONTOLÍO, 2001, p.21)

Sua definição também possui uma estreita relação

com

a

semántica

e

pragmática,

os conectores, se sob o viés textual ou discursivo, conforme

dividimos

de

forma

didática

anteriormente. Um olhar sobre os conectores nas coleções de Língua Espanhola do Ensino Médio aprovadas no PNLD 2012

principalmente quando explica que os conectores

Segundo o Guia de Livros Didáticos: PNLD

funcionam, em um texto, “como señales de

2012: Língua Estrangeira Moderna (2011, p.10), as

balizamiento que un escritor eficaz va distribuyendo

coleções, para serem aprovadas, devem entender e

a lo largo de su discurso, a fin de que su lector siga

orientar em suas atividades a linguagem como

sin esfuerzos ni dificultades el camino interpretativo trazado” (MONTOLÍO, 2001, p.21). Até este momento, temos as informações de que tanto as definições de marcadores discursivos como de conectores possuem uma raiz muito forte na pragmática e na semântica, áreas de muita influência na Linguística Textual e na Análise do Discurso. Nossa pergunta é: por que o termo mais usado é marcador discursivo e não textual? Portolés (1998) entende por discurso la acción y el resultado de utilizar las distintas unidades que facilita la gramática de una lengua en un acto concreto de comunicación; por ello, todo discurso se compone de una parte puramente gramatical y de otra pragmática, esto es, obtenida gracias al contexto. (PORTOLÉS, 1998, p.27)

E essa definição, estreitamente relacionada à de enunciado 3, marca um limite com a definição de discurso proposta pelas correntes de Análise do Discurso, como vimos anteriormente. Portolés e Montolío se preocupam pelos posicionamentos ideológicos dos sujeitos envolvidos no jogo discursivo ao estudar os conectores e MD? Até que ponto as questões socioculturais influenciam o uso e interpretação desses elementos nos discursos?

atividade social e política, que envolve concepções, valores e ideologias inerentes aos grupos sociais; atividade em permanente construção, por isso heterogênea e historicamente situada; prática discursiva, expressa por meio de manifestação verbal e não verbal e que se concretiza em diferentes línguas e culturas.

Assim, podemos ver que o conceito de linguagem está bem próximo ao que discutimos sobre discurso já que expressam ideologia(s), ponto(s) de vista, intenção(ões) e argumentação(ões). Essas ideologias, esses pontos de vista, intenções e argumentações podem se materializar no discurso por meio de conectores de modo a guiar o interlocutor desse texto/discurso no processo de interpretação. Logo, esse elemento é de extrema importância para a leitura crítica do texto, já que é uma porta para inferências do tipo socioculturais. Vejamos, então, como os conectores/MD são tratados nas três coleções didáticas de espanhol do Ensino Médio aprovados no PNLD 2012 que são as seguintes: El arte de leer en español (PICANÇO; VILLALBA, 2010), Enlaces (OSMAN et al, 2010) e Síntesis (MARTIN, 2010).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

304 Vejamos

como

os

conectores

são

o segmento que segue o conector (tempo verbal,

sistematizados nessas coleções, isto é, como eles são

classe gramatical etc.) e outros exemplos. A divisão

apresentados nelas.

nas unidades é semântica: expressões concessivas

Na coleção El arte de leer en español, os MD não aparecem em apenas um volume como um tema a ser estudado, mas sim ao longo dos três. Assim, temos, por exemplo, no volume 1, na primeira

(unidade 4), expressões temporais (unidade 6), expressões condicionais (unidade 7), exceto na unidade 8, na qual os autores os apresentam sob o título “conectores del discurso”.

unidade, o tratamento dos conectores por eso, sin

Após alguns exercícios de escrita nessa mesma

embargo, así, además, por su parte e sino a partir de

seção, o tema é resgatado em Como te decía... por meio

frases retiradas dos textos das seções ¡Mira! e

de um quadro-resumo com outros exemplos e, em

¡Acércate!, dedicadas à leitura e compreensão de texto.

seguida, uma atividade oral.

Já no volume 2, a unidade 3 apresenta na seção

No caso da coleção Síntesis, os conectores são

Para consultar (seção na qual consta um pequeno

trabalhados pela primeira vez no capítulo 1 do

resumo dos temas linguísticos contemplados na seção

segundo volume na seção Gramática básica. Os

gramatical ¡Ojo!) de uma breve explicação das

autores propõem um trabalho com as conjunções de

expressões en suma, sin embargo, tampoco, ante,

coordenação y, o e pero por meio de exemplos tirados

debidamente e si bien, e no volume 3 também

do áudio do capítulo e uma tirinha (apresenta-se o

aparecem outros conectores, como aunque (unidade

valor e um exemplo de cada conjunção), tratam das

2) y si (unidade 3).

variações e, ó e u das duas primeiras conjunções e

Deixamos claro que nem todos os conectores citados apresentam o mesmo tratamento, isto é, nem todos se explicam por meio de fragmentos dos textos para que o aluno entenda seu funcionamento. Parte deles aparece em atividades de preencher lacuna e possui, na seção Para consultar um sinônimo e/ou uma breve explicação do seu sentido.

propõem atividades principalmente de preencher lacunas. Em uma delas, outras conjunções como aunque, ni, pues, por eso, o sea, porque, sin embargo, ora... ora e luego aparecem ser ter nenhum estudo sistemático prévio. Os conectores parecem ser resgatados novamente apenas no volume 3, no segundo capítulo, quando se trabalha o subjuntivo e é proposto ao aluno fazer frases sobre os personagens

A coleção Enlaces apresenta os conectores

de um texto lido usando as expressões ojalá,

principalmente no volume 3. Nos volumes anteriores

probablemente, quizás, no es seguro que e tal vez. Essas

citam, por exemplo, alguns advérbios de frequência

expressões são explicadas posteriormente na seção

(volume 1, unidade 5), algumas conjunções (y/e, o/

Para charlar y escribir. Novamente estas e outras

ó/u, como, porque, ya que, así que, por eso, por lo tanto

expressões aparecem no capítulo 5 na seção

na unidade 1 do volume 2), marcadores temporais

Gramática básica sob o título Adverbios em um

(unidade 3, volume 2) e expressões de possibilidade

quadro-resumo dividido em lugar, tiempo, modo,

e desejo (unidade 6, volume 2).

cantidad, afirmación, negación e duda.

Assim como nesses livros, o volume 3 trata

Como nossa intenção neste trabalho não é o

dos MD na seção Manos a la obra, na qual

de esgotar o assunto sobre o tratamento dos

encontramos fragmentos dos textos (frases), com

conectores nas coleções aprovadas no PNLD-2012,

destaque nas expressões, uma breve explicação sobre

não vamos descrever cada uma das atividades, e

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

305

tampouco analisar as definições dadas às expressões.

importante fazer inferência de um conector.

Como já dito, nosso objetivo é ver o alcance do

Não me refiro a questões que pedem, por

tratamento dessas expressões, isto é, as coleções

exemplo, a causa de um fato e o aluno

tratam os conectores como assunto importante a ser

encontra a expressão porque ou ya que no

estudado? Sob que viés: textual e/ou discursivo?

texto e responde à atividade. Refiro-me a leituras inferências sociais, nas quais o leitor

Em uma análise geral, chegamos a algumas

é convidado, por exemplo, a refletir sobre a

conclusões preliminares:

estratégia textual de apresentar determinados argumentos como contrapostos ou como

1) O estudo dos conectores costuma aparecer a

causa-consequência.

partir do volume 2, ou seja, da 2ª série. A exceção é da coleção El arte de leer en español, que desde o primeiro volume já apresenta um estudo de MD mais comuns. Isso talvez se deva ao fato de os materiais preferirem seguir

Outras conclusões podem ser obtidas, mas, devido ao recorte do trabalho, enumeraremos apenas essas.

uma sequência de temas que está próxima à das gramáticas tradicionais, começando pelo artigo e terminando nas conjunções.

Considerações finais

à

Por meio das conclusões preliminares da

apresentação de sinônimos e ideias dos

análise do tratamento dos conectores e MD nas

conectores. Não dizemos que isso seja

coleções de espanhol aprovadas pelo PNLD-2012,

equivocado, mas sim que não contempla mais

pudemos perceber que esses elementos linguísticos

que o uso semântico das expressões. Inclusive

são tratados no nível textual, sistêmico, ou seja,

as atividades refletem esse pensamento, já que

ignora-se seu alcance social. Eles não são tratados,

a maioria é de preencher lacuna. Há exceções,

no final das contas, como guia na interpretação

obviamente, como a coleção Enlaces que

discursiva.

2) As

obras

costumam

restringir-se

apresenta exercícios que conjugam a semântica e a sintaxe, na qual os alunos devem relacionar ideias por meio de conectores e também conjugar os verbos. 3) O enfoque é dado aos conectores interfrásticos ou interoracionais, ignorando, em alguns

Apresentar atividades que envolvam essa esfera da linguagem não é uma questão de dificuldade ou facilidade, mas sim de necessidade, já que o objetivo do ensino médio é de formar leitores críticos e isso só pode acontecer por meio de leituras analíticas que englobem as questões extratextuais.

casos, o seu tratamento entre parágrafos, por exemplo.

Referências bibliográficas 4) Os marcadores discursivos são um assunto gramatical, linguístico, e, dessa forma, aparecem apenas nas seções destinadas a tal

BENTES, Anna Christina (2001): Linguística Textual. Em: MUSSALIM, F.; BENTES, A. C. (Org). Introdução à

estudo. Dessa constatação, pudemos perceber

Linguística: domínios e fronteiras, v. 1. 2ª Ed, p. 245-287.

também que não há atividades de

São Paulo: Cortez Editora.

compreensão de texto nas quais seja

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

306

________; REZENDE, Renato Cabral (2008): Texto:

MARTIN, Ivan (2010): Síntesis. São Paulo: Ática.

conceitos, questões e fronteiras [con]textuais. Em: SIGNORINI, I. [Re]Discutir texto, gênero e discurso, p. 19-

MONTOLÍO, Estrella (2001): Conectores de la lengua escrita. Barcelona: Ariel.

46. São Paulo: Parábola Editorial. ESCANDELL VIDAL, M. Victoria (2006): Introducción a la pragmática. Barcelona: Ariel (nova edição atualizada). Guia de livros didáticos: PNLD 2012: Língua Estrangeira Moderna (2011). – Brasília: Ministério da Educação,

OSMAN, Soraia. et al (2010): Enlaces. São Paulo: Macmillan. PICANÇO, Deise Cristina de Lima; VILLALBA, Terumi Koto Bonnet (2010): El arte de leer español. Curitiba: Base Editorial.

Secretaria de Educação Básica. MAINGUENEAU, Dominique (2008): Discurso e análise do discurso. Em: SIGNORINI, I. [Re]Discutir texto, gênero

PORTOLÉS, José (1998): Marcadores del discurso. Barcelona: Ariel.

e discurso, p. 135-156. São Paulo: Parábola Editorial.

Notas 1

Devido ao recorte deste texto, sugiro a leitura do capítulo de Bentes e Resende (2008), no qual se discute com relativa profundidade os conceitos de textualidade e contexto.

2

Para esta pesquisa, consideraremos marcadores discursivos e conectores termos sinônimos, embora saibamos que existem diferenças teóricas entre eles. Para uma apresentação mais completa dos problemas de etiquetagem que se propõem das unidades suscetíveis de serem consideradas como marcadores do discurso, assim como da obscura fronteira entre a classe dos marcadores e outras categorias limítrofes, como conjunções, advérbios, interjeições, vocativos etc., sugerimos uma leitura atenta de Portolés (1998a) e/ou Martín e Portolés (1999).

3

Escandell (2006) explica que enunciado é uma unidade do discurso, uma sequência linguística concreta realizada por um emissor em uma situação comunicativa, e se define dentro de uma teoria pragmática, de acordo com critérios discursivos. Sua interpretação depende de seu conteúdo semântico e de suas condições de emissão.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

307

DICCIONARIO PANHISPÁNICO DE DUDAS: DÚVIDAS, DEFINIÇÕES E COMENTÁRIOS

Daniela Ioná Brianezi PG - Universidade de São Paulo

Analisamos neste trabalho a imagem de

Actual de José Martínez de Sousa, de 1996. Além

dúvida no Diccionario Panhispánico de Dudas (DPD)

destes temos o Diccionario de Dudas y Dificultades

da Real Academia Española (RAE) e Asociación de

del Español de Manuel Seco, cuja primeira edição data

Academias de la Lengua Española (ASALE), sob a ótica

de 1961 e que está em sua 10a. ed., de 2011. A

da análise do discurso e da História das Ideias

relevância deste último dicionário é especial para

Linguísticas. Nessa linha, consideramos o dicionário

nossas análises, visto que Manuel Seco ocupa desde

como instrumento linguístico (Auroux, 1992). Esse

1980 a cadeira da letra A da RAE. Mostramos assim

trabalho faz parte dos estudos que desenvolvemos no

que existe um grande repertório de dicionários de

mestrado em língua espanhola pela USP.

dúvidas no campo da língua espanhola desde

O DPD é um dicionário recente, de 2005, o

algumas décadas.

primeiro de dúvidas produzido pela RAE/ASALE. Seu

Para mostrar como é construída a imagem de

objetivo, como mostrado na seção Qué es el

dúvida no DPD, tomamos algumas formulações das

Diccionario Panhispánico de Dudas, p XIII, é dar

seções que precedem a nomenclatura (conjunto de

“respuesta a las dudas más habituales”. As dúvidas

verbetes) do DPD. Em seguida recortamos alguns

tratadas no DPD podem ser de caráter fonológico,

verbetes, analisando sua estrutura para ver como se

ortográfico,

e

dá resposta à dúvida, tomando como eixo da

lexicossemântico, como pode ser visto em Qué es el

conceitualização o jogo de “antecipações imaginárias”

Diccionario Panhipánico de Dudas, p. XIII.

descrito por Pecheux ([1969] 2010).

morfológico,

sintático

Há outros dicionários de dúvidas na língua

Conforme argumenta Pecheux, se referindo

espanhola, como o Diccionario Gramatical y de Dudas

especificamente ao caso do discurso politico mas que

del idioma, de Emilio M. Martinez Amador (1953), o

podemos transferir diretamente a nosso caso

Diccionario Sopena de Dudas y Dificultades del Idioma,

(ibid:76): “ [a relação de sentidos entre discursos]

de 1981 e o Diccionario de Usos y Dudas del Español

implica que o orador experimente de certa maneira

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

308

o lugar de ouvinte a partir de seu próprio lugar de orador: sua habilidade de imaginar, de preceder o ouvinte é, às vezes, decisiva se ele sabe prever, em tempo hábil, onde este ouvinte o “espera”. Esta antecipação do que o outro vai pensar parece constitutiva de qualquer discurso, […]” (destaques do autor). No caso do DPD, temos o sujeito lexicógrafo

sd2: Se echaba de menos una obra que permitiera resolver, con comodidad y prontitud, los miles de dudas concretas que asaltan a los hablantes en su manejo cotidiano del idioma y donde las Academias pudiesen, al mismo tiempo, adelantarse a ofrecer recomendaciones sobre los procesos que está experimentando el español en este mismo momento, en especial en lo que atañe a la adopción de neologismos y extranjerismos, para que todo ello ocurra dentro de los moldes propios de nuestra lengua y, sobre todo, de forma unitaria en todo el ámbito hispano. (destaque nosso)

institucional, que antecipa a dúvida quanto ao consulente e constrói a imagem de dúvida nos paratextos a partir de um determinado jogo de antecipações. Iniciando nossas análise no item ‘presentación’ do DPD, pXI, temos a seguinte formulação: sd1: Centenares de hispanohablantes de todo el mundo se dirigen a diario a la Real Academia Española, o a cualquier otra de las que con ella integran la Asociación de Academias de la Lengua Espanõla, exponiendo sus dudas sobre cuestiones ortográficas, léxicas o gramaticales y pidiendo aclaración sobre ellas. (sublinhado nosso)

Em

sd2

notamos

primeiramente

a

antecipação feita sobre a obra, que ‘se echaba de menos’, ou seja, era uma obra que faltava e veio para preencher um vazio existente, apesar de todos os dicionarios que mostramos anteriormente de dúvidas. O ‘se’ impessoal produz um efeito de generalização. No fragmento ‘miles de dudas concretas que asaltan a los hablantes’, observamos novamente a especificação numérica, o que funciona na direção de produzir a evidência da necessidade do próprio dicionário. São também especificadas como

Percebemos que inicia-se apresentando a

“concretas”, produzindo o efeito de sentido de são

dúvida como algo que “parte de um sujeito falante

reais e não hipotéticas (são os falantes os que expõem

da língua espanhola”, um não especialista, que tem

suas dúvidas). Se produz aí o efeito de que a dúvida

dúvidas quanto à língua e recorre à RAE ou às

irrompe naturalmente (ela ‘asalta’ o falante) o que

Academias da ASALE para pedir esclarecimentos. A

por sua vez opera a favor de abrir o lugar da academia,

instituição “RAE/ASALE” administra essa dúvidas

de naturalizar seu papel de especialista que serve ao

começando por uma classificação das mesmas: seriam

sujeito consulente.

da ordem ortográfica, léxica ou gramatical.

Notamos ainda em sd2 uma divisão no que

Temos aí um sintagma nominal marcado por

se refere ao modo de projetar ou pensar a dúvida.

uma especificação numérica, ‘centenares’ e outra que

Uma primeira projeção tem a ver com aquela

remete ao espaço (“de todo el mundo”) que tem como

proveniente do falante, de sua necessidade, e que

referente o consulente. A especificação que aí opera

chegaria “espontaneamente”, como já mostramos.

a favor de quantificar as consultas argumenta a favor

Opera aí um efeito de sentido pelo qual isso funciona

da publicação e do funcionamento do dicionário. A

como uma evidência. Já no fragmento seguinte

especificação especial “de todo el mundo” remete à

aparece uma outra modalidade: “y donde las

própria denominação do dicionário: ‘Panhispánico’.

Academias pudiesen, al mismo tiempo, adelantarse a ofrecer recomendaciones”. Trata-se aqui de uma

Continuando ainda na ‘presentación’, temos a seguinte formulação:

dúvida “prevista” pela Academia, segundo a qual a instituição se ocuparia de tratar o que vê como

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

309

lacrimal: «Los ojos, si los poseen, no tienen párpados ni glándulas lacrimales» (Vattuone Biología [Arg. 1992]). 2. Como sustantivo masculino, ‘extremo del ojo por donde salen las lágrimas’: «Sacó un pañuelo del bolsillo del delantal y enjugó con él sus lagrimales» (Bain Dolor [Col. 1993]). Con este sentido se desaconseja, por minoritario, el uso de lacrimal. (destaque negrito e itálico do DPD, sublinhado nosso).

importante de ser trabalhado para que a língua continue ‘unitaria en todo el ámbito hispano’. Esta dúvida prevista, ainda de acordo com sd2, se referiria a neologismos e estrangeirismos. Continuando nossa busca da imagem de dúvida construída no DPD, encontramos na seção: ‘qué es el diccionario panhispánico de dudas’, no item, ‘destinatarios’ (DPD:XIII), uma formulação que já

Percebemos algumas diferenças quanto à

nos permite passar a tratar uma outra parte do

maneira de enunciação dos vocábulos no DPD em

dicionário:

relação aos dicionários integrais ou diferenciais em língua espanhola. A primeira delas é a falta de marcas

sd3: El DPD se dirige tanto a quienes buscan resolver con rapidez una duda concreta y, por consiguiente, están solo interesados en obtener una recomendación de buen uso, como a quienes desean conocer los argumentos que sostienen esas recomendaciones.” (destaque nosso)

no corpo do verbete, sejam elas gramaticais (adj, v.), temporais (desusado), de restrição de uso (informal, vulgar), geográfico-políticas (Arg., Par.) ou técnicas (medicina, biol.). Percebemos que esta é uma tendência também dos outros dicionários de dúvidas

Esta formulação nos faz compreeder a

em língua española e, neste caso, o DPD manteria a

estrutura do verbete do DPD, já que este se diferencia

regularidade. As restrições de uso no caso do DPD

do que encontramos num dicionário de língua.

são encontradas no corpo do verbete, que restringe

Notamos a volta do uso de ‘dudas concretas’, tipo de

ou não o uso do vocábulo.

dúvida levantada pelo sujeito, silenciando o segundo A estrutura dos verbetes pode conter ainda o

tipo de ‘dudas’ tratadas pelo DPD, aquelas anticipadas, previstas pela academia.

enunciado definidor entre aspas simples, como explicitado na seção antecedente à nomenclatura

Começamos a mostrar agora como são os

‘signos’ (DPD:XXXV). De acordo com nossa pesquisa,

enunciados encontrados nos verbetes Temos dois

verificamos que o enunciado definidor dos lexemas é

tipos: os temáticos e os não temáticos. Os temáticos

retomado do DRAE, embora não se mencione este

se referem a temas gramaticais, como laísmo, leísmo,

fato nas sessões iniciais e em nenhum outro local do

voseo. São de número menor e vão escritos em letras

DPD.

maiúsculas; os não temáticos vão escritos em letras

verbetes exemplos de uso dos vocábulos, sempre com

minúsculas. Veremos aqui algumas ocorrências de

referência de onde foram tirados e do país de

verbetes não temáticos.

procedência, havendo no final do DPD a lista de todas

Temos o primeiro vocábulo, retirado de nosso corpus de estudo para a dissertação do mestrado, formado pela letra ‘L’:

Registra-se na enunciação da maioria dos

as obras citadas, que englobam literatura, jornais e portais eletrônicos. O DPD explicita que a maioria dos exemplos dos vocábulos foram retirados do CREA (Corpus de referencia del español actual) e em menor

sd6: lag lagrr imal imal. 1. Como adjetivo, ‘de (las) lágrimas’: «El conducto nasolagrimal va del saco lagrimal a la nariz» (Rosales/Reyes Enfermería [Méx. 1982]). Con este mismo sentido se usa también el adjetivo

medida do CORDE (Corpus diacrónico del español). Levando em conta essas considerações, obervamos na parte ‘1’ da enunciação do vocábulo lagrimal, a retomada da primeira acepção do

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

310

vocábulo no DRAE, com um exemplo de uso. Na

Diccionario de la Lengua Española (DRAE), temos em

próxima formulação comenta-se que há um outro

Advertencias para el uso de este diccionario, item

vocábulo possível de ser usado com o mesmo sentido,

Manejo del diccionario, subitem Variantes Preferidas:

‘lacrimal’, igualando os sentidos deste aos do primeiro. Na parte ‘2’, também é retomado o enunciado definidor deste (agora da segunda acepção) e novamente se apresenta um exemplo. Em seguida temos um comentário que ‘desaconseja’ o uso do

sd10: Cuando las variantes admitidas no pueden figurar en un mismo artículo por exigencias del orden alfabético, la preferida por la Academia es la que lleva la definición directa; las aceptadas, pero no preferidas, se definen mediante remisión (v.§ 6.2.2 6.2.2) a aquella.

vocábulo ‘lacrimal’ no caso de seu uso como substantivo, ao contrário do que ocorreu em seu uso como adjetivo e tal fato é justificado por seu uso ser ‘minoritario’. Reparamos na presença do verbo (desaconsejar), marcado por un morfema de negação. Como argumenta Indursky (1997:213-244), que se baseia em Milner(1983) e Culioli (1990), “a negação é um dos processos de internalização de enunciados oriundos de outros discursos”. O uso de ‘desaconsejar’ nos permite ver que, se está desaconselhado pelo DPD, é porque essa forma é “usada”, em certas práticas, por certos falantes dessa língua. Irrompe aí uma forma de alteridade sobre a qual se regula.

Pensamos que o DPD segue também esta preferência, ou seja, a remissão sugere que o vocábulo preferido é, neste caso, La Goleta, visto que há uma proibição explícita do termo em sua grafia originária em francês, La Goulette com ‘no debe usarse’. Novamente vemos um enunciado com verbo negativo, mais contundente que em ‘lagrimal’, já que trata-se de um deôntico de obrigação ‘dever’, havendo a recusa do vocábulo em sua grafia originária. O uso de ‘no se debe’ traz consigo o discurso-outro, uma outra posição sujeito que admitiria o uso do vocábulo em francês, mostrando uma forma de “lidar com a alteridade” no discurso do DPD.

Temos agora um topônimo de origem estrangeira, La Goulette:

Consultando então ‘La Goleta’ percebemos que não faz parte da nomenclatura do DRAE e carece

sd8: La G tt Goo ule ulett ttee . ’! La Goleta.

de enunciado definidor no DPD. Temos o uso do deítico ‘esta’, que num movimento anafórico retoma a cidade, criando uma circularidade com a palavra-

sd9: La Gole ta Goleta ta. Nombre tradicional español de esta ciudad de Túnez: «Estuvieron cuatro días fondeados en La Goleta, antepuerto de Túnez» (Faner Flor [Esp. 1986]). No debe usarse en español la forma francesa La Goulette. (destaque negrito e itálico do DPD, sublinhado nosso).

entrada em espanhol La Goleta, mostrando novamente a preferência pelo vocábulo em espanhol. Cabe destacar que há um sintagma nominal com um adjetivo ‘nombre tradicional’, que produz o efeito de longevidade de uso, o que funciona a favor da direção do dizer que aí se instala: usar esta forma e não a otura, que não dever ser usada. Temos então um

Neste caso, quando o consulente busca a palavra La Goulette, em sua grafia original, é remetido à palavra adaptada à grafia espanhola, sem nenhuma formulação. Esta é uma prática regular no dicionário. Consultando os paratextos da versão online do

exemplo, que nesse caso tem informações enciclopédicas, situando o consulente quanto à localização de tal cidade. O fato da preferência pelo topônimo em espanhol poderia ser explicado pelo relacionamento da Espanha com La Goleta, visto que

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

311

ela conquistada pelo rei Espanhol Carlos V em 1535,

acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e

mas em 1574 ela foi tomada pelos otomanos. Em 1881

temível materialidade”. Os comentários sugestivos e

ela foi anexada à França, e só tornou-se independente

prescritivos do DPD poderiam deste modo encaixar-

em 1956. Sua língua oficial é o árabe, mas o francês

se como um destes ‘procedimentos’ de tentativa de

continua sendo usado como língua do comércio.

controle da língua, no jogo de ‘poderes’ do discurso.

Percebemos com a apresentação dos vocábulos, enunciados de caráter sugestivo e prescritivo que seviriam para esclarecer a dúvida tratada. Podemos classificar o primeiro, lagrimal, como uma das dúvidas concretas, por tratar-se de uma vacilação na sua grafia e La Goulette como uma

Referências bibliográficas AUROUX, Sylvain (1992): A revolucao tecnologica da gramatizacao. traducao: Eni Puccinelli Orlandi. Campinas, SP: Editora da Unicamp.

dúvida das previstas pela instituição, por tratar-se de um lexema estrangeiro. Com essas ocorrências

FOUCAULT, Michel (2010): A ordem do discurso. São

gostaríamos de mostrar como o DPD ‘resolve’ os dois

Paulo : Ed Loyola.

tipos de dúvidas encontrados, tanto recomendando

INDURSKY, FREDA (1997): A Fala dos Quarteis e outras

o uso de alguns vocábulo e beirando a proibição em

vozes. Campinas, SP: Editora da Unicamp.

outros, interpelando assim os sujeitos consulentes a se assujeitarem à FD na qual o DPD se inscreve.

PECHEUX, Michel ([1969] 2010): Análise Automática do Discurso (AAD-69). Em: GADET, Françoise; HAK, Tony

Como argumenta Foulcault ([1970], 2010,

(orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma

p.8): “suponho que em toda sociedade a produção

introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Editora

do discurso é ao mesmo tempo controlada,

da Unicamp. p. 61-161.

selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

312

TEXTOS E TESTES: COMO SE CONFIGURAM AS PROVAS DE LÍNGUA ESPANHOLA NO ENEM?

Daniela Sayuri Kawamoto Kanashiro UFMS I. Gretel M. Eres Fernández USP

O espanhol no Enem

Linguagens, códigos e suas tecnologias (Língua Portuguesa, Língua Estrangeira (LE) – Inglês ou

Sem dúvida a inclusão do espanhol no Enem

Espanhol [somente a partir de 2010], Artes e

a partir de 2010 colocou em destaque, mais uma vez,

Educação Física), Matemática e suas tecnologias

o referido idioma no contexto educacional brasileiro.

(Matemática), Ciências Humanas e suas tecnologias

E se até o presente momento nem todas as instituições

(História, Geografia, Filosofia e Sociologia) e Ciências

de ensino médio, públicas e privadas, garantem a

da Natureza e suas tecnologias (Química, Física e

oferta do espanhol (conforme prevê a Lei 11.161/

Biologia).

2005), inferimos que o fato de inserir o espanhol numa prova de nível nacional poderá levar a uma aceleração do processo de implantação da língua como um dos efeitos retroativos do Enem.

Cada caderno de questões é composto por duas áreas: Ciências Humanas e suas tecnologias e Ciências da Natureza e suas tecnologias (no primeiro dia do exame); Linguagens, códigos e suas tecnologias

A partir de 2009 a prova, que antes visava à avaliação do perfil dos estudantes do ensino médio,

e Matemática e suas tecnologias (no segundo dia do exame).

passou a reforçar, por meio de algumas mudanças, o objetivo de selecionar alunos concluintes da educação básica para acesso ao ensino superior de várias instituições, inclusive as públicas, algumas estaduais e federais. A partir daquele ano a estrutura da prova sofreu alterações, houve aumento no número de questões e a aplicação do exame foi organizada em dois dias. Além da redação, foram incluídas 45 questões para cada área de conhecimento:

Assim como nas edições anteriores (19982008), há quatro versões diferentes da mesma prova identificadas pelas cores: azul, amarela, branca e rosa (para o caderno 1, referente ao primeiro dia do exame); amarela, cinza, azul e rosa (para caderno 2, no segundo dia do Enem). Nas distintas versões observam-se somente alterações na ordem das perguntas ou das alternativas. As questões são as mesmas e mantêm-se os enunciados.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

313

No novo Enem também permanece a

disciplinas na prova, que refaz as questões das edições

elaboração do texto dissertativo argumentativo, em

anteriores organizando o tempo disponível para

língua portuguesa, no segundo dia de prova, junto

resolvê-las, para elaborar o texto dissertativo e

com as 45 questões de Linguagens, códigos e suas

preencher o gabarito, apresenta certa vantagem se

tecnologias e mais 45 questões de Matemática e suas

comparado àquele que não tem conhecimento sobre

tecnologias.

a organização e estrutura do exame.

Constatamos que as principais mudanças

Nesse sentido, não é sem propósito que as

estabelecidas para o novo Enem objetivaram a

escolas – sobretudo as particulares – investem nos

aproximação ainda maior das características da

programas preparatórios e realizam simulados.

organização dessa prova com a dos vestibulares

Também não é em vão que tenham surgido cursos

tradicionais, ou seja, questões separadas por

específicos de preparação para determinados

disciplinas, mais de um dia para a realização do

vestibulares, concursos e para o Enem.

processo e a inserção de itens de língua estrangeira (inglês e espanhol). Isso aconteceu tendo em vista a intenção de substituir os diferentes vestibulares,

Sobre os textos em língua espanhola

principalmente das instituições federais de ensino superior, por um processo apenas, resultando na unificação da seleção.

Verificamos que 86% dos textos incluídos nas edições do Enem de 2010 e 2011 são informativos (36% são reportagens; 36%, postagens digitais; 7% correspondem a um artigo e 7%, a um

Sobre a organização das questões referentes à língua espanhola

aviso). Além disso, 71% dos textos propostos não são autênticos 1 (50% são adaptações e 21% são fragmentos) e 86% dos textos foram veiculados na

Especificamente sobre a língua espanhola, nas 3 provas analisadas observamos alguns dados

internet (51% em sites; 14% em blog e 21% em jornal digital).

recorrentes: são incluídas 5 questões dentre as 90 propostas no caderno; as perguntas figuraram sempre

Em

nossa

pesquisa

de

mestrado

no caderno 2, ou seja, no segundo dia de prova;

(KANASHIRO, 2007), que analisou as provas de

utilizaram duas páginas (p. 4 e p. 5); a numeração

vestibular da região sudeste, e na de Labella-Sánchez

também permaneceu a mesma: as questões de 91 a

(2007), que considerou as provas de seleção de três

95 foram de língua estrangeira e o candidato teve que

instituições públicas do estado do Paraná, também

optar, no momento da inscrição, pelo inglês

foi observada a tendência em incluir em provas

(perguntas presentes nas páginas 2 e 3) ou pelo

seletivas e/ou classificatórias textos da esfera

espanhol (p. 4 e 5).

jornalística.

Sobre

a

presença

de

textos

predominantemente informativos, Serrani (2005) Consideramos que o engessamento da

argumenta que a tendência em adotar princípios

estrutura da prova favorece o treinamento. O pouco

gerais do enfoque comunicativo nas aulas de línguas

tempo disponível para ler e resolver cada questão

fez com que o texto literário perdesse certo espaço

(cerca de 3 minutos) também contribui para conduzir

para o uso funcional do idioma. Dessa forma,

a esse tipo de procedimento, ou seja, ao treino. Um

conforme a referida pesquisadora: “[...] Dentre os

candidato que conhece a ordem de apresentação das

materiais, recursos e textos tirados do discurso da

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

314

mídia (jornais, revistas), têm sido vistos como um

relacionadas na habilidade 8 - Reconhecer a

avanço frente ao encliclopedismo ou “literarismo” de

importância da produção cultural em Língua

outrora.” (SERRANI, 2005, p. 47). Consideramos,

Estrangeira Moderna – LEM – como representação

entretanto, que é preciso trabalhar a conotação da

da diversidade cultural e linguística. Os textos

linguagem e que a formação do leitor não deve se

inseridos nas provas do Enem de 2010 e 2011

restringir a um grupo pequeno de textos que figuram

versaram sobre o tango, as touradas, Machu Picchu,

na esfera da informação e da argumentação.

dança chilena, entre outros. Nenhum texto literário

Além disso, é importante observar como são trabalhados, especificamente nas provas do Enem, os

foi selecionado para abordar a importância da produção e/ou das manifestações culturais.

aspectos culturais. Brito (2004) atentou para o problema de visões estereotipadas quando se priorizam somente os grandes nomes da história, literatura, cantores, ou seja, estereótipos de um mundo hispânico longe de ser representação de todo o seu povo; por exemplo, a Espanha das “Touradas” e do “Flamenco”, a Argentina do “Tango”, o México dos “Sombreros”. O povo representa muito mais que esses temas genéricos. (BRITO, 2004, não paginado)

E verificamos exatamente o que foi revelado

Acerca das habilidades e questões propostas Nesta parte analisamos como se apresentam os enunciados dos itens correspondentes a cada habilidade da competência da área 22 para verificar se são coerentes com o estipulado na Matriz de Referência e com os objetivos estabelecidos para o Ensino Médio.

por Brito ao analisar os textos presentes nas questões

Enem 2010 1ª aplicação

Enem 2010 2ª aplicação

Enem 2011

Questão 95 – O texto jornalístico caracteriza-se basicamente por apresentar informações a respeito dos mais variados assuntos, e seu título1 antecipa o tema que será tratado. Tomando como base o fragmento, qual proposição identifica o tema central e poderia ser usado como título? - Fumantes engordam mais que não fumantes. Questão 92 – Pela observação da imagem e leitura do texto a respeito da votação eletrônica no Brasil, identifica-se como tema - o sistema brasileiro de votação eletrônica, por meio das palavras-chave urna, teclado, voto, botones e elector. Questão 91 – O título da palestra, citado no texto, antecipa o tema que será tratado e mostra que o autor tem a intenção de - alertar sobre os riscos mortais de determinados softwares de uso médico para o ser humano. Quadro 1 – Habilidade 5, enunciados e respostas das questões

Notamos que a habilidade 5 – Associar

As tarefas solicitadas foram: dentre as opções,

vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu

identificar o título do texto; com base na imagem e

tema – focaliza a associação entre título, tema e

no conteúdo verbal, identificar o tema; identificar a

conteúdo do texto (verbal e não verbal). O título

intenção do autor, pautando-se no título e no tema

pode fazer referência ao texto proposto ou a uma

tratados. Avaliamos que essas habilidades poderiam

obra, uma palestra, por exemplo, citada no corpo da

ser consideradas nas questões de qualquer disciplina

mensagem. Destacamos no Quadro 1 a repetição dos

que apresentassem um texto. Além disso, ao mesmo

termos título e tema.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

315

tempo em que não é possível trabalhar com os alunos

da associação entre eles, pode ser consequência da

o tema e o título de todos os textos disponíveis, é

ausência de descritores ou, caso tais descritores já

possível “treiná-los” a identificar título e tema.

tenham sido definidos4, da falta de entendimento das

Julgamos que esse tipo de repetição, ou seja,

possibilidades para medir as habilidades propostas.

de solicitar apenas a identificação de título e tema ou

Enem 2010 1ª aplicação

Enem 2010 2ª aplicação

Enem 2011

Questão 93 – De acordo com as informações sobre aeroportos e estações ferroviárias na Europa, uma pessoa que more na Espanha e queira viajar para a Alemanha com seu cachorro deve - vacinar o animal e depois solicitar o passaporte dele. Questão 95 – O “Camino de la lengua”, um percurso para turistas na Espanha, conduz o viajante por um roteiro que, além da temática original sobre a língua e a leitura espanholas, envolve também os aspectos - arquitetônicos e gastronômicos. Questão 92 – O Comitê do Patrimônio Mundial reúne-se regularmente para deliberar sobre ações que visem à conservação e à preservação do patrimônio mundial. Entre as tarefas atribuídas às delegações nacionais que participaram da 34ª Sessão do Comitê do Patrimônio Mundial, destaca-se - discussão sobre o estado de conservação dos bens já declarados patrimônios mundiais. Quadro 2 – Habilidade 6, enunciados e respostas das questões

Com relação à habilidade 6 – Utilizar os

habilidade, é provável que tenhamos novamente

conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como

outro texto informativo, solicitando a identificação

meio de ampliar as possibilidades de acesso a

de um determinado elemento do texto.

informações, tecnologias e culturas – os itens se pautaram em textos informativos e exigiram a identificação de um determinado dado expresso no texto.

Como na habilidade anterior, consideramos que a repetição do foco da pergunta (a identificação de informações) pode estar relacionada aos descritores (insuficientes ou pouco claros) ou à

Conforme os textos propostos, esperava-se

inexistência deles. Consideramos que os descritores

que os concluintes da educação básica: identificassem

permitiriam nortear a elaboração de outros tipos de

como proceder no caso de uma viagem acompanhado

itens que também medissem a habilidade de usar os

de um animal; identificassem outros aspectos

conhecimentos de espanhol como meio de ampliar o

envolvidos num roteiro turístico proposto;

acesso a outros conhecimentos.

identificassem uma das tarefas atribuídas às delegações.

Salientamos que o acesso à informação não se dá somente identificando-a, mas compreendendo

Esse tipo de questão também favorece o

como pode estar estruturada no texto: suas partes,

treino. Ainda que não seja possível prever o assunto

seus conectores, a relação entre imagens e instrução

do texto da próxima edição do Enem com base nos

ou informação expressa, as distintas visões de um

itens que figuraram nas provas de 2010 e de 2011,

mesmo fato e, ainda, a diferenciação entre fato e

isto é, concluir que sempre teremos um texto que

opinião.

verse sobre o tema turismo relacionado a essa

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

316

Enem 2010 1ª aplicação

Enem 2010 2ª aplicação

Enem 2011

Questão 94 – O texto publicitário utiliza diversas estratégias para enfatizar as características do produto que pretende vender. Assim, no texto, o uso de vários termos de outras línguas, que não a espanhola, tem a intenção de - atrair a atenção do público ativo dessa propaganda. Questão 91 – O gênero textual história em quadrinhos pode ser usado com a intenção de provocar humor. Na tira, o cartunista Nik atinge o clímax dessa intenção quando - aponta que Agatha desconstrói a ideia inicial de Gaturro a respeito das reais intenções da professora. Questão 95 – A partir do que se afirma no último parágrafo: “Es necesario saber para empezar a actuar...”, pode-se constatar que o texto foi escrito com a intenção de - informar o leitor a respeito da importância da reciclagem para a conservação do meio ambiente. Quadro 3 – Habilidade 7, enunciados e respostas das questões

Com relação à habilidade 7 – Relacionar um

que a intenção é dar instruções para preparar algo.

texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função

Julgamos que a forma de medir essa habilidade requer

e seu uso social – verificamos nas três perguntas

atenção e cuidados na elaboração do item, uma vez

propostas a presença de diferentes gêneros e o

que foi possível responder uma das questões sem a

questionamento sobre a intenção do texto, ou o

necessidade de compreender o texto em língua

trecho em que se atinge determinada intenção.

espanhola (Questão 94, Enem 2010, 1ª aplicação).

Questionar sobre a intenção do texto,

Assim, julgamos que além da intenção do

dependendo do gênero textual, pode levar o leitor a

texto é importante que o examinando seja capaz de

responder o item sem necessariamente compreender

reconhecer como tal texto se organiza para atingir

a mensagem veiculada. Por exemplo, posso ter em

determinado objetivo. Em que contexto a formalidade

mãos uma receita escrita em alemão e, sem

é mais, ou menos, exigida? Quem enuncia? Para

compreender

apenas

quem? Como o faz? Essas questões são pertinentes

reconhecendo o gênero pela estrutura, imagem,

para compreender como um texto em espanhol se

alguma palavra transparente, a presença de números

relaciona com sua função social.

uma

palavra

sequer,

ou abreviaturas que expressem medida etc., responder

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Enem 2010 1ª aplicação

Enem 2010 2ª aplicação

Enem 2011

317

Questão 91 – No último parágrafo do fragmento sobre o bilinguismo no Paraguai, o autor afirma que a língua guarani nas escolas, deve ser tratada como língua de comunicação e não de imposição. Qual dos argumentos abaixo foi usado pelo autor para defender essa ideia? - A introdução do guarani nas escolas potencializou a difusão da língua, mas é necessário que haja uma postura ética em seu ensino. Questão 92 – Em alguns países bilingues, o uso de uma língua pode se sobrepor à outra, gerando uma mobilização social em prol da valorização da menos proeminente. De acordo com o texto, no caso do Paraguai, esse processo se deu pelo(a) - inclusão e permanência do ensino do guarani nas escolas. Questão 93 – Todos os países têm costumes, músicas e danças típicos, que compõem o seu folclore e diferenciam a sua cultura. Segundo o texto, na cueca, dança típica do Chile, o comportamento e os passos do homem e da mulher, estão associados - ao cortejo entre galo e galinha. Questão 94 – O texto traz informações acerca de um evento de grande importância em Ubrique – uma tourada. De acordo com esse fragmento, alguns dos fatos que atestam a vitória nesse evento típico da cultura espanhola são - o acúmulo de maior número de orelhas e saída pelo portão principal. Questão 93 – A reportagem do jornal espanhol mostra a preocupação diante de um problema no Peru, que pode ser resumido pelo vocábulo “desmachupizar”, referindo-se - ao excesso de turistas na terra dos incas. Questão 94 – Sabendo-se que a produção cultural de um país pode influenciar, retratar ou, inclusive, ser reflexo de acontecimentos de sua história, o tango, dentro do contexto histórico argentino, é reconhecido por - sobreviver e difundir, ultrapassando as fronteiras do país. Quadro 4 – Habilidade 8, enunciados e respostas das questões

A habilidade 8 – Reconhecer a importância

vitória numa tourada; identificar um problema

da produção cultural em LEM como representação

relacionado ao turismo no Peru; identificar o

da diversidade cultural e linguística – também é

reconhecimento do tango, conforme o contexto

medida por meio da identificação de determinados

histórico.

fragmentos presentes em textos informativos ou argumentativos. Foi a única habilidade que apresentou duas questões relacionadas a ela em cada edição, do que se subentende que o Inep a considera como a mais importante da competência da área 2. As tarefas exigidas foram: identificar o argumento para defender o ensino do guarani nas escolas paraguaias; identificar o meio pelo qual ocorreu a valorização do guarani; associar os passos da mulher e do homem na cueca chilena às descrições presentes no texto; identificar o que comprova a

O conteúdo dos textos refere-se a temas da diversidade cultural e linguística, mas, como se pode notar pelas questões propostas, o foco é a identificação de informações ou argumentos presentes nos textos. Consideramos que para reconhecer a importância da produção cultural em língua espanhola, como representação da diversidade cultural e linguística, seria coerente recorrer às próprias produções artísticas (poesias, letras de música, contos, fragmentos de novelas, romances).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

318

Como nos casos anteriores, avaliamos que a

igualmente procedente que se discutam as provas de

presença dos descritores é fundamental para que se

outras disciplinas que integram esse exame,

visualizem outras possibilidades de medir a referida

merecendo, inclusive, uma reflexão conjunta.

habilidade.

Certamente as pesquisas e as discussões delas podem

De modo geral, constatamos que os itens solicitaram basicamente: a associação entre tema e

aportar contribuições significativas para os sistemas de avaliação externa.

título com base na compreensão global da mensagem proposta; a identificação de informações expressas; e o reconhecimento da intenção do texto ou do gênero textual. Ao mesmo tempo em que não identificamos questões que privilegiassem o domínio de regras gramaticais e do léxico de forma descontextualizada,

Referências bibliográficas BRITO, Sara Araújo (2004): O texto literário e o componente cultural no ensino do Espanhol como língua estrangeira. Em: Cadernos do CNLF, Série VIII, n. 9.

ressaltamos que alguns itens puderam ser

Disponível em: . Acesso em: 19 set. 2009.

somente

fundamentados

na

compreensão do enunciado redigido em português, ou no conhecimento prévio do candidato, isto é, sem que o leitor tivesse que demonstrar a compreensão do texto em língua estrangeira.

KANASHIRO, Daniela Sayuri Kawamoto (2007): Do Ensino Médio ao Superior, que ponte os une? Um estudo de provas de vestibular de língua espanhola. Dissertação de Mestrado em Educação. Faculdade de Educação, USP. São Paulo, 224p. Disponível em: . Acesso em: 21 dez. 2010.

É preciso levar em conta que numa prova de

KANASHIRO, Daniela Sayuri Kawamoto (2012): As linhas

180 questões, as 5 de espanhol correspondem a apenas

e as entrelinhas: um estudo das questões de língua espanhola

cerca de 3% do total. Como esse número é bastante

no Enem. 240 p. Tese (Doutorado) - Faculdade de

baixo e até mesmo insuficiente, uma vez que saber

Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo.

ler em outro idioma é importante para qualquer estudante de ensino superior, independentemente do curso a ser seguido, uma possível solução que evitaria

Disponível

em:

. Acesso em: 17 ago. 2012.

aumentar o número de itens seria incluir questões

LABELLA-SÁNCHEZ, Natalia (2007): As provas de

interdisciplinares. Dessa forma, um mesmo item

espanhol nos vestibulares da UEL, da UEM e da UFPR:

poderia contemplar as habilidades de mais de uma

capacidades de linguagem e outros conhecimentos exigidos.

disciplina.

Dissertação de Mestrado em Estudos da Linguagem. Universidade de Estadual de Londrina. Londrina. 217f.

Por fim, convém observar que as perguntas de língua espanhola foram recém introduzidas no

SERRANI, Silvana (2005): Literatura e Ensino de Línguas.

Enem e consideramos pertinente que se façam outras

In: Discurso e cultura na aula de língua: currículo – leitura

pesquisas sobre o tema. Como já mencionamos, é

– escrita. Campinas, SP: Pontes.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Notas 1

De acordo com o Diccionario de Términos Clave del Español, “[…] Desde un punto de vista estrictamente lingüístico-textual, la autenticidad (y la ausencia de manipulaciones en aras de la simplificación didáctica) afectará no solo al plano oracional y sintáctico sino también al nivel textual (los textos representarán modelos de textos realmente existentes en la sociedad cuya lengua se aprende, y desempeñarán las funciones que les sean propias en sus diversos ámbitos de uso), y en el sociocultural (los textos representarán modelos de uso lingüístico, asociados a convenciones sociales y culturales propias de su ámbito de uso y de las características de los usuarios).” Disponível em: . Acesso: 10 ago. 2012.

2

A Matriz de Referência estipula: Competência de área 2 - Conhecer e usar língua(s) estrangeira(s) moderna(s) como instrumento de acesso a informações e a outras culturas e grupos sociais*. H5 – Associar vocábulos e expressões de um texto em LEM ao seu tema. H6 - Utilizar os conhecimentos da LEM e de seus mecanismos como meio de ampliar as possibilidades de acesso a informações, tecnologias e culturas. H7 – Relacionar um texto em LEM, as estruturas linguísticas, sua função e seu uso social. H8 - Reconhecer a importância da produção cultural em LEM como representação da diversidade cultural e linguística.

3

dr os 1, 2 , 3 e 4 são marcações nossas. Todos os grifos presentes nos Qua Quadr dros

4

Até o momento da elaboração deste texto tais descritores não foram localizados por nós no site do Inep.

319

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

320

A NECESSIDADE DE NARRAR VIVÊNCIADA PELOS PERSONAGENS DO ROMANCE LA HORA VIOLETA DE MONTSERRAT ROIG

Daniele Cristina da Silva IFMT

A escritora catalã Montserrat Roig (1946-

amizade entre Judit, mãe de Natàlia, e Kati, a amiga

1991) envolveu-se com as discussões sobre o período

de Judit, tendo como fonte de inspiração os

de transição do regime ditatorial para o democrático

documentos (cartas, diários, anotações) familiares.

na década de 1970. Nesse contexto surgiram vários

Norma tenta fugir da obrigação de remexer o passado,

debates sobre a função da literatura na preservação e

alegando que estava exausta, pois acabara de concluir

resolução dos conflitos gerados pela censura e

um livro sobre os catalães nos campos nazis.

repressão à qual a sociedade espanhola havia sido submetida.

A personagem escritora trabalha com a retomada do passado a partir das vozes daqueles que

La hora violeta (1980) é o último título que

não tiveram oportunidades para narrarem suas

compõe, com Ramona, Adiós (1972) e Tiempos de

histórias. Nesse sentido, compartilha da teoria de

cerezas (1987), a trilogia romanesca da escritora e

Benjamin (1994d, p. 230), o qual defende o

abrange quase um século de história das famílias

materialismo histórico, acreditando em uma

Claret e Miralpeix. Os principais temas que permeiam

retomada do passado que não apresente o tempo

as narrativas são o feminismo, o marxismo, o

como linear e dividido, tampouco construída apenas

catalanismo e as sequelas provocadas pela Guerra

pelos “grandes gênios”, mas também por aqueles que

Civil Espanhola e pelo período ditatorial. Os três

não puderam narrá-la.

romances inserem-se em um projeto testemunhal objetivando resgatar as vozes que foram silenciadas pela História Oficial e pela ditadura franquista.

Tanto no ensaio “Experiência e pobreza” (1933) quanto no “O narrador” (1928-1935), Benjamin constata o fim da narrativa tradicional

A narrativa de La hora violeta (1980) inicia-

decorrente da perda da experiência (Erfahrung),

se com a apresentação da proposta de Natàlia

aquela transmitida a várias gerações e que se inscreve

Miralpeix para que a amiga Norma escreva sobre a

em uma temporalidade comum. A pobreza da

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

321

experiência dá lugar à vivência (Erlebnis), devido à

viu com seus próprios olhos”, mas também “aquele

individualização do sujeito, inserido no mundo

que não vai embora, que consegue ouvir a narração

capitalista moderno. No entanto, Gagnebin (2009, p.

insuportável [...]” (GAGNEBIN, 2009, p. 57).

62) observa que “O narrador” apresenta também a possibilidade de uma forma narrativa diferente das baseadas na prioridade da Erlebnis, mas uma narrativa que rememoraria e recolheria o passado esparso.

Em

relação

às

discussões

sobre

a

impossibilidade de representar o horror, defendida por uma das correntes da crítica da literatura de testemunho, Valéria De Marco (2004, p. 59) observa que se deve à confusão entre os conceitos “vivência”

O que Benjamin esboça é, nas palavras de

e “experiência”. Para a teórica, “vivência” trata-se de

Gagnebin (2009, p. 53), a ideia de “uma narração nas

um evento individual que pode ser recuperado pela

ruínas da narrativa”. Assim, o narrador seria a figura

memória e “experiência” pauta-se no conceito

do trapeiro, aquele que recolhe o que não tem

hegeliano de que, além de envolver-se com a ação,

importância para a história oficial. Esses elementos

deve haver a reflexão sobre o vivido e sobre o

de sobras são os sofrimentos que extrapolam a

conhecimento já construído acerca dele. Chega à

possibilidade de assimilação, que a Segunda Guerra

conclusão de que “Se a vivência dos campos coube a

Mundial levou ao auge com os campos de

alguns milhões de pessoas, a experiência do

concentração.

aniquilamento do outro racionalmente administrado

Após eventos traumáticos que marcaram o século XX, como os campos de concentração, guerras

é herança para todos nós”. Com

base

na

teoria

benjaminiana,

e atentados contra a humanidade, surge a literatura

principalmente a que se refere ao “fim da narrativa

de testemunho que provoca na crítica reflexões sobre

tradicional”, Gagnebin propõe uma discussão sobre

as relações que se estabelecem entre ficcionalidade e

as “narrativas, simultaneamente impossíveis, mas

referencialidade.

necessárias, nas quais a memória traumática, apesar

Em latim a palavra “testemunho” pode ser representada por testis e superstes. A primeira referese ao “depoimento de um terceiro em um processo” e a segunda “a uma pessoa que atravessou uma provação, o sobrevivente” (SELIGMANN-SILVA, 2003, p. 379-80). Com base nessas diferenças, a literatura de testemunho tomaria duas vertentes,

de tudo tenta se dizer” (2006, p. 49). Sobre este tipo de gênero Seligmann-Silva (2000, p. 84) fala de uma “ferida na memória” referindo-se à teoria freudiana do trauma para a qual o trauma trata de uma incapacidade de recepção de um evento que transborda “os limites de nossa percepção” e que acarreta em uma compulsão à repetição.

poderia ser escrita por alguém que testemunha sobre

Sobre a recordação da cena traumática à luz

algo que viu ou que sabe, mas não viveu o fato que

dessa teoria, no artigo O trauma psíquico e o paradoxo

narra, ou poderia ser escrita por um verdadeiro

das narrativas impossíveis, mas necessárias (2009, p.

sobrevivente de uma experiência catastrófica.

45-57) Maldonado e Cardoso explicam que o

Gagnebin, na perspectiva da primeira vertente, defende a ideia de que há a necessidade de ampliação do conceito de testemunha. Na sua concepção, essa figura não seria somente “aquele que

recordado não é o acontecimento em si, pois ele sofre “múltiplas retranscrições, na qual a experiência passada é ressignificada no contexto das experiências atuais” (2009, p. 50). O trauma surge depois do acontecimento que sofre rearranjo e adquire

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

322

significação pelo processo de reconstrução. Portanto,

Representando o segundo núcleo narrativo, a

quando um sobrevivente fala sobre seu trauma, a

principal personagem que se dedica à atividade de

única verdade que existe é a “verdade da narrativa”

narrar é a escritora Norma. No entanto, há outros

que, apesar de estar “enlaçada à experiência do

que também carregam essa necessidade. A própria

sujeito”, está deformada pelos rearranjos e fantasias.

Natàlia escreve uma carta pedindo que Norma

Seligmann-Silva (2000, p. 89-90) considera que “a passagem do “literal” para o “figurativo” é terapêutica”, nesse sentido, o testemunho adquire “uma forma de esquecimento”, “a libertação da cena traumática”.

escrevesse sobre a amizade entre Judit e Kati e justifica a importância que teve para sua vida a leitura dos referidos documentos: “[...] No te vas a creer, pero este montón de papelotes me ha obligado a pensar en mí misma. A mirarme por dentro” (ROIG, 2000, p. 46). Além dos documentos familiares, envia à

Analisando a produção roigueana desse

Norma algumas notas que ela mesma escrevera

prisma, fica evidente o compromisso da escritora com

fundamentada no que sua tia Patrícia havia lhe

os sobreviventes e com sua sociedade que carrega as

contado.

marcas dos insultos acometidos no século XX. Não somente Norma, mas todos os personagens de La hora violeta são marcadas pela ânsia de narrarem.

Através de flashbacks, são recorrentes, ao longo da narrativa, os comentários acerca da elaboração do livro sobre os deportados dos campos

A fim de compreender melhor o tempo e

nazis. Para executar essa tarefa Norma dedica-se na

espaço ocupado pelas vozes narrativas que surgem

busca por informações de um mundo que jamais

nesse mundo ficcional, podemos dividir a obra em

conhecera a não ser por filmes ou algumas leituras.

dois núcleos. O primeiro compreende um período da década de 1930 a 1960, quando são narradas as histórias das personagens Judit e Kati através dos seus próprios apontamentos; o segundo núcleo do romance engloba os acontecimentos da década de 1970, quando é narrado sobre a vida adulta de Natàlia, seus conflitos pessoais e o convívio com sua amiga Norma e com o amante Jordi.

Ao conhecer um escritor fracassado que havia passado cinco anos em um campo de extermínio, sente-se imbuída do compromisso de trabalhar com as memórias dos ex-deportados. O homem teve o sonho de ser escritor interrompido pela guerra, mas conseguiu escrever um romance onde conta suas vivências e experiências no campo de concentração. Este personagem depara-se com alguns conflitos em

No primeiro núcleo narrativo, Judit é a

relação ao processo de escrita, principalmente no que

personagem que demonstra ânsia por narrar suas

concerne aos limites entre o “real” e o “ficcional”,

histórias. Kati, apesar de não demonstrar essa

como se verifica no texto:

necessidade, registra muitos anseios e medos experimentados em relação à Guerra Civil em cartas encaminhadas ao seu amante Patrick. Através

dos

registros

dessas

La guerra truncó su sueño y lo que vio en el mundo exterior fue tan terrible que ya no pudo volver atrás y recuperar los límites literarios entre la realidad y la imaginación (ROIG, 2000, p. 254).

duas

personagens, outras ganham espaço no cenário,

Norma tentará reelaborar essas histórias

como Juan, esposo de Judit, seus filhos Lluis, Natàlia

através da recriação artística, visto que a

e Pere, Tía Patrica, as crianças da colina e a própria

referencialidade torna-se incapaz de representar o

cidade de Barcelona.

evento traumático, como já observara Jorge Semprún,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

323

sobrevivente do campo em Buchenwald, em seu

Agnès, ex-esposa de Jordi que a abandonou

testemunho autobiográfico A escrita ou a vida (1994).

para viver com a amante Natàlia Miralpeix, também

A experiência com os relatos dos sobreviventes marcou profundamente a vida de Norma. As lembranças do que ouvira nunca a abandonaram, apesar de fazer três anos que concluíra a história dos catalães nos campos nazis “[…] volvían a su memoria candentes fragmentos de una tragedia que no había vivido (ROIG, 2000, p. 254).

experimenta da necessidade de narrar. Ao escrever sobre sua própria vida, passava por um processo de auto-compreensão. Escreve uma carta tendo como interlocutores os seus filhos, servindo-lhe apenas como forma de desabafar suas angústias e inseguranças de ser mãe. Confessa-lhes que os havia desejado porque amava muito ao homem com quem vivia, mas, naquele momento encontrava-se seduzida

Ao percorrer em busca de testemunhos de ex-

por eles. Inúmeras cartas também foram escritas para

deportados dos campos de concentração, Norma

o ex-marido Jordi, “cuando los niños dormían, se

“Conoció a deportados de toda clase: resentidos,

sentaba en la cama y llenaba montones de papeles

confiados, recelosos solitarios, efectuosos... A

[...] Todo era incoherente, confuso, y rompía la mayor

Villapalacios, por ejemplo, que entro en Mauthausen

parte de las cartas que le escrebía” (ROIG, 2000, p.

a los diecinueve años y salió de allí homosexual”

137). Foi o ato de narrar suas próprias vivências que

(ROIG, 2000, p. 258).

lhe proporcionou a cura porque conseguiu esquecer os sentimentos amargos que Jordi lhe causara: “Llegó

Em conversas com velho que se parecia a Louis de Funes, Norma confessa-lhe o desejo de escrever

un momento en que no podia recordar qué era lo que Jordi le había hecho” (ROIG, 2000, p. 137).

um livro sobre os campos e, em tom de desprezo, repetitivamente, o ex-deportado lhe diz que “_ La

No quarto capítulo do romance, “La hora

verdad no la sabrá nunca” (ROIG, 2000, p. 262; p.

dispersa (Ellos y Norma)”, é apresentado o

266; p. 269). Essa frase ressoa na cabeça de Norma

relacionamento de Norma com seu esposo Ferran.

para conflitá-la e desafiá-la ao mesmo tempo.

Ambos ganham espaço para narrarem, do seu ponto de vista, os conflitos que os envolvem. É narrada

O velho deportado, personagem de La hora violeta, compartilha da ideia de Primo Levi, sobrevivente de Auschwitz, quando este afirma: “Repito, não somos nós, os sobreviventes, as autênticas testemunhas” (LEVI, 1990, p. 47).

também a história de Germinal, um antigo amigo de Ferran da época das lutas estudantis. Germinal participara de um grupo armado e acabou preso e condenado por quarenta. Ganhou liberdade graças à anistia ocorrida com a morte de Franco. Após a

Por outro lado, este sobrevivente reconhece

prisão, Germinal passou a viver num mundo de

que de alguma forma Norma poderá representar o

fantasias. Acreditando ser Flash Gordon1, conduzindo

sofrimento pelo qual passara. Por isso, entrega-lhe

um seiscentos, perseguindo Zino 2, na verdade um

muitos documentos e confia-lhe o compromisso de

caminhoneiro, provoca um grave acidente. Após sua

narrar e representar. Essa atitude do ex-deportado

morte, Norma recorda da história do barqueiro que

decorre da incapacidade que, às vezes, o próprio

ele narrava repetidas vezes. Ela queria contar

sobrevivente para tem narrar com precisão a sua

novamente a história para Ferran, que ignora

experiência, como observa Seligmann-Silva (2003,

afirmando que já a conhecera. Norma carrega consigo

p. 382) em relação aos textos fictícios de

o desejo de narrar e encontra em seu amante Alfred a

Wilkomirski.

atenção para ouvi-la. Alfred é aquela testemunha que

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

324

sabe ouvir os relatos narrados por Norma sobre o

86) afirma que a história apresenta-se de duas formas:

cotidiano dos presos nos campos de concentração.

uma história escrita e uma história viva, sendo que

Norma ao passar uma semana com seus filhos escreve um conto sobre os salmões, peixes que vão morrer no lugar onde nasceram. As narrativas ficcionais servem de ensinamento aos seus filhos, pois eram inspiradas nas histórias dos ex-deportados que não conseguiram regressar para casa e morreram nos campos de concentração.

esta obtém informações omitidas pela primeira. Apesar de tentativas para apagar o passado, principalmente por parte do próprio governo, isso não é possível porque graças à memória, aquilo que estava latente pode, a qualquer momento, vir à tona e ser bombardeado por resignificações. Considerando que as memórias se constituem no âmbito das relações humanas, Halbwachs (2006,

Fica evidente o compromisso que Norma assume em relação à escrita das vivências dos exdeportados dos campos de concentração. Esse compromisso é constatado como uma caixa de

p. 30) observa que toda lembrança, mesmo que individual é também coletiva, pois sempre estão influenciadas pela convivência em grupo e nele se constitui.

ressonância no romance de Roig, pois, ao elaborar um texto ficcional, ela consegue trazer para a obra os

Nesse sentido, torna-se compreensível o

elementos sociais, classificados por Candido (2000)

posicionamento da personagem Norma, que se sente

como “externos”, que servem como ferramentas que

incomodada ao receber a incumbência da

auxiliam na construção e configuração dos elementos

reelaboração do passado de duas mulheres burguesas

estruturais da narrativa.

que viveram no contexto da Guerra Civil Espanhola e da Segunda Grande Guerra, porque esse trabalho,

A matéria-prima da qual se ocupa a autora é

apesar de pressupor uma abordagem da memória

de natureza psíquica e nada palpável, são as sequelas

coletiva, possibilita uma reflexão sobre ela mesma.

deixadas por longos períodos de sofrimento: a Guerra

Além de que, nessa perspectiva, reelaborar o passado

Civil espanhola, o interminável período da ditadura

não se trata simplesmente de retomá-lo, mas de

franquista, a Segunda Guerra Mundial. Por serem as

refletir sobre ele.

memórias a principal matéria do romance, a sua construção é fragmentada, em circunstâncias e

Portanto, o trabalho de Norma vai além de

contextos históricos diferentes, sem preocupação com

conhecer e retomar o passado de Judit e Kati, ela se

início e fim.

encontra com o seu próprio passado, com suas próprias angústias e sofrimentos. Assim como

Roig busca a recuperação das vozes que foram

acontece com os demais personagens que de alguma

silenciadas pelos discursos oficiais na tentativa de não

forma vertem-se para as narrativas, como Agnès,

as deixar no esquecimento. Volta-se a esse trabalho

Germinal, os ex-deportados, ou mesmo Natàlia, que

porque, como obser va Dupláa: “Sabe que el

através das memórias tentam compreender suas vidas.

testimonio de estos hombres y mujeres no es el testimonio de una derrota, sino de una injusticia que,

A retomada do passado na perspectiva

tras ser denunciada, se presenta como proyecto

benamininana, jamais pode partir de um único ponto

libertador (DUPLÁA, 1996, p. 55).

de vista e disso as personagens de La hora violeta são conscientes, como Natália diz a Norma: “Pero creo

Na perspectiva da relação entre história e

que, tanto tú como yo, tenemos la obligación de no

memória, o sociólogo Maurice Halbwachs (2006, p.

tratar la realidad desde un sólo punto de vista.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Tenemos que buscar todas las piezas” (ROIG, 2000,

325

Referências bibliográficas

p. 134). BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In:

Seu trabalho presta-se para evitar que

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios

violências como as ocorridas ao longo do século XX

sobre literatura e história da cultura – obras escolhidas.

contra a humanidade, provocadas por líderes de

Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. V.1, 7 ed. São Paulo:

governo, voltem a ocorrer. Pois, como afirma

Brasiliense, 1994a. p. 114-9.

Benjamin (1994b, p. 146), “compreender o mal não significa justificá-lo, mas antes obter os recursos para impedir-lhe o retorno”. Segundo Dupláa (1996, p. 38), Montserrat Roig propõe a construção de um discurso que lhe permita recuperar a memória histórica dos

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura.Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. v. 1, 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994b. BENJAMIN, Walter. O Narrador: Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história

oprimidos, fracos e ignorados, o que ela consegue

da cultura – obras escolhidas. Tradução de Sérgio Paulo

através de uma discussão entre história e memória

Rouanet. v.1, 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994c. p. 197-

instigando a reflexão sobre aquilo que a historiografia

221.

apresenta como “verdade” incontestável. Desta maneira, dá voz aos que foram por ela marginalizados. Esses diálogos entre posturas teóricas nos ajudam a compreender o espaço que as memórias e os discursos subalternos ganham na produção literária de Roig, principalmente em La hora violeta. A obra aborda temas polêmicos e traumatizantes para

BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito da história. In: BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura – obras escolhidas. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. v.1, 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1994d. p. 222-232. CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: Estudos de teoria e história literária. 8 ed. São Paulo: T. A. Queiroz, 2000.

a humanidade, mas não do ponto de vista da “Grande História”, pelo contrário, através das memórias de

DUPLÁA, Chistina. La voz testimonial en Montserrrat Roig.

personagens comuns, que não tiveram seus nomes

Barcelona: Icaria Antrazyt, 1996.

reconhecidos por ela.

GAGNEBIN, J. M. Lembrar escrever esquecer. 2 ed. São Paulo: editora 34, 2009. HALBWACHS, Maurice. A Memória Coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro, 2006. LEVI, Primo. É isto um homem? Tradução de Luigi Del Re. 2 ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1988. MALDONADO, Gabriela; CARDOSO, Marta Rezende. O trauma psíquico e o paradoxo das narrativas impossíveis, mas necessárias. Revista de Psicologia Clínica. Rio de Janeiro, vol. 12, n. 1, p. 45-57, 2009.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

326

ROIG, Montserrat. La hora violeta. Tradução de Enrique

SELIGMANN- SILVA. O testemunho: entre a ficção e o

Sordo. Madrid: Editorial Castalia, 2000.

“real”. In: SELIGMANN-SILVA, Márcio. (Org.). História, memória, literatura: o Testemunho na Era das Catástrofes.

SELIGMANN- SILVA. A História como Trauma. In:

Campinas: Unicamp, 2003. p. 375-390.

NESTROVSKI, Arthur & SELIGMANN-SILVA, Márcio. Catástrofe e representação. São Paulo: Escuta, 2000. p. 73-

SEMPRÚN, Jorge. A escrita ou a vida. Tradução de Rosa F.

98.

D’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Notas 1

Personagem de história em quadrinho Flash Gordon da Espanha. O primeiro personagem espacial. Escrita por Alex Raymond, 1934.

2

Personagem da história em quadrinho Flash Gordon.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

327

LA RE-INVENCIÓN DE AMÉRICA EN LA POESÍA Y LAS ARTES DEL SIGLO XX

Diana Araujo Pereira UNILA

El proceso de “invención de América”, así

en las primeras frases de Colón en su diario: “Puestos

nominado por el historiador mexicano Edmundo

en tierra vieron árboles muy verdes, y aguas muchas

O’Gorman en su célebre libro de 1958, tiene su inicio

y frutas de diversas maneras.” La exuberancia y el

en el siglo XV con la llegada de Cristóbal Colón a

frescor vegetal y de la naturaleza en general se suma

América. Se inventa América a partir de la mirada

a la desnudez indígena para luego convertirse el

europea, cargada de mitos y símbolos medievales,

hallazgo en la tabula rasa cultural y espiritual del

además de referencias culturales propias y, al mismo

“Nuevo Mundo”, destinado a la escritura europea.

tiempo, cargada de una fuerte dosis de saturación social y económica. La Europa del siglo XV y XVI necesita expandirse mercantil y espiritualmente, en busca de territorios geográficos que suplan, también, sus necesidades de otro orden, más político y estratégico. Varios historiadores señalan este proceso como el inicio de la Modernidad y la “globalización”. Los diversos productos vegetales, las llamadas especierías o especias, daban el sabor y el olor a una época destinada al expansionismo y al cultivo de la técnica; a la sobreposición del hombre y su

El discurso construído en los relatos y crónicas de la conquista crean las imágenes que van a determinar el nacimiento – la condena – de América como “Nuevo Mundo”, según afirma Octavio Paz (1989, p. 17). Este proceso deja sus huellas en el imaginario colectivo y en la memoria histórica del continente y alcanza los siglos XX y XXI a través de una serie de fragmentos que hacen perdurables y legítimos todos los intentos de revisión histórica, cultural, social y/o económica que de vez en cuando emergen en el continente.

imaginación por encima del legado teocéntrico todavía vigente.

En este contexto, los discursos del Presidente de Bolivia, Evo Morales (2006), en diversas ocasiones,

La llegada de Europa a América deflagra no

son un claro ejemplo de la capacidad de permanencia

un “encuentro de culturas” sino un largo y doloroso

de toda una memoria ligada a la conquista y

proceso de hibridación cultural que tiene sus inicios

colonización de América que, no sin tensiones,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

328

sobrevive en el orden social y en el imaginario

Nacional, pido un minuto de silencio para Manco

actuales. Un poco antes, en el Perú, el ex-presidente

Inca, Túpac Katari, Túpac Amaru, Bartolina Sisa,

Alejandro Toledo (2001-2006) elige como escenario

Zárate Villca, Atihuaiqui Tumpa, Andrés Ibáñez, Che

simbólico y político para su toma de posesión la

Guevara, Marcelo Quiroga Santa Cruz, Luis Espinal,

ciudadela de Machu Picchu. Su esposa le acompaña

a muchos de mis hermanos caídos, cocaleros de la

con un discurso en quéchua que enarbola las

zona del trópico de Cochabamba, por los hermanos

banderas de la justicia para los pobres de la tierra. Es

caídos en la defensa de la dignidad del pueblo alteño,

más, anuncia nuevos tiempos para el pueblo del

de los mineros, de miles, de millones de seres

Tahuantinsuyo. Cuando nada más subir al poder, en

humanos que han caído en toda América, por ellos,

el 2006, en el sitio arqueológico de Tihuanaco, Evo

presidente, pido un minuto de silencio”.

Morales refuerza el ideario andino e invierte la experiencia de Toledo (quien primero había hecho su ceremonia “oficial” en Lima, para luego hacer una versión “simbólica” en Machu Picchu, mientras que Evo Morales lo hace primero en Tihuanaco), intenta, tal vez, mostrar que su experiencia políticoadministrativa sería más radical que la de su homólogo peruano, muy pronto tildado de neoliberal.

En este contexto, las artes y la literatura van a ser un importante escenario donde dichas marcas históricas van a negociar su vigencia a través de continuidades y rupturas que se enlazan al ámbito sócio-político. Es más, expresan todo un imaginario colectivo que movimienta procesos simbólicos y culturales con clara incidencia político-social. Es decir, la creación artística actúa como una posibilidad de intervención y a la vez de reconocimiento del

Para bien o para mal, como uso publicitario

hombre latinoamericano y del tiempo presente,

o efectivamente político, la toma de posesión de un

además de configurarse también como un elemento

Presidente de la República con todos los atuendos

de circulación simbólica y de comunicación que

simbólicos que introducen elementos del pasado

incluye e integra nuestra realidad sócio-histórica al

originario de América a los ritos políticos del Estado

mismo tiempo que se rebela contra esa misma

Nacional, relancionándolos, por tanto, a otros

realidad, sea linguística, simbólica o incluso político-

erigidos en el proceso de modernización del

social, a través de la posibilidad mágica y

continente, es algo que llama la atención. En este

revolucionaria de la poesía. Las artes juegan, por

contexto, nos preguntamos sobre qué tipo de

tanto, un papel fundamental en la representación,

legitimidad le confiere a un mandatario político del

ruptura y/o mantenimiento de la memoria histórica

siglo XXI establecer un puente con las demandas

del continente.

históricas ancladas en los siglos XV y XVI y tan ampliamente actualizadas por el sistema de explotación capitalista y neoliberal que se viene imponiendo en los últimos siglos.

De todo esto nos inventamos una riqueza artística y reflexiva que se forma sobre la fragmentación y el desplazamiento identitarios, otorgándole a la América Latina contemporánea

Ya en el primer discurso de Morales en La Paz

instrumentos que le confieren mayor mobilidad y

se nota la continuidad de toda una lucha político-

creatividad a sus prácticas culturales. Y que reafirman

cultural que relaciona las distintas formas de

la esperanza como una base más profunda, capaz de

resistencia colonial a los actuales movimientos

sobrevivir a las intemperies de los procesos

sociales: “Para recordar a nuestros antepasados por

históricos. Es sobre esta base que surgen las diversas

su intermedio señor presidente del Congreso

y tan variadas manifestaciones poéticas y artísticas

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

329

que buscan redibujar el sujeto y el entorno

declara su intención de tocar “todo el tiempo”, es

latinoamericanos, convir tiendo los trazos del

decir, de ampliarlo lo más posible: “decido hacer mi

hibridismo en fuente de riqueza identitaria y cultural.

testamento./ Es /éste: les dejo /el tiempo, todo el

Para este Congreso vamos a observar dos

tiempo.”

ejemplos emblemáticos: un poema del cubano Eliseo

En el caso del poema “Cristóbal Colón inventa

Diego – “Cristóbal Colón inventa el nuevo mundo” y

el Nuevo Mundo”, el poeta se insere en la

una obra del artista brasileño Cildo Meireles –

problemática versión del descubrimiento de América,

“Missão/Missões (Como construir catedrais)”. En

otorgándole a Cristóbal Colón la posibilidad de

ambos casos, sea por la palabra o por la imagen se

decirnos más de lo que ha podido a través de su diario,

dan dos ejemplos de esa escritura que procesa la

o de la escritura de la época. Sin embargo, si llevamos

creación y recreación verbal del continente. En el

en cuenta que leemos a Colón de la mano del fray

primer caso la referencia está ya clara en el mismo

Bartolomé de las Casas, quien compiló su diario, nada

título y en el segundo tenemos una fuerte imagen de

más natural que seguir al poeta en su ejercicio de

una obra hecha con huesos, monedas y hostias, lo que

diálogo histórico que es, también, un ejercicio

nos remite seguramente al “proyecto” religioso-

discursivo y metapoético. Por otra parte, hay que

mercantil de la conquista.

llamar la atención para el hecho de que este poema

Eliseo Diego (1920-1994) es un poeta de la delicadeza, de la suavidad de las cosas cotidianas, de las anécdotas sencillas. Pero a la vez es una de sus prácticas el meterse en la piel de personajes literarios o históricos para luego peregrinar con más libertad por otros tiempos y geografías. Desde diálogos imaginarios o desde perspectivas ajenas, Eliseo Diego logra inmiscuirse en territorios temporales y poéticos para luego hacerlos suyos, generando nuevas experiencias a sus lectores que, tomados de la mano del poeta, se sienten sumergir en nuevas versiones de antiguos relatos. Un caso muy especial es el del poema que aquí se va a tratar, publicado en el libro Los días de tu vida (1977). Este libro, por cierto, toca especialmente el tema de la historia como una urdimbre hecha de hilos de tiempo; tiempo conjugado en plural: tiempos míticos, simbólicos, ficcionales, sumados y mezclados a los tiempos de la Historia con mayúscula, cuyo resultado es una ambivalencia fluida entre lo individual y lo colectivo, entre la subjetividad íntima y la versión pública de los hechos. En el poema “Testamento”, que cierra el libro, Eliseo Diego nos

es el primero de un proceso que en las próximas décadas encontrará nuevos cómplices en la literatura hispanoamericana: la reescritura de nuevas versiones de la conquista a través del intento de varios escritores de asomarse al interior de uno de sus protagonistas: Cristóbal Colón. Le anticipan los historiadores Edmundo O´Gorman y Germán Arciniegas, pero la osadía literaria de Los Perros del Paraíso (1987), del argentino Abel Posse o Vigilia del Almirante (1992), del paraguayo Augusto Roa Bastos tardarán unos años en llegar1. De hecho, el mismo Colón es un personaje histórico que tiene mucho de ficcional ya que los datos concretos de su biografía siguen siendo un misterio a solucionar. Su vida es un relato colmado de vacíos y sus escritos son, sin lugar a dudas, documentos fundacionales de nuestra literatura (algo como nuestra “partida de nacimiento” literaria, como ha dicho Alejo Carpentier). Las imágenes creadas por Colón y ratificadas por Las Casas se sumergieron en nuestra memoria colectiva y se hicieron basilares de nuestra imaginación.

330

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

I Toda la noche, toda, Cristóbal Colón oye pasar los pájaros. Viniendo del abismo, sin fin, a ráfagas, miles y miles de pájaros. Sobre los mástiles, atravesando, acribillando las tinieblas, allá, el ruido de las alas de los pájaros. Viniendo del vacío, del abismo, el ruido, el trueno de la vida siendo, la orquesta entera de los pájaros. Pálido como la llama del farol, inmóvil, Cristóbal Colón oye tronar la vida, pasar los pájaros.

Las imágenes de la primera estrofa recuperan el temor del abismo, las incertidumbres de un viaje geográfico que es también el viaje europeo del Medioevo al Renacimiento. En el fondo la esperanza, “la orquesta entera de los pájaros” que salen del “vacío”, del “abismo” y de las “tinieblas”. II Cristóbal Colón ha visto una luz donde no hay nada. (El Almirante, no el advenedizo de Triana.) Esa luz arde en algún sitio seco. Tan seco, sin duda, como el sitio en que se posó la paloma. Es luz de algún fuego encendido por la mano de un hombre. Porque el fuego qué es sino la inteligencia del hombre. Cristóbal Colón lo buscó toda su vida, esto es lo cierto. Toda su vida de pobreza, toda su vida. Fuego de cocinar pescado, puede que fuego de abrigo. Fuego para la más modesta de las ceremonias. De tan pequeño que es, no puede ser otra cosa, cómo va a serlo. Porque Cristóbal Colón lo buscó toda su vida, toda. Por eso ahora solloza solo en la cubierta mientras el último de los pájaros se hunde vibrando en la memoria. Sí, el último de los pájaros —uno con la primera luz del alba.

La segunda parte del poema comienza

para el hecho de haber sido Rodrigo de Triana quien

con un verso que es una afirmación: “Cristóbal Colón

vió por primera vez la tierra americana). La palabra

ha visto una luz donde no hay nada”. (Ha que advertir

luz se vuelve un elemento encadenante de los dos

el dato curioso de que el poeta propone otra versión

ámbitos principales del viaje: la luz como iluminación

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

331

y sabiduría, y la luz del fuego, de la tierra seca, de la

con la luz buscada y luego encontrada, la luz del alba

supervivencia. Esta segunda estrofa se inicia y termina

o del inicio de una nueva era o de un nuevo mundo.

III Cristóbal Colón abre su grueso diario. Toma su pluma de ganso y la sopesa entre los dedos: Sangre, vida de bestia hecha casa para el servicio del hombre. Moja la punta en el tintero de cuerno, el Almirante, y mira la blancura terrible de la página. Sabe que está esperándolo desde el principio de todo. Virgen, está esperándolo desde que se asentaron las rocas y se fijó un límite al capricho de las olas. Cristóbal Colón siente el vértigo con que lo llama el abismo de la página, Pero, prudente, se resiste y sólo con la punta de los dedos toca el blanco mágico. Escribir la primera palabra, será como empezar a no ser, como engendrar o como morir, los dos extremos que son una y la misma embriaguez, pavorosos principios, triunfos, catástrofes, glorias. Toda la inacabable riqueza de la urdimbre - oro de Aldebarán, plata de Géminis, arquetipos del ciervo y el león, del ébano y el ónix, toda la inagotable riqueza está urgiéndolo, soplándole. Cimbrado como una caña, vibrante de terror y de júbilo, por fin Cristóbal Colón hunde su pluma en la página. Comienza entonces la invención de América.

La tercera y última parte del poema se

El “vértigo” que siente el Almirante ante la

inicia con la imagen que servirá de hilo conductor a

posibilidad buscada aunque temida del parto de este

la principal ideia y se hará aún más clara al final: la

nuevo mundo y de un tiempo también nuevo se

de una invención de América que es necesariamente

traduce en la tensión que se establece entre vida y

una invención escrita. La palabra sangre se mezcla a

muerte, entre fin e inicio, entre “triunfos, catástrofes,

la imagen de la tinta, elementos responsables de la

glorias”.

escritura en este nuevo continente entendido por sus actores europeos de la conquista como una “página en blanco”.

En este sentido, el “vacío” del

desconocimiento de la primera estrofa resurge en el mismo vacío de “la blancura terrible de la página”.

Y es vibrando “de terror y de júbilo” que el Almirante actualiza el imaginario mítico europeo que le acompaña (“oro de Aldebarán, / plata de Géminis, arquetipos del ciervo y el león, / del ébano y el ónix”) en esta mirada confusa y violenta que le imprime a la

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

332

nueva tierra inventada, llenándola de mitos, símbolos

militar en Brasil) viene produciendo varias obras que

y utopías que la hacen más palatable a un gusto ajeno,

juegan con los ámbitos anteriormente citados: la

el europeo, occidental, pre-moderno.

política, la historia, la memoria, el imaginario.

El Almirante que nos presenta el poeta es el

Meireles, al utilizar como recurso creativo la

ser que se siente elegido por un Dios cristiano, y trae

acumulación y la hipérbole, recarga semánticamente

con él el desafío de crear sobre la página en blanco;

objetos cotidianos, creando piezas de fuerte

un blanco “mágico” que se impone sobre la realidad

expresividad simbólica, otorgándoles usos reflexivos,

cultural, religiosa, histórica y social de un continente

estéticos y sensoriales muy bien conjugados en

ya ampliamente cultivado y habitado por grupos

situaciones que imponen al espectador de la obra una

diversos, constituidos en sociedades distintas, con sus

acción participativa, una complicidad que se establece

propias prácticas sociales, simbólicas y económicas.

por la reflexión.

Y que, sin embargo, son sometidos a una nominación única y homogeneizante, los “índios” en una sola “América”.

En 1987 produce una obra instalación hecha en un piso cuadrado de 4m por 4m que consta de 2.000 huesos de vaca que cuelgan del techo y 600.000

De la violencia y violaciones varias de dicho

cruzeiros (antigua moneda brasileña) esparcidos por

proceso surge este Nuevo Mundo inventado por la

el suelo. Techo y suelo están unidos por una columna

mirada y la pluma europeas para luego convertirse

de 800 hostias. Todos estos elementos están rodeados

en la posibilidad de recreación de aquel viejo mundo

por una cortina negra, que el visitante deberá abrir

gastado y sumido en injusticias y enfermedades de

para contemplar, vivir y comprender la obra.

muchos órdenes. Un nuevo mundo inventado a la medida para convertirse, por tanto, en la utopía europea. Sin embargo, este proyecto europeizante jamás ha salido a perfección, y después de tantos siglos de luchas internas, sociales y simbólicas, históricas e imaginarias, hemos alcanzado una suerte de negoción, y desde tierras americanas ha salido otra versión de la utopía primera. Una versión propia, o como dice el filósofo Martín Hopenhayn (1995, p. 280-281): una “utopía que reduzca mezclando, y que luego potencie mezclando. Utopía que recombine la escasez del presente para sugerir la plenitud del futuro. Utopía que es imposibilidad fáctica; pero también necesidad cultural, reto político.” En sintonía con todo ello, el artista brasileño Cildo Meireles (1948) – uno de los nombres más importantes del arte conceptual de Brasil, con una actuación en ámbito internacional que ya le valieron importantes premios y exposiciones – desde la década de los 60 (sobretodo tocando el tema de la dictadura

Es innecesario decir que las hostias, los huesos y las monedas son elementos visuales y simbólicos que componen una experiencia artística que se convierte en escenario para la puesta en escena de fragmentos históricos que integran la memoria colectiva latinoamericana: la empresa religiosa y económica y la masacre que deviene a consecuencia. El mismo artista define a su obra con la siguiente ecuación: “Poder económico + Poder Religioso = Tragedia”. Todo eso conjugado a la ironía del título: “Misión, Misiones: Cómo construir catedrales”. Seguramente deudor del movimiento antropofágico de Oswald de Andrade (de la década de 20), Meireles incluye en la obra de arte contenidos aparentemente

dispares,

pero

sumamente

complementarios a la hora de entender la realidad sobre la cual nos movemos. Como dice el crítico de arte e historiador Santiago B. Olmo (2011, p. 63):

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

La manera de trabajar de Cildo Meireles es “antropófoga”, en la medida en que “engulle” y “digiere” (para asimilar y fundir) elementos tanto de la historia del arte como de la realidad concreta de su entorno político y social, actuando como una estrategia permanente de la obra como acción en la que, por otro lado, evita una excesiva presencia de la manualidad.

333

sólo parecen quedar en los pasaportes y las visas, así como tampoco cabemos en el futuro mismo del Progreso, que con su propuesta de explotación sistemática de la naturaleza en beneficio humano nos tiene al borde del colapso.

Los tiempos barajados se levantan y se entremezclan a fin de instaurar fisuras y fricciones

Y más adelante complementa (2011, p. 66):

que nos hagan volver a tocar las construcciones

“En numerosos proyectos aborda la plasticidad desde

mentales que todavía nos someten a las jerarquías de

los sentidos, para que constituyan una herramienta

poder a nivel internacional. Poder que es político pero

de acceso a ámbitos críticos, a través de sus elementos

también cultural. América Latina tiene un fuerte e

constitutivos.”

importante capital simbólico que hacer circular, y para ello el arte y la literatura son territorios

“Misión/Misiones” es seguramente una de las piezas más emblemáticas de su práctica artística, o de su poética. En ella (como en “Olvido”, del mismo año) salta a la vista la preocupación del artista de poner en escena episodios del pasado que dan la base de nuestra historia más contemporánea a través de la elaboración discursiva de imágenes que relacionan y establecen un diálogo incómodo pero obligatorio entre temporalidades distintas, entre visiones e

fundamentales

de

conocimiento

mútuo

y

autoconocimiento, además del escenario ideal – por democrático y diverso – desde donde fomentar la larga y delicada negociación entre la recuperación y mantenimiento de aspectos del pasado – simbólicos y/o socioeconómicos – y el proceso de modernización que desde los viajes del siglo XV hasta la contemporaneidad intenta convertir el mundo en una misma “aldea global”.

interpretaciones divergentes respecto de la “invención” de América Latina. Y en este sentido

En este continente, la literatura y las artes se

Cildo Meireles no está solo. Hay una larga nómina

erigen en constante diálogo con la conciencia

de artistas2 involucrados en traspasar la linealidad

histórica, política y social que nos enmarca. Y las

temporal – otra construcción de Occidente – y poner

relaciones que fomenta entre tales instancias son

en contacto pasado, presente y futuro a través del

siempre insumisiones a las imágenes de progreso y

obligatorio enfrentamiento entre elementos que

modernidad que nos llegaron como la única opción

componen la urdimbre visual y discursiva que se

posible. El territorio poético, el más rebelde, busca

viene construyendo en Latinoamérica desde que se

palabras e imágenes propias y alternativas que,

le asignó el rol internacional de “Nuevo Mundo”.

asociándose a los sistemas culturales y sociales, han

Veamos la reflexión que sobre eso nos propone la

logrado a lo largo de tantos siglos enlazar utopía y

historiadora del arte Julia Buenaventura (2011, p.

realidad, para que finalmente se descubra, en lo que

250):

definitivamente somos, un mundo nuevo. […] Nosotros, los habitantes del Nuevo Continente, no cabíamos en la Historia, no cabíamos en la Bíblia, en suma, no hacíamos parte de ese pasado que acabábamos de adoptar a sangre y fuego. Ahora, tres siglos más tarde, el problema es otro, en cuanto radica ya no en el pasado, sino en el futuro. En estos momentos no cabemos ni en el futuro de los proyectos nacionales del siglo XIX, cuyas memorias

Referencias bibliográficas DIEGO, Eliseo (1986). Entre la dicha y la tiniebla. Antología poética 1949-1985. México: FCE.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

334

HOPENHAYN, Martín (1995). Ni apocalípticos ni

PEREIRA, Diana Araujo (2007). A palavra poética: magia

integrados. Aventuras de la Modernidad en América Latina.

e revolução na cartografia latino-americana. Tesis de

FCE: Santiago de Chile.

Doctorado. RJ: UFRJ, 2007. Disponible en http:// www.letras.ufrj.br/pgneolatinas/media/bancoteses/

PAZ, Octavio (1989). Puertas al campo. Barcelona: Seix

dianaaraujopereiradoutorado.pdf Acceso en 01/09/2012

Barral. PEDROSA, Adriano (Org.) (2011). ArtNexus Brasil en Colombia. Bogotá: Arte en Colombia SAS, 2011.

Notas 1

Obsérvese que vários poetas se han asomado al pasado, desde perspectivas diversas, flexibilizando, así, el tiempo y su modus operandi en el imaginario colectivo. Pensemos en el influyente Canto General (1949), de Pablo Neruda, además de libros como Comentarios Reales (1964), de Antonio Cisneros o El estrecho dudoso (1966) y Homenaje a los indios americanos (1969), de Ernesto Cardenal, entre otros.

2

Sólo por poner algunos ejemplos de artistas contemporáneos de distintos países del continente que proponen experiencias estéticas y simbólicas semejantes: Adriana Varejão, Carlos Vergara, León Ferrari, Guiomar Mesa, Nadín Ospina, José Alejandro Restrepo, etc.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

335

O TRABALHO COM O PLANO INFERENCIAL DE LEITURA EM LIVROS DIDÁTICOS DE ESPANHOL-LE

Diego da Silva Vargas FME-Niterói/RJ e FAETEC-RJ

1. Apresentação

para a leitura em língua estrangeira, demonstram que a Escola ignora os diferentes processos de geração de

Este trabalho visa a problematizar o ensino

inferências possíveis para cada leitor, uma vez que as

de leitura em Espanhol-LE realizado nas escolas

questões de leitura buscam essencialmente a

públicas e privadas brasileiras por meio dos livros

reprodução de informações explicitamente

didáticos (LD) que nelas são utilizados. Partimos de

apresentadas no texto ou recorrem a questões que não

um problema central já definido por estudos

exigem sua leitura para serem respondidas

anteriores em relação ao trabalho que se desenvolve

(MARCUSCHI, 1996; ROJO e BATISTA, 2003; ROJO,

por meio desses materiais no que se refere à validação

2003; GERHARDT e VARGAS, 2010).

dos processos inferenciais desenvolvidos pelos estudantes ao longo de suas leituras.

Este trabalho parte, então, de uma visão cognitivista sobre a leitura e sobre seu ensino em

Uma série de trabalhos que buscam compreender os processos de construção de significados em uma atividade de leitura demonstra que leitores constroem naturalmente inferências enquanto leem e que o resultado de uma leitura são as inferências geradas ao longo do processo de interação com o texto e não os elementos explícitos, apresentados na linearidade do texto (KATO, 1990; FULGÊNCIO e LIBERATO, 1996; 2003; KLEIMAN, 2001; 2010).

situação escolar, derivada das Ciências da Cognição (especificamente, a Psicolinguística e a Linguística Cognitiva), para desenvolver uma sistematização das questões de leitura apresentadas em livros didáticos de língua espanhola (LDLE), utilizados em escolas brasileiras. Assim, acreditamos que seja possível desenvolver um estudo inicial sobre a situação do ensino de leitura em Espanhol-LE (ELE) no Brasil, para, a partir daí, podermos (re)pensar meios de contribuir para a alteração dessa situação, junto a

Por outro lado, uma série de outros trabalhos, voltados tanto para a leitura em língua materna como

outros trabalhos que já caminham nessa direção.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

336

Nesse sentido, então, podemos apontar como

se constitui como um objeto que metonimiza a

objetivos para este trabalho: (a) em um sentido mais

instituição escolar, materializando suas intenções e

amplo, analisar a capacidade do LDLE, usado em

suas expectativas em relação ao processo de interação

escolas

estabelecido em sala de aula entre alunos e

brasileiras,

em

potencializar

o

desenvolvimento cognitivo do aluno em atividades

professores.

de leitura; e (b) em um sentido mais específico, observar em que medida o LDLE trabalha com o plano inferencial de leitura, por meio das atividades de leitura nele apresentadas.

Além disso, muitos trabalhos apontam para o fato de que o LD é, muitas vezes, referência teórica exclusiva para a formação e informação do professor que já está em sala de aula (BATISTA, 2003;

Para isso, optamos por analisar cinco LDLE,

GERALDI, 2003, ROJO, 2003) e, por outro lado, para

sendo dois deles aprovados pelo Programa Nacional

o fato de que é também, muitas vezes, o único

do Livro Didático de 2011 (PNLD 2011) para o

material escrito com o qual os alunos interagem

trabalho em escolas públicas brasileiras e os outros

constantemente (GALVÃO e BATISTA, 2009; PERINI,

três sendo de uso considerável em escolas privadas,

1988; ROJO e BATISTA, 2003).

mas também em escolas públicas, como é o caso da rede municipal da Cidade de Niterói-RJ. Compõem, então, o corpus deste trabalho, os seguintes livros didáticos: os dois aprovados pelo PNLD 2011 (a) ¡Entérate! (BRUNO, TONI e ARRUDA, 2009); e (b) Saludos (MARTIN, 2010) e os livros (c) ¡Arriba! (CALLEGARI e RINALDI, 2005); (d) Projeto Radix – Espanhol (GARCÍA e HERNÁNDEZ, 2005); e (d) Ventana al español (ALMEIDA e AMENDOLA, 2011).

Dessa forma, acreditamos que o LD não ensina

apenas

conteúdos,

mas

também

comportamentos e, por meio dele, uma vez que se coloca nessas condições na sala de aula, se formam comportamentos cognitivos: o professor adentra esse espaço como sujeito-ensinante e o aluno o adentra como sujeito-aprendiz, porém ambos atuam como reprodutores de um conhecimento gerado fora do espaço da sala de aula, e não como produtores de um conhecimento construído conjuntamente, como

Para o desenvolvimento da análise dos livros,

deveria ser. Partindo disso, nos perguntamos, então,

selecionamos apenas os volumes correspondentes ao

como um objeto que estaria voltado para o controle

6º ano do Ensino Fundamental, por acreditarmos que

da interação no espaço da sala de aula trabalharia com

esta seja uma etapa essencial para a formação no

os processos inferenciais do leitor, que revelam

aluno de uma concepção de leitura, em especial, em

justamente o caráter subjetivo e autônomo do

língua estrangeira, uma vez que, muito comumente,

processo de construção de significados, ocorrido via

esse é o primeiro contato dos alunos com um trabalho

leitura?

com a leitura nessa língua. Consideramos de fundamental importância um trabalho de análise de LDs postos no mercado, por entendermos, em termos cognitivistas, que se

2. Perspectivas cognitivas sobre a leitura e a inferenciação como processo cognitivo

tratam de uma importante ferramenta que pode ser entendida como um objeto semiótico formador de

Tendo a consciência de que são várias as visões

comportamentos cognitivos situadamente ao espaço

sobre o processo de leitura e sobre seu ensino, cabe-

da sala de aula (VARGAS, 2012). O LD, dessa maneira,

nos explicitar aqui qual é a nossa visão e como ela se

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

337

articula aos propósitos deste trabalho. Partimos de

significados, que, na leitura, é justamente o resultado

uma visão cognitivista, derivada da Psicolinguística

dessa integração de fontes de informação. A

e da Linguística Cognitiva para compreendermos o

Psicolinguística já nos deu, anteriormente, a base para

processamento de leitura, e, mais especificamente, o

a construção de uma visão essencialmente

processo de geração de inferências, representativo de

cognitivista do processo de inferenciação, uma vez

uma leitura interativa, na qual leitor e texto

que o definia como a articulação entre duas fontes

contribuem para a construção de significados.

de informação: o texto e o Conhecimento Prévio

Seguindo essa perspectiva teórica, a leitura passa a ser considerada como um processo e não como um produto a ser reconhecido pelo leitor, uma vez que o processamento da informação segue um fluxo interativo – top-down/bottom-up -, ou seja não só o texto apresenta informações relevantes, como o leitor ativa em seu conhecimento prévio informações que, em interação com as informações apresentadas na linearidade do texto, vão articular-se para a

(CHIKALANGA, 1992). Além disso, o fato de entenderem a leitura como processamento seletivo, que depende de previsões e deduções também já nos dava contribuições para a compreensão do processo de inferenciação entendido como processo básico de significação, por meio do qual o leitor se coloca como ativo na construção de significados (KATO, 1990; KLEIMAN, 2001, 2010; FULGÊNCIO e LIBERATO, 1996, 2003).

construção do significado (RUMELHARDT e

Entretanto, foi só a partir dos estudos em

MCCLELLAND, 1982) . Assim, acreditamos que todo

Linguística Cognitiva que pudemos entender

significado, em uma atividade de leitura, é construído

processualmente a geração de inferências, levando em

pela interação entre informação não visual

consideração os pressupostos já definidos pela

(conhecimento prévio) e informação visual

Psicolinguística. Assim, por meio dessa articulação

(FULGÊNCIO e LIBERATO, 1996; 2003).

entre as teorias, foi possível definir a inferenciação

Dessa maneira, o significado é tratado sempre como construído on line e real time, na interação, de forma dinâmica, negociada e ajustada (GERHARDT, 2006). Além disso, entende-se que o Conhecimento Prévio é organizado na mente humana por meio de

como, efetivamente, um processo cognitivo e a inferência como resultado desse processo de formação de conceitos, que emerge da integração conceptual de duas fontes de informação: o conhecimento prévio e a informação visual (VARGAS, 2012).

esquemas cognitivos e que a compreensão de um texto escrito depende não apenas da ativação desses esquemas – definidos como frames e esquemas

3. A categorização das questões de leitura com base no processo inferencial

imagéticos (DUQUE e COSTA, 2012) –, como também da integração conceptual (FAUCONNIER e

Com base nesses pressupostos, buscamos,

TURNER, 2002) deles com a informação visual

então, em Applegate et al. (2002) um aporte teórico

recebida. Em situação escolar, então, a leitura se dá

que nos permitisse categorizar as questões de leitura

com base na integração conceptual entre o espaço da

apresentadas nos livros didáticos. Os autores

realidade do aluno e o espaço das informações

apresentam a seguinte esquematização com base na

trazidas pelo texto.

capacidade das questões em trabalharem a validação

A inferenciação passa a se constituir então como um processo cognitivo básico de construção de

dos processos inferenciais como processos básicos para a construção de uma leitura de qualidade:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

338

(a) q uestões d dee nív nívee l lit litee r al al: exigem que o

nív nívee l lit litee r al-inf al-infee re ncial – questões subdivididas em

leitor apenas selecione informações declaradas

duas ou mais, sendo uma de nível literal e as outras

o nív explicitamente no texto; (b) q uestões d dee baix baixo nívee l

de nível inferencial; e (d) q uestões d dee at atii v ação d dee

i n ffee r e n c i a ll: requerem respostas não citadas

n tto o p c o n h eecc i m een prr é v i o – não apresentadas em

verbalmente no texto, mas que podem estar próximas

Applegate et al. (2002), são aquelas que não exigem a

do literal; buscam relações existentes entre ideias do

leitura do texto para serem respondidas, muitas vezes

texto não explicitadas por marcadores gramaticais;

caracterizadas como as chamadas perguntas de

o nív (c) q uestões d dee alt alto nívee l inf infee r e ncial ncial: incitam a

opinião.

conexão entre as experiências do leitor e o texto; exigem soluções alternativas para um problema descrito no texto, explicações sobre atitudes ou esp o nse it predições baseadas no texto; e (d) “R “Resp espo itee ms ms”” : requerem um leitor que discuta e reaja ao significado das passagens do texto como um todo, com base no próprio texto.

As questões de ativação de conhecimento prévio, por sua vez, foram divididas quanto à posição do trabalho com a leitura em que se apresentam, uma vez que seu momento ideal de apresentação seria no trabalho de pré-leitura, quando este tipo de questão permite a ativação desses conhecimentos pelos alunos, que os integrarão mais facilmente às

Tais categorias foram adaptadas em Vargas

informações apresentadas na linearidade do texto.

(2012) para uma categorização das questões

Além disso, foram descar tadas as questões

propostas em LDs de Língua Portuguesa e é essa

apresentadas nas seções de leitura que buscavam a

categorização adaptada que utilizamos em nossa

sistematização de conhecimentos de metalinguagem

análise, como se descreve abaixo:

e de saber metalinguístico, por não contribuírem para

(a) q uestões d dee nív nívee l lit litee r al – correspondem

os objetivos deste trabalho.

às de Applegate et al. (2002); (b) q uestões d dee nív nívee l

Assim, alcançamos, em uma análise

inf infee re ncial – incluem as de baixo nível e alto nível

qualitativa dos LDLE analisados, os seguintes

inferencial e as “response items”; (c) q uestões d dee

resultados:

Tipos de Questões Livros

CP (antes)

%

CP (depois)

%

Literal

%

Inferencial

%

Total

Énterate

0

0%

12

19%

47

73%

5

8%

64

Saludos

0

0%

8

9%

67

78%

11

13%

86

Radix

0

0%

9

7%

112

90%

3

2%

124

Arriba

0

0%

6

13%

30

63%

12

25%

48

Ventana

16

18%

5

6%

47

53%

21

24%

89

Nota-se, então que todos os livros trabalham

informações apresentadas explicitamente no texto e

prioritariamente com questões de nível literal, que

as reproduza na resposta das questões dadas. Apenas

apontam para a linearidade do texto, ou seja, que

um dos livros – o Ventana al español – apresenta um

exigem do aluno que ele apenas selecione

certo equilíbrio entre essas e outros tipos de questões.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

339

Chama a atenção também o baixo percentual

questões de ativação de conhecimento prévio após o

de questões inferenciais – que apontariam para o

texto em todos os livros analisados e o fato de que

reconhecimento do processo de interação entre leitor

apenas um deles trabalha com esse tipo de questão

e texto – em três dos livros didáticos analisados, sendo

em um momento de pré-leitura.

dois deles, os aprovados pelo PNLD e efetivamente usados nas escolas públicas brasileiras. Além disso, podemos destacar também o número considerável de

4. Análise qualitativa – alguns exemplos: A seguir, no intuito de demonstrar de uma maneira mais detalhada como se deu a classificação anteriormente apresentada, apontaremos alguns exemplos de atividades retiradas de alguns dos livros didáticos selecionados. Trata-se apenas de exemplos, uma vez que o limite desse texto não nos permite detalhar mais a apresentação dos dados. A primeira foi retirada do livro Projeto Radix – Espanhol (p.124-125):

A atividade se apresenta na seção “Leyendo” e apresenta a história de Laurita, uma menina que fazia desenhos na parede de casa, enquanto estava sozinha. Observa-se que a maior parte das questões se mantêm em nível literal, como por exemplo, as questões a) ¿Qué hace Laurita?; b) ¿Dónde habían ido los padres de Laurita?; c) Retira del texto la frase que demuenstra que a Laurita le gusta dibujar. O mesmo padrão se repete nas outras questões, exceto a última, que exige do aluno a ativação de um conhecimento prévio, que poderia ser exigido em um momento de pré-leitura, quando se pergunta ao aluno: i) ¿Y a ti te gusta dibujar? ¿Dónde dibujas? ¿Qué dibujas?.

A segunda atividade foi retirada do livro Ventana al Español (p.40-41) e se apresenta na seção “Contextos”. Nela, se trabalha com o gênero textual Tira Cômica, a partir de duas tirinhas – uma do Gaturro, na qual a sua dona lhe apresenta seus novos materiais escolares e a outra da Mafalda, na qual Felipe se concentra tanto em se concentrar na aula, que acaba esquecendo de se concentrar na própria aula. Nela, são apresentadas duas questões de pré-leitura, que ativam o conhecimento prévio do leitor: a.¿Leen habitualmente tiras cómicas? ¿Cuáles?; b. ¿Qué es lo más importante en uma tira: el texto o la imagen?.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

340

Posteriormente, se apresenta uma questão de nível literal, para que o aluno aponte a que tiras se referem as frases citadas e duas questões de nível inferencial, focadas na intertextualidade: 4. ¿Te acuerdas de Andy, el alumno del colégio español que conocimos al inicio de la unidad? Su evaluación depende de vários critérios, ¿verdad? ¿Em cuál de ellos Felipe, el personaje de la tira 2, no sacaria uma buena nota?; 5. ¿Crees que a Gaturro le gustaría participar de las atividades deportivas del colegio de Andy? ¿Por qué? Nestas questões, deixa-se de lado o nível literal da leitura e pede-se ao aluno que ative informações do conhecimento prévio e as articule as informações apresentadas em dois textos, de forma a estabelecer julgamentos sobre os textos lidos, sendo, portanto, de alto nível inferencial.

ao mesmo tempo que se sabe que as inferências são

5. Considerações Finais

imprevisíveis e individuais, o modelo de LD institucionalizado busca o controle e a padronização,

Neste trabalho, não pretendemos apontar

por meio de questões de leitura que apenas exigem a

culpados ou mostrar possíveis deficiências de

seleção de informações explicitamente apresentadas

determinados materiais didáticos em comparação a

nos textos. Assim, os alunos acabam por ver a leitura

outros. A análise feita e aqui brevemente apresentada

como tarefa mecânica e confusa e, sem objetivos

se deu apenas através das questões de leitura

diante do texto, não sabem o que fazer com ele. O

apresentadas nos livros analisados e, muito mais do

LD, por sua vez, não reconhece os saberes que os

que revelar possíveis vantagens ou desvantagens de

alunos trazem para sua leitura, uma vez que prioriza

determinados LDs, os resultados são reveladores de

a leitura literal, não desenvolvendo a competência de

uma situação geral no que se refere ao ensino de

nossos alunos como leitores. Dessa maneira, o ensino

leitura em Espanhol-LE no Brasil.

de ELE deixa de cumprir seu papel, que é se unir ao

Assim, podemos verificar que, nos LDs, ainda

ensino de LP para desenvolver o letramento do aluno.

hoje se apresentam predominantemente questões literais não suporte para questões inferenciais. Além disso, chama a atenção a pouca utilidade de questões de ativação de conhecimento prévio em um momento

Referências bibliográficas

posterior a leitura do texto. Dessa forma, nos cabe perguntar: Que concepção de leitura estamos

APPLEGATE, M. D., QUINN, K. B., APPLEGATE, A. J.

ensinando aos nossos alunos?

(2002) Levels of thinking required by comprehension

A escola, e em especial o ensino de EspanholLE se vê diante de um aparente paradoxo, posto que,

questions in informal reading inventories. Em: The Reading Teacher, v.56, n. 2, pp.174-180.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

341

BATISTA, A. A. G. (2003) A avaliação dos livros didáticos:

KATO, M. A. (1990 [1985]). A aprendizagem da Leitura.

para entender o Programa Nacional do livro didático

São Paulo: Martins Fontes.

(PNLD). Em: ROJO, R.; BATISTA, A. A. G. (org) Livro didático de Língua Portuguesa, letramento e cultura da escrita. São Paulo: Mercado de Letras. pp. 25-68. CHIKALANGA, I. (1992) A suggested taxonomy of inferences for the reading teacher. Em: Reading in a Foreign Language. Hawaii, v. 8, n. 2, pp.697-709, 1992. DUQUE, P. H.; COSTA, M. A. (2012) Linguística Cognitiva:

KLEIMAN, A. (2001 [1992]). Oficina de leitura: teoria e prática. 8. ed. Campinas, SP: Pontes. KLEIMAN, A. (2010 [1989]) Texto e Leitor: Aspectos Cognitivos da Leitura. Campinas, SP: Pontes. MARCUSCHI, L. A. (1996) Exercícios de compreensão ou copiação. Em: Em aberto. Brasília, ano 16, n. 69, jan./mar.

em busca de uma arquitetura de linguagem compatível

PERINI, M. (1988) A leitura funcional e a dupla função

com modelos de armazenamento e categorização de

do texto didático. Em: ZILBERMAN, R.; SILVA, E.T. (orgs).

experiências. Natal: EdUFRN.

Leitura: Perspectivas Interdisciplinares. São Paulo, Ática.

FAUCONNIER, G.; TURNER, M. (2002) The way we think.

ROJO, R. (2003) O Perfil do livro didático de Língua

New York, Basic Books.

Portuguesa para o ensino fundamental (5ª a 8ª séries). Em:

FULGÊNCIO, L.; LIBERATO, Y. (1996) A leitura na escola. São Paulo: Contexto.

ROJO, R.; BATISTA, A. A. G. (org) Livro didático de Língua Portuguesa, letramento e cultura da escrita. São Paulo: Mercado de Letras. pp. 69-99.

FULGÊNCIO, L.; LIBERATO, Y. (2003 [1992]) Como facilitar a leitura. São Paulo: Contexto.

ROJO, R.; BATISTA, A. A. G. (2003) Apresentação – Cultura da escrita e livro escolar: propostas para o

GALVÃO; A. M. O.; BATISTA, A. A. G. (2009) O estudo

letramento das camadas populares no Brasil. Em: ROJO,

dos manuais escolares e a pesquisa em história. Em:

R.; BATISTA, A. A. G. (org) Livro didático de Língua

GALVÃO; A. M. O.; BATISTA, A. A. G. Livros escolares de

Portuguesa, letramento e cultura da escrita. São Paulo:

leitura no Brasil – elementos para uma história. Campinas,

Mercado de Letras. pp. 7-24

São Paulo: Mercado de Letras. pp. 11-40 RUMELHART, D.; McCLELLAND, J. (1982) An interactive GERALDI, J. W. (2003 [1991]) Portos de Passagem. São

activation model of context effects in letter perception:

Paulo: Martins Fontes,

part 2. Em: Psychological Review, v. 89, n. 1, pp. 60-94.

GERHARDT, A. F. L. M. (2006) Uma visão sócio-cognitiva

VARGAS, D. S. (2012) O plano inferencial em atividades

da avaliação em textos escolares. Em: Educação e Sociedade.

escolares de leitura: livro didático, cognição e ensino.

Campinas, v. 27, n. 97, pp.1181-1203.

Dissertação de Mestrado em Letras Vernáculas. Rio de Janeiro: UFRJ/FL.

GERHARDT, A. F. L. M.; VARGAS, D. S. (2010) A pesquisa em cognição e as atividades escolares de leitura. Em: Trabalhos em Linguística Aplicada (UNICAMP), v. 49, pp. 145-166.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

342

HISTÓRIA, MEMÓRIA E FICÇÃO EM JUAN GABRIEL VÁSQUEZ

Diogo de Hollanda Cavalcanti PG-UFRJ

1. Introdução

as três obras podem ser lidas como uma trilogia, por compartilharem uma mesma proposta temática – de

Este trabalho está vinculado a uma pesquisa

retorno ao passado colombiano – e terem em comum

sobre memória, História e ficção na obra do escritor

diversos procedimentos narrativos, como o texto em

colombiano Juan Gabriel Vásquez. Nascido em 1973,

primeira pessoa, o discurso metaficcional e a presença

em Bogotá, e estabelecido desde 1996 na Europa (nos

da figura paterna como fio condutor das investigações

últimos 13 anos em Barcelona), Vásquez é um dos

sobre a história nacional. Outro vínculo entre os

nomes de maior destaque na literatura hispano-

romances é o tema do deslocamento. Nos três livros,

americana contemporânea, elogiado com a mesma

os personagens deslocados – imigrantes estrangeiros,

ênfase por representantes da geração anterior, como

migrantes domésticos, exilados forçados ou

Carlos Fuentes e Mario Vargas Llosa, e escritores

voluntários – são ou narradores ou testemunhas

surgidos nas últimas décadas, como o argentino

decisivas nas revelações feitas pela trama. É como se

Rodrigo Fresán, que recentemente o apontou como,

o passado da Colômbia, com suas fraturas, sua

possivelmente, o maior romancista político da

violência, suas imposturas políticas, emergisse pela

América Latina (FRESÁN, 2011). Traduzido para 13

voz e pelo olhar dos deslocados.

idiomas e publicado em mais de 30 países, Vásquez lançou até agora cinco romances, um livro de contos, um de ensaios e uma pequena biografia sobre uma de suas referências literárias, Joseph Conrad.

Considerando essas características, este artigo tem como ponto de partida a seguinte pergunta: de que forma o deslocamento de Vásquez, o fato de viver na Europa influencia sua memória sobre a Colômbia?

Meu interesse aqui são seus três romances

Para responder à pergunta, dividirei meu percurso

mais recentes: Los informantes (2004), Historia secreta

em duas partes. Na primeira, farei um panorama

de Costaguana (2007) e El ruido de las cosas al caer

sobre o deslocamento de escritores na literatura

(2011). Embora não sejam apresentadas dessa forma,

hispano-americana, refletindo sobre o impacto de sua

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

343

constante mobilidade na memória que preside suas

autores abordam temas ligados à terra em que

obras. Na segunda, discorrerei de maneira sintética

nasceram, muitas vezes convertida no cenário único

sobre o que tenho chamado de “trilogia colombiana”

de seus escritos. O exemplo do Inca Garcilaso de la

de Vásquez, estabelecendo diálogo não apenas com

Vega – que escreveu Los comentarios reales (1606) 45

os conceitos expostos na seção anterior (isto é, o

anos depois de trocar o Peru pela Espanha – serve,

deslocamento e a memória) como com outras

mais uma vez, apenas para capitanear uma lista

questões teóricas relativas à representação do passado.

volumosa que inclui a maior parte dos escritores latino-americanos que algum dia se estabeleceram fora de seus países. Muitos afirmam que a distância

2. Deslocamento e memória na literatura hispano-americana

proporcionou-lhes uma visão mais clara da realidade que deixaram. Em uma conferência pronunciada em 2005, Mario Vargas Llosa, por exemplo, contou ter

O deslocamento dos escritores é um dos

descoberto a América Latina apenas quando morou

elementos de maior permanência na produção

em Paris durante os anos 1960. “Não se pode entender

literária hispano-americana. Das crônicas do período

a América Latina sem sair dela e observá-la com os

colonial à literatura contemporânea, um extenso

olhos e, também, com os mitos e estereótipos que se

conjunto de obras, entre as mais representativas da

elaboram sobre ela no estrangeiro”, afirmou o escritor

América Latina, nasce com os autores fora de seus

peruano (LLOSA, 2009, p.365). Autores surgidos nos

países de origem. Um inventário despretensioso, de

últimos 20 anos – que experimentam o deslocamento

ambições meramente ilustrativas, poderia começar no

de maneira bem diversa da geração do boom –

século XVII, com o Inca Garcilaso de la Vega, e chegar

também destacam esse possível efeito de nitidez que

aos dias atuais passando por poetas neoclássicos,

o olhar à distância propicia.

escritores

românticos,

grandes

nomes

do

modernismo, expoentes da vanguarda e os principais

Mas há, de fato, a perspectiva de uma visão

representantes do chamado boom da literatura

mais lúcida para quem, de longe, lança os olhos sobre

hispano-americana. Hoje, a continuidade do

sua pátria? De que maneira a distância do país de

fenômeno é ilustrada pelos eventos e coletâneas que

origem pode influenciar a memória de um autor que

procuram oferecer uma amostra da literatura

se dispõe a escrever sobre ele?

produzida pelas novas gerações. Dos 16 hispanoamericanos incluídos na antologia Los mejores narradores jóvenes en español da revista inglesa Granta (2010), oito estão radicados fora da América Latina1 – divididos entre Estados Unidos (onde geralmente seguem carreira acadêmica) e Espanha (onde veem mais chances de ser editados). Da mesma forma, dos 39 escritores com menos de 39 anos considerados promissores no festival Bogotá 39, realizado em 2007, quase metade (precisamente 17) vive fora de seus

Uma interessante possibilidade de resposta está no livro Memorias migrantes: testimonios y ensayos sobre la diáspora uruguaya (2003), do acadêmico uruguaio Abril Trigo. Baseando-se no trabalho etnográfico que realizou numa comunidade de uruguaios em Fitchburg, Massachusetts (EUA), Trigo afirma que, ao mudar de país, os sujeitos sofrem uma fratura identitária que os leva a empreender, de maneira quase imperceptível, um movimento de resgate e reciclagem de memórias culturais até então

países2.

soterradas na memória histórica e no imaginário Nesta longa tradição, salta aos olhos a

social da nação deixada. O principal efeito deste

recorrência com que, guiados pela memória, os

processo, ou pelo menos o mais fecundo, é o

344

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

surgimento de novas formas de olhar a comunidade

Trigo menciona, por exemplo, que os migrantes de

nacional – formas alternativas que conseguem se

Fitchburg, com o passar dos anos, praticamente não

desvencilhar da ação homogeneizadora da memória

celebram mais as festas nacionais do Uruguai e

histórica, incorporar diferenças antes esmagadas e

raramente invocam seus símbolos pátrios. A quebra

colocar em xeque os pilares do imaginário social.

desses vínculos anteriormente prazerosos deflagra

Trigo recorre ao conceito de interpelação ideológica formulado por Althusser (1971; 1972) para explicar o funcionamento do imaginário social. Assim como a ideologia, o imaginário social é sustentado pelo prazer que provoca no indivíduo – o prazer do pertencimento, o prazer que une os membros de uma comunidade em torno de uma fantasia coletiva. Discernir o que há de falacioso nos símbolos, mitos e valores sobre os quais repousa a ideia da nacionalidade é geralmente mais difícil para o sujeito

uma crise identitária que provoca, entre outras consequências, a irrupção da chamada imaginação radical, força questionadora com a qual o indivíduo, que o imaginário social quisera domesticar e reduzir a mero sujeito-súdito, afirma-se como sujeito-agente e, através de práticas antagônicas, no questionamento tenaz e persistente do imaginário social, conquista a autonomia, tornando-se mais apto a desconstruir a “história oficial” e sugerir novas formas de pensar o nacional (TRIGO, 2003, p.80-85).

que permanece sempre no mesmo país, nutrindo sua

Por indevidas que sejam as generalizações, é

identidade dos atributos que lhe renovam, a cada dia,

impossível não identificar coincidências entre o

a convicção de integrar uma coletividade. Da mesma

processo descrito por Trigo e o trabalho desenvolvido

forma, enxergar e denunciar as imposturas da

por inúmeros escritores em deslocamento, que

memória histórica – ou seja, da memória transmitida

capitanearam nos últimos anos algumas das

pela “história oficial” – tende a ser mais árduo para

empreitadas mais arrojadas de retorno literário ao

quem jamais se ausenta, física ou imaginariamente,

passado da América Latina. Analisando um amplo

da terra em que nasceu. Produzida pelos aparelhos

corpus de hispano-americanos, Fernando Aínsa

ideológicos do Estado e guiada primordialmente por

(2005) destaca o expressivo conjunto de narrativas

objetivos nacionalistas (TRIGO, 2003, p.98), a

em que os autores reconstroem à distância, com olhar

memória história se dirige, acima de tudo, aos

crítico e desmistificador, o país ou a cidade em que

indivíduos de uma nação. E, para isso, se vale de um

nasceram. Aínsa cita Fernando Vallejo com Medellín

aparato discursivo que abrange desde eventos, como

(escrevendo do México), Juan Villoro com o México

aniversários, comemorações cívicas e festivais, a

(escrevendo de Barcelona), Abilio Estévez com

lugares como monumentos, museus e santuários.

Havana (também de Barcelona), Carlos Franz com o

Em sua dupla condição psicológica e social, a memória não é a mera repetição e recuperação das marcas do ontem, mas a construção de um passado

Chile (escrevendo de Madri), entre outros tantos que mostram que “um espaço nacional construído fora das fronteiras não só é possível, como recomendável”.

posto a serviço de um projeto de futuro a partir das

Chamam atenção os longos períodos que,

circunstâncias do presente (TRIGO, 2003, p.93).

após a mudança, vários tardam para escrever sobre a

Longe do país de origem, com novas exigências

pátria em que nasceram. Para Juan Gabriel Vásquez,

imaginárias, os indivíduos deslocados reformulam

foram oito anos entre sua saída da Colômbia e a

suas lembranças vivenciando um processo de

publicação de Los informantes, seu primeiro livro

“esquecimento criativo” que os distancia, cada vez

sobre o país. Estaria aí o esquecimento criativo

mais, do imaginário social e da memória histórica.

mencionado por Trigo? “Uma das consequências de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

emigrar é que, depois de um tempo, desaparece a ilusão da compreensão: aquela ilusão apenas humana

345

3. A trilogia colombiana de Juan Gabriel Vásquez

de que você entende o lugar de onde vem”, comentou Vásquez (2009, p.187), em breve ensaio sobre a condição de escritor deslocado.

Depois de iniciar sua trajetória literária com três livros ambientados predominantemente na Europa, Juan Gabriel Vásquez obteve grande

Outros autores relatam situações parecidas,

reconhecimento crítico ao inaugurar uma nova etapa

como o hispano-argentino Andrés Neuman, que se

de sua obra, marcada pela abordagem consecutiva da

mudou para a Espanha em 1991 e somente seis anos

história de seu país de origem. Esta mudança foi

depois conseguiu escrever sobre sua cidade natal,

principiada com a publicação de Los informantes, em

Buenos Aires. “Na época”, contou ele num artigo,

2004, e confirmada com o lançamento de outros dois

“entre meu lugar de origem e mim havia a distância

romances: Historia secreta de Costaguana, em 2007,

justa: conhecia-o bem, mas tinha começado a

El ruido de las cosas al caer, em 2011. Confirmando a

esquecê-lo e, portanto, a ser capaz de imaginá-lo. Sem

tese de Abril Trigo (2003) sobre o poder questionador

memória profunda, não há ficção que valha”

da memória dos deslocados, os três livros resgatam

(CORRAL, 2004, p.43).

episódios mal acomodados na história oficial e

Frequentemente, é o próprio percurso da memória, com suas glórias e abismos, suas veredas e

atacam duramente os pilares do imaginário social colombiano.

encruzilhadas, que captura os escritores e se

Em Los informantes, o tema central é a criação

transforma em tema central de suas obras. Assim

de listas negras e campos de concentração para

como Neuman em Bariloche (1998) – em que o

imigrantes dos países do Eixo durante a Segunda

quebra-cabeça do protagonista representa o jogo de

Guerra Mundial. Na Colômbia, assim como no

forças entre lembranças e esquecimento –, Juan

Brasil3, a mudança de posicionamento do governo

Gabriel Vásquez faz, em seus três romances mais

durante o conflito – com a decisão de apoiar os

recentes, uma intensa e percuciente reflexão sobre a

Aliados, liderados pelos Estados Unidos – deu início

memória e a História. Ao longo das narrativas,

a um período de perseguição a japoneses, italianos e

caracterizadas por uma visão extremamente crítica

alemães. Acolhidos nas décadas anteriores, imigrantes

da Colômbia, encontram-se não apenas grandes

dessas nacionalidades passaram a ser duramente

questões para a filosofia de todos os tempos, como

hostilizados, e castigados com expropriação de bens

alguns dos principais dilemas com que a América

e confinamento diante de qualquer suspeita,

Latina se defronta na hora de trazer à tona o passado

comprovada ou não, de que tivessem envolvimento

de horrores cometidos no século XX. Em países

ou afinidade ideológica com o nazismo. Famílias

marcados por traumas, o que deve ser lembrado e o

foram destruídas, patrimônios dilacerados e

que pode ser esquecido? Como arrostar o futuro com

inúmeros suicídios foram cometidos por pessoas

o peso asfixiante do passado? É possível perdoar? Até

incluídas

que ponto são confiáveis as reconstituições feitas pelas

Departamento de Estado Norte-Americano. Mais do

testemunhas?

que simplesmente evocar esses acontecimentos, o

nas

chamadas

listas

negras

do

romance mostra como eles continuam vivos, e o quão difícil – embora necessária – é sua rememoração.

346

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Em Historia secreta de Costaguana,

sangrentas de autores como Fernando Vallejo e Jorge

considerado por Carlos Fuentes (2011) um dos

Franco – que deram origem à chamada literatura de

romances canônicos da literatura hispano-americana

sicários – e optando por explorar as raízes históricas

do começo do século XXI, a construção do Canal do

do problema.

Panamá aparece rodeada de tragédias, escândalos financeiros e mentiras oficiais. Entre os casos relatados pelo livro, está a morte de quase 10 mil trabalhadores chineses durante as obras da ferrovia. Devido à falta de cemitério nas pantanosas terras da região, os corpos foram vendidos a preço de banana para universidades e hospitais de todo o mundo – muitos deles proibidos, especialmente na América Latina, de utilizar cadáveres para práticas científicas. A participação do governo Roosevelt na revolução que resultou na independência do Panamá, até então uma província colombiana, é um dos pontos fortes do livro, que lança uma série de interrogações sobre a natureza do discurso histórico e suas relações com o discurso literário. Como pano de fundo, a acusação do personagem narrador, José Altamirano, de ter tido sua história roubada por Joseph Conrad, que se inspirou na Revolução Panamenha de 1903 – e na rocambolesca história colombiana – para escrever o romance Nostromo, ambientado em um país imaginário chamado Costaguana.

Nos três livros, a reconstrução memorial depende do empenho do protagonista: afetado pelo passado, é ele que vai atrás de informações, ouve pessoas, vasculha documentos privados e – nas inevitáveis lacunas – utiliza a imaginação para complementar ou elucidar os fatos. Não há vida privada, por mais reclusa e prudente, capaz de se manter

incólume

à

ação

dos

“grandes

acontecimentos”. Eles se irradiam pelo tempo e continuam a reverberar no presente. Os narradores dos três romances costuram episódios imediatos com eventos ocorridos décadas e até séculos antes. E, longe de os encontrarem separados, deparam-se com sua desafiadora convivência, com a polifonia de tempos históricos que Fernand Braudel e Marc Bloch apontaram em trabalhos que renovaram a historiografia francesa no século XX (LE GOFF, 1998, p.123). Como disse Paul Ricoeur (2005, p.35-40), diferentemente da crença generalizada, não é apenas o futuro que está aberto e indeterminado. Também o passado pode ser reinterpretado e provocar uma

Finalmente, em El ruído de las cosas al caer,

reviravolta em nossos projetos. Ou ainda, como

premiado em 2011 com o Prêmio Alfaguara de

afirmou Jacques Le Goff, “toda história é uma história

Romance, Vásquez mostra como a ação de

contemporânea [...] porque suas consequências ainda

voluntários norte-americanos, reunidos nos

mexem conosco e estão sempre presentes,

chamados Corpos de Paz, contribuiu para o

reinterpretadas à luz do presente”(LE GOFF,1998,

nascimento do negócio do narcotráfico na Colômbia.

p.121).

Mais uma vez, a história do país é acessada pela trajetória de uma família, que se desmantela depois que o pai – um piloto de avião que trabalhava para

Referências bibliográficas

traficantes – é preso em uma tentativa frustrada de entrar com cocaína nos Estados Unidos. Em um

AINSA, Fernando (2010): Palabras nómadas. La patria a

ambiente literário como o colombiano, saturado pelas

la distancia y el imposible regreso. Em: Letral, Nº 5,

representações da violência, Vásquez encontra uma

Granada, p.30-45.

maneira mais analítica (e provavelmente mais fecunda) de abordar o tema, evitando as encenações

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

347

ALTHUSSER, Louis (1971): Ideology and ideological state

RICOEUR, Paul (2005): O perdão pode curar? Em:

apparatuses. Em: Lenin and Philosophy. Nova York:

HENRIQUES, Fernanda (coord.). Paul Ricoeur e a

Monthly Review Press.

simbólica do mal, p.35-40. Porto: Edições Afrontamento.

________ (1972): Montesquieu, Rousseau, Marx. Londres:

TRIGO, Abril (2003): Memorias migrantes. Testimonios y

Verso.

ensayos sobre la diáspora uruguaya. Rosário: Beatriz Viterbo.

FRESÁN, Rodrigo (2011): El sonido de un novelista al ascender. Em: Página 12, Buenos Aires, 12/06/2011.

VARGAS LLOSA, Mario (2009): Sables y utopias: visiones

Disponível em http://www.pagina12.com.ar/diario/

de América Latina (textos selecionados por Carlos Granés).

suplementos/libros/10-4302-2011-06-12.html. Acessado

Buenos Aires: Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara.

em 14/10/2012. VÁSQUEZ, Juan Gabriel (2004): Los informantes. Madri: FUENTES, Carlos (2011): La gran novela latinoamericana.

Alfaguara.

Madri: Alfaguara. ________ (2007): Historia secreta de Costaguana. Madri: LE GOFF, Jacques (1998): Uma vida para a história:

Alfaguara.

conversações com Marc Heurgon. São Paulo: Editora ________ (2009): Literatura de inquilinos. Em: El arte de

UNESP.

la distorsión, p.179-189. Madri: Alfaguara. NORA, Pierre (1984): Les lieux de mémoire. Paris: ________ (2011): El ruido de las cosas al caer. Madri:

Gallimard.

Alfaguara.

Notas 1

Em julho de 2011.

2

Idem.

3

No Brasil, foram criados 11 campos de concentração e chegou a ser proibido falar o idioma dos três países do bloco (FÁVERI, 2005).

348

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

JUAN JOSÉ SAER: REALIDADE, REPRESENTAÇÃO E FICÇÃO NA PERSPECTIVA DE GÊNERO

Eduardo Fava Rubio PG-USP

Há um ponto na cronologia da História Literária,

de-força que regula a cultura de massas e torna estéril a

em fins do século XVIII e inícios do XIX, em que,

originalidade exigida da verdadeira obra de arte? Neste

segundo Foucault (1996), a Literatura começa, de fato, a

contexto, se debatem com o conceito de gênero autores

constituir-se como tal. É o momento em que, do interior

como Foucault (1992; 1996), Derrida (1992) e Todorov

das obras, surge a pergunta “O que é literatura?” e a

(1998).

linguagem literária ganha a autonomia de um discurso próprio, antinatural e auto-questionador. Um dos efeitos deste processo que vai continuar se desenvolvendo a partir do século XIX é o de ressaltar a unicidade e originalidade dos textos literários, o que enfraquece o conceito de gênero tal como era concebido até então.

Juan José Saer começa sua produção literária neste cenário nos anos 60 e tanto sua obra de ficção, quanto seus escritos críticos vinculam-se desde o princípio e seguindo pelas décadas posteriores aos questionamentos do período. No caso de Saer, tem relevância especial a questão da representação

Os gêneros literários, entretanto, não saem

literária: quais os estatutos do real e da ficção? Qual a

da pauta de discussões sobre a literatura e, mesmo

possibilidade de representação do real na literatura? Em

muitas vezes dados como anacrônicos, ultrapassados

diálogo permanente com as questões apresentadas pelo

e mortos, voltam, por exemplo, nas idéias de Croce,

estruturalismo, o pós-estruturalismo, o noveau roman

já em fins do século XIX. No começo do século XX,

francês e todas as novas formas da narrativa que se

Bakhtin propõe um novo uso ao termo ao definir o

seguem ao esgotamento da novela burguesa do século

conceito de gêneros do discurso – ainda que estes não se

XIX – incluindo-se aí as Vanguardas da década de 20,

ocupem propriamente ou privilegiadamente dos gêneros

Joyce, Faulkner e outros –, Saer consegue criar em sua

literários – e, paralelamente às Vanguardas Históricas,

obra um espaço literário próprio, uma voz única, original

vão ganhando força os gêneros da literatura dita popular

e fluente em todos os textos que compõem sua obra. Em

e de massas – o policial, o terror, o fantástico, a ficção

resumo, pode-se ver claramente o escritor argentino

científica. Por fim, estruturalistas e pós-estruturalistas,

como produto do meio intelectual em que surge nos anos

a partir dos anos 50 e 60 do século XX, procuram

60 e alinhado à concepção de literatura como discurso

analisar os gêneros literários deparando-se com uma

autônomo, antinatural e auto-questionador.

contradição: é o gênero uma categoria válida na busca pela sistematização da análise literária ou uma camisa-

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

349

Por outro lado, este período e a década seguinte

autores. Assim, cria-se uma discussão interessante,

– a de 70 – são marcados na Argentina e, pode-se dizer,

se não central, para toda a literatura produzida na

na literatura ocidental por um forte experimentalismo,

última década do século XX e nas primeiras do atual:

seja este visto como um novo período de vanguardismo,

o espaço da experimentação literária se esgotou?

seja como evolução ou culminação das Vanguardas

Voltamos ao gênero e suas amarras estéticas? Voltamos

históricas iniciadas quatro ou cinco décadas antes. São

às “historinhas”, acomodadas e sem real valor literário?

obras marcantes deste experimentalismo na Argentina

A resposta não é simples, mas discuti-la é fundamental.

Nanina, de Germán García (1968), El frasquito, de Luis Gusmán (1973) e El fiord, de Oswaldo Lamborghini, todos integrantes do grupo da revista Literal. Saer, contemporâneo destes autores – como também de Ricardo Piglia e Beatriz Sarlo e outros, que constituem outros grupos – forma-se no mesmo meio, está imerso nas mesmas questões – estéticas, literárias, políticas, sociais – mas escolhe desenvolver sua obra solitariamente em um auto-exílio francês. Assim, logra e professa uma coerência interna em sua obra – reforçada pelas idéias críticas apresentadas em ensaios e artigos diversos – que rechaça a facilidade e o eventual sucesso fácil editorial do acomodamento à literatura de massa e da repetição de fórmulas consagradas com o grande público. Ao mesmo tempo, seu experimentalismo segue tamanho rigor particular que o afasta da estética e da práxis narrativa de escritores como Luís Gusmán, cujo projeto estético-literário dará claras mostras de esgotamento já na década de 80. Roland Barthes, em “Una problemática del sentido” (2007), fala do “exercício da anulação do sentido” na literatura, citando o grupo francês da revista Tel Quel, e pode-se incluir no mesmo exercício o grupo argentino da revista Literal. Mas, a partir, ao menos, de meados da década de 80, nota-se o esgotamento dos experimentalismos dos anos 60 e 70, como nota, por exemplo, o romancista e ensaísta mexicano Jorge Volpi, em Mentiras contagiosas (2008). Ainda na mesma obra, Volpi assinala que “a utilização dos recursos do romance de gênero significou uma lufada de ar fresco frente à experimentação formal dos anos 60”, considerando, no entanto, que o abuso desses recursos acabou por criar uma forma empobrecedora para a narrativa em certos

Tzvetan Todorov, em “El origen de los géneros” (1998), texto que tem suas primeiras versões já em 1976, faz uma crítica a uma passagem de L´espace littéraire, de 1959, em que Blanchot nega aos gêneros literários verdadeira significação na literatura moderna (pósvanguardista, ao menos). Para Todorov, é inquietante o papel excepcional dado ao aqui (a Europa, ou mais especificamente a França) e ao agora (décadas de 50 e 60, auge do estruturalismo) como ponto culminante de toda a História, e da literatura, por conseguinte. Ainda segundo Todorov, em contraponto a Blanchot, não seriam os gêneros que teriam desaparecido, mas sim os “gêneros do passado”, e a desobediência aos gêneros não os faz inexistente, já que, para que haja transgressão, é necessária uma lei e esta não se faz visível senão graças àquela, idéia esta que replica, na verdade, as de Foucault, em “Prefacio a la transgresión”, de 1963. O que se vê, de fato, na produção literária a partir dos anos 90, especialmente, é, de certo modo, uma confirmação das considerações de Todorov: o gênero volta como referência explícita na produção literária, ainda que pela transgressão que o reafirma, e os textos híbridos em relação aos gêneros ganham cada vez mais campo entre a crítica e, talvez surpreendentemente, o público leitor. O próprio Luis Gusmán, autor do polêmico e experimental El frasquito, de 1973, personagem central do contexto literário argentino dos anos 60 e 70 e do grupo da revista Literal, afirma em artigo de 1995, sobre o romance Villa, publicado no mesmo ano: Contar una novela en los noventa referida a estos temas me presentó un problema formal. En los ochenta

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

350

los procedimientos fueron desde la alusión hasta la alegoría. Más tarde la torsión de distintos géneros como el policial y el de espionaje sirvieron de soporte de la historia política, y es por eso que en Villa apelé a un estilo realista.

Juan José Saer: coerência e gênero O problema que se apresenta no desenvolvimento da obra de Juan José Saer pode ser apresentado da seguinte maneira: como manter a coerência de uma escritura (uma práxis, um estilo, um tom) forjada

convencional e estéril. É a partir de esta constante problematização da literatura e do fazer literário que se pode chegar a um romance como La pesquisa. A narrativa do romance traz em seu primeiro capítulo (a primeira quarta parte do livro) uma história que poderíamos classificar como pertencente ao gênero policial: um policial parisiense investiga uma série de assassinatos de anciãs ocorridos na capital francesa. Depois de um segundo capítulo (o segundo quarto do livro) quase que totalmente desconectado do primeiro, a não ser por referências sutis e vagas, e que narra

ainda nos anos 60 e lapidada pelas décadas seguintes

episódios bastante triviais de uma viagem de Pichón

sem torná-la estéril e repetitiva? A temática central da

Garay, que vive agora em Paris, à sua cidade natal em

possibilidade e legitimidade da representação do real,

Santa Fé e o encontro com o velho amigo Tomatis e o

que é também força motriz da escritura de Saer, pode ser

novo, Soldi, o terceiro e último capítulo dá conta de

conciliada com a escritura de gênero? Como sobreviver

“entrelaçar” as duas histórias. Põe-se neste capítulo em

como autor e fazer sobreviver um projeto de práxis

evidência a narração em abismo: a narrativa policial é

narrativa por mais de trinta anos? Saer, aparentemente,

urdida por Pichón, personagem da narrativa “trivial”, por

aceita este desafio.

dizê-lo de alguma maneira. Além disto, o personagem

Como primeira vantagem, a obra de Saer apresenta indiscutível originalidade: seus temas são muito pessoais, assim como a construção da “zona santafesina”, símbolo metonímico de sua escritura. Dito de outra maneira, o isolamento pessoal do escritor o manteve distante de grupos intelectuais (como os das revistas Literal e Punto de vista) que poderiam cobrar, e muitas vezes cobravam e cobram, uma lealdade aos princípios estéticos e políticos do grupo, o que tende a torná-lo muito mais inflexível e dogmático. A obra de Saer só deve coerência e lealdade a si própria. Como segunda vantagem, há de se destacar que a literatura saeriana se constitui, a partir dos anos 60 e do contexto cultural da época, de forma propositiva: diante do problema da representação realista na narrativa, Saer propõe uma narrativa que discute o problema e não caminha em direção à assemia (de que falava Barthes) com que tantos flertaram nos anos 60 e 70. Assim, sua escritura problematiza e não destrói a narrativa convencional, erigindo em seu lugar um novo modelo que, com o tempo tenderá a se tornar, também,

Soldi narra a história de “En las tiendas griegas”, um velho texto datilografado encontrado entre as coisas de Washington, o falecido amigo e mentor de Garay e Tomatis: o diálogo entre dois soldados da guerra de Tróia – um velho, há muito no campo de batalha, e um jovem, recém chegado a ele. Através, então, da narrativa em abismo, das narrativas dentro das narrativas, Saer encontra a saída para trabalhar com o gênero policial. Diz o autor em um artigo para o jornal El Clarín, de Buenos Aires, publicado posteriormente em La narración-objeto (1999, p.159-160): Aunque en varias de mis narraciones introduje deliberadamente ciertos elementos de novela negra, abordar de un modo directo el género policial implicaba muchos problemas (...) Consciente de todos esos problemas, el placer de escribir una novela policial debía adaptarse en primer lugar a mi propia ‘manera’ narrativa, y en segundo término, a partir de la crisis evidente del género, buscar alguna otra forma de relato policial para la materia que tenía entre manos.

Em outros termos, o que faz Saer é seguir com seu projeto narrativo, sua “maneira” de narrar,

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

351

adaptando-a ao gênero policial, ao mesmo tempo em que

da guerra de Tróia só chegam ao conhecimento do

transgride o gênero (conceito em crise), renovando-o. De

Soldado Velho – que havia passado dez anos no

qualquer forma, não é só a forma do romance policial

centro dos acontecimentos, no cerco à cidade de

que serve de pretexto e arcabouço para que Saer siga com

Tróia – pelo relato do Soldado Jovem, que acaba de

os questionamentos de sempre de sua prosa. A própria

chegar ao acampamento grego, mas conhece todas as

narrativa em si se questiona no interior do texto. Um

histórias e heróis pelos lendários relatos que ouvira.

exemplo é a reação incrédula e zombeteira de Tomatis

Morvan crê ter chegado ao assassino por meio de

ao ouvir a narrativa policial bastante convencional de

uma carta – ainda que rasgada – e revisa todos os

seu amigo Pichón, que interrompe dizendo (p.133-4):

relatórios em busca da identidade do criminoso

– Suspenso barato – dice Tomatis, dirigiéndose no a Pichón, sino a Soldi, pero señalando a Pichón con un movimiento de cabeza significativo que, traducido a palabras podría decir: Te hago notar los métodos poco recomendables que emplea este individuo para embaucarnos con su historia.

Na verdade, esta é somente uma das passagens do romance em que a narrativa (que, por sua vez, constitui o próprio romance) é posta em xeque. Quando Pichón Garay narra aos amigos a história policial parisiense,

real. Pichón defende o valor de sua história perante Tomatis, bradando a autoridade dos jornais, além da sua proximidade dos fatos: “Salió en todos los diarios. Y además pasó a la vuelta de mi casa.” (p.141). Curiosamente, a autoridade da narrativa atestada por outras narrativas é um recurso comum do gênero policial, que abusa dos jornais como “fonte da verdade e dos fatos” e dos manuscritos, pergaminhos, testamentos e cartas, intactos, incompletos ou desaparecidos, como

clama por sua veracidade dizendo ter sido toda baseada

pistas que elucidarão o caso. Para Saer, a discussão do

em notícias de jornal. Já Soldi narra a história de “En las

estatuto do real e do fictício, da verdade e da narrativa,

tiendas griegas”, partindo do manuscrito apócrifo que

é crucial tanto em sua prosa de ficção, quanto em seus

leu na casa de Washington. Por fim, claro, um narrador

textos teóricos. Em “El concepto de ficción” (1997, p.9-

“primeiro” narra o romance, que é, na verdade, pouco

17), afirma que “el rechazo escrupuloso de todo elemento

mais do que a conversação entre Pichón, Tomatis e Soldi.

ficticio no es un criterio de verdad” e que, portanto, “la

Por outro lado, os personagens dentro de cada uma destas

verdad no es necesariamente lo contrario de la ficción”.

narrativas narram suas próprias histórias. A referência do

A mesma discussão aparecida no ensaio volta em forma

real, assim, se torna inatingível.

de ficção em La pesquisa, no diálogo entre Pichón e Soldi

No sentido contrário, no entanto, outra operação se realiza: cada personagem questiona a própria narrativa de que faz parte. Os soldados de “En las tiendas griegas” discutem a validade das experiências, reais e fictícias; Morvan – o detetive da trama policial – medita sobre sua imputabilidade na série de crimes; Tomatis ironiza o valor do relato do amigo – para, enfim, refutá-lo. Todos esses questionamentos acabam buscando, na verdade, algum referencial no real em que se apoiar, mesmo que o resultado desta busca se mostre, ao fim, infrutífero. A desconcertante conclusão da busca por referenciais é que eles só são encontrados, na narrativa, em outras narrativas. Os fatos e personagens históricos

(p.146): – El Soldado Viejo posee la verdad de la experiencia y el Soldado Joven la verdad de la ficción. Nunca son idénticas pero, aunque sean de orden diferente, a veces pueden no ser contradictorias – dice Pichón. – Cierto – dice Soldi –. Pero la primera pretende ser más verdad que la segunda. (…) – No lo niego – dice –. Pero a la segunda, ¿por qué le gusta tanto venderse en las casas públicas?

A convergência da práxis narrativa de Saer e do gênero policial se realiza em La pesquisa – a pesquisa, a investigação da verdade. O ponto central do romance está aí: não na descoberta da verdade empírica por meio

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

352

da ficção, mas na descoberta – aqui inclusive no sentido

COMPAGNON, Antoine (2010): O demônio da teoria. 2. ed.

de revelação – da verdade da ficção. A busca de Saer por

Belo Horizonte: Editora UFMG.

sua zona, sua cadência, sua maneira de narrar, é também uma busca por uma verdade ficcional. Enquanto Antoine Compagnon, em O demônio da teoria (2010) e Daniel Link, em Cómo se Lee y otras intervenciones críticas (2003) defendem a idéia de que o gênero literário contemporaneamente se liga mais à idéia de “modo de leitura” do que a de “modo de escritura”, Todorov, no já citado “El origen de los géneros” (1998)

DERRIDA, Jacques (1992): The law of genre. Em: ATTRIDGE, Derek (editor). Acts of literature. New York / London: Routledge, p. 221-252. FOUCAULT, Michel (1999): Prefacio a la transgresión. Em: Entre filosofía y literatura – Obras esenciales: volumen 1. Barcelona: Paidós. p. 163-80. ______, (1996): Lenguaje y Literatura. Em: De lenguaje y lite-

diz que também os escritores escrevem em função de um

ratura. Barcelona: Paidós. p. 63-103.

sistema genérico existente, o que não quer dizer de acordo

GUSMÁN, Luis (1995): Historia de una sumisión. Em:

com ele. Quando escreve La pesquisa, Juan José Saer não

Suplemento “Cultura y Nación” del diario C3larín. Buenos Aires

adere à literatura de massas, não segue os parâmetros

12 de octubre de 1995. Disponível em: http://www.literatura.

clássicos do policial – descritos inúmeras vezes, por

org/Gusman/gusman-villa.html. Acessado em 29/08/2012.

dezenas de autores, em centenas de regrinhas sobre “como se escrever uma narrativa policial” –, não abandona a coerência estética de toda sua obra. O que faz, na verdade, é tomar o gênero para subvertê-lo, para transgredi-lo,

LINK, Daniel (2002): O jogo dos cautos (sobre o policial). Em: Como se lê e outras intervenções críticas. Chapecó: Argos, pp. 69-89.

e, com isso, renovar o próprio gênero, bem como sua

SAER, Juan José (2008): La pesquisa. 3. ed. Buenos Aires: Seix

escritura. La pesquisa nasce seguindo os preceitos de

Barral.

autonomia, anti-naturalidade e auto-questionamento que devem embasar a linguagem literária que se quer moderna, segundo as idéias surgidas nos anos 50 e 60, e é ao mesmo tempo uma narrativa do gênero policial. Saer consegue, assim, permanecer coerente com sua formação intelectual, suas idéias, sua obra e, ao mesmo tempo, com o tempo em que viveu e escreveu.

Referências bibliográficas BARTHES, Roland (2007): Una problemática del sentido. Em: Variaciones sobre la escritura. Trad. Enrique Folch González. Buenos Aires: Paidós. p. 43-55.

______, (1999): La narración-objeto. Buenos Aires: Seix Barral. ______, (1997): El concepto de ficción. Buenos Aires: Ariel. TODOROV, Tzvetan (1998) El origen de los gêneros. Em: Teoría de los géneros literários. Madrid: Arco Libros.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

353

O VER-SE NAS PÁGINAS DO PAPEL: UM ESTUDO DA REPRESENTAÇÃO FEMININA NAS NOVELAS CERVANTINAS

Edwirgens A. Ribeiro Lopes de Almeida Unimontes Al fin y al cabo, la literatura imaginativa era ejemplar simplemente por ser representación de la vida Edward C. Riley

A conclusão de Edward Riley (1981) assinala o vínculo entre a invenção e a apropriação do cotidiano. Para esse crítico, a exemplaridade no relato de ficção decorre da transformação de aspectos da vida social em elementos de arte. O procedimento do qual resulta a verossimilhança é o mecanismo adotado por Cervantes para configurar, na arte, a representação da realidade, o que confere ao texto a ilusão da verdade e, consequentemente, a exemplaridade. Para isso, os discursos moralistas funcionavam como um espelho onde a mulher se via representada, isto é, ela se conhecia, ou conhecia a conduta “correta”, que a disciplinava dentro do padrão da ordem aceita. Para o historiador Marcelin Defourneaux, um dos elementos ‘domesticadores’ da conduta feminina era a limitada educação recebida que, para alguns pais “a instrução era uma fonte de sem vergonhas”. De modo diverso, Vives, em seu manual de instrução feminina, assevera que, somente através da educação, a mulher poderá adquirir e guardar a virtude pela vida inteira. Para ele, essa educação deveria ser limitada, feita em casa, contudo sem estabelecer tempo para começar, ficando isto a critério dos pais.

En la edad que la muchacha pareciere tener habilidad para deprehender, comiéncele a enseñar cosas de crianza y en ponerla en cosas de virtud, igual en el gobierno de la casa y hacienda de sus padres (y esto hágase poco a poco conforme a su edad) en lo cual yo no determino tiempo (VIVES, 1995, p. 43).

Entretanto, Juan Luis Vives salienta que algumas leituras devem ser condenadas como os livros que falam de “armas y de amores”, pois, como escreve São Jerônimo, “Ninguna cosa se enseña hoy, ninguna decir, si no perteneciente al temor de Dios” (VIVES, 1995, p. 59). Diferentemente da clara ironia com que Calderón de la Barca critica a restrição da leitura para as mulheres perceptível em No hay burla con el amor, Cervantes nos apresenta em La española inglesa a jovem Isabela, cuja sensatez e prudência pode ser entendida como uma crítica muito sutil à limitada educação das mulheres. Raptada por Clotaldo, esclarece o narrador que “por buena suerte” este e Catalina era católicos, mesmo praticando a doutrina em segredo na Inglaterra. Posteriormente, prossegue a narração explicando que a menina foi criada como se fosse filha do casal. Ensinaram-lhe em casa a língua inglesa, mas “no perdiá la española”.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

354

Después de haberle enseñado todas las cosas de labor que puede y debe saber una doncella bien nacida, la enseñaron a leer y escribir más que medianamente. Pero en lo que tuvo extremo fue en tañer todos los instrumentos que a una mujer son lícitos, y esto con toda perfección de música, acompañándola con una voz que le dio el cielo tan extremada, que encantaba cuando cantaba (CERVANTES, 1995, 272-273).

las armas la flaca y desarmada castidad?” (VIVES, 1995, p. 59). A pedagogia inscrita nos discursos moralistas e os relatos históricos deixam ver que a ficção dribla o contexto para provocar, na arte, a sua verdade. Em outro livro, Introdução à Sabedoria, no qual apresenta propósitos semelhantes àqueles expostos

A explicação do narrador revela que a jovem

na Instrucción de la mujer Cristiana, Vives acrescenta

Isabela possuía instrução além do que, comumente,

que “a verdadeira honra, que nasce de boa reputação,

era destinada às mulheres naquele tempo. Conhecia

e acatamento do ânimo, presta somente aos bons;

tanto a língua inglesa quanto a espanhola além de

...obedece-lhes ainda que te ordenem coisas duras,

música e das tarefas domésticas cotidianas. Quando o

graves e pesadas; pois assim o quer Deus, para que haja

narrador argumenta a existência de algumas instruções

sossego na república” (VIVES, 1964, p. 59). Impresso

“lícitas” a uma mulher, reconhece as privações a que

nesse discurso a proposta de passividade e obediência

eram submetidas as mulheres. Porém, no caso de

a pretexto da vontade de Deus que, de certo modo, no

Isabela, o grau de instrução da personagem é um fator

âmbito ficcional, disciplina as ações nas novelas das quais

positivo para que ela tome as decisões e, é motivo de

falamos. No plano histórico, percebe-se que a religião,

enaltecimento da personagem pela voz do narrador

pelo enunciado de Vives, conduz as ideias, as práticas

quando a caracteriza como “honesta, hermosa, prudente

e, por conseguinte, a manutenção da ordem social. Por

y discreta”. Embora pareça abnegada, esse seu grau de

essa abordagem, o diálogo com os costumes através

instrução, discernimento e a sua aparente resignação

dos moralistas evidencia que a diferença no modo da

configura-se num elemento essencial de diferenciação

educação garante, pelo menos nas folhas do papel,

em relação a outras mulheres e, por sua vez, na conquista

posturas bem distintas para homens e mulheres, que o

de Ricaredo. Baseado na ordem estabelecida, o discurso

autor das Novelas Ejemplares representa e, ao mesmo

ficcional ironiza, sutilmente, a limitação da instrução

tempo, “desestabiliza” através do discurso literário.

que, dentre outros aspectos, põe a mulher numa condição inferior aos homens na sociedade. Essa vigilância sobre a educação da mulher visava à garantia da castidade, “bem” maior que a mulher poderia resguardar. A violação da pureza da mulher, além de constituir um grave pecado, resultaria na desonra de toda a família. Luiz Costa Lima assegura que, “para uma ordem assentada no religioso, a situação de pecado representava uma ameaça bem mais extensa; uma ameaça que sublinhava cada ação no cotidiano” (LIMA, 2007, p. 253).

Em El celoso extremeño, o construto ficcional dá vida e, num outro olhar, critica a ordem predominante. Dá vida quando cria, com certo sentimento de verdade, nas criaturas de papel, a dinâmica social e ideológica em voga naqueles tempos. Nessa novela, temos a donzela Leonora, uma menina de pouco mais de 13 anos a quem o velho Carrizales pretende “educar’ nos moldes de esposa que ele pretendia para si. Sobre a conduta das mulheres, o narrador, nas primeiras páginas, situa a distinção das mulheres espanholas e nobres em detrimento das mulheres das Índias a quem ele chama

Vives, mais uma vez, confirma que as práticas

de “mujeres libres, engano comum de muchos y remedio

sociais se vinculavam à doutrina católica. “Hágote saber

particular de pocos” (CERVANTES, 1995, p. 20). A

que no es muy católico el pensamiento de la mujer que

visão depreciadora da mulher da colônia antecipa ao

se ceba en pensar en las armas y fuerzas de brazos y

leitor a divergência de posturas a que eram submetidas

cuerpo del varón. Y ¿qué lugar seguro puede tener entre

as mulheres destinadas ao casamento.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

355

Conforme explica Luiz Costa Lima (2007),

Instrucción de la mujer cristiana põe em questão o teor

vários tipos de textos dos séculos XVI e XVII propunham

da restrição feminina: “Por tanto, sea el rostro de la mujer

a “domesticação” da mulher visando à manutenção da

descubierto por la calle, y en lugar de velo pónganse el

ordem social, sobretudo religiosa. Uma leitura preliminar

de la vergüenza en la cara, porque han de saber que el

indica que Leonora, protagonista de El celoso extremeño,

velo que antiguamente usaban traer las mujeres no era

exemplifica essa típica imagem da mulher casada.

tanto para no ser ellas vistas, cuanto para no ver ellas a

Tomado de intenso ciúme, o velho Carrizales, ciente

los otros” (VIVES, 1995, p. 287-288). A vigilância que se

de que a educação e a nobreza, conforme argumentam

estabelece sobre a atuação da mulher no espaço público

Vives (1995) e León (1953), eram determinantes da

visando à manutenção da castidade e da honra, são, a

conduta feminina, sabendo de que era filha de nobres

nosso ver, um mecanismo com o qual o homem pretende

empobrecidos, planeja a disciplina ou “domesticação”

garantir a sua própria identidade, pois a perda da honra

da menina moça: “casarme he con ella; encerraréla y

das mulheres resultaria, conforme explicamos anterior-

haréla a mis mañas, y con esto no tendrá otra condición

mente, no rompimento coletivo da honra familiar. Com

que aquella que yo le enseñare” (CERVANTES, 1995,

isso, pelas palavras de Vives acima, a prática de esconder

p. 23). O que indica o predomínio do homem sobre a

o rosto da mulher no espaço público se configura como

mulher, por outro lado nos deixa ver a necessidade do

uma limitação naquilo que a mulher deveria ver, isto é,

homem de controle da mulher, o que supõe a fraqueza

naquilo que ela poderia conhecer. Por um lado, pode ser

masculina através do ciúme, aspecto que trataremos nos

entendido como uma metáfora das restrições, sobretudo

capítulos seguintes.

sobre a limitada educação recebida, a que foram subme-

Pelos tratados morais, a responsabilidade

tidas as mulheres no plano histórico.

da mulher sobre a criação e a educação dos filhos se

Luis de León ratifica que a mulher casada “de

estende também aos cuidados com o marido. Vives

valor” era aquela recatada, limitada a seus deveres do-

argumenta que a mulher tem responsabilidades sobre

mésticos de mãe e de esposa. Com essas características,

os filhos e sobre o marido. Seu dever principal é lhe

seria comparada a uma jóia.

ser fiel e amável. Acrescenta Vives, “por tanto, todo su cuidado de la casada debe ser en trabajar de conservar a su marido y a él sólo agradar” (VIVES, 1995, p. 287). Vê-se que, pelo discurso moralista, as práticas da mulher são condicionadas a sua relação com o homem, isto é,

De manera que el hombre que acertare con una mujer de valor se puede, desde luego, tener por rico y dichoso, entendiendo que ha hallado una piedra oriental, o un diamante finísimo, o una esmeralda u otra alguna piedra preciosa de inestimable valor (LEÓN, 1953, p. 51).

as ações femininas visavam ao bem estar da família, do outro, da sociedade. Em nenhum momento é mostrada

Os discursos revelam a importância dada à

a preocupação com os próprios anseios e sentimentos

mulher que cumprisse o papel determinado por aquela

próprios da mulher.

ordenação social. Para exemplificar, mormente a

O mesmo escritor defende que a mulher devia sair menos possível de casa e esclarece que, em alguns lugares e cidades da Europa, a mulher somente saía de casa com véus muito sutis que as encobriam o rosto, e isso Vives considera como algo relevante para a preservação do pudor feminino e do desconhecimento delas da vida social. O fragmento a seguir, extraído de

distinção da mulher recatada e restrita ao lar, Vives cita o mito de Fauna, mulher de Fauno, rei dos aborígenes da Itália, que nunca foi vista por outro homem além de seu marido. “Por cuál razón, después de muerta, la tuvieron por diosa, y la llamaban diosa buena, y en sus sacrificios no sólo no podían entrar hombres, mas aun sus sacerdotes no podían ver figura de animal macho” (VIVES, 1995, p. 288). Por esse prisma, a mulher que cumpre

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

356

satisfatoriamente o seu papel é elevada à condição de

recato. Se em sua fortaleza imperava, aparentemente,

“deusa”, à semelhança de Maria na perspectiva religiosa,

tais características, pode-se entender que Carrizales faz

do mesmo modo, aquelas que rompessem com esse

de sua fortaleza um simbólico convento, isto é, onde

paradigma tendiam a ser comparadas a Eva, a primeira

reclusas, as mulheres mantém-se obedientes, recatadas

mulher, ou a uma ‘bruxa’.

e honestas.

Se a precaução com a guarda da castidade das

Após contar ao leitor todas as precauções

donzelas constituía objeto de preocupação social, com

tomadas por Felipo para evitar a entrada de pessoas

as mulheres casadas essa vigilância era ainda mais

na sua casa e a saída das mulheres suas criadas e sua

intensa porque a desonra da esposa se configurava em

esposa à rua, o narrador informa que Carrizales pediu

descrédito da família e, sobretudo, do marido. Como

a esposa a seus sogros “que se la entregaron no con

no relato moralista encontramos um enunciado que

pocas lágrimas, porque les pareció que la llebavan a la

pretende a disciplina das mulheres, no plano ficcional,

sepultura” (CERVANTES, 1995, p. 25). A explicação do

entendemos essa abordagem como um instrumento de

narrador parece dar realce, não apenas à condição de

crítica daquelas condições determinadas para homens

Leonora, mas à problemática das convenções e das regras

e para mulheres. Em El celoso extremeño, deparamos

a que eram submetidas as mulheres naquele tempo.

com o velho Carrizales que cria uma fortaleza a fim

Por essa expressão, o casamento foi considerado como

de aprisionar a jovem esposa Leonora. O exemplo do

uma morte da personagem. Assim como orienta Vives

caso de Fauno informado por Vives em trecho acima

e León, as mulheres ficcionais inscritas em El celoso

é também objeto de representação na atitude de Felipo

extremeño não passeiam pelo espaço público, apenas

Carrizales. A prevenção deste é, ironicamente, descrita

às missas da madrugada ia Leonora acompanhada de

pelo narrador:

algumas escravas, “pero tan de mañana, que apenas tuviese la luz lugar de verlas” (CERVANTES, 1995, p.

Dígame ahora el que se tuviere por más discreto y recatado qué más prevenciones para su seguridad podía haber hecho el anciano Felipo, pues aun no consintió que dentro de su casa hubiese algún animal que fuese varón. A los ratones della jamás los persiguió gato, ni en ella se oyó ladrido de perro; todos eran del género femenino… Jamás entró hombre de la puerta adentro del patio… Las figuras de los paños que sus salas y cuadras adornaban, todas eran hembras, flores y boscajes. Toda su casa olía a honestidad, recogimiento y recato (CERVANTES, 1995, p. 27-28).

26). Segundo as instruções de Vives (1995), a mulher casada precisava sair menos de casa que as donzelas já que elas já haviam encontrado o que procuravam. Com base nesse pensamento, a vida da mulher se resumia na sua relação com homem por meio do casamento. Outra importante postura relevante nos discursos moralistas é o da obediência da mulher às doutrinas e ao marido. Na ficção, Leonora configura-se nesse

Uma leitura superficial do excerto indica a

exemplar modelo de mulher casada. “Y la nueva esposa,

correspondência do enredo novelesco a algumas práticas

encogiendo los hombros, bajó la cabeza y dijo que ella no

em vigor, como evidenciamos a partir de Vives. Por

tenía otra voluntad que la de su esposo y señor, a quien

nossa leitura, entendemos a voz do narrador como uma

estaba siempre obediente” (CERVANTES, 1995, p. 26).

expressão irônica das iniciativas tomadas pelo esposo

A explicação do narrador sublinha, ao mesmo tempo em

uma vez que, tendo em vista o rompimento daquela

que critica, a superioridade do homem frente à mulher

fortaleza por Loaysa, é, por sua vez, burlada a segurança

naquele cenário ficcional. Expressões como “encogien-

por ele arquitetada. Sendo assim, a última frase do trecho

do los hombros, bajó la cabeza” indicam a obediência

acima adianta ao leitor que algo flexibilizará aquela

e servilismo da mulher diante do controle do homem

“aparente” tranquilidade, honestidade, recolhimento e

“su esposo y señor”. Ao passo que a ficção nos remete

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

357

a esses termos, nos dá a oportunidade de pensar tais

espaço doméstico, a ficção exagera a guarda e o controle

relações de gênero.

sobre a mulher, exatamente para chamar a atenção para

Se optarmos por enxergar na ficção uma correspondência com o contexto histórico, podemos observar que as recorrências da história alimentam, de certo modo, o relato literário. Nas palavras de Marcelin Defourneaux: Apenas podemos entrever a vida da jovem até o seu casamento. Advinhamo-la submetida à estreita e ciosa vigilância dos pais, nunca saindo senão para ir, invariavelmente acompanhada, à igreja de sua paróquia, sonhando com o Caballero que vislumbrou e achando por vezes nos domésticos femininos que a rodeiam cumplicidade para a troca de bilhetes amorosos. Mas contarão os seus sentimentos, quando tiver de se casar? Afigura-se, na maioria dos casos, que o casamento é ajustado pelos pais e que a donzela se livra da tutela paterna para ficar debaixo da do marido (DEFOURNEAUX, 1983, p. 192).

essa restrição feminina. E ainda, numa observação do narrador sobre o pensamento da personagem esclarece que “[p]ensaba y creía que lo que ella pasaba pasaban todas las recién casadas”. O realce para essa questão se dá, a nosso ver, para mostrar ao leitor ou leitora que tal clausura poderia não ocorrer com tanta intensidade e com todas as mulheres, mas era predominante a superioridade do homem sobre a mulher. Com uma retratação dos costumes que visa à crítica das convenções estabelecidas para os gêneros, o servilismo pintado na personagem Leonora é escrita, por um lado, como uma escrava da sua condição de esposa, e também de ser mulher. Citando fragmento de um viajante francês que faz um panorama sobre a Espanha no século XVII, Marcelin Defourneaux escreve:

Com um destino semelhante àquele comum às

“[o]s maridos que querem que as mulheres vivam em

meninas na sua condição, nobre, porém empobrecida

resguardo, mostram-se absolutos ao ponto de as tratarem

economicamente, Leonora, resignada da sua condição,

como escravas, receando que uma honesta liberdade as

passa da tutela do pai à do marido. Segundo o com-

emancipe das leis do pudor...” (DEFOURNEAUX, 1983,

portamento esperado das perfeitas mulheres casadas,

p. 192). Se do lado da história, muitas mulheres eram

como assegura Luis de León (1953), Leonora é passiva

tratadas como escravas, a ficção apresenta “sintomas

à sua condição, pois ela não questionava o modo como

de realidade” ao expressar essa inquietação através da

vivia encarcerada em sua própria casa, crendo ser este o

aparente postura subserviente da protagonista. Pelo que

destino de todas as mulheres que se casavam. De acordo

assevera Ludwig Pfandl:

com o relato do narrador: Su demasiada guarda le parecía advertido recato. Pensaba y creía que lo que ella pasaba pasaban todas las recién casadas. No se desmandaban sus pensamientos a salir de las paredes de su casa, ni su voluntad deseaba otra cosa, más de aquella que la de su marido quería. Sólo los días que iba a misa veía las calles, y esto era tan de mañana, que, si no era al volver de la iglesia, no había luz para mirallas (CERVANTES, 1995, p. 28).

A explicação do narrador sobre a conduta da

[p]or su educación y sus antecedentes es la esposa honesta, casta, entregada en alma y cuerpo, por puro sentimiento del deber, al marido que no ama, fiel, abnegada, típica representación de aquella mitad del género femenino de la época española de los Habsburgos, que caracterizé como esclava de aquella sociedad. En silencioso apartamiento soporta resignada la cadena del matrimonio según la tradición nacional, sabiendo que la conducta de su marido está completamente de acuerdo con las costumbres y la ley (PFANDL, 1952, p. 341).

criatura ficcional corresponde às orientações contidas no

Depois de caracterizar Leonora como “una figu-

discurso moralista sobre as práticas da mulher diante do

ra absolutamente nobre”, Pfandll discute sobre a conduta

marido. Apesar das instruções sobre o comportamento

que, a seu ver, a torna o modelo de mulher predominante

feminino indicar na direção do recato e do recolhimento

naqueles tempos, isto é, passiva, honesta, obediente ao

da mulher casada orientando que se restringissem ao

marido e resignada da sua condição de mulher, sobretu-

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

358

do de mulher casada. Com isso, a obra de ficção permite

CERVANTES, Miguel de (1995): Las dos doncellas. In: Novelas

à mulher ver-se refletida nas páginas do papel.

ejemplares. (Edición, introducción y notas de Rosa Navarro

Para enfatizar a sua crítica, o narrador elabora a sutil ironia ao acrescentar que “no se vio monasterio tan cerrado, ni monjas más recogidas, ni manzanas de oro tan guardadas. Y con todo esto, no pudo en ninguna

Durán) Madrid: Alianza Editorial. Vol 2. p. 143-189. DEFOURNEAUX, Marcelin (1983): A vida quotidiana em Espanha no século de ouro. (Trad. de André Carga) Lisboa: Livros do Brasil.

manera prevenir ni excusar de caer en lo que recelaba:

LEÓN, Fray Luis (1953): La perfecta casada. Madrid: Aguilar,

a lo menos, en pensar que había caído” (CERVANTES,

S.A. de Ediciones.

1995, p.28). O trecho nos faz pensar nas intervenções intentadas pelas personagens, mesmo a contragosto de Leonora, que, de certo modo, quebram a fortaleza levantada pelo marido Carrizales levando a seu total

LIMA, Luiz Costa (2007): A problemática dos livros de ficção entre os espanhóis do século XVI. In: LIMA, Luiz Costa. Trilogia do controle. 3 ed. Rio de Janeiro: Topbooks.

infortúnio. O posicionamento do narrador na explicação

PFANDL, Ludwig (1952): Historia de la literatura nacional en

que conclui o fragmento “a lo menos, en pensar que ha-

la Edad de oro. (Trad. Del alemán Jorge Rubió Balaguer. 2. Ed.

bía caído” previne o leitor do final duvidoso com o qual

Barcelona: Editorial Gustavo Gili, S.A.

deparará no desfecho da história. Para isso, o narrador

RILEY, Edward. C (1981): Teoria de la novela en Cervantes.

não conta os fatos à medida que eles acontecem, mas relata a história após ter conhecido o seu final, por isso tem autoridade para colocar em suspense o desfecho para o leitor. Nesse sentido, portando-se como intenso conhecedor do objeto narrado, o narrador partilha com o leitor a liberdade para construir a crítica e a ironia.

(Versión castellana de Carlos Sahagún) Madrid: Taurus. VIVES, Juan Luis (1995): Instrucción de la mujer Cristiana. (trad. Juan Justiniano) Madrid: Fundación Universitaria Española, Universidad pontificia de Salamanca. VIVES, Juan Luis (1964): Introdução à sabedoria. In: Moralistas Espanhóis. PÉREZ, David J. (Seleção e prefácio) (Trad. Acácio França) Rio de Janeiro: W.M. Jackson.

Referencias bibliográficas CERVANTES, Miguel de (1995): La española inglesa. In: Novelas ejemplares. (Edición, introducción y notas de Rosa Navarro Durán) Madrid: Alianza Editorial, Vol 1.p. 271-322. CERVANTES, Miguel de (1995). El celoso extremeño. In: Novelas ejemplares. (Edición, introducción y notas de Rosa Navarro Durán) Madrid: Alianza Editorial. Vol 2. p. 19-65.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

359

LITERATURAS HISPÂNICAS NO ORIENTE? A DUPLA IDENTIDADE CULTURAL E LINGUÍSTICA EM MARGALIT MATITIAHU, DE ISRAEL

Eidson Miguel da Silva Marcos PG-UFRN

Longe de expressar apenas uma concepção estanque, num processo cristalizado e vertical, a Hispanidade veio se revelando historicamente como fruto de uma série contínua de trânsitos culturais diversos e dinâmicos. Entendendo o termo a partir dessa complexidade, e deslocando sua busca conceitual para além dos limites geopolíticos consolidados nas experiências peninsular ibérica e americana, pretendemos desenvolver nesta breve exposição um registro conciso da existência de hispanidades outras, presentes, por exemplo, no Oriente Médio, e sua relação com outras alteridades culturais. Para tanto, recortaremos o caso da literatura israelense contemporânea produzida em ladino, ou judeu-espanhol, ilustrada por algumas investidas poéticas da escritora e tradutora Margalit Matitiahu, cujo pertencimento identitário e expressão estética e lingüística transitam entre heranças culturais seculares, nomeadamente a judeu-espanhola e a hebraica, matérias primas de uma poética original, multifacetada e polifônica. Na obra “El Espejo Enterrado” Carlos Fuentes, ao tecer considerações acerca da noção de uma hispanidade inserida no contexto norte-americano, nos aponta que: la tercera hispanidad, la de los Estados Unidos, constituye no sólo un hecho político o econômico. Es,

sobre todo, un hecho cultural. Toda una civilización ha sido creada en los Estados Unidos con un pulso hispánico. Aquí ha nacido una literatura que subraya los elementos autobiográficos, la narrativa personal, la memoria de la infância... (FUENTES, 1992, p. 518)

As considerações de Fuentes nos levam a ponderar acerca de uma concepção de hispanidade fluida, permeada de interferências culturais diversas. Inclusive quando consideramos que a “hispanidade espanhola”, que supostamente constituiria um ponto hierárquico definidor das demais hispanidades, é ela mesma fruto de trânsitos e amalgamas culturais históricos e dinâmicos, principalmente quando consideramos os aspectos da configuração dialetológica da Península Ibérica nos transcursos dos séculos XV e XVI: As condições dialetais da Espanha medieval são difíceis de serem construídas devido ao fato de a Reconquista e a concentração do poder nas mãos do Reino de Castilha terem provocado movimentos que separaram dialetos anteriormente vizinhos e esfacelaram a relativa unidade lingüística peninsular representada pela fala moçárabe (ZAMORA, 1996: 11). O castelhano, inicialmente próprio de apenas um condado leonês – Castilha –, absorverá os falares vizinhos (asturiano e navarro-aragonês) que passam a subsistir como variedades dialetais. Com o crescimento do poder político dos condes castelhanos, o castelhano se expande em direção ao sul, deixando apenas nas extremidades leste e oeste o que é hoje o galego e o catalão. Sua influência se intensificará ao ser elevado

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

360

à categoria de língua nacional no início do século XVI. (DUCHOWNY, 2003, p. 67)

Podemos, dessa forma, perceber a complexa rede de interações culturais implicadas na formação da Espanha, e consequentemente do que compreendemos como hispanidade. Essa rede apresenta um caráter ainda mais heterogêneo a partir do momento em que: sabe-se que as afinidades culturais entre os países da Península Ibérica estão diretamente relacionadas, em grande parte, à forte herança acumulada ao longo dos quase oito séculos de presença árabe em seus territórios. (QUEIROZ, 2007, p. 48)

Dentro deste dinâmico contexto, a presença hebraica também se fez, deixando no judeu-espanhol um importante registro lingüístico e cultual do caráter multifacetado dos aspectos ai existentes.

grego, sérvio, croata, italiano, romeno, búlgaro, albanês, etc. influiu neste espanhol arcaico, composto por uma base de castelhano com elementos de ouras regiões da Espanha que se desenvolverá em uma língua com características fonológicas e gramaticais próprias. Devido à quantidade restrita que se tem de dados sobre o século XVII e da quase inexistência de textos, podese afirmar que, a partir do século XVIII, já existia uma língua distinta utilizadas pelos sefarditas, diferenciada das outras variantes hispânicas, denominada pela comunidade acadêmica contemporânea de judeuespanhol. (DUCHOWNY, 2003: 71)

O judeu-espanhol desempenhou inúmeras funções, desde pedagógicas a litúrgicas e atualmente está em vias de restrição de uso, conforme nos informa (DUCHOWNY, 2003: 73). Dessa forma, em se tratando das manifestações em judeu-espanhol, podemos vislumbrar uma hispanidade mesclada, ou emergida também, de elementos hebraicos e arábicos. No norte do Marrocos, por exemplo, também se fala uma modalidade

O Judeu-espanhol constitui uma língua surgida

de judeu-espanhol, trata-se do Hakitía, que hoje tem

no contexto da expulsão dos judeus da península ibérica

quase todos os seus falantes radicados em comunidades

em fins do século XV, pelos reis Isabela de Castilha

judaico-marroquinas de Israel e de outros países (França,

e Fernando de Aragão. Cerca de cem mil judeus,

Espanha, Estados Unidos, Brasil e outros).

chamados de sefarditas, termo referente à Sefarad com o qual designavam a Espanha, teriam sido forçados a deixar o território espanhol em virtude de uma política de salvaguarda da religião católica. Esses sefarditas expulsos acabaram protagonizando um movimento diaspórico que se estendeu por terras do norte da África, Portugal, Itália, Holanda, Sul da França e Império Otomano.

A despeito das múltiplas inovações incorporadas, em virtude, sobretudo, da forte influência dos povos junto aos quais habitaram, o judeu-espanhol atual apresenta uma correspondência marcante com o espanhol arcaíco. Dentre essas correspondências verificáveis podemos destacar a conservação da letra “f ”, da distinção entre a “s” surda e sonora e entre a “z” surda e sonora, a conservação do valor “sh” para “x” e “ j”, a conservação

A necessidade de utilização dos romances locais

de “dj” para “j”, como podemos ver em “Djidio bovo

para a comunicação por parte dos sefarditas, o uso

no ay./Não existe judeu bobo.” (GUIMARÃES, 1997, p.

restrito do hebraico por parte da comunidade judia,

99), entre outras.

a necessidade de tradução dos textos sagrados para o castelhano propiciou o surgimento do judeu-espanhol, ou ladino, que é, portanto, uma resultante da expulsão dos sefarditas da Espanha. Assim, a respeito do espanhol arcaico que falavam, com a inserção dos sefarditas nos territórios pós-expulsão e: Apesar de as comunidades serem fechadas e bastante unidas, o contato com os vizinhos falantes do turco,

Atualmente: Israel es el paiz onde se nota aktualmente la mas grande aktividad en el kampo del ladino i su kultura, i esto es natural siendo ke aki bive la mas grande komunidad en el mundo de sefaradis de avla djudeo-espanyola. Aunke no tenemos una estatistika ofisiala sovre el numero de los ke forman esta komunidad podemos dizir ke eya es ainda bastante grande para poder tener aktividades ke

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

permeten de mantener esta lengua em vida. (ANDRÉS e SHAUL, s/d, p. 449)

Existem mecanismos que, principalmente em Israel, ainda contemplam o judeu-espanhol como língua de comunicação e de expressão artística, a exemplo de eventos acadêmicos, jornais, programas de radio, páginas na internet dentre outros. Atualmente a presença do judeu-espanhol é marcante em várias partes do mundo, na Europa, África, América dentre outros, graças ao histórico processo diaspórico empreendido pelas comunidades sefarditas. No que diz respeito ao seu percurso literário: el ladino, español serfadita o djudeo-espanyol, lengua derivada del castellano medieval y cultivada por los judíos sefaradíes expulsados de España a fines del siglo XV. Su expresión literaria dentro de aquel contexto está caracterizada por un fuerte influjo oral, reuniendo en su conjunto elementos de origen judío e hispano. De acuerdo con Díaz-Mas y Romero, dos estudiosas del tema, conviven allí géneros de carácter judío, que corresponden con los géneros patrimoniales; géneros de origen hispánico, tradicionales, de transmisión oral; géneros híbridos, como las coplas, y, por fin, los llamados géneros adoptados, es decir, “aquellos de aparición más tardia, cuya característica fundamental es la influencia occidental que manifiestan”. (DÍAZ-MAS, 1986:133). Aunque las perspectivas de futuro para dicha actividad parezcan sombrías, algunos investigadores como, entre otros, Andrés y Shaul, entienden que en el campo de la creación literaria también se nota últimamente “una aktividad remarkable kon la publikasion de un roman ansi ke ovras de teatro, livros de kuentos i de poezia i mas”. (ANDRÉS y SHAUL, 2006: 450), extendiendo el debate hacia el género ensayístico. (...) en Israel escritores contemporáneos como Avner Pérez y Margalit Matitiahu, entre otros, se expresan tanto en hebreo como en español serfadita, asumiendo, a través del sujeto literario, su híbrida identidad cultural. (QUEIROZ,

reencuentro, en 1986, con lo que quedaba (tras la barbárie nazi) de lãs comunidades sefardíes griegas en que nacieron y vivieron sus antepasados, inclino la balanza de su poesia hacia la lengua sefardí, que había aprendido en su infância, en su entorno familiar. Desde entonces, unos pocos poemarios en hebreo, y muchos más en sefardí (publicados la mayoria de ellos por editoriales españolas), han coronado la obra de quien está reconocida como la voz poética más original y consistente de lãs letras judeoespañolas modernas: Curtijo quemado (1988), Alegrica (1992), Vela de la Luz (1997), Camino de tormento (2000), Bozes en la shara (2001), Vagabondo eternel (2001), Despertar el silencio (2004), Asiguiendo el esfuenio (2005)... En el mismo año de 2005, la antologia Canton de solombra: antologia sefardí, que editó en Málaga la colección Narila / Poesía, recogió lo más granado de sus versos. Y en 2008, la compilación canónica de Shmuel Refael, Un grito en el silencio. La poesia sobre el Holocausto en lengua sefardí: estúdio y antologia (Barcelona: Tirocinio, 2008), situó y contextualizo su obra (en lugar destacadísimo, claro) en el marco de la poesia en lengua sefardí de los últimos decenios. (PEDROSA, 2009, p. 110)

Após está sucinta exposição do percurso de Margalit Matitiahu, e ainda destacando as palavras de PEDROSA (2009), vale apontar que: tres son las claves de que vertebran sus versos: la nostalgia, con tintes a veces hasta de planto funeral, del paraíso perdido de las comunidades greco-sefardíes que fueron salvajemente destruídas por los nazis; el amor, vital, sensorial, desbordante, que embarga a la autora, que se eleva (y la eleva) sobre las ruínas del pasado y permite la reconciliación y la vivencia intensamente emotiva y optimista del presente; y la potencia de la palabra (hablada y escrita), que se constituye en hilo conductor, en cemento de unión, en vínculo indispensable entre el ayer que escapa y el hoy que es preciso apurar con la mayor intensidad y la más clara conciencia. (idem: p. 111)

Vejamos alguns dos seus poemas. Las palabras

Margalit Matitiahu nasceu em Tel Aviv, Israel, é licenciada em Literatura Hebréia e Filosofia, também é tradutora, ensaísta e colaboradora literária. Poetisa contempla em sua criação literária o Hebreu e o Judeu Espanhol, ou Ladino. Autora primero (entre 1976 y 1983) de tres poemarios en hebreo, un nostálgico viaje de rememoración y

361

Las palabras Divienen madeshas Las vo despiegando Las vo rodeando Hasta que piedren su senso Locas de no ser. Yo las amaso de muevo Y les do vivenza, Nacen a ser mi pan, Nacen a ser mi vino,

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

362 No se arugan En el tiempo De la zona eternel. (MATITIAHU, 2005)

Nesse caso, podemos considerar que para Margalit Matitiahu a palavra é um material que “No se arugan / en el tiempo”, que é capaz de estabelecer um fio condutor que une “las sombras del pasado con la luz del presente” (PEDROSA, 2009, p. 111), a partir da qual é possível se perceber os vários matizes componentes de uma identidade cultural fluida, híbrida. Margalit trabalha com a palavra, com “su senso”, esvaziando-a e dando-lhe um novo conteúdo, uma nova “vivenza”. Nos chama a atenção para o caráter maleável da língua, da palavra, capaz de comportar os sentidos que quisermos lhe impingir. Palavra, língua, capaz de aglutinar experiências estéticas e culturais diversas, e que serve para Margalit Matitiahu cultivar, assim como o amor, a nostalgia, a memória de suas heranças culturais. Antes de Arivar a Saloniqui Antes de la partensia de tu chiques vine madre mia a batir enriva la piedra de tu casa eternel y desirte que me vo ande se crio tu alma ande tu padre planto en ti simiente de poesia. Me acerco de tu sufriensa cayada y de las piedras que no tienen luz ma todo no fue en vano vo a murmurear en u oreja de tierra. (MATITIAHU, 2005)

Percebemos que os versos de Antes de Arivar a Saloniqui procuram trazer “Sombras del pasado, voces que van y vienen al más Allá” (PEDROSA, 2009, p. 111). Por esse viés a poesia de Margalit Matitiahu investe em: incursiones por geografias muy diversas, que van desde el León de la España medieval em que la poeta situa la cuna de su própria Sefarad sentimental, hasta el Delfos moderno que cabalga, también, entre el ayer clásico y el hoy más actual.” (PEDROSA, 2009, p. 112)

Como também podemos constatar nos versos que remetem a antigos cancioneiros folclóricos

hispânicos, a exemplo dos que exploram a metáfora do ambiente rural.

(...) A tu puerta, dama hermosa, tres arbolitos plante; un Olívio y un Cerezo, y la rama de laurel. Ayer noche fui a tu huerto y al Arroyo me bajé, y en la orillita del agua tres clavelitos plante. A tu puerta plante un pino, Y en el pino una cebolla, en la cebolla un espejo donde se mira mi novia. (...) Aunque no soy labrador a labrar me apuntaría, a echar un surco derecho en el jardín de una niña. A la tu ventana, rosita temprana, he de plantar um clavel y una rosa catalana. (PEDROSA, 2009, p. 114-115)

A atividade poética de Margalit acaba transitando por duas identidades culturais, como admite a própria escritora em entrevista publicada no jornal espanhol Diario 16, quarta feira, 28 de maio de 1997. Bivir kon dos lenguas es komo bivir en dos kulturas. Komo so nasida en Israel me engrandesi kon dos lenguas ke devinieron mas tardre lenguas de kreasion. En fakto biven en mi dos existencias, la una israelita y la otra vino de los rutes, de lo pasado, de todo lo que se kolekto en mi mezo mi padre i mi madre. No so repartida, me siento mas rika, porke biven en mi dos kulturas. (MATITIAHU, 1997)

O judeu-espanhol, língua surgida a partir dos percursos diaspóricos sefarditas, que, mesclando espanhol arcaico, com contribuições lingüísticas do grego, turco, hebraico, dentre outros, serve a escritores contemporâneos como Margalit Matitiahu de veículo de expressão artística, evidenciando uma dupla identidade cultural e linguísitca na poética da autora, bem como

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

363

aponta para o caráter dinâmico da expressão cultural

FUENTES, Carlos (1992): El Espejo Enterrado. Madrid: Taurus

em língua espanhola. Dessa forma, podemos entrever na

Bolsollo.

investida poética de Margalit Matitiahu a manifestação de uma hispanidade outra, emergida do universo hebraico, a partir de trânsitos socioculturais históricos diversos. Tais considerações nos levam a cogitar um caráter plural no que ser refere à compreensão do termo hispanidade, que não estaria condicionado unicamente a uma apreensão que tenha como eixo norteador “uma” hispanidade espanhola.

GUIMARÃES, Aléxia Teles (1997). A Importância dos Provérbios no Judeu-Espanhol. Em: Caligrama: revista de estudos românicos, Belo Horizonte, n. 2, p. 97-101. Disponível em: www.periodicos.letras.ufmg.br/index.php/caligrama/ article/.../261, acessado em 20/08/2012. MATITIAHU, Margalit (2012). Las Palabras. Disponível em: mhtml:file://C:\Documents and Settings\Eid\Meus documentos\EVENTOS 2012\VII Congresso Brasileiro de

Además, investidas como a de Margalit

Hispanistas – UFBA\Poemas en Ladino de Margalit Matitiahu

Matitiahu possuem o grande mérito de preservar um

eSefarad.mht!http://www.esefarad.com/?p=7190, acessado

tão importante documento, como é o judeu-espanhol,

em 25/07/2012.

além de corroborar considerações como as de Fuentes

______ (2005). Antes de Arivar a Saloniqui, Las Palabras.

(19992: 523) para quem “el hecho es que las culturas sólo florecen en contacto con las demás, y perecen en el aislamiento”.

Referências bibliográficas

Em: Canton de Solombra (Antología sefardí). Málaga: Narila. ______ (1997). Porke eskrivo en dos lenguas, hebreo i judeoespaniol. Diario 16, miércoles, 28 de mayo de 1997. PEDROSA, José Manuel (2009). Margalit Matitiahu: modernidad, tradición y poesia sefardí. Em: Adarve: revista de crítica y creación poética. Nº 4. pp. 105 – 118. Disponível em:

ANDRÉS, Rosa María Moro de; SHAUL, Moshe (2006-2007):

http://www4.ujaen.es/~dmanero/Adarve/Adarve4/Adarve4.

El ladino i su kultura en Israel en el anyo 2005. In: Presente

pdf, acessado em 25/07/2012.

y Futuro del Español. Anuario Cervantes 06-07. Madrid, pp. 449-451. DÍAZ-MAS, Paloma (1986): Los sefardíes. Historia, lengua y cultura. Barcelona: Ríopiedras Ediciones.

QUEIROZ, Amarino Oliveira de (2010). De La Invisible Presencia: voces literarias en español desde África y Asia. Em: Actas del II Congreso Nordestino de Español. Maceió: UFAL. ______ (2007). As Inscrituras do Verbo: dizibilidades perfor-

DUCHOWNY, Aléxia Teles (2003): Percurso Histórico do

máticas da palavra poética africana. Recife: UFPE, PGLetras.

Judeu-Espanhol. em: Revista Papia 13, PP. 67-76.

Tese de Doutorado. ZAMORA, Vicente (1996). A Dialectología Española. Madrid: Gredos.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

364

HETEROTOPIAS DE FUNCIÓN COMPENSATORIA EN LA ESCRITURA HISPANO-CANADIENSE CONTEMPORÁNEA

Elena Palmero González UFRJ/ CNPQ

Continuando una línea de trabajo, abierta

preferencialmente interesada por las literaturas de

hace algunos años, referida al estudio de la literatura

lengua española producidas en Estados Unidos.

hispano-canadiense, sistematizo en esta comunicación

Tampoco la historiografía literaria latinoamericana ha

algunas ideas en torno a lo que he venido llamando

dado suficiente atención a este corpus. De hecho, los

una poética del desplazamiento y específicamente me

proyectos historiográficos mas serios de los últimos

detengo en el estudio de algunos cronotopos que, a

años, la historia de la literatura latinoamericana de

mi manera de ver, resultan recurrentes en el corpus

Roberto González Echevarría y Enrique Pupo-Walker,

contemporáneo de la literatura hispano-canadiense.

The Cambridge History of Latin American Literature,

Propongo leer esos cronotopos como heterotopías de

de 1996, corregida y ampliada para Gredos en 2006,

función compensatoria (Foucault, 1967), inherentes a

y la coordinada por Mario Valdés y Djelal Kadir con

las culturas diaspóricas y expresivas de la imaginación

participación de un nutrido grupo de investigadores

en movimiento que domina nuestro tiempo.

de América Latina, Literary Cultures of Latin America.

Denomino literatura hispano-canadiense a un sistema literario que se ha venido articulando con cierta nitidez en los últimos sesenta años. Producida por una comunidad emigrada de origen hispánico en el ámbito geográfico de Canadá, esa literatura ha alcanzado gradual visibilidad y legitimación institucional en las últimas décadas, sobre todo a partir de la atención que la crítica comienza a darle en el propio ambiente hispanocanadiense y de su presencia en los medios académicos canadienses y norteamericanos. Lamentablemente la crítica producida en ambientes hispánicos de América Latina no ha atendido con el mismo interés este corpus, ni siquiera aquella más próxima de la crítica cultural y los estudios subalternos,

A Comparative History (2004) dedican excelentes capítulos a la literatura cubano-americana, a la chicana, a las llamadas literaturas del exilio en Estados Unidos o a la literatura hispanoamericana producida en los grandes centros culturales – Nueva York y París, mas, sorprendentemente, no encontraremos mención en estos proyectos a la diáspora hispánica en Canadá y su poderosa producción literaria. Anótese también que Ana Pizarro (2004), en su propuesta de áreas culturales para el estudio de las producciones culturales en América Latina, se refiere a una zona cultural transnacional y multilingüe que se configura con la emigración de ciudadanos hispanoamericanos para EU en el siglo XX, sin otras alusiones al eje hispano-canadiense.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Esta observación, lejos de constituirse en una crítica a estos proyectos, que considero extraordinariamente valiosos en el campo de la historiografía literaria hispanoamericana contemporánea, la sitúo como punto de partida que me permita articular mi trabajo a las dinámicas metodológicas que precisamente estas historias literarias proponen. Concebidas a partir de un criterio historiográfico ajeno a las totalizaciones, en diálogo abierto con lo hipertextual y legitimando lo translocal, ellas me ofrecen un horizonte para poder pensar una realidad cultural y una producción literaria como la hispano-canadiense.

365

que hoy gozan de una sólida y reconocida obra como Pablo Urbanyi, Leandro Urbina o Nela Rio. Los conflictos políticos y económicos en las décadas siguientes en América Latina traen nuevos emigrantes del resto del continente americano. Esta nueva comunidad no solo se localizó en los tradicionales centros urbanos-universitarios como Ottawa, Toronto, Montreal o Vancouver, sino que significativamente comenzó a ubicarse en pequeñas comunidades universitarias como las de Calgary, Edmonton o Winnipeg. Es el momento en que proliferan las pequeñas editoriales hispánicas y cuando se generaliza la publicación de autores

Las primeras muestras de lo que hoy llamamos

hispanohablantes en Canadá. También es la época en que

literatura hispano-canadiense, según nos informa Hugh

las letras hispano-canadienses comienzan a despertar el

Hazelton en su libro Latinocanadá (2007), hay que

interés editorial del ámbito anglófono y francófono. La

localizarlas en la comunidad de escritores españoles

revista Canadian Fiction Magazine, dedicó en 1987 un

que llegaron a Canadá tras la Guerra Civil. Los iniciales

número a autores latinoamericanos residentes en Canadá

esfuerzos de estos primeros emigrados por crear un

y a partir de entonces las editoras Cormorant Books,

ambiente literario de expresión hispánica están en la revista trilingüe Boreal. Editada en Montreal. La revista publicó entre 1965 y 1970 poetas españoles emigrados, pero a partir de 1970 comenzó a publicar la obra de escritores latinoamericanos que llegaban a Canadá como exiliados políticos de los regímenes dictatoriales y represivos del sur de América– Chile y Argentina, fundamentalmente. Hazelton señala que es esta segunda oleada de escritores hispanohablantes, la que llega en torno de los años setenta, la que comienza a darle cuerpo y consistencia a la literatura hispano-canadiense. Estos emigrados, a diferencia de los primeros, pasan a radicarse permanentemente en el país, hacen vida de comunidad y publican de manera periódica y estable en territorio canadiense. Con ellos, una actividad editorial coherente comienza a abrirse paso a fines del setenta e inicios de los años ochenta, siendo las ciudades de Montreal y Ottawa los dos ejes que protagonizan este movimiento. Por solo citar algunos ejemplos, es el momento en que empiezan a dar a conocer sus textos en Canadá escritores

Williams-Wallace, Girol Book y Broken Jaw comenzaron a interesarse por las obras de Pablo Urbanyi, Leandro Urbina, Naín Nómez, Gilberto Flores Patiño, Alfonso Quijada Urías y Nela Rio. Del lado francófono, Balzac, VLB y Lanctôt Éditeur publicaron a Pablo Urbanyi y a Leandro Urbina y Boréal toda la obra de Mauricio Seguro. Este interés editorial estará relacionado con un sistemático trabajo de traducción, línea que no puede perderse de vista a la hora de un balance institucional de la literatura hispano-canadiense. En los últimos quince años, entrando en el nuevo siglo, la emigración de escritores hacia Canadá se produce bajo otras condiciones culturales e históricas. Ya no es mayoritaria la experiencia de los exilios forzados, ni de los retornos imposibles a la tierra natal. Predomina ahora un tipo de emigración electiva (razones de trabajo o de estudio, por ejemplo), que crea comunidades afectivas de otra naturaleza, no exactamente asociadas al trauma y la violencia política que fueran dominantes en décadas anteriores. El acelerado desarrollo de internet y de otros medios de comunicación, con sus nuevas subjetividades, nuevas experiencias comunitarias y

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

366

nuevas formas de imaginación van transformando la

heterogéneo. No obstante, esa diversidad no afecta su

vivencia diaspórica, y todo eso resulta en un escritor

sentido de unidad. A diferencia de las literaturas de lengua

cosmopolita, de escritura bilingüe y a veces trilingüe; un

española producidas en Estados Unidos, que se presentan

intelectual puente, permeable y de fronteras difusas; que

como unidades con cierta autonomía institucional,

se declara ciudadano del mundo, con fuertes conexiones

reproductoras de una identidad nacional en dislocación

con su tierra de origen, al tiempo que también con

(las literaturas cubana, chicana, portorriqueña, entre

Canadá o con los grandes ejes editoriales del mundo.

otras), los escritores hispano-canadienses se reconocen

Súmese a esto el hecho de que ya comienza a aparecer una nueva generación de escritores de origen hispanoamericano nacidos en Canadá, o que emigraron niños, como es el caso del novelista

como comunidad y la institucionalización literaria de esa producción se da de una manera mucho más armónica. Digamos que la heterogeneidad es asumida como rasgo identitário.

quebequense Mauricio Seguro o del dramaturgo de

Un elemento que debe dejarse apuntando

Vancouver Guillermo Verdecchia. Para estos escritores,

a propósito de la constitución heterogénea del

la cohabitación de culturas no es conflictiva, se regodean

sistema hispano-canadiense es que este se produce

en su condición anfibia y ni siquiera se plantean las

en contacto con otras comunidades emigradas, con

preguntas identitárias de sus antecesores. La lengua

las que permanentemente dialoga y se retroalimenta

literaria que eligen es el inglés o el francés, si bien son

estéticamente. De hecho, esta literatura es parte de

sujetos bilingües y biculturales pues nacieron en hogares

un gran sistema latino-canadiense, o sea que tiene

hispánicos y tuvieron su educación en instituciones

relaciones naturales con otras literaturas no hispánicas

canadienses.

latinoamericanas (caribeños francófonos e anglófonos,

Gustavo Pérez Firmat (2000), estudiando una praxis literaria similar, la cubano-americana, llama a este tipo de producción literaria de “literatura étnica”, para distinguirla de la literatura inmigrante y de la exiliada. En su clasificación, no exenta de polémica, Firmat define el escritor étnico como un sujeto que cultiva la diferencia y la marginalidad, sin crisis, disfrutando su dualidad.

por ejemplo) e incluso con grupos que ni siquiera tienen un tronco latino pero que comparten igualmente las estéticas del desplazamiento. Y considerar también que el asentamiento de estos escritores se produce en una tierra con dos ejes culturales hegemónicos, el anglófono y el francófono, con los que permanentemente han tenido que negociar.

Pienso que al margen de cualquier observación, puede

En la misma dirección, el idioma,

ser funcional su percepción de como el enraizamiento,

tradicionalmente asociado al concepto de unidad de una

consustancial a la migración, produce un nuevo sujeto y

literatura, ha ido entrando también en un rico proceso

consecuentemente un nuevo tipo de escritura, inmersa

de negociación cultural. La escritura en dos lenguas

en el bilingüismo, con otras coordenadas estéticas y en

comienza a ser una realidad para los escritores hispano-

otras tensiones ideológicas.

canadienses, como lo expresa Martha Bátiz cuando

Esa superposición temporal de camadas generacionales, provenientes de regiones tan diversas como Centroamérica, América del Sur o el Caribe, con vivencias culturales específicas, formaciones estéticas particulares, con sus propios códigos, sus repertorios literarios, dan al sistema un perfil definitivamente

afirma: “disfruto escribir en inglés y estoy convencida de continuar combinando la escritura en ambos idiomas” (MOLINA/ TORRES RECINOS, 2008, p.25). En algunos casos ese proceso asimilativo se ha convertido en una estética, con la asunción del spanglish como praxis creadora. También aparece hoy una escritura en inglés o francés culturalmente inmersa en el universo

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

367

hispanoamericano, con la que la historiografía literaria

de la memoria, pues la memoria es siempre imagen en

tendrá que lidiar de manera más diáfana.

movimiento.

Este espectro presentado aquí de manera sucinta,

Si con Michel Foucault (1967) combinamos que

dará la medida de la configuración de ese sistema

las Heterotopias yuxtaponen en un lugar varios espacios

literario. Si por un lado, razones de lengua, de origen,

que normalmente serían incompatibles; presentándose

de experiencias próximas de emigración y diáspora, así

como contra-emplazamientos o como lugares que están

como afinidades estéticas ostensibles entre los escritores

fuera de todos los lugares, concordaremos en reconocer

que participan de esa praxis, dan perfil al conjunto; por

riquísimas variaciones heterópicas en los textos que

otro, no podemos soslayar el hecho de que trabajamos

componen la praxis literaria hispano-canadiense

con un objeto de naturaleza plural, inestable e irreducible

contemporánea. Vistas como espacios textuales que

a arquetipos tradicionales de identificación.

producen mundos posibles de la imaginación, que

Presentadas estas coordenadas generales de naturaleza historiográfica, propongo una mayor

crean un espacio “otro”, ellas cumplen aquella función compensatoria que el filosofo francés distinguía.

atención a las poéticas y prácticas de escritura. Advierto

Encontraremos así, textos que circulan por los

que si en este momento tiendo a la generalización es

arquetípicos tópicos del viaje, el regreso, los sueños, a

porque la riqueza irreductible del corpus y los límites

través de imágenes que restauran un paraíso perdido,

de este trabajo no me permiten más que situar algunos

en referencia tal vez más inmediata a un origen; textos

nodos que me parecen centrales para cualquier intento

que legitiman tiempos y espacios contemporáneos

caracterizador de la actual literatura hispano-canadiense.

de tránsito, como aeropuertos, llamadas telefónicas,

De esta manera, me centraré en el desplazamiento como

salas online de redes sociales; y textos en los que toda

poética escritural, un tópico que he desarrollado con

referencia a un origen es totalmente elidida. En estos

alguna sistematicidad en ensayos anteriores y que aun

últimos cobran singular protagonismo los cronotopos

hoy es un trabajo en proceso, no solo mío, también de

del cuerpo y de la propia escritura.

otros investigadores y críticos de la literatura hispanocanadiense como Hugh Hazelton (2007), Norman Cheadle (2007) o Luis Torres (2002), e incluso es una idea que puede encontrarse en la propia reflexión metapoética de algunos escritores. Dentro de ese tópico, y procurando una mayor concreción, distinguiré en particular un rasgo que tiene una decisiva presencia en esa literatura: la articulación de una cronotopía imaginaria, en la que parecen cruzarse tiempos y espacios profundamente ambiguos, sin límites precisos, ni referencias inmediatas en la realidad sensible; donde se interceptan de manera altamente imaginativa la tierra matricial y la de acogida; el pasado y el presente; el recuerdo y el olvido; una cronotopía expresiva de la productiva asimilación de lo móvil y lo arraigado que hay en toda experiencia migrante y expresiva de lo inventivo

En la órbita de una literatura centrada en los motivos del viaje utópico a la tierra natal, encontraremos con alguna sistematicidad las heterotopias de ciudades imaginarias, las reescrituras míticas de la tierra de origen o la tematización del propio viaje como cronotopia imaginaria, así es posible leer un Cuzco legendario en los poemas de Lady Rojas, una Plata mítica en los textos de Nela Rio o una jungla absolutamente ilusoria en la original novela Silver (1993), de Pablo Urbanyi. La reinvención del viaje, como espacio habitable, aparecerá en la experiencia poética de Yvonne Truque, en su poemario Recorriendo la distancia (2007), un libro donde el sugerente motivo de habitar la distancia nos conecta con un sujeto asumidamente híbrido, protagónico de un viaje transcultural, sin principio ni fin, viaje en sí mismo.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

368

El tema del regreso y sus consabidas paradojas

a través de travestimos, palimpsestos, reescrituras. Los

existenciales, alcanza vuelo poético en El exilio y las

espejos hacen preguntas/The Mirrors Ask Questions

ruinas (2000) de Luis Torres. Congratulado con una

(1999) de Nela Rio se presenta, en este contexto, como un

mención especial en el concurso Casa de Las Américas,

excelente ejercicio de palimpsesto y travestismo literario.

Cuba, en 2000, el libro fabula un viaje de vuelta al país

Desplegando sus mapas heterotópicos sobre la propia

natal y las contradictorias maneras de ser extranjero en la

serie literaria y la propia tradición poética, la escritora

propia tierra, actualizando aquella pregunta cara a todo

toma de manera explícita el lugar, las vestes y el discurso

exiliado: ¿a qué hogar realmente se regresa? Elocuente

de Sor Leonor de Ovando, nuestra primera poeta de las

es el poema “Las preguntas”:

letras coloniales en Hispanoamérica, desarrollando un libro especular, donde también asomarán ecos de Santa

¿Encontrará su forma el cuerpo? ¿Será otra vez lo que ya fuera? Exiliado de sí mismo, cuerpo en ruinas, ¿entrará su cuerpo en otro cuerpo al volver? (Pag.61)

Ya por otros caminos de exploración de esa cronotopia imaginaria, toma consistencia poética el tópico autorreflexivo del cuerpo, un cuerpo asumido como lugar de reconciliación y reconocimiento identitário; no como expulsión y exilio, en el sentido

Teresa de Jesús (“Tan grande tu amor por ella/que por ella sola murieras/ y por amarte ella tanto/ al divino fuego abrazara /y contigo ella muriera”, p.47) o de San Juan de la Cruz (“Cuando, todavía oscuro/ el horizonte aludía a la mañana/ iba a Tu encuentro alborozada”, p.48), como si el juego de reescritura revelara la naturaleza palimpsestuosa de todo acto escritural. En esas transmigraciones literarias, el escritor crea un lugar habitable en su propia genealogía poética.

que la tradición occidental le confirió. Una referencia

Las narrativas autobiográficas y las autoficciones,

significativa en este sentido está en el universo poético

la metalepsis de autor, los textos autoreflexivos toman

de una escritora como Nela Rio. Los tópicos del cuerpo

espacio en esa praxis, haciendo visible un sujeto de

erótico, torturado o mutilado dan fundamento a un

múltiples centros que transita libremente entre el

particular sistema metapoético y autoreflexivo en

mundo de la vida y el mundo de la ficción. En esa

libros como Túnel de proa verde/Tunnel of the green prow (1998) y Cuerpo amado/Beloved Body (2002). El primero hace de la tortura y el silencio un manantial de creación poética, camino por el cual es posible la liberación; el segundo tematiza el camino de reconocerse y aprenderse a amar en un cuerpo nuevo, un cuerpo asimétrico y devastado por el cáncer, que se erige como trofeo victorioso y desde el cual es posible decir: “Miro mi cuerpo y admiro su valor/ me habito con orgullo” (p.102). En la misma dirección, la propia escritura como tema y materia poética ocupa un lugar dominante en esa praxis literaria. Inmersas en un tipo de literatura que la alta modernidad puso en escena, en la que el sujeto textual y el sujeto que escribe se miran especularmente, las escrituras de sí serán frecuentes. El escritor se inventa a sí mismo, al tiempo que habita otras identidades literarias,

órbita es posible leer al protagonista innominado de la novela Cobro revertido (1992), de José Leandro Urbina, que deja pistas reconocibles en la propia biografía del escritor. Algunos críticos, como Patrick O'Connell (2001), han hecho un cotejo de esos datos para una lectura autoficcional de la novela. Pienso que al margen de la comprobación del dato, lo más atractivo de la obra es como ella traza sus estrategias pragmáticas para ser leída en clave autoficcional. Si en esa novela Urbina escenifica un juego autofictivo solapado, en Las memorias de Baruni (2009), su última novela, opta por el discurso memorial declarado, autorepresentándose abiertamente en el rol de escritor/editor de unas supuestas memorias que el Gordo Baruni le ha dejado como legado. Ahora solo se esconde en el anagrama de Baruni/Urbina para hacernos

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

369

partícipes de unas falsas memorias. Borgianamente, el

El tránsito entre lenguas aparece en la singular

libro explicita un documento que sabemos falso, y en

escritura de Alejandro Saravia, escritor de origen

un impase lúdico anuncia una saga de siete volúmenes,

boliviano para quien el inglés y el francés han entrado

digamos que una versión seriada del “reality show” de

en convivencia armónica y natural con el español.

Baruni, que sabemos Urbina.

Acaso su escritura sea el ejemplo más elocuente de

Inmersa en la práctica de la autoreflexividad, la propia lengua se convierte para algunos escritores en lugar, un lugar inestable y fluido, donde la negociación cultural hace sus más evidentes efectos. Hace varias décadas, George Steiner, en su célebre libro Extraterritorial (2002), acuñó el término “extraterritorialidad” para referirse al paradigma estético que se crea en condiciones de

translingüismo literario en condiciones de cultura translocal, de la misma manera que su figura intelectual sea una expresión elocuente del sujeto permeable y en tránsito que el campo intelectual hispano-canadiense comienza hoy a colocar en escena. Con razón Norman Cheadle (2011) lo estudia como el caso más original de una auténtica escritura interamericana.

desplazamiento lingüístico. Steiner se refería a escritores

Cabe hacer referencia también al camino

plurilingües que al transitar por varios idiomas, o

inverso que despliega el escritor quebequense de origen

al abandonar el materno para escribir en otro, van

chileno Mauricio Seguro. Su exitosa novela Cotê – des –

instaurando una nueva poética escritural. En ese sentido

nègres (1998), una especie de leyenda urbana sobre las

lo extraterritorial puede ser leído no solamente como

ganguees de Monreal, hace del español y del creole dos

realidad cultural y lingüística, sino también como una

universos lingüísticos deslizantes encima del francés

poética de la creación. Contemporáneamente, Steven

quebequense, lengua del escritor, que convive con la

Kellman (2010) estudia la imaginación translingüística

coordenadas hispánicas de su formación en un hogar

en escritores que se mueven por varios universos

de padres chilenos.

lingüísticos y considera que esa posición entre lenguas les permite desafiar los propios límites de la literatura, de manera que crean una literatura signada por la movilidad. Asumida la extraterritorialidad y el translingüismo como poéticas, será frecuente la legitimación estética

En todos esos cronotopos fictivos, profundamente marcados por las dinámicas de la movilidad y la fijación, el apagamiento y la memoria, la presencia y la ausencia, es posible leer una nueva imaginación, una imaginación en movimiento, elocuentemente expresiva de las identidades transculturales de nuestro tiempo.

del spanglish o el tránsito entre lenguas en escritores hispano-canadienses que, ponderando la poeticidad del lenguaje, no hacen más que expresar el desplazamiento como realidad vivida que precisa ser discursivizada. Es el caso del trabajo lingüístico que encontramos en un cuento como “La Partida”, de David Rozoto (MOLINA/ TORRES RECINOS, 2008, p.234) un texto en el que

Referências bibliográficas HAZELTON, Hugh. Latinocanadá. A Critical Study of Ten Latin American Writers of Canada. Montreal & Kinston: McGuill-Queen’s, 2007.

el desencuentro verbal entre madre e hija es clave

PALMERO, Elena. Topos imaginarios en la escritura hispano-

significativa, al tiempo que también clave significante,

canadiense: el espacio del cuerpo en la poesía de Nela Rio

expresión elocuente de cómo estas realidades culturales

(ensayo y selección poética). Islas, Universidad Central de Las

comienzan a tener espacio no solo como tema o motivo

Villas, Santa Clara, n.148 (abril-junio), 2006, p.5-17.

literario, sino también como cuerpo verbal de una

______ El cuerpo torturado y mutilado en la obra poética de

escritura en desplazamiento.

Nela Rio. In: EZQUERRO, Milagros. Discours et Contrainte.

370

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Paris: Université Paris IV-Sorbonne, 2007. E-book disponível

PIZARRO, Ana. El sur y los trópicos. Alicante: Cuadernos de

em: http://www.crimic.paris-sorbonne.fr/actes/dc/dc.htm.

América Sin Nombre, 2004.

Acesso: 30/04/2011. ______ Lecturas en abismo de un diálogo poético. In: DOS SANTOS, Ana C.; Dayala Paiva; Talita Barreto. Hispanismo 2006. Rio de Janeiro: Ed da UERJ, 2008, p. 552-558. ______ Palimpsesto y travestismo literario en los diálogos poéticos de Nela Rio. In: RAMOS, Eduardo; Milagros Ezquerro. Reescrituras y transgenericidades. Paris: Rilma 2 /Adehl, 2010, p. 75-82.

STEINER, George. Extraterritorial. Madrid: Siruela, 2002. VALDÉS, Mario & Djelal Kadir (eds.). Literary Cultures of Latin America. A Comparative History. New York/Oxford: Oxford University Press, 2004.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

371

O DISCURSO DE FAMA EM EL CERCO DE NUMANCIA, DE CERVANTES, E NAS ADAPTAÇÕES DE RAFAEL ALBERTI

Eleni Nogueira dos Santos PG-USP

A tragédia de Cervantes, El cerco de Numancia,

No final do texto de Cervantes, Fama entra em

escrita entre os anos 1581 e 1587, é encerrada com um

cena ao som de uma trombeta, pede aos romanos que

discurso de Fama, personagem alegórica, elogiando a

levem o corpo de Viriato e ressalta que mesmo sendo tão

vitória dos numantinos e proclamando um “final feliz”

jovem ele foi capaz de derrotá-los. Ela afirma também

para a história desse povo heroico. Rafael Alberti fez duas

que se encarregará de anunciar ao mundo inteiro o valor

adaptações dessa obra, ambas intituladas de Numancia,

de Numancia e proclama um final feliz para a peça. Já

e para cada uma delas elaborou um final diferente. Na

Alberti, em sua versão de 1937, acrescenta duas oitavas

primeira delas, escrita em 1937, ele acrescentou algumas

ao discurso de Fama que diz, entre outras coisas:

palavras ao discurso de Fama e trouxe, novamente, em cena a personagem España que faz o encerramento com um discurso vitorioso em um cenário iluminado pela luz do sol. Já na segunda adaptação, composta em 1943, a peça termina com um diálogo entre Fama e España no qual esta finaliza a peça fechando o livro de sua história ao toque de músicas e sons heroicos, mas desta vez com o cenário na escuridão. Nessa perspectiva, este texto pretende abordar o discurso de Fama na tragédia cervantina e analisar os diálogos entre Fama e España nas duas peças reescritas por Alberti. O objetivo é apontar que, sem perder o foco da obra adaptada, o poeta incorpora, nos discursos dessas personagens, termos do contexto histórico da Guerra Civil Espanhola. Ele se utiliza do texto literário para estabelecer comparações entre a antiga Numancia e a Madrid de 1937 e de 1943.

Bajad la frente, viles invasores, vergüenza os dé pisar la generosa sangre de una ciudad que entre estertores sólo os da por botín su muerte honrosa. “!Numancia! ¡Honor!”, repitan los sonidos de mi trompeta y que rodando lleguen a despertar los pechos más dormidos que a combatir, unánimes, se entreguen. ¡Otra vez! Despertad, porque han llegado los mismos invasores del pasado. Mas como soy la Fama, pueblo hispano, yo prometo grabarte en mi memoria, si el fascismo alemán e italiano halla en tus pies la tumba de su historia. (ALBERTI, 1975, p.72)

Nos primeiros quatro versos, ela trata os romanos de forma ofensiva e parece reproduzir a visão que os Republicanos tinham dos italianos, isto é, eram vistos como invasores. Em seguida, clama pela honra, tão presente na cultura espanhola, e pede a Numancia que chame todos ao combate contra o mesmo inimigo do passado. Nesse

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

372

contexto, Numancia e Madrid são sinônimas porque para algumas pessoas:

era: “Madrid será o túmulo do fascismo”. Como se sabe, Alberti era comunista, mas o que mais chama a atenção, nesse caso, é o fato de ele ter inserido um “slogan” de

[...] “Escipión es en 1937 Mussolini -o Hitler, o Franco-, el fascismo invasor; Numancia es ahora Madrid, “capital de la gloria”, la resistencia heroica del pueblo español en defensa de su independencia y de su libertad.” (SOLER, 1999, pp.5-6).

conteúdo político de sua época no discurso dessa per-

De fato, Alberti estabelece, no prólogo que faz

A respeito das pessoas que presenciaram a re-

para essa versão, as diferenças entre essas duas cidades,

presentação da peça, devemos levar em conta que “[...]

mas também faz questão de ressaltar as semelhanças

o grupo Guerrilhas del teatro del Ejército del Centro

que há entre elas.

partilha os versos com uma platéia tomada por mili-

Os termos fascistas, alemanes e italianos referemse claramente ao contexto da Guerra Civil Espanhola, ocorrida entre os anos de 1936 e 1939. O chamado ao combate, também pode ser visto como um fato histórico da época, já que os Republicanos, partido do qual Alberti fazia parte, precisavam de soldados e todas as pessoas

sonagem. Certamente foi uma maneira de incentivar o público à resistência e mostrar o quão estreito era a relação entre o que estava se passando no palco e fora dele.

cianos, ali concentrados no aguardo das diretrizes para defesa da cidade naquela noite.” (DE MARCO, 2006, p.214). Se o público que assistia a encenação da peça era o mesmo que logo em seguida iria para a batalha encarar a defesa de Madrid, esse discurso, entremeado de conteúdo histórico faz todo o sentido.

que quisessem lutar eram aceitas. Eles, ao contrário

Em 1936, pouco antes da composição e repre-

dos Nacionalistas, não conseguiram o mesmo apoio

sentação da peça, esse lema “era forte e emocionante, e a

estrangeiro. A ajuda recebida por eles vieram da URSS

batalha pela capital ajudaria a levar o partido ao poder”.

e de voluntários de diversos países, estes, porém, na

(BEEVOR, 2007, p.227). Isso significa que as ofensivas

maioria das vezes, não tinham nenhuma experiência e

contra Madrid foram derrotadas pelos Republicanos

nem treinamento adequado, conforme Beevor (2007).

graças ao trabalho coletivo.

É possível notar que nos últimos três versos

No palco, após o referido discurso, soam cla-

citados, ao sugerir a derrota alemã e italiana, há

rins e tambores, logo faz-se um silêncio repentino. E,

também indícios de que Alberti acreditava na vitória

por entre os soldados, aparece España erguida e reta

dos Republicanos ou da Espanha contra a “invasão

que avança entre eles, vestida de campesina do século

estrangeira”. Na obra de Cervantes, como ficou dito,

XX, trazendo, em uma das mãos, uma foice e na outra

Fama promete espalhar a vitória dos numantinos. Em

uma espiga de trigo. Os soldados romanos, deixando os

Alberti, no entanto, ela se propõe a gravar na memória a

escudos no chão onde está o corpo de Viriato, atônitos

derrota do fascismo. Essa seria uma questão impensada

e envergonhados cobrem seus rostos, enquanto España

para o contexto cervantino, mas totalmente válida e

dirigindo-se a eles e a Fama diz, entre outras palavras:

verossímil para uma obra escrita em Madrid no ano de 1937. Nesses três últimos versos: “yo prometo grabarte en mi memoria, /si el fascismo alemán e italiano / halla en tus pies la tumba de su historia”. (ALBERTI, 1975, p.72). Parece haver referências a um lema comunista que já era usado antes mesmo da composição dessa obra. De acordo com o historiador Beevor (2007), esse lema

que soy la fuerte España campesina, la libre de la mar y los obreros. Vengo con larga pluma de alto trigo a escribir en lo blanco y reservado del libro de mi historia, el principio del fin del enemigo, que como en el pasado Sólo será vergüenza en mi memoria. (ALBERTI, 1975, p.72)

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

373

Nesse momento, podemos ver mais uma vez

Talvez tenha sido uma homenagem que Alberti

renovadas as esperanças de uma vitória, tal como havia

faz a esse povo. No prólogo, ele comenta bastante sobre as

acontecido com os numantinos. Alberti, porém, deixa

modificações, dos acréscimos e das supressões que fizera

claro que o contexto é outro, assim como será outra a

na peça, mas a respeito dos camponeses nada foi dito.

vitória; isso fica claro quando a personagem relembra o acontecimento passado. Além disso, ela mencionará o ano de 1937 e o qualifica de sangrento.

Na sequência, España escreve a letra “D” e Fama a pergunta de qual palavra seria aquela primeira letra e ela responde:

Em seguida, Fama entrega o livro aberto para España e pede a ela que escreva, porque começou o alvorecer do tão desejado dia, isto é, o dia da vitória. O diálogo entre as personagens continua com um tom vitorioso. España, então, faz da espiga uma caneta e levantando-a para escrever, no livro de sua própria história, afirma: Con esta pluma que es de pan, de harina, con esta hoz que es filo, con este corazón que es de resina, escribo aquí al estilo de una trabajadora, campesina, de un toro que arremete, de una mar que ni el mismo mar domina, en este ensangrentado año de mil novecientos treinta y siete, con pulso firme, duro, asegurado, escribo esta inicial, clara, certera: (ALBERTI, 1975, p.72)

É interessante notar que, aqui, España se apresenta como uma trabalhadora campesina prometendo a derrota certeira do inimigo, fato que não acontece na peça de Cervantes. Em 1937, a população camponesa na Espanha era grande e estava passando por sérias dificuldades. Vale ressaltar que os camponeses tiveram um papel importante ao lado dos Republicanos, durante a guerra. Nesse sentido, vale lembrar o famoso No pasarán que foi: [...] o grito com que os camponeses aclamaram os batalhões da Brigada Internacional no seu caminho para Madrid, que sofria a primeira ofensiva franquista, em 7 de novembro de 1936. Nessa batalha, em que os republicanos obtiveram uma inesquecível vitória, o grito no pasarán tornou-se um símbolo de toda a luta antifascista que ocorreu paralela e justaposta ao conflito espanhol. (MESSINA, 1994, p.85).

“Derrotado”. Sí, derrotado porque yo te juro que si ya di principio a esta derrota este mal año turbulento, oscuro, pronto de tu trompeta resonará purísima una nota de victoria completa. Yo, mientras, por mi propia, férrea mano, en mi corazón mismo le cavaré un abismo y otro abismo al sediento chacal alemán o italiano, que España será al fin la tumba del fascismo. (ALBERTI, 1975, p. 73)

Esses são os últimos versos da adaptação de Alberti feita em 1937 que é finalizada com a afirmação de que a Espanha derrotará o fascismo. Infelizmente, essa promessa não se cumprirá. Na rubrica, diz que os romanos estão de cabeça baixa, ajoelhados e abatidos, ao passo que um grande sol se levanta e ilumina o cenário. Essa última cena, criada por Alberti, parece apresentar o seu ponto de vista diante dos acontecimentos históricos daquele momento. Claro que Cervantes também coloca os romanos como derrotados, mas esse encerramento pode ser visto como uma leitura que Alberti faz para acomodar a obra cervantina ao contexto da Guerra Civil Espanhola que estava em marcha. A descrição do comportamento dos romanos, que nos é apresentada na rubrica, está grande parte do sentido do texto de Alberti. Esse sol que ilumina o palco pode significar, entre outras coisas, que há uma esperança de vitória para os numantinos, aqui Republicanos. Quando Alberti escreve a peça, os republicanos ainda não haviam sido derrotados pelos Nacionalistas.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

374

Madrid, que era o lugar de maior concentração e resistência para eles, ainda resistia aos ataques e bombardeios dos Nacionalistas apoiados pelos italianos e alemães, tão criticados na peça por meio das personagens Fama e España. Diante disso, acreditamos que havia um objetivo político nessa adaptação, talvez até maior do que literário, isto é, a obra foi recriada com o intuito de incentivar o povo madrilense à luta e à resistência, à imitação dos numantinos. Na versão de 1943, escrita e encenada em Montevidéu, quando Alberti já se encontrava na condição de exilado, o encerramento da peça ocorre de forma diferente. Nela, Alberti elaborou duas oitavas para o discurso de España. Na primeira oitava, inclinando-se diante do corpo de Viriato, ela disse:

¡Vuelva el aliento al corazón perdido! Cante la Fama, y en su libro impresa deje esta verde espiga mi promesa. (ALBERTI, 1975, p.146)

Agora, ela volta a se referir ao povo espanhol como campesinos, ao chamá-los de povo de pastores. Mesmo consciente da derrota, clama por ânimo e esperança. E demonstra acreditar em uma vingança contra o inimigo, ainda que não seja com o mesmo entusiasmo de 1937. No final dessa peça, diferentemente do ocorrido na versão de 1937, música e sons heroicos são ouvidos. E, enquanto España fecha o livro de sua história, o cenário é encoberto por uma escuridão. Essa escuridão pode ser interpretada como a visão que Alberti tinha a respeito da derrota republicana e de sua ida ao exílio, após a vitória dos Nacionalistas. A diferença era que, em 1943, os

Nadie toque este niño que ha apagado la sola luz que en esta hoguera ardía, volviendo en polvo y viento arrebatado cuanto el feroz romano pretendía. Tú no serás mi último soldado, Niño valiente de la sangre mía, mientras pueda vivir para ofrecerte los nuevos vengadores de tu muerte. (ALBERTI, 1975, p.146)

Aqui, ao contrário do texto cervantino e da primeira versão, España não aceita que o corpo do jovem herói seja retirado do local pelos romanos. Além disso, ela se refere a ele como sendo um dos seus soldados, mas à semelhança da versão anterior ela também promete vingança. O fato de serem comparados com um herói, ainda que literário, poderia servir como um alento para os soldados madrilenses que haviam lutado durante a Guerra Civil, recém-acabada.

madrilenses que se viram como numantinos em 1937, já não podiam mais contar nem cantar a vitória final. Não havia vitória, nem a luz do sol que entrava no cenário simbolizando a esperança de dias melhores, conforme sugeria o texto de 1937. Anos depois Franco também iria utilizar-se dessa obra com objetivos políticos, estamos levando em conta a afirmação de que: Durante el franquismo el recuerdo de Numancia se propaga. […] El mito se recupera y el Estado fascista lo promociona desde la educación para que el niño se dé cuenta de quiénes fueron y son los españoles, uno y el mismo en Numancia hace más de dos mil años, en Zaragoza en 1808, o en la España franquista de 1965. El poder controla la memoria colectiva y la reinterpreta según sus intereses ideológicos. (VIVAR, 2004, p.143)

Diante disso, fica claro que a história desse povo

Já na segunda oitava, España manifesta o desejo

pré-cristão, imortalizada por Cervantes, tem servido

de vingança contra o inimigo, por meio destas palavras:

de exemplo para os mais diversos “pensamentos” no decorrer do tempo. O estranho são as diversas

Yo te prometo, ¡oh pueblo de pastores!, ya en silencio mortal desvanecido, que verás los funestos vencedores cual hoy te ves en humo convertido. ¡Alzad, sombras queridas, los clamores!

interpretações que cada um atribui a essa história. Interpretações que, muitas vezes, destoam bastante tanto do fato histórico quanto do texto literário cervantino.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

375

Em suma, o discurso final de Fama e de

PAVIS, Patrice. (2005). Dicionário de Teatro. Tradução para a

España na adaptação de Rafael Alberti, composta em

língua portuguesa sob a direção de J. Guinsburg e Maria Lúcia

1937, expressa o desejo e a esperança de vitória da

Pereira. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 483 p.

Espanha contra o fascismo ou, em outras palavras, dos Republicanos contra os Nacionalistas. Na versão de 1943, esse discurso é marcado pelo reconhecimento da derrota, ainda que haja nele uma sugestão de vingança e uma clara tentativa de reascender os ânimos do povo numantino ou, melhor dizendo, espanhol.

Referências bibliográficas ALBERTI, Rafael. (1975). Numancia: tragedia. Madrid: Turner, 147 p. BEEVOR, Antony (2007). A batalha pela Espanha. Tradução de Maria Beatriz de Medina. Rio de Janeiro: Record, 711 p. MESSINA, Gisele Beiguelman. (1994). A guerra civil espanhola: 1936 – 1939. São Paulo: Scipione, 94 p.

SAAVEDRA, Miguel de Cervantes. (1990). El Cerco de Numancia. 2. Ed. Edición de Robert Marrast. Madrid: Cátedra, 127 p. SAAVEDRA, Miguel de Cervantes. (1967). La destrucción de Numancia. Edición y ensayo preliminar de Ricardo Domenech. Madrid: Taurus, 131 p. AUB, Max. (1999) De Max Aub a Cervantes.  Presentación de Manuel Aznar Soler. Segorbe: Fundación Max Aub, 148 p. DE MARCO, Valéria.( 2006). Max Aub, leitor de Cervantes.  São Paulo, p. 204-215. Em: Literatura e Sociedade, São Paulo: n. 9. VIVAR, Francisco. (2004). La Numancia de Cervantes y la memoria de un mito. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, 174 p.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

376

DIALOGO CON LA NOVELA “EL BAILE DE LA VICTORIA” DE SKÁRMETA

Esther Myriam Rojas Osorio. UNESP/ASSIS

En este trabajo dialogamos con la novela escrita por el autor chileno, Antonio Skármeta, El Baile de la Victoria, bellísima propuesta estética por la cual obtuvo

– romance de viagem, romance de provas, romance biográfico (auto-biográfico),, romance de educação ou formação. (BAKHTIN, 2000: p,224)

varios premios, tanto nacionales como internacionales:

Clasificamos esta novela como siendo de

Premio Planeta 2003, Premio Municipal de Literatura en

formación, porque sigue um plano cronológico que

Santiago de Chile, y más allá de las fronteras nacionales,

muestra la evolución de los protagonistas los que nunca

también, el Premio Ennio flaiano en Italia. Esta obra

aparecen prontos, aparecen siempre en construcción,

fue adaptada al cine por el director y roterista español

siguiendo el movimiento constante entre el juego del

Fernando Trueba, que disputó, entre otros, el Oscar de

arte y el juego de la vida.

mejor película internacional de 2010, representando España. Este diálogo es posible gracias al apoyo teórico de Bakhtin que enfoca la obra literaria como una unidad ficcional resultado de una construcción arquitectónica

VOCES REGIDAS POR EL AUTORCREADOR La amistad entre dos seres humanos

de sentido, en la cual se destaca el exceso de visión del autor-persona, en este caso, Skármeta, que desde su posición axiológica asume una posición valorativa como respuesta a una realidad sociohistórica, esto, al trabajar estéticamente un fragmento de la realidad, de una determinada sociedad, en un determinado momento histórico. Este autor se propone discutir algunos temas candentes en la sociedad chilena de 1990. Desde um ponto de vista histórico (e não de um ponto de vista formal – estatístico ou normativo). Multiplicidade dos aspectos do gênero. Na tentativa de uma classificação histórica destes aspectos, baseada nos princípios estruturais da imagem do herói principal

Nuevamente nos encontramos frente al teclado ideológico de Skármeta tratando el tema de la amistad

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

377

entre dos seres humanos que provienen de diferentes

su marido y lo hiciera desaparecer. Desde niña, Victoria,

mundos sociales. El autor creador, desde el interior de la

se resentía de esa situación y era común que en vez de

obra, dirige las voces de los personajes, como en el caso

ir a la escuela de segundo grado, la misma donde su

de Angel Santiago, joven pobre, ingenuo, que al seguir el

padre había sido profesor, se dirigiera al cine, al centro

impulso de sus sueños, despierta en la cruel y repulsiva

de Santiago, para asistir las películas japonesas que le

realidad de la Penitenciaria Central de Santiago, su delito

ayudaban a olvidar momentaneamente su dolor. Fue en

– salir cabalgando por la ciudad encima del caballo que

uno de esos momentos en que se cruzó con el destino

debería cuidar – debido a ese desvio de trayecto, conoce

de Angel Santiago, que recién salía de la penitenciaria

al experiente y refinado ladrón de bancos, Vergara Grey,

cargando como único tesoro, su libertad, su mochila y

persona que abre nuevos horizontes para su vida, hasta

sus sueños. Ambos unen soledad y pobreza y emprenden

ahí, sin rumbo fijo.

una caminada por la desconocida estrada de la ilusión,

O artista é precisamente aquele que sabe situar sua atividade fora da vida cotidiana, aquele que não se limita a participar da vida (prática, social, política, moral, religiosa) e a compreendê-la apenas do seu interior, mas aquele que também a ama do exterior – no ponto em que ela não existe para si mesma, em que está voltada para fora e requer uma atividade situada fora de si mesma e do sentido. (BAKHTIN, 2000: p. 205)]

de paso convencen a Vergara Grey que vencido, también, por la pobreza y la soledad, a sumarse al proyecto de esta nueva familia.

El momento sociohistórico que estos acontecimientos retratan – una sociedad chilena que aún en la década de 1990 carga el dolor y las marcas profundas dejadas por casi dos décadas de dictadura militar – la misma, escucha indirectamente la voz de la democracia representada por el presidente electo, Patricio Alwyn (1990-1994), dando así, los primeros pasos en dirección a una sociedad menos violenta y más tolerante. El jefe de Estado firma un decreto de ley que otorga una amnistía a los presos comunes que hubiesen incurrido en crímenes sin uso de violencia. Esta es la ocasión que une los destinos de los personajes Angel Santiago y Vergara Grey. O autor em seu ato criador, deve situar-se na fronteira do mundo que está criando, porque sua introdução nesse mundo comprometeria a estabilidade estética deste. (BAKHTIN, 2000: p. 205)

El dolor de Vergara Grey Cuando Vergara Grey saliera de la penitenciaria llevaba consigo muchos planes, entre ellos, rehacer su vida familiar. Contaba con la fortuna que guardaba en el cofre de su antiguo socio de sus famosos asaltos, pero como la vida nunca es lineal, él no esperaba que el socio hubiese perdido toda la fortuna debido al auge de la economía de mercado, no contaba con que su familia no lo esperase con los brazos abiertos, entre otros motivos también por la falta de dinero. Después

Victoria víctima de un momento sociohistórico

de colocar mucha resistencia, se rinde a la realidad y su voz refinada se suma a las voces de Angel Santiago y de Victoria en las sendas de un nuevo crimen. Queda

Victoria, adolescente huerfana de padre, hija de madre ausente que se caracteriza por arrastrar una depresión desde el momento en que la dictadura llevara a

claro, en ese instante, que son ellos que necesitan de su vivencia para aprender a volar.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

378

Ele é obrigado a tornar-se um novo tipo de homem, ainda inédito. É precisamente a formação do novo homem que está em questão. A força organizadora do futuro desempenha portanto um importante papel, na mesma medida em que o futuro não é relativo à biografia privada, mas concernente ao futuro histórico. (BAKHTIN, 2000: p. 240)

De ese modo, Angel Santiago, Victoria y Vergara Grey suman sus voces, voces que por distintos motivos se encuentran marginalizadas en ese momento y sin muchas espectativas hacia el futuro. A reificação do homem surge com a sociedade de classes e chega ao limite com o capitalismo. É levada a efeito por forças externas ao indivíduo, que agem sobre ele de fora e de dentro, sujeitando-o às mais variadas formas de violência – econômica, política e ideológica; essa violência só pode ser enfrentada por outras formas de violência, inclusive a Violência revolucionária, e o objetivo de tudo isso é o individuo. (BEZERRA, 2005: p.192)

Una vez mas el juego del arte nos recuerda el juego de la vida. En la década de 1980, aparecía en Chile, un clima de transición del régimen militar para el régimen democrático; se daban a conocer programas de austeridad económica y se veía crecer, con cierta facilidad, la economía de mercado. Al mismo tiempo que se conocían las exigencias de la Casa Blanca con respecto a reforma de la previdencia social, reforma tributaria, reforma fiscal, etc., y, como resultado de todas esas reformas los proyectos de índole social perdían validad junto al proyecto del trabajo estable. Vemos que de alguna forma, el artista consigue hacer una lectura de la vida y la trabaja esteticamente.

papel social que le correspondería era el de recuperar al ciudadano, pero su conducta es reprochable, peor índole demuestra cuando es capaz de mandar a matar su víctima para esconder su delito. O autor-criador, no entanto, se remete, em diferentes momentos da narrativa, a um receptor imanente, a uma voz social que implicitamente protesta contra suas asserções. (FARACO, 2008: p. 45)

De esta forma, hemos intentado desvendar la relación dialógica que nos entrega el autor-persona de la obra estética y cuyas voces, desde el interior de la misma, son regidas por el autor creador (narrador). Los diálogos propuestos son; con el momento sociohistórico de Chile (1990), con la historia personal de los personajes, con el imaginario de los protagonistas y con el imaginario de los lectores.

De la novela al cine Sabemos que el artista que lleva una novela al cine, hace otra lectura y prepara una nueva obra de arte. Al dialogar con la obra de Trueba destacaremos algunas diferencias importantes que hacen, que los recursos utilizados por el séptimo arte, ayuden a captar la sensibilidad del espectador. El director Trueba nos presenta una Victoria huerfana de padre y madre, totalmente solitaria y deficiente auditiva, vive amparada por una profesora de balet que hace trabajo voluntario en una comunidad carente. El medio de comunicación que la chica

La corrupción del poder oficial Otra voz importante es la voz nefasta y corrupta del director del presidio, el personaje que debería cuidar del orden y la justicia, que representaría el poder oficial, este es deshonesto y repugnante, capaz de practicar violencia sexual contra el joven (Angel Santiago), cuando recien llegado al establecimiento. Se esperaba que el

encuentra es el baile y gracias a una coreografia que prepara con ahinco, inspirada en “Los sonetos de la muerte” de Gabriela Mistral – poetisa chilena y Premio Nobel de Literatura en 1945 – ella quiere hacerle un homenaje a sus progenitores muertos. Destacamos el bellísimo trabajo de Trueba, que gracias al diálogo presentado por su cámara, conseguimos apreciar la expresión de dolor, la soledad

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

y más tarde la esperanza sentida por el personaje

379

A modo de conclusión

femenino. Ella solamente piensa en tener voz social cuando se suma a los sueños del inquieto Angel Santiago. O tempo se introduz no interior do homem, impregnalhe toda a imagem, modificando a importância substancial de seu destino e de sua vida. Pode se chamar este tipo de romance, numa acepção muito ampla, de Romance de formação do homem. (BAKHTIN, 2000: p. 237)

En este trabajo, hemos dialogado com la obra de Skármeta y hemos destacados algunos aspectos interesantes de la película dirigida por Fernando Trueba, ambas obras estéticas ostentan el movimiento constante entre el juego del arte y el juego de la vida, cientes que el acto creativo envuelve por parte del autor um complejo proceso de transposición de recortes de la vida para el arte, nuestro apoyo teórico han sido algunos conceptos Bakhtinianos como: novela, autor – autoría, dialogía – polifonía.

Referências bibliográficas Skármeta como Personaje Llamamos la atención al papel ejercido por el verdadero Skármeta en la película, él es un periodista especializado en arte que ayuda a la nueva familia – Victoria, Angel Santiago y Vergara Grey – a escribir una crítica muy positiva sobre el trabajo de Victoria como bailarina, con esta actitud pretende derribar las barreras preconceptuosas de la voz oficial del poder. La vacante para uma bailarina en el Teatro Municipal de Santiago

BAKHTIN, M. (Volochínov) (2004): Marxismo e Filosofia da Linguagem (TRAD. Lahud e Vieira). São Paulo: Ed. Hucitec. BAKHTIN, M. (2000): Estética da Criação Verbal. São Paulo: Ed. Martins Fontes. BAKHTIN, M. (2003): Questões de Literatura e de Estética (A teoria do Romance). (TRAD. Bernardini et alii) São Paulo: Ed. Edusp. BEZERRA, P. (2008): Polifonia, En: Bakhtin Conceitos Chave, Brait, B. (org). São Paulo: Contexto.

era exclusiva para las personas pertenecientes a una elite

FARACO, C. A. (2008): Autor e Autoria, En: Bakhtin

social refinada. En este caso, el autor de la novela actúa

Conceitos-Chave, Brait, B.(org). São Paulo: Ed. Contexto.

como autor participante no solo del diálogo interno, mas también, ayuda a crear relaciones de sentido.

SKÁRMETA, A. (2010): El baile de la Victoria. Buenos Aires: Ed. Booket.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

380

UN EXTRANJERO EN EL POEMA: NOTAS SOBRE LA POESÍA DE FABIO MORÁBITO

Fabiola Fernández Adechedera PG-USP

Para un ser humano dueño de varías lenguas maternas y dueño de un sentido de la identidad personal fraguado a partir de un monólogo interior multilingüe, el movimiento hacia al exterior, el lenguaje del encuentro con los otros y con el mundo exterior, ¿tiene que adoptar modalidades muy diferentes, metafísicas, psicológicamente diferentes de las que conoce el individuo que posee una lengua madre única? (135). George Steiner, Después de Babel (2005).

Esta interrogante nos podría llevar a pensar si entre el individuo que habla una única lengua, y aquel que habla varías, igualmente definitorias, existirían diferencias en su relación con el mundo y, sobre todo, en la relación con su propia intimidad. Es este sujeton al que Steiner agrupa dentro de una llamada categoría de extraterritorialidad. Identifica, así, como escritores extraterriotoriales a aquellos que transitan entre diversas lenguas y que hallan en el ámbito de la literatura una cierta resolución al conflicto, o, por lo menos, un fértil espacio para pensarlo. Entra en esa categoría de escritor extraterritorial Fabio Morábito (1955- ), poeta, narrador, ensayista y traductor. Su biografía traza un periplo geográfico que se inicia en la ciudad de Alejandría, donde nació, en el seno de una familia de inmigrantes italianos. Cinco años después regresa a Milán: la infancia y parte de

que escribe en una lengua extranjera, la que además utiliza como herramienta para hablar de sí mismo. Así también, la forma cómo utiliza la escritura para cuestionar los alcances de tal intento de reapropiación del pasado y de la propia identidad, utilizando para ello una lengua ajena. En el ensayo “El escritor en busca de una lengua” (1993), nuestro autor inicia con un comentario sobre las reiteradas veces que ha tenido que contestar a la pregunta acerca de lo que significa escribir en español, que no es su lengua materna y que además aprendió durante su adolescencia. Dice haber dado múltiples respuestas, pero que en esta ocasión contestaría con algo distinto, “algo que nunca [ha] dicho: inseguridad por un lado y alivio por otro” (Morábito, 1993, 22). Tal respuesta nos lleva a suponer un estado de escritura que subsiste

la adolescencia en el suelo materno. Seguidamente,

gracias a la tensión entre la incomodidad y, al mismo

otro viaje familiar: México y, hasta hoy, la lengua de la

tiempo, la levedad que su condición de extranjero le

escritura, el español.

proporciona. Por tanto, nuestro objetivo será pensar

Siendo así, la inquietud que nos conduce se revela en el hecho de encontrar en Morábito a un escritor

sobre estas “sensaciones” y entender cómo operan en la configuración de la lengua literaria, en donde, nos dice

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

en sus poemas, “[…] encuentro al fin mi lengua desértica de nómada / mi suelo verdadero” (LB, 14)1. Charles Melman afirma que “saber uma língua é muito diferente de conhecê-la” (Melman, 1992, 15), lo cual nos permite distinguir dos niveles diferentes de relación con ésta. En la primera, podríamos identificar la posición del hablante “nativo” y, en la otra, la del hablante “extranjero”. Los extranjeros sólo pueden conocer otro idioma, “manosearlo” y aprehenderlo utilizando diversos mecanismos, pero, y de acuerdo con Morábito, nunca podrán realmente saberla, ya que

381

reducir la palabra de nuestro idioma a una función exclusivamente comunicativa, a un uso puramente instrumental […] (Morábito, 1993, 22).

De allí, entonces, la incomodidad que puede representar cotidianamente “el habla” del extranjero, lo cual podría, incluso, llegar a constituirse como una ofensa, un cierto agravio hacia los otros, para quienes su lengua madre es mucho más que un instrumento, ya que “es una contraseña y un vínculo que [los] constituye como unos hombres concretos e inconfundibles” (Morábito, 1993, 22).

“la lengua materna se inhala o se absorbe junto con el

En este aspecto, nos parece pertinente establecer

alimento y los gestos de los padres” (Morábito, 1993, 22).

la conexión con Vilém Flusser, otro escritor signado

La adquisición de esa lengua llamada “materna” implica

por una fuerte experiencia de dislocación geográfica y

un proceso de asimilación y uso que parece ocurrir de

lingüística, para quien también la lengua opera como

forma automática y natural, sin aparentes esfuerzos,

un valor fundante de la identidad, del sentido de patria

como si fuese la lengua quien se apropia del sujeto y no al

y de pertenencia que el extranjero no tiene y que nunca

contrario, o lo que es decir: “saber uma língua quer dizer

tendrá. Sostiene el autor, en Língua e realidade (1963),

ser falado por ela” (Melman, 1992, 15). En este punto

que cada lengua tiene una personalidad que le es propia,

radicaría la primera cuestión con la que el hablante de la

lo cual le proporciona al intelecto “um clima especifico

lengua otra se encuentra: nunca podrá poseerla del todo

de realidade”, por lo que el paso de una lengua otra

o, más claramente, éste nunca será poseído por ella y,

dejaría al descubierto la relatividad de esa realidad y, por

en consecuencia, siempre quedará al margen de la carga

consiguiente, de esos valores identitarios que aquellas

identitaria que ésta porta y representa.

representarían. En otras palabras, cada sujeto mantiene

En diversos momentos de la poesía de Morábito nos encontramos con un “YO” lírico que declara: “Un día mi padre dijo / nos vamos, y tú eras / la meta: otra lengua” (LB, 23); “me acostumbré a la altura / y no escribo en mi lengua” (LB, 13); “Yo que no tengo oficio / excepto traducir, que más que un oficio es una astucia” (DLTA: 75). Claramente vemos un “YO” que se posiciona como hablante de una lengua extranjera, como un “astuto” decodificador de códigos. Un sujeto que instrumentaliza

una relación personal y definitiva con su lengua, marcada por un sentido de exclusividad y de diferenciación. Aceptar que el otro la hable “correctamente”, sería reconocer que ese otro también podría acceder a aquella esencia indefinible con la que mi lengua me arropa y me hace parte de un determinado universo, de una determinada forma de experimentar y conocer el mundo. Es por eso que el hablante extranjero se torna blanco de recelo y de sospecha.

la lengua para comunicarse e insertarse dentro del

El ser objeto de ciertas reprobaciones coloca al

contexto que se lo demanda. A este respecto, y en el ya

extranjero en una relación sigilosa y esforzada con la

mencionado ensayo, Morábito dice:

lengua. Nos dice el poeta: “Puesto que escribo en una lengua / que aprendí, / tengo que despertar cuando los

Precisamente el vago rechazo que probamos al oír nuestro idioma estropeado por un acento foráneo es el rechazo a la traducción que se adivina detrás de la pronunciación imperfecta, traducción que implica

otros duermen. […] / Escribo antes que amanezca, / cuando soy el único despierto / y puedo equivocarme en la lengua que aprendí” (ADL, 130). Esta imagen del

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

382

escritor que madruga para conseguir adelantarse a los

poemas, “se evade de mis manos, ya no se adhiere a las

otros, para alcanzar las palabras a las cuales llegó tarde,

paredes como antes,” y continúa:

además de notable, revela el esfuerzo que implica para aquel que escribe y habla en la lengua extranjera, su conquista cotidiana. Por otra parte, retomemos aquí la idea del “equívoco”, la posibilidad del error al que claramente el extranjero está expuesto, bien sea por exceso de cuidado o por omisión, pero siempre funcionando como una marca reconocible de ajenidad con la lengua. Los hablantes nativos nunca están equivocados, incluso hablando con menor corrección que el otro; en este caso el error representaría un sentido de propiedad e inmersión en la lengua, a la que el extranjero es periférico. Dice Morábito, en otro de sus poemas: “Y si al hablar cometo

Y yo, que siempre vi ese vaso lleno, inextinguible, plantado en mí como un gran árbol, como una segunda casa en todas partes, una certeza, un nudo que nadie desataría (un coto inaccesible, un refugio), descubro una verdad que por demás siempre he sabido: el que conquista se descuida siempre y por la espalda y la memoria cojean los nómadas y los advenedizos […] (DLTA, 101).

/ los errores de todos, / me digo: soy de aquí, / no me

Podríamos decir que estos versos resultan

ensuciaste en vano” (LB, 24). A este respecto, es intere-

ilustrativos en cuanto a la relación definitoria que el

sante pensar que el error del extranjero no corresponde

sujeto tiene con su lengua materna: se trataría de algo

a un desvío natural, es también un traspié intencional,

prácticamente ancestral “como un gran árbol” que

una ganancia del proceso de adquisición consciente de

articula lo que somos más allá de nuestra consciencia.

la lengua, una evidencia de su dominio impuro. Valdría

Sin embargo, este poema nos coloca en el lugar de la

retomar aquello que Flusser dice en relación a que “Os

ruptura, del quiebre y la pérdida que ha sufrido este YO

códigos secretos das pátrias não foram tecidos a partir de

“nómada y advenedizo”, que no ha podido preservar

regras conscientes mas sim, e quase sempre, por hábitos

en su memoria las ramas de su lengua, siendo que,

inconscientes. O que caracteriza o hábito é o fato de que

paradójicamente, es a través de su pérdida, que ha

não se tem consciência deles [...]” (Flusser, 2007, 227).

logrado tener algún acceso a ella.

Entonces, si la relación que el hablante nativo tiene con su lengua materna se sustenta y solidifica en la base de esos hábitos cotidianos, el extranjero no puede ser visto menos que como un sospechoso del atentado contra el hábito y una evidente amenaza para la identidad.

Más adelante, en el ensayo, Morábito de alguna forma explica que su asimilación del español se vio facilitada por el hecho de ser un italiano, nacido en Egipto, por lo cual siempre experimentó su italianidad “como raquítica y dudosa” (Morábito, 1993, 23). Tal vez

Ahora bien, si por una parte este sujeto tiene

podríamos entender este italiano, que va paulatinamente

que convivir con la marginación de una lengua; la ad-

desgajándose, acalambrado y frágil, como una lengua

quirida, también tiene que hacerlo con la consciencia

de contrabando, de acuerdo con la teoría de Jaques

de su despertenencia a la otra; la abandonada, con lo

Hassoum, que opera como la materia secreta a partir

cual se encontraría en lo que Morábito reconoce como

de cuya progresiva y consciente erosión se fortalecen los

la sensación de vivir “lingüísticamente en un estado

cimientos que sustentan el español y lo erigen como un

precario” (Morábito, 1993, 24). De esta forma cada vic-

muro, por el cual, dice el poeta: “[...] desciendo verso a

toria en el español implicaría una pérdida en el italiano

verso como quien / recoge idioma de los muros / y llego

que “después de casi veinte años”, nos dice en uno de sus

tan abajo a veces, tan hermoso, / que puedo permitirme,

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

como un lujo / algún recuerdo” (ADL, 131). Por tanto, lo que impide el olvido definitivo del italiano sería la solidificación de la lengua extranjera, que le devuelve, aunque en su condición de fantasma, de espectro, por usar un término de Derrida, el recuerdo de su primera lengua.

383

fundamentalmente, otra serie de connotaciones para el concepto de extraterritorialidad construido en verdad sobre la figura del extranjero políglota consciente de la valía de su diferencia cultural y lingüística (Gasparini, 108).

Nos interesa fundamentalmente esta idea de la desposesión y la pérdida y cómo, a través de la consciencia

Todo lo que se ha descrito configuraría ese

de las mismas, este sujeto “extraterritorializado” se

espacio de precariedad lingüística que el extranjero

inserta en el seno de su propia despertenencia, habitando

habita y que lógicamente explica “la inseguridad”, de

y, por lo tanto, resignificando su propia experiencia

la que Morábito habla al comienzo del ensayo. Aun

de apatridad. Lo que literalmente Flusser menciona

así, parte fundamental de la conquista del escritor

como “habitar a casa na apatridade”, que implicaría

que escribe en una lengua extranjera radicaría,

asumir la circunstancia de la migración y el exilio –

precisamente, en la posibilidad de asentarse en el centro

indiscutiblemente dolorosas – en su dimensión creativa

de las desavenencias, donde se propone explorar otras

y como posibilitadoras de un nuevo y definitivo arraigo;

posibilidades de sentido, resignificando, de ese modo,

el arraigo literario.

su experiencia.

Escritores como Morábito o Flusser, desarrai-

En distintos poemas de Morábito nos

gados de la patria y la lengua, encuentran en la escri-

encontramos con el itinerario de sus tierras y sus lenguas,

tura una forma de repatriación. En palabras de Rainer

el poeta nos dice: “Yo nací lejos / de mi patria [...]”

Guildin, y en referencia a Flusser: “[...] trata-se de, pa-

(LB, 19); “Yo nací en una playa / de África, mis padres

radoxalmente, instalar-se na apatridade, isto é, superar

/ me llevaron al norte, / a una ciudad febril, / hoy vivo

o desenraizamento, ao transformá-lo em uma pátria de

en las montañas” (LB, 13). Situamos, así, sus pasajes:

segundo grau” (2010, 8). Por tanto, no nos referimos

Alejandría, Milán y México, también sus lenguas: el

al uso de la escritura como un medio para, de alguna

árabe “que la familia usaba / en muchas expresiones / de

forma, reinsertarse dentro de los valores culturales o

júbilo y de broma, / ya casi no se escucha / en nuestras

identitarios de las patrias dejadas. Morábito no preten-

sobremesas” (LB, 22). El italiano: “como un músculo

de reconquistar la italianidad perdida, por ejemplo. Se

que se atrofia / por falta de ejercicio / o que ya tarda

trata más bien de hacer de la escritura un espacio para

/ en responder,” (DLTA, 100). El español: “Un día mi

reencontrarse con lo perdido en su condición de perdido

padre dijo / nos vamos / y tú eras / la meta: otra lengua”

y, sobre todo, de habitarla como única casa posible en

(LB, 23).

el extranjero. Dice el poeta: “[…] yo me arraigué a los

Toda esta dislocación geográfica y lingüística, que claramente se identifica en la escritura de Morábito, nos permite situarlo dentro de la categoría de “extraterritorialidad” propuesta por Steiner, entendida, desde el punto de vista de Pablo Gasparini, [...] [Y]a no a través de la figura del exiliado cosmopolita sino a través de la del migrante desposeído [lo cual] supondrá no tan sólo otro corpus de autores sino también el análisis de un tipo de relación identitaria particular con la lengua del país anfitrión y,

libros / y comencé a escribir, / que es como dar por hecho / que nada es reversible,” (DLTA, 87). Por tanto, toda experiencia de desplazamiento, voluntario o no, implica un desprendimiento y, al mismo tiempo, una liberación, de acuerdo con Flusser, siendo justamente esa libertad que gana el sujeto desarraigado la que le permite refundar estas cuestiones, rencontrarlas, en el nuevo espacio sólo que con la consciencia de su contingencia, incluso, de su funcionalidad. Apunta

384

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Edward Said que “Ver ‘o mundo inteiro como uma terra

Nos parece interesante la idea de la torpeza como

estrangeira possibilita a originalidade da visão’” (2003,

herramienta y como factor que posibilita la configuración

59), lo que significaría una ganancia en cuanto a la per-

de un estilo. En uno de sus poemas nos encontramos con

cepción del mundo y de sus vivencia.

lo siguiente: “Nos mudamos un día / para ir lejos, irse /

A partir de estas consideraciones podríamos asumir que ese “cierto alivio” que Morábito reconoce como parte del escribir en una lengua extranjera, se corresponde con ese desprendimiento al que Flusser hace alusión. Desde el punto de vista teórico, Charles Melman afirma que “pode-se falar uma língua estrangeira com mais facilidade do que sua própria língua” (Melman, 1992, 23), siendo que “falar uma língua estrangeira implica uma verdadeira despersonalização” (Melman, 1992, 34), cuestión que resultaría claramente favorable al ejercicio literario. A este respecto, Morábito considera que el idioma no materno “[…] no se encuentra lastrado por la voz, las órdenes y las dudas de nuestros padres, no arrastra antiguas deudas, no denota nuestros acentos más íntimos” (Morábito, 1993, 23), con lo cual se devela la apertura de esta lengua para su propia reinvención. Dando continuidad a su ensayo, Morábito introduce una propuesta fundamental, que sería el reconocimiento y la importancia del estilo como elemento articulador y pacificador de la lucha entre el escritor y esa lengua otra que utiliza como herramienta literaria. De cierta manera, la ansiedad del hablante/ escritor que pretende, y no logra, abarcar la totalidad de la otra lengua, ni mucho menos superar su eventual extrañamiento frente a ésta, se apacigua con la conquista de un estilo, que según nuestro autor: [E]s producto de nuestra torpeza, de las repeticiones y aproximaciones nebulosas a las que nos obliga nuestra torpeza, y en este sentido nadie tiene tanto “estilo” como un extranjero, con sus deficiencias verbales a la vista. Y precisamente por esta propiedad del estilo de convertir las insuficiencias en resorte de una comunicación más intensa, […] aquel que proviene de otra lengua se encuentra paradójicamente más apto para una conquista estilística, para la aprehensión de una expresividad original porque su extrañamiento de la lengua, sin cierta dosis del cual el estilo no existe, es algo connatural en él (Morábito, 1993, 23).

tan lejos como herirse, / salió de su aturdida / calma mi lengua torpe, / nadó de otra manera [...]” (LB, 25). Estos versos hacen referencia a la mudanza y al consecuente cambio de lengua que trajo consigo; “mi lengua torpe”, que en otros momentos también llama “mi lengua impura”, es decir, una lengua que se reconoce deficiente y que, en este sentido, nos permite pensar, por una parte, en el italiano, – al que ya llamó raquítico y dudoso – y, por el otro, en el español que se fue fortaleciendo a partir de las flaquezas del otro pero que, sin embargo, sólo se perfiló, “nadó de otra manera”, resolviéndose y hallándose a sí mismo a través del ejercicio literario. Concluye Morábito diciendo que quien escribe en otra lengua genera una franca dependencia de la expresión escrita, ya que es allí en donde encuentra “la casa de su propio estilo, con la cual ha estilado su propio rostro” (Morábito, 1993, 23). Finalmente, para Octavio Paz, la noción de estilo está directamente vinculada a un período histórico, es decir, no pertenece al poeta sino a su tiempo (1998, 18). En ese caso, el estilo de nuestro autor más que condicionado a una circunstancia histórica, lo estaría por una circunstancia cultural en medio de la cual, cotidianamente, se siente en minusvalía, haciendo de la escritura un medio para equilibrase y, en ella, “estila su rostro” porque “[...] quien habla mejor / es quien lastima más / el que mejor se esconde” (LB, 26). En el ensayo “El escritor en busca de una lengua” (1993), nuestro autor inicia con un comentario sobre las reiteradas veces que ha tenido que contestar a la pregunta acerca de lo que significa escribir en español, que no es su lengua materna y que además aprendió durante su adolescencia. Dice haber dado múltiples respuestas, pero que en esta ocasión contestaría con algo distinto, “algo que nunca [ha] dicho: inseguridad por un lado y alivio por otro” (Morábito, 1993, 22). Tal respuesta

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

nos lleva a suponer un estado de escritura que subsiste gracias a la tensión entre la incomodidad y, al mismo tiempo, la levedad que su condición de extranjero le proporciona. Por tanto, nuestro objetivo será pensar

385

______ (1963): Língua e realidade. São Paulo: Anna Blume. HASSOUM, Jacques (1996). Los contrabandistas de la memoria. Buenos Aires: ediciones de la flor.

sobre estas “sensaciones” y entender cómo operan en la

GASPARINI Pablo (2010): La extraterritorialidad del pobre.

configuración de la lengua literaria, en donde, nos dice

En Nicolas Hochman (edit.-org.). Pensar el afuera. P, 103-121.

en sus poemas, “[…] encuentro al fin mi lengua desértica

Mar de Plata: Kakak Ediciones.

de nómada / mi suelo verdadero” (LB, 14)1.

GUILDIM, Rainer (2010): Pensar entre línguas. A teoría da

Cuando habla o escribe el mexicano se engalana con el lenguaje y no le gusta dar pasos atrás para remendar esas descoseduras que todos cometemos al comunicarnos, así que prefiere sopesar las palabras, a costa de pecar de acartonado. Siente que su integridad personal depende en gran medida de su integridad lingüística, ocultándose detrás de las palabras que usa (1993, 23).

Nos llama la atención esta apreciación ya que nos lleva a cuestionar hasta qué punto esa pulcritud y la cierta discreción que Morábito reconoce en el estilo esencialmente mexicano, no es el mismo estilo que

tradução de Vilém Flusser, São Paulo: Anna Blume. MELMAN, Charles (1992): Imigrantes. Incidências subjetivas das mudanças de língua e pais. São Paulo: Escuta. MOCTEZUMA QUSITIAN, Ollin Tecandi (mayo 2002): La importancia del estilo. Entrevista a Fabio Morábito. En: Biblioteca Babab, n 14. Disponible en: http://www.babab.com/no14/morabito.htm MORÁBITO, Fabio (1993): El escritor en busca de una lengua. En Vuelta, n 125.

determina su literatura. Resulta bastante evidente que

______ (2006): La ola que regresa. México: Fondo de Cultura

la escritura de Morábito coquetea con esta solemnidad.

Económica.

Un uso del lenguaje que se pretende íntegro, pulido y certero: “[...] [que] hace silencio / con [sus] versos pero / son versos que hablan del ruido” (DLTA, 62), y que lo

PAZ, Octavio (1998): El arco y la lira. México: Fondo de Cultura Económica.

disimula, mientras lo muestra, en el esfuerzo por escribir

SAID, Edward (2003): Relexões sobre o exílio e outros ensaios.

del tal forma que nadie lo vea.

São Paulo: Companhia das Letras. STEINER, George (1998): Después de Babel. México: Fondo de Cultura Económica.

Referencias bibliográficas

______ (1990): Extraterritorial. A literatura e a revolução da

DERRIDA, Jacques (2009): El monolingüismo del otro. Buenos Aires: Manantial

linguagem. São Paulo: Companhia das letras.

FLUSSER, Vilém (2007): Bodenlos. Una autobiografía filosófica. São Paulo: Anna Blume.

Nota 1 A lo largo de este trabajo voy a usar las siguientes siglas para referirme a los tres poemarios propuestos: Lotes baldíos (LB) (1984); De lunes todo el año (DLTA) (1992) y Alguien de Lava (ADL) (2003), reunidos todos en la antología titulada La ola que regresa (2006).

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

386

SANTIAGO SIERRA: PERFORMER?*

Fabíola Silva Tasca PG-Universidade de Estado de Minas Gerais – Escola Guignard

Consideremos, inicialmente, as afirmações da pesquisadora Kristine Stiles sobre a performance: A performance afirma as inextricáveis inter-relações entre a experiência biográfica privada e as praticas sociais e públicas na produção da arte; ela faz subir as apostas (acrescenta as expectativas) éticas e políticas no engajamento estético ao posicionar o artista como uma força de e para a mudança social.1 (STILES, 2003, p. 76) A performance (nas suas conexões com os processos) se desenvolveu na direção de uma alternativa da esquerda à produção de objetos de arte e foi apresentada em espaços não tradicionais com o intuito de subverter tanto o mercado quanto as instituições regulares da arte.2 (STILES, 2003, p. 84)

Nenhuma dessas assertivas parece conveniente para discorrer sobre o trabalho de Santiago Sierra3, principalmente, porque não é o artista quem executa as ações que constituem suas performances. Nesse sentido, a obra se estabelece num território muito distante de sua biografia. La performance tiene mucho que ver com las mitologías individuales. En este gênero, siempre tiene que aparecer el artista, mostrar-se, y lo hace porque está hablando de sí mismo. En mi caso, elimino las referencias auto-biográficas porque considero que no tienen ningún interes para el público. Trato de buscar temas comunes de reflexão y plantearlos de una forma seca, contundente.4 (SIERRA, 2009 a, p. 36)

“No creo que el trabajo deba sustentarse en mitologías individuales. Los datos biográficos no hacen

mejor una obra de arte sólo se esgrimen para satisfacer la necesidad de arquetipos.” (SIERRA, 2005 b, p. 93) Se retomarmos as outras afirmações de Stiles, nos distanciamos ainda mais da proposta de Sierra, já que as ações que elabora também não se propõem como uma alternativa à produção de objetos, uma vez que as fotografias e filmes resultantes dos eventos parecem não ambicionar mais do que se constituírem enquanto obras de arte, no sentido tradicional do termo. Além disso, considerando as declarações de Sierra, enunciadas em inúmeras entrevistas que concedeu e que são apresentadas ao longo deste texto, o que falar da posição deste artista como uma força engajada na mudança social? Mas, apesar dos aspectos que mencionei, o trabalho de Sierra é constantemente endereçado ao termo performance. Também a artista brasileira Laura Lima faz uso da atuação de outras pessoas em suas ações. Mas, Lima propõe outro termo: “instâncias”, em detrimento de performance. Será que diante desses afastamentos para com os sentidos que o termo performance implica, deveríamos buscar outros significantes para tratar do trabalho de Sierra? N ã o. Penso que é mais produtivo interrogarmos em que medida os termos “performance”, ou “happening”, ou mesmo “teatro” podem proporcionar sentidos potentes ao trabalho do artista.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Se considerarmos que a performance está implicada em um campo que não pode ser definido por um script prévio (não se trata de encenação teatral, nos termos tradicionais), mas também que não está circunscrita ao terreno do aleatório, podemos perceber que este termo é bastante interessante para pensarmos o trabalho de Santiago Sierra. Interessante na medida em que aponta para o caráter simultaneamente calculado e contingente das ações que leva a cabo nos contextos mais diversos. A curadora mexicana Taiyana Pimentel sublinha que Santiago Sierra não apenas faz uma obra, mas gera uma situação. E os aspectos contingentes da situação passam a ser assumidos pelo trabalho. O exemplo que Pimentel descreve é 465 pessoas remuneradas, realizado

387

que foi produzido como parte da obra, testemunha este acontecido. [E]sta é uma obra que põe a descoberto uma série de problemáticas sociais mexicanas. A obra se fez completa em seu processo e terminou por denotar uma série de mecanismos de corrupção que existem na sociedade mexicana5

A referência aqui é ao provável desvio do dinheiro que estava destinado às pessoas contratadas. Sierra também alude a isso na descrição que acompanha a imagem desta ação: “Suponemos, no sin razones, que nuestra empresa de contratación pretendió utilizar una masa gratuita de indivíduos para quedarse con sus salarios, lo que no pudimos comprobar al cien por cien”. (SIERRA, 2005 a, p. 139)

no museu Rufino Tamayo, em outubro de 1999. Obra que

O curador Cuauhtémoc Medina descreve a

marca um impulso internacional na carreira de Sierra.

ação como potencialmente perigosa, na qual o público

Como procedimento recorrente no trabalho do artista, as imagens que documentam suas ações passam a ser acompanhadas por uma descrição, aparentemente neutra, e este é o modo pelo qual seu trabalho aparece em catálogos e no seu site oficial. É assim que ficamos sabendo que o projeto previa 465 cidadãos mexicanos,

parecia assustado com a quantidade maciça de pessoas que comumente não freqüentam uma sala de arte. [A] peça no museu Tamayo foi especialmente brutal porque a sensação que eu tive dos visitantes era que estavam assustados com o que estava ocorrendo ali, que antes de poder fazer a reflexão de validade política, o que tinham era a sensação de terror.6

homens, entre 30 e 40 anos, de 160 a 170 cm de estatura, de raça mestiça de ameríndio e caucásio, contratados

“Yo siempre he considerado al visitante como

para ocuparem o espaço de uma sala de arte, de

parte de la pieza, puesto que es un material sobre el que

maneira a permanecerem três horas de pé e de costas

se trabaja, como un escultor puede hacerlo sobre el ba-

para as entradas da sala. O relato descritivo não investe

rro” (SIERRA, 2006 b, não paginado). Em 465 personas

em detalhes, mas registra que a empresa contratada

remuneradas, embora as pessoas estivessem de costas,

para conseguir esse material humano incluiu tantas

há algo da ordem do confronto em jogo na peça de

irregularidades na peça que esta se transformou em

Sierra. O confronto entre o público burguês e a massa de

uma confusão de pessoas de diversos tipos. São estas

trabalhadores é um dos aspectos que conforma a peça.

irregularidades que Taiyana Pimentel descreve como responsáveis pela tensão presente no evento. Tensão que ela, enquanto curadora do museu, vivenciou de maneira estreita. O que Pimentel descreve é a presença de estudantes de uma escola que, como não sabiam

Como é que tantas pessoas que não fazem parte das elites econômicas e culturais poderiam ser encontradas num museu de arte? – Como material e não como público, é o que o trabalho parece nos dizer.

exatamente do que iriam participar, nem que seriam

As estratégias de Sierra nos recordam o gesto

remunerados para tanto, rebelam-se e abandonam o

provocador de Oscar Masotta que em 1966, no Instituto

espaço da ação depois de determinado tempo. O vídeo

Di Tella, em Buenos Aires, apresentou o happening Para

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

388

inducir al espíritu de la imagen. Depois de pronunciar umas palavras, de costas para o público, deixou-os frente a quarenta homens e mulheres idosos, vestidos pobremente. Estas pessoas eram expostas e fortemente iluminadas sobre uma plataforma, em troca de um pagamento como extras teatrais. Masotta definiu seu happening como “um ato de sadismo explícito”. A proximidade com os procedimentos de Sierra é estreita, assim como também La Família Obrera7, de Oscar Boni, trabalho no qual o artista apresenta, em 1968, como obra de arte, uma família de trabalhadores que durante 15 dias foi exposta em um espaço de arte – o mesmo Instituto Di Tella – por oito horas diárias, mediante um pagamento que constituía o dobro do que o seu salário representava. Maria Angélica Melendi pontua que o artista operava um deslocamento perverso, repassando o dinheiro que havia recebido das fundações norte-americanas8 a um trabalhador, para que ele se

maneira, ao ser colocada no espaço da experiência estética, produz um estranhamento do observador que é crítico. Isto que normalmente em todo o aparato da cadeia social não é percebido aparece e então, gera uma estrutura crítica de onde se vê a cadeia social.10

Se Sierra compreende os participantes de suas ações, bem como o público, enquanto material de trabalho, o próprio artista se assume enquanto tal, no contexto mais amplo da arte contemporânea. Respondendo a Mihnea Mircan sobre a peça que produziu para “La Casa del Pueblo” (El pasillo de la casa del pueblo ), em Bucarest, em 2005, pontua: [H]ay otro tipo de exposiciones en las cuales, cuando el curador cuenta conmigo, está queriendo resolver una situación difícil a nível conceptual y político, porque hay una serie de condiciones que hacen que el trabajo tenga uma carga enorme, una carga muy pesada y que pretende tratar de una forma que trasciende lo artístico utilizándome como médio en arte. (SIERRA, 2006 b, não paginado.)

exibisse como obra de arte e estabelecendo em meio à

Santiago Sierra é um meio muito eficiente

audiência um sentimento de humilhação compartilhada.

quando se trata de provocar situações tensas e críticas

“O espectador sentia-se humilhado ao olhar para uma

– sua carreira lhe assegura este lugar. Mihnea Mircan

família que recebia para ser olhada como tal” (MELEN-

diz que o convidou para elaborar a peça em Bucarest

DI, 1998, p. 209).

para que criasse uma situação subversiva ou uma massa

Diferentemente de Bony, Sierra estipula a remuneração sempre em função das condições salariais

crítica que desestabilizasse a arquitetura real e simbólica do edifício La Casa del Pueblo.

mínimas estabelecidas no local onde a ação acontece.

Sierra aproveita a declaração de Mircan para

Para Sierra, remunerar o trabalhador de maneira algo

reiterar suas crenças céticas na capacidade crítica e

generosa vai contra suas estratégias: “Pagar más de lo

subversiva da arte.

que esperan o hacerlo en una forma que se adapte a mi conciencia no me sirve, porque no estoy hablando de mi conciencia sino de ellos y sus Ángeles Exterminadores” 9

(SANTIAGO, 2003, p. 206). Mariana Botey nos oferece sua compreensão do

tipo de experiência que se articula: No espaço da arte ele pode fazer o momento de reificação, de coisificação da violência, e esta coisificação tem precisamente o efeito de produzir um distanciamento daquele que observa, que de repente se vê implicado em uma estrutura de violência do sistema, e esta estrutura de violência do sistema, de alguma

Insisto, Le tengo mucho respecto a la gente que se enfrenta radicalmente con una situación que no le favorece, a quién la enfrenta con armas políticas o a hostias e intenta acabar con ella. Yo no me quiero incluir en esto, ni me puedo incluir en esto. Me dedico al arte (SIERRA, 2005 a, p. 87).

O trabalho de Sierra costuma ser atacado em função da ausência de boas intenções que exibe. E esta ausência é visível/legível não apenas pelo trabalho mesmo, mas pela produção discursiva do artista, que reitera os aspectos mais incômodos de seu projeto. Para ficarmos com um só exemplo, como justificar

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

389

a exibição de dois cegos miseráveis em uma galeria

A obra de Sierra nos fala todo o tempo de poder,

de arte, tocando maracas para um público burguês?

de abuso de poder, desde um lugar de poder, de falta de

[Dos maraqueros – Galeria Enrique Guerrero, 2002]

poder, enfim, é um trabalho político também porque

.” Denúncia” é uma palavra que costuma ser evocada.

não se exime de tratar das múltiplas facetas do poder e

Mas o discurso de Sierra desmonta nossas expectativas.

de assumir um lugar desta “natureza”, desde o espaço de

Se o artista dissesse que faz o que faz porque pretende

enunciação que a arte lhe permite.

despertar o espectador de sua letargia e acomodação, que sua obra é uma denúncia de situações de opressão, ou que submete determinados segmentos sociais porque pretende provocar alguma atitude de revolta e conseqüente reação nos participantes de suas ações, enfim, se houvesse alguma justificativa moral para seu trabalho, talvez ele não fosse tão problemático. Mas Sierra tece um discurso que não facilita a acomodação de suas ações no contexto de algumas bem intencionadas manobras artísticas contemporâneas. “Sólo soy un artista y solo hago arte, y por más que se me exija, no quiero ser cómplice del monumental autoengaño colectivo de que estamos cambiando el mundo.” (SIERRA, 2005a, p. 87) “mi sustento depende de la fortaleza de un determinado grupo social y por tanto del detrimento de muchos, con lo que de lo que hablamos aquí es de complicidad y no de crítica.” (SIERRA, 2005 a, p. 75)

Minha intenção aqui é argumentar que o discurso que Santiago Sierra articula é um espaço imprescindível para a eficácia de sua obra. Não é um suplemento à obra, não é uma descrição da obra, mas um espaço onde ela acontece. Um espaço de performação. Inicialmente pensei em tratar seu discurso como performático, argumentar que, embora não seja o artista quem executa suas ações, há um lugar onde atua como performer, e esse território é o do seu discurso, mas Cuauhtémoc Medina me advertiu que esta utilização poderia conduzir a caminhos problemáticos: Há uma diferença entre a noção de performance como uma colocação em cena e a noção de uma fala que se executa desde a necessidade desta aparição pública que requer a obra. Acho que Santiago faz isso: falar desde as condições efetivas que a obra lhe impõe. Não é uma construção, é uma enunciação. Eu não teria problema com a noção de ação, mas sim com a noção de que é uma montagem.11

Em seu discurso investe em evidenciar que tem consciência das questões problemáticas implicadas em seu trabalho e que as assume como estratégias:

Nesse sentido, optei pelo termo “performativo”, discutido por John Langshaw Austin, o qual me pareceu mais pertinente para meus propósitos: propor que nos

[E]sta ausencia de moraleja [es] uma de las basis de mi trabajo. Lejano a cualquier Happy End que aclare la postura del autor, la obra goza de una mayor fuerza precisamente porque no resuelve nada y obliga al espectador a posicionarse por su cuenta, sin modelos. (SIERRA, 2005 a, p. 75) Sierra oscila entre assumir uma intenção crítica: “[l]as obras que hago siempre intentan activar en el espectador su proprio punto de vista, sacar el animal político mínimo que lleva dentro” (SIERRA, 2006 a, p. 30) e sublinhar a impotência desta atittude “[s]e puede ser crítico pero nunca efectivo como crítico, así que más bien no se puede. Existen foros de discusión pero es un fútbol para ricos que solo cambia a quienes ya venían con el pié cambiado de su casa. (SIERRA, 2009 b, não paginado)

aproximemos do discurso de Sierra como uma instância constitutiva de sua obra. Uma instância na qual os elementos incômodos e politicamente incorretos são novamente colocados em ação. Cuauhtémoc Medina pontua: E o que é escandaloso é que o artista (...) não invente um estratagema que acalme a inquietude que o que ele faz produz, que não nos diga uma linguagem mistificada que nos ajude a senti-la menos violenta. Novamente o que pensa, sente a pessoa Santiago Sierra deixa de ser importante porque a questão é que ele se colocou a serviço de falar por estas obras.12

Em entrevista a Rosa Martinez, Sierra responde a uma pergunta sobre como se sente dando ordem a

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

390

seus “atores” com a seguinte resposta: “No importa cómo me siento, el caso es que es así. El arte forma parte del aparato cultural, cuya función es coercitiva,

al respecto.(...) Nuestro único proyecto colectivo es situarnos individualmente lo más alto que sea posible. Ni vanguardias, ni consciencia crítica, ni nada, sálvese quien pueda. (SIERRA, 2006 a, p. 32)

no emancipatoria. Un artista es un megaobrero que ha superado el anonimato y cuyos productos rebosan plusvalia” (SANTIAGO, 2003, p. 174). O máximo que o artista nos oferece como manifestação de um âmbito privado é a provocante afirmação: Yo no quiero construir una mitología individual, no quiero ponerme como ejemplo de nada, puesto que no soy ejemplo de nada por mí mismo, es el arte quien lo dice. En quanto a persona, en cuanto a Santiago Sierra, soy un tipo reaccionario, puesto que lo que me interesa a mí – a mí, yo, conmigo – es vivir holgadamente, disfrutar de mis posesiones, tener un futuro tranquilo y estable, que me dejen ver la tele en paz um rato...Es decir, los pensamientos individuales o reflexivos son conservadores. Respeto mucho a los activistas pero yo no soy uno de ellos. (SIERRA, 2006 b, não paginado).

Referências bibliográficas BISHOP, Claire (2008): A virada social: colaboração e seus desgostos. Revista Concinnitas, Rio de Janeiro, v. 1, n. 12, p.144-155, jul. MELENDI, Maria Angélica (1998): A imagem cega: Arte, texto e política na América Latina. 521 p.Tese (Doutorado em Literatura Comparada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. SANTIAGO Sierra (2003): Ministerio de Asuntos Exteriores. Dirección General de Relaciones Culturares y Científicas: Turner. 271 p. Catálogo de exposição. 15 jun. – 2 nov. 2003, Pabellón de España. 50ª Bienal de Venecia, Venecia.

Sierra utiliza, de maneira calculada, sua própria

SIERRA, Santiago (2009a): Entrevista a Santiago Sierra: las

condição de estrangeiro – “[Y]o soy, digamos, de esa

ideas del polêmico creador. Revista Lapiz, España, n. 253.

Europa de los vencedores.” (SIERRA, 2006 a, p. 32)

Ano XXVIII, p. 29-51. Entrevista concedida a Vivianne Loría.

– a favor da elaboração de suas peças. É assim que compreende como sua procedência alimenta hostilidades que são dirigidas à sua pessoa, e que conferem às peças maior contundência. Os critérios éticos que muitas vezes são utilizados

______ (2009b): ZeroM3. Entrevista concedida a Martí Manen, realizada por ocasião da exposição Hacia/Desde México DF, apresentada no Instituto Cervantes de Estocolmo e no Instituto Cervantes de Paris. Disponível em: http://zerom3. net/pdf/1235379221.pdf. Acessado em 28/11/2010.

para avaliar a obra de Santiago Sierra participam do que a

______ (2006a): Hannover, Alemanha, 4 de marzo de 2006.

teórica britânica Clarie Bishop nomeia como uma virada

Entrevista concedida a Hilke Wagner. Em: ______. Santiago

ética na crítica de arte nos anos 90, a qual acompanha

Sierra. Málaga: [s.n.]. Catálogo de exposição, v.2, 26 mayo – 13

uma virada social na arte. Mas, infelizmente, o meu

ago. 2006. Centro de Arte Contemporáneo de Málaga.

tempo aqui não me autoriza a seguir nessa direção e precipito-me em concluir com as instigantes palavras de Santiago Sierra: No hay nada fuera del sistema y el sistema es explotación; luego sus integrantes se dividen toscamente entre explotados y explotadores. Lo puedo decir más alto pero no más claro: nosostros, el mundo de la cultura somos del equipo ganador, somos, sorpresa, los explotadores. (...) Estoy diciendo muy claro que sabemos que somos explotadores, que yo también lo soy y que ni ellos, ni yo vamos a hacer nada

______ (2006b): Bucarest, Romênia, 16 de octobre de 2005. Entrevista concedida a Mihnea Mircan. Em: ______. Santiago Sierra. Málaga: [s.n.]. Catálogo de exposição, v. 1, 26 mayo – 13 ago. 2006. Centro de Arte Contemporáneo de Málaga. ______ (2005a): El arte es una sublimación de la politica. Entrevista concedida a Mario Rossi. Em: ______. Santiago Sierra, Uma persona. Milano: Silvana Editoriale. 252 p. Catálogo de exposição, 8 oct. 2005 – 15 feb. 2006, Trento, Galleria Civica di Arte Contemporanea.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

391

______ (2005b): México és como una ciudad tumor. El País, 05

History. p. 75-95. Chicago and London: The University of

fev. 2005 b. Entrevista concedida a Carlos Jimenez. Disponível

Chicago Press.

em: http://www.elpais.com/articulo/semana/Mexico/ciudadtumor/elpepuculbab/20050205elpbabese_7/Tes. Acessado em 15/11/2010.

TASCA, Fabíola Silva (2011): Por um conceito do político na arte contemporânea: o Fator Santiago Sierra. 311 f. Tese (Doutorado em Artes) – Escola de Belas Artes da Universidade

STILES, Kristine (2003): Six: Performance. Em: NELSON,

Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

Robert S. e SHIFF, Richard (Eds.). Critical Terms for Art

Notas 1 * A apresentação desse trabalho no VII Congresso Brasileiro de Hispanistas recebe o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG). “Performance affirms the inextricable interrelationship between private, biographical experiences and public, social practices in the production of art. It raises the ethical and political stakes of aesthetic engagement by positioning artists as a cultural force in and for social change.” Tradução de Adolfo Cifuentes. 2

“Performance (in its connection to process, et al.) developed into a leftist alternative to the production of art objects an was presented in nontraditional spaces as a means to subvert both the market an the regular institutions of art.” Tradução de Adolfo Cifuentes.

3

www.santiago-sierra.com

4

Todas as citações referentes ao discurso de Santiago Sierra serão mantidas em castelhano – sem tradução – ao longo desse texto.

5

Taiyana Pimentel em entrevista que me concedeu, disponível no APÊNDICE B de minha tese.

6

Cuauhtémoc Medina em entrevista que me concedeu, disponível no APÊNDICE A de minha tese.

7

A obra foi remontada em 1998, na Fundação Proa, também na Eslovênia, em 1998, e em Houston, em 2004. Em 2001 houve uma tentativa de remontá-la na Bienal de Havana, mas o artista se retirou da mostra devido à discordância com a organização que pretendia que o PC cubano escolhesse a família cubana para a exposição. (GIUNTA, 2007, p. 27). Maria Angélica Melendi avalia a remontagem do trabalho em 98, na Fundação Proa, apontando para especificidades sociais e políticas nos dois contextos (MELENDI, 1998, p.338-357).

8 “Por sugestão dos artistas, em 1967, o Instituto Di Tella resolveu converter os Prêmios Internaiconais em mostras sem premiação. O dinheiro destinado a esses prêmios seria dividido em partes iguais entre os participantes convidados, para que pudessem custear suas obras. Com o dinheiro que lhe coube, Oscar Bony pagou sua obra.” (MELENDI, 1998, p. 209). 9

“’Ángeles Exterminadores’ é uma referência ao filme de Luis Buñuel, El Ángel Exterminador, que Sierra afirma, em entrevista a Rosa Martinez, considerar como a base de seu trabalho. Um jantar de gala para a sociedade aristocrata constitui uma situação misteriosa, na qual os convidados não conseguem sair da cena do jantar, permanecendo por dias na casa. Antes disso, os funcionários já haviam abandonado a mansão sem motivo aparente, restando ao mordomo a tarefa de servir os convidados. Também sem razão aparente os convidados se vêem reféns de alguma força invisível que os impede de se deslocarem. Com o passar do tempo, os protocolos sociais e os valores desta classe vão sendo expostos e desconstruídos.

10 Mariana Botey em entrevista que me concedeu, disponível no APÊNDICE F de minha tese. 11 Cuauhtémoc Medina em entrevista que me concedeu, disponível no APENDICE A de minha tese. 12 Cuauhtémoc Medina em entrevista que me concedeu, disponível no APÊNDICE A de minha tese.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

392

TRADUZINDO E RECONSTRUINDO UMA REPRESENTAÇÃO.REFLEXÕES TEÓRICOMETODOLÓGICAS EM TORNO À IMPLANTAÇÃO DE UM (NOVO) CURSO DE E/LE

Fátima Aparecida Teves Cabral Bruno USP

Currículo é itinerância e errância, porque se deveria vivenciar nas experiências formativas as interações bifurcantes, os devaneios e as errâncias criativas. Roberto Sidnei Macedo

Pensamento Complexo ou Complexidade (MORIN, 1996). Quando se diz que algo é complexo, não se dá uma explicação, mas sim se assinala uma dificuldade para explicar determinado fato. Isso significa dizer que onde há complexidade há uma dificuldade, ou seja,

Introdução No ano de 2010, uma das iniciativas da Área de Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e HispanoAmericana da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (doravante FFLCH e USP) era a de oferecer à comunidade USP (alunos e funcionários) e ao público em geral um curso de espanhol sequenciado. Buscava-se também proporcionar aos alunos da pós-graduação e aos da graduação a partir do 6º semestre uma oportunidade formativa, porque além de darem aulas, estariam engajados num projeto de estudo e também recebendo uma bolsa. Essa iniciativa da Área se concretizaria com base em um dos pilares da Universidade1, na Extensão, dentro do Centro Interdepartamental de Línguas da FFLCH/USP. Coube-nos, então, coordenar esse projeto e os futuros monitores. Em vista desse desafio, resolvemos fazer a implantação tendo como base epistemológica o

“(...) um emaranhamento de ações, de interações, de retroações.” (MORIN, 1996, p. 274). Ao assumirmos coordenar um curso sob tal perspectiva epistemológica, deixamos de lado determinadas zonas de segurança, porque a proposta seria a de implantar um curso não com base naquilo que já está pronto, mas sim observando o emaranhamento de interações e de retroações para que não se efetuasse a repetição do mesmo no mesmo, e sim o Método (MORIN, 2003, p. 28) que é (...) uma estratégia do sujeito que também se apoia em segmentos programados que são revistos em função da dialógica entre essas estratégias e o próprio caminhar. O método é simultaneamente programa e estratégia e, por retroação de seus resultados, pode modificar o programa; portanto o método aprende.

Neste artigo, só poderemos elucidar as reflexões e ações de dois aspectos do emaranhamento: (a) o nome dado aos cursos, (b) o currículo/programa utilizado.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

A nomenclatura dos cursos

393

nivel básico” (SLAGTER, 2007, p. 9) quando afirmam que para os alunos de qualquer idade “(...) les hará falta

Num artigo que escrevemos em 2004, entre

principalmente un nivel básico de dominio de la lengua

outras questões, refletimos sobre a nomenclatura:

extranjera.” (SLAGTER, 2007, p. 9). Colocam também

básico, intermediário e avançado que era e ainda é

que existe a possibilidade de que os alunos possam se

utilizada para designar cursos de institutos de idiomas

desanimar diante da perspectiva de aprender uma língua

de espanhol como língua estrangeira (doravante E/LE).

estrangeira com uma meta que lhes pudesse custar um

Nosso questionamento girava em torno da questão de

par de anos. O que nos fez levantar a hipótese de que,

que um curso de E/LE nomeado dessa forma reforçaria o

em vista desse conjunto de afirmações, organizadores

imaginário de que o espanhol seria uma língua fácil para

e proprietários de cursos, professores e autores de

o brasileiro (CELADA & GONZÁLEZ, 2000 e CELADA,

materiais didáticos começassem a interpretar que

2002) e que, portanto, poderia ser aprendida em tão

seria recomendável fragmentar os anos subsequentes

somente três anos. Outra questão que nos colocávamos

de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras em

era de onde teria vindo essa nomenclatura de cursos e

intermediário e avançado, que corresponderiam a anos

até mesmo das coleções de livros didáticos. Recordamos

letivos com dois semestres de quatro meses cada. Tal

que assim o tínhamos feito, em coautoria, com relação

hipótese se reforçaria quando os autores chamam esse

à nossa primeira coleção. O fato é que não refletimos

período “umbral” de um ano, de “mitad de camino” um

sobre isso naquele momento, o que nos leva a observar

nível de “supervivencia”, “(...) un período de aprendizaje

a pertinência da afirmação feita por Morin sobre repetir

medio de menos de 8 a 9 meses” (SLAGTER, 2007, p. 8).

o mesmo no mesmo, sem um prévio questionamento.

É importante observar que os autores do

Ao iniciarmos o projeto de curso, empreendemos

projeto não impuseram tais parâmetros de tempo de

uma pesquisa para tentar descobrir de onde teria vindo

ensino/aprendizagem como uma regra, mas sim como

a nomenclatura: básico, intermediário e avançado.

hipóteses baseadas em estudos anteriores, inclusive

Chegamos até o momento somente a uma hipótese,

enfatizando que “(...) El problema está en que no

porque não pudemos empreender nova pesquisa. Os

sabemos con exactitud cuál es el mínimo absoluto de

termos em espanhol parecem ter nascido do material

dominio general.” (SLAGTER, 2007, p. 8). No entanto,

produzido pelo Consejo para la Cooperación Cultural

parece-nos que a preocupação dos autores e a hipótese

del Consejo de Europa, de Estrasburgo, de 1975,

do desestímulo aos aprendizes, levantada por eles, devem

chamado Threshold level, de Van Ek e Trim. A tradução

ter exercido um peso considerável no momento de se

e a adaptação desse material para o espanhol ficou

pensar como configurar um curso.

a cargo de P.J. Slagter e se chama Un nivel umbral2, publicado em 1979 e reeditado em 2007. Grosso modo, esse material apresenta, a partir de um estudo teórico preliminar, realizado pelos autores da versão em inglês, um sistema de unidades lexicais, gramaticais, funcionais acumuláveis para um ano de estudo, o equivalente entre 100 e 150 horas.

Na tentativa de romper com o modelo básico, intermediário e avançado e, consequentemente, com o imaginário de que o espanhol seria uma língua fácil para o brasileiro, resolvemos dar ao curso o nome: Curso de Introdução à língua espanhola, dividido em três semestres letivos: Foco no presente, Foco no passado e Foco no futuro. Esses cursos se centrariam nos

A partir de um determinado fragmento do

gêneros primários (BAKTHIN, 1979) a partir de focos

texto, aconteceu uma troca do termo “umbral” por

temporais, nas necessidades operatórias cotidianas, ao

“básico”. Os autores substituem “nivel umbral” por “un

que Morin (2008a, p. 35-36) chama de língua prosaica3;

394

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

por exemplo, dar e pedir informação, falar ao telefone,

individuais e socioeducacionais e com poucas chances

se apresentar, entender instruções de uso ou prescrição,

de homogeneização.

fazer e compreender uma lista de compras etc. Os próximos cursos, ainda sem nome nessa época, teriam como foco os gêneros secundários (BAKTHIN, 1979),

O currículo/programa

da tipologia argumentativa que envolve a capacidade de sustentar, refutar temas e tomar posições sobre temas

Antes do início do curso, precisávamos apresentar

controvertidos; seriam trabalhados os gêneros como

uma proposta de programa/currículo à direção do

a resenha, a petição, o debate etc.; e também a língua

Centro de Línguas. Após algumas leituras optamos

poética (expressão do simbolismo humano) encontrada

pela palavra currículo4, devido fundamentalmente à

em gêneros próprios da literatura: conto, fábula, romance

leitura de Macedo (2009) que classifica o termo como

etc.

polissêmico e a ser debatido. O autor sistematiza e Quando o segundo semestre do curso foi

lançado, observamos que esse primeiro ensaio de nome de curso não funcionava. Os alunos não sabiam em que nível matricular-se e a secretaria não sabia também como orientá-los; isto é, o que vem antes ou depois. Em função disso, em reunião com os monitores, refletimos sobre algumas propostas e decidimos dar os seguintes nomes aos cursos: Espanhol I, II, e assim por diante. Até o momento, oferecemos cursos até o nível V, nível que ainda explora com mais intensidade os gêneros primários, em vista dos resultados das avaliações dos alunos e porque observamos também, coordenadora e monitores, que a quantidade de conteúdo proposta pelos currículos iniciais era muito extensa para cada nível. Esses ajustes com relação à carga horária e conteúdos trabalhados e a não coincidência do que teoricamente se planejaria para um aluno de um curso básico, intermediário e avançado corrobora algumas das conclusões a que chegamos ao final de nossa tese (BRUNO, 2006). Parafraseamos parte do que nos diz Slagter (1998): o ensino, a aquisição e a aprendizagem de uma língua estrangeira não é um acúmulo de saberes, uma continuidade em linha ascendente direta e aperfeiçoada, assim como o prevê um currículo de

analisa importantes informações e questões relativas ao tema, a saber: (a) a constituição do currículo como um campo de pesquisa específico; (b) a dificuldade que existe em nocionar/conceituar e perceber qual é a sua dinâmica e implicação político-pedagógica; (c) “o saber lidar com ‘as coisas’ do currículo” (p. 13) que vão além do fato de dominar o que a legislação ou os reguladores educacionais ordenam ou orientam como modelo a ser aplicado; (d) a importância de um currículo educativo5 tendo como pano de fundo o pensamento complexo, isto é, “(...) um currículo onde a formação se desenvolva elucidando e compromissando-se com uma educação cidadã” (p. 15), aspecto que temos trabalhado em nosso plano de pesquisa nos moldes propostos por Morin (2003, 2008, 2009) com relação ao ensino na graduação. Paralelamente à leitura de Macedo (2009), passamos a (re)ver algumas propostas de currículo existentes para o ensino de E/LE que estivessem “prontas para vestir”. Poderíamos ter optado pelo currículo do antigo curso de espanhol existente na Extensão/FFLCH/ USP, Español en el Campus, ou ainda pelos de diferentes reguladores educacionais como o do Plan Curricular do Instituto Cervantes (PCIC), o Marco Común Europeo de

ensino de língua estrangeira, uma gramática descritiva

Referencia para las Lenguas: aprendizaje, enseñanza,

e um tempo de 270 horas a ele dedicado, distribuído

evaluación do Consejo de Europa ou o de uma coleção

entre básico, intermediário e avançado; a lógica, se é que

didática. Não adotamos nenhuma delas, partimos para

existe uma, deverá ser outra, mais específica em termos

a construção de uma proposta modesta, entre “(...)

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

395

interações bifurcantes, devaneios e errâncias criativas”

que não dá conta do programado para uma aula ou para

(MACEDO, 2009).6

um curso, um recurso didático que funciona bem para

Refletimos inicialmente sobre currículo de modo solitário na esperança de que futuramente pudéssemos discutir tais questões com os monitores, porque pensamos como Macedo (2009, p. 67), que essa seria uma oportunidade de dar um passo a mais no

um grupo, mas não para outro etc.. Por isso, a troca de experiências compartilhada em reuniões pedagógicas é fundamental para o aperfeiçoamento do currículo e, consequentemente, igualmente bom para os indivíduos envolvidos no processo.

sentido de democratizar conceitualmente o que vem a

Em função dessas reflexões, elaboramos uma

ser um currículo e de elucidar e compreender as práticas

primeira proposta de currículo muito enxuta8 com

realizadas em aulas para que a partir disso, entre outras coisas, nos apropriássemos e construíssemos “(...) percepções e ações de descolonização nos âmbitos das propostas curriculares correntes” (grifo nosso). Esse gesto significou também o abandono à facilidade, ao modelo de unicidade, do currículo uniforme, “pronto-a-vestir de tamanho único” (FORMOSINHO, 1991, p. 1 apud MACEDO, 2009, p. 18), expressou e expressa que nem tudo precisa ser homogeneizado, porque a homogeneização poderia supor o descarte do residual7 em termos de complexidade; isto é, daquilo que faz efetivamente parte da aula, “sua incompletude, sua imperfeição, o não previsto” (BRUNO, 2008, p. 98), o que Macedo (2009, p. 24) chama de “currículo oculto”. A compreensão desse emaranhamento não nos permitiu e não nos permitirá ter uma proposta de currículo pronta, porque o currículo se atualiza constantemente nos “atos de currículo”, ação socioeducacional nem sempre contemplada nele (MACEDO, 2009, p. 24). Trabalhar, refletir e debater os “atos de currículo” tem como propósito (re)organizar e atualizar constantemente um currículo; significa pesquisar o “currículo oculto”, a imperfeição da aula, considerar o residual, as ações e interações ocultas, as incoerências que, em geral, um currículo “prontoa-vestir” não discute enquanto individualidade de cada contexto socioeducacional, como os dilemas, as contradições e os paradoxos em aulas: alunos que não avançam, repetem os mesmos equívocos, o professor

vistas a sua ampliação a partir de futuros debates, reflexões e reuniões pedagógicas. Esperávamos que os monitores trouxessem os atos de currículo (ou currículo oculto) vividos em aulas a fim de sua ampliação e modificação. Até o momento, temos cinco curricula igualmente enxutos que já sofreram alterações subsequentes com relação aos conteúdos, justamente porque os atos de currículo indicaram que havia uma assimetria entre conteúdo a ser trabalhado em aulas e tempo de curso. A matéria proposta não estava sendo bem ensinada e aprendida por causa do excesso de conteúdos gramaticais e situacionais propostos inicialmente e também porque determinados conteúdos gramaticais não condiziam tão bem assim com os situacionais. Isto significa dizer que assumimos que o currículo é uma “tradição inventada” (GOODSON, 1998 apud MACEDO, 2009), um artefato socioeducacional importante, mas que deveria configurar-se nas (...) ações de conceber/selecionar/produzir, organizar, institucionalizar, implementar/dinamizar saberes, conhecimentos, atividades, competências e valores visando uma “dada” formação, configurada por processos e construções constituídos na relação com conhecimento eleito como educativo (MACEDO, 2009, p. 24).

Algo que vai se organizando pouco a pouco a partir das necessidades e interesses socioeducacionais dos participantes do curso. Um currículo debatido que se organiza e aprende está menos preocupado com o tempo cronológico, deixa de trazer em si um significado

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

396

autoritário, mesmo porque temos que considerar

Referências bibliográficas

que não é o “(...) tempo que possibilita o processo de autonomização de quem aprende e se forma.”, muito

BAKTHIN, (Voloshinov-1929) (1979): Marxismo e filosofia da

pelo contrário, o tempo-controle “(...) intensifica a

linguagem. Trad. M. Lahud e Y.F. Vieira. São Paulo: Hucitec.

burocratização do aprendizado e facilita a alienação no desejo do outro instituído” (MACEDO, 2009, p. 123).

BRUNO, Fátima A.T.C. (2004): Comprensión e imaginario en la clase de E/LE a brasileños. In: SEMINARIO DE DIFICULTADES ESPECÍFICAS PARA LA ENSEÑANZA

À guisa de conclusão

DE ESPAÑOL A LUSOHABLANTES. ACTIVIDADES Y ESTRATEGIAS PARA DESARROLLAR LA COMPRENSIÓN LECTORA, XII, 2004,p. 200-208. São Paulo. Actas... São Paulo:

Os dados relatados inserem o organizador/ coordenador do curso não no papel de um tecnocrata

Embajada de España en Brasil – Consejería de Educación, MECE.

ou contingente, mas sim de um indivíduo que observa e

______. (2006): Lo que uno/a comprende, lo que uno/a dice –

analisa o processo, as interações, o emaranhamento, que

compreensão e produção do espanhol como língua estrangeira

busca conhecimento com vistas à ruptura de paradigmas

por adultos brasileiros em situação de ensino e aprendizagem.

preestabelecidos em prol de algo melhor, mais construtivo para os envolvidos, porque considera conhecimento uma tradução seguida de uma reconstrução (MORIN, 1996).

São Paulo, 2006. 248 f. Tese (Doutorado em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana) – Universidade Estadual de São Paulo.

Reconstruções que se deram, entre outras, ao tentar

______. (2008): Interpretando a aula à luz do pensamento

traduzir e reconstruir o nome dado aos cursos de E/LE,

complexo. In: CARLINI, A.L.; SCARPATO, M. Ensino

o abandono do currículo uniforme e sua valorização a partir de atos de currículo ou o currículo oculto. Passar

superior: questões sobre a formação do professor. São Paulo: Avercamp Editora.

a valorizar o debate e tais ações tem sido um fator

CELADA, M. T. (2002): O Espanhol para o Brasileiro: uma

importante para a (auto)formação da coordenadora, do

língua singularmente estrangeira. Campinas, 2002. Tese

professor/monitor e também do aprendiz como cidadão,

(Doutorado em Linguística) – Universidade Estadual de

ser solidário e responsável em relação ao seu entorno (MORIN, 2008). C on c lu i - s e , e nt re out r a s c oi s a s , qu e conhecimento traduzido e reconstruído contribui para que os envolvidos no processo alcancem mudança/s sociossubjetiva/s consciente/s9 (VYGOTSKY, 2001);

Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. CELADA, M. T; GONZÁLEZ, N. T. M. (2000): Sobre las Formas de Contar una Historia. ABHE, p. 35-58. Brasília: Consejería de Educación de la Embajada de España en Brasil. GALLISSSON, R.; COSTE, D. (1983): Dicionário de didáctica das línguas. Coimbra: Livraria Almedina.

referimo-nos principalmente aos alunos, que relataram

MACEDO, Roberto S. (2009): Currículo: campo, conceito e

como objetivo amplo “melhorar de vida” por meio

pesquisa. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes.

da realização do curso. Esperamos, portanto, que as mudanças feitas no currículo com vistas a efeitos mais satisfatórios em aulas os ajudem a atingir seu objetivo, já que nenhum deles manifestou uma preocupação com relação ao tempo dedicado a esse aprendizado e com uma suposta classificação como aluno de nível básico, intermediário ou avançado.

MORIN, Edgar (1996): Epistemologia da complexidade. In: SCHNITMAN, Dora F. Novos paradigmas, cultura e subjetividade. p.274-286. Porto Alegre: Artes Médicas. ______. et alii. (2003): Educar na era planetária: o pensamento complexo como método de aprendizagem no erro e na incerteza humana. Trad. Sandra T. Valenzuela. São Paulo: Cortez; Brasília: UNESCO.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

397

______. (2008): A cabeça bem-feita: repensar a reforma,

2. Istituto di Lingue e letterature iberiche e iberoamericane,

reformar o pensamento. 15. ed. Trad. Eloá Jacobina. Rio de

Universita degli Studi: Milano & Librerie CUEM, Milano, p.

Janeiro: Bertrand Brasil.

1-31, 1998. Disponível em http://www.hum.uu.nl/ucu-spaans/

______. (2008): Amor, poesia e sabedoria. 8. ed. Trad. Edgard

eu-socrates/cafe.html. Acessado em 29/08/2012. ______. (2007): Un nivel umbral. MarcoELE. Revista de didá-

de Assis Carvalho. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. ______. (2009): Educação e complexidade: os sete saberes e outros ensaios. Maria da Conceição Almeida, Edgard de Assis Carvalho (Org.). 5. ed. São Paulo: Cortez. SLAGTER, P. J. (1998): ¿Café para todos?. In: VIDONI, M. Scaramuzza (Org.). Didattica della lingua spagnola. Ricerche

ctica E/LE. [S.l.]: Biblioteca Histórica, n. 5, 2007. Disponível em http://www.marcoele.com/num/5/nivel_umbral.pdf. Acessado em 29/08/2012. VYGOTSKY, L.S. (2001): A construção do pensamento e da linguagem. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes.

Notas 1

Os três pilares da Universidade são a Graduação, a Pós-Graduação e a Extensão.

2 Umbral, em espanhol, significa entrada, princípio, início de qualquer coisa. 3 Nesse ensaio, Edgar Morin reconhece que, em qualquer cultura, o ser humano produz duas linguagens a partir de sua língua, uma prosaica e outra poética. Elas podem ser produzidas separadamente ou em justaposição. Defendemos que ambas devem ser exploradas em aulas de E/LE. 4 Estamos cientes de que necessitaríamos fazer ainda outras pesquisas com relação à dicotomia programa/ currículo (se é que ela existe de fato), mesmo porque outras denominações poderiam servir para designar o documento que nos foi pedido; por exemplo: plano de curso ou programação (GALLISSSON; COSTE, 1983, p. 584-586). 5 De acordo com Morin (2003, 2008, 2009), o ensino educativo não seria simplesmente transmitir o saber, mas sim uma cultura que nos permitiria compreender nossa condição humana e planetária incerta e errante e que nos ajudaria a viver e a ter um modo de pensar aberto e livre. Por sua vez, o trabalho educativo não se restringiria à formação e ao desenvolvimento de um ser humano, mas sim encorajaria também o autodidatismo que favoreceria a autonomia a qualquer indivíduo. 6 Relemos também o capítulo Conhecimentos de Espanhol das Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, organizado pelas professoras I. Gretel M. Eres Fernández e Neide T. M. González. Disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf. 7 Na “(...) perspectiva da teoria dos sistemas e da crítica complexa, os resíduos são produtos de sistemas que, para construir coerências, eliminam elementos. Porém, esses não desaparecem. Eles se reagrupam na periferia e num certo momento podem retornar em avalanche e desestabilizar o sistema (LEFEBVRE, apud HESS, 2005, p. 22)” (MACEDO, 2009, p.19). 8 O currículo enxuto se compõe de um objetivo geral, de temáticas conectadas ou não a situações do cotidiano e de conteúdos gramaticais. Os conteúdos gramaticais mais especificados são os verbais, os demais são amplos. Por exemplo: pronomes, não se especificam se entram os possessivos ou os que cumprem função de objeto direto e indireto, de igual modo entra o título preposições. 9 Vygotsky (1996, p. 78-79) utiliza a palavra consciência para designar a percepção da atividade mental humana de estar consciente. Por exemplo: Uma criança em idade pré-escolar que, em resposta à pergunta “Você sabe o seu nome?”, diz como se chama, não possui essa percepção autorreflexiva; ela sabe o seu nome, mas não está consciente de que sabe.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

398

SINTAGMAS NOMINAIS COMPLEXOS NOS GÊNEROS JORNALÍSTICOS: UMA ABORDAGEM COMPARADA ENTRE ARTIGOS DE OPINIÃO E NOTÍCIAS1

Felipe Diogo de Oliveira* PG-UFRJ/CAPES

1. Introdução

2. Considerações Teóricas

Os jornais de mídia impressa são suportes para

Sigo aqui uma abordagem teórica de caráter

a difusão de distintos gêneros textuais (MARCUSCHI,

funcionalista (cf. CUNHA, 2009), levando em conta

2008, p. 179), dentre eles, os artigos de opinião e as

que a língua possui função comunicativa. Todo texto

notícias. Mas como diferenciar os dois gêneros em

e quaisquer estruturas subjacentes a ele estão imersas

questão, de um ponto de vista linguístico? Seriam os

em situações reais de uso e em contextos específicos de

Sintagmas Nominais (doravante SNs) Complexos um

comunicação.

parâmetro a mais para análise de tais gêneros?

Assim sendo, trago à baila o Princípio da

Buscando a resposta dessa pergunta, empreendo

Informatividade (cf. PRINCE, 1981; CHAFE, 1987),

este estudo empírico, cujo caminho a ser traçado é partir

a análise de gêneros textuais (cf. MARCUSCHI, 2008;

da forma (tipos) para a função (usos) dos SNs complexos

KOCH, 2011) e outros aspectos inerentes ao SN (i.e.,

nos gêneros em questão. Suas características serão

função sintática, posição pré/pós predicador verbal,

examinadas comparativamente, com vistas a estabelecer

presença/ausência de nominalizações), buscando

semelhanças e diferenças entre os gêneros em estudo.

relacioná-los com a função que exercem nos gêneros

Este trabalho é fruto de minhas pesquisas no grupo de estudos Sintagmas Nominais complexos e seu Papel na Constituição de Gêneros da Escrita Jornalística e Acadêmica, liderado pela professora Vera Paredes.

em análise. O conceito de SN complexo adotado aqui é aquele que, considerando também o núcleo, possui três constituintes ou mais, a saber: determinantes, quantificadores (esses, à esquerda do núcleo) ou modificadores (à direita ou à esquerda do núcleo). Observemos alguns exemplos:

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

399

(1) El caso llegó al Congreso y la oposición no

Eles foram extraídos de dois jornais de língua espanhola:

tiene aún una posición unánime (Art. Op.

El Mundo (Espanha) e La Nación (Argentina), a fim de

> La Nación > Periodistas Regulares > 2)

verificar também se existem possíveis variações espaciais.

(2) El senador Daniel Filmus tendrá hoy un último acto en la Biblioteca Nacional. (Notícias > La Nación > 9) (1) (3) Las cenizas son capaces de paralizar el motor

De cada jornal, foram extraídos 6 artigos de opinião e 6 notícias, num total de 12 textos por jornal. Além disso, limitei os artigos de opinião a aproximadamente 850 palavras, e as notícias, em torno de 1000. Essa divisão favorece o equilíbrio da amostra. Assim sendo, o corpus foi dividido em quatro

de un avión (Notícias> El Mundo>1)

grupos, que levam em conta o gênero e o jornal em que Os exemplos supracitados são de SNs complexos com apenas três constituintes cada . No caso de (1) e (3),

se encontram os textos. Graficamente, temos os grupos:

2

temos SNs formados por um determinante, um núcleo e um modificador posposto ao núcleo. Em (2), essa configuração repete-se no primeiro SN; no segundo SN

1. Artigos de opinião > El Mundo 2 Artigos de opinião > La Nación

do exemplo, temos um caso de modificador anteposto

3 Notícias > El Mundo

ao núcleo. Observemos mais alguns exemplos:

4 Notícias > La Nación

(4) En una clara señal de que no dejará de ejercer un férreo control sobre las exportaciones de

A tabela 1 mostra a distribuição das ocorrências

carne, el secretario de Comercio Interior,

de SNs complexos entre os quatro grupos citados acima,

Guillermo Moreno, avisó que desde hoy

num total de 1003 casos encontrados.

todas las solicitudes de permisos para

Artigos de

vender esos productos al exterior se deberán

Opinião

Notícias

TOTAL

tramitar en el edificio de la cartera que

El Mundo

275

173

448

maneja. (Notícias > La Nación > 6)

La Nación

362

193

555

TOTAL

637

366

1003

(5) A estas alturas, los problemas de aplicación práctica del nuevo sistema de transmisión del conocimiento (...) son incontables. (Art. Op. > El Mundo > No Periodistas > 2)

Tabela 1: Distribuição de SNs Complexos entre os gêneros e os jornais

Como se vê, a distribuição de SNs complexos entre os dois jornais foi bastante parecida (diferença de apenas 10,6%).

Percebe-se facilmente a diferença dos exemplos (1), (2) e (3) para os exemplos (4) e (5): estes SNs estão formados por mais constituintes que os primeiros. Estão,

4. Análise de dados

portanto, em um nível de análise mais alto. Somam-se ao objetivo geral desta pesquisa

3. Delimitação do corpus Para este estudo, utilizei um corpus formado de 12 artigos de opinião e 12 notícias, totalizando 24 textos.

outros dois questionamentos mais específicos: 1. Notícias tendem a apresentar menos SNs complexos que os artigos de opinião?

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

400

2. Os SNs complexos das notícias tendem a ter menos itens lexicais que os dos artigos de opinião?

Repare que as etapas de análise seguem da forma para a função.

Esses questionamentos foram levantados com base numa primeira observação dos dois gêneros. Percebi que poderiam existir diferenças quanto à

4. Resultados obtidos

presença/ausência de nominalizações e modificadores. Isso pode ter relação com a natureza mais opinativa dos artigos de opinião e mais informativa das notícias. A primeira, abordando temas mais abstratos,

A cada sub-tópico será discutido um aspecto investigado. Os resultados serão apresentados em forma de gráficos, junto a comentários sobre eles.

trabalhando no plano das ideias, dos conceitos, com sequências predominantemente argumentativas e mais nominalizações. A segunda natureza é de temas mais

4.1 Distribuição geral dos SNs Complexos

concretos, apresentando mais fatos, maior diversidade de referentes, sequências predominantemente narrativas e menor quantidade de nominalizações.

4.1 Etapas de Análise

70 60 50 40 30 20 10 0

Artigos de Opinião Notícias

Ocorrências Totais (%)

As etapas de análise seguiram a ordem descrita

Gráfico 1: Distribuição geral dos SNs Complexos

abaixo: 1. Levantamento de ocorrências de SNs complexos no corpus definido

Percebemos que, de maneira geral, o gênero artigo de opinião tende a apresentar mais SNs complexos que o gênero notícia. A diferença percentual encontrada

2. Análise da estrutura de cada SN complexo

nesta pesquisa é de quase o dobro, de um gênero para

3. Localização de cada ocorrência em um dos quatro

o outro.

grupos da seção II. 4.Tratamento quantitativo de dados, distinguindo os seguintes aspectos: 4.a. Função Sintática 4.b. Posição pré ou pós verbal 4.c. Status informacional 4.d. Presença de nominalizações 4.e. Número de itens lexicais 5. Cálculo de frequência de ocorrências, com o auxílio do software GOLDVARB 6. Caracterização de cada um dos quatro grupos da seção II

4.2 Estrutura dos SNs 80 60 40

Artigos de Opinião

20

Notícias

0 2

3

4

5 ou mais

Gráfico 2: Estrutura dos SNs (%)

O grau de complexidade dos SNs foi medido pela quantidade de itens lexicais que apresentaram3. Assim sendo, criei quatro grupos: um para cada quantidade de itens lexicais encontrada (2, 3, 4 e 5 ou mais itens).

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

O gráfico 2 mostra que todos esses grupos tendem a aparecer no gênero artigo de opinião.

401

A coluna do total mostra que, de maneira geral, SNs complexos tendem a conter informações inferíveis, ficando as informações totalmente novas/novas ancoradas com o menos percentual de ocorrências. Isso

4.3 Função Sintática

significa que nenhum texto se sustenta completamente apenas com informações novas. Ao contrário: o Funções Sintáticas Antepostas

80 60 40

Funções Sintáticas Pospostas

20 0 Artigos de Opinião

Notícias

TOTAL

dedutível é de suma importância para conferir tessitura ao texto. Temos, portanto, o texto como um processo de (re)construção e (res)significação por parte do emissor e do receptor.

Gráfico 3: Funções Sintáticas dos SNs (%)

Quanto à função sintática, os SNs complexos

4.5 Funções Sintáticas X Status Informacional

encontrados foram divididos em dois grupos, levando

O gráfico 5 é o resultado do cruzamento

em conta sua posição em relação ao predicador verbal.

entre as funções sintáticas e os status informacionais

Foram criados dois grupos: um de funções sintáticas

de ambos gêneros controlados da pesquisa. Observe

antepostas ao predicador verbal (e. g., sujeito e objetos

que informações totalmente novas/novas ancoradas

antepostos) e outro de funções sintáticas pospostas (e.g.,

e inferíveis tendem a ocorrer pospostas ao verbo. Por

objetos e sujeitos pospostos).

outro lado, informações velhas e disponíveis tendem a

O gráfico 3 chama-nos a atenção para a coluna do total. Percebemos que os locais preferidos dos SNs complexos são os pospostos ao verbo. Isso confirma Quirk et al. (1985, apud NIV, 1992, p. 285), que defendem que as informações mais “pesadas” – com mais material

ocorrer antepostas ao predicador verbal. Esse resultado confirma o Princípio do Ponto de Partida Leve (cf. CHAFE, 1984, p. 49): há forte tendência a iniciar textos por tópicos discursivos já conhecidos do receptor ou por informações facilmente acessíveis pelo mesmo.

lexical – tendem a vir linearmente após as mais “leves”.

Funções Sintáticas Antepostas

100 80 60 40 20 0

4.4 Status Informacional Totalmente Novas e Novas Ancoradas Inferíveis

80 70 60 50 40 30 20 10 0

Velhas

Funções Sintáticas Pospostas Totalmente Novas/Novas Ancoradas

Inferíveis

Velhas

Disponíveis

Gráfico 5: Cruzamento entre funções sintáticas e status informacionais (%)

Disponíveis Artigos de Opinião

Notícias

TOTAL

Gráfico 4: Status Informacional dos SNs (%)

No gráfico 4, percebemos que os SNs complexos dos artigos de opinião tendem a carregar informações totalmente novas/novas ancoradas e inferíveis. Em contrapartida, os SNs complexos das notícias carregam preferencialmente informações velhas e disponíveis.

5. Nominalizações: casos que merecem atenção especial As nominalizações merecem atenção especial por três motivos: 1. Preservam a estrutura argumental proveniente de seu respectivo verbo. Por isso, são grandes responsáveis

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

402

por gerar SNs formados por vários encaixes recursivos. (cf. CAMACHO, 2009) 2. característicos da modalidade escrita da língua (cf. CHAFE, 1982) 3. Têm a capacidade de compactar informação (cf.

80

Artigos de Opinião

60

Notícias

40 20 0 Nominalizações (%)

CHAFE, 1982) Observe abaixo dois exemplos: (6) […] el abogado mendocino Daniel Eduardo Ostropolsky podría ganar las elecciones de los abogados del interior para el Consejo de

Gráfico 6: Distribuição geral de SNs complexos com nominalizações

5.2 Tipos de nominalização –ción / –sión

100

la Magistratura. (Art. Op. > La Nación >

80

Periodistas Regulares > 2)

40

Regressivas

60 Demais Nominalizações Sem Nominalizações

20

(7) Martín Fraguío, director ejecutivo de la

0 Artigos de Opinião

Asociación Maíz Argentino (Maizar)

(Notícias > La Nación > 1) Em (6) temos a nominalização elecciones, que forma par com o verbo elegir e, assim como este, projeta dois argumentos: elegir [alguien] [para un puesto/uma plaza]4. Já em (7), a nominalização impacto projeta um SPrep cujo núcleo é outra nominalização (decisión), que projeta um outro SPrep, ainda dentro do primeiro. Vemos, assim, que as nominalizações contribuem para a expansão do SN complexo à direita.

TOTAL

Gráfico 7: Tipos de nominalização (%)

coincidió en que el impacto de la decisión del Senado norteamericano es acotado.

Notícias

Para estudar os tipos de nominalização, compus três grupos, de acordo com as morfologias encontradas: terminação em –ción/–sión, derivações regressivas, demais nominalizações (e.g., as terminadas em – mento/–miento) e um quarto grupo para casos sem nominalização. O gráfico 7 mostra que os artigos de opinião oferecem maior diversidade de nominalizações, enquanto que nas notícias, a preferência é por SNs complexos que não tragam nominalizações. Pela coluna do total, percebemos que 53% dos SNs complexos levantados

5.1 Distribuição das nominalizações O gráfico 6 mostra-nos que SNs complexos que

neste estudo apresentam casos de nominalização. O tipo mais produtivo, de maneira geral, são as derivações regressivas.

possuem nominalizações tendem a ocorrer mais em artigos de opinião que em notícias. A diferença percentual é quase o dobro nas primeiras, comparadas às notícias.

5.3 Posição das Nominalizações As colunas do total do gráfico 8 mostram que as nominalizações tendem a ocorrer no núcleo do SN complexo, o que dá margem para possíveis projeções de argumentos e consequente alargamento do SN para a direita.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

403

8. As nominalizações tendem a projetar não mais que 80

um argumento.

60 Núcleo do SN

40

Fora do Núcleo

20 0 Artigos de Opinião

Notícias

9. Essas características reforçam a natureza expositiva/ argumentativa do artigo de opinião e a narrativa/ expositiva da notícia.

TOTAL

10. Não foram encontradas diferenças marcantes entre

Gráfico 8: Posição das nominalizações (%)

as variantes argentina e espanhola nos gêneros em questão.

5.4 Projeção de Argumento

11. De fato, os SNs complexos são um parâmetro a mais Não projeta argumento

80

Projeta um argumento

60 40

Projeta dois argumentos

20

para análise de artigos de opinião e notícias.

Referências bibliográficas

0 Projeção de argumentos (%)

Gráfico 9: Projeção de argumentos das nominalizações

BASILIO, Margarida. (1987). Teoria lexical. São Paulo: Ática. CAMACHO, Roberto Gomes (2009) O Papel da Nominalização

O gráfico 9 mostra que as nominalizações tendem a não projetar mais de um argumento.

no Continuum Categorial. São José do Rio Preto. (Tese, Livre Docência em Lingüística) CHAFE, Wallace. L. (1982). Integration and Involvement in

6. Conclusões 1. SNs complexos tendem a ocorrer mais em artigos de opinião que em notícias. 2. SNs complexos em notícias tendem a apresentar menos itens lexicais que em artigos de opinião. 3. De maneira geral, SNs complexos tendem a vir em funções sintáticas pospostas ao predicador verbal. 4. SNs complexos de artigos de opinião trazem mais informações novas e inferíveis, enquanto que os das notícias, mais velhas e disponíveis. 5. Informações velhas e disponíveis tendem a vir antepostas ao predicador verbal, enquanto que as novas e inferíveis tendem a vir pospostas. 6. Nominalizações tendem a aparecer mais em SNs complexos de artigos de opinião. 7. Há grande propensão a que as nominalizações ocorram no núcleo do SN complexo, o que contribui para a projeção de argumentos e o aumento do SN à direita.

Speaking, Writing, and Oral Literature. Em: TANNEN, D. Spoken and written language, p. 35-53. Norwood, N.Jersey: Ablex. ______ (1984). Cognitive Constrains on Information Flow. In: TOMLIN, R. Coherence and grounding in discourse, p. 21-51. Amsterdam: John Benjamins CUNHA, Angélica Furtado (2009). Funcionalismo. Em: MARTELOTTA, M. E. (org.). Manual de linguística, p. 157176. São Paulo: Contexto. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça (2011). Desvendando os segredos do texto (7ª ed.) São Paulo: Cortez. MARCUSCHI, Luiz Antônio (2008). Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola. PRINCE, Ellen (1981). Towards a taxonomy of given/new information. Em: COLE, P. (ed.) Radical Pragmatic, p. 223255. New York: Academic Press. NIV, Michael (1992) Right Association Revisited. Proceedings of the 30th annual Meeting on Association for Computational Linguistics. June 28 – July 02, 1992. Newark, Delaware.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

404

LA LITERATURA ARGENTINA REVISITADA: EL MITO DE LA CAUTIVA EN UN CUENTO DE MARÍA ROSA LOJO

Fernanda Ap. Ribeiro UNIFAL-MG

En su cuento “Otra historia del guerrero y de la

artísticas. Según Claudia Luna (2000, p. 135), el mito

cautiva”, del libro Amores Insólitos de Nuestra Historia,

existe desde hace mucho tiempo y “tiene como aspectos

publicado por primera vez en el año 2001, la autora

obligatorios la violencia y el erotismo, puesto que la

argentina María Rosa Lojo (1954- ) hace referencia

mujer será objeto de codicia y de deseo, moneda de canje

al mito de la cautiva blanca, un tema recurrente en la

y parte del botín”.

literatura de su país y que nació en la época colonial.

En la América Hispánica, lo encontraremos en

La historia del cuento transcurre entre los

la literatura argentina desde el período de la Colonia,

años 1864 y 1910. Empieza con la narración del rapto

empezando con la crónica de la conquista La Argentina

de Dorotea Cabral por los indios desde la hacienda

Manuscrita (1612), de Ruy Díaz de Guzmán. En el

donde vivía con su padre, seguida de la historia de

capítulo VII de este libro, intitulado “De la muerte

Lisandro Cáceres, que va a defender a su país contra la

del capitán don Nuño de Lara, y su gente; y lo demás

“barbarie indígena”. Como cautiva, Dorotea sirve a la

sucedido”, el autor narra la leyenda de Lucía Miranda,

tercera esposa del jefe Cañumil (Barba de Oro) y, con

la esposa de Sebastián Hurtado. Los personajes viven en

la muerte de ésta, ocupa su posición, recibe un nuevo

el primer fuerte fundado por los españoles en las tierras

nombre, Lucero Rojo, y tiene tres hijos. Uno de ellos

de Argentina, y los indios Timbús son sus vecinos. El

es descubierto por el capitán español Daza, a quien

cacique de esta tribu se enamora de Lucía y ataca el

Lisandro servía como alférez. Lisandro se sorprendió con

fuerte, con la ayuda de su hermano, un día que el marido

las respuestas de Dorotea sobre su vida con los indígenas,

de la mujer había salido a buscar comida. El enamorado

se enamoró de ella y la escondió del Ejército argentino, que descubrió la trampa. Dorotea fue llevada rumbo a la ciudad y Lisandro fue arrestado. Aunque nunca más la vio, la imagen de Lucero Rojo quedó para siempre en la memoria del alférez. La narración se centra en el tema de La Cautiva Blanca, que se puede encontrar en distintas expresiones

Mangoré es asesinado por el capitán español Nuño de Lara; sin embargo, su hermano Siripo rapta a Lucía y la lleva a vivir con él. Cuando vuelve de su misión y percibe que llevaron Lucía, Sebastián Hurtado va en busca de su mujer; sin embargo, los indios lo encuentran primero y lo aprisionan. Gracias a los ruegos de Lucía, Siripo no le quita la vida y le da a cambio una mujer india,

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

405

quien denuncia los encuentros amorosos entre Lucía y

del Guerrero y la Cautiva”. En ese relato, el narrador hace

Sebastián. Él muere asaeteado y ella en la hoguera.

un paralelo entre el personaje Droctulft, un guerrero

En el texto de Díaz de Guzmán, la violencia surge por parte de los indígenas, que se adentran en el territorio de los españoles, los matan y capturan a la mujer como si fuera un gesto de traición, ya que el autor subraya que la convivencia entre indios y españoles

lombardo que renuncia a los suyos para defender la “otra” ciudad, por la cual estaba peleando, y la descripción de la abuela inglesa del narrador, que vive en Argentina y conoce a otra mujer inglesa, cautiva, que prefirió vivir con los indígenas a regresar a la ciudad (“civilización”).

era pacífica. Así, para el cronista, las víctimas son los

Los dos personajes borgianos viven una situación

españoles, que sufren la agresión indígena, y la muerte

de frontera, conocen el “otro lado”, de lo desconocido, se

de la pareja es una forma de redención a aquellos que

sienten fascinados por el Otro, viven y adoptan la otra

llevaban el cristianismo a los infieles.

cultura. Como señala Beatriz Sarlo (2001):

Muchos son los textos que revisitan a este mito. Con el poema “La Cautiva” (1837), de Esteban Echeverría, el tema vuelve a aparecer en la literatura argentina en el momento del Romanticismo, con un nuevo enfoque. Los personajes del relato son María y Brian y es ella quien mata al indio que la captura, sin que éste la mancille. Sin embargo, los enamorados no logran volver a la civilización y mueren en el desierto. Se puede decir que el cuerpo de la cautiva “no puede anular la historia y queda fuera de la civilización, pero no ha sido poseído por el indio y es territorio sacralizado de resistencia” (SEMILLA DURÁN, p. 02). El desierto también es un símbolo de frontera entre la civilización y la barbarie y representa, en el poema, aquellos que no fueron poseídos por los indígenas, pero que no consiguen volver a la ciudad. Hay dos puntos en el texto de Echeverría que merecen ser enfatizados: 1) la descripción de los indígenas, y 2) la posesión del cuerpo de la mujer. La representación negativa del indio coincide con el proceso de “civilización” de la Argentina des siglo XIX y la apropiación de las tierras de los indígenas por aquellos que se consideraban dueños del país, y el cuerpo del personaje María se vuelve un símbolo de deshonra, una zona de disputa y poder, lo que representa al país en su lucha contra “la barbarie” de los indios. Ya en el siglo XX, el escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) escribió un cuento titulado “Historia

Borges encuentra en la historia de la cautiva el espejo de una historia anterior. Pero también un perfil reflejado de la condición americana: vivir en la frontera (que también es una orilla) es condición no sólo de la historia de la cautiva sino de su propia historia y (por desplazamiento) de la literatura argentina.

En su cuento, “Otra historia del guerrero y la cautiva”, María Rosa Lojo ofrece su visión femenina del texto borgiano y del mito de La Cautiva en la literatura argentina. Borges escribió un cuento corto que menciona a los personajes Droctulft y la india rubia sin describir cómo era la vida de ellos, su familia, etc. Por su parte, la autora presenta los detalles, los sentimientos, los diálogos entre los personajes. Dorotea, cuyo nombre significa “aquella que es bienaventurada”, es raptada, a los catorce años, por los indios ranqueles que invaden la estancia de la familia. Su padre Evaristo – “aquel que es apropiado para complacer” – solía emborracharse y la insultaba por ser hija de una mujer que fue llevada por un malón. En el primer día de su cautiverio, la niña percibe que a través del humo “la realidad tomaba otras formas, como si las estirasen y la rompiesen, para hacerla de nuevo” (LOJO, 2011, p. 221). Es decir, Dorotea distingue que la vida tiene otros aspectos que no dominaba y que el momento que vive la hace renacer hacia una vida distinta a la que conocía. Cuando cumple catorce años, Lisandro, nombre que significa “el que libera o salva a los hombres”, escucha

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

406

la determinación de su padre, que cambiará su vida: “Su abuelo hizo la independencia de la Patria. A usted le toca otra gesta no menos decisiva: defender nuestra civilización contra el asedio de la barbarie indígena” (LOJO, 2011, p. 221-2). Así, Lisandro va a la guerra, pasa penurias y se acomoda a su destino. Las vidas de Dorotea y Lisandro sufren una transformación a los catorce años, número que indica metamorfosis y es el doble de siete, símbolo de la perfección. Esa edad representa el período en el que el niño se vuelve joven, pierde la inocencia y comienza a tener otra visión de la vida. En el caso de los personajes,

espacio mezclado e indeciso. Un espacio que había sido ranquel y que pronto, como toda la Tierra Adentro, sería huinca. Quizá por esa mala ubicación: la de lo transitorio, ilegal y desajustado, su relación estuvo desde el comienzo expuesta al infortunio. (LOJO, 2011, p. 231)

María Rosa Lojo siempre trabaja sus textos entre los espacios de frontera – como los límites entre la literatura, la historia y la memoria – y también la ruptura de la dualidad de conceptos, como la civilización y la barbarie. En su cuento, esa frontera tiene un espacio físico, el desierto, cuyo sentido es “a extensão superficial, estéril, debaixo da qual tem de ser procurada

además del cambio físico, sufren también una ruptura,

a Realidade” [la extensión superficial, estéril, bajo la cual

una separación de la convivencia con la familia y van a

tiene que buscarse la Realidad] (CHEVALIER, 2002,

comprender que hay otras formas de vivir.

p. 331). O sea, es ese sitio árido que oculta la realidad

Pero el cambio, para Dorotea, no parece ser algo tan malo: No le resultó fácil convertirse en sirvienta […]. Se conformó, sin embargo, porque comprendía que la condición de toda fortuna es su mudanza y porque la mudanza de la suya, si bien le había traído algunos males, la había saldado de otros, que estimaba peores. (LOJO, 2011, p. 226)

argentina: el enfrentamiento entre dos grupos sociales que combaten por la supervivencia y que buscan en la tierra su identidad nacional. Otra dualidad que la autora rompe es el masculino y el femenino, incluso la sumisión de la mujer al hombre. Eso se puede percibir, por ejemplo, en el momento que el personaje de la cautiva de Lojo adquiere voz en el cuento y confronta las ideas del alférez

Los indígenas no son descritos como seres salvajes, que viven en la “barbarie”, como se creía en el

Lisandro cuando cuestionada por su condición de mujer entre los indígenas:

siglo XIX. Por el contrario, los indios también pautan sus vidas en los consejos de los más viejos, como lo hace el jefe de la tribu que raptó a Dorotea: “‘El oro – le decía la machi – es ciertamente hermoso, pero no ha de pretender iluminar más que el sol”. De este modo, Cañumil ajustaba siempre sus acciones a la prudencia, y era un hombre querido por los suyos” (LOJO, 2011, p. 226). Además, a la primera mujer de Cañumil le aborrecía el desorden y castigó a las criadas cautivas y a las indias que intentaron golpear a Dorotea y cortarle el pelo que la distinguía de las demás. Fue así que el jefe puso los ojos en ella, la desposó y la llamó Lucero Rojo. El sitio donde se encuentran Dorotea y Lisandro, el desierto, es un

– ¿No es cualquier esposa como una esclava, entre los indios? – ¿No lo es también, muchas veces, entre los cristianos? Le aseguro que el mundo del que me arrancaron, señor alférez, no era mejor que aquel en que viví después. (LOJO, 2011, p. 236)

Acá, las dicotomías civilización/barbarie y masculino/femenino se deshacen, pues la mujer cautiva tiene una visión distinta con respecto a los indígenas. Ella no los ve como un grupo bárbaro en comparación con los argentinos con los cuales vivió antes de su cautiverio. Y expresa con determinación sus pensamientos, cuestionando la manera como los “civilizados” tratan a sus mujeres.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Aquí, la autora argentina ubica su cuento en lo

407

Referencias bibliográficas

que Elaine Showalter (1982) llama literatura “de mujeres” – cuando la mujer escritora llega a la fase en la cual el

BORGES, Jorge Luis (1999). Historia del guerrero y la cautiva.

interés se centra en los textos de mujeres y en la mujer

In: Obras completas. Buenos Aires: Emece.

misma, y la vuelca hacia la experiencia femenina como fuente artística. María Rosa Lojo revisa la literatura de su país y el mito de La Cautiva; sin embargo, ella dibuja su propio color en el texto, destacando el sentimiento del personaje femenino frente a la cultura occidental

CHEVALIER, Jean, GREERBRANT, Alain (2002). Dicionário dos símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. Trad. Vera da Costa e Silva et al. 17. ed. Rio de Janeiro: José Olympio.

en que vivía cuando niña y frente a la cultura indígena.

DIAZ DE GUZMÁN, Ruiz (2006). La Argentina Manuscrita.

Y sus conclusiones no son los mismos que los hombres

Em: CALERO, Silvia; FOLINO, Evangelina (Org.). Cronistas

divulgaran desde el siglo XIX. En el texto, Dorotea es la voz femenina que cuestiona los conceptos difundidos por los hombres

de indias: antología. p. 157-163. Buenos Aires: Colihue. ECHEVERRÍA, Esteban (2006). El matadero/La cautiva. Buenos Aires: Longseller.

como verdaderos. Podemos percibir su sabiduría en una

LOJO. María Rosa (2011). Otra historia del guerrero y la

charla con el capitán Daza, después de su “rescate” por

cautiva. In: Amores insólitos de nuestra historia. p. 215-245.

los “civilizados”:

2. ed. Buenos Aires: Aguilar.

Para ser representantes de la civilización, no parecen ustedes muy bien vestidos. […] ¿Cree que ustedes mismos le importan a su Gobierno, capitán? Los han usado y los van a seguir usando para tomar la tierra, y después, cuando ya no sirvan, van a tirarlos a la basura como armamento viejo. No se haga ilusiones. Ustedes no valen para ellos mucho más que nosotras. (LOJO, 2011, p. 234)

Por medio de la voz y de la mirada femenina, la autora argentina rescata un tema tradicional en la literatura de su país y lo convierte en material artístico, dibujando un nuevo concepto de escritura, al tiempo que postula las “historias híbridas”, según el término acuñado por Magdalena Perkowska (2008). María Rosa Lojo es

LUNA, Claudia (2000). La Cautiva. Em: CÁRCAMO, Silvia I. (Org.). Mitos españoles: imaginación y cultura. p. 135-142. Rio de Janeiro: APPERJ. SEMILLA DURÁN, María A. Variaciones y recurrencias. El eterno retorno del mito de la cautiva en la literatura argentina. Retirado de Acesso em 01/08/2012. SARLO, Beatriz. Borges, un escritor en las orillas. Retirado de . Acesso 07/08/2012. SHOWALTER, Elaine (1986). A literature of their own. Em: EAGLETON, M. (Ed.). Feminist literary theory: a reader. p. 11-15. Cambridge, Mass.: Blackwel. p. 11-15.

una escritora que sabe reinventar la literatura de su país

PERKOWSKA, Magdalena (2008). Historias híbridas: la

por medio de la ficción, y la reanudación del mito de La

nueva novela histórica latinoamericana (1985-2000) ante las

Cautiva en “Otra historia del guerrero y de la cautiva”

teorías posmodernas de la historia. Madrid: Iberoamericana;

es un ejemplo de ello.

Frankfurt am Main: Vervuert.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

408

“LA CASITA DE LOS VIEJOS”, DE MAURÍCIO KARTUN: TEMPO DO SUJEITO, TEMPO DA HISTÓRIA

Flávia Almeida Vieira Resende PG-FALE/UFMG

A peça “La casita de los viejos”, do dramaturgo argentino Mauricio Kartun, estreada em 1982 no Teatro Margarita Xirgu, apresenta a história da volta do protagonista – Ruben, Rubencito, “nenê” – ao seu passado, à casa de seus pais, numa busca incessante de reconciliar-se consigo mesmo. Nesse enredo, a temática do tempo, da culpa e do ser, permeado por sua negatividade, constituem a peça de Kartun. O que surpreende em “La casita de los viejos”, nessa “volta ao passado”, é a concepção do tempo em que a peça está fundada. Não uma concepção de tempo linear e objetiva, que permite uma viagem na memória, do presente ao passado, mas um tempo subjetivo, que não está apenas no campo da memória, mas que confunde a todo momento o espectador sobre qual seria e se haveria um presente, e em relação a que – ao passado ou ao futuro – ele estaria.

que o restante dos personagens vestirão à moda dos anos 50. (KARTUN, 1992, p.77)

Por essa rubrica, podemos inferir algumas informações: a) é verão, são 21h30, mas não sabemos em que ano se passa a cena; b) Neste ano, não determinado, Rubencito tem 10 anos de idade e Ruben tem 32; e c) Ruben está “vestindo roupas de gosto atual”, ou seja, ele está situado no presente da escrita da peça, década de 80, enquanto as outras personagens estão situadas, por esse signo do figurino, nos anos 50. Essas informações, porém, não precisam o tempo em que os acontecimentos da peça se passam. No início da peça, Ruben chega a esse local descrito na rubrica e encontra Rubencito, que então ainda não sabemos ser ele mesmo – Ruben – mais novo, e duas vizinhas de infância, Pocha e Parota, com 13 e 15 anos, respectivamente. Ruben solicita que Rubencito

Na primeira rubrica da peça, há uma contex-

chame a sua mãe, e enquanto espera chega Rosa, mãe

tualização que parece apontar para uma precisão

das vizinhas, com quem Ruben tem o seguinte diálogo:

temporal e mesmo espacial: Frente de um edifício de apartamentos “tipo casa” num bairro da grande Buenos Aires. (...) É verão. São 21h30. (...) Sentado no umbral da porta está Rubencito, garoto de dez anos. (...) Por uma lateral entra Ruben, trinta e dois anos, aspecto convencional, uma pasta nas mãos, vestindo roupas de gosto atual. Será exceção, uma vez

POCHA (com fastio): Anda, mamãe... É a visita de sempre... ROSA: O nenê? (Ruben concorda, com um sorriso) Que barbaridade! Mas quantos anos?... RUBEN: Trinta e dois... ROSA: Ai, meu Deus, como o tempo passa. Trinta e dois anos já (Ruben assente.) Claro... três anos menos

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

que minha Parota... A última vez que te vi, você acabava de completar quarenta... Já tinha tirado o bigode!. Depois te vi aos dezessete (puxando na memória) e se não me falha... minto! Te vi aos trinta e seis! No dia da tempestade do meu santo! (Para as filhas.) Vê se aprendem, mal-agradecidas... vejam só como um bom filho sempre volta à casa dos velhos! (KARTUN, 1992, p.79-80)

Essa fala é a primeira a relativizar a noção de tempo na peça. Se a vizinha já o viu antes com quarenta

409

os pais esperavam dele, ou do que a sociedade esperava dele. Afinal, como lhe diz sua mãe: “na sua idade você podia ser outra coisa... sei lá... ser alguém...” (KARTUN, 1992, p.83). Ruben é esse “ninguém”, esse ser que está sempre atrás de si próprio, atrás de sua identidade, e que por isso volta sempre, em uma vivência atemporal, já que não pode nunca coincidir-se consigo mesmo – e afinal o que seria esse si mesmo?

e com trinta e seis anos, o tempo em que ele se apresenta,

Giorgio Agamben, em “Primeira Jornada” de “A

com trinta e dois, não pode ser o tempo presente. E,

Linguagem e a Morte”, nos fala, a partir de “Ser e Tempo”,

ainda, se ele está com trinta e dois e isso significa três anos menos que Parota, que está com 15, as personagens não falam com a mesma base temporal. Qual é, então, o tempo presente? Qual é a lógica que guia a sucessão dos acontecimentos e a volta de Ruben à casa de seus pais? Veremos que a construção desse tempo relaciona-se com uma construção subjetiva da personagem. Mais adiante, a Mãe, ao reconhecer Ruben, diz: “Puxa, fazia tempo que não vinha... (Pausa. Mudança) O que você fez agora?”. Ruben lhe responde, “fingindo com dificuldade”: “Nada... só passava por aqui... E como faz tempo que não vejo a casa... se não te incomodo... (Pausa. Cabisbaixo.) Acabo de me separar da Estela...” (KARTUN, 1992, p.82).

de Heidegger, de um Dasein que seria o ser-aí, um ser que existe como ser-lançado, um ser-para-a-morte, que teria na culpa uma concretização da negatividade, uma antecipação dessa morte. Sendo fundamento, ou seja, existindo como lançado, o Dasein fica constantemente atrás de suas próprias possibilidades. (...) Negatividade não significa de modo algum não estar presente, não consistir, mas significa um Não que constitui este ser do Dasein, o seu ser-lançado... (...) A negatividade não se apresenta ocasionalmente no Dasein, para aderir a ele como uma obscura qualidade, que ele poderia igualmente não possuir, caso progredisse suficientemente (HEIDEGGER apud AGAMBEN, 2006, p.14-15).

Ruben, por ser esse ser negativo, que é transpassado pela culpa, não deixa, por isso, de estar

Logo em seguida, ao falar com seu pai, uma

presente. Há um dado momento da peça em que ele

figura rígida e punitiva, Ruben afirma: “Volto sempre...

deseja ir embora, ao ouvir ruídos vindos do banheiro,

Não sei por que, mas volto sempre...” (KARTUN, 1992,

que posteriormente saberemos ser o lugar que abriga os

p.83). O pai, em outro momento, diz:

Rubens castigados pelo pai. O pai, porém, afirma que

Não tem jeito! Não aprende! Será possível, caralho, que sempre volte chorando? Quando é que vai virar um homenzinho? Vai passar a vida voltando aqui? Cinco, dez vezes por ano! Se acabou... não quero... não suporto que molhe o tapete com lágrimas... que aos vinte e cinco largou a arquitetura para desenhar umas merdas... que aos vinte e nove é suspenso do Ministério porque discutiu política com o subchefe... que aos trinta o primeiro filho... que aos trinta e dois se separa... Chega, já me cansou! (KARTUN, 1992, p.85)

Podemos pensar que o que faz, então, com que Ruben volte sempre à “casinha dos velhos” é a culpa que o atravessa sempre, a cada decisão, a cada “desvio” do que

todas as saídas estão fechadas. Para Ruben, preso em sua culpa, o ser-lançado num tempo que não lhe pertence, não há como abandonar a casinha dos pais, há apenas como voltar a ela sempre. Se pensarmos que o ponto de vista central da peça é o de Ruben, ou seja, que está nele o marco temporal, ainda que subjetivo e indeterminado, podemos pensar que essa negatividade constitui apenas ele próprio, e que a negatividade das outras personagens é uma projeção de sua própria consciência. Os outros personagens muitas vezes já tem a morte como realidade

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

410

concreta, e permanecem vivos apenas nesse tempo memória/projeção de Ruben. Rosa, por exemplo, diz para Ruben: “O que... não sei se você ficou sabendo... quem faleceu fui eu...” (KARTUN, 1992, p.80). O pai também fala sobre sua morte: “Estive internado cinco meses antes de morrer, e ela não foi capaz de dar uma mão pra tua mãe” (KARTUN, 1992, p.87). Os outros personagens, portanto, assim como Ruben, e projetados por ele, além de não coincidirem com o tempo – uns dos outros, ou em relação a uma linearidade e a um tempo objetivo – não coincidem consigo mesmos. São seres negativos, que se apresentam como possibilidade. Se já estão mortos, se apresentam como o que poderiam ser. Se ainda estão vivos, se apresentam como o que não são. Outra personagem que merece um olhar mais atento é Rubencito, o Ruben com dez anos de idade. Rubencito é um personagem medroso, tímido, que sofre com as piadas de cunho sexual das vizinhas, e que irá acompanhar, na maior parte do tempo calado, todo o desenrolar da peça. Na cena inicial, quando Ruben chega e pede a Rubencito que chame a mãe, o menino não reconhece o adulto, que também não se apresenta como Ruben. Depois, as vizinhas lhe dizem que é ele mesmo

se calando uma a uma, durante o monólogo do pai que se segue) Você os ouve, não? Mas não se movem daí até que não mudem! Ainda que morram aí dentro... Ainda que quebrem o banheiro todo! Ainda que sejam tantos que se pisoteiem entre si! Quem não mudar, não sai... (...)Todos estão lá! Está com vinte e oito quando deixou de fazer horas extras para pintar porcarias... E com cinquenta e um quando hipotecou esta casa para abrir uma galeria de arte... Estão todos... no começo pela força... se rebelava! Não queria. (...) depois você foi se acostumando... Os anos não vêm sozinhos... vocês ainda têm brios... Mas passam... os brios se curam... (Iluminando-se) Sei que, no fim, deixarão de incomodar... Sei que algum dia poderei deixar a porta aberta, para que saiam a dar um passeio pela cozinha, como passarinhos enjaulados... (Com certa ternura estranha) No fundo, Nenê, sabe que quando precisar da gente sempre estará aqui a casinha dos velhos. (Ruben, tocado, desiste. Permanece abatido. Pausa longa.) Assim está bem, Rubencito... sem violência.... Para quê? As coisas são como são, e a gente não é ninguém para mudá-las... Eu já morri faz tempo... deixa-me viver tranqüilo. Sua mãe ainda vive... Permita-lhe morrer em paz. (Com suavidade.) (...) Vamos... para o banheiro sem jantar... (Ruben vai até a porta do banheiro e tira a tranca que a protege. A mãe abre uma fresta e olha para dentro. Com um gesto, indica a Ruben que entre, abrindo o suficiente para que ele passe. Fecha a porta e começa a por a Tranca. Ouve-se a campanhia da porta de entrada. O pai detém a mãe com um gesto.) Não feche ainda... não vale a pena... aí está de novo... (...) (KARTUN, 1992, p.88-89)

mais velho, mas não há no texto dramático nenhuma fala ou indicação de reação de Rubencito. Quando entram na casa dos pais, Rubencito entra atrás e “se encolhe numa poltrona”. Em vários momentos da conversa, há uma preocupação sobre Rubencito estar escutando as brigas familiares e as discussões sobre a separação de Ruben, pois o menino Rubencito poderia ficar no futuro como o adulto Ruben. Há um medo de que Rubencito coincida consigo mesmo.

Após essa fala, há a seguinte rubrica: A cena fica congelada como numa foto. Após uns poucos segundos, a magra figura de Rubencito assoma do esconderijo, atrás da poltrona. Lento, acanhado, percorre com a vista, uma a uma, as figuras imóveis de suas vizinhas, de seus pais. Tapa os olhos com força e sobrevém um súbito BLACK OUT. (KARTUN, 1992, p.89)

Neste momento, podemos pensar que Rubencito

No final da peça, algumas questões se abrem

fecha os olhos para não ver e não aceitar essa forma

novamente. Depois de Ruben querer sair da casinha dos

de viver a culpa, de ser castigado por seu pai, de ser

velhos e de discutir com o pai, dizendo que “desta vez não”, ou seja, não iria ser castigado, o pai diz este longo “monólogo”, do qual cito trechos: PAI (gritando, mais forte ainda): Acabou! Falei pro banheiro, e é pro banheiro! Afinal, sou teu pai ou que caralho sou? (Remedando Ruben) “Quero sair... quero sair...” Todos querem sair! (As vozes do banheiro irão

projetado em tantos Rubens que voltam sempre por não se encontrarem em uma identidade. Se o pai não deixa saída, se Ruben volta sempre, e se “as coisas são como são”, Rubencito não quer pactuar com isso. Ele precisa ter a possibilidade de suspender aquele instante – na cena congelada – e reinventar seu próprio tempo.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Agamben, em “Tempo e história – crítica do instante e do contínuo”, afirma que “a tarefa original

antes, propondo uma relação do sujeito com seu próprio tempo.

de uma autêntica revolução não é jamais simplesmente ‘mudar o mundo’, mas também e antes de mais nada ‘mudar o tempo’” (AGAMBEN, 2005, p.111). Agamben afirma ainda que verdadeiro materialista histórico não é aquele que segue ao longo do tempo linear infinito uma vã miragem de progresso contínuo, mas aquele que, a cada instante, é capaz de parar o tempo, pois conserva a lembrança de que a pátria original do homem é o prazer (AGAMBEN, 2005, p. 145).

Rubencito, porém, preso em um tempo que não lhe pertence, que é o tempo da culpa que atravessa Ruben, já mais velho, não consegue libertar-se. Ainda que na peça não prevaleça uma noção de tempo cronológica, que busca o progresso, o tempo da culpa é o tempo que obriga Ruben a sempre voltar à casa dos pais, e a viver preso num tempo em que fora lançado. Daí a negatividade que o atravessa.

411

A peça “La casita de los viejos” não deixa saídas, embora esboce uma possibilidade de escolha do menino Ruben quando o personagem suspende a cena. Rubencito, no entanto, não é dono de seu próprio tempo, mas está preso na história do ser-lançado, do ser-para-amorte, que se concretiza em Ruben. Para o ser-lançado num tempo que não lhe pertence, preso a uma história que não foi escolhida por ele, e da qual ele só participa assumindo a culpa, não há possibilidades. O tempo de Ruben não é o tempo do prazer, é antes o tempo do trauma, da culpa, da alienação dos sujeitos na história. Kartun esboça uma atitude revolucionária em relação ao tempo, buscando mudar sua concepção linear, porém, num momento histórico tão específico e arrasador como foi a ditadura militar na América Latina, ele não consegue libertar suas personagens nessa concepção: elas continuam alienadas e presas num tempo em que existem como seres lançados.

A concepção de tempo e de história na peça de Mauricio Kartun se assemelha então à concepção de Hegel: “‘o tempo é o ser que, enquanto é, não é e,

Referências bibliográficas

enquanto não é, é: o devir intuído’. Como tal, ele é formalmente idêntico ao homem, este ser negativo

AGAMBEN, Giorgio (2005): Infância e história. Belo

que é o que não é e não é o que é” (AGAMBEN, 2005,

Horizonte: Editora da UFMG.

p.119). O sujeito real, que segundo Hegel está subtraído do processo global da história, não pode alcançar a felicidade. É preciso não esquecer também do contexto em que “La casita de los viejos” foi escrita. A peça estreou em 1982, no segundo ano do Teatro Aberto na Argentina, um movimento realizado por autores de peças teatrais dispostos a afirmar sua dramaturgia em um contexto de censura e repressão causado pela ditadura militar. Na peça de Kartun, está presente o tema da repressão da instituição familiar e da dificuldade de se estar contra uma situação dada. A historicização, porém, não é radical. Não é falando sobre um tempo presente que Kartun assume o seu posicionamento político, mas,

______ (2006): A linguagem e a morte – um seminário sobre o lugar da negatividade. Belo Horizonte: Editora da UFMG. DUBATTI, Jorge (2008): Cartografia teatral. Buenos Aires: Atuel. KARTUN, Mauricio (1992): A casinha dos velhos. Em PELLETIERI, Oswaldo: Teatro argentino contemporâneo. São Paulo: Iluminuras. P. 75-89.

412

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

AS ESCRITORAS NA LITERATURA AFRO-COLOMBIANA

Francineide Palmeira PG-Universidade Federal da Bahia

Una de las areas que necesitan la atención de investigadores y criticos es la produccion literaria de mujeres afro-colombianas. Sin duda, la gran mayoria de autores colombianos de ascendencia africana cuya obra se conoce y se ha examinado son hombres, como ocurre tambien en las literaturas colombiana e iberoamericana en general. LAURENCE PRESCOTT

Essas palavras do estudioso Laurence Prescott

Panchano que começou a publicar na década de 1960;

foram publicadas em 1999 na Revista Iberoamericana

ou María Teresa Ramírez que publicou a obra La Noche

e, embora, de modo geral, ainda hoje essa assertiva

de mi piel em 1988; ou ainda, Jenny Córdoba, autora

possa ser utilizada para caracterizar a literatura afro-

de Sonata em Exílio (2007). Esse desejo de difundir

colombiana, houve algumas iniciativas desde então

essa produção foi declarado por Guiomar Escobar

que têm contribuído para alterar esse quadro sobre a

e Alfredo Zamorano na introdução desta antologia:

divulgação das obras das escritoras afro-colombianas.

“Al publicar la presente Antología [...] pretendemos

Essas iniciativas se referem tanto no que diz respeito

llenar un vacío en lo que respecta a la presencia de

à difusão da produção poética das autoras, quanto no

poetas afrodescendientes, en la producción literaria

sentido de analisar as produções dessas autoras1. Em

colombiana.” (ESCOBAR; ZAMORANO, 2008, p.16) E

relação à difusão da produção poéticas das escritoras

“informar y publicitar esta producción y la creatividade

afro-colombianas, um dos grandes marcos dos últimos

de estas mujeres poetas, afrodescendientes, y lo que

tempos foi a publicação da antologia ¡Negras Somos!:

sus excelentes e innovadores poemas y poemarios,

Antologia de 21 Mujeres Poetas Afrocolombianas de la

representan. (ESCOBAR; ZAMORANO, 2008, p.17)

Región Pacífica (2008) que reúne em suas páginas as produções poéticas de vinte e uma escritoras.

A publicação e divulgação dessa antologia, além de tornar acessível a leitores e pesquisadores uma amostra

A publicação da antologia ¡Negras Somos!

da produção de mulheres poetas afrodescendentes da

representou um marco para a literatura da Colômbia, não

Colômbia, possibilitou meios a Guiomar Escobar e

apenas por ser esta a primeira antologia afro-feminina do

Alfredo Zamorano para divulgar a segunda parte da

país, mas também por ter contribuído para apresentar

pesquisa sobre as escritoras afro-colombianas. A segunda

aos colombianos a produção literária de 21 escritoras

parte dessa pesquisa foi publicada com a denominação

afro-colombianas. Obras de autoras como Lucrecia

Antologia de Mujeres poetas afrocolombianas, como

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

413

um dos 19 volumes que integram a coleção Biblioteca

à década de 1950: Lucrecia Panchano, Elisa Pupu, Ana

de Literatura Afrocolombiana (2010), um projeto

Diaz, María Teresa Ramirez, Mary Grueso Romero,

desenvolvido pelo Ministério da Cultura da Colômbia .

Amália Figueroa. No segundo grupo, encontram-se as

Esta última coletânea divulga o resultado de quatro anos

autoras nascidas na década dos anos 1950: Sonia Nadhez

de pesquisa: 58 escritoras afrodescendentes provenientes

da Truque, Yvone America Truque, Colômbia Vélez,

de diversas partes da Colômbia.

Jenny de la Torre Córdoba, Nidia Velásquez. E o terceiro

2

Vale ressaltar que para as escritoras afrocolombianas, ter suas obras integrando a Biblioteca de Literatura Afrocolombiana foi muito significante, pois se a antologia ¡Negras Somos! tinha propiciado a divulgação das obras de algumas escritoras, a publicação de um volume com 58 escritoras afro-colombianas pelo Ministério da Cultura tornou possível expandir essa

e último grupo, é formado pelas escritoras nascidas nas décadas de 1960 e 1970: Julia Simona Guerrrero, Dionicia Moreno Aguirre, Sayly Duque Palácios, Lyda Cristina López, Elcina Valencia Córdoba, Ana Milena Lucumi, Lorena Torres Herrera, Maria de Los Ángeles Popov, Sobeida Delgado Mina, Nelly Patrícia Lerma.

divulgação no âmbito nacional e internacional. Isso

Em relação ao ensino formal, a formação

porque houve diversos lançamentos para divulgação,

universitária é uma característica comum a maior parte

esse material foi distribuído para todas as bibliotecas

delas. As áreas de atuação são diversas: Artes Cênicas,

públicas do país, além da disponibilização dessa

Administração, Arquitetura, Enfermagem, Filologia,

coletânea na integra no site. http://www.banrepcultural.

História, Psicologia, Pedagogia, Literatura e Espanhol.

org/blaavirtual/biblioteca-afrocolombiana.

Contudo, independente da área de atuação, quase todas se dedicam ao ensino. E há, pelo menos, sete escritoras que possuem uma trajetória acadêmica que inclui

Panorama sobre a Afrodescendência na Antologia ¡Negras Somos! Em outubro de 2008, em uma feira de livro organizada pela Universidade del Valle, a antologia de escritoras afro-colombiana intitulada ¡Negras Somos!: Antologia de 21 Mujeres Poetas Afrocolombianas de la Región Pacífica (2008) foi apresentada ao público. Tratava-se da etapa de uma investigação sobre as escritoras negras da Colômbia desenvolvida pelos escritores Guiomar Escobar e Alfredo Zamorano e publicada pelo programa editorial desta universidade. ¡ Negras Somos! consiste em uma coletânea em espanhol, composta pelas produções de 21 poetas mulheres afrodescendentes da Colômbia, proveniente da Região Pacífica, como já evidencia o subtítulo da publicação. Nessa publicação, essas autoras foram organizadas em grupos a partir do critério geracional. No primeiro grupo estão as que nasceram anteriormente

especialização, mestrado, ou doutorado, sendo algumas dessas professoras universitárias. Quanto à carreira literária, elas apresentam trajetórias bastante distintas. De modo geral, não eram reconhecidas no âmbito nacional. Todavia, de formas diferenciadas elas estavam pouco a pouco construindo seus caminhos: participando de eventos literários e culturais, fossem locais, regionais ou nacionais; integrando grupos e organizações voltados para a questão cultural ou étnico-racial; concorrendo em concursos literários. Onze delas, pelo menos, já tinham participado do “Encuentro de Poetas Colombianas3”. No que tange as obras literárias, a maior parte das escritoras que integram a ¡ Negras Somos!¡ já possuíam alguma publicação. Na verdade, uma das questões que mais chamam atenção nessa antologia é que as autoras, embora não sejam reconhecidas nacionalmente, possuem um número considerável de textos literários publicados, seja em revistas literárias, antologias ou

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

414

livros. E muitos dos textos poéticos que constam na

afrodescendentes, suas culturas, suas histórias e as

antologia ¡Negras Somos! são textos que já tinham sido

contribuições deste grupo para a construção das diversas

publicados anteriormente. Os poemas da escritora Mary

nacionalidades nas Américas . Diante disso, “reescrever

Grueso Romero, por exemplo, foram todos extraídos

essa história” implica para os afrodescendentes tornarem-

de um livro desta escritora que se denomina Negra

se os narradores do relato, tornar-se o sujeito e não o

Soy (2008): “Los poemas que Guiomar Cuesta pone

objeto do discurso; significa narrar suas memórias. Uma

en la antología de las 21 mujeres es, precisamente, una

memória que, neste caso, “teria a responsabilidade de

recopilación de un libro que me había publicado el

resgatar os esquecimentos que haviam sido submetidos

Museo Rayo” (ROMERO, 2011).

indivíduos, obras e fatos históricos” (ACHUGAR,

Assim, essa antologia reúne em suas 223 páginas as produções de 21 poetas e, por conseguinte, uma heterogeneidade de estilos, uma diversidade geracional e de contextos históricos. Entretanto, independentemente de tudo isso, essas autoras assemelham-se em relação

2006, p. 141) Destarte, a memória consiste em um dos instrumentos de resistência cultural utilizados pelos escritores e escritoras da diáspora africana. Escrever sobre as memórias e culturas negras torna-se uma forma de narrar o relato sob a ótica afrodescendente:

a algumas identidades: são todas mulheres poetas afrodescendentes colombianas do pacífico. Outra característica que aproxima os grupos de escritoras dessa antologia é a temática das produções. Nos três grupos, há autoras que trazem a memória como temática basilar de suas produções. Contudo, essa relação com a memória não é uma particularidade das escritoras afrodescendentes colombianas do pacífico, segundo Lawo-Sukam (2011), os escritores afro-colombianos, independentemente de diferenças de

Siempre presentes Quisieron borrar nuestras huellas, quisieron silenciar nuestras voces, pero el cuerpo, cansado, desnudo y maltratado por el látigo… ¡volvió a levantarse! Quisieron borrar nuestra historia, quisieron borrar nuestra imagen, pero el alma, dolida, insistente y curtida… ¡Volvió a reescribirse! [...] Lorena Herrera4

geracionais apresentam em suas obras uma preocupação com o resgate da memória e a celebração da cultura afro-colombiana.

Assim sendo, assenhoreando-se do poder da palavra 5, essas autoras têm contribuído com a luta histórica de seus ancestrais pela questão da

Entretanto, uma constatação como essa gera o

afrodescendência por meio do instrumento da escrita.

seguinte questionamento: por que esse tema tornou-se

A partir de suas identidades de mulheres negras na

uma prioridade para a literatura afro-colombiana? Será

sociedade colombiana, essas escritoras apresentam um

esta uma preocupação apenas dos negros colombianos?

discurso que constrói e assume uma identidade feminina

De acordo com Roland Walter, “a evocação do passado

afro-colombiana, além de contribuir para fortalecer esta

pela memória” (WALTER, 2009, p.61) consiste em uma

identidade ao ficcionalizar a memória do grupo étnico ao

característica do discurso afrodescendente. Para ele,

qual pertencem, como podemos notar no poema abaixo:

“reescrever a história tem sido um esforço constante de



escritores negros através da diáspora desde a chegada as Américas” (WALTER, 2009, p. 61). Essa necessidade de “reescrever a história” advém do fato das histórias oficiais e nacionais serem relatos contatos pelo outro, e , de modo geral, serem relatos que invisibilizam os

¿Por qué me dicen morena? Si moreno no es color, yo tengo una raza que es negra y negra me hizo Dios. [...]

Negra soy

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Yo tengo mi raza pura y de ella orgullosa estoy, de mis ancestros africanos y del sonar del tambó. Yo vengo de una raza que tiene una historia pa’ contá que rompiendo sus cadenas alcanzó la libertá.

415

«¡Despertad! Hijos y nietos del muntú». María Teresa Ramírez

Por sua vez, no segundo poema, temos a figura de uma mulher negra que conheceu as histórias sobre seus ancestrais com sua avó e que agora as narra para seus filhos e netos, por meio de canções. Neste último

A sangre y fuego rompieron, las cadenas de opresión, y ese yugo esclavista que por siglos nos aplastó.

poema, há claramente a figura da mulher negra como a guardiã da memória, como aquela que narra a seus

Mary Grueso Romero6

Negra soy é um dos poemas da escritora colombiana Mary Grueso Romero que se encontra publicado na antologia colombiana Negras Somos!. Ao longo do poema, é apresentado um eu – poético feminino que afirma e defende seu direito de ser sociamente denominada de negra. Vale ressaltar que este sujeito poético estabelece uma relação entre a identidade étnico-racial e a memória de tal grupo. Os elementos enumerados para justificar o orgulho de tal pertencimento étnico-racial são elementos que constituem a memória desse grupo: a ancestralidade africana e a alusão a luta contra escravidão; corroborando, assim, com o pensamento de Jacques Le Goff, para o qual, a memória consiste em “[...] um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, [...]” (LE GOFF, 1996, p. 476).

descendentes a história do seu grupo étnico-racial: [...] Y seguiré cantando canciones muy tristes que me enseñó mi agüela de príncipes negros traídos de África vendidos en el mercado como negros sin casta. Y yo cuento a mis hijos y también a mis nietos para que ellos a su vez lo sigan contando a travé del tiempo y la historia siga por todos los siglos y nunca morirá, porque se volvió mito la mujer que enterraron en una inmensa ola a la orilla del mar. Mary Grueso Romero

Outra característica presente nesta coletânea é a relação memória e a figura das avós. Na antologia em estudo, há poemas no qual a figura da avó ou “abuela”, também conhecida no afro-pacifico como agüela, é construída como aquela mulher mais velha que transmite aos seus netos afrodescendentes o conhecimento acerca de seus ancestrais. Nesse sentido podemos destacar dois poemas: Canto Mágico, de María Teresa Ramírez7, e Contando el cuento, de Mary Grueso Romero. No primeiro, a voz que desperta os afrodescendentes para sua herança; portanto, o Canto Mágico, é atribuído a avó:

tumba la voz abuela:

[...]

Diante dos poemas selecionados e apresentados neste texto pode-se concluir que, na da antologia em estudo, há tanto poemas que trazem como tema basilar a memória histórica dos afro-colombianos quanto poemas que abordam as tradições e culturas deste grupo étnico-racial. Todavia, é importante ressaltar que além das características supracitadas, há uma terceira particularidade nas produções da coletânea Negras Somos! que se relaciona diretamente ao território de origem das escritoras em questão: a presença de poemas que apresenta poeticamente os elementos do meio ambiente da Região Pacífica, uma região em que, segundo Arturo Escobar, 90% da população é negra8.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

416

(ESCOBAR, 2004) Um exemplo disso é a presença

2007. Disponível em: http://www.magfc.org/magfc/mag_doc/

dos rios, mares e mangues na produção literária

gc_01.pdf. Acessado em 01/05/2010.

dessas poetisas. Quando não é a temática central, tais ambientes aquáticos se fazem presente por meio de metáforas ou outro tipo de referência. Diversas são as autoras que possuem produções que apresentam alguma

ESCOBAR, Guiomar; ZAMORANO, Alfredo (2010): Antología de mujeres poetas afrocolombianas. Bogotá: Ministério de Cultura, p. 590. (Biblioteca de Literatura Afrocolombiana, v.XVI). Disponível em http://www.ban-

referência ao mar, aos rios, ou aos mangues nos títulos de

repcultural.org/sites/default/files/87970/16-antologia-de-

seus poemas: Cali a la deriva, Julia Guerrero; Naufrágio de

-mujeres_afrocolombianas_.pdf. Acessado em 17/12/2011.

Tambores, de Mary Grueso; Estos dias bañados por el mar, Lyda López; Entra en mi playa de nuevo, Elcina Cordoba; Mary Mar, Maria Popov; Nosostros, los de la otra orilla, Jenny Córdoba; Los manglares, Lucrecia Pachano. Tendo em vista os tempos atuais em que a afrodescendência tem sido discutida não apenas na Colômbia, mas na América Latina e em outras partes do mundo, as produções das autoras afro-colombianas do pacífico, ao trazer a temática da afrodescendência em suas produções, fornecem indícios sobre os modos como essas comunidades do afro-pacífico pensam suas tradições e culturas. Por sua vez, a análise dessas produções contribui para compreensão do que significa ser negro ou ser afro-colombiano para essas populações. Em um momento em que diversos pesquisadores têm

ESCOBAR, Guiomar; ZAMORANO, Alfredo (2008): Negras Somos!: antologia de 21 mujeres poetas afrocolombianas. Cali: Universidad del Valle. KRAKUSIN, Margarita(2007): Cuerpo y texto: el espacio femenino en la cultura afrocolombiana en María Teresa Ramírez, Mary Grueso Romero, Edelma Zapata Pérez y Amalia Lú Posso Figueroa. In:Ortiz, Lucía(ed.) Chambacú, la historia la escribes tú: ensayos sobre cultura afrocolombiana. Madrid: iberoamericana. LAWO-SUKAM, Alain (2011): (A)cercamiento al concepto de la negritud en laliteratura afro-colombiana. Cincinnati Romance Review: Afro-Hispanic Subjectivities. Cincinnati – EUA, n.30, p. 39-52. Disponível em: http://www.cromrev.com/ volumes/vol30/03-vol30-lawo.pdf. Acessado em 21/12/2011.

refletido sobre as repercussões da legislação voltada para

LE GOFF, Jacques (1996): História e Memória. 4. ed. Campinas:

os afro-colombianos, entender como esse grupo se vê e

Editora da UNICAMP.

define sua identidade étnico-racial pode ser produtivo. De qualquer forma, esse já seria uma temática para outra reflexão, por hora esse texto limitou-se a navegar por essa antologia e apresentar algumas de suas produções que abordam a temática da afrodescendência.

PRESCOTT, Laurence E. (1999): Evaluando el Pasado, Forjando el Futuro: Estado y Necesidades de la Literatura Afro-Colombiana. Revista Iberoamericana. Pittsburgh, PA – EUA, v. LXV, n. 188-189, p. 553-565, jul./dez. PRESCOTT, Laurence E. (1996): Perfil histórico del autor

Referências bibliográficas

afrocolombiano: perspectivas y problemas. America Negra. Bogotá – Colombia, n. 12, p.104-125. Disponível em http:// puj-portal.javeriana.edu.co/portal/page/portal/Facultad%20

ESCOBAR, Arturo.(2004): Desplazamientos, desarrollo y

de%20Medicina/1documentos/amenegra/AmericaNegra12.

modernidad en el Pacífico colombiano. In: Restrepo, Eduardo;

pdf. Acessado em 12/12/2011.

Rojas, Axel (Ed.) Conflicto e (in)visibilidad : Retos en los estudios de la gente negra en Colombia. Popayán : Bogotá: Editorial Universidad del Cauca. ESCOBAR, Guiomar (2007): El Encuentro de Mujeres Poetas Colombianas, creador de un nuevo Canon poético. Bogotá,

RODRÍGUEZ, Jaime Arocha (2009): Homobiósfera en el Afropacífico. Revista de Estudios Sociales. Bogotá, n. 32, p. 8697, abril. Disponível em http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/ ArtPdfRed.jsp?iCve=81511766007. Acessado em 21/12/2011.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

417

ROMERO, Mary Grueso (2011): “De cómo expandir el

historiográfico de la literatura colombiana. Revista Lingüística

espacio de la escritura”. Entrevista concedida a Juan Pablo

y Literatura. Medellin – Colômbia, n. .47/48, 2000. Disponível

Angarita B. em 14 de novembro . Disponível em: http://www.

em http://aprendeenlinea.udea.edu.co/revistas/index.php/lyl/

banrepcultural.org/blaavirtual/biblioteca-afrocolombiana/

article/viewFile/1904/4603. Acessado em 20/12/2011.

antologia-mujeres-poetas-afrocolombianas/multimediaentrevista. Acessado em: 17/12/2011.

WALTER, Roland (2009): Memória, história e identidade cultural na literatura da diáspora negra. In: ______. Afro-

VARGAS, Nicolay (2000): Aproximación al problema de las

América :diálogos literários na diáspora negra das Américas.

literaturas de minorías. Mujeres, negros e indígenas en el mapa

Recife, Bagaço, 2009. p.61-111.

Notas 1 Em relação à publicação crítica, Chambacú, la historia la escribes tú: ensayos sobre cultura afrocolombiana(2007), organizada por Lucía Ortiz, que traz dois ensaios dedicados a produção das escritoras afro-colombianas, e a obra Hijas del Muntu (2011), organizadas por Maria Mercede Jaramillo e Lucia Ortiz que apresenta três ensaios dedicados a escrita feminina afro-colombiana, são dois exemplos de livros que abordam a produção literaria feminina afro-colombiana. Além desses textos publicados em livros, há também alguns outros ensaios apresentados em eventos como o Congreso de la Asociación de Colombianistas, de 2011 e a X Jornadas de Literatura Latinoamericanas, em 2012. 2 A publicação Biblioteca de Literatura Afrocolombiana (2010) foi um projeto desenvolvido pelo Ministério da Colômbia por conta das comemorações dos 200 anos de independência. Esta coleção é composta de 19 volumes contendo obras representativas da produção literária afro-colombiana. Estes volumes se encontram disponíveis no seguinte endereço: (http://www.banrepcultural.org/blaavirtual/biblioteca-afrocolombiana). 3 O “Encuentro de Poetas colombianas” consiste em encontro de escritoras colombianas que acontece anualmente no Museo Rayo, no Valle del Cauca, desde 1985, sob a organização da poetisa Agueda Pizarro Rayo. As escritoras afro-colombianas tem participado deste encontro desde a década de 1980, E, ao longo destes anos, tal evento se configurou como um espaço importante para divulgação tanto das autoras afro-colombianas como de suas obras. (ESCOBAR, 2007) 4 Lorena Herrera nasceu em Boaventura, é professora, licenciada em Artes Dramática, especialista em Pedagogia do Folclore e realizou alguns outros cursos universitários. Integra a Red Nacional de mulheres afro-colombianas e participa do “Encuentro de Poetas colombianas”, no museo Rayo. Além disso, é membro do Conselho Municipal de Cultura, além de atuar em escolas. Escribe poesía, piezas teatrales, cuentos y canciones folclóricas. 5 Segundo Foucault, “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar.” (FOUCAULT, 1996, p. 10) 6 Mary Grueso Romero, nasceu em Guapi, em 1947, e estudou espanhol e literatura na universidade de Quindío. Esta escritora já recebeu vários prêmios, incluindo o Almanegra, o mais alto reconhecimento das escritoras colombianas. Dentre as obras publicadas destacamos: ‘El Otro Yo Que Si Soy Yo, ‘Mi Gente, Mi Tierra y Mi Mar’ ( C´D). Possui algumas obras publicadas em antologias, como ¡ Negras Somos! e algumas obras inéditas. 7 María Teresa Ramírez é professora, licenciada em Historia e Filosofia pela Universidad del Valle, 1967. Foi uma das três escritoras afro-colombianas a receber o prêmio Almanegras (2007), título oferecido as mulheres poetas colombianas que alcançaram a excelência em sua obra poética, em 2007. Publicou as obras La Noche de mi piel (1988), Abalenga (2008) y Flor de Palenque (2008). Além disso, possui algumas obras inéditas. 8 Segundo o antropólogo Jaime Arocha Rodríguez (2009), o termo “afropacífico” foi utilizado pelo poeta Elcías Martán Góngora para denominar a região pacifica colombiana no qual predominam os afrodescendentes tanto no critério demográfico quanto cultural.

418

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

O LEGADO DE MERCEDES SOSA: A ARTE COMO INSTRUMENTO DE LUTA PELA CIDADANIA

Franklin Larrubia Valverde Estácio-Uniradial e Unip

A cantora argentina Mercedes Sosa, falecida em

(Polygram/ Philips – 1982), disco gravado no Teatro

2009, além de ter sido uma das melhores intérpretes da

Ópera de Buenos Aires logo depois de sua volta do exílio.

música popular e folclórica da América Latina, foi uma

Há também Yo vengo a ofrecer mi corazón (Polygram/

das vozes mais presentes na luta pela cidadania dos povos

Philips – 1985), com título de uma música de Fito Páez;

latino-americanos nas últimas décadas do século XX.

Corazón Americano (Polygram – 1986), gravado ao vivo

As canções interpretadas por ela tratam de direitos fundamentais nas áreas civil, social e política, além de denunciar as inúmeras mazelas sofridas pela América Latina sob regimes ditatoriais. Por seu aspecto crítico à situação vivida pelos latino-americanos também

no estádio do Vélez Sarsfield com León Gieco e Milton Nascimento; Mercedes Sosa (Polygram – 1987), com destaque para a faixa “Barrio de la Cruz”, uma versão de “Brejo da Cruz” de Chico Buarque e Alta Fidelidad (Polygram – 1997), com músicas de Charly García.

eram vistas como instrumento de conscientização popular. Paralelamente à sua expressão artística, seu posicionamento político também contribuiu muito para denunciar a situação política latino-americana, o que causou seu exílio, no final dos anos 70 e início dos 80, primeiro na França e depois na Espanha.

A cidadania e os direitos Ao longo da História há muitas concepções sobre o que é cidadania. Entre as principais podemos citar a de Locke, que pautava a cidadania relacionando-

Mercedes Sosa deixou uma discografia bastante

se com a questão da propriedade. Em contraposição,

extensa. Em seu site oficial (www.mercedessosa.com.

podemos apontar a visão de Rousseau, que entendia que

ar) encontramos registrados 36 discos de carreira,

nenhum homem pode ter o outro como sua propriedade.

além de dezenas de coletâneas espalhadas pelo mundo.

Já no final do século XIX, temos a concepção de

Entre eles merecem ser lembrados Homenaje a Violeta

Kant que situava a cidadania no Estado de Direito.

Parra (Philips – 1971), uma seleção de composições

Paralelamente a essa visão, temos a contribuição de

da chilena Violeta Parra; Mercedes Sosa interpreta a

Marx na “construção de um conceito de cidadania, ao

Atahualpa Yupanqui (Philips – 1977), com músicas

criticar o uso dos direitos pela burguesia para dominar

do compositor argentino; Mercedes Sosa en Argentina

os outros grupos sociais”. Já no século XX ganha espaço

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

a concepção defendida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual afirma que “Todos os homens são iguais perante a lei, sem discriminação de raça, credo ou cor”. (COVRE, 2008, pp. 25/37) Assim sendo, dentro dessa concepção mais avançada de cidadania, encontramos que todos os cidadãos têm direitos civis, sociais e políticos. Os direitos civis são entendidos como aqueles relacionados

419

Me gustan los estudiantes Porque levantan el pecho Cuando les dicen harina Sabiéndose que es afrecho. Y no hacen el sordomudo Cuando se presente el hecho. Caramba y zamba la cosa, El código del derecho! Mercedes Sosa e os direitos sociais

ao direito básico de dispor sobre o seu corpo, de se

Há várias músicas gravadas por Mercedes Sosa

locomover e de viver em segurança. Já os direitos sociais

que refletem a luta pelos direitos sociais, principalmente

relacionam-se à satisfação das necessidades básicas dos

registrando o percurso de trabalhadores que buscavam,

seres humanos, tais como alimentação, moradia, saúde

com seu labor, garantir minimamente as necessidades

e educação. No que se refere aos direitos políticos,

humanas de sobrevivência. Essa é a temática da canção

podemos dizer que são aqueles que garantem ao Homem

“Cuando tenga la tierra”, composição de Daniel Toro

ser livre e se organizar em sindicatos, partidos políticos

e Ariel Petrocelli, que expressa os direitos sociais em

e outras associações de classe, além de sua participação

seus versos:

em movimentos populares.

Mercedes Sosa e os direitos civis No caminho artístico trilhado por Mercedes Sosa, vemos os direitos civis refletidos em canções cujas letras apontam para a integridade do ser humano e seu direito à vida. Possivelmente a música por ela gravada que melhor exemplifica esse tema é “Gracias a la vida”, composição de Violeta Parra. Essa canção é considerada um hino à vida, uma ode ao ser humano. Vejamos: Gracias a la vida que me ha dado tanto Me ha dado la marcha de mis pies cansados Con ellos anduve ciudades y charcos Playas y desiertos, montañas y llanos Y la casa tuya, tu calle y tu patio Gracias a la vida que me ha dado tanto Me dio el corazón que agita su marco Cuando miro el fruto del cerebro humano Cuando miro el bueno tan lejos del malo

Em “Me gustan los estudiantes”, também de Violeta Parra, encontramos esse mesmo sentimento de luta pelos direitos civis, no discurso de mobilização dos estudantes em busca do seu espaço:

Cuando tenga la tierra sembraré las palabras que mi padre Martín Fierro puso al viento, cuando tenga la tierra la tendrán los que luchan los maestros, los hacheros, los obreros. Cuando tenga la tierra te lo juro semilla que la vida será un dulce racimo y en el mar de las uvas nuestro vino, cantaré, cantaré.

O mesmo acontece em “Duerme negrito”, obra popular recopilada pelo folclorista argentino Atahualpa Yupanqui, que retrata a vida de uma trabalhadora rural que procura ninar seu filho, contando a sua árdua história: Duerme duerme negrito Que tu mama ‘ta en el campo negrito Trabajando Trabajando duramente Trabajando si Trabajando y va de luto Trabajando si Trabajando y no le pagan Trabajando si Trabajando y va tosiendo Trabajando si Mercedes Sosa e os direitos políticos

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

420

No que se refere aos direitos políticos, em suas canções temos versos que pedem liberdade, tanto para

indiferença e a compartilhar o sentimento de indignação contra as injustiças que nela se expressam:

o povo em geral como para os presos políticos vítimas das ditaduras latino-americanas, realidade comum de inúmeros países da região nos anos sessenta, setenta e oitenta do século passado. Esses direitos políticos estão expressos nos versos de “Los hermanos”, música escrita por Atahualpa Yupanqui: Yo tengo tantos hermanos Que no los puedo contar En el valle, la montaña, En la pampa y en el mar Cada cual con sus trabajos Con sus sueños cada cual Con la esperanza delante, Con los recuerdos detrás Yo tengo tantos hermanos Que no los puedo contar” (...) Yo tengo tantos hermanos Que no los puedo contar Y una hermana muy hermosa Que se llama libertad

Sólo le pido a Dios Que la guerra no me sea indiferente, Es un monstruo grande y pisa fuerte Toda la pobre inocencia de la gente. Sólo le pido a Dios Que el engaño no me sea indiferente Si un traidor puede más que unos cuantos, Que esos cuantos no lo olviden fácilmente. Sólo le pido a Dios Que el futuro no me sea indiferente, Desahuciado está el que tiene que marchar A vivir una cultura diferente.

Mercedes Sosa, exemplo para o século atual Em pleno século XXI, essa luta dos povos pela conquista da cidadania e dos direitos inerentes a ela, ainda se faz presente não só nos movimentos populares,

Já a canção “La carta”, de autoria de Violeta Parra,

como também na área artística. O legado construído por

trata do pedido de liberdade aos presos políticos. Nesse

Mercedes, hoje é mantido por várias bandas e outros

caso específico, mostra-se a leitura de uma carta que

jovens artistas, como Manu Chao ou Calle 13, que com

conta as perseguições e torturas sofridas por um grevista:

suas músicas fazem inúmeras indagações estéticas e políticas, inserindo-se na luta pela conquista dos direitos

Me mandaron una carta, por el correo temprano, en esa carta me dicen que cayó preso mi hermano. Y sin compasión con grillos por las calles lo arrastraron. Sí...

do cidadão. Manu Chao, nascido José Manuel Arturo

La carta dice el motivo, que ha cometido Roberto, haber apoyado el paro que ya se había resuelto. Si acaso esto es un motivo preso voy también sargento. Sí...

interpretadas por Mercedes falavam de direitos políticos

Também não podemos esquecer “Solo le pido a Dios”, de León Gieco, música conhecida mundialmente e utilizada inúmeras vezes por movimentos políticos. Trata-se de uma canção com um grande poder de mobilização, que conclama quem a ouve a abandonar a

Tomás Chao na França, é filho de imigrantes espanhóis e tem uma relação bastante estreita com a América Latina e a luta pela cidadania. Se nos anos setenta muitas das canções e da liberdade de expressão, devido às ditaduras, vemos neste século XXI, menções a outros direitos, como os civis e sociais. Esse é o caso dos versos de “Clandestino”, música de Manu Chao que trata da perseguição a imigrantes latino-americanos e africanos em território europeu: Solo voy con mi pena sola va mi condena correr es mi destino

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

para burlar la ley perdido en el corazón de la grande babylon me dicen el clandestino por no llevar papel (...) Argelino clandestino Nigeriano clandestino Boliviano clandestino Manu Negra ilegal

Outro exemplo de jovens artistas engajados é a dupla porto-riquenha de rap formada por René Pérez

421

A esta hora exactamente, hay un niño en la calle... ¡Hay un niño en la calle! Es honra de los hombres proteger lo que crece, cuidar que no haya infancia dispersa por las calles, evitar que naufrague su corazón de barco, su increíble aventura de pan y chocolate poniéndole una estrella en el sitio del hambre. De otro modo es inútil, de otro modo es absurdo ensayar en la tierra la alegría y el canto, porque de nada vale si hay un niño en la calle.

(Residente) e Eduardo José Cabra Martínez (Visitante).

Em seguida, entra a voz de René Pérez com o

A música “Querido F.B.I.”, composta por René Pérez,

discurso rapeiro, apresentando de maneira mais crua,

uma homenagem ao líder revolucionário Filiberto Ojeda Ríos pertencente ao Ejército Popular Boricua, também conhecido como Los Macheteros, reflete bem a luta pela independência de Porto Rico e o embate com as forças estadunidenses de repressão. Os versos estão claramente vinculados aos direitos políticos, na defesa da participação política, assim como aos direitos civis, pois clamam pelo direito à vida: Por mi madre que hoy me disfrazo de machetero Y esta noche voy a ahorcar a diez marineros Hoy tengo la mano aniquela’ y a mano pela’ Les vo’a dar una pela pa’ que vean que el gas pela Nuestra bandera la han llena’o de meao Murió desangra’o, mi gente, que murió desangra’o Nunca arrodilla’o, lo van a tener que enterrar para’o Con el machete al la’o

o dia-a-dia das crianças de rua: Todo lo tóxico de mi país a mí me entra por la nariz. Lavo auto, limpio zapato, huelo pega y también huelo paco Robo billeteras pero soy buena gente, soy una sonrisa sin dientes Lluvia sin techo, uña con tierra, soy lo que sobró de la guerra Un estómago vacío, soy un golpe en la rodilla que se cura con el frío El mejor guía turístico del arrabal por tres pesos te paseo por la capital No necesito visa para volar por el redondel porque yo juego con aviones de papel Arroz con piedra, mango con vino y lo que falta me lo imagino

Esses dois exemplos, tanto o de Manu Chao como o de René Perez do Calle 13, demonstram que o

O encontro de duas gerações Uma das músicas que melhor demonstra o compromisso da nova geração com aquele assumido por Mercedes Sosa é a que registra encontro da intérprete com René Pérez na regravação da música “Canción para un niño en la calle”, composição de Armando Tejada Gómez e Ángel Ritro que denuncia a situação de abandono em que vivem as crianças nas ruas das grandes cidades. A participação de Pérez nessa nova versão não se limita ao duo vocal, pois ele acrescenta versos próprios aos feitos pela dupla Tejada-Ritro, criando uma crônica do menor abandonado em ritmo de rap. A canção tem início com Mercedes interpretando estes versos:

legado construído por Mercedes Sosa, de uma atitude artística comprometida com o seu tempo, hoje é mantido por outros jovens artistas. Com isso, inaugura-se um diálogo entre os anos de ditadura e os dias atuais, pois ambas gerações fazem de suas músicas indagações estéticas e políticas, inserindo-as na luta pela construção de uma cidadania plena, visando a conquista dos direitos humanos nas áreas civil, social e política.

422

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Referências bibliográficas

PÉREZ, René (2005): Querido F.B.I.. Em: CALLE 13.: http:// www.youtube.com/watch?v=BcVeJGxcQSI .

CHAO, Manu (1998): Clandestino. Em: CHAO, Manu.: Clandestino. Virgin. COUVRE, Maria de Lourdes Manzini (2008). O Que é Cidadania. São Paulo: Brasiliense. GIECO, Léon (1982): Solo le pido a Dios. Em: SOSA,

TEJADA GOMÉZ, Armando e RITRO, Ángel (2009): Cancion para un niño en la calle. Em: SOSA, Mercedes.: Mercedes Sosa Cantora. (Participação especial René Pérez). Sony Music. TORO, Daniel e PETROCELLI, Ariel (1973): Cuando tenga la tierra. Em: SOSA, Mercedes.: Traigo un pueblo en mi voz.

Mercedes.: Mercedes Sosa en Argentina. Polygram/ Philips.

Philips.

PARRA, Violeta (1971a): Gracias a la vida. Em: SOSA,

YUPANQUI, Atahualpa (1977a): Duerme negrito. Em: SOSA,

Mercedes.: Homenaje a Violeta Parra. Philips. _____ (1971b): Me gustan los estudiantes. Em: SOSA, Mercedes.: Homenaje a Violeta Parra. Philips. _____ (1971c): La carta. Em: SOSA, Mercedes.: Homenaje a Violeta Parra. Philips.

Mercedes.: Mercedes Sosa interpreta a Atahualpa Yupanqui. Philips. _____ (1977b): Los hermanos. Em: SOSA, Mercedes.: Mercedes Sosa interpreta a Atahualpa Yupanqui. Philips.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

423

NÉSTOR PERLONGHER E HAROLDO DE CAMPOS – UM DIÁLOGO ANTROPOFÁGICO

Gabriela Beatriz Moura Ferro Bandeira de Souza PG-DTLLC/FFLCH-USP

Em 27 de outubro de 1993, quase um ano após

Do mesmo modo que no poema original, em

a morte de Néstor Perlongher –NP– (1949-1992), o

“Neobarroso...” o verso “hay cadáveres” é reiterado pelo

poeta brasileiro Haroldo de Campos –HC – (1929-

uso da anáfora. À diferença do original, no entanto,

2003) assina o poema “Neobarroso: in memorian”1 em

somente nos dois primeiros e nos dois últimos versos

homenagem ao escritor argentino. Este poema marca o

esta estrutura aparece por inteiro no poema. Em todos

fim de uma relação de admiração mútua que se inicia

os outros em que é citada ela aparece em partes: por duas

com traduções que NP faz de poemas e ensaios de HC

vezes só aparece a primeira parte “hay...” e, por último,

a partir do segundo ano em que vive no Brasil2 (1982).

somente a segunda palavra “...cadáveres”. Isto ocorre

Em “Neobarroso…”, HC mostra não somente conhecer a trajetória pessoal e profissional de NP como faz uso de um procedimento bastante utilizado por ambos, a devoração cultural. Esta, tendo como base a

porque o autor faz uso desta estrutura para introduzir e encerrar dois blocos de versos, como se a divisão desse verso de NP servisse como um invólucro para as construções criadas por HC.

proposta antropofágica (1928) formulada pelo grupo

Outro signo da devoração cultural no poema de

liderado por Oswald de Andrade – OA-, revela-se no

HC é a apropriação do ritmo jocoso de “Cadáveres”4,

poema de dois modos: em primeiro lugar por meio

embora em ambos o tema seja tão grave, ou seja, a morte.

da apropriação e, em segundo lugar, através de um

O contexto do poema de NP é o momento inicial da

recurso que se faz presente na poesia dos dois autores,

transição democrática que se inicia na Argentina após

o translinguismo.

um período em que prevaleceu um violento governo

A apropriação se dá no poema de HC por meio do uso do refrão (“Hay cadáveres”) que NP cria para um de seus mais conhecidos poemas, “Cadáveres”3 , a partir do qual não somente retoma o tema da morte que prevalece no texto do autor argentino (no caso do poema de HC a morte referida é a de NP) como também toma dele o jogo rítmico criado a partir de seu refrão.

ditatorial (1976-1983). Trata-se de um período, que vai do início da década de 80 e que se prolonga durante todo este decênio, em que os corpos das vítimas desta ditadura começam a ser encontrados. “Cadáveres” proporciona ao leitor um amplo e irônico panorama de setores variados da sociedade argentina. Todas as estrofes deste poema são encerradas com o verso “Hay Cadáveres”, marcando, desse modo, o imenso rastro de sangue deixado pelo governo militar que contou

424

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

com o apoio (ou a omissão) da sociedade argentina.

Há, inclusive, no poema de HC, a referência ao uso do

Nele, destaca-se o mal-estar dos diversos setores desta

translinguismo por NP no trecho “...cadáveres” e está /

sociedade diante da impossibilidade de esconder os

morrendo e canta/ néstor agora em go/ zoso portunhol

crimes cometidos durante a ditadura. No poema de HC

5

a morte já não remete às vítimas da ditadura argentina, mas ao próprio NP. Aqui o verso “hay cadáveres” gira em torno da locução verbal que o complementa “e está morrendo”, referente ao longo período de agonia do poeta argentino em decorrência do avanço de diversos processos infecciosos provocados pela AIDS.

neste bar paulistano”. A breve leitura que fizemos de “Neobarroso: in

memorian” teve como objetivo sinalizar as relações entre os dois poetas que, a nosso ver, se de um lado marcam a produção poética de NP ligando-a de modo definitivo ao período em que o escritor argentino viveu no Brasil. Por outro, certamente tornam mais ricas as reflexões

Como marca do translinguismo, compartilhado

realizadas em solo brasileiro a respeito do ressurgimento

por ambos os autores, interessa-nos destacar a construção

do barroco em solo latino-americano ao longo do século

“olor de magnólias”, qualitativo, no poema, de ‘ostras

XX: NP, tal como HC, é um pensador de literatura e sua

desventradas’. No poema, há a mescla do espanhol ao

temática mais recorrente nesse sentido é o neobarroco

português, língua em que é escrito. O termo ‘olor’, no

latino-americano, sobretudo, no que se refere aos seus

entanto, torna-se particularmente relevante em nossa

desdobramentos no Cone Sul.

leitura. Pouco comum em português, remete a aroma, odor suave. Em espanhol, entretanto, este termo, bastante comum, tem significação ampla, podendo ser traduzido como ‘cheiro’, ‘odor’, ‘fragrância’ ou ‘aroma’. Ainda regido pela preposição ‘de’, ‘olor’ pode significar também ‘fama, reputación’, como em ‘Murió en olor de santidad’ (Diccionario Claridad, p.317). Nesse sentido poderíamos pensar que a utilização do termo “olor” em “Neobarroso...”, poderia ser um exemplo da

Interessa-nos observar a gênese das ideias de ambos os autores relativos à devoração cultural e ao conceito de neobarroco. Para isso, nos propomos a investigar quais são as ideias e os procedimentos compartilhados por ambos e qual ou quais seriam as evidências que ligariam os dois autores às proposições realizadas por Oswald a partir do Manifesto Antropofágico (1928).

utilização das possibilidades de exploração linguística

Em artigo publicado na revista argentina Tsé

do ‘portunhol’, procedimento bastante valorizado por

tsé (Buenos Aires, 2000) Adrián Cangi, ao tratar do

NP em sua produção poética a partir do contato que o

tema do translinguismo na obra poética de NP, propõe

poeta teve com a língua portuguesa no Brasil.

o seguinte questionamento, “¿No ha sido la temprana

Desse modo, a construção olor de magnólias poderia remeter tanto à fragrância da flor, como à fama, à reputação construída por um devir-mulher. Assim, poderíamos pensar que ‘magnólia’ poderia referir-se à feminilidade relacionada a flores em geral, ou ainda, poderia dizer respeito ao nome próprio de mulher: magnólia, como rosa ou margarida, ademais de nomear de flores, nomeiam também mulheres. Assim, teríamos neste poema a exploração do sentido do termo além de sua significação em língua portuguesa, mas ampliada para os significados que possui em língua espanhola.

reflexión sobre la poética de Haroldo de Campos y más tarde la traducción de una de las partes de Galáxias el espejo del translinguismo de Perlongher?” ( p.270). São dois os fatores que embasam a hipótese de Cangi a respeito da ascendência de HC sobre NP. O primeiro deles é certamente o texto “El portuñol en la poesia” apresentado por NP sob a forma de comunicação no Encontro de Professores de Espanhol do Estado de São Paulo, realizado na Universidade de São Paulo, em dezembro de 1984. Nele, o poeta argentino propõe uma reflexão sobre o uso da interlíngua que se forma a partir do contato entre brasileiros e hispânicos devido à

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

425

proximidade entre suas línguas maternas (“portunhol”)

barroca/neobarroca. Desse modo, ensaios como “O

com recurso poético. Para tanto, NP analisa o uso deste

sequestro do barroco na literatura brasileira – o caso

recurso em trechos de obras de autores brasileiros, dentre

Gregório de Mattos” (1989) e “Da razão antropofágica:

os quais, Oswald de Andrade (Serafim Ponte Grande),

diálogo e diferença na cultura brasileira”7 (1980), de

Haroldo de Campos (Galáxias) e hispânicos, como é o

HC, tornam-se textos obrigatórios para que se entenda

caso do mexicano Héctor Olea (Capítulo Decapitado)

esta relação. Além disso, são importantes também os

e também de um poema de sua autoria (“Acreditando

textos de Oswald de Andrade presentes no livro A

en Tancredo”). O segundo, como já referido no trecho

utopia antropofágica (1990) – tais como o “Manifesto

de Cangi citado, é a tradução por NP de uma das partes

Antropofágico”, “A crise da filosofia messiânica” e “Um

do poema Galáxias , de HC.

aspecto antropofágico da cultura brasileira: o homem

6

Dentre a obra literária de Haroldo de Campos,

cordial”.

Galáxias se tornou emblemática como um símbolo da

Nos dois textos de sua autoria acima citados,

utilização de procedimentos da estética barroca pelo

HC defende a tese de que a estética barroca marca

poeta e também da presença do neobarroco no Brasil.

o surgimento da literatura no Brasil. No caso de “O

Galáxias chama a atenção de NP desde que o autor

sequestro...”, esta tese integra o todo da argumentação

argentino entra em contato com o texto na década

de HC em contraposição à tese que Antonio Candido

de 80 e prossegue até seus últimos anos de vida. Em

apresenta na obra Formação da Literatura Brasileira

Galáxias, HC rompe também com a fronteira linguística,

(1959), em que atribui ao Arcadismo (século XVIII), a

mesclando, por exemplo, trechos em espanhol à obra

gênese literária no país. Segundo HC, nossa literatura

escrita em língua portuguesa, fato destacado por NP

teria surgido no século XVI e sua primeira grande voz

ao citar um trecho de Galáxias no já mencionado

seria o poeta baiano Gregório de Mattos.

“El portuñol en la poesía”. Podemos dizer que, muito possivelmente, a questão da mescla de idiomas é um dos elementos que mais aproximam NP de OA e HC. Ademais de praticar essa mescla linguística

Em ambos os textos, HC argumenta que a literatura brasileira, sendo erigida sob a égide da estética barroca, teria, em verdade, uma não-origem ou uma não-infância:

em sua obra literária, HC em sua produção teórica abre um espaço para a atualização da discussão sobre o conceito de “devoração cultural” proposto por OA em seu “Manifesto Antropofágico” (1928). Assim, podemos considerar a utilização da mescla entre a língua espanhola e a portuguesa em sua obra literária como

Direi que o Barroco, para nós, é a não-origem, porque é a não-infância. Nossas literaturas, emergindo com o barroco, não tiveram infância (infans: o que não fala). Nunca foram afásicas. Já nasceram adultas (como certos heróis mitológicos) e falando um código universal elaborado: o código retórico barroco (...) (CAMPOS, 2006, p.239).

uma possível marca da influência oswaldiana em suas proposições poéticas. Outro elemento do pensamento

Outro elemento coincidente entre os dois

de HC que parece atrativo à NP são suas ideias sobre o

ensaios de HC é que em ambos o autor chama a voz de

ressurgimento das características da estética barroca no

Oswald de Andrade para dar suporte a seus argumentos.

século XX em solo latino-americano.

Em “O sequestro...”, HC cita a teoria antropofágica

Nesse sentido, podemos dizer que a principal

de OA relacionando-a à afirmação do escritor cubano

contribuição do pensamento de HC à obra de NP a

Lezama Lima –LL – de que o barroco americano seria a

nosso ver é a relação que o escritor brasileiro faz entre a

“arte da contraconquista” (LEZAMA LIMA, 1988, p.80).

teoria antropofágica de Oswald de Andrade e a tendência

O que esta relação traz é a mudança de foco no tocante

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

426

à posição metrópole/ colônia ou cultura hegemônica/

O movimento mais ousado do ensaio haroldiano

cultura periférica. Tanto para HC como para LL, a arte

é certamente a aproximação do barroco à teoria

barroca, desenvolvida em solo americano, representaria

antropofágica. Segundo o autor, o gérmen da atitude

o contraponto da dominação europeia.

antropofágica teria surgido a partir do desdobramento

O cerne da posição defendida por HC é sua proposta de que se deveria pensar a literatura brasileira não como uma literatura periférica, sempre dependente de nutrir-se nas fontes de uma cultura hegemônica (europeia/ norte-americana), mas sim por sua diferença com relação às produções literárias destas culturas dominantes. É neste sentido que HC recupera a proposta antropofágica de OA. Em “Da razão..., HC argumenta: Creio que, no Brasil, com a “Antropofagia” de Oswald de Andrade, nos anos 20 (retomada depois, em termos de cosmovisão filosófico-existencial, nos anos 50, na tese “ A crise da filosofia messiânica”), tivemos um sentido agudo de pensar o nacional em relacionamento dialógico e dialético com o universal. A “Antropofagia” oswaldiana é o pensamento da devoração crítica do legado cultural universal, elaborado não a partir da perspectiva submissa e reconciliada do “bom selvagem”, (idealizado sob o modelo das virtudes europeias no Romantismo brasileiro de tipo nativista, em Gonçalves Dias, e José de Alencar, por exemplo), mas segundo o ponto de vista desabusado do “mau selvagem”, devorador de brancos, antropófago. Ela não envolve uma submissão (uma catequese), mas uma transculturação; melhor ainda, uma “transvaloração”: uma visão crítica da história como função negativa (no sentido de Nietzsche, capaz tanto de apropriação como de expropriação, desierarquização, desconstrução.) (CAMPOS, 2006, p. 234/235)

da estética barroca, sobretudo do barroco que se constrói em solo americano no século XVII: Já no Barroco se nutre uma possível “razão antropofágica”, desconstrutora do logocentrismo que herdamos do Ocidente. Diferencial no universal, começou por aí a torção e a contorção de um discurso que nos pudesse desensimesmar do mesmo8. É uma antitradição que passa pelos vãos da historiografia tradicional, que filtra por suas brechas, que enviesa por suas fissuras. Não se trata de uma antitradição por derivação direta, que isto seria substituir uma linearidade por outra, mas do reconhecimento de certos desenhos ou percursos marginais, ao longo do roteiro preferencial da historiografia normativa. (Idem, p.243)

Consideramos ser este o cerne da atração de NP pelo pensamento de HC e, em consequência, do pensamento de Oswald de Andrade. Em primeiro lugar pela ousada proposta de HC por atrelar duas estéticas tão distantes no tempo ao apontar como coincidentes entre elas o caráter marginal ou de “antitradição”, em que longe de apresentar uma nova linearidade, desenvolvese paralelamente à tradição, trilhando percursos alternativos a ela. Em segundo lugar, podemos dizer que a tese de HC, ao caracterizar a estética barroca, realça a

Como podemos verificar, ao citar o pensamento

aproximação dela como espaço de ênfase das funções

antropofágico de OA, HC propõe que a literatura

metalinguística e poética, ou seja, como uma estética

brasileira (e, por conseguinte, a literatura latino-

em que se sobressaem seus procedimentos, em que

americana em geral) seja pensada a partir de uma

são multiplicadas as possibilidades de trabalho com a

perspectiva dialógica com a herança cultural ocidental.

linguagem já que se trata de uma estética mais aberta

Neste sentido, HC propõe uma mudança de perspectiva

ao lúdico e menos compromissada com a função

que implica no câmbio de uma atitude de submissão

referencial da linguagem. Neste sentido HC se aproxima

para uma atitude subversiva, em que ainda que se beba

das ideias de Lezama Lima e de Severo Sarduy sobre o

da fonte desta herança cultural, há o afastamento desta

ressurgimento do barroco no século XX.

por meio de um trabalho de releitura crítica que HC chama de ‘transvaloração’, isto é, a transposição cultural dos elementos culturais hegemônicos para a cultura periférica.

O que estaria por trás do pensamento de HC que aproxima barroco e devoração cultural oswaldiana seria a adoção pelo autor de uma visão sincrônica9 da

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

427

obra literária. Assim, a adoção do critério sincrônico

com relação à formulação do neobarroso, proposta

daria abertura para que HC realçasse, no trecho acima

paródica do neobarroco cubano feita por NP:

destacado, a ampla possibilidade de ‘torção/ contorção’ da linguagem como contribuição do barroco ao trabalho poético realizado a partir do surgimento desta estética no Brasil no século XVII, não se limitando, portanto, à época em que esta estética pertenceu. Tendo como base o trecho acima, observemos

“Yo, hasta ahora elegí rescatar las refulgencias íntimas, menores de la lengua. Sacar a relucir aquello que las literaturas mayores condenan al silencio. En este sentido, cierta poesía ofrece la posibilidad de realizar esta tarea. Yo no creo ser marginal: soy un barroco plebeyo. O un barroco de trinchera, de barrio”. (Op. Cit. p.332)

uma afirmação de NP em que este opina a respeito do

O poeta faz esta afirmação em uma entrevista

trabalho do poeta com a linguagem como modo de

concedida a Carlos Ulanoviski e publicada no diário

buscar a beleza, que poderia ilustrar o dito por HC com

argentino Página 12, em 19 de setembro de 1990. No

relação à atitude de torção/ contorção da linguagem

trecho citado, NP enuncia o que parece ser um projeto

como modo de nos ‘desensismesmar do mesmo’:

de sua produção poética. O destaque é para o trabalho

Tiene que ver con una cuestión “estetizante”, si queremos poner un término más burdo, pero también se relaciona con lo popular. En el sentido siguiente: si alguien tiene que escribir un poema, tiene que hacerlo de la manera más linda, ¿no? Es una cuestión del suburbio: ¿ cómo se van a escribir poemas para decir lo que dice todo el mundo? ¿qué gracia tiene? (...) No puede ser que las cosas sean del tipo: “ hoy subi al colectivo, iba al Congreso, y me acordé de la gorda que lavaba la ropa”. Si hay un orden en lo real, también hay un orden en el discurso. Bien, si hay un orden, también hay un orden de sílabas, eso digo de algún lado. Entonces hay que trabajar con el lenguaje y explotar al máximo su belleza, y explotar también el lenguaje, ¿por qué no? Uno dice: “una mujer sube al colectivo” y no “ una avalancha de banlon lastima el chirrido de las ruedas”, aunque por ahí es eso lo que está pasando. (PERLONGHER, 2004, p. 310)

Assim, pensamos que a influência da teoria da antropofagia (a teoria de OA e a leitura desta por HC) reverbera duplamente no pensamento perlonghereano.

com a linguagem e o objetivo é a adaptação a seu trabalho da estética barroca: produzir um barroco “plebeyo, de barrio”. O barroco erudito do Século de Ouro espanhol está ali presente, lido, citado devorado. Este, no entanto, não se encaixaria no contexto histórico do fim do século XX, nem no Cone Sul e muito menos na poesia daquele que prefere buscar seus temas na movimentação noturna das calçadas, dos parques, das saunas ou dos banheiros públicos de uma grande cidade; daquele que busca o que de mais erudito surge no jargão cotidiano dos “bajofondos’ portenhos e/ ou das ‘bocas’ de São Paulo. Nesse sentido, surge o lance paródico, em que se ligam as influências de um barroco de ouro a um barroco local, de bairro e de barro, cuja exploração revela-se uma fonte bastante rica para a pesquisa, e que, portanto, merece todo um estudo dedicado a ela.

Em primeiro lugar, em sua ligação com a releitura do barroco na atualidade, sobretudo no que se refere a dois pontos: na questão da mescla linguística, que NP prefere denominar de “desterritorialização dos argots” (PERLONGHER, 1991, p. 24). No Brasil, NP percebe novas possibilidades de exploração das mesclas entre idiomas a partir do contato com o ‘portunhol’, já explorado, como ele mesmo aponta no texto que escreve a respeito do tema, por OA e HC. Em segundo lugar, observaremos o diálogo que NP realiza com OA e HC

Referências bibliográficas ANDRADE, Oswald (1990): A utopia antropofágica. São Paulo: Globo; Secretaria do Estado da Cultura, 1990. CAMPOS, Haroldo (2006): “Da razão antropofágica: diálogo e diferença na cultura brasileira.”. In: CAMPOS, Haroldo. Metalinguagem e outras metas. São Paulo: Perspectiva. pp. 231-255.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

428

______ (2011): O sequestro do barroco na formação da litera-

– poesia neobarroca cubana e rioplatense. Tradução de Josely

tura brasileira. – o caso de Gregório de Mattos. São Paulo:

Vianna Baptista. São Paulo: Iluminuras. pp.13-27.

Iluminuras.

______ (2000): “El portuñol en la poesia.” In: Revista Tsé, tsé..

______ (2004): Galáxias. São Paulo: Editora 34.

7/8. Buenos Aires: Aguafuerte S.R.L. pp.254-259.

CANGI, Adrián (2000) “Una poética bastarda”, in: Revista Tsé

______ (1997): Prosa Plebeya – ensayos 1980-1992. Buenos

tsé 7/8. Buenos Aires: Aguafuerte S.R.L. pp.265-273.

Aires: Ediciones Colihue.

FERRO, Gabriela Beatriz M (2010): A poesia desterritorializante

______ (1992): “Sopa paraguaia”, in BUENO, Wilson. Mar

de Néstor Perlongher – uma leitura de Hule. São Paulo: FFLCH/

paraguayo. São Paulo: Iluminuras. pp. 7-11.

USP. Dissertação de mestrado.

SARDUY, Severo (1999): “El barroco y el neobarroco”, in:

LEZAMA LIMA, José (1988): A expressão americana.

Otros ensayos.: In: Obra Completa. Severo Sarduy: edición

Tradução, introdução e notas de Irlemas Chiampi. São Paulo:

crítica, Gustavo Guerrero y François Wahl, coordinadores.

Brasiliense.

Madrid; Barcelona; Lisboa; Paris; México; Buenos Aires; São

PERLONGHER, Néstor (1991): “Prefácio a Caribe transplatino”, in Perlongher, Néstor (org.). Caribe transplatino

Paulo; Lima, Guatemala, San José: ALLCA XX, 1ª edição, TOMO II. pp. 1385-140.

Notas 1 Neobarroso: in memorian

“hay/cadáveres”/canta néstor/ perlongher e está/ morrendo e canta/“hay...” seu canto de/ pérolas-berrucas alambres bo-/quitas repintadas restos de unhas/ lúnulas – canta – ostras desventradas um/ olor de magnólias e esta espira/ amarelo-marijuana novelando pensões/ baratas transas de michê (está/ morrendo e canta) “ hay...”/ (madres-de-mayo heroínas-car-/pideiras vazadas em prata negra/ lutuoso argento rioplatense plangem)/“... cadáveres” e está/ morrendo e canta/ néstor agora em go/zoso portunhol neste bar paulistano/que desafoga a noite-lombo-de-fera/úmido-espessa de um calor serôdio e on-/de (o Sacro Daime é uma – já então – um-/ ção quase extrema) canta/seu ramerrão (amaríssimo) portenho: “ hay/(e está morrendo) cadáveres”

2 Consta que o primeiro texto de HC traduzido pelo poeta argentino data de 1982. Trata-se de “Opúsculo Goetheano”, publicado na revista Sitio, no. 2, de Buenos Aires. Seguem-se outras traduções como “Lo que es de César”, poema de HC dedicado a César Vallejo, publicado na revista Cielo Abierto no. 25 (jul./sept. 1883), de Lima, Peru; Com relação à prosa ensaística do escritor brasileiro, consta que o primeiro texto traduzido por NP é “La operación del texto” publicado na revista Vuelta, no. 90 (mayo de 1990), do México. 3 Cf. PERLONGHER, Néstor. Poemas completos. Buenos Aires: Espasa-Calpe Argentina/ Seix Barral, 1997. pp. 111-123. 4 Observemos um trecho de “Cadáveres”: “Bajo las matas/ En los pajonales/Sobre los puentes/ En los canales/Hay Cadáveres//En la trilla de un tren que nunca se detiene/En la estela de un barco que naufraga/En una orilla, que se desvanece/En los muelles los apeaderos los trampolines los maleones/Hay Cadáveres//En lo preciso de esta ausência/En lo que raya esa palabra/En su divina presencia/Comandante, en su raya/Hay Cadáveres(...)”, in: PERLONGHER, Néstor. Poemas Completos. Buenos Aires: Compañía Editora Espasa-Calpe Argentina S.A./ Seix Barral, 1997. pp. 109-122. 5 Grifo nosso.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

6 Das traduções feitas por NP deste poema de HC o único registro é a publicação do “Fragmento 4” presente em ECHAVARREN, Roberto; KOZER, José; SEFAMÍ, Jacobo (org.). Medusario – muestra de poesía latinoamericana. Ciudad de México: Fondo de cultura econômica, 1996. 7 Os dois textos de HC citados se inserem em uma polêmica estabelecida entre a crítica de literatura no Brasil cujo cerne é a questão das fontes e das influências na literatura produzida no Brasil. Ademais de HC e Antonio Candido integram esta polêmica os seguintes autores e seus respectivos textos: Silviano Santiago (‘O entre-lugar do discurso latino-americano’, 1971 e ‘Apesar de dependente, universal’, 1981) e Roberto Schwarz (‘As idéias fora do lugar’, 1977 e ‘Nacional por subtração’, 1986). 8 Grifo nosso. 9 Segundo HC, haveria dois modos de abordagem do texto literário: o diacrônico em que a aproximação crítica com a obra se daria por um critério histórico, ou seja, a apreciação do texto literário se limitaria a um estudo documentário, observando-o no contexto de sua produção e o sincrônico, em que ademais da observação do contexto de produção da obra, olhar do crítico se dirigiria a uma apreciação da atualidade da mesma, renovando o valor desta obra. A poética sincrônica se basearia, desse modo, em um critério estético-criativo em vez de um critério histórico, no qual se basearia o estudo do tipo diacrônico.

429

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

430

REFORMA E A COMPREENSÃO DE SENTIDOS DE LICENCIATURA: QUESTÃO FILOSÓFICA OU DE CARGA HORÁRIA?

Giselle da Motta Gil IFRJ/ Campus Volta Redonda

1. Introdução

cursos de Licenciatura, que não foram compreendidas por muitos dos docentes e profissionais envolvidos na

Esta artigo se propõe a apresentar, a partir da

formação do professores. Constatou-se um aumento

pesquisa de mestrado desenvolvida no Programa de Pós-

muito grande da carga horária desses cursos, sem que

Graduação em Letras da Universidade Estadual do Rio

houvesse um entendimento da comunidade acadêmica

de Janeiro – UERJ, algumas reflexões teóricas e trechos

sobre essa modificação e que resultados ela traria para

de análise das entrevistas realizadas com membros do

a formação do licenciando.

Colegiado das Licenciaturas da UERJ (CL), seguidos de alguns comentários sobre alguns resultados que obtivemos em nossa investigação.

Com isso, optamos pro focar nossa pesquisa na formação do professor, para entender melhor como se desenvolveu a discussão para que ocorressem as

Ao iniciar o mestrado deparamo-nos com uma

mudanças nos cursos de Licenciatura da UERJ. Assim,

realidade que trouxe mudanças significativas aos cursos

poderíamos perceber a polêmica instaurada no espaço

de Licenciatura de todo o país, mais especificamente, na

de discussão para adequação da Universidade ao

formação do professor de Espanhol/Língua Estrangeira

estabelecido pelo Ministério da Educação (MEC), as

(E/LE), profissional do qual desejávamos nos aproximar:

vozes que tiveram poder naquele momento e o espaço

a implantação em 2006, no Instituto de Letras da UERJ

destinado às discussões filosóficas relacionadas aos

do novo currículo estabelecido pela Reforma das

cursos de Licenciatura. Ao refletir sobre essas questões,

Licenciaturas, processo que se insere em um contexto

buscamos compreender os sentidos de Licenciatura,

maior de desenvolvimento de novas políticas em diversas

construídos pelo Colegiado de Licenciaturas da

esferas do sistema educacional brasileiro, iniciados no

Instituição, a partir das mudanças promovidas pelo

fim da década de 90 a partir da publicação da LDB/96.

Conselho Nacional de Educação, por meio da Resolução

A partir desse contexto de Reformas das Licenciaturas em diferentes Instituições, e da apresentação

CNE/CP nº 1 de 18 de fevereiro de 2002 e da Resolução CNE/CP nº 2 de 19 de fevereiro de 2002.

dos resultados dos debates ocorridos via Colegiado de

Para isso, decidimos aproximar-nos das

Licenciaturas na Deliberação nº 21/20051, a UERJ

discussões ocorridas para implantação da Reforma,

realizou mudanças significativas na organização de seus

buscando mais informações relativas às transformações

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

431

ocorridas na formação do professor na UERJ a partir

Para responder a essas questionamentos,

de 2006, quando entra em vigor a nova organização

foi preciso observar o processo de constituição da

dos cursos de Licenciatura. Assim, procuramos os

heterogeneidade enunciativa em suas falas, com o

documentos que compuseram a Reforma, arquivos das

propósito de identificar que vozes tinham poder naquele

reuniões do Colegiado, documentos que informassem

espaço discursivo e como se definiu o papel do Colegiado

o papel dado às Unidades Acadêmicas envolvidas na

no momento dos debates para a adequação da UERJ ao

formação do professor e as novas ementas dos cursos de

que foi proposto pelo MEC.

Licenciatura. Dessa forma, tomamos conhecimento do processo nº 5389/2005, no qual se encontram as novas cargas horárias, ementas, programas e fluxogramas propostos pela Universidade para os cursos de Licenciatura em Letras. Outra informação que tivemos2 foi a de que todos os documentos relativos às reuniões do Colegiado haviam se perdido no incêndio ocorrido em setembro de 2007. Nesse momento, entendemos que houve uma discussão anterior à publicação da Deliberação UERJ nº 21/2005 que precisava ser resgatada, o que nos levou a uma mudança no rumo de nossa pesquisa, optamos pela realização de entrevistas com membros do Colegiado das Licenciaturas (CL) da UERJ, já que foram esses que, com a publicação das Resoluções do CNE, já citadas, foram convocados a discutir e estabelecer as bases para a implantação da Reforma das Licenciaturas na Universidade, que culminou com a publicação da Deliberação nº 21/2005. Constatando a importância das discussões ocorridas no Colegiado para a nova organização da Licenciatura na UERJ e que as reuniões se configuraram como espaço de constituição de polêmicas, definimos como objetivo desta pesquisa observar, a partir da análise dessas entrevistas, modos de constituição de sentidos de Licenciatura no âmbito dessa Reforma. Assim, buscamos responder as seguintes perguntas: 1. A partir da fala dos entrevistados do Colegiado de Licenciaturas, que sentidos de Licenciatura, Prática e Estágio, se instituem discursivamente?

2. Base teórica Como aporte teórico de nossa pesquisa consideramos as contribuições da Análise do Discurso de base enunciativa (AD), que apresenta a importância do estudo das produções verbais relacionadas às suas condições sociais de produção, dessa forma, elas são entendidas como discursos. Nessa perspectiva, os sentidos são construídos a partir da interação entre coenunciadores, que ocupam posições sócio-históricas determinadas, a compreensão de sentidos só pode ser pensada dentro de um contexto, pois a matéria linguística é apenas uma parte do enunciado. Assim, o termo “discurso” e seu correlato “análise do discurso” se referem a esse modo de apreensão da linguagem (MAINGUENEAU, 1997). A AD defende que o discurso não é um sistema de ideias nem uma totalidade que pode ser decomposta mecanicamente, mas um sistema de regras que define a especificidade de uma enunciação. Diante disso, essa perspectiva teórica aponta para a necessidade de se unir a uma discursividade o dito e o dizer, o enunciado e a enunciação (MAINGUENEAU, 2008a). Outra contribuição da AD que consideramos em nossas análises é a noção de sujeito, que não se refere a sujeitos individualizados, compreendidos como aqueles que têm existência empírica na sociedade, mas

2. De que modo múltiplas vozes que atravessam

sim um sujeito histórico, com existência no social, que

a fala dos entrevistados participam no estabelecimento

pode ser apreendido através de seus discursos, já que

desses sentidos?

estes expressam esse lugar que ele ocupa no mundo (FERNANDES, 2008). Assim, quando tratamos dos

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

432

Enunciadores das entrevistas, estamos nos referindo a

pela apresentação do discurso do outro é importante,

essa concepção de sujeito heterogêneo, constituído por

pois esse recurso tem uma função na construção de

diferentes vozes que expressam a realidade histórica e

sentidos dos discursos, já que o sujeito que enuncia a

social na qual ele está inserido.

partir de um lugar definido, por exemplo, o lugar de

Quando analisamos as formas de constituição da heterogeneidade no discurso dos entrevistados, consideramos também as pesquisas de AuthierRevuz (1998). A autora afirma que há duas formas de heterogeneidade: a heterogeneidade mostrada e a

representante de sua Unidade Acadêmica no CL, não cita quem deseja, da forma que deseja, são as imposições ligadas a esse lugar discursivo que vão regular sua citação e definir quais são as vozes “citáveis” naquele momento (MAINGUENEAU, 1997).

heterogeneidade constitutiva. A constitutiva é elaborada a partir do princípio de que um discurso é sempre heterogêneo, ou seja, se constitui por meio de um debate com a alteridade independentemente de qualquer traço visível de citação ou alusão. A mostrada é a manifestação explícita da enunciação do outro, recuperável a partir de uma diversidade de fontes de enunciação (AUTHIERREVUZ, 1998) e é descrita “como formas linguísticas de representação de diferentes modos de negociação do sujeito falante com a heterogeneidade constitutiva do seu discurso (Idem, 1990, p. 26).” Em nossa pesquisa, consideramos a importância de se identificar o lugar de onde fala o Enunciador (no nosso caso, os entrevistados) e que vozes ele traz para seu discurso. Pois com essas vozes, vêm as palavras, o estatuto desse outro enunciador, um modo de

3. Metodologia Partindo do objetivo de buscar modos de constituição de sentidos de Licenciatura no âmbito da Reforma das Licenciaturas e de esclarecer questões sobre como se iniciou o processo de Reforma na UERJ, elaboramos um roteiro de entrevista assumindo a perspectiva de Daher (1998) e Rocha et all (2002). Entendemos a elaboração do roteiro como um procedimento que vai além da sua simples realização, já que nele problematiza-se a elaboração das entrevistas no contexto da pesquisa acadêmica. Assumindo essa perspectiva teórica, nos afastamos da ideia da entrevista pensada como instrumento de coleta de uma verdade absoluta.

enunciação, já que é por meio desses elementos que a

A entrevista foi dividida em três blocos temáticos

alteridade se manifesta e que rompe a continuidade do

e mais um construído apenas para a entrevista com a

discurso (MAINGUENEAU, 2008b).

representante do Instituto de Letras: (1) Caracterização

A partir desse entendimento, buscamos as formas de atualização da heterogeneidade discursiva, por meio da “inclusão de formas mais ou menos clara, do discurso do outro no fio condutor daquele que enuncia (SANT’ANNA, 2004, p. 159).” Com isso, interessa-nos

do CL (2) Dinâmica do trabalho do CL (3) Contribuições/ decisões do CL (4) A Reforma no IL. Essa organização foi decidida ao refletirmos sobre nosso objetivo inicial para a realização das entrevistas, contribuir para a análise dos documentos que compuseram a Reforma no IL.

observar as manifestações do Discurso Relatado (DR), compreendido como “uma enunciação sobre outra

4. Análises

enunciação; põem-se em relação dois acontecimentos enunciativos, sendo a enunciação citada objeto da enunciação citante (MAINGUENEAU, 2002, p. 139)”. Entendemos que refletir sobre os sentidos produzidos

Realizadas as entrevistas3 e com as mudanças nos nossos objetivos iniciais de pesquisa, buscamos nesse material, pistas que pudessem nos levar a uma

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

433

compreensão dos modos de constituição dos sentidos

consultivo ele não é executivo, então na medida que

de Licenciatura no discurso dos membros do Colegiado,

ele é consultivo, ele passou para a Sub-Reitoria de

que como já afirmamos, eram os representantes de cada

Graduação e ela foi praticamente aprovada na íntegra

Unidade envolvida com a questão de formar professores

daí. Então a formatação daquela Deliberação, ela se

para atuar na Educação Básica. Observarmos também

deu com a divisão planejada de licenciaturas (E2-L

as vozes de poder naquele espaço discursivo e como se

61-64).

definiu o papel do Colegiado no momento dos debates para implantação da Reforma. Para iniciar nossas análises, dividimos as entrevistas em blocos de acordo com o tema “Licenciatura”. Relacionado a essa temática, temos informações relativas ao papel do CL e às discussões sobre a organização da Licenciatura ocorridas no momento de adequação da UERJ ao que foi estabelecido pelo Ministério da Educação, por meio das Resoluções do CNE. Como subdivisão desse tema central consideramos também os fragmentos que abordavam a questão do

3) A Deliberação que foi assinada não foi a Deliberação que nós aprovamos, teve uma “canetada” aí no final da história... Então... o Colegiado teve muitas cicatrizes. Toda a parte da Faculdade de Educação que não tinha sido aprovada no Colegiado, porque a Faculdade de Educação em algum momento acabou não colocando aquilo, ela foi uma “canetada”. E a gente discordou daquela forma, porque todas as discussões se encaminhavam para uma redução de Módulo da Educação (E1-L 600-605). – Discussão de licenciatura

“Estágio e Prática Pedagógica”. Cabe destacar, que essa

4) (...) porque eu acho que... não eu não acho, acho que aqui

divisão do corpus, está relacionada aos objetivos da nossa

eu não preciso nem modalizar.... É assim a licenciatura

pesquisa e não com as perguntas da entrevista.

ainda é vista como uma coisa menor na Universidade.

Assim, por meio da observação dos sentidos produzidos pela presença de diferentes marcas linguísticas, que apontam para a heterogeneidade dos discursos, analisamos a construção de sentidos atribuídos à Licenciatura na fala dos membros do CL. 1º bloco: Licenciatura4 – O papel do Colegiado 1) Em 2001 saiu a deliberação do CNE. Foi a deliberação do CNE que determinou que o Colegiado, que atribuiu ao Colegiado a essa função né... Quer dizer, foi por causa da publicação dessa deliberação que o Colegiado de Licenciaturas, que já existia e tinha,

Não preciso modalizar... porque ela é vista como uma coisa menor... O professor que trabalha com o aluno que vai ser professor, o aluno em serviço, enfim... tem tantos nomes para isso; ele ainda é visto como alguém que faz um trabalho menos importante na Universidade... quando ele é comparado com aquele professor que tem um percurso mais voltado para uma pesquisa de laboratório por exemplo, um laboratório tecnológico... ou uma pesquisa mais de livro... mais... de publicação... O professor que trabalha com a licenciatura ele é visto como alguém que trabalha com uma coisa menor...tá... Isso... acho que aí a gente teria que resgatar muitas coisas...isso não é uma característica só da UERJ. Acho que é uma questão...talvez de se pesquisar... (E1– L 266-276).

enfim, o ritmo de atividades, enfim... ele passou a ter que examinar também, essa questão da mudança de licenciaturas na UERJ. Mas o Colegiado existia antes disso (E1-L 46-50). 2) O Colegiado praticamente redigiu a redação [da Deliberação 21/2005], o Colegiado é um órgão

No fragmento 1, o E1 continua atribuindo ao MEC, representado pelo CNE, a responsabilidade por desencadear o processo da Reforma. Nesse momento ele põe em evidência mais uma vez, a ideia de que as discussões sobre Licenciatura se iniciaram

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

434

por uma determinação do MEC (CNE), isso se

2) ou até mesmo a voz dos órgãos a que o CL estava

comprova pela inclusão do Intertexto5 marcado pela

subordinado (Sub-Reitoria de Graduação e Conselhos

estrutura “determinou que”. Ao eleger um verbo como

Superiores da Universidade), que afirma que a parte

“determinou” para introduzir a voz do MEC em seu

da Faculdade de Educação expressa na Deliberação foi

discurso, o E1 busca marcar que as mudanças na

toda aprovada pelo CL: “Toda a parte da Faculdade de

Licenciatura não ocorreram por um ato voluntário

Educação que não tinha sido aprovada no Colegiado,

da Universidade, mas por uma “determinação” desse

porque a Faculdade de Educação em algum momento

Ministério.

acabou não colocando aquilo, ela foi uma “canetada”.

Ainda nesse fragmento, o E1 procura reformular

No fragmento 4, o E1 começa se expressando

seu discurso (”Quer dizer”), marcando a necessidade

por meio de um Discurso Indireto6 “eu acho que...”,

das informações serem melhor explicadas, para

interrompe o dizer, e nega sua própria modalização:

que seu co-enunciador possa entender de quem era

“aqui não preciso nem modalizar” e apresenta como uma

responsabilidade naquele momento de discussão

verdade uma informação impactante: “a licenciatura

das mudanças nos cursos de Licenciatura. Com isso,

ainda é vista como uma coisa menor na Universidade”.

identificamos o que Authier-Revuz (1998) define

Com isso, a polêmica sobre o espaço destinado à

como não-coincidência interlocutiva, ou seja, há uma

formação do professor vem à tona, ainda que se

informação que não é imediatamente partilhada entre

atribua à “Universidade” a responsabilidade por essa

os interlocutores, mas que precisa ser aclarada: o fato de não ter sido o Colegiado que estabeleceu a necessidade de serem feitas mudanças nas Licenciaturas. No fragmento 2 o Enunciador busca valorizar o papel do CL, apresentando as informações relativas a uma de suas ações e a sua posição na Universidade, como uma verdade, isenta de qualquer marca opinativa: “O Colegiado praticamente redigiu a redação [da Deliberação 21/2005]”; “o Colegiado é um órgão consultivo”; “ele passou para a Sub-Reitoria de Graduação e ela foi praticamente aprovada na íntegra daí”. No fragmento 3 se instaura de forma clara o embate com o dito nos fragmento 2, por meio da negação (“A Deliberação que foi assinada não foi a Deliberação que nós aprovamos”) das informações apresentadas pelo E2: “O Colegiado praticamente redigiu a redação [da Deliberação 21/2005]” (fragmento 2). Dessa forma, fica em suspenso a veracidade da informação sobre a contribuição do CL para a elaboração da Deliberação UERJ nº 21/2005. O E1 continua (fragmento 3), se opondo também, a voz do Coordenador da CL (fragmento

visão minimizada da Licenciatura e não fique claro em que Unidade específica seria identificado esse posicionamento. Nesse momento, o E1 desenvolve seu discurso, reformulando-o na tentativa de explicar, que ainda que exista “tantos nomes” para definir a atividade do profissional que trabalha com a Formação de Professor na Instituição, este é um ofício de pouco valor na sociedade. Nesse momento, deparamo-nos com o que Authier-Revuz (1998) define como uma não-coincidência entre as palavras e as coisas. Ou seja, ao utilizar a expressão “tem tantos nomes para isso” o E1 marca seu desejo de deixar claro que, embora exista um espaço para a Licenciatura na Universidade, perceptível pelas inúmeras designações que temos para essa atividade de formar professores, não é um espaço de poder, de valor social. 2º Bloco: Prática Pedagógica/Estágio 5) (...) o Colegiado está devendo ainda, a questão de fazer uma redistribuição mais lógica sobre a prática de estágio dentro da UERJ, porque isso não avançou, isso ainda tem uma super discussão dentro do Colegiado, o Colégio de Aplicação tem um

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

435

entendimento sobre o estágio, a gente tem outro e aí

Contudo, merece destaque alguns avanços e

acabou que não avançou, até porque a Universidade

melhorias ocorridas nos cursos de Licenciatura da UERJ

não está dando suporte pros supervisores de estágio

após a Reforma, identificados em nossas análises, como

e pros alunos irem pras escolas (E2-L 78-83).

a organização de carga horária, distribuída entre os

No fragmento 5, o E2 entra em embate com a informação que foi apresentada no trecho citado do artigo 10 da Deliberação 21/2005 quando diz: “a Universidade não está dando suporte pros supervisores de estágio e pros alunos irem pras escolas”. Assim, ele procura mostrar que o estabelecido na Deliberação da UERJ não está sendo cumprido como deveria e que a questão dos estágios não está tão organizada como fica apresentada nesse documento oficial: Artigo 12 – Os discentes inscritos nas turmas das disciplinas de Estágio Supervisionado deverão ter encontros regulares com os respectivos professores, organizar o planejamento de aulas, elaborar material didático-pedagógico e executar atividades variadas em sala de aula a serem definidas pelos respectivos supervisores. (UERJ, Deliberação nº 21/2005)

Institutos Básicos, a Faculdade de Educação e o CAp. Isso distribui melhor os papéis de cada Instituto para a formação do professor e altera o modelo tradicional (3+1) ainda presente em muitas Instituições. Com essa mudança, os Institutos Básicos, na medida em que são obrigados a assumir disciplinas específicas de formação docente e até mesmo os estágios, são levados a desconstruir a concepção de que a atuação na licenciatura é um aspecto residual e inferior, frente à complexidade da formação em Bacharel. Por todo o exposto, desejamos com artigo, poder contribuir para a produção de saberes sobre a formação do professor, sobretudo, no âmbito da UERJ. Pois pensamos ter sido possível demonstrar que nessa tensão entre o que foi dito e que foi silenciado, temos uma Licenciatura ainda muito atrelada a questões de

5. Considerações finais

carga horária, em detrimento da reflexão sobre o papel ocupado pelo professor na sociedade atual.

Os resultados deste estudo sinalizam embates, sobre o papel do CL no processo de Reforma e na elaboração da Deliberação nº 21/2005 e se a UERJ está ou não preparada para discutir as mudanças necessárias na organização dos cursos de Licenciatura.

Referências bibliográficas AUTHIER-REVUZ, Jaqueline. (1998): As não-coincidências do dizer e sua representação metenunciativa– estudo

Ficou explícita a preocupação com os espaços

linguístico e discursivo da modalização autonímica. Em:

que seriam ocupados por cada Unidade a partir

AUTHIER-REVUZ, Jaqueline. Palavras Incertas – As não-

da Reforma, isso se faz presente também no texto

coincidências do dizer. Campinas, SP: Editora da UNICAMP,

Deliberação nº 21/2005, que teve alguns de seus artigos

pp. 13-28.

trazidos para nossas análises. Como resultado disso,

BAKHTIN, Mikhail. (2006): Marxismo e Filosofia da

tem-se o acréscimo de horas dos cursos de Licenciatura, sem uma reflexão filosófica sobre que professor a UERJ pretende formar com essa nova estrutura de seus Cursos de Formação de Professor. Esse apagamento das reflexões

Linguagem. 12ª ed.. São Paulo: Hucitec. FERNANDES, Claudemar A. (2008): Análise do Discurso: Reflexões Introdutórias. São Carlos: Editora Claraluz.

de caráter filosófico, se expressa de igual modo, no

MAINGUENEAU, Dominique. (1997): Novas tendências em

texto da Deliberação que institui o Programa UERJ de

análise do discurso. 3ª ed. Campinas, SP: Pontes/ Ed. da Unicamp.

Formação de Professores.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

436

______. (2008a):Cenas da Enunciação. São Paulo: Parábola

ROCHA, Décio; et al. (2004): A entrevista em situação de

Editorial.

pesquisa acadêmica: reflexões numa perspectiva discursiva. Em:

______. (2008b). Gêneses dos Discursos. São Paulo: Parábola Editorial. RIO DE JANEIRO, Deliberação nº 21, de 28 de setembro de 2005. Institui o Programa UERJ de Formação de Professores para a Educação Básica, alterando o Programa UERJ de

Polifonia: revista do programa de pós-graduação em estudos de linguagem-mestrado, nº8, Cuiabá: Editora UFMT. p. 161-180. SANT’ANNA, Vera L. A. (2004): O Trabalho em Notícias sobre o Mercosul: heterogeneidade enunciativa e noção de objetividade. São Paulo: Educ.

Formação de Professores para o Ensino Básico. Universidade do Estado Rio de Janeiro, 2005.

Notas 1 A Deliberação UERJ nº21, de 28 de setembro de 2005 institui o programa UERJ de Formação de Professores para a Educação Básica, como afirmamos, ela expressa o resultado das discussões ocorridas nas reuniões do Colegiado de Licenciaturas da UERJ. 2 Essa informação nos foi apresentada por uma funcionária da Sub-Reitoria de Graduação da UERJ e confirmada pelo coordenador do Colegiado na época dos debates sobre a Reforma. 3 Devido aos nossos objetivos de pesquisa, não utilizamos nenhuma técnica específica ou programa para transcrição das entrevistas. 4 Visando respeitar a identidade dos sujeitos entrevistados, optamos por nomeá-los “Enunciadores” (daqui em diante “E”), sendo cada um deles representado por um número. Decidimos, para este artigo, numerar também os fragmentos que selecionamos para apresentação das análises, pela ordem em que foram introduzidos em nossos comentários. 5 Consideramos estar diante do Intertexto, quando o Enunciador traz uma voz documental, que assume a posição de sujeito do enunciado. Quando deparamo-nos com o Intertexto, focalizamos a fonte enunciadora, constituída no caso dessa pesquisa, por documentos oficiais do MEC. Optamos por entender como introdutores desse recurso discursivo, a própria menção ao documento legal seguido de um verbo de caráter prescritivo. 6 No Discurso Indireto, o enunciador reformula as palavras do discurso do outro e usa suas próprias para o dizer pertencente a outro momento de enunciação (SANT’ANNA, 2004). Bakhtin (2006, p. 162) chama a atenção para o fato de que “o emprego do discurso indireto implica a análise da enunciação simultânea ao ato de transposição e inseparável dele”, dessa forma, a análise e o posicionamento daquele que apresenta a outra voz é o ponto crucial do discurso indireto.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

437

CORPO E ESPAÇO: REESCRITAS DA HISTÓRIA EM FINISTERRE, DE MARÍA ROSA LOJO E DESMUNDO, DE ANA MIRANDA

Gracielle Marques PG-Universidade Federal de Rondônia (UNIR)

O Brasil colonial de Desmundo (1996), da

unilateral dos processos de conquista e colonização

escritora brasileira Ana Miranda, e a Argentina com a

e permite pensar a identidade cultural– tema sempre

Campaña del Desierto definindo as fronteiras de seu

presente nas obras das escritoras focalizadas– como uma

estado no século XIX, de Finisterre (2005), da escritora

trama aberta e sensível a interação das margens.

argentina María Rosa Lojo, são os cenários histórico e literário nos quais as escritoras conjugam a trama sobre a sujeição dos corpos operado pela nomeação e definição que em tais contextos constituíam as identidades sexuais e de gêneros. Como sabemos, a construção identitária estava subordinada aos discursos da ideia de nação, que estabeleceu referencias patriarcais, eurocêntricas e homogeneizantes e que, portanto, excluía os indivíduos que não se enquadravam nessa articulação cultural sendo, por isso, muitas vezes despojados de um caráter humano, como no caso de culturas não europeias.

Consideramos o romance Desmundo como histórico da mesma maneira que Hebe B. Molina, ao analisar Finesterre, salienta: “Esta novela puede considerarse histórica porque cumple con el requisito de presentar los cambios de rumbo que sufren los personajes a causa de los sucesos políticos que determinan el tempo histórico (MOLINA, 2010, p.196)”. Se pensarmos na relação entre literatura e historia, a narrativa de Ana Miranda apresenta uma abordagem inovadora de recuperação da linguagem de época, preocupação que também está presente na obra O Retrato de Rei (1991).

Construídas a partir do diálogo entre os discursos

Conforme apontou Luiza Lobo (LOBO, 2002, p.113), a

históricos e literários suas narrativas rompem o silêncio

contextualização histórica se dá, principalmente, pela

imposto aos povos vencidos e a voz feminina. Essas obras nos apresenta um mundo historicamente marcado pelas guerras de fronteiras nos pampas centrais, na Argentina e as guerras pelo domínio de território no início da

linguagem. Tem-se em ambas as narrativas um questionamento da perspectiva histórica-social e literária

colonização brasileira. No universo ficcional de ambas

hegemônica desses períodos, que registrou quase

as narrativas as vozes silenciadas emergem com toda sua

exclusivamente o papel masculino na formação de

força humana, participando de uma rede de intercambio

uma identidade nacional – no caso da narrativa de Ana

permanente, narradas sob a perspectiva feminina. A

Miranda há um recuo até os parâmetros simbólicos

provocadora relação que se estabelece entre estas e os

do Brasil colonial como a origem do que se fixaria no

“brancos civilizados” contribui para desconstruir a visão

discurso unificador e homogêneo da narrativa da nação.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

438

Dessa forma, pelos corpos das personagens femininas atravessará a construção da história nacional e a desconstrução de um espaço emblemático visto como “inóspito” e “inabitável”. Portanto, as imagens do corpo feminino são representadas nas narrativas como o lócus de combate, de resistência e que invertem a imagem feminina tradicional.

Enquanto entidade biossocial cabe a esse corpo negociar com condições materiais e simbólicas, isto é, com um conjunto de normas e regras institucionalizadas sustentadas pelas representações culturais que atribui papéis a homens e mulheres diferenciando-os. Resgatar os contextos históricos dos séculos XVI e XIX e

O espaço fronteiriço, conflituoso que ambienta

permitir a representação das múltiplas diferenças que

a narrativa, nos limites entre a Europa e a América

estruturam os sujeitos, questionando as identidades

pré-colombiana, representado significativamente pelos

essencialistas e devolvendo aos corpos a possibilidade de

símbolos “desmundo” e “finisterra” são, conforme já

se reconstruírem social e culturalmente, transcendendo,

observamos em trabalho anterior, o lugar de onde

inclusive, alguns dos princípios que o constitui como

se pode assimilar o dinamismo de duas culturas. No

raça, sexo, classe, nacionalidade, cultura parece-nos

entanto, o diálogo discursivo que o texto literário propõe

uma proposta ainda importante, embora algumas

revisa uma construção da noção do corpo feminino

atitudes já tenham mudado, para refletirmos sobre as

que se constitui como correlato da palavra fronteira,

representações falocêntricas do feminino na atualidade

no sentido tanto de frente de batalha, quanto de linha

e, por que não, projetar um lugar de inter-relacionamento

demarcatória de um território. Território esse a ser

no qual as diferenças sejam vistas em sua potencialidade

dominado, explorado e anexado, da mesma maneira

e não mais em termos opositivos e binários.

que as terras indígenas a serem conquistadas, porque é um corpo marginal, estigmatizado como um “outro” subalterno, ex-cêntrico, para usarmos o termo utilizado por Linda Hutcheon (1991). Esse espaço fronteiriço, marginal se constitui, também, o lugar de enunciação através do qual as escritoras expressam, reveem as representações da colonização cultural paralela à subordinação sexual imposto por uma ordem paternalista e se visualizam como agentes ativos ao invés de simples objetos passivos. Entendemos o conceito de corpo, conforme propõe o sociólogo francês David Le Breton, como sendo a estrutura de onde nascem e se propagam as significações que fundamentam a existência individual e coletiva; ele é o eixo da relação com o mundo, o lugar e o tempo nos quais a existência torna forma através da fisionomia singular de um ator. Através do corpo, o homem apropria-se da substância de sua vida traduzindo-a para os outros, servindo-se dos sistemas simbólicos que compartilha com os membros da comunidade. (LE BRETON, 2007, p.70)

Em Desmundo a narrativa se inicia com o relato da chegada da nau Senhora Inês, que traz as órfãs enviadas pelos reis portugueses a pedido do padre Manoel da Nobrega para, por meio do casamento, apartarem os colonos do pecado e evitar a miscigenação. Narrado em primeira pessoa por Oribela, uma das sete órfãs, que conta sua história e o destino das demais órfãs. Novelar o passado a partir dessa perspectiva parece-nos preencher o vazio sobre a vida dessas mulheres que permaneceram ausentes na história. Em um relato que se organiza de forma linear, temos primeiramente a narração da chegada e recepção das órfãs em uma mistura do alvoroço interno, da narradora personagem, e externo, dos que as aguardam. A alegria de visualizar a nova terra logo dá lugar ao alívio pelo fim da viagem, pela possibilidade de libertar o corpo castigado pelas privações, e péssimas condições da travessia: “Nossa carne quebrada, já sendo vencida pela fraqueza e ainda assim se batiam palmas” (MIRANDA, 1996, p.11).

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

439

Parece-nos importante destacar que essa

“outro”, predominantemente indígena, bastante diferente

capacidade de entrever o geral no particular e de

dos seus, mas não absolutamente diverso. Por meio de

harmonizar ambas as dimensões da à direção para o

suas vozes se lê a representação da voz deste “outro”,

texto de Ana Miranda. Valendo-se de uma perspectiva

também excluído da história e igualmente importante

que se consolida no romance de autoria feminina a partir

para a compreensão do passado.

da década de 1980, como fruto do amadurecimento da literatura feminina, tem-se a busca do sentido da mulher na história (GÄRTNER, 2006, p.173). Também a narrativa de Lojo trata de romper com a história dominante e focalizar a micro história de Rosalind, individual, mas que ao mesmo tempo perpassa a história coletiva dos confins do estado argentino, na fronteira entre o mundo ocidental, branco e centralizador comandado pelo general Juan Manuel de Rosas e o mundo predominantemente indígena, marginal, do qual se torna prisioneira por meio da figura do militar argentino refugiado entre os ranquéis, Manuel Baigorria. O massacre organizado pelo governo contra os indígenas e pelo controle da terra marca definitivamente seu destino e seu corpo no ataque que o grupo de Baigorria faz a comitiva que levava a protagonista, seu marido o médico Tomás Farrell, a atriz espanhola doña Ana e o inglês Oliver Armstrong: “mi marido me cubrió con su cuerpo, y su sangre me manchó las manos y el

Jogando contrapontisticamente com diversos intertextos históricos e literários, ambas as narrativas deslocam algumas certezas como a que representou por muito tempo as fronteiras entre mundo “civilizado” e “bárbaro”, feminino e masculino. Dessa maneira, no texto de Miranda a Carta de Pero Vaz de Caminha, responsável pelas primeiras imagens sobre o novo mundo, levando-se em conta que esse texto transita as fronteiras entre o real e a fantasia medieval que deram origens aos principais estereótipos sobre a natureza e seus habitantes, apresenta una interessante releitura: Por meus brios e horrores não despreguei os olhares das naturais, se defeito de natureza que lhes pudessem pôr e os cabelos da cabeça como se forrados de martas, não pude deixar de levar o olhar as suas vergonhas em cima, como embaixo, sabendo ser assim também eu, era como fora eu a desnudada, a ver em um espelho. (MIRANDA, 1996, p.39).

vientre. Supe, por el peso inerte, que estaba muerto, y

Na primeira descrição da personagem-narradora

sentí un dolor agudo sobre la pélvis. La misma lanza que

sobre os indígenas estabelece-se a paródia com o texto

lo traspasó me había tocado (LOJO, 2005, p.41).

da tradição, em um movimento de resgate e afastamento

É importante salientar que a narradora Rosalind assim como Oribela resgata a memória do confinamento no presente da narração na busca pelo auto-conhecimento, mas ao contrário da estrutura narrativa de Ana Miranda essa personagem conta sua história através de cartas, que tem por destinatário Elizabeth, a mestiça filha do inglês Armstrong com uma índia, para restituir-lhe a história de sua mãe e da terra onde nasceu.

da perspectiva masculina sobre o corpo nu do indígena. O que havia sido uma situação extremamente constrangedora para a expedição de Alvares Cabral, fato que levaram os colonizadores a tentar cobrir os corpos em uma atitude de total desconhecimento da cultura do “outro”, se transforma na visão de Oribela. O diferente surge, primeiramente, como algo assustador, mas que atrai a curiosidade da personagem, e logo é compreendido na semelhança com seu próprio corpo. A metáfora do espelho parece sugerir a tomada de

Ambas estrangeiras, as protagonistas Rosalind,

consciência do processo de conhecimento e valorização

espanhola filha de irlandeses e galegos e Oribela,

da dimensão sensível, a partir da imagem de um corpo

portuguesa filha de portugueses, penetram no mundo do

alheio. Esse espelho que devolve a imagem de um

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

440

corpo igual, configurando-se uma duplicidade, que não

dessa condição de mártir e lhes dá a capacidade de

necessitará ser aniquilada e sim harmonizada. Dessa

compor com o mundo novas possibilidades de existência

forma, a dimensão sensível ganha evidencia em uma

a partir de um lugar fronteiriço, híbrido “a partir del

relação tensiva com a dimensão transcendental, isto é,

cual se seguiría discutiendo un futuro posible para los

a autora faz uma revisão crítica da relação dicotômica

“bárbaros” y para las mujeres en la nación” (LOJO, 2007,

clássica entre corpo e alma, marcada predominantemente

p.27). A obra de ambas as escritoras, reelaboram corpos

pela relevância da alma em detrimento do corpo. Dentro

que não se sujeitam e se sensibilizam a partir de suas

dessa concepção, o corpo problemático, decadente,

próprias forças.

pecador readquire direito de existência ao lado da alma. A tarefa da heroína constitui-se em buscar-se a si mesma, construir um si mesmo, já que a sociedade da época impedia a mulher de tomar conhecimento de seu próprio corpo: Meu pai mandava turvar a água do banho com leite para não ver o meu corpo de criança, uma vez alevantei da gameleira e ele me castigou com tantas vergastadas que verti sangue pela boca. Água nas mãos e na fuça, fidalga. Água no mais, puta. (D, p.43)

Em Finesterre, a recuperação do passado perpassa a atuação sobre os corpos, especificamente o domínio do corpo presente nas representações da experiência dos malones (expedições indígena que atacava e saqueava

As histórias de raptadas repartidas entre os homens para servirem-lhes com seus corpos, normalmente gerando filhos, escravizadas e obrigadas a viverem fora dos limites do mundo conhecido, em um território inimigo, marcou negativamente a situação da mulher no conflito da fronteira. A superação dessa história se dá na narrativa, sobretudo, porque Rosalind fica estéril e com a ajuda de Mira Más Lejos escapa de um destino ainda pior. Nesse sentido, como viemos sinalizando, a revisão da relação entre a mulher europeia com o indígena no espaço da fronteira torna dúbia a dicotômica civilização-barbárie. Em uma leitura que privilegia justamente esse aspecto da narrativa de Lojo, Marcela Crespo Buiturón aponta:

viajantes e povoados levando como botim mercadorias, entre elas mulheres brancas) na literatura sobre cautivas, que surge na literatura argentina no começo do século XVII, com a figura de Lucía Miranda em La Argentina Manuscrita (1612) de Ruy Díaz de Guzmán (1558-1629). Em distintas versões literárias, além de pinturas, o rapto

Lojo impone outro modo de abordar la dicotomia civilización-barbarie [...] no son dos términos opuestos que se anulan entre sí, sino elementos solidários que conviven en el seno de cada cultura alternándose y evidenciando la realidade facetada del mundo”(BUITURÓN, 2010, p.289).

de mulheres ressalta, em geral a posse sexual e a imagem

Essa observação pode ser estendida a leitura da

desumanizada dos indígenas, que se cristalizaria no

obra de Miranda ao apresentar a conexão de Oribela com

imaginário social como um dos símbolos dos conflitos

o mundo americano, especialmente com as indígenas.

entre brancos, tidos como civilizados, e indígenas, como bárbaros. Em geral, a figura feminina raptada plasmou certos valores patriarcais, como a submissão, castidade e doçura, sendo lançada a imolação e obrigada à expiação dos seus pecados por ocupar uma posição intermediária entre índios e espanhóis (LOJO, 2007).

No contexto da sociedade colonial a referência dominante é a do homem branco, heterossexual, cristão sendo os “outros” sujeitos sociais definidos a partir dessa referencia. A mulher adquire um valor inferior sendo apresentada como valor de mercado: “Aquelas eram amancebadas de cristãos e de padres, que quando delas

As representações femininas em Desmundo e

se cansam as vendiam aos vizinhos que as desejavam e

Finesterre, na realidade parece-nos ser uma renovação

assim se faziam mercas de fêmeas” (MIRANDA, p.70).

da figura feminina, uma vez que liberta as mulheres

Não obstante, Oribela observa que no mundo indígena

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

441

as mulheres são igualmente corpos com valor de troca:

exclusivamente ‘natural’ nesse terreno, a começar pela

“Bugres da terra vendiam suas fêmeas nuas, mas assim

própria concepção de corpo, ou mesmo de natureza”

que veio um padre da Companhia na rua, as esconderam,

(LOURO, 2003, p.11).

não dos outros padres” (D, p.39).

A produção da “mulher casada” é um amplo

Em seu cativeiro a referencia dominante é plural,

projeto que se desdobra em inúmeras situações que

mas alguns comportamentos com relação à mulher

impõem modelos de comportamento que se inscrevem

se equivalem. Rosalind, embora padeça o estigma da

no corpo e sobre o corpo. Antes do casamento, por

infertilidade e não sirva, portanto, para o casamento,

exemplo, a Velha, faz o inventário e a descrição das

encontra um meio de sobrevivência na função de

restrições ao uso do corpo da mulher casada, vigentes

médica-curandeira, que enquanto no mundo ocidental

nos séculos XV e XVI, que vão desde “nunca mais deixar

era reduto privilegiado do sexo masculino, era permitido

os cabelos soltos”, “nem olhar para o céu” até “não falar

as mulheres e homossexuais entre os ranquéis. O cuidado

nem por os olhos no vizinho”. A dura disciplina dos

dos corpos e, portanto a manutenção da vida é confiada

corpos conta com castigos também rigorosos “açoite e

as suas mãos enquanto ajudante do curandeiro (machi)

língua furada” (p.67) para as desobedientes, cabendo

Mira Más Lejos. Ao lado desse indígena observará que as

à mulher provar sua inocência lavrando as mãos em

identidades sexuais são diversas e plenamente realizáveis

ferro arado em brasa, já a infiel sofreria pena de tosquia,

quando não há a imposição de uma única referência:

decalvação e desnudação, ambas de sentido degradante

A veces, mientras fue joven, algún hombre que tenía sus mismas inclinaciones y que le había gustado, pasaba la noche en su sección del toldo. Yo oía risas, voces bajas y adivinaba la familiaridad de los cuerpos. Nadie entre los ranqueles se escandalizaba por eso, así como nadie – a excepción de los maridos engañados – tenía derecho a inmiscuirse en los amores carnales de ninguna persona, ni siquiera los padres. (LOJO, 205, p.84-85)

O que nos parece valorizado por Lojo é a quebra de certas verdades, como o destino comum das mulheres de gerarem filhos, a de não poderem exercer uma profissão considerada masculina e a existência de uma única identidade sexual possível. O discurso literário ao instaurar a dúvida sobre os corpos e a sexualidade trata de desconstruir e superar uma visão histórica que subjugou essas identidades, apontando as fragilidades de tal discurso patriarcal, colonizador e centralista. Essa condição de construção da identidade sexual desmonta o discurso homogêneo sobre a mesma. Nas palavras de Guaraci Lopes Louro “a sexualidade envolve rituais, linguagens, fantasias, representações, símbolos, convenções... Processos profundamente culturais e plurais. Nessa perspectiva, nada há de

e infame. A imersão no imaginário materno, representado entre outras, na imagem do poder da fecundidade da mulher e a abertura do feminino em direção à magia, ao transcendental está presente na obra de Lojo, em diferentes momentos. Gostaríamos de destacar a passagem que relata a sentença de morte dada às mulheres ranquéis nas exéquias do cacique Painé Guor. Além da morte de suas esposas, com a finalidade de servi-lo no além-tumba, conforme a tradição ranquel, uma matança de mulheres supostamente bruxas, possíveis causantes da morte do cacique, é organizado nos toldos. Esse fato histórico cruza a história pessoal da protagonista Rosalind, que sobrevive à morte por acusação de bruxaria graças a proteção e os poderes do xamã Mira Más Lejos. No presente da narração, quando reorganiza os fatos passados no cativeiro a autora por intermédio da narradora personagem questiona a maternidade enquanto constitutivo do sujeito feminino, e também de sua divindade, posto que “poseen los secretos de la fertilidade y de la luna, y pueden aplacar las fuerzas locas del cielo y de la tierra” (LOJO, 2005, p.134) com relação a lógica falocêntrica.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

442

Entre a transcendência e a imanência surge a ideia do

a uma subjetividade negada pelos discursos anteriores,

corpo feminino como o mediador universal, porém

de cunho patriarcal.

aniquilado pelo falocentrismo. A imagem feminina de Oribela é conflitiva e oscilante. Muitas vezes questiona as normas regulatórias, outras vezes o peso dessas as perturba, de qualquer maneira rompe o severo controle de Francisco Albuquerque e as barreiras normativas que a mantinha como objeto de procriação e prazer. Um dos desvios as normas impostas em Desmundo é operado nas

Referências bibliográficas CRESPO BUITORÓN, Marcela. La crisis del pacto identitario a finales del los últimos dos siglos en Argentina: Libro extraño de Francisco Sicardi en el XIX y Finisterre de María Rosa Lojo en el XX. In: A contracorriente. Volumen 8, número. 1, otoño de 2010, 277-297. Disponível em: http://www.ncsu.

tentativas de fugas da heroína que em uma delas se

edu/acontracorriente/fall_10/articles/CrespoBuituron.pdf.

disfarça de homem, transpondo habilmente as fronteiras

Acessado em: 10/08/2012.

que separam o universo masculino do feminino em um exercício de manipulação e subversão das representações sócio-culturais da sexualidade. Outro momento é a representação da maternidade construída por Miranda na fala das índias. Em um sincretismo de

GÄRTNER, Mariléia. Mulheres contando história de mulheres: o romance histórico brasileiro contemporâneo de autoria feminina. Assis: Faculdade de Ciências e Letras-UNESP, 2006. Tese (Doutorado em Letras).

elementos cristãos, “Ave Maria” figurando a mãe divina

HUTCHEON, L. Poética do pós-modernismo: história, teoria

e de elementos naturais, da mãe natureza, celebram e

e ficção. Trad. Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991.

anunciam a gestação de Oribela: Salve, mulher abençoada, flor e fruto de germe erupit, flor suavíssima emictens odores, fruto saborosíssimo e doce, flor cuja bonitas expellit mesticiam, fruto cuja saciedade plena dá leite, bendita flor que de ti ascende, bendita árvore, bendita árvore e fruto, tua flor alegra, teu fruto da miséria retira, para sempre bendita, amén. Estás com a graça da vida em teu ventre. (MIRANDA, 1996, p.187)

Para finalizarmos, procuramos tratar nesse texto como as narrativas tomam o corpo em suas dimensões

LE BRETON, David. A sociologia do corpo. 2. ed. Trad. Sônia M.S. Fuhrmann. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. LOBO, Luzia. Literatura e história: uma intertextualidade importante. In: DUARTE, Constância Lima; DUARTE, E. de A.; BEZERRA, K. da C. Gênero e representações: teoria, historia e crítica. Coleção Mulher e Literatura. Belo Horizonte: UFMG, 2002, v.1. LOJO, María Rosa. Finisterre.2. ed. Buenos Aires: Sudamericana, 2005.

sociais e simbólicas e questionam as instancias de poder

______. Lucía Miranda: un mito de origen protonacional en

e seus discursos sobre o gênero e a sexualidade que

varias lenguas: castellano, latín, francés e inglés. In: Letras.

“educam” para usarmos um termo de Guaraci Lopes

Número monográfico. Literaturas Comparadas, nºs. 55-56,

Louro, e determinam “sobre o que falar e sobre o que

Enero-Diciembre 2007, Universidad Católica Argentina.

silenciar, o que mostrar e o que esconder quem pode

Disponível em: http://www.mariarosalojo.com.ar/dela/

falar e quem deve ser silenciado” (LOURO, 2000, p.13).

articulos_dela.htm Acessado em: 10/08/2012.

Em termos comparativos, observamos que a narrativa de romance histórico de autoria feminina, no âmbito da literatura latino-americana, renova as representações da identidade feminina, em termos de consciência crítica da construção do ideal de nação, ampliando e dando voz

LOURO, Guaraci Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2. ed. Trad. Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

443

MIRANDA, ANA. Desmundo. São Paulo: Companhia das

C., MOLINA, H. B. (ed.). Poéticas de autor en la literatura

Letras, 1996.

argentina (desde 1950). Buenos Aires: Corregidor, 2010,

MOLINA, Hebe B. La poética de la rosa: Modulaciones de la ficción histórica en María Rosa Lojo. In: ZONONA, V.

Vol. II.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

444

RODOLFO WALSH. ‘EXOTIZACIÓN’ Y CONFLICTO EN SUS ‘ESCRITOS CUBANOS’

Gustavo Walter Spandau PG-USP

Introducción

a fin de los años cincuenta y comienzos de los sesenta. Hay que considerar que Rodolfo Walsh llega a la isla

El presente trabajo tiene por objetivo intentar

caribeña con el objetivo de trabajar en la organización

el acercamiento a una zona, profunda y problemática

de la agencia Prensa Latina, para lo que es convocado,

del discurso y saber latinoamericanista, dentro de

conjuntamente con otros profesionales, por el periodista

los escritos de viajes o estancia en otro país, en este

argentino Jorge Ricardo Masetti2. Los escritos de su

análisis respecto a Cuba. Específicamente, lo que

experiencia cubana, en su mayor parte, pueden ser

podemos denominar ‘exotización’ de la isla caribeña,

considerados como anotaciones de un diario. Lo que se

y las intensificaciones libidinales del sujeto intelectual

quiere observar aquí, son las contradicciones y conflictos

que se encuentra allí de pasaje. A fin de analizar el tema

del autor y lo que denominaremos su escisión como

escogido, tomamos algunos escritos de Rodolfo Walsh

sujeto, partiendo de sus relatos de experiencias con las

obrantes en Ese Hombre y otros papeles personales , en

prostitutas habaneras y su situación como forastero en

especial en los que autor argentino escribe sobre su

la isla revolucionaria.

1

estancia en la isla, durante los primeros años después de la llegada de Fidel Castro al poder. En ellos tenemos su visión de la relación que mantiene con algunas prostitutas (Ziomara, Estrella, etc.), el ambiente de bares donde las frecuenta y la propia ciudad de La Habana. Asimismo, sus disyuntivas y conflictos sobre los actos que realiza y cómo los ve (y los otros lo ven él). Es ahí donde surgirá un sujeto en conflicto y escindido.

Veremos esto, en primer término, a través de lo que podemos denominar ‘exotización’ de la isla caribeña y las intensificaciones libidinales del sujeto intelectual que se encuentra allí de pasaje. Se pueden distinguir cuatro secuencias de escritos en los que se toca el tema cubano en Ese Hombre…. De ellas, una es de 1961, dos pertenecen al año 1962 y otra a 1968, el prólogo a Crónicas de Cuba.3 El autor parte hacia Cuba a mitad del año 1959 y permanece en la isla hasta 1962. A saber,

Walsh y su estancia en la Cuba revolucionaria

la mayoría de los textos escogidos son escritos durante su estancia en la isla o poco después de su arribo a la Argentina. De esta forma, como ya se ha expresado,

En Ese hombre y otros papeles personales existen

tenemos en Walsh lo que podemos denominar un

varios textos referentes a la estancia del autor en Cuba,

sujeto escindido. Esto será observado con los ‘escritos

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

445

cubanos’ y su relación con las prostitutas y el ámbito de

esta iniciación incluso, porque es la primera vez que

bares habaneros en los que las encuentra, con la carga

una mujer pone su boca en mis sexo, y lo ha hecho sin

de ‘exotización’ antes mencionada.

que yo se lo pida (…)” (destacado nuestro, p.62). Culpa de un lado y liberación del otro como otra faceta de ese sujeto en conflicto.

Los ‘escritos cubanos’ del autor. ‘Exotización’ de la isla y un sujeto escindido

Asimismo, y no solo por causa de la culpa la ‘liberación’ no sería total ni completa. Ese conflicto también asoma por el lado de la ‘exotización’ de las

En los textos sobre Cuba, el escritor argentino

prostitutas habaneras, como Ziomara y otras, que aflora

refiere sus historias con diversas prostitutas. Así, cuando

cuando se refiere al color de la piel, “(…) su cuerpo era

escribe sobre su última noche en La Habana piensa en

espléndido, largas piernas africanas (…)” (destacado

Ziomara, su cuerpo y rostro para concluir que “No hay

nuestro, p. 45) y la preocupación, o cierto temor, de ser

putas como las de La Habana, el último esplendor de un

visto en su compañía que se manifiesta cuando duda,

mundo que se cae (…)” (p.45). Comenzamos con algo

“y si [en la agencia] me vieran con una muchacha tan

general y panorámico sobre la capital pos revolución, la

negra” (destacado nuestro, p.62). Por todo ello, se

decadencia observada, las referidas ‘ruinas’. “Y es que por

observa que se trata de una liberación limitada por

debajo de la ensoñación que las ruinas provocan circula

ese temor o incomodidad de ser sorprendido, y por

una corriente de remordimientos igual a las llamas bajo

la consabida ‘culpa’ como ‘hombre de conciencia’ y

dulces prados del poema de Keats” (PONTE, 2007, p.

revolucionario.

168). Y vemos, en el caso, en el espacio íntimo, algo de ese ‘remordimiento’, como cuando expresa Walsh: “... Después de vestirnos le digo ¿cuánto es?, porque ella tiene que seguir trabajando, y ella dice "lo que quieras", pero cuando le doy cinco pesos se sonríe un poco y dice ¿"tan poco?". Entonces invento cualquier argumento, porque no estoy resuelto a darle más, porque ahora no quiero ser engañado, ya la jauría del remordimiento y la vergüenza galopa a mis espaldas (…)” (destacado nuestro, p.62).

En definitiva, la ‘exotización’ referida aparece, como se vio, en diversos puntos de los escritos: La Habana decadente y ‘en ruinas’ que ve a comienzos de los sesenta, “(…) capital del sexo, ciudad siempre llena de banderas, conmovida y tierna, con tu luz azul, con tus golpes de mar como altos (…) con inmensas prostitutas llenas de puntillas y sonrisas” (p.59). El ámbito de bares y prostitución que frecuenta (y en los que es reconocido como alguien de afuera), “ (…) empiezo a preguntarme

De esta forma, podríamos decir que el sujeto

si me habrán visto, si ella era linda o era un monstruo,

se encuentra ante una ‘liberación’, pero por la cual

y qué habrían dicho en la agencia si me vieran con

tiene que pagar su precio. Dicho de otra manera, un

una muchacha tan negra (…)” (p.62). Y las propias

conflicto entre la pulsión libidinal y lo que se esperaría

prostitutas, que son negras, menores y/o, embarazadas

de él. Ello, se ve todavía más claro cuando una de las

y las que generan esa gran pulsión libidinal en el sujeto

prostitutas (Estrella), embarazada, le dice que él es “un

que escribe, “me yergo triunfalmente (…) entre sus

hombre de conciencia” y él mismo afirma que “Hay

largos pelos africanos, en esa cavidad tibia y sombría

pensamientos de placer en la maldad, coger a una niña

(…)” (p.61).

embarazada de 16 años, empujar hasta el fondo y sentirse un maldito, que se joda, jodámonos todos” (p.48). Sin embargo, sigue viviéndose el conflicto en el sujeto: “Sí, me siento culpable de este gran acto de liberación, de

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

446

El sujeto escindido y la Revolución

reconocido. Y es lo que está en el corazón del conflicto y la ambivalencia.

Así pues, nos encontramos en los textos de Walsh con varios elementos entrecruzados y en tensión. En primer lugar, su conflicto o ‘culpa’ por el vigor de

Conclusiones

la pulsión libidinal y atracción sexual por menores, prostitutas y negras, que intenta amenizar con consejos como: “Si pudiera ayudarte te ayudaría, pero no puedo más que darte un consejo, no hagas más esto” (p.48). Y en segundo lugar, la situación de Walsh, ambivalente y conflictiva como forastero y extranjero, alguien que es identificado por no ser pertenecer al lugar: “No reparé en las miradas porque siempre era igual, uno salía y los demás se daban vuelta para mirar (…) tuve las mismas ideas de siempre, por ejemplo que mi calva era inconfundible (…)” (p. 47).

Conforme lo expuesto en el párrafo anterior, a grandes rasgos, podríamos observar aquí las ‘heterogeneidades’ o dicotomías en el caso cubano, pasando por un lado, por la mencionada ‘exotización’ de la isla, lugar al cual él ‘pertenece’, por estar imbuido del

En resumen, tenemos escritos que muestran a un Walsh, que se encuentra temporariamente en Cuba y que se enfrenta con esa ‘exotización’, a través de la cual vemos un conflicto y una ambivalencia, especialmente, un sujeto escindido, además de una fuerte pulsión erótica. Igualmente, nada de eso le impide seguir adelante. Teniendo en vista los escritos del autor es dable observar como hay un hilo conductor que pasa por su relación con las prostitutas, el ámbito de los bares en que las encuentra y la ciudad de La Habana. Y estimamos que los elementos esenciales que marcan esos textos son: esa denominada ‘exotización’, con la pulsión libidinal vigorosa en términos eróticos y sexuales por parte del sujeto y, del otro lado, la mirada de los otros sobre el forastero, el extranjero que nos llevan a la citada escisión.

espíritu revolucionario y haber ido a Cuba para trabajar

A su vez, pude notarse, para profundizar

por su éxito. Además, podemos decir que era joven con

futuramente el tema, que existe un entrecruzamiento

sus pocos más de treinta años. Algo que lo acercaba a la

entre el relato del extranjero, como el de Walsh, la

Revolución. Como expresa Jean Paul Sartre en Furacão

exotización y la ‘culpa’ o conflicto. No obstante, esto

sobre Cuba, su libro de viaje a la isla revolucionaria de

está interrelacionado con la ‘misión’ que tiene el autor

aquel entonces:

en Cuba y la situación revolucionario.

“O maior escândalo de revolução cubana não é ter desapropriado as terras, mas ter posto meninos no poder (…) nada de velhos no poder! (...) Em Cuba a idade é o que salva os dirigentes. Sua juventude permite enfrentar o acontecimento revolucionário em sua austera dureza (…)” (SARTRE, 1961, pp. 114 y 124).

Es decir, en este punto, tenemos a un sujeto integrado y consustanciado con el proceso revolucionario. Tanto en su aspecto político-ideológico como por la cuestión generacional. Ello, en el ámbito público. Sin embargo, por otro lado, en un ámbito más íntimo y privado, en los bares y con las prostitutas, es un forastero, un extranjero, alguien diferente y que, como tal, es

En conclusión, tenemos varios elementos que se entrecruzan y con los que se puede profundizar un tema importante del discurso latinoamericanista, sin caer en el puro exotismo o menos aún en el racismo, ello en torno a las pulsiones libidinales. Además, es preciso considerar como opera la cuestión del entrecruce de géneros en el autor, algo que no se trató aquí debido a la brevedad del presente trabajo. Asimismo, es importante tener en cuenta en los relatos de viaje, específicamente en Cuba, la situación del contexto revolucionario a comienzos de los sesenta, pero observando cómo se inscribe el sujeto literario desde su intimidad, algo que nos proveen los escritos analizados.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Referencias bibliográficas

447

PONTE, Antonio José (2007): La fiesta vigilada. Barcelona, Anagrama.

BASILE, Teresa (comp.) (2008): La vigilia cubana. Sobre Antonio José Ponte. Rosario. Beatriz Viterbo.

SARTRE, Jean Paul (1960): Furação sobre Cuba. Río de Janeiro, do Autor.

BENÍTEZ ROJO, Antonio (1989): La isla que se repite. El Caribe y la perspectiva posmoderna. Hannover, Ediciones del Norte

WALSH, Rodolfo (2007): Ese hombre y otros papeles personales. Buenos Aires, Ediciones de la Flor.

CROCE, Marcela (comp.) (2006): Polémicas intelectuales en América Latina. Del meridiano intelectual al Caso Padilla (1927 – 1971). Buenos Aires, Simurg. JOZAMI, Eduardo (2006): Rodolfo Walsh. La palabra y la acción. Buenos Aires, Norma.

Notes 1 Se trata de un conjunto de textos recopilados y editados por Daniel Link, en su mayoría recuperados del allanamiento realizado por fuerzas militares en la vivienda de Walsh en 1977. Se incluyen diversos escritos (cartas, notas, entrevistas, artículos periodísticos, etc.) tanto publicados anteriormente como inéditos. (Walsh, R., Ese Hombre y otros papeles personales, De la Flor, Buenos Aires, 2007.) 2 Jorge Ricardo Masetti, periodista y guerrillero argentino, cubrió la actuación del grupo de Fidel Castro y el Che Guevara en Sierra Maestra en 1958 / 1959 y adhirió a la causa revolucionaria. Fundó la agencia Prensa Latina y fue líder el EGP (Ejército Guerrillero del Pueblo), una de las primeras formaciones guerrilleras de Argentina, en Salta, en 1963/ 1964. 3 Los escritos citados sobre Cuba de Ese Hombre y otros papeles personales son los que se encuentran en: a) pp. 45 a 49 del año 1961, b) pp. 58 a 62 del año 1962, c) pp. 63/64 también de 1962 y d) el prólogo a Crónicas de Cuba, pp. 97 a 104, de 1968

448

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

A QUE NÃO SOUBE VINGAR-SE: EM TORNO DE "A MEU AMIGO, QUE EU SEMPR' AMEI" (B846, V432), DE JOHAN GARCIA

Henrique Marques Samyn UERJ

Meu objetivo, neste breve trabalho, é propor

Cabo especula, amparado em boa documentação, que

algumas reflexões sobre uma cantiga pouco estudada

a rubrica alude a um outro trovador: Nun’Eanes Cerzeo.

de uma das mais enigmáticas figuras do trovadorismo

Examinando os arquivos da Catedral de Ourense, o

galego-português. Não sabemos, com efeito, quem é

pesquisador viu o nome de Johan Garcia mencionado

este Johan Garcia que aparece identificado nas rubricas

nos documentos relacionados a um litígio familiar

atributivas do Cancioneiro da Biblioteca Nacional

ocorrido em 1268, que permitiriam a confirmação do

como “sobrinho de Nun’ Eanes” (no Cancioneiro da

suposto parentesco (SOUTO CABO, 1994).

Vaticana, aparece indicado apenas como “sobrinho”). Bela cilada esta em que nos deixam os manuscritos, não apresentando qualquer nome de família, seja para o trovador, seja para o seu tio! Como seria inevitável, esses parcos dados ensejaram as mais diversas hipóteses.

Toda essa preocupação com problemas autorais, aliás característica dos estudos da literatura medieval peninsular, acabou por concentrar os estudos realizados sobre a obra atribuída a Johan Garcia; para isso contribuiu, sem dúvida, também sua parca extensão,

Poderia tratar-se de Johan Garcia de Guilhade,

visto que apenas duas cantigas lhe são atribuídas nos

o famoso cavaleiro-trovador português autor de meia

códices: Donas, fezerom ir daqui (B 845, V 431) e A meu

centena de outras cantigas, afirmou Jean Marie D’Heur;

amigo, que eu sempr’amei (B 846, V 432). Por conseguinte,

não obstante, observa António Resende de Oliveira que

enquanto se especulava sobre quem se esconderia sob

essa hipótese não resiste à simples evidência de que as

o nome de Johan Garcia − investigação, sem dúvida,

cantigas de Guilhade comparecem nas diversas seções

necessária −, pouca atenção se deu à sua obra. Se aqui

dos cancioneiros com rubricas atributivas que incluem o

me proponho a apresentar reflexões sobre uma cantiga

nome e o apelido, ao passo que as composições do Johan

desse autor, é justamente a fim de questionar: não há,

Garcia que nos interessa aparecem apenas na seção das

na sua produção poética, algo que justifique leituras

cantigas de amigo, com um registro diverso (o acréscimo

aprofundadas, alguma atenção a análises literárias e

a respeito do parentesco, em vez da mera referência ao

exames mais minuciosos?

nome, como convencional nos cancioneiros organizados por seções), o que pode indicar uma inclusão tardia (OLIVEIRA, 1994, p. 364). Em outra linha, Souto

Fundamentarei minha argumentação em torno do potencial de investigações desse tipo analisando a

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

449

segunda composição mencionada: A meu amigo, que

do qual derivará a primeira concepção moderna do

eu sempr’amei (B 846, V 432), que transcrevo segundo a

sujeito enquanto ser cuja interioridade não pode ser

edição da equipe coordenada por Mercedes Brea (1996,

reduzida à ordem do cosmos. Em pensadores como

p. 437):

Abelardo, já encontraremos a percepção do homem como um microcosmo cuja ordem não pode ser

A meu amigo, que eu sempr’ amei, des que o vi, mui mais ca min nem al foi outra dona veer por meu mal, mais eu, sandia, quando m’ acordei, nom soub’ eu al en que me d’ el vengar, se non chorar quanto m’ eu quis chorar.

explicada meramente por uma filosofia da natureza;

Mai-lo amei ca min nen outra ren, des que o vi, e foi m’ ora fazer tan gran pesar que ouver’ a morrer, mais eu, sandia, que lhe fiz por en? nom soub’ eu al en que me d’ el vengar, se non chorar quanto m’ eu quis chorar.

de subjetivação que se manifestaria, por exemplo, nas

Sab’ ora Deus que no meu coraçon nunca ren tiv’ eu [e]no seu lugar e foi-mi ora fazer tan gran pesar, mais eu, sandia, que lhe fiz enton? nom soub’ eu al en que me d’ el vengar, se non chorar quanto m’ eu quis chorar.

dispensável, percebo ser necessário devido a uma

Aproximei-me dessa cantiga nas pesquisas relacionadas a uma outra obra: a “cantiga de romaria” Fui eu, fremosa, fazer oraçon, de D. Afonso Lopez de Baian (B 738, V 339). O que eu então investigava, a fim de aprofundar a análise dessa última cantiga, eram obras que envolviam a motivação da subjetividade lírica − feminina, é claro, em se tratando de cantigas de amigo − de vingar-se de seu companheiro, tema presente também em cantigas de Fernão Velho (B 819, V 403) e Nuno Trez (B 1201, V 806), por exemplo. Não apresentarei aqui essa pesquisa em detalhes; o que me interessa destacar é que, nesse corpus de cantigas, o tema da vingança emerge como uma estratégia literária para o tratamento da subjetividade, o que por sua vez está relacionado a relevantes transformações no pensamento medieval.

por conseguinte, faz-se necessário pensar uma “filosofia da pessoa”, cujo fundamento é a consciência, o que desvela todo um universo interior que funciona segundo princípios particulares. Disso deriva um movimento práticas penitenciais, com a ênfase na contritio. Neste ponto, julgo pertinente fazer um esclarecimento que, embora a princípio me parecesse questão que me foi apresentada, como possível objeção, durante a apresentação deste texto. Há ainda uma certa resistência de alguns medievalistas − resistência que pode ser atribuída, suponho, a uma eventual desinformação ou falta de atualização bibliográfica − às investigações em torno da “subjetividade”, como se a Idade Média não houvesse produzido e conhecido concepções de sujeito (que seriam, portanto, um apanágio dos “modernos” e/ ou contemporâneos). Não obstante, algo que vem sendo amplamente demonstrado em tempos recentes é que não só os medievais produziram concepções de sujeito, como também há nelas uma dimensão inovadora em relação às noções aparentemente análogas elaboradas pelos antigos − que evidentemente não podem ser relacionadas de modo imediato ao pensamento medieval, como se esses fossem meros receptores, passivos e acríticos, de um saber herdado. No presente trabalho, utilizo como base para refletir sobre a subjetividade medieval apenas as investigações de Marie-Dominique Chenu − um dos primeiros a explorar esse campo de estudos, ainda que não se trate de um autor dos mais recentes e embora

As mudanças às quais me refiro são o que

seu trabalho permaneça relativamente pouco conhecido

Marie-Dominique Chenu denominou “descoberta

no Brasil. Entre os diversos medievalistas que se vêm

do sujeito” (2006, p. 19). Trata-se de um processo

dedicando a essas questões na atualidade, seria possível

que vinha em desenvolvimento desde o século XII,

destacar nomes como Sarah Kay, Helene Scheck e Dyan Elliott, entre outros.

450

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

A cantiga de D. Afonso Lopez representa um

religiosos para enfocar a dimensão psicológica. Não se

instigante objeto de estudo, justamente por tratar-se de

trata de uma cantiga de romaria; a única referência a

uma cantiga de romaria na qual a voz lírica explicita que

Deus não tem um sentido propriamente religioso. Apesar

sua intenção, ao ir à ermida, não é rezar por sua alma,

disso, parece-me possível tanto compreender a cantiga

mas encontrar-se com seu amigo (como lemos já no

no âmbito daquelas transformações nas estruturas

início da composição: “Fui eu, fremosa, fazer oraçon, /

de pensamento às quais me referi anteriormente

non por mia alma, mais que viss’eu i / o meu amigo [...] “);

quanto, num segundo momento, articulá-la com a

contudo, isso não enseja nenhum sentimento de culpa.

problematização ética antes mencionada, embora não

Reiteradamente, ocorrem passagens que enfatizam o fato

a partir de um fundo teológico. Apresentarei minhas

de que, embora a amiga não cumpra o ritual religioso,

considerações a esse respeito tratando, ao mesmo tempo,

nem por isso deixa de considerar a vontade divina; e o

de alguns pontos que me parecem relevantes em termos

que realmente importa é essa disposição íntima, não o

estéticos.

gesto exterior (em versos como estes: “Fui eu rogar muit’a Nostro Senhor, / non por mia alma candeas queimei, / mais por veer o que eu muit’amei”). Por outro lado, ela age de acordo com o que determina sua consciência, daí derivando a necessidade de efetivar a vingança, legítima precisamente enquanto demanda subjetiva. A amiga compareceu ao encontro marcado, mas seu namorado lá não se encontrava, e ela está certa de que a isso subjaz a traição. Como não vingar-se, dissimulando seus sentimentos, mentindo para si mesma? Vale obser var que, em decorrência das transformações acima mencionadas, e com o “despertar da consciência” − para utilizar a expressão de Chenu −, o que na esfera ética se torna caracterizador do pecado é o ato cometido pelo sujeito contra a própria consciência, independentemente de suas consequências objetivas. É consoante essa perspectiva que atua a subjetividade lírica na cantiga de Afonso Lopez: a vingança não constitui propriamente um erro, na medida em que aquela que a planeja se vê no direito de cometê-la e não percebe um conflito entre esse ato e a vontade divina. Não se trata, é claro, de afirmar que cometer a vingança encerra uma dimensão salvífica, mas de levar até as últimas consequências a noção de que o erro ocorre quando a consciência mente para si mesma; quando o sujeito moral deixa de agir conforme indicam as convicções que lhe parecem autorizadas pelo desígnio divino. No caso de A meu amigo, que eu sempr’amei, precisamos nos desvincular dos questionamentos

O primeiro ponto que eu gostaria de destacar é a figuração da interioridade. Ainda que essa seja uma característica fundamental das cantigas de amigo, que consistem afinal na expressão dos sentimentos de uma subjetividade feminina (ainda que, como sabemos, tenham sido invariavelmente compostas por autores homens), vale perceber como toda a composição de Johan Garcia gira em torno de temas psicológicos. Com efeito, em toda a composição não há qualquer referência concreta a elementos exteriores; a única menção a fatos objetivos diz respeito, precisamente, à suposta traição cometida pelo amigo. Isso se torna claro já na primeira cobra, em que a subjetividade lírica já expõe todo o motivo da composição: o amigo que ela sempre amou, desde a primeira vez em que o viu, e mais que a si mesma ou que a qualquer outra coisa, “foi outra dona veer”; não obstante, quando soube do ocorrido, diante do desejo de vingança que imediatamente a acometeu, nada soube fazer − daí o lamento presente no refrão da cantiga: não sabendo como vingar-se, apenas chorou o quanto pôde. É esse o enredo da composição, que se repetirá três vezes, como o melancólico queixume de uma mulher que luta para admitir o que percebe como sua própria impotência. O que eu gostaria de destacar, neste momento, é o modo como a dinâmica psicológica é figurada na composição. O foco da cantiga é menos o sentimento provocado pela traição do que o conflito interior no qual

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

451

se vê enredada a subjetividade; é como se a intensidade

efetiva. Porque não soube vingar-se, mas apenas chorar,

com a qual o amor foi vivido pela amiga, enfatizada ao

a subjetividade lírica considera haver cometido um erro

longo da composição, devesse ser compensada com uma

imperdoável.

vingança de igual potência − o que, afinal, acabou não ocorrendo. É consigo mesma, reitero, que se embate a amiga; e esse conflito, que se estrutura unicamente no espaço mental, reflete aquela concepção da subjetividade à qual me referi anteriormente.

Embora isso esteja claro ao longo de toda a composição, tomemos a última estância como objeto para uma breve análise ilustrativa. Deus sabe que jamais a jovem permitiu que algo ocupasse o lugar destinado ao amigo em seu coração − este amigo que agora a traiu,

A fim de explicitar essa articulação, é possível

causando-lhe “tam gram pesar”; mas ela, tolamente

evocar, por exemplo, a teoria aquiniana das emoções, que

(“sandia”, o adjetivo repetido em cada uma das estrofes,

as percebe como passiones animae, fundamentalmente

e que enfatiza justamente o dilema psicológico em que se

reativas (que, portanto, em última instância têm uma

encontra a subjetividade poética), o que lhe fez? Nada,

raiz objetiva), mas que dependem de fatores cognitivos;

como já sabemos: não soube como vingar-se; limitou-

como afirma Peter King (2012, p. 209), “a cognição é

se a chorar o quanto quis. E vale enfatizar a construção

essencial para a emoção”. Há, portanto, uma clivagem

textual, que explicita o fato de não ter havido um plano

entre o mundo exterior e o espaço psicológico, sendo

de vingança não realizado; com efeito, o problema é

esse estruturado por uma dinâmica própria. Não

justamente que a vingança sequer pôde ser concebida.

seria possível vislumbrar uma tradução poética disso

E é esse o foco da crise moral expressa ao longo de toda

na expressão “quando m’acordei”, empregada por

a cantiga.

Johan Garcia, divisando aqui aquela “necessidade de salvaguardar a espontaneidade do sujeito” referida por Marie-Dominique Chenu (2006, p. 45)? E não haveria uma notável sensibilidade estética na construção rímica “sempr’amei”/”quando m’acordei”, instaurando já na primeira estância o temário conflitivo central na composição? Igual labor poético pode ser percebido no refrão, em que o par rímico é justamente “vengar”/”chorar”, refletindo o crucial motivo da dor subjetiva. E podemos aqui pensar num desdobramento, decerto já fora do âmbito teológico, da problematização do pecado

À guisa de conclusão, gostaria de destacar que a breve interpretação que aqui proposta não pretende esgotar o texto, mas apenas indicar algumas questões relevantes presentes na composição de Johan Garcia − questões que, a meu ver, podem ser satisfatoriamente desenvolvidas sem que seja necessário empreender uma discussão prévia acerca da identidade do autor da cantiga. Seja quem tenha sido o “sobrinho de Nun’ Eanes”, o fato é que ele foi um homem do seu tempo; e, enquanto autor de uma obra de valor literário, pode fornecer-nos uma interessante via de entrada aos dilemas que compartilhou com os seus contemporâneos.

anteriormente referida. Estamos diante de uma dinâmica análoga, uma vez que o desconforto sentido pela amiga se deve à contradição entre aquela ação que lhe parecia correta e o que ela efetivamente fez; o erro, portanto, está precisamente na sua incapacidade de agir segundo o que determinava a consciência moral − e o fator causador da

Referências bibliográficas BREA, Mercedes (coord.) (1996): Lírica profana galego-portuguesa. Santiago de Compostela: Centro Ramón Piñeiro. v. I.

culpabilidade é menos o gesto (não) cometido do que

CHENU, Marie-Dominique (2006): O despertar da consciên-

as consequências psicológicas da clivagem entre o que

cia na civilização medieval. Trad. Juvenal Savian Filho. São

a amiga julga ser o correto tencionar e a sua intenção

Paulo: Loyola.

452

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

KING, Peter (2012): Emotions. Em: DAVIES, Brian; STUMP,

SOUTO CABO, José António (1994): Achegas documentais

Eleonore. The Oxford Handbook of Aquinas. Nova Iorque:

sobre Nun’Eanes Cerzeo, trovador galego da primeira metade

Oxford University Press.

do século XIII. Em: Studi provenzali e galeghi, 89/94: Romanica

OLIVEIRA, António Resende de (1994): Depois do espectáculo trovadoresco: a estrutura dos cancioneiros peninsulares e as recolhas dos séculos XIII e XIV. Lisboa: Edições Colibri.

Vulgaria Quaderni, 13-14, p. 147-76.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

453

EL USO DE LOS MODOS INDICATIVO/SUBJUNTIVO CON TRES VERBOS DEL ESPAÑOL:

CREER, PENSAR Y SABER

Iandra Maria Weirich da Silva Coelho IFAM

1. Introducción

clase única. Con estos ítems, haremos una comparación entre los usos prescritos por los manuales y gramáticas,

La tradición gramatical reconoce el contraste de

evaluando lo que dicha la norma para la correspondencia

los modos verbales indicativo/subjuntivo en español,

de los modos, mediante la determinación semántica de

a partir de una diferencia de sentido entre las dos

los verbos y los usos encontrados en los datos reales del

formas, con inclinación a uno o otros entornos, en

corpus utilizado.

que el indicativo expresa la realidad, la certidumbre, la objetividad, frente al subjuntivo que refleja la no realidad (ALARCOS LLORACH, 1994 (1949) p. 153), la incertidumbre (GONZÁLEZ CALVO, 1993), la subjetividad (HERNÁNDEZ ALONSO, 1984, p.291296), la subordinación sintáctica (RAE, 1973), entre

La muestra cuenta con datos escritos provenientes de periódicos virtuales de habla hispana. Los datos son sometidos a un tratamiento cuantitativo a través de la ayuda de los programas computacionales WordSmith (Mike Scott, 1998) y SPSS For Windows@.

otros entornos en los que cada uno de estos modos se emplea.

2. Consideraciones teóricas

Tales clasificaciones ni siempre dan cuenta de explicar los usos modales. Por lo tanto, nos proponemos

Según Saeger (2006, p.269) “entre los polos

discutir, en este trabajo, los valores de los modos

positivos y negativos de conocimiento saber y dudar

verbales en español y serán las oraciones subordinadas

existe todo un abanico de modalidades de mayor a

sustantivas, precedidas por negación, las que nos sirven

menor seguridad”. Efectivamente, entre estos ítems, los

como punto de partida para el estudio de tres ítems

más prototípicos para expresar la duda es creer y pensar

léxicos específicos creer, pensar y saber.

que pueden expresar cierta incertidumbre, pero no es

Con el objetivo de analizar el contexto propicio a la presencia del subjuntivo o indicativo, el análisis

su significado principal, y por otro lado para expresar el conocimiento, tenemos saber.

se restringe al grupo semántico de estos tres verbos,

En este trabajo investigamos estos tres ítems, que

considerados por los manuales de la lengua como una

son presentados por los manuales de lengua española

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

454

como pertenecientes a un mismo grupo verbal, o sea,

Por otro lado, para Fernández Álvarez (1987,

para la mayoría de los autores, ellos se clasifican en un

p.35), con la afirmativa, el hablante presenta un hecho

único grupo como verbos de entendimiento, percepción

cualquiera de la oración subordinada con seguridad y

o actividad mental.

con la negativa, la duda se hace presente, y este matiz

De manera general, se consideran como factores de elección de los modos, el contexto semántico del verbo principal y el grupo a que pertenece ese verbo, o sea, se establecen grupos de verbos caracterizados por rasgos significativos corrientes a todos ellos. Adjunto a estos grupos verbales, los autores, en general, mencionan determinados aspectos para encuadrar el uso del modo verbal, tales como el conocimiento que el hablante tiene de los hechos sobre los cuales se habla o hace referencia y el carácter afirmativo o negativo de la oración principal. En este sentido, con la afirmativa, el hablante presenta un hecho cualquiera de la oración subordinada con seguridad. Por otro lado, con la nega-

de inseguridad propicia, en mayor o menor grado, el uso del subjuntivo. El autor cree que ese mecanismo rige el subjuntivo en las construcciones precedidas por la negación. En consonancia con estos autores, Sastre Ruano (1997, p. 78-84) afirma que el grupo de los verbos de actividad mental, cuando afirmativos, llevan el indicativo y si las construcciones son negadas, llevan el subjuntivo. También ratifica que la distinción entre los modos en las cláusulas negadas remete al uso del indicativo si el hablante se compromete con la veracidad del enunciado, y del subjuntivo, cuando no hay este comprometimiento, así como para Borrego et al. (1986).

tiva, la duda está presente y este matiz de incertidumbre

Trás recorrer a los manuales y gramáticas de la

predispone el uso del subjuntivo. En este estudio, selec-

lengua para verificar las reglas impuestas para los ítems

cionamos cuatro posiciones teóricas con respecto al uso

léxicos evaluados, constatamos que ellos se clasifican

de los modos: Borrego et al. (1986), Fernández Alvarez

bajo el mismo rótulo o grupo, como los de “actividad

(1987), Porto Dapena (1991) y Sastre Ruano (1997).

mental, por ejemplo, cuyos rasgos semánticos se

Para Borrego et al. (1986, p.86), cuando los verbos de actividad mental están en forma negativa permiten la alternancia de los modos indicativo y subjuntivo en la oración subordinada, con la delimitación de funciones: i) con el indicativo, hay una carga informativa, cierto comprometimiento del hablante con la verdad del contenido proferido y ii) con el subjuntivo, el hablante no se compromete sobre el valor de verdad de la subordinada. En la misma línea de pensamiento, Porto Dapena (1991, p.119-20) también confirma el uso de ambos los modos en la construcción de las sustantivas, motivados por diferencias semánticas. Según el autor, con el indicativo, el hablante manifiesta su conformidad con la verdad de lo que fue dicho por la oración subordinada, y con el subjuntivo, esta veracidad queda indiferente.

presentan idénticos. Se nota, en general, la aceptación de la idea de significado inherente de naturaleza semántica de los verbos que rigen los modos verbales y además, la presencia de la negación en la oración principal como elementos que influencian en la elección, por parte del hablante, del indicativo o subjuntivo. Teniendo en cuenta estos trazos, pasamos ahora a la comparación con datos reales de lengua. Para hacer esta verificación, adoptamos a nível metodológico, la observación de los usos modales a partir de un corpus de lengua escrita compuesto por datos auténticos de periódicos virtuales de la lengua española, colectados en los años 2005 y 2006. Los ítems léxicos son evaluados separadamente, como posibles recursos disponibles en la lengua para codificar los discursos, conjugando los aspectos formales y funcionales del lenguage con la ayuda del programa WordSmith Tools

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

455

(Mike Scott,1998), que permite manipular los datos y

uso de los modos, o sea, creer, pensar y saber presentan

evaluar las ocurrencias y por conseguiente, el cálculo

variación1.

de las frecuencias de uso hechas mediante el empleo del software SPSS 10.0 FOR WINDOWS@ (Statistical Package for Social Sciences).

Empecemos con el análisis de algunas ocurrencias en que creer hace parte de las construcciones. 1. Acerca de ser una mujer al frente de un club de fútbol, señala que “cuando yo tomé

3. La influencia del ítem léxico

la decisión de entrar al fútbol, no creí que hubiese tanto machismo; cuando ya entro

La tabla 1 enseña la frecuencia del uso de los

es cuando me doy cuenta de ese machismo;

modos verbales correlacionado al ítem léxico, evaluando

así como tu pregunta, esa es la primera

una posible asociación entre ambas las variables.

pregunta de todos, “¿qué hace una mujer en el fútbol?”, como diciéndome: “¿Qué haces

Tabla 1 –Frecuencia y porcentaje de modo verbal y ítem léxico

Ítem Léxico Creer Pensar Saber

Modo Verbal Indicativo Subjuntivo 33 143 18,8% 81,3% 42 33 56,0% 44,0% 39 7 84,8% 15,2%

Total 176 100,0% 75 100,0% 46 100,0%

Con base en el corpus utilizado, el ítem léxico se enseña con resultados muy significativos en el diseño de la variación modal. Los valores demuestran que la manifestación de un modo no está asociada a un ítem léxico específico. Tampoco, se relaciona, a priori, al condicionamiento puramente semántico. Aunque los ítems creer y pensar son considerados, como pertenecientes a un mismo grupo verbal, se nota que creer tiene mayor índice de uso de subjuntivo, lo que no ocurre con pensar, ya que los resultados encontrados

tú si no sabes nada de eso?” (Paraguay: ABC, 12-04-05) De acuerdo con las reglas, en las construcciones en que creer aparece en forma negativa, lleva, normalmente, el modo subjuntivo, y conlleva el matiz de incertidumbre, inseguridad. En la ocurrencia (1) podemos notar que estos matices no son visibles, pues, a través del contexto discursivo en que se encuentra la expresión “no creí”, se puede rescatar pistas dadas por el hablante tales como: “...cuando ya entro es cuando me doy cuenta de ese machismo”, “¿qué hace una mujer en el fútbol?”, o sea enunciados que certifican la existencia del machismo. Este matiz tampoco está claramente visible en la ocurrencia (2). Véanse el ejemplo siguiente. 2. -Borges decía barbaridades del peronismo y era racista. ¿Hubo un cambio de posición

se equiparan mucho (56% y 44%), en el empleo de la

política y social a partir del casamiento;

variante indicativa y subjuntiva, respectivamente. Estos

trataste de influirlo de alguna manera?

valores no se notan para saber que tiene en el indicativo

--Perdoname, pero no creo que Borges

el modo de mayor porcentaje – 84,8%.

fuera racista. Más bien, toda persona que

Comparando estos resultados con las reglas prescritas por los manuales de lengua española aquí mencionados, ni siempre es posible encontrar semejanzas. Tomando como ejemplo este grupo de verbos de “actividad mental”, es posible identificar que los resultados de la tabla 1 no se igualan con relación al

tiende a ser nacionalista, es racista y que yo sepa, Borges era todo lo contrario del nacionalista. Era un hombre abierto al mundo...(Argentina: Diario Los Andes, 09-05-05)

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

456

El hablante, al defender su posición sobre el

En lo que concierne el ítem léxico pensar, los

hecho de que “no cree que Borges fuera racista”, nos

resultados señalan el mayor índice de variación. Los

presenta, en el contexto discursivo, la información de que

valores indican usos de ambas las variantes modales.

“Borges era lo contrario del nacionalismo, por tanto, no

Creemos que esa variación indica que el hablante selec-

podría ser considerado racista”. De esta manera, aunque

ciona una forma en detrimento de otra, correlacionada a

el ítem léxico creer selecciona el modo subjuntivo, no se

la situación comunicativa, motivado por los valores que

puede afirmar, por las pistas contextuales que tenemos

desea transmitir a su interlocutor.

en el enunciado, que el hablante tiene dudas sobre su opinión.

Estamos de acuerdo de que los valores conceptuales del ítem pensar revelan algunos rasgos semejantes,

Si el subjuntivo es considerado únicamente como el modo de la inseguridad, de la no realidad, estos hechos exhibidos tendrían que ser presentados como irreal, falso, en (1), o dudoso, en (2), pero eso no ocurre.

y de manera general, expresan opinión, así como creer. En (3), el subjuntivo que aparece en la oración introducida por la expresión no pienso que, no parece identificar el uso del modo subjuntivo relacionado a

La postura categórica defendida por la tradición

la duda, a la inseguridad. El discurso del hablante, por

gramatical y por los manuales de la lengua de que hay

consiguiente, “sino todo lo contrario, me ratifico en todo

una correlación de uso del subjuntivo para codificar

lo dicho”, señala la posición segura del hablante ante lo

eventos improbables, hipotéticos, subjetivos, tampoco

mencionado. Siguiendo el análisis del contexto comu-

caracteriza de manera eficaz la variante subjuntiva en las ocurrencias seguientes con el verbo pensar. 3. El secretario de Organización y Finanzas de ERC, Xavier Vendrell, ha dicho la pasada noche, respecto al anuncio de CiU de que se querellará contra él si no rectifica unas declaraciones, que “yo no tengo nada que rectificar, me ratifico, y pido que se investiguen los donativos anónimos a CiU”.”Nos cuesta de creer -ha añadido– que cuando CiU recibió entre los años 1993 y 1998 un total de 1.600 millones de pesetas en concepto de este tipo de donativos, ellos no sepan quién los ha hecho, porque el dinero no cae por arte de magia”.Según ha indicado esta noche Xavier Vendrell

nicativo, podemos verificar pistas discursivas, en que el elemento de que se habla en el enunciado subrayado ya había sido informado anteriormente, y en este caso, presuponemos el uso del modo subjuntivo para puntualizar las informaciones conocidas por el interlocutor. Para Matte Bom (1992, p. 49), la principal característica del subjuntivo es el hecho de ese modo verbal no presentar informaciones nuevas, pues, de acuerdo con el autor, “el enunciador pone los verbos en subjuntivo cuando sólo se quiere referir a la relación entre un sujeto y un predicado, sin dar informaciones sobre el sujeto del verbo”. Aún relacionado a las oraciones subordinadas, tanto los manuales como gramáticas de la lengua acentuan la influencia del elemento negativo para el uso del subjuntivo.

en declaraciones , “no pienso que haya

No descartamos tal influencia, ya que las

nada que rectificar, sino todo lo contrario,

negativas, en contraste a las afirmativas, presentan alto

me ratifico en todo lo dicho” y “deseo

indicio de uso de este modo. Sin embargo, nuestros

que se investigue la procedencia de estos

resultados revelan que este trazo no da cuenta de explicar

donativos anónimos”. (España: La Voz de

la variación encontrada.

Galicia, 26-02-05)

Véanse la ocurrencia siguiente:

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

457

4. Luis López, 1º en la serie 16-17 años,

negativo no es un contexto propicio del modo subjuntivo

argentino: “Estuvo muy bueno y estoy

en estos casos. Creemos que este ítem léxico se comporta

muy contento de haber ganado. Era una

de manera distinta, pues cuando negado, desencadena

competencia muy difícil para mí. Lo más

el significado de desconocimiento de la información.

complicado fue el ciclismo, había mucho

Véanse la próxima ocurrencia:

viento y lluvia y no se podía ver nada. Hice lo posible para poder mantenerme en la bicicleta”. Mauricio Olivares, 1º en la categoría 18-19 años, chileno: “La competencia estuvo muy dura, me costó mucho el ciclismo. En realidad no pensé que podía ganar esta carrera. La lluvia y el frío fue lo más difícil”. (Chile: El Diario Austral, 30-01-05) En (4) se verifica la concretización de la acción mencionada “haber ganado la carrera”. Con la construcción “no pensé”, el hablante no parece tener la intención de exponer la subjetividad o la inseguridad de lo que piensa, sino lo contrario, atribuir otros entornos como la objetividad, la realidad del hecho, y presentar, por la primera vez su opinión en el contexto discursivo señalando una posible información relevante. Tenemos, pues, que el ítem léxico pensar, al igual que creer, en conformidad con los resultados obtenidos, presenta dos tipos de significados o funciones: i) cuando el hablante quiere dar su opinión a respecto de un contenido proposicional, retomando el asunto abordado, en general, con el uso del subjuntivo; y ii) cuando quiere

5. “Dos semanas después que renuncié a la presidencia de la República tuve conocimiento de que contaba con un koseki. No sabía que mi padre me había registrado en el consulado japonés, cuando yo había nacido”, declaró. Luego agregó: “Fui un afortunado”. (Perú: La República, 03-11-05) (5) ilustra los casos en que el ítem léxico saber, precedido por la negativa, fue encontrado con el indicativo. La información dada “no sabía que me había registrado” revela que la información no era conocida hasta el momento de la enunciación, enfatizando la importancia del valor informativo, desde una perspectiva comunicativa. En la mayoría de las ocurrencias, cuando aparece el uso del indicativo con saber, notamos este tipo de atributo funcional en dar enfásis a una información desconocida. De la misma manera que el significado transmitido mediante el uso de la construcción con el ítem léxico pensar, conforme el ejemplo presentado en (4) “no pensé que podía ganar esta carrera”.

dar énfasis en el desconocimiento de la información a

Estos casos evidencian que el uso de los modos

que se refiere su interlocutor, como en la ocurrencia (4),

no puede ser explicado apenas a partir de clasificaciones

en general, con el indicativo.

puramente semánticas, ya que los resultados señalan

En enunciados como éste, se impone una determinada organización comunicativa en que el

que el verbo de la oración principal no determina el uso categórico de un modo verbal específico en español.

hablante resalta el desconocimiento sobre el hecho ocurrido, o sea, “la posibilidad de ganar la corrida”, presentado como un dato relevante a sus interlocutores.

4. Consideraciones finales

El ítem léxico saber, por su vez, se presenta de

Conforme verificamos en este estudio, la

manera distinta de los otros dos, pues expone apenas

explicación usual para la alternancia modal es de que

siete (7) ocurrencias de modo subjuntivo. El elemento

hay una diferencia de sentido entre las formas modales:

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

458

con el indicativo se expresa la realidad de un hecho, la

FERNÁNDEZ ÁLVAREZ, Jesús (1987): El Subjuntivo. 7ª ed.

objetividad y con el subjuntivo, caracterizado como el

Madrid: Edi-6.

modo de la subordinación por la gramática tradicional, la subjetividad, la eventualidad. Además de estas clasificaciones, los usos del modo indicativo y subjuntivo ser relacionan a las subordinadas afirmativas y negativas, respectivamente. Sin embargo, los resultados demuestran una distribución distinta de los usos modales para cada uno de los ítems léxicos evaluados, indicando, por lo tanto,

GONZÁLEZ CALVO, José Manuel (1993): Sobre el modo verbal en español. En: Anuario de Estudios filológicos, XVIII, Universidad de Extremadura, p. 177-203 HERNÀNDEZ ALONSO, César (1984): Gramática funcional del español. Madrid: Gredos. MATTE BON, Francisco (1992): Gramática comunicativa del español. España: Edelsa.

que la naturaleza semántica de los verbos no es el aspecto

PORTO DAPENA, José Álvaro (1991): Del indicativo al sub-

principal capaz de explicar el uso del modo verbal en las

juntivo: valores y usos de los modos del verbo. Madrid: Arco/

oraciones subordinadas sustantivas. El análisis revela

Libros.

aún que el efecto del elemento de negación no interviene únicamente en la elección modal. De manera general, es posible constatar la necesidad de otros factores lingüísticos en el análisis de los usos modales, tales como el valor informativo presente en el contexto discursivo, para identificar los entornos favorecedores del uso modal, en busca de relaciones que confirmen las condiciones de uso de cada modo. A partir de los resultados, notamos la influencia significativa del rasgo pragmático-discursivo, en que el subjuntivo está correlacionado a informaciones disponibles contextualmente, en oposición al indicativo, que aparece en la mayoría de los casos en que el hablante evidencia informaciones nuevas.

Referencias bibliográficas ALARCOS LLORACH, Emilio (1994): Gramática de la lengua española. Madrid: Espasa Calpe. SAEGER, Bram (2006): Evidencialidad y modalidad epistémica en los verbos de actitud proposicional en español. Interlinguística, 17, p.268-277. BORREGO, J.; ASENCIO, J. G.; PRIETO, E. (1986): El subjuntivo: valores y usos. Madrid: Sociedad General Española de Librerías.

REAL ACADEMIA ESPAÑOLA (1973): Esbozo de una nueva gramática de la lengua española. Madrid: Espasa Calpe. SASTRE RUANO, Maria Ángeles (1997): El subjuntivo en español. Salamanca: Ediciones Colegio de España. SCOTT, Mike (1998): WordSmith tools version 4.0. SILVA, Iandra Maria (2005): Indicativo e Subjuntivo em espanhol: norma e uso na imprensa escrita. UFSC: Florianópolis. Disertación (Maestría en Lingüística) – Programa de Pós Graduación en Lingüística, Universidad Federal de Santa Catarina. SPSS for Windows (2001): Statistical Package for Social Sciences.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Note 1 En Silva (2005) es posible encontrar el análisis de otras construcciones a partir de la comparación entre las normas provenientes de manuales didácticos y datos reales resultantes de periódicos de habla hispánica.

459

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

460

O DIÁRIO DE ANA OZORES: A ESCRITA COMO EXPRESSÃO DA SUBJETIVIDADE FEMININA EM LA REGENTA

Isabela Roque Loureiro UFRJ

Em O espaço biográfico: dilemas da subjetividade

a profundidade da personagem que escreve, ou seja,

contemporânea, Leonor Arfuch (2010) afirma que

daquela que transporta suas representações mentais

a pluralidade das formas que integram o espaço

à escrita, configurando-as textualmente num espaço

biográfico− essencial não só para a afirmação do

onde um “eu prisioneiro de si mesmo... proclama para

sujeito moderno como também para definir a fronteira

poder narrar sua história, que ele (ou ela) foi aquilo que

imprecisa entre o público e o privado e, por conseguinte,

hoje escreve” (POZUELO YVANCOS, 2005, p.33-34.

a nascente articulação entre o individual e o social−

Tradução nossa)1.

oferece um aspecto comum: “elas contam, de diferentes modos, uma história ou experiência de vida” (ARFUCH, 2010, p.111). Para a autora, a percepção do caráter configurativo das narrativas, em especial as autobiográficas e vivenciais, se articula, quase de modo implícito, com o caráter narrativo da experiência, o que muito se relaciona à proposta de Paul Ricouer, ao comentar que as nossas experiências não só devem como também têm o mérito de serem contadas: “Contamos histórias porque afinal de contas as vidas humanas precisam e merecem ser contadas” (RICOUER, 1994, p.116). E por ser a personagem central de La Regenta uma grande leitora e produtora de textos confessionais, atribuiremos, neste artigo, um significativo enfoque ao diário íntimo, que “cobre o imaginário de liberdade absoluta, cobiça

Acreditamos que os diários íntimos, no processo de construção da identidade da mulher, são extremamente pertinentes, visto que constituem uma das primeiras formas de auto-representação do “eu” feminino. Leonor Arfuch (2010), assim como Bakhtin (1992) em Questões de literatura e de estética, também destaca a importância dos gêneros primários nessa construção narrativa da identidade, comentando que: “(...) por meio deles se tece em boa medida a experiência cotidiana, as múltiplas formas como, dialogicamente, o sujeito se “cria” na conversa” (ARFUCH, 2010, p.80), demonstrando a possibilidade de serem esses gêneros determinantes na objetivação da “vida” como vivência e totalidade.

qualquer tema, dá insignificância cotidiana à iluminação

Para Alain Girard (1996), “entre todos os

filosófica, dá reflexão sentimental à paixão desatada”

textos escritos, nenhum pode informar melhor sobre

(ARFUCH, 2010, p.143), no intuito de melhor traduzir

a imagem do eu que os escritos em primeira pessoa”

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

461

(Ibidem, p.38. Tradução nossa)2. Foi, portanto, por

pessoas comuns que, sem necessidade de mediação

intermédio de gêneros discursivos como esses que as

jornalística ou científica, podem agora expressar livre

mulheres registraram acontecimentos próximos ao

e publicamente os tons mutantes da subjetividade

momento da escrita. Revelaram-nos os seus interesses

contemporânea” (ARFUCH, 2010, p.150).

individuais, familiares e políticos, ao mesmo tempo em que davam testemunho dos costumes e das opiniões, proporcionando uma visão muito pessoal da época e do ambiente em que elas viveram.

No entanto, diferentemente desses diários virtuais e de outros tipos de gêneros confessionais publicados inegavelmente no intuito de serem lidos pelo público leitor− como foi o caso das epístolas do estadista

José Manuel González Herrán (2002), em “Ana

argentino Juan Domingo Perón, que intencionalmente

Ozores, La Regenta: escritora y escritura”, afirma que

as escrevia com o objetivo de construir uma imagem

a escrita deve ser compreendida como “meio indireto

positiva de sua pessoa−, os diários íntimos, a princípio,

de expressar, mediante uma adequada retórica, coisas

não apresentam essa explícita intencionalidade, pelo

difíceis de dizer em viva voz” (Tradução nossa) 3.

contrário, resguardam silenciosamente a vida de seu

Nós, no entanto, a vemos como um meio direto de

autor, “dos quais talvez nada se saiba, calada a sua voz”

expressão, em especial daquilo que não se tem coragem

(Ibidem, p. 143). E é justamente desse diário, escrito na

de pronunciar pessoalmente. Entendemos a escrita, tal

intimidade com a ideia de não ser publicado, que nos

como o discurso oral, como uma das mais expressivas

ocuparemos nas análises seguintes.

e imediatas vias de acesso ao interior do indivíduo, o que permite que nós, leitores, ampliemos significamente nossos conhecimentos sobre ele, a partir do que ele próprio escreveu.

Das leituras realizadas sobre o diário íntimo− gênero em que as atividades e as impressões de um sujeito frente a si mesmo são registradas conforme o passar dos dias (CATELLI, 1996, p.87.)− notamos que grande parte

No artigo “El diario personal: una investigación

dos teóricos estudados por nós procura assinalar o que

(1986-1996)”, Philippe Lejeune, após um portentoso

Anna Caballé (1996) comenta tão primorosamente em

estudo sobre as práticas do diário na França, comenta

seu artigo “Ego tristis, el diario íntimo en España” sobre

que:

o fato de o diário estar desprendido não só de interação (...) muita gente imagina que cultivar um diário é um costume fora de moda, que caiu em desuso. Eu sustento a hipótese inversa: a prática do diário está ligada à escolarização dos adolescentes. A escola obrigatória para todos, e o prolongamento dos estudos, acaba por desenvolvê-la (LEJEUNE, 1996, p.61. Tradução nossa)4.

Hoje, quinze anos após a divulgação dos resultados dos estudos de Lejeune (1996) sobre a prática do diário íntimo, deparamo-nos, além dos tradicionais diários, com novas formas de escritas confessionais. Com o significativo avanço da tecnologia, mais especificamente da internet, surgem cada vez mais gêneros, tais como os blogs, destinados a “popularizar novas modalidades das (velhas) práticas de escrita das

social− uma vez que, diferentemente da carta, não exige a presença de um destinatário− como também de limitações técnicas ou artísticas, visto que não há, por parte do diarista, nenhuma intenção de publicá-lo. Vejamos: O diário costuma se apoiar em uma escrita de grande pureza, no sentido de que em sua organização e estrutura não estão presentes as ataduras impostas à estrutura literária: não há interação social, não há outro interlocutor que aquele mesmo que escreve, nem tampouco limitações técnicas ou estilísticas que obriguem ao diarista a acomodar seu discurso a determinadas convenções formais− ainda que éticas e sociais (CABALLÉ, 1996, p.101. Tradução nossa)5.

Entretanto, é preciso comentar que essa notável sensação de liberdade que sugere o gênero diário íntimo

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

462

aos escritores seria absoluta se não fosse a necessidade de

El Vivero, mayo 1…

registrar os dias em que suas memórias foram escritas. Referimo-nos, aqui, à visceral relação do diário com o calendário. E foi dessa perspectiva que nos pareceu interessante considerar o que afirma Maurice Blanchot (1996) em seu ensaio intitulado “El diario íntimo y el relato”, no intuito de justificar a existência de um pacto que sacraliza essa significativa correspondência, essencial na compreensão do gênero: O diário íntimo, que parece tão desprendido das formas, tão dócil diante dos movimentos da vida e capaz de todas as liberdades, já que pensamentos, sonhos, ficções, comentários de si mesmo, acontecimentos importantes, insignificantes, todo lhe convém, na ordem e desordem que se queira, está submetido a uma cláusula de aparência leviana pero temível: deve respeitar o calendário. Este é o pacto que sela. O calendário é seu demônio, o inspirador, o compositor, o provocador e o guarda. Escrever seu diário íntimo significa colocar-se momentaneamente sob o amparo dos dias comuns, colocar o escritor sob essa mesma proteção, e significa proteger-se contra a escrita submetendo-a a essa regularidade feliz que o indivíduo se compromete a manter (Ibidem, p.47. Tradução nossa)6.

Inúmeros são os motivos que levam um indivíduo a escrever um diário. Roland Barthes (1984), em Délibération. Le bruissement de la langue, comenta que a motivação para a escritura de um diário pode provir de quatro motivos: poético, uma vez que o principal é a escritura pessoal; histórico, em razão dos vestígios do tempo; utópico, por ascender à realidade do escritor; e o amoroso, por transformar o diário em uma oficina de frases exatas: fetichismo da linguagem (BARTHES, 1984, págs.: 424-425). Em La Regenta, o longo período de permanência em casa e a carência de amigos verdadeiros a quem Ana Ozores pudesse confidenciar coisas íntimas de sua vida foram, sem dúvida, as razões que a motivaram a dedicarse à escritura do diário. Vejamos um fragmento do livro de memórias de Ana Ozores, presente no capítulo XXVII da obra, com o objetivo de melhor conhecer a profundidade da personagem:

(…) Llueve todavía. No importa. Todo el diluvio no me arrancaría hoy un gesto de impaciencia. La ventana está cerrada, los regueros del agua resbalando por el cristal me borran el paisaje. Víctor ha salido con Frígilis (segunda visita del buen Crespo, el único grande hombre que conozco de vista.) Bajo un paraguas de Pinón de Pepa – el casero de los marqueses – recorren, como cobijados en una tienda de campaña, el bosque de encinas que mi marido llama siempre seculares. Van a comprobar no sé qué experimento de química, invención de Frígilis, según él. Dios les haga felices y les conserve los pies secos. Hoy me siento inclinada a la historia, a los recuerdos. No los temo. Poco más de cinco semanas han pasado y ya me parece de la historia antigua todo aquello. ¡Qué tres días! Yo me figuraba estar prostituida de un modo extraño (aquí la letra de la Regenta se hace casi indescifrable para ella misma.) ¡Todo Vetusta me había visto los pies desnudos, en medio de una procesión, casi del brazo de Vinagre! ¡Y tres días con los pies abrasados por dolores que me avergonzaban, inmóvil en una butaca! Llamé a Somoza que se excusó. Vino el sustituto Benítez, silencioso, frío; pero comprendí que me observaba con atención cuando yo no le miraba. Debía de creer que yo me iba volviendo loca. Él lo niega, dice que todo aquello lo explica la exaltación religiosa y la exquisita moralidad con que decidí sacrificarme al bien del que creía ofendido por mis pensamientos y desaires. Benítez cuando se decide a hablar parece también un confesor. Yo le he dicho secretos de mi vida interior como quien revela síntomas de una enfermedad. Conocía yo cuando le hablaba de estas cosas, que él, a pesar de su rostro impasible, me estaba aprendiendo de memoria... El mal subió de los pies a la cabeza. Tuve fiebre, guardé cama... y sentí aquel terror... aquel terror pánico a la locura. De esto no quiero hablar ni conmigo misma. Lo dejo por hoy; voy al piano a recordar la Casta diva... con un dedo (ALAS, 1998, págs.: 801-802).

Ana encontra-se em paz consigo mesma, e nem o mau tempo é capaz de tirar-lhe o sossego e a tranquilidade. O relato é iniciado por uma breve descrição do tempo chuvoso que fazia naquele primeiro de maio e de acontecimentos que ocorreram no dia, tais como o passeio de Quintanar e Frígilis, que, segundo a personagem, é o único grande homem que conhecia. Mais adiante, o teor da narrativa vai se aprofundando, assumindo novos contornos. Ana passa, então, a tratar de assuntos mais complexos, relativos à sua interioridade. Ozores começa a discorrer sobre como se sentia naquele

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

463

dia: estava propensa a recordações, a lembranças e todas

dinâmica que penetra no interior do presente e interage

elas se relacionavam especificamente ao episódio da

com ele. Dessa forma, o que sucedeu no passado muito

sexta-feira Santa, em outras palavras, à sua aparição na

contribui para dar sentido à posteridade e se funde

procissão vestida de nazarena e com os pés descalços.

em uma forma de presença, de presente, perspectiva

A crise nervosa havia passado, entretanto, as sequelas permaneciam. Ana, além de envergonhada, sentiu-se literalmente prostituída pelo confessor: “Yo me figuraba estar prostituida de un modo extraño (aquí la letra de la Regenta se hace casi indescifrable para ella misma)” (Ibidem, p.802), e o comentário do narrador a respeito da caligrafia de Ana, feito entre parênteses, corrobora expressivamente essa negativa impressão que a personagem teve de si. O que anteriormente fora visto por ela como grande prova de devoção, hoje, no momento real da escrita, “le parecía una especie de sacrificio babilónico, algo como entregarse en el templo de Belo para la vigilia misteriosa” (Ibidem, p.802). E a propósito desse momento da escrita da personagem, não poderíamos deixar de considerar a importância de dois significativos conceitos: o de tempo, que, segundo Leonor Arfuch (2010, p.112), fundamentando-se na concepção de Paul Ricoeur (1994), torna-se humano na medida em que é articulado sobre um modo narrativo:

igualmente discutida por Jean-Philippe Miraux, na obra La autobiografía. Las escrituras del yo (2005, p.16. Tradução nossa), ao afirmar que o diário é um gênero que se propõe como atualização do presente. Vejamos: O diário enlaça o fio da existência; não recompõe o curso de uma vida, não é uma anamnese (uma evocação voluntária do passado), mas sim o paciente e meticuloso inventário de uma vida dia a dia. Não vai desde o presente ao passado, mas sim que se realiza no instante da enunciação mais ou menos instantânea; inclusive, ainda que emprega a mediação da escrita, arraiga no imediatismo7.

No fragmento citado do diário de Ana Ozores, também a vemos comentar sobre a visceral importância do jovem médico na sua vida. Nele, Ana escreve o primeiro encontro que tivera com Benítez, que veio substituindo Somoza, o antigo médico da família. No relato, a personagem descreve suas primeiras impressões sobre o doutor, que para ela podia ser definido através dos adjetivos: silencioso, frio e muito observador. Com o tempo, Ana adquire confiança em Benítez, que, segundo ela, muito se parecia com um

Falar do relato, então dessa perspectiva, não remete apenas a uma disposição de acontecimentos – históricos ou ficcionais – numa ordem sequencial, a uma exercitação mimética daquilo que constituiria primariamente o registro da ação humana, com suas lógicas, personagens, tensões e alternativas, mas à forma por excelência de estruturação da vida e, consequentemente, da identidade.

confessor. Passa, então, a confidenciar-lhe tudo, inclusive

E o de temporalidade− conceito que determina,

fruto da exaltação religiosa e não da loucura. Consciente

hoje, a forma da narrativa e dos processos históricos−,

dos reais motivos que a levaram à instabilidade física

visto que a forma da temporalidade do diário é sempre

e mental, Ana procura, então, adotar um novo estilo

uma forma de presença. Assim, o diário é passado

de vida. Começa a desfazer-se de velhos e enfadonhos

presente. Tem como dominante de sua estrutura a

hábitos, cultivados especialmente em nome do fanatismo

convocatória pela escrita da presença do passado, não

religioso, e passa a ocupar-se com atividades revigorantes

remetendo nunca ao passado como um todo.

que lhe proporcionavam bem estar e prazer.

os seus mais íntimos segredos, o que, por sua vez, permitia que o médico a conhecesse melhor. Ana Ozores comenta-lhe sobre o medo de estar enlouquecendo, e o médico é categórico em afirmar que a crise nervosa, desencadeada após a procissão, fora

Pozuelo Yvancos (2005) afirma que o passado

Outro pertinente fragmento do diário da

não é inerte, não é história, mas sim presença constante,

personagem encontra-se no capítulo XXVII de La

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

464

Regenta. Nele, Ana Ozores revela-nos sua felicidade, sua

A partir de uma escrita despretensiosa e

indiscutível alegria, condição que coincide com a chegada

desprovida de aspirações literárias, a personagem

da primavera, estação de muito calor, de muitas cores

clariniana Ana Ozores, através do diário que conservava

e de muita luz. A personagem, até então atormentada

com tanto esmero, descreveu sua perspectiva de mulher

por medos e aflições provenientes, sobretudo, de uma

dentro da sociedade predominantemente patriarcal do

educação arbitrária e repressora, é invadida por uma

século XIX, o que nos proporciona uma visão muito

contagiante sensação de gozo, de prazer, que lhe mostra

significativa sobre os aspectos singulares de sua natureza

o quanto a vida pode ser aprazível. Vemos, portanto, uma

acentuada.

nova imagem, uma Ana Ozores mais convicta e firme, enfim, radiante por ter descoberto a tão esperada paz e tranquilidade. Citamos:

La Regenta é um romance polifônico por excelência. Além da voz do narrador, deparamo-nos também com outras vozes, as das personagens, e um

Vida excelente. La primavera entró en mi alma. Madrugo. El baño me fortifica y me alegra el espíritu. Tendida en la pila, con la mano en el grifo, dejo que el agua tibia me enerve, y la fantasía como en sopor se detiene en imágenes plásticas tranquilas y suaves. Después tiemblo dentro de la sábana y vuelvo gozosa al calor de mi cuerpo, contenta de la vida que siento circular por mis venas. La cabeza está firme; jamás vienen a mortificarme ideas sutiles, alambicadas... Pienso poco, vagamente, y los pormenores de los accidentes ordinarios que me rodean absorben lo mejor de mi atención. Benítez puede estar satisfecho. Así la salud volverá con más fuerza. Vivir es esto: gozar del placer dulce de vegetar al sol (ALAS, 1998, págs.: 808-809).

dos grandes engenhos do autor foi justamente utilizar

Outro notável exemplo é o fragmento em que

ALAS, Leopoldo (1998): La Regenta. 26ª ed. Prólogo de

Ana Ozores escreve sobre o marido, Víctor Quintanar. Por mostrar-se mais carinhoso e cuidadoso com ela, a personagem afirma estar muito feliz com a presença atuante do esposo na casa de campo dos marqueses de

o diário íntimo, dentro da narrativa de La Regenta, para traduzir diretamente a voz, o discurso de Ana Ozores. Sendo assim, nossa intenção foi apresentar o diário íntimo como uma importante fonte de estudo para a análise da subjetividade da personagem clariniana que, por intermédio dele, registrará suas mais pessoais e particulares impressões sobre a vida.

Referências bibliográficas

Ricardo Gullón. Madrid: Alianza Editorial. ARFUCH, Leonor (2010): O espaço biográfico: dilemas da subjetividade contemporânea. Rio de Janeiro: EDUERJ.

Vegallana. O comentário sobre esse novo comportamento

BAKHTIN, Mikhail (1993): Questões de literatura e de estética.

do antigo regente de audiência revela-nos um importante

São Paulo, UNESP.

entrosamento entre ambos, até então inexistente devido ao tratamento paternal de dom Víctor. Vejamos o que comenta Ana Ozores sobre o posicionamento do marido e sobre a alegria de tê-lo por perto:

BARTHES, Roland (1984): Délibération. Le bruissement de la langue. Essais Critiques IV. Paris: Éditions du Seuil. BLANCHOT, Maurice (1996): El diario íntimo y el relato. Em: Revista de Occidente (El diario íntimo – Fragmentos de diarios

Quintanar es feliz. ¡Y es tan bueno! ¡Cómo me cuida! ¡qué agasajos, qué mimos! Parece otro. Piensa más en mí que en la marquetería. ¡Pasa días enteros sin serrar nada! No hay alma que no tenga su poesía en el fondo. Su alegría es demasiado bulliciosa, pero es sincera. Yo no podría vivir aquí sin él. Imagínole ausente, me veo aquí sola y tengo miedo y siento la soledad... Luego no me estorba, luego su compañía me agrada (Ibidem, págs.: 809-810).

españoles 1995-1996). Julio-Agosto 1996. Nº. 182-183. p.47-54. CABALLÉ, Anna (1996): Ego tristis (El diario íntimo en España). Em: Revista de Occidente (El diario íntimo – Fragmentos de diarios españoles 1995-1996). Julio-Agosto 1996. Nº. 182-183. p.99-120.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

465

CATELLI, Nora (1996): El diario íntimo: una posición

LEJEUNE, Philippe (1996): La práctica del diario personal:

femenina. Em: Revista de Occidente (El diario íntimo –

una investigación (1986-1996). Em: Revista de Occidente (El

Fragmentos de diarios españoles 1995-1996). Julio-Agosto

diario íntimo – Fragmentos de diarios españoles 1995-1996).

1996. Nº. 182-183. p: 87-98.

Julio-Agosto 1996. Nº. 182-183. p: 55-75.

GIRARD, Alain (1996): El diario como género literario.

MIRAUX, Jean-Philippe (2005): La autobiografía. Las

Em: Revista de Occidente (El diario íntimo – Fragmentos de

escrituras del yo. Buenos Aires: Nueva Visión.

diarios españoles 1995-1996). Julio-Agosto 1996. Nº. 182-183. p. 31-38.

POZUELO YVANCOS, José María (2005): De la autobiografía. Teoría y estilo. Barcelona: Crítica.

GONZÁLEZ HERRÁN, José Manuel (2002). “Ana Ozores, La Regenta: Escritora y escritura”. Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2007. Disponível em: http://www.cervantesvirtual.

RICOEUR, Paul (1994): Tempo e narrativa. Trad. Constança César. São Paulo: Papirus.

com/servlet/SirveObras/08141685479725217427857/index. htm. Acessado em 05/11/2010.

Notas 1 “yo prisionero de sí mismo... proclama para poder narrar su historia, que él (o ella) fue aquello que hoy escribe”. 2 “entre todos los textos escritos, ninguno puede informar mejor sobre la imagen del yo que los escritos en primera persona”. 3 “medio indirecto de expresar, mediante una adecuada retórica, cosas difíciles de decir en viva voz”. 4 “mucha gente se imagina que llevar un diario es una costumbre pasada de moda, que ha caído en desuso. Yo sostengo la hipótesis inversa: la práctica del diario está ligada a la escolarización de los adolescentes. La escuela obligatoria para todos, y la prolongación de los estudios, no han podido sino desarrollarla”. 5 “El diario suele apoyarse en una escritura de gran pureza, en el sentido de que en su organización y estructura no están presentes las ataduras impuestas a la estructura literaria: no hay interacción social, no hay otro interlocutor que uno mismo, ni tampoco limitaciones técnicas o estilísticas que obliguen al diarista a acomodar su discurso a determinadas convenciones formales− aunque sí éticas y sociales”. 6 “El diario íntimo, que parece tan desprendido de las formas, tan dócil ante los movimientos de la vida y capaz de todas las libertades, ya que pensamientos, sueños, ficciones, comentarios de sí mismo, acontecimientos importantes, insignificantes, todo le conviene, en el orden y desorden que se quiera, está sometido a una cláusula de apariencia liviana pero temible: debe respetar el calendario. Este es el pacto que sella. El calendario es su demonio, el inspirador, el compositor, el provocador y el guardia. Escribir su diario íntimo significa ponerse momentáneamente bajo el amparo de los días comunes, poner al escritor bajo esa misma protección, y significa protegerse contra la escritura sometiéndola a esa regularidad feliz que uno se compromete a mantener”. 7 “El diario enlaza el hilo de la existencia; no recompone el curso de una vida, no es una anamnesis (una evocación voluntaria del pasado), sino el paciente y meticuloso inventario de una vida día a día. No va desde el presente al pasado, sino que se realiza en el instante de la enunciación más o menos instantánea; incluso, si bien emplea la mediación de la escritura, arraiga en la inmediatez”.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

466

UN NIÑO GRANDE: A FICCIONALIZAÇÃO DE JORGE LUIS BORGES EM LAS LIBRES DEL SUR

Isis Milreu PG-UNESP-UFCG)

Palavras iniciais

Weinhardt (1998) afirma que ficcionalizar um escritor não é um acontecimento recente na literatura ocidental.

Além de ser um reconhecido escritor e de protagonizar vários estudos críticos e biográficos, Jorge Luis Borges também é personagem de diversas ficções contemporâneas. De acordo com Pablo Brescia (2008), atualmente há uma tendência a literaturizar o escritor argentino, ou seja, em transformá-lo em objeto literário. O estudioso aponta que esse processo começou com Borges, quem “[…] se adelantó a Barthes, a Foucault, a Giardinelli y a Avilés Favila en anunciar la muerte del autor y luego se hizo personaje de sus textos. Comenzó

A autora também assinala que as narrativas que literaturizam um escritor dialogam não só com a obra do autor ficcionalizado, mas também com a história da literatura. Antonio Roberto Esteves (2010, p.123) acrescenta que a literaturização de um escritor é uma maneira de relê-lo, além de discutir “[…] importantes questões literárias, como a construção do cânone literário ou o papel do leitor e da crítica na construção e manutenção desse cânone.” Tendo em vista essas considerações, analisaremos

a desautorizarse, fue irreverente con él mismo y se

nesse trabalho a ficcionalização de Jorge Luis Borges no

autotransformó en objeto literario.” (BRESCIA, 2008,

romance Las libres del Sur (2004), da escritora argentina

p.141). Assim, o crítico demonstra que o próprio escritor

María Rosa Lojo. Desse modo, examinaremos como o

argentino é o “culpado” de sua crescente ficcionalização.

autor argentino foi representado, investigando o diálogo

Quando olhamos a produção literária contemporânea, particularmente a latino-americana, percebemos que após a iniciativa de Borges em

com a poética borgeana e a história da literatura, bem como as questões literárias problematizadas no romance de Lojo.

converter-se em personagem, sua literaturização tornou-se uma verdadeira “[…] enfermedad que sigue contagiando a lectores y escritores.” (BRESCIA, 2008, p.139). Por isso, pensamos que vale a pena estudar esse fenômeno literário.

Un niño grande María Rosa Lojo é escritora, pesquisadora do CONICET (Consejo Nacional de Investigaciones

Apesar da atual proliferação de obras que

Científicas y Técnicas) e professora do curso de

transformaram Borges em objeto literário, Marilene

Doutorado da Universidad de Salvador. Publicou 23

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

467

livros no decorrer de sua reconhecida carreira literária e

que viajou para a Argentina em busca de seu irmão,

acadêmica. Uma das marcas de sua produção ficcional é

o qual tinha saído, repentinamente, da Espanha. Em

o trânsito por vários gêneros literários, visto que é autora

sua investigação, Carmen penetra no meio intelectual

de poemas, contos e romances. Entre as condecorações

portenho e conhece diversos escritores e, entre eles,

que recebeu por seu trabalho literário destacam-se

Jorge Luis Borges.

o “Premio Nacional Esteban Echeverría 2004”, pelo conjunto de sua obra narrativa, e a “Medalla de la Hispanidad”, en 2009. Também precisamos mencionar que uma parte considerável de sua ficção foi traduzida para diversos idiomas.

Em Las libres del Sur, os leitores têm a oportunidade de entrar em contato com um Borges jovem, ampliando seu conhecimento sobre o autor argentino, uma vez que a maior parte dos livros de história da literatura representam-no de forma

Em Las libres del Sur – Una novela sobre

mistificada, como um velho escritor sábio e cego. Além

Victoria Ocampo (2004), María Rosa Lojo reconstrói

disso, alguns críticos classificam a poética borgeana

a efervescência cultural do meio intelectual argentino

como algo inacessível, julgamento que pode desestimular

dos anos 20 através da trajetória formativa de Victoria

possíveis leitores a conhecer seus escritos. Assim,

Ocampo, abordando, entre outros temas, o papel da

pensamos que o objetivo de Lojo em ficcionalizar Borges

mulher nesta sociedade e a identidade argentina, além

nessa etapa é humanizá-lo, mostrando outras facetas do

de questões literárias. O relato começa em 1924 quando

escritor argentino, visto que nesse período ele estava

Victoria recebe em seu país seu primeiro visitante ilustre,

iniciando sua carreira literária e ainda não havia sido

Rabindranath Tagore, reconstitui as metamorfoses da

convertido em um mito.

escritora até sua conscientização da realidade latinoamericana e de sua condição de argentina, culminando na criação da revista Sur, em 1931.

A ficcionalização de Borges em Las libres del Sur está localizada, principalmente, no terceiro capítulo, intitulado “1928-1929 – La mujer más fantástica, los

O romance está estruturado em quatro capítulos,

sueños de la llanura”. Esse episódio segue a estrutura

marcados pela data em que cada convidado de Victoria

das outras partes da narrativa, pois é composto por uma

chega a Argentina, por um título y por citações retiradas

data, um título e epígrafes. As citações foram retiradas da

das obras desses visitantes, de Victoria Ocampo e de

obra Viaje a través del tiempo (1951), de Hermann Von

outros escritores que também foram convertidos em

Keyserling, e do cuento “El Sur”, de Jorge Luis Borges,

personagens da narrativa, como Jorge Luis Borges e

publicado em Ficciones (1944). Tal como nas demais

María Rosa Oliver. Essas epígrafes, além de um exemplo

divisões da narrativa de Lojo, as epígrafes antecipam o

de intertextualidade, indicam a temática central de cada

tema central de cada capítulo. Dessa maneira, esse trecho

episódio do romance.

da obra focalizará Keyserling e Borges, através de dois

Também é importante assinalar que apesar do

eixos narrativos alternados.

subtítulo (Una novela sobre Victoria Ocampo) indicar

Neste estudo nos deteremos apenas no segundo

que o foco da ficção de Lojo é a fundadora da revista

eixo narrativo, uma vez que é nesta parte que está situada

Sur, a obra está organizada em dois eixos narrativos

a ficcionalização de Borges, cujo ponto de partida é o

que se alternam no relato. O primeiro gira em torno da

périplo de Carmen Brey Moure ao interior da Argentina

trajetória de Victoria Ocampo. Já o segundo estrutura-

em busca de seu irmão desaparecido. Borges e Leopoldo

se ao redor de Carmen Brey Moure, uma jovem

Marechal resolvem ajudar a investigação da espanhola

universitária galega, discípula de María de Maeztu,

e vão com ela para Los Toldos. A materialização de

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

468

Borges no romance ocorre no momento da partida

Depois dessa conversa, finalmente, entram no

quando Carmen encontra Leopoldo e pergunta onde

trem e somos informados de que levavam uma bagagem

está o escritor argentino. Ao ser informada de que ele

reduzida, menos Borges, que trazia muitos livros no

estava telefonando para sua mãe, a espanhola comenta

seu paletó. A espanhola comenta que ele “[…] parece

que Borges já estava grande para isso. Marechal justifica

una biblioteca ambulante.” (LOJO, 2004, p.137). Essa

seu comportamento com a sua crescente cegueira. Desse

comparação nos remete a um elemento central da

modo, percebemos que dois elementos da biografia do

poética borgeana: sua concepção de biblioteca como

escritor argentino surgem na narrativa: a dependência

universo. Entre os livros que estavam com o escritor

de sua mãe e sua cegueira.

destaca-se Las mil y una noches, uma obra fundamental

A chegada de Borges interrompe a conversação. Ele está muito contente e Carmen compara-o com uma criança que vai ao circo. O escritor explica que sair de Buenos Aires deixa-o assim. A espanhola se espanta, pois

para Borges, lida as escondidas na biblioteca paterna, explorada em vários de seus escritos. Esse relato será o fio condutor das discussões entre os personagens durante a viagem.

pensava que ele era um bicho urbano e o escritor contesta

De repente, o escritor interrompe a conversação,

“Bicho seré si quiere, pero no del todo urbano. Si lo que

pede silêncio e aconselha a olharem ao seu redor, pois

más me gusta de la ciudad es lo que le queda de pampa.”

“!Eso es la patria!” (LOJO, 2004, p.138). Nessa parte

(LOJO, 2004, p. 136). Carmen estranha sua declaração,

da narrativa encontramos uma descrição do pampa

uma vez que Borges se definiu como um “pueblero”,

argentino, além de citações das obras de Borges e

isto é, um “[…] hombre de barrio, de calle […]” (LOJO,

Marechal que abordam a temática da pátria, o que indica

2004, p.136). O escritor não acredita que ela leu o seu

a intenção da autora de discutir a identidade argentina.

livro e a galega indaga-lhe se não parecia ser digna de ser sua leitora. Borges responde que “[…] descubrir un lector me colma de asombro y de agradecimiento. Si pudiera, y si no fuese demasiado ridículo, mandaría hacer una condecoración de homenaje para cada uno.” (LOJO, 2004, p.136-137). Marechal observa “Por lo ridículo puede ser, pero en cuanto a los costos, saldría barato. ¡Para los lectores que tenemos! […] Aunque los juntáramos a todos, les quedaría grande el salón de un club de barrio.” (LOJO, 2004, p.137). Este diálogo nos remete à primeira fase da escrita borgeana, marcada por temas nacionalistas, pouco conhecida ou ignorada propositalmente pela crítica, além de ser menosprezada por seu autor. Assim, Lojo ao citar versos do poema Dulcia Linquimus Arva, publicado em Luna de enfrente

A seguir, vem à tona outro elemento da biografia de Borges: sua origem criolla, através da reconstituição da história de seu avô paterno, Francisco Borges, morto em uma guerra civil “[…] lanceado en la Verde por la gente de Catriel.” (LOJO, 2004, p.139). Marechal sugere que os dois agora estão juntos, mas o escritor discorda “Hasta en la sepultura se habrán peleado, como esos dos gauchos que se odiaron toda la vida, y cuando cayeron presos en las guerras civiles, pidieron jugar una carrera mientras los degollaban, a ver quién daba un paso más allá del otro antes de caer muerto.” (LOJO, 2004, p.139). Esta citação é uma síntese do conto de Borges “El otro duelo” e nos remete a um dos tópicos centrais da poética borgeana: o duelo.

(1925), dialoga com os primeiros escritos de Borges.

Ao anoitecer chegam em Los Toldos. Carmen

Este trecho da narrativa também recupera o contexto de

busca um hotel e Borges age como um detetive e supõe

recepção dos escritores vanguardistas da Argentina dos

que ali não irão obter informações sobre o irmão da

anos 20, caracterizado pela escassez de leitores.

espanhola. Sugere ir para uma taberna e todos aceitam. Borges e Marechal bebem genebra, mas um incidente

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

469

interrompe sua celebração. O escritor é atingido por

me indigna más su conducta imbécil. Nos podrían haber

bolinhas de pão, tal como ocorre com o personagem

degollado a los tres por su culpa. No me extraña que su

Juan Dahlmann no conto borgeano “El Sur”. Em Las

pobre madre viva con el alma en un hilo. Si hace cosas de

libres del Sur, Borges desafia os seus adversários “[…]

niño del kindergarten.” (LOJO, 2004, p.151). Novamente

dirigiéndose al más temible, que lo doblaba en peso y en

Borges é classificado como uma criança. Marechal pede

altura, a pesar de que el vate miope de los arrabales no

que a espanhola não fale assim do escritor, visto que ele

era un hombre menudo.”(LOJO, 2004, p.142). Marechal

estima-a muito e talvez sinta algo a mais por ela, porém

não reage e Carmen interfere no conflito dizendo aos

é tímido para confessar. Carmen se enfurece e decide

peões que seu irmão tem problemas mentais e que estão

afastar-se dos escritores, continuando sozinha a busca

levando-o para um manicômio em Buenos Aires. Borges

por seu irmão.

tenta responder, mas a espanhola impede-o, pisando em seu pé e dando uma cotovelada em seu estômago. Após sua intervenção, os peões perdoam o escritor que é levado para o hotel. Este desfecho nos permite pensar que o incidente é uma paródia do mencionado texto borgeano.

Como vimos, a galega acusa Borges de não ter um procedimento coerente com sua posição de homem das letras, não possuir um senso prático, além de seu sentimento de honra ser inadequado ao mundo moderno. Por outro lado, Marechal defende-o, alegando que é um grande intelectual e um poeta sensível. Pensamos que

Além disso, nessa parte do relato, a imagem

ao mostrar os argumentos contrários e favoráveis à

canônica de Borges e Marechal é dessacralizada, pois os

conduta do personagem, sem um julgamento definitivo,

escritores são descritos por Carmen como “[…] débiles

a autora leva os leitores a construírem sua própria visão

mentales, mutilados del sentido común, incapaces de otra cosa que no fuese enhebrar filosofías o escribir versos.” (LOJO, 2004, p.143). Leopoldo tenta justificar a atitude de Borges argumentando que seu rompante de

do escritor argentino. Os três reencontram-se na volta para Buenos Aires. No trem, comparam Los Toldos com o “Sur”.

coragem deveu-se a sua concepção de honra criolla. A

Em suas intervenções, aparecem trechos de suas obras

espanhola fica mais indignada e declara:

que abordam essa temática, além de uma aproximação entre a situação do irmão de Carmen, que vive com os

-¡Qué honor ni que ocho cuartos! ¿En qué época se cree que vivimos? ¿En el siglo pasado, o en el Siglo de Oro? ¿No se jactan ustedes de ser tan modernos? ¿No son hombres de las letras? ¿Qué honor pueden dirimir con una bestia maloliente, ensopada en alcohol de pésima calidad? Aunque de Borges se podía decir menos. Con las ginebras que se echó al coleto, si se le llegaba a arrimar una cerilla, teníamos una explosión. Debe de estar con la cabeza partida en trozos. (LOJO, 2004, p.151).

Neste fragmento, Borges é descrito como anacrônico em contraste com o caráter vanguardista de seus escritos literários. Além disso, na opinião da espanhola, seu comportamento é incompatível com sua condição de letrado. Marechal pondera: “Pero es

índios, com a história de uma cautiva narrada pela avó inglesa de Borges. Vale a pena recordar que o escritor argentino usou esse relato familiar para construir o conto “Historia del guerrero y de la cautiva”, publicado em El Aleph (1949). Nessa ficção borgeana há um entrecruzamento entre a história do guerreiro Droctulft, um bárbaro que morreu defendendo Roma, e a de uma inglesa cautiva de índios. O ponto em comum entre eles é sua conversão a uma cultura diferente. Após citar esse exemplo, o escritor sugere que o irmão de Carmen apaixonou-se pela barbárie e ela aconselha-o a escrever um conto sobre isso.

un intelectual de mérito, un poeta sensible…” (LOJO,

O discurso da espanhola desvela a dificuldade

2004, p.151) e Carmen responde “Justamente por eso

do escritor em diferenciar a ficção da realidade. Além

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

470

disso, é um exercício metaficcional, pois opinar que

personagem secundário há uma inversão no papel que

Borges escreva o relato de sua avó é uma antecipação do

eles representam nos livros de histórias da literatura.

referido conto borgeano. O escritor responde “Bueno,

Nesse sentido, a conversão do famoso autor argentino

es que todavía no me animo a la narrativa, y…” (LOJO,

em um personagem secundário, retira a figura histórica

2004, p. 184). Dessa maneira, aparece mais um elemento

de Borges do pedestal em que grande parte da crítica

da biografia do autor argentino, já que até esse momento

colocou-o, humanizando-o, ao mesmo tempo em que

ele se dedicava apenas aos versos e aos ensaios, visto que

dialoga com a poética borgeana, a historiografia literária,

seus primeiros relatos foram escritos na década de 30, ou

a literatura e a história argentina.

seja, alguns anos depois da localização da ação narrativa.

Além disso, ao representá-lo como uma criança

O escritor não conclui sua frase, pois Carmen

grande, a autora não só discute as questões que já

começa a chorar. Então, “Borges se detuvo, apenado y

apontamos, mas também problematiza a concepção

algo asustado. Nunca había sabido qué hacer con el llanto

de literatura de Borges, baseada no inconsciente, na

de las mujeres.” (LOJO, 2004, p.182). Assim, surge mais

sensibilidade, na loucura, na infantilidade e na poesia.

uma característica do escritor argentino: sua dificuldade em relacionar-se com as mulheres. Ele tenta consolá-la, mas não é bem sucedido e estende-lhe um lenço. Então,

Referências bibliográficas

a espanhola se pergunta se a mãe do escritor tinha dobrado o lenço e “[…] imaginó a Borges, en su actual

BORGES, Jorge Luis (1994): Obras completas. Buenos Aires:

estatura, pero embutido en un guardapolvo escolar y

Emecé.

tomando la leche en la mesa de la cocina. Se rió entre las lágrimas, con una ternura leal, que no menguaría nunca, por ese niño grande, y se secó los ojos.” (LOJO, 2004, p.182). Através desta citação a dessacralização

BRESCIA, Pablo (2008): Borges deviene objeto: algunos ecos. Em: Variaciones Borges 26. ESTEVES, Antonio Roberto (2010): O romance histórico

da figura de Jorge Luis Borges se completa: a canônica

brasileiro contemporâneo (1975-2000). São Paulo: UNESP.

figura do velho escritor sábio e cego é substituída pela

LOJO, María Rosa (2004): Las libres del Sur – Una novela sobre

de uma criança grande.

Victoria Ocampo. Buenos Aires: Editorial Sudamericana. WEINHARDT, Marilene (1998): Quando a história literária

Palavras finais Nossa leitura demonstra que Las libres del Sur aborda várias questões literárias. Ao reconstruir o contexto da Argentina dos anos 20, somos informados que os autores vanguardistas não tinham um público leitor. Por isso, a opção da autora ao ficcionalizar Borges no início de sua carreira instiga o leitor a refletir sobre a construção e manutenção do cânone literário. O romance de Lojo também questiona a construção da historiografia literária, pois como Victoria Ocampo é a protagonista do relato e Borges é um

vira ficção. Em: ANTELO, R. et al., (Org.). Declínio da arte, ascensão da cultura. Florianópolis: Abralic

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

471

ANGÚSTIA E DISTOPIA: A GUERRA CIVIL ESPANHOLA EM SAGA, DE ÉRICO VERÍSSIMO

Ivan Rodrigues Martin UNIFESP

Fue en España donde los hombres aprendieron que es posible tener razón y, aún así, sufrir la derrota; que la fuerza puede vencer al espíritu, y que hay momentos en que el coraje no tiene recompensa.
Esto es, sin duda, lo que explica por qué tantos hombres en el mundo consideran el drama español como una tragedia personal. Albert Camus

Passados mais de setenta anos do fim da Guerra

a disposição de defender o governo de um país, cuja

Civil Espanhola, ainda nos dias atuais observa-se um

institucionalidade está ameaçada pela barbárie, parece

intenso debate sobre o conflito, não raro revestido de

ultrapassar qualquer idealismo juvenil e se constituir

um caráter ainda romântico. No polo oposto ao dos

como uma contundente demonstração individual de

testemunhos dos que vivenciaram a barbárie, sobejam

defesa das liberdades coletivas.

filmes, músicas, pinturas, cartazes, romances, poemas que, desde o fim da Guerra, em 1939, buscam representar, de modo idealizado, o caráter revolucionário que adquiriu a contenda, principalmente devido aos distintos matizes ideológicos que caracterizaram os grupos que compuseram a defesa da República espanhola. E, se num plano geral, pode-se afirmar que as representações artísticas da Guerra Civil na Espanha realizam-se, muitas vezes, por um viés romântico, mais ainda romantizadas são as representações dos combatentes que compuseram as fileiras das Brigadas Internacionais. Figuradas em verso e prosa, em literaturas de todo o mundo, a abnegação e a solidariedade de homens e mulheres que deixaram seus países e se dirigiram à Espanha para defender a liberdade, são, por si só, objeto de grande idealização. Afinal, no contexto do avanço das ideologias nazifascistas no continente europeu,

A formação das brigadas internacionais, idealizada pelo Comintern em Moscou e reconhecida pelo governo republicano espanhol em outubro de 1936, além de internacionalizar o conflito civil, faz ecoar, em todas as partes, a máxima de que a luta dos oprimidos contra os opressores não reconhece fronteiras, ela é internacional: bem unidos façamos, desta luta a final, de uma terra sem amos, a internacional. O caráter romântico que a Guerra da Espanha e, mais especificamente, as Brigadas Internacionais adquiriram ao longo do tempo não se manifesta apenas nas representações artísticas sobre o conflito, mas também tem sido referenciado pelo discurso historiográfico. José Carlos Sebe Meihy e Cláudio Bertolli Filho, em A Guerra Civil Espanhola (1996), afirmam que:

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

472

A Guerra Civil Espanhola tem sido considerada a última guerra romântica e a última grande causa da humanidade. E não só pela participação apaixonada do povo espanhol, mas também porque homens de pelo menos 53 nações abandonaram espontaneamente suas casas para lutar ao lado dos republicanos, formando as Brigadas Internacionais (MEIHY; BERTOLLI FILHO, 1996, p.27).

D e mo d o me no s e ntu s i a st a , t amb é m Eric Hobsbawn chama a atenção para o caráter

foram para a Espanha quarenta e poucos homens, muitos deles imigrantes judeus, italianos ou espanhóis recém-chegados ao país. Havia também dezesseis brasileiros natos, catorze militares e dois civis. Desses brasileiros, sete eram gaúchos: seis militares e um civil. Ao contrário do que se passa com Vasco Bruno [o personagem do romance Saga, de Érico Veríssimo, de que vamos a tratar em seguida], sua ida nada teve de decisão pessoal e romântica: eram militantes comunistas e foram para a Europa enviados pelo partido, como parte da solidariedade internacional ao governo republicano. (AGUIAR, 2005, p.12)

internacionalista que a organização da Brigadas, pelo PC Soviético, confere à Guerra da Espanha, e também para

Dentre os brasileiros que foram lutar na

a recuperação da moral das esquerdas, combalidas pelo

Espanha, dois militares gaúchos, que haviam participado

avanço das ideologias ultraconservadoras na Europa.

da insurreição aliancista, tiveram suas experiências

Segundo o historiador marxista:

como combatentes republicanos registradas em textos literários. José Gay da Cunha, de próprio punho relatou

O mais autêntico e propalado feito do partido também demonstra sua debilidade: sua intervenção na Guerra Civil Espanhola. (…) As Brigadas Garibaldi tiveram um papel notavelmente heroico e eficaz, não apenas na defesa da Espanha, mas também na recuperação da esquerda italiana (…) (HOBSBAWN, 2003, p. 46)

Vale ressaltar, no entanto, que essa acorrida de militantes à Espanha (estima-se em aproximadamente sessenta mil homens e mulheres) não se deveu apenas ao voluntarismo e à abnegação de indivíduos que atenderam ao chamado do Comintern. Prova disso é que o maior contingente de brigadistas é oriundo da Alemanha e da Itália, países em que o avanço do nazismo e do fascismo resultou na perseguição sistemática dos militantes de esquerda e dos judeus, o que os obrigou a exilar-se de seus países e a buscar em terras espanholas a construção da resistência ao avanço do pensamento ultraconservador e das ideias antissemitas. E não se pode desconsiderar, também, que vieram a compor as Brigadas Internacionais muitos dos atletas que participavam das Olimpíadas Populares, organizadas pelos partidos políticos de esquerda, no verão de 1936, em oposição às Olimpíadas de Berlim que se realizava na Alemanha do III Reich. Do distante Brasil, tampouco a ida de combatentes

suas memórias na obra Um brasileiro na Guerra Civil Espanhola, publicada pela primeira vez em 1946. E Homero de Castro Jobim franqueou seus diários ao escritor Érico Veríssimo, que os tomou como base para a escritura de seu romance Saga, publicado em 1940, que passaremos a focalizar a seguir. Diversos historiadores e críticos literários consideram que a importância deste romance, tido pelo próprio autor como o pior de sua produção, devese principalmente a dois motivos: porque é o primeiro relato literário, produzido no Brasil, sobre a participação de brasileiros na Guerra Civil Espanhola; e porque reflete, em sua construção narrativa, as tensões que marcaram o mundo nos conflituosos anos de 1930, que antecederam a II Grande Guerra. Entretanto, outro fator nos chama a atenção no texto e nos anima a pensar sobre ele, tantos anos depois de sua publicação. Diferentemente das inúmeras representações artísticas das Brigadas Internacionais, marcadas fundamentalmente pela caracterização dos combatentes como sujeitos abnegados e marcados por um caráter heroico, no romance de Érico Veríssimo as mesmas brigadas são apresentadas pelas chaves da angústia e da distopia. Vejamos como o autor gaúcho constrói sua

à Espanha deveu-se a heroicidade abnegada de militantes

narrativa de modo a não amplificar o coro de exaltação

progressistas. Segundo Flávio Aguiar,

às Brigadas Internacionais, mas, ao contrário, apontando

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

473

o caráter corrosivo da guerra, tanto nos ideais outrora

ganhar brinquedos novos” (VERÍSSIMO, 2005, p.80). E,

coletivistas como na constituição da subjetividade dos

em seguida, utilizando-se da força do diálogo, incorpora

indivíduos.

a voz de um jovem combatente que nos revela o modo

A saga de Vasco Bruno, a personagem central do romance, é narrada em primeira pessoa e está organizada em quatro partes. Na primeira delas, denominada O círculo de giz, o protagonista apresenta um alentado relato de sua experiência como combatente em terras espanholas. O breve segundo capítulo, Sórdido interlúdio, faz jus ao seu nome. Nele, o narrador relata sucinta e dramaticamente sua estada no campo de concentração de Argelès-sur-Mer. As outras duas partes, O destino bate à porta e Pastoral, são ambientadas no Rio Grande do Sul e sua matéria narrativa distancia-se temporal e espacialmente da Espanha em guerra. Não fossem as referências esparsas à traumática experiência de quem viveu os horrores do conflito, poderíamos dizer se tratar de outra história, restrita ao ramerrão da vida

idealizado como os brigadistas são vistos pelos espanhóis e, ao mesmo tempo, nos dá notícia do medo da morte que assola uma geração de meninos, alijados do sonho de um futuro de paz: Um deles, tipo moço de olhos espantados, me confessa que preferia o tivessem mandado para um corpo de soldados espanhóis. – Por quê? – Na Brigada os homens são audaciosos demais. Vieram lutar espontaneamente. Expõem-se muito, não amam a vida. Vê-se que o pobre rapaz está assustado. – Não acredita na vitória das forças do governo? – pergunto. – Não tem esperança numa vida melhor para sua terra? – Eu só acredito numa coisa: é que tenho vinte anos e quero viver. (VERÍSSIMO, 2005, p. 80)

comezinha, muito diferente dos relatos tensos, povoados

Percebe-se claramente que o tédio da espera

por perturbações existenciais, que povoam os dois

contribuiu, intencionalmente, para a construção de um

primeiros capítulos da obra.

estado de espírito marcado pela impotência e pela falta

Como anunciamos anteriormente, o que nos chama a atenção no romance de Érico Veríssimo é o fato de ele destoar, radicalmente, de várias outras manifestações artísticas que têm como tema as Brigadas Internacionais. Angústia e distopia talvez sejam as

de perspectivas próprias de uma época em que, tanto na Espanha em guerra quanto no Brasil do Estado Novo, estão presentes os gérmens do pensamento ultraconservador já bem instalados na Alemanha, na Itália e em Portugal.

palavras que melhor definam a perspectiva do narrador-

O sentimento de angústia, que repousa nas

protagonista de Saga. E esses sentimentos, diferentemente

mentes e nos corações dos indivíduos, vai cedendo lugar,

do que se encontra, vez ou outra, de modo pontual, nos

ao longo da narrativa, a inquietações que ultrapassam

relatos sobre as Brigadas Internacionais, no romance do

os limites da individualidade e atingem esferas mais

autor gaúcho atravessam toda a narrativa, determinando

amplas. Essa passagem se constrói à medida que vai

aspectos de sua estrutura.

amadurecendo o projeto pessoal do protagonista, que

No primeiro capítulo, após uma extensa, modorrenta e amargurada descrição da espera pelos combates, em que o narrador começa a desenvolver ácidas análises dos tipos humanos que virão a compor as

é o de apreender a humanidade dos homens, entender a natureza de nossos sentimentos mais abjetos. A evolução da perspectiva distópica do narrador constrói-se pouco a pouco, iniciando-se com a deterioração de sua

brigadas, a suposta euforia coletiva, que deveria marcar

percepção sobre as reais motivações de companheiros

o momento, paulatinamente dá lugar às mais profundas

de combate e chegando ao seu auge na experiência de

angústias individuais. Diz o narrador: “Os internacionais

barbárie vivenciada no campo de concentração Argelès-

no primeiro momento parecem crianças que acabam de

sur-Mer. Vejamos como o narrador, ao deparar-se com

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

474

a escancarada frieza de um companheiro ao lidar com

ternura quase doentia a que se segue uma fria repugnância

um cadáver, amplia para o coletivo a responsabilidade

por toda a espécie humana.” (VERÍSSIMO, 2005, p.99)

pelo esfacelamento daquilo que deveria nos fazer humanos: Desde o dia em que este chileno subiu à árvore para deitar abaixo os restos daquele voluntário, passei a vêlo a outra luz. A naturalidade com que desempenhou a horripilante tarefa, o seu sarcasmo em torno daqueles pedaços informes de carne humana me deram um grande mal estar e, por mais que eu me esforce, não consigo tratar García como antes. É como se dum modo obscuro e inexplicável ele fosse um tanto culpado daquela morte. (VERÍSSIMO, 2005, p.84)

Ao passo que relata o cotidiano na guerra, Vasco Bruno esmiúça as atitudes de seus companheiros de

No entanto, a despeito do sentimento de angústia e de melancolia que vai arrebatando este narrador deus, mesmo no momento do êxodo dos brigadistas em direção à França, ou seja, quando a derrota se anuncia irremediavelmente, um fio de utopia ainda mantém aceso seu desejo de não se igualar aos que lhe parecem ter aberto mão de qualquer humanidade: “O morticínio continua. Estou abatido e amargurado (…). Sinto-me envelhecido, cansado, triste. Ergo os olhos para a massa azulada dos Pirineus numa última esperança.” (VERÍSSIMO, 2005, 152).

combates, cujas humanidades vão se descontruindo

Não obstante, essa esperança dura pouco e a

rapidamente. À atmosfera de desencanto com os

chegada ao campo de concentração arrebata qualquer

camaradas outrora valorosos, soma-se o medo dos

possibilidade utópica. “Julguei que os horrores tinham

ajuizamentos, que vão se tornando frequentes e

acabado para mim. Mas o que vejo agora é cem vezes mais

que podem recair sobre qualquer um. Os homens

trágico do que a guerra nas trincheiras” (VERÍSSIMO,

supostamente abnegados que deixaram suas terras para lutar na Espanha em nome da justiça e da liberdade vão apequenando-se, animalizando-se a cada derrota nas trincheiras; vão decompondo-se física e moralmente a cada ferimento, a cada noite de frio e fome. Já valem menos que piolhos: Homens e muquiranas – diz De Nicola, como se tivesse lido meus pensamentos. – Não há grandes diferenças entre essas duas espécies animais, a não ser que as muquiranas são muito mais honestas, pois não procuram inventar palavras para justificar seus apetites. Simplesmente seguem os instintos, chupam-nos o sangue sem remorso, sem pensar em céu e inferno, no bem ou no mal. São livres porque não têm problema de consciência. (VERÍSSIMO, 2005, p.98)

Mesmo envolvido até a medula no turbilhão do longo caminho de descida aos infernos, o narrador, ainda que personagem, segue “olhando de cima” o que se passa à sua volta. No patamar superior, de onde analisa os feitos dos companheiros e de onde julga suas ações, mantém uma perspectiva relativamente distanciada daquilo que vê: “À vista dos cadáveres mutilados ou de cenas de selvageria, não raro sou tomado de uma crise de

2005, p.51), desabafa Vasco Bruno logo que chega a Argelés-sur-mer. Nas terríveis descrições que ocupam as páginas seguintes do romance, o narrador personagem continua distanciado da matéria narrada, observando a miséria humana: Fevereiro. Estamos num campo de concentração de Argelès-sur-Mer. (…) Sujos, peludos, esfarrapados e lívidos, os homens formigam sobre a areia. Tenho a impressão de que são defuntos desenterrados e reunidos aqui por algum deus perverso para desígnios ainda mais sórdidos e temerosos que a morte. Não vejo nessas caras maceradas o menor traço de bondade. O sofrimento as animaliza. Sinto que em mim a piedade morreu. Morreu de frio e de miséria. (VERÍSSIMO, 2005, p.154)

Num momento posterior, a caracterização do conjunto de indivíduos animalizados que povoam o campo de concentração é estendida a toda a humanidade, no sentido lato, da qual, tampouco, o narrador parece sentir-se parte: Sempre pensei que houvesse solidariedade no sofrimento e que na hora de provação os homens apagassem um pouco o egoísmo e tratassem de ajustar as diferenças pessoais em benefício da comunidade. Puro engano. Essas criaturas sujas, que exalam um cheiro fétido, que

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

sofrem física e moralmente, conservam aqui os mesmos característicos que na vida social normal provocam os conflitos espirituais e materiais e que, dum certo modo, são a causa das guerras entre as nações. (VERÍSSIMO, 2005, p.159)

A construção desse narrador-personagem, conhecedor profundo da matéria narrada e relativamente distanciado dela, é a chave da representação elaborada por Érico Veríssimo das barbaridades que marcaram a Era dos extremos. Nesse sentido, o diário que alimentou a ficção provavelmente foi central para a constituição desse ponto de vista, capaz de estabelecer uma mediação crítica – e profundamente melancólica – em relação a matéria narrada. Ao comentar o romance, Antonio Candido chama a atenção para o fato de ele estabelecer uma “espécie de celebração horrorizada da brutalidade” (CANDIDO, 2005, p.74). De fato, se, por um lado, a narrativa denuncia as atrocidades de um tempo histórico específico, por outro, ao revelar o sepultamento dos sentimentos utópicos que animaram os combatentes na Espanha, evidencia o absurdo teor de violência presente nos movimentos da história. A radical diferença de perspectiva que há entre o romance de Érico Veríssimo e os vários outros textos que focalizam a presença dos brigadistas internacionais na Guerra da Espanha, é que no texto do autor gaúcho evidenciam-se as saídas individuais, em detrimento dos anseios coletivistas que contribuem para a romantização das representações sobre a Guerra Civil Espanhola. E essa

475

se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa aos nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso. (BENJAMIN, 1993, p. 226 )

Não por acaso, Vasco Bruno, nosso narrador que rastejou pelas trincheiras da guerra, mas que viu história “à margem”, busca na tranquilidade da vida no campo, no fugere urbem que se opõe à noção de progresso, o seu happy end, após o casamento com a prima Clarissa. No avesso da utopia que mobilizou contingentes de militantes de todo o mundo numa sangrenta luta em defesa da liberdade, o que fica do romance de Érico Veríssimo são as opções individuais que os sobreviventes encontraram entre as ruínas de um tempo que tem sido reiteradamente romantizado. Talvez tenha sido este o principal motivo de o romance do escritor gaúcho ter encontrado uma acolhida tão tímida no meio literário brasileiro. Não interessou aos conservadores, para quem a guerra da Espanha foi tratada como um tabu pelo Estado Novo, nem aos progressistas, que provavelmente esperavam encontrar ao menos um fio de utopia no primeiro relato literário sobre a Guerra Civil Espanhola publicado no Brasil.

diferenciação resulta, principalmente, da perspectiva fatalista do narrador, que não se assume completamente como personagem que age e que estabelece com a

Referências bibliográficas

história uma relação de angústia e melancolia. Dessa

AGUIAR, Flávio. (2005): Romance entre dois mundos. Em:

forma, pode-se dizer que o narrador de Saga aproxima-

VERÍSSIMO, Érico: Saga, pp. 11-15. São Paulo: Companhia

se do “anjo da história”, comparado por Walter Benjamin,

das Letras.

em sua nona tese Sobre o conceito de história, ao Angelus

BENJAMIN, Walter. (1993): Magia e técnica, arte e política.

Novus, do quadro de Paul Klee: Há um quadro de Paul Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-

Ensaios sobre a literatura e história da cultura. Obras escolhidas. Volume 1. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Ed. Brasiliense.

476

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

CANDIDO, Antonio. (2005): Érico Veríssimo de 1930 a 1970.

MEIHY, José Carlos Sebe & BERTOLLI FILHO, Cláudio.

Em: BORDINI, Maria da Glória. (Org.) Caderno de pauta

(1996): A guerra civil espanhola. São Paulo: Editora Ática.

simples: a literatura de Érico Veríssimo e a crítica literária. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro. HOBSBAWN, Eric J. (2003): Revolucionários. Trad. João Carlos Vítor Garcia & Adelângela Seggioro Garcia. São Paulo: Ed. Paz e Terra.

VERÍSSIMO, Érico. (2005) Saga. São Paulo: Companhia das Letras.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

477

LOS MARCADORES DISCUSIVOS EN ESPAÑOL A PARTIR DE LA LINGÜÍSTICA DE LA ENUNCIACIÓN: UNA PERSPECTIVA EN LOS ESTUDIOS DE E.L.E.

Ivani Cristina Silva Fernandes UFSM

Introducción

solamente el análisis de carácter preponderantemente intralingüístico y normativo, sino encontrar el justo

Es innegable, en especial en los últimos años, la importancia de las investigaciones enunciativas y discursivas en los estudios de lengua materna y extranjera. Como nos recuerda Marcuschi (2008), el acceso a la lengua se puede dar por medio de sus hechos y de su funcionamiento y, por lo tanto, es primordial pensar sobre las condiciones de producción del texto para entenderlo y producirlo; ir del enunciado hacia la enunciación. Algunas cuestiones como la del género discursivo, la del sujeto, la de los elementos sociales, históricos e ideológicos, entre otros, se convierten en aspectos casi obligatorios al referirnos a la enseñanza de una lengua. Incluso, es importante señalar que, algunas veces, hay un cierto exagero en aspectos de esta naturaleza, olvidándose la relevancia de la materialidad lingüística en un análisis. Aunque sea evidente, es necesario poner de manifiesto que los profesores de lengua deberían enfocar cuestiones que se configuran en un entramado entre materialidad lingüística y demás elementos extralingüísticos imprescindibles en un estudio textual. Ello no significa retroceder al tiempo en que se valoraba

equilibrio en cuanto a la relevancia entre los diversos dispositivos involucrados en un texto Tal vez uno de los mayores retos de las nuevas generaciones de docentes e investigadores del área se ubique en la formulación de una cuestión de estudio que desencadene algunas reflexiones sobre determinado punto de una materialidad lingüística. Tal aspecto metodológico es un punto, a la vez, básico e imprescindible en las discusiones sobre lo lingüístico. Por supuesto que referirse a una cuestión de investigación implica pensar sobre desde cuál(es) perspectiva(s) vamos a abarcar tal pregunta, una vez que definir un campo teórico o relacionar más de uno para reflexionar sobre la lengua es otro aspecto basilar en la formación de un docente / investigador. Esos comentarios objetivan justificar nuestro interés en analizar algunas características enunciativas, muchas veces menospreciadas, de los marcadores discursivos en la enseñanza del español lengua extranjera (E.L.E.) como un ejemplo de trabajo que pretende priorizar una determinada cuestión lingüística a partir de ciertos parámetros teóricos / metodológicos cuando nos acercamos a una materialidad lingüística.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

478

1. Fundamentación teórica: nociones esenciales

siderando las ideas de acción e intención del hablante. Por otra parte, en lo tocante al segundo campo, vemos la Lingüística Textual tal como Marcuschi (2008, p. 73)

Al considerar las metas principales de ese estudio,

la define: “estudo de operações lingüísticas, discursivas

conviene presentar los conceptos imprescindibles con

e cognitivas reguladoras e controladoras da produção,

los cuales volveremos a trabajar (SILVA FERNANDES,

construção e processamento de textos escritos ou orais

2012). En primer lugar, pensamos que la Lingüística

em contextos naturais de uso”.

de la Enunciación es un campo prometedor, a partir del cual se pueden analizar los marcadores discursivos (MDs), gracias a sus énfasis en las reflexiones acerca de los efectos de sentido y de los rasgos del sujeto en la materialidad lingüística.

En ambos conceptos, observamos que la noción de uso es uno de los ejes que nortea los análisis realizados en sus objetos y ello implica en la presencia de interlocutores. Esa marca del sujeto permite vislumbrar su importancia en la materialidad, una vez que no podemos

Con base en los trabajos de Flores y Teixeira

ignorar la afirmación célebre de que “é na linguagem e

(2005 y 2009b), entendemos que el campo al cual nos

pela linguagem que o homem se constitui como sujeito”

referimos abarca varias teorías que contribuyen, con

(BENVENISTE, [1958] 2005, p. 286).

diferentes perspectivas, para una reflexión sobre los procesos enunciativos a partir de su relación con las ideas saussarianas. Muchos investigadores se dedicaron sobre ese tema y produjeron varios estudios en este ámbito como Bally, Jakobson, Benveniste, Bakhtin, Ducrot Authier-Revuz, Culioli, Kerbrat-Orecchioni.

Por lo tanto, al tener en cuenta la importancia del sujeto en la materialidad, otro concepto se revela fundamental: el ethos. Conforme Amossy (2006: 220), tal noción se refiere a la imagen que el locutor construye en el discurso sobre sí mismo con el objetivo de influir sobre su interlocutor. Como nos propone Maingueneau

En tales estudios está implícita la idea de que la

(2008, p. 99), esa construcción imagética resulta de una

enunciación es el eje para pensar los procesos de cómo

“manera de decir”, caracterizada por la recurrencia de

el hombre se marca en la lengua. Así, se ponen de relieve

una o algunas estructuras lingüísticas que particularizan

las nociones de enunciación y enunciado. La primeira,

una forma de decir en un discurso oral o escrito (SILVA

a partir de las ideas benvenistianas, entendemos como

FERNANDES, 2008).

“este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (BENVENISTE, [1970] 2006, p. 82). Por otra parte, la segunda noción la definimos aquí como la manifestación de la enunciación (FLORES et alii, 2009a, p. 107). En nuestro anterior trabajo (SILVA FERNANDES, 2012), ponemos de manifiesto que los marcadores del discurso, con frecuencia, son tratados a partir de la perspectiva de la Pragmática o de la Lingüística Textual. La primera se refiere a las teorías que “estuda como os enunciados comunicam significados num contexto”

Asimismo, como manifiesta Armengaud (2006) al comentar las relaciones entre la Pragmática y la Lingüística de la Enunciación, lo más importante ya no es más la distinción entre lengua y habla, sino entre enunciado y enunciación, en que el acto de decir implica un acto que denuncia la presencia de un hablante. El objetivo de comentar algunas familiaridades entre Pragmática, Lingüística Textual y Lingüística de la Enunciación se centra en discutir sobre la posibilidad de pensar los marcadores discursivos desde ese último

(TRASK, 2008, p. 232), lo que implica en el concepto

campo, puesto que ya lo hacemos a partir de los dos

recurrente en los estudios pragmáticos de que este campo

primeros, resaltando, en nuestro análisis, el aspecto

trata de la relación entre los signos y sus locutores, con-

cognitivo / procesual y estructural.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Con base en los estudios lingüísticos españoles,

479

2. Una propuesta de análisis

presentamos como una de las definiciones más conocidas de los marcadores del discurso la que considera tales

Con la finalidad de ejemplificar cómo la

elementos como unidades extraoracionales, más o menos

perspectiva enunciativa puede auxiliar en un análisis de

invariables, que relacionan explícita o implícitamente

los marcadores discursivos, en particular en el contexto

enunciados y que guían inferencias según sus diferentes propiedades morfosintácticas, semánticas y pragmáticas. Ese concepto, de Martin Zorraquino y Portolés (1999), nos revela el énfasis en el aspecto funcional y formal de tales elementos. A hor a bi e n , a l ana l i z ar l as no c i one s pertenecientes a la Lingüística de la Enunciación, podremos reflexionar sobre la cuestión de los efectos de sentido de esas unidades en cada materialidad y escena enunciativa. Incluso, no debemos olvidar que la noción de enunciado es constantemente empleada para definir y analizar los marcadores. Por ese motivo, es imprescindible que definamos el enunciado en la materialidad presente en la modalidad escrita. Para este finalidad, concordamos con los comentarios de Domínguez García (2002) al entender que los marcadores relacionan enunciados y no sus miembros y, por ello, es necesario fijarse en los aspectos ortográficos1 y prosódicos, pues se comprende que tales partículas se localicen en posición inicial del enunciado, tras punto, punto y coma, o dos puntos (cuando estos dos signos equivalen a punto) y en la de inciso y final del enunciado, una vez que poseen una independencia entonativa y, consecuentemente, tienen movilidad a lo largo del enunciado. Incluso, la autora clasifica como marcadores los elementos que no están en posición inicial y tampoco están acompañados por comas u otra señal de puntuación, pero que vinculan todo el enunciado con el anterior. Así, al tener en cuenta lo anteriormente comentado, notamos que las nociones relacionadas a la Enunciación pueden permitir reflexiones que, a su vez, posibilitan repensar algunas características y análisis de determinados marcadores.

de la enseñanza de E.L.E., elegimos un conjunto de tres textos, publicados en la sección de comentarios del lector, sobre la noticia de que el consumo de marihuana en la adolescencia tiene efectos dañosos en el desarrollo de la inteligencia. En la fecha de 28 de agosto de 2012, tales textos fueron publicados en los periódicos, versión on line, La Nación (Argentina), El País (España) y Folha de S. Paulo (Brasil). En lo que concierne al género, escogemos el comentario en versión digital porque, similar a las cartas del lector, son textos muy breves en que se manifiesta un punto de vista o una observación, de naturaleza explicativa y / o persuasiva. Debido a la brevedad de esa materialidad y a la dinámica del volumen de textos sobre el mismo tema, este tipo de género requiere del locutor una eficaz articulación de los mecanismos lingüísticos, aunque eso no implique necesariamente que el locutor domine las herramientas de la modalidad escrita consonantes con la gramática normativa. Más bien, se establece una modalidad escrita propia de los suportes digitales como abreviaciones, empleos inusuales de los signos de puntuación y letras mayúsculas y minúsculas, además de rasgos de oralidad, entre otras características. En lo que atañe a la metodología, nos guiaremos por las nociones del paradigma indiciario que, de acuerdo con Ginzburg (1989: 152), es un modelo que revela “um saber de tipo veneratório”, determinado por la “capacidade de, a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável diariamente”. En otras palabras, consideraremos que los marcadores discursivos pueden ser rasgos lingüísticos, algunas veces ubicados en segundo plan, que son huellas para identificar algunos efectos enunciativos.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

480

Asimismo, seguimos la clasificación de

Incluso, la gran mayoría de los marcadores encontrados

los marcadores conforme las categorías de Martín

son de la categoría de los conectores, los operadores

Zorraquino y Portolés (1999) y Silva Fernández (2005).

argumentativos y los reformuladotes.

Presentamos la primera muestra, publicada en el periódico argentino La Nación:

http://www.lanacion.com.ar/1503172-el-consumo-de-marihuana-dana-la-inteligencia-senala-un-estudio

En es a muest ra, tenemos el conec tor aditivo de superioridad (sobre todo) y conector contraargumentativo (pero). Desde el punto de vista argumentativo, como nos indican Santos Río (2003) y Fuentes Rodríguez (2009), actúan como elemento de fuerza argumentativa (sea de adicción o contraoposición entre ideas) y, en el plano informativo, focalizan el enunciado que introducen.

proceso mecánico y puramente estructural, sino también de naturaleza enunciativa. E n e l c a s o d e l p o l i v a l e nt e c on e c t o r contraargumentativo pero, en este contexto establece un valor amplificativo o aditivo, puesto que parece funcionar como un conector aditivo, en el sentido de que introduce enunciados que, en cierto modo, se coorientan con el enunciado precedente e, incluso el

Ahora bien, en un texto en que el enunciador ser

adverbio también intensifica ese efecto. Consideramos

marca explícitamente en el uso de la primera persona,

que los dos enunciados involucrados en este bloque

notamos que los marcadores enfocan enunciados

tienen una fuerte marca del sujeto como pronombre

importantes para la construcción enunciativa-discursiva.

sujeto explícito, expresiones de semantismo que indicam

Además del conector aditivo sobre todo introducir el

opinión, cuya asertividad es modalizada. Esto ocurre

enunciado que contiene el argumento más pertinente,

porque las dos ideas relacionadas no se contraponen

en la posición más elevada de una escala argumentativa,

fortemente. Más bien se complementan a la vez que

como bien detalla Fuentes Rodríguez (2009, p. 323), este

existe, implícitamente, un efecto de oposición debil,

elemento “introduce un valor enunciativo de elección”,

pues parece haber una implicación entre las nociones de

que supone una “intervención del locutor”. En este caso,

responsabilidad e información. De esta manera, lo antes

el enunciador especifica el campo que su perspectiva

visto como una cuestión pragmática de argumentación

(confusión sobre el consumo de la marihuana) abarca

o un aspecto estructural, también puede ser entendido

(entre las jóvenes). Tal mecanismo enunciativo puede

como un rasgo enunciativo que marca la presencia del

desatar efectos de sentido tales como acercamiento entre

sujeto al relacionar dos enunciados caracterizados por

los interlocutores, conocimiento sobre el problema en

la fuerza asertiva en primera persona.

este grupo específico de la sociedad o reafirmación de la idea del texto base. Independientemente de los posibles sentidos, la elección y ubicación del marcador no es un

A seguir, presentamos la segunda muestra, publicada en diario español El País:

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

481

http://sociedad.elpais.com/sociedad/2012/08/28/actualidad/1346140087_856467.html

En este texto, los rasgos enunciativos se dan

Además de este valor contextual, podemos

no solamente por el empleo de las letras mayúsculas

observar que el uso del conector y con valor adversativo

y del negrito y, si lo analizamos desde la perspectiva

puede indicar el relieve del fragmento juntamente

estrictamente argumentativa, observamos que este

con el empleo de las letras mayúsculas. Por otro lado,

ejemplo tiene algunos problemas de conexión entre

este enunciado es explícitamente dialógico al marcar

tesis y argumentos (vemos que la construcción textual

lingüísticamente la figura del enunciatario con rasgos

elaborada por el locutor se basa en encadenamientos de

del registro informal.

enunciados asertivos). En tal caso, el conector aditivo y podría introducir un enunciado que contrapone la idea anterior, lo que implica que el valor de y es semejante al de pero, en ese contexto.

Por último, a modo de comparación, presentamos el ejemplo en portugués, publicado en el periódico brasileño Folha de S. Paulo:

http://comentarios.folha.com.br/comentarios?comment=5813619&skin=folhaonline

En esta muestra, observamos el uso reiterado

caso. El primero tiene el valor de sobreeargumentación,

del conector aditivo e, pero con valores distintos en cada

semejante a además, introduciendo un enunciado de

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

482

valor argumentativo secundario, como si fuera un

elementos. En primer lugar, pueden desencadenar

argumento extra. Por otro lado, el segundo uso de e

efectos únicos de sentido considerando que el sujeto se

tiene el valor de relieve como perteneciente a una escala

marca de forma singular en la materialidad lingüística.

argumentativa (muy cercano a uno de los valores de

En segundo lugar, el análisis del conjunto de empleos

incluso).

específicos de marcadores puede esbozar la figura de un

Enunciativamente, este encadenamiento del conector e produce el efecto de sentido de los enlaces en secuencias narrativas en la modalidad oral. En ese caso, el locutor introduce enunciados de valor inyuctivo y proyectivo, destacando su perspectiva.

ethos, por ejemplo, más asertivo, más digresivo o más metódico. En tercer lugar, al considerar la presencia de un marcador, más que reflexionar sobre su estructura, es importante analizar los efectos de sentido que su empleo desencadena en una materialidad, además de sus causas y implicaciones de la elección de uno u otro

Con relación al restructurador reformulativo

marcador. Tal aspecto es uno de los principales ejes para

aliás, esa unidad tiene el valor digresor, cambiando

pensar sobre el trabajo didáctico con los marcadores

el enfoque para reforzar el argumento y simula la

en el ámbito de E.L.E., ya que tales expresiones pueden

informalidad en la modalidad oral al insertar el

revelar efectos enunciativo-discursivos que contribuyen

enunciado como si fuera algo de que el locutor acaba de

al proceso de reflexión del dicente al marcase en la lengua

acodarse gracias al asunto que se está tratando, aunque

extranjera y en su propia lengua.

no esté necesariamente implicado en el tema. En lo que atañe a la enunciación, se destaca el efecto de pertinencia del enunciado, mostrado como algo surgido en la espontaneidad de la oralidad. Sin embargo, tales unidades suscitan efectos algo diversos de los encontrados en los enunciados en español, una

Referencias bibliográficas ARMENGAUD, F. (2006): A Pragmática. Tradução Marcus Marcionilo. São Paulo: Parábola.

vez que los locutores se marcan de forma irrepetible en

BENVENISTE, E. (2005): Problemas de Lingüística Geral I. 2

un análisis que considere otros elementos lingüísticos

ed. São Paulo: Pontes, 2005.

como los pronombres, verbos y adverbios, entre otros.

DOMÍNGUEZ GARCÍA, M. N. La organización del discurso argumentativo: los conectores. Salamanca: Ediciones

3. Consideraciones finales

Universidad de Salamanca, 2002. FLORES, V. N. et al (2009a): Dicionário de Linguística da

Con frecuencia, se listan una serie de valores

Enunciação. 1 ed. São Paulo: Contexto.

procesuales o contextuales de los marcadores, lo que

______ (2009b). Enunciação e Gramática. 1 ed. São Paulo:

promueve un énfasis en sus características estructurales y

Contexto.

/ o funcionales o en los aspectos de naturaleza cognitiva, puesto que el sujeto que se considera en estos contextos es el psicobiológico, es decir, el hablante y su interlocutor. Como hemos visto, tales particularidades son importantes, pero no son únicas, tampoco suficientes

FLORES, V. N.; TEIXEIRA, M (2005). Introdução à Lingüística da Enunciação. 1ª ed. São Paulo: Contexto. FUENTES RODRÍGUEZ, C. (2009): Diccionario de conectores y operadores del español. Madrid: Arco Libros.

para abarcar el fenómeno del sentido como, por

MARCUSCHI, L. A. (2008): Produção textual, análise de

ejemplo, la evidencia de la polifuncionalidad de algunos

gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

483

MARTÍN ZORRAQUINO, M. A. y PORTOLÉS LÁZARO, J.

HENDGES, Graciela. R. Análises de textos e de discursos:

“Los marcadores discursivos”. In: BOSQUE, I. y DEMONTE,

relações entre teorias e práticas. Santa Maria: PPGL-UFSM.

V. (dirs.) (1999): Gramática descriptiva del español. Madrid: Espasa, v. 5, p. 4051-4213.

SILVA FERNANDES (2012): Los marcadores discursivos a partir de una perspectiva retórico-enunciativa: cómo los

SANTOS RÍO, L. (2003): Diccionario de partículas. Salamanca:

efectos de sentido surgen en la lengua. Em Actas del II Coloquio

Luso-Española.

Internacional Marcadores del discurso en lenguas románicas: un

SILVA FERNANDES, I. C. (2005): Los marcadores discursivos en la argumentación escrita: estudio comparado en el español de España y en el Portugués de Brasil. Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 1 CD-ROM, (Colección Vítor).

enfoque contrastivo, Buenos Aires. Disponível em http://www. coloquiomarcadores.com.ar/archivos/Actas_II_Coloquio_ internacional_marcadores.pdf. Acessado em 20/08/2012. TRASK, R. L. (2008): Dicionário de Linguagem e Linguística.

SILVA FERNANDES, Ivani. C. (2008): A produção de sentidos

Tradução e adaptação Rodolfo Ilari. São Paulo: Contexto.

na argumentação: um percurso entre marcadores discursivos e o ethos. Em: MOTTA-ROTH, Desirée; CABAÑAS, Teresa.;

Nota 1 Debemos tener en cuenta que el desconocimiento de las reglas de puntuación por parte del emisor o las decisiones estilísticas pueden ser aspectos definitivos en el momento de identificar un marcador.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

484

OBSERVAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO CORTESANIA/ RUSTICIDADE NA CENA IBÉRICA

Jamyle Rocha Ferreira Souza PG-UFBA

O dramaturgo português Gil Vicente produziu

cultural só favoreceu o diálogo entre eles. A existência

sua obra teatral, cerca de cinco dezenas de textos, entre

de uma forte aliança cultural ibérica nos meados do

1502 e 1536. Desenvolveu suas peças no seguimento do

século XV ao do século XVII é um dado quase que

teatro ibérico religioso e popular como já se fazia no

inquestionável. Seria, pois, natural que Gil Vicente

reino de Castela. Os temas pastoris, presentes nas éclogas

mantivesse contato com os dramaturgos castelhanos.

dos dramaturgos castelhanos Juan del Encina (1468-

Maria Idalina Resina Rodrigues, em De Gil Vicente a

1529) e Lucas Fernández (1474-1541), influenciaram

Lope de Vega, afirma que ao longo de toda obra vicentina,

fortemente a primeira fase da produção teatral vicentina

de forma sistemática e relativamente constante, se

(entre 1502 e 1510) e permaneceram esporadicamente

encontram técnicas compositivas do teatro de Encina e

em sua obra posterior.

de Fernández (RODRIGUES, 1999).

Sabe-se que no século XV um dos focos da

Recorde-se que Juan del Encina inicia o seu

produção teatral é a corte, os palácios do rei e casas

teatro em 1492, com a responsabilidade de entreter

senhoriais. Existia forte tendência nas cortes dos

seus amos, os duques de Alba, para os quais ele exerceu

príncipes feudais do fim da Idade Média em teatralizar

atividades de músico, poeta e dramaturgo (tanto de autor

quase todos os acontecimentos da vida cotidiana.

como ator dramático). O mesmo viria a acontecer com

Motivados por acontecimentos e comemorações os

Lucas Fernández, que continuou o trabalho de Encina

mais variados, organizam-se desfiles, danças, jogos,

e cuja obra teve como inspiração primeira. No caso

torneios e espetáculos diversos (PÉREZ PRIEGO, 1991).

do dramaturgo português, ele exerce suas atividades

É nesse sentido que Gil Vicente, Juan del Encina e Lucas

artísticas nas cortes do rei D. Manuel I e de seu filho

Fernández são considerados “artistas de corte”, se bem

D. João III. A partir da apresentação da sua primeira

que Gil Vicente move-se em um “quadro sociológico

peça, Auto da Visitação, em 1502, até sua morte, entre

mais amplo e decerto mais heterogéneo” (BERNARDES,

1536-1540, seria o responsável pelas festas da corte como

2006, p. 128).

escritor, diretor de cena e, algumas vezes, como ator, ou,

São muitos os elementos de coincidência ou

nas palavras da época, “mestre de cerimônias”.

contato entre Gil Vicente e os dramaturgos castelhanos

Um traço fundamental no teatro de Encina e

do seu tempo. A proximidade cronológica, geográfica e

Fernández marca profundamente a obra vicentina: o

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

485

tratamento dado à personagem do pastor. Os jogos, as

de seu teatro fizeram do pastor sua marca registrada

distrações, as relações familiares bem como as amorosas,

(BERNARDES, 2005). Desse modo, até que ponto,

as preocupações do cotidiano, o modo de falar, as

então, as obras dos dramaturgos castelhanos, Encina e

atividades com seus animais, são alguns dos assuntos

Fernández, foram fundamentais na criação e constituição

explorados para demonstrar nos palcos palacianos o

do teatro vicentino. É bastante provável que Gil Vicente

dia-a-dia de um homem rústico. De onde vem nossa

tenha aproveitado e valorizado os elementos formais do

adoção da relação rusticitas/urbanitas, um tema de larga

teatro castelhano na dicotomia corte/campo, com tudo o

presença na história da literatura. É muito frequente no

que isso implica em nível estético, sociológico e cultural.

teatro ibérico medieval o tema do rústico/pastor nos

Resta-nos saber de que maneira Gil Vicente assume uma

ambientes palacianos. Com efeito, o teatro de fundo

posição mais dinâmica do que seus contemporâneos,

pastoril/rústico acaba por delinear uma determinada

quando avança no tratamento com as culturas, rústica

“técnica dramática” mais apropriada a sua representação,

e cortesã. É fato que sua tipologia rústica se amplia

técnica esta construída, de modo geral, sobre o

(lavradores, vilões e parvos) e sai dos limites do teatro

estabelecimento do “conflito” entre os mundos rústico/

de fundo pastoril. O manejo vicentino com o topos do

pastoril e civilizado/cortesão, condicionando, por sua

rústico na corte se realiza em contextos variados, no

vez, o “registro” rústico ou elevado das personagens,

momento em que se trata de recurso cênico que se opera

como demonstra Alexandre Soares Carneiro, em Notas

em bases de transformação do gosto artístico da corte

sobre as origens do teatro de Gil Vicente (CARNEIRO,

portuguesa.

1992).

Nesse cenário, o uso das duas categorias, Nesse sentido, o uso do topos do rústico na corte

rusticidade e cortesania, é uma tendência perceptível

revela uma nova postura estética. O crítico português

do teatro ibérico medieval que não escapou aos

José Augusto Cardoso Bernardes, em Sátira e Lirismo no

comentários do cronista Garcia de Resende. Na estrofe

Teatro de Gil Vicente, um dos trabalhos contemporâneos

186, da Miscelânea, a respeito de Gil Vicente, Resende

mais significativos de análise da obra vicentina, salienta

afirma:

que Esta «invasão» dos salões palacianos pelos pastores é explicitamente comparada por Díez-Borque a um verdadeiro «salto mortal», na medida em que implica o arriscado confronto com a poesia cortesanesca, muito mais conceituada entre o público em questão, e cumprindo na sua vertente recreativa, funções algo semelhantes. Essa revolução artística centra-se, de facto, numa aposta a favor da autenticidade contra a insinceridade frívola e hipercodificada da cultura cortesã no seu todo e traduz-se em vincadas marcas de realismo linguístico e comportamental (BERNARDES, 2006, p. 129-130).

Assim pensando, não é de se estranhar que o sistema dramático de Gil Vicente esteja intimamente envolvido com essa “revolução artística”. Parece-nos, como indica o crítico português José Augusto Cardoso Bernardes, que as circunstâncias de produção e recepção

elle foy o que inventou isto Ca, e o usou cõ mais graça e mais dotrina, posto que Ioam Delenzina o pastoril começou (RESENDE, 1973, p. 363).

A assertiva de Resende já nos indica duas questões fundamentais para compreensão desse tema. A primeira diz respeito à realização cênico-dramática vicentina. O dramaturgo português segue os passos dos poetas castelhanos, contudo, suas formas estéticas se desenvolvem a níveis mais elevados. E a outra questão diz respeito ao papel de Juan del Encina como iniciador do elemento pastoril na cena ibérica. Encina faz com que o pastor ocupe lugar central na arte literária peninsular. É na sua obra que o pastor, embora ainda seja figura plana

486

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

e estereotipada, adquire considerável independência

rival e mentor, Juan del Encina. A Comedia de Bras-Gil

actancial e temática (BERNARDES, 2006).

y Beringuella, representada durante as festividades de

As éclogas encinianas apresentam pastores maldizentes, devotos, religiosos, enamorados, cômicos, materialistas etc. A inserção dessa galeria de pastores é elemento-chave que produz o tema da relação entre a corte e o campo na cena ibérica medieval. Na écloga VII de Encina, por exemplo, o pastor Mingo está apaixonado por Pascuala, uma pastora que também está sendo cortejada por um escudeiro. A luta de palavras entre os dois homens e as promessas que ambos fazem a Pascuala demonstram nitidamente a encenação do encontro entre a corte e a aldeia. O escudeiro é um nobre, dado às letras, promete a Pascuala dar a sua fé, a sua riqueza e seu amor. Mingo é um rústico desajeitado que faz suas promessas com “mil cosicas/ que, aunque no sean muy ricas,/ serán de bel parecer” (v.v. 110-112). O tom de rusticidade se intensifica quando Mingo enumera suas “mil cosicas”:

Corpus Christi de 1501, tem a mesma matriz da écloga enciniana que acabamos de citar. Na peça de Encina, o rival do pastor era um escudeiro, já na obra de Fernández quem faz a intervenção é o avô da pastora Beringuella. A intriga da peça gira em torno do caso do amor dos pastores Brás-Gil e Beringuella. A figura do avô, Juan Benito, que aparece quase no final da peça, funcionará como elemento desestabilizador no episódio amoroso dos pastores. Aqui não é patente um contraste entre as personagens, pois ambos fazem parte de um mesmo universo, a não ser pela diferença de idade. A relação entre corte e campo se dá entre público (nobres) e palco (rústicos). A discussão na peça se resolve quando Miguel Turra, personagem mediador, resolve o conflito entre Brás-Gil e Juan Benito, realizando o casamento dos jovens. A segunda peça de Gil Vicente, Auto Pastoril

[…] Y frutas de mil maneras le daré dessas montañas: nuezes, bellotas, castañas, mançanas, priscos y peras. Dos mil yerbas comederas: Cornezuelos, botiginas, pies de burro, çapatinas, y gavanças y azederas (v.v. 137-144) (ENCINA, 1991)

Castelhano, encenada no natal de 1502, tem uma imitação direta com essa peça de Lucas Fernandez, mas destaco aqui a personagem principal que se distingue dos demais pelo seu caráter especial. O seu nome é Gil (coincidência ou proposital?) e possui uma fé inabalável. A didascália do auto vicentino informa que ele é “um pastor inclinado à vida contemplativa, e anda sempre

Enquanto o Escudeiro fala em uma linguagem

solitário”. É misterioso, dado à contemplação da natureza,

estilizada da lírica cancioneiril, o pastor Mingo faz uso

solitário, mas convive bem com os companheiros. Gil é

de um vocabulário comum à linguagem do campo que

um personagem atípico. Distingue-se das personagens

pode ser entendido como grosseiro e rude. Pela maneira

pastoris do teatro de Encina e Fernández. Para Saraiva,

diferente de se comportar, a cena leva vantagem ao

Gil Vicente de forma intencional dera a Gil Terrón um

cômico. É nítido que a maneira como se apresenta os

“caráter anômalo” (SARAIVA, 1970, p. 116) que foge do

dois mundos, corte e campo, favorece para a construção

estereótipo. Ele não enxerga as coisas como qualquer

do rústico-cômico. A peça termina com o escudeiro

outro rústico:

ganhando a disputa com a condição de fazer-se de pastor. Na obra de Lucas Fernández o tema do encontro entre a corte e a aldeia se constitui como uma extensão da obra enciniana. Encontra-se em abundância elementos de contatos no que diz respeito a esse tema com seu

Y aún por eso que yo sospecho me aparto de saltijones; que vanas conversaciones ño traen ñingún provecho. Siempro pienso en cosas buenas yo me hablo yo me digo; tengo paz siempre comigo,

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

487

sin las penas, que dan las cosas ajenas (v.v. 97-105).

Referências bibliográficas

[…] Bras: Di Gil Terrón tú que has que siempre andas apartado

BERARDINELLI, Cleonice (1997): O rústico no teatro vi-

Gil: Mi fe cuido mal pecado que ño se t’entiende más. tú que andas siempre em bodas corriendo toros y vacas qué ganas tú o qué sacas dellas todas? asmo asmo que t’enlodas (v.v. 25-33) (VICENTE, 2002)

centino. Em: Semear. Rio de Janeiro, vol.1, n. 1, p. 125 a 138. BERNARDES, José Augusto Cardoso (2006): Sátira e lirismo no teatro de Gil Vicente. Lisboa: INCM. BERNARDES, José Augusto Cardoso (2005): Le Berger et Le Palais: autres significations de l’ esthétique pastorale dans Le théâtre de Gil Vicente. Em: Sociabilités intellectuelles. LisboaParis: Centro Cultural Calouste Gulbenkian.

A partir deste fragmento, constata-se a dicotomia

CARNEIRO, Alexandre Soares (1992): Notas sobre as ori-

entre ele e os outros pastores que, naturalmente, pensam

gens do teatro de Gil Vicente. 126 f. Dissertação (Mestrado

que a vida tem de ser desfrutada e aproveitada. A atitude

em Teoria Literária) – Instituto de Estudos da Linguagem,

de Gil Vicente na composição da personagem Gil Terrón

Universidade de Campinas, Campinas.

nos faz compreender que já na segunda peça a sua

ENCINA, Juan del (1991). Teatro Completo. Edición de Miguel

originalidade e engenho começam por aparecer.

Angel Pérez Priego. Madrid: Cátedra.

Em suma, cenas do topos do rústico na corte

FERNÁNDEZ, Lucas (2004). I. Farsas y églogas. II. Sacras.

fazem parte do teatro vicentino desde a sua primeira

Edición de Juan Miguel Valero Moreno. -1a ed.– Salamanca:

peça, Visitação (1502). Cleonice Berardinelli, no

Ediciones Universidad de Salamanca.

seu ensaio “O rústico no teatro vicentino”, em um rápido percurso cronológico pela obra de Gil Vicente, demonstra que a personagem proveniente do povo no

PÉREZ PRIEGO, M. A (1991). Introducción. Em: ENCINA, Juan del. Teatro Completo. Madrid: Cátedra, p. 11-94.

teatro vicentino, em sua maioria, “se constitui, quase,

SARAIVA, Antônio José (1970). Gil Vicente e o fim do Teatro

de rústicos – pastores, lavradores e vilãos, pastores,

Medieval. Lisboa: Publicações Europa-América.

sobretudo” (BERARDINELLI, 1997, p. 125). É nesse sentido que traçar e analisar a relação cortesania/ rusticidade na cena ibérica, caracterizando sua atuação

RESENDE, Garcia (1973). Crônica de D, João II e Miscelânia. Lisboa: INCM.

e possível evolução, pode contribuir para a compreensão

RODRIGUES, Maria Idalina Resina (1999). De Gil Vicente a

do expediente dramático, dos arranjos estéticos e seus

Lope de Vega. Lisboa: Teorema.

processos de estilo na obra de Gil Vicente, que representa com primazia o que foi o Teatro Medieval Português, bem como nas obras dos dramaturgos espanhóis, Juan del Encina e Lucas Fernández.

VICENTE, Gil (2002). As Obras de Gil Vicente. Direção científica de José Camões. Lisboa: Centro de Estudos do Teatro da Faculdade de Letras / INCM. Disponível em: http://www. fl.ul.pt/centros_invst/teatro/pagina/centro-estudos teatro.htm Acesso em: 25 jan. 2009.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

488

LA COLMENA, DE CAMILO JOSÉ CELA:

CONCEITOS DE GROTESCO

Jany Alfaia PG-UFAM

Antes de começarmos a falar do grotesco temos

animalização também se aplica fundamentalmente ao

primeiramente que discutir os conceitos que remetem

ridículo, ao vergonhoso, a evidência de uma condição

ao termo, especificamente como forma de expressão

moral graficamente expressa em animais como: cobras,

presente na leitura. Sem dúvida, esses conceitos são

loros, cordeiros, grilos e porcos.

relativos aos vários períodos históricos ou às várias culturas. Podemos encontrá-los em livros como, por exemplo: A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento, no qual Bakhtin afirma que “o grotesco não foi compreendido nem apreciado de acordo com seu valor, nem encontrou um lugar no sistema estético” (2002, p.39). O que nossa tradição ocidental considera como grotesco, para determinadas culturas era ou ainda é considerado belo. Para o teórico, o grotesco é a sensibilidade espontânea de uma forma de vida. É algo que ameaça continuamente qualquer representação, seja ela escrita ou visual ou até comportamental marcada pela excessiva idealização. No texto de La Colmena o narrador associa seus personagens com animais, ficando submetidos a uma

Ao longo da obra o narrador demonstra sua prodigiosa habilidade na capacitação de ambientes, chegando, em algumas ocasiões, à linguagem crua e brutal, próprio de uma ótica quase grotesca, como indicam as constantes referências à animalização de suas personagens: el gitano tiene cara de animal domestico, de bestia sucia, de pervertida bestia de corral (p. 83). Martín Marco ruge como león (P.98); doña Rosa parece una foca sucia (p.102); Petrita tenía una belleza extraña, como una leona recién casada (p.129); Julio García Morrazo era como un ternero, con ganas de saltar y brincar como un potro salvaje (p.169); La madre de Victorita es una bestia (p. 196); Lola, gorda, desnuda y echando humo, parece una foca de circo (p.253); La Filo adopta una expresión como de esas terneras que aun alientan (p.279).1

degradação sentimental que os aproxima à características da literatura grotesca clássica. Esse processo comparativo

Conforme Victor Hugo (1998), o grotesco

já estava presente no grotesco medieval, são fundamentos

é o cômico, o feio, o monstruoso, a palhaçada, mas,

dos recursos satíricos de Quevedo, Gracián e Valle-

sobretudo, um mundo novo e geral de conceber o fato

Inclán. Essa técnica compara atitudes humanas a seu

estético, pois termina irrompendo, na visão hugoana,

correspondente animal, apresentando um mundo

em qualquer lugar onde aconteça a produção simbólica.

expressionista, sem sentimentos, onde a característica

O grotesco seria ainda um gênero literário que existe

fica reduzida a imagem de uma máscara. Na obra, a

desde 1532 e se ligaria ao escritor, padre, médico francês

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

489

François Rabelais, que era autor das obras primas

Em geral, a trama social da narrativa pode ser

cômicas que exploravam lendas populares, farsas e

simplificada falando de alguns grupos, os dos enrique-

romances. Para ele as principais características do estilo

cidos exploradores e o dos pobres e fracassados, sempre

grotesco seriam o uso do cômico, do bizarro, do absurdo.

explorados e assolados pela miserável existência diária.

É por isso que, quando comparamos esses dois conceitos de grotesco, compreendemos que sofreram mudanças no sentido tradicional da palavra conforme o curso da história. Embora distintos, possuem o sentido grotesco a que nos referimos, ou seja, não só no sentido

O tema central da obra é a incerteza dos destinos humanos, na qual os protagonistas não pretendem conseguir nada de especial na vida, mas simplesmente sobreviver a um período no qual não se sabe o que ocorrerá no dia seguinte, pois talvez, não tenham nada para comer.

do feio estético, mas no que se refere ao insólito, que

Além disso, existem temas secundários como o

é elemento presente nas narrativas, pois se configura

sexo, que é uma necessidade destas personagens, mas

em características atrativas, ou seja, acontecimentos

sem amor, e a pobreza que os une. Estes personagens es-

incomuns que podem ser considerados grotescos, como

tão em contínua preocupação com a alimentação escassa,

vemos no texto, quando o narrador nos fala de Dorita,

o tédio, a hipocrisia e a humilhação, de uma sociedade

expulsa de casa por ter tido um filho solteira, “La criatura

sem perspectiva. A estrutura da obra se compõe de seis

fue a morir, una noche en unas cuevas que hay sobre el

capítulos e um final, no qual cada capítulo está integrado

rio Burejo, en la provincia de Palencia. La madre no dijo

por uma série de sequências. Sendo em geral, cada uma

nada a nadie: le colgó unas piedras al cuello y lo tiró al

centrada em uma personagem ou em várias que estão

río, a que se le comieron las truchas.2

relacionadas.

Para melhor compreensão do grotesco na

Como resumo da obra, podemos dizer que a

literatura, nos centraremos na análise do romance

história de La Colmena se passa na Madri miserável

social espanhol La Colmena, que teve sua primeira

do pós-guerra, mas especificamente no bar de dona

edição publicada na Argentina, devido à censura na

Rosa, onde seus clientes são pessoas que não aspiram

Espanha. Apesar disso, a obra foi conhecida por críticos

nada na vida, só se lamentam pelo que passou. Quando

renomados e lida por pessoas bem informadas da

não estão no bar, estão nos bordeis a procura de sexo,

sociedade espanhola da época.

que é uma necessidade dos personagens, mas muitas

La Colmena é o romance de Cela, com mais de 300 personagens, que em forma de protagonismo coletivo, representa a amarga existência da cidade de Madri no período do pós-guerra, ao longo de três dias de inverno de 1942. Seu estilo é conhecido como tremendismo (Corrente estética desenvolvida na Espanha durante o século XX, caracteriza-se por um exagero dos aspectos mais cruéis da realidade). É uma obra aberta na qual não existe nem enredo nem solução, são fragmentos de histórias de um conjunto de pessoas. A vida da cidade fica representada na narração de peripécias cotidianas

vezes sem amor. Não existe protagonista, todos os personagens possuem certa importância na narrativa, como o escritor, Martín Marco, que está desempregado, não tem documentos nem dinheiro, vive perambulando pela cidade em busca de trabalho e se esconde da polícia. Depende da caridade de sua irmã Filo que às vezes lhe dá algo para comer, escondida de seu marido Roberto, com quem Martín não se dá bem. Este dorme no bordel de dona Jesusa que lhe empresta o quarto seu filho, morto na guerra, para que ele durma com Pura, uma das prostitutas do bordel.

desses personagens das mais e humildes camadas sociais

Estudando os conceitos de grotesco em

e de algumas pessoas da classe média empobrecida de-

dicionários e livros, encontramos diversas características

pois da Guerra Civil espanhola.

na narrativa de La Colmena, porém o que mais se

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

490

identifica ao que queremos definir em nossa análise é

Para Umberto Eco (2007), a velhice é uma

o grotesco visto como uma deformidade física, porque

forma que serve para evidenciar as horripilantes formas

acredita-se que, durante a antiguidade as deformidades

que uma mulher pode assumir. Como por exemplo:

físicas eram anúncios de infortúnios vindouros. Não

Dona Ramona Bragado que já não tinha mais idade

obstante, Victor Hugo reconhece que no pensamento

para trabalhar como prostituta e se prestava ao papel

dos modernos “o grotesco tem papel imenso. Aí está por

de cafetina nas casas de encontro; ou Mercedita Olivar

toda parte; de um lado cria o disforme, e o horrível, do

Vallejo, uma menina que aos treze anos que foi vendida

outro, o cômico e o bufo” (1998, p.22).

por 500 pesetas pela cunhada de sua avó, uma velha que

O grotesco na modernidade está nas guerras, na fome, mas também pode estar em algo engraçado,

se pintava como uma macaca e usava peruca, Mercedita vive na casa de encontros de dona Celina.

naquilo que agrada que suscita admiração, que atrai

Outra manifestação do grotesco que podemos

as pessoas através de sua forma. O grotesco não

encontrar em La Colmena são as constantes descrições

necessariamente precisa ser feio, ele pode satisfazer

do narrador concernentes ao físico das personagens ou à

através de uma virtude, pode estar no espiritual, em

natureza corporal de suas necessidades: secreções, fome,

uma qualidade da alma. Em La Colmena o grotesco

luxúria, degeneração, podridão, fedor e repugnância.

está nas tragédias, nos minúsculos dramas do relato dos

Para Eco (2007) tais coisas são grotescas, não apenas

personagens descritos pelo narrador.

no sentido moral, mas no sentido físico, isso acontece

Encontramos vários fragmentos considerados como grotescos na narrativa de La Colmena (1992), dentre os quais podemos citar a feiura feminina, na qual o narrador condena a fealdade dos corpos das mulheres e seu caráter, como vemos nas linhas em que é descrito a dona do bar: Doña Rosa tiene La cara llena de manchas, parece que está siempre mudando de piel como un lagarto. Cuando está pensativa, se distrae y se saca virutas de la cara, largas a veces como tiras de serpentinas. Después vuelve a la realidad y se pasea otra vez, para arriba y para abajo, sonriendo a los clientes, a los que odia en el fondo, con sus dientecillos renegridos, llenos de basura (p.48).3

O que chama a atenção a respeito da representação da mulher, na narrativa de La Colmena é a maneira como o narrador reflete a ideia de que na aparência habita uma malícia nefasta e sedutora. Mas o comum entre essas mulheres são os apuros e as misérias a que se destinam, tendo que vender seus corpos em troca de comida ou dinheiro, como Petrita, que se vê obrigada a entregar-se a Celestino Ortiz por 22 pesetas.

porque suscitam nojo, susto, repulsa independentemente do fato de que possam inspirar piedade, desdém, instinto de rebelião ou solidariedade, como observamos nestas linhas: Doña Matilde, gorda, sucia y pretenciosa, cliente del café, que huele mal y que tiene una barriga tremenda, toda llena de agua (p.29); Los niños que allí juegan al tren interminablemente, piensan del señor que les reconviene que la boca le huele como goma podrida (p.37); La uruguaya, una golfa, es mujer repulsiva con el cuerpo lleno de granos y de bubones, igual, probablemente, que el alma (p.10); La niña que lo que más le gusta es ver cómo mean los hombres (p.24); Martín Marco recuerda cierto extravío carnal con su hermana, es de suponer que de muchachos, y lo justifica con un decir comarcal y una aseveración darwiana: Ya decía el guardia gallego: carallo teso, no cree en Dios. Los hombres en esto seguimos siendo como animales (37)4.

Na obra, dissemina-se o grotesco através da descrição física dos personagens. A crueldade está presente na narrativa por meio da situação em que se apresentam. Algumas descrições nos levam ao extremo da revelação desoladora, ou seja, a lembrança da guerra. As deformidades apresentadas no romance nos permitem analisar a índole de cada personagem de diversos pontos de vista.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Os autores Sodré e Paiva (2002, p. 10) afirmam que:

491

males denominados fome e pobreza. Uma metáfora a outros horrores, a incerteza, a dificuldade de sobreviver

a criação do grotesco pode surgir na visão de quem sonha, de quem devaneia, de quem exprime uma visão desencantada da existência,assimilando-a como um jogo de máscaras ou uma representação caricatural. Desta maneira, pode assumir formas fantásticas, horríveis, satíricas ou simplesmente absurdas.

Através dessa visão desencantada da existência, a obra faz uma alusão a Madrid como um problema pósbélico, no qual sempre se fala de uma situação dolorosa, trágica, de um meio hostil, onde se oferece uma visão da vida limitada. A realidade da sociedade espanhola do pós-guerra, como afirma Cela, é “áspera, entranhável e dolorosa” (1992, p.7). O grotesco está identificado na obra também como os doentes infelizes, porque uma doença ou uma deformidade do corpo fazem parte de como o feio é visto através do sofrimento. Na arte observamos que algumas pinturas retratam a doença como se a mesma carregasse consigo a feiura, isso não foge à literatura. Em La Colmena, o narrador faz referências a deformações físicas e a doença, ou seja, expressa as formas mais repugnantes da decadência física. A Victorita Le reprocha su madre que continúe apegada al novio enfermo: ¿Cuándo dejas a ese tísico? ¡Anda, que vas a sacar tú de ahí (p.2); Las putas de lujo abortan y, si no pueden, ahogan a la criatura en cuanto nace, tapándole la cabeza con una almohada y sentándose encima (p.27); Mariana quela pobre está enferma y no puede moverse de la cama, tiene dieciocho años (p.253); Los hermanos de Purita viven solos. La madre murió, tísica y desnutrida (p.256); La cancerosa que aguanta su dolor, la ciega que espera a que pasen las horas, la tonta de boca entreabierta y dulce babita colgando (p.203).5

A doença é representada na obra, quando o

em uma cidade diante da devastação produzida pela guerra civil. Embora essa doença seja na verdade um mal incurável, do qual tantos padeceram àquela época, o grotesco também está naquilo que manifesta dor, medo e desesperança. Conforme Eco (2007, p. 421), o grotesco hoje está nos espetáculos horríveis pelos quais nos vemos cercados. São imagens de populações onde crianças morrem de fome, reduzidas a esqueletos de barriga inchada, nas quais onde são torturados, onde vemos membros dilacerados pela explosão de um arranha-céu ou um avião em voo, vivemos no terror de que isso possa acontecer conosco. Nas páginas de La Colmena, o narrador faz algumas referências à incerteza de todos, à miséria de suas vidas, a absoluta falta de ilusões e de esperança. O resultado de tudo isso é o estranhamento de cada um com respeito aos outros e até consigo mesmo, pelas circunstâncias sociais da época da Madrid do racionamento. As consequências da guerra, o medo e a insegurança que invadem as pessoas eram motivos para uma visão grotesca do mundo dos que estavam familiarizados com a morte. Como podemos ver nas descrições do narrador: Al padre lo fusilaron (p.256); En el frente de Asturias, un mal día le pegaron un tiro en un costado y desde entonces el Julio García Morrazo empezó a enflaquecer y ya no levantó cabeza; lo peor de todo fue que el golpe no resultó lo bastante grande para que lo diesen inútil; otros, al lado suyo, se habían quedado en el campo, tumbados panza arriba. Su primo Santiaguiño, sin ir más lejos, que le dieron un tiro en el macuto donde llevaba las bombas de mano y que el pedazo más grande que se encontró no llegaba a los cuatro dedos (p. 169-170).6

narrador descreve o noivo de Victorita às portas da morte ou no seu lento decurso de uma enfermidade

Para Wolfgang Kaiser, o grotesco se relacionaria a

devido a uma doença pulmonar. Na verdade o que o

algo que se afasta da realidade, como sobrenatural, como

autor pretende representar com esta personagem são

absurdo; representa um mundo não natural; ele viola

os excluídos da sociedade, fragilizados por aqueles

os padrões e essa violação produz monstros, que não

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

492

estão de acordo com uma ordem pré-estabelecida e, sua

fazendo uma alusão ao francês Rabelais, que foi o grande

liberdade fantasiosa e fantástica, se liga simbolicamente

representante do grotesco ou talvez só queira definir

às relações humanas. Kaiser afirma que: “as figuras

suas características através dele, como vemos neste

grotescas, distorcidas, deformadas e monstruosas não

exemplo: um loro de mucho cuidado, um loro procaz

mantém nenhuma relação com o real” (1999, p.20).

y sin princípios, um loro descastado [...] se descuelga

Não estamos de acordo essa afirmação de Kaiser, pois

declamando ordinarices y pecados com voz cascada de

acreditamos que o grotesco pretende, através de uma

solterona vieja” (p.160).8

pintura ou uma narrativa, definir a realidade sem censura ou limites, representando o mundo por meio do feio, para que as pessoas possam deduzir a história, embora esta tenha que ser determinada pelos padrões da época.

Enfim, estudamos alguns conceitos de grotesco e vimos que ser grotesco não significa ser feio, mas pode facilmente ser identificado como repulsivo. Isso acontece porque o feio provoca estranhamento, porém depende da expressão de quem contempla. Reconhecemos

Na concepção de Eco, narizes com verrugas, pele

que o grotesco é uma forma de expressão presente na

flácida e coxas gordas, podem ser belos e fascinantes.

humanidade, pode ser encontrado na arte, na literatura

Para ele, os corpos feios são mais interessantes que os

e sua evolução através das épocas continua sendo

belos, porque a feiura não conhece limites. Embora tenha

estudada.

admitido que a feiura, assim como a beleza, está nos olhos de quem as contempla, ponderou que esse pendor que é formado com estranheza é a realidade, um traço

Referências bibliográficas

universal. (2007, p.10). Em La Colmena o autor se distancia do preconceito estético quando descreve seus personagens feios, que apesar da aparência não deixam de ter grande destaque na narrativa. Uma história feia, com

BAKHTIN, Mikhail. A Cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. 5. Ed. São Paulo: Hucitec, 2002. CELA, Camilo José. La Colmena. Madrid: Alianza, 1992.

protagonistas feios não representa a crueldade ou

ECO, Umberto. História da Feiura. Rio de Janeiro:

não remetem a um momento infeliz, pessoas tem

Record, 2007.

características diversas e a inquietação pode ser vista tanto no belo quanto no grotesco. Como nas linhas em que Cela descreve o momento em que Filo e seu marido fazem amor: “Filo sonrie a su marido en la cama, y su

HUGO, Victor. Do grotesco: configuração na pintura e na literatura. Tradução J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1973.

sonrisa muestra uma caries, Honda, negruzca, redonda”

______. Do grotesco e do sublime. Tradução do prefácio

(p.32).7

de Crowell. Tradução e notas de Célia Berettini. São Os valores estéticos não exprimem a verdadeira

consciência do grotesco, reconhecer no feio, o mau, não

Paulo, Perspectiva, 2007. KAISER, Wolfgang. O grotesco. São Paulo: Perspectiva,

significa que uma história está vazia e sem significado,

2004.

depende da representação para poder saber que visão

SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. O Império do grotesco.

o grotesco pretende transmitir. Essa estética pode ser encontrada na narrativa por meio da descrição de um papagaio chamado Rabelais, talvez o narrador esteja

Rio de Janeiro: Mauad, 2000.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Notas 1 O cigano tem cara de animal doméstico, de besta suja, de besta pervertida de curral (p.83). Martín Marco ruge como leão (p.98); dona Rosa parece uma foca suja (p.102); Petrita tem uma beleza estranha, como uma leoa recém-casada (p.129); Julio García Morrazo era como um cordeiro, com vontade de saltar e pular como um potro selvagem (p.169); a mãe de Victorita é uma besta (p.196); Lola, gorda, nua e jogando fumaça, parece uma foca de circo (p.253); a Filo adota uma expressão como dessas ovelhas que ainda tem fôlego (p.279). 2 A criança morreu uma noite em umas cavernas que existe sobre o rio Burejo. Na província de Palencia. A mãe não disse nada a ninguém. Pendurou-lhe umas pedras ao pescoço e a atirou ao rio, as trutas a comeram. (La Colmena p. 390). 3 Dona Rosa tem a cara cheia de manchas, parece que está sempre mudando de pele como um lagarto. Quando está pensativa, se distrai e tira cravos da cara, longos às vezes como tiras serpentinas. Depois volta a realidade e passeia outra vez, para cima e para baixo, sorrindo aos clientes, aos que odeia no fundo, com seus dentinhos escurecidos, cheios de sujeira. 4 Dona Matilde, gorda, suja e pretensiosa, cliente do café, que cheira mal e que tem uma barriga enorme, toda cheia de água (p.29); As crianças que brincam no trem interminavelmente avisam ao senhor que sua boca cheira como borracha podre (p.37); A uruguaia, uma prostituta, é mulher repulsiva com o corpo cheio de espinhas e de glândulas, igual, provavelmente, que a alma (p. 10); A menina que o que mais gosta é ver como os homens urinam (p.24); Martín Marco lembra certo desvio carnal com sua irmã, supomos que quando crianças, e o justifica com um dizer interiorano e uma segurança darwiana: Já dizia o guarda galego: caralho duro, não acredita em Deus. Nós os homens, nisso continuamos sendo como animais (p.37). 5 A mãe de Victorita a censura que continue apegada ao noivo doente: Quando vais deixar esse tuberculoso? Anda o que você vai tirar disso (p.2); As putas de luxo abortam e, se não conseguem, afogam a criança quando nasce tampando-lhe a cabeça com um travesseiro e sentando em cima (p.27); Mariana a pobre está doente e não pode se levantar da cama, tem dezoito anos (p.253); Os irmãos de Purita vivem só. A mãe morreu tuberculosa e desnutrida (p.256); A cancerosa que aguenta sua dor, a cega que espera que passem as horas, a louca de boca entreaberta com a doce babinha pendurada (p.203) 6 O pai, o fuzilaram (p.256); Diante de Astúrias, um mal dia lhe deram um tiro em uma costela e desde então o Julio García Morrazo começou a enfraquecer e já não levantou mais a cabeça; o pior de tudo foi que o golpe não foi o bastante grande para que o deixassem inútil; outros, ao seu lado, ficaram no campo, caídos de barriga pra cima. Seu primo Santiaguinho, sem ir mais longe, lhe deram um tiro na mochila onde levava as granadas de mão que o pedaço maior que foi encontrado não chegava aos quatro dedos (p. 169-170). 7 “Filo sorri a seu marido na cama, e seu sorriso mostra uma carie funda, negra, redonda”. 8 “um papagaio de muito cuidado, um papagaio insolente e sem princípios, um papagaio ingrato [...] se dependura declamando vulgaridades e pescados com voz gasta de solteirona velha” (p’160).

493

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

494

A LOUCURA COMO ESTRUTURA NARRATIVA: DE MIGUEL DE CERVANTES A MACHADO DE ASSIS

Jean Pierre Chauvin Fatec São Caetano do Sul (...) os passos de nossa vida, a experiência os conduz com arte; a inexperiência, ao acaso. (PLATÃO, 1970, p. 50)

Com a publicação de O elogio da loucura, de Erasmo de Rotterdam, em 1509, a sandice passou a responder pela voz primeira do discurso destinado ao público leitor. Resultante de uma equação contraditória – ser e não ser – a sua figura faria coro às severas contradições entre o final da Idade Média e início da Era Moderna, servindo (anti) exemplarmente como ressalva às burlas e incoerências dos homens em geral – ao menos aquelas praticadas no mundo ocidental: ou seja, na Europa. Valendo-se da loucura como narradora e protagonista de uma espécie de Auto de fé às avessas, e amparado pelo riso cúmplice de seu leitor, o pensador holandês implodia o pensamento, a concepção e a prática de um universo (o mundo extra-literário) que oscilava entre a religião e a ciência; entre a sabedoria e a vaidade; entre o egoísmo e a solidariedade; entre a virtude e o vício. A loucura, bem sabemos, reúne os extremos em uma síntese sem saída, que não seja pela razão. O teólogo antecipava as ressalvas que o seu livro receberia: (...) contentar-me-ei de ter elogiado a Loucura sem estar inteiramente louco. Quanto à imputação de sarcasmo, não deixarei de dizer que há muito tempo existe a liberdade de estilo com a qual se zomba

da maneira por que vive e conversa o homem (...) (ROTTERDAM, 1962, p. 14)

Alçada ao patamar de personagem, a Stultitiae ganhou foros de heroína, acumulando três funções simultâneas: 1. fazer as vezes de uma narradora autônoma, apesar de (conceitualmente) significar a desrazão; 2. constituir o núcleo temático e funcionar como expediente a questionar o próprio relato históricoliterário; 3. denunciar, ainda que pelo viés da comicidade, as incoerências da tradição religiosa (particularmente as políticas e dogmas da igreja católica) lançando mão dos escritos contidos nas próprias Escrituras. Praticamente um século depois, a loucura retornaria não como narradora, mas como distúrbio que acomete um fanático leitor de histórias da cavalaria medieval, por dez anos e centenas de páginas. Vitimado pelas leituras em excesso (vício), a sandice contagia o valente (virtuoso), mas alquebrado Dom Quixote de La Mancha, que ora caminha, ora galopa; ora delira, ora raciocina, em companhia de seu escudeiro Sancho Pança: bonachão e lúcido. O “Prólogo” é, em essência, uma tentativa de provocar o “Desocupado leitor”. (SAAVEDRA, 1981, p. 12)

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

495

Respeitadas as naturais diferenças de teor,

Miguel de Cervantes Saavedra abordou um tema

contexto sócio-cultural, conhecimentos dos autores

muito caro para a Filosofia, colocado em discussão desde

e condições de sua escrita, há pelo menos um traço

a Antiguidade: a Ética como procedimento inerente ao

comum entre o libelo de Rotterdam e o romance de

sujeito (éthos), em sua relação com os demais homens

Cervantes: “a elevada retórica de Dom Quixote só serve

e ações. Como personagem, Dom Quixote efetiva uma

para tornar totalmente eficaz a cômica quebra estilística.”

ética, chamada desde o século XVIII de deontológica.

(AUERBACH, 1998, p. 305)

Ela se funda em atos/atitudes morais “que prescrevem

Driblando os preceitos da Poética antiga, o romance espanhol é um notável exemplar romanesco ao qual a tragédia e a comédia comparecem sob forma

o respeito categórico a determinados princípios ou deveres, prescindindo da consideração vinculante das suas consequências.” (ABBAGNANO, 2007, p. 281)

única, indissociável. Em outros termos, o gênero Trágico

Quanto à sua estrutura, as duas partes do livro

e o Cômico – reservados a públicos e temas em situação

problematizam a ideia de continuidade da narrativa.

oposta (elevado/baixo), segundo Aristóteles (s/d, p.

Dom Quixote inaugurou o chamado romance moderno,

291) – comparecem tão imiscuídos em Dom Quixote

apontando para os limites da convenção literária. Não

quanto a razão e a loucura. A fusão entre os grandes

por acaso, um de seus recursos mais produtivos foi o

gêneros preside a forma do romance e reforça o estatuto

de introduzir o diálogo galhofeiro de um narrador em

da própria sandice.

terceira pessoa com os seus leitores: nova relativização do

Em certo sentido, a dupla amo/criado revela um mundo fundado nos contrastes, no nível paródico, favorecido pela linguagem (MOISÉS, 2001, p. 128 – 129). A leitura prossegue ao ritmo das tresloucadas aventuras, graças ao notável engenho de Cervantes e à crescente adesão do seu leitor. O narrador tem nome e sobrenome: Cid H. Benengeli. Trata-se, supostamente, de um fiel depositário de crônicas e relatos históricos que teriam estruturado o longo romance. A eleição de uma fonte anterior ao tempo do enunciado relativizava dois pares conceituais: Verdade e historicidade (representadas por Sancho e possivelmente pelo leitor), Ilusão e encantamento (encabeçadas, seja dito, pelo desmiolado Quixote). Uma das lições deixadas por esse livro é que o caráter do homem, e quaisquer meios que ele empregasse para chegar aos fins, seriam mais importantes que o destino reservado a ele e às demais personagens. Que importa o êxito, se os meios foram desonestos? Ora, se Erasmo fizera da loucura uma persona, tão poderosa como um demiurgo, Cervantes responsabilizou a sandice pelo (des) caminho de um cavaleiro generoso, bravo, fiel e justo. Agiria ele virtuosamente por ser louco?

alcance da memória, do registro histórico e do próprio ato de contar peripécias. (VIEIRA, 2007, p. 11; 2012, p. 27). Não será a demência um estatuto coerente com tantas inconstâncias no plano da fábula, também ela disposta em duas partes? O impacto do romance cervantino sobre o leitor se deve a um questionamento que se perceberá, mais tarde, em diversas narrativas de Machado de Assis: “A credibilidade da história e, por extensão, a confiabilidade do narrador não estão vinculadas diretamente à veracidade atestada dos acontecimentos relatados, mas a determinados mecanismos de referência interna da narrativa.” (CINTRA, 2008, p. 128) Passemos a um breve exame comparativo entre alguns elementos de Dom Quixote (1605 e 1615) e aqueles constantes dos romances machadianos escritos a partir de 1880, especialmente Quincas Borba (1891), protagonizado por Rubião, o professor-capitalistamendigo e louco. Em seus romances, especialmente aqueles escritos ao final do século XIX, Joaquim Maria Machado de Assis especializou-se em espicaçar a perversidade e aculturação

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

496

de uma sociedade provinciana, arrivista e classista,

Em termos mais estritos, o discurso anti-

absolutamente ciosa de seus títulos, nobiliárquicos ou

lusitano e em prol da Independência – tão caro ao nosso

não, antepostos aos nomes que denunciavam a origem

Romantismo – cede lugar à falácia do enriquecimento

remota e simples e a extração mais baixa. Brás Cubas

pessoal a todo custo, quase sempre ilícito ou inautêntico.

(Memórias póstumas), por exemplo, conta que seu

Por fim, o amor eterno passou a vez ao casamento por

pai associava o sobrenome da família não ao humilde

conveniências e os arranjos familiares. Entre remediados

ofício de tanoeiro, mas a um tronco relacionado aos

e oligarcas, é como se uma nova ordem do dia

desbravadores portugueses da Era Colonial.

contagiasse os sujeitos. Todos sonham em brilhar como

Como se sabe, as Memórias póstumas de Brás Cubas marcam a “viravolta machadiana”, tanto estética quanto temática (SCHWARZ, 2004). O romance representou um novo modo de retratar a sociedade

homens de fama ou de negócio. As questões relacionadas ao refinamento cultural ficavam a cargo das mulheres, impedidas de ir à escola, com seus rudimentos de piano, bordado, moda, língua estrangeira e assídua leitura.

brasileira, cujos procedimentos contagiariam até mesmo

As narrativas machadianas combinam relatos

a forma narrativa e as intromissões mais constantes

e diálogos de diversos tópicos interpenetrados: a

e invasivas de seu narrador. Essa nova “maneira” de

descontrolada especulação financeira (SEVCENKO,

escrever, reafirmada pelo próprio Machado, em algumas

1999) – de que Cristiano Palha é lídimo representante

correspondências e prefácios de seus livros, seria representada no âmbito ficcional por uma sequência de narradores fúteis, poderosos e cínicos, envaidecidos por sua arte (techné) de relatar persuasivamente (retórica) as tragédias que perturbavam o seu espírito altaneiro. Muitas das mudanças por que passavam os habitantes da corte fluminense converteram-se em matéria narrativa, especialmente nos romances escritos no Brasil, a partir da segunda metade do século XIX. Manuel Antonio de Almeida, Aluísio Azevedo, Raul Pompéia e Lima Barreto incorporaram à fatura literária seres de natureza essencialmente dramática e/ ou ambígua: quase todos com o papel de denunciar as mazelas sociais em escala literária. Além disso, no plano não ficcional grassava entre nós o “bacharelismo” (HOLANDA, 1995), combinado à ostentação de outros signos a relembrar o divórcio entre a essência e aparência, esta manipulada pelo indivíduo em seus (novos) nichos sociais. Para se aproximar dos círculos de poder, o nome próprio de origem modesta ganhava uma nobreza artificial e de última hora, duplamente qualificada pelos pronomes de tratamento ou distinção (Doutor, Bacharel, Visconde, Barão).

– em par com o pseudo-conhecimento; a sede de nomeada generalizada (BOSI, 1999) e o temor da opinião pública – com que o narrador machadiano caracteriza o “ignaro Rubião”; o modo autoritário com que as figuras reforçavam sua posição de mando em uma sociedade cujo embate estava entre esconder a condição de classe e enaltecer o “estamento” (FAORO, 1976). Assim, fazia-se necessário que se encontrassem estratagemas suficientes para justificar o sucesso de alguns e a proveniente exclusão dos outros, fosse ela atribuída à sorte, ao talento ou à razão. Em Quincas Borba, o oportunismo moral e pecuniário contamina diversas personagens, especialmente Palha, sua esposa Sofia e o jornalista Camacho – com seu jornal sempre em má situação financeira. A exemplo das obras escritas durante o Renascimento, que fizeram da loucura narradora ou tema, o escritor legou-nos uma galeria de personagens cujo juízo mental não se adequava aos severos mecanismos de ascensão social, na corte brasileira, miniatura de uma Paris oitocentista. Assim, vestuário, cultura, comportamento, costumes e leituras importadas entravam na composição de um imaginário lastreado pela afetação nos modos e pelo racionalismo de fundo pragmático.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

497

Seria necessário distinguir os itens de uma

personagens. Algo em provável correspondência com

múltipla perspectiva a respeito da loucura. No plano

o senso comum e o ambiente frequentado pelos leitores

do romance, ela poderia ser compreendida: 1. como

de sua obra, inclusive.

expediente narrativo, peripécia que assola Rubião e favorece a adesão do leitor, desejoso de saber o final do romance e o destino patético da personagem; 2. como estatuto intermediário entre a vida e a morte do indivíduo, para si mesmo, e perante a sociedade; 3. como condição que alinha o romance com a filosofia e a literatura de viés humanista.

O enredo alterna o discurso indireto livre com aquele em terceira pessoa, limitando a suposta objetividade do gênero. Quincas Borba parece arquitetado em uma série de ambivalências – historicamente comuns ao comportamento do louco, por sinal – com que o escritor caracterizou a insinuante Sofia, o moldável Rubião e o próprio narrador: espécie de entidade no

O tema da loucura foi acentuadamente valorizado

plano da fábula que desloca o enredo para múltiplas

durante o Humanismo europeu (KLEIN, 1998, p. 417–

direções, desestabilizando o tradicional conceito das

432). Isso comprovaria tanto o universo de leituras do

narrativas lineares.

próprio Machado (Luciano de Samósata, Rotterdam, Rabelais e Cervantes), quanto revelaria a sua intenção de resgatar um assunto considerado modelar, “clássico”. Além disso, possibilitou-lhe questionar a divisão do mundo, em que ele mesmo vivia, entre pragmáticos e desemparelhados.

Justapondo a loucura do protagonista à ambiguidade no plano na enunciação, o livro golpeia a um só tempo a expectativa dos leitores, o regime das aparências na corte, os excessos do Romantismo nacionalista e a selvageria da especulação financeira, na virada do Império para a República – quase tudo a

Vale lembrar o papel da leitura, no universo

reboque da crescente valorização do gestuário, ajustado

ficcional de Machado. Ela relembra o grau de influência

à moda parisiense e a tão relativa ilustração de nossos

que os livros exercem nos leitores, a exemplo do que se

conterrâneos, naquele tempo.

Maria Augusta da Costa Vieira percebeu a respeito do personagem Dom Quixote: Enquanto era um fidalgo decadente, Alonso Quijano foi projetando aos poucos uma nova vida a partir das muitas histórias de cavaleiros andantes até que decidiu se transformar em D. Quixote de La Mancha. A partir daí, toda a sua ação se voltou para a tentativa de introduzir na vida as aventuras fantasiosas dos cavaleiros. Ou seja, a questão da leitura ocupa lugar privilegiado na obra e constitui um tema recorrente na abordagem de questões da composição, na história das fortunas e adversidades de D. Quixote e Sancho Pança e incide com cuidado especial nos percursos do leitor. (VIEIRA, 2007, p. 11)

A loucura, aliás, favoreceu não só o violento

No plano da historiografia, o tema da loucura, sabidamente caro a Machado (ALVES, 1921; TEIXEIRA, 2010), tanto pode ser analisado sob o viés político-social (1841 é a data de fundação do primeiro hospício no Rio de Janeiro, Pedro Segundo), quanto o do estilhaçamento do indivíduo, combinado ao desajuste sócio-econômico da personagem (CHAVES, 1974; MURCICY, 1988; GUIMARÃES, 2004). Tanto como mecanismo de defesa por parte do louco, frente à implacável sociedade de arrivistas, e sua ética binária e cultura de verniz; quanto na imitação da ostentação alheia, mas sem lastro financeiro, e sob o signo da demência.

contraste entre as figuras, no interior da narrativa

Se a coroação de Rubião pelas próprias mãos

machadiana, mas permitiu ao escritor exercitar uma

representa o ápice do seu brilho ilusório, em termos

constante e “fina ironia” (MUECKE, 1995), que ora

estruturais a cena também coroa a narrativa, que até

redunda em auto-ironia, ora em zombaria do narrador

então girava em torno de figuras notadamente fúteis

frente ao destino que reservou a algumas dentre suas

e nada confiáveis, cuja normalidade pressupunha o

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

498

máximo respeito às convenções hipócritas da sociedade.

até que surja a ocasião de assumirem a pretensa direção

Ora, a opulência de Sofia; as especulações de Palha; a

do espetáculo.

bajulação de Camacho; o romantismo inautêntico e afetado de Carlos Maria e, claro, o altruísmo desregrado (desajuizado) de Rubião caberiam perfeitamente nas rigorosas teorias de Simão Bacamarte (da novela O Alienista), formuladas com uma década de antecedência (CHAUVIN, 2005). No princípio do romance, Rubião vale rigorosamente como homem-mercardoria. No entanto, vai adquirindo inelutável valor de troca, perante os demais. À proporção que a sua fortuna se dissipa, graças às tramóias alheias, o seu último valor (o financeiro)

Diante dessa notável tragicomédia, o leitor faz as vezes de espectador, fracionado entre o divertimento e a angústia. Por obra do narrador, autêntico diretor da peça tragicômica, a quarta parede tanto separa quanto aproxima o espetáculo da plateia. Evidentemente, há oportunidade para todos. Aos atores que passam de protagonistas a secundários, o teatro também dispõe de um espaço: a coxia. No caso de Rubião, ator de má qualidade, talvez fosse mais adequado dizer que ele deixara o palco.

transforma-se em óbice (despesa). Claro está: no seu caso, não foi possível à

Referências bibliográficas

fortuna pecuniária “emendar o equívoco de nascimento” (MACHADO DE ASSIS, 1992, p. 229), como acontecera

ABBAGNANO, Nicola (2007): Dicionário de Filosofia. 5ª ed.

à jovem Guiomar, de A mão e a luva. Para o solitário

Coord. da Trad. Alfredo Bosi. São Paulo: Ed. Martins Fontes.

arrivista de Barbacena, o passaporte para a alta sociedade é um bilhete com duas faces – mediocridade e capital – das quais ele só vislumbra pela metade. Sobeja-lhe a primeira; devoram-na a segunda. Ao eleger a loucura como núcleo temático e articulador do romance, Machado de Assis fez de Quincas Borba uma obra em que o estatuto do protagonista é relativizado, enquanto se problematizam no leitor os antigos conceitos de moral, justiça, harmonia,

ALVES, Constancio (1921): Machado de Assis. Em: ______.: Figuras, p. 38–46. Rio de Janeiro: Almanak Laemmert. ARISTÓTELES (s/d): Arte Poética. Trad. Antônio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Tecnoprint. AUERBACH, Erich (1998): A Dulcineia encantada. In: ______.: Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental, 4ª ed, p. 299-320. São Paulo: Ed. Perspectiva [Equipe de Tradução da Editora Perspectiva].

temperança, equidade e felicidade. Rotterdam se

BOSI, Alfredo (1999): Machado de Assis: o enigma do olhar.

perguntava, com quase quatro séculos de antecedência,

São Paulo: Ed. Ática.

em relação ao brasileiro: “que virtude, que poder já reuniu, no recinto de uma cidade, homens naturalmente rudes, indômitos e selvagens? Quem já pôde humanizar

CHAUVIN, Jean Pierre (2005): O Alienista: a teoria dos contrastes em Machado de Assis. São Paulo: Editorial Reis.

esses ferozes animais? A adulação.” (ROTTERDAM,

CHAVES, Flávio Loureiro (1974): O desajuste social do

1962, p. 53)

Quincas Borba. Porto Alegre: Ed. Movimento; Instituto

Ora, no universo de Rubião não há lugar para sábios, mas espertalhões. Também os afetos perdem a autenticidade e a vez: resta a dura convenção social, às voltas com as contingências que ensinam homens e mulheres a amargar o desempenho de pequenos papéis,

Estadual do Livro. CINTRA, Ismael (2008): O nariz metafísico ou a Retórica Machadiana. Em: MARIANO, Ana Salles; OLIVEIRA, Maria Rosa Duarte de. Recortes machadianos, 2ª ed, p. 111 – 130. São Paulo: Eds. Nankin; Edusp; Educ.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

499

FAORO, Raymundo (1976): A pirâmide e o trapézio. 2ª ed. São

PLATÃO (1970): Górgias ou a Oratória. Trad. Jaime Bruna.

Paulo: Companhia Editora Nacional.

São Paulo: Difel.

GUIMARÃES, Hélio de Seixas (2012): Os leitores de Machado

ROTTERDAM, Erasmo de (1962): Elogio da loucura. 9ª ed.

de Assis: o romance machadiano e o público de literatura no

Trad. Paulo M. Oliveira. São Paulo: Ed. Atena.

século 19. 2ª ed. São Paulo: Nankin; Edusp.

SAAVEDRA, Miguel de Cervantes (1981): Dom Quixote de la

HOLANDA, Sérgio Buarque (1995): Raízes do Brasil. 26ª ed.

Mancha. Trad. Viscondes de Castilho e Azevedo. São Paulo:

São Paulo: Ed. Companhia das Letras.

Abril Cultural.

KLEIN, Robert (1998): O tema do louco e a ironia humanista.

SCHWARZ, Roberto (2004): A viravolta machadiana. Revista

Em: ______.: A forma e o inteligível, p. 417-432. Trad. Cely

Novos Estudos, n. 69, p. 15-34.

Arena. São Paulo: Edusp.

SEVCENKO, Nicolau (1999): Literatura como missão: tensões

MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria (2008): Obra completa.

sociais e criação cultural na Primeira República. 4ª ed. São

Rio de Janeiro: Nova Aguilar, Vol. 1.

Paulo: Ed. Brasiliense.

MOISÉS, Massaud (2001): O Alienista: paródia do Dom

TEIXEIRA, Ivan (2010): O altar & o trono: dinâmica do poder

Quixote? Em: ______.: Machado de Assis: ficção e utopia, p.

em O Alienista. Cotia (SP): Ateliê Editorial.

127-140. São Paulo: Ed. Cultrix.

VIEIRA, Maria Augusta da Costa (2007): Apresentação de D.

MUECKE, Douglas Colin (1995): Ironia e o irônico. Trad.

Quixote. Em: O engenhoso fidalgo D. Quixote de La Mancha.

Geraldo Gerson de Souza. São Paulo: Ed. Perspectiva.

4ª ed, p. 9-24. Trad. Sérgio Molina. São Paulo: Ed. 34.

MURICY, Kátia. (1988) O legado da desrazão. Em: ______.:

______ (2012): A narrativa engenhosa de Miguel de Cervantes:

A razão cética: Machado de Assis e as questões de seu tempo,

estudos cervantinos e recepção do Quixote no Brasil. São Paulo:

p. 87-100. São Paulo: Ed. Companhia das Letras.

Edusp; Fapesp.

Nota 1 O presente trabalho resulta, em parte, de um dos subcapítulos de um projeto de pós-doutorado (de minha autoria) em andamento na Universidade de São Paulo, sob a supervisão de Hélio de Seixas Guimarães.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

500

RELIGIÓN Y ALEGORÍA EN LAS NARRACIONES INTERCALADAS DEL QUIJOTE DE AVELLANEDA



John Lionel O´Kuinghttons Rodríguez PG-USP

Introducción

Avellaneda no gustaba del hombre Cervantes, pero admiraba su opus central y concibió la prodigiosa tarea

Este trabajo analiza las narraciones que Alonso Fernández de Avellaneda intercaló hacia el comedio de su célebre novela. El objetivo es examinarlas tomando como referencia la preceptiva de Antonio López Pinciano sobre el sentido de la comedia en lo específico y de la poética en lo general. Es imprescindible en cualquier escrutinio de esta obra el antecedente cervantino; sin embargo, no ahondaré en un cotejo de estas creaciones con las novelas interpoladas en el Quijote de 1605, sino en una revisión de las preocupaciones religiosas y moralizadoras de Avellaneda como ejercicio del didactismo refrendado por la poética neoaristotélica de su tiempo.

no solo de emularlo sino de excederlo. Es probable que su Quijote haya sido, además de un notorio remedo, una represalia. Para justificar su empresa, Avellaneda adujo en el proemio de su creación que nada hay de censurable en tomar materias ajenas y que los émulos de un escritor no son más que una consecuencia de la compleja urdimbre de la literatura. Al lidiar con Cervantes, Avellaneda tuvo que enfrentar el reto de componer un Quijote remozado. El acto de competir implica una factura y también una contribución. Sin esta, el escritor arriesga a reducirse a un mero copista. Como razona Gómez Canseco (AVELLANEDA, 2005, p.4):

El propósito de Avellaneda Señala Harold Bloom (1994) que uno de los aspectos determinantes para que un autor se torne canónico es su capacidad de contagio. La creación capital de Cervantes pertenece a este orbe. Desde la publicación de la primera parte, El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de La Mancha concitó interés, admiración y, a parejas, creó sus epígonos. El primero de sus continuadores,

Avellaneda desarrolló en su libro una aventura, la del viaje para justar en Zaragoza, que no era invención suya, y que aparecía anunciada en la primera parte cervantina. Consecuencia de todo ello es que, en efecto, su Quijote se presente como una continuación del de Cervantes. Harina de otro costal es el asunto de la imitación, ya que no todas las continuaciones siguen el modelo narrativo de sus originales. Avellaneda leyó, conoció, manejó y utilizó información procedente del Quijote de 1605, pero como novelista solo imitó algunos de los episodios que conforman sus primeros capítulos.

que luego influyó en la composición de la segunda

Añade este autor que Avellaneda se valió

parte de la novela original, fue el escritor que domicilia

únicamente del modelo cómico de los capítulos

el seudónimo de Alonso Fernández de Avellaneda.

inaugurales y que desestimó las vetas idealizantes que

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

501

incidieron en la evolución de la obra y de su personaje

del segundo volumen, que remeda a la fuente que a su

umbilical. Al declarar que Cervantes trabajó entre

vez lo remeda. Conforme el raciocinio de Riquer, ambas

‘hierros’ invoca la ironía de que incurrió en ‘yerros’,

composiciones se atarearon, pues, en la represalia y en

atestiguados por él en la calificación de la obra como

la sanción de su contrincante.

empresa “quejosa, mormuradora, impaciente y colérica, cual lo están los encarcelados” (AVELLANEDA, 2005, p.200). Esta elocuente lista hace visible un cierto propósito de expurgación. Si Avellaneda aspiraba a mejorar a su antecesor, su Quijote debía convertirse en una pieza original y no reducirse a la simplificada posición de ser mero sustituto; la consolidada imputación de falsedad con que la han agraviado los siglos no se me figura incuestionable. Aun cuando Trapiello no se abstiene del afamado epíteto, sigo su raciocinio: El libro de Avellaneda no estaba falto de mérito (…) No es en términos de originalidad que debe plantearse la relación entre el Quijote de Cervantes y el apócrifo. En arte, en literatura, nadie llega antes que nadie a ninguna parte. (TRAPIELLO, 2005, p.257)

Convengamos en que Avellaneda proyecta no una copia, sino un remedo del Quijote, una imitación personal y no desalojada de originalidad. La génesis de sus novelas intercaladas cobra luces si consideramos la renombrada postulación de Martin de Riquer (1988) a la autoría del apócrifo: Avellaneda y Jerónimo de Pasamonte fueron la misma persona. Esta propuesta, evidentemente, no está ajena a debates. Sin adentrarnos en la polémica de la paternidad1, conviene saber que Jerónimo de Pasamonte sabemos que batalló con Cervantes en Lepanto y que produjo una obra que por mucho tiempo fue inadvertida y que llamó Vida y trabajos de Jerónimo de Pasamonte. Como explica Martín Jiménez (2005, p.17), Cervantes conoció el

Avellaneda fue fiel a la construcción textual emprendida por su modelo. Una de sus muchas evidencias es la integración de los relatos laterales. En el capítulo 59 (Quijote II) Cervantes argumenta que para evitar el desinterés y el tedio que la permanencia de idénticos personajes podría provocar en el lector era conveniente incluir episodios emancipados del argumento medular. En esta decisión debió influir, advierte Trapiello (2005), su conocimiento de las narrativas de oriente, que suelen amistar con el recurso de los relatos concéntricos, que aún no habían sido perpetuados por la férula de Las Mil y una noches2. Diferente de Cervantes, Avellaneda interpola historias conocidas y regidas por problemas religiosos. Entre sus dictámenes, la preceptiva poética del siglo XVII mantiene que la comedia es una “imitación activa hecha para limpiar el ánimo de las pasiones por medio de deleite y risa” (LÓPEZ PINCIANO, 1998, p.381), que la factura poética debe impedir el tedio, que dicha poética debe advenir de la imitación (de lo real) y que su fin es enseñar. Avellaneda replica la estructura esencial de su modelo y, aun cuando adhiere al concepto de la comedia, no sigue la recomendación formulada por López Pinciano sobre la materia religiosa: Cae mucho mejor la imitación y ficción sobre materia que no sea religiosa porque el poeta se puede mucho mejor ensanchar y aun traer episodios mucho más deleitosos y sabrosos a las orejas de los oyentes. (LÓPEZ PINCIANO, 1998, p.40)

texto pero censuró el atrevimiento de su gestor, que al parecer se apropiaba de actos que no le pertenecían.

El interés central de Avellaneda es didáctico y

Como represalia, Cervantes no solo remedó el estilo

el tema sacro permite mejor que ninguno la exposición

de este libro, sino que asoció a su autor al malevaje de

de la doctrina que lo ocupa. Las historias intercaladas

los galeotes con una mal escondida adaptación de su

emergen cuando don Quijote y Sancho, un soldado y

nombre. Indignado, Pasamonte retruca con otro remedo,

un ermitaño que los acompañan, se encuentran con dos

su Quijote, que emerge en 1614. La obra desconcierta a

canónigos. Antonio Bracamonte, el soldado, cuenta la

Cervantes y le sirve de acicate para apurar la ejecución

historia de El Rico desesperado; el ermitaño se ocupa de

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

502

la segunda, Los Felices amantes3. La más ostensiva de sus

acogen amistosamente pues han sabido que el extraño

coincidencias es que ambas narraciones versan sobre

trabó amistad en Nápoles con el hijo perdido. El júbilo

personajes que han faltado a sus votos religiosos. Este

del reencuentro, que ha sido preparado por los cambios

dato fue decisivo para que Riquer atribuyera la autoría

que ocurren en las facultades y en la moral de los

de Pasamonte. En su autobiografía, Pasamonte cuenta

personajes nucleares, antecede a la felicidad plenaria

que a los trece años formalizó sus votos para hacerse,

con que Avellaneda concluye la anagnórisis6.

promesa que no cumplió debido a que, yendo a Roma para consagrar la jura, se tornó soldado. Más tarde, arrepentido, solicita el perdón a la Virgen de Loreto. Si aceptamos la identidad entrevista por Riquer esta experiencia de vida dejó huellas que se extendieron hasta los relatos que ahora auscultamos.

Hemos dicho antes que los propósitos declarados de Cervantes y Avellaneda difieren. Mientras el Quijote cervantino es un programa literario, el de Avellaneda parece ser fundamentalmente moral. El tratamiento de la locura central no podía converger en ambos: si Cervantes la usa como tema para su parodia, Avellaneda, atento al fin didáctico promovido por la tradición aristotélica,

Análisis de las narrativas intercaladas En El rico desesperado, Japelín, seducido por un sermón, ingresa a la orden de los dominicos, pero luego es convencido por sus amigos de francachela a dejarlo para entregarse a la diversión. Resultas de esta opción es su matrimonio con una joven que antes había sido encomendada a un monasterio. A esta poca altura ya contamos, pues, con una doble desistencia. Aparece un soldado flamenco, que es gentilmente agasajado por

se vale del desajuste mental para advertir que de un loco nada se aprende. Las narraciones que Avellaneda entremedia son quizá la verbigracia más notoria de ese objetivo. En ellas comparecen dos cuestiones que ocuparon sensiblemente a la teología de su época: el libre albedrío y la intervención divina. Conforme Gómez Canseco (AVELLANEDA, 2005, p.89), Avellaneda se muestra como defensor de un orden establecido, como la encarnación de la España oficial. Esta fidelidad no podía no ser contrarreformista, como se ve, por ejemplo, en la vindicación de las imágenes sagradas y

Japelín. Embozado por la noche y el silencio y sin querer

en la defensa del principio de la santidad por las obras.

evitarlo, el invitado se hace pasar por este para poseer

En el segundo relato, leemos que al huir del cenobio

a la esposa. Tal ocultamiento es un ardid literario cuyas

doña Inés se postra ante una representación mariana

múltiples variaciones han sido ensayadas con diferentes

y le confiesa que es inevitable entregarse a la pasión

modos y acentos. A diferencia de otros autores , con El

que siente por don Gregorio, a sabiendas de los daños

rico desesperado Avellaneda imprime a esa tradición

a que se expone. La imagen de la Virgen no se limita a

consecuencias ominosas e irreparables.

ser mera representación sino que se integra al cuerpo

4

Si en esta narración el silencio opera como artimaña del personaje para lograr su fin y como recurso para la composición de la escena, en Los Felices amantes el encubrimiento obra por medio del disfraz. Gregorio quiere ver a sus padres, pero por inseguridad y cautela prefiere presentarse ante ellos como peregrino. Gregorio lamenta el sórdido pasado que ha vivido hasta entonces

de personajes dialogantes. El capítulo XIX es singular y central pues en él concurren dos hechos capitales que demuestran el contrarreformismo que hemos anticipado: a) la interpelación de doña Inés por la Virgen; b) el sermón de un religioso, presumiblemente dominicano, que describe a un hombre que tras comerciar su alma con el diablo, se salva por el auxilio de la Virgen7.

y de alguna manera busca su negación. Transfiere su

Señales no menores de este conservadurismo son

contrición a su propia apariencia. Como conviene al

la mención al rosario -compendio de virtud y aplicación

curso de la fábula5, sus padres no lo reconocen y lo

por ser el enlace devocionario primordial consagrado

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

503

por la Virgen – y el cumplimiento de los cánones de

castigo, ambas oriundas del problema preliminar de la

justificación prescritos por el concilio de Trento. Una

falta al voto religioso. La oportunidad de lo inverosímil

de las premisas más relevantes dispuesta en la célebre

le permite a Avellaneda la afirmación alegórica y

deliberación fue que el pecado daña la naturaleza

la exposición doctrinal. Por este motivo Sancho se

humana pero no la destruye. El hombre, sentencia el

siente tan autorizado a evaluar la conducta Japelín: Yo

concilio, no puede alcanzar la gracia sin Dios. En los

reniego de su venganza, y mi ánima con la de San Pedro

33 cánones que componen la justificación8 el tercero

(AVELLANEDA, 2005, p.445).

anatematiza a quien pretenda creer, esperar, amar o arrepentirse sin la gracia. El segundo excluye de la iglesia a quien “pretenda vivir en justicia y la vida eterna por el libre albedrío sin la gracia divina”. Los cánones repiten con diferentes grados de insistencia que al hombre no le es dado aspirar a la remisión ni a la salvación sin la venia divina. La salvación de don Gregorio y doña Luisa9 ocurre porque reconocen el perjurio, pero se niega a los esposos por el motivo contrario. Por lo señalado hasta aquí, vemos que las narraciones intercaladas abrazan con variantes el problema de las capacidades humanas expuestas a experiencias límite. En El rico desesperado, los personajes no logran aceptar el engaño que los ha victimado y sucumben; en Los felices amantes logran rehacerse por la gracia divina. Hay que notar, empero, que sobre la participación celestial, propicia para el fin doctrinario de Avellaneda, recae el recelo de lo inverosímil. La preceptiva de López Pinciano enseña: verisimilitud es menester que tenga la fábula para lo que es deleitar como para el enseñar hasta que tenga alegoría, cual tienen los poemas mitológicos o apologéticos, el príncipe de los cuales fue Esopo. (LÓPEZ PINCIANO, 1998:224)

Y en otro párrafo agrega: “Tres condiciones de la fábula contrarias en cierto modo: una y varia, perturbadora y sosegadora, admirable y verosímil” (LÓPEZ PINCIANO, 1998, p.224). Podemos aventurar que en Los amantes felices el autor se ocupó más de aprovechar el potencial alegórico de la leyenda que de atender a los eventos puramente verosímiles10. Mientras los amantes se postulan como alegoría de la redención, Japelín lo es de la Ira y el

Sancho ve en la venganza de Japelín la ira inicial que desemboca en la hybris que aturde al personaje y lo conmina al filicidio. Japelín exculpa a su esposa, pues entiende que sufrió el ultraje sin conciencia, pero como esta no llega a enterarse de su indulgencia, y por juzgarse impura y desleal se precipita al suicidio. La proximidad con la Griselda de Chaucer no es impertinente. Las crueles pruebas a que el marqués la somete buscan verificar su obediencia. El comportamiento de Griselda es tan inverosímil que Petrarca (CHAUCER, 1991, p.91) advierte que no se espera que nadie actúe como ella sino que se repare en sus estrictos méritos. La esposa de Japelín responde con idéntica devoción conyugal. Por su parte, Japelín no perpetra el filicidio movido por la venganza que desquicia a Medea, Gudrún o Procne ni por corregir un destino como lo hizo Layo, sino por impedir la perpetuación de su propio nombre. El hijo, más que un vínculo, es su identidad, que debe ser proscrita. Los esposos de El rico desesperado no llegan a hablar de la fechoría del soldado, pues se han enterado a destiempo y por vehículos diferentes. De este puntual desencuentro derivan sus decisiones irracionales. Avellaneda tuvo que abolir esta comunicación y exponerlos al dolor inconcebible porque debía preparar el camino para la consecución de la alegoría. El relato de Bracamonte trasluce un corolario nada ambiguo: aun cuando los esposos y el niño son inocentes del ultraje, portan la culpa inaugural, el abandono de la orden eclesiástica, que no es ajena a la del pecado original instituida por San Agustín. Dicha transgresión es transmisible y también irreparable11.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

504

Con estos desenlaces diagonales Avellaneda

limitaciones y motivos de la justicia de su tiempo, pero

expuso y comparó las dos consecuencias que la renuncia

no lo hizo. En el episodio de los galeotes, por ejemplo, oye

voluntaria al voto pueden aparejar. La justificación,

sin escuchar las explicaciones de la Santa Hermandad;

sigue a Trento (canon X) es inaccesible sin el concurso

en su defecto revisa mentalmente su índice literario, que

de Cristo; se proscribe de la iglesia a quien creyere lo

le dicta que debe ayudar a los privados de la libertad, y

contrario.

suelta a los delincuentes. No pensó en ser justo sino en hacer literatura. La subversión es aparente, no procede de la contingencia, sino de un artificio. Al recuperar la

Observaciones finales

cordura, don Quijote borra o afantasma las promesas de recomposición del mundo que le tocó cursar.

Hemos visto que el propósito de Avellaneda divergía esencialmente del de Cervantes y que las secuelas de esta diferencia gravitan en el tenor de las novelas intercaladas. A riesgo de ser lateral y de desviarme de la

Avellaneda no conoció esta disparidad. Su Quijote, tan alienado que ni siquiera podía ser amigo de Sancho, permite que prevalezca el orden mundano y divino sin intercesiones o críticas que puedan erosionar su poderosa validez.

unidad del examen que he tratado de realizar hasta ahora, quisiera dejar territorio para una digresión. Según entiendo, don Quijote no pretende modificar la realidad, sino adecuarla al catálogo de preceptos que norman la narrativa caballeresca. Martín de Riquer (CERVANTES, 2005, p.25) sostiene que en

Referencias bibliográficas ANÓNIMO (1963): Las mil y una noches. Ciudad de México: Aguilar.

época de Cervantes no era improbable que alguien

AVELLANEDA, Alonso Fernández de (2005a): El ingenioso

enloqueciera por el exceso de lecturas. Uno de los

Hidalgo don Quijote de La Mancha. Edición de Luis Gómez

ejemplos de que nos participa es el de un amigo de

Canseco. Barcelona: Editorial Juventud.

López Pinciano que declinó con la lectura de Amadís. Sin

BERCEO, Gonzalo de (2006): Los milagros de nuestra señora.

embargo, para llegar a este mundo abstraído es necesario que ese peculiar lector sea vulnerable al acontecimiento, que esté predispuesto a que el hecho opere12. Alonso Quijano se exponía a esta intromisión de la escritura en el

Santiago de Chile: Centro Gráfico. BIBLIA, Genésis. (1975): Biblia de Jerusalén. Madrid: Alianza. Cap. 50, vers.15.

mundo empírico y el hecho de que haya sido permeable

BLOOM, Harold (1994): O Cânone ocidental. Rio de janeiro:

a las novelas de caballería es un dato circunstancial,

Editora Objetiva.

pues podrían haber sido otros actos, otros argumentos y tensiones los que lo hubieran subvertido. El ambicioso proyecto de restaurar la caballería en el mundo no es un

BOCCACCIO, Giovanni (1971): El Decamerón. Madrid: EDAF.

emprendimiento moral sino estrictamente literario. La

CERVANTES, Miguel de (2005): El ingenioso Hidalgo

bondad, la justicia, el reparo de afrentas no advienen de

don Quijote de La Mancha. Edición de Martín de Riquer.

una convicción ideológica, sino del aparato preceptivo

Barcelona: Planeta.

que gobierna la literatura que lo obsesiona. Si se tratara de hacer el bien por sí, don Quijote habría intentado conocer y entender cuidadosamente los condicionantes,

CONCILIO DE TRENTO (sin fecha): Documentos del Concilio de Trento. Disponible en multimedios.org/docs/d000436/ Consultado el 14/10/2012.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

505

CHAUCER, (1991): Os Contos de Cantuária. São Paulo: T. A.

PADILLA, Ignacio (2005): El diablo y Cervantes. Ciudad de

Queiroz Editor.

México: Fondo de Cultura Económica.

FIELDING, Henry (2011): A Historia das Aventuras de Joseph

RIQUER, Martín de (1988): Cervantes, Pasamonte y

Andrews e seu amigo o Senhor Abraham Adamas. Cotia-

Avellaneda. Barcelona: Sirmio.

Campinas: Ateliê Editorial-Editora Unicamp.

SHAKESPEARE, William (1960). Obras Completas. Madrid:

LÓPEZ PINCIANO, Alonso (1998): Filosofía antigua poética. Madrid: Biblioteca Castro.

Aguilar. TRAPIELLO, Andrés (2005): Las vidas de Miguel de Cervantes.

MARTÍN JIMÉNEZ, Alfonso (2005): Cervantes y Pasamonte.

Bogotá: Fondo de Cultura Económica.

La réplica cervantina al Quijote de Avellaneda. Madrid: Biblioteca Nueva.

Notas 1 Aun cuando el objetivo de este trabajo no es discutir la autoría del Quijote de Avellaneda, la postulación propuesta por Riquer permite acercarnos a la intención doctrinal que emerge de las narraciones intercaladas de dicha composición. 2 Las narraciones árabes se valían de convenciones que Cervantes no debió ignorar. La noche 587, por ejemplo, comienza así: “Cuentan -¡pero Alá es el más sabio!– que había en otro tiempo, en la capital de un reino de AzZin, muy rico y extenso, de cuyo nombre ahora no me acuerdo, un alfayate Muztafá, que no descollaba entre los de su clase por nada particular” (ANÓNIMO, 1963, II vol. p.97). 3 Se trata de una versión extendida de la leyenda de Margarita la Tornera. Con esta reproducción Avellaneda refuerza su derecho, ya expuesto en el prólogo de su Quijote, de amistar con materias conocidas. 4 Cabe citar las historias 6ª y 4ª (jornadas 3ª y 8ª) del Decamerón, el capítulo XIV, Libro IV, del Joseph Andrews, de Henry Fielding (2011), y el capítulo XVI (1ª parte) del Quijote de Cervantes. Una modalidad de este teatral ardid es introducir personajes disfrazados que son inadvertidos por sus cercanos. Cimbelino y El Mercader de Venecia, de Shakespeare (1960), suministran buenos ejemplos. 5 López Pinciano sostiene que la fábula es la reunión del argumento y los episodios. 6 Avatares similares ocurren en la historia de José (Génesis 50, 15), el relato de Tedaldo en el Decamerón y en el final de la travesía de Ulises. 7 Este episodio corresponde al milagro XXIV de Los Milagros de Nuestra Señora, de Gonzalo de Berceo, que prologa las posteriores recreaciones de Marlowe, Goethe y Thomas Mann. En su tenor piadoso Los felices amantes replica a Berceo y a Chaucer. Es posible que Avellaneda haya conocido la Invocatio ad Mariam, vertida en el Prólogo del Cuento de la otra Monja, relato tardío de los Canterbury tales. En el texto de Berceo, Teófilo vende su alma al diablo. Arrepentido, impetra la intervención de la Virgen, que, como en el Evangelio apócrifo del descenso de Jesús, baja al Infierno y recupera el documento que lo condena. 8 En términos teológicos la justificación significa la santificación del hombre por la gracia, en virtud de la cual se torna santo. 9 Doña Luisa no quiere que su pasado desaparezca con su muerte y transmite a un confesor su deseo de divulgarlo. Esta precaución condice con la recomendación que Berceo (2006, p.123) coloca en la coda del milagro XXIV: Amigos, si queréis vuestras almas salvar, si queréis mi consejo sabiamente tomar,

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

506

haced confesión cierta y buena sin tardar, y al cumplir penitencia a la virgen rogar. 10 El tenor emblemático de la leyenda remite en no poca medida al de la elevación de Griselda en los Cuentos de Canterbury. La historia simboliza la paciencia. 112 Aunque la alegoría de la Ira mantiene afinidad con la tragedia de Tito Andrónico, Shakespeare (1960) fue más explícito, ramificó la crueldad y aumentó el volumen de sangre. En la escena II del V acto Tamora se presenta como la Venganza, pues ha vertido su vida para dicho fin. En la escena contigua Tito Andrónico mata a su hija Livia, pero, al igual que Japelín, no acomete el asesinato por venganza sino para despojarla de la vergüenza de la violación. 13 Ignacio Padilla (2005, p.97) ha discurrido sobre esta posibilidad.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

507

A FICÇÃO ARGENTINA TRADUZ A GUERRA DAS MALVINAS

Jorge Hernán Yerro Universidade Federal da Bahia

Introdução

do que ele entendia como três diferentes tipos de traduções. Assim, a interpretação dos signos verbais por

A partir da década de 1960, os Estudos da Tradução vivenciaram uma virada em suas bases teóricas que provocou uma importante abertura conceitual. Surgiram, então, novas reflexões sobre o processo tradutório que, lentamente, afastaram-se do olhar tradicional. Com a queda da hegemonia da razão e,

meio de outros signos da mesma língua, passou a ser entendida como tradução intralingual; a interpretação dos signos verbais por meio de signos verbais de alguma outra língua, como tradução interlingual e a interpretação de signos verbais por signos não-verbais, como tradução inter-semiótica.

com ela, a suposta objetividade prometida pela ciência,

A nova proposta de Jakobson ampliou

a presença do sujeito e suas circunstâncias começaram

significativamente o escopo teórico dos Estudos da

a ganhar espaço, denunciando a neutralização das

Tradução e permitiu que os corpora de pesquisa da área

diferenças promovida pelo projeto da modernidade e o

aumentassem significativamente. Isto implicou em uma

impacto que tal neutralização provocava em qualquer

importante revisão da metodologia usada tanto para a

reflexão teórica. Assim, acompanhando as novas

investigação, como para a análise. A tradução passou

tendências do pensamento ocidental, palavras antes

a ser contemplada como uma operação complexa na

inquestionáveis no âmbito da tradução, como ‘original’,

qual, além do próprio tradutor, intervém um conjunto

‘fidelidade’, ‘transportar’, ‘refletir’ e ‘equivalência’

de forças que, tanto como aquele, tem um desempenho

ocuparam o centro das discussões e, lentamente,

fundamental na tomada das decisões que conduzem

começaram a ser substituídas por outras expressões

ao resultado final. Tornou-se, assim, determinante

como ‘texto de partida’, ‘texto de chegada’, ‘reconstrução’,

conhecer o contexto no qual surge a tradução, pois só

‘atualização’ ou ‘releitura’, tentando traduzir as novas

desse modo é possível descobrir os fatores que podem

inquietações surgidas no campo.

determinar as diferentes eleições feitas durante o

Entre as mudanças conceptuais mais importantes da área, encontra-se a divisão feita por Roman Jakobson no seu trabalho Aspectos linguísticos da tradução, de 1959. Nela, o teórico russo propôs uma nova classificação

processo tradutológico. Assim sendo, e em resposta a esta necessidade, surgiram novas propostas de estudo que vieram completar o vazio aberto pelos novos questionamentos.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

508

É nesta perspectiva que este trabalho apresenta parte dos resultados de minha tese de doutorado, onde são analisadas seis ficções argentinas que tratam, de forma direta e indireta, da Guerra das Malvinas, conflito bélico entre a Argentina e a Inglaterra, acontecido em 1982. O corpus é composto por três romances e três filmes, produzidos entre 1983 e 2008: Los pichiciegos (1983), de Rodolfo E. Fogwill; Las islas (1998), de Carlos Gamerro; e Cuando te vi caer (2008), de Sebastián Basualdo; Los chicos de la guerra (1984), dirigida por Bebe Kamin; Fuckland (2000), de José Luis Márques ; e Iluminados por el fuego (2005), de Tristán Bauer.

tradução acontece isolada do contexto e que este, através de seus componentes, influi diretamente naquelas. Os conceitos de Venuti se concentram na formação de identidades culturais através da tradução. Assim, segundo o norte-americano, um processo domesticador seria aquele que apaga, no texto traduzido, as marcas estrangeiras e, com elas, a voz do outro. Desta forma, constrói um sujeito doméstico adequado às necessidades locais, que responde a uma agenda específica e colabora na reafirmação do discurso hegemônico. Uma tradução estrangeirizante, pelo contrário, procura deixar as marcas estrangeiras no texto. Com isto, possibilita a

A pesquisa partiu do princípio de que toda

entrada da voz forânea e produz uma brecha no discurso

narrativa histórica conforma um processo tradutório

local que desestabiliza a ideologia dominante. Por ser

e, com base nesta premissa, procurou identificar

voluntariamente “infiel” à cultura doméstica e às suas leis

se as narrativas estudadas obedeceram ao discurso

internas, a estrangeirização chama a atenção para o que

oficial reinante no momento sobre o conflito ou se,

estas últimas “permitem e limitam, admitem e excluem

pelo contrário, comportaram-se como reconstruções

no encontro com os textos estrangeiros” (VENUTI,

desestabilizadoras da ideologia dominante. O estudo

2002, p. 158). Venuti está a favor deste tipo de estratégia

foi feito com base na Teoria dos Polissistemas, de

tradutória, pois entende que estrangeirizar significa

Itamar Even-Zohar e nos conceitos de domesticação

alertar ao leitor que está diante de um texto estrangeiro.

e estrangeirização propostos pelo teórico Lawrence Venuti. Portanto, a pesquisa se desenvolveu no âmbito dos Estudos da Tradução, que orientaram a fundamentação teórica.

Como, então, aplicar os conceitos de EvenZohar e Venuti neste trabalho? De que maneira podem ser aplicadas as estratégias de domesticação e estrangeirização neste tipo de tradução que não inclui uma língua estrangeira? E, sendo assim, como é possível

Tradução em contexto Tanto a Teoria dos Polissistemas, quanto os conceitos de Venuti, aproximam-se ao processo tradutório desde seu contexto. A teoria de EvenZohar entende que todo sistema semiótico deve ser concebido como uma estrutura heterogênea, dinâmica e hierarquizada (EVEN-ZOHAR, 1990, p. 3), onde os sistemas convivem ao tempo que disputam pela hegemonia do polissistema principal. Desta maneira, o teórico pretende, por meio de seu modelo, compreender o mecanismo dentro do qual se desenvolve o processo tradutológico, tendo consciência de que nenhuma

estrangeirizar ou domesticar uma tradução que não conta com um texto considerado estrangeiro? Se a narrativa da Guerra das Malvinas é um fato histórico que afeta diretamente duas comunidades imaginadas (ANDERSON, 2008) (a argentina e a inglesa) e, portanto, se configura como um componente de construção de “solidariedades particulares” (VENUTI, 2002, p.189), controlar sua representação simbólica será fundamental para o Estado nacional de ambas as comunidades. Se domesticar implica silenciar a voz do outro e apropriar-se de seu discurso, característica esta da “história nacional” produzida e divulgada pelo Estado, estrangeirizar, neste caso, será infiltrar no discurso

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

509

hegemônico uma voz sem autoridade oficial. Ou seja,

Finalmente, se a narrativa de um fato histórico

domesticar não significará, necessariamente, reprimir

se configura como um processo tradutório em que o

o discurso estrangeiro – entendendo estrangeiro em

narrador ocupa o lugar do tradutor, e se este último tem

oposição ao nacional – mas reprimir qualquer discurso

a capacidade de domesticar ou estrangeirizar o texto

que desestabilize a voz autorizada do Estado nacional e,

de partida, ou seja, o próprio acontecimento narrado,

com ela, a comunidade imaginada pretendida por este.

o que ocorreu no caso da Guerra das Malvinas e suas

Se, além disso, domesticar implica neutralizar o sujeito

reconstruções ficcionais?

narrador/tradutor na reconstrução do fato histórico, a presença dos estranhamentos próprios de uma tradução estrangeirizante denunciariam a existência de um

As ficções traduzem a guerra

sujeito que interpreta e, com ele, de um texto traduzido. Assim, adotando a postura ética de Venuti, caberia

Sobre as seis ficções, como parte do sistema

ao historiador, seja através de uma narrativa histórica

literário e suas relações com outros sistemas semióticos

tradicional, seja através de uma ficção, estrangeirizar

e como fruto dos diversos momentos em que foram

o fato histórico e, desta forma reformar “identidades

produzidas (ver Tabela 1 com a ordem cronológica dos

culturais que ocupam posições dominantes na cultura

lançamentos), é fundamental levar em consideração o

doméstica” (VENUTI, 2002, p.159).

contexto sócio-político de publicação das ficções.

Obra Los pichiciegos (romance) Los chicos de la guerra (filme) Las islas (romance) Fuckland (filme) Iluminados por el fuego (filme) Cuando te vi caer (romance)

Ano de lançamento 1983 1984 1998 2000 2005 2008

Tabela 1 – Obras em ordem cronológica de lançamento

A luta entre os sistemas político, cultural e econômico para ocupar o centro do polissistema e, assim, determinar suas normas internas de comportamento, teria sido determinante ao longo das três décadas de produção das obras em foco. Enquanto as primeiras duas ficções chegaram ao público em um momento de transição entre ditadura e democracia, as outras quatro surgiram em um contexto de fortes traços neoliberais. Duas delas, Las islas e Fuckland, foram concomitantes à crise sócio-econômica que afetou a Argentina no final do milênio, e as outras duas, Iluminados por el fuego e

mais significativa de governos de cunho socialista no continente, nas últimas décadas. Sobre o perfil domesticador ou estrangeirizante das ficções, parece haver uma tendência estrangeirizante que obedece à necessidade de denúncia presente na maior parte dos casos. No entanto, como nem todas as traduções apresentam versões atualizadoras do fato de partida, esta tendência inclina-se, em determinados momentos, para a domesticação. Observemos cada caso, para entender melhor a afirmação.

Cuando te vi caer, à retomada kirchnerista que incluiu

Los pichiciegos, de Rodolfo Fogwill é, talvez, a

uma forte revisão histórica e conviveu com a onda

ficção mais estrangeirizante de todas. Sua tradução da

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

510

guerra é, sem dúvida, a mais violenta. A verdade que

uma década é um fato a merecer destaque. A situação,

ela produz foge a tal ponto do que pode ser esperado de

portanto, é a seguinte: mesmo que Las islas não atualize

uma reconstrução deste tipo, que a própria obra precisa

o conflito, não por isso deixa de ser desestabilizadora.

justificar-se como não-verdade em seu paratexto. Por

Além disso, defini-la como domesticadora seria um

isso, o autor registra na capa traseira que os rascunhos

exagero, posto que, na época, não havia um discurso

do livro “circularam entre críticos e editores antes

dominante a respeito na cultura local e, sim, um silêncio

da rendição argentina de junho de 1982” e que, na

absoluto sobre as Malvinas. Considero, portanto, que,

sua primeira edição ele mesmo “mandou imprimir

dada a retomada de um discurso estrangeirizante

a advertência de que se tratava de um experimento

ausente, a estratégia tradutória de Gamerro é também

ficcional, feito antes dos primeiros testemunhos dos

estrangeirizante, pois se configura como denúncia e uma

combatentes e que não era um romance contra a guerra,

exigência de revisão do passado.

mas contra as modalidades dominantes de conceber a guerra e a literatura” (FOGWILL, 2007).

Fuckland deve ser observada sob outro ângulo, pois não traduz o passado, mas dialoga com ele.

No ano de produção do romance, em 1982, a

Como aproximação do conflito, sua leitura de cunho

história oficial sustentava uma verdade orientada a um

nacionalista ainda é domesticadora, posto que o

nacionalismo irracional, nacionalismo este promovido

discurso oficial sobre a guerra, mesmo em suspenso

pelo governo de fato como forma de justificar a guerra,

após o conflito, continuava tendo esta tendência.1 O

e o romance de Fogwill, protagonizado por um grupo

filme de Márques representa, assim, um parêntese na

de jovens soldados que precisa desertar e negociar com

leitura crítica do acontecimento histórico, motivado

o inimigo para sobreviver, estrangeiriza o fato histórico

pela autorização dada aos argentinos para visitar as ilhas.

de partida por completo.

As últimas duas obras, Iluminados por el fuego e

A estratégia tradutória de Los chicos de la guerra,

Cuando te vi caer são produzidas em um contexto sócio-

pela proximidade com o fim da ditadura, também pode

político diferente. A narrativa oficial sobre a Guerra

ser considerada estrangeirizante, na medida em que a

das Malvinas, a partir da primeira década de 2000, será

obra se configura como a primeira denúncia explícita

similar àquela construída pelas ficções anteriores. Com

dos abusos sofridos pelos soldados durante o conflito.

a chegada do governo de Néstor Kirchner e sua grande

O longa será o último da primeira etapa e inaugurará

revisão histórica, que incluiu a extradição de militares

a grande fase de silêncio posterior à guerra. Portanto,

argentinos responsáveis pelo genocídio ocorrido entre

mesmo produzida dentro do regime democrático, sua

1976 e 1982, todos os acontecimentos relacionados ao

tradução da guerra não deixa de ser desestabilizadora e

governo de fato vieram à tona. Além disso, em abril de

inicia a leitura do período de pós-guerra.

2002, se completavam vinte anos desde a guerra, o que

Anos mais tarde, Las islas retoma o conflito.

colocou o conflito no centro das atenções.

Sua tradução, dezesseis anos após o término da guerra,

Neste novo contexto, o longa de Bauer pode ser

acrescenta algumas informações sobre os traumas

considerado fundamental no processo de revisão da

dos soldados no pós-guerra mas, segundo entendo,

guerra. Baseado nas memórias de um ex-combatente,

não realiza uma tradução atualizadora, uma vez que

o filme Iluminados por el fuego realiza uma tradução

a leitura do conflito não conta com informações que

que pode ser localizada na fronteira entre o doméstico

já não constem de traduções anteriores. No entanto,

e o estrangeiro, por ser lançado no momento em que

é inegável que a retomada da questão após mais de

acontecia a transição entre os discursos dominantes

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

511

sobre a guerra na cultura doméstica. Assim, a película

afetadas diretamente pelo confronto. Assim sendo,

pode ser vista como domesticadora, pois coincide com

podemos encontrar, nessas seis traduções, a adoção da

a narrativa incipiente, e como estrangeirizante, pois,

atitude de resistência que a tradução deve ter, segundo

dialeticamente, foi um significativo provocador da

Rajagopalan (2000), quando está na voz de quem,

mudança.

geralmente, é silenciado. Isto porque a representação do

2

Cuando te vi caer, finalmente, de maneira semelhante a Fuckland, reescreve o conflito sob outra perspectiva. No entanto, nem por isso deixa de reconstruí-lo ao traduzir um ângulo do acontecimento ainda não explorado pelas ficções e muito pouco lembrado por outras formas de representação sobre a contenda. Assim, torna-se difícil identificar uma estratégia tradutória, posto que não há parâmetros claros de comparação. Tomando as demais obras como ponto de partida, a história de Lautaro suplementa os rastros deixados pelas outras narrativas, pois vemos em

evento privilegiada pelos escritores e diretores, conforme foi verificado, esteve distante de ser promovida pelo poder representado, neste caso, pelo Estado Nacional. Se considerarmos, ainda, os diferentes contextos sociopolíticos em que foram publicadas as obras, constataremos que, em grande parte, “estamos falando de uma situação marcada por um jogo desigual de poderes, já que os novos tradutores estariam remando contra a maré formada pelo consenso instituído pelos vitoriosos que retêm o direito de escrever a história oficial” (Idem., Ibidem, p.3).

Francisco, o ex-combatente, uma continuação dos outros

Para concluir o trabalho, gostaria de trazer uma

protagonistas. Desta forma, situando-se a publicação do

reflexão sobre a ficção e sua capacidade na construção

romance em fins da primeira década do novo milênio,

de “verdades” históricas; capacidade que se daria,

diríamos que Basualdo domestica, pois obedece ao

paradoxalmente, devido à não pretensão à verdade,

discurso dominante. Não obstante, ao mesmo tempo, sua

para além do seu próprio microuniverso, própria da

tradução tem traços estrangeirizantes, dada a inovação de sua denúncia.

narrativa ficcional. No caso específico desta pesquisa, que trata da recriação de um fato histórico recente, pouco abordado pela narrativa escrita oficial ou,

Algumas conclusões Como resultado da análise proposta pela pesquisa, foi possível observar que a ficção pode participar, de maneira direta e muito eficientemente, na reconstituição do passado. As seis obras resultaram em traduções atualizadoras do evento cuja representação recriou e reinventou o conflito armado.

melhor, silenciado por esta, o papel da arte torna-se preponderante. A perspectiva escolhida pelas ficções como ponto de partida para a representação do acontecimento histórico será, dadas as poucas opções, uma das vozes mais ouvidas sobre a questão. Por essa razão, devido à ausência de uma narrativa oficial sobre a guerra, os autores recorreram a narrativas orais de testemunho como fonte de informação sobre o evento e, a partir desse lugar, recriaram o conflito. A pergunta

As obras analisadas ilustraram a maneira como

que restaria responder é se esta voz parcial de uma

a ficção, ao dialogar com a história, pode influenciar

minoria subalterna, a do ex-combatente, retomada e

a reconstituição de um fato. Produzida, em todos os

ficcionalizada pela literatura e pelo cinema, pode ser

casos, a partir do anonimato3, as criações se infiltraram,

considerada uma tradução “confiável”. Com base em

sem autorização prévia, no imaginário do leitor e do

todas as reflexões realizadas ao longo da pesquisa,

espectador com relação à guerra, a ponto de provocar

entendo que, em uma rede de relações tão complexa

reações tanto adversas quanto favoráveis em pessoas

como a que configura um polissistema dinâmico, como

512

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

é o de uma sociedade ao longo do tempo, não cabe aqui

n.1. In: Itamar Even-Zohar’s Site. Disponible em: http://

determinar a confiabilidade, ou não, de um produto

www.tau.ac.il/~itamarez/works/papers/trabajos/ps-th_s.htm.

como uma tradução, uma interpretação de um texto.

Acessado em 15 ago. 2006.

Acho que, ao invés disso, é preciso que o analista observe a forma como tal produto se relaciona com as diversas forças que compõem o polissistema estudado para,

FOGWILL, Rodolfo Enrique (2007): Los pichiciegos. Buenos Aires: Interzona Editora.

assim, tentar compreender melhor o funcionamento

GAMERRO, Carlos (2007): Las Islas. Buenos Aires: Norma.

da sociedade em questão e a interpretação resultante.

JAKOBSON, Roman. (1959). Aspectos linguísticos da tradução. In:______. Linguística e comunicação. São Paulo:

Referências bibliográficas ANDERSON, Benedict (2008): Comunidades Imaginadas. São Paulo: Companhia das Letras. BASUALDO, Sebastián (2008): Cuando te vi caer. Buenos Aires: Bajo la luna. BAUER, Tristán (2005): Iluminados por el fuego. Produção: Carlos Ruta. Argentina, INCAA. 1 DVD, (100 min.) EVEN-ZOHAR, Itamar (1990): Teoria del Polisistema. Tradução Ricardo Bermudez Otero. In: Poetics Today. Tel Aviv: The Porter Institute for Poetics and Semiotics. Vol.11,

Cultrix. p. 62-72. KAMIN, Bebe (1984): Los chicos de la guerra. Produção: Kiko Tenembaum. Argentina, AK Films. 1 DVD, (101 min.) MÀRQUES, José Luis (2000): Fuckland. Produção: Diego Dubcovsky. Argentina: Atomic Films S.A. 1 DVD (84 min). RAJAGOPALAN, Kanavilil: Traição versus transgressão: reflexões acerca da tradução e pós-modernidade. Em: Alfb. Vol. 14. nº Esp., p. 123 – 130. VENUTI, Lawrence (2002): Escândalos na tradução: por uma ética da diferença. São Paulo: EDUSC.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

513

HISTÓRIA, ESTÓRIAS E HISTÓRIAS: REPRESENTAÇÕES FICCIONAIS DA MATÉRIA DE EXTRAÇÃO HISTÓRICA NAS NARRATIVAS DE DELIBES E DE ASSIS BRASIL

Jorge Paulo de Oliveira Neres PG- UFF

A filiação ou não das narrativas de Miguel

na realidade empírica, e que são familiares ao leitor.

Delibes e de Assis Brasil ao subgênero do romance

Essas marcas registradas, uma griffe do autor, se referem

histórico embute em si, antes de tudo, a delimitação de

às informações tais como nomes, datas de eventos,

um conceito em torno desta modalidade literária.

lugares etc.

Não tomamos as obras dos autores como filiadas

Em torno desta nomenclatura, “narrativas de

ao conceito tradicional de romance histórico, mormente

extração histórica”, (TROUCHE, 2006, p. 44) estabelece

aquele estabelecido a partir da publicação de Ivanhoé,

um conceito preciso caracterizando-as “como o

pelo escritor escocês Walter Scott, em 1819, nos servindo,

conjunto de narrativas que encetam o diálogo com a

na contrapartida, da concepção “matéria de extração

história, como forma de produção de saber e como

histórica”, nos moldes empregados por (BASTOS, 2000,

intervenção transgressora”. Este seu conceito resulta

p. 9):

da necessidade que constata de ampliar o arco daquele conceito defendido por Linda Hutcheon patenteado Como matéria de extração histórica deve ser entendida a matéria objeto de alguma forma de registro documental, escrito ou não, de que resulta permanecer na memória coletiva de uma determinada comunidade. A matéria de extração histórica, para merecer tal designativo, deve apresentar satisfatório grau de familiaridade para um leitor medianamente informado e poder ser recuperada mediante processo alusivo. Dizemos que de extração histórica, e não simplesmente matéria histórica, para assinalar sua procedência, dado que, em última instância, ela é tão ficcional quanto qualquer outra [...].

Esta matéria de extração histórica, na perspectiva de Alcmeno Bastos, semiotizada pelo romance, mesmo sem deixar de ser um referente ficcional, torna-se real pelas marcas registradas presentes no texto, ancoradas

na nomenclatura “metaficção histórica” que, segundo (TROUCHE, 2006, p. 42), se constituiria “apenas em um subgênero, uma interface” do termo “narrativas de extração histórica”. André Trouche, analisa o percurso das sucessivas concepções em torno do tema, tornando explícito o conceito formulado por Lukács a respeito das origens e das concepções iniciais desta modalidade narrativa (Lukács1 apud TROUCHE, 2006, p. 36): [...] O romance histórico nasceu em princípios do século XIX, aproximadamente na época da queda de Napoleão. (o Waverley, de Walter Scott foi publicado

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

514

em 1914). É claro que há romances de tema histórico já nos séculos XVII e XVIII, e quem assim o deseje pode considerar como “precursores” do romance histórico as elaborações da história antiga e dos mitos na idade média, e remontar-se ainda à China ou à Índia. Mas nesse percurso não encontrará nada que pudesse aclarar algo importante sobre o fenômeno do romance histórico. Os chamados romances históricos do século XVII (Scudéry, Calprenéde, etc.) são históricos apenas por sua temática puramente externa [...].

Nesta perspectiva, inferimos que o romance histórico, na sua origem, pauta sua matéria naquilo que se poderia chamar de “veracidade” dos fatos, na qual elementos históricos são transplantados da realidade empírica e rearticulados como um pano de fundo a serviço da ficção. A partir daí, o autor engendrava sua criação, conforme apontam (ESTEVES e MILTON, 2007, p. 14): O esquema básico do romance histórico criado por Scott, que acabou por se impor como modelo, obedece a dois princípios básicos: O primeiro deles é que a ação ocorre num passado anterior ao presente do escritor, tendo como pano de fundo um ambiente rigorosamente reconstruído onde figuras históricas ajudam a fixar a época. Sobre esse pano de fundo situa-se uma trama fictícia, com personagens e fatos inventados pelo autor. [...].

Com o advento do Realismo, há uma relativa mudança de foco no que se refere a esta concepção de romance histórico nos moldes de Scott, havendo, segundo (ESTEVES e MILTON, 2007, p. 15), “o entrecruzar da ficção e da história”. Ou seja, não há mudanças significativas em relação ao modelo romântico de Scott, porém já se nota um pacto de verossimilhança entre a ficção e o referencial histórico.

ficção, o impacto de discursos nitidamente distintos, mas que se completam. O entrecruzamento da ficção com o histórico na narrativa realista, a nosso ver e dado o acima exposto, reside, em termos práticos, no fato de um dos discursos, de alguma maneira, tentar explicar o outro, principalmente o histórico em relação à ficção, configurando-se, assim, um relativo condicionamento da invenção artística aos ditames de um discurso de origem referencial e externo. As rupturas embutidas nas propostas das Vanguardas, no início do século XX, repercutem na ficção de maneira geral e, particularmente, no romance histórico, sendo que o impacto mais incisivo dar-se-á a partir da segunda metade do século passado, quando essa modalidade narrativa passa a assumir uma nova configuração. Em termos concretos, podemos dizer que a desautorização da onisciência seja, talvez, um dos aspectos primordiais nesta mudança, isto porque, por um lado, ao enfatizar a subjetividade, automaticamente torna as verdades relativas. Por outro, e numa consequência disto, re-instaura a paródia e a ironia, abrindo caminho para o discurso plural do Pós-Modernismo. A recuperação da narrativa memorialista, após a Segunda Guerra Mundial, bem como a reflexão que se dá no âmbito dos historiadores em torno do próprio discurso da História, nos anos 70, conforme (FLECK, 2008), contribuíram para a reaproximação dessas duas práticas discursivas, haja vista a ruptura havida no século

Tal procedimento, acentuado, principalmente,

XIX, quando a História, ao auferir o estatuto de ciência,

pela proposta estética embutida na narrativa realista

passa a desprezar as fontes orais, excluindo a memória

de conferir certo privilégio às descrições minuciosas,

de seu discurso, fato que naturalmente a apartava do

além das marcas inerentes aos estilos do século XIX,

discurso literário.

voltadas para o maior dimensionamento das relações das personagens com o meio em que transitam, denotando ora certo determinismo, ora um psicologismo e, muitas vezes, ambos, concomitantes, provoca, sem dúvida, na

Sem nos restringirmos a uma visão taxionômica, a presença ou não da matéria de extração histórica nas narrativas de Miguel Delibes e de Assis Brasil se constitui em um ponto a nos chamar a atenção. Em Videiras de

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

cristal, mesmo numa leitura não muito atenta, já salta aos olhos de qualquer leitor a natureza histórica de sua narrativa. Los santos inocentes, por sua vez, impede qualquer conclusão precipitada, mas, queiramos ou não, a questão se impõe. Tanto Los santos inocentes quanto Videiras de cristal, em que pese as especificidades de cada uma das narrativas, sugerem acima de tudo a reflexão em torno da matéria narrada, o primeiro, de forma mais velada, o segundo, mais objetivamente. A narrativa de Los santos inocentes, salvo raríssimas exceções, não nos coloca diante de referências históricas explícitas. Esta constatação poderia se transformar em motivo para que tangenciássemos uma possível abordagem histórica do texto. No entanto, alguns índices presentes no desenrolar narrativo impõem uma verdade que, ao final, ata seus fios num sentido global em que o substrato histórico se faz presente. A construção narrativa elaborada de forma que as vozes sobreponham-se umas às outras, numa fusão de narrador e personagem, confere tal velocidade ao texto a ponto de não haver espaços para as informações do plano referencial. Assim, tempo e espaço se imiscuem na dinâmica da narrativa e são percebidos somente numa leitura mais detalhada. As referências a datas ou acontecimentos situam-se num plano secundário, aparecendo nas frestas da narrativa de forma parcimoniosa: ¿ que fue del Ireneo, Azarías? y el Azarías alzaba los hombros, se murió, Franco lo mandó al cielo, y ellos, como si fuera la primera vez que se lo preguntaban, y ¿ cuándo fue eso, Azarías, cuándo fue eso? y el Azarías movía repetidamente los labios antes de responder, hace mucho tiempo, cuando los moros, (DELIBES, 1981, p. 75). y de día y de noche, en invierno o en verano, al rececho, al salto o en batida, pim-pam, pim-pam, pim-pam, el Ivancito con el rifle o la escopeta, en el monte o los labajos y el año 43 en el ojeo inaugural del Día

515

de la Raza, ante el pasmo general, con trece años mal cumplidos, [...], (DELIBES, 1981, p.93).

Nos trechos acima, alguns aspectos merecem consideração. O primeiro se refere ao fato de neles o narrador nos situar o contexto em que ocorre a narrativa, nos anos iniciais da ditadura de Franco, como notamos na referência à data, 1943, e na citação do nome do ditador. Ao mesmo tempo, um fato histórico remoto é referenciado, a presença dos mouros na Espanha que, conforme Azarías, “hace mucho tiempo”. Na fala da personagem Azarias, não fica claro quais eram os mouros, principalmente porque acompanha a referência a expressão temporal “hace mucho tiempo”, fato que denota a despreocupação narrativa no que tange à exatidão de datas. Ao usar o alienado ou inocente como a única voz a fazer referência à personagem histórica, Delibes, certamente, pulveriza a imagem nefasta do ditador numa grande paródia e, ao mesmo tempo, relativizando o histórico, insere seu texto na pós-modernidade. A narrativa de Delibes traz para a cena literária o universo cotidiano deste homem anônimo, tornando-o fundamento histórico de seus romances, pois, de acordo com (Bastos2 apud TROUCHE, 2006, p.40) a matéria de extração histórica empregada já não é mais o fato grandioso envolvendo as grandes personalidades e acontecimentos extraordinários: [...] mas também a jornada cotidiana e cinzenta do homem comum. O ficcionista não se debruça nostálgico apenas sobre os tempos remotos, mas acompanha o nervoso pulsar da vida contemporânea, às vezes “antecipando” o que a história propriamente dita confirmará mais tarde. A substância histórica confundese com a política [...]. Assim, as referências contextuais concernentes à história ou ao contexto sócio-político em geral, aparecem pulverizadas na narrativa, a partir de referências

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

516

indiretas ou mesmo implícitas, como no exemplo: “lo

Aos poucos, esta impressão se desfaz devido à

creas o no, René, desde hace años en este país se está

relativização dos referenciais externos, mais precisamente

haciendo todo lo humanamente posible para redimir a

da matéria histórica que, ao contrário das expectativas

esta ” (DELIBES, 1981, p. 105).

dos romances tradicionais, é revestida pelo tropo da

Percebemos, assim, em Delibes, a construção de

ironia a lhe conferir um teor de paródia.

um universo ficcional que escapa ao referencial de um

Não queremos com isto afirmar que a narrativa

mundo exterior, fato que, num primeiro olhar, inibe a

perca o foco da questão histórica se constituindo numa

inclusão de Los santos inocentes no rol dos romances

espécie de pastiche que comprometa a dimensão que,

históricos.

em nossa compreensão, pretende o autor conferir a um

O olhar mais acurado, no entanto, subtrai o

episódio tão significativo da historiografia gaúcha.

equívoco de que as referências devam ser explicitadas,

Pelo contrário, a matéria histórica é o grande

assomando o caráter híbrido do discurso. Isto se deve

motor do romance, clara, muito clara ao longo do relato,

ao que (ESTEVES e MILTON, 2007, p. 17) chamam de

só que vista sob a ótica da reflexão e não enquanto um

“auto-referencialidade do romance contemporâneo”:

elemento residual à narrativa, como um mero motivador

A auto-referencialidade do romance contemporâneo, ao colocar em xeque a possibilidade de conhecimento de um objeto exterior ao texto, apresenta o autor como uma espécie de criador de mundos, dentro dos quais ele estabelece as normas que os regem e as relações existentes entre as diversas partes que o compõem. Quebra-se, desse modo, o pacto realista, e nenhum tipo de romance sofre mais intensamente tal ruptura que o romance histórico, onde a relação entre o texto e o referente é bem mais próxima. {...}.

Neste sentido, percebemos a matéria de extração histórica como um elemento caro ao sentido final da narrativa de Delibes, com a observação de que esta matéria é não só subjacente, como se incorpora à ficção a partir da refinada técnica de construção narrativa do autor. O romance Videiras de cristal, de Luiz Antonio de Assis Brasil, por sua vez, no contraponto à obra de Delibes, é uma narrativa que apresenta de forma explícita a matéria de extração histórica, fato que

das ações. Ou seja, Assis Brasil trata o tema com a seriedade esperada e lança sobre ele o seu olhar crítico. De igual maneira, também de forma paródica, reiteramos , subverte o modelo realista ao romper com recursos narrativos consolidados na tradição, conforme assinala (ESTEVES, 2008, p. 60): De todas as formas, é evidente o desejo de se realizar uma releitura crítica da história, seja impugnando as versões oficiais, seja abolindo a distância épica do romance tradicional, seja invertendo os modelos clássicos para dar voz àqueles que foram, ao longo dos tempos, excluídos, silenciados ou simplesmente mantidos à margem da história. Assim, os autores que escrevem romances históricos, a partir da segunda metade do século XX, valem-se da natureza aberta, livre e integralizadora do gênero, tentando produzir uma aproximação ao passado numa atitude verdadeiramente dialogizante e niveladora. Devido à sua forte carga plurissignificativa, a linguagem acaba por realizar, nesse contexto, uma missão dessacralizadora na releitura do passado. [...].

aparentemente, como anotamos, o insere na tradição das

Dado o exposto, observamos, por exemplo, em

obras filiadas ao gênero histórico. Afinal, numa primeira

Videiras de cristal, além da incursão em modalidades

leitura, a referencialidade é nítida, pois se percebe de

diferenciadas da prosa como, por exemplo, o uso das

imediato a intenção de o autor recuperar o episódio dos

cartas como recurso narrativo ou mesmo a atribuição de

muckers, ocorrido no Rio Grande do Sul, aspecto que

um valor diferenciado às vozes caladas pelas narrativas

necessariamente vincula o leitor a uma realidade externa.

da tradição, o recurso de ficcionalizar personagens

Dito de outro modo, a impressão inicial é de que se trata

históricas, muitas das vezes conferindo-lhes um desenho

de uma narrativa nos moldes realista.

caricato, como no perfil da personagem Pedro II:

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

517

O Monarca pisou no estribo do landau, agarrou-se, deu um impulso ao corpo e sentou-se ao fundo do banco. Suspirou:

poder, subtraindo a idéia de que a história só se restringe

– Os alemães são pitorescos, aqui no Brasil. Você sabia, Gaston – e dava a mão ao genro, ajudando-o a acomodar-se -, você sabia que meu maior sonho seria trazer Wagner para reger no nosso teatro? É uma idéia que não me sai da cabeça. Dizem que ele está sempre precisando de dinheiro. (ASSIS BRASIL, 1994, p. 329).

Nesta perspectiva, as personagens históricas

Merece nossa observação a maneira irônica de como o narrador apresenta a personagem histórica, dado o contexto da narrativa. Os alemães a que se refere e que o fizeram lembrar Wagner são os colonos do Ferrabrás que tentavam sensibilizá-lo em relação ao grave problema que explodia no sul. O Monarca Dom Pedro, alheio a tudo, preocupa-se com o seu sonho particular, envolvendo, ironicamente, outro alemão, célebre, mas, segundo o Imperador, “necessitado de dinheiro”. Em outras palavras, a ficção de Assis Brasil estabelece não só a crítica histórica ao abandono dos colonos alemães que vieram para o Brasil, estimulados pelo Império, cujo representante maior é justamente o Imperador, como também, na contrapartida, revela a aberração histórica do dispêndio de verbas públicas com veleidades pessoais da elite detentora do poder em detrimento da busca de soluções para problemas cruciais da época. Como esta, inúmeras outras passagens do romance nos revelam com quais tintas Assis Brasil ficcionaliza as personagens históricas trasladadas à narrativa, numa demonstração de que a matéria histórica efetivamente é redimensionada, trazendo um foco muito mais amplo do que aquele consagrado pela estética tradicional. A expressividade do discurso literário, desta maneira, se torna referência na elocução narrativa e nas vozes das personagens. Estas, na metaficção histórica, compartilham do impacto dos acontecimentos, independente da condição de detentores ou não do

ao universo vencedor.

que, na ficção tradicional, protagonizavam as ações, não ultrapassam a condição de coadjuvantes de uma história que se constrói no cotidiano comum das personagens simples que experimentam os impactos dos acontecimentos. O interesse narrativo, assim, muda o foco, colocando num segundo plano as vozes do poder e trazendo à tona a voz do excluído. O autor, como notamos, utiliza-se de uma estrutura narrativa aparentemente tradicional, posto que o referencial é visível ao longo do relato, mas, ao mesmo tempo, ludibria a tradição e, no interior dela, pela paródia, contesta as matrizes consolidadas do romance histórico. Merece nossa atenção especial a forma como a narrativa lida com a cronologia, objeto fundamental ao discurso histórico. Observamos que, já na primeira linha do romance, o narrador relativiza a data em que situou o ambiente narrativo com o emprego do advérbio de dúvida “talvez”. Ao prosseguirmos a leitura, percebemos que os limites do calendário são ignorados, o que confirma a natureza metaficcional do relato. Destacamos, ademais, que o desprezo a datas resulta, antes de tudo, de um procedimento técniconarrativo que implica até em um efeito estilístico. Assim, observamos que, ao longo da narrativa, a data é determinada de forma clara, quando os acontecimentos se dão no âmbito dos militares envolvidos na contenda, como no trecho abaixo: [...] Recolhe-se à sua barraca recém-armada junto aos vestígios de um galpão e ali, sobre a vacilante mesinha desmontável, escreve a parte, onde sucintamente informa a seu superior que os muckers foram vencidos – chega a pensar na palavra “esmagados” – e que a paz foi restabelecida no Padre Eterno. Fala brevemente em mortos e feridos entre os fanáticos e omite a falha das peças da Artilharia. Assina com um floreio e então percebe que não pôs a data (grifo nosso). Escreve-a,

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

518

abaixo do nome: Em campanha no Morro do Ferrabrás, 19 de julho de 1874. (ASSIS BRASIL, 1994, p.494).

plano. Ora, enquanto metaficção histórica, com as

Extraímos deste exemplo algumas considerações

muito mais ao relato os signos plurais do universo

que entendemos como pertinentes. Quando o narrador

da criação artística do que a exatidão dos registros

informa que Genuíno percebeu não haver colocado a

documentais, numa confirmação inequívoca de que se

data, chama nossa atenção para um aspecto que, no

trata de uma narrativa inovadora no âmbito do que se

transcorrer do romance, ele também não faz. Ora, não

convencionou denominar de Romance Histórico.

peculiaridades inerentes a uma narrativa pós-moderna, a referencialidade é deixada de lado, ou seja, interessa

faz porque tem a intenção de não fazê-lo, pelo fato de seu relato não lhe impor isto. Já na representação ficcional da personagem Genuíno Sampaio, um militar,

Referências bibliográficas

representante do espaço da ordem, a data é essencial ao relato, daí, ironicamente, haver a lembrança do detalhe. No âmbito dos civis, só temos referências cronológicas na primeira linha do romance e,

ASSIS BRASIL, Luiz Antonio de. Videiras de cristal: o romance dos muckers. Porto Alegre: Mercado Aberto, 4 ed., 1994. BASTOS, Alcmeno. A História foi assim: o romance político

posteriormente, na página 149, quando o narrador

brasileiro nos anos 70/80. Rio de Janeiro: Caetés, 2000.

descreve a construção de um templo no Ferrabrás não

DELIBES, Miguel. Los santos inocentes. Barcelona: Editorial

só para orações como também para acomodar os fiéis:

Planeta, 1981.

Naquela véspera do Segundo Domingo depois da Páscoa do ano de 1873, Jacó-Mula estivera o dia todo trabalhando na construção do Templo, ao lado da casa. Serviria não apenas para as orações, mas para abrigar o número cada vez maior de gente que ali desembocava; de sorte que a nova casa não era mais desejo de João Jorge,mas ordem de Jacobina. (ASSIS BRASIL 1994, p. 149).

No trecho, como observamos, o narrador nos informa o ano do ocorrido, porém atrelado a uma informação que considera mais importante para o relato do que a data propriamente dita, que é o “Segundo Domingo depois da Páscoa”.

ESTEVES, Antonio Roberto. Considerações sobre o romance histórico (no Brasil, no limiar do século XXI. In. Revista de Literatura, História e Memória. Cascavel: Edunioeste, v. 4, nº4, p. 53-66, 2008. ESTEVES, Antonio Roberto e MILTON, Heloísa Costa. Narrativas de extração histórica. In: CARLOS, Ana Maria e ESTEVES, Antonio R. (Orgs). Ficção e História: leituras de romances contemporâneos. Assis: FCL – Assis – UNESP – Publicações, 2007 FLECK, G. Francisco. Ficção, história, memória e suas inter-relações. In. Revista de Literatura, História e Memória. Cascavel: Edunioeste, v. 4, nº 4, p. 139-149, 2008.

Ao colocar apenas o ano, diferentemente da informação exata documentada por Genuíno Sampaio, o aspecto cronológico é subtraído em sua

TROUCHE, André. América: história e ficção. Niterói: EdUff, 2006.

significação, situando-se, desta forma, num segundo

Notas 1 LÚCKACS, Georg. La Novela Histórica. Madrid: Gredos, 1964. 2 BASTOS, Alcmeno. História e ficção. 1994 (Inédito).

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

519

CUERPOS INDÍGENAS EN METAMORFOSIS: UN ESTUDIO DEL CUERPO A PARIR DE MITOS Y LEYENDAS DE INDIOS DE LA AMAZONÍA BRASILEÑA Y BOLIVIANA Y SUS REPRESENTACIONES EN LA ACTUALIDAD

José Maria Lopes Júnior Universidade Federal de Rondônia/ UFBA

“Os mitos são sonhos públicos; os sonhos são mitos privados.” Joseph Campbell, Antropólogo.

Esta ponencia forma parte de una investigación en desarrollo de mi proyecto de doctorado realizado en la Universidad Federal de Bahía en el Programa de Post Grado en Artes Escénicas en la línea de investigación en Procesos Educacionales. Paralelo a mi trabajo como profesor del curso de licenciatura en teatro de la Universidad Federal de Rondônia, desde 2009 vengo trabajando teatro con los indígenas de 34 etnias de Rondônia en el “Projeto Açaí II”, curso de Formación Básica Intercultural Indígena (“Ensino Médio Magistério do Projeto Açaí II”). Estos alumnos del Projeto Açaí II siguem los estudios en el curso superior de Licenciatura en Educación Básica Intercultural Indígena de la Universidad Federal de Rondônia que habilita profesores para actuar en la enseñanza básica en sus respectivas comunidades. En las clases del “Projeto Açaí II” me encontré con 34 etnias estudiando juntas, cada etnia con sus propias narrativas que se encontraban, se alejaban y

se negociaban en las tramas y consecuentemente, en la puesta en escena. Así, de las prácticas culturales de los variados grupos, llegaban a la construcción de una escena colectiva partiendo de la narrativa contada. En el proceso transposición de la narrativa para la puesta en escena es necesario una mirada investigativa a los mensajes que los mitos, leyendas y relatos buscan transmitir para la comunidad, en lo que tenga que ver con la propia cultura, la vida, la muerte, la fauna, la flora, la reproducción de los grupos sociales, entre otros. Las escenas dramáticas de este modo, apuntan el origen de los indios-actores y su universo cultural e histórico, en que se nota la interacción, influencias de contacto con el no-indio y también el contacto entre las 34 etnias reunidas que estudian juntas en este ambiente intercultural. Así, lo que se presenta en la escena, muchas veces son referencias a situaciones vivenciadas durante un

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

520

determinado ritual, celebraciones, cotidiano o incluso

enamora,   tienen relaciones sexuales, nacen, se

experiencias alucinógenas. De este modo, lo que se ve en

reproducen y mueren.

la escena no existe solamente en la memoria del indioactor, sino también en todos aquellos que comparten de un mismo modelo cultural. La narrativa en este caso es extrapolada. Por lo tanto, el encuentro de estas narrativas así como los espectáculos producidos a partir de ellas, es una creación artística y una expresión estética de significados en que esas diversas etnias de Rondônia ordenan y expresan su percepción del mundo y de sí mismas. Tal hecho posibilita una reflexión acerca de la construcción social e individual en estas sociedades, siendo también una forma de mantener viva la memoria cultural indígena. En este presente trabajo se propone analizar aspectos históricos, literarios, sociales, culturales e interculturales, partiendo de la construcción simbólica del “cuerpo  indígena”   y sus distintas representaciones en  mitos y leyendas.  Los autores de estas fuentes literarias analizadas

¿Por qué los mitos para trabajar teatro con indígenas? Todas las sociedades tienen sus propios mitos que son pasados oralmente de generación a generación. Son historias que hablan de la creación del universo, del surgimiento de los dioses y de los primeros hombres, de las aventuras de los guerreros, de la naturaleza del cielo, del mundo terreno, de los animales y de los fines de los tiempos. A través de estas narrativas es posible comprender cuestiones de la vida, de la muerte y mucho de los valores de una sociedad. Sus ideas acerca de la estructura social, familia, relaciones interpersonales, sexo, leyes, gastronomía, caza y cultivos de la tierra. En mi primer contacto con los indígenas yo estaba sin historias. Teatro dice algo. ¿Qué decir a los indígenas? ¿Cómo trabajar teatro textual y corporalmente con ellos? La pregunta volvió en mi

son los propios indígenas de la Amazonía brasileña y

cabeza: ¿Qué decir a los indígenas?

la relación con otras narrativas orales indígenas de los

Respuesta: Ellos me dicen.

países vecinos (Bolivia, Perú) en zona de frontera y contacto.   A partir de las leyendas indígenas “O Gavião Pikuri” (Rondônia-Brasil) y “La leyenda del Guajojo” (Bolivia),  entre otras, se analiza la representación del cuerpo y sus metáforas.  Por un lado, la metamorfosis del cuerpo en animales de la selva, por otro lado de animales que se convierten en indígenas y por último, la manera de cómo estos “cuerpos” son configurados en la actualidad.  Teniendo como eje de investigación la representación del cuerpo en los mitos, se busca hacer un análisis de la relación entre el “cuerpo mítico”: Dios, Hombre, Mujer y Animales; y  el “cuerpo real”: cuerpo que caza, trabaja, lucha, se enferma, transforma,

Circulo de historias. La aldea es la clase Comenzamos la clase contando historias. Cada uno con mayor o menor habilidad para contar. Yo, escuchaba. Para nosotros es fácil imaginar un conflicto de interés colectivo. Ahora, ¿como buscar un conflicto indígena? ¿Cómo sería una historia de amor, de lucha, de odio, de dolor, de alegría? Los indios me contaban. Ellos comenzaron contando las historias que ambientaban la aldea. Sus creencias, sus dioses, sus trabajos, su rutina diaria. Y los mitos estaban siempre presentes. Aquí, cuando uso la palabra mito, me refiero a mito, a leyenda, a relato, a ficción y realidad-ficción.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Sinopsis del espectáculo

521

En los ejercicios de iniciación de teatro es común que se trabaje con actividades en que los alumnos

Las narrativas orales son las historias indígenas,

representen animales. Que caminen como culebras,

son las intrigas, los conflictos son sus poemas y sus

que se hacen pasar por un oso, por un perro. Que

metáforas para describir poéticamente la vida. Como

maúlle como un gato. Que camine como una gallina.

en otras sociedades, los mitos indígenas actúan como

Estas actividades son aparentemente sencillas, pero a lo

reglas de comportamiento, castigo, valores, estructuras

largo de la tarea los estudiantes tienen dificultades para

sociales, cómo vivir en la selva, cazar, pescar, cuidar la

representar el animal naturalmente.

naturaleza, hacer el amor, cuidar los hijos, familia y caza. Escuchar y servir a la naturaleza y a los dioses.

En los mitos y leyendas indígenas casi siempre aparece la figura de un animal. Es común y natural que

Entonces, el punto de partida para crear un

un indio se convierta en un mono, o una culebra en

texto dramático se definía así, a partir de los mitos. De

un hombre, un niño en gavión, una mujer en sol. Un

las narrativas orales. Esta era la historia. La sinopsis era

hombre en una laguna. Estas metamorfosis ya forman

creada.

parte del imaginario indígena. Así, presentar un animal

Lugar de acción: Siempre la Selva. La aldea. El “tapiri”, la “maloca”. La laguna, el río. En todos los grupos trabajados, las historias eran ambientadas en estos

es natural. Y el cuerpo indígena adquiere muy fácilmente los movimientos, los sonidos, la tensión de determinados animales o cosas.

lugares. Curiosamente, o no, a pesar del contacto con

En la cultura indígena, este cuerpo (hombre,

televisión y no-indio, otras culturas, etc., los indígenas

animal o cosa) puede adquirir características distintas y

nunca ambientaban sus historias fuera de la aldea.

al mismo tiempo representarse una u otra cultura, uno u

Personajes: Indios (“pajé”, “cacique”, otros). Animales. Cerros. Matas. Cielo. Sol. Luna. Río. Laguna. Tierra. Frutas. Lluvia. No-indios. Animales que se convierten en hombres: monos, peces, culebras, onzas, gaviones, pájaros, “catitu”(especie de cerdo de la selva), “quatipuru”, “tracajás”(tortugas), lechuzas, ratones, Cuerpo mítico y cuerpo “real”: metamorfosis Para trabajar teatro es fundamental pensar el cuerpo. ¿Cómo este cuerpo va a ser presentado en la escena? Sus habilidades, su expresión, su tensión y pulsión. El cuerpo asume características de su cotidiano, y uno de los trabajos en la clase de teatro es preparar el cuerpo para presentarse en situaciones no-cotidianas. ¿Cuál seria este cuerpo indígena en la escena? Cómo trabajar corporalmente con los indios?¿Qué memoria previa corporal ellos presentan?

otro momento de la historia y de la vida cotidiana. Este cuerpo muchas veces es una explicación de un hecho de la vida. En una clase pregunté a un alumno indio: ¿Tú crees que este gavión es un “parente” tuyo que se convirtió en ave? El alumno contestó pronto: “Antes era así. Hoy es diferente. Pero era. Antes, era común “parente”(parente es la manera que uno llama al otro indio de otra etnia) convertirse en animales.” Según CITRO (2009) en su obra Cuerpos Significantes, “el cuerpo es aquel sustrato común que compartimos con las mujeres o con los hombres de distintas sociedades en el tránsito del nacimiento a la muerte, aquello que nos hace semejantes (CITRO, 2009, pag.39). Sin embargo la autora explica que la materialidad común de los cuerpos, la vida sociocultural construye prácticas disímiles, o sea, técnicas corporales cotidianas, modos de percepción, formas de habitar el espacio, gestos, expresiones de la emoción, síntomas y danzas, y

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

522

así da lugar a representaciones de la corporalidad y de sus

culturas indígenas trabajadas hicimos una comparación

vínculos con el mundo también diferentes. “El cuerpo

entre las narrativas con los indígenas de Rondônia con

inevitablemente es atravesado por los significantes

los mitos de los países vecinos que tenían que ver con

culturales y él mismo constituye un particular productor

los temas estudiados.

de significantes en la vida social” (CITRO, 2009, 39).

Los propios indios brasileños intentaban

Un cuerpo que vive en una “maloca”, que caza,

interpretar los significados de los mitos y relaciones

que come lo que produce, que camina en la selva, se

con los de sus culturas (Brasil) con otros que trataban

ducha en el río, que hace sus necesidades desde arriba de

del mismo tema en otros países (Bolivia, Perú) en zonas

un árbol, que es representado muchas veces por animales

de frontera y contacto. Grupos indígenas de Rondônia,

y vice-versa, sin duda ninguna tiene distintas maneras

viven en la frontera con Bolivia y grupos de Indígenas

de percepción del mundo, formas propias de habitar

de Acre cerca de Perú.

el espacio, de expresar la emoción, de hacer el amor, y gestos y acciones con significantes culturales diferentes. El lugar donde se vive es productor de un comportamiento. Vivir en el medio de la selva amazónica

Mote: Animales que se convierten en gente. Gente que se convierte en animales

es muy distinto que vivir en un gran centro. Según LE BRETON (2011) las casas en donde los occidentales

Partiendo de este mote, fueron muchos los

viven son diversificadas y se puede comparar como una

relatos y los mitos de origen de animales que viven en

máquina de habitar. En este espacio habitado,

la selva. Muchos grupos contaron leyendas de gente

el cuerpo está reducido a una suma de necesidades arbitrariamente definidas, es asimilado a una forma pura, desenraiza de toda existencia, sin historia, sin cualidades, sin volumen. El cuerpo en estos espacios es concebido para “funcionar” en un espacio y no para ahí vivir. (LE BRETON, 2011,168)

que se convertía en gavión. Un niño abandonado por su madre, un hombre que había sido dejado por su mujer, entre otros. El mito del gavión Pikuri fue punto de partida para otras historias que envolvían pájaros. Así cada grupo tenía una historia diferente para el origen de algunos pájaros, sonidos producidos, plumas, etc.

De este modo, un cuerpo indígena que vive en

La historia que se cruzó y que habían muchos relatos

una aldea en el medio de la selva amazónica es enraizado

distintos fue el canto del “urutaú” un ave nocturna que

de toda su existencia, con sus historias cicatrizadas en el

emite un estremecedor y triste sonidos que semeja a un

cuerpo, el modo de caminar, en su volumen. El cuerpo

quejido. Las historias eran distintas, y así que decidimos

de la narrativa es la materialidad metafórica del cuerpo

buscar otros orígenes de este ave. Encontramos varias

que vive. Que cambia diariamente. Que lleva su cultura,

historias. A continuación las relato.

su historia.

En Bolivia los indígenas la llaman de Guajojo

Metamorfosis en el mito, en la escena y en la vida: Encrucijadas en Brasil, Bolivia, y Perú En la Amazonía, en las zonas de frontera las historias se cruzan. Indígenas de Rondônia, de Bolivia, de Perú. El tema central que da origen a estas historias es la Selva. La naturaleza. Los mitos son ambiguos y sutiles. Son flexibles. Operan como metáforas y en las

Hace mucho tiempo una joven y bella muchacha, hija del cacique de una tribu indígena, se enamoró de un apuesto mozo. Al padre de la joven no le gustó la elección y decidió eliminar al pretendiente, a quien dio muerte a sangre fría. Ante la ausencia del enamorado, la joven salió a buscarlo al bosque y se encontró con el cadáver. Sospechando que su padre era el culpable de tan horrendo crimen, le increpó y amenazó con denunciarle ante la tribu. El violento padre de la

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

joven, que también era hechicero, se enfureció ante tal reacción y amenazó a la joven. Usando artes de magia convirtió a su hija en el Guajojó, que por las noches deambula por la selva entonando su canto lastimero. (Bolivia)

En el mito indígena de Rondônia, es un hombre que se convierte en Gavión. O sea, con su fuerza, imponencia y habilidad en la selva. En esta ave nocturna, en todas las culturas, es representada por una mujer, niña. Pues el sonido producido es lastimero, agudo, estremecedor y se asemeja a un quejido. Esta es una representación simbólica que se mantiene en el imaginario que es la mujer que llora, que se queja, que tiene una voz aguda.

523

la casa, leña, comida, miel y otras cosas que ella aprovechaba. Pero ella lo hacía sufrir peleándolo por cualquier cosa. A veces le derramaba las comidas y lo dejaba sin comer. Hasta que un día, el hermano, cansado de ella, para desquitarse y darle un castigo, la invitó a que fuesen a sacar miel de unas abejas que tenía en la coronita de un árbol muy alto. Se fueron al monte donde estaba el árbol y como ella quería sacar primero la miel, subió por delante, y cuando estuvo en la punta buscando la casita de las abejas, su hermano se fue bajando y cortando todas las ramas, para que ella no pudiera bajar. Cuando llegó al suelo se largó corriendo y dejó sola a su hermana arriba del árbol. Entonces ella, al encontrarse sola, empezó a gritarle a su hermano, pero él no le hacía caso, hasta que fue llegando la noche. Y entonces le empezaron a brotar plumas hasta convertirse en pájaro y se convirtió en cacuy. Y éste pájaro se llama así porque dice clarito ¡Cacuy!, llamando a su hermano. (Argentina)

En Perú el ave se llama Ayaymamá y es

En los mitos narrados, la mujer aparece como

representada por un niño que dice ¡Ay Ay mamá!” que

la persona que traiciona a su marido y este muy triste y

ha dado lugar a la leyenda de la mitología indígena de la

desolado se convierte en gavión. O la figura femenina

Amazonía Peruana en que un niño abandonado llorón

es representada por una madre que no cuida a su hijo

llama a su mamá. Así un niño que llora mucho. Es la

y lo deja solo y con hambre y este se convierte en ave,

representación del niño. Así como la mujer, es el niño

adquiere plumas, vuela y desaparece. Así, cuando el

y la niña representan una fragilidad, llorones y con voz

padre del muchacho nota que su hijo desapareció y que

aguda. A continuación, otra versión de Perú:

la madre no le cuidó, este mata a su mujer por no haber

Otra versión de la leyenda Iquitos dice ese una madre indígena amazónica, queriendo salvar a sus niños de una epidemia que mataban en gran número su pueblo, los trajo lejos de su pueblo natal para el interior del bosque y los dejó en un lugar seguro al lado de un quebrada con muchos árboles frutas a la redonda. Ellos comieron y jugaron durante el día, pero al atardecer, comenzaron a extrañar a su madre. Para encontrar a su madre, ellos salieron del refugio que su madre había hecho para ellos y quedaron perdidos profundo en la mitad del bosque. El espíritu del bosque estaba triste cuando el los vio llorando y los cambió en aves. Los niños luego volaron para su pueblo, pero todo el mundo había muerto y hasta hoy día, pueden oírse por todo el bosque gritando su canción de “Ay-Ay Mama. http://www.iquitosnews.com/ayaymama-esp. html (Perú)

En Argentina, esta ave nocturna tiene una representación muy parecida con la del Perú. Dicen que había un muchacho que tenía una hermana muy mala y vivían solos en una casita en el monte. El hermano le traía todo lo que le hacía falta para

fijado la atención. En este mito de los indios de argentina, la figura femenina aparece como la hermana, mala que aprovecha a su hermano y lo trata como un esclavo. Un día, como venganza y castigo, el hermano consigue engañar a su hermana y la deja presa en la copa de un árbol, así da origen a el ave Cucuy. En la Amazonía Brasileña esta ave es conocida por uratau: O uratau é um pássaro solitário e de hábitos noturnos que dificilmente se deixa ver. Pousado na ponta de um galho seco,dar nenhum tipo de sinal de vida. O feiticeiro da tribo alegou que Nheambiú perdera a fala para sempre, a não ser que uma grande dor a fizesse voltar a ser o que era antes. Então a jovem recebeu todos os tipos de notícias tristes, a morte de seu pais e amigos, mas ela não dava nenhum sinal, até que o pajé falou “Cuimbaé acaba de ser morto”. No mesmo momento a moça, lamentando repetidas vezes, tomou vida e desapareceu dentro da mata. Todos que ali

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

524

estavam transformaram-se em árvores fitando a lua e estremecendo a calada da noite, emite seu canto tenebroso assemelhado a um lamento humano. Por este motivo, o povo também o chama de “mãe-da-lua”. Seu grito talvez seja o mais assustador de todos, entre as aves. “Meu filho foi, foi, foi...” (Brasil)

Otra versión: Segundo a lenda, uma moça guarani chamada Nheambiú, apaixonou-se profundamente por um bravo guerreiro tupi chamado Cuimbaé, que caíra prisioneiro dos guaranis. Nheambiú pediu a seus pais que consentissem o casamento com Cuimbaé. Todos os insistentes pedidos foram negados, com a alegação que os tupis eram inimigos mortais da nação guarani. Não podendo mais suportar o sofrimento, Nheambiú saiu da taba. O cacique mobilizou seus guerreiros na procura da filha e, após uma longa busca, a jovem índia foi encontrada no coração da floresta, paralisada e muda, tal qual uma estátua de pedra, sem secas, enquanto que Nheambiú tomou a forma de um uratau e ficou voando, noite após noite, pelos galhos daquelas árvores amigas, chorando a perda de seu grande amor. (Brasil) http://contoselendas.blogspot.com.br/2005/09/ urutau-jurutaui-ou-me-da-lua.html

alumnos indios también. Son entonces capaces de concretizar escénicamente y traducir en la puesta en escena sus representaciones, pulsiones en una fusión de impulsos creativos, espirituales, míticos y sociales de sus culturas. El cuerpo indígena y sus significantes. El cuerpo indígena y sus metáforas. El cuerpo indígena en la escena, es un cuerpo que vivencia corporalmente esta cultura y esta magia misteriosa presente en estas narrativas. El indígena de Bolivia, de Brasil, de Perú traduce el tiempo de la Selva. Su geografía, su clima, su fauna su flora y así la manera de vivir y sobrevivir frente a la floresta. El mito y sus dramas. El indio traduce en la escena su drama de la selva. Como el cuerpo recibe la mata. El cuerpo y la memoria se convierte en plumas, en hojas, en arboles y ríos; en animales y vice-versa. Mientras “nuestros” niños creen en la cenicienta, en la caperucita roja, en juan y maría y la casa de chocolate, “nuestros niños indios” sueñan con los gaviones, las culebras, los “tracajás” y así

A modo de conclusión El presente trabajo buscó escuchar diferentes mitos, describirlos, analizarlos, compararlos e interpretarlos para a continuación partir para la escena dramática. En este punto de la investigación,

construyen su imaginario metafórico.

Referencias bibliográficas CITRO, Silvia. Cuerpos Significantes: Travesías por los rituales tobas – 1ª ed. Buenos Aires: Biblos, 2009.

busqué exponer el valor de los mitos en las sociedades

GRAFISMOS INDÍGENA: estudos de antropologia estética/

indígenas que trabajo como profesor de teatro, en

Lux Vidal, organizadora São Paulo: Studio Nobel: Editora da

que partiendo de estas narrativas es posibles conocer

Universidade de São Paulo: FAPESP, 1992.

muchos de los aspectos de la cultura de cada aldea, la manera como operan sus realidades, sus verdades y sus representaciones de la vida, de la naturaleza, sus costumbres y así comprender parte del imaginario indígena de la Amazonia y sus respectivas relaciones con la vida actual. Es importante enfatizar que los mitos son en la mayoría de las veces con una ambigüedad sutil, y siempre se adaptan a los cambios de la vida por su característica innata de flexibilidad. Estamos en el siglo XXI y mis

GRENINER, Christine. O corpo: pistas para estudos indisciplinares. – São Paulo: Annablume, 2005. LE BRETON, David. Antropologia do corpo e modernidade/ David Le Breton; tradução de Fábio dos Santos Creder Lopes. – Petrópolis, Rj: Vozes, 2011. WILKINSON, Philip. Guia ilustrado Zahar: mitologia/Philip Wikinson & Neil Philip; Tradução Áurea Akemi; 2ªed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2010.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

525

http://contoselendas.blogspot.com.br/2005/09/urutau-

http://www.iquitosnews.com/ayaymama-esp.html (último

jurutaui-ou-me-da-lua.html (último acceso 14/08/2012)

acceso 14/08/2012 )

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

526

QUEMAR LAS NAVES : POR UMA ANÁLISE DO DICCIONARIO DE AMERICANISMOS DA ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA

José Mauricio da Conceição Rocha PG-USP

Apresentamos neste artigo uma breve análise

realizado em Valparaíso, no Chile. Tal coincidência não é

de alguns dos elementos paratextuais do Diccionario de

fortuita, pois houve um processo intenso de preparação

Americanismos. Seguimos, para tanto, as considerações

editorial, conforme relata Víctor Garcia de la Concha

de Elvira Arnoux sobre o paratexto, especialmente o

na apresentação do Diccionario, para que se atendesse à

destaque dado à sua função, segundo Maite Alvarado,

vontade da Asociación de Academias: oferecer o DA em

de disparador de operações de antecipação, busca na

comemoração ao Bicentenário da Independência das

memória, seleção de informações e colocação destas em

Repúblicas Iberoamericanas.

relação (ARNOUX, 2003, p.31).

O regalo remete, de alguma maneira, ao mundo

A perspectiva teórica que adotamos é a da Análise

helênico, já não se trata nem mesmo da prática atribuída

de Discurso (AD), conforme elaborada por Pechêux e

aos colonizadores e denominada escambo. Vale,

desenvolvida no Brasil por diversos pesquisadores.

portanto, referir Luis Fernando Lara quando afirma

Destacamos o trabalho realizado por Eni Orlandi,

que a lexicografia espanhola é imperialista e que para

que nos permite realizar este gesto interpretativo por

essa lexicografia

considerarmos o Diccionario de Americanismos como um discurso, como um texto produzido em certas condições, “tendo seu processo de produção vinculado a uma determinada rede de memória diante da língua” (ORLANDI, 2002, p.103).

las otras variedades del español solamente pueden ser más o menos pintorescas, más o menos arcaicas, más o menos vulgares, pero siempre, constitutivamente, variedades coloniales: españoles de un allá, que sólo parece haberse asimilado a la comprensión que tiene la cultura española de si mismo en el caso de la literatura

(LARA, 1990, p.233).

1. Terra à vista?

O regalo reforça, no momento em que ocorrem diversos eventos alusivos ao bicentenário da

O Diccionario de Americanismos (DA) aporta em terras americanas em março de 2010. A data da

independência, os laços entre a metrópole e suas (ex-) colônias. Tais laços são constituídos, agora, pela política

chegada desse instrumento linguístico coincide com o “V

lingüística panhispánica, e o DA se apresenta como

Congreso Internacional de la Lengua Española” (V CILE)

continente dos desvios.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

2. Terras revistas

527

A ideia de totalidade, no entanto, já está sugerida na capa do DA pelos elementos que estimulam

O recorte de elementos paratextuais que fizemos

os movimentos dos olhos de seus consulentes. Caso

do DA corresponde ao que serviu de estímulo às nossas

sigamos considerando que os traços da capa representam

reflexões.

letras, estas nos remeterão às academias associadas; perceberemos, ainda, que essas letras convergem para o centro de 8 corredores formados pela justaposição delas.

2.1. Capa Não podemos nos furtar à análise de um elemento de destaque do DA: o símbolo que figura na capa.

Temos, assim, a estilização de uma rosa dos ventos com 8 pontos cardeais. As academias seguem apontando para um centro composto por elas e que podemos ver como a representação de um centro irradiador e, também, gerenciador – um gestor de uma política linguística. A combinação de cores forma uma espécie de círculo cromático e completa a ideia de conformar os diversos matizes de uma língua em um mesmo símbolo. Este, parece-nos, funciona como uma representação da política lingüística panhispánica.

2.2. Presentación A apresentação do DA é assinada, conforme mencionamos, por Víctor Garcia de la Concha, então presidente da Asociación de Academias – convém destacar O que se tem sobre o fundo branco da capa são, basicamente, traços semelhantes em cores diversas. Como serão interpretados esses dados dependerá muito do olhar de cada um dos consulentes. Pode-se verificar

que Concha foi diretor da RAE entre 1998 e 2010. O texto está composto por 7 parágrafos em que são mencionadas datas que marcam no tempo as intenções e as ações que fizeram com que surgisse o DA em 2010. Vejamos:

que os traços de mesma cor estão agrupados formando

§1° – Este parágrafo é aberto pela informação de que

respresentações da letra A, e que, visto dessa maneira,

no último quarto do século XIX a Real Academia

esta é representada 8 vezes, em 8 cores diferentes.

Española (RAE) se propôs a construir um dicionário

Há quem diga brincando que o símbolo de infinito é nada mais que um 8 deitado. Poderíamos assumir a temerária hipótese de que as 22 Academias foram representadas por um número limitado para que fossem comparadas ao universo, infinito e em expansão, como entidade que tudo abarca, que contém todas as coisas e cujo movimento não está sujeito ao nosso controle, meros mortais que somos.

de americanismos com a ajuda de suas novas “Correspondientes”, as oito primeiras academias americanas da língua. Apesar de não ter sido possível concretizar a ideia imediatamente, a RAE de fato contou com a ajuda de suas correspondentes, pois ao longo das duas primeras décadas do século XX “las jóvenes Academias fueron remitiendo fichas del léxico próprio de sus respectivos países”. Vale assinalar que o movimento realizado pela RAE no final do século

528

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

XIX coincide com a então recente independência

cada uma das academias teria se responsabilizado por

das Repúblicas Iberoamericanas. Entendemos tal

sua parcela de léxico “con una dedicación esforzada y

movimento como um gesto de manutenção dos laços

ejemplar”. Assim, se pressupõe que o protagonismo que

entre metrópole e (ex-)colônias.

corresponde às Correspondientes é o do trabalho braçal

§2° – As informações deste parágrafo estão relacionadas

– apresentado como algo natural.

à constituição da Asociación, ideia do acadêmico

§6° – Talvez este parágrafo devesse ser representado de

mexicano Martín Luis Guzmán que foi encampada

outra forma. Talvez assim: $6°. Diz-se:

pelo então presidente mexicano Miguel Alemán, através da convocação do “I Congreso de la Asociación” no México em 1951. O texto assinado por Concha relata ainda que o objetivo da Asociación seria o trabalho de todos pela “unidad de nuestra lengua común”. Não

Por su parte, la Real Academia Española ha hecho posible que el Diccionario de Americanismos sea una realidad, procurando mecenazgos cuyas aportaciones económicas ha completado ella de manera generosa, y prestando recursos humanos así como la infraestructura material y técnica necesaria.

se pode, portanto, acusar as academias da língua de serem incoerentes ou criticar sua adesão à política do

Viabilizar o DA financeiramente equivale, de

panhispanismo. Seus propósitos, conforme o texto,

acordo com o texto, a torná-lo realidade. Isso pode

correspondem aos da RAE.

fazer crer que a ação da RAE foi indispensável para que

§3° – Indica-se neste parágrafo um aprofundamento do propósito de unidade da língua ocorrido durante os sucessivos congressos realizados, e que entre 1996 e 1998 ocorreram reuniões através das quais chegou-se a aprovar por unanimidade um novo projeto do DA. A forma como são apresentados os fatos podem fazer crer que há um protagonismo das academias na retomada do

o instrumento linguístico em questão viesse a existir e, de certo modo, pode ofuscar o trabalho realizado pelas academias correspondentes. Ademais, não fica claro que não se trata de generosidade, mas de investimento. Afinal, como já vimos, sempre fora interesse da RAE – desde a independência das chamadas Repúblicas Iberoamericanas – o desenvolvimento do DA.

projeto do DA, ainda que esse projeto seja um propósito da RAE desde “el último cuarto del siglo XIX”, conforme explicitado no §1°. §4° – Neste parágrafo, Concha afirma que no “XII Congreso”, ocorrido em 2002, decidiu-se outorgar ao DA um novo estatuto, que significou o estabelecimento de um método de trabalho similar ao que se adota nas novas

§7° – Conforme já mencionamos no item 2, este parágrafo destaca o esforço realizado para que o DA fosse apresentado no V CILE, e acrescenta que o trabalho de construção do DA ao mesmo tempo impulsionou a preparação de dicionários nacionais de cada um dos países – sem especificar quais e como seriam, se dicionários integrais ou dicionários de -ismos.

obras panhispânicas. A impressão de obra totalizadora que o símbolo na capa do DA sugere parece ganhar corpo à medida que avançamos, e vemos aqui indicações de

2.3. Introducción

que esse espírito totalizador reflete a postura da RAE e de sua política. §5° – “Como es lógico, a las Academias americanas ha correspondido el protagonismo en la construcción de este Diccionario”. O que pode parecer algo interessante aos olhos desavisados, logo se revela de outro modo:

A introdução, assinada por Humberto López Morales, secretário geral da Asociación, descreve, basicamente, as atividades de cada envolvido no projeto. São treze parágrafos, dos quais nos interessa destacar o último:

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

529

em relação ao que se afirma no item

El Diccionario que el amable lector tiene en sus manos es, pues, el resultado de una labor que, aunque muy trabajosa y dilatada en el tiempo, nunca dejó de ser ilusionada. No existe mayor ni mejor recompensa para todos los que nos hemos embarcado en esta nave.

2. D ife re n c i al – “E l D i c c i on ar i o d e

A metáfora utilizada por Morales evoca a

al español general”. O DA esclarece que

memória do leitor, remete às grandes navegações. O

no plano léxico se entende por “español

item seguinte se coaduna com a metáfora.

general” o conjunto de termos comuns

seguinte.

Americanismos es diferencial con respecto

a todos os hispanofalantes – o que 2.4. Tábula gratulatoria A Asociación enumera nesta parte as instituições e empresas às quais “agradece profundamente”. Interessanos o primeiro dos 6 agradecimentos feitos: En primer lugar, la empresa Repsol, mecenas principal, siempre generosa con la labor académica y, en este caso, especialmente interesada en enaltecer los valores próprios de España al otro lado del Atlántico.

representaria mais de 80% do vocabulário dessa língua. A contradição se encontra na afirmação de que “no se trata, pues, de establecer la contrastividad con el español de España”. Ora, se não é estabelecida uma contrastividade em relação ao espanhol da Espanha, é de se supor que com “algum” outro ela será estabelecida. Caso a diferença seja relativa ao chamado “espanhol geral” – único elemento do texto

O texto assinala que este é um caso de

que pode ocupar essa posição de contraste

enaltecimento dos valores próprios da Espanha deste

– só nos restará interpretar esse discurso

lado do Atlântico. Perguntamo-nos de que forma

como mais um estímulo ao imaginário de

se daria este enaltecimento. Como se verá adiante,

um “pan-espanhol”, uma entidade abstrata,

enaltecer os valores daquele país corresponde a insistir

limpa, fixa, sem o esplendor de cores locais.

na manutenção da imagem de língua desviante atribuída à variedade usual em cada uma das (ex-)colonias.

3. D es c r iptiv o – “E l D i cc i onar io d e Americanismos carece de un propósito normativo”, assim está dito. E o texto segue:

2.5. Guía del consultor Esta parte do DA está subdividida em seis. Destacamos neste artigo a primeira delas, intitulada CARACTERÍSTICAS GENERALES DEL DICCIONARIO DE AMERICANISMOS, que são:

1. Dialectal – “La obra que el lector tiene en sus manos es un diccionario del español de America”. A afirmação pode facilmente confundir o consulente, que é exposto ao risco de relacionar “español de América” a “americanismos”. Este equívoco também pode ser interpretado como contradição

No da pautas para el ‘bien hablar o escribir’, ni silencia términos considerados por la comunidad (aunque cada una tiene los suyos) como malsonantes, tabuizados, vulgares, extranjerismos, neologismos, ni palabras que aluden a cuestiones de sexo-género, procedencias, defectos físicos o morales, ni términos de la drogadicción, el narcotráfico, la delincuencia, etc., que pudieran herir alguna suseptibilidad.

O que está dito reforça o não-dito. Uma instituição que “limpia, fija y da esplendor” e trata uma língua – aquela utilizada pelo outro – como diferencial, como um desvio em relação ao que chama de español general, não recomendaria seu uso aos que têm ouvido fino. Nos vemos obrigados a repetir Lara, para quem a RAE assume a seguinte

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

530

postura: “las otras variedades del español

Descrita na página da RAE na internet1 como

solamente pueden ser más o menos pintorescas,

“decidido compromiso académico de avanzar en una

más o menos arcaicas, más o menos vulgares,

acción conjunta”, a política do panhispanismo transcende

pero siempre, constitutivamente, variedades

o âmbito linguístico “para constituirse en un refuerzo

coloniales: españoles de un allá” (LARA, 1990,

de lo que es la más sólida base de unión de los pueblos

p.233).

hispánicos en la Comunidad Iberoamericana de

4. Usual – Apesar de todo o discurso totalizante, de abrangência, panhispanístico, há o reconhecimento de que houve uma seleção “dado el espacio limitado del que se disponía”. 5. Descodificador – O que se diz é apenas que o DA foi desenvolvido para “ayudar al usuario a entender cualquier unidad textual de ese enorme corpus con que hoy cuenta Hispanoamerica, y también, naturalmente, textos orales”. Discursos como esse apenas reforçam o imaginário dos falantes de uma língua desviante, e cristalizam, por exemplo, movimentos como os que verificamos na página da Academia Boliviana de la Lengua na internet, como veremos detalhadamente mais adiante. 6. Actual – “Abarca aproximadamente los últimos cincuenta años”.

Naciones: el idioma”. A mesma página da RAE busca reforçar a ideia de unidade na diversidade e afirma que os diferentes usos de regiões linguísticas são considerados plenamente legítimos, mas com uma única condição: “que estén generalizados entre los hablantes cultos de su área y no supongan una ruptura del sistema en su conjunto, esto es, que ponga en peligro su unidad”. Tratando ainda do binômio unidade/diversidade, a mesma página afirma que as academias da língua desempenham o trabalho de fixar a norma que regula o uso correto do idioma “desde la conciencia de que la norma del español no tiene un eje único, el de su realización española, sino que su carácter es policéntrico”. O aposto que menciona a “realización española” antecipa um imaginário acerca da norma, de um “espanhol correto”, imaginário esse que existe de fato. Basta consultar a página principal da ABOLEN na internet2 para verificar seu funcionamento. A partir dela, o internauta pode observar três janelas do lado esquerdo. Uma delas, intitulada “Contenido”, apresenta o link “Uso del Idioma”. Ao passar o cursor sobre este link, o consulente tem duas opções: “Uso correcto del

3. O Diccionario de Americanismos como gesto político Os dados elencados neste artigo indicam que a política lingüística panhispánica emerge no DA, que é um produto dessa política. Podemos afirmá-lo a partir do texto de apresentação do instrumento linguístico em questão. Conforme menciona o sétimo parágrafo da Presentación, o Diccionario é “fruto granado de esa política linguística panhispánica que antes ha producido el Diccionario panhispánico de dudas”.

Español” e “Bolivianismos”, conforme a imagem:

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

531

Bastaria a divisão acima representada para

O suposto caráter policêntrico da norma do

atestar o funcionamento do imaginário “espanhol

espanhol acaba desparecendo, dando lugar ao que afirma

correto” posto em relação com qualquer outro uso. Essa

Josefina Ludmer:

divisão pressupõe a incorreção de um uso diferente daquele que venha a ser indicado no link “Uso correcto del Español”. A própria ABOLEN, neste caso, indica essa divisão expondo os “Bolivianismos” como desvios da norma. Clicando em “Uso correcto del Español” o internauta é direcionado a uma página que oferece links para a RAE e seus produtos: Diccionario de la Lengua, Diccionario Panhispánico de Dudas e outros três dicionários, além de manuais de gramática e de

El territorio de la lengua está organizado jerárquicamente como un imperio más o menos clásico, con un centro real, la Real Academia Española (la autoridad linguística que legisla la lengua y la unifica: el poder legislador del territorio), y una cantidad de “correspondientes”: América latina es el sitio de las correspondientes. La estructura del imperio en el territorio de la lengua: uno arriba, la autoridad (y una nación), y muchos abajo (una región). (LUDMER, 2010, p.190)

Considerações finais

ortografia. Já no link “Bolivianismos”, o internauta é direcionado a uma página da ABOLEN na qual

Todo o empenho da RAE para que o Diccionario

consta uma mostra de bolivianismos incorporados no

de Americanismos aportasse em terras americanas

Diccionario de Americanismos.

justamente quando se comemorava o Bicentenário da

Fica, dessa forma, estabelecida uma relação metonímica na qual o que não figura como “Uso correcto del Español” é tido como incorreção; os bolivianismos constituem apenas uma parte daquilo que não passaria de “Uso incorrecto del Español”, de acordo com a

Independência das Repúblicas Iberoamericanas não foi em vão. O anúncio da chegada desse instrumento linguístico poderia mesmo ter feito a terra tremer, mas o que vemos são os restos de outras embarcações em chamas.

ideologia difundida pela política lingüística panhispânica,

Os doze anos em que Víctor García de la

ou seja, parte dos americanismos, também considerados

Concha dirigiu a RAE (1998-2010) foram classificados

incorreções.

pelo jornal espanhol El País como “los 12 años más revolucionarios de una institución que pronto cumplirá

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

532

tres siglos”. O período é chamado, ainda, pelo mesmo

ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA

jornal, de “era García de la Concha”3.

ESPAÑOLA (2010). Diccionario de americanismos. Santillana

Cortés moderno, Concha conseguiu fazer com que as correspondientes trabalhassem pela materialização de um instrumento linguístico cujo projeto é quase

Ediciones Generales, S.L. LARA, Luis Fernando (1990). Dimensiones de la lexicografía. A propósito del Diccionario del español de México. México,

tão antigo quanto a independência das (ex-)colônias

D.F.: El Colegio de México.

espanholas. Repetimos que, segundo Humberto López

LUDMER, Josefina (2010). Aquí América latina. Una

Morales, “no existe mayor ni mejor recompensa para

especulación. Eterna Cadencia.

todos los que nos hemos embarcado en esta nave”. Não deve haver mesmo.

ORLANDI, Eni P (2002). Língua e conhecimento linguístico: para uma história das ideias no Brasil. São Paulo: Cortez.

Referências bibliográficas ARNOUX, Elvira Narvaja (2003). La lectura y la escritura en la universidad. Buenos Aires : Editorial Universitaria de Buenos Aires.

Notas 1 http://www.rae.es/rae/Noticias.nsf/Portada4?ReadForm&menu=4. Acessado em 12/10/2012. 2 http://www.abolen.org/index.html. Acessado em 12/10/2012. 3 http://www.elpais.com/articulo/cultura/RAE/cambia/director/elpepucul/20101209elpepucul_2/Tes. Acessado em 12/10/2012.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

533

EL ATAJO Y LA TRAMA CELESTE, DE BIOY

CASARES: HISTORIAS DE MUNDOS POSIBLES

José Ronaldo Batista de Luna, PG-UFPE

El escritor Julio Cortázar (1914-1984), igualmente creador de mundos y revelador del nuestro,

I. Bosquejo sobre lo fantástico en la literatura

reconoce lo fantástico como un sentimiento1, íntimo y presente, alrededor nuestro, capaz de abrir pequeños

La modalidad narrativa llamada literatura

paréntesis dentro de la realidad, intersticios que nos

fantástica presupone la posibilidad de lo sobrenatural, de

advierten que una ley dicha natural cesó de cumplirse.

lo extraordinario como artificio transgresor (o sea, el otro

Adolfo Bioy Casares (1914-1999), a su vez, postuló la

de lo natural), que en algún momento entra en choque

antigüedad de las ficciones fantásticas, considerándo-

con lo real – o por lo menos con una dada representación

las tan viejas cuanto el miedo, precediendo incluso la

de la realidad compartida por una cultura – dentro de un

escrita2. A ese respecto, Jorge Luis Borges (1899-1986)

mundo supuestamente estable como quiere ser el nuestro.

también nutría opiniones análogas: “Os romances realis-

Es decir, la condición de posibilidad para lo fantástico

tas começaram a ser elaborados nos princípios do século

implica la existencia de un cosmos ordenado, regido por

XIX, enquanto todas as literaturas começaram com re-

leyes estrictas y lógicas para que, de alguna manera, el

latos fantásticos”3. Sea un sentimiento que secretamente

elemento imposible pueda, conflictivamente, irrumpir

nos acecha y subvierte la estabilidad de nuestros códigos,

en su seno. Tal irrupción acarrea un efecto inquietante,

sea de todos los tiempos como algo obsceno frente a lo

cuando no en los personajes, por lo menos en el lector,

real, lo fantástico nos lleva a cuestionar la validez de las

porque lo remite a considerar su propia condición en

certezas bajo las cuales está erguido nuestro mundo. Su

el universo. De ahí que el aparecimiento de ese modo

florecimiento, en tanto modo literario, data de fines del

literario guarde relación directa con la Ilustración en el

siglo XVIII – con la novela gótica inglesa –, se consolida

siglo XVIII. Hasta entonces se ignoraba fronteras entre

con la producción narrativa de E.T.A. Hoffmann, en

las instancias de lo natural y de lo sobrenatural. Había

Alemania, y culmina en el XX, con los escritores latino-

mismo la predominancia de este último y la explicación

americanos, entre otros, los argentinos Borges, Cortázar

de la realidad proveía simultáneamente de la ciencia,

y Bioy Casares, del cual nos ocuparemos a partir de dos

de la religión y de la superstición4. Los fenómenos eran

cuentos suyos, La trama celeste (1948) y El atajo (1967),

aceptos y catalogados en los tratados de demonología y

para analizar lo fantástico en la literatura.

libros de prodigios, sin que hubiese lugar para la duda. Se puede decir que el pensamiento científico vino a

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

534

desencantar el mundo, inmunizándolo de los “bacilos”

regiones temporalmente lejanas –, lo fantástico se

y “pestilencias” de una mentalidad supersticiosa.

consolidó y se renovó a través del cuento. A partir de

Al operar la laicización sin precedentes del pensamiento occidental, la gran propuesta iluminista fue la de poder pensar el mundo exclusivamente por las lentes de la racionalidad, sin los ecos de la religión y de la metafísica. En ese sentido, instaurado otro modelo explicativo, se produjo la separación de dos categorías que hasta entonces pudieron funcionar, sino integradas, al menos de manera no excluyente: razón y fe. El nuevo paradigma para leer la realidad prescindirá de toda exegesis bíblica o revelación divina. Por lo tanto, observar el mundo significará racionalizarlo. No obstante, en su anhelo de todo explicar por el prisma de las luces, el siglo iluminista llegó a reconocer la imposibilidad de poder abarcar la totalidad de lo real. El propio Immanuel Kant – el más ilustre de los iluministas – señaló los límites de la razón en una de sus Críticas5: el noúmeno, el objeto considerado en sí mismo, sin ninguna relación con el sujeto es algo incognoscible. O sea, a pesar de las reivindicaciones racionales, la realidad siempre permitirá hendijas que comunican con su otro, lo desconocido. De modo general, lo onírico, lo nocturno, lo macabro, lo terrorífico: todos incorporados por el Romanticismo, cuyas marcas son evidentes en las primeras manifestaciones de la literatura fantástica, la novela gótica inglesa (gothic novel). Por eso, expulso de la vida, asevera David Roas, lo sobrenatural encontrará refugio en la literatura6. En consecuencia, solamente a partir de ese momento se puede hablar efectivamente de literatura fantástica, porque surgen las condiciones adecuadas para que ocurra el choque amenazador, el conflicto entre lo natural y lo sobrenatural. Ese enfrentamiento era, obviamente, impensable antes del siglo XVIII, una vez que, de modo general, lo sobrenatural integraba el horizonte mental del lector.

ahí, la narrativa fantástica acciona un nuevo dispositivo: las historias narradas ocurren en el mundo cotidiano. Es decir, el mundo de los relatos tiene como referente el del lector. Inaugurado por Hoffmann (1776-1822) y continuado por Edgar Allan Poe (1809-1849), tal proceso es vital para ese modo narrativo: el narrador presenta un mundo creíble, en el cual el lector se siente seguro y confortable, para, en un dado momento hacer aparecer la ruptura, lo sobrenatural. De esa forma, el receptor percibe con mayor impacto el efecto, como es obvio. Las más significativas contribuciones teóricas vinieron a la luz a partir de los años 50: L’Art et la littérature fantastiques (Louis Vax, 1960); Au coeur du fantastique (Roger Caillois, 1960); y Introduction à la littérature fantastique (Tzvetan Todorov, 1970). No obstante sus limitaciones, el texto de Todorov es fundante en los estudios en torno de la literatura fantástica, cuya propuesta estructuralista pretendía explicar lo fantástico a partir del interior de la obra, o sea, de su funcionamiento, diversamente de los análisis precedentes, centrados más bien en el aspecto temático. En suma, proponía elaborar una caracterización formal de lo que él considera como género fantástico. El primer paso de la cuestión consiste en definirlo demarcándolo, frente a dos otros que le son vecinos: lo extraño y lo maravilloso. Y entre ambos, suspenso en el tenso hilo de la ambigüedad, pulsa lo fantástico: género evanescente, fundado en la vacilación (en general, compartida por el narrador, lector implícito y algún personaje). A continuación, los trabajos más distinguidos estuvieron a cargo de Remo Ceserani, en que lo fantástico es admitido como modo narrativo, capaz de manifestarse en distintos géneros, tales como el cuento o la novela; y David Roas, cuyo punto de vista sobre la literatura fantástica tiene por base la concepción de hiperrealismo, o sea, el relato fantástico, además de “reproducir las técnicas

Además de la novela gótica – en general con

de los textos realistas, obliga al lector a confrontar

argumentos macabros ambientados en castillos y

continuamente su experiencia de la realidad con la de los

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

535

personajes”7, desencadenando, por tanto, una relación

parecen entrar en acuerdo. Empecemos con el criador

conflictiva del texto con la realidad empírica.

de La invención de Morel:

II. Realidad tomada: ¿lo fantástico (con) mueve nuestras certezas? Un viajante de comercio se despide de su

(...) algunos autores descubrieron la conveniencia de hacer que en un mundo plenamente creíble sucediera un solo hecho increíble; que en vidas consuetudinarias y domésticas, como las del lector, sucediera el fantasma. (…) lo que podríamos llamar la tendencia realista en la literatura fantástica. (Bioy Casares, 2008, pp. 12, 13).

esposa bajo recomendaciones de cuidados – como era

A respecto, veamos lo que nos dice el crítico

de hábito –, con la leve opresión de quien parte para

francés Louis Vax, (1972, p. 8): “A narrativa fantástica (...)

largas distancias. En aquel día pensó en no llevar a su

gosta de nos apresentar, habitando o mundo real onde

acompañante de viajes, mas antes de partir este último

nos encontramos, homens como nós, postos de súbito

ya lo estaba aguardando. En determinado momento del

em presença do inexplicável”. Análogamente, en la teoría

trayecto, el conductor toma un atajo en el cual se siente

expuesta en el prólogo de su Antología de la literatura

perdido. Entre tanto, decide por no aclarar la situación

fantástica, Caillois anota (1970, p. 8): “(…) lo fantástico

a su compañero. En algún momento, por un descuido,

pone de manifiesto un escándalo, una ruptura, una

el coche se empantana en una zanja. Para pedir ayuda

irrupción insólita, casi insoportable en un mundo real”.

ambos se dirigen hacia una casa próxima, probablemente

Todorov a su vez asevera en su Introdução... (2008, p.

un puesto, pensaron. A partir de ahí, ocurre la ruptura:

30): “Num mundo que é exatamente o nosso, aquele que

se trata, la referida casa, de una especie de cuartel situado

conhecemos, sem diabos, sílfides nem vampiros, produz-

en otro tiempo, otra dimensión. Y los personajes, por

se um acontecimento que não pode ser explicado pelas

no llevaren salvoconducto, son inexplicablemente

leis deste mesmo mundo familiar”. Cuanto a Cócaro,

condenados al silencio de un calabozo.

este nos informa (1976, p. 20): “Dentro del ámbito del

Ese argumento compone el relato El atajo, de Bioy Casares, el cual postula la ocurrencia de lo imposible dentro del mundo familiar: la presencia de tiempos y espacios simultáneos que, en este caso, extrañamente se conectan. O sea, el mundo conocido y estable es impregnado por la amenaza de lo insólito, de lo extraordinario, de aquello que, según nos aseguran las leyes conocidas, no podría darse. A partir de este cuento, ya podemos, anticipadamente, identificar tres características

mundo real, en donde el hombre vive su angustiada existencia, acaso se produzca un hecho sobrenatural. De ahí vemos, por supuesto, que lo fantástico se apoya evidentemente en un soporte real para traducirse.” Por último, para evitar los excesos, cito los aportes de Roas, en uno de sus ensayos (2001, p. 24): El realismo se convierte así en una necesidad estructural de todo texto fantástico. Esto supone acabar con la idea de situar lo fantástico en el terreno de lo ilógico o de lo onírico, es decir, en el polo opuesto de la literatura realista. El relato fantástico, para su correcto funcionamiento, debe ser siempre creíble.

fundamentales. Acerca de la primera, se trata de la necesidad de verosimilitud, del mundo cotidiano

La segunda característica reside en la posibilidad

como lugar de ocurrencia de lo fantástico. En efecto, la

del conflicto, nacido de la circunstancia de un elemento

ruptura que caracteriza ese modo literario necesita que

extraordinario que irrumpe en la esfera de lo ordinario,

la narrativa se de en un mundo lo más real posible, por

desestabilizando sus fundamentos. En definitiva, lo

tanto, aquel que sea reflejo del nuestro. En ese sentido,

fantástico depende del modelo de realidad adoptado

desde el prólogo de Bioy, de modo general los teóricos

por una dada cultura, el cual debe chocarse con lo

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

536

sobrenatural: relación entre el contenido intra-textual

funcionará en el texto como una incipiente amenaza,

y el extra-textual. Por ello, la transgresión que lo define

fluctuando en el horizonte de expectativas de ambos

solamente puede ser producida en relatos ambientados

personajes (Op. cit., p. 304): “Al cruzar las tan esperadas

en nuestro mundo.

vías [Guzmán] formuló para sí un aserto insostenible:

Y la tercera de las características aprehendidas apunta para la figura del lector, en la medida en que él, a partir del proceso de lectura, cuestiona la validez de los códigos de su propio mundo. El aparecimiento de lo imposible, de una realidad distinta de la nuestra, nos conduce a dudar de esta última – que hasta entonces pensábamos gobernada por leyes rigorosas e inmutables –, y de nosotros mismos: textos como El otro, Ruinas circulares y La invención de Morel son ejemplos máximos. De modo perentorio, acerca de la presencia de lo fantástico, Roas asevera (2011, p. 9): “(...) la literatura fantástica pone de manifiesto la relativa validez del conocimiento racional al iluminar una zona de lo humano donde la razón está condenada a fracasar”.

«Hoy encuentro todo, pero algo hicieron con las distancias. No las dejaron como estaban. Las acortaron o las alargaron»”. La apreciación del narrador también infunde una impresión análoga (Op. cit., p. 305): “Hubo en la tarde un cambio de luz, que infundió intensidad extraordinaria en el verdor del pasto y en la negrura de las vacas. El cielo se oscureció de pronto”. Y por fin, la corroboración de la insólita ruptura: Battilana afirma (Op. cit., p. 306): “(...) Ahora el campo no es el de hace un rato”. Es decir, la irrupción de lo incongruente, de lo que no corresponde a la realidad, es definitiva. En seguida, un camión que cruza abruptamente, conducido por soldados con una patente extraña, señala que las fronteras de lo real están en pedazos, aunque sea imposible para el lector situarlas. Por lo tanto, el presente está confluyendo con uno de los “mundos posibles”, de

III. Bioy Casares: atajos y tramas de mundos posibles A seguir, en ambos cuentos explorados, El atajo (1967) y La trama celeste (1948), nos convoca a la posibilidad de transitar y extrapolar los límites asegurados por la realidad de nuestro mundo. En lo primero – a partir del argumento ya referido en este ensayo –, antes que se verifique la transgresión del orden cósmico, uno de los personajes al hablar introduce un elemento anticipador en la narrativa (BIOY CASARES, 2010, p. 302): “– ¿Hay varios mundos posibles? – preguntó desdeñoso Guzmán. – Varios mundos, varias Argentinas, varios futuros que nos esperan: en uno u otro desembocaremos de pronto [– respondió Battilana]”.

los “varios futuros” anteriormente aludidos. La sensación de seguridad inicial de los personajes – algo precaria, por supuesto – a partir de ahí se ve claramente contrastada por el ámbito hostil, hasta desaparecer. En efecto, mediante la impresión de lejanía y nostalgia con respecto al mundo de Guzmán y Battilana – mundo que se corporifica ante el lector sobre todo por el uso del lenguaje coloquial – el cuento señala que los viajantes adentraron uno de los futuros posibles: “Extraño a mi ciudad, mi Buenos Aires, como si ya quedara muy lejos. Muy lejos y en otra época. Algo espantoso, como si nos dijeran: «No volverán»”8. Al retornar a su mundo, Guzmán observa, en el vehículo, la boina del acompañante muerto y las llaves que le permitieron la huida como una persistencia de lo

Ese diálogo – transcurrido dentro del auto – se da en

insólito. Y balbucía, en el silencio de aquella misma

un ámbito real, marcado por la detenida observación

noche que ciertamente jamás habría de repetirse: “Parece

de los hábitos del argentino. O sea, la narrativa de Bioy

increíble”9. Por eso, aunque le pareciera imposible,

se inserta en el corazón de lo cotidiano, en el cual,

se acentúa la impresión de que Guzmán acepta lo

por alguna hendija, se debe instalar la duda acerca de

acontecido, ya que “por nada del mundo”, desearía volver

esa misma realidad. Ipso facto, ese nuevo elemento

a Ayacucho, por donde emprendió su viaje.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

537

En lo que atañe al relato La trama celeste,

que ha regresado ya no era más el de antes: “nuestro”

elaborado con mayor rigor y complejidad, igualmente

Morris debe está en Brasil, vinculado a contrabandistas.

postula la confluencia de mundos paralelos: un narrador

Y concluye: 1) En varios mundos casi iguales, varios

innominado afirma haber recibido una encomienda

capitanes Morris salieron un día para probar aeroplanos;

conteniendo tres elementos: un anillo con la imagen

2) Uno – el de “nuestro” mundo – huyó para Brasil; 3) El

de una diosa con cabeza de caballo, las obras completas

otro – en otro Buenos Aires – efectuó los pases y cayó en

de Louis Auguste Blanqui y algunas páginas escritas,

otro mundo donde no existía Gales ni Cartago; 4) Este,

intituladas “Las aventuras del capitán Morris”, firmadas

después de nuevos pases, cayó en “nuestro” Buenos Aires,

C. A. S. – correspondiente a Carlos Alberto Servian

pero ya no se trata del Morris señalado en 2.

–, las cuales notician su desaparecimiento y el de Ireneo Morris. En seguida, el narrador las transcribe y, al término del cuento, retoma la narración para tejer consideraciones acerca de lo acontecido. En ese texto se encuentran, superpuestos, tres niveles narrativos, el de Morris, el de Servian y el del narrador anónimo. Por consiguiente, hay tres versiones posibles para el evento insólito: Morris narra e interpreta los hechos vividos; Servian los escucha y reinterpreta esas interpretaciones al escribirlas; después, el narrador lee e interpreta la versión de Morris y las reinterpretaciones de Servian. Por último, la figura del lector debe comparecer, componiendo otro nivel interpretativo.

A pesar del inicio del relato señalar para marcadores temporales imprecisos – “un 20 de diciembre” y “en esos días” –, el fragmento que funciona como abertura del texto es abundante en datos concretos: Buenos Aires, la alusión a noticias periodísticas10, la indicación de un autor (C. A. S.) y la descripción minuciosa del anillo. Entre tanto, en lo que tañe a este último, se configura como indicio de que el contenido narrado se apartará de lo cotidiano. En efecto, el cuento está hábilmente construido con el cruzamiento de factores cotidianos y extraños: una atmósfera de prodigio – criada en los párrafos iniciales – se insinúa y persiste hasta el desenlace, ladeada por

Después que Morris completa su relato, su amigo

datos asaz concretos: hechos, lugares, personajes y

lee las obras de Blanqui y elabora una teoría explicativa:

usos lingüísticos típicos de los habitantes de Buenos

1) Morris cayó con su avión en otro Buenos Aires, en un mundo semejante pero no idéntico a este; 2) En ese mundo nunca existió el país de Gales, por eso la ausencia de calles y nombres con ese origen; 3) Cartago no desapareció como en nuestro mundo: eso explica que el anillo contenga el símbolo de un caballo, antigua divinidad púnica; 4) Existe otro Servian en ese mundo, que conoce las obras de Blanqui y las envió a Morris; 5) Morris fue a otro mundo y ha regresado a este: el esquema de pruebas equivale a un pase mágico. En el término del manuscrito, Servian propone a Morris que repita la experiencia, o sea, que efectúe de nuevo el pase. A partir de ahí él lo acompañará. Al retomar la narrativa, el narrador postula ser inadmisible que se repita la casualidad, es decir, que Morris caiga de nuevo en el mismo Buenos Aires, y que el capitán

Aires. De esa forma, la tranquilidad doméstica de los personajes se pierde cuando ocurre la irrupción de lo extraordinario. Morris, que viene de un mundo paralelo, con su presencia alterará el orden cósmico reconocido como natural. Ahora bien, el “mapa” de la aventura de Morris está conferido por la lectura del fragmento atribuido a Blanqui: Habrá infinitos mundos idénticos, infinitos mundos ligeramente variados, infinitos mundos diferentes. Lo que ahora escribo en este calabozo del fuerte del Toro lo he escrito y lo escribiré durante la eternidad, en una mesa, en un papel, en un calabozo, enteramente parecidos. (Op. cit., p. 50)

No obstante la apariencia prodigiosa de los acontecimientos narrados, la trama se configura como un elogio de la coherencia y de la precisión en el encadenamiento de los detalles. Además, resalta, de

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

538

la lectura de ese cuento, que más allá de la fragilidad

aquello que por convención venimos de chamar “la

de nuestras existencias, el universo nos abraza con

realidad” apenas como una construcción fundada en

posibilidades infinitas. Y que a cualquier instante nuestra

la selección de algunas posibilidades en detrimento

vida puede ser alterada por fenómenos desconocidos,

de otras. Y entre esos mundos que nos sabe revelar,

pero no por ello menos reales. En ese sentido – y a modo

no menos incierto e inseguro, lo fantástico siempre

de feliz contribución – son contundentes las palabras

encontrará alguna brecha – incesante ruptura – para

del físico japonés Michio Kaku, las cuales son de igual

impedir que las fronteras obsten los tránsitos más

opinión otros físicos como el Premio Nobel Steven

secretos y misteriosos en el cosmos que a todos nos

Weinber , y nos remite desde luego a Blanqui:

abarca.

11

El truco es que no podemos interaccionar con ellos [eses otros universos], porque están en decoherencia con nosotros (…) en nuestro universo estamos “sintonizados” en una frecuencia que corresponde a la realidad física. Pero hay un infinito número de realidades paralelas que coexisten con nosotros en la misma habitación, aunque no podamos “sintonizarlas”. Aunque estos mundos son muy parecidos, cada uno tiene una energía diferente. Y como cada mundo consiste en billones de billones de átomos, esto significa que la diferencia de energía puede ser muy grande. Como la frecuencia de estas ondas es proporcional a su energía (según la ley de Plank), esto significa que las ondas de cada mundo vibran a frecuencias diferentes y no pueden interaccionar entre ellas.

Para nuestra suerte, comenta David Roas, todavía está en manos de la literatura fantástica y de la ficción científica cruzar esos límites infranqueables que nos aportan a otros mundos posibles. De ese modo, la obra fantástica de Bioy Casares, como la de Borges, cuyos pilares pueden ser representados aquí por las palabras expresas en la cita de Blanqui – según informa Walter Mignolo 12 – es

Referencias BIOY CASARES, Adolfo (2010): Historias fantásticas. Madrid: Alianza Editorial. BORGES, Jorge Luis.; BIOY CASARES, Adolfo y OCAMPO, Silvina (2008): Antología de la literatura fantástica. Barcelona: Edhasa. CAILLOIS, Roger (1970): Antología del cuento fantástico. Buenos Aires: Sudamericana. CÓCARO, Nicolás (1997): Cuentos fantásticos argentinos. Buenos Aires: Emecé Editores. ROAS, David (2001): Teorías de lo fantástico. Madrid: Arco/ Libros. ______ (2011): Tras los límites de lo real: una definición de lo fantástico. Madrid: Páginas de Espuma. TODOROV, Tzvetan (2008): Introdução à literatura fantástica.

renovadora de esa modalidad narrativa. O sea, además

São Paulo: Perspectiva.

de provocar un enfrentamiento entre lo ordinario y

VAX, Louis (1972): A arte e a literatura fantásticas. Lisboa:

lo extraordinario, la literatura de Bioy deconstruye nuestras certezas ontológicas y filosóficas al señalar el convencionalismo de nuestro conocimiento y la trivialidad de la percepción habitual. Por lo tanto, textos como El atajo o La trama celeste, representativos de la literatura fantástica contemporánea, nos remite a considerar reflexivamente las dimensiones de la realidad (tanto cuanto entre representación y mundo), en la medida que nos revela

Editora Arcádia.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Notas 1 Cf. CORTÁZAR, J. La vuelta al día en ochenta mundos. México: Siglo XXI, 2004. 2 Cf. BIOY CASARES, A. Prólogo. In: Antología de la literatura fantástica. Barcelona: Edhasa, 2008. 3 Apud RODRÍGUEZ MONEGAL, E. Borges: uma poética da leitura. Perspectiva, 1980, p. 176. 4 Cf. ROAS, D. Tras los límites de lo real. Madrid: Páginas de Espuma, 2011, p. 15. 5 Cf. Crítica de la razón pura. 6 Cf. ROAS, D. Op.cit., p. 17. 7 ROAS, D. Teorías de lo fantástico. Madrid: Arco/Libros, 2001, p. 26. 8 BIOY CASARES, A. Historias fantásticas. Madrid: Alianza Editorial, 2010, p. 310. 9 Op. cit., p. 317. 10 Como si la palabra de la prensa confiriese un valor de verdad. 11 Apud ROAS, D. Tras los límites de lo real, 2011, p. 23. 12 Cf. MIGNOLO, W. Teoría del texto e interpretación de textos, UNAM, 1986, pp. 144-152.

539

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

540

ASPECTOS URBANOS Y CULTURALES EN NARRATIVAS GRÁFICAS ARGENTINAS

Jozefh Fernando Soares Queiroz UEPB

Introducción

específica, homogénea y compleja. La ciudad se presenta como el resultado de las experiencias de sus habitantes

Distintos tipos de estudios literarios y linguísticos han sido publicados tratando de analizar las narrativas gráficas; se estudian sus componentes literarios, que son vehiculados a través de imágenes, o las potencialidades de esta forma de lenguaje. Sin embargo, este trabajo tiene por finalidad centrarse en un eje temático específico, común en las narrativas gráficas de los autores estudiados: el funcionamiento de la ciudad y de la cultura urbana para el desarrollo de sus tramas. Las obras elegidas para este estudio ha sido la de los argentinos Quino (Mafalda, ¡Cuánta Bondad!), Maitena (Mujeres Alteradas, Superadas) y Liniers (Macanudo), que, aunque posean públicos distintos y no hayan sido publicadas en la misma época, reflejan las características básicas del escenario urbano de manera similar.

sobre ella misma, lo que construye su identidad, como se puede notar en este trecho de Gomes: A cidade é como ambiente construído, como necessidade histórica, é resultado da imaginação e do trabalho coletivo do homem que desafia a natureza. Além de continente das experiências humanas, com as quais está em permanente tensão, “a cidade é também um registro, uma escrita, materialização de sua própria história” (GOMES, 1994, p. 23).1

Si analizamos detenidamente las narrativas gráficas de los autores estudiados en este artículo, se torna imprescindible hablar de la ciudad no solo como un espacio físico, pero, posiblemente, como personaje en algunas de estas tramas. Los estudios acerca de la ciudad en la literatura indican que el espacio urbano registra, define el cotidiano y genera la identidad de la sociedad de la cual se habla, a ejemplo de esta sátira de Maitena

La ciudad como personaje en las narrativas gráficas El espacio urbano, en sus estudios específicos, se puede caracterizar no solamente como una gran concentración de edificios, vías, plazas y autos, sino como la culminación de distintas culturas que se van mezclando hasta componer una ‘cultura urbana’

(2007a, p. 364):

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

541

En esta sátira, tenemos una serie de personajes

y el buquebus a Uruguay, o la irónica semejanza entre

anónimos, que no nos cuentan necesariamente su

el Parque de la Costa y la Disneylandia. Gracias a una

historia de vida, sino representan los deseos y ansias

cultura de consumo, un comportamiento típicamente

de consumo de una clase media porteña decadente: el

urbano, es posible producir el humor en esta sátira: la

deseo y la imposibilidad de consumir los productos que

ciudad se presenta como un elemento catalizador de lo

se consideran de lujo para este estrato de la sociedad es el

cómico, cuya ausencia no posibilitaría la construcción

hilo conductor del humor producido por Maitena. Y para

de los chistes destacados.

que esta trama cómica se conduzca, hace falta la presencia de la ciudad, de los espacios urbanos contrastantes, que van a producir la ironía del cómic, a ejemplo de la comparación de igualdad entre los catamaranes del tigre

Otra de las narrativas de la misma autora que puede ejemplificar mejor el tema es la que sigue abajo, extraída de la serie Superadas (MAITENA, 2007b, p. 26):

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

542

Para producir el humor y la risa en esta sátira, la autora juega con los posibles significados del término “matarse”, induciendo al lector a pensar en el sentido de “matarse de trabajar”, como indica la otra personaje, a la izquierda. Sin embargo, el desfecho cómico solo se concretiza cuando, una vez más, se pone de relieve la comparación entre dos centros urbanos: Punta del Este, la ciudad balnearia más visitada por los argentinos en vacaciones; y la Patagonia, una región fría, sin las posibilidades de disfrute de la playa, lo que justifica la frustración de la protagonista de la sátira. Nuevamente la ciudad se presenta como aquello que constituye la trama, y, en el caso de las narrativas estudiadas, produce el efecto cómico. Otros estudios sobre la ciudad, como los del brasileño Roberto DaMatta, tratan de contrastar el espacio urbano con el espacio doméstico, estableciendo características intrínsecas a cada uno de ellos. Para el teórico, por ejemplo, la casa es el lugar del resguardo, de la tranquilidad, es reducto de los males que puede traer la calle, esta jungla en la que el hombre está expuesto frecuentemente a todo tipo de males, como se demuestra en el siguiente trecho:

A casa e a rua entram como um eixo dos mais fundamentais. Assim, se a mulher é da rua, ela deve ser vista e tratada de um modo. Trata-se, para ser mais preciso, das chamadas mulheres da “vida”, pois rua e vida formam uma equação importante no nosso sistema de valores. Do mesmo modo, se a discussão foi na rua, então é quase certo que pode degenerar em conflito. Em casa, pode promover um alto entendimento. Também falamos que comida de rua é ruim ou venenosa, enquanto a comida caseira é boa (ou deve ser assim) por definição. Até mesmo objetos e pessoas, como crianças, podem ser diferentemente interpretados caso sejam da rua ou de casa (DAMATTA,1986, p. 25).2

Aunque parezca coherente esta dicotomía entre lugar tranquilo versus lugar de riesgos, Liniers la subvierte para producir su comicidad. En la serie Macanudo, el autor juega con esos papeles del espacio urbano y de la calle y algunas veces los confunde, mostrando que la ciudad puede ser también el lugar del resguardo, donde se encuentran los sentimientos más puros de la gente, como se nota en la sátira siguiente (LINIERS, 2005, p. 14):

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

543

En esta sátira, el humor se produce con la

Por otro lado, Liniers se utiliza también de la

confusión de los patrones esperados del hombre que vive

hipótesis ya establecida por DaMatta, y confirma la idea

en la casa y de aquel que vive en la calle: se construye

de que la casa es el lugar común de resguardo, donde no

un humor afectivo, en oposición a lo que dice DaMatta

ocurren las miles de posibilidades que le puede pasar a

sobre las características de cada una de estas personas.

uno en la calle, como se puede ver en la historieta abajo

El encuentro de los personajes no produce ningún tipo

(LINIERS, 2005, p. 43):

de atrito, y el espacio urbano se vuelve el lugar de la reconciliación y del alivio, tan o más importante que los propios personajes.

Liniers confirma, a través de la perspectiva del humor, que la casa es realmente el lugar de la comodidad, donde el hombre puede sentirse protegido de los males que le puede pasar en la calle, aunque no sea el deseo del personaje de esta historieta; su decepción con lo común que es el espacio doméstico, en oposición al espacio urbano, produce un humor casi soso, una comicidad que se origina de su resignación en confirmar las limitaciones que el lar le confiere.

Temáticas urbanas de las narrativas gráficas Otro aspecto relevante en el estudio de las narrativas gráficas es la ciudad como exponente de elementos culturales de la comunidad argentina. Se puede identificar rasgos culturales y de identidad por medio de la lectura de la producción humorística de los autores anteriormente mencionados. Aspectos como la desigualdad social, el consumismo, la indiferencia entre la gente, la política internacional, el machismo y el

544

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

feminismo, por ejemplo, son temas íntimamente ligados

para expresar los dramas de la mujer moderna, al

a la realidad de la ciudad grande, y son frecuentemente

mismo tiempo en que expresa su humor bajo la forma

representados en las narrativas gráficas argentinas.

del machismo y del feminismo, como se ve en la sátira

Maitena, por ejemplo, utiliza sus “mujeres superadas”

abajo (2007, p. 51):

Aunque gran parte de las narrativas de Maitena se centre en el universo de la mujer, se habla también de valores masculinos, algunas veces por medio de voces femeninas, a ejemplo de la sátira destacada. En ella, se puede destacar la temática del machismo, pero expresado por una mujer, lo que indica una voz hipócrita, que produce la comicidad a través de una distorsión de la ideología de la personaje. Los valores destacados en la

narrativa se les exige cada vez más frecuentemente a hombres y mujeres hoy en día. De los tres autores destacados en este estudio, tal vez sea Quino quien más duramente haga críticas a nuestra sociedad actual, aunque se utilice la interfaz del humor, a ejemplo de la sátira abajo (2008, p. 41):

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

545

La obra de Quino se caracteriza por una

un problema a nivel mundial, y una preocupación de

falta de creencia profunda en los sistemas políticos y

Latinoamérica, de manera general. Es decir, al paso que

económicos modernos. Su humor se elabora a partir de

identificamos los elementos que componen la cultura

las duras críticas al capitalismo salvaje, a la exploración

argentina, estamos al mismo tiempo identificándonos,

del hombre sobre el hombre y a las políticas públicas.

pues se trata de una preocupación de gran parte de la

En esta sátira se puede notar la relación de dominación

gente del continente latinoamericano.

que hay entre los personajes tan solo por sus posiciones, expresiones faciales y hasta mismo por el tamaño con el que cada personaje es proyectado en la narrativa gráfica. Todos esos son recursos del cómic para potencializar la capacidad narrativa de las imágenes. Además, se trata de un elemento cultural que no es exclusivo de la cultura argentina; se puede decir que la desigualdad social es

Respecto al tema de los estudios comparativos, se hace necesario, en ciertos momentos, destacar elementos de la cultura del otro que se acercan a los nuestros, brasileños, pues los estudios culturales no se refieren solamente a destacar características particulares de dos pueblos distintos, como sugiere Canclini cuando dice que:

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

546

Com a intensificação dos contatos e intercâmbios, começam a ser elaboradas visões interculturais compartilhadas, como mostram os estudos sobre “argentinos e brasileiros”, nos quais se observa certa passagem da exotização recíproca para visões menos estereotipadas e mais compreensivas. Descobrimos nesses estudos que o tropicalismo não é a síntese dos brasileiros, nem o europeísmo um traço determinante dos argentinos (CANCLINI, 2008, p. 18)3

en común de lo que esperábamos. Nuestra historia política, nuestra economía, nuestros problemas sociales, revelan, en que aspectos somos realmente “hermanos”, en que temáticas podemos encontrar características semejantes, que puedan unirnos a través del rótulo del “latinoamericano”. Es posible ejemplificar nuevamente este

Es decir, los estudios culturales nos permiten

caso cuando vemos las críticas políticas insertadas

enterarse de que nuestros vecinos, sean argentinos,

en las narrativas de Mafalda, a ejemplo de las que

uruguayos, paraguayos, bolivianos o de cualquier otra

se siguen (QUINO, 2007, p. 49):

nacionalidad, comparten, a veces, mucho más cosas

Una vez más, tenemos elementos culturales de

Consideraciones finales

la sociedad argentina que más se acercan a los nuestros que nos distancian: nuestra historia política, llena de

Es posible notar, a través de la lectura atenta de

descaso, desigualdad, corrupción, se representa en las

las narrativas gráficas, que éstas no se tratan solamente

narrativas gráficas argentinas como algo posiblemente

de un género cómico, desnudo de posibilidades críticas.

sin solución, sin esperanza. Sin embargo, aunque se

Se ve que la ciudad, el propio espacio urbano, ejerce una

representen tales problemas por medio del humor, no se

relevante influencia sobre el desarrollo de las tramas,

puede eliminar el tono crítico que la personaje Mafalda

pues sus personajes anónimos ganan vida por medio de

da a los problemas destacados: tenemos en evidencia

los recursos ofrecidos por la temática urbana. Además,

un caso de despartidarización, pero no podemos

se puede notar que, respecto a las temáticas culturales,

confundirlo con despolitización o mismo con alienación

ellas aparecen no solamente para producir la risa

(CANCLINI, 2008).

sin sentido, sino para hacernos reflexionar acerca de

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

547

elementos culturales íntimamente ligados a nosotros.

GOMES, Renato C. (1994): Todas as Cidades, a Cidade – lite-

Es decir, leer las narrativas gráficas de Maitena, Quino

ratura e experiência urbana. Rio de Janeiro: Rocco.

y Liniers no se trata solamente de dejarse distraer por la comicidad, es permitirse conocer, de manera crítica

LINIERS (2005): Macanudo 1. Buenos Aires: Editorial Común.

y reflexiva, la cultura de nuestros vecinos argentinos,

MAITENA (2007a): Mujeres Alteradas 1-2-3-4-5. Buenos

que mucho se asemeja a la nuestra. Leer y entender los

Aires: Sudamericana.

aspectos culturales del “otro” es una posibilidad más de comprender nuestra propia cultura e identidad.

______ (2007b): Todo Superadas. Buenos Aires: Sudamericana. QUINO (2008): ¡Cuánta Bondad!. Buenos Aires: Ediciones de la Flor.

Referencias bibliográficas

______ (2004): Toda Mafalda. Buenos Aires: Ediciones de

CANCLINI, Néstor García (2008): Latinoamericanos à

la Flor.

Procura de um Lugar Neste Século. São Paulo: Iluminuras. DAMATTA, Roberto (1986): O que faz do brasil, Brasil. Rio de Janeiro: Rocco.

Notas 1

Traducción: la ciudad es como ambiente construido, como necesidad histórica, es resultado de la imaginación y del trabajo colectivo del hombre que desafía la naturaleza. Además de ser continente de las experiencias humanas, con las que está en permanente tensión, ‘la ciudad es también un registro, una escrita, materialización de su propia historia’. Esta y otras traducciones que eventualmente aparezcan en este artículo son libres, de mi autoría.

2

La casa y la calle aparecen como ejes de los más fundamentales. Así, si la mujer es de la calle, debe ser vista y tratada de un modo distinto. Se trata, para ser más específico, de las “mujeres de la vida”, pues la calle y la vida forman una ecuación importante en nuestro sistema de valores. Del mismo modo, si la discusión ha sido en la calle, entonces es casi cierto que puede degenerarse en conflicto. En casa, puede promocionar un alto entendimiento. También decimos que la comida de la calle es mala o venenosa, mientras la comida casera es buena (o debe serlo) por definición. Hasta mismo objetos y personas, como niños, pueden ser diferentemente interpretados en el caso de que sean de la calle o de casa.

3

Con la intensificación de los contactos e intercambios, empiezan a ser elaboradas visiones interculturales compartidas, como muestran los estudios sobre “argentinos y brasileños”, en los cuales se observa cierto transcurrir de lo exótico recíproco para visiones menos estereotipadas y más comprensivas. Descubrimos en esos estudios que el tropicalismo no es la síntesis de los brasileños, tampoco el europeísmo un rasgo determinante de los argentinos.Introducción

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

548

LIVRO DIDÁTICO DE ESPANHOL E UMA APRENDIZAGEM INTERCULTURAL: É POSSÍVEL?

Joziane Ferraz de Assis Universidade Federal de Viçosa

Introdução

Duas iniciativas tomadas após a publicação da Lei 11.161 foram importantes nesse cenário: o

Este artigo apresenta resultados iniciais da

lançamento das Orientações Curriculares Nacionais

pesquisa intitulada O diálogo cultural nos livros didáticos

para o Ensino Médio (OCEM) (2006), pelo Ministério

de espanhol: uma presença marcante? realizada na

da Educação, e a inclusão da disciplina no Programa

Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, onde

Nacional do Livro Didático (PNLD) 2012 e 2011

leciono Língua Espanhola, e desenvolvida em conjunto

(BRASIL, 2011; 2010). Nas OCEM (2006), pela primeira

com alunos de graduação, Daniela Souza, Eulálio

vez na história do ensino de espanhol no Brasil, há

Marques, Marcilene Trevenzolli, Natália dos Santos e

um capítulo dedicado exclusivamente à língua. A

Viviane Souza.

leitura atenta desse documento nos leva a distinguir

A pesquisa está inserida no âmbito da Linguística Aplicada e se relaciona aos debates sobre o ensino de espanhol no Brasil, que passaram a ter maior visibilidade

duas questões importantes para a pesquisa: a visão discursiva de língua e linguagem e a diversidade cultural e linguística do espanhol.

nos últimos anos, como consequência, principalmente,

De acordo com o texto, o trabalho com a

da promulgação da Lei 11.161, de 5 de agosto de 2005,

língua deve sair do âmbito puramente gramatical e

cujo teor aponta para a obrigatoriedade da oferta do

envolver outras competências, como a sociolinguística,

ensino dessa língua nas escolas brasileiras de nível

valorizando os aspectos culturais que são inerentes à

médio.

língua. Acredita-se que o ensino de espanhol, quando Nosso interesse por essa investigação se justifica

pelo protagonismo que vem ganhando o espanhol nos últimos anos, em virtude, especialmente, da promulgação da mencionada lei. Aproveitar este momento de crescimento do interesse pela língua no Brasil para promovê-la de forma a garantir a qualidade de seu ensino nos parece ser uma tarefa imprescindível.

não focado na instrumentalização do aluno, pode proporcionar ao estudante brasileiro melhor relação inclusive com sua língua materna, recuperando o papel do conhecimento de uma língua estrangeira (LE), preconizado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) (1999): a constituição do sujeito a partir do contato com o diferente. No quesito diferença, o espanhol é privilegiado, uma vez que conta com aproximadamente 400 milhões de falantes nativos espalhados em 21 países.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

549

A variedade de povos falantes da língua ajuda a entender

Para as autoras, a interação é atravessada por elementos

a heterogeneidade que caracteriza todas as culturas.

culturais e é o processo pelo qual se dá a construção

Essas reflexões vão ao encontro da concepção de uma abordagem intercultural para o ensino de línguas, que vê a língua como indissociável da cultura e, por conseguinte, esta como parte constitutiva do processo

dos sentidos. Portanto, e seguindo a linha sóciointeracionista de Bakhtin (1992) – para quem os discursos dialogam com outros discursos –, a construção dos sentidos é influenciada culturalmente.

de ensino/aprendizagem de LE. De acordo com tal

No âmbito das relações entre cultura e educação,

abordagem, se ensina e se aprende a língua no diálogo

Fleuri (2003) afirma que o estabelecimento da pluralidade

com outras culturas. Portanto, o ensino pautado no

cultural como tema transversal pelos Parâmetros

diálogo cultural apresenta maiores chances de que a

Curriculares Nacionais, de 1997, desencadeou o

aprendizagem seja significativa e exitosa para o aluno.

reconhecimento da multiculturalidade e da relevância

Dessa forma, apresentamos inicialmente a base teórica de nossa pesquisa, sendo a principal, os estudos de Mendes (2004, 2010), sobre a abordagem intercultural. A seguir, descrevemos a metodologia empregada. Posteriormente analisamos os primeiros dados coletados e os resultados iniciais, entre as seguintes categorias: concepção de língua, concepção do sujeito (s) nativo (s) da língua espanhola, concepção do aprendiz brasileiro de espanhol, concepção das diferenças culturais e presença ou não de diálogo cultural entre os universos hispânico e brasileiro.

social da perspectiva intercultural. Para ele, o processo de globalização causou conflitos entre grupos diferentes, o que fez surgir a necessidade de propostas de educação voltada para a paz e para os direitos humanos. Em todos estes movimentos sociais e educacionais (...) o trabalho intercultural pretende contribuir para superar tanto a atitude de medo quanto a de indiferente tolerância ante o “outro”, construindo uma disponibilidade para a leitura positiva da pluralidade social e cultural (FLEURI, 2003, p.16-17).

Em se tratando de relações intergrupais e intersubjetivas, seu trabalho se ocupa da dimensão híbrida do – inter, que contém possibilidades de

Fundamentação teórica Neste trabalho, é indispensável comentar a ideia de cultura como suporte para as reflexões e referências sobre o interculturalismo que nos interessa em profundidade. Na pesquisa, adotamos a abordagem interacionista de cultura. No século XX, Edward Sapir (apud CUCHE, 2002) propôs a comunicação interpessoal como a peça-chave para as culturas. De acordo com seus estudos, é na interação que se produz sentidos. “Para ele, uma cultura é um conjunto de significações que são comunicadas pelos indivíduos de um dado grupo através destas interações” (op.cit., p. 105). Daher; Sant’anna (2002) afirmam que a cultura remete a formas de ver o mundo e que é apreendida e transmitida através da socialização, esta, ininterrupta.

transformação. Dessa forma, ele propõe que, através do encontro e do diálogo entre culturas, sejam produzidas, na escola, outras formas de identidades, mais fluidas e interativas, que levem ao acolhimento da diferença. A escola passa a ser um ambiente criativo e formativo, na concepção exata do termo. Em pesquisas realizadas com professores universitários da área da educação, Candau; Simão e Koff (2006) constataram que os professores reconhecem como ainda incipiente a aplicação da perspectiva multi/ intercultural na prática educacional, embora percebam o impacto que tal perspectiva causa. Tendo como base teórica as questões da globalização, da relação entre igualdade e diferença, da tensão universalismorelativismo cultural, da didática e perspectiva multi/ intercultural, as autoras optam por usar o termo

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

550

interculturalismo. “Educar na perspectiva intercultural

entendidos, em linhas gerais, como a ausência de

implica, portanto, uma clara e objetiva intenção de

hierarquias entre as culturas. A aprendizagem

promover o diálogo e a troca entre diferentes grupos”

intercultural é vista como um processo que ultrapassa

(op. cit., p. 475).

fronteiras. “(...) nos processos de ensino/aprendizagem

Voltando o olhar especificamente para o ensino de LE, citamos Kátia Mota (2004) que trabalha sob uma perspectiva multicultural no ensino de inglês. Ela acredita que, para que a escola cumpra seu papel político, precisa dar voz aos sujeitos que nela estão

de LE/L2 numa perspectiva intercultural (...) ou aprender língua como cultura, deve ser, mais do que tudo, um diálogo entre culturas” (MENDES, 2004, p. 113). Resgatamos ainda o conceito de Frias (1991 apud MENDES, 2004) a respeito da abordagem intercultural

inseridos e rejeitar o discurso homogêneo e alienante,

(...) não é uma nova ciência ou disciplina, mas caracteriza-se como um discurso que emerge à luz de problemas epistemológicos e metodológicos, é um discurso que admite a existência da alteridade como algo necessário para a comunicação/relação interindividual e inter-grupos, que objetiva desenvolver a capacidade de comunicação através da cooperação e reconhece que a língua é uma prática social que se dá através do estabelecimento de relações que envolvem participantes ativos (MENDES, 2004, p. 132).

tão presente nesse contexto. Sob essa nova orientação, o professor é visto como um agente de mudanças, promovendo a tolerância às diferenças e a desconstrução de estereótipos. Já para o ensino de espanhol, Paraquett (2004) propõe, em seu artigo Uma integração interdisciplinar: artes plásticas e ensino de línguas estrangeiras, um trabalho interdisciplinar em que a cultura tome lugar relevante. Ela afirma que ensinar uma língua estrangeira é “ensinar e aprender a língua desse ‘estrangeiro’, a sua cultura, a sua história, o seu produto cultural” (op. cit., p. 197). Assim, língua, cultura e história são indissociáveis, devendo estar interconectadas no momento da aprendizagem. Como exemplificação de sua proposta, a autora apresenta um projeto interdisciplinar de leitura e análise de telas dos espanhois Diego Velázquez e Francisco de Goya, em um intercâmbio entre artes, história e espanhol. Destaca-se, nesse contexto, Mendes (2004) que produziu um vasto material sobre o interculturalismo. Para ela, falar de língua, que é historicamente construída,

As reflexões sobre o conceito de abordagem intercultural e sobre a construção dos sentidos como um processo que ocorre em interações interpessoais, nos remetem à perspectiva da dialogia bakhtiniana, segundo a qual os discursos se constroem socialmente, em interação com outros discursos, logo, se constituem historicamente. Sendo assim, estamos em constante interação com a palavra do outro, seja dando-lhe uma resposta, seja criando um enunciado a ser respondido por outro (s) (BAKHTIN, 1992). É o caráter da não neutralidade do discurso, o que confirma a importância que adquire a cultura no ensino/aprendizagem de uma LE. Considerando-se que o livro didático (LD) é

é falar do povo que a utiliza, sua nação, seu território,

um dos recursos mais utilizados nas escolas brasileiras,

enfim, falar de cultura. A autora se interessa pela

sendo talvez a maior fonte de referência nas aulas, e

língua como “entidade viva”, que é, ao mesmo tempo,

que o espanhol começa a participar do PNLD (BRASIL,

influenciada por e influenciadora da cultura. Assim,

2011; 2010), refletimos agora sobre a importância de se

língua e cultura são indissociáveis. Para ela, trata-se de

conhecer esse material que circula entre os estudantes

adotar uma postura crítica em nossa prática educativa.

brasileiros.

Os princípios que devem nortear a aprendizagem

Aparte os pontos positivos que acarreta sua

intercultural são o relativismo cultural e a reciprocidade,

utilização, o LD já assumiu o papel de definidor dos

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

551

conteúdos a serem trabalhados em sala de aula. O que

língua; 3. concepção do aprendiz brasileiro de espanhol;

prevalece, portanto, é o enfoque teórico adotado pelo

4. concepção das diferenças culturais; e 5. presença ou

manual, tornando-se este uma autoridade no processo de

não de diálogo cultural entre os universos hispânico

aprendizagem da língua e o professor, um reprodutor das

e brasileiro. Começamos as atividades, entretanto,

referências metodológicas do livro. É tal sua relevância

analisando os três livros aprovados pelo Guia PNLD de

no ensino que Santos (1993) atribui a desmotivação

2012 (BRASIL, 2011), Enlaces (OSMAN et. al., 2010), El

para as aulas de LE, entre outros fatores, ao uso maçante

Arte de Leer en Español (VILLALBA; PICANÇO, 2005)

do LD. Uphoff (2009) o considera o determinante

e Síntesis (MARTÍN, 2010).

da qualidade de ensino pelo poder que lhe é dado de conduzir o fazer pedagógico do professor.

Foram realizados encontros semanais de estudos sobre cultura e interculturalidade. Posteriormente,

Coracini (1999) aponta para a escassez de

passamos para a fase de análise dos livros nas duas

investigações sobre o LD de LE, investigações quase

categorias estudadas até o momento: a concepção das

que em sua totalidade dedicadas ao LD de inglês.

diferenças culturais e a presença ou não de diálogo

Ressaltamos a necessidade do estudo desse material

cultural entre os universos hispânico e brasileiro.

para que o profissional esteja consciente e se posicione

Encontram-se em análise as categorias 2 e 3, concepção

criticamente em relação ao seu objeto de trabalho,

do (s) sujeito (s) nativo (s) da língua e concepção do

adaptando-o e complementando-o ou, em sentido

aprendiz brasileiro de espanhol.

oposto, salientando suas características positivas.

Nossa análise se baseou na leitura dos livros

Certamente, no espaço deste artigo, não é

didáticos, unidade por unidade, observando, entre texto

possível abarcar amplos estudos teóricos sobre o assunto.

verbal e não verbal, marcas discursivas das categorias

Indicamos aqui resumidamente as fontes que nos

de análise. Estas foram divididas em subcategorias

amparam na pesquisa para incentivar buscas posteriores.

para permitir-nos uma compreensão mais detalhada dos dados. Para a categoria concepção das diferenças culturais, foram analisadas as seguintes subcategorias:

Metodologia

expressões de etnocentrismo, respeito na apresentação de diferentes culturas, expressões de determinismo

Feitas as considerações teóricas, partimos para

biológico e geográfico e expressões de relativismo

a descrição da metodologia utilizada até esta fase da

cultural. Para a categoria presença ou não de diálogo

pesquisa. A pesquisa se configura como qualitativa, de

cultural entre os universos hispânico e brasileiro,

caráter documental e descritivo. Com essa investigação

observamos o seguinte: apresentação de conteúdo

pretendemos verificar se os livros didáticos de espanhol

cultural do Brasil, reciprocidade entre os dois universos,

produzidos para brasileiros contemplam em suas

abertura das fronteiras disciplinares e presença de

unidades a abordagem intercultural, através de recursos

materiais culturalmente sensíveis. Em razão da extensão

como a valorização da pluralidade cultural, que

deste artigo, limitar-nos-emos a descrever, em linhas

caracteriza essa língua, e a presença do diálogo entre

gerais, o que detectamos em detrimento da apresentação

a língua estrangeira e a língua materna. O corpus

das planilhas com os dados brutos de cada uma das

constitui-se dos cinco livros didáticos de espanhol

categorias estudadas.

mais utilizados pelos professores de Minas Gerais, analisados com base em cinco categorias: 1. concepção de língua; 2. concepção do (s) sujeito (s) nativo (s) da

552

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Análise inicial e resultados parciais

e Mário Prata. Encontramos propostas de atividades e reflexões interdisciplinares sobre o consumo, mas

Para nossos comentários pertinentes a cada uma das categorias já analisadas, iniciaremos pela apresentação das descobertas sobre o livro Síntesis (MARTÍN, 2010). Em relação à concepção das diferenças culturais, encontramos uma ampla apresentação de diferentes culturas do universo hispânico, apresentação esta feita com respeito às diferenças e sem nenhuma expressão de determinismo biológico e/ou geográfico. Sobre a categoria presença ou não de diálogo cultural entre os universos hispânico e brasileiro, encontramos uma grande variedade de materiais culturalmente sensíveis, de diferentes gêneros, demonstrando um avanço na produção dos livros didáticos de LE no Brasil. Exemplares de chat, tira cômica, conto, canção e autobiografia são alguns deles. Verificamos a existência de somente uma unidade dedicada à questão ambiental, além de menção à ecologia em outras unidades onde se trabalham conteúdos relacionados do âmbito da geografia e das ciências sociais. Portanto, quase não há

poucos materiais culturalmente sensíveis. Em relação ao livro El arte de leer en español (VILLABA; PICANÇO, 2005), fizemos as observações que se seguem. Primeiramente, considerando-se a categoria concepção das diferenças culturais, chamanos a atenção não encontrar sequer um elemento que pudesse ser considerado expressão de etnocentrismo ou de determinismo biológico e geográfico. Ao contrário, na apresentação de diferentes culturas que conformam o mundo hispânico, identificamos atitudes de respeito, portanto, relativismo cultural. Com relação à segunda categoria, sobressai uma característica deste livro didático, a presença de informações sobre diferentes países da América Central, normalmente pouco conhecidos do brasileiro, como Guatemala e Nicarágua. Percebemos que, assim como no livro Síntesis (MARTÍN, 2010), trabalha-se a interdisciplinaridade, entre outros temas, também com o meio ambiente.

propostas de interdisciplinaridade. Há pouco conteúdo

Levando-se em conta que este artigo traz apenas

cultural brasileiro e pouca relação de cooperação entre

a primeira parte de nossa pesquisa, ainda não há como

os universos culturais brasileiro e hispânico.

tirar conclusões quanto à pergunta que dá título a

Sobre o livro Enlaces (OSMAN et. al., 2010), destaca-se, em relação à primeira categoria analisada, o relativismo cultural, sem julgamentos de valor sobre uma ou outra cultura apresentada. Somente em um texto encontramos uma referência ao determinismo geográfico dos moradores das favelas brasileiras que, segundo o texto, sempre estão imersos na violência e no tráfico de drogas (op. cit., p. 134). Em outro texto, critica-se o uso do pronome usted dos colombianos (op. cit., p 32), configurando-se em expressão de etnocentrismo. Em se tratando da categoria presença ou não de diálogo cultural entre os universos hispânico e brasileiro, vê-se a presença da cultura brasileira somente na apresentação de uma cidade mineira pouco conhecida, além de fragmentos de textos de escritores consagrados, como Carlos Drummond de Andrade

este texto: Livro didático de espanhol e aprendizagem intercultural: é possível? Entretanto, de acordo com os primeiros dados analisados, verificamos a presença considerável de materiais culturalmente sensíveis e de conteúdo cultural brasileiro. Seguiremos analisando ainda três outras categorias, a saber: a concepção de língua, a concepção do (s) sujeito (s) nativo (s) da língua e a concepção do aprendiz brasileiro de espanhol. De posse de todos os estudos, poderemos apresentar nossas conclusões finais da pesquisa e possíveis implicações pedagógicas para o ensino de espanhol nas escolas brasileiras.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Referências bibliográficas

553

FLEURI, Reinaldo Matias (2003): Intercultura e educação. Em Revista brasileira de educação. Rio de Janeiro, n. 23, p. 16-35.

BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich (1992): Estética da criação verbal. São Paulo: Cortez. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

Disponível em http://www.scielo.br/scielo.phpscript=sci_ar ttext&pid=S141324782003000200003&lng=pt&nrm=iso. Acessado em 18/12/2007. MARTÍN, Ivan (2010): Síntesis. Curso de lengua española. V.

(2011): Guia de livros didáticos PNLD 2012. Língua Estrangeira

1. São Paulo: Ática.

Moderna. Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação/

MENDES, Edleise Oliveira Santos (2004): Abordagem

Secretaria de Educação Básica.

Comunicativa Intercultural (ACIN). Uma proposta para ensinar

______ (2010): Guia de livros didáticos PNLD 2011. Língua

e aprender língua no diálogo entre culturas. 2004. 440 p. Tese

Estrangeira Moderna. Anos finais do ensino fundamental.

(Doutorado) – UNICAMP, Campinas.

Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação

MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa; CANDAU, Vera Maria

Básica.

(2003): Educação escolar e cultura (s): construindo cami-

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação

nhos. Em Revista brasileira de educação. Rio de Janeiro, n.

Básica (2006): Orientações curriculares para o ensino médio: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério

23. p. 156-168. Disponível em http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782003000200012&ln

da Educação/Secretaria de Educação Básica, v. 1, cap. 4, p.

g=pt&nrm=iso. Acessado em 18/12/2007.

125-164.

MOTA, Kátia Maria Santos (2004): Incluindo as diferenças,

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação

resgatando o coletivo – novas perspectivas multiculturais

Média e Tecnológica (1999): Parâmetros curriculares nacionais:

no ensino de línguas estrangeiras. Em MOTA, K. M. S.;

ensino médio: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília:

SCHERYERL, D. (Orgs) Recortes interculturais na sala de aula

Ministério da Educação/Secretaria de Educação Média e

de línguas estrangeiras. Salvador: EDUFBA, p. 35-60.

Tecnológica.

OSMAN, Soraia et al. (2010): Enlaces. Español para jóvenes

BRASIL. (2005): Lei n° 11161, de 05 de agosto de 2005. Dispõe

brasileños. V. 1. 2. ed. São Paulo: Macmillan.

sobre o ensino da língua espanhola. Disponível em http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/ L11161.htm Acessado em 25/09/2010.

PARAQUETT, Marcia Fernandes (2004): Uma integração interdisciplinar: artes plásticas e ensino de línguas estrangeiras. Em MOTA, K. M. S.; SCHERYERL, D. (Orgs) Recortes

CANDAU, Vera Maria; SIMÃO E KOFF, Adélia Maria Nehme

interculturais na sala de aula de línguas estrangeiras. Salvador:

(2006): Conversas com... sobre a didática e a perspectiva multi/

EDUFBA, p. 193-220.

intercultural. Em Educação e sociedade. Campinas, v. 27, n. 95, p. 471-493. Disponível em http://www.cedes.unicamp.br. Acessado em 13/12/2007. CORACINI, Maria José (Org.) (1999): Interpretação, autoria e legitimação do livro didático. Campinas: Pontes. CUCHE, Denys (2002): A noção de cultura nas ciências sociais. 2. ed. Tradução de: Viviane Ribeiro. Bauru: EDUSC.

SANTOS, João Bosco Cabral dos (1993): A aula de língua estrangeira (Inglês) modulada pelo livro didático. 1993. 161 p. Dissertação (Mestrado) – Unicamp, Campinas. UPHOFF, Dörthe (2009) O poder do livro didático e a posição do professor no ensino de alemão como língua estrangeira. 2009. 173 p. Tese (Doutorado) – Unicamp, Campinas. VILLALBA, Terumi Koto Bonneti; PICANÇO, Deise Cristina

DAHER, Maria Del Carmen Fátima González.; SANT’ANNA,

de Lima (2005): El arte de leer en español. V. 1. Curitiba: Base

Vera Lucia de Albuquerque (2002): Reflexiones acerca

Editora e Gerenciamento Pedagógico Ltda.

de la noción de competencia lectora: aportes enunciativos e interculturales. Em Hispanista. v 11. Disponível em http://www.hispanista.com.br/revista/artigo95esp.htm. Acessado em 23/09/2010.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

554

UNA IDENTIDAD PARA LOS APÁTRIDAS. IDENTIDAD Y EXILIO EN DOS NOVELAS HISTÓRICAS LATINOAMERICANAS

Juan David González Betancur PG-Universidade Federal da Bahia

La república de los sueños (1984), de Nélida

Luego de varios encuentros y desencuentros, esta familia

Piñon, y Yo nunca te prometí la eternidad (2005), de

termina refugiada en México. La fábula de la novela se

Tununa Mercado, son dos novelas históricas –escritas

elabora a partir de los documentos y testimonios que

por una brasilera y una argentina, respectivamente– que

la voz narrativa recibe del ya adulto Pedro y de otros

narran la historia íntima de sus personajes a la par que

familiares.

construyen una identidad nacional que se constituye en gran parte desde la cuota de exiliados que componen nuestra América Latina.

Las dos novelas de las que se ocupa este trabajo proponen dos perspectivas diferentes de la relación entre el concepto de identidad y la circunstancia del exilio. Este análisis se propone

La primera cuenta la historia de un joven gallego

observar el tema de las identidades nacionales desde la

(Madruga) que emigra hacia Brasil, con el ánimo de

perspectiva de los exiliados con las relaciones contradictorias

encontrar en territorio americano esas riquezas que ha

que existen entre la historia oficial1 y la ficción en la novela

oído desde que nació. En su peregrinaje, lo acompaña

histórica latinoamericana de las últimas décadas.

Venancio, quien huye de Europa por razones muy distintas a las de Madruga. Este último forma una familia con Eulalia, también gallega, y una importante fortuna. La construcción de su “imperio” es narrada de manera paralela a la construcción de la nación actual de Brasil, por su nieta Breta, la cual, haciendo parte de la tercera generación de la familia, puede sentir completamente como suyo a Brasil.

Discurso oficial vs. discurso novelesco Partiendo del oxímoron que existe en la concepción misma del término novela histórica (JITRIK, 1995, p. 9), este tipo de literatura contrapone muy claramente dos discursos que, aunque desde la

La segunda novela cuenta la historia de Sonia

perspectiva de Hayden White obedecen a parámetros

y su hijo Pedro, los cuales debe emprender la huida de

formales semejantes y a los mismos mecanismos

Francia, tras la ocupación de París en 1940. Madre e hijo

narratológicos2, entienden el objeto de lo narrado

emprenden la búsqueda del padre, Robert, quien había

desde una perspectiva que asocia lo real-objetivo con la

partido antes para combatir en la Guerra Civil Española.

disciplina de la Historia (entendida desde su concepción más tradicional y conservadora), por un lado, y desde

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

555

un punto de vista que privilegia lo ficcional-subjetivo de

la exclusión de la que son presas aquellos que padecen

lo literario, por el otro.

la circunstancia del destierro. Los personajes de estas

Así, pues, existe una relación entre pasado histórico y ficción, correspondientes a referente y referido desde la perspectiva de Jitrik (1995), que encuentra en la novela histórica un punto de contacto determinante. La

novelas, descritos por Tununa Mercado como “espíritus errantes y sin patria, perdedores en toda la línea” (2005, p. 231, cursivas en el original) dan cuenta de la condena que la gran Historia les deparó.

novela histórica tradicional entendió el uso del referente desde cierta perspectiva conservadora. La Historia, en ese sentido, coincidía en gran medida con las visiones y propuestas del novelista. De esta manera, el referido guarda una relación de consanguinidad (si se me permite la metáfora) en la que se ficcionalizan situaciones y personajes que no traicionan los presupuestos de los historiadores oficiales. La novela histórica latinoamericana de las últimas décadas opera en otro sentido. Su relación con la historia oficial deja de ser tan complaciente y se construye a sí misma como respuesta y contradicción de esos discursos. En La república de los sueños y Yo nunca te prometí la eternidad es claro que hay un referente histórico alrededor del cual se construye la carga ficcional de la obra. El referido, como tal, se compone de manera muy diferente en ambas novelas. En la primera, se hace alusión a la reconstrucción del pasado a partir de la oralidad y la memoria. Por su parte, en la segunda, se recupera a partir de lo testimonial, con todos los recursos que esto conlleva. Mientras para Luckács (1976) el modelo de la novela histórica tradicional encuentra el personaje medio como representante por excelencia de la Historia, nuestros novelistas históricos van a acudir a individuos que se ubican más tangencialmente. Víctor Bravo (2001), al referirse, precisamente, a las transformaciones del referente que caracterizan a la novela histórica de Latinoamérica, señala cómo estas novelas presentan un registro histórico desde una perspectiva de “borde”3.

La recusación de la Historia En esa franca oposición de perspectiva que se evidencia en las novelas en cuestión, se denuncia lo insuficiente que resulta la formalización que de nuestro pasado han realizado las instancias oficiales. Nuestras novelistas se presentan en sus obras como unas inconformes frente a la institucionalización que se ha llevado a cabo durante años de la Historia de Occidente y, más específicamente, de Latinoamérica. Ambas novelas reniegan de esa Historia con mayúscula que ignora las pequeñas historias protagonizadas por seres de carne y hueso, lejanos de esa condición de semidioses que la oficialidad parece atribuir a sus héroes patrios. – O que nos pesa é ter livros demais, histórias demais, e tudo fraudulento. Precisamos urgentemente gerar outras histórias, pondo aparte os discursos oficiais, as análises deformadas e colonizadoras. Há quinhentos anos que vimos forjando uma versão autoritária da realidade, disse Tobias. -E quem, senão o criador, é capaz de fazer vazar os sentimentos mais recônditos, percorrer frestas indevassáveis? Se você quer caçar um pedaço da realidade e, por conseguinte, até mesmo da História, com H maiúsculo, é preciso recorrer ao escritor. (PIÑON, 2005, p. 663) Y estas suposiciones ejercidas, como quien ejerce un oficio, en este caso el de suponer, ejercidas en la noche en calma, muy lejos en el tiempo de esos acontecimientos, me habían producido una sensación de estar tocando algo que hasta ese momento sólo había rozado: una historia dentro de la gran Historia de la Guerra, con episodio de corto alcance pero de enorme repercusión. (MERCADO, 2005, p. 39, subrayado mío)

El hecho de que sean los novelistas históricos

La única manera de recuperar esa memoria

los que se han ocupado de retomar el tema del exilio,

olvidada (nuevo oxímoron) es a través del ejercicio de

da cuenta de su marginalidad en el discurso oficial, de

la escritura. Pero no ya la de la Historia, sino la de la

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

556

novela que replantea e indaga en la historia. Tanto Nélida

de la prosperidad y las oportunidades, lo que coincidía

Piñon como Tununa Mercado están dispuestas a cortar

con la crisis de la agricultura del sur y el este de Europa

de una vez por todas con esas imposiciones que niegan

(BETHELL, p. 112).

el mantenimiento de una memoria genuina de nuestra historia, de concluir con esa denuncia que aparece en una de las páginas de La república de los sueños: “[…] o abismo entre a história contada por eles [militares y políticos] e a que o povo pensava estar vivendo” (p. 545).

Desde esta perspectiva, la oportunidad de hacerse a una riqueza rápida, idea mediada por los imaginarios descritos en la novela, sería la causa que registra la historiografía tradicional, dejando de lado las distintas prácticas de persecución (como se insinúa

Nuestra novela histórica se constituye como una

con el personaje Venancio y su posible origen gitano) y

novela política en sí misma. Su posición contestataria

el hambre (como lo confiesa el mismo Madruga) que sí

la lleva, incluso, a denunciar hechos concretos que se

se toman en cuenta en la novela de Piñon.

han disfrazado de falso altruismo, como la absurda participación de brasileros en las filas de la Segunda Guerra Mundial, para el caso de La república de los sueños, o como el secreto a voces, que sin embargo no está incluido en ninguna de las Historias de México, de la “mordida” que tuvo que pagar el Comité Judío para que muchos de sus miembros pudieran ingresar a través de las supuestamente fronteras abiertas a los refugiados de la guerra en dicho país, para el caso de Yo nunca te prometí la eternidad.

El exilio es una condición que ha perseguido a España durante muchos capítulos de su historia. De hecho, existe una amplia bibliografía al respecto. Por esta razón, se podría decir que la historia del exilio español no es nada novedoso para iniciar la novela de Piñon, ni cubre un vacío de la historiografía tradicional. Sin embargo, los propios historiadores reconocen que no existen obras que estudien el exilio español en América con un carácter global (SOLDEVILLA, p. 12). Excepto el libro El exilio español en América en el siglo XIX (1992), no parece

Con sus novelas, Mercado y Piñon reniegan de

haber otro estudio monográfico que ubique el tema en los

una Historia que siempre ha estado al servicio de aque-

distintos territorios que componen nuestro continente.

llos que ostentan el poder. En esta medida, coinciden con

Aún así, esta publicación se ocupa de un período histórico

la afirmación que concluye el artículo de Víctor Bravo:

anterior al señalado por Piñon (Madruga y Venancio

“Todo poder falsifica la historia: su versión de ella y sus

llegan a Brasil en 1913). Esta circunstancia marca un

textos caen con él. Lo grave es que la historia contada en

vacío que los historiadores nunca se han preocupado por

las novelas es la que perdura en el imaginario colectivo”

llenar. Para ilustrar este fenómeno, podemos acercarnos

(p. 34). Los lectores de Piñon y Mercado, sin duda, le

al libro El exilio español (1808-1975) (SOLDEVILLA,

darán la razón a Bravo.

2001). Como su título lo indica, esta publicación se ocupa de la cuestión en un período que contempla, casi en su totalidad, los siglos XIX y XX. Sin embargo, cuando se

La historia del y desde el exilio

consulta este libro, nos encontramos con la escasez de información y con un desconcertante silencio al respecto

Para el caso de La república de los sueños, el exilio se constituye como eje inicial de la narración: Madruga llega a Brasil con una horda de inmigrantes españoles. Las causas que la mayoría de los libros de Historia ofrecen para estas migraciones son de índole económica. América Latina se constituía como el destino

del tema durante el período comprendido entre 1876 y 1936, fechas que marcan la guerra de sucesión que culmina con el período carlista y el inicio de la llamada Guerra Civil Española. Esta guerra española, así como la Segunda Guerra Mundial, para hablar de Yo nunca te prometí la eternidad,

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

557

ocupan sendos lugares en los libros de la Historia. De la

presencia de aquellas figuras disidentes y silenciosas que

primera, dice Consuelo Soldevilla: “Así como la Guerra

también lo han padecido. Aquí es donde aparecen las

Civil de 1936-1939 ha dado lugar a una bibliografía

novelas que estudiamos para sentar una nueva versión

muy abundante, no ocurre lo mismo con una de sus

de los hechos y discutir los cánones de una Historia que

más trágicas consecuencias, es decir, con la corriente

excluye, oculta y niega.

migratoria que generó” (p. 13). ¿No es esta afirmación una prueba más de la situación de exclusión que ocupa la perspectiva del exiliado a en los discursos de la Historia?

Los excluidos de la Historia hacen todos estos reclamos en las novelas históricas de Mercado y Piñon. Breta, por ejemplo, lo hace evidente en La república

Cuando se consulta, por ejemplo, el período de

de los sueños desde su propia condición de exiliada,

la ocupación francesa, lapso en el que inicia la fábula de

cuando en la década de 1960 debe huir de Brasil por su

Yo nunca te prometí la eternidad, los textos de Historia lo

participación en los movimientos estudiantiles:

presentan desde el movimiento de las tropas alemanas, la dimisión del gobierno francés y las fechas claves, como ese 14 de junio de 1940 en el que el ejército alemán entra a París. Para la novela histórica, las fechas y los acontecimientos militares y políticos pasan a segundo plano para darles voz a esos marginados que nunca la han tenido. Por esa razón, Tununa Mercado nos presentará esa misma circunstancia, pero esta vez desde el punto de vista de una ya exiliada alemana, que debe

Acaso estava em débito com a ditadura brasileira, que me supriu como uma aprazível temporada parisiense? Sem merecer registro, então, a solidão indesejada, a impossibilidade do retorno? Haverá uma anistia capaz de fazer os banidos, os torturados, esquecerem semelhante ofensa? E só porque a ditadura ofereceu aos exiliados o caminho civilizado da Europa, e a alguns, o título de doutor em universidades de estrangeira, deve julgar-se quitada com a História? (p. 463)

Pero estas novelas no sólo llenan los vacíos de la

huir del horror en busca de su esposo y su pequeño hijo.

Historia o proponen nuevos puntos de vista. En muchas

La Historia, pues, tiene una deuda permanente

ocasiones también la contradicen. En Yo nunca te prometí

con el exilio. Pero esa deuda es más fuerte con el exiliado en sí que con la circunstancia misma. Si bien el tema del exilio no ocupa un capítulo importante en la Historia, sí

la eternidad, por ejemplo, se relata cómo Sonia, Ro y Pedro entran a México como refugiados españoles cuando en realidad son de origen alemán. Esos datos

se ha convertido en una cuestión que le ha interesado a

no aparecen en los discursos de la historia oficial. En

las disciplinas contemporáneas. Del exilio español, como

ninguna de las fuentes consultadas se señala que los

ya anotamos, existen numerosas producciones. ¿Pero de

barcos que arribaron a México cuando el presidente

cuál exilio es del que se habla? He aquí un nuevo vacío

Cárdenas acogió a los refugiados españoles en Francia

que se llena en las novelas de Piñon y Mercado. Todas

vinieran con tripulantes que no lo fueran. De hecho,

la Historias que existen del exilio español tiene por

se nombra el mismo barco en el que llegan Sonia y su

protagonistas a una extensa lista de exiliados políticos,

familia, el Santo Tomé, pero ninguna fuente particulariza

intelectuales y artistas. Aunque Soldevilla (2001) anota

esa circunstancia.

en la introducción de su libro que en los últimos años aparecen trabajos que recuperan fuentes testimoniales de exiliados anónimos, la gran mayoría de los historiadores

Identidad y exilio

han trabajado el tema desde la perspectiva de aquellos que, aunque exiliados, se les concedió voz desde afuera4.

En La república de los sueños la cuestión entre

Esto demuestra que la historiografía tradicional ha

identidad y exilio halla respuesta en una identidad

tendido a ubicar la cuestión del exilio como exclusiva

nacional a partir de la participación de los exiliados en

de las élites políticas e intelectuales, dejando de lado la

la conformación de esa nación que es Brasil, mientras

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

558

que en Yo nunca te prometí la eternidad esta relación

y menos reconocida del alma humana” (citada por SAID,

se concluye en una identidad sui generis que no puede

p. 191).

hacerse a una nacionalidad. ¿Qué hay en común entre estas dos “resoluciones” a ese conflicto que también se evidencia, de la misma manera que la expresión novela histórica, como un oxímoron?

Somos un continente conformado por exiliados, claro, no únicamente. Sin embargo, desde ese encuentro de razas que fue la Conquista. Nuestros indígenas fueron despojados de sus tierras, lo que los hacía exiliados

Para empezar a dar respuesta a este interrogante,

en su propio continente. Los europeos que llegaron,

vamos a traer a colación la definición de nación de Ernest

abandonaron sus patrias de origen, condenadas a la

Renan. Para este teórico, las naciones modernas son un

miseria. Los africanos, a su vez, fueron raptados y traídos

resultado histórico producto de una serie de hechos

a una tierra en la que siempre fueron unos excluidos.

que convergen en igual sentido (p. 57) y no pueden ser

¿Por qué sí se reconoce esa identidad de nuestras

entendidas únicamente desde las características raciales

naciones y se borra, en cambio, la de los exiliados más

o religiosas de sus habitantes, las particularidades

frecuentes? En la heterogeneidad está la respuesta a

idiomáticas o la geografía de su constitución.

nuestras identidades. Bien lo dice María Cristina Pons:

Una nación es, pues, una gran solidaridad constituida por el sentimiento de los sacrificios que se han hecho y de los que aún se está dispuesto a hacer. Supone un pasado, pero se resume, sin embargo, en el presente por un hecho tangible: el consentimiento, el deseo claramente expresado de continuar la vida común. (RENAN, p. 65)

[…] al mismo tiempo que aboga por una identidad heterogénea de América Latina, la novela histórica de finales del siglo XX responde a la búsqueda de una redefinición de una identidad (pero ya no una identidad nacional e impuesta desde una posición hegemónica de poder, como lo hizo la novela histórica tradicional), sino que se trata de una búsqueda de una identidad de la diferencia. (p. 264)

La nación es una pregunta constante de estas novelas. A Renan sumemos, entonces, Piñon: “Uma nação

Referencias bibliográficas

se constrói sobretudo com os olhos, o cansaço. O sonho, a ilusão e a morte dos que labutam diariamente” (2005,

ABELLÁN, José Luis (1976): El exilio español de 1939. Madrid:

p. 46). Interesante coincidencia entre los dos últimos

Taurus.

autores. En Tununa Mercado, al contrario, la nación aparece como circunstancia truncada:

ABENOZA Guardiola, R. (2004): Identidad e inmigración: orientaciones psicopedagógicas. Madrid: Catarata. BETHELL, Leslie (2000): Historia de América Latina, vol. 7.

Debió de suponer acaso que ese preludio desconsiderado reiteraba una posición que no había cesado de lastimarla a lo largo de toda su vida, la de haber creído pertenecer a una nación, con derechos sobre una lengua, el alemán, y haber tenido que desmentir ese supuesto origen ante su propia imagen frente al espejo. Nadie ahora menos alemana que ella. (2005, p. 30)

Barcelona: Crítica. BRAVO, Víctor (2001): La verdad y el juego en la novela histórica. Em: Estudios. Revista de investigaciones literarias y culturales, año 9, No. 18, Caracas, pp. 89-102. BRITO García, Luis (2001): Historia oficial y nueva novela

Nación conformada o nacionalidad perdida, ambas realidades aparecen para nuestras autoras como hechos en los que la circunstancia del exilio se encuentra con su opuesto más certero porque, como señala Simone Weil, “tener raíces quizá sea la necesidad más importante

histórica. Em: Estudios. Revista de investigaciones literarias y culturales, año 9, No. 18, Caracas, pp. 21-34. HENARES Cuéllar, I. et al. (2005): Exilio y creación. Los artistas y los críticos españoles en México. Granada: Editorial Universidad de Granada.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

559

JITRIK, Noé (1995): Historia e imaginación literaria. Las

RENAN, Ernest (2000): ¿Qué es una nación. Em: FERNÁNDEZ

posibilidades de un género. Argentina: Biblos.

Bravo, A. (comp.): La invención de la nación. Lecturas de la

LUCKÁCS, George (1976): La novela histórica. Barcelona:

identidad de Herber a Homi Bhabha. Buenos Aires: Manantial. RIVAS, Luz Marina (2004): La novela intrahistórica. Tres

Grimaldo. MERCADO, Tununa (2005): Yo nunca te prometí la eternidad. Buenos Aires: Planeta. PACHECO, Carlos (2001): La historia en la ficción hispanoamericana contemporánea: perspectivas y problemas

miradas femeninas de la historia venezolana. Mérida: El otro el mismo. SAID, Edward (2005): Reflexiones sobre el exilio. Ensayos literarios y culturales. Barcelona: Debate.

para una agenda crítica. Em: Estudios. Revista de investigaciones

SOLDEVILLA Oria, Consuelo (2001): El exilio español (1808-

literarias y culturales, año 9, No. 18, Caracas, pp. 205-224.

1975). Madrid: Arco Libros.

PIÑON, Nélida (2005): A república dos sonhos. Rio de Janeiro:

WHITE, Hayden (1992): Metahistoria: la imaginación

Record.

histórica en la Europa del siglo XIX. México: Fondo de Cultura

PONS, María Cristina (1996): Memorias del olvido: Del Paso,

Económica.

García Márquez, Saer y la novela histórica de fines del siglo XX. México: Siglo Veintiuno.

Notas 1 Para entender a qué se hace cuando se habla de historia oficial como oposición del discurso de la novela histórica latinoamericana de los últimos años, valdría la pena detenerse en el artículo de Luis Britto García (2001), “Historia oficial y nueva novela histórica”. 2 En Metahistoria (1992), White señala cómo algunos importantes historiadores y filósofos de la historia europeos del siglo XIX usan ciertas estrategias de la representación literaria. Las cuatro formas de representación serían la metáfora, la metonimia, la sinécdoque y la ironía. El autor asocia estas estrategias de representación con algunos de los géneros literarios más destacados, como son la novela, la tragedia, la comedia y la sátira, respectivamente. 3 Por su parte, Luz Marina Rivas (2004) hablará de esta misma condición de la novela histórica latinoamericana en términos de subalternidad, mientras que Carlos Pacheco (2001) hará uso de la palabra marginalidad para referirse al mismo fenómeno. Por su parte, María Cristina Pons (1996) habla de “la historia desde abajo”. 4 Trabajos de reconocida mención siguen estas premisas. Como ejemplos podemos citar publicaciones como Exilio y creación (HENARES, 2005), en el que reseña un extenso listado de artistas y críticos de exiliados españoles en México y El exilio español de 1939 (ABELLÁN, 1976), que trata el tema a partir de exiliados con carácter específicamente político.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

560

EL USO DEL CÓMIC COMO INSTRUMENTO PARA LA FORMACIÓN INTERCULTURAL DEL PROFESOR DE ESPAÑOL

Juan Facundo Sarmiento UFBA

La presente comunicación tiene por objetivo transmitir algunos resultados levantados en mi investigación de posgrado que realizo en la Universidad Federal da Bahia bajo la orientación de la Prof. Dra. Márcia Paraquett.

la variante argentina a partir de la producción de los autores seleccionados. A continuación, presentaré, de forma breve, algunos resultados de esta investigación.

El mencionado trabajo parte de la siguiente pregunta: ¿Cómo el conocimiento de la variante cultural argentina del español puede contribuir para la formación intercultural de un estudiante brasileño de licenciatura? Ante una cuestión tan amplia y profunda, decidí partir de muestras de esta cultura reflejadas en un tipo de producción artística que se caracteriza por ser multimodal y polisémico: el cómic. El corpus está compuesto por diferentes obras de los autores Quino, Maitena, Fontanarrosa y Liniers. Por este motivo, el objetivo general es comprobar de qué manera los cuatro autores seleccionados para el corpus pueden contribuir para el aprendizaje de la variedad argentina del español por estudiantes brasileños. Entre

El español y su situación El idioma español se encuentra en un momento privilegiado en relación a su expansión por el mundo. Aquí en Brasil, durante los últimos años diferentes motivos vienen impulsando su crecimiento, la búsqueda por aprender este idioma y realizar actividades vinculadas a él. Sin lugar a dudas, fue de vital importancia la firma del acuerdo del Mercosur en los años noventa. Esta aproximación del Brasil hacia sus vecinos tuvo dos significados: la conformación de un bloque económico regional y la consecuente aproximación cultural.

los objetivos están describir un breve panorama del

Sin embargo, los avances en este último aspecto

español en el mundo, especialmente en el contexto del

fueron dándose lentamente hasta que, en términos de

aprendizaje de idiomas, situar socio históricamente a los

lengua, se llegó a tener también una medida efectiva y

autores del corpus, establecer vínculos interculturales

directa de integración regional. En este sentido, en el

que validen la utilización de estos cómics en la clase

año 1996, la Ley de Directrices y Bases de la educación

de ELE, colaborar con la comprensión del español

nacional dispuso la implementación de la enseñanza

como una lengua heterogénea destacando aspectos de

de una lengua extranjera moderna “cuya elección

la variedad argentina y mostrar la heterogeneidad de

quedará a cargo de la comunidad escolar, dentro de

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

561

las posibilidades de la institución”. Pero, aún más

humana y en un momento específico” (id. Ibid., p. 170).

significativa, sería otra de las medidas que confirma

Un ejemplo claro de esto es lo poco que se dan a conocer

esta abertura del país hacia lo hispánico y es la que

variantes diferentes de la hegemónica, principalmente

promueve la incorporación del idioma español dentro

en algunos manuales didácticos.

del currículo escolar. Esta acción, abalada por la Ley Nº 11.161, determinó la oferta obligatoria de la lengua en la escuela secundaria y en el ciclo fundamental tanto en el

La variante escogida

ámbito público como privado. De esta forma ilustro, a grandes rasgos, la situación en la que el español se encuentra en la actualidad, contexto en el cual se desarrolla la presente investigación. En este momento, tal como indicado por González (2010, p. 25-16): […] se observa una disputa ferreña por ocupar espacios (quién forma profesores, cómo los forma, qué materiales se utilizarán, etc.) de modo de garantizar hegemonías de diversa índole (linguística, cultural, pero también política y económica).#

También, dentro de este marco de integración, correspondería que nos cuestionemos qué concepto de lengua es el que queremos manejar. Si vamos realmente a entenderla como un instrumento de integración cargado de un valor simbólico que puede aproximarnos en diferentes ámbitos o si ella es apenas un sistema o código que sirve para que estudiantes sean más competitivos dentro de un mercado de trabajo que se muestra, cada vez, más exigente.

Debido a lo referido anteriormente, me gustaría presentar una de las variantes que, como todas las variantes no peninsulares, encuentra su lugar en el denominado "español de América": se trata de la variante argentina. Claro está que uno de los motivos que impulsó mi elección en esta investigación, tiene que ver con el hecho de yo mismo hablarlo como lengua materna y ser de nacionalidad argentina. Esta situación tuvo un peso fundamental en esta elección al igual que en la selección del corpus. Mi objetivo no es el de proponer que ella reemplace el predominio o hegemonía de la variante española, tan presente en las publicaciones y en el material didáctico. Si esto ocurriera, se mantendría una visión reductora sobre las culturas existentes en lengua española. Por esta razón uno de los motivos de esta elección es dar cuenta de la existencia de una variante tan válida como las otras (inclusive la hegemónica) y que perfectamente se encaja dentro de la enseñanza de ELE en todos los niveles.

Se observa también que, en este panorama, encontramos otra realidad que es casi una constante: la poca visibilidad que tienen algunas variantes dialectales y

Algunas características

la cultura que cada una de ellas carga consigo. En relación a este aspecto, Lagares (2011, p. 170) cita a Arancil y nos

En primer lugar, la variante argentina es una de

revela que “la condición minoritaria de las lenguas (...)

las existentes, geográficamente, dentro del cono sur y

no está relacionada simplemente con aspectos numéricos

también, políticamente, se encuentra dentro del marco

o cuantitativos y sí, fundamentalmente, cualitativos”.

del Mercosur. No se trata de una variante homogénea

Esto está directamente relacionado, también, con la

y esta situación se debe a que existen dentro del mismo

condición que algunas variantes tienen. El autor dice

territorio diferentes hablas. Sin embargo, es común

aun “esta condición tiene que ver con la posibilidad o

identificar la variante rioplatense, bastante descrita

imposibilidad de que una variedad linguística ejerza

en la literatura, como si esta perteneciera a toda la

determinadas funciones sociales en una comunidad

argentina.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

562

Otro de los motivos está relacionado a la Unión de Naciones Suramericanas (UNASUR). Tanto Brasil como Argentina hacen parte de este tratado que busca, entre otras cosas, crear una identidad suramericana común. Esta es una propuesta de integración entre vecinos que intentan una aproximación que va más allá de los intereses económicos, reconoce, además, a las naciones asociadas como multiétnicas, plurilingües y multiculturales. Imposible sería no discutir esta idea desde la perspectiva del concepto de nación de Benedict Anderson (2008). Este tratado es, de alguna forma, una intensión de crear un tipo de comunidad simbólica unida por ideales y significados comunes que constituirían esta representación de “Unión de Naciones Suramericanas”. El propio Anderson (2008) recupera la idea de Gellner de que el nacionalismo “inventa” naciones donde ellas no existen. La Unasur podría pensarse como una

Vivimos en sociedades que se caracterizan como espacios híbridos, de entrecruzamiento de identidades y de culturas en los cuales es preciso que haya movimientos en prol de los derechos humanos y de la ruptura de barreras que separan hombres, lenguas y culturas. (PARAQUETT, 2011).#

Su intención es estudiar detenidamente este diálogo entre Brasil y Argentina, intentando comprender el concepto de identidad y aproximar, de forma intercultural, estas dos culturas vecinas. Por último, considero pertinente también el hecho de que Argentina cuenta con una ley que promueve de oferta obligatoria la enseñanza de portugués en las escuelas. Se trata de la Ley 26.468 del año 2009. De esta forma se establece una relación de equilibro en la cual dos países buscan, a través de acciones concretas, aproximarse culturalmente.

comunidad imaginada. Este encuentro de intereses tiene un significado fundamental cuando pensamos en una concepción de enseñanza de idiomas culturalmente sensible, pues nos convoca a pensar la educación y a nosotros mismos como miembros de un bloque cultural mayor y transnacional que comparte algunos lazos y una historia común. Existen algunos ítems que enriquecen el concepto de variante linguística y se relacionan con la carga cultural, social y política que las variantes traen consigo. En el ámbito de la enseñanza de idiomas, estos elementos, cuando se trabajan de forma adecuada,

La educación intercultural Cuando me refiero a un abordaje intercultural de enseñanza idiomas, partimos de una concepción de una linguística aplicada crítica, tal como expresado por Pennycook (1998). El autor critica una visión funcional de la lengua y contrapone esta concepción carente de implicaciones políticas e ideológicas a una LA comprometida que busca, a través de la reflexión y de un constante repensarse, no perpetuar modelos de dominación, asumiendo una misión transformadora.

contribuyen con la formación intercultural del estudiante.

De acuerdo con Mendes (2010, p. 57) “las

Dentro de esta discusión, Márcia Paraquett (2011) en

discusiones de carácter cultural e intercultural emergen

su artículo O diálogo intercultural entre o português e

como cuestiones importantes en la evolución de las

o espanhol na América Latina abre un espacio para la

sociedades, en diferentes dominios, entre ellos el de la

reflexión de este tipo de temas y no tengo dudas que

educación”#. Uno de los objetivos más inmediatos de

este trabajo sigue esa dirección. La investigadora, entre

esta perspectiva de trabajo es dar lugar a un abordaje

otros asuntos, discute las identidades latinoamericanas y

que trabajará la cultura no como un muestrario

convoca a pensar cómo ellas se representan en los textos

de curiosidades y sí como una forma de reafirmar

aparecidos en los medios de comunicación impresos del

identidades a través de un diálogo proficuo entre la

Brasil y cómo esto puede vincularse a la enseñanza de

cultura de la lengua que se aprende y la propia cultura

español como lengua extranjera. La autora concluye que

del estudiante.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

563

Una educación intercultural nos pone a prueba

diferentes de la cultura argentina. Voy a presentar uno

como profesores e investigadores y para ello debemos

que es el que considero, tal vez, menos conocido. Se trata

cambiar paradigmas. Encarar desde esta perspectiva

de Roberto Fontanarrosa. Nacido en 1944 en la ciudad

la enseñanza de idiomas puede hacernos enfrentar

de Rosario, en la provincia de Santa Fé, Argentina.

resistencias y la difícil tarea de promover cambios en

Fontanarrosa ya en el año 1972 comienza a trabajar en

diferentes instancias que van desde la planificación hasta

la revista Hortensia, en Satiricón y en el diario Clarín

la forma en que la clase de idiomas se lleva a cabo.

de Buenos Aires. Este proceso es acompañado también por el personaje que elegí para este trabajo y que es

El cómic

Inodoro Pereyra. El mismo es una versión estereotipada de otro personaje, el gaucho argentino de las pampas. Inodoro Pereyra es dueño de un habla marcada por

Mucho tiempo ya pasó desde que trabajar con historietas en la clase era algo cuestionado o hasta

coloquialismos y expresiones que recuerdan, en varios sentidos, al personaje de Hernández, Martín Fierro.

inaceptable (RAMOS, 2010). Su incorporación en el medio educativo se acentuó durante la década del 70 en Europa (VERGUEIRO, 2009). Este género, con sus

Inodoro Pereyra y el truco

propias características y con formas y mecanismos de funcionamiento particulares, consigue mezclar gracias

El objetivo de este breve análisis es explicitar

a su conformación, el lenguaje verbal y no verbal. A

aspectos de la técnica usada en la historieta e identificar

estas características más generales debemos agregar

algunas suposiciones o características culturales que

otras, relacionadas a la propia dinámica del proceso

subyacen a ellas. Buscando representaciones de la

de enseñanza aprendizaje. El cómic se presenta, como

identidad argentina, podemos encontrar en la obra

una posibilidad de lectura más dinámica, entretenida

de Fontanarrosa varias relacionadas con costumbres,

y formadora. El propio dibujo contribuye para la

expresiones, alimentos, música, diversión, etc. En el

comprensión de la acción narrativa y además cuenta

siguiente fragmento, Inodoro Pereyra hace referencia a

con diferentes niveles de habla que permiten el uso de

un conocido juego de naipes llamado Truco. Este juego,

la oralidad u onomatopeyas que introducen no apenas

también jugado en España y en el resto del cono sur,

características linguísticas sino también visiones de

se puede jugar de a dos o más personas. Es un juego

mundo, es decir, identidades. Para cumplir con el

en el que la capacidad de especular y crear estrategias

objetivo de este trabajo, la identidad cultural y la

para vencer al oponente se basa en el engaño, en la

identidad nacional, en los términos expresados por Hall

mentira. Dentro de las distintas instancias que permiten

(2001) son, sin duda, las más importantes.

acumular puntos, el jugador debe intimidar al adversario que puede desistir de esta jugada o bien confiar en sus

Los cómics que hacen parte del corpus

cartas e intentar ganar. En el “envido”, generalmente la primera jugada, por ejemplo, la puntuación máxima es de 33 y es una práctica usual que el oponente que

Para finalizar mi ponencia voy a mostrar

se ve derrotado, por tener una puntuación inferior a

parte del corpus elegido y, aunque breves, algunas

la que su contrincante, diga “son buenas”, haciendo

consideraciones sobre él. Para la identificación de la

clara referencia a su derrota al no poder superar esa

variante cultural argentina decidí trabajar con cuatro

puntuación.

autores que de alguna forma representan cuatro aspectos

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

564

En estas dos viñetas Inodoro se “confiesa”

ya que he conseguido avanzar en este sentido. Para

ante un cura de rostro gruñón, con la actitud ritual de

la teoría general del género cómic estoy basándome

arrepentimiento y revela haber mentido. En la primera,

principalmente en los textos de Paulo Ramos, Waldomiro

esta situación se muestra como graciosa porque la

Vergeiro y Scott McCloud pues a través de ellos analizo

mentira está dentro del juego del truco aunque Don

las historietas y sus implicaciones de significado. Para el

Inodoro se lo toma muy en serio. Vale decir que

análisis textual de los mismos, estoy fundamentándome

el autor cuenta de antemano con la complicidad y

básicamente en Possenti. Existen algunas obras del

conocimiento del lector que   sabría de qué juego se

corpus, como las de Liniers, que desafían los análisis

trata y, mínimamente, sus reglas de funcionamiento.

hechos por los teóricos debido a su innovación dentro

Sin duda estas convenciones referidas por el personaje

del género. Aun trabajo en esta investigación y a medida

tienen sentido para un argentino y forman parte de sus

que avanzo voy descubriendo nuevas cuestiones que me

representaciones, del conocimiento de su cultura. Este

hacen repensar decisiones tomadas y, en consecuencia,

juego puede haber sido practicado o bien leído pues la

realizar nuevas reflexiones. No obstante, el corpus se

literatura argentina lo evoca en más de una oportunidad

va revelando como una fuente enorme de contenidos

como en su obra más conocida El gaucho Martín Fierro

culturales que me permitirá, llegada la hora de su

o en Fervor de Buenos Aires de Jorge Luis Borges. En la

análisis, encontrar el destino final de esta investigación.

segunda viñeta, vemos que el globo (o bocadillo) indica

A medida que paso a otras etapas del proyecto continúo

el pensamiento del cura, cansado de que lo soliciten

aprendiendo y construyendo mi formación.

durante los torneos de truco. A pesar de ello, no duda en colocarle al supuesto pecador una pena de veintinueve Avemarías, a lo que Inodoro Pereyra responde con

Referências bibliográficas

una frase típica del juego (“son buenas”) dislocando la

ANDERSON, Bene,dict (2008): Comunidades imaginadas.

atención de la penitencia, nuevamente, hacia el

São Paulo: Companhia das Letras.

juego del truco.

Brasil (1996): Lei No 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

Esta pequeño fragmento, retirado del libro Inodoro Pereyra 20 años, se transforma en una

Disponível em: http://www.camara.gov.br. Acessado em 01/08/2012.

puerta de acceso a la cultura argentina. Son varios

GONZÁLEZ, Neide (2010): Iniciativas para a implantação do

los temas que pueden extraerse a través de su

espanhol: a distância entre o discurso e a prática. Em: Cristiano

lectura: el juego de cartas y sus características, la simplicidad e inocencia del gaucho, la severidad del cura y el tipo de humor que a este grupo social disfruta.

Silva de Barros; Elzimar Goettenauer de Marins Costa: Coleção Explorando o Ensino – Espanhol, p. 25-54. Brasília: Ministério da Educação / Secretaría da Educação Básica. HA L L , Stu ar t ( 2 0 1 1 ) : A ide ntidade c ultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP & A Editora.

Consideraciones finales Esta presentación busca dar cuenta del estado actual de la investigación que realizo. He investigado en publicaciones nacionales y extranjeras sobre el estado del español y creo que eso sirvió a los fines del trabajo

LAGARES, Xoán Carlos (2011): Minorias Linguísticas, políticas normativas e mercados: uma reflexão a partir do galego. Em: LAGARES, Xoán; BAGNO, Marcos: Políticas da norma e conflitos linguísticos, p. 169-192. São Paulo: Parábola Editorial. MCCLOUD, Scott (1994): Understanding Comics: the invisible art. New York: Harper Perennial.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

565

PARAQUETT, Márcia (2011): O diálogo intercultural entre

RAMOS, Paulo (2010): A leitura dos quadrinhos. São Paulo:

o português e o espanhol na América Latina. Em: MENDES,

Contexto.

Edleise: Diálogos interculturais: ensino e formação em português língua estrangeira, p. 49-69. Pontes: São Paulo, 2011. PENNYCOOK, Alastair (1998). A linguística aplicada dos anos 90: em defesa de uma abordagem crítica. Em: Signorini, I.; Cavalcanti, C.: Linguística aplicada e transdiciplinaridade., p. 23-49. Campinas: Marcado das Letras.

VERGUEIRO, Waldomiro (2009): Quadrinhos e educação popular no Brasil. Em: VERGUEIRO, W., RAMOS, P.: Muito além dos quadrinhos: análises e reflexões sobre a 9ª arte, p. 83-102. São Paulo: Devir Livraria

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

566

O DISCURSO FICCIONAL EM LOS RÍOS PROFUNDOS, DE JOSÉ MARÍA ARGUEDAS: AS LEITURAS CRÍTICAS DE ANTONIO CORNEJO POLAR E MARIO VARGAS LLOSA

Juliana Bevilacqua Maioli UNESP/ Assis; UNIR/ Porto Velho1

Publicado em 1958, Los ríos profundos expressa,

Em Escribir en el aire (1994), Antonio Cornejo

desde uma perspectiva lírica, a problemática histórica

Polar aprofunda as ideias publicadas anteriormente

e cultural do Peru, país dividido em dois extremos,

no artigo Condição migrante e intertextualidade

duas línguas, duas culturas e duas tradições históricas,

multicultural: o caso de Arguedas (1994), em que

a hispânica e a indígena, as quais permanecem em

propõe a releitura das obras de Arguedas a partir do

constante conflito desde o período da colonização até

eixo semântico da figura do migrante e do sentido da

a contemporaneidade. Por sua linguagem híbrida que transfigura no texto escrito as idiossincrasias da oralidade quéchua, bem como pela maneira de como plasma esteticamente no discurso narrativo as múltiplas esferas socioculturais coexistentes no território peruano, com toda sua diversidade, Los ríos profundos se configura como um desafio aos críticos, impondo-lhes a necessidade de desenvolver diferentes estratégias de leitura para compreendê-la em seus vários níveis de sentido. Com base nestas considerações, o presente trabalho examina as leituras que dois críticos peruanos, Antonio Cornejo Polar (1931-1997) e Mario Vargas Llosa (1931), elaboram da obra arguediana em questão. Assim, visamos demonstrar que fundamentos críticos defendidos por cada um dos intelectuais condicionam às divergências que resultam em duas linhas opostas de pensamentos sobre um mesmo corpus literário.

migração. Embora não substitua o eixo da mestiçagem, esta outra marca temática permite a revisão de toda a produção ficcional de Arguedas, oferecendo um novo horizonte para a sua interpretação. Desse modo, Cornejo Polar explica que, ao contrário do mestiço que busca sintetizar em um discurso consolidado as dissonâncias que ameaçam a configuração de sua identidade homogênea, o migrante enfatiza por meio da própria linguagem a sua fragmentação e o seu deslocamento no mundo, na medida em que constrói um discurso constituído pela confusão de signos ubíquos e intertextos desordenados e instáveis. Ao analisar o fragmento extraído do sexto capítulo da obra, intitulado Zumbayllu, o crítico peruano demonstra como a condição de migrante do narrador pode ser explicitada pela própria constituição de Ernesto, sujeito internamente desagregado, difuso e heterogêneo.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

567

Desta forma, Cornejo Polar detém-se no

p.131 – tradução nossa), porém, também há instantes em

exame do episódio em que Markask’a, reconhecendo

que se sente orgulhoso e enaltecido, segundo se constata

as habilidades de Ernesto como poeta, pede a este para

no fragmento: [...] Um orgulho novo me queimava. E

que escreva uma carta a uma jovem pela qual estava

como quem entra num combate, comecei a escrever a carta

apaixonado. Mesmo considerando o abismo que o

(ARGUEDAS, 2009, p. 131– tradução nossa). Segundo

separava da suposta destinatária (a menina era filha dos

o crítico, o caráter ambíguo desse trânsito assinala o

poderosos de Albancay), o protagonista aceita o encargo.

perfil instável e fragmentado de um sujeito cuja índole

Contudo, para conseguir expressar seus sentimentos, Ernesto imagina uma carta endereçada a outras receptoras, na ocasião Justina, Jacinta, Malicacha

parece estar constituída mais por um complexo jogo de posições e relações, drasticamente variáveis, do que por uma identidade compacta e bem definida.

ou Felisa camponesas que o fazem relembrar a sua

O sujeito inconstante e cindido também emite

adolescência. Entretanto, um abismo cultural o separa

um discurso proliferado e disperso que se desdobra em

das garotas, posto que as mesmas eram analfabetas e,

várias formas de expressão textual. Desde uma esfera

portanto, não sabiam ler nem escrever. Dessa forma, a

mais ampla, percebe-se o romance enquanto modalidade

única maneira de se comunicar com as meninas seria

literária que estrutura a narrativa. Contudo, dentro dele

pelo canto, tal como salienta na seguinte passagem:

se instala o gênero epistolar, o qual aparece escrito parte em língua castelhana, parte em quéchua. Esta última,

[...] Escrever! Escrever a elas era inútil, não adiantava. “Ande, espere-as nos caminhos, e cante! E se fosse possível, se pudesse começar? E escrevi: “Uyariy chay K’tik’niki siwar K’entita...”. “Escute ao colibri esmeralda que te segue, ele há de lhe falar de mim [...]. (ARGUEDAS, 2009, p. 132 – tradução nossa)

por sua vez, embora esteja inserida no espaço da escrita,

A partir da passagem selecionada, Cornejo

conjugam em sua composição os tópicos recorrentes

Polar constata a presença de uma dupla dinâmica desempenhada pelo protagonista: de um lado, a autoimagem de Ernesto, que se sentindo “índio”, precipitase ao espaço das “señoritas de Albancay”, e, por outro, sua posição de adolescente bem educado que, sendo capaz de exercer a modernidade da escritura, dirigese até o “arcaísmo” das jovens indígenas analfabetas. Logo, o protagonista se configura como um sujeito que oscila, em um constante vai e vem, entre dois mundos e temporalidades opostas, porém, coetâneas. Para Cornejo Polar, essa transição apresenta um aspecto ambivalente, pois verifica que há momentos em que Ernesto se sente envergonhado por estar redigindo a carta, conforme verifica no trecho: “um descontentamento repentino, uma espécie de aguda vergonha me fez interromper a redação da carta” (ARGUEDAS, 2009,

tende a aludir à instância – impossível – da oralidade, representada pelas canções índias. Ao analisar os fragmentos da carta escritos em quéchua, Cornejo Polar observa que tais passagens nos hinos oriundos das comunidades andinas. Em torno dessas considerações, afirma que o discurso enunciado por Ernesto se trata de um difuso intertexto, por meio do qual se logra recuperar os traços das canções tradicionais do universo incaico. A retomada de textos de diferentes repertórios culturais averiguada no discurso de Ernesto propicia a duplicação (multiplicação) do locus enunciativo do qual o narrador emite seu discurso. Tal processo resulta, segundo Cornejo Polar, na diluição dos aspectos que definem a individualidade e a língua do protagonista. Deste modo, ambas são coletivizadas, posto que Ernesto passa a representar as consciências amplamente socializadas de cada um dos mundos do qual participa. Para Cornejo Polar, esta heterogeneidade discursiva pode ser observada no fragmento em que

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

568

Ernesto está redigindo a carta para a amada de Markask´a,

pelas comunidades serranas no Peru, vai além de uma

considerado o ponto de encontro entre: o narrador culto,

representação vinculada somente ao retrato de uma

capaz de traduzir a carta para os leitores do romance;

determinada circunstância social e histórica. Vargas

o protagonista que a escreve em quéchua, tomando

Llosa ressalta que Arguedas constrói um mundo

como referência as canções indígenas as quais conheceu

baseado nos seus conhecimentos científicos sobre o

quando criança; e, por fim, os produtores daqueles hinos,

mundo andino, porém o suplanta, na medida em que

que, por sua vez, expressam uma consciência grupal a

incorpora ao universo narrado suas frustrações, desejos,

partir da perspectiva da coletividade.

paixões, sonhos e sofrimentos, ou seja, seus demônios

Segundo Cornejo Polar a identidade plural do sujeito expressa tanto as tensões quanto os arquétipos

pessoais, capazes de distorcer a realidade a que a obra faz referência.

dos diferentes mundos que integram as circunstâncias

Desta forma, ratifica a riqueza do romance

socioculturais do Peru. Desta forma, o crítico peruano

examinando a constituição de Ernesto e a sua articulação

salienta o valor da linguagem literária criada por José

com os demais componentes do discurso ficcional. Ao

María Arguedas justamente porque esta reconhece

observar os elementos centrais de Los rios profundos, o

a ilegitimidade de modelos linguísticos que, para

crítico peruano chama a atenção para as duas condutas

erigir a imagem de uma sociedade presumivelmente

desempenhadas pelo protagonista com o fim de ajudá-lo

homogênea, tendem a superar as contradições existentes

a sobreviver às conjunturas que lhe são hostis: o refúgio

entre os diferentes povos e culturas. Ao romper com o

interior e o culto à natureza.

discurso monológico e a imagem do sujeito estável e equilibrado, a expressão literária em Los ríos profundos focaliza o ser humano consciente de que sua identidade provém de muitas e várias fontes. Logo, para o crítico peruano, a obra arguediana experimenta com audácia a construção de um sujeito, um discurso e uma representação intrinsecamente múltiplos e descentralizados, capaz de refletir a própria heterogeneidade presente no contexto sociocultural latino-americano. Daí a sua relevância dentro sistema literário da América Latina.

Em síntese, Vargas Llosa considera que ambos os comportamentos experimentados por Ernesto se configuram como herança de um tempo remoto, momento em que o menino ainda não tinha consciência da dualidade que iria malograr seu destino. Diante desta colocação, Vargas Llosa pondera que, mesmo se dando conta de que já não poderia voltar atrás, Ernesto tratará loucamente de retornar ao passado, vivendo como que “enfeitiçado” pelo espetáculo da sua inocência perdida. A nostalgia e a solicitação tenaz de um tempo remoto fazem com que a realidade

Trilhando um caminho distinto de Cornejo

refletida em Los ríos profundos nunca seja imediata,

Polar, Mario Vargas Llosa, apresenta uma leitura de

mas pretérita, diluída e enriquecida pela memória. Isso

Los rios profundos a partir do conceito de “literatura

é o que determina, segundo Vargas Llosa, o lirismo da

como mentira” e da poética dos “demônios interiores”,

escritura, seu tom poético e remanescente, e ainda a

por meio da qual deixa transparecer sua confiança

atmosfera mágico-religiosa que permeia o romance.

em algumas ideias “iluministas” como catalisadoras do progresso cultural e social e, ainda, evidencia sua convicção no poder formador e transformador da arte.

Para Vargas Llosa, ambos os eixos temáticos que estruturam a narrativa evidenciam o caráter autobiográfico do romance. Nesse sentido, procura

Em sua análise, demonstra que Los ríos profundos,

estabelecer um paralelo entre a experiência fictícia de

apesar de transfigurar os conflitos experimentados

Ernesto e a do próprio José María Arguedas. Assim,

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

569

assevera que este transplanta de maneira simbólica para

a coerência interna dos elementos narrativos confere a

aquele o seu próprio empenho enquanto escritor, isto

Los ríos profundos um grande poder de convencimento,

é, erigir no plano literário aquilo que idealizava como

o que faz da obra uma “hermosa ficción”, capaz de

ícone da identidade peruana: uma nação “moderna”,

persuadir de suas “verdades incertas” toda uma classe

próspera e enriquecida culturalmente pelo valor da

de leitores, aos que sua magia, feita de verbo e sonho,

tradição andina.

ajuda a identificar a suportar as verdades particulares.

Segundo Vargas Llosa, o projeto arguediano

Do confronto entre ambas as análises críticas,

se configura como uma ficção ideológica, reacionária

é possível constatar que tanto Vargas Llosa quanto

e passadista, pois, o mesmo estaria fundamentado na

Cornejo Polar reconhecem a importância de Los ríos

negação do progresso preconizado pela modernidade

profundos para a literatura peruana. Entretanto, observa-

em nome da preservação de uma cultura indígena já

se uma oposição entre as linhas de pensamento seguidas

superada pelas novas dinâmicas socioculturais impostas

por cada um dos críticos. De um lado, Vargas Llosa

pelo mundo globalizado.

constrói um discurso crítico profundamente arraigado

A linguagem da crítica vargallosiana revela sua oposição ao que considera um programa utópico cujo fim consistia em ressuscitar na literatura o “arcaísmo” de um tempo perdido. Tal divergência se manifesta, por exemplo, por meio das expressões que utiliza quando se refere à infância do protagonista, descrevendo-a, sobretudo, como uma instância “caduca” e “ingênua”. Além disso, em um dos momentos do ensaio, chega a comparar a imagem de Ernesto com a de um morto que

ao seu ideal político neoliberal, por meio do qual resgata conceitos relacionados ao “progresso”, a “razão” e a “liberdade individual”, tais como construídos no período da Ilustração. Desde uma perspectiva inclinada ao positivismo, Vargas Llosa pretende integrar a obra arguediana ao cânone da literatura peruana, uma vez que, busca ressaltar a – perfeita – coerência interna dos seus elementos narrativos e o, consequente, poder transformador de tal romance.

vive entre fantasmas (lembranças), o que não deixa de

Eis um dos pontos rebatidos por Antonio

ser significativo nesse contexto. Logo, para Vargas Llosa,

Cornejo Polar. Ao ler Los ríos profundos, o crítico

a insistência do protagonista em perseguir um passado

peruano procura investigar a íntima relação da obra

distante remete à busca irracional por uma época

com o contexto que a envolve, tratando assim de romper

perdida tal como a anunciada pelo projeto arguediano.

a hierarquia entre a literatura culta e a periférica. No

Observa-se, assim, que a leitura de Vargas Llosa não se dissocia de suas ideais políticas. Progressista e defensor do neoliberalismo, o crítico avalia que tanto o refúgio interior, quanto a sagração da natureza por parte de Ernesto, configuram-se como atitudes irracionais e primitivas. Nesse sentido, entende que Ernesto é um personagem simbólico justamente por que reproduz, em um nível individual e mítico, um processo cultural que os indígenas haviam cumprido coletivamente em outras épocas. Embora revele um posicionamento contrário às ideologias do escritor peruano, Vargas Llosa admite que

afã de demolir o arbitrário projeto homogenizador e universalizante edificado por um seleto grupo de acadêmicos em fins do século XIX, Cornejo Polar objetiva ressemantizar a questão identitária peruana sobre a base da pluralidade. É, pois, por meio do exame das especificidades que circunscrevem as instâncias de produção de Los ríos profundos que Cornejo Polar busca fundar um discurso crítico que, além de formular métodos e conceitos mais adequados para explicar as peculiaridades das conjunturas históricas do Peru, também se imponha como resistência às tendências hegemônicas da crítica metropolitana.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

570 Referências bibliográficas

FERREIRA FILHO, Eduardo César Maia. Mario Vargas Llosa: a visão do crítico. Literatura, cultura e política. 2008. 93 f.

ARGUEDAS, José María. Los ríos profundos. 1ª ed. Buenos

Dissertação (Mestrado em Teoria Literária) – Universidade

Aires: Losada, 2009.

Federal de Pernambuco. Recife: 2008.

BUENO CHÁVEZ, Raúl. Antonio Cornejo Polar y los avatares

VARGAS LLOSA, Mario. La utopía arcaica: José María

de la cultura latinoamericana. Lima: Fondo Editorial de la

Arguedas y las ficciones del indigenismo. México: Fondo de

UNMSM, 2004.

Cultura Económica, 1996.

CORNEJO POLAR, Antonio. Escribir en el aire: ensayo sobre

VARGAS LLOSA, Mario. A verdade das mentiras. Trad.

la heterogeneidad sócio-cultural en las literatura andinas.

Cordélia Magalhães. São Paulo: Arx, 2004.

Lima: Lationoamericana editores, 2003.

Nota 1 Professora pesquisadora do Grupo de estudos Literatura, Educação e Cultura: caminhos da alteridade.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

571

DE TABÚES Y TERRORES: COSTA RICA Y BRASIL O DOS MODALIDADES DE LA LITERATURA GÓTICO-FANTÁSTICA EN LATINOAMÉRICA

Karen Alejandra Calvo Díaz Universidad de Costa Rica

Introducción

literatura escrita en español tiene como excepción el área rioplatense, pues ya desde siglo XIX, con el surgimiento

Un debate constante ha sido para la literatura latinoamericana el reconocimiento de las nuevas escrituras que pugnan por ocupar un lugar no menos

del Romanticismo, escritores como Juana Manuela Gorriti1 se interesaron en construir un ideario que posteriormente tendrá como representantes nombres

meritorio que las estéticas más reconocidas en el

tan importantes como el de Luis Borges y Julio Cortázar.

continente. Desde el auge de las crónicas coloniales

No sucedió lo mismo en otras áreas de

hasta la consolidación de estéticas adaptadas al contexto propio, se sentaron las bases para que manifestaciones como el romanticismo, el realismo, el naturalismo y el modernismo adquirieran un carácter apropiado a las demandas de estas tierras. El caso brasileño también cuanta con un acervo literario tan diverso como auténtico, que data desde el Quinientismo y que muestra un esfuerzo por apropiarse de un discurso que, según António Cândido, se puede clasificar en las manifestaciones literarias,

Latinoamérica, en las cuales, no es, sino hasta ahora, que las nuevas pesquisas interesadas en temas de ruptura han volcado sus ojos hacia una literatura que −aunque existente desde hace mucho tiempo− no se ha dado a conocer lo suficiente por razones ideológicas. El gusto gótico y siniestro es una tendencia que comienza a rendir investigaciones en México, pero que en la región centroamericana pareciera completamente ausente, pues ninguna historiografía nacional se detiene siquiera en la mención de tales manifestaciones.

la configuración del sistema literario y, finalmente, la

Más aún, si se revisan otras historias literarias

consolidación de ese sistema en aras de proponer una

americanas, la situación de Centroamérica pareciera no

literatura brasileña.

ser autista. Rara vez, el modo gótico se ha contemplado

No obstante, no todas las manifestaciones escriturales del continente han tenido la misma aceptación. Claro ejemplo de ello lo garantiza la poca abundancia de estudios de modos literarios como el gótico, lo fantástico y la ciencia ficción, que para la

como una posibilidad de escritura y su mención, cuando se hace, se debe a que posee fuertes relaciones con el modo fantástico, o porque eventualmente se citan como intertextos los grandes autores del terror europeo y estadounidense.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

572

Sorpresivo resulta también que esta ausencia

Se han elegido como ejemplos dos cuentos,

de pesquisas sobre el tema, exista también en Brasil,

uno costarricense y otro brasileño que comparten

cuyo caso tiene más similitudes con el panorama

una similitud temática, situacional y discursiva. Estos

centroamericano de lo que pudiera pensarse. La mención

ejemplos permiten también cuestionar si la literatura

de escritores afines a tales modalidades es tan carente

de Costa Rica y Brasil son solo dos de los paradigmas

como en las historias de la literatura de Costa Rica, pues

latinoamericanos en los que la carencia de crítica literaria

aunque esta es muchísimo más joven que la de Brasil fue

no es sinónimo de ausencia de corpus importantes

reducida por las historiografías a la manifestación del

en tópicos disidentes y marginales que tienen como

realismo y el costumbrismo durante casi toda la mitad

escenario los problemas de la condición humana.

2

del siglo XX.

En la literatura costarricense, por ejemplo, se

En Costa Rica, no hubo, como en el caso brasileño,

pueden rescatar más de 15 autores que en diferentes

una periodización a fin al resto de Latinoamérica, pero

épocas y con gustos tan variados como disidentes, se han

aún con las pocas tendencias literarias que se han

inclinado por el gusto gótico-fantástico. En los últimos

venido desarrollando, la temática gótico-fantástica sí tuvo una participación importante, aunque anulada y no reconocida por razones ideológicas. Desde la declaración de independencia en 1821, la configuración de un Estado-Nación y de los valores idiosincráticos asociados a ello, tuvo un fuerte impacto en la construcción de las distintas manifestaciones artísticas. Los textos literarios para el caso costarricense constituyeron un importante panfleto identitario y, por eso, tal y como fue un imperativo en otras regiones del continente, luego de los procesos independentistas, se privilegiaron discursos más regionales. En este sentido, no es de extrañar que los modos escriturales disidentes de tales características o preocupados por otro tipo de estéticas, hayan sido reducidos al olvido, con la consecuente generalización de una supuesta ausencia en las letras nacionales. Esta misma marginalización la comparte la literatura brasileña con la diferencia de que en ella existen muchas más variedades discursivas. No obstante, también han sido accesorias las proyecciones de la literatura góticofantástica y no es sino con la publicación de recientes antologías que nombres, asociados a otro tipo de manifestaciones, se reconocen a fines a estas tendencias, tal y como se explicará en breve.

cinco años se han publicado muchas antologías de autores contemporáneos que, quizá, seducidos por los best sellers norteamericanos, buscan en la literatura fantástica, de terror y de ciencia ficción, un reconocimiento sobre todo entre los sectores más jóvenes. No obstante, muchas de estas compilaciones carecen de estudios previos en los cuales se explique cómo y porqué se originan tales ficciones en el país e incluso la escogencia de los antologados resulta antojadiza, pues solo se valoran las producciones más nuevas, olvidando a los otros autores que, desde las últimas décadas del siglo XIX, ya se habían interesado por esta modalidad literaria. Si se quiere una cronología de la literatura gótica de Costa Rica, habría que comenzar mencionando el nombre de Eduardo Calsamiglia (1880-1918), quien también es considerado uno de los padres del teatro costarricense. Su activísima vida militar no fue impedimento para que también, desarrollara una fecunda labor literaria en la que el agrado por lo sobrenatural pareciera más un intento de exploración temática que un gusto permanente en su obra. Recopilado en la colección Versos y cuentos de 1898, el cuento titulado “La marca azul”, puede considerarse el primer relato gótico-fantástico de la

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

573

literatura costarricense, pues resulta completamente

representación y profundización psicológica de los

innovador, sobre todo en lo tocante a la propia estructura

personajes. Muchos de ellos son fieles a la tradición

del relato, en tanto que se construye a partir de un

fantástica y otros son una clara referencia a los actantes

supuesto manuscrito escrito en castellano antiguo, del

arquetípicos del gótico, tales como vampiros, fantasmas,

que la voz narrativa se apropia.

aparecidos y muertos vivientes.

Así este texto dio pie para que tenuemente

Asimismo, sus personajes pueden ubicarse

se iniciara en Costa Rica la escritura de corte no

dentro de la tipología del monstruo, sea porque se

nacionalista, circunscrita a temáticas que nada tenían

manifiestan de una forma grotesca, o bien, porque están

que ver con el establecimiento de valores idiosincráticos.

asociados a fenómenos irracionales como la locura o

Después de él otros nombres como el de Ricardo

la muerte. Claro ejemplo de ello es el cuento “La otra

Fernández Guardia y Carlos Gagini, también escribieron

muerte” que plantea el tema de la necrofagia desde la

uno que otro cuento asimilado con el gusto siniestro.

fijación maniática por los ojos de los cadáveres que yacen

Luego de 1929, fecha en la que se registra un cuento

en la morgue. A partir de esta patología se introduce

de Jenaro Cardona titulado “La caja del doctor”, hubo

toda suerte de situaciones horrorosas que desafían, tal

un gran silencio gótico que duró más o menos hasta

y como lo planteaba Fred Botting, la convención social,

1972, cuando apareció un cuentario que resucitó esta

racional y estética.

modalidad de escritura.

Este es quizá uno de los cuentos más auténticos

Preocupaciones como la restructuración

de horror –esto es la manifestación de lo sobrenatural

económica de 1929, el surgimiento de una huelga

y del mal en su grado más pleno–, de la literatura

bananera, las consecuencias de la Segunda Guerra

costarricense, pues relata con crudeza inusitada la

Mundial, la promulgación de las garantías sociales y la

actividad de un hombre, calificado como monstruo por

declaración de la Guerra Civil de 1948 que tuvo como

la misma voz narrativa, que por las noches va a la morgue

consecuencia la abolición del ejército de Costa Rica,

del hospital para saquear los cadáveres que ahí moran.

hicieron que fuera prácticamente imposible que los autores del momento se interesan en temas que no fueran aquellos de carácter crítico y denunciador.

Clara es la asociación que se establece entre la muerte y el sueño, pues cuando uno de los personajes es declarado muerto, por la inmovilidad de sus miembros,

Así superados estos años de gran convulsión

todo su entorno se comienza a representar como una

social, política y económica para el país, surge en la

terrible pesadilla en la que participan los horrores de la

literatura costarricense narrativas con un gusto por

morgue, la inmovilidad de su cuerpo y, sobre todo, la

lo urbano y sus problemáticas que introduce luego la

brutal actividad del monstruo caníbal. Por otra parte, al

llamada generación del desencanto, en la cual los ejes de

momento de valorar la declaración de muerte, salta con

la posmodernidad serán su principal característica. Con

evidencia el poder de la disciplina médica, a partir de la

estas inquietudes Alfredo Cardona Peña (1917-1995),

cual se instaura el elemento represivo de la narración.

publica su cuentario Fábula contada, un texto canónico

Es un discurso en función de la exclusión del otro y que

para la escritura fantástica del país en cual figuran temas

junto a la separación de la locura, establece mecanismos

variados, unidos todos por un halo de misterio y de

de opresión:

inquietud sobrenatural. Amplia es la gama de temas y recursos literarios que trabaja este escritor y entres los que se destaca la

[…] El bulto, o lo que fuera, comenzó a moverse. Llegó ante él, y fue entonces cuando lo vio[…]. Pasó una mirada salvaje sobre los ojos inmóviles, tal la sombra de

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

574

unas alas siniestras sobre un lago dormido. ¿Dormido? El encuentro fue cruel y perversamente real, indudable y amenazador[…]. La sombra se alejó unos pasos, y viendo el cuerpo de la mujer se abalanzó sobre él y comenzó a succionarle los ojos, a chupárselos, como si fueran limones o caracoles. Separó los párpados con sus labios, e inhaló fuertemente con un gruñido de satisfacción, arrancando los globos oculares, la esclerótica, las membranas gelatinosas y frías de aquel despojo que quedó allí mutilado, con dos cavernas sanguinolentas en la cara. El intruso se pasó el brazo por la boca y continuó con otro cadáver, y con otro. Uno por uno, los restos humanos iban siendo despojados de sus ojos, que engullía un ser espeluznante (Cardona. 1972: 11-12).

De este modo, la monstruosidad de la locura

llamado periodo de la República Velha de 1889 a 1930 en Río de Janeiro, pueden ser considerados como los acontecimientos que marcaron el surgimiento de otras literaturas disidentes de la reproducción nacionalista que, desde la primera generación del romanticismo, se había consolidado en el plano escritural. Asimismo, ya la segunda generación del romanticismo, también había dictaminado algunos parámetros que pueden considerarse como de afinidad gótica, debido al interés por los temas mórbidos, fantásticos y emocionales que posteriormente se agruparían bajo la nómica de “Mal do século”.

que, acompañada del lúgubre retrato de la morgue, las

Así el nombre del paulista Manuel Âlvares de

apreciaciones internas y desoladoras de Filiberto (a

Azevedo, muchas veces se ha privilegiado como uno

modo de monólogo interior), la construcción onírica de

de los primeros autores de este tipo de ficciones; sobre

la muerte y los actos de necrofagia proferidos contra los

su obra existente también un respetable estado de la

grotescos cadáveres, constituyen otros tantos vestigios

cuestión, entre el destaca numerosas tesis como la de

de la narración gótica que −como se ha resumido en brevísima síntesis− invita al estudios de estas manifestaciones no sólo en la literatura de Costa Rica, sino en otras áreas de Latinoamérica. Verbigracia de ello, se cita el caso de la literatura brasileña, en la cual como ya se ha mencionado, el cultivo gótico ha sido desarrollado con la misma cautela que en Costa Rica. Pocos estudios, para la cantidad de literatura producida en este país, se han preocupado por explorar esta manifestación. No obstante, en los últimos años un interés creciente de la academia por esta modalidad y otras asociadas a ella han cobrado una importante vitalidad. Así por ejemplo, Alexander Meireles da Silva en su artículo titulado “Um monstro entre nós: a ascenção da literatura gótica no Brasil da Belle Époque”, brinda pautas significativas en torno al desarrollo y consolidación de esta escritura en Brasil, pues a partir de la obra de Coelho Neto y João do Rio establece los

Claudia Labres, A poética do mal: A ficção de Âlvares de Azevedo, uma literatura sob o signo do Satã, de la Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Al respecto de este escritor romántico la crítica ha dicho: Semelhante ao que ocorreu no Brasil, a Literatura Gótica nos Estados Unidos também se manifestou durante o século dezenove dentro do movimento literário que viria a ser conhecido como Romantismo. As semelhanças, no entanto, param por aí. No Brasil o Gótico se manifestou tardiamente, durante o UltraRomantismo, através de Âlvares de Azevedo e o seu Noite na taverna (1855), mas não criou raízes devido a diferentes fatores, dentre os quais, como acredita Murilo Garcia Gabrielli em A obstrução ao fantástico como proscrição da incerteza na literatura brasileira (2004), se destaca a hegemonia de um projeto alencariano de ficção, que, recobrindo as realidades urbana e rural, consolidava as idéias do Romantismo hegemônico acerca da identidade nacional (Meireles. 2010: 3).

Para Meireles entonces una vez establecido este periodo y acontecidos los cambios urbanos y sociales en Río, se hizo mucho más fácil que los autores buscaran

posibles motivos que originaron esta escritura en Brasil.

nuevas formas artísticas, entre las que se incluyó la

Según este autor, los procesos industriales,

los crímenes, el espiritismo y la experimentación sexual

urbanísticos y científicos introducidos durante el

exploración gótica. Tópicos como las emociones intensas, fueron parte de los argumentos.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

575

Asimismo, el gótico en Brasil se vinculó

autor Paulo Fernandes, no puede mirar más y todo

con otros gustos literarios como el simbolismo y el

su mundo se queda en eterna noche. Tiempo después

modernismo, aunque también teóricos como Bráulio

se conoce el nombre de Platem un profesor alemán,

Tavares, se preocupan más por definirlo desde términos

cuyas investigaciones prometen devolver la vista a

cientificistas. Sin embargo, tal y como se ha manifestado

quien carezca de ella. Sin embargo, estas intervenciones

en Costa Rica, tampoco en Brasil puede indicarse un

médicas, tienen consecuencias terribles para Fernandes,

periodo, una generación o una única tendencia en

quien después de la intervención solo puede mirar los

cuanto a esta modalidad literaria; antes bien, la variedad

esqueletos de las personas.

de espacios, temas y deleites siniestros es tan heterogénea como particular y puede acuñarse a esta situación el hecho de que sea tan difícil establecer estudios sobre un tendencia que se halla tan dispersa.

Esta premisa permite hacer algunas asociaciones importantes que poseen mucha relación con el cuento costarricense. La primera de ellas tiene que ver con la supremacía del discurso médico, el cual se utiliza como

La fecha tentativa que Meireles establece como

un detonante de autoridad. El manejo de un lenguaje

punto de partida para el gótico, puede ser discutible

técnico y especializado respecto al problema médico

en tanto que, como ya se dijo, ya en el periodo del

queda en oposición al desconocimiento que Paulo

romanticismo se habían dado fuertes indicios de que

Fernandes comienza a experimentar luego de que sus

efectivamente la afinidad gótica no ha estado ausente de

ojos están sin luz, tal y como se demuestra a continuación:

las letras brasileñas. Más que debatir esta fecha, interesa plantear que si hoy día es más común escuchar sobre la presencia de estas predilecciones, no es porque sea un cultivo de la modernidad, antes bien, se debe considerar que tales manifestaciones no carecen de importantes antecedentes, tanto para el caso costarricense, como para el brasileño. Solo para mencionar un ejemplo de los orígenes de esta literatura en Brasil, cabe citar el caso de

A morte dos olhos daquele homem de quarenta anos, cuja mocidade tinha sido consumida na intimidade de um gabinete de trabalho, e cujos primeiros cabelos brancos haviam nascido à claridade das lâmpadas, diante das quais passara oito mil noites estudando, enchia de pena os mais indiferentes à vida do pensamento. Era uma força criadora que desaparecia. Era uma grande máquina que parava. Era um facho que se extinguia no meio da noite, deixando desorientados na escuridão aqueles que o haviam tomado por guía (2003: 139).

Humberto de Campos3, quien nació en Maranhão en

Con esta afirmación, el narrador presenta

1886 e falleció en Rio de Janeiro en 1934. Fue uno de

un fuerte contraste entre la actividad científica y la

los más prolíferos cronistas, políticos y periodistas que

escritural. Además de este aspecto hay una referencia

además estuvo fuertemente involucrado con las redes

constante de los espacios en los cuales se mueve la acción

espiritistas del momento y cuyos textos, las más de

y, de alguna u otra forma, se representa el antagonismo

las veces, aparecían firmados con seudónimos como

entre los mundos brasileño (Río de Janeiro) y europeo

el de “Hermano X”. De su producción, un cuento de

(Alemania).

índole macabro y grotesco, hace eco de la narración costarricense que ya se ha citado.

Asimismo, tal y como sucede en el cuento costarricense, se incorpora el aspecto grotesco para hacer

Titulado “Os olhos que comiam carne” este

alusión al mundo de lo sobrenatural y de lo terrorífico.

relato retoma el tema de la vista y sus asociaciones con

Esta asociación que pareciera frecuente entre la vista y la

lo macabro cobran especial importancia. El argumento

deglución que implica su ejercicio, está primorosamente

de la narración comienza cuando un día después

presente en de Campos, pues el autor, en algún sentido,

de la publicación de História do conhecimento, su

se mofa de lo ineficaz que es el progreso científico.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

576

En esta manifestación de lo grotesco, queda al

definición de lo gótico y de lo fantástico desde lo posible

descubierto cómo en el afán de progreso se propician

latinoamericano da conocer nombres como los de

terrores inusitados y siempre delirantes. Basta con citar

Coelho Neto, Adelpho Monjardim y Aluísio Azevedo,

la clásica historia del doctor Frankestein para recordar

junto a contemporáneos como Adriano Siqueira, Martha

que el dominio de la naturaleza tiene riesgos espantosos

Argel, Regina Drummond y Giulia Moon.

que una vez concluidos resultan horribles. Así es como se manifiesta el fatal resultado que Paulo Fernades debe pagar por su recuperación: Mas é espantoso o que vê. Vê, em redor, criaturas humanas. Mas essas criaturas não têm vestimentas, não têm carne; são esqueletos apenas; são ossos que se movem, tíbias que andam, caveiras que abrem e fecham as mandíbulas! Os seus olhos comem a carne dos vivos. A sua retina, como os raios-X, atravessa o corpo humano e só se detém na ossatura dos que a cercam, e diante das cousas inanimadas! O médico, à sua frente, é um esqueleto que tem uma tesoura na mão! Outros esqueletos andam, giram, afastam-se, aproximam-se, como um bailado macabro! (…) E, metendo as unhas no rosto, afunda-as nas órbitas, e arranca, num movimento de desespero, os dois glóbulos ensangüentados, e tomba escabujando no solo, esmagando nas mãos aqueles olhos que comiam carne, e que, devorando macabramente a carne aos vivos, transformavam a vida humana, em torno, em um sinistro baile de esqueletos... (2003:140)

Referencias bibliográficas CÂNDIDO, Antonio. (1999). Iniciaçâo à literatura brasileira. São Paulo: publicaçôes Humanitas. Disponible en: http://texsituras.f iles.wordpress.com/2011/08/11iniciac3a7c3a3o-c3a0-literatura-brasileira-antonio-candido. pdf Consultado el 12 de junio, 2012. CARDONA PEÑA, Alfredo. 1972. Fábula contada. Narrativa fantástica. San José: EDUCA. FEDERACIÓN Espiritista Brasileña. (2004). “Encuentro em Hollywood”. Em Revista Espírita, Nº4: 16-17. Disponible también en: http://www.spiritist.com/arquivo/magazines/ spanish/5.pdf Consultada el 7 de Julio, 2012. LABRES, Claudia. (2002). A poética do mal: A ficção de Âlvares

Este brevísimo recorrido por la literatura de corte fantástica en Costa Rica y Brasil, no es sino una insinuación sobre lo que aún falta por hacer. Para el primer caso, basta con agregar a los ya citados nombres, los de Edwin Quesada, Ricardo Blanco, Marcela Mora y quizá el más importante, por su trabajo literario y de investigación académica es el de José Ricardo Chaves. Para Brasil, ciertamente el número de autores que se haya próximos a esta tendencia supera por mucho la cantidad de Costa Rica, en este sentido, habrá que recordar el titánico trabajo de Braulio Tavares quien se ha preocupado por descubrir y releer autores brasileños. Así por ejemplo en las antologías tituladas

de Azevedo, uma literatura sob o signo do Satã. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Disponible en: h t t p : / / w w w. l u m e . u f r g s . b r / b i t s t r e a m / h a n d le/10183/2347/000318109.pdf?sequence=1 Consultado el 12 de junio, 2012. MEIRELES da Silva. Alexander. 2010. “Um monstro entre nós: a ascensão da literatura gótica no Brasil da belle époque”. En Revista do Sell. Simpósio de estudos linguísticos y literários. Universidad Federal do Triângulo Minerio. Vol. 2, Nº 1. Disponible en: http://www.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/sell/ article/view/37/51 Consultado el 3 de agosto, 2012.

Páginas de sombra: contos fantásticos brasileiros (2003),

TAVARES, Braulio. (2003). Páginas de sombra. Rio de Janeiro:

Contos fantásticos no labirinto de Borges (2005) e

Casa da Palabra: 138-143.

Freud e O Estranho: contos fantásticos do inconsciente (2007), todos pela editora Casa da Palabra, se hace todo un trabajo de investigación que aunado a una

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Notas 1 En uno de sus cuentos titulado “El guante negro” se alude a los tiempos de la dictadura de Juan Manuel de Rosas y tiene como principal virtud integrar personajes históricos del periodo con múltiples aspectos de la escritura fantástica. Enigmas, apariciones fantasmales y hechos violentos participan de una narrativa altiva y desafiante que, se cree, fue una de las primeras manifestaciones fantásticas del continente. 2 En el caso de Costa Rica los primeros textos, propiamente literarios, datan de la segunda mitad del siglo XIX. 3 Sobre su activa vida espiritista existen hoy una serie de revelaciones escritas por el médium Francisco Cándido Xavier, esto según información de la Revista Espírita (2004, Nº 4: 16) que desde 1858 es parte de un órgano internacional en el cual se revelan importantes investigaciones sobre el espiritismo.

577

578

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

FALAR COM DEUS: ESTRATEGIAS DE LEGITIMAÇÃO DA MÍSTICA FEMININA NA AMÉRICA HISPÂNICA COLONIAL

Karine Rocha UFPE / FAFIRE

Durante os séculos XVI e XVII os conventos

revelações de Deus aos místicos. Agostinho afirma que

femininos hispano-americanos são invadidos por

as revelações bíblicas foram confeccionadas com uma

uma onda de eventos extrassensoriais, atraindo para

linguagem original não convencional. Esta linguagem

si os olhos do Santo Ofício. As freiras tomadas por tais

se perde no episódio da Torre de Babel e, a partir

experiências deveriam relata-las em forma de diários

daí, Deus derrama suas verdades nos vários idiomas

confessionais, que seriam minuciosamente analisados

existentes. A dificuldade da tradução entre as línguas

pelos inquisidores. Neste processo de escritura estão

gera desentendimento e um pedido de esforço maior

escondidas várias perguntas: como falar do que escapa

por parte dos fieis. Estas dificuldades de linguagem são

ao senso comum? Estariam estas freiras completamente

apontadas por Agostinho como um castigo, à exemplo

submissas às ordens do Santo Ofício ou tudo não passava

do pecado original. Como forma de amenizar tal

de uma articulação para atrair o olhar da Igreja?

consequência, o pensamento agostiniano cria uma teoria

O místico deveria dominar a arte da retórica, saber articular as metáforas e seduzir o leitor com as palavras, através de uma racionalidade que controlaria a emoção da experiência extrassensorial. As autoridades teóricas eclesiásticas determinavam que os místicos deveriam organizar uma sequência cronológica das comunicações espirituais, ordenando tais fatos às alterações provocadas em sua alma. Os místicos dedicados ao relato de suas experiências deveriam construir uma autobiografia que mostrasse a sua ascensão espiritual e abrir espaço para que tal movimento fosse julgado pelos demais. Dos recursos mais importantes aplicados à escrita mística temos os sinais e a alegoria. Santo Agostinho, em sua obra De Magistro, irá dissertar brevemente sobre o valor da palavra diante da interpretação da bíblia e das

da linguagem que irá definir as palavras como signos e estabelecer as suas funções: Entre os sinais, alguns são naturais e outros convencionais. Os naturais são os que, sem intenção de significação, dão a conhecer por si próprios alguma outra coisa além do que são em si. Assim, a fumaça é sinal de fogo. Ela o assinala sem ter essa intenção. (AGOSTINHO, 7 , II: p. 106)

Já a segunda categoria é dada convencionalmente pelos seres humanos. Aqui podemos lembrar os estudos de Saussure sobre significante e significado. Em seu Curso de Linguística Geral, Saussure afirma que toda expressão aceita em determinada sociedade está vinculada a uma convenção, ou seja hábitos coletivos. Um indivíduo não poderia mudar por si só o significado de determinado signo, pois este apresenta uma formação histórica que

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

579

lhe assegura tradição. Para os místicos, no momento

eram alvo de inveja, intrigas, fofocas e maus tratados

da codificação das mensagens divinas, o conhecimento

pelas demais irmãs de ordem. Josefa del Castillo relata

de tais signos seria de fundamental importância graças

que se viu obrigada a se alimentar de flores porque lhe

ao impacto que tais escritos deveriam produzir na

fora negado até o pão nos momentos de refeição. Além

população.

disto, ainda existiam os sofrimentos físicos. Doenças

Além destes, seria de extrema importância conhecer e saber usar os sinais propria e res-cosa. Os primeiros serviam para designar outra coisa que há sido instituída para significar. Michel de Certeau (2000: 91) afirma que estes signos trabalham com modelos que foram criados para designar algo diferente do que eles realmente são. Já res-cosa são os símbolos que o místico recebe de Deus. Para Agostinho, res-cosa é usado para falar de pessoas, tempos e lugares relacionados com a natureza divina. O ser humano não é capaz de interpretar estes signos naturalmente, sendo necessário aprender esta tarefa. A união de todos estes signos irá gerar alegorias, que Agostinho dividiu em: theologica, historiae e factis.

misteriosas que as deixavam prostradas na cama, febres, períodos de letargia que aumentavam o padecer da vida terrena. Todos estes sofrimentos, no entanto, deveriam ser suportados com paciência, à exemplo de Jó. O livro de Jó era lido minuciosamente pelas místicas e nele, diziam encontrar alívio para tanto sofrimento. Jó nos mostra que Deus estaria nos testando, através de provas constantes. Assim como Jó, deveremos suportar tudo com paciência, pois o padecimento nos levaria aos braços do Pai. O sofrimento, de acordo com a teologia, iria nos levar à momentos de humilhação e teste. Se tivermos fé suficiente para suportar tais momentos, nossa vida se reorganizará, estabeleceremos outras prioridades e iniciaremos um trabalho de autodisciplina. As freias

A alegoria theologica vem de uma vontade de

místicas nos apresentaram ao longo de toda a escritura

significar que não se encontra no ser humano, mas em

o árduo trabalho de uma luta interna. Vimos que todas

Deus. Este tipo de alegoria teria uma função estritamente

relatam uma infância e juventude governada pelos

ligada ao signa res cosa, pois seria usada em fatos que

prazeres mundanos, alterações de estilo de vida, desejo de

teriam um significado outro. O Antigo Testamento

entregar-se a Deus, humilhações suportadas em silêncio,

é composto por vários personagens cujas intenções

tendo em vista as benções da vida eterna. Jó ensina que a

estariam além do sentido material da existência,

dor é purificação da alma e não precisa, necessariamente

trazendo em si verdades instituídas pelo cristianismo.

ser compreendida, mas praticada. E para ajudar na pratica

Uma destas alegorias, muito usada pelas freiras mística,

da humilhação, as freiras se mostram conhecedoras dos

se encontra em Jó:

Exercícios Espirituais, de Santo Ignácio de Loyola:

No sé cómo podía un día tan claro, volverse noche tan pesada y triste, que ni aun memorias de la luz no quedaban; mas ahora, dándome esto confusión, he entendido que a esto está respondido con el santo Job, cuando se le preguntó: Indica mihi, si nosti, omnia, in qua via lux habitet, et tenebrarum quis locus sit: ut ducas unumquodque ad terminos suos, etc., y que así decía él: “si viniere a mí, no lo veré; y si se fuere, no lo entenderé”. Así que contra la mano del Omnipotente nadie puede ir, ni saber los caminos de la luz, ni de las tinieblas. (CASTILLO, 2007, p. 89)

The Ignatian Spiritual Exercises provided a method for the seeker to discover God’s Will for his or her actions, occupying all three faculties of the soul – memory, understanding, and will – with a specific text of biblical or doctrinal provenance. The seeker was to allow the eyes of the soul to focus on the images evoked by the text and to ask God for joy, pain, shame, or suffering according to the subject matter. The desired result was that the seeker’s affections would be moved through the use of the will, so that he or she would become disposed to submit his or her own will to that of God. (MCKNIGHT, 1997, p. 211)

Era comum entre as freiras relatarem dias tenebrosos entre as paredes do convento, quando ondas

Para os Exercícios Espirituais é de fundamental

de perseguições eram levantadas. As freiras místicas

importância que o praticante esteja aberto para as

580

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

grandes dádivas de Deus e seus tortuosos caminhos até

Jesus e ouviu: “Juana, acércate a mi”. (1993, p.97). Juana

elas. Ao início desta jornada, o fiel deve estar atento para os

era, então, seu nome antes de se tornar religiosa. A

grandes momentos de escuridão e tristeza que tem como

Virgem a consola por todas as coisas ruins presente em

objetivo alicerçar as dádivas evangélicas na alma. Nos

sua alma e lhe diz:

exercícios 6 e 7, Ignacio de Loyola afirma que é esperado do cristão, que anseia a união com Deus, fidelidade. É preciso ser fiel na espera, paciente nos momentos de turbulência e humilde diante dos dissabores. Praticando o isolamento e a humildade, as freiras iriam conseguir

Hija, ia estás perdonada, con tal que luego que tengas confesor te confieses, como te tengo dicho. Quieres de tu propia voluntad desposarte con mi Hijo Santísimo? MíraLe, qué lindo que es! Te daré en prendas de Su amor este anillo que tiene en el dedo. (SAN JOSÉ, 1993, p. 98)

acalmar a turbulência de suas almas e melhor aceitar os reveses dados por Deus. Com a alegoria de Jó e os

Outro momento como este que merece destaque

exercícios ignacianos as místicas provariam que estavam

encontra-se nas memórias da equatoriana Gestrudes de

no caminho da imitação das dores do Cristo, o maior

San Idelfonso:

exemplo de amor sacrificial conhecido no mundo cristão. Já a alegoria historiae se volta para uma ordem cronológica dos fatos. Aqui, os símbolos se unem para gerar alegorias que provem a alteração dos fatos místicos no interior do religioso que escreve: Se presupone una historia. Una historia progresiva, puesto que siempre un antes designa alegoricamente un ‘después’, y no a la inversa(...). La transformación de los hechos en signos es el efecto de acontecimientos subsecuentes, y no por consiguiente está ligada a la constitución de secuencias temporales. (DE CERTEAU, 2000, p.111)

Daí vem a importância de relatar os fatos através das memórias, aliando a história da vida material a uma vida espiritual, principalmente para as mulheres, seres perigosos aos olhos da Igreja. Os arrebatamentos proporcionados por Deus deveriam gerar alterações profundas no espírito sujo destas mulheres. A autobiografia espiritual das freiras hispanoamericanas começava com a narrativa da infância. Este período da existência é relatado por todas as freiras como sujo, cheio de seduções mundanas que atraiam o espírito frágil destas mulheres, como vimos anteriormente. Depois de relatar vários episódios sobre vaidade, leituras de livros proibidos e demais aspectos da vida mundana,

Su Majestad se manifestaba a mi alma en visión imaginaria de esta suerte: Veía unas procesiones en que iba toda la comunidad de las religiosas con una imagen de Cristo Señor Nuestro, el cual llevaba una cruz a cuestas, una túnica morada, coronado de espinas, muy lastimado y afligido, con tantas penas y dolores. Iban otras religiosas inmediatas a Su Majestad. Y entre ellas me hallaba yo. Y al verme así noté que el Señor puso los ojos en mí, y entre todas me llamaba con las manos. Y luego me echaba su bendición. Y luego desapareció la procesión, de la cual quedé yo muy contenta (ILDEFONSO, 1984, p. 70).

A partir deste momento, algo se processa no interior das freiras que decidem se entregar a Deus. As freiras recorrem frequentemente a figura da Virgem Maria ou do próprio Cristo para desencadear uma série de fatos que mudaram por completo suas vidas. Quando tocadas pelo convite divino, as freiras narram um desejo forte de isolamento para dar início a jornada espiritual, como vimos anteriormente. Recolher-se do mundo, dentro das autobiografias, mostrava uma aptidão descoberta para a vida conventual. Aparições, recolhimento, todas as alegorias irão se unindo para mostrar que cada acontecimento mostrava que a freira fora escolhida por Deus, que cada passo a conduzia para o convento, cada contato com Deus limpava mais a sua alma, deixando-a mais próxima do casamento místico.

as monjas relatam um acontecimento extraordinário. A

Outro tipo de alegoria definida por Agostinho foi

madre Maria de San José relata que um dia, em sua casa,

a factis. Este recurso representaria a retórica de Deus. A

olhou para a imagem da Virgem segurando o menino

ciência e os confessores teriam como função reconhecer

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

581

a maneira pela qual Deus fala através das criaturas. Os

visível. Em uma das visões, Cristo se apresenta em um

místicos deveriam saber utilizar as alegorias católicas

mar de sangue:

de uma forma que as tornassem vivas e mais próximas dos seres humanos. A utilização da alegoria factis iria tornar mais didática a experiência mística, através das descrições de sensações antes e após o arrebatamento, dos gestos do Criador, dos propósitos divinos expostos durante a viagem da alma. Yo vivía cerca de un güertecito, y así oía, cuando se ponía el sol, volar las aves a sus nidos a recogerse. Esto enternecía tanto mi corazón y me acordaba lo que he dicho, que me daban unas ansias y deseos, que yo no sé decir de cierto cómo era. Pues a los dos años, o uno, de profesa, en yendo cayendo el sol, me iban faltando las fuerzas y mi alma se iba como desmayando o deshaciendo, de modo que yo no podía tenerme, si no es arrojándome o echándome, y como luego se seguía el ir a maitines y a oración al coro, me costaba mucho trabajo porque era como gobernar un cuerpo muerto. Yo no sé si era el alma o el cuerpo el que se dormía. (CASTILLO, 2007, p.134)

Pues estando allí, me parecía que, desde el sagrario hasta el lugar en que yo estaba en el coro, había un mar de sangre y que [f. 38 v.] Nuestro Señor Jesucristo descubría sus pies y brazos como para entrar en él; y entendía yo que para ir a Su Divina Majestad se había de pasar por el padecer; pues El pasó el mar de su Pasión para ir a su Padre, y que como los egipcios en el Mar Rojo, así quedaban ahogadas nuestras culpas en el padecer, unido con su sangre y Pasión. Paréceme me dio a entender que si fuera menester volver a entrar en el mar de su Pasión por el alma, lo haría, y la sacaría de todo lo que a ella le parecía un mar sin fin. (CASTILLO, 2007, p.140)

Esta visão do Cristo e a freira separados pelo mar de sangue, assim como a referência ao mar vermelho, significa a travessia da vida material para a vida espiritual. Os judeus deixam o Egito em busca dos deleites da Terra Prometida, Jesus Cristo percorre um calvário até retornar ao Pai. Cristo vem avisá-la

Durante quatorze anos, revela a madre Castillo, seus finais de tarde eram acompanhados de momentos de intensa letargia. A mística colombiana inicia o relato falando de aves e ninhos, figuras retiradas dos escritos de Francisco de Osuna. Religioso franciscano de grande influência na mística espanhola do século XVI, Osuna costumava afirmar que as almas que peregrinavam até Deus, pareciam pombas repousando em um ninho. Castillo afirma que a paisagem do convento se assemelhava às imagens criadas pelo franciscano, gerando uma maior facilidade para que arrebatamentos místicos acontecessem. Osuna também foi o maior divulgador da oração de recolhimento, absorvida posteriormente por Santa Teresa, e pregava que esta oração era simples, feita de maneira direta entre o fiel e Deus, sem precisar recorrer a nenhuma imagem ou outro recurso. No silêncio do recolhimento, os fieis poderiam sentir a presença divina com maior impacto. Coincidentemente, os momentos de letargia de Josefa del Castillo ocorriam durante os períodos do dia reservados para a oração de recolhimento. A freira relata que ao iniciar as preces, sentia o seu corpo ficando cada vez mais dormente, até o momento no qual o Cristo se fazia

que todos os sofrimentos são consequência de sua escolha de purificar-se. Será preciso atravessar um mar de sangue, ou seja, renúncias, sacrifícios, crises, para unir-se à ele e ao Pai. Castillo sabia que estes momentos eram uma dádiva consoladora. Ela faz conhecer na sua autobiografia todos os períodos de crise e tormentos sofridos dentro de convento, já mencionados. O Cristo a advertia que todo este mar seria atravessado e ela alcançaria a glória eterna. Mas nem sempre relatar estas visões era algo fácil. Muitas vezes faltavam palavras para descrevê-las. Todas as freiras sustentavam um discurso de que não sabiam como relatar suas experiências, que para entender seria preciso vivenciar, reclamavam de falta de capacidade intelectual e medo de exposição. Certeau(2000, p.118) afirma que através da alegoria factis, o místico irá iniciar o jogo entre revelar e o desejo de silenciar. A problemática do segredo se encontra bastante forte nos místicos e acrescentamos que se torna mais marcante na escritura das mulheres. Este jogo é iniciado nas primeiras linhas das confissões, camuflado através de um discurso de incapacidade escritural e se desenvolve ao longo do texto:

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

582

(...) el confesor me manda escribir estos favores y misericordias del Señor; es imposible que a mí me encargue obra tan dificultosa. Yo soy una ignorante , y menos que nada, cómo haré cosa de provecho? Eso no, no hablará conmigo el mandato (ILDEFONSO, 1984, 60).

Este desejo de esconder, mas ao mesmo tempo

discurso místico. As freiras místicas atraiam para si os olhares a Igreja com o objetivo de ganhar poder dentro do convento, se fazerem figuras notórias na comunidade onde viviam e lograrem o status de santas.

Referências bibliográficas

ter que revelar cria um processo que irá unir o que conhece o segredo e o que busca conhecê-lo. Novamente

AGOSTINHO, Santo (1980): De magistro. São Paulo: Abril

de Certeau (2000, p.118) afirma que o místico tece uma

Cultural.

teia para capturar o leitor, seduzi-lo e fazê-lo quer que sua experiência seja legítima. Josefina Ludmer em seu artigo Tetras del débil afirma que entre as freias místicas e os

AHLGREN, Gillian (1998): Teresa of Ávila and the politics of sanctily. Thaca: Cornell University.

confessores esta teia incluía elementos como submissão

CASTILLO, Josefa (2007). Su Vida. Caracas: Fundación

e poder. Esta relação se revela através de jogos sutis

Biblioteca Ayacucho.

nos quais as freiras afirmam que não querer revelar, mas revelam. Firmemente se confessam ignorantes, mas podemos perceber que isto não é verdade. Já constatamos que as freiras conheciam a, considerada, ciência mística e suas estratégias de legitimação do

CERTEAU, Michel (2000). The mystical fable. Chicago: The University of Chicago Press. FRIGUETTO, Renan (1997):O modelo de vir sanctus segundo o pensamento de Valério do Bierzo. In: Helmantica. XLVIII /

discurso. Utilizavam-se de várias alegorias bíblicas,

145-146. Salamanca: Universidad Pontifícia de Salamanca.

mas afirmavam serem incapazes de decifra-las, sendo

IDELFONSO, Gertudris de San(1999): La perla mística escon-

necessária a figura do confessor. Podemos concluir que a mística como ciência se faz entorno do processo de linguagem, muito bem conhecido pelas freiras, embora estas sempre se confessassem ignorantes. Esta linguagem irá determinar a natureza dos acontecimentos, gerar debates. Os religiosos místicos deveriam, através do domínio da metáfora e das alegorias, saber ordenar a sua alma, construir um roteiro de crescimento espiritual e encaixa-los dentro de regras que iriam julgar sua caminhada. Tanto o confessor quanto o confessante deveriam dominar a arte da retórica, sentir a sutileza das construções sintáticas, saber revelar / interpretar cada comunicação com o mundo espiritual. Dominar esta ciência era de fundamental importância durante o período da Inquisição. Dentro dos conventos femininos, a presença de confessores capacitados em tal ciência se fazia imprescindível. Essa necessidade será perpassada para os conventos do Novo Mundo, nos territórios dominados pelos espanhóis. As freiras possuidoras de dons extrasensoriais deveriam confessar-se de maneira escrita, para melhor ser analisada pelos confessores, pois a mística vivenciada em um corpo feminino era algo extremamente perigoso. Estas, no entanto, apesar de afirmarem-se como seres ignorantes e necessitadas da presença masculina, conheciam bem as regras do

dida en la concha de la humildad. In Letras de la audiencia de Quito. Caracas: Fundación Biblioteca Ayacucho. LUDMER, Josefina. Tretas del débil (1984) Ed. P.E: González y Eliana Ortega.Huracán: San Juan Ediciones. MCKNIGHT, Kathryn Joy (1997). The mystic of Tunja. Amherst: University of Massachusetts Press. MYERS, Kathleen (1993): Word from New Spain: The Spiritual Autobiography of Madre María de San José (1656-1719). Liverpool: Liverpool University Press.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

583

PERCORRENDO A TRAJETÓRIA DA FORMAÇÃO INICIAL DO PROFESSOR DE E/LE

Kelly Cristiane Henschel Pobbe de Carvalho UNESP Rozana Aparecida Lopes Messias UNESP

Introdução

Dentre os temas discutidos, apresentamos, neste texto, as experiências vivenciadas pelos alunos,

Cientes do crescimento da oferta de ensino

em atividades de docência (formação inicial), em um

do espanhol em nosso país e, ao mesmo tempo, da

Centro de Línguas e Desenvolvimento de Professores.

séria responsabilidade que deve assumir o educador,

Desde o ano de 2010, vimos desenvolvendo atividades

nesse novo contexto, ressaltamos a necessidade de

de supervisão junto aos cursos de espanhol oferecidos

reflexão sobre o processo de formação de professores

no Centro de Línguas e Desenvolvimento de Professores

de espanhol/LE.

(CLDP)1, um Projeto de Extensão que se configura como

O trabalho que ora apresentamos integra a proposta de compartilhar e discutir, no contexto do VII Congresso Brasileiro de Hispanistas, propostas de projetos que estão sendo desenvolvidos no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão, em cursos de graduação em Letras – Espanhol, em algumas instituições públicas do Estado de São Paulo. Tais projetos se propõem a investigar e a repensar estratégias que possam, de forma direta ou indireta, contribuir para aprimorar a qualidade do ensino dessa língua, que sejam, principalmente, coerentes com as “novas” demandas. Acreditamos que essas discussões podem

uma parceria entre os Departamentos de Educação e de Letras Modernas da UNESP/Assis, com o apoio da PROEX – Pró-Reitoria de Extensão da UNESP. Nesse contexto, objetivamos criar um espaço de formação inicial assistida e de assessoria e, ao mesmo tempo, investigar as principais dificuldades linguísticas e metodológicas que professores, em seu processo de formação inicial, apresentam em relação ao processo de ensino-aprendizagem de espanhol/língua estrangeira, bem como observar as estratégias que são utilizadas para superá-las e construir, com os participantes do projeto, algumas propostas de encaminhamentos.

contribuir no sentido de nos indicar, de forma mais

Para desenvolver essa investigação, são utilizados

sistemática, que passos podem ser tomados em direção

os pressupostos da pesquisa qualitativa, com ênfase: (A)

ao aprimoramento da formação de professores de E/LE,

no desenho da pesquisa narrativa, tendo como base

nos cursos de graduação.

as histórias da prática desses docentes principiantes e (B) da pesquisa-ação, que prevê as seguintes etapas:

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

584

identificação, planejamento, ação e resultados (TELLES,

professores responsáveis pela supervisão dos estágios

2002). Segundo Telles (2002, p. 104), esse tipo de

de observação e regência e docentes encarregados

pesquisa:

pela consultoria das línguas específicas nele ensinadas (Alemão, Italiano, Japonês, Inglês, Espanhol, Francês,

É frequentemente utilizado por um grupo de docentes ou um pesquisador trabalhando junto a esse grupo para tentar compreender, de forma sistemática e de ação planejada, a prática do cotidiano escolar, o efeito de uma determinada intervenção pedagógica, ou ainda buscar possíveis soluções para um determinado problema ou respostas de um grupo (de professores ou alunos, por exemplo) a uma determinada ação pedagógica dentro da sala de aula ou da escola, [da universidade]. Os participantes da pesquisa têm participação ativa e determinante no movimento e direção das ações do estudo.

Os participantes são alunos-professores (alunos da graduação em Letras – habilitação em espanhol) que atuam no CLDP, ministrando aulas de espanhol para a comunidade interna e externa ao câmpus, como parte de seus estágios de regência. Como forma de implementar essas ações, realizamos reuniões de orientação e/ou entrevistas semi-estruturadas, as quais são gravadas em áudio. Subsequentemente, as gravações são transcritas, gerando dados para o desenvolvimento da pesquisa. Neste artigo, apresentamos uma análise ainda inicial dos resultados e discussões abstraídos dos dados, até então coletados.

Mandarim, Português – língua estrangeira), além de alunos monitores que desempenham a parte de organização (matrículas, organização e divisão das turmas, agendamento de salas etc). Dentre os objetivos do CLDP, destacamos, basicamente: 1) oferecer cursos de línguas estrangeiras, em diferentes níveis, à comunidade em geral (ministrados pelos alunos de graduação em Letras, com a supervisão dos docentes da universidade); 2) criar o contexto pedagógico necessário à pesquisa, à formação e ao desenvolvimento do professor de línguas estrangeiras; 3) oferecer cursos de extensão e de aperfeiçoamento para professores de línguas estrangeiras que já atuam no mercado de trabalho (cursos de formação continuada); 4) criar um espaço de orientação e supervisão para os alunos-professores (professores-iniciantes; professores em formação); 5) Oferecer o espaço de pesquisa e coleta de dados nas áreas de (a) formação do professor de línguas, (b) ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras (presencial e a distância), suas abordagens e métodos, (c) aquisição de línguas estrangeiras e (d) linguística aplicada.

O contexto da pesquisa: Centro de Línguas e Desenvolvimento de Professores Para lidar com questões de competência linguística e de formação que são tão desafiadoras, iniciamos esta investigação no contexto de ensino e prática de Língua Espanhola dos alunos de Letras da UNESP-Assis. Esse estudo, conforme já mencionamos, é desenvolvido como parte das atividades que são executadas no Centro de Línguas e Desenvolvimento de Professores da UNESP-Assis (CLDP).

Percorrendo o caminho: questões aplicadas à formação No contexto do CLDP, buscamos seguir uma orientação baseada no ensino de língua estrangeira para o uso, para a comunicação efetiva. No caso específico do espanhol, salientamos relevantes transformações ocorridas nas formas de compreensão da importância e do espaço que essa língua tem ganhado nas últimas duas décadas, em nosso país. Por um lado, há questões políticas e econômicas que envolvem sua aprendizagem

Tal projeto conta com uma equipe administrativa

efetiva, tendo em vista os acordos internacionais

composta por coordenador e vice-coordenador,

com nossos vizinhos de fala hispânica oriundos do

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

585

Mercosul. Por outro lado, está a LDB (1996) que indica

No discurso dos alunos-professores é narrada,

a possibilidade de uma segunda língua estrangeira

com muita frequência sua dificuldade e, ao mesmo

como obrigatoriedade no contexto da escola pública

tempo, seu empenho por desprender-se do “modelo

e, sobretudo, do Ensino Médio. Reforçando essas

tradicional” de ensino de LE: em geral, manifestam tal

prerrogativas, é aprovada a Lei 11.161 (2005) que institui

consciência, no entanto, não sabem muito bem como

a língua espanhola como obrigatória no Ensino Médio.

desenvolver esse “outro” modelo, como se nota no

Obrigatoriedade que, paulatinamente, mesmo que com

fragmento:

maior vagar e menor organização do que desejamos, vem sendo implementada. Nesse sentido, Celada e Rodrigues, (2005, p. 9), entre outras questões, salientam a importância de: Trabajar la enseñanza del español sin sacrificar el real de esa lengua, para que no llegue al fracaso del inglés: abriendo la mayor cantidad posible de sentidos por los cuales vale la pena el aprendizaje de una lengua extranjera, sin reducirla al estereotipo sin vida de un simulacro de lengua vehicular, por ejemplo. La lengua española debería mostrar los saberes y caminos por los cuales un sujeto puede transitar, des/reterritorializándose a partir de la materna y, en este sentido, satisfaría todas las anticipaciones que un brasileño proyecta a su respecto cuando la va a estudiar: lengua de cultura, de rica bibliografía, lengua hablada en muchos países, lengua de la solidaridad latinoamericana, etc.

De forma paralela, a investigação em questão tem como princípio norteador impulsionar a crença em um ensino de língua estrangeira reflexivo e dialógico, fundado em uma visão sociointeracionista da linguagem (VYGOTSKY, 1934 e BAKHTIN, 1994). Também serviram de aporte os pressupostos dos PCN para o ensino de LE (1998), as Diretrizes Curriculares

“... encontrei dificuldades no modo de ensinar, pois não queria cair no método tradicional, desejava trazer atividades diferenciadas, um método de exposição que despertasse o interesse do aluno. Quanto a esse desejo tive dificuldades, pois não sabia muito bem como elaborar as atividades, o que fazer. Deste modo, pelo uso de músicas e vídeo ser muito atrativo para os discentes, sempre procurava canções onde pudesse trabalhar certo tempo verbal, ampliar o vocabulário, praticar a compreensão oral.”

Além disso, relatam constantemente dificuldades em relação a aspectos gramaticais desenvolvidos em sala de aula, o que revela, de certo modo, duas questões: a persistência dos conteúdos estritamente gramaticais em suas aulas, bem como a conscientização de suas próprias deficiências linguísticas e domínio do idioma estrangeiro. O excerto a seguir ilustra o que observamos: “E foi a aula mais tensa, com pronomes complemento, foi a aula que eu tive vontade de parar e sair correndo, porque eu falava eu mesmo não entendia, eu pensava será que eles tão entendendo, será que eles tão com as dudas aclaradas claras ou não, acho que no fim das contas eles entenderam, mas que foi difícil pra mim foi, foi complicado.”

para o Curso de Letras (PARECER CES 492/2001), e as

Tais dificuldades demonstram a existência

Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM,

de algumas lacunas na formação linguística e no

2006), que salientam, entre outras questões, o perfil

domínio do idioma. Nesse aspecto, a contribuição

esperado de um professor formado em Letras, aqui, mais

deste projeto tem sido bastante efetiva, não apenas aos

especificamente, de Espanhol/LE, no contexto brasileiro.

alunos-professores, ao promover a conscientização

Dessa forma, procuramos desenvolver a análise dos dados, observando as dificuldades e êxitos dos participantes, correlacionando-as a tais princípios norteadores. Dentre os vários aspectos observados, apresentamos a seguir, aqueles que, por sua recorrência, merecem maior atenção.

sobre a necessidade de aprofundar tais conhecimentos linguísticos, de maneira a superar tais dificuldades, como também a nós, professores formadores, pois podemos, também, estar falhando nesse processo. Quanto ao tratamento da variedade e à própria compreensão da realidade múltipla da língua espanhola,

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

586

observamos ainda um certo receio e dificuldade de

auto-reflexão assessorada e compartilhada e, ao mesmo

considerá-la como parte integrante e natural, embora

tempo, uma mudança de direção e visão em relação ao

em nossa orientação teórico– metodológica essa

seu curso, sua formação e atuação como professores de

questão tenha sido amplamente discutida, enfatizada

espanhol/LE. O fato de compartilharem suas histórias

e valorizada. No fragmento abaixo, por exemplo,

faz com que se sintam assessorados e lhes dá segurança

observamos o receio quanto à utilização da variante

para lidar com suas dificuldades. No trecho a seguir se

argentina (uso do voseo, pronúncia com yeísmo, seseo)

nota, por exemplo, em relação ao tema das variedades,

por parte de um dos alunos que teve experiência de

o redimensionamento e a consideração, em outro

intercâmbio com este país e que, portanto, assimilou tal variante. “Eu tenho que me controlar, porque eu acabo conjugando o verbo com vos, eu falei gente desculpa a conjugação do verbo, aí eu pedi desculpa no começo assim né, mas depois eu acabei voltando, sempre que eu conjugava eu acabava usando as duas formas, o que eu achava legal também, porque eles viam que existia mais uma forma de conjugar o verbo.”[...] outra coisa que eu tenho ficado um pouco assim era com a minha pronúncia... querendo ou não eu acabei pegando um pouco a forma como os argentinos pronunciam.”

Diante disso, as discussões e orientações no CLDP possibilitaram rever e, ao mesmo tempo, reforçar e aprofundar a necessidade de considerar, no contexto de aprendizagem do espanhol/LE, sua ampla variedade linguístico-cultural. Essa atitude é fundamental para garantir maior coerência em relação aos objetivos de aprendizagem dessa língua estrangeira: “adquirir habilidades que nos permitem transitar por várias culturas, ser receptivo às diversidades, inclusive as linguísticas” (GOETTENAUER, 2005, p. 64). Observamos, assim, no decorrer dessa trajetória que vimos construindo e analisando, muitas mudanças de atitude frente à sua prática de ensino, o que demonstra, em certa medida, a contribuição do projeto no processo de desenvolvimento e formação desses alunos. A oportunidade de vivenciar e experienciar o “ser professores” ainda na graduação, com o apoio e respaldo dos docentes orientadores e colegas, tem gerado uma postura mais crítica, consciente e reflexiva aos participantes. Muitas das dificuldades e anseios por eles descritas e apontadas constituem objeto de discussão conjunta, em nossas reuniões, possibilitando-lhes uma

momento, desse aspecto nas aulas do CLDP: “Com relação ao conteúdo, tentar trabalhar as variedades linguísticas do espanhol em sala de aula de forma natural, sem confundir a cabeça dos alunos, me pareceu o maior desafio, já que esse semestre eu foquei mais nesse aspecto, dando uma aula de certa forma, muito diferente das “tradicionais”, o que me deixou bastante apreensiva, mas me parece que no final deu certo.”

Além dos aspectos apontados, podemos ainda destacar, a partir da análise desenvolvida até então, uma série de questões igualmente relevantes que emergiram nessa trajetória. Tais questões podem ser assim sintetizadas: (a) os alunos-professores, em geral, buscam autonomia na seleção de materiais e formas de trabalhar em suas aulas, todavia esperam o auxílio dos orientadores. Tais orientações, portanto, são essenciais para que se sintam mais seguros de sua prática; (b) o processo de seleção de métodos e materiais didáticos mostra-se voltado para o eu/professor. Os alunosprofessores seguem materiais e metodologias que julgam exitosas no seu processo de aprendizagem de línguas; (c) pelo observado nos relatos, um dos maiores problemas aventados, do ponto de vista desses professores, é a heterogeneidade de grupos de alunos e a dificuldade de lidar com o outro, com as diferentes formas de aprendizagem; (d) questões conflituosas, comuns nos cursos de idiomas, tais como a evasão, provocam desconforto nesses professores iniciantes, que muitas vezes, compreendem a evasão como um sinal de falha no seu modo de ensinar, deixando de observar outras questões contextuais relevantes que originam tal fato. Com base nos dados até aqui observados, podemos afirmar que essa modalidade de pesquisa, co-

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

587

construída no processo de observar, coletar, analisar,

O projeto do CLDP tem, até o momento, de-

compartilhar e discutir as experiências trazidas pelos

monstrado suprir tal deficiência. Além de configurar-se

alunos-professores de suas atividades de docência, nas

como um amplo espaço de desenvolvimento profissional

aulas do CLDP, pode auxiliá-los na conscientização

do professor de E/LE (pois suas atividades complemen-

de suas dificuldades, assim como na compreensão

tam a qualidade da formação acadêmica), constitui-se

dos processos de reflexão entre teoria e prática e sua

como um lugar de diálogo, tão necessário, entre as di-

importância para a efetivação de contextos significativos de ensino-aprendizagem. Essa postura é essencial para

versas disciplinas da graduação em Letras, em especial as de línguas estrangeiras e suas respectivas práticas.

uma formação mais sólida e propiciadora de autonomia, e, em decorrência, responsável por suas práticas futuras como profissionais críticos e reflexivos.

Todavia, apesar de cientes da relevância do projeto CLDP no interior de um curso de formação de professores de línguas, sabemos que sua configuração como projeto de extensão não sustenta uma estrutura

Algumas considerações

que possa atender a todos os alunos do curso de Letras da UNESP de Assis. Essa é, sem dúvida, a demanda a que nos dedicamos, no momento: institucionalizar e

Conforme assinala Eres Fernández (2008, p.

estruturar o CLDP para que todos os alunos possam

280), é necessário, frente às novas demandas e ao fato

ter acesso a um espaço de construção compartilhada

de que muitos docentes não investem numa formação

do conhecimento docente. Acreditamos, assim, que esse

permanente, que a formação inicial nos cursos de

acompanhamento seja o grande diferencial na formação

graduação seja cuidadosamente planejada e realizada.

de um professor de línguas crítico e consciente do seu

“Tanto as disciplinas vinculadas ao Bacharelado

papel social.

(língua, literaturas, lingüística, estudos literários etc., etc.) quanto aquelas relacionadas à Licenciatura (...) devem articular-se de maneira a que o futuro professor

Referências bibliográficas

conclua seu curso com uma visão ampla e ao mesmo

BAKHTIN, M. (1997) Estética da criação verbal. 2. ed.

tempo profunda das principais questões relativas ao

Tradução a partir do francês de Maria Ermantina Galvão G.

idioma e ao seu ensino.” (ERES FERNÁNDEZ, 2008,

Pereira. São Paulo: Martins Fontes.

p. 280)

_____ (1994). Marxismo e Filosofia da linguagem. São Paulo:

Infelizmente, a universidade, em geral, atribui às disciplinas de prática de ensino uma configuração que impede a criação de um contexto real de supervisão e orientação de estágios. Muitos professores supervisionam mais de setenta alunos, ao mesmo tempo, o que impossibilita o acompanhamento personalizado e presente, necessário para auxiliar o discente no processo de construção de sua própria prática. Assim sendo, por essa e outras questões que se tornaram tema de grandes

Hucitec. BRASIL (2006): Orientações Curriculares para o Ensino Médio: Conhecimentos de Espanhol. Brasília: Ministério de Educação/ Secretaria de Educação Básica. BRASIL (1998): Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto. Ciclos do ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental/ Secretaria de Educação Fundamental/ MEC/SEF.

discussões no contexto dos cursos de licenciatura, é

CELADA, M. T. e RODRIGUES, F. dos S. C. (2005): El español

urgente a revisão dessa disciplina no contexto dos cursos

en Brasil: actualidad y memoria. Em: Real Instituto Elcano,

de licenciatura.

área: Lengua y Cultura – ARI, Nº 31.

588

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Diretrizes Curriculares para o Curso de Letras (PARECER

no Brasil: passado, presente e futuro, p. 61-70. São Paulo:

CES 492/2001) – http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/

Parábola.

CES0492.pdf. Acessado em 13/09/2012.

TELLES, João Antonio (2002): É pesquisa, é? Ah, não quero

ERES FERNÁNDEZ, Gretel (2008): As transformações no

não, bem! Sobre pesquisa acadêmica e sua relação com a

mundo do trabalho e as implicações para a formação de pro-

prática do professor de línguas. Em: Linguagem e ensino, v.5,

fessores de línguas. Em: GIL, Glória; VIEIRA ABRAHÃO,

n. 2, p. 91-116.

Maria Helena. Educação de professores de línguas: os desafios do formador, p. 275-281. Campinas: Pontes.

VYGOTSKY, L. S. (1934,1998): Pensamento e Linguagem. 2. ed. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins

GOETTENAUER, Elzimar (2005): Espanhol: língua de

Fontes.

encontros. Em: SEDYCIAS, João. (Org.): O ensino do espanhol

Nota 1 /http://www.assis.unesp.br/centrodelinguas/

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

589

A AUTONOMIA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES-TUTORES DE ESPANHOL COMO LE

Kélvya Freitas Abreu Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sertão Pernambucano Priscila Barros David Universidade Federal do Ceará, Instituto Universidade Virtual (UFC Virtual) Raquel Santiago Freire Universidade Federal do Ceará, Instituto Universidade Virtual (UFC Virtual)

Introdução

e Baptista (2010), vem reforçar o uso da EaD para a qualificação de professores na área de espanhol como

Ao longo dos últimos anos, o governo brasileiro

língua estrangeira (ELE), pois este gesto terá reflexos

tem investido na modalidade educacional a distância

no contexto educacional do ensino deste idioma, já que

(EaD) para a qualificação de professores em serviço e em

será necessário profissionais qualificados para suprir a

formação (BULLA; BONOTTO, 2008), principalmente

demanda.

após a Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº. 9394/96, que oficializou-se na política contemplar esta modalidade educacional como meio de formação, capacitação, acesso e produção de conhecimento de forma mais acessível, ao romper barreiras físicas e temporais por meio do uso do computador. Para regulamentar a EaD, o Decreto nº. 5.6221, de 19 de dezembro de 2005, a caracteriza como modalidade educacional que utiliza meios e tecnologias de informação e comunicação e desenvolve atividades educativas em lugares ou tempos diversos (BRASIL, 2005).

Diversos autores (ABREU; LIMA, 2010; BULLA; BONOTTO, 2008; MAGNO e SILVA, 2008) salientam a importância de investigar os mais diversos aspectos pedagógicos, didáticos e teóricos que subjazem o processo de formação docente na modalidade a distância. Trata-se de formar cidadãos na e para a sociedade em rede (CASTELLS, 1999), ou seja, formar sujeitos que compartilhem, agreguem e criem conhecimento de forma dinâmica por meio da interação, da linguagem em um dado contexto, no caso, o ambiente virtual. Ao compreender o novo cenário em torno da educação a distância no Brasil, emergem questões em

Outro gesto de política educacional, aliado à conjuntura de uma política linguística, a Lei nº. 11.161, em 2005, foi responsável por implementar a oferta obrigatória do ensino de língua espanhola na educação básica brasileira. Tal proposta, segundo Abreu

torno da aprendizagem colaborativa, pois entende-se que o processo de aprendizagem na EaD deve fundamentarse na interação e no envolvimento contínuo entre os participantes do ato pedagógico.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

590

Cumpre destacar que uma postura autônoma

A autonomia na formação de professores

aliada ao ensino de ELE, deve ser compreendida como a capacidade que o aprendiz desenvolve ao organizar

Conforme exposto anteriormente, o cenário

o seu próprio processo de aprendizagem. Segundo

educacional brasileiro vem ganhando novos contornos

o Diccionario de Términos Clave de ELE (Instituto

após a publicação de documentos governamentais

Cervantes), a autonomia no contexto de aprendizagem

aliados a perspectivas sobre conceitos teóricos e

deve se tornar intencional, consciente, explícita e

metodológicos envolvendo a prática educativa, ao

analítica. Relacionando a importância da autonomia

conceber a educação como elemento essencial para a

com a aprendizagem, Magno e Silva (2008) defende

formação cidadã, a formação ética, o desenvolvimento da

que um aprendiz de LE deve percorrer outros caminhos

autonomia intelectual e o pensamento crítico (ABREU,

para ampliar a sua rede de aquisição da língua somando

2011).

outras estratégias que colaborem para a fluidez e o 2

conhecimento no idioma.

De acordo com Freire (2007), os aprendizes devem ter uma participação ativa na construção do

Nesta perspectiva, surge a seguinte questão:

conhecimento, pois trazem consigo bagagens culturais

como formar professores na modalidade de EaD dentro

que são essenciais para a aprendizagem. O espaço que

de uma abordagem pedagógica pautada na autonomia?

o docente ocupa diante de tal perspectiva é o de quem

Como desenvolver posturas autônomas que possam

que acolhe, que dá voz ao outro, que espera interagir e

ser visualizadas nos discursos em ambientes virtuais de

aprender com o seu aprendiz. O docente é mediador

aprendizagem?

das interações, do conhecimento, das pesquisas;

O presente estudo busca investigar, por meio do discurso dos participantes, a autonomia nas práticas interativas em fóruns de discussão do Curso

revelando ainda uma postura de incentivo à capacidade de aprender que se constrói pela busca do saber e pela autonomia do sujeito.

de Formação Inicial de Tutores a Distância, ofertado

Para compreender este contexto de estímulo

por uma universidade federal brasileira. O trabalho

à autonomia do aprendiz, Freire (2006) propõe

discute como os professores deverão promover espaços

cinco pilares para uma educação dialógica, os quais

dialógicos em suas ações educativas na busca de

colaboram na construção de práticas significativas do

contextos de aprendizagem em que os atores envolvidos

conhecimento. São eles: o amor; a humildade; a fé nos

se tornem protagonistas do processo.

homens; a esperança; e o pensar crítico.

O estudo será baseado no conceito de autonomia

Na prática educativa, o amor consiste na

na perspectiva dialógica (FREIRE, 2006), pautando-

afetividade criada entre os envolvidos, significando o

se nos pilares freireanos, e como esta se torna uma

querer bem aos educandos. Tal cenário gera confiança

importante ação para o desenvolvimento de práticas

no contexto de sala de aula, além de respeito para com o

educativas do conhecimento do aprendiz e futuro

outro. Ao passo que a humildade pode ser compreendida

docente. Em seguida, expõe-se o elo com o ensino ELE

nas relações entre professor e aluno de forma a não ser

e como tal abordagem propicia espaços colaborativos

unidirecional ou que limite os espaços de interação por

de aprendizagem. Por fim, revelam-se os resultados das

meio de atitudes autoritárias ou constrangedoras. A fé

práticas interativas a partir das ações de valorização da

nos homens se encontra nos espaços de confiança no

autonomia e exercício da autonomia conforme Freire

outro, no sentido de demostrar que o sujeito é capaz.

(op cit).

Assim, o professor/mediador cria espaços de curiosidade

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

591

para estimular o espírito pesquisador, com o objetivo de

Daí, segundo Magno e Silva (2008), a formação de uma

instigar a autonomia de cada um e revelar, por meio do

educação autônoma, requer não somente o preparo

ambiente criado de confiança e respeito, que eles podem

teórico e metodológico dos professores, mas também o

ser investigadores. Deste modo, a esperança é a crença

planejamento das ações, aceitando situações criativas,

de que o ensino terá êxito, ela é revelada por meio das

dinâmicas e abertas ao aprendizado.

ações que transformam esta esperança em realidade, despertando energias e potencialidades nestes cenários de aprendizagem. Por fim, o pensar crítico se destaca como incentivo em criar situações ou até mesmo analisálas, discutindo soluções, inovando trajetórias, tratando

É nessa perspectiva que o presente trabalho busca relacionar uma postura autônoma com o ensino ELE no contexto de formação de professores por meio da EaD.

de construir o conhecimento de forma dinâmica e curiosa, fazendo com que os envolvidos criem uma atitude responsiva3.

Formação de professores-tutores de LE numa perspectiva autônoma

Ao refletir sobre os pilares freireanos em torno de práticas dialógicas em fóruns de discussão, David

A importância de se incentivar a autonomia do

e Castro-Filho (2009) propõem uma classificação em

discente no processo de aquisição de uma LE é necessária,

torno da dialogicidade em interações a distância, esta

pois os aprendizes são convidados a interatuarem em

que pode ser entendida como:

diversas situações de trocas comunicativas por meio

4

da linguagem em contextos extrassala. A figura do – afetividade (amor): os elementos linguísticos utilizados no discurso revelam proximidade entre os envolvidos por meio do respeito. – simetria discursiva (humildade): o conteúdo da mensagem reflete igualdade nos papeis dos interlocutores, sem autoritarismo por nenhuma das partes. – reflexividade crítica (pensar crítico): os elementos linguísticos do discurso revelam a colaboração com o conteúdo da discussão. Pode ser dividida em intrapessoal (confecção pessoal), interpessoal (contribuição nos demais discursos) ou inexistente (o interlocutor não realiza qualquer tipo de reflexão crítica). – valorização da autonomia (fé nos homens): o conteúdo das mensagens proferidas pelo professor/ tutor/mediador estimula a participação dos envolvidos quer seja por meio de questionamentos ou exigindo explicações. – exercício da autonomia (esperança): as respostas dos alunos revelam interesse no conteúdo discutido, ademais de buscarem complementar as questões levantadas com outras fontes de conhecimento.

Nota-se, contudo, que “nas condições de verdadeira aprendizagem os educandos vão se transformando em reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente sujeito do processo” (FREIRE, 2007, p.29).

professor/mediador neste espaço de interação ganha novas orientações, uma vez que além de seu preparo teórico para ensinar um dado conteúdo, ele passa a incentivar espaços de iniciativas próprias que levem a aprendizagem e postura autônoma de todos. Abreu e Baptista (2010), ao refletirem sobre o agir dos professores de espanhol na educação a distância, revelam que o docente, “denominado tutor”, tem “o caráter estimulador e mediador desse conhecimento; cabe a ele orientar o processo de aprendizagem” (p.35). Nesse estudo, verificou-se que os próprios profissionais sentiam dificuldades em criar espaços de autonomia devido à configuração já enraizada das práticas escolares regulares de um ensino bancário. No entanto, estes mesmos sujeitos entendem que o agir educacional é outro, e exige-se que o profissional da EaD tenha em si a característica de estimulador do conhecimento e que abra espaços para romper determinadas hierarquias sem denominar uma única pessoa como detentora da verdade, do saber.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

592

Nesta mesma direção, a pesquisa de Saldanha e

em um momento de amadurecimento dos conteúdos do

Melo (2010), revela que, em fóruns de espanhol como

curso, tendo os estudantes (professores em formação) já

LE, é importantíssimo criar espaços de aprendizagem

passado pelas orientações iniciais de quem está sendo

colaborativa e de construção coletiva, nos quais

introduzido na modalidade.

tenham: “questionamentos, recomendação de leitura, explicações, dialogicidade, estímulo por parte dos tutores, compartilhamento de experiências pessoais, aproximação, cordialidade, etc.” (p.13). Observa-se, portanto, quão necessário e oportuno é investigar os cenários de interação em ambientes virtuais de formação docente.

O Estudo

A análise será processada com base nos discursos produzidos nos fóruns, seja do tutor seja dos cursistas. As categorias de análise foram baseadas no estudo de David e Castro-Filho (2009), buscando-se detalhar as duas categorias que correspondem à prática da autonomia no processo dialógico:

1) como as mensagens do tutor estimulam as contribuições dos cursistas com o ato educativo (Valorização da Autonomia); e

Esta pesquisa teve como objetivo investigar, por

2) como as mensagens dos cursistas revelam

meio do discurso dos participantes, a autonomia nas

o interesse pelo aprofundamento dos conteúdos,

práticas interativas em fóruns de discussão do Curso

mediante uma postura proativa no intuito de

de Formação Inicial de Tutores a Distância, ofertado

enriquecer o debate (Exercício da Autonomia).

por uma universidade federal brasileira. O contexto de investigação foi a turma composta por tutores de espanhol, em 2011.2. Ofertado em nível de extensão, com uma carga-horária de 90 horas/aula, o curso teve como objetivo capacitar professores da área de língua espanhola a atuarem no curso de licenciatura em letrasespanhol semipresencial desta instituição. A plataforma virtual que deu suporte à formação foi o SOLAR (Sistema On-line de Aprendizagem)5. Cumpre destacar que as principais atividades desenvolvidas pelos cursistas foram: a leitura das aulas, atividades individuais e em grupo, discussão em chats e fóruns. A análise dos dados coletados para o presente

O primeiro fórum (Fórum A) teve um total de 268 postagens, enquanto o segundo (Fórum B) teve 273. Deste total, coube ao tutor-formador e aos tutores em formação os seguintes dados:

Fórum A

66

24,6%

Número/ Percentual de mensagens dos tutores em formação 202 75,4%

Fórum B

55

20,1%

218

Valorização da autonomia e Exercício da autonomia

Número/ Percentual de mensagens do tutorformador

79,9%

Número/ percentual total de postagens 268

100%

273

100%

Tabela 1: Quantidade e percentual de mensagens enviadas pelo tutor-formador e tutores em formação aos Fóruns A e B.

estudo foi pautada nos cinco pilares dialógicos de Freire

De acordo com os dados da Tabela 1, percebe-

(2006) e em torno da dialogicidade em interações a

se que tanto no fórum A como no B, o tutor participou

distância (DAVID; CASTRO-FILHO, 2009). Para o

ativamente contribuindo com 24,6% e 20,1%,

escopo desta pesquisa, foram selecionados dois fóruns

respectivamente, do total de postagens. Ao passo que

do curso (o 4º e o 5º, de um total de seis), intitulados,

os participantes contribuíram com 75,4% e 79,9% do

respectivamente: Ação tutorial e Administração

universo total de mensagens.

pedagógica em fóruns virtuais. Tal escolha se deveu à temática dos mesmos como também por terem ocorrido

Neste estudo, propõe-se que a categoria Valorização da Autonomia, observada especificamen-

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

593

te em relação às mensagens do tutor-formador, seja

problematizador nas interações a distância, propondo

investigada segundo três aspectos:

situações que incentivem os estudantes à participação.

1) Mensagem de iniciação – representa o turno introduzido, o primeiro momento de incentivo à interação no fórum, quer seja através de orientações da dinâmica, ou mesmo de um dado tópico de discussão. 2) Mensagem de resposta – indica o estímulo em dar feedback aos cursistas.

Por sua vez, a categoria Exercício da Autonomia, aplicada especificamente às mensagens dos cursistas, foi investigada segundo os seguintes aspectos: 1) Iniciação – refere ao processo de o participante introduzir um tópico ou um questionamento relacionado à temática do

3) Mensagem de outras intervenções – estão

fórum.

incluídos avisos ou orientações que não

2) Resposta ao tutor – correlacionada ao

se relacionam à temática do fórum, como

retorno dado ao questionamento fornecido.

indicar que determinada postagem deve ser feita por email, por exemplo. Não representa valorização da autonomia.

3) Resposta ao colega – inter-relaciona-se ao retorno que o tutor-formador faz ao colega de curso. Surge como ajuda ao trazer links, textos ou tentativa de explicitar a dúvida de

Valorização da autonomia

Número e percentual de

Total e percentual

mensagens

de postagens

Iniciação – Fórum A

11

16,7%

Resposta – Fórum A

52

78,8%

3

4,5%

Iniciação – Fórum B

8

14,5%

Resposta – Fórum B

45

81,8%

2

3,6%

Outras intervenções – Fórum A

Outras intervenções – Fórum B

maneira colaborativa. 4) Resposta ao tutor e ao colega – indica a resposta de forma a fazer menção ao

66

100%

questionamento do tutor bem como do colega de curso, somando ideias.

55

100%

Tabela 2: Quantidade e percentual de mensagens enviadas pelo tutor-formador aos Fóruns A e B

Entre as mensagens enviadas pelo tutor pode-

5) Outras intervenções ao tutor – não se relaciona à categoria exercício da autonomia, uma vez que diz respeito a outro tipo de postagem que não se interliga à temática do fórum.

-se verificar que 95,5% e 96,3% (soma das categorias

6) Outras intervenções ao colega – não

iniciação e resposta) indica a valorização da autonomia

se relacionam à temática do fórum,

por parte do docente, ao estimular os discentes a parti-

como: trazer um comentário de feliz

ciparem dos fóruns de forma ativa e consciente.

aniversário, por exemplo. E de igual modo

Em interações a distância, o professor movido por fé nos homens (FREIRE, 2006) reconhece e valoriza a autonomia, a criatividade e a inquietude de seus estudantes. Compreende-o como um ser inconcluso que se encontra em um movimento constante de busca por novos conhecimentos. Cria, portanto, um ambiente

não representa exercício de autonomia.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

594

Exercício da autonomia

Número e percentual de mensagens

Iniciação – Fórum A

16

7,9%

Resposta ao tutor – Fórum A

50

24,8%

Resposta ao colega – Fórum A

70

34,7%

Resposta ao tutor e ao colega – Fórum A

32

15,8%

Intervenção outra ao tutor – Fórum A

10

5,0%

Intervenção outra ao colega – Fórum A

24

11,9%

Iniciação – Fórum B

12

5,5%

Resposta ao tutor – Fórum B

51

23,4%

Resposta ao colega – Fórum B

98

45,0%

Resposta ao tutor e ao colega – Fórum B

31

14,2%

Intervenção outra ao tutor – Fórum B

2

0,9%

Intervenção outra ao colega– Fórum B

24

11,0%

Total e percentual de postagens

202

218

100%

100%

Tabela 3: Quantidade e percentual de mensagens enviadas pelos tutores em formação aos Fóruns A e B

O exercício da autonomia, constatado pelo somatório das categorias iniciação, resposta ao tutor, resposta ao colega, resposta ao tutor e ao colega (ver Tabela 3) esteve presente em 83,2% das mensagens do Fórum A e em 88,1% das mensagens do Fórum B, o que

de forma efetiva com a consolidação de um espaço de trocas interativas de conhecimento e, de igual modo, produziram o saber por meio de sugestões e contribuições no dizer dos outros participantes.

demonstra uma forte disposição para o aprofundamento dos conhecimentos pessoais e coletivos nos contextos de discussão investigados.

Considerações finais

O educando movido por esperança, no dizer de

Após traçar as reflexões apresentadas e aplicar

Freire (2006), exerce autonomia na participação ativa

a análise em torno do discurso dos participantes em

dentro do processo de construção coletiva de conhe-

fóruns de discussão, conclui-se que é essencial criar

cimentos. Sente-se estimulado a ampliar seus conheci-

uma atmosfera propícia à aprendizagem pautada na

mentos por meio da pesquisa, do espírito científico e do

confiança, respeito e incentivo. Esta atmosfera, por

compartilhamento de saberes resultantes desta busca.

sua vez, acaba por desenvolver nos envolvidos atitudes

Em suas participações, cita fontes que vão além dos ma-

responsivas que terão como objetivo construir o

teriais didáticos disponibilizados no curso e tem cons-

conhecimento a várias mãos, criando uma tessitura na

ciência de sua inconclusão enquanto ser cognoscente.

qual todos aprendem e ensinam.

Verifica-se, portanto, que o conteúdo da maioria

O professor-tutor como figura de mediador é o

das mensagens revelou um interesse por parte dos tuto-

elo que instaura este ambiente, que instiga e impulsiona

res em formação e do o tutor-formador em colaboraram

a ter a sede do saber. Logo, ao vivenciar isto em sua

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

595

formação, os profissionais são convidados a construir

DAVID, P. B.; CASTRO-FILHO, J. A. Dialogicidade em

esta cultura de aprender nas suas práticas de formadores

práticas interativas da área de exatas. Anais do XX Simpósio

de futuros professores de espanhol como LE. Portanto,

Brasileiro de Informática na Educação, de 17 a 20 de novembro

coadunamos com as palavras de Magno e Silva (2008)

de 2009. Florianópolis: UFSC, 2009.

que advoga que os professores que foram habituados a

FREIRE, P. F. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e

indagar, a questionar, a compartilhar conhecimento em um contexto sentem-se mais confortáveis e respeitados. Por conseguinte, estes, certamente, terão possibilidades de levar isto à sua prática.

Terra, 44° edição, 2006. FREIRE, P. F. Pedagogia da Autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 35° edição, 2007. MAGNO E SILVA, W. Autonomia no aprendizado de LE: é

Referências bibliográficas

preciso um novo tipo de professor? In: GIL, Gloria; VIEIRA ABRAHÃO, Maria Helena. Educação de professores de línguas – os desafios do formador. Campinas, SP: Pontes Editores,

ABREU, K.F.; BAPTISTA, L.M.T.R . O agir dos professores de espanhol no ensino a distância. In: 2º Colóquio Nacional Sobre Hipertexto, 2011, Fortaleza. Anais do 2º Colóquio Nacional Sobre Hipertexto. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará, 2010.

2008. COHEN, Andrew D., WEAVER, Susan J, & LI, Tao-Yuan. The impact of strategies-based instruction on speaking a foreign language. Minneapolis: National Language Resource Center/ The Center for Advanced Research on Language Acquisition,

ABREU, K.F. Concepções de leitura e de texto subjacentes às

1996. 48 In: PAIVA, V.L.M.O. Estratégias individuais de

provas de vestibular: constatações e implicações para o ensino

aprendizagem de língua inglesa. Letras e Letras. v. 14, n. 1,

da língua espanhola. Dissertação (Mestrado em Linguística).

jan./jul. 1998. p. 73-88.

Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2011.

SALDANHA, C.T.; MELO, N.T. A interação nos fóruns de

ABREU, K. F.; LIMA, S.P. Verificação ou avaliação: o que

discussão no curso de letras espanhol – modalidade a distância

pratica a ead?. In: Avaliar e intervir: novos rumos da avalia-

(ufsc): uma trajetória ao encontro do outro. In: Anais do IX

ção educacional, 2010, Fortaleza. Congresso Internacional

Encontro do CELSUL. Palhoça, SC, out. 2010. Universidade

de Avaliação Educacional, V. comunicação oral e pôster.

do Sul de Santa Catarina. Disponível em: http://www.celsul.

Fortaleza: Imprece, 2010.

org.br/Encontros/09/artigos/Noemi%20de%20Melo.pdf

ALVES, J. R. M. (2006). A nova legislação da EAD no Brasil. In: SILVA, Marco (Org.). Educação Online: teorias, práticas, legislação e formação corporativa, 2ª edição. São Paulo: Loyola. BULLA, Gabriela da Silva; BONOTTO, Renata Costa de Sá. Cursos de Formação de Professores de línguas a distância: reflexões sobre aspectos organizacionais e desenvolvimentais. In: GIL, Gloria; VIEIRA ABRAHÃO, Maria Helena. Educação de professores de línguas – os desafios do formador. Campinas, SP: Pontes Editores, 2008 CASSANY, Daniel. Aproximaciones a la lectura crítica: teoría, ejemplos y reflexiones. Tarbiya, 32. Revista de investigación e innovación educativa del Instituto Universitario de Ciencias de la Educación, Universidad Autónoma de Madrid, 2003.

Acessado em: 15/08/12

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

596

Notas 1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/decreto/D5622.htm 2 Entenda-se outras estratégias aquelas como cita Cohen et ali (1996 apud PAIVA, 1998): “passos ou ações selecionados pelos aprendizes para melhorar a aprendizagem ou o uso da língua, ou ambos (...) são pensamentos e comportamentos conscientes que os alunos utilizam para facilitar as tarefas de aprendizagem e personalizar o processo de aprendizagem da língua”. Ou seja, ler, assistir filmes, conversar, ouvir música na língua alvo, são alguns exemplos. 3 Atitude responsiva compreendida como o ato do “crescimento de um eu autônomo, consciente e construtivo, com opiniões próprias e com capacidade de compromisso com a comunidade” (CASSANY, 2003, p.125). 4 O trabalho dos autores visa discutir as características dialógicas presentes na ferramenta educacional fórum de um curso da área de exatas na modalidade semipresencial. 5 http://www.virtual.ufc.br/solar

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

597

A CARICATA VALENTIA E O ENREDO “CASI COMO FUE” – UMA ANÁLISE DA RELEITURA “DON JUAN TENORIO”, DE CHESPIRITO

Larissa Pujol PG-UFRGS

O mito Don Juan na comédia

século XX muito protagonizou o roteiro criado por Chespirito. Neste, o comediante faz questão de apreciar

Nos palcos do século XVII, Molière traz a versão

com alegoria a valentia apresentada pelo Don Juan,

de “El burlador de Sevilla” para a comédia, todavia com

de Zorrilla, conduzindo o enredo para a aceitação do

favoritismo aos atos do protagonista e contra ao público;

homem como um ser natural de graça, digno da “cara

isto se define, segundo Angeli e Paduano (2007), como

limpa” e preparado para o riso do público.

a transgressora comédia cujo caminho da libido é mais interessante que o bom e ridículo. A aversão do público ocorrente após a estreia deixa clara a cósmica busca

Un Don Juan “casi como fue”

pessoal de ativar-se quanto ao ser, ao sentir e ao declarar; não obstante, a rechaçada criação de Moliére, em 1665,

Don Juan Tenorio: casi como fue foi apresentada

executa a complexa reação humana de ir de encontro

em esquetes por Bolaños nos anos 70, 80 e 90, vista a

ao próprio erro, e quiçá, iniciar a transformação muito

utilização de roteiros com imperceptíveis mudanças nas

esperada pela vontade da relação pessoal livre, sem

suas versões. A presente análise conta com a adaptação

distinção entre o amor e o louco.

de 1978, a única em que o personagem El Chapulín

As convenções sociais, pouco debatidas na época, perderam espaço na travessia do tempo, tornandose regras hipócritas para aqueles que acreditavam no ser dotado de qualidades puramente enfatizadas na condição

Colorado, criação de Chespirito, assume a responsável tarefa de apresentar a obra original, aclarar pontos e fatos, como a encenação da obra antes do dia de finados na maioria dos países hispânicos.

humana, mas também própria de cada individualidade.

A utilização do herói por Bolaños assegura a

Partindo do dito pressuposto, Roberto Gómez Bolaños,

manipulação autor-intérprete para, segundo Angeli e

nos anos 70 do século XX, afeiçoa o seu Don Juan aos

Paduano (2007), a fantasia cômica dos valores morais.

caracteres do riso aproximando ainda mais a situação

Encenar a igualdade de gêneros através da transposição

entre homem, expressão e cotidiano. A avançada relação

do mito ao humano é um desafio aceito por Chespirito,

entre pessoas construída após a segunda metade do

para o qual encarrega o personagem El Chapulín

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

598

Colorado a narrar sua história “sino como pudo haber

utilizado com intuito carnavalesco, a máscara da obra

sido”. (BOLAÑOS, 1978)

original viabiliza a atração da comédia de Bolaños, na

Tratar a estética original da obra com dedicação é um dos pontos observados na adaptação de Bolaños. Entretanto, assim que o comediante introduz o riso, que é uma característica humana, assume o grande passo de aproveitar todas as expressões garantidas durante a interpretação drama-cômico no seu roteiro. De acordo com a graça, Chespirito retoma a condição física humana para detalhar o jogo cômico presente no enredo, tais como a feiura, as quedas, etc.,

qual a “cara limpa” do protagonista assume a claridade da prática do que realmente “sou”, isto é, pois, a abertura da aceitação como sujeito risório e objeto do riso – o ser humano – para, enfim, ter a possibilidade de rir de si e dos outros. Aceita a contingência, tanto do pensamento individual, como da realidade, sempre dual, onde a única verdade é a do ser em processo de autocriação, que se questiona e questiona a História, enquanto discurso de poder determinista, aspirando transformá-la. (GRAWUNDER, 1996, p. 146)

próprio da situação do palhaço. Além de obter o controle do enredo, a comédia Creado: iAh, una bruja en persona! Brigida: Ninguna bruja; soy Brígida. Creado: Es que vendote tan rígida, pensé que eras La Llorona. (BOLAÑOS, 1978).

Inserido nesta lista, o cotidiano, que aperfeiçoa nitidamente a proposta do humano por Chespirito. Don Juan: Bellísima D. Inés, frágil como uma gaviota. Está Don Juan a tus pies y tú sigues dormidota. D. Inés: iAy!, Don Juan, Don Juan. Qué dolor. Casi, casi me desmayo. D. Juan: ¿Es el dolor del amor? D. Inés: iNo! iMe estás pisando un callo! (BOLAÑOS/ CHESPIRITO, 1978)

O processo construtivo acentua a substituição

Don Juan Tenorio: casi como fue se contrasta com a falácia do mito. A atitude do protagonista, na figura do masculino, consegue libertar-se da construção “robô” do drama e criar a caricatura da “máquina de homens” contestando a hipócrita sociedade descrita no clássico. A representação da comédia se encarrega da “reapresentação” da peça ao trazer à tona as informações que estavam ocultas, como por exemplo, “ o desejo não realizado”. (SANT’ANNA, 2003, p.31) Há que se prever no roteiro de Bolaños a contestação através da linguagem de absoluta inocência, é dizer, a comédia busca a partir do discurso qual o riso causar: o desvio ou o engano.

do pensamento por outro a que se liga e, conforme João Adolfo Hansen (2006),representa e personifica abstrações. Disto parte a “criativa crítica” da realidade sobreposta à revelada no original. Como “procedimento intencional do autor do discurso” (HANSEN, 2006, p. 09), a circunstância da obra é utilizada como alegoria por Bolaños ao progredir cada momento da trama, transpondo, logo, a objetiva significação humana de viver, sem apelos às gananciosas manifestações de “macheza” impostas pelo drama. No drama, a máscara em Don Juan perfaz a obscura carência do homem enquanto ser aceitável. Embora seja um instrumento alegórico também

D. Juan: Pero tú prometerás que antes de cuatro años con nadie te casarás. D. Inés: Te lo juro y no vacilo. Al cabo ni tengo ganas. D. Juan: Ya puedo morir tranquilo... D. Inés: ¿Dijiste cuatro semanas? (BOLAÑOS, 1978) Creado: La triste repartición. iQué destino tan ingrato! Los filetes pa’l patrón y los pellejos pa’l gato. (BOLAÑOS, 1978)

Visto o diálogo, a graça concede o princípio da vontade pessoal. Chespirito aperfeiçoa o jogo interpretativo, do drama ao cômico, valendo a célebre frase de Charlie Chaplin In the end, everything is a gag.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Don Juan: Celebrar ya no podré mi cumpleaños en enero. D. Inés: ¿Por qué? Responde, ¿por qué? D. Juan: Por qué yo nací en febrero. (BOLAÑOS, 1978)

O cotidiano e o costume são instrumentos precisos na consecução da comédia Don Juan, de Chespirito. Deles, o autor extrai a ambivalência do riso citado anteriormente. Lê-se a passagem: Don Juan: No, Doña Inés no es así. Yo te quiero con locura; mas para serte sincero, traigo una duda clavada: ¿Cuándo estabas emperrada, te cuidaban con esmero? Doña Inés: Con mil cuidados prolijos. Podéis tener la certeza de mi intachable pureza. Don Juan: ¿Me lo juras? Doña Inés: iPor mis hijos! (BOLAÑOS, 1978)

A verdade que se “jura” pela felicidade dos filhos

599

“[...] o maior sinal de que ela se tornou uma arte séria” (CORVIN, 1994, p. 209). Don Juan Tenório: casi como fué torna a condição humana de rir a sua maior pureza. Os procedimentos cômicos de interpretação encontram a habitualidade da obra original, o drama de Zorrilla, e contribuem para fazer do riso uma ferramenta universal, pela qual é permitido rir de tudo economizando angústia, visto que esta se converte em “uma fonte indireta de alegria” (ROUANET, 2007, p. 222). Nas comédias, adaptações e paródias de Roberto Gómez Bolaños a procura do autêntico ocorre através do riso – o ser humano se enriquece usufruindo as próprias emoções, naturalmente indispensáveis.

é parodiada por Bolaños na “intachable pureza” que define a certeza de dois caminhos para rir e concordar com o trajeto da “risada homérica” proposta por Flaubert

Referências bibliográficas

(2009). Certamente, da falsa ignorância à virtude, a lógica

ANGELI, Concetta D’.; PADUANO, Guido (2007): O Cômico.

da igualdade humana através da inteligência irônica.

(Trad. Caetano W. Galindo) Curitiba: Editora UFPR.

Observada a passagem ao final “Brígida: Peor

BOLAÑOS, Roberto G.(1978): La historia de Don Juan Tenorio

coraje que ello, al mirar tanto difunto, es ver tantos hom-

(casi como fué). México: TELEVISA.

bres juntos y no sacarles provecho.” (BOLAÑOS, 1978),

CORVIN, Michel (1994): Lire la comédie. Paris: Dunod.

Bolaños traduz a capacidade do ser humano em querer suprir necessidades e desejos – isto lhe é natural, logo, melhor, diga-se – tornando aproveitável a convivência através da assumida habilidade cômica de se revelar / se aceitar como pessoa. Claramente, de acordo com Motta (2007), o riso proporciona na descarga prazerosa a informação e a insinuação de um pensamento e/ou anseio inoportuno. A sátira arguta das ideias, conceitos e preconceitos insere-se na comédia dos anos 70, em vídeo a cores, por Chespirito, recuperando a função desintegradora em que cada um recolhe a sua identidade e provoca a destruição

FLAUBERT, Gustave (2009): Dicionário das ideias feitas. São Paulo: Nova Alexandria. GRAWUNDER, Maria Zenilda (1996): A palavra mascarada: sobre a alegoria. Santa Maria: Ed. UFSM. HANSEN, João Adolfo (2006): Alegoria: construção e interpretação da metáfora. São Paulo: Hedra; Campinas: Ed. Unicamp. MINOIS, Georges (2003): História do riso e do escárnio. (Trad. Maria E. O. Ortiz Assumpção). São Paulo: Ed. UNESP. MOTTA, Leda T. da (2007): Proust: a violência sutil do riso. São Paulo: Ed. Perspectiva/Fapesp. ROUANET, Sérgio Paulo (2007): Riso e melancolia. São Paulo:

dos valores para se obter o “terreno livre para um novo

Cia das Letras.

desenvolvimento do indivíduo”. (MINOIS, 2003, p.

SANT’ANNA, Affonso Romano de (2007): Paródia, paráfrase

586). Revela-se, então, com personagens e atuação,

& cia. São Paulo: Ática.

que a estrutura da comédia no século XX propõe um

ZORRILLA, José (1995): Don Juan Tenorio. España: PML

riso aquém do libertário ao espectador, sendo assim

Ediciones.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

600

UMA ANÁLISE DISCURSIVA DA MULHER NA SOCIEDADE ATRAVÉS DAS TIRINHAS DA MAFALDA

Larissa Zanetti Antas PG-Universidade Federal Fluminense

A busca por um espaço cada vez mais justo, de

Quando se fala em opressão feminina, o que se

igualdade de direitos e deveres, é algo que acompanha a

pode ver é que este é um fator ainda muito recorrente.

história da mulher. Desde o início do século XIX, com

E são muitas as formas de opressão, como o preconceito

a organização do Movimento Feminista, as mulheres

da mulher seguir “profissões de homens”, como jogadora

reivindicam seus direitos, uma posição mais atuante na

de futebol, pilota de avião; a opressão estética, de esta

sociedade, o rompimento com estereótipos femininos

ter que se encaixar num padrão de beleza imposta pela

que às reduzam a uma posição de subordinação.

sociedade, sendo a mídia uma das que propaga estes

Este movimento social possui um peso muito importante e de essencial citação quando se fala sobre a luta da mulher para conquistar seus direitos. É a partir das reivindicações iniciadas pelas feministas no início do século XIX que se consegue conquistar espaços nunca antes alcançados por esta. É importante dizer que não se tratava apenas de “marcar território”, mas sim representava desconstruir pensamentos e visões machistas, de homens e de mulheres, e lutar por uma liberdade e pela não descriminação.

modelos a serem seguidos; e lógico, a opressão realizada através da violência física ou simbólica. Este trabalho visa pensar sobre a mulher na sociedade dos anos sessenta a partir da análise discursiva dos enunciados das personagens Mafalda, Susanita e Raquel1 criadas pelo cartunista argentino Quino. É importante ressaltar que toda reflexão que se propõe aqui sobre a mulher está justificada também no ensino. O tema aqui em questão se apresenta como um dos que devem ser discutidos em sala de aula, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), de 1998. O

Embora se saiba que existam várias filiações

documento apoia o ensino que forme alunos cidadãos,

teóricas feministas, sendo algumas mais radicais que

que desenvolva uma visão crítica sobre tudo aquilo que

outras, o que se pode observar é que todas lutam pelo

eles leem, comentam, escrevem. Sendo assim, alguns

fim da opressão feminina.

temas são sugeridos para que sejam discutidos junto aos

Em cada uma dessas filiações teóricas usualmente se reconhece um móvel ou uma causa central para a opressão feminina e, em decorrência, se constrói uma argumentação que supõe a destruição dessa causa central como o caminho lógico para a emancipação das mulheres. (LOURO, 1997, p.20)

alunos, os chamados Temas Transversais. É de suma importância formar estudantes que reflitam e questionem sobre os acontecimentos sociais. E, entender o processo de transformação da identidade da mulher, tem uma grande importância histórica e

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

601

social. A partir destas reflexões, pode-se entender a

“segunda onda” do feminismo, já não se lutava somente

dificuldade destas no mercado de trabalho; refletir sobre

por questões sociais e políticas.

o porquê de a mulher muitas vezes ser tachada, em vários âmbitos, como objeto; sobre o motivo da violência física ou simbólica2 por ela sofrida.

Mais de cinco décadas depois, essa batalha frente a uma sociedade machista continua, e ainda hoje podem ser encontrados movimentos atuantes como, por

Para iniciar, é importante pensarmos sobre

exemplo, a “Marcha das vadias”, que teve início em abril

conceito de identidade aqui utilizado. Segundo

de 2011, em Toronto, como forma de protesto contra

Woodward (2000), esta não é fixa e sim determinada

ao fato de alguns policiais canadenses pedirem que as

por fatores histórico-sociais. Além disso, afirma que

mulheres não se vestissem como “vadias”, pois assim

a identidade só adquire sentido através da linguagem,

evitariam estupros. Esse movimento se espalhou por

dos sistemas simbólicos pelos quais são representadas

todo mundo, procurando reivindicar direitos e proteção

e da diferença. Sobre esta última característica a autora

às mulheres.

aponta:

Refletir sobre as transformações no pensar e no

“As identidades são fabricadas por meio da marcação da diferença. Essa marcação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de representação quanto por meio de formas de exclusão social. A identidade, pois, não é o oposto da diferença: a identidade depende da diferença – a simbólica e a social – são estabelecidas, ao menos em parte, por sistemas classificatórios” (WOODWARD, 2012, p.40)

comportamento das mulheres a partir dos anos sessenta

Sendo assim, a identidade feminina encontra-se

entre 1964 e 1973, e apresenta a personagem principal

entrelaçada a acontecimentos históricos importantes, que

como uma menina de cinco a seis anos que contesta

procurou tornar visível esta que sempre fora ocultada.

os principais problemas da época, como a progressiva

Louro (1997) ressalta que as manifestações contra a

mudança de costumes, a introdução da tecnologia, a

discriminação feminina ganham mais visibilidade a

ditadura. É uma criança de seis anos que se apresenta

partir do chamado “sufragismo”, movimento criado no

inconformada com tudo aquilo que vê na sociedade,

final do século XIX para estender o voto às mulheres. Tal

procurando desconstruir as visões conservadoras sobre

manifestação passa, posteriormente, a ser reconhecida

a política, a moral, a cultura.

como a “primeira onda” do feminismo. A autora ressalta que nessa primeira etapa, as questões pautadas estavam diretamente atreladas ao interesse das mulheres brancas de classe média, e que os temas centrais de reivindicação diziam respeito ao estudo, ao ingresso em determinadas profissões, à organização familiar.

é de grande importância, pois acredita-se que se trata de uma época que marca a história da mulher. Como corpus desta pesquisa foi utilizado, como já dito inicialmente, as tirinhas da Mafalda, retiradas do livro “Toda Mafalda”. As tirinhas da Mafalda foram publicadas

Uma personagem que se apresentou rica para abordar o tema, e que apresentava um discurso sobre a mulher, como mãe e dona-de-casa, e também, uma forte crítica a esses dois posicionamentos tradicionais à mulher. A escolha por esse material foi motivada, principalmente, pela simultaneidade temporal da criação

No final da década de sessenta, há um

das tirinhas com a época de efervescência do feminismo.

crescimento no número de manifestantes, insatisfeitos

Visualizar os enunciados das três personagens femininas,

com a discriminação, a segregação, o silenciamento,

Mafalda, Susanita e Raquel, foi um incentivo para

contra a tradição machista da sociedade e da política.

criar um trabalho que pensasse sobre a construção da

Faziam parte deste público contestador mulheres,

identidade feminina em relação a dois principais eixos:

jovens, negros, estudantes e intelectuais. Na chamada

maternidade e trabalho.

602

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Os embates entre as três personagens mostra as

carreira, e atacava a sua mãe por esta ter largado os

transformações que ocorriam nos anos sessenta através

estudos para constituir uma família, sua amiga Susanita

das diferenças no comportamento de nas ideias que

só pensava em arranjar um marido rico e ter filhos, como

estas tinham. Enquanto Mafalda só pensava em seguir

podemos ver nas figuras 1 e 2.

Figura 1:

Figura 2: :

A análise das tiras selecionadas é realizada com base em perspectivas discursivo/enunciativas. Parte-se do pressuposto do princípio de que o discurso não seria representação do mundo. Ou seja, não se interpreta aqui que os enunciados das três personagens sejam reproduções exatas do que a sociedade estava passando na época com o boom do feminismo. Entende-se que estes ajudam a refletir sobre uma determinada época e sobre as mudanças que nela surgiram. Assim, como diz Maingueneau (2011), todo o enunciado irá provocar uma ação no outro, pois ao falar ou ao escrever, você está exercendo uma função no outro, logo isso não pode ser interpretado como representação do mundo. Toda enunciação irá constituir-se em um ato que visará modificar uma situação; então se um sujeito está escrevendo ou falando sobre um determinado assunto ele está querendo gerar uma modificação em

seu(s) destinatário(s). Isso significa que sempre ocorrerá uma interatividade, entre o falante e o destinatário. Toda enunciação, mesmo produzida sem a presença do destinatário, é, de fato, marcada por uma interatividade constitutiva (fala-se também em dialogismo), é uma troca, explícita ou implícita, com outros enunciadores, virtuais ou reais, e supõe sempre a presença de uma outra instância de enunciação à qual se dirige o enunciador e com relação à qual se constrói o próprio discurso. (MAINGUENEAU, 2011, p. 54)

Bakhtin (2011) diz ainda que ao ouvir o discurso o ouvinte tem uma atitude responsiva, pois ele pode concordar, discordar, ou até mesmo, usá-lo. Assim, toda compreensão é passível de resposta, e é o que faz o ouvinte se tornar falante. Bakhtin salienta que “cedo ou tarde, o que foi ouvido e ativamente entendido responde nos discursos subsequentes ou no comportamento do ouvinte” (Bakhtin, 2011, p.272).

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Nessa concepção de discurso, parte-se do princípio de que o falante e o ouvinte se influenciam, no sentido de que os enunciados proferidos pelos sujeitos provocam sempre uma reação no ouvinte, antes mesmo que este tenha respondido. O próprio falante está determinado precisamente a essa compreensão ativamente responsiva; ele não espera uma compreensão passiva, por assim dizer, que apenas duble o seu pensamento em voz alheia, mas uma resposta, uma concordância, uma participação, uma objeção, uma execução. (BAKHTIN, 2011, p.272)

Todo enunciado possui uma intenção discursiva de discurso ou uma vontade discursiva do falante (Bakhtin, 2011), isso significa que é a partir da compreensão do enunciado que se dá o entendimento do que o falante possivelmente queria dizer. Assim, pode-se dizer que a escolha do Quino de falar sobre o tema mulher em suas tirinhas tem uma intenção, uma finalidade, ponto que será discutido mais adiante. Essa vontade discursiva se inicia, antes de tudo, pela escolha de um gênero discursivo. Logo, há uma relação entre o gênero discursivo e o enunciado presente nele. Partindo da ideia de que, assim como

603

mas é também promover uma ação de reflexão no leitor através do humor. A seleção das tirinhas para análise se deu a partir do livro Toda Mafalda, de onde foi possível destacar 73 tiras que apresentavam como tema assuntos relacionados à mulher. Essa seleção não seguiu nenhum critério específico, apenas selecionou-se as que tinham referência ao tema aqui estudado. Dessa primeira seleção resolve-se encaixa-las em três grupos. O primeiro, com um total de 25, correspondendo às tirinhas que falavam sobre a mulher como dona de casa e dedicada à família e ao marido. O segundo, num total de 35, que corresponde a aquelas referentes ao universo do mercado de trabalho. Por último, com 13, um grupo que se refere a comportamentos da mulher considerados como fúteis (pela Mafalda), principalmente no que se refere à beleza. Esta é uma pesquisa que ainda se encontra em andamento, pois se trata de um projeto de dissertação de mestrado em Linguística Aplicada. Sendo assim, o que se pretende após esta divisão dos grupos é mais uma vez selecionar as tiras que serão analisadas de acordo com as teorias linguísticas e de identidade.

o enunciado, todo o gênero de discurso visa certo

O que se pretende é que a partir dessas vozes

tipo de modificação da situação da qual participa

femininas encontradas em Mafalda se reflita sobre a

(Maingueneau, 2011, p.66), pode-se dizer que o discurso

mudança no perfil da mulher dos anos sessenta e no

traz uma finalidade (intenção). É essa finalidade que irá

quanto isso esta atrelado aos acontecimentos da época.

ajudar o destinatário saber a qual gênero de discurso

Parte-se do princípio de que essas mudanças sociais são

este enunciado pertence. A determinação correta dessa

realizadas na e pela linguagem, e de que são elas que

finalidade é indispensável para que o destinatário passa

constituem a identidade dos sujeitos.

ter um comportamento adequado ao gênero de discurso utilizado (MAINGUENEAU, 2011, p.66).

Como professora, uma das minhas grandes tarefas é ensinar meu aluno a questionar tudo aquilo que

As tirinhas de Quino retratam assuntos que

chega até ele; é fazer com que ele se sinta e se porte como

seriam polêmicos de uma maneira crítica e leve, através

cidadão, para que tenha consciência dos seus direitos e

do viés humorístico. Todos os questionamentos feitos

deveres. Sendo as tirinhas um material de fácil acesso

pela personagem principal são revestidos por um toque

(são encontrados em jornais, revistas, internet) e de

de humor que começa desde o ponto de vista de que esta

preferência entre os jovens, usá-las para discutir um tema

é uma criança que está no pré-escolar, mas pensa como

que é de grande importância social parece enriquecedor.

uma adulta. Assim, pode-se dizer que a finalidade dessas

Segundo Focault (2010), a escola aparece como uma das

tiras não só são questionar um determinado assunto,

instituições de poder que determinam os modelos que a

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

604

sociedade deve seguir, a chamada por ele docilização dos

MENDONÇA, Márcia Rodrigues de Souza. Um gênero

corpos. Um posicionamento que questione estes modelos

quadro a quadro: a história em quadrinhos. In: DIONISIO,

torna os alunos cidadãos mais críticos.

Ângela Paiva; MACHADO, Anna Rachel & BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs.). Gêneros textuais & Ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

Referências bibliográficas

MUSSALIM, F. “Análise do discurso” In.: “Introdução à Linguística 2: domínios e fronteiras”. SP: Cortez, 2001.

BOURDIEU, Pierre. “A dominação masculina”. Tradução: Maria Helena Kühner. Editora Art Line. Rio de Janeiro:

NIGRO, C.M.C. “Identidades em exclusão: as personagens

Bertrand Brasil, 1999.

femininas de Tony Morrison e Maya Angelou”. In: MOITA

BRANDÃO, R. “Introdução a análise do discurso”. 2ª ed. rev.

movimentos e trânsitos, Belo Horizonte: editora UFMG, 2010.

LOPES, L.P. & BASTOS, C. Para além da identidade: Fluxos,

Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004.

SIQUEIRA, T.L. “Joan Scott e o papel da história na construção

FOCAULT, M. “Vigiar e punir: nascimento da prisão”.

das regras de gênero”. In: SCOTT, Joan. Gênero uma categoria

Tradução de Raquel Ramalhete. 38. ed. Petrópolis, RJ: Vozes,

útil para Análise Histórica. Revista Ártemis, v.8, pp 110-117,

2010.

jun 2008.

LOURO, G. L. “Gênero e sexualidade e educação: Uma

WOODWARD,K. “Identidade e diferença: uma introdução

perspectiva pós-estruturalista”. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

teórica e conceitual”. In.: SILVA, T.T. da (org). Identidade e

MAINGUENEAU, D. “Análise de textos de comunicação”. Tradução Souza-e-Silva, C. P.; ROCHA, D. São Paulo: Cortez,

diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 11ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

6ª ed., 2011.

Nota 1 Mafalda é a personagem principal das tirinhas. É filha de Raquel, dona-de-casa que não acabou os estudos porque se casou e construiu uma família. Susanita é uma das amigas da Mafalda, e seu maior sonho é casar-se e ter filhos. 2 Conceito discutido por Bourdieu (1999), a violência simbólica corresponde a toda violência sofrida que não se tenha contato físico. Um exemplo claro seriam os insultos.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

605

“PEDRO LEMEBEL, RECEPCIÓN, LECTURA”

Laura Janina Hosiasson USP

“Me gustaría interrogarme sobre el papel del cuerpo dentro de la lectura y en la percepción de lo literario” Paul Zumthor, Performance, recepción, lectura.

Desde sus comienzos, en la edad media, la

El cuerpo y la mirada: El cuerpo que viene de

escritura surge como reacción contra el paso del tiempo,

la performance y la mirada que el narrador adopta para

mientras que la performance se remite a un momento

deslizarse por las páginas del texto, donde prácticamente

tomado como presente e instala allí su fuerza. Podría

todo es visual, y lo es hasta el paroxismo. La frase excesiva,

decirse entonces que mientras la escritura intenta

en espiral barroco, esa plétora retórica cuya base se

“estancar esa energía vital que es el tiempo para

encuentra en la sexualidad va a dibujar escenas de sujetos

nosotros”, la performance existe fuera de la duración,

en movimiento, observados furtivamente desde alguna

en la medida en que concretiza el acto de recepción, es

esquina. Coreografías flagradas intermitentemente, es

decir torna simultáneos enunciado y recepción. Estas

decir en un des continuum y esto es paradójico, lo sé.

definiciones tomadas de Paul Zumthor me han ayudado

Porque, de hecho, se trata de narrar una continuidad

a formular una idea, entre las muchas posibilidades,

pero Lemebel lo hace a través de flashes, de relámpagos,

sobre la especificidad del texto de Pedro Lemebel.

como en aquellas fiestas con luz estroboscópica en

Para entender su escritura, no se debe olvidar que Lemebel parte de la performance (Las yeguas del apocalipsis de 1986-1995, y su programa El cancionero de P. Lemebel en radio Tierra entre 1994 y 2002)1. De hecho, él continúa hoy en día realizando lecturas performáticas de sus textos , lee vestido con disfraces, 2

maquillado, realiza videos, fotos donde adopta un personaje andrógino. Creo que esa actitud performática penetra en su escritura y en ese sentido las cuestiones sobre el cuerpo y la mirada en Lemebel se tornan centrales. Eso es lo que voy a tratar de discutir en estas breves palabras.

donde la ley de continuidad del baile de los cuerpos, hay que imaginársela. Retazos, pedazos de escenas, por lo tanto, observados con un interés especial puesto en el movimiento corporal de los personajes, en los pequeños gestos que se manifiestan en la oscuridad, furtivos, por detrás de…, escondidos en… El acto de observar el mundo es el punto de partida de la narrativa, y el lugar desde donde se mira es fundamental porque es ahí donde Lemebel fragua su poética personal: se trata de un ojo proletario, de un ojo homosexual. Aquí estas palabras que acabo de emplear me llevan a hacer un paréntesis importante. ¿Cómo no pensar en el cuento “El ojo Silva”, de Roberto

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

606

Bolaño? Dos autores chilenos tan diversos, cuyos

delincuentes potenciales, mujeres “con las manos

orígenes sociales y culturales, cuya formación literaria

tajeadas por el cloro” (Manifiesto). Toda su obra puede

llevarían a separarlos; y sin embargo, ambos adoptan esa

ser pensada como una poética de las masas populares

misma mirada periférica y transgresiva para realizar sus

de las poblaciones callampas suburbanas chilenas. Pero

‘fotografías urbanas’ y esto los aproxima. La afinidad de

en Lemebel el lector entra a la ‘pobla’, camina por sus

sus poéticas de hecho, la reconocen ellos mismos3. Pero

calles embarradas, sin alcantarillas, siente los olores de

a esa dinámica de observación en ambos, Lemebel le

los mercadillos al aire libre, el ruido de las voces y las

añade otro ingrediente que está íntimamente relacionado

radios, tropieza con chiquillos descalzos corriendo atrás

a su propia historia y esto es lo que lo torna un escritor

del volantín del Zanjón de la Aguada5. Y por las noches

único en el contexto literario chileno. Su narrador, ese

ve salir a los ‘péndex’ maricones que se deslizan hasta

alter ego suyo, es proletario, es “de la pobla” , y en vez

el centro de la ciudad para practicar sexo detrás de los

de bibliotecas, desde la infancia ha tenido a su alcance

árboles y los arbustos, escondidos de los ‘pacos’ y de las

la radio portátil de su mamá donde ha escuchado

luces delatoras. Son los maricones (jamás gays!) que

boleros, cuecas, cumbias, radionovelas. Más tarde, ya

cuando van al centro se topan con los homosexuales

joven aspirante a pintor, Lemebel fue tras la ‘alta cultura’

de la clase alta por quienes son también humillados,

robando, copiando pidiendo prestados libros que leyó

“porque ser pobre y maricón es peor/Hay que ser ácido

en un desorden metódico que fue organizando con el

para soportarlo/Es darle un rodeo a los machitos de la

material de los medios de masas. El resultado es esa

esquina” (LEMEBEL, Hablo por mi diferencia,1986).

hibridez de estilo y de género que caracteriza toda su obra. De hecho, trato aquí sus crónicas como ficciones porque éstas se ofrecen como un género híbrido, género ‘borde’ como él mismo lo define: “medio autobiografía cuando amanezco melancólica”, cuyo ritmo y dinámica es similar al que encontramos, por ejemplo, en su novela, Tengo miedo torero: “Yo digo crónica por decir algo, quizás porque no quiero enmarcar mis retazos escriturales con una receta que pueda inmovilizar mi pluma o signarla en alguna categoría literaria. Puedo tratar de definir lo que hago como un caleidoscopio oscilante, donde caben todos los géneros o subgéneros que posibiliten una estrategia de escritura, así la biografía, la carta, el testimonio, la canción popular, la oralidad, etc. Creo que escogí esta escritura por las distintas posibilidades que me ofrece o que puedo inventar, para decirlo en lenguaje travesti es como tener el ropero de la Lady D. en el computador.”4

En Lemebel la homosexualidad está en el discurso, en la palabra maricona, en la posibilidad de ponerle un lente color lila-rosado a los ojos de ese narrador observador. Su perspectiva es maricona y el lector es llevado a suspender su distanciamiento y penetrar en ese mundo teñido de lila-rosado, a sentirse maricón a lo largo de las páginas. Antecedente claro –y único6 – de esa perspectiva incorporada al lente de un personaje literario en Chile, es el de la Manuela, en El lugar sin límite, la magnífica novela de José Donoso de 1967. Pero allí esa voz está en coro con las de otros personajes e incluso con la de un narrador ajeno al mundo narrado. El expediente es allí polifónico, cosa que no ocurre en Lemebel, con quien caminamos siempre guiados por ese Virgilio maricón que seguimos fascinados, obnubilados por su visión sin pudores e irreverente, muchas veces obscena que encuentra ecos fuera de la literatura chilena, en un Nestor Perlongher7.

El mundo pintado por este narrador que, lejos

La voz maricona es la que amalgama el habla masculina y

de ser un voyeur que observa de fuera la situación,

la femenina, es una trinchera de la escritura de Lemebel.

se inmiscuye, se desliza hacia dentro de sus cuadros,

Lo femenino entendido como lo solidario, politizado y

donde palpita un mundo de ‘rotos’, borrachos, pícaros,

humanizado, aunque la ‘pituquería” femenina es otro de

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

607

los blancos de su escritura, las pitucas son para él lo que

fusiforme y boca muy grande situada en la parte inferior

de peor se encuentra en la sociedad “pituca chilensis”.

de la cabeza; como el tiburón o el pez sierra”9.

El vocabulario se vale de expresiones coloquiales, de chilenismos, de giros lingüísticos que son el retrato de toda una época y les va sacando provecho poético y musical. La palabra pedestre, vulgar y obscena reverbera a lo largo de toda la frase, haciendo recordar el lugar de la enunciación.

“Al fragor de un océano que hierve, la carne recocida se sigue internando en la hoguera acuosa que va en aumento. Humaredas de fuego disminuyen la luz asfixiada por nubes que se desgarran en manoteos de músculos y agarrones de testículos, que aparecen nadando como pancoras negras y se esfuman vidriadas

Aquí un trabajo que Eliane Robert Moraes

por telones de tul. Olas de gasa que levitan los bofes

viene desarrollando sobre esa ‘palabra obscena’8 lanza

del bajo vientre. La papada floja y el temblor gelatinoso

luces sobre este aspecto fundamental en Lemebel, que

del viejo que se lo afilan en el suelo. El viejo desnudo

es su obscenidad. En primer lugar, instiga pensar que la

pataleando en el agua como rana cuaja, que goza el galope

obscenidad de una palabra es relativa a su efecto, a un

del joven escualo que lo flota acezante.”(LEMEBEL, 2004,

tipo de recepción y eso tiene que ver con el contexto en

p. 64)

que esa palabra está inscripta. Una palabra no se ve (se la lee pero no se ve), no huele mal o bien, no es la cosa, no tiene otro cuerpo que el suyo. La palabra misma ‘desrealiza’, en el sentido como la describe Maurice Blanchot, “La palabra pasa lejos de cualquier límite e incluso más allá de lo ilimitado de todo: toma la cosa por donde no se la suele tomar, ni se la suele ver, ni se la verá jamás; transgrede las leyes, desorienta[…] La palabra escrita es una forma trascendente de ver más allá de las limitaciones visuales” (BLANCHOT, 1969, p. 40). As

A no ser por los ‘agarrones de testículos’, en este trecho no hay otra expresión que nos lleve literalmente a una compresión del contenido sexual que vehicula. Y, sin embargo, ese acuario de pancoras (chilenismo de origen quechua, para el crustáceo ‘jaiba’ o cangrejo10) que nadan y se mueven en el agua está evidentemente cargado de un erotismo obsceno impresionante cuyo sentido se percibe en el plano subliminar, metafórico que el conjunto de las alusiones indirectas permite.

decir, se trata aquí de un efecto que la palabra adquiere, y

Digamos que allí la frase funciona como una

una expresión puede resultar obscena de varias maneras:

superficie marítima bajo la cual se fraguan (o naufragan)

según el sentido de las acepciones opuestas que puede

los movimientos y que gracias a esa palabra que hace

contener, como en el caso de las palabras pharmacons

ver más allá de la vista, se realiza la performance de la

(veneno/remedio; mierda/merde! que da suerte); o

que hablábamos al inicio. Además y para darle un efecto

puede ser absolutamente lícita siendo al mismo tiempo

de mayor impacto a la escena, la obscenidad ( lo ‘ob–

licenciosa en un segundo sentido, subliminar.

esceno’, lo que debería estar fuera de escena) aquí flirtea

Así, por ejemplo, en un relato de Lemebel como “Escualos en la bruma” del libro La esquina es mi corazón. El narrador nos irá llevando de la mano por un suburbio santuiaguino de clase media, con señoras barriendo la calle y chiquillos andando de bicicleta, en una de cuyas tranquilas calles luce el letrero “Baños de hombres Placer”. Desde el título, el lector se verá enfrentado a todo un vocabulario que de por sí irá remitiendo a un mundo acuático. Escualos son “peces selacios de cuerpo

además con el patetismo. No se trata sencillamente de un hombre en la sauna, se trata de un viejo “de papada flácida y temblor gelatinoso”. En otros momentos de la escritura de Lemebel la víctima de esa mirada patética será el propio yo, travestido de “la Loca” zigzagueante que “está siempre pensando cómo subsistir, cómo pasar, a lo mejor sin que se le note, o que no se le note mucho”. Este patetismo lo detectó Carlos Monsiváis al afirmar que “El punto de partida de Lemebel es el lenguaje autodenigratorio […] ir a fondo en la denigración

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

608

de sí, verse en los términos que los demás utilizan”

los contrarios. Ese es el proyecto utópico de la literatura

(MONSIVAIS, 2004, p. 17).

de Lemebel.

En Lemebel, nada ni nadie se queda de pie por

Quiero terminar volviendo al punto inicial sobre

mucho tiempo (valiéndome aquí de su mismo recurso

la actualización de la performance dentro del texto. Esta

al doble sentido), porque hombres, mujeres, niños

escritura trabaja entonces con dos ritmos diferentes,

[pensemos en el Joselito de “Una vez un ruiseñor” en

uno que narrando que intenta cristalizar el tiempo y

Serenata Cafiola], así como las derechas reaccionarias o

otro, aquel que en otra dimensión, se demora en la

las izquierdas hipócritas reciben su manotazo impiedoso.

duración atemporal de los gestos. Al hacerlo, Lemebel

En su “Manifiesto “Hablo por mi diferencia”, presentado

pone en tensión esos dos movimientos que producen

en una concentración de oposición política al régimen

un efecto dialógico, sin necesidad de alternar voces.

militar, en 1986, leyó:

La narrativa entonces se acelera y se detiene por la danza de los focos y la performance inusitada, inaudita,

“… Mi hombría es aceptarme diferente Ser cobarde es mucho más duro Yo no pongo la otra mejilla Pongo el culo compañero Y esa es mi venganza Mi hombría espera paciente Que los machos se hagan viejos Porque a esta altura del partido La izquierda tranza su culo lacio En el parlamento

…” (LEMEBEL, 1997, p.89)

Esa “espera paciente” me parece fundamental para pensar en los modos de percepción que esta narrativa performática puede propiciar y por eso pienso que Lemebel es literario, sí. Su literatura combate la

impertinente, insolente nos hace imaginar un tiempo posible/imposible en que se puede esperar por lo mejor, pacientemente.

Referencias bibliográficas BLANCHOT, Maurice, Léntretien infinit, Paris: Gallimard, 1969. BOLAÑO, Entre Paréntesis, Barcelona: Anagrama, 2004. LEMEBEL, Pedro, Loco Afán. Crónicas del sidario. Santiago: LOM, 1997.

inercia, estremece y da escalofríos frente a un mundo

LEMEBEL, Pedro, La esquina es mi corazón (1995). Santiago:

percibido diariamente como prosaico y que se abre

Planeta, 2004.

como una orquídea rara. Su literatura nos despierta y comunica verdad y aquí me apoyo nuevamente en Paul

LEMEBEL, Pedro, Serenata cafiola, Santiago: Planeta, 2008.

Zumthor, cuando afirma que “comunicar (no interesa

MONSIVÁIS, Carlos, “”El amargo, relamido y brillante

qué: con mayor razón si pensamos en un texto literario)

frenesí” (1995), presentación de La esquina es mi corazón,

no consiste solamente en hacer circular una información;

Santiago:Planeta, 2004.

se tratar de modificar a aquel al cual se dirige; recibir una comunicación significa necesariamente sufrir una transformación…”(ZUMTHOR, 2007, p. 52). Esa “espera paciente de que los machos se hagan viejos”, entonces, es la del artista que pretende dibujar un camino en dirección a una utopía dentro de la cual la tolerancia sexual se transforme en motor de una vida de convivencia general de todos los opuestos, de todos

ZUMTHOR, Paul, Performance, recepção, leitura. Trad. Jerusa Pires Ferreira, São Paulo: Cosac&Naify, 2007.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Notas 1

Según él mismo, en esa época esas intervenciones junto a Francisco Casas eran pensadas como intervenciones políticas, como arte político para chocar, arremeter contra el status quo de la dictadura. Más tarde, otros las llamarían performances.

2

Pedro Lemebel estará en São Paulo, realizando una lectura en la 3ª Balada Cultural, (entre 28 de noviembre y 2 de diciembre).

3

Refiriéndose al autor, Roberto Bolaño dirá: “Nadie llega más hondo (en Chile) que Lemebel. Encima, por si fuera poco, Lemebel es valiente, es decir sabe abrir los ojos en la oscuridad, en esos territorios en los que nadie se atreve a entrar. ¿Que cómo supe todo esto? Fácil. Leyendo sus libros. Y tras leerlos, con emoción, con risas, con escalofríos, lo llamé por teléfono y hablamos durante mucho rato, una larga conversación de aullidos de oro (…) supe que ese escritor marica, mi héroe, podía estar en el bando de los perdedores pero que la victoria, la triste victoria que ofrece la Literatura (escrita así, con mayúscula), sin duda era suya.” (BOLAÑO, 2004, p. 39)

4

Apud Mateo del Pino, Ángeles, “Descorriéndole un telón al corazón”, Revista Chilena de Literatura, nº 64; 2004, p. 134.

5

Barrio periférico de Santiago, marcado por sus poblaciones callampas, donde Lemebel creció. Le da nombre a uno de sus libros de crónicas, de 2003.

6

Para un panorama de la escasa incidencia de homosexuales en la literatura chilena, ver el artículo de Lucía Guerra, “Ciudad neoliberal y los devenires de la homosexualidad en las crónicas de Pedro Lemebel”, Revista chilena de Literatura, nº56; Santiago: Universidad de Chile, 2000.

7

Esta relación está propuesta y declarada por él: varios de los epígrafes de sus crónicas son dedicados a Perlongher.

8

La autora se ha especializado en la lectura crítica del erotismo literario y prepara una antología brasileña de literatura erótica. Publicó Lições de Sade e O corpo impossível.

9 Diccionario María Moliner. Madrid: Gredos, 1987. 10 Diccionario del uso del español de Chile. Santiago: MN editorial, 2010.

609

610

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

O GROTESCO EM DEL SOL NACIENTE, DE GRISELDA GAMBARO

Laureny A. Lourenço da Silva UFAL

No campo dos estudos críticos sobre a arte

as imagens grotescas presentes na obra. Para melhor

dramática, as análises seguiram – e ainda persistem –

delimitação do tema proposto, esclareço que farei uso da

no uso de categorias do teatro europeu, porém pode-se

categoria de grotesco sob duas perspectivas de análise: o

observar um crescimento na busca de visibilidade para a

teatro grotesco, definido por Patrice Pavis e por alguns/

produção teatral latino-americana e suas categorizações.

mas estudiosos/as da obra de Griselda Gambaro e as

As primeiras obras de Griselda Gambaro (anos 60 e 70

postulações sobre o corpo grotesco, definidas por Mikhail

do século XX) são classificadas pela crítica especializada,

Bakhtin e Mary Russo. No que diz respeito à classificação

no que se refere ao estilo, como pertencentes ao teatro

estética da escrita dramática de Gambaro, a peça que

do absurdo, pensadas como influências de Samuel

analisarei não é classificada como pertencente ao teatro

Beckett (1952) e Eugene Ionesco (1959). Outros estudos

do absurdo ou ao teatro grotesco. Os desacordos quanto

as associam com os postulados do teatro da crueldade

a sua delimitação a um estilo ou outro, não será o foco

de Antonin Artaud (1935), e alguns encontram pontos

principal de minha análise. Até mesmo porque concordo

de convergência entre o teatro de Gambaro e a estética

com Osvaldo Pellettiere e Susana Tarantuviez que

do grotesco. No entanto, a própria crítica gambariana

localizam a peça Del sol naciente como pertencente ao

apresenta divergências na classificação – especificação,

realismo crítico. Porém, para efeito de esclarecimento,

delimitação – de suas peças dentro da estética absurdista

será necessário precisar as categorias de teatro com as

ou grotesca. Há também estudos, como o proposto

quais trabalharei nesta análise. A partir das postulações

por Osvaldo Pellettiere (2001), que caracterizam sua

dos autores Peter Roster (1989), Ileana Azor (1994),

produção, a partir da década de 80, como pertencente ao

Marta Contreras (1994), Susana Tarantuviez (2007) e

realismo crítico pela presença de elementos metafóricos

Patrice Pavis (2008) serão apresentadas duas categorias

associados a uma questão social/realista.

de teatro com as quais Gambaro é associada – teatro do

Após a leitura de vários estudos que delimitam a obra de Griselda Gambaro em fases; que classificam suas

absurdo e teatro grotesco – e logo passarei à análise da peça.

peças de acordo com os períodos históricos-políticos;

O absurdo como categoria estética da literatura

que categorizam suas peças por temáticas como a da

dramática é assinalado, na maioria de seus estudos,

violência, do poder, da vítima e algoz, pretendo analisar a

por características como: decomposição da linguagem

peça Del sol naciente (1984), tendo como eixo norteador

tendendo a não significação e o humor e a decomposição

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

611

de modos verbais. De acordo com Marta Contreras (1994)

influência do absurdo em suas obras (especialmente

essas últimas características, humor e decomposição

as das décadas de 60 e 70). As palavras da autora, há

verbal, são usados para criticar a sociedade, em

tempos, já confirmam essa influência ou preferência

determinados fatores.

pelo grotesco:

Quando se descreve o teatro do absurdo hispanoamericano, descrevem-no como um instrumento para despertar no espectador a consciência sobre os males da sociedade em que vive, os quais guardam relação fundamentalmente com a mecanização, a repressão, a violência. A noção de absurdo está conectada com a ideia de caos, com a carência de ordem ou de lógica no sentido tradicional, formal do termo.1 (CONTRERAS, 1994, p.16)

Quando nos referimos ao absurdo nos textos dramáticos, que como literatura/espetáculo representam uma intenção, com uma significação que será construída no jogo com o leitor/espectador para a identificação de ações possíveis dentro do seu universo pessoal; a estética do absurdo – se assim podemos nomeá-la – estabelece uma comunicação, que à sua maneira nega a referência histórica do teatro que tem como seu representante maior o teatro aristotélico. Porém, não contradiz a linguagem contemporânea da arte em geral, que tem no absurdo sua representação da construção dos diálogos e em outros sistemas semióticos, a leitura dos gestos, dos objetos, do cenário, do vestuário. Dessa forma, estudioso/a(s) obra gambariana classificam suas peças, principalmente as dos anos 70, como pertencentes à estética do grotesco, e outros apresentam também – com algumas divergências – uma

A mim, particularmente, o sainete e o grotesco são o que mais me interessa, e quando eu escuto que fazem análise de minhas obras, e como parâmetro usam o teatro do absurdo, sinto uma espécie de torção. Porque penso que não influencia em minha obra. Mas sim há certos elementos em meu teatro que vêm do grotesco. Ou seja, a mistura do patético, o trágico e o tragicômico que há em muitas de minhas peças. Isso não sai do teatro do absurdo, isso sai do grotesco.4 (ROSTER, 1989, p.56-57)

Entretanto, somente a estética do absurdo não é capaz de abarcar toda a produção gambariana, e no caso da peça em estudo, Del sol naciente (1984), observo sim características grotescas, porém essas não são suficientes para classificá-la como pertencente a tal estilo teatral, por isso a vinculação entre os dois estilos. A obra de Gambaro é extensa e atual, trazendo sempre temas polêmicos que tratam do humano, em todos seus aspectos, e exatamente por essa característica, pode ser observada através de diferentes classificações estilísticas. Alguns aspectos das obras de Griselda Gambaro estão assentados na tradição literária do grotesco criollo, compartindo com ele a capacidade de desmitificar e dessacralizar alguns fundamentos básicos da cultura ocidental como a propriedade privada, a família, o exercício do poder, mas os procedimentos da representação incluem, além disso, outros recursos da linguagem teatral contemporânea [...] 5 (CONTRERAS, 1994, p.25).

nova categorização ou “modo genérico”: o neo-grotesco portenho.2 A pesquisadora Ileana Azor Hernández

Nesse sentido, de uma obra “poliestilística”, é que

propõe a definição do neo-grotesco “como modo

a peça Del sol naciente (1984) pode ser localizada dentro

genérico em teatro, ou seja, em sua manifestação mais

do realismo crítico, conforme Pavis e Tarantuviez, mas

pura, conforme um tipo de peça tragicômica, onde as

não deixa de apresentar imagens, personagens, lugares,

personagens, a linguagem verbal, as situações dramáticas e o humor negro estabelecem certo parentesco com o

temáticas, etc. grotescos. Assim, acredito que seja um diferencial para os estudos da produção dramática de

modelo de princípios do século”3 (AZOR, 1994, p.128).

Griselda Gambaro, analisar uma peça que mesmo não

É importante salientar que a própria Griselda

e estudiosas, dentro do teatro grotesco; apresente

Gambaro se identifica com a estética do grotesco e não reconhece – de forma declarada, pelo menos – a

sendo localizada, pela grande maioria de seus estudiosos elementos que me levam a buscar as configurações do grotesco nessa obra.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

612

Segundo Bakhtin, em seu estudo sobre o grotesco

grotesco como uma categoria útil para se repensar a

em A cultura Popular na Idade Média e no Renascimento:

temporalidade”. Para essa proposta, de repensar, a autora

o contexto de François Rabelais, as imagens grotescas

deixa uma pergunta no final do capítulo 2 “De que

(...) conservam uma natureza original, diferenciamse claramente das imagens da vida cotidiana, preestabelecidas e perfeitas. São imagens ambivalentes e contraditórias que parecem disformes, monstruosas e horrendas, se consideradas do ponto de vista da estética clássica, isto é, da estética da vida cotidiana preestabelecida e completa (BAKHTIN, 2010, p. 22).

Se caminharmos com Bakhtin (2010), a definição de corpo grotesco é sublinhada pela imagem grotesca das velhas grávidas de Kertch, e, além disso, elas estão rindo. Revela-se aqui um dos pontos-chave para o entendimento da ambivalência do corpo grotesco bakhtiniano: a constante transformação. “Não há nada perfeito, nada estável ou calmo no corpo dessas velhas” (p. 23). Para Bakhtin a imagem grotesca se caracteriza pelo processo de metamorfose, de transformação, nada é ou está estático. As velhas estão grávidas, início e fim do ciclo da vida, e estão rindo. Uma das tendências fundamentais da imagem grotesca do corpo consiste em exibir dois corpos em um: um que dá a vida e desaparece e outro que é concebido, produzido e lançado ao mundo. É sempre um corpo em estado de prenhez e parto, ou pelo menos pronto para conceber e ser fecundado, com um falo ou órgãos genitais exagerados. Do primeiro se

estas bruxas velhas estão rindo”, retomando a premissa de Bakhtin e incorporando um elemento delineador importante: de que estão rindo? Pois agora, agora mesmo, enquanto reconheço o trabalho das feministas na reconstituição do conhecimento, eu nos imagino seguindo em frente, envelhecendo (espero), ou sendo grotescas de outras formas. Eu nos vejo observadas por nós mesmas e pelos outros, em nossos corpos e nosso trabalho, num processo que está continuamente mudando os termos de visão, de maneira que olhando para nós haverá uma nova pergunta, a pergunta que não ocorreu a Bakhtin diante das estatuetas de terracota de Kerch – De que estas bruxas velhas estão rindo? (RUSSO, 2000, p. 90, grifo da autora)

Esse pronome interrogativo “que” traz à discussão a proposta de ruptura com o pré-estabelecido, com o esperado, com o “normal”: mulheres velhas, grávidas e que riem não configuram o esperado – tradicionalmente, patriarcalmente – para uma mulher. Russo (2000, p. 90) proporciona com essa pergunta “que não ocorreu a Bakhtin diante das estatuetas de terracota de Kerch”, um passo adiante na reflexão sobre o grotesco feminino que me conduz, diretamente, às personagens femininas de Griselda Gambaro em Del sol naciente (1984).

desprende sempre, de uma forma ou de outra, um corpo

A peça em estudo foi encenada em 1984, no

novo. Bakhtin tratava do contexto do carnavalesco, do

Teatro Lorange de Buenos Aires e faz parte do segundo

riso do carnaval, na Idade Média, porém, na atualização

período da produção gambariana, que se caracteriza

que aqui proponho do tema, não seria essa figura, da

pela escrita consciente de seu papel genérico. A intriga6

mulher velha e grávida, e rindo, uma possibilidade de grotesco feminino? Segundo Mary Russo (2000), o modelo do grotesco corporal de Mikhail Bakhtin é “inicialmente útil”, já que “pressupõe o corpo como processo e semiose” (p. 45). No entanto, a autora considera dramático e regressivo o uso que Bakhtin faz da imagem da ‘bruxa grávida’ como a expressão maior do grotesco. Russo (2000, p. 45) propõe “desalojar as conexões entre mulher, espaço e progresso em tirá-la de sincronia usando o

principal da peça é a relação de poder que se estabelece entre as personagens principais Suki, Ama, Obán e também a interpretação que se pode ter sobre os personagens “semi-seres” sendo representativos dos mortos da Guerra das Malvinas e/ou dos desparecidos políticos do período ditatorial argentino. Também abordará a imagem cultural do Oriente com seu marcado papel de submissão e passividade da mulher, especialmente as gueixas, negando-a através de Suki e sua rebeldia ao sistema patriarcal, ao consumismo, ao

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

613

desrespeito à mulher. Na descrição que Ravetti e Rojo

brilho de Obán é ofuscado na opacidade intensa da morte que

(1996, p. 71) fazem das personagens de Del sol naciente

sempre o acompanha. O guerreiro, irritado pela solidariedade

(1984), as autoras descrevem Suki, Ama e Obán, mas

de Suki com Oscar e os demais famintos, planeja sua vingança

também

através de um jogo duplo entre o amor de uma cortesã e a(s) necessidade(s) de um tuberculoso. Obán força Suki a manter

A eles se somam semi-seres que conformam atmosferas de decadência e de realismo grotesco, revelando simbolicamente os males sociais. O espaço e o tempo, consoante com estes personagens, se produzem na ambiguidade de signos daquilo que, no ocidente, entendemos por “japonês” com outros signos representativos da globalização das culturas. Isto permite a dissolução desse contexto específico no simbólico do discurso do poder e da sexualidade. É uma espécie de “pastiche” pós-moderno do que seria o “habitat” japonês.

O corpo secreto de Suki, oculto entre as notas do biwa, pode ser uma armadilha para Obán. Ela consegue abrir um espaço na descrição de enunciados histórico-sociais que sintetizam sua identidade como uma objetivação, convertendo-se em intérprete do mundo que pretende traduzir: a Argentina da guerra,

relações sexuais com Oscar, começando pelo beijo com todos os detalhes descritivos que revelam seus pormenores cruéis – alguns diriam detalhes “grotescos”: Obán: Ou a beija ou te quebro o pescoço. Tísico: Sim... Sim... Solte-me e eu faço, senhor... (Obán o solta. O tísico permanece indeciso, olha Obán, se aproxima lentamente de Suki. Ela imóvel, lhe roça os lábios.) Obán (Olha enraivecido): Cretino! Não sabe beijar? Nunca fez amor. Quer que eu te mostre? E você, cortesã, esqueceu o aprendido? Qual dos dois precisa de ajuda? Com um só ato posso ensinar aos dois, como quando atravesso alguém com a espada; eu aprendo o poder e o outro a morte. Vamos! (A Suki.) Vai me conhecer agora. O inferno valoriza a graça. Suki: O inferno? (Aponta para ele). A graça? Vaidoso. Farei amor com ele, não com você. Nunca mais (MARRA, 1996, p. 90-91).

da pós-ditadura, da crise econômica e política. Toda representação num espaço propositalmente distanciado

Ao tocar o corpo do Tísico, Suki se une à sua dor

– o imaginário oriental –, do real lugar dessas ações e

para dar-lhe presença e voz frente a Obán. Ela passa a

representações: a Argentina dos anos 80.

ser uma testemunha desse Outro, e talvez de si mesma, porque junto ao Tísico Suki se coloca na posição do

A articulação e manipulação do discurso nos textos de Gambaro pouco têm a ver com ismos europeus, mas sim com uma realidade argentina, latinoamericana, na qual a ambiguidade do discurso e sua manipulação não vem determinada simplesmente por um esteticismo pseudo-filosófico ou por um falso espírito vanguardista, senão pela realidade mesma que impõe o contexto social e o qual determina uma prática de escrita. Se bem é certo que o teatro de Gambaro transcende os limites estritamente nacionais, também o é que esse teatro procede, emerge e se germina nesse contexto nacional, característica de toda obra mestra7 (DE TORO, 1989, p.42).

Reconhecendo-se fruto e condição de um processo social de significação, Suki utiliza os sinais de seu corpo para produzir um efeito sobre o mundo ao seu redor. Os sinais são invertidos, em seguida, e o espectador começa a ter a expectativa constante de seus significados ambíguos: a sensualidade do biwa é paralisada em muitos momentos pela evidência do desejo insatisfeito de Suki; o

marginal, assume suas debilidades, suas enfermidades e se coloca à margem do sistema. A declinação de Suki pela união com o corpo tuberculoso reclama a utopia igualitária do subalterno, do marginal, do idoso, do leproso, do pobre, da mulher. Todas as margens se unem e reforçam a saída para o centro desse lugar de poder. Obán não mais é a luz. Mary Russo apresenta uma ponderação sobre o corpo feminino visto como grotesco e os riscos especiais que as mulheres e outros grupos marginais podem correr dentro da esfera pública. No caso do estudo da autora, fala-se do carnaval, pois ela fazia uma reflexão sobre a obra de Bakhtin, porém, aqui, proponho a leitura do “corpo feminino indisciplinado” representado pelo corpo de Suki quando se rebela contra Obán e se entrega a Oscar.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

614

Existem riscos especiais para mulheres e outros grupos excluídos e marginalizados dentro do carnaval, embora até o duplo perigo que descreverei possa sugerir um deslocamento ambivalente de tabus em torno do corpo feminino visto como grotesco (o corpo grávido, o corpo velho, o corpo irregular), e como indisciplinado quando solto na espera pública (RUSSO, 2000, p.72).

próprio de criticá-lo. O teatro de Griselda Gambaro é uma resposta literária à situação política do país, resposta esta que reflete a instigante multiplicidade de tendências, estilos e temas do teatro argentino. Desta combinação surgiu um teatro multiforme, que às vezes se mantinha no marco do experimento estético, outras

Para responder à violência exercida sobre seu

vezes se ocupava de temas individuais e pessoais, mas,

corpo, Suki se entrega a Oscar com um desejo que nunca

em muitos casos, concebia a realidade política e social

sentiu por Obán, uma força que transcende qualquer

do país.

poder ou coerção: Suki: (Aproxima-se do tísico, passa sua mão por seu ombro, vai descendo lentamente). Pode me tocar. Tísico: Perdão, senhora (Estende a mão, e a deixa no ar. Ela a segura e a coloca sobre seu seio. Tudo é triste, mas de repente desce sobre eles um ar pacificador, como de um encontro muito além do que Obán ordena.). É belo. Verdade, senhora, que já não me lembrava. É tão belo...! (Suki olha para ele e sorri.) (MARRA, 1996, p. 92).

Podemos nos perguntar, então, onde reside o outro para o espectador de Gambaro? Talvez seja na outra forma cultural, no outro gênero, na outra etnia. Seria, talvez, tudo aquilo que não sou eu, ou não é, eu mesmo ou ele. Assim, como parte de uma sociedade (auto)questionadora, Griselda Gambaro nos lança perguntas que estão latentes em seu texto Del sol naciente (1984) e que se relacionam, facilmente, com a realidade

Por outra parte, o detalhe realista – próprio do

– literária ou não – na qual e pela qual vivemos. Então,

realismo crítico – se explica se entendemos o grotesco

nos indagamos: o silêncio representa o poder que a

como imagem de uma realidade que é em si mesma uma

mulher possui perante a sociedade, ou o sufocamento,

fusão de elementos opostos, o cômico e o trágico, assim

a repressão, a obrigação que esta lhe impõe? Com

como é a vida real. O grotesco se sustenta na concepção

base nesta interrogação, podemos lançar a ideia de

de que a arte deve ser representativa da realidade, local

interpretação pura e simples das atitudes das cortesãs,

e/ou universal, mas pode afastar-se em demasiado

que vendem seus corpos, ou tentar compreender os fatos

dela; relevando suas incongruências, ambiguidades,

que levaram Suki a entregar-se eroticamente a Oscar?

incompletudes, metamorfose. A imagem grotesca caracteriza um fenômeno em estado de transformação, de metamorfose ainda incompleta, no estágio da morte e do nascimento, do crescimento e da evolução. A atitude em relação ao tempo, à evolução, é um traço construtivo (determinante) indispensável da imagem grotesca. Seu segundo traço indispensável, que decorre do primeiro, é sua ambivalência: os dois pólos da mudança – o antigo e o novo, o que morre e o que nasce, o princípio e o fim da metamorfose – são expressados (ou esboçados) em uma ou outra forma (BAKHTIN, 2000, p. 21-2).

Nesse sentido, o grotesco poderia localizarse dentro do realismo crítico, definido por Osvaldo Pellettiere, e se contraporia ao absurdo, já que sua estética implica em uma realidade caricaturada, mas reconhecível, pelo objeto que é desfigurado com o fim

Ao final da peça, em um rito parcimonioso de desprendimento, Suki se “liberta” de seu quimono e de sua peruca, elementos constitutivos de um simulacro, imperfeito como se propunha, da imagem da mulher oriental – Suki e Ama não tinham os traços físicos de japonesas: os olhos eram ocidentais, por exemplo -; para recuperar sua imagem verdadeira, sua identidade. O assentimento da morte e sua reunificação com a vida faz-se possível pela supressão da repressão, pela entrega de “esto que somos”. Suki dá seu corpo ao clamor dos corpos ausentes, em um final que é como um canto, como uma marca do acordo definitivo na marginalidade, “Apertado, protegido! Assim, comigo! [...] Não te negarei. Nem a terra nem o fogo negarão vocês. Nem o futuro negará vocês. Me vê? Sou Suki. Comigo!” (p.120); de um

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

615

sujeito que finalmente se representa e se encontra em

MARRA, Alves Prosolina (1996): Do sol nascente. Em:

seu lugar de enunciação.

RAVETTI, Graciela; ROJO, Sara. Antologia Bilingue de Dramaturgia de Mulheres Latino-Americanas, p.75-120. Belo Horizonte: Armazém das Idéias.

Referências bibliográficas

PAVIS, Patrice. (2008): Diccionario del teatro: dramaturgía,

AZOR, Ileana Hernández (1994): El neogrotesco Argentino:

estética, semiología. 1. ed. Buenos Aires: Paidós.

apuntes para su Historia. Caracas: CELCIT (Centro

RAVETTI, Graciela; ROJO, Sara. (1996): Dramaturgia de

Latinoamericano de Creación e Investigación Teatral).

mujeres latinoamericanas. Belo Horizonte: Armazém de Idéias.

BAKHTIN, Mikhail (2010): A cultura popular na Idade Média

ROSTER, Peter. (1989): Lo grotesco, el grotesco criollo y la

e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. Trad. Yara

obra dramática de Griselda Gambaro. Em: MAZZIOTTI,

Frateschi Vieira. 7. ed. São Paulo: Hucitec.

Nora (Org.). Poder, deseo y marginación: aproximaciones a

CONTRERAS, Marta (1994): Griselda Gambaro: teatro de la descomposición. Chile: Ediciones Universidad de Concepción. DE TORO, Fernando (1989): Griselda Gambaro o la desarticulación semiótica del lenguaje Em: MAZZIOTTI, Nora (Org.). Poder, deseo y marginalización: Aproximaciones a la obra de Griselda Gambaro, p. 41-53. Buenos Aires, Puntosur. GAMBARO, Griselda (1984): Del sol nacente. Em: Teatro 1.

la obra de Griselda Gambaro, p. 55 -63. Buenos Aires: Punto Sur Editores. RUSSO, Mary. (2000): Grotescos femininos: carnaval e teoria. Em: O grotesco feminino: risco, excesso e modernidade. Rio de Janeiro: Rocco. TARANTUVIEZ, Susana (2007): La escena del poder: el teatro de Griselda Gambaro. Buenos Aires: Corregidor.

Buenos Aires: Ediciones de la Flor.

Notas 1 Cuando se describe el teatro del absurdo hispanoamericano se lo describe como un instrumento para despertar en el espectador la conciencia sobre los males de la sociedad en que vive los cuales dicen relación fundamentalmente con la mecanización, el automatismo de la comunicación, la deshumanización, la represión, la violencia. La noción de absurdo está conectada con la idea de caos, con la carencia de orden o de lógica en el sentido tradicional, formal del término. 2 Dentre as definições aqui apresentadas: teatro do absurdo, teatro grotesco e teatro neo-grotesco; o último ainda requer mais referencial teórico para sua elucidação e por isso terá, neste trabalho, menos indicações teóricas que os demais. 3 “como modo genérico en teatro, es decir, en su manifestación más pura, conforme un tipo de pieza tragicómica, donde los personajes, el lenguaje verbal, las situaciones dramáticas y el humor negro establecen cierto parentesco con el modelo de principios de siglo”. 4 A mí particularmente, el sainete y el grotesco es lo que más me interesa, y cuando yo escucho que hacen análisis de mis obras, y como parámetro usan el teatro del absurdo, siento una especie de retorcimiento. Porque pienso que no influye en mi obra. Pero sí hay ciertos elementos en mi teatro que vienen del grotesco. Es decir, la mezcla de lo patético, lo trágico y lo tragicómico que hay en muchas de mis piezas. Eso no sale del teatro del absurdo, eso sale del grotesco. 5 Algunos aspectos de las obras de Griselda Gambaro están asentados en la tradición literaria del grotesco criollo, compartiendo con él la capacidad de desmitificar y desacralizar algunos fundamentos básicos de la

616

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

cultura occidental como la propiedad privada, la familia, el ejercicio del poder, pero los procedimientos de la representación incluyen además otros recursos del lenguaje teatral contemporáneo […]. 6 A intriga, segundo Patrice Pavis, faz parte das estruturas discursivas na análise dramatúrgica. Essas estruturas “ficam na superfície do texto: são visíveis a ‘a olho nu’: percebemos a organização da intriga, seus nós, seus meandros, suas resoluções, as ações físicas que a constroem. Isso vale igualmente para a representação com a diferença de que todos os sistemas significantes – e não somente o texto – contribuem para a intriga, a primeira tarefa para o espectador é a de reconstruir um fio narrativo, uma intriga a partir dos signos da cena, de desenhar seu tema” (PAVIS, 2005, p. 241). 7 La articulación y manipulación del discurso en los textos de Gambaro poco tienen que ver con ismos europeos, pero sí con una realidad argentina, latinoamericana, donde la ambigüedad del discurso y su manipulación no viene determinada simplemente por un esteticismo seudo-filosófico o por un falso espíritu vanguardista, sino por la realidad misma que impone el contexto social y el cual determina una práctica de escritura. Si bien es cierto que el teatro de Gambaro trasciende los límites estrictamente nacionales, también lo es que ese teatro procede, emerge y se gesta en ese contexto nacional, característica de toda obra maestra.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

617

O CONCEITO DA HONRA NO SÉCULO DE OURO E SEU USO COMO MOLA DRAMÁTICA EM EL PINTOR DE SU DESHONRA, DE CALDERÓN DE LA BARCA

Liège Rinaldi Instituto Superior Anísio Teixeira / GRISO

Em seu Arte nuevo de hacer comedias, Lope de

converte-se em um marido dedicado e carinhoso, porém

Vega dissera que «Los casos de la honra son mejores, /

não consegue compreender sua essência e, como pintor

porque mueven con fuerza a toda gente» (v. 327-328).

amador, é incapaz de retratá-la.

E, de fato, os casos que envolvem a ofensa e a limpeza da honra estiveram presentes em muitas das comédias do Século de Ouro, desde as de capa e espada até os dramas de honra, com aspectos variados e desempenhando diferentes funções, de acordo com cada gênero1.

Dom Álvaro, ao regressar do naufrágio, tenta recuperar a qualquer custo o amor da dama, que coloca seu matrimônio e a honra de seu marido por cima de seus próprios desejos e rejeita as tentativas de aproximação de seu antigo amante, quem, entretanto,

Este trabalho tem por objetivo estudar o conceito

aproveita o infortúnio de um incêndio para raptá-la.

da honra no Século de Ouro: a dicotomia fama x virtude;

Então, para Serafina, o antigo ser amado transforma-

as leis e os principais antecedentes históricos, ideológi-

se em tirano sequestrador de sua honra e de sua paz, a

cos e religiosos que regiam o pensamento da época; e

quem ela continuará desprezando.

o valor estético dramático que esses casos de ofensa e vingança desempenham nos dramas de honra conjugal, centrando-nos no caso de El pintor de su deshonra, de Calderón de la Barca. O protagonista deste drama, dom Juan Roca, que havia postergado a decisão de contrair matrimônio e dedicara os anos de sua juventude à leitura e à pintura, decidiu se casar, por insistência de seus parentes e em um casamento arranjado, com sua prima, a jovem e bela Serafina, que amava seu secreto namorado, dom Álvaro, a quem se acreditava morto em um naufrágio. Contudo, Serafina aceita o casamento e assume os deveres que seu novo estado lhe supõe e dom Juan apaixona-se por ela e

Quando se dá conta de que Serafina foi raptada, dom Juan jura vingança e, enquanto a busca, toma o passatempo e a afeição à pintura por disfarce e profissão; e, assim, aceita os encargos do Príncipe de Ursino, quem lhe pede para retratar, em segredo, uma bela dama, que não é ninguém menos que Serafina. Dom Juan reconhece sua esposa, a quem vê dormir tranquila e que, ao acordar, abraça dom Álvaro. Na verdade, Serafina –que durante todo o drama havia demonstrado valor e prudência, sem permitir que seus desejos se impusessem sobre seu decoro–, ao acordar de um pesadelo, tem um breve momento de debilidade e busca consolo nos braços de seu raptor, porém a cena

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

618

que se desenha diante dos olhos de dom Juan, embora não corresponda à realidade, confirmaria a traição de sua esposa e seu ultraje. Então, movido pelos ciúmes e pela obrigação de vingar sua honra, dom Juan dispara sua pistola contra Serafina e dom Álvaro. Ao estudar este drama, em primeiro lugar é importante analisar o conceito de honra no Século de

DonPedro ¿De quién ha de huir? que a mí, aunque mi sangre derrame, más que ofendido, obligado me deja, y he de ampararle. Don Luis Lo mismo digo yo, puesto que aunque a mi hijo me mate quien venga su honor no ofende. (v. 3142-3148)

Ouro a partir das convenções e do modo de pensar da

Na opinião de González de Cellorigo, no

nobreza de seu tempo. Para o nobre espanhol do século

Memorial de la política necesaria…, de 1600 (citado

XVII, a honra possuía um valor ontológico e perdê-la

por CHAUCHADIS, 1984, p. 105), em caso de desonra

era o mesmo que perder sua vida social, sua posição

conjugal o castigo rigoroso era necessário e sua ausência

na camada nobiliária, sua autoridade, seu poder, sua

era nociva, pois servia de mau exemplo e podia suscitar

dignidade, e, por conseguinte, representava perder

o adultério.

sua própria vida. Por isso, encontramos em diversas obras a afirmação ‘soy quien soy’2. E, em El pintor de su deshonra, ao ver-se desonrado, dom Juan Roca diz «no soy, mientras vengado / no esté» (v. 2663-2664). Para muitos, a honra do nobre não dependia somente de seus méritos e virtudes, mas sobretudo da fama que ele tinha diante dos demais, isto é, da opinião alheia. Esta era uma ideia já difundida desde séculos atrás e, na Idade Média, Afonso X, ‘o Sábio’, declarou em suas Partidas que os sábios que fizeram as leis antigas disseram serem iguais os erros de matar o homem ou de difamá-lo, pois o homem difamado, ainda que sem culpa, ficava morto para o bem e para a honra do mundo. E, dependendo da difamação sofrida, a morte poderia ser melhor do que a vida. Assim, de acordo com essa ideia, aquele que tira

A pena que se aplicava aos adúlteros, segundo as leis do século XVI, é assim relatada pelo jurisconsulto Antonio de la Peña em seu Tratado muy provechoso, útil y necesario de los jueces y orden de los juicios y penas criminales: Lo que hoy se guarda es que la mujer y el adúltero, después de traídos por las calles públicas acostumbradas, son llevados al lugar de la ejecución de la justicia diputado, y allí se entregan al marido con sus bienes para que dellos haga lo que quisiere, no teniendo hijos; porque si los hobiere, ellos heredan sus bienes, y esto aunque no sean hijos del mismo matrimonio. (Citado por SÁNCHEZ, 1917, p. 293)3

Sánchez (1917, p. 293) confirma-o, mencionando que a lei então vigente, a “Nueva Recopilación”, ordenava que os dois culpados fossem entregues ao marido para que este fizesse deles o que quisesse e destaca

a honra de um nobre comete um delito semelhante ao de

que, de acordo com a lei, o marido era obrigado a se

um assassinato, e, por isso, defender-se de uma desonra

vingar dos adúlteros e, se tolerasse e perdoasse a afronta,

equivale a defender sua própria vida. Daí provém a

estaria sujeito a insultos e castigos. Para Antonio de la

opinião de que quem defende ou vinga sua honra o faz

Peña a tolerância era um «pestífero delito» que também

em legítima defesa e sem culpa. Em vista disso, em El

deveria ser castigado e afirma que esta lei era aplicada

pintor de su deshonra, os pais de dom Álvaro e Serafina,

diariamente, porém não sabemos até que ponto era de

diante dos cadáveres de seus filhos, aprovam a vingança

fato frequente seu cumprimento.

de dom Juan:

Sem dúvida, houve casos históricos de uxoricídio e punição dos dois adúlteros, e alguns destes casos foram recopilados nos avisos e crônicas da época4.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

619

No entanto, hoje em dia, quando há consciência e um

a afronta fora pública, a restituição da honra também o

posicionamento social contra a violência de gênero, la-

deveria ser.

mentavelmente eles continuam ocorrendo e aparecendo nas páginas policiais de nossos jornais e noticiários e também na internet. E isto não significa que hoje e tampouco nos séculos XVI e XVII esses casos sejam vistos como acontecimentos diários e plenamente aceitáveis

Não podemos nos esquecer, contudo, da doutrina cristã a que estava condicionado o pensamento da época, e é preciso levar em consideração a problemática em torno da defesa da honra.

pela sociedade. Além disso, o fato de figurarem como

São abundantes as reprimendas à vaidade

ocorrências que chamam a atenção confirma que não se

da honra mundana e à vingança sangrenta, nos ser-

tratava de casos cotidianos.

mões, nos manuais de confissão e em outros textos dos

É ilustrativa, apesar de pertencer a uma ficção literária, a passagem do Guzmán de Alfarache, de Mateo Alemán, En Madrid en el tiempo de mi niñez, que allí residí, sacaron a hacer justicia de dos adúlteros. Y como esto, aunque se pratica mucho, se castiga poco, que nunca falten buenos y dineros con que se allane (citado por CHAUCHADIS, 1984, p. 106)

Pedro de Medina, no Libro de la verdad, diz que «porque si a todos los adúlteros, como dice un doctor, hubiesen de apedrear, no habría piedras en las calles que bastasen» (citado por CHAUCHADIS, 1984, p. 106). Talvez mais frequentes que os castigos públicos deviam ser as vinganças secretas, uma vez que, ao tornar pública a vingança, se divulgava ao mesmo tempo a desonra. Bastante conhecido é o caso do vinte e quatro de Córdoba Fernán Alonso, que matou não apenas os adúlteros, mas também os cúmplices para que não houvesse testemunhas de seu ultraje. Juan Rufo levou este argumento a seu Romance de los Comendadores, estendendo o rol das testemunhas assassinadas até aos animais domésticos. Lope de Vega também utilizou-o em Los comendadores de Córdoba. Outro exemplo literário de vingança secreta é o da comédia calderoniana A secreto agravio, secreta venganza, em que o marido ofendido dissimula o assassinato do galã com um afogamento e o da esposa com um incêndio. Já em El pintor de su deshonra, como

casuístas5. Em palavras de Jerónimo de Urrea, «la honra mora con la virtud, y el virtuoso es el honrado; a este honrado nadie le puede quitar la honra si no le quita la virtud donde ella mora» (citado por CHAUCHADIS, 1984, p. 69). Para Antonio de Torquemada, a definição mais verdadeira de honra é: «presunción y soberbia y vanagloria del mundo» (citado por CHAUCHADIS, 1984, p. 65). Juan de Ávila, em seu Epistolario Espiritual, aconselha: Miremos a Cristo y Él nos enseñará en la cruz la mansedumbre, que aun con los males no maldice a quien le maldice; no se venga, aunque puede, de quien mal le hace; desprecia la honra, la riqueza, el regalo. (Citado por Chauchadis, 1984, p. 67)

Em seu Catecismo cristiano, de 1558, Bartolomé Carranza afirma a respeito das leis que permitiam a morte dos adúlteros: Estas leyes son obedecidas y guardadas no solamente por hombres bajos e infames en el pueblo, pero por los más honrados y más nobles del mundo. Honrados serán ellos, pero no cristianos (citado por Chauchadis, 1984, p. 66)

Uma possível solução aos casos de desonra conjugal sem a necessidade de derramamento de sangue era a de enviar a esposa a um convento.

620

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Em El pintor de su deshonra, Serafina chega a pensar nessa possibilidade e a solicita a dom Álvaro. Entretanto, numa obra de teatro e, mais especificamente, numa tragédia cujo tema está centrado no agravo da honra e na busca de sua restituição, com todo o peso social, moral e psicológico que tal situação supõe, esta solução teria pouquíssima força dramática e dificilmente alcançaria o objetivo de mover e impressionar o público dos currais de comédias. Objetivo que os desenlaces sangrentos, por sua vez, certamente conseguiam alcançar. E a criação e a representação destes desfechos, além de comover os ânimos dos espectadores dos teatros populares áureos e das representações palacianas, provocarão também o espanto, a fascinação e a inquietação de uma série de críticos desde seu tempo até nossos dias , os quais propõem uma variedade de possíveis interpretações e questionam as razões e os sentidos desse tipo de final dramático. 6

Não raras vezes, surgem conjuntamente valorações do caráter dos dramaturgos e, de modo destacado, do de Calderón de la Barca, a quem se considera um austero conservador do código de honra e um defensor de sua limpeza por meio do frio assassinato da esposa e do amante dela pelas mãos do marido ofendido; todavia, por outro lado e de modo completamente oposto, vê-se Calderón como um dramaturgo que, com base em sua formação cristã que alguns anos depois o levaria a ser ordenado sacerdote, delata, questiona e combate esses costumes, e se utiliza do valor exortatório das trágicas consequências dos maus atos para ensinar e doutrinar moralmente os espectadores. De fato, nas palavras do protagonista de El pintor de su deshonra, que sofre por estar desonrado, podemos observar uma crítica ao conceito da honra, à ideia de que a fama importava mais do que as virtudes:

Porque ¿quién creerá de mí que siendo (¡ay de mí!) quien soy en aqueste estado estoy? Mas ¿quién no lo creerá ansí? Pues todos la escrupulosa condición del honor ven. ¡Mal haya el primero, amén, que hizo ley tan rigurosa! Poco del honor sabía el legislador tirano que puso en ajena mano mi opinión y no en la mía. ¿Que a otro mi honor se sujete y sea (¡injusta ley traidora!) la afrenta de quien la llora y no de quien la comete? ¿Mi fama ha de ser, honrosa, cómplice al mal y no al bien? ¡Mal haya el primero, amén, que hizo ley tan rigurosa! El honor que nace mío ¿esclavo de otro? Eso no. ¿Y que me condene yo por el ajeno albedrío? ¿Como bárbaro consiente el mundo este infame rito? ¿Donde no hay culpa hay delito? ¿Y siendo otro el delincuente de su malicia afrentosa que a mí el castigo me den? ¡Mal haya el primero, amén, que hizo ley tan rigurosa! (v. 2598-2629)

No entanto, apesar de seus questionamentos e reflexões críticas, movido pela paixão do amor, do ciúme e da honra, ele cumpre com as exigências desta lei e lava sua honra com o sangue de sua inocente esposa –que morre como se fosse adúltera– e do suposto amante dela. E, depois, diz: Don Juan Agora mas que me maten, que ya no estimo la vida. (v. 3105-3106)

Observamos que, ainda que dom Juan recupere sua honra e reestabeleça sua dignidade e sua fama, perde sua esposa e sente-se completamente arruinado. Portanto, nessa tragédia marcada e movida pelo código de honra, ao vingar-se, ele destrói e acaba destruído, sendo, ao mesmo tempo, verdugo de seus ofensores e vítima das convenções deste código a que se submete por se adequar aos imperativos de sua condição social.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Em vista disso, mais do que pesquisar até que ponto estes dramas poderiam refletir os casos de uxoricídio da época, ou discutir se Calderón estava ou não de acordo com as vinganças sangrentas –por sua formação cristã e com base nos protestos presentes neste

621

Calderón de la Barca, p. 200-336, Pamplona: Universidad de Navarra. [Tese doutoral inédita] CHAUCHADIS, Claude (1984): Honneur, morale et société dans l’Espagne de Philippe II. Paris: CNRS.

e em seus outros dramas de honra, parece-me óbvio que

DÍEZ BORQUE, José María (1976): Sociología de la comedia

não–, é preciso ver o tema da honra como uma mola

española del siglo XVII. Madrid: Cátedra.

dramática que desemboca na tragédia das personagens

SÁNCHEZ, Galo (1917): Datos jurídicos acerca de la venganza

que submetem seus desejos e vontades pessoais em prol da ordem social, do que acreditam ser seu dever perante a opinião pública e na tentativa de afirmar sua dignidade e sua posição social, à custa de sua própria destruição.

del honor. Em: Revista de Filología Española, 4, p. 292-295. SPITZER, Leo (1947): Soy quien soy. Em: Nueva Revista de Filología Hispánica, I, Nº 2, p. 113-127. RUFO, Juan (1972): Romance de los Comendadores. Em: Las seiscientas apotegmas y otras obras en verso, ed. Alberto Blecua,

Referências bibliográficas

p. 352-378. Madrid: Espasa-Calpe.

ALFONSO X «EL SABIO» (1961): Partida Segunda. Madrid: Publicaciones españolas, tomo 1.

VEGA, Lope de, Arte nuevo de hacer comedias en este tiempo. Em: SÁNCHEZ ESCRIBANO, F. e PORQUERAS MAYO, A. (1972): Preceptiva dramática española del renacimiento y

CALDERÓN DE LA BARCA, Pedro (1976): A secreto agravio, secreta venganza, ed. Ángel Valbuena Briones. Clásicos Castellanos 141. Madrid: Espasa-Calpe.

el barroco, p. 154-165. Madrid: Gredos, 2a ed. aumentada. ______ (2003): Los comendadores de Córdoba, ed. Manuel Abad e Rafael Bonilla. Córdoba: Ayuntamiento de Córdoba.

______ (2011): El pintor de su deshonra. Em: RINALDI, Liège:

Delegación de Cultura.

Edición crítica de la comedia «El pintor de su deshonra», de

Notas 1 Em cada gênero, a honra desempenha funções diferentes e possui aspectos variados, como demonstra Arellano (1999, p. 34, 64-68). Além disso, Arellano (1998, p. 8) adverte que «los aspectos de la honra son diversos y afectan a muchas situaciones que no son las traiciones conyugales, situaciones que se instalan en el marco amplio del duelo, pundonor, etc.», portanto a honra conjugal é uma das diversas partes que compõem o panorama dos casos da honra. 2 Ver SPITZER, 1947. 3 Trata-se de um manuscrito inédito e autógrafo que faz parte do acervo da Biblioteca Nacional Espanhola, com o registro 6.379, e a seguinte passagem encontra-se no parágrafo 31 do capítulo VI da terceira parte. 4 Díez Borque (1976, p. 102) menciona alguns casos recopilados por León Pinedo nos Anales de Madrid (15981621), por Pellicer em seus Avisos históricos e por Mas em La Caricature de la femme, du mariage et de l’amour dans l’oeuvre de Quevedo, além de um relato de um padre francês sobre uma viagem que fez a Valencia (15821629).

622

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

5 Ver os exemplos reunidos por CHAUCHADIS, 1984, principalmente nos capítulos «L’honneur et la vertu», p. 45-74, e «La morale de l’honneur», p. 75-109. 6 Remeto a meu estudo introdutório à edição crítica da comédia, em que inventario a história de sua recepção crítica ao longo dos séculos.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

623

ESTA MUJER ES SU PADRE:

ALMODÓVAR, DESESTABILIZAÇÕES DE GÊNERO E A AULA DE ELE

Leandro da Silva Gomes Cristóvão CEFET-RJ / PUC-Rio

o gênero não é um substantivo (...). O gênero mostra ser performativo (...), isto é, constituinte da identidade que supostamente é. Nesse sentido, o gênero é sempre um feito, ainda que não seja obra de um sujeito tido como preexistente à obra. (...) Não há identidade de gênero por trás das expressões do gênero; essa identidade é performativamente constituída (BUTLER, 2010, p. 48; grifo meu)

Esta citação, retirada do texto que é uma das

noções de discurso, verdade e identidade de gênero.

principais inspirações para este trabalho, convida-nos a

Refiro-me ao filme espanhol Todo sobre mi madre

pensar sobre os sentidos contemporâneos engendrados

(Pedro Almodóvar, 1998) e a textos dos filósofos Michel

pela ideia de gênero nos espaços sociais. Ao mesmo

Foucault e Judith Butler. Além disso, proponho também

tempo que oferece uma visão criativa das performances

uma reflexão sobre como o material cinematográfico

de gênero, desestabiliza aquilo que, talvez, seja uma

mencionado pode ser utilizado em aulas de espanhol,

certeza inabalável, se consideramos a vivência do senso

cujos objetivos estejam traçados para além da aquisição

comum; isto é, a certeza de que os espaços sociais

do código linguístico, isto é, aulas que relacionem as

e simbólicos estão ocupados por indivíduos que se

produções linguísticas aos sentidos e saberes sociais, aqui

apresentam ou como homens, ou como mulheres,

especificamente aqueles que não são os hegemônicos.

identificados por seus atributos físico-biológicos. Nessa lógica, tais homens e mulheres organizam seus desejos em direção a indivíduos do sexo oposto. Figurações sociais que se distanciam dessa dualidade são tidas como desvios da normalidade e, frequentemente, sofrem as consequências de sua transgressão. Este trabalho, fazendo coro aos indivíduos que se desviam dessa normalidade, está pronto também para sofrer as consequências de sua empreitada transgressiva. Proponho a observação de um material cinematográfico, à luz de considerações sobre as

Antes de partir para a análise de algumas personagens do filme, apresento conceitos importantes para o caminho epistemológico que desejo trilhar. Inicio, então, com algumas considerações acerca da compreensão de Foucault sobre a relação discurso – verdade. Parto de seus seguintes entendimentos: (1) o de que não existem verdades absolutas; (2) o de que a realidade é um efeito das práticas discursivas e (3) o de que toda e qualquer relação social está localizada numa rede de (micro) poderes e saberes.

624

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Para uma breve apresentação desses três

que mobilizo sobre a figura humana está atrelado a uma

entendimentos, valho-me da concepção de ideologia

concepção social do ser. Sem desmerecer o lugar de

apresentada por Foucault. O pensador francês, ao

outras interpretações (genéticas, biológicas, espirituais,

explicar a ineficácia da noção de ideologia articulada

etc.), minha escolha é entender os efeitos sociais da

pelos pensadores marxistas, diz que “ela (a ideologia)

existência.

está sempre em oposição virtual a alguma coisa que seria a verdade” (1979, p. 7). Mais adiante, o autor afirma que “por verdade não quero dizer o conjunto das coisas verdadeiras a descobrir ou a fazer aceitar, mas o conjunto das regras segundo as quais se distingue o verdadeiro do falso e se atribui ao verdadeiro efeitos específicos de poder” (ibidem: 13). Dessa forma, a verdade é uma construção ideológica sempre relativa e fundamentada em convenções sociais. A realidade, como um regime de verdade, é produzida por técnicas discursivas e de poder. Sobre este último, Foucault propõe que o vejamos de uma forma positiva. A positividade, ou também produtividade, está em oposição à ideia de repressão. O autor pretende contrariar a concepção de que as relações de poder ocorrem, unicamente, de uma maneira verticalizada, na qual ocupariam as estruturas superiores os poderosos, e as inferiores os oprimidos. Nessa relação “identifica-se o poder a uma lei que diz não” (ibidem: 8). Encaminhando outro raciocínio, o pensamento foucaultiano propõe que o poder seja percebido como uma prática de fabricação que impõe a tudo e a todos uma individualidade. Isto é, não somos reprimidos por um poder; somos constituídos como indivíduos por relações de poder. Tais relações, por não se darem na via de mão única poderosos – oprimidos, estão disseminadas por toda parte e vêm de todo lugar. Nas palavras do autor, o poder não tem “o privilégio de agrupar tudo sob sua invencível unidade, mas (...) se produz a cada instante, em todos os pontos, ou melhor, em toda relação entre um ponto e outro” (idem, 1988: 89). Uma vez entendido que os sentidos sociais são construídos nas práticas discursivas, isto é, que ao usarmos a linguagem não apenas representamos a realidade, mas também agimos nela, faz parte dessa ação a (re)construção dos seres sociais. O entendimento

Para tratar especificamente das identidades de gênero e sexualidade, movimento algumas formulações de Butler, segundo as quais o gênero e a sexualidade são resultados semântico-sociais de atos performativos encenados via discurso. O dizer é uma performance. Dizer é fazer. Dizer é ser. Dizer o gênero é ser o gênero. Isso significa distanciar-se de toda e qualquer justificativa biologizante sobre o que é ou deve ser o comportamento social. Numa perspectiva anti-essencialista radical, propõe-se que: Se é possível falar de um “homem” com um atributo masculino e compreender esse atributo como um traço (...) acidental desse homem, também é possível falar de um “homem” com um atributo feminino, qualquer que seja, mas continuar a preservar a integridade do gênero. Porém, se dispensarmos a prioridade de “homem” e “mulher” como substâncias permanentes, não será mais possível subordinar traços dissonantes do gênero como características secundárias ou acidentais (...). Se a noção de uma substância permanente é uma construção fictícia, (...), então o gênero como substância (...) se vê questionado pelo jogo dissonante de atributos que não se conformam aos modelos sequenciais ou causais de inteligibilidade (BUTLER, 2010, p. 47)

Dito de outro modo, são passíveis de questionamento todos os sentidos de norma sexual, tramando um olhar menos ingênuo sobre a construção social dos gêneros. Teorizações como essa dão origem à hoje chamada Teoria Queer, paradigma epistemológico bastante articulado pelos estudiosos das relações de gênero e sexualidade no contexto contemporâneo. Considerações teóricas feitas, passo à análise que propus. O objetivo é pensar, à luz dos conceitos apresentados, nos perfis identitários que são traçados no filme escolhido e com isso, refletir sobre sua possível apropriação em aulas de espanhol.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

625

Conforme já adiantado, as personagens a serem

podemos dizer que Agrado corresponde à imagem mais

analisadas fazem parte do filme Todo sobre mi madre,

estereotipada de uma travesti: prostituta, engraçada,

do cineasta espanhol Pedro Almodóvar . Ao trazê-las

pobre e oprimida. Até aqui, Almodóvar faz o que sempre

como foco desta apresentação, ecoo interpretações

fez, traz à tela as vozes historicamente silenciadas: as

de Fonseca a respeito da obra do diretor espanhol.

mulheres, os loucos e também as travestis.

1

2

Segundo o autor, “nas tramas do cineasta, há a edificação de um mundo paralelo em que as leis que imperam na civilização são temporariamente suspensas e dão lugar a tudo que a cultura batizou de mal ou ruim” (2003, p. 212). Ou seja, entre outras contribuições, as produções cinematográficas de Almodóvar abrem espaço para o que histórica e culturalmente foi construído como alteridade. Para além dessa consideração, percebo em filmes como Todo sobre mi madre uma seara aberta à diferença, e um contexto propício à re-significação e interpretação plural dessa diferença. Para exemplificar e

A personagem que merece mais destaque neste trabalho é Lola. Assim como Agrado, Lola constrói-se como uma travesti. Ela aparece fisicamente nas cenas finais, tendo sido mencionada em quase todo o filme. Além de também trabalhar como prostituta, Almodóvar adiciona à Lola mais dois dados frequentemente associados às travestis, as drogas e a AIDS. Dessa forma, mais uma vez, o diretor “consagra a imoralidade como forma de crítica (...) e também brinca com as tradições” (FONSECA, 2003, p. 211).

ampliar essas considerações, valho-me das personagens

Porém, há duas outras marcas presentes nas

Agrado e Lola. Descrevo-as respeitando, ao máximo, as

performances de Lola que me levam a pensá-la como o

performances identitárias disponibilizadas e nomeadas

ponto de partida para uma re-significação da categoria

no filme. Entretanto não desconsidero o meu olhar

de gênero. Lola é apresentada, a partir das descrições que

parcial, envolvido e engajado para elas. Ou seja, a seguir

dela fazem as outras personagens, como extremamente

são apresentadas a Agrado e a Lola que vejo com meus

sedutora, adjetivo raramente usado pelo senso comum

olhos e minha história. Outros olhos e outras histórias,

para caracterizar travestis, frequentemente semantizadas

certamente, perceberiam outras Agrados e outras Lolas.

como promíscuas, doentes e feias. A sedução de Lola,

Agrado apresenta-se como uma travesti que tem a prostituição como prática profissional. Sua figuração social aproxima-se bastante do entendimento consensual de uma mulher. Agrado, por ter efetuado mudanças em seu corpo (em suas palavras: lo único que tengo de verdad son los sentimientos y los litros de silicona que me pesan como quintales), possui um corpo que se aproxima

diferentemente do que se esperaria, é direcionada no filme a mulheres. Valendo-se desse atributo, Lola engravida duas mulheres. Vale dizer que nas poucas vezes em que a personagem aparece fisicamente no filme, apresenta todos os indícios de que é uma mulher, com exceção a sua voz facilmente identificada como masculina, decerto mais uma provocação ‘almodovariana’.

daquele comumente identificado como feminino, possui

Desse modo, proponho as perguntas: Lola é

um tom de voz muito próximo àquele que se espera

homem? Lola é mulher? Lola é gay? Lola é heterossexual?

de uma mulher, e age expressando aquilo que o senso

Lola é bissexual? Lola é uma travesti? Comprometido

comum chamaria de feminilidade. Agrado constrói-se

que estou com uma teorização que não exige rótulos

como uma travesti marcadamente oprimida, pertencente

sociais, minha resposta a todas essas perguntas é NÃO

a uma classe econômica baixa. Outra característica

SEI. E esse não saber é satisfatório. Não sei e não preciso

que se pode entrever é sua comicidade. A graça parece

saber. Minha intenção está em, ao invés de rotular a

ser uma missão. Suas performances parecem ter de

personagem, pensar sobre a semântica por ela produzida

cumprir o compromisso do riso. Diante desses índices,

socialmente. Lola é um ótimo caminho para entender

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

626

que o gênero é uma categoria aberta, “uma assembleia

(1979), Todo sobre mi madre possibilita que pensemos

que permite múltiplas convergências e divergências, sem

em outros padrões do ser, em outros regimes de verdade.

obediências a um telos normativo e definidor” (BUTLER, 2010, p. 37).

Para terminar, retomo a noção de ideologia entrevista na perspectiva foucaultiana. Se a ideologia

E onde cabe, nesse texto, uma discussão

não é aquilo que está em oposição à verdade, já que

sobre o ensino de espanhol como língua estrangeira?

nem esta, nem aquela são potes de ouro (ou de lata) a

Vislumbrando práticas sociais emergentes na intenção

serem descobertos no fim do arco-íris, são igualmente

de novas possibilidades de ser, Moita Lopes (2009) sugere

ideológicos todos os discursos. Todos os discursos

que as ações educativas problematizem as concepções

querem nos dizer alguma coisa. Todos os discursos

normativas dos gêneros e das sexualidades e ofereçam

querem nos convencer de alguma coisa. Todos os

novas possibilidades de compreensão de discursos que

discursos querem nos fazer ser alguma coisa. O lugar

circulam no contexto da escola e também fora dela.

da neutralidade, da não-ideologia, da imparcialidade

Nessa proposta, a ação dos agentes da educação seria, entre outras, a de tornar disponíveis projetos identitários hegemônicos e não-hegemônicos no espaço de suas salas de aula. Ultrapassando os limites de uma conduta de tolerância das sexualidades não-hegemônicas, proponho

parece ser inabitável. A transgressão e a obediência são posicionamentos ideológicos disponíveis. Se uma é melhor que a outra, isso é sempre uma questão de ponto de vista.

que se busquem problematizar os processos discursivos que determinam sócio-historica e culturalmente o que é o padrão e o não-padrão. O foco proposto é menor na informação sobre os gêneros e as sexualidades e maior no processo de entendimento dos discursos sobre os gêneros e as sexualidades. “Ao se dirigir para os processos que produzem as diferenças, o currículo passaria a exigir que se prestasse atenção ao jogo político aí implicado: em vez de (...) contemplar uma sociedade plural, seria imprescindível dar-se conta (...) dos conflitos (...) constitutivos das posições que os sujeitos ocupam” (LOURO, 2001, p. 550). Assim, proponho que nós, professores de

Referências bibliográficas BUTLER, Judith (2010): Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. FONSECA, João Barreto da (2003): A piromania erótica de Almodóvar. Em: OLIVEIRA, Bernardo Barros Coelho de et alli (Orgs.). Vale a escrita? 2: Criação e crítica na contemporaneidade, p. 211-218. Vitória: Flor&Cultura. FOUCAULT, Michel (1979): Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal.

espanhol, estejamos atentos aos sentidos produzidos

______ (2003): História da sexualidade 1: a vontade de saber.

pelos materiais que utilizamos como recursos didáticos.

Rio de Janeiro: Edições Graal.

Além de ser um ótimo material para conhecer algumas nuances de sotaque da língua espanhola, para apresentar aos alunos imagens bastante representativas da arquitetura de Barcelona (cidade em que se desenrola quase toda a ação do filme), Todo sobre mi madre também está indicado para o trabalho com categorias sociais não-hegemônicas que podem desnaturalizar visões cristalizadas da vida social. Retomando Foucault

LOURO, Guacira Lopes (2001): Teoria queer – uma política pós-identitária para a educação. Em: Revista Estudos feministas. Ano 9, p. 541-553. MOITA LOPES, Luiz Paulo (2009): Linguística Aplicada como lugar de construir verdades contingentes: sexualidades, ética e política. Em: Gragoatá. n. 27, p. 33-50.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

Notas 1

Por motivos de espaço, furto-me a fazer uma sinopse do filme. Deixo, então, como sugestão o site da produtora de Almodóvar (http://www.eldeseo.es/en) para que os interessados possam obter mais informações sobre esse e outros filmes do diretor espanhol.

2

Agradeço imensamente à Profa. Dra. Silvia Cárcamo (UFRJ) pela indicação deste texto.

627

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

628

O CORPO EM CONFISSÃO: UM DISCURSO SOBRE O UNIVERSO FEMININO SIMBOLIZADO NA OBRA DE ARTE DE FRIDA KAHLO

Leticia Gomes Montenegro PG-Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Escrever é iniciar um trabalho corporal. É através

Ao supor um leitor, supõe-se também que o

do corpo que iniciamos a escrita. Uma forma textual

texto, opera como um objeto de desejo. Supõe-se sempre

surge nos contornos das palavras que se movimentam

um outro que o toca, o sente, o traduz. Mas o texto é mais

numa superfície lisa e recebe a dimensão dos sentidos da

que um objeto, é um material histórico, um documento,

linguagem. O texto é, em verdade, um corpo indefinido,

a marca de uma vida pessoal ou ainda um arquivo

delimitado apenas por ele mesmo. É um corpo mutável

cultural. É uma voz que se manifesta pela necessidade

que está em vias de tornar-se, de receber significações,

de se registrar. Assim como a própria mulher, o texto

como o corpo da mulher é, segundo Gilles Deleuze, um

ultrapassa o sentido de objeto que lhe foi atribuído

corpo em constante devir. Mesmo quando é uma mulher que devém, ela tem de devir-mulher, e esse devir nada tem a ver com um estado que ela poderia reivindicar. Devir não é atingir uma forma (identificação, imitação, mimese), mas encontrar a zona de vizinhança, de indiscernibilidade ou de indiferenciação tal que já não seja possível distinguir-se de uma mulher, um animal ou de uma molécula: não imprecisos nem gerais, mas imprevistos, não-preexistentes, tanto menos determinados numa forma quanto se singularizam numa população. (DELEUZE, 1997,p. 11)

e ocupa espaços infinitos. A mulher é um texto com infinitas possibilidades. Frida Kahlo soube representar a condição feminina através das imagens. Utilizando-se das artes plásticas, apropriou-se de uma linguagem singular e mimetizou a própria linguagem corporal na pintura. Desta maneira, neste texto pretendemos reconfigurar o universo simbólico pintado por Frida, em especial no que se volta para o corpo da mulher, através da palavra.

Nesse sentido, o caráter da escrita é feminino,

“O corpo feminino talvez seja o tema mais

uma vez que está em constante transformação. Embora

explorado ao longo da história da arte ocidental, e a

mantenha um formato em seu suporte físico, a matéria

diversidade de suas representações oferece um painel

textual é imprecisa. Segundo Deleuze, o próprio ato de

significativo dos papéis simbólicos a ele atribuídos

escrever põe o escritor em devir, assim, transpondo o

através dos tempos.” (FERREIRA, 2009, p. 81). Nesse

argumento para a pintura, entendemos que o ato da

sentido, a simbolização do corpo da mulher na arte

pintar em Frida é, acima de tudo, o devir-mulher.

proporciona uma reflexão desse mesmo corpo em sua materialidade e conformação histórica. Ermelinda

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

629

Ferreira, em seu texto Trajetória da Vênus: leituras do

a posição do corpo da mulher. “(...) ao mudar a posição

corpo feminino na arte, do classicismo À Biopaisagem,

da mulher, deitando-a sobre um leito, Ticiano acrescenta

de Ladjane Bandeira, apresenta um panorama das

um detalhe postural definitivo à tradição, que passa a

representações do corpo ao longo da história da arte

ser copiada na modernidade, tanto pelos românticos

ocidental. Conforme Ermelinda, inicialmente as

como pelos realistas.” (FERREIRA, 2009, p. 82) Essa

mulheres invadiram as pinturas de natureza morta, como

nova postura originou mais uma continuidade entre os

personagens cujas individualidades tendiam a zero.

pintores, dentre eles Francisco José de Goya y Lucientes (1746 – 1828) e Edouard Manet (1832 – 1883). Em 1950,

Confundidas com o ambiente, transformadas numa categoria espacial, as mulheres figuram ao lado das coisas, tidas como decorativas (...) retratadas com a mesma imobilidade, silêncio e beleza que envolvem os objetos e seres com os quais elas lidam: os utensílios, os alimentos, as crianças e os animais. (FERREIRA, 2009, p. 81)

o pintor surrealista René Magritte põe um ponto final – ou de interrogação – nesta tradição da representação do corpo feminino nu na arte iniciada com a Vênus, na qual a mulher é apenas um corpo-objeto ou um ser idealizado. Magritte substitui o corpo da mulher por um caixão. Sua releitura do quadro Madame Récamier

O que pode ser verificado no quadro A Leiteira

(1800) é deveras irônica e significa uma atitude frente

de Johannes Vermeer, pintor holandês do século XVII.

à apropriação inadequada das artes plásticas sobre o

Não há dúvida de que as mulheres não eram consideradas

corpo da mulher.

sujeitos. Eram representadas sem individualidade, personalidade ou quaisquer tipos de traços singulares que as diferenciasse dos demais objetos. “Apesar disso, como diz John Berger, o gênero por excelência no qual a mulher é o tema principal é o nu.” (FERREIRA, 2009, p. 82)

Com a modernidade, outros artistas plásticos deram continuidade a um movimento contrário à coisificação da mulher e apagamento de seu ser. Mulheres surgiram como pintoras abordando a questão sob outras perspectivas, que não mais apenas a de objeto. De forma a criticar as apropriações indevidas desse corpo, Rodin produziu obras de caráter bastante contraditórios, a exemplo da escultura Mão com torso Feminino (Rodin,1917), na qual podemos ver a fragilidade da mulher reduzida apenas a seu torso e colocada dentro das mãos de um homem. É a verdadeira imagem da dominação masculina. Assim concluímos que as representações da mulher como um objeto de desejo são construídas a partir de corpos inertes, sem identidade ou história, por esta razão, muitas vezes, a

A Leiteira de Johannes Vermeer Johannes Vermeer; A Leiteira, 1658-60. Amsterdã – Holanda: FONTE: http://www.rijksmuseum.nl

Existe uma tradição na pintura ocidental que versa sobre o corpo feminino. Ela vem desde a Vênus, escultura Grega, de autoria desconhecida, até a modernidade com os românticos e os realistas, passando por Ticiano que com a Vênus de Urbino de 1536 mudou

mulher tem seu corpo reduzido apenas às partes íntimas e sexuais. Diante disto, torna-se visível que a sociedade ocidental, historicamente, parte de um pressuposto de relação binária dos corpos: corpo feminino, que corresponde a um corpo de mulher (corpo-objeto), e corpo masculino, que corresponde a um corpo de homem (corpo de um ser completo e dominador).

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

630

Assim, ao descrever o conjunto das obras de arte de Frida Kahlo, nos deparamos com a necessidade de afirmar as reflexões as quais nos provoca em relação à mulher. Mas afinal, o que é uma mulher? Em O que é uma mulher?, Susana Bórneo Funk tenta dar conta desta pergunta de caráter tão amplo e complexo. Muito provisoriamente, eu diria que uma mulher é um indivíduo cuja subjetivação ocorre dentro de normas e comportamentos socialmente definidos como femininos pelo contexto cultural em que se insere, seja aceitando-os ou rebelando-se contra eles. E mal acabo de colocar o ponto na frase quando uma outra pergunta se insinua: precisa ser biologicamente uma fêmea? Acredito que não, embora reconheça que a polaridade que a ciência historicamente construiu para os corpos humanos dificilmente permita uma subjetivação fora das normas do sexo biológico. (FUNCK, 2011, p.)

Susana Funk não descarta a naturalização biológica dos sexos, uma vez que esta perspectiva nos é de tal forma imposta que se tornou uma norma exterior às transformações históricas. Contudo, se pensarmos as artes plásticas, ou mesmo a literatura, em poucos momentos verificaremos produções de autoria feminina que tratem da mulher de uma maneira integral, buscando representar não apenas essa relação binária dos corpos, mas suas identidades, emoções e experiências. O biológico, aliás, é o que encontraremos em menor proporção no campo das artes de forma tão reveladora como o vemos em Frida. Diego Rivera, seu esposo, já falava de Frida como a “primeira mulher na história da arte a tratar, com absoluta e descomprometida honestidade, podíamos até dizer, com uma crueldade indiferente, aqueles temas gerais e específicos que apenas dizem respeito às mulheres”. (KETTENMANN, 2010, p. 19) Em “O Hospital Henri Ford ou A cama voadora” de 1932, Frida expressa claramente o que lhe acontecera nesse mesmo ano; um aborto. O fato se deu em 4 de julho desse mesmo ano, e já não era o primeiro em sua vida.

Hospital Henri Ford Ou A cama Voadora, 1932.

No quadro há 6 elementos conectados a ela por fios de sangue, como artérias que ela segura com a mão esquerda. Os elementos são: um torso de mulher mostrando apenas o órgão reprodutor feminino, o bebê já totalmente formado e em tamanho proporcionalmente maior que a própria Frida, um caracol, uma máquina de hospital, uma orquídea e a bacia. Se considerarmos a única lágrima que sai de seus olhos como um elemento teremos por fim sete. Os símbolos são comumente associados a sua gravidez e a sua sexualidade. A paisagem é formada por um campo desértico e ao fundo deparamo-nos com uma cidade industrial, é o complexo da companhia Ford; a frieza do progresso industrial em contraste com o frágil destino humano. Esse conjunto nos revela uma encenação do mundo exterior na figuração do fato real de sua vida, contudo nos interessa o essencial do acontecimento; o aborto, fato inerente ao ser-mulher. Assim como Deleuze destaca na sua análise sobre as obras de Francis Bacon, em Frida “o corpo também é a figura, ou melhor, o material da figura”. Mas Bacon é o pintor de cabeças, Frida do próprio corpo e das partes que o compõem. No entanto, compreendemos nesta análise que ambos realizam o que Deleuze denominou de “uma zona de indiscernibilidade, de indecibilidade entre o homem e o animal”. Esta zona em Frida pode ser vista nos elementos simbólicos, no quanto eles encontram-

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

se na eminência de uma revelação, mas não são de fato conclusivos e, além disso, na própria transfiguração animal ou planta, como no quadro “O veado ferido” de 1946 ou “A Flor da Vida” de 1943. Em ambos revela-se uma outra mulher. A mulher em devir, em busca de si mesma, em transformações constantes com a sua história cultural e fora dela. Sua pintura difere de Bacon no que concerne às formas; Frida pinta as formas e o que há de desforme no corpo da mulher. É preciso buscar, desvendar, desvelar o inaudito do universo feminino para sentir o que figura em suas telas. Essa zona objetiva de indiscernibilidade já era todo o corpo, mas o corpo como carne ou vianda (viande). Sem dúvida, o corpo também tem ossos, mas os ossos são apenas estrutura espacial. (...) O corpo só se revela quando deixa de ser sustentado pelos ossos, quando a carne deixa de recobrir os ossos, quando ambos existem um para o outro, mas cada um em seu lugar, os ossos como estrutura material do corpo, e a carne como material corpóreo da figura. (DELEUZE, p, 30)

Observar a figura de Frida num corpo de um animal é puro devir. É pensar que essa mulher se identifica ou se compadece desse ser animal, que como ela, não tem lugar legitimado na história do mundo. Um corpo em martírio, o dela que se mistura ao do veado. Interpretar uma pintura como a Flor da Vida comparando-a a um corpo de mulher, ou ao órgão reprodutor de mulher, é admitir que buscamos interpretar sua obra e, consequentemente, que criamos um texto a partir dela. Um texto-corpo ou o corpo do texto em Frida nos refere a essas identidades diversas e ao mesmo tempo tão limítrofes com a condição feminina na cultura ocidental. Então quando falamos em mulher, compreendemos um plural: são mulheres negras, brancas, índias,

631

O próprio sujeito das mulheres não é mais compreendido em termos estáveis ou permanentes. É significativa a quantidade de material ensaístico que não só questiona a viabilidade do “sujeito” como candidato último à representação, ou mesmo à libertação, como indica que é muito pequena, afinal, a concordância quanto ao que constitui, ou deveria constituir, a categoria das mulheres. (BUTLER, 2010, p. 18)

Das pinturas de Frida emergem essa noção de mulher, a mulher que compreende o seu devir, as suas transformações e não as conforma socialmente no enquadramento que a história lhe tenta impor. As mulheres em Frida são todas figuradas nela mesma, mas ela surge mostrando essas diferenças no modo de vestir, nos detalhes de cada pintura. Ela faz transbordar suas identidades culturais nos meandros mais singelos dos quadros. Não são apenas em momentos explícitos, como o quadro em que pintou a si mesma com roupas tejuanas, de origem indígena, destacando, dessa forma, a cultura pré-colombiana do México. Mas ao pintar, por exemplo, em “Mi nascimiento”, de 1932, na parede de um quarto, o pequeno quadro da Nossa Senhora das Dores, revelando uma estreita relação com o catolicismo, e consequentemente uma mulher, em certa medida, religiosa. As identidades representadas por Frida versam, principalmente, sobre a cultura mexicana, a política, sua vida íntima amorosa, e o desejo de ser mãe. De modo a exprimir suas ideias e sentimentos, Frida Kahlo desenvolveu uma linguagem pictórica pessoal com vocabulário e sintaxe próprios. Usou símbolos que, uma vez decodificados, nos permitem ter um conhecimento profundo sobre a sua obra e as circunstâncias que presidiram à sua criação. (BALD e TASCHEN. p. 20)

A arte surgiu na vida de Frida Kahlo após

ameríndias, afrodescendentes, europeias, caucasianas,

um trágico acidente que sofreu ainda na juventude e

de diferentes classes sociais, mulheres donas de casa,

que a colocou imobilizada por longo período em sua

mães, profissionais, heterossexuais, homossexuais,

cama. Começou a pintar no decorrer do tempo em que

emancipadas financeiramente, dependentes, etc...

ficou deitada, imobilizada por coletes prescritos por

Muitas são as nuances que caracterizam as identidades

médicos. Um espelho fixado à sua cama de modo que

femininas na pós-modernidade. Sobre isso, Judith Butler

ela pudesse se ver possibilitou o início da produção de

afirma que;

seus autorretratos, o que veio a ser posteriormente, o

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

632

peculiar de sua arte. É de extrema relevância a relação

intrigante neste quadro é o seu rosto, não parece

amorosa que Frida manteve com Diego Rivera, grande

transmitir nenhum sentimento, ela olha em direção

artista da época e ativista político. Frida, então, dedicou

reta, longe, o semblante não define emoções. Porém, de

sua vida à pintura, ao amor intenso por Diego, ao

alguma maneira a mulher pintada em Frida mesmo sem

comunismo com todas as suas razões políticas e ideais

emitir emoção possui singularidades que a conferem

de igualdade, e ainda a um importante movimento

uma identidade sólida como o chão em que se deitou.

pela identidade cultural mexicana, tornando-se, dessa forma, um ícone da luta feminina por ter ocupado um espaço socialmente público ainda nos anos 3040 e por sua construção enquanto sujeito histórico. Frida Kahlo, indiscutivelmente, criou uma linguagem própria, fundamentada na imagem de si mesma, porém ultrapassou o individual, organizando a experiência social feminina através da arte.

Ao observar mais uma vez a imagem de Frida deitada neste solo seco, estéril, atravessada por galhos e folhagens verdes, deparamo-nos agora com um retorno ao passado. Se lembrarmos do momento na pintura no qual a mulher foi pela primeira vez colocada em outra posição, modificando, dessa forma, toda a tradição anterior. A imagem do solo seco nos reporta a uma não naturalização do desejo sexual do corpo feminino, não é um corpo apenas fértil, um solo que dá frutos,

.

mas um corpo desejante e infértil. Não é Vênus de pé, não são as aparições de Maria flutuando sobre nuvens, nem são as esculturas gregas nuas, ou torsos sem referências culturais. É a mulher que espera alguém deitada em sua cama firme e desconfortável, é a mulher em transformação com a natureza, é a mãe terra que a absorve, já que não pode ela mesma ser mãe.

KAHLO, Frida. Raízes, 1943

As correspondências entre vida e obra de Frida Kahlo proporcionaram uma ampla compreensão do

No quadro “Raízes” (1946), podemos vê-la deitada em solo infértil, com uma textura de alto e baixo relevo, pedregoso e ao mesmo tempo desértico. Frida encontra-se atravessada por caules e folhas verdes, folhas com imensas raízes que maternalmente recebem o corpo feminino que se encontra em posição de espera, um tanto sensual. Um corpo que nos possibilita a experiência da sensação de uma mulher planta, uma mulher terra, símbolo de uma fertilidade ausente dela mesma.

processo transgressor que a artista constitui em suas obras ao representar o corpo da mulher sob uma perspectiva totalmente diversa da tradição ocidental. Em seus quadros, Frida se exprime de uma forma reveladora, reverberando discursos adormecidos de uma alma feminina. São mostradas questões mitificadas como o parto, o nascimento e o desejo da mulher rompendo com qualquer tradição artística. Ela revela o que foi obscurecido pela história do patriarcalismo, sem receios de repressões sociais. Os anseios de muitas mulheres

As raízes são a sua coluna, suas vértebras,

emergem através de sua obra. A necessidade de ser mãe,

talvez por isso esteja deitada, não há em seu corpo a

a dor do abandono, do aborto, a violência doméstica

sustentação própria. A impossibilidade de manter-se

contra a mulher, dentre outras condições inerentes ao

em pé transfigura-se nesta tela numa relação com a

sujeito feminino encontram-se simbolizadas em seus

natureza. Seus pés não são vistos, pois estão cobertos

quadros. Os sentidos que atravessam cada composição

pelo seu vestido tejuano, de origem indígena. O mais

pictórica perpassam também a longa história ocidental

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

633

de opressão contra as mulheres. É uma comunicação

domínio da História, poder documentar e fazer parte

infinita na medida em que nos revela possibilidades

desses documentos, proporcionando o espaço para que

ilimitadas de interpretação e recepção.

a mulher se constitua enquanto sujeito, porque “o devir

O princípio ativo da pintura na arte de Frida encontra-se no próprio corpo, a arte configura-se como um retorno de sua materialidade, e não apenas isso, mas de um corpo imaterial também, à medida que se pintava

não vai num sentido inverso, e não entramos num devirhomem, uma vez que o homem se apresenta como uma forma de expressão dominante que pretende impor-se a toda a matéria.” (DELEUZE, 1975, p. 11)

em transformações e mutações. Ao admitirmos o caráter

Frida ingressa na construção de um cosmos

de objeto de desejo do corpo feminino, afirmamos

transgredindo, dessa forma, o controle e a dominação

também que Frida se entrega ao desejo de si mesma.

masculina do mundo em que está inserida, revelando

O seu corpo repetido como registro de uma identidade

e escondendo o que há de mais secreto do universo

plural: índia, mexicana, camponesa, mulher-mãe,

feminino. Exercendo o seu domínio sobre o mundo

ativista política, esposa, artista plástica, filha católica.

através da arte, ela entra em contato com o que há de

Todas essas Fridas figuram em seus quadros na imagem

mais original, peculiar e complexo, tanto naquilo que

de uma única mulher. O desejo ao qual Frida se entrega,

nos constitui enquanto sujeitos desejantes quanto na

transborda em imagens, em linguagem poética na

própria feminilidade, ela nos oferece uma compreensão

pintura.

do próprio sentido da condição ser-mulher.

Traduzida em traços firmes e delicados, estamos diante de uma mulher com o domínio sobre a plasticidade, uma mulher com o poder de mexer com o inaudito do ser feminino e transformá-lo em imagem, cor e símbolos através da experiência da pintura. Não se registra na história da pintura, principalmente até a sua

Referências bibliográficas BUTLER, Judith (2010): Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade.Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

época, outra produção equivalente à de Frida Kahlo. As

DELEUZE, Gilles (1997): Crítica e Clínica. São Paulo:

partes do corpo feminino são explicitadas, atribuindo-

Editora 34.

lhes um sentido estético e não mais coisificadas. Os limites de seu trabalho são impostos apenas por sua própria identidade, imagem de si criada e estabelecida por si mesma, por uma afirmação cultural e por seus problemas de saúde refletidos na estrutura de um corpo em desintegração, como ela mesma se descreveu em seu diário “yo soy la desintegración”, por volta de 1944. Concluímos, assim, que as obras de Frida nos propõe uma abertura do pensamento em dois sentidos: um mergulho profundo no universo plural da mulher,

DELEUZE, Gilles (2007) Francis Bacon. Lógica da sensação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. FERREIRA, Ermelinda Maria Araújo (2009): Trajetória da Vênus: leituras do corpo feminino na arte, do classicismo à biopaisagem, de Ladjane Bandeira. Em: Literatura e corpo. Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea. nº 33, p. 81-106 FUNCK, Susana Bórneo (2011): O que é uma mulher?. Em: Revista Cerrados. Palavra e poder: representação na literatura de autoria feminina, Nº 31, ano 20, Brasília: UNB, p. 65–74

e uma compreensão do real através dos símbolos na

KETTENMANN, Andrea. (2010) FRIDA KAHLO. Lisboa:

eminência do ato revelador. Esse processo ocorre por

TASCHEN GmbH.

uma necessidade de exercer a sua identidade feminina. Possuir a sua própria história para ter também o

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

634

LA POTENCIALIDAD DE LOS MATERIALES LÚDICOS COMO PROTOCOLO DE OBSERVACIÓN PARA EL RECONOCIMIENTO DE GÉNEROS TEXTUALES ESCRITOS EN ESPAÑOL

Letícia Joaquina de Castro Rodrigues Souza e Souza UFC Ana Célia Clementino Moura UFC

Introducción

Para alcanzar este fin, nos valemos de los siguientes elementos, posibles responsables por el

Los estudios sobre letramento en lengua

reconocimiento de géneros textuales: (i) estructura;

extranjera señalan la importancia de reconocer la

(ii) propósito comunicativo; (iii) contenido; (iv)

relación entre el texto y el contexto no sólo en que se

rol de los interlocutores; y (v) contexto situacional.

produce el texto sino de reconocer la importancia de las

(MARCUSCHI, 2008, p. 164)1

relaciones sociales y comunicativas de la lengua. Para que la comunicación se desarrolle de forma adecuada, es de máxima necesidad el dominio de géneros textuales, ya que para que se mantenga una relación comunicativa de interacción entre los aprendices hay que saber reconocer y emplear los géneros textuales, sea en la más sencilla o en la más compleja manifestación del lenguaje. Por admitir la relevancia de este tema y las dificultades enfrentadas por estudiantes con respecto al reconocimiento de géneros textuales, este estudio

Teniendo como parámetro los referidos elementos, investigamos cuáles géneros textuales son los más reconocibles o aún cuáles son reconocidos primero por los alumnos de nivel inicial y avanzado de lengua española. Por otro lado, utilizamos como herramienta de análisis los protocolos verbales, o protocolos de pensar alto. (BALDO, 2011, p. 152). Metodología que permite a los participantes verbalizar sus pensamientos durante la ejecución de una tarea.

tiene como meta relatar la aplicación de tests con juegos

Tenemos como meta demostrar el potencial de

que nos ayudaron a analizar, parcialmente, los procesos

los materiales lúdicos como herramienta auxiliar para

cognitivos involucrados en la tarea de reconocer géneros

el uso de protocolos verbales. Creemos en la funciona-

textuales escritos en lengua española por parte de los

lidad de los juegos como estrategia de acercamiento a

alumnos del primer y octavo semestres de la Carrera

los géneros textuales y para que podamos observar los

de Letras Portugués/Español de la Universidade Federal

procesos cognitivos implicados en el reconocimiento de

do Ceará.

géneros textuales escritos en lengua extranjera, para el presente estudio la española.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

635

Está bastante claro que el aprendizaje efectivo

reactividad. No creemos que hablar alto mientras se

de la lectura se logra a través del contacto con géneros

realiza la tarea de lectura aporte algún efecto negativo a

textuales variados. Hay autores que defienden la

la comprensión lectora de adultos.

importancia de conocer los diferentes géneros que circulan oralmente o por escrito, pues estos constituyen una forma de comportamiento social. (ANTUNES, 2099)

Creemos que una de las ventajas del uso de protocolos verbales estén relacionadas a la posibilitad de obtenerse un rasgo indirecto de los procesos cognitivos humanos. Para el presente estudio, el reconocimiento

El lenguaje y el desarrollo de la afectividad están profundamente relacionados, y este último influye decisivamente en el nivel de lenguaje. El aprendizaje significativo se consolida a través de un proceso activo, inteligente, de resolución de problemas por parte del aprendiz, de ahí la importancia de los juegos para la verificación del aprendizaje.

Uso de protocolos verbales Mucho se discute dentro del área de Adquisición de Segunda Lengua (ASL) sobre la validez, o no, del uso de protocolos verbales como herramienta de verificación del proceso de adquisición de segunda lengua y como vehículo para el mapeo de la atención y de la consciencia. (LEOW y MORGAN-SHORT, 2004) Tales discusiones nos parecen bastante relevantes, ya que estamos convencidas de que los relatos verbales constituyen un importante elemento para explorar las estrategias cognitivas de aprendices adultos, a medida que leen un texto en L22, sea a través de la introspección o de la retrospección. Aunque haya críticas estrictas al método que, según algunos estudiosos hace diferir el comportamiento seguido por el procesamiento interno del participante de aquel considerado caso no le fuera permitido verbalizar a la hora de ejecutar una tarea. (LEOW, 2002)

de géneros textuales en lengua española. No obstante, la medición de este rasgo es interpretada considerando más bien las impresiones del investigador, sobre todo, cuando se trata del uso de introspección, cuando la inferencia se hace por parte exclusiva del investigador, y no por los participantes, lo que puede ocasionar fallos de interpretación. A pesar de las limitaciones del método, creemos que hay aspectos muy positivos, lo que lo convierte en un instrumento relevante para el análisis de los procesos cognitivos implicados en la lectura en L2, ya que no hay intervalo entre la tarea y la verbalización. Se registra el comportamiento de los participantes de forma continua, sin interrupciones, lo que puede facilitar la reunión de evidencias para diagnosticar las estrategias usadas por los participantes durante la actividad de reconocimiento de géneros textuales por medio de la lectura. Los juegos pueden permitir que la verbalización se dé de forma inconsciente y relajada, sobre todo, porque se trata de verbalizar en una L2. Para la psicología del desarrollo, la verbalización ante una tarea cognitiva es muy necesaria para llevar a cabo la actividad. Esa es tan importante cuanto la acción para alcanzar determinado objetivo. Comparando el desarrollo infantil con el desarrollo de aprendices de L2, principalmente a los de nivel inicial, se puede observar la necesidad de hablar durante la ejecución de la tarea,

Sin embargo, no creemos que el uso de protocolo

que el habla y la acción parecen formar parte de una

verbal induzca a la caída de la performance del aprendiz

misma función psicológica compleja en este estadio,

en lo que concierne al procesamiento internalizado de

ambas direccionadas para la resolución de un problema.

la información, en términos de atención, conciencia y

(VIGOTSKI, 2007, p. 13)

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

636

La debilidad del método se concentra en la etapa de descodificación de los datos. Si la subjetividad

cognitivos que ocurrieron en un momento anterior”. (BALDO, 2011, p. 153)

de la introspección se presenta como un elemento desfavorable hay que considerar otros elementos, como por ejemplo, la asociación del uso de protocolos verbales introspectivos con el uso de protocolos verbales retrospectivos. (ERICSON y SIMON apud BALDO,

Todavía en lo que concierne a los procedimientos metodológicos, clasificamos la investigación como estudio de caso, ya que se optó por investigar sobre un determinado grupo de alumnos.

2001, p. 167). Dicha asociación puede fornecer más

Realizamos, en este trabajo, una investigación

elementos para confirmar o rechazar la interpretación

que nos permitió describir, parcialmente, como emerge

de los datos.

el conocimiento sobre los géneros textuales en alumnos

Es relevante considerar que las indagaciones sobre cómo se constituyen y lo qué caracterizan los conjuntos de enunciados “relativamente estables” son objeto de análisis de muchos investigadores. Asimismo, no se puede afirmar que haya un consenso sobre lo qué caracteriza los diversos textos. (BONINI, 2002) Los géneros, como los demás comportamientos sociales, suelen ser tipificados y estables, esto es, poseen moldes en los que somos capaces de reconocer su regularidad e incluso adivinar su contenido. Se supone que, aunque intuitivamente, los usuarios de una determinada lengua son capaces de saber que existe una especie de modelo para cada género textual; lo que no se sabe es cómo lo hacen o qué recursos utilizan para reconocer este modelo. En el caso de una lengua extranjera, es

de semestres iniciales y avanzados de lengua española. Nos interesó tanto identificar cuáles géneros textuales presentes en una sociedad letrada son reconocidos por estudiantes de lengua española como correlacionar el conocimiento de lengua materna con los de la lengua meta. Para este f in, nos valemos de juegos confeccionados y validados por las becarias PIBIC y por nosotras. Todos los juegos fueron elaborados conteniendo el nombre del género textual y un fragmento de cada uno de los géneros explorados. Entre ellos, seleccionamos, el cuento infantil, la receta, la entrevista, el anuncio, la propaganda, la carta, la nota, el prospecto, la noticia, el reportaje, la oración, el horóscopo, la adivinanza, el rótulo y la lista de la compra.

relevante verificar, asimismo, cómo la lengua materna

Los juegos fueron idealizados por la investigadora

del individuo interviene en dicho proceso de identifi-

Ana Célia Clementino Moura. Uno de los juegos se

cación.

llama Encontrando los pares, que consiste en que los participantes, por turnos, vayan volviendo unas tarjetas colocadas boca abajo sobre la mesa y, a medida que van

Metodología

leyendo el contenido de las mismas, intenten asociar el fragmento leído al género al que pertenece. Tiene

Para dicho estudio, utilizamos como técnica

que asociar, por ejemplo, fragmentos de textos con

de recolección de datos el uso de protocolos verbales,

estructuras del tipo o a la tarjeta ‘cuento infantil’; a la tarjeta ‘receta’; a la tarjeta ‘anuncio’;

la vez” y en los segundos “los sujetos relatan los procesos

a la tarjeta ‘carta’; a

637

Análisis de los datos

la tarjeta ‘prospecto’; a la tarjeta ‘oración’; a la tarjeta ‘horóscopo’; etc.

Corpus 2011.2 – Grupo S-I Los datos se analizaron considerando algunos de los elementos de reconocimiento de géneros textuales

El primer corpus, recolectado en 2011.2, traía el

tales como: (i) estructura; (ii) propósito comunicativo;

juego Encontrando los pares compuesto de 12 tarjetas. Se

(iii) contenido; (iv) rol de los interlocutores; y (v)

realizó el juego con 10 alumnos de primer semestre de

contexto situacional. (MARCUSCHI, 2008, p. 164)

la Carrera de Letras/Español de la Universidade Federal do Ceará.

Entre las ocurrencias, encontramos con mayor frecuencia el reconocimiento a través de la estructura,

El segundo corpus se construyó en 2012.1, se

principalmente, de los géneros horóscopo “A lo largo

trata de los juegos Encontrando los pares y Dominó. El

de la semana, habrá cambios en su vida.”, que según los

primer compuesto de 30 tarjetas y el segundo por 39

informantes, dice respecto a situaciones que pasarán

tarjetas. Los juegos se realizaron con 5 estudiantes de

en el futuro, identificados por la marca verbal; cuento

octavo semestre de la Carrera de Letras/Español de

“Érase una vez una tortuga que nadaba en el mar, con los

dicha universidad. Para el presente trabajo presentamos

pececitos.” porque normalmente los cuentos se inician

solamente los datos obtenidos durante la realización del

con la estructura “Érase una vez” y narran algún suceso

juego Encontrando los pares, ya que este fue aplicado con

de forma rápida; y la nota “Mamá, mañana no habrá

ambos grupos. Nombramos al primer grupo de (S-I); al

clase.” pues inicia con un vocativo que es peculiar al

segundo, (S-VIII).

género y comunica algo a alguien.

Sobre la aplicación de los juegos, es necesario

Otra forma de reconocimiento recurrente fue

aclarar que seguimos algunas etapas. Primeramente, se

la de contenido y propósito comunicativo a través del

valoró como un elemento importante la grabación y la

género propaganda “Tenga ahora su teléfono prepago,

realización de apuntes sobre el comportamiento de los

sin costes adicionales.”, los informantes afirmaban que se

alumnos, es decir, que se registrara sistemáticamente la

trataba de una propaganda porque se intentaba vender

conducta de los participantes durante la realización de

un móvil; y la oración “Protégenos, Dios, de todos los

los juegos en una ficha de acompañamiento individual.

peligros.”, porque se pedía algo a Dios.

Esa es la razón por la cual todas las actividades fueron conducidas por un mínimo de dos personas, las becarias. Una se quedó responsable de acompañar al juego y la segunda de la grabación y de los apuntes. Luego una se quedó responsable de la evaluación de los protocolos verbales concurrentes y la otra de la evaluación de los protocolos verbales retrospectivos. Cada juego testó los conocimientos sobre géneros textuales, y, al final, con base en la técnica del protocolo verbal se hizo las inferencias sobre el grado de letramento de los estudiantes en lengua española.

La noticia “Lo hecho ocurrió ayer a las 14 horas” fue reconocida, por la mayoría, a través del propósito comunicativo, es decir, los informantes entendieron que la intención del texto era informar que algún hecho importante sucedió a las 14 horas. Fue también la noticia entre todos los géneros que obtuvo más formas diferentes de reconocimiento, la que más llamó la atención fue por exclusión, eso pasó porque algunos informantes se demostraron indecisos entre la noticia y la propaganda y porque algunos no sabían lo que significaba la palabra

“hecho”.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

638 Estrategias de reconocimiento Estructura Propósito Comunicativo Contenido Exclusión Total

Ocurrencias 32 7 23 3 65

Cuadro 1 – Estrategias de Reconocimiento – Grupo S-I

Entre los géneros seleccionados para este juego lo que causó más duda en los participantes fue el prospecto, ya que la mayoría no sabía el significado en portugués y con los fragmentos que tenían les era imposible hacer asociaciones, confundieron este género con la nota y el rótulo; afirmaron ser la nota porque se trataba de algo

Corpus 2012.1 – Grupo S-VIII

En lo que concierne a las ocurrencias del segundo grupo, S-VIII, se presentó un grado de complejidad más grande cuando comparamos y analizamos los datos. Eso se dio porque el nivel de maduración y el contacto con géneros textuales es mayor entre estos informantes, ya que están cursando el último semestre de lengua. Asimismo, verificamos confusiones y dificultades durante la tarea de reconocimiento de géneros. Entre las ocurrencias, encontramos con mayor frecuencia el reconocimiento a través del contenido y la estructura. Los géneros más reconocidos por el contenido fueron la oración “Líbranos de todo mal,

que uno no debía olvidarse y otros afirmaron ser un rótulo a causa del soporte, porque aparecería en la caja de remedios. Hubo aún aquellos que lo “reconocieron” por exclusión, no sabían que significaba y lo asociaron a la tarjeta restante. Un participante tuvo problemas para identificar y decir porque el género correspondía a la propaganda y al anuncio, para ellos los dos eran la misma cosa, la única diferencia era el soporte, periódico y televisión. Estrategias de Reconocimiento Estructura Propósito Comunicativo Contenido Exclusión Total

Ocurrencias 16 8 34 5 63

Cuadro 2 – Estrategias de Reconocimiento – Grupo S-VIII

amén”, la receta “Mezcla la harina con la sal”, el cuento “Érase una vez un chico al que le gustaba ir caminando a la escuela” y la lista de la compra “Arroz / Frijoles / Macarrones / Harina”. Los informantes reconocieron los fragmentos por el contenido porque ellos asociaban las palabras en español con su significación en portugués, así ellos percibían que el contenido estaba determinado por el género.

Conclusión La importancia de este estudio se justifica porque posibilitó al aprendiz de lengua española reconocer un número amplio de géneros, así como su diseño, a quién se destina, su función social y el lenguaje utilizado. Los géneros están presentes en diversas actividades

Los géneros reconocidos por la estructura fueron

cotidianas. En algún momento del día, uno se enfrenta

la adivinanza “¿Qué ser es el que anda de mañana a

con la lectura de un anuncio, de un prospecto, de una

cuatro pies, a mediodía con dos y por la noche con tres?

receta, de una lista de la compra, de instrucciones para

Respuesta: el hombre” y la lista de la compra “Arroz /

poner en funcionamiento un electrodoméstico, de un

Frijoles / Macarrones / Harina”. Los estudiantes dijeron

e-mail, etc.

que se trataba de la adivinanza porque había pregunta y respuesta, característicos del género adivinanza, ya con la lista de la compra ellos observaron que los ítems pertenecían a una misma clase y estaban separados por rayas lo que les hacia recordar la secuencia de una lista llevada al supermercado.

Así, tanto el desarrollo de la investigación como los resultados fortalecieron en alguna medida el proceso de letramento del aprendiz de lengua española, ya que por medio del conocimiento de diversos géneros textuales se llega a un amplio número de informaciones presentes en el mundo contemporáneo.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

639

Otro punto a favor se refiere a la posibilidad de

El juego en clase, además de ser un elemento

que el reconocimiento de los géneros textuales funcione

de entretenimiento, motiva el pensamiento y favorece

como elemento favorable en el enriquecimiento de

el desarrollo de estrategias que colaboran para la

la habilidad lectora, pues permite a los alumnos el

construcción de significados, para la asimilación de roles

desarrollo no sólo de estrategias de reconocimiento sino

sociales, para el entendimiento de las relaciones afectivas

también el desarrollo de estrategias de comprensión

y, además, para la adquisición de conocimientos. Para el

lectora, y futuramente el desarrollo de la producción

presente estudio constituyó una importante herramienta

escrita, ya que el usuario de la lengua española será

complementar para la realización de protocolos verbales.

capaz de relacionar lenguaje, diseño y función social a determinado género, lo que le permitirá en algún momento producirlo. El contacto de los estudiantes con los géneros textuales en lengua materna favoreció el reconocimiento de los mismos géneros en lengua española, eso se

Referencias bibliográficas ANTUNES, Irandé (2009): Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola Editorial.

observó cuando todos los participantes afirmaron haber

BALDO, Alessandra (2011). Protocolos verbais como recurso

tenido contacto con los géneros textuales seleccionados

metodológico. In Horizontes de Linguística Aplicada, ano 10,

anteriormente en lengua materna. Obser vamos también que prevalece el reconocimiento de géneros por la estructura en los semestres iniciales, es decir, los aprendices reconocen fácilmente los géneros por su modo típico de organización

n.1, jan/jun LEOW, R. P. (2002): Models, attention, and awareness in SLA: A response to Simard and Wong’s (2001) “Alertness, orientation, and detection: The conceptualization of attentional functions.” Studies in Second Language Acquisition, 24, 113–119.

en el texto y por las partes que lo componen. Algo de

LEOW, Ronald P., MORGAN-SHORT, Kara (2004): To think

gran relevancia para el estudio fue comprobar que los

aloud or not to think aloud: the issue of reactivity in SLA

géneros textuales primarios, mejor dicho, los que forman

research methodology. USA: Cambridge University Press,

parte del cotidiano, tales como la nota y la carta, son

p 35-57.

reconocidos más fácilmente porque están más presentes en el contexto comunicativo de los investigados. Por fin, observamos la interferencia del léxico en el reconocimiento de los géneros, es decir, el aprendiz consigue reconocer el género por un conjunto de

MARCUSCHI, Luis Antonio (2008): Produção, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Parábola. VIGOTSKI, L.S. (2007): A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Michael Cole [et al] Orgs; José Cipolla Neto, Luís Silveira

palabras con características en todas las estructuras

Menna Barreto, Solange Castro Afeche (Trads.). 7ª. Ed. São

textuales, como por ejemplo: > en

Paulo: Martins Fontes.

el cuento y: > en la oración. Sin embargo, es importante observar que la misma influencia del léxico, trajo complicaciones en lo que dice respecto al conocimiento personal de cada estudiante de la lengua, ya que por no haber reconocido el léxico característico de los géneros, algunos demostraron dificultades en la conclusión final de sus análisis de reconocimiento.

atas do vii congresso brasileiro de hispanistas

640

Notas 1

Las autoras del estudio son las responsables por las traducciones realizadas de los textos escritos en lengua que no la española.

2

No se hará distinción entre los términos segunda lengua (L2) y lengua extranjera (LE).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

641

LA TAREA/RENUNCIA DEL TRADUCTOR EN JOSÉ MARÍA ARGUEDAS

Ligia Karina Martins de Andrade FPB

La tarea del traductor en la obra de José María Arguedas (1911-1969) asume una serie de

enmascaramiento y en todo su potencial. En una entrevista, dice

etapas, lo que se asignará en este trabajo como “metáforas poéticas” de la traducción, y que trazan las líneas de su producción en este aspecto. La tarea de (auto)traducción se debe a su experiencia relacionada a las comunidades andinas, campesinas e indígenas del Perú profundo y su labor como profesor a lo largo de muchos años en las comunidades y en Lima. Esto está demostrado desde su niñez y su filiación a esta cultura andina y quechua ancestral y su posterior inserción como escritor e intelectual de reconocimiento nacional e internacional. La problemática inicial era plantear la representación del indígena sin el falseamiento que se presentaba en la literatura indigenista (López

(...) ¿En qué idioma se debía hacer hablar a los indios en la literatura? Para el bilingüe, para quien aprendió a hablar en quechua, resulta imposible, de pronto, hacerlos hablar en castellano; en cambio, quien no los conocía a través de la niñez, de la experiencia profunda, puede quizá concebirlos expresándose en castellano. Yo resolví el problema creándoles un lenguaje especial, que después ha sido empleado con horrible exageración en trabajos ajenos. (...) La novela realista al parecer no tenía otro camino. [...] el desgarramiento, más que de los quechuismos, de las palabras quechuas, es otra hazaña lenta y difícil. ¡Se trata de no perder el alma, de no transformarse por entero en esta larga y lenta empresa! Yo sé que algo se pierde a cambio de lo que se gana. Pero el cuidado, la vigilia, el trabajo, es por guardar la esencia. Mientras la fuente de la obra sea el mismo mundo, él debe brillar con aquel fuego que logramos encender y contagiar a través del otro estilo, del cual no estamos arrepentidos a pesar de sus raros, de sus nativos elementos. (Apud ROVIRA, 1992, p.16)

Albújar, Ventura García Calderón, entre otros) 1 . Pese a la concepción de denuncia so cial del

El proceso creativo arguediano está

movimiento indigenista, la narrativa reproducía la

íntimamente relacionado al proceso traductológico,

distorsión entre el referente de carácter andino y el

y concibe una visión de la traducción que desliza

referencial costeño del narrador. Arguedas trata de

hacia nuevos caminos y se aproxima de la visión

buscar en la palabra el desvelo de este universo sin

moderna de la traducción, que va de la tangencialidad

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

642

hasta el establecimiento de una relación con el Otro

Según Escobar, Arguedas como sujeto

(BERMAN, 2002). El riesgo que se enfrenta en el

bilingüe realiza un doble movimiento que se

empeño en la (auto)traducción de “no perder el

potencializa por el hecho de poder actuar como un

alma” y “transformarse por entero en esta larga y

traductor cultural, debido a su formación de

lenta empresa”, una vez que el abrir mano de la

antropólogo y, por lo tanto, mediador entre

lengua materna –quechua- se traduce por el proceso

culturas. Lo que Escobar define como la lengua

de “desgarramiento” que resulta, al final, en un difícil

literaria arguediana afecta al campo intersistémico,

balance. El sujeto sabe que “algo se pierde a cambio

en un amplio sentido, ya que se da por la copresencia

de lo que se gana” en las elecciones y es esta pérdida

del quechua y del castellano, lo que constituye la

la que parece ser llorada por el sujeto-ético-

base de las interacciones entre una y otra en el

traductor.

discurso narrativo: “(…) hay una correlación entre

En la mencionada entrevista, el balance final se contabiliza (pérdidas y hallazgos), lo que en este sentido sería una positividad y una posibilidad, a pesar de la dificultad, porque lo que se quiere es infundir la “esencia” y el “brillo” del mundo quechua. Ello crea el efecto de lo extranjero en la obra a partir de la presencia, aunque rara y contadas veces “de sus nativos elementos”. El resultado es un estilo que debe “brilhar” con “el fuego” “del otro estilo” que ilumina y “contagia”, o sea, del quechua, pero en un nuevo estilo al entrar en contacto con el castellano en la búsqueda de “un lenguaje original”. Esta sensación es lo que sugiere Berman (2002) al referirse al hecho de “llevar el lector al extranjero” o “el extranjero hacia el lector”, a partir de su lectura de Benjamin y la tarea o renuncia del traductor y que produce una manifestación, que es característica de la traducción, más que la idea de representación. En el caso del autor peruano, el extranjero tiene su habitación en el sujeto que traduce, una vez que se ubica en el intervalo entre las lenguas, en su desplazamiento, y se manifiesta en la relación ética y estética que toda traducción que se ocupe de instaurar la negatividad conlleva al centrarse en el sentido o su tangencialidad y no en la letra, es decir, en la belles infidèles, por ejemplo, en un intento de mejorar el original o convertirlo en accesible al lector en la lengua extranjera.

los dos términos de la ecuación: el castellano es lo presente y el quechua la lengua copresente, merced a la organización de los rasgos de la literaridad arguediana. (1984, p.72). Este rasgo experimental acompaña la producción del autor, Escobar aquí se refiere a la obra de 1935, Agua, y que se va perfilando cada vez más. La operación de traducción de lenguas es también traducción cultural y etnográfica, de acuerdo con la afirmación de George Mounin, y que James Boon reitera al invertir los términos y referirse a la antropología como “traducción extrema” (LÓPEZ-BARALT, 2005, p.19). Esta traducción encuentra diversas estrategias en la obra arguediana, tales como: el papel del traductor de las obras clásicas quechuas, el antropólogo y etnólogo, el escritor en búsqueda de un lenguaje propio, el traductor de sí mismo, etc. En líneas generales, todas estas estrategias desvelan lo que Venuti (2007) asigna como la visibilidad del traductor. Es desde esta visibilidad que, según Bhabha (1998), se reconoce “uma estranha transformação que define o presente no qual a própria escrita da transformação histórica torna-se estranhamente visível” (p.308). La traducción favorece estas huellas de la personalidad del sujeto, la cual carga la tarea, término brillantemente aclarado en la obra de Derrida Torres de Babel (2002) como: el deber, la obligación, la sucesión en una cadena genealógica, la filiación. Esta necesidad de luchar con las palabras, de “no ceder en la vigilia” y perder “el alma”

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

643

o “transformarse por entero en esta larga y lenta

Entonces, la autodefinición del autor como

empresa”, activa en José María Arguedas esta

un mestizo presupone el enfrentamiento con el Otro

“escritura de la transformación histórica”, sin

y no su asimilación pacífica o su rechazo. Esto queda

ocultarla. Esto se relaciona a la visión que se va

claro en el discurso de 1969 “No soy un aculturado”,

plasmando en Arguedas que es la de la obra como

en el cual Arguedas se defiende de las teorías

una forma de contar una vida, y que se inscribe en

antropológicas desarrollistas de la época: “Yo no soy

la genealogía y filiación de Benjamin a partir de esta

un aculturado, yo soy un peruano que orgullosamente,

relación de “sobre vida”, porque todo original

como un demonio feliz habla en cristiano y en indio,

demanda una traducción y el papel de la traducción

en español y en quechua. Deseaba convertir en realidad

es, en última instancia, contribuir con el parentesco

el lenguaje artístico...” (1996, p.257). Se observa que

de las lenguas, no sólo en el sentido de una

la traducción es el punto neurálgico de la cuestión y

inscripción filogenética, sino de una inscripción

de la violencia que el acto conlleva, una vez que abre

como una de las camadas que componen el manto

la herida del sujeto delante de la necesidad de

sagrado y que llevarían hacia el lenguaje divino y

traducirse a sí mismo y que lo arroja

mesiánico.

constitución extranjera, rebelde e inquieta. Sin

Este carácter divino de la traducción es interesante porque conlleva el conflicto arguediano desde la producción inicial, cuando al considerar su escritura en Agua (1935)” formulada a partir de un “castellano tradicional”, lo que le lleva a romper todas las páginas delante de la “consternación de sus amigos”: “Unos seis o siete meses después, las escribí en una forma completamente distinta,

a su

embargo, según Berman (2002), la traducción exitosa depende de una “postura ética” del traductor que responda a las exigencias de la traducción, o sea, él debe alejar la traducción etnocéntrica que “opera una negación sistemática del extrañamiento de la obra extranjera” y una “domesticación del traducir”, considerada por el autor como una mala traducción.

mezclando un poco la sintaxis quechua dentro del

En un segundo eje, la defensa de una

castellano, en una pelea verdaderamente infernal

metafísica de la traducción, desarrollada todavía

con la lengua. (Apud ROVIRA, 1992, p.16). Esta

por Berman a partir de la “A tarefa/renúncia do

relación con lo demoníaco o “infernal” comporta

tradutor” de Walter Benjamin, abre la posibilidad

un acto de transgresión o rebeldía y se puede ver

de diálogo y acerca la traducción de todas las demás

desde dos ejes. En el primer eje, Berman toma a

traducciones (traducibilidad), cuyo eco resuena en

Arguedas como ejemplo de (auto)traducción para

el “puro lenguaje divino”, y su carácter mesiánico y

señalar la ambigüedad del acto traductológico, que

sagrado. Esto sería una referencia a la lengua pre-

consiste en la idea de que toda traducción tiene una

Babel, no en el sentido de pureza e ideal, sino de

perspectiva etnocéntrica que resiste a la traducción,

lengua mágica y encantada, en la cual todas las

aunque la necesite. De acuerdo a su polémica tesis:

demás vendrían a aportar algo. En Arguedas, el conflicto se pone como una “lucha visceral “ e

(...) A própria visada da tradução –abrir no nível da escrita uma certa relação com o Outro, fecundar o próprio pela mediação do Estrangeiro” choca-se de frente com a estrutura etnocêntrica de qualquer cultura, ou essa espécie de narcisismo que faz com que toda sociedade deseje ser um Todo puro e não misturado. Na tradução, há alguma coisa da violência da mestiçagem. (2002, p.16)

“infernal” para elegir los elementos que van o no a ser traducidos, o sea, los elementos que pueden significar dialógicamente en el texto. El deseo del irónico “demonio feliz” de convertir “en realidad el lenguaje artístico” perfila la utopía de la lengua

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

644

deseada que, en esta busca, va creando un espacio de

rojos. Además de viva, ella es “bárbara”, adjetivo que

tensión en la lucha con las palabras y consigo mismo,

conlleva una amplia circulación de sentido en los

con el otro de sí mismo levinasiano para expresar la

discursos y se relaciona a la representación elitista

relación vivida entre el amor y el odio de la niñez y

colonial de los pueblos indígenas:

tal vez intraducible por medio de la palabra y de la ficcionalidad. Se verán algunas de las principales metáforas de la traducción en la obra arguediana. En la primera se retoma el episodio central del Pachachaca en Los ríos profundos (1958).

Parecía cortada en la roca viva. Llamamos roca viva, siempre, a la bárbara, cubierta de parásitos o de líquenes rojos. Como esa calle hay paredes que labraron los ríos, y por donde nadie más que el agua camina, tranquila o violenta.\ _Se llama Loreto Quijllu –dijo mi padre.| _¿Quijllu, papá?

El narrador-protagonista Ernesto es una especie de alter ego del escritor y toma la tarea de traducir el universo andino, indígena y mágico, al lector occidental, por medio de un arsenal referencial ajeno al referente andino (CORNEJO POLAR, 1994). El

vocablo

Pachachaca

es

una

Se da ese nombre, en quechua, a las rajaduras de las rocas. No a las piedras comunes sino de las enormes, o de las interminables vetas que cruzan las cordilleras, caminando irregularmente, formando el cimiento de los nevados que ciegan con su luz a los viajeros. (ARGUEDAS, 1986, pp.09-10)

operación

traductológica que dibuja la imagen del puente que

Esta metáfora poética retoma en la imagen

media los dos universos, el andino y el occidental.

de la piedra que cobra vida. La fractura en la roca

Esta traducción evoca la imagen de la tangencialidad

condena su unidad e introduce una ruptura, un

entre los mundos, un pasaje que anhela los dos polos

elemento de fragmentación pero sin separar el todo.

opuestos y que pueden ser cruzados sin pérdida, al

No es tampoco una roca común, sino que está

unirse por el quechua y su cosmovisión inherente.

próxima de lo sagrado, pues forma las grietas que

Esto está en la base de una concepción romántica del

encantan a los viajeros, provocando un contraste

mundo dividido, pero que puede ser reestructurado

entre las inmensas cordilleras y su base (“cimiento de

por el sujeto y su mediación cultural, en un intento

los nevados”) por medio de la profundidad y el

de reencantamiento. Es la concepción subyacente a

perspectivismo. Esta imagen remite a la teoría de la

la transculturación de Rama que analiza la lengua

heterogeneidad planteada por Cornejo Polar (1994).

arguediana como innovadora frente a la tradición

Una de las perspectivas es la fragmentación del sujeto

de la academia cusqueña y que está “empedrada de

que se encuentra escindido y dividido en su

hispanismos”, alejándose del “purismo lingüístico de

constitución identitaria y los elementos no se

los académicos cusqueños” (1985), lo que conlleva la

concilian, sino que conviven lado a lado fracturados,

noción de plasticidad cultural, a partir de la obra

con lo que siempre se produce un elemento que excede

antropológica de Ortiz, y que hace posible la síntesis

y molesta. La palabra sufre un desgaste en su proceso

de los contrarios en la cual los elementos de la cultura

de lapidación, en la que la misma sufre una

de los vencidos se infiltra en la cultura de los

deformación “corte, ruptura, reescritura, quiebra,

vencedores y resiste. Sin embargo, en esta obra, hay

fragmentación” de la lengua.

otro pasaje que contrasta con esta metáfora anterior de la comunión entre las lenguas y la traducción como posibilidad. Se trata de la metáfora de la piedra fracturada. En la descripción se refiere a una roca que parece viva y está cubierta de parásitos y líquenes

Otra metáfora de la traducción en la obra arguediana parte de la escritura del presente y de la inscripción del sujeto-traductor o su visibilidad. Tiene como punto de partida la noción de experiencia; como si por medio de la escritura

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

645

disyuntiva de la historia, la experiencia de la

La referencia a la prostituta puede ser,

traducción de vida del sujeto llevara a la sobrevida

además del tono provocador, una referencia a lo

de la obra a partir de lo que sería la “transformación

marginal, periférico, y está relacionado con las

del presente”, en la medida en que ella da visibilidad

pulsiones sexuales y el deseo, lo que remite a la vida y

a la escritura de este sujeto. Sería lo que Derrida

al placer. Sin embargo, al lado de este tono vital que

plantea en los siguientes términos:

busca “transmitir a la palabra la materia de las cosas”, como si estas pudieran comportar la experiencia de

E, segundo um esquema de aparência hegeliana, Benjamin nos convoca a pensar a vida a partir do espírito ou da história e não a partir apenas da “corporalidade orgânica”. Existe vida no momento em que a “sobrevida” (o espírito, a historia, as obras) excede a vida e a morte biológica (...) (2002, p.32).

la vida y su materialidad, tropiezan en la imposibilidad. Desde este instante, el sujeto vive mutilado y con interrupciones, en una paradoja entre la carga de deseo y vida que el encuentro con la prostituta promete y que no parecen suficientes para

Sin embrago, si el papel del traductor como

hallar el ideal de palabra anhelado. Se trata de la

heredero y responsable por la inscripción en una

lengua utópica que relacione palabra y objeto sin la

genealogía, es considerado por Derrida como la

separación metafísica entre el objeto y la cosa, y que

“catástrofe de la metáfora”, debido a la imposibilidad

deba contener y transmitir la materia por medio del

de ejecutar esta tarea junto a la lengua y si la

signo lingüístico.

traducción es todavía experiencia, esto explicaría el desastre anunciado en la obra El zorro de arriba y el zorro de abajo (1971), en la cual el sujeto autobiográfico, al arrojar la obra a la sobrevida y ubicarse como un sobreviviente en el instante de la escritura señala la finitud de sí como sujeto y la imposibilidad de salvación por la misma palabra. En los diarios esto queda evidente en el fragmento en que el sujeto se refiere a la escritura: “Ha sido escrito a sobresaltos en una verdadera lucha –a medias triunfal• contra la muerte. Yo no voy a sobrevivir al libro” (1996, p.250). Esta “catástrofe de la metáfora” tiene como punto de partida la definición autobiográfica cuya inscripción se da al inicio del Primer diario: “El encuentro con una zamba gorda, joven, prostituta, me devolvió eso que los médicos llaman ‘tono de vida’. El encuentro con aquella mujer debió ser el toque sutil, complejísimo que mi cuerpo y alma necesitaban, para recuperar el roto vínculo con todas las cosas. Cuando ese vínculo se hacía intenso podía transmitir a la palabra la materia de las cosas. Desde ese momento he vivido con interrupciones, algo mutilado” (ARGUEDAS, 1996, p.7).

Esta metáfora orgánica de la palabra para el autor encuentra en la reflexión sobre la tarea del traductor de Walter Benjamin un punto ya señalado, y que es la existencia en toda traducción de algo intraducible. En este sentido, el trabajo del traductor difiere del trabajo del escritor, porque mientas éste busca “penetrar en el fondo de la selva idiomática”, aquel “mira desde fuera”, “sin penetrar en la selva”, pero de manera que la lengua se transforme al reflejar una nueva obra escrita en lengua extranjera: “Esta función consiste en encontrar en la lengua a la que se traduce una actitud que pueda despertar en dicha lengua un eco del original.” (1967, p.83). Según el filósofo, la lengua del original puede, por analogía, presentar cierta correspondencia como “la cáscara y la fruta”, mientras la traducción lance “doblas” sobre el “manto del lenguaje”, cuyo objetivo es hacer entrar en la lengua traducida “un eco del original” para que se pueda alcanzar el lenguaje divino y puro. Este movimiento exige la maturación de los idiomas que debe pasar por la confluencia de “una semilla oculta de otro lenguaje más alto”, lo que orienta la traducción hacia “una fase final, inapelable y decisiva”

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

646

(BENJAMIN, 1967, p.82). Hay una duplicidad en la

traducción la tarea de “sobrevida” y al traductor el

obra del autor. Si en la obra póstuma, por un lado, el

papel de “sobreviviente” y heredero de una matriz

escritor busca hacer “entrar no original” en los lugares

relacionada a la escritura de la historia, que lo libera

en los cuales “el eco puede dar” para reflejar una obra

de la “corporalidad orgánica” por medio de las obras.

escrita que hace saltar a la vista •y demás sentidos del

De ahí la noción de “catástrofe de la metáfora” de

lector• estos ecos del quechua que invaden y

Derrida se extiende a la obra póstuma, porque la

desestabilizan el castellano; por otro lado, en la

palabra no puede recuperar la vida o la “materia de

(auto)traducción, él busca la integración de todas

las cosas” sino por medio de la escritura de la

las lenguas en una única “lengua verdadera”: “La

transformación del presente, la cual Benjamin remite

misión del traductor es rescatar este lenguaje puro

a la historia y al espíritu, y por consiguiente el ideal

confinado en el idioma extranjero, para el idioma

de lengua señalado en Arguedas se convierte en un

propio, y liberar el lenguaje preso en la obra al nacer la

engaño y encuentra la imposibilidad. La lucha del

adaptación.” (idem, p.86). Este intento de infundir en

sujeto con las palabras confiere, por la tarea del

el castellano “la esencia” del quechua, con el afán de

traductor de sí, la sobrevida de la obra. Es a partir de

“liberar la lengua del original” para el idioma

una postura ética y coherente con el retrato de este

extranjero, y al fin de cuentas “liberar el lenguaje”

mundo “vivido” en quechua, el cual Arguedas quería

está expreso en la reconciliación de todas las lenguas

convertir en “lenguaje artístico” desde las primeras

de la cita bíblica del libro de San Pablo, en las últimas

obras, que él se consagra como un de los autores más

líneas de los hervores. El cura estadounidense

representativos también en el campo de la

Cardozo, al lado de un pequeño retrato del Che y un

(auto)traducción

crucifijo, lee: “Si yo hablo en lenguas de hombres y de

latinoamericano.

del

contexto

andino

y

ángeles, pero no tengo amor, no soy más que un tambor que resuena o un platillo que hace ruido (...)” (Arguedas, 1996, p.240).

Referências bibliográficas

La obra de Arguedas contiene este enigma de la traducción de sí mismo que está en la base de la discusión benjaminiana. Ahí está el dilema que la

ARGUEDAS, José María (1935): Agua. Buenos Aires/Lima: Cía. de Impresiones y Publicidad.

escritura mestiza arguediana encierra y su

_____.(1986): Los ríos profundos. Prol. M.V.Llosa. Venezuela:

“intang ibilidad,

Ayacucho, 2 ed.

“secreto”

y

“poeticidad”

(BENJAMIN, 1967, p.77) que se transforman en una

_____.(1987): Formación de una cultura nacional

lucha demoníaca y divina, como se vio, al encerrar la

indoameriana. Prol. Ángel Rama. México: Siglo Veintiuno

tarea de (auto)traducirse. Esta tarea se lleva a las

Editores, 4 ed.

máximas consecuencias y el traducir abre un modo de hacer literatura inédito. Lo innevitable de la violencia en la traducción, la lucha fracturada con

_____.(1996): El zorro de arriba y el zorro de abajo. Ed. Crít. Eve-Marie Fell. Madrid: ALLCA XX, 2.ed.

las palabras, vital y mortal, está en el “fundamento

BENJAMIN, Walter (1967): “La tarea del traductor” Em:

histórico y ontológico” de una literatura compuesta

Ensayos Escogidos. Trad. H.A.Murena. Buenos Aires: UR.

a partir de una “escrita que não esconde a duplicidade de sua autoria” (BHABHA, 1998). Delante de la falacia en recuperar lo vivido o la vida, queda a la

BERMAN, Antoine (2002): A prova do estrangeiro. Cultura e tradução na Alemanha romântica. Trad. Maria Emília P. Chanut. Bauru: EDUSC.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

647

BHABHA, H. (1998): O local da cultura. Trad. Eliana de L.

RAMA, Ángel (1985): “La novela-ópera de los pobres” Em:

L. Reis. Belo Horizonte: Editora da UFMG.

La crítica de la cultura en América Latina. Caracas:

CORNEJO POLAR, A. (1994): Escribir en el aire. Ensayo

Biblioteca Ayacucho.

sobre la heterogeneidad sociocultural en las literaturas

ROVIRA, J.C. (coord.) (1992): “Autopercepción intelectual

andinas. Lima: Peru.

de un proceso histórico” Em: Anthropos. Revista de

DERRIDA, Jacques (2002): Torres de Babel. Trad. Junia Barreto. Belo Horizonte: Editora UFMG.

documentación científica de la cultura. José María Arguedas. Indigenismo y mestizaje cultural como crisis contemporánea hispanoamericana. Madrid: Editorial del Hombre, n.128,

ESCOBAR, A. (1984): Arguedas o la utopía de la lengua. Lima: Instituto de Estudios Peruanos.

p.15-40. SALVADOR, Dora Sales (2002): “Traducción cultural en la

LAGES, S. Kampff (2002): Walter Benjamin. Tradução e

narrativa de José María Arguedas. Hervores en la

melancolia. São Paulo: EDUSP.

encrucijada de lenguas y culturas” Em: http:// www.histal.umontreal.ca/espanol/versionsp.htm. Acceso en

LÓPEZ-BARALT, Mercedes (2005): “Para decir al otro” Em:

abril de 2012.

Literatura y antropología en nuestra América. Madrid/ Frankfurt: Iberoamericana/Vervuert.

VENUTI, Lawrence (2007): Translators invisibility. USA: Routledge, 2.ed.

Nota 1

Se puede decir que a literatura indigenista, por medio de un arsenal filológico victoriano, concentra una forma de traducción del universo y del referente indígenas propia de la traducción etnocéntrica y domesticada, en general presentan glosarios al final de las obras.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

648

EXAMES DE PROFICIÊNCIA EM ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

Lílian Reis dos Santos PG UFF

O presente trabalho traz o resultado da

motivo, os exames dispõem de grande prestígio e

pesquisa da dissertação de mestrado defendida na

conseguir ser aprovado em um deles significa ter

Universidade Federal Fluminense. Escolhemos o

acesso a esses postos, o que lhes confere importância

tema da avaliação como ponto de partida pelo fato

suficiente para que tenham impacto sobre o

de que essa é uma atividade que está presente em

currículo e consequentemente, sobre o material

nossa vida acadêmica desde os primeiros anos de

didático utilizado nas aulas de língua estrangeira

nossa escolarização até nosso trabalho como

(BORDÓN, 2006:82).

docentes, nesse caso tanto para ingressar em uma rede ou escola quanto no momento de elaborarmos as provas de nossos alunos.

Segundo o Código de Prática da Association of Language Testers of Europe, os envolvidos no processo dos exames são:

Dentre as muitas avaliações com as quais temos contato enquanto professores de espanhol como língua estrangeira estão os exames de proficiência. Essas provas são definidas como sendo as que conduzem à obtenção de um diploma ou um certificado oficial (BORDÓN, 2006:81). Os certificados de proficiência em língua estrangeira servem para atestar o nível de conhecimento do candidato na língua avaliada. Esses certificados são exigidos por empresas a seus funcionários (ou futuros funcionários) e universidades para os alunos estrangeiros. Por esse

– elaboradores: são os que criam e administram os exames; – usuários: são os que solicitam os exames para a tomada de decisões que afetarão a carreira profissional ou possibilidades educativas de outras pessoas; – candidatos: as pessoas que são examinadas seja por decisão própria seja por exigência dos usuários.

Cada instituição que elabora um exame de proficiência possui seus próprios parâmetros para criar suas provas, ou seja, as referidas instituições

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

possuem sua visão de proficiência, que se refletirá na elaboração das questões do exame. Em

pesquisas

sobre

a

649

Também nos anos 80, o Ministério de Educación y Ciencia da Espanha criou os Diplomas

aquisição/

aprendizagem e ensino de L2/LE, portanto, avaliações de proficiência são usadas como fontes de informação sobre o sucesso/eficiência da aprendizagem e do ensino. Não se poderia pensar, pois, na implementação de programas de ensino, de avaliação de abordagens ou metodologias, sem uma observação quanto aos níveis iniciais e finais da proficiência dos participantes e o que se espera seja suas contribuições. Não se poderia pensar, por

de Español como Lengua Extranjera, doravante DELE. Através do Real Decreto 826/1988, publicado no Boletim Oficial do Estado de 29 de julho de 1988. A elaboração das provas foi confiada à Universidade de Salamanca, instituição que já tinha experiência na confecção deste tipo de exame. A partir da criação do Instituto Cervantes (1991) o exame passou a ser administrado pelo IC, embora a elaboração ainda seja de responsabilidade da Universidade de Salamanca.

outro lado, em políticas linguísticas ou educacionais

O DELE passou por diversas mudanças, a

para ensino de língua estrangeira ou ainda para

mais significativa delas após a publicação em 2001

programas bilíngues/multilíngues, em políticas

do Marco Común Europeo de Referencia para las

para o desenvolvimento e formação do professor

Lenguas, doravante MCER, documento elaborado

nesses contextos sem esbarrar-se na necessidade de

pelo Conselho da Europa como parte da política

se ter um conceito de proficiência orientando as

linguística europeia de fomentar o plurilinguismo

decisões tomadas. (SCARAMUCCI, 2000).

no continente, fez com que o IC solicitasse à

Nesta comunicação vamos mostrar alguns aspectos dos exames escolhidos para ser analisados em nossa pesquisa, o Diploma de Español como Lengua Extranjera, doravante DELE, e o Certificado de Español Lengua y Uso, doravante CELU. Na década de 1980, a economia espanhola passou por um grande processo de expansão, resultado das transformações iniciadas na década anterior após o fim da ditadura de Francisco Franco (1975). Em 1986, a Espanha foi admitida na Comunidade Econômica Europeia. Nesta mesma década, a Universidade de Salamanca criou seu

Universidade de Salamanca a revisão dos exames, de maneira que as provas passassem a estar relacionadas às orientações contidas no MCER (PRIETO, DIEZ, DOMINGUEZ e MARTIN, 2004, P.85). A partir de 2008 novos diplomas foram criados para que houvesse a adequação aos níveis propostos pelo MCER, o que gerou inclusive a alteração da nomenclatura dos exames (A1, A2, B1, B2, C1 E C2) mudança esta que aconteceu gradativamente. O candidato faz sua inscrição para o nível que desejar.

primeiro exame de espanhol como língua

No ano de 1991, Brasil, Argentina, Paraguai

estrangeira, chamado de Diploma de Espanhol de

e Uruguai conseguiram concretizar, através da

la Universidad de Salamanca, chamado de D.E.U.S.,

assinatura do Tratado de Assunção, a criação do

em 1987, mas a primeira edição ocorreu em 1988

Mercado Comum do Sul, doravante Mercosul. Após

(Fernandez González, 2004:1). Em 1989 foi criado,

a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, pôde

também pela mesma Universidade, o Certificado de

ser observado, no Brasil, um aumento na oferta de

Español de la Universidad de Salamanca, chamado de

cursos livres de espanhol (Freitas 2010:38) quando

C.E.U.S., que teve sua primeira convocatória em 1990.

cursos de idiomas, que já ofereciam o inglês,

650

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

passaram a oferecer também aulas de língua

parâmetros da ALTE. Desde então a UBA utiliza o

espanhola. Com relação à meta divulgada pelo

exame também para comprovar o impacto positivo

Mercosul Educacional de promover a difusão dos

dessa avaliação de proficiência no desenvolvimento

idiomas oficiais do bloco (espanhol e português, e

de seus próprios cursos (Acuña 1996 apud Schlatter

a esse grupo foi somado o guarani em 2007),

2009:102). No ano 2000, o governo argentino decide

podemos mencionar as leis que tornaram

apoiar as iniciativas para o desenvolvimento dos

obrigatório o ensino de língua espanhola no Brasil

exames de proficiência e o Ministério da Educação

(11.161 – 2005) e a que tornou obrigatório o ensino

convoca especialistas de três instituições:

de língua portuguesa na Argentina (Lei. 26.498/

Universidade de Buenos Aires, Universidade

2009). O Protocolo de assinado em 30/11/2005 pelos

Nacional de Córdoba e Universidade do Litoral. Esse

ministros da Educação de ambos os países previa,

grupo cria então em 2001 as Diretrizes para a

destaca que além da difusão dos dois idiomas

avaliação de ELE, inspirados no trabalho

através da cooperação entre os países, que

desenvolvido pela UBA. Os primeiros exames

aconteceria na forma de convênios entre

(piloto) são aplicados na UBA para alunos de seus

Universidades, apoio às editoras e intercâmbio de

cursos. Em 2004 o exame passa por uma revisão e

profissionais os dois países deveriam dedicar-se a

por uma nova aplicação e nesse mesmo ano foi criado o Consórcio Inter-universitário para a

Ampliação dos exames para a obtenção dos Certificados de Español Lengua y Uso (CELU) e do CELPE-Brás nos respectivos países. (Protocolo de Intenções 30/11/2005).

Os certificados mencionados no Protocolo são o CELU e o Celpe-Brás, que é o diploma que certifica a proficiência em língua portuguesa para estrangeiros. O Celpe-Brás foi criado por uma comissão de professores de português como língua estrangeira, reunida em 1993 em uma iniciativa do Ministério da Educação do Brasil, face à necessidade de oferecer um certificado de proficiência em língua portuguesa a cidadãos estrangeiros que desejavam estudar e/ou trabalhar no Brasil. A comissão estava composta por pesquisadores de universidades brasileiras e técnicos da Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação (Scaramucci 2001:78). Na Argentina também há procura por um certificado de espanhol que possa ser utilizado nos âmbitos acadêmico e profissional. A Universidade de Buenos Aires (UBA) começa a emitir, em 1994, certificados de proficiência. Os exames são elaborados de acordo com descritores e formatos compatíveis com as escalas internacionais, como os

Avaliação do Conhecimento e Uso do Espanhol como Língua Estrangeira, pelo Ministério da Educação com o apoio do Ministério das Relações Exteriores. Em seu primeiro momento o Consórcio contava com as três universidades que haviam elaborado as Diretrizes, as quais foram acrescentadas nos anos subseqüentes outras universidades argentinas. Schlatter ressalta que A presença de universidades nacionais desde o início do desenvolvimento do exame propiciou qualificar a decisão de que o CELU teria um papel na consolidação e no fortalecimento da área de ensino do espanhol como segunda língua (L2) e como LE na Argentina. Além disso, as resoluções destacam como objetivo principal do CELU a integração lingüística na Região, pelo reconhecimento recíproco, a aproximação cultural e o intercâmbio acadêmico. (Schlatter 2009:102)

Nessa mesma época o Consórcio argentino procura comparar suas técnicas e estratégias com membros da equipe do Celpe-Bras. O CELU, assim como o exame brasileiro, oferece somente um exame para todos os candidatos. No caso do CELU, recebem certificado somente os candidatos que alcançam os níveis Intermediário e Avançado.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

651

Analisamos as provas do nível mais alto do

requisitos para o ingresso em universidades

DELE (C2) oferecido pela organização do exame.

argentinas (para alunos de países não-hispanófonos)

Observamos em nosso trabalho que as atividades

e também já é exigido por empresas e órgãos estatais,

da prova do DELE são, em sua maioria, de

especialmente no Brasil. O CELU é elaborado e

característica estruturalista, e exigem mais

organizado por um Consórcio Inter-universitário,

conhecimento de gramática e vocabulário que de

orgão criado especialmente para a criação do

demonstrações de conhecimento relativo ao uso da

certificado de espanhol como língua estrangeira. A

língua. As atividades que avaliam a compreensão

equipe do Consórcio hoje é composta por inúmeras

leitora e a compreensão auditiva solicitam

universidades argentinas. A criação do CELU está

basicamente que o candidato identifique, localize e

ligada ao posicionamento da Argentina no campo

descodifique os textos, para que possa encontrar a

do ensino de espanhol como língua estrangeira. Há

resposta correta dentre as opções oferecidas pela

também o desejo (Schlatter 2009) de afirmar o

prova. No modelo analisado, do nível C2 (antigo

espanhol da Argentina e o português do Brasil como

Superior) há inclusive uma atividade que solicita aos

legítimos idiomas e não como variantes exóticas de

alunos que identifiquem os erros contidos em dois

uma língua europeia no cenário internacional.

textos. Esses tipos de atividades demonstram que

Analisamos o modelo de prova do CELU (a mesma

para o DELE e para a política linguística da qual ele

prova é aplicada para todos os candidatos) oferecido

faz parte, o conhecimento da língua como sistema

pelos organizadores do exame. A divisão por níveis

ainda está em primeiro lugar no processo de

é feita através de um ponto de corte determinado

aprendizagem de ELE.

pelo Consórcio. Como observamos em nossa pesquisa, as atividades da prova do CELU são

Sua esfera de influência está principalmente

baseadas na noção de gêneros, avaliadas através do

nos materiais didáticos de ELE, pois muitos fazem

cumprimento de tarefas, e exigem o conhecimento do

conexões com os tipos de atividades solicitados nas

uso da língua e também de conhecimento sobre a

provas, com a alegação de preparar os alunos para a

língua, tudo a serviço da execução da atividade

obtenção de tais diplomas. Também há vasta

solicitada. As atividades propostas integram as

publicação de materiais e de cursos específicos para

destrezas (compreensão leitora, expressão escrita,

a preparação para o DELE. Não encontramos muitas

compreensão auditiva e expressão oral). Esses tipos de

informações sobre o DELE além das publicadas em

atividades demonstram que para o CELU e para a

materiais do Instituto Cervantes (como o Manual

política linguística da qual ele faz parte, o conhecimento

para Examinadores) e das que estão na página dos

do uso da língua está em primeiro lugar no processo de

exames na Internet. Dada a importância para a vida

aprendizagem de ELSE, visão compartilhada pelo

de muitos candidatos que fazem o DELE este

exame de proficiência de português como língua

hermetismo do IC sobre o exame impede o debate e

estrangeira, o Celpe-Bras.

a troca sobre o exame, desde esclarecimentos sobre os motivos que levam os elaboradores a preferirem este tipo de questão até a pesquisa sobre o impacto (McNamara 2000) causado pela prova no ensinoaprendizagem de ELE.

O Consórcio responsável p elo CELU organiza encontros (os Coloquios) nos quais a participação aos docentes é aberta e a análise do CELU e do seu impacto na sala de aula e como avaliação são discutidos pelo grupo. Os trabalhos

O segundo exame analisado, o CELU, criado

apresentados nesses encontros estão disponíveis na

na Argentina em 2004, também é um dos pré-

página do exame na Internet. Não há, até o momento,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

652

publicações de materiais didáticos preparatórios

BORDÓN, Teresa. La evaluación de la lengua en el marco de

para o CELU (ou que tenham usado o nome do

E/L2: Bases y procedimientos. Arco Libros. Madrid: 2006.

certificado em seu título).

CALVET, Louis-Jean. As políticas lingüísticas. Prefácio de:

Após a análise de todos os elementos

Gilvan Muller de Oliveira. Tradução de: Isabel de Oliveira

relacionados aos exames, podemos concluir que os

Duarte, Jonas Tenfen e Marcos Bagno. Parábola Editorial/

certificados de proficiência são grandes bandeiras das

IPOL. São Paulo: 2007.

políticas linguísticas de seus países, especialmente por

FREITAS, Luciana Maria Almeida de. Da fábrica à sala de

serem solicitados por setores que não estão ligados

aula: vozes e práticas tayloristas no trabalho do professor de

ao ensino de língua e sim pela necessidade do uso da

espanhol em cursos de línguas. Tese de Doutorado. UFRJ 2010.

mesma. Se uma empresa ou universidade confia no

Disponível em: http://www.letras.ufrj.br/pgneolatinas/media/

certificado de determinada instituição para dizer se

bancoteses/lucianamariaalmeidadefreitasdoutorado.pdf

seu funcionário ou aluno está apto para comunicar-

Acesso em 25/08/2012

se naquela LE em questão, ela alcança uma importância muito grande na sociedade, a ponto de

LAGARES, X. C. . El español en Brasil: negocio o educación. Libro de Notas, España, 27 ago. 2009.

provocar uma mudança de status na vida acadêmica/ profissional do candidato. Por esse motivo, sua visão

MCNAMARA, Tim. Language Testing. Oxford University

de língua pode provocar um efeito retroativo na

Press. 2000.

confecção de materiais didáticos e também pode

PRIETO HERNÁNDEZ, Juan Miguel (Cord.) et alii. “La

interferir no trabalho do professor de ELE, que, por

elaboración de una prueba de nivel: la reforma de los DELE”.

pressão deste mercado, pode ter que adotar uma

In: Carabela 55 – La evaluación en la enseñanza de español

forma de lidar com o processo de ensino-

como segunda lengua/lengua extranjera. Febrero 2004.

aprendizagem mais relacionada à política do líder do

Madrid: SGEL.,2004.

mercado de materiais de ELE que à realidade do grupo de alunos para qual trabalha.

SCARAMUCCI, Matilde V. R. Efeito retroativo da avaliação no ensino/aprendizagem de línguas: o estado da arte. Trabalho em Lingüística Aplicada. Campinas, 43 (2): 203-226, Jul./Dez. 2004

Referencias bibliográficas

SCARAMUCCI, Matilde V. R. O projeto Celpe-Brás no âmbito do Mercosul: contribuições para uma definição de proficiência

ARGENTINA e BRASIL. Protocolo entre el Ministerio de

comunicativa. Pp.77 a 98 In: Português para estrangeiros

Educación, Ciencia y Tecnologia de la República Argentina y

interface com o espanhol. José Carlos Paes de Almeida Filho

el Ministerio de Educación de la República Federativa del

(org.). Pontes. 2 edição. Campinas: 2001

Brasil para la promoción de la enseñanza del español y portugués como segundas lenguas. Disponível em: http:// p or tal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ protocolo_brasil_argentina.pdf. Acesso em 25/08/2012 Association of Language Testers in Europe. El Código de Práctica de ALTE. Translated by Cursos Internacionales de la Universidad de Salamanca. Disponível em:

SCARAMUCCI, Matilde V. R. Proficiência em LE: considerações terminológicas.. Trabalhos em Lingüística Aplicada. Campinas, (36):11-22, Jul/Dez. 2000 SCARAMUCCI, Matilde V. R., SCHLATTER, Margarete, PRATI, Silvia e ACUÑA, Leonor. Celpe-Bras e CELU: Impactos da construção de parâmetros comuns de avaliação de proficiência em português e em espanhol. In: O Português do

BACHMAN, Lyle F. Fundamental Considerations in

Brasil como Língua Transnacional. ZOPPI-FONTANA,

Language Testing. Oxford University Press. 1990.

Mônica Graciela. (org.). RG Editora. Campinas: 2009.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

653

IDENTIDADES EM DIÁLOGO: MULHER, SEXUALIDADE E FAMÍLIA NO LIVRO DIDÁTICO DE ESPANHOL

Liliene Maria Novaes Pereira da Silva UFF

O presente projeto é um recorte da

Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais,

dissertação de mestrado, ainda em andamento,

Transexuais, Travestis e Transgêneros (ABGLT)

iniciada no primeiro semestre de 2012 na

elaborou o material para o MEC, com respaldo da

Universidade Federal Fluminense (UFF), que tem

Organização das Nações Unidas para a Educação,

como prazo previsto para término, o segundo

Ciência e Cultura (UNESCO), com o intuito de

semestre de 2014. Atualmente, a escrita da

combater a homofobia entre alunos do ensino

dissertação encontra-se na fase de construção da

médio, porém, houve uma grande pressão da parte

teoria, contextualização e seleção dos textos verbais

conservadora da sociedade para que esta política

e não verbais para futura análise. Este projeto

fosse vetada. O deputado Jair Bolsonaro foi um

apresenta as questões fundamentais sobre a

opositor feroz, que inclusive apelidou de forma

necessidade de se analisar o livro didático de acordo

pejorativa o programa como ‘Kit Gay’, com o falso

com as novas configurações sociais.

argumento de que o material seria destinado à crianças do ensino fundamental com o intuito de influenciá-las à homossexualidade. A partir dessa polêmica o projeto em questão pretende uma

I. Declaração da presidente

pesquisa, de cunho discursivo, acerca dos livros Numa recente declaração,1 a atual presidente

didáticos de língua espanhola aprovados pelo

da República Dilma Roussef, proibiu a abordagem

Programa Nacional do Livro Didático - PNLD 2012

de temas relacionados a “opções

sexuais” 2

em

com o intuito de observar como as políticas sexuais

materiais didáticos. Apesar de não ter analisado o

e estruturas a partir delas se fazem presentes na

conteúdo completo do material do Projeto Escola

formação do aluno-cidadão.

Sem Homofobia, resolveu que seria adequado não tocar no assunto dentro da escola para não haver defesa de políticas sexuais de “A, B, C ou D”.³ A

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

654 II. Crise identitária

mãe, e seus filhos, que cresceriam e formariam outro núcleo semelhante. É importante frisar que a base

É fundamental entender o que ocorre com a

dessa formação ocidental está nas religiões cristãs,

noção de identidade hoje para poder situar a

já que o começo dessa estrutura se dá através do

problematização da presente pesquisa. Afinal, qual

casamento realizado em Igrejas. É possível falar desse

seria o interesse em saber como as noções de gênero,

tipo de organização, pois ainda hoje possui uma

sexualidade e família são tratadas se fossem questões

força de naturalização tão potente que permeia o

vistas igualmente por todos? Esse é o ponto

imaginário social. Um exemplo para essa afirmação

fundamental. Essas questões estão passando por

é se pensar nos outdoors espalhados pela cidade do

mudanças e precisam ser abordadas para que os

Rio de Janeiro pelo pastor Silas Malafaia intitulado

sujeitos possam melhor se adaptar às novas

“Em favor da família e preservação da espécie

condições proporcionadas por elas.

humana – Deus fez macho e fêmea (Gênesis 1:27)”

Estudos na área de teoria social revelam que passamos por uma “crise de identidade” que se dá pelo rompimento de paradigmas por muito tempo estabilizados, segundo Hall: As velhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unificado. A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos ancoragem estável no mundo social. (HALL, 2006, p.7)

(ISSA, 2011, p.1). Não foi preciso nada além dessa frase e a citação à passagem da Bíblia para que se entendesse de que formação familiar o pastor estava se referindo e qual a sua intenção nesse tipo de declaração, expressar seu ponto de vista contra outras formações através da exclusão.

III. Novas famílias Ocorre que, no presente, a configuração de família “padrão” não condiz com a realidade social. Ainda que uma grande parte da população possa seguir fielmente esse modelo, outros estão presentes.

Essas velhas identidades contribuíam para

Mudanças na estrutura do sistema capitalista

exercer um futuro planificado para o sujeito de

possibilitaram

acordo com seu gênero e sua sexualidade. Antes,

configurações, como por exemplo, a inserção da

havia papéis definidos: a mulher como dona de casa,

mulher no mercado de trabalho, fazendo com que o

ou seja, estava fadada a cuidar do lar e da criação

homem já não fosse o único provedor. Porém, a

dos filhos. O homem, por sua vez, era o provedor

adaptação dessas mudanças ainda precisam ser

da casa, exercia papel de maior poder por ser quem

revistas. Ainda que a mulher, assim como o homem,

trabalhava fora e administrava a renda. Os filhos

possa trabalhar e prover a família, os conceitos sobre

eram criados com diferenças marcadas de acordo

a visão da mulher como inferior ao homem não foram

com o gênero, as brincadeiras e formas de

totalmente diluídos, sobre isso, podemos questionar:

tratamento estavam de acordo com o papel social

será que os salários são equivalentes? E o serviço do

que assumiriam na idade adulta, ou seja, a cópia da

lar e a criação dos filhos, será que é igualmente

relação entre os pais. Assim, a família era

dividido entre o homem e a mulher? Ou será que a

estabelecida por um núcleo central marcado,

mulher, além de trabalhar, manteve “sua função”

configurado por um casal heterossexual, o pai e a

como dona-de-casa? Esses questionamentos nos

o

surgimento

dessas

novas

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

demonstram a dificuldade encontrada pelas novas

655

V. Mudanças sociais

estruturas em contato com os conceitos antigos, que se não são adaptados, podem ser responsáveis por

Além da inserção no mercado de trabalho,

realidades de discriminação, preconceito e

as discussões sobre as novas possibilidades de ação

injustiças.

da mulher no mundo social se intensificaram através do sufrágio universal, que permitiu o direito ao voto, envolvendo-a nas decisões políticas. Nesse

IV. Falocentrismo

contexto, surgiram as primeiras militâncias, responsáveis pela adoção do conceito de gênero, que

Por muito tempo a visão androcêntrica

surgiu das feminista anglo saxãs para substituir o

permeou o modo de o sujeito agir no mundo, suas

termo sexo com o intuito de rejeitar o determinismo

atitudes e maneira de constituir a sociedade tiveram

biológico (LOURO, 2011, p.24) e através disso,

como raiz a posição do homem em superioridade e

ocasionar uma nova visão do mundo fora do ‘círculo

seus valores criados em prol de justifica-la. O

fálico’ do poderio androcêntrico. Nesse período do

conceito da divisão dos gêneros foi naturalizado

final do século XIX e início do século XX também

pelo argumento biológico das diferenças anatômicas

apareceram as primeiras manifestações em prol à

que dava ao homem o status de maior poder pelo

homossexualidade. O termo apareceu pela primeira

fato de possuir um falo. A desculpa para isso se

vez em 1869 pelo escritor húngaro Karoly Maria

resumiu a uma relação de significação circular, ou

Kertbeny em uma car ta aberta endereçada ao

seja, o homem teria mais poder por possuir um falo

ministro prussiano de justiça que exigia a abolição

e o homem teria um falo por possuir mais poder

das leis penais contra atos antinaturais (TAMAGNE,

(BOURDIEU, 2011, p.20). Através desse pretexto

2006, p.167). No Brasil, a homossexualidade deixou

as formas de se relacionar e as leis foram

de ser considerada doença desde 1993 por uma

estabelecidas. Foi dessa abstração que surgiu a

decisão da Organização Mundial da Saúde – OMS,

identidade de ser homem. A questão da virilidade

atitude que reconheceu essa variedade como

(física e metafórica) foi criada ligada à honra e o

orientação sexual, da mesma forma que a

que fosse contra essa virilidade, por ser desonroso,

heterossexualidade.

seria posto à margem, o que fosse fora do padrão se tornaria excluído, negado e até mesmo silenciado. Assim, temos em nossa sociedade uma forte raiz de exclusão que por se autojustificar dificultou o florescimento de identidades diversas. Porém, a descoberta da origem e das sérias consequências causadas pelo machismo permite a adoção de novas formas de conceber o mundo, visto que a condição falocêntrica não passou de uma ilusão criada para fornecer mais poder a uma minoria, para que esta dominasse o restante da sociedade.

Dentre as lutas mais recentes podemos ressaltar as buscas pelo direito de casais do mesmo sexo se casarem e o direito ao aborto como fortes desconstruções do ‘círculo fálico’, pois dão aos antigamente excluídos, direitos responsáveis por romper a violência simbólica que garante o poder viril. Isso porque no caso do casamento sendo exclusivamente heterossexual, o homem se torna o topo da cadeia hierárquica familiar. Quer particularmente ocorra um casamento ou não, socialmente, a imagem do homem terá sempre essa representação. Quando o casamento é socialmente permitido para os fora do padrão androcêntrico, a

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

656

imagem social do homem perde seu valor como

escolhas no mundo, não ser mais dependente de uma

dominante e o iguala aos demais. No caso da

ordem imaginária de destinação. Mas isto somente

reprodução, esta tem o poder de afirmar a

será possível através do amadurecimento deste ser,

masculinidade por certificar ao homem a capacidade

ao entender o direito de cada um à sua

de engravidar uma mulher e gerar herdeiros, um

individualidade, de assumir a identidade que melhor

simbolismo do pleno controle masculino sobre seu

lhe convir sem que isso seja razão de opressões.

falo, é a execução que honra a biologia do corpo, reafirmando o ‘círculo falocêntrico’. Quando uma mulher decide que a reprodução não deve ser

VII. A escola para a cidadania

concluída, se torna a interruptora do ato, ela ganha o

direito

de

decidir

sobre

seu

corpo

e

A escola é um órgão essencial para tornar o

automaticamente o homem perde o seu instrumento

sujeito cidadão. É o espaço que reúne diversos

de reprodução.

indivíduos e tem como função legar o saber. Esse saber é mais vasto do que normalmente acredita-se, vai além das matérias básicas ofertadas, pois é onde

VI. Diferentes contextos

ocorre os primeiros contatos com os outros, ‘estranhos’, aqueles que não fazem parte da família, é

O contexto em que foi estabelecido esses

onde encontra-se o social. A família proporciona as

padrões sociais, de casamento e reprodução,

primeiras relações de como se portar no mundo, a

apontava para uma suposta necessidade de

escola mostrará um ambiente mais amplo, que

sobrevivência da espécie humana em que a força e a

testará os primeiros conhecimentos revelando que

urgência de gerar novas vidas imperavam. Porém,

há outras maneiras de ser frente a um grupo muito

hoje, quando a humanidade alcança 7 bilhões de

maior e diverso, com regras muitas vezes distintas.

habitantes e boa parte dessa população sofre de fome

Para fazer par te desse novo meio, o indivíduo

e condições precárias de vida, aquela urgência de se

precisará adotar uma nova postura: entender que faz

reproduzir abundantemente deixa de ser necessária.

parte de algo muito maior, que outros igualmente

Com a tecnologia e os códigos sociais mais

fazem parte, e que todos têm o direito de estar ali,

avançados, a força bruta deixa de ser fundamental e

vivenciando da forma que achar mais adequada. Viver

o conhecimento avança como peça essencial para o

no meio social nunca poderá ser uma experiência

desenvolvimento da sociedade. Assim, as mudanças

livre, pois todos estão relacionados de alguma forma,

que

um

portanto, para que cada um possa usufruir de sua

comportamento humano que valorize mais a questão

vivência pessoal na sociedade, uma política de

da qualidade de vida, do bem estar e conviver, do

cidadania precisa ser concebida e praticada. Ser

que a sobrevivência a altos custos. Para isso, os

cidadão é saber articular-se dentre seus direitos e

cidadãos precisam estar em equidade, gozando dos

deveres, espaços e valores sem preterir o outro para

seus plenos direitos e cientes dos seus deveres para

valer-se e sem deixar-se preterir por outro (pois, em

com o outro, o que não é cabível num quadro em

sociedade, o silêncio das vítimas é responsável por

que características biológicas marquem os papéis que

mais vítimas). Este deveria ser o tema central da

cada um representará no mundo. Chega-se o

escola para uma sociedade mais justa, o que é

momento onde o indivíduo precisa arcar com suas

defendido pelos novos documentos norteadores do

responsabilidades de fazer-se cidadão e adotar suas

ensino. Dessa forma, os materiais que acompanham

estão

ocorrendo

clamam

por

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

657

a vida estudantil do aluno deveriam ter como base a

qualidade que contribuam para sua formação.

pluralidade social e nunca padrões, o privilégio da

Todavia, para haver de fato uma seleção apurada,

maioria oprime as minorias, o que não é nada

tal tarefa não pode ser legada somente a uma banca

cidadão.

após a produção do livro. No gênero referente ao LD pode circular um alto rol de discursos que, carentes de análises mais profundas, necessitam uma

VIII. A ferramenta livro didático

adequação equitativa. As análises referentes ao conteúdo discursivo podem revelar que tipo de

Segundo Coracini (2011, p.34 e 35), o LD tem

sociedade se está pretendendo formar, e essa é uma

sido material de alta influência na escola brasileira

informação crucial para começar a se pensar o LD.

por, em muitos casos, ser visto como o foco do ensino

Os materiais subsequentes às análises poderão ter

(em vez do aluno) levando o professor ao posto de

outro parâmetro para serem elaborados, com o

simples mediador. Nesse paradigma, o conteúdo do

intuito voltado ao interesse do amadurecimento

livro é o que conduz a aprendizagem. Sendo assim, o

social através do conhecimento. A questão da

que ali estiver apresentado, terá grandes chances de

maturidade é de fundamental importância para a

ser visto como verdade, e os modelos apresentados,

melhora das condições em que estamos vivendo hoje.

como padrões a serem seguidos. Diante dessa

Faz falta um povo que seja mais ativo nas questões de

realidade, recentemente se tem observado muitas

interesse geral e que não fique assistindo passivo à

pesquisadas relacionadas ao LD. É importante que

decisões tomadas por grupos menores que detém o

haja uma preocupação maior sobre esse material se

poder. Já é tempo de o cidadão fazer valer sua

queremos qualidade de ensino maior voltada para a

autonomia e reconhecer o poder que tem. O que não

formação consciente dos cidadãos brasileiros. O

é possível fazer de forma individual, portanto, saber

professor precisa assumir sua posição em sala de aula

enxergar o outro e respeitá-lo é saber cuidar de si

como formador de opinião e lançar um olhar crítico

próprio, pois somente a união com o outro poderá

às construções humanas, inclusive sobre os materiais

gerar forças suficiente para transformar os

didáticos, para que o aluno comece a fazer o mesmo

problemas sociais que afetam a todos e isso pode-se

em suas experiências e seja capaz de agir em prol de

conseguir através de uma formação que tenha esse

seu universo e não deixar-se ser emoldurado para

foco desde as elaborações discursivas.

caber num círculo de desigualdades. Porém, ainda que os estudos avancem para a maturidade da presença do professor em sala de aula dando ao LD

IX – Espanhol como língua estrangeira

função de ferramenta de auxílio, este último ainda leva status privilegiado e, portanto, mais do que nunca, precisa ser adequado aos interesses sociais. Um exemplo dessa inquietação referente ao que é apresentado aos alunos em sala de aula é o PNLD, que através de minuciosas avaliações tenta escolher os materiais mais adequados ao ensino na escola pública. Dessa forma, pode-se notar a importância de levar aos alunos instrumentos de

O ensino da LE – língua estrangeira na escola, segundo os parâmetros curriculares, tem o objetivo de levar aos alunos o conhecimento do outro, para que assim, com uma visão externa de como aquela sociedade se constitui, possa refletir sobre a sua própria. Diferentemente dos cursinhos de língua que tem o interesse reduzido em aprender outra língua, as aulas de LE para os alunos da rede pública tem interesse voltado para o social, para a formação

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

658

cidadã. Nessa classe, espera-se que o professor

sua aprendizagem e sua formação como futuros

assuma posição politizada, que dentro do contexto

cidadãos modificadores de seu meio.

da turma, leve através da LE, temas que caibam aos interesses sociais dos alunos para serem refletidos. Prender-se ao conteúdo gramatical da língua não é

XI. Referências bibliográficas

a base para esse tipo de ensino, que busca transcender a barreira do conteúdo formal da língua

AUTHIER-REVUZ, jaqueline (1998): Palavras Incertas: as

para a interdisciplinaridade e o constante diálogo

não-coincidências do dizer.. São Paulo: Editora da UNICAMP.

com outras instâncias sociais. Pensando na língua como identidade de um povo, é através dela que se fará possível ações responsáveis por mudar

BAKHTIN, Mikhail (1997): Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes

realidades de injustiças causadas por estruturas de

BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro:

desigualdades construídas e naturalizadas pelo

Bertrand Brasil.

verbo. Assim, entrar em contato com a leitura de diferentes gêneros, verbais e não verbais, de forma

CORACINI, maria josé (2011): Interpretação. Autoria e Legitimação do Livro Didático. Campinas: Pontes

crítica possibilita ao aluno a qualidade de desconfiar, de não se render à cidade letrada onde

HALL, stuart. (2006): A Identidade Cultural na Pós-

“vale o que está escrito”. Com a maturidade de

Modernidade.. Rio de Janeiro: DP&A

refletir sobre quem e com que intenção escreveu

ISSA, paulo andré (2011): Silas Malafaia é “eleito” o maior

algo, o cidadão terá o poder de mudar a realidade

homofóbico

que aquelas palavras proporcionam em prol do

Psiquiatra #HomofobiaNAO. Em: homofobia basta!

interesse e desenvolvimento social.

Disponível em: http://homofobiabasta.wordpress.com/

da

história

do

Brasil

por

2011/07/02/silas-malafaia-e-eleito-o-maior-homofobicoda-historia-do-brasil-por-psiquiatra-homofobianao/ Acesso em: 13/06/2012

X. Marco teórico

LOURO, guacira lopes (2011): Gênero, Sexualidade e

Para esta pesquisa, propõe-se um marco teórico que alie as concepções da Análise do Discurso (AD)

francesa

de

base

Educação: uma perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes

enunciativa

(MAINGUENEAU, 1987; AUTHIER-REVUZ, 1998)

MAINGUENEAU, dominique (1987): Novas tendências em

e conceitos dialógicos de Bakhtin (1997) à sociologia

análise do discurso. Campinas: Pontes

(BOURDIEU, 1999) e a estudos culturais (HALL,

TAMGNE, F. La era homossexual [1870-1940]. In: Aldrich,

2012; LOURO, 2011) para possibilitar a recriação

R. Gays y Lesbianas, Vida y Cultura: un legado universal.

das noções de identidade relacionadas às divisões

Editorial Nerea: San Sebastián, 2006

de gênero e concepções de normatividade da conduta sexual do indivíduo contemporâneo. Acredita-se que o LD possa difundir ideologias que entrarão

em

constante

diálogo

com

os

conhecimentos prévios dos alunos, influenciando

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Anexo

659

de práticas não homofóbicas. Eu não assisti aos vídeos. Todos. Eu... A um... a um... pedaço que eu vi

Transcrição da declaração da presidente Dilma Roussef dada a repórteres de diversas mídias

na televisão, passado por vocês, eu não concordo com ele. Agora, esta é uma questão que o governo vai revisar. Não haverá autorização para este tipo

“O governo defende, defende, a educação e também a luta contra práticas homofóbicas. No entanto o governo não vai, não vai ser permitido a

de política de defesa de A, B, C ou D. Agora, nós lutamos contra a homofobia. Minha querida, minha querida, o futuro à Deus pertence.” (grifos nossos)

nenhum órgão do governo fazer propaganda de

UOL, Redação da. (2011) “Não aceito

opções sexuais. Nem, de nenhuma forma, nós não

propaganda de opções sexuais”, afirma Dilma sobre

podemos interferir na vida privada das pessoas.

kit anti-homofobia. Disponível em: http://

Agora, o governo pode sim fazer uma educação de

noticias.bol.uol.com.br/educacao/2011/05/26/nao-

que é necessário respeitar a diferença e que você não

aceito-propaganda-de-opcoes-sexuais-afirma-

pode exercer práticas violentas contra àqueles que

dilma-sobre-kit-anti-homofobia.jhtm. Acesso em:

são diferentes de você. Isso... Eu não concordo com

25/08/2011.

o kit. Não. Porque eu não acho que (de)faça defesa

Notas ¹

Ver Anexo.

²

Expressão utilizada verbalmente pela presidente, o termo politicamente correto seria orientações sexuais.

³

Expressão utilizada verbalmente pela presidente

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

660

NAÇÃO IDEALIZADA EM AVES SIN NIDO

Lina Arao UFRJ

Introdução Na América Hispânica do século XIX, a produção ensaística e literária ressalta a preocupação preponderante com os rumos

estão empenhados em um projeto comum, o da constituição do estado nascente; daí sua grande preocupação com a língua e os temas nacionais, ou ainda com todos aqueles elementos que possam funcionar como rasgos de americanidade. (COUTINHO, 2003, p.46)

políticos, econômicos e sociais das nações recém-

Par a a maioria dos escritores hispano-

independentes, promovendo intensas discussões e

americanos do século XIX, portanto, a literatura

explicitando divergências entre os grupos

possuía como uma de suas funções a de buscar

polarizados – os liberais e os conservadores – no

intervir na política, que estava ainda organizando

tocante a questões importantes no cerne das imagens

o futuro dos novos Estados, por meio da construção

de nação que se projetariam a partir desses

de alegorias de nação, projetando imagens ideais que

discursos. Nesse contexto de tentativas e projetos

as conformariam de acordo com as ideologias de

de construções de imagens nacionais, buscava-se

cada autor.

forjar uma identidade que as distinguisse da metrópole espanhola, mas, concomitantemente, internalizavam-se os modelos europeus para caracterizar os ideais de “civilização” e de “marcha ao progresso” almejados.

Acreditando, então, no papel da literatura como um poderoso instrumento para se pensar a nação e, mais do que isso, forjá-la, a peruana Clorinda Matto de Turner elabora sua principal obra romanesca, Aves sin nido, publicada em 1889,

Durante esse período de consolidação dos

como uma espécie de projeto de nação e estruturação

países hispano-americanos, política e literatura

social. Destacada periodista, Matto de Turner

estavam intrinsecamente relacionadas. De acordo

dirigiu e colaborou com diversos jornais e revistas:

com Eduardo Coutinho, discurso literário e

criou, em 1876, El Recreo del Cuzco ao mesmo tempo

político

em que escreveu para El Correo del Perú de Lima,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

661

além de ter tomado a frente do El Perú Ilustrado. No

Hispânica, dividida por duas grandes ideologias (a

entanto, é sem dúvida em seu principal romance que

dos liberais e a dos conservadores) que implantavam

a peruana coloca em questão os problemas que

suas bases em dois espaços distintos – o campo (as

estavam, então, na ordem do dia: a preocupação

pequenas cidades peruanas) e a cidade (a capital).

em edificar uma nação peruana homogênea frente a

A antinomia entre civilização e barbárie, tão

tantas outras passa pelo problema de como lidar

celebremente conhecida através da obra de

com o grande contingente indígena da região, assim

Domingo Faustino Sarmiento, conserva-se no

como pela inserção das mulheres no tão idealizado

romance de Matto de Turner na medida em que

país civilizado e movido pelo progresso.

localiza no “campo”, ou nas cidadezinhas serranas,

Depreende-se, através desses intentos literário-políticos de construções de nações, o caráter “artificial” de seu conceito, sobre o qual adverte Benedict Anderson, que descreve a nação em sua qualidade de “comunidade imaginada”. Não há um teor negativo nessa “artificialidade”, já que se remete à criação de uma miríade de elementos que formariam cada uma das nações. Segundo Anderson, a comunidade é imaginada porque seus habitantes têm a ideia de pertencerem a ela apesar de não se conhecerem entre si (Cf. ANDERSON, 2008, p. 3134). É essa noção de pertencimento que se conforma a partir de uma série de fatores – como uma literatura que a represente, lendas, histórias, símbolos nacionais – que une esses cidadãos e os faz reconhecer determinada nação como sua pátria (os elementos que funcionam como marcas de “americanidade”, como afirmou Eduardo Coutinho). Em Aves sin nido, portanto, Matto de Turner projetava e escrevia

a barbárie dos locais avessos à modernização e às mudanças necessárias para a implantação da liberdade civilizadora, e, na cidade, o espaço do progresso civilizatório. No entanto, essa dicotomia, ao mesmo tempo, é também desconstruída, visto que em Aves sin nido não são os índios e, menos ainda, os mestiços os símbolos maiores dessa “barbárie”, supostamente responsável pela degeneração da América Hispânica, mas os partidários do conservadorismo político e ideológico que sustentavam sua riqueza na exploração e no subjugo dos

indígenas.

São

esses

os

“bárbaros”,

representados, no romance, pelo governador Pancorbo, pelo juiz Verdejo, pelo padre Pascual e pelos comerciantes de lã, que insistem e lutam ferozmente para conservar o sistema retrógrado e quase feudal de trabalho, que se utilizava ainda da mita e do reparto antelado, mantendo, portanto, a estrutura colonial na nação já independente.

suas

Por outro lado, os representantes dos ideais

peculiaridades, propondo a (sua) maneira ideal de

liberais e progressistas são o casal Fernando e Lucía

consolidar e homogeneizar uma sociedade

Marín, que se diferenciavam completamente dos

rigorosamente cindida entre pelo menos duas grandes

“senhores de Kíllac”, de forma bastante maniqueísta,

influências culturais – a de origem europeia e a

pela esmerada educação formal que ambos haviam

indígena (herdeira da poderosa cultura incaica).

recebido nas grandes cidades. Para eles, inclusive, a

literariamente

a

nação

peruana

em

Igreja deveria mudar seus velhos costumes – sobretudo a proibição do casamento para os

A nação peruana em Aves sin nido

eclesiásticos (essa era a ideia fortemente defendida por Clorinda Matto de Turner também em outros

A nação peruana retratada em Aves sin nido

textos e que lhe valeu o ódio dos representantes da

era aquela típica do século XIX na América

Igreja Católica, que a perseguiram por toda a sua

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

662

vida) –, construindo a base de toda a sua crença no

en la corriente de depravación opresiva que existe

futuro sobre a educação laica. Essa é, portanto, a

en los pueblos chicos, llamados con fundada razón y

solução para a dicotomia entre civilização e barbárie

justicia, infiernos grandes.” (MATTO DE TURNER,

que caracterizaria, segundo essa ideologia em voga

2006, p.125)

no século XIX, o Peru: através da educação se incluiria a população indígena de forma igualitária na sociedade peruana, além de possibilitar a modernização das estruturas sociopolíticas e econômicas, de modo que se impulsionasse toda a nação peruana rumo à tão desejada civilização, que estaria, em Aves sin nido, já instalada na capital, Lima.

Os “heróis civilizatórios” são vencidos e deixam Kíllac, incapazes de mudar a mentalidade “bárbara” dos poderosos da pequena cidade, restando-lhes apenas o consolo de poderem “salvar” as “aves sin nido”, Margarita e Rosalía, órfãs do casal indígena Yupanqui, adotadas pelos Marín. O destino escolhido para o novo lar é Lima e é interessante o fato de que o modo de transporte que leva a família

A “nova antinomia” instaurada por Matto

à capital é o trem, que, conforme Bradford Burns,

de Turner entre os bárbaros (não educados) e os

era uma “manifestação material do ‘progresso’”

civilizados (educados) a fim de destacar a solução

(BURNS, 1979, p.18), reconhecido como marca de

ideal para o caos político e a crise econômica do

civilização. O caminho ao idealizado centro urbano

Peru é de tal forma polarizada que há uma sorte de

só poderia ser intermediado por outro símbolo do

“determinismo educativo”: Sebastián Pancorbo, por

progresso e da incipiente tentativa de modernização

exemplo, apresenta uma leve hesitação quando se

do país, o que reaviva os contrastes entre os dois

vê ameaçado pelas investigações ao ataque à casa do

“cronotopos”: os pequenos povoados, entraves de

casal Marín (aquele tramado pelos notáveis de

um passado arcaico, e as grandes cidades, que

Kíllac, que culminou com a morte de Marcela e Juan

“progrediam” rumo ao progresso.

Yupanqui) e pensa em abandonar o cargo político. Todavia, é prontamente dissuadido por outras autoridades que o convencem a voltar ao governo de Kíllac para que possa auxiliá-los em assuntos políticos, ou seja, a fim de que se permita a troca de favores,

prática

comum

nos

meandros

administrativos do Peru. No caso desse personagem, o fato de não ter recebido o ensino formal e de não se

interessar

por

ele

transforma-o

Em Lima, as meninas poderiam receber a educação necessária para inseri-las adequadamente na sociedade peruana: ¡Margarita! ¡Margarita mía! A ti te entumecería el invierno de los desengaños en esta puna donde se hielan los buenos sentimientos con el frío del abuso y el mal ejemplo. Tú vivirás bella y lozana, donde se comprenda tu alma y se admire tu hermosura (…). (MATTO DE TURNER, 2006, p.232)

irremediavelmente em um bárbaro, político corrupto e explorador dos indígenas. Para Clorinda Matto de Turner, não era o ambiente da pequena

Assim, em Lima, onde “se educa el corazón y

cidade em si ou a origem sociopolítica que

se instruye la inteligencia” (Ibidem, 2006, p. 184),

determinava o ser, mas a educação: Pancorbo,

Margarita estaria, definitivamente, salva da

Pascual e Verde jo eram bár baros porque não

exploração e da barbárie que haviam deixado em

estudaram, já Manue l (filho de Pancorbo e

Kíllac. Observe-se que a educação formal e laica que

Petronila) era diferente porque havia ido à grande

as meninas receberiam operaria também no sentido

cidade para educar-se e “se libró de ser contaminado

de uma homogeneização cultural: a “civilização”

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

663

necessária para incluir igualitariamente os índios na

interferência dos “civilizados” liberais peruanos. Se

sociedade peruana seria alcançada através da

as órfãs Yupanqui são salvas porque levadas à Lima,

educação calcada em valores e conhecimentos de

os outros índios ficam esquecidos em Kíllac,

origem europeia, que implicaria no abandono da

enredados em um tempo e espaço distantes,

cultura e do modo de vida indígenas herdados dos

estancados na mesma situação que Fernando e Lucía

pais índios. Ademais, é importante destacar que

encontraram quando chegaram à cidade.

Margarita, personagem mais focalizada na trama, a despeito de sua irmã Rosalía, é, em realidade, mestiça, uma vez que, já no leito de morte, sua mãe confessa a Lucía que a moça é filha do padre Miranda y Claros, que também havia violentado dona Petronila, de modo que Manuel e Margarita são (acontecimento

digno

de

grande

romance

romântico) irmãos por parte de pai, o que impede o namoro que quase havia começado entre os dois. Desse modo, Margarita representa tanto a mestiçagem cultural quanto étnica: os indígenas poderiam, por conseguinte, apenas fazer parte da nação peruana a partir de sua aculturação, absorvendo a cultura europeia, deixando-se “embranquecer” sob todos os aspectos.

Considerações finais Em Aves sin nido, encontra-se a crítica a uma sociedade problemática e o desejo de construir soluções para os seus “defeitos”. No célebre romance de Matto de Turner, convergem pelo menos dois projetos compatíveis: a escrita da nação pela literatura e, concomitantemente, a escrita de uma nação ideal, aquela que teria os elementos necessários para progredir e prosperar (a educação como a chave do processo de homogeneização do Peru). Essa nação imaginada é também a utopia de uma comunidade coesa, na qual as diferenças étnicas e culturais

No romance, assim, a intervenção dos ideais

deveriam desaparecer para abrir caminho ao

civilizadores e educativos dos setores liberais da

trabalho de, através da tecnologia e da educação,

sociedade

e

salvar o Peru da decadência econômica e do caos

imprescindíveis para “salvar” os índios da situação

político em que se encontrava no século XIX. Pode-

em que os verdadeiros “bárbaros” os colocaram,

se pensar em Aves sin nido como uma utopia de nação

como corrobora um pequeno trecho da obra no qual

na medida em que Clorinda Matto de Turner elabora

Lucía se refere à ajuda que ela e o marido oferecem a

imaginativamente um Estado que tivesse condições

outro índio da trama: “¡Oh! ¡pobres indios! ¡pobre

de ultrapassar a crise que assolava o Peru “real” da

raza! ¡Si pudiéramos libertar a toda ella como vamos

época da escritora peruana. Não há, portanto, uma

a salvar a Isidro!...” (Ibid, 2006, p. 240). Sem a

utopia indígena, que construísse projetos para a

educação que deveria ser, de acordo com Clorinda

melhoria da situação dos índios como sujeitos de sua

Matto de Turner, dedicada a todos os peruanos, não

história, mas existe uma utopia de nação edificada

se poderia salvar nem o país da crise e nem os índios

por Matto de Turner que representa um se tor

da exploração. Esses são seres dependentes, incapazes

determinado da sociedade peruana – a burguesia

de transformar a própria realidade: são vítimas de

liberal progressista do século XIX.

peruana

são

fundamentais

uma barbárie que os transformou em objetos da própria história, cuja “salvação” depende da

664

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Referencias bibliográficas

Modernization in Latin America, 1850-1930, p. 11-77. Austin: University of Texas Press.

ANDERSON, Benedict (2008): Comunidades imaginadas. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Companhia das Letras. BURNS, E. Bradford (1979): Cultures in Conflict: The Implications of Modernization in Nineteenth-Century Latin America. Em: BERNHARD, Virginia (Ed.): Elites, Masses, and

COUTINHO, Eduardo de Faria (2003): Literatura comparada na América Latina: ensaios. Rio de Janeiro: EdUERJ. MATTO DE TURNER, Clorinda (2006): Aves sin nido. Castelló de la Plana: Publicacions de la Universitat Jaume I, D.L.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

665

LA EXPRESIÓN DE LA CONTRAFACTUALIDAD EN ESPAÑOL: ¿DIFERENTES VARIANTES, DIFERENTES INTERPRETACIONES?

Lorena Mariel Menón USP/PG

En español, existe una gama de posibles

del enunciado, y consecuentemente con los efectos

construcciones para la expresión de la irrealidad en

de sentido que producen y los caminos

el pasado con las condicionales introducidas por si.

interpretativos que permiten recorrer.

Tales construcciones se presentan como alternativas semejantes en su valor básico de contrafactualidad, sin embargo no son equivalentes y, en algunos casos, se hace imposible el traspaso de una formulación a

1. Sobre las construcciones condicionales contrafactuales en español

otra, ya que son asociables a efectos de sentido el

Teniendo en cuenta el análisis de los

distanciamiento entre el mundo real y el mundo

enunciados de nuestra maestría (MENÓN, 2009),

alternativo creado verbalmente, conforme

pudimos observar que las variantes encontradas son

observamos en MENÓN (2009; 2010).

diferentes formas no equiparables de expresar la

diferentes

que

afectan

directamente

contrafactualidad. Sobre la estructura de las En este trabajo, que forma parte de nuestro

variantes, pudimos comprobar que la relación entre

doctorado 1 en curso, presentaremos el análisis de

el hecho presentado en la prótasis y en la apódosis

dos variantes en español presentes en entrevistas de

ayuda a construir el sentido contrafactual, así como

una revista argentina, y que son enunciados que

también el cotexto2 en el que aparecen, pero no son

focalizan la vida íntima, a manera de estudios de

suficientes para explicar los efectos de sentidos a los

caso. Bajo una perspectiva analítica semántico-

que (no) se asocian. En un análisis comparativo de

enunciativa, basada en DUCROT (2001) y

un texto poético en portugués y su traducción al

MAINGUENEAU (2002), intentaremos destacar los

español (MENÓN, 2010)3 pudimos advertir que la

elementos que instauran la escena enunciativa y el

instancia de escena enunciativa nos permite

lugar que los sujetos ocupan en tal escena, puesto

relacionar las formas lingüísticas del enunciado a

que están directamente relacionados con la forma

efectos de sentido y caminos interpretativos más allá

666

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

de un valor contrafactual de pasado básico. Por ello

Finalmente, consideramos pertinente

proponemos los estudios de caso a continuación,

trabajar también dentro de la Lingüística de la

considerando no solo el efecto de sentido de la

Enunciación con la noción de modalidad, ya que

formulación contrafactual, como la articulación de

“la modalidad afecta a lo dicho añadiendo la

la configuración de la prótasis y de la apódosis junto

perspectiva desde la cual el locutor considera el

con otros elementos lingüísticos del cotexto, sino

contenido de lo que dice.” (GARCÍA-NEGRONI,

también observando la enunciación como un todo,

TORDESILHAS-COLADO, 2001, p. 92).

rescatando elementos de la escena enunciativa que forjan la presencia de una formulación y no de otra.

Aplicaremos

las

nociones

teóricas

presentadas en el análisis de enunciados extraídos de entrevistas de la revista Gente Gente, publicación

2. Sobre los estudios de caso: base teórica y metodología

argentina de la editorial Atlántida, de prensa rosa, con rasgos también de prensa amarilla. Cabe destacar que, sea como prensa rosa o como prensa

Pa r a e l a n á l i s i s e n u n c i a t ivo q u e n o s

amarilla, las noticias valoran más que los hechos,

proponemos realizar, rescatamos del aparato teórico

las personas, o mejor dicho, el punto de vista de las

de la lingüística de la enunciación, la noción de

personas sobre los hechos.

enunciación de DUCROT (2001, p.135): “Es el

Los enunciados que nos sirven de punto de

acontecimiento histórico que constituye, por sí misma,

partida para los estudios de caso se extrajeron de

la aparición de un enunciado”, de este último se podrá

dos entrevistas relacionadas con historias de muerte,

develar el sentido y, consecuentemente, su descripción

en la que están involucradas personas mediáticas, a

podrá develar la enunciación que instaura. Y nos

la que se les da “voz”, principalmente por

amparamos también en la teoría polifónica de

representar el lado afectado o victimizado.

DUCROT (2001), la cual defiende la no univocidad del sujeto hablante, poniendo en evidencia la superposición de varias voces. Distinguimos, así, el

3. Los estudios de caso

hablante (autor empírico del enunciado), el locutor (ser responsable por el enunciado; ser discursivo) y los enunciadores (seres a los que se les adjudica “la responsabilidad de ciertos actos particulares vinculados con la enunciación”), (DUCROT, 2001, p. 261).

Los enunciados forman parte de dos entrevistas publicadas en un mismo ejemplar, revista Gente, Año 45, Nº 2338, del 11 de mayo de 2010, según el sumario: “Nazarena. A un mes de la muerte

Y, para dar cuenta del mundo creado

de su hermana, rompe el silencio: ‘Desde que murió

lingüísticamente, nos apoyamos en la noción de escena

Jazmín no vivo: apenas sobrevivo’. “, p. 18; “Liz Solari.

de enunciación, de MAINGUENEAU (2002, p.17):

Por primera vez después de la trágica muerte de su novio, confiesa desde Madrid: ‘Aprendí a aceptar la

como passível de uma tríplice apreensão, a saber, a cena de enunciação que se define a partir do tipo de discurso (cena englobante), a cena referente ao gênero do discurso (cena genérica) e, por último, a cena que se constrói como elemento essencial de legitimação dos discursos (cenografia).

muerte con naturalidad, como una parte más de la vida’.”, p. 158. Respectivamente: Caso 1 y Caso 2. En lo que respecta a la escena enunciativa, para empezar a aplicar el aparato analítico (MAINGUENEAU, 2002, p.85-93), podemos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

667

aprenderla de la siguiente forma: a. la “escena

permite decir lo que dice en la escenografía que se

englobante”: el discurso periodístico de la prensa

forja (sin esta condición, el asunto no tendría

rosa/amarilla; b. la “escena genérica”: la entrevista;

espacio en la escena englobante). Esta posición de

c. la “escenografía”: puesta en escena teatral; d. la

locutor-famoso permite un desplazamiento hacia

“escena validada”: charla confidencial.

una perspectiva de enunciador-íntimo y autoriza su decir confesional-dramático, por lo que el locutorfamoso puede expresarse relativizando lo que es de la esfera privada y de la esfera pública en la escena

a) Caso 1: “Si no venía a Buenos Aires, no pasaba por esa puta autopista” Totalmente

descontextualizada,

validada. la

construcción con el imperfecto de indicativo no necesariamente se asocia a un hecho contrafactual, lo que le da una característica peculiar de volatilidad. En las descripciones lingüísticas, la

Al recortar la entrada en la que aparece el enunciado contrafactual, podemos observar una gradación que resulta en un final conclusivo, confesional y dramático. — ¿Jazmín te ayudaba con tu trabajo?

estructura con pretérito imperfecto de indicativo en la prótasis y en la apódosis está etiquetada como 4

coloquial, sin embargo, más allá de este valor sociolingüístico, es posible advertir otros efectos de sentidos asociados a su aparición.

— Ella estaba metida en la producción. Se separó hace siete meses y vino a Buenos Aires a empezar de nuevo. Yo la quería proteger… y hasta culpa me agarra (vuelve a llorar). Si yo no la hubiera ayudado en el trabajo… ¿Entendés? Si no venía a Buenos Aires, no pasaba por esa puta autopista.

Entre los efectos que diferencian la formulación con el imperfecto de indicativo de otras

Una

pregunta

cerrada,

fácilmente

formulaciones contrafactuales posibles entra en

respondida con un sí/no, desencadena una respuesta

juego la localización de la irrealidad, pues, según

compleja que empieza con una secuencia narrativa:

MARTÍNEZ (1998, p.99):

Ella estaba metida en la producción. Se separó hace siete meses y vino a Buenos Aires a empezar de nuevo.

El significado invariante de duratividad [del pretérito imperfecto de indicativo] lo hace más cercano al presente y, por lo tanto, más apropiado para los contextos más posibles.

Enseguida, se abre espacio para el tono confesional, en el que aparece una justificación y la explicitación de un sentimiento de culpa del

Teniendo en cuenta que, al admitir una

enunciador-íntimo, instaurando un discurso

interpretación contrafactual, el mundo creado

dramático: Yo la quería proteger… y hasta culpa

lingüísticamente nunca será posible, por lo que la

me agarra (vuelve a llorar).

cercanía y la posibilidad deben ser entendidas como un matiz de confiabilidad o de deseo de que algo podría haber ocurrido diferente o (no) haber ocurrido.

A continuación, la condicional truncada o suspendida 5 que amplía la información anterior (vino a Buenos Aires porque el enunciador-íntimo del enunciador-famoso la quería proteger y le prestó

En la escena genérica, reconocemos como

ayuda dándole trabajo en la producción) y anticipa

Locutor (L) del enunciado con la formulación

otra (“estaría viva” / “no estaría muerta” / “no se

contrafactual un locutor-famoso al que se le puede

hubiera muerto”/etc). Tal construcción, además,

adjudicar una posición desde la cual se expresa y le

pone de manifiesto un auto-reproche delante de la

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

668

imposibilidad de revertir el hecho. La interpelación

del enunciador-íntimo, al dejar una marca explícita y

fática (¿Entendés?) hacia el locutor-periodista (que

fuerte de su valoración y envolvimiento afectivos.

se extiende a los lectores de la revista), en una dimensión de confidente, provocada por la configuración de escena genérica y bajo la perspectiva a la que se desplaza el enunciador-famoso, representa

b) Caso 2: “Eso sólo habría sido posible si hubiesen mantenido silencio ante el dolor.”

el clímax, al mismo tiempo que funciona como La formulación del enunciado del Caso 2

refuerzo por su “valor exhortativo” (KOVACCI, 1992, 117) y de búsqueda de adhesión/comprensión.

presenta tres distinciones en relación con el caso anterior: 1) en la prótasis aparece un pretérito

Finalmente, la formulación condicional que

pluscuamperfecto de subjuntivo; 2) en la apódosis

surge de la voz del enunciador-íntimo revela no solo

aparece un potencial compuesto; 3) presenta un

el sentido contrafactual (la interpretación de

orden remático (apódosis –prótasis).

irrealidad es nítida: “vino a Buenos Aires y pasó por esa puta autopista”); sino también, y a partir de la

En primer lugar, resaltaremos que la

perspectiva asumida, que la relación modal que se

formulación presenta lo que se considera estructura

establece con lo que expresa es del orden de lo

prototípica para la expresión de la contrafactualidad:

afectivo,6 que funciona como un auto-reproche. Tal

el pretérito pluscuamperfecto del subjuntivo en la

relación modal afectiva está implícita en la

prótasis y el potencial compuesto en la apódosis. Con

formulación condicional, o sea, no está expresamente

tal combinación queda indiscutiblemente creado el

dicho que el locutor se auto reprocha lo que expresa,

universo alternativo de algo que no pasó ni tiene

sino que se desprende de la secuencia que encierra y

chances de pasar. Para KOVACCI (1994, p. 208) la

por la que el empleo del pretérito imperfecto de

presencia del pretérito pluscuamperfecto de

indicativo

sentido

subjuntivo “caracteriza a las condicionales ‘irreales’ o

contrafactual con matices de confianza real, por la

contrarias a los hechos”. Para MARTÍNEZ (1991), el

valoración afectiva. Y, si bien para BALLY (In:

pretérito pluscuamperfecto del subjuntivo se presenta

GARCÍA-NEGRONI, TORDESILLAS-COLADO,

como el tiempo verbal con el grado más categórico

2001, p. 104), la modalidad afectiva no tendría

de imposibilidad epistémica (Hubiera/se cantado:

recursos morfológicos para su expresión (presente,

pasado, imperfectivo, -aser tivo). Vale la pena

en general, en el modo del verbo), podemos

también mencionar su condición de tiempo relativo,7

adjudicarle una marca morfológica presente en el

lo que refuerza el valor de distancia entre el estado

pretérito imperfecto de indicativo, considerando la

de las cosas del mundo de la enunciación y el estado

caracterización de “irreal empático” que MARTÍNEZ

de las cosas del mundo de la construcción

(1991, p. 523) le adjudica a tal tiempo verbal en el

contrafactual.

permite

interpretar

un

contexto de la expresión de la contrafactualidad, por

Ya el anclaje temporal se realiza con un valor

poner de manifiesto que el enunciador se involucra

de ante-pos-pretérito, generalmente presente en la

con lo que expresa y, al hacerlo, disminuye la

expresión de la probabilidad en el ámbito del pasado,

distancia entre el mundo real y el mundo creado

capaz

lingüísticamente.

anterioridad, de co-preteridade o prospectividad en

de

expresar

valores

temporales

de

El empleo de la palabra “puta”, caracterizando

relación con el punto de referencia pasado, 8 sin

negativamente la autopista, es el ápice de la perspectiva

delimitación temporal, configurando contextos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

altamente hipotéticos, o sea, contrafactuales, pero con la posibilidad de permear un valor de incertidumbre y de probabilidad en tales construcciones. Por lo tanto, la formulación del enunciado del Caso 2 presenta, a primera vista, la creación de un mundo alternativo en un ámbito temporal anterior

669

dentro… ¿Se entiende? Mi lugar era cerca de mi gente, no con los medios. ¡Tampoco en los medios!

Nuevamente una pregunta cerrada, fácilmente respondida con un sí/no, desencadena una respuesta compleja que empieza con la formulación contrafactual y que abre espacio para el tono profesional.

al de la enunciación y que se presenta como ya

Consideramos la posición de la prótasis y de la

realizado y distante del mundo real, como marco

apódosis, en este caso, también un recurso de la

para la interpretación de un acontecimiento

modalidad, teniendo en cuenta que (Nueva Gramática

presentado como probable y, al mismo tiempo,

de la Lengua Española, 2009, p. 3581 y 3583):

incierto, ya que no guarda una relación directa con el mundo de la enunciación. Así como en el Caso 1, en la entrevista del Caso 2, reconocemos como Locutor (L) del enunciado con

El orden “apódosis-prótasis” del periodo condicional se suele usar para reforzar el hecho de que la prótasis se interpreta como condición necesaria para el cumplimiento del estado de las cosas denotado por la apódosis. […]

la formulación contrafactual a un locutor-famoso al que se le puede adjudicar una posición desde la cual se expresa y le permite decir lo que dice en la escenografía que se forja. Esta posición de locutorfamoso permite un desplazamiento hacia una perspectiva de enunciador-profesional y enunciador–

Tienden a ir pospuestas () las prótasis condicionales focalizadas, como las encabezadas por sobre todo, al menos, salvo o excepto. […] Algunas de estas prótasis se anteponen a veces por razones enfáticas, especialmente las que encabezan los adverbios solo y aun, pero es más frecuente encontrarlas pospuestas.

íntimo, que autoriza su decir ambiguo (reprueba y justifica su reprobación).

La condición necesaria de la contrafractual revela mucho más que una negativa, ya que el

Al recortar la entrada en la que aparece el

enunciador-profesional destaca reprobatoriamente

enunciado contrafactual, podemos observar la

una característica intrínseca de la prensa en la que

creación de un mundo alternativo seguido de

consigue espacio por su condición de enunciador–

secuencias explicativas que funcionan como pruebas

famoso: el hecho de los medios no puedan mantener

del valor epistémico de la formulación contrafactual,

silencio, particularmente en casos con fuerte carga

que asume un valor reprobador, y que también refleja

melodramática. Y por ser intrínseca, imposible de

un intento de delimitar lo que es de la esfera personal

no existir. Por lo tanto, lo que se reprueba es al mismo

y lo que es de la esfera pública, y que resulta en un

tiempo imposible de haber sido diferente.

final “justificador”. Por otro lado, teniendo en cuenta la distinción: — ¿Creés que los medios trataron el tema con respeto?

hubiera = incierto; hubiese = imposible (MARTÍNEZ, 1996, p. 203), observamos un marco de

—Eso sólo habría sido posible si hubiesen mantenido silencio ante el dolor. Cosa que no ocurrió. Con el paso de los días me llegaban comentarios de gente allegada a mí, sobre la deformación de una realidad absolutamente personal. Obviamente, yo no estaba pendiente de la prensa, necesitaba mirar hacia

interpretación del mundo creado basado en la imposibilidad, lo que refuerza lo expuesto en el párrafo anterior. Al caracterizar los casos con la construcción con el pretérito pluscuamperfecto del subjuntivo en

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

670

la prótasis y el potencial compuesto en la apódosis, MENÓN (2009, p. 92) observa que:

Enseguida el enunciador-profesional se ve desplazado por el enunciador-íntimo y comienza a justificar (dejando de lado la reprobación) su

[...] há a presença — que consideramos não aleatória — de alguns elementos que poderíamos chamar de “modalizadores e/ou reforçadores do valor epistêmico”, ou seja, elementos linguísticos que, presentes de forma explícita no texto, vão adicionar valores à construção contrafactual e que revelam a credibilidade da realização, embora suposta e impossível, do mundo alternativo criado simbolicamente nela.

En el Caso 2, le siguen a la formulación una secuencia de segmentos explicativos. Primero, el enunciador-profesional

refuerza

la

contrafactualidad, explicitando su contraste con el mundo real: Cosa que no ocurrió. A continuación,

crítica, y se vale de la explicitación de un argumento melodramático: Obviamente, yo no estaba pendiente de la prensa, necesitaba mirar hacia dentro… ¿Se entiende? Mi lugar era cerca de mi gente, no con los medios. ¡Tampoco en los medios! Nuevamente aparece una interpelación fática hacia el locutor-periodista (que se extiende a los lectores de la revista), equivalente a la interpelación del Caso 1 (¿Entendés?), marcando el desplazamiento de perspectiva de enunciador que asume el locutorfamoso, y al mismo tiempo, la necesidad de empatía.

introduce una explicación-prueba que sustenta su afirmación anterior desde un lugar de saber e introduce un intento de delimitación de lo que sería del orden de la esfera personal y de la esfera pública: Con el paso de los días me llegaban comentarios de gente allegada a mí, sobre la deformación de una realidad absolutamente personal.

4. Algunas conclusiones y perspectivas En los dos casos, las formulaciones condicionales presentan un valor básico de contrafactualidad latente, en mayor o menor evidencia; sin embargo, al mismo tiempo, instauradas

semántica

en una escena enunciativa, observando las posiciones

“ev idencialidad”(GARCÍA-NEGRONI,

y desplazamientos de los locutores/enunciadores,

TORDESILLAS-COLADO, 2001, p. 110), relacionada

nos permiten recorrer caminos interpretativos

con la modalidad epistémica, teniendo en cuenta que

diferentes y no se presentan como intercambiables.

Si

tomamos

la

categoría

“se relaciona con los distintos modos en que el locutor ha obtenido el conocimiento en cuestión”, podemos advertir que el recurso de citar una fuente externa con el empleo de la tercera persona del plural y su indefinición explícita (“gente allegada a mí”, en la que consta una caracterización no despreciable, ya que condiciona que sea una fuente fidedigna), distancia el punto de vista del enunciadorprofesional, atenuando la posición de su condición de locutor-famoso en tal escena enunciativa.

Con el desarrollo de nuestra investigación, realizaremos más estudios de caso, dentro del mismo ámbito (medio de prensa escrita rosa/amarilla), de forma tal que nos sirvan de parámetro para indicar tendencias

sobre

la

expresión

de

contrafactualidad desde un mirada enunciativa.

la

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

5. Referencias bibliográficas

671

_____. (1998) Alternancia y frecuencia de uso en las condicionales contrafactuales de pasado: una interpretación

_____. (2001) El decir y lo dicho. Buenos Aires: Edicial. KOVACCI, Olga. (1992) El comentario gramatical. Teoría y práctica II. Madrid: Arco/Libros. _____.(1994) Estudios de Gramática Española. Buenos Aires: Edicial S.A.

cualitativa. Actas del IX Congreso Internacional de la Asociación de Lingüística y Filología de América Latina (1990), Vol. III. Campinas: Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP. p. 97-106. MENÓN, Lorena Mariel (2009) A contrafactualidade como efeito de sentido – o caso das construções das condicionais

MAINGUENEAU, Dominique (2002) Análise de textos de

com si/se em espanhol e em português. Dissertação de

comunicação. 2ª ed. São Paulo: Cortez Editora.

Mestrado, USP, São Paulo.

MARTÍNEZ DE LÓPEZ, Angelita. (1991) Tiempos verbales

_____. (2010) Erro de português? – As construções contrafactuais

en el discurso hipotético en el habla de Buenos Aires. Actas

das condicionais com si/se em espanhol e em português. Anales del

del III Congreso Internacional del Español hablado en

I CIPLOM – I Congreso Internacional de Profesores de Lenguas

América. Valladolid, de 1989. Junta de Castilla y León.

Oficiales del Mercosur, realizado de 19 a 22 de outubro de 2010,

Conserjería de Cultura y Turismo. p. 519-525.

Foz do Iguaçu - Pr: Unioeste – 2010. p. 650-659. Disponible en: http://www.apeesp.com.br/web/ciplom/Arquivos/Artigos/pdf/

_____. (1996) Emisiones contrafactuales e intención

Lorena%20Mariel%20Menon.pdf (último acceso: 08/10/2012)

comunicativa. Actas del X Congreso Internacional de la Asociación de Lingüística y Filología de América Latina, de

Nueva Gramática de la Lengua Española, Sintaxis II. (2009)

1993. Veracruz, México: Universidad Nacional Autónoma

Madrid: Real Academia Española, Asociación de Academias

de México.

de la Lengua Español / Espasa.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

672

Notas 1

En el doctorado en curso, nuestro objeto de estudio es la expresión de la contrafactualidad considerando la dimensión de la enunciación y la especificidad de las discursividades (argentina y brasileña) en las que circulan.

2

Cotexto, segundo Maingueneau (2002, 26), es “contexto lingüístico” en oposición a “contexto situacional”.

3

Aplicamos las nociones de acontecimiento lingüístico, espacio de enunciación y lugares sociales, de GUIMARÃES, E. (2005) Semântica do acontecimento: um estudo enunciativo da designação. 2ª ed. Campinas, SP: Pontes Editores.

4

Ver: a) MONTOLÍO, E. (2000) Las construcciones condicionales. Capítulo 57, página 3669, punto 57.2.3.3. En I. Bosque & V. Demonte (org.) Gramática descriptiva de la lengua española. Tomo 3. Madrid: Espasa.; b) Nueva Gramática de la Lengua Español – Sintaxis II (2009) Capítulo 47, página 3576, punto 47.8.

5

Ver: Nueva Gramática, Sintaxis II, 2009. Capítulo 47, punto 47.3m, página 3547.

6

Teniendo en cuenta la distinción del lingüista suizo Charles Bally de tres clases esenciales de relaciones modales: a) intelectuales, b) afectivas y c) volitivas. Ver GARCÍA-NEGRONI, TORDESILLAS-COLADO (2001, p. 97-105).

7

Los “tiempos relativos” orientan una situación en relación con algún otro momento, o sea, presenta un valor temporal anafórico (los tiempos del modo subjuntivo y el potencial); en contrapartida, los “tiempos absolutos” orientan una situación en relación con el momento de la enunciación (PÉREZ SALDANYA, 2000).

8

Ver: CARTAGENA, Nelson (2000) Los tiempos compuestos. Capítulo 45. En I. Bosque & V. Demonte (org.) Gramática descriptiva de la lengua española. Tomo 2. Madrid: Espasa.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

673

RELAÇÕES ENTRE O MAGREBE E A ESPANHA: OS DOIS MUNDOS DE NAJAT EL HACHMI EM EL ÚLTIMO PATRIARCA

Louise Áurea Oliva Universidade Federal de Juiz de Fora

A escritora catalã Najat El Hachmi nasceu

a escrita foi se tornando uma via de canalização da

em Nador, Marrocos, no ano de 1979, quando seu

inquietude de sentir-se de dois lugares ao mesmo

pai já tinha emigrado para a Catalunha e, aos oito

tempo e uma maneira de aproximar os dois mundos

anos, também emigra e passa a viver em Vic com sua

a que pertence. Estamos diante de uma escritora

família graças à política de reagrupamento familiar

imigrante que busca de alguma maneira equilibrar

que empreendera o governo espanhol. É licenciada

sua identificação com mundos diferentes: o

em Filologia Árabe pela Universidade de Barcelona.

primeiro, o mundo berbere, mais especificamente a

Como escritora ganhou em 2008 o Prêmio Ramon

cultura amazigh do norte do Marrocos, e a cultura

Llull pelo romance L’últim patriarca (O último

catalã. Duas culturas distintas, mas vistas por El

patriarca), uma história de ruptura com tradições

Hachmi como irmãs porque ambas são consideradas

milenares, neste caso o patriarcado. Também é

como de segunda categoria, perseguidas e

autora do ensaio Jo també sóc catalana (Eu também

desprezadas: a cultura amazigh dentro do panorama

sou catalã), de 2004, uma obra autobiográfica onde

árabe e a catalã no contexto espanhol.

trata da integração dos imigrantes na Catalunha em relação à cultura, o idioma e a religião. Ano passado El Hachmi publicou seu novo romance La caçadora de cossos (A caçadora de corpos), onde dá vida a uma protagonista faminta por aprendizado e exploração do desconhecido que acumula experiências sexuais em prol de saciar sua sede de felicidade e seus vazios emocionais.

Historicamente o Magrebe (região do norte da África que engloba porções territoriais do Marrocos, Saara Ocidental, Argélia, Tunísia, Mauritânia e Líbia) e a Península Ibérica sofrem múltiplas influências de ambos os lados e isso não poderia ser diferente, já que são regiões separadas geograficamente somente por um estreito, o Estreito de Gibraltar, que tem apenas 14 km de água, uma

El Hachmi escreve desde os doze anos, a

distância muito pequena que facilita a travessia de

princípio como entretenimento, mas pouco a pouco

um lado a outro. E, antes da consolidação dos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

674 Estados

Espanhol

e

Português,

africanos

H. Ricci, em um “encuentro-desencuentro entre la

provenientes do Magrebe circulavam pela Península

obsesión de las marcas de origen norteafricanas y ‘la

Ibérica com certa facilidade chegando a dominar

ansiedad de la influencia’ de lo europeu” (RICCI,

parte desta região por sete séculos. Para ilustrar esta

2010, p.73). A autora rejeita identificar-se com

abordagem, devemos lembrar que em sua formação,

características culturais definidas e determinantes

a Península Ibérica foi “invadida” por diversos povos

para considerar-se produto de múltiplas influências

vindos do norte europeu que, principalmente com

e múltiplos pertencimentos.

a chegada dos romanos, povoaram e começaram a fixar os alicerces do que seria a Ibéria. Estes povos nunca foram unidos entre si, mas tinham um inimigo comum: os árabes, estritamente por questões

Três serão os pontos-chave a que recorremos para pensar a multiplicidade dessa identidade afroeuropeia: a religião, o sexo e a língua.

religiosas, já que, como sabemos, Roma tinha como

No âmbito religioso, temos o encontro de

um de seus preceitos a difusão e imposição do

uma cultura islâmica frente a uma cultura cristã,

cristianismo. Até chegarmos aos séculos XII e XIII

mais fortemente o catolicismo (a Espanha é

quando ocorreu o início da consolidação dos

predominantemente um país católico). Para ilustrar

Estados-nação ibéricos, tal região vivia em meio a

este encontro, destacamos o comportamento do

conflitos entre cristãos e árabes que tomavam,

protagonista da primeira parte do romance,

perdiam e retomavam cidades, empurrando

Mimoun Driouch, o patriarca, que, em sua estadia

contingentes populacionais de um lado a outro do

no Marrocos antes de emigrar-se, nunca se mostrara

território, deslocando com isso não só fisicamente

um praticante da religião muçulmana, agindo

pessoas, mas também culturas, modos de viver e

inclusive de maneira contrária aos preceitos

enxergar o mundo que mais tarde se mesclariam no

islâmicos, seduzindo uma prima, desobedecendo os

caldeirão de influências mútuas que caracteriza o

pais, fingindo ter ataques epiléticos para conseguir

povo espanhol.

que sua vontade sempre fosse cumprida. Ao

Para ilustrar estas múltiplas influências, nos basearemos em alguns aspectos do romance L’últim patriarca (O último patriarca), mais especificamente nos personagens Mimoun Driouch e sua filha, que não é nomeada na obra. Faz-se necessário ressaltar que o texto de El Hachmi desvela o posicionamento de uma mulher adulta que recorre à avaliação do

trasladar-se para a Catalunha, ele se esquece da religião por um longo período, num desejo de integrar-se à nova comunidade. Mas, num lampejo de vontade de tornar-se uma pessoa melhor, é na busca do retorno à religião que ele se prende, tentando recriar as práticas muçulmanas em território catalão.

juízo de novos e velhos costumes colonialistas em

O ir e vir religioso parece ser característica

um afã de desentranhar a impossibilidade de definir

comum do imigrante que fica sem saber lidar com

sua identidade a partir de binarismos caducos. Por

suas convicções frente a novas com as quais se depara

isso, L’últim patriarca não trata apenas de romancear

no território de acolhida. Isto também se passa com

sobre as diferenças entre a África e a Europa, mas

a protagonista da segunda parte da obra, a última e

sim há uma proposta de problematização das

única filha mulher de Mimoun, que é a narradora

identidades afro-europeias convertendo a escrita de

de todo o romance. Ela se mostra em diversas

El Hachmi em uma luta, uma negociação da

passagens em conflito entre seguir o que aprendera

diferença, e, como assinala o pesquisador Cristián

no Marrocos e a vergonha de ser diferente na

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

675

Catalunha. Um episódio emblemático deste conflito

esconde o namoro da família porque os pais nunca

entre ser religioso ou não é o episódio relativo ao

aceitariam que ela se envolvesse com alguém que eles

uso do véu. Nesta cena, a garota adolescente já

não haviam escolhido para ela e, a intimidade com

depois de alguns anos vivendo na Catalunha e

o namorado era algo impensável para a mãe e a

afastada do islamismo, tem uma crise de valores e

protagonista tinha muito medo de entristecê-la. Em

começa a ver-se como uma infiel, como uma má

meio a este conflito entre o certo ou errado de sua

pessoa por ter deixado tão de lado os princípios que

atitude seguindo o que aprendera no Marrocos e o

aprendera no Marrocos e resolve resgatá-los através

que ela via na prática, a protagonista consegue

de várias ações sendo uma delas o uso do véu. A

ainda se enxergar como mulher que tem domínio

primeira ideia que temos é que esta atitude estaria

sobre o próprio corpo e avaliar o envolvimento que

em correspondência com os pensamentos do pai, que

o namorado tem com ela como sendo algo

também expressara desejo por resgatar suas raízes

extremamente unilateral, pois ele só buscava o

religiosas, mas o que acontece é algo totalmente

próprio prazer e não se preocupava com ela.

contrário a esta ideia: o pai a proíbe de usar o véu e

Juntando o conflito de valores com a frustração ela

chega a espancar a menina ao pegá-la descumprindo

acaba tomando uma atitude desesperada e se enche

sua ordem. Esta atitude extremista do pai revela que

de medicamentos, tendo que ser internada. O pai

por mais que a religiosidade esteja latente em sua

interpreta tal atitude como um pedido da filha para

personalidade, o desejo de se mostrar assimilado à

que ele permitisse que ela se casasse com o namorado

cultura europeia prevalece. Ele não quer que a filha

(nesta altura o pai já ouvira boatos do namoro, mas

seja vista como diferente no bairro onde vivem. A

não sabia de nada definitivo); ele acaba cedendo e

menina passa a usá-lo às escondidas até parar

permitindo o casamento após fazer a filha confessar

definitivamente seu uso. Mais tarde, quando ela se

que ainda era virgem. Ela não tem coragem de dizer

casa, novamente o véu entra como ponto conflituoso

que não ao pai e aceita casar-se, apesar de não ser o

na relação entre pai e filha, pois agora ele impõe o

que queria, por medo do que poderia acontecer se

uso à menina, e ela começa a usá-lo somente quando

descobrissem que ela não era mais virgem e ainda

vai visitar os pais. Temos, então, um retorno aos

por cima se negava continuar com o namorado.

valores muçulmanos por parte do pai, que nunca fora religioso.

Para finalizar, abordaremos a relação do encontro das culturas com a linguagem. No

Outro ponto a ser discutido é em relação ao

romance os personagens são falantes nativos de

sexo. Como é comum a várias religiões, a sexualidade

tamazight, uma das línguas berberes. Ao chegar à

feminina é algo que deve ser ocultado e submisso à

Catalunha são obrigados a aprender o catalão para

imagem masculina sendo a virgindade exigida até o

poder agir nas tarefas mais básicas, o que acontece

casamento. Na cultura islâmica isso não é diferente

em qualquer relação desse tipo. No decorrer da

e a protagonista do romance em vários momentos

narrativa vemos que a protagonista tem grande

faz alusão ao desejo sexual como algo que ela não

anseio por aprender bem o catalão e assim ser

deveria sentir ou pensar, mas já no fim da

identificada com o lugar de acolhida, mas os

adolescência ao conhecer um rapaz e se apaixonar

autóctones se espantam ao perceber que ela fala bem

por ele, ela acaba dando início a sua vida sexual

a língua deles e se dirigem a ela em espanhol, como

tentando justificar sua atitude pelo grau de

se por ser imigrante ela não fosse capaz de falar

assimilação que alcançara da cultura autóctone. Ela

catalão, uma língua altamente ligada a uma

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

676

ideologia separatista que não poderia ser veiculada

Referências bibliográficas

por alguém que não fosse originalmente do lugar. Esta não-aceitação por parte dos catalães faz com que a protagonista se empenhe ainda mais no aprendizado do catalão de forma autodidata para

LIVROS EL HACHMI, Najat (2008): El último patriarca. Barcelona: Planeta.

mostrar que ela também está inserida naquela comunidade.

NAÏR, Sami (2010): La Europa Mestiza: Inmigración, ciudadanía, codesarrollo. Barcelona: Galaxia Gutenberg.

Estes três pontos aqui brevemente delineados formam parte do conjunto de lugares e não-lugares que os personagens imigrantes são obrigados a se deslocar para conseguir manter-se no país de

SAYAD, Abdelmalek (1998): A Imigração ou os Paradoxos da Alteridade. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo. RE VIST A REVIST VISTA

acolhida e, claro, essa busca por uma identificação será sempre algo angustiante e dificilmente bemresolvido.

RICCI, Cristián H. (2010): L’ultim patriarca de Najat El Hachmi y el forjamiento de una identidad amazigh-catalana. Em Journal of Spanish Cultural Studies Vol. 11, No. 1 Março

Para fechar este trabalho, fiquemos com as

2010, p. 71-91. Disponível em http://www.tandfonline.com/

palavras de Sayad que assinala sobre a imigração que

doi/abs/10.1080/14636201003787535 . Acessado em 20/11/ 2011.

(...) é, em primeiro lugar, um deslocamento de pessoas no espaço, e antes de mais nada no espaço físico; nisto, encontra-se relacionada, prioritariamente, com as ciências que buscam conhecer a população e o espaço (...) Mas o espaço dos deslocamentos não é apenas um espaço físico, ele é também um espaço qualificado em muitos sentidos, socialmente, economicamente, politicamente, culturalmente (sobretudo através das duas realizações culturais que são a língua e a religião) etc. (SAYAD, 1998, p.15)

Portanto, ao ser uma questão que ultrapassa o simplesmente geográfico, mas interfere nos alicerces culturais das pessoas, a imigração faz com o que o sujeito comece a questionar a si mesmo e o trabalho de El Hachmi nos faz, sobretudo, pensar em como é ser árabe na Espanha, na Europa. Como ser de um tronco não-europeu? Faz-nos pensar, como diz Sami Naïr que “El interrogante consiste en saber cómo evitar social y culturalmente que queden sometidas a la universalidad abstracta o reducidas a simples peculiaridades folclóricas.” (NAÏR, 2010, p.75). E, mais ainda, “A propósito de los inmigrantes: ¿podrán integrarse sin renegar de sí mismos?” (NAÏR, 2010, p.76).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

677

CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DA CARGA CULTURAL COMPARTILHADA DE UNIDADES FRASEOLÓGICAS NO ENSINO/ APRENDIZAGEM INTERCULTURAL DE ESPANHOL COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA.

Luana Ferreira Rodrigues UFBA

Ensino/aprendizagem de LE: sob uma

processo interpessoal” que pressupõe a substituição

ótica intercultural

do ensino prescritivo (ou de apresentação) dos fatos culturais por uma abordagem que vise ao

Muito tem se discutido sobre a incorporação dos aspectos culturais no ensino/aprendizagem de língua e as contribuições da perspectiva intercultural nesse âmbito.

reconhecimento e entendimento da “estrangeiridade”. Fazendo referência à retomada dos estudos sobre identidade que culminaram nas discussões sobre o fato de não se considerar a cultura apenas

Kramsch (1993, 205-206) propõe quatro

como um conjunto de características pertencentes

princípios que devem ser levados em conta para o

a uma determinada nação, a autora apresenta um

desenvolvimento de uma prática pedagógica que

terceiro ponto que seria o ensino da “cultura como

vise o ensino/aprendizagem de uma língua-cultura.

diferença”.

O primeiro se refere ao estabelecimento de

De acordo com Kramsch para que se possa

uma “esfera de interculturalidade”, que por sua vez,

afirmar o que representa a cultura de uma pessoa é

diz respeito ao fato de que a ligação entre as formas

necessário avaliar outros fatores como idade,

lingüísticas e a estrutura social é construída e não

formação étnica, classe social, gênero e origem

dada. Esse princípio também sugere que para

regional, visto que nas sociedades atuais predomina

compreender a cultura alvo é necessário relacioná-

a multiculturalidade.

la com a própria cultura. Deste modo, o ensino/ aprendizagem de línguas requer uma reflexão “entre-culturas” (MENDES, 2007). O segundo princípio proposto por Kramsch está relacionado ao ensino da cultura como “um

Por último, a autora apresenta o principio que sugere o cruzamento ou rompimento da fronteiras disciplinares, ou seja, o ensino/ aprendizagem intercultural deve estar na pautado também na interdisciplinaridade.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

678

Tendo em conta o exposto, observa-se que o

A associação entre léxico e cultura proposta

ensino/aprendizagem de uma LE sob uma

por Galisson em finais da década de 80 se centra no

perspectiva intercultural demanda ao professor um

estudo do léxico culturalmente marcado, ou seja,

planejamento cuidadoso que englobe quatro

na carga cultural existente em certas palavras, ditos

questões básicas: por quê, o quê, como e a quem

e provérbios de uma língua: “La culture en depôt

ensinar como destacado por Fennes e Apgood (1997

dans ou sous certain mots, dists culturels, qu’il

apud MENDES, 2007).

convient de repérer, d’éxpliciter et d’interpréter.”

Sendo assim, o ensino de uma LE desde uma

(GALISSON,1987).

abordagem intercultural deve atentar para o

Sendo assim, a partir do léxico de uma

estabelecimento de uma “esfera intercultural” que

língua seria possível acessar informações culturais

contemple o respeito à diversidade cultural e

implícitas e pertencentes a uma determinada

promova a reflexão sobre aspectos que conduzam à

comunidade que compartilha esses dados entre seus

superação de preconceitos e estereótipos existentes

membros.

nas sociedades.

A esse compartilhamento de informações

Outro fator a se considerar é a influência da

culturais a partir do léxico Galisson (1987) denomina

globalização para a expansão do caráter multicultural

charge culturelle partagée traduzida para o português

da sociedade e que, por sua vez, influencia também o

por

âmbito do ensino/aprendizagem de língua, visto que

compartilhada.

tal reflexo torna mais complexo o estabelecimento de uma cultura alvo ou a reflexão, a forma, o como ensinar essa cultura alvo.

Barbosa

(2009)

como

carga

cultural

Galisson (1987) defende que algumas palavras são mais marcadas culturalmente que outras, visto que podem ter um significado mais

Sendo assim, o professor deve estar atento às

opaco ou mais transparente. Essa característica

características específicas dessa língua-cultura-alvo

inerente ao léxico de uma língua, por vezes, funciona

para que possa proporcionar ao aprendiz um espaço

como uma barreira linguística para aprendizes de

de reflexão e reconhecimento do aprendizado de uma

uma LE, visto que “algumas palavras são mais

LE como uma prática dialógica de experiências e

mobilizadas por sua carga cultural do que pelo seu

superação de fronteiras.

significado” (BARBOSA, 2009). Galisson ressalta ainda a importância

Lexicultura e suas contribuições para o ensino/aprendizagem de línguas

de se incluir o conceito de Lexicultura e da cultura compartilhada como eixo central no âmbito do ensino-aprendizagem de língua estrangeira.

O conceito de Lexicultura ou Pragmática

Desta forma, os estudos lexiculturais numa

Lexicultural, proposto por Robert Galisson nos

prática pedagógica que se pretende intercultural

anos 80, surge em torno dessa perspectiva de

atuam como uma forma de aceder à cultura do

indissociabilidade entre língua e cultura que, por

outro, reflexionando sobre a própria e desta forma

sua vez se associa à hipótese de E. Sapir em que a

interagir e dialogar com esse outro.

palavra é vista como instrumento de acesso privilegiado à cultura, uma vez que carregam consigo acepções e visões de mundo.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Breves considerações em torno da Fraseologia

679

Observa-se que as orações acima apesar de serem homônimas apresentam uma diferenciação em relação à dedução de seu significado. De modo

Enquanto disciplina científica, a fraseologia

que em (1) temos uma oração cujo sentido literal

originou-se nos anos 50 com estudos do lingüístico

depreende-se da soma de seus elementos: ACERTAR

soviético V. Vinogradov e, apesar desse longo

+OS+PONTEIROS.

tempo, pouco avançaram os estudos nesta área, de modo que seu conceito é ainda controverso.

Já em (2), percebe-se um sentido figurado da mesma sentença, já que o significado não é dedutível

Podemos definir a fraseologia como uma

da soma de suas partes isoladamente.

disciplina lingüística que se ocupa do estudo das combinações estáveis de palavras que apresentam

Deste modo, depreende-se que o que

fixação em sua forma e significado, fenômeno léxico

diferencia ambas as orações é a fixação formal e o

denominado unidades fraseológicas (UF).

alto grau de especialização semântica inerentes às locuções.

Como objeto de estudo da fraseologia, as unidades fraseológicas, definem-se como unidades léxicas formadas por duas ou mais palavras e se caracterizam por sua alta freqüência de uso, por sua fixação formal e grau de especialização semântica (CORPAS PASTOR, 1996, p. 20).

Unidades fraseológicas (UF): a carga cultural compartilhada e o uso de UF de língua espanhola por aprendizes brasileiros

No âmbito da fraseologia, essa comunicação

É sabido que nem toda estrutura linguística

se restringirá às locuções que, por sua vez, são

pode ter seu sentido depreendido a partir de seu

definidas como uma combinação estável de dois ou

vocabulário e gramática, já que atua também o

mais termos que funciona como elemento oracional

conhecimento extralinguístico do falante ou

e cujo sentido unitário não se depreende da soma

aprendiz dessa língua.

de seus elementos isoladamente. Qualquer língua apresenta em seu repertório As locuções se diferenciam das unidades

combinações fixas de palavras pré fabricadas utilizadas

léxicas simples por sua fixação formal, já que sua

por seus falantes em suas produções linguísticas

estrutura não é passível de grandes variações e pelo

(CORPAS PASTOR, 1996, p.14) denominadas unidades

alto grau de especialização semântica, já que não o

fraseológicas.

sentido global da UF não equivale a combinação dos sentidos de seus elementos separadamente. Tomemos, a modo exemplo, a unidade em língua portuguesa acertar os ponteiros: o nt os do seu (1) Você precisa a ce r tar os p po ntee ir iros relógio, sempre se atrasa para os compromissos. (2) Preciso acertar os ponteiros com meu irmão. É a segunda vez que pega meu carro sem pedir permissão.

De acordo com Soler e Rodríguez (2008): Todos tenemos en común universales humanos (escenarios, frames) que, sin embargo, vienen matizados por cada cultura, de manera que poseen valores específicos y diferenciados. Así, las sociedades poseen sus propias visiones del mundo, actitudes y conductas sobre diversos temas y circunstancias, distinguiéndose así de las distintas comunidades culturales.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

680

Em Ortíz Alvarez (2004) percebe-se a carga

estar para el ~.

cultural como inerente às UF: As expressões idiomáticas são consideradas como uma das manifestações mais relevantes das potencialidades criadoras de uma língua, como o demonstra eloqüentemente a riqueza das suas imagens, a originalidade das suas metáforas e a variedade e maleabilidade das suas formas estruturais. Tais expressões são reveladoras da capacidade imaginativa com que o povo e escritores sabem explorar essas virtualidades da língua. Cristalizam-se nelas enraizadas experiências históricas. Refletem-se nelas valores morais e atitudes sociais.

Portanto, fica clara a importância e

1. loc. verb. coloq. Hallarse en extremo decaimiento físico o moral.

Por sua vez, a palavra “arrastre” apresenta as seguintes acepções, de acordo com o mesmo dicionário: 1. m. Acción de arrastrar cosas que se llevan así de una a otra parte, especialmente la madera desde el monte en que se cortó hasta la orilla del agua o del camino. 2. m. Acción de arrastrar en los juegos de naipes.

contribuições que o estudo lexicultural pode trazer para o ensino-aprendizagem de línguas, uma vez que a sociedade insere em sua língua os valores, crenças e visões de mundo que se convertem em informações de suma importância para a compreensão e utilização

3. m. Acción de arrastrar bayetas en las universidades. 4. m. Ingen. Talud o inclinación de las paredes de un pozo de mina.

das UF, possibilitando ao aprendiz inserir-se de uma comunidade linguística.

5. m. Taurom. Acto de retirar del ruedo el toro muerto en lidia.

Dentro do universo das UF, neste trabalho, optou-se por trabalhar com as locuções que são definidas por Casares (1992 [1950] apud CORPAS PASTOR, 1996) como uma combinação estável de dois ou mais termos que funciona como elemento oracional e cujo sentido unitário não pode ser depreendido a partir da soma de seus elementos.

6. m. Méx. Molino donde se pulverizan los minerales de plata que se benefician por amalgamación.

Dentro dessa unidade aparece uma palavra com uma carga cultural pertencente ao mundo da tauromaquia, portanto relacionada à quinta acepção descrita no dicionário em questão, que é o ato de

os

arrastar o touro morto da arena após uma tourada.

aprendizes nas aulas de LE tendem a buscar o sentido

Desconhecendo tal carga cultural que é compartilhada

das UF a partir da soma de seus elementos em

pela comunidade que a utiliza, unidades como a

separado e que, por vezes, o significado é opaco o

utilizada no exemplo, podem dificultar ao aprendiz

suficiente para dificultar essa tarefa. Essa opacidade

de ELE sua inserção no discurso.

Empiricamente,

observou-se

que

se relaciona com a carga cultural compartilhada presentes nessas estruturas fixas. A título de exemplo, tomemos a locução “estar para el arrastre”, definida pelo Diccionario de la Real Academia (DRAE) como:

Outros exemplos são as locuções “irse/ venirse al humo” e “andar como bola sin manija”, apresentada pelo DRAE como:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

venirse al ~.

681

Lexicultura ao ensino/aprendizagem intercultural de LE, especificamente do espanhol como LE. Tais

1. loc. verb. Arg., Par. y Ur. Dirigirse rápida y directamente a alguien. En cuanto me vio, se me vino al humo

considerações são resultado das leituras e análises iniciais feitas para a pesquisa que estou desenvolvendo no Mestrado na Universidade

andar como ~ sin manija. 1. loc. verb. coloq. Arg. y Ur. Hallarse desorientado.

Federal da Bahia. Dentre as particularidades do ensino/ aprendizagem de uma língua estrangeira, optei por

As unidades ora apresentadas formam parte

trabalhar com as unidades fraseológicas, visto que,

de um grupo de locuções cujo significado não é

muitas vezes seu uso costuma conformar uma

transparente, devido ao alto grau de idiomaticidade

barreira para os aprendizes de uma LE quando se

que apresentam. Tal grau de opacidade presente

deparam com certas unidades como as que foram

nessas unidades se deve à carga cultural presente nas

anteriormente utilizadas como exemplo.

unidades. Cada uma delas carrega em si valores, experiências que se cristalizaram com o uso e, como afirma Ortiz (2004, apud ORTIZ E SANTOS, 2010), “[...] Tais expressões são reveladoras da capacidade imaginativa com que o povo e escritores sabem explorar essas virtualidades da língua. Cristalizamse nelas enraizadas experiências históricas. Refletemse nelas valores morais e sociais.”

Como foi explicitado, tal dificuldade nem sempre se refere às particularidades estruturais das UF, mas a fatores extralinguísticos, como a carga cultural compartilhada inerente a essas estruturas que conformam uma verdadeiro tesouro linguísticocultural de uma determinada comunidade e que pode e deve ser mais um aliado na abordagem intercultural de ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras.

Desta forma a cultura compartilhada, seguindo ao que preconiza Galisson (1991), é um produto comunitário que governa a maior parte de

Referências bibliográficas

nossas atitudes, comportamentos, representações e costumes e tem caráter empírico e vivenciado.

BARBOSA, Lúcia M. de A.(2009). O conceito de lexicultura e suas implicações para o ensino- aprendizagem de

Sendo assim, a carga cultural compartilhada presente nas unidades fraseológicas de uma língua permite aceder à cultura do outro através de seu léxico, através dos valores sócio-culturais implícitos nessas estruturas que se formam na coletividade de uma dada comunidade linguístico-cultural.

português língua estrangeira. Em: Filologia e Linguística Portuguesa, Nº 10/11, p. 31-41. CORPAS PASTOR, G. (1996) Manual de Fraseologia Española. Madrid: Gredos. DICCIONARIO DE LA REAL ACADEMIA (DRAE). Em: http://buscon.rae.es/draeI/

Considerações finais Conforme o título indica, o objetivo desta comunicação foi apresentar algumas considerações acerca dos benefícios de se associar os estudos da

GALISSON, Robert (1987): Accéder à la culture partagée par l’entreprise des mots à CCP.. Paris: Didier Erudition. _____. (1991): De la langue à la culture par les mots. Paris: CLE International.

682

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

KRAMSCH, Claire (1993) : Context and culture in language

ORTÍZ ALVAREZ, M. L; SANTOS, P. Aspectos culturais

teaching. Oxford: Oxford University Press.

relevantes no ensino de português para falantes de

MENDES, Edleise (2011): Diálogos interculturais: ensino e formação em português língua estrangeira. Campinas: Pontes,. p. 139-158. _____. (2007): A perspectiva intercultural no ensino de línguas: uma relação “entre-culturas”. In: ALVAREZ, Maria Luisa O.; SILVA, Kleber A. da (Org.). Lingüística aplicada: múltiplos olhares. Campinas, SP: Pontes. p.119-140. ORTÍZ ALVAREZ, M. (2004): Ensino de línguas próximas, isso são outros quinhentos: a questão das expressões idiomáticas nas aulas de LE. Em: TROUCHE, A.L.G e PARAQUETT, M. (Orgs.) Formas e Linguagens: Tecendo o Hispanismo no Brasil. Rio de Janeiro: CCLS Publishing House.

espanhol: As expressões idiomáticas e a carga cultural compartilhada. Em: ORTÍZ ALVAREZ, M. L; SANTOS, P. (Orgs.) (2010): Língua e Cultura no contexto de português língua estrangeira. Campinas: Pontes. SOLER, N.P; RODRÍGUEZ, José.J.B. (2008): Unidades Fraseológicas y variación. Em: Ogigia. Revista electrónica de estudios hispánicos, Nº 3, p. 43-52. XATARA, C. M. (2001): O ensino do léxico: as expressões idiomáticas. In: Trabalhos em Linguística Aplicada (37): Campinas, IEL-UNICAMP.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

683

A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE ESPANHOL DA BAHIA E AS VARIANTES CULTURAIS HISPANOAMERICANAS

Luciana Vieira Mariano Universidade do Estado da Bahia

Uma breve introdução

objetivo de levar o estudante a conhecer e a respeitar a cultura dos países e povos que falam a língua

Na contemporaneidade o ensino de uma

estrangeira, uma vez que “[...] dominar uma língua

Língua Estrangeira (LE) se distancia da ideia de que

estrangeira supõe conhecer, também e principalmente,

língua ensinada deve ser um conjunto de estruturas

valores e crenças presentes em diferentes grupos

gramaticais ou frases descontextualizadas e alcança

sociais”

a concepção do ensino como um instrumento de

NACIONAIS, 2005, 147). Assim:

(ORIENTAÇÕES

CURRICULARES

comunicação que garanta ao estudante poder se expressar nesta língua. A estreita relação entre língua e identidade é mencionada na Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (1996): “Todas as línguas são expressão de uma identidade coletiva e de uma maneira

O tema transversal Pluralidade Cultural merece um tratamento especial devido ao fato de que o ensino de Língua Estrangeira se prestar, sobremodo, ao enfoque dessa questão. [...] é extremamente educativo expor o aluno a diversidade cultural [...] e à natureza multifacetada de culturas como a espanhola, a francesa, a inglesa. (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS, 2008, p.8)

distinta de apreender e descrever a realidade [...].” Sobre a temática das identidades na área de estudos

Cuche (2002 p.32) afirma que na medida em

linguísticos, Moita Lopes (2003, p. 19) ressalta que

que a identidade resulta de uma construção social,

a mesma surge em meio a uma concepção de

ela faz parte da complexidade do social. Querer

linguagem como discurso, ou seja, uma concepção

reduzir cada identidade cultural a uma definição

que coloca como central o fato de que todo uso da

simples, “pura”, seria não levar em conta a

linguagem envolve ação humana em relação a

heterogeneidade de todo grupo social. Paraquett

alguém em um contexto interacional específico.

(2010, p.119) menciona que diante desta dificuldade,

Seu ensino a aproxima de uma função social, onde além da comunicação se encontra o

acaba-se por dividir a Língua Espanhola em dois grupos: o peninsular e o americano e se cai no erro

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

684

de revelar a América como um conjunto

semestre do curso de Língua Espanhola e Literaturas

homogêneo, onde parece que todos pensam e agem

do Campus V da Universidade da Bahia. O resultado

da mesma maneira.

desta pesquisa demonstrou que os mesmos

A interculturalidade aparece então como uma possibilidade de transformar as aulas de Espanhol como Língua Estrangeira (E/LE) em um lugar de aprendizado significado das línguas e culturas

possuíam uma visão estereotipada acerca das culturas dos países latino-americanos hispânicos e que estes estudantes não se sentiam preparados para trabalhar a interculturalidade em suas aulas.

hispânicas. Martínez, Frutos e Haros (2007, p.89)

Surgiu assim, a partir deste resultado, o meu

mencionam que: “Diferente da multiculturalidade, a

desejo de investigar as razões pelas quais os

interculturalidade supõe a convivência entre

professores de E/LE se sentem despreparados para

diferentes culturas e também o conhecimento das

o trabalho com a cultura dos povos de Língua Alvo

mesmas, a inter-relação e a busca de elementos

(LA). Desta forma, diante da necessidade de analisar

comuns.”

se os cursos de licenciaturas de Letras com

Neste contexto, o professor assume, segundo Mendes (2008, p.59), um papel fundamental, pois é ele quem conduz o processo e orienta as experiências de uso da língua desenvolvidas em sala de aula, sendo não só ele é o responsável pelos conteúdos,

procedimentos

e

experiências

desenvolvidas pelos alunos na com e na língua, mas também pelas relações que se estabelecem entre os sujeitos que interagem na situação de aprendizagem.

habilitação em Língua Espanhola de nosso estado têm trabalhado os professores em formação para trabalhar em suas aulas questões relacionadas às culturas dos povos de LA e apto para o trabalho com questões interculturais, surge a pergunta norteadora desse estudo Como está sendo realizada a formação dos professores de E/LE na Bahia? Que espaço tem sido destinado ao trabalho com as culturas dos povos hispânicos nesses cursos?

Mendes (2008, p.71) também afirma que: Numa abordagem de ensino que se pretende intercultural, desse modo, promover o diálogo de culturas significa estarmos abertos para aceitar o outro e a experiência que ele traz para o encontro a partir de seu ponto de vista. [...] em lugar de choque e do conflito, a aceitação e a comunhão; em lugar da rejeição, a cooperação; em lugar da dificuldade de aprendizagem, a construção partilhada de experiências ricas em aprendizagem; em lugar do embate de forças, a negociação e a troca. Este é o modo pelo qual é possível fazer do ensino/ aprendizagem de línguas um processo de difusão da interculturalidade.

A justificativa da pesquisa Apresento como justificativa para a minha proposta de pesquisa três fatores: as atuais propostas para o ensino/aprendizagem de uma LE, a expansão do mercado de trabalho para professores de espanhol e a formação de professores de língua espanhola. Os documentos que hoje norteiam a educação em nosso país, a Lei de Diretrizes e Bases

Ciente da relevância da interculturalidade,

(LDB) e os Parâmetros Curriculares Nacionais

realizei, durante o meu mestrado em Educação e

(PCN), enfatizam a relação entre o ensino/

Contemporaneidade (2008-2010), uma pesquisa

aprendizagem de LE e as questões culturais dos

relacionada às concepções dos professores de

países onde a língua é falada.

Língua Espanhola em formação, que teve como população amostra dez estudantes do último

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

685

Assim, encontramos na LDB (1996, p. 33) a

professores são disciplinas relacionadas a conteúdos

orientação sobre o que deve ser o objetivo desta

de língua e educação, nas quais, na maioria das

disciplina: “o domínio de língua estrangeira como

vezes, a língua se encontra dissociada da cultura.

forma de ampliação de possibilidades de acesso de

Temáticas relacionadas às culturas dos povos de LA,

outras pessoas e a outras culturas e informações”.

especialmente dos povos latino-americanos

Já os PCN do Terceiro e Quarto Ciclos do Ensino

hispânicos, só são trabalhadas, quando são

Fundamental reforçam sua importância, já que um

trabalhadas, nas disciplinas de Literatura.

dos

objetivos

dos

conteúdos

atitudinais

relacionados ao ensino de LE é a valorização de outras culturas como forma de expressão do mundo em que se vive. Com a Lei 11.161/05, a oferta de E/LE em

É importante considerar também que esses professores em formação ministrarão uma disciplina que, integradas à área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, assume a condição de ser

parte

indissolúvel

do

conjunto

de

todas as escolas de Ensino Médio passa a ser

conhecimentos essenciais que permitam aos seus

obrigatória. Esta expansão do mercado de trabalho

alunos se aproximarem de várias culturas, e,

dos professores de E/LE traz consigo o desafio de

consequentemente, propiciam uma integração num

que estes profissionais estejam preparados para

mundo globalizado. Esta, certamente, é a grande

transformar o ensino desta disciplina em algo

responsabilidade desses professores.

significativo para os seus alunos e, como vimos na seção anterior, isso será possível a par tir da inserção de conteúdos relacionados às culturas dos países de LA.

Segundo Paraquett (2009, p.136) faltam pesquisas que representem a realidade brasileira quanto ao que se privilegia em cursos de formação de professores. Kramsch (2001, p.206 apud Matos,

Paraquett (2010, p.147) destaca que:

2002, p.6) apresenta a seguinte questão: “Como

“Ensinar e aprender uma LE é ensinar e aprender a

podemos preparar professores que fomentem

língua desse ‘estrangeiro’, a sua cultura , a sua

direitos e responsabilidades interculturais?”.

história, o seu produto”. Mas para que eles possam

Acredito que poderemos formar professores que

aprender sua cultura e sua história trabalhar é

fomentem direitos e responsabilidades interculturais.

preciso que eles tenham acesso às informações

Mas para isso será preciso dar um primeiro passo:

relacionadas a estas culturas. Mendes (2008, p.59)

conhecer a realidade da formação de professores e a

menciona que:

partir desta análise propor a construção de um currículo que forme professores preparados para a

[...] as políticas que têm sido implementadas para a formação de professores, advindas tanto da iniciativa pública quanto da privada, caracterizamse pela valorização do conhecimento teórico estanque, descontextualizado, que não dialoga com as práticas efetivas que os professores realizam em seus ambientes de atuação e vivência.

É relevante mencionar, nesta parte de nosso estudo, que a maior parte das disciplinas oferecidas nos curso de Letras com habilitação em Língua Espanhola de alguns cursos de formação de

construção de um diálogo intercultural em suas aulas.

A pesquisa A primeira etapa da pesquisa consistiu no levantamento das universidades que trabalham com a formação de professores de língua espanhola no estado da Bahia. Após a realização deste levantamento, foi

686

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

necessário realizar um recorte no corpus uma vez que

foi realizado o levantamento das disciplinas da área

a análise de todos os cursos de Letras com habilitação

de Língua Espanhola e a distribuição das referidas

em Língua Espanhola nas modalidades presencial,

disciplinas.

EaD e Programas Especiais seria inviável para a pesquisa. Desta forma, selecionamos como população amostra desta investigação os cursos de

6 5

formação de professores na modalidade presencial

3

ofertados pelas universidades públicas do estado e,

2

dentre estes cursos, o curso de licenciatura em Letras

1

om habilitação em Língua Espanhola oferecido pela

0

Universidade Estadual de Santa Cruz (Ilhéus), o

Língua

4

Língua e Cultura Estágio Pesquisa

Fonte: Pesquisa realizada em junho de 2012

curso de Língua Espanhola e Literaturas do Campus I oferecido pela Universidade do Estado da Bahia (Salvador) e o curso de licenciatura em Língua Espanhola e Literaturas do Campus V (Santo Antônio de Jesus), também

oferecido pela

Universidade do Estado da Bahia. Após a seleção da população amostra desta

Como é possível observar no gráfico acima há um equilíbrio entre a distribuição das áreas de Língua, Língua e Cultura, Estágio e Pesquisa. Contudo, cabe ressaltar que parte destas disciplinas são optativas de forma que o aluno pode ter pouco ou nenhum contato com as temáticas relacionadas às culturas hispânicas propostas pelo curso.

pesquisa, foi realizado um levantamento dos currículos e ementários destas instituições e foi

A análise do curso de Língua Espanhola e Literaturas do Campus I gerou o seguinte gráfico:

realizada uma análise quali-quantitativa dos das disciplinas ofertadas por estas instituições a partir da qual pudemos observar o espaço destinado às variantes culturais hispano-americanas na formação de professores desses cursos.

25 Língua

20

Estágio

15

Pesquisa 10

Ressaltamos que, dos três cursos em questão,

5

o curso oferecido pela Universidade Estadual de

0

Cultura Outros

Santa Cruz é um curso de dupla habilitação e os dois cursos oferecidos pela Universidade do Estado da Bahia são cursos de habilitação específica.

Fonte: Pesquisa realizada em junho de 2012 Como os dados demonstram, nesse curso as

Após este primeiro levantamento de dados

quarenta e nove disciplinas que compõem a grade

foi realizado o levantamento das disciplinas cujas

curricular podem ser divididas em cinco áreas:

ementas propõem discussões relacionadas às

Língua, Estágio, Pesquisa, Cultura e Outras. Como

variantes culturais hispano-americanas. O primeiro

também é possível obser var, vinte e quatro

curso que teve seu currículo analisado foi o curso

disciplinas pertencem à área de Língua, quatro à área

oferecido pela Universidade Estadual de Santa Cruz.

de estágio, oito à área de pesquisa, nove à área de cultura e quatro pertencem à áreas diversificadas

Após separar as disciplinas da área de Letras Vernáculas e as disciplinas comuns às duas áreas,

que neste estudo classificamos Outras.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

687

O último curso analisado foi o curso de

optativo, a proposta do curso não poderá garantir

Língua Espanhola e suas Literaturas do Campus V

que os professores em formação tenham um contato

da Universidade do Estado da Bahia. O resultado

desejável om temáticas relacionadas à estas culturas.

desta última análise está representado no gráfico abaixo:

Por outro lado, temos os cursos de habilitação específicas oferecidos no Campus I e no Campus V da Universidade do Estado da Bahia, onde

25

observar-se que as disciplinas que estão relacionadas

20

Língua

15

Estágio

à temática das culturas hispano-americanas não

Pesquisa

chegam a ocupar um terço do curso.

10 5

Cultura Outros

0

Este fato nos leva a refletir sobre a formação dos professores dessas instituições que, como mencionado na introdução deste texto, deverão

Fonte: Pesquisa realizada em junho de 2012

apresentar as culturas dos povos de LA para os seus alunos em suas aulas de E/LE. Contudo, talvez o

O gráfico demonstra que, nesse curso, as

maior problema não se encontre no fato de

cinquenta e duas disciplinas que compõem a grade

apresentar estas culturas, mas sim em estabelecer

curricular também podem ser divididas em cinco

um diálogo entre essas culturas e as culturas de seus

áreas: Língua, Estágio, Pesquisa, Cultura e Outras.

alunos,

Como também é possível observar, vinte e quatro

intercultural.

estabelecendo

assim

um

diálogo

disciplinas pertencem à área de Língua, seis à área de estágio, oito à área de pesquisa, oito à área de cultura e três pertencem à área classificada como Outras.

Como pesquisadores e, mesmo como professores, enfatizamos que língua e cultura são indissociáveis. Contudo não temos observados esta proposta nos currículos das instituições analisadas.

Considerações finais

Precisamos voltar a formação de professores de E/LE para um fim maior do que o de formar alunos

A análise preliminar dos dados dos cursos de formação de professores da Universidade Estadual de Santa Cruz, do Campus I e do Campus V da Universidade do Estado da Bahia demonstrou que questões relacionadas às variantes culturais hispano-americanas não ocupam um lugar privilegiado nestes currículos. Temos, por um lado, o curso de dupla habilitação em Letras om habilitação em Língua Espanhola onde será possível observar uma relativa preocupação com questões relacionadas às culturas latino-americanas hispânicas. Porém, como parte das disciplinas de língua espanhola tem caráter

que sejam competentes nas habilidades da língua estrangeira Precisamos formar professores aptos a desestrangeirizar esta língua. E isso só será possível através da construção de um currículo que além de contemplar as variantes hispano-americanas, leve o professor de espanhol em formação a compreender que ele possui uma missão humanizadora, que só poderá ser concretizada a partir da interculturalidade.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

688

Referências bibliográficas

(Org.). Discursos de Identidades. Campinas: Mercado de Letras, 2003, p. 13-38.

CUCHE, D (2002): A Noção de Cultura nas Ciências Sociais. Bauru/SP: EDUSC, [1999] 2002. DECLARAÇÃO

resgatando o coletivo – novas perspectivas no ensino de DIREITOS

línguas estrangeiras. In: Mota, Kátia Maria Santos.

Disponível em: http://

SCHEYERL, Denise. Recortes Interculturais na aula de

UNIVERSAL

LINGÜÍSTICOS (2008)::

MOTA, Kátia Maria Santos (2004): Incluindo diferenças,

DOS

www.unesco.pt/cgi-bin/cultura/docs/cul_doc.php?idd=14. Acesso: 12/05/08.

línguas estrangeiras. Salvador: EDUFBA, 2004. p.35-62 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO

GARCIA MARTINEZ, Alfonso; ESCARBAJAL FRUTOS,

MÉDIO (2008): Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.

Andrés; ESCARBAJAL DE HARO, Andrés (2007): La

Brasília: MEC.

interculturalidad. Desafio para la educación. Madrid: Dykinson, 2007. Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/96 (1996): Estabelece as diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: Ministério da Educação e Cultura. Lei 11.161 de 05 de agosto de 2005 (2005): Dispõe sobre o ensino da língua espanhola. Publicado no Diário Oficila da União, em 8 de agosto de 2005, s. 1, p. 1.

PARÂMETROS

CURRICULARES

NACIONAIS:

TERCEIRO E QUARTO CICLOS: LÍNGUA ESTRANGEIRA (1998): Secretaria de Educação fundamental:: Brasília: MEC. PARAQUETT, Marcia (2009): Lingüística Aplicada, inclusión social y aprendizaje de español en contexto latinoamericano. Revista Nebrija de Lingüística Aplicada, 1-23. http://www.nebrija.com/revista-linguistica/ _____. (2007): El abordaje multicultural y la formación de lectores en el aprendizaje de español lengua extranjera. In:

MATOS, Francisco Gomes de (2006) Derechos

ZIMMERMMAN, R.I. e KELLER, T.M.G. Cuestiones de

Interculturales y misión humanizadora del profesorado de

literatura, cultura y lingüística aplicada: prácticas en lengua

español como lengua extranjera. Disponível em: http://

española. Passo Fundo/RS, EDUPF, p.52-70.

cvc.cervantes.es/ensenanza/biblioteca_ele/asele/pdf/13/ 13_0040.pdf. Acesso em: 25/09/2009.

_____.(2010): Multiculturalismo, interculturalismo e ensino/aprendizagem de espanhol para brasileiros. In:

MENDES, Edleise (2004): Abordagem comunicativa

BARROS, Cristiano Silva de GOETTENAUER, Elzimar de

intercultural (ACIN). Uma proposta para ensinar e aprender

Marins Costa (Coord.). Espanhol: ensino médio médio. Brasília:

língua no diálogo de culturas. 2004. Tese (Doutorado em

Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica,

Lingüística aplicada). Campinas: UNICAMP, 2004.

292p. Coleção Explorando o Ensino, v. 16, p.137-156.

MOITA LOPES, L.P (2003): Socioconstrucionismo: Discurso e Identidades Sociais. In: MOITA LOPES, L.P.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

689

ANÁLISE DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NOS CINCO LIVROS DIDÁTICOS SELECIONADOS PELO PNLD PARA O ENSINO DE ESPANHOL A BRASILEIROS

Lucielena Mendonça de LIMA UFG

Os princípios básicos que orientam o ensino

De acordo com os Guias do PNLDLEM

de línguas presentes nas Guias de Livros Didáticos

(MEC, 2011; 2012), a contribuição do livro didático

do Programa Nacional do Livro Didático de línguas

(LD) de LE deve levar a um ensino capaz de

estrangeiras modernas (PNLDLEM, MEC, 2011;

colaborar para a formação de cidadãos críticos e

2012) defendem a formação social do indivíduo, da

reflexivos que partindo da língua do outro sejam

construção da cidadania e do convívio social dos

capazes de respeitar a cultura do seu próprio país e

alunos e da promoção do respeito às diferenças.

a dos países da LE estudada. Portando é

Portanto, para cumpri-los é preciso que o professor

imprescindível que o professor reconheça as

se apoie em uma perspectiva intercultural de

representações, presentes no LD com o qual

educação e na interrelação entre língua(gem),

trabalha, sobre a heterogeneidade linguístico-

cultura, e identidade, para que possa ser “[...] um

cultural ao propor a apresentação e a exercitação

articulador de muitas vozes”, de acordo com a

destes

Orientações Curriculares Nacionais (MEC, 2006,

inconscientemente, os autores os representam ao

p.136) quando trata da heterogeneidade da língua

selecionar uns temas e não outros, ao apresentar

espanhola, representada pelas zonas e micro-zonas

uns países e não outros. Dessa forma, este é o nosso

dialetológicas encontradas nos vinte e um países

objetivo neste texto: analisar as representações

que a tem como língua materna (LM). Este cuidado

presentes nos dois LD selecionados pelo PNLDLEM

é imprescindível ao considerarmos os contextos de

2011 para o Ensino Fundamental (EF), Entérate

ensino-aprendizagem no âmbito do MERCOSUL.

(BRUNO; TONI; ARRUDA, 2010) e Saludos

Dessa forma, a discussão sobre os conceitos de

(MARTÍN, 2010) e nos três do PNLDLEM 2012 para

cidadania e de identidade coloca em evidência a

o Ensino Médio (EM), Enlaces (OSMAN; ELIAS;

necessidade de reconhecimento, aceitação e

REIS; IZQUIERDO; VALVERDE, 2010), El arte de

aproximação em termos culturais e sociais de

leer en español (VILLALBA; PICANÇO, 2010) e

nossos povos.

Síntesis (MARTÍN, 2010).

conteúdos,

posto

que,

mesmo

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

690

Fundamentação teórica Na área educacional, há muitas representações sociais (RS), ou seja, várias imagens, ideias, crenças, atitudes e valores relacionados ao aluno, ao professor, às

relações

professor-aluno,

aos

objetivos

educacionais, às culturas da língua-alvo etc. É necessário perceber que, com relação aos docentes, as representações podem orientar suas práticas, uma vez que a RS é uma “forma de conhecimento socialmente elaborada e compartilhada, que tem uma meta prática e que coopera na construção de uma realidade comum a um conjunto social” (JODELET, 1989, p. 36). E estuda a “construção da unidade das práticas cotidianas do grupo, dão sentido

e

oferecem

justificativa

[o]s vários âmbitos disciplinares: a linguística, a pragmática, a psicolinguística, a etnografia da comunicação, a sociolinguística, etc., que se ocuparam do estudo da língua, enriqueceram os pontos de vista ao apresentá-la como um instrumento de comunicação e de interação e como a marca de identidade mais potente para cada grupo e cada individuo, quem, por sua vez, é concebido como um ator social que constrói –através da línguaas percepções, as representações, os comportamentos, as relações das imagens e os objetos, as relações sociais, isto é, sua identidade sociocultural. Ditos fatores –naquelas características comuns e compartilhadas pelos membros e os grupos de um contexto social dado e ao perdurar no tempo- configuram as orientações culturais, uma cultura cujos componentes condicionam a comunicação efetiva e o adequado entendimento entre os interlocutores. (Grifos no original)

Casal (2003) defende esta perspectiva de

aos

educação e explica que o professor deveria partir

comportamentos do corpo social, integrando-os em

do conhecimento sobre os valores, crenças,

um coletivo de atitudes, práticas e conhecimentos

conhecimentos e habilidades que os falantes da

socialmente determinados” (CASTRO, 2004, p. 57).

língua-alvo possuem, assim como das RS existentes

Portanto, pode-se inferir que um dos pressupostos

sobre eles, para ajudar os alunos a desenvolverem a

da teoria das RS é a relação entre representações e

competência intercultural. O que quer dizer

práticas sociais que emergem do cotidiano. No caso

distanciar-se dos estilos familiares e habituais de

de professores e alunos de LE, as práticas sociais

olhar o outro, chamado de “efecto escaparate” por

etnocêntricas podem comprometer os processos de

Casal (2003, p.6). Portanto, é preciso passar a adotar

ensino e aprendizagem.

os pontos de vista do outro, mas sem renunciar a

Como considera Arnoux, (2010, p. 34), “as línguas estão associadas com representações que implicam dimensões valorativas e que se vinculam com diferentes representações do universo social”. Esta autora afirma ainda que as línguas “intervêm na construção das identidades, já que configuram

própria identidade linguístico-cultural em LM, evitar as generalizações ou particularizações, observando as diferenças entre culturas e aprendendo a respeitá-las, o que contribui para que a interação comunicativa dos alunos de uma LE seja mais eficiente e completa.

uma parte dos imaginários sociais, necessários para reconhecer-se e reconhecer ao outro, e fazer possíveis e legitimar as ações coletivas” (ARNOUX, 2010, p.17). É necessário apoiar-se em uma concepção de língua(gem)-cultura que ampara uma prática docente-discente intercultural. Segundo Díaz (2005, p. 837):

Resultados da análise Esta pesquisa é qualitativa e interpretativista, aplicada a uma análise de documentos escritos (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Portanto, nosso estudo engloba a descrição, a análise crítica e a interpretação a partir do corpus que se compõe de três fontes de dados: o Manual do Professor (MP) das cinco

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

691

coleções de LD, o livro do aluno (LA) e o Guia do

pois não se sentem desafiados a expressarem suas

LD do PNLDLEM (MEC, 2011; 2012). Porém, neste

opiniões sobre os assuntos abordados no livro.

texto, focamos somente os LAs por motivo de

Dessa forma é necessário que o professor elabore

espaço.

atividades a partir do modelo interativo de leitura,

Em primeiro lugar, observamos que a presença dos textos, em sua maioria, está na seção destinada à compreensão de leitura, nas cinco coleções. No que diz respeito à apresentação das atividades de compreensão de leitura, reconhecemos certa preocupação, por parte dos autores das cinco coleções, de trabalharem a leitura como uma prática

motivando e desafiando o aluno a ativar seus conhecimentos sistêmicos e socioculturais, inferir, questionar e, inclusive, pesquisar mais sobre os temas abordados de forma a possibilitar uma aprendizagem verdadeira, significativa e autônoma, transformando as informações recebidas em conhecimento.

social. Para isso, apresentam diversos tipos textuais,

Em segundo lugar, no que se refere ao

gêneros discursivos referentes a várias esferas

tratamento dado à cultura, os resultados mostram

comunicativas relacionadas à vida do aluno e a

grande uma variedade de textos que tratam as

diversidade cultural de diversas práticas interativas

questões sociais, a partir dos temas transversais;

da língua espanhola. Entretanto, percebemos que

pluralidade cultural, preservação do meio ambiente,

mesmo com essa preocupação, os LDs apresentam

saúde, cidadania, trabalho, consumo, educação

atividades que pouco contribui para a formação

sexual, a partir de vários gêneros textuais como

crítica do aluno. Isso ocorre porque, a maioria das

poemas, canções, histórias em quadrinhos,

atividades propostas segue basicamente os modelos

reportagens, dentre outros e com temas e culturais

ascendente e descendente de leitura. O primeiro foca

de diversos países hispânicos, mostrando a

o texto e as respostas esperadas podem ser copiadas

diversidade existente entre eles. Constatamos que

diretamente deste e o segundo modelo foca o leitor

os cinco LDs oferecem uma coletânea centrada

e

dos

nestes temas, o que favorece o contato com a

conhecimentos prévios. Muitos textos não são

heterogeneidade linguístico-cultural. Fato este que

explorados do ponto de vista da compreensão de

comprova que os LDs estão de acordo com os

leitura, mas servem como pretexto para a

princípios defendidos pelos documentos oficiais, o

sistematização gramatical. São muito poucas as

que explica por que foram selecionados.

atividades que seguem o modelo interativo, que

Constatamos que faltam atividades que propiciam

focam a interação entre autor e leitor, a partir das

uma reflexão crítica que levem os alunos a se

informações presentes no texto e as que o leitor já

posicionarem

possui sobre o tema tratado. As perguntas

contribuindo, de fato, para o desenvolvimento da

características deste modelo exigem a geração de

consciência crítica e da competência intercultural,

hipóteses, levantamento de inferências e a tomada

ou seja, uma postura respeitadora das diferenças.

de posição com relação ao tema discutido. Sendo

Ainda que os textos sejam adequados para a

assim, faltam atividades que levem os alunos a

discussão destes problemas sociais, condição

compreender

a

necessária para fomentar o desenvolvimento do

intencionalidade do dito e do não dito e, inclusive,

sentido crítico e do respeito às diferenças. Este

os contextos de produção os textos. Portanto é difícil

trabalho fica por conta da realização de debates,

que os alunos se posicionem diante do que leem,

por exemplo.

as

respostas

os

partem

efeitos

da

de

ativação

sentidos,

sobre

os

temas

discutidos,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

692

Trazem também uma boa amostra da

Conclusões

pluralidade cultural dos países hispano-falantes, ainda que haja mais textos de uns países que outros,

É possível concluir, portanto que a maioria

por exemplo, a Argentina aparece muito e El

das atividades de leitura, não propicia a formação

Salvador não aparece nunca. Os temas relacionados

crítica, posto que não estas exploram os efeitos de

com as culturas seguem o esquema sugerido por

sentido e os contextos de produção. Os textos são,

Tomalin e Stempleski (1993) que tr az uma

por muitas vezes, trabalhados como meros

representação mais concreta do alcance da noção de

expositores de conteúdos culturais e apresentação

cultura por agrupar os elementos visíveis (os

de estruturas linguísticas da língua-alvo. Sabemos

produtos literários e artísticos representativos das

que o LD desempenha um papel básico para muitos

classes sociais cultas) e invisíveis (as ideias e os

professores e alunos, mas é importante destacar que

comportamentos):

não deve ser o único recurso e instrumento a ser utilizado no ensino de LE. Sobre este tema, as OCEM - espanhol (MEC, 2006, p. 64) comentam que somente o LD é insuficiente para a formação de leitores autônomos e que cabe ao professor buscar outros materiais de ensino para que o aluno tenha formação crítica. Assim, podemos perceber que o professor deve ter autonomia para buscar outros recursos e estratégias para trabalhar para estimular o aluno a aprofundar seus conhecimentos sobre os temas culturais e transversais abordados e assim incentivar a leitura em sala de aula. Em terceiro lugar, quanto ao desenvolvimento

Porém é importante ressaltar que os temas não são tratados de uma forma cultural, isto é, não são explorados de maneira que fique evidente a relação de um cidadão argentino com o consumo; de um chileno com a preservação da natureza; de um espanhol com a pluralidade cultural; de um cubano com educação sexual etc. Isso quer dizer que os temas são tratados por eles mesmos e não são enfocados de um ponto de vista identitário-ideológico, a partir do qual os leitores pudessem conhecer a opinião e a postura dos cidadãos dos países hispano-falantes com relação aos temas sociais relevantes para a convivência pacífica e respeitadora das pessoas e do planeta.

da competência intercultural, constatamos que as cinco coleções se limitam, em sua maioria, à exposição de conhecimentos socioculturais da LE. Entretanto, acreditamos que os conteúdos culturais presentes nos livros podem, de fato, favorecer o desenvolvimento da sensibilidade intercultural dos alunos se trabalhados pelo professor de maneira mais ampla, com discussões críticas e debates em sala de aula sobre as diferenças culturais entre a cultura da língua alvo e a cultura dos alunos. Isso porque os temas transversais e culturais presentes nas coleções são importantes para a formação social dos alunos, pois promovem o respeito às diferenças. Cabe ao professor de língua espanhola saber a melhor forma de elaborar e abordar esses temas visando contribuir para a ampliação dos horizontes dos alunos. Dessa

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

693

forma, poderá ser desenvolvida a competência

na escolhas dos materiais que fariam parte do PNLD

intercultural, a capacidade crítica e a reflexão em sala

2011 (MEC, 2010, p. 11) era “a importância do caráter

de aula, contribuindo enormemente ao processo de

educativo da aprendizagem de línguas”.

aprendizagem do aluno e fomentando a construção de uma sociedade mais justa e menos excludente. Em resumo, a maioria das propostas de atividades dos cinco LDs perde a oportunidade de desenvolver a sensibilidade intercultural. Segundo Casal (2003), quando julgamos os outros ou as suas

Referências bibliográficas ARNOUX, E. N. (2010) Representaciones sociolingüísticas y construcción de

culturas de acordo com os próprios valores, se cria,

Identidades colectivas en el Mercosur. In: CELADA, M. T.;

na maioria das vezes, preconceitos que são nada mais

FANJUL, A. P.;

que a exteriorização do etnocentrismo. O bullying nada mais é que uma concretização em atitudes e em

NOTHSTEIN, S. Lenguas en un espacio de integración. Acontecimientos,

ações repetidas e intencionais desses atos e que geralmente acontecem nas escolas. O papel educativo

acciones, representaciones. Buenos Aires: Biblos. p. 17-38.

do ensino de LE só será cumprido se as práticas

BRUNO, F. A. T. C.; TONI, M. A. M. B. ARRUDA, S. A. F.

docentes orientarem o aluno a refletir sobre a

(2011) ¡Entérate!, São Paulo: Saraiva.

maneira como se vê, como vê o outro, como se aproxima dele, se é etnocêntrico, sem perceber a diferença, ou se percebe a diferença, mas não a respeita, ou se procura nessa diferença um equilíbrio e de alguma maneira vê na diferença, a igualdade

CASAL, I. Construyendo la competencia intercultural: sobre creencias, conocimientos y destrezas. In. Carabela n. 54- La interculturalidad en enseñanza de español como segunda lengua/lengua extranjera. Madrid: SGEL, 2003. p. 5-28.

entre os seres, deixando de lado os estereótipos e os

CASTRO, S. G. (2004) Os Caçadores da Serra da Capivara e a

falsos conceitos que estamos acostumados a fazer.

Face Cr uel da Educação Ambiental.Teresina, 2004.

As práticas docentes devem criar situações para que

(Dissertação de Mestrado).

o aluno seja um agente social com o intuito de aproximar o aluno da sua realidade pessoal e cotidiana com uma postura crítica diante da sociedade, intervindo diretamente na transformação

DÍAZ, C. G. Los contenidos culturales. In: SANCHEZ LOBATO, S.; GARGALLO I. S. (Org.) Vademécum para la formación profesores. Enseñar español. Madrid: SGEL, 2005. p. 835-851.

de seu futuro, contribuindo para um mundo melhor e mais humano.

JODELET, D. (1989) As Representações Sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ.

Deste modo, podemos concluir dizendo que aparecem vários textos que possibilitam o conhecimento das culturas hispânicas, mas as atividades propostas não levam ao combate de etnocentismo, como o bullying ou a desenvolvimento

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. E. D. A. (1986) Métodos de coleta de dados: observação, entrevista e análise documental. In: _____. Pesquisa em Educação: abordagem qualitativa. São Paulo: EPU. p. 25-44.

de competência intercultural, postura responsável

MARTIN, I. R. (2011) Saludos: curso de lengua española.

pela transformação do indivíduo em um cidadão

São Paulo: Ática.

crítico-reflexivo. Posto que um dos critérios usados

694

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

MARTIN, I. R. (2011) Síntesis: curso de lengua española.

MEC. (2011) Guia de Livros Didáticos do Programa Nacional

São Paulo: Ática.

do Livro Didático de línguas estrangeiras modernas 2012

MEC. SEB. (2006) Orientações curriculares para o ensino médio. Linguagens, códigos e suas tecnologias.

Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2011.

Conhecimentos de Línguas Estrangeiras; Conhecimentos

OSMAN, S.; ELIAS, N.; REIS, P.; IZQUIERDO, S.;

de Espanhol. Brasília: MEC/SEB. p. 27-164.

VALVERDE, J. (2009). Enlaces. Español para jóvenes

MEC. (2006) Orientações Curriculares para o Ensino Médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEB. MEC. (2010) Guia do livro didático: PNLD2011: Língua Estrangeira Moderna. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica.

brasileños. Madrid: SGEL.TOMALIN, B.; STEMPLESKI, S. (1993) Cultural awareness. Oxford: Oxford University Press.VILLALBA, T. K. B.; PICANÇO, D. C. L. P. (2010) El arte de leer en español. Curitiba: Base Editorial.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

695

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DE FUTUROS PROFESSORES DE ESPANHOL SOBRE O MERCOSUL*

Lucielena Mendonça de Lima (UFG)

Desenvolver uma identidade mercosulina, que leve ao entendimento mútuo, reconhecimento, aceitação das diferenças e à aproximação em termos culturais e sociais dos cidadãos dos países do MERCOSUL é imprescindível. Para isso, é preciso que professores e alunos reconheçam as representações sociais (RS) que brasileiros e argentinos, paraguaios, 1 uruguaios têm uns dos outros. Segundo Jodelet (1989, p. 36), a representação social é entendida como “forma de conhecimento

socialmente

elaborada

e

compartilhada, que tem uma meta prática e que coopera na construção de uma realidade comum a um conjunto social”. De acordo com Moscovici (1976) (pai da TRS), citado por Mazzotti e Campos (2011, p. 465), as RS [...] são expressivas: elas demarcam a identidade dos grupos, orientam a formação de estereótipos referentes a outros grupos e indicam a posição social de cada um deles por meio dos significados que carregam. Além disso, elas são prescritivas, permitem a leitura das situações, indicando aspectos relevantes e orientando o julgamento e a decisão sobre as ações desejáveis, ou seja, elas prescrevem as condutas adequadas, aceitas ou intoleráveis. São, portanto, formas culturais simbólicas, padrões organizados

historicamente produzidos, coletivamente partilhados, associados a processos sociocognitivos e em interação com as estruturas sociais. (Grifos no original)

Portanto, é preciso discuti-las com o objetivo de desenvolver a sensibilidade intercultural (GILLERT, 2001) ou a consciência intercultural (CONSELHO DA EUROPA/GAERI, 2001, p. 150), posto que esta parte do conhecimento sociocultural e a compreensão “da relação (semelhanças e diferenças) distintiva entre ‘o mundo de onde se vem’ e o ‘mundo da comunidade-alvo’”. As Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEMespanhol, MEC, 2006, p. 149) defendem a educação intercultural ao afirmar que durante as aulas de espanhol, [o] enfrentamento da diversidade certamente comportará representações – sobre o próprio e sobre o alheio, [...] – que se manifestam no discurso em forma de “estereótipos, idealizações, exotismos, etc.”, [...] que deverão ser analisadas [...] como meios imaginários nos quais se imbricam as questões simbólicas (...) e ideológicas (...).” Tais representações, algumas muito alimentadas pela mídia, ora se projetam sobre a própria língua e suas variantes, ora sobre os seus muitos e distintos

696

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

falantes, situados, sobretudo, em distintas regiões, mais ou menos favorecidas e prestigiadas, ora se projetam sobre a facilidade ou dificuldade de enfrentar o processo de aprendizagem. Todas elas, a nosso ver, precisam ser objeto de algum tipo de trabalho analítico-crítico, quer seja para serem, em alguns casos, exploradas e em outros, abaladas. (Grifos no original)

Neste sentido, aprender uma LE significa

Geertz (1989, 103), a cultura “[...] denota um padrão, transmitido historicamente de significados corporizados em símbolos, um sistema de concepções herdadas, expressas em formas simbólicas, por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem o seu conhecimento e as atitudes perante a vida”.

aprender a ter um novo status social: como

Assim a formação de falantes e professores

representante de nossas culturas maternas; como

de espanhol não deve basear-se somente no domínio

novo integrante de comunidades de cujos rituais e

dos conteúdos gramaticais, mas também no

convenções temos de aprender e como intermediário

conhecimento dos aspectos socioculturais e

cultural das comunidades com as quais estamos nos

experiências interculturais. Para Arnoux (2010, p.

relacionando. Vale a pena nos recordar sempre de

34), “as línguas estão associadas com representações

Todorov (1988, p. 27) quando destaca que a “falta

que implicam dimensões valorativas e que se

de curiosidad por los otros es un signo de debilidad,

vinculam com diferentes representações do universo

no de fuerza”. Portanto, devemos ultrapassar a

social”. Afir ma ainda que estas “intervêm na

barreira do etnocentrismo para nos aproximarmos

construção das identidades, já que configuram uma

das outras culturas. Fato este que implica conhecê-

parte dos imaginários sociais, necessários para

las, valorizá-las, identificarmo-nos em certa medida,

reconhecer-se e reconhecer ao outro, e fazer

nelas e con elas, e que este processo de aproximar-se do

possíveis e legitimar as ações coletivas” (ARNOUX,

outro, que é uma forma de distanciar-se de si mesmo,

2010, p. 17). Entendemos, portanto, que a reflexão

nos permita –paradoxalmente- reencontrarmo-nos

crítica sobre as representações destes futuros

nesse olhar crítico que cada um de nós se volta sobre si

professores pode ajudar a fomentar esse novo papel

mesmo. Não obstante, devemos ser conscientes de que

identitário.

essa aproximação envolve una mudança na nossa estrutura mental, um repensar sobre a existência de

Assim, os processos de ensino-aprendizagem

outros ordenamentos simbólicos e sobre nossa

e formação de professores de línguas, que se baseiam

capacidade para compreender outras cosmovisões.

em uma perspectiva intercultural, levam ao processo de intervenção e apreensão da própria cultura e

Segundo Mazzotti e Campos (2011, p 466-

identidade em língua materna (LM), considerando

7), o conceito de cultura que ampara as reflexões

que não ocorre o abandono das referências culturais

teóricas de Moscovici (pai da TRS), em sua obra

próprias ao estudar línguas. Segundo Azevedo (2003,

inaugural (1976), “[...] parece se aproximar de

p. 43), a identidade tem dupla face compreendida a

Geertz (1973)”, e também “[...] de Lévy-Strauss

partir de dois princípios: a “alteridade”, que nos faz

(1974), na qual a interpretação de qualquer signo

perceber a nossa identidade, devido às “diferenças”

ou manifestação cultural depende de um sistema de

que vamos perceber entre nós e o outro, ou seja,

representações”. Da mesma forma, para Chartier

precisamos dele e, consequentemente, do confronto

(1990, p. 66-67), ao discutir as representações, se

com a diferença presente nele para perceber quem

“exige [conceber a cultura] como um conjunto de

somos; e a “representação ou encenação” que nos faz

significações nos discursos ou nos comportamentos

identificar, ou não, com determinadas crenças,

aparentemente menos culturais”. Ou, de acordo com

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

valores, desejos e interesses. Também, para Hall,

697

Análise de dados

(2000, p. 112): O levantamento das representações foi feito [a]s identidades são, pois, pontos de apego temporário às posições-de-sujeito que as práticas discursivas constroem para nós. [...] Isto é, as identidades são posições que o sujeito é obrigado a assumir, embora “sabendo” [...], sempre, que elas são representações, que a representação é sempre construída ao longo de uma “falta”, ao longo de uma divisão, a partir do lugar do Outro e que, assim, elas não podem, nunca, ser ajustadas -idênticas- aos processos de sujeito que são nelas investidos. (Grifos nossos)

Dessa forma, é preciso criar oportunidades

a partir de dois questionários que tinham o objetivo de saber o que os vinte respondentes do primeiro questionário e os 57 do segundo conheciam sobre este processo de integração, os países membros que o compõe e seus cidadãos. O primeiro questionário continha 8 perguntas e o segundo, 13. Neste texto, por motivo de espaço, vamos destacar as respostas dadas às perguntas 1 dos dois questionários; a sétima do primeiro e a oitava do segundo.

durante a formação inicial para discutir temas como

Quanto

às

representações

sobre

o

flexibilidade cultural, orientação social, capacidade

MERCOSUL, ressaltamos as respostas à primeira

para resolver conflitos, paciência, sensibilidade

pergunta dos dois questionários, nos gráficos a

intercultural, tolerância e humor (MARTÍN, 1989,

seguir:

citado por CASAL, 2003) que levem ao desenvolvimento da competência intercultural que se baseia na superação das representações sociais e culturais negativas demonstradas a partir de posturas etnocêntricas. Se acreditarmos que a educação é um dos caminhos que pode ajudar a desenvolver essa identidade e cidadania sul-americanas, é preciso que o ensino de línguas e a formação de professores sejam

O fato de 19 dos 20 alunos ressaltarem a

realizados a partir de uma perspectiva intercultural,

economia como expoente máximo do MERCOSUL

na qual fique evidenciada a interrelação entre os

mostra que os respondentes compartilham do mesmo

conceitos de língua, cultura, identidade, que parta

imaginário social acerca ou em torno do MERCOSUL.

da noção de diferença (SILVA, 2000) para que sejam

O destaque da questão econômica revela um processo

problematizadas as representações culturais e

de ancoragem pautado em informações pontuais e

sociais, que os cidadãos dos países que compõem

vagas acerca da gênese deste bloco e sobre o acordo,

este bloco têm uns dos outros. Este é o objetivo deste

veiculadas e massificadas pela imprensa nacional. Ou

texto, apresentar e discutir as representações iniciais

seja, a base da ancoragem, nesse caso, é um

de graduandos em Letras/Espanhol da Universidade

conhecimento considerado prático, natural e

Federal de Goiás sobre o MERCOSUL, os países que

espontâneo, avaliado como ingênuo, pois se apoia

compõem este bloco e seus cidadãos e suas

no senso comum, isto é, na observação de fatos da

implicações em seu processo formativo.

realidade cotidiana. Para Jodelet (2001, p. 29), “[t]rata-se de um conhecimento ‘outro’, diferente da ciência, mas que é adaptado à ação sobre o mundo e mesmo corroborado por ela”.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

698

respondentes demonstram ter outras RS sobre o

O que é o MERCOSUL? Aspectos econômico e  comercial (16) Aspectos cultural, social,  educativo e político (17) Mercado Comum do Sul  (11)

mesmo objeto MERCOSUL. Estas podem ter sofrido alguma influência, considerando que o primeiro questionário foi aplicado em novembro de 2011 e o segundo em março de 2012, durante este intervalo de tempo, houve a apresentação deste tema em sala de aula, além da criação de um blog para discuti-lo.

11 dos 57 respondentes do segundo

Quanto às representações sobre as nações e

questionário responderam literalmente Mercado

os povos do MERCOSUL, comparamos as respostas

comum do sul; 6 não responderam e 7 deram

à sétima pergunta do primeiro questionário e a oitava

respostas inesperadas, tais como: “Países que falam

do segundo, a diferença entre elas é que no segundo

espanhol; O Mercosul são países da América Latina;

questionário incluímos o Mercosul: “Defina com três/

São os países que fazem fronteira com o Brasil; É a

quatro palavras o que representa para você a

união dos países da América do Sul, em especial da

Argentina, os argentinos, o Brasil, os brasileiros, o

América Latina; União dos países da América do sul;

Paraguai, os paraguaios, o Uruguai, e os uruguaios”.

Mercosul é um programa entre as universidades de

Em primeiro lugar, houve um aumento significativo

diversos países em que é possível enviar alunos de um

do número de palavras citadas, porém as RS se

determinado país para estudar mestrado, doutorado

mantiveram. O número entre parênteses indica o

em universidades de outro país; É inter-relação de

número de vezes que foram citadas. No quadro, a

países em busca de um objetivo, a igualdade cultural”.

seguir, destacamos as mais repetidas:

Diferentemente das respostas dadas ao primeiro questionário, estas mostram que os MERCOSUL

Argentina/argentinos

Brasil /brasileiros

Paraguai/paraguaios

Uruguai/uruguaios

 

comércio (15), Política (12), cultura (10), interação (9), união (8), integração (8) economia (7), união (5), acordo (5), educação (5), sociedade (2), cooperação (2), crescimento (2), liberdade (2). futebol (16), tango (13), espanhol (11), cultura (7), erva mate (3), vinho (3), educação (2), música (2). Os argentinos: tango, Maradona, competitivo, francos, rivais (2), independentes, bonitos (5), fechados, se acham, rivalidade (2), futebol (5), politizados (1), “acento” (1), difícil entender espanhol (1), arrogantes (2). português (4), diversidade (5), Cultura (5), calor (3), corrupção (5), pátria (3), futebol (15), Desigualdade (3), samba (6), praia (2), grande (3), carnaval (3), riqueza (2), esporte (2). Sobre os brasileiros: receptivos (2), acomodados (2), enrolados, preguiçosos (2), alegria (2), alegres (10), trabalhadores (10), festivos (2), espertos (3), alegre (2), futebol (4), acolhedores (5). Pirataria (3), espanhol (3), guarani (4), comércio (109), tráfico (2), indígena (6), contrabando (6). Os paraguaios: comerciantes (3), pobres (3), negociadores (2), muambeiros (2), indígenas (3), espertos (2), multicultural (1), um povo falando 2 línguas (1). Os paraguaios: comerciantes (3), pobres (3), negociadores (2), muambeiros (2), indígenas (3), espertos (2), multicultural (1), um povo falando 2 línguas (1). espanhol (3), Mercosul (2), Montevideu (3), turismo (3), frio (2), português (1), Punta del Este (1), paraíso fiscal (1), futebol (1). Os uruguaios: hospitaleiros, Discretos, bonitos, educados, acessíveis, tristes, povo, político, receptivos, instigadores, interessantes, legais, inteligentes, origem, calmos, trabalhadores, camponeses, interação, vivos, cultos, espertos, honestos, pobres (2), sérios, arrogantes, bonitos(as), hospitaleiros, bonitos, educados, felizes, apagados, pessoas, receptivos, sérios, educados, patriotas, preparo acadêmico, cultos.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Nos dados é bastante relevante o número de palavras que exemplificam os estereótipos que são

699

corroboram as respostas dadas na primeira pergunta.

propagados (JODELET, 2001), considerando que sobre a Argentina e argentino apareceram: arrogância, rivalidade [esportiva], enervantes, só

Considerações finais

pensam em futebol, irônicos, crítico, nervosos, agressivos; sobre o Paraguai e paraguaios: coisas

Ainda que os dados do segundo questionário

baratas, produtos falsificados, contrabando,

já mostrem RS relacionadas com os aspectos cultural

pobreza, crise política, problemático, muambeiros,

e educacional, ainda é alto o número ressalta a RS

“gente que sufre”; sobre o Uruguai e uruguaios:

sobre MERCOSUL como um acordo econômico,

cassino, frios, arrogância, rival e sobre o Brasil e

portanto sabem pouco sobre o MERCOSUL cultural,

brasileiros: desfrute, “jeit inho” acomodação,

educativo e social, e é grande o desconhecimento dos

“espertos”, corrupção, corrupto, malícia, carnaval,

países membros e seus cidadãos, pois a maioria nunca

samba, problemático, pobreza. É interessante

viajou, participou de intercâmbios estudantis e nem

destacar que estes estereótipos que os respondentes

convive com cidadãos destes países. O que se percebe

destacaram poderiam indicar uma auto-depreciação,

de forma muito evidente é que as RS que

ou seria auto-diagnóstico já cristalizado relacionados

demonstraram ter estão relacionadas com as

aos contextos sócio-político e histórico.

curiosidades destacadas em livros didáticos e os

Reafirma-se, portanto, de acordo com Helal

estereótipos reforçados pelos meios de comunicação.

(2011, p.40) em “Os ‘hermanos’ nos amam” que “[e]m

Um número elevado de palavras mostra que

comum, brasileiros e argentinos têm também a forma

os brasileiros se sentem “autorizados” a opinarem

como usaram esse esporte [o futebol] para construir

sobre a Argentina. Porém, chama-nos a atenção o

a identidade nacional”. Este autor explica também

fato de que os aspectos culturais mais citados dizerem

que no Brasil “[...] as crônicas e os livros do jornalista

respeito às crenças e valores, ou seja, representações

Mário Filho (1908-1966), amigo de [Gilberto] Freyre,

sociais e culturais, referentes aos quatro países,

foram importantes no processo de uso do futebol

inclusive sobre o Brasil. Assim, temos de concordar

para se construir o “nacional”, justamente em um

com a opinião de Soares (2008, p. 57) que afirma que

período de profissionalização e popularização do esporte e de mudança na maneira de se pensar o país”. É relevante destacar que a identidade nacional argentina foi forjada na escola pública durante o governo de Sarmento entre 1868 e 1878. No Brasil esta preocupação começou com a Semana de Arte Moderna em 1922 e deslanchou a partir de 1930 com Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda entre outros, segundo Helal (2011, p.42).

[o] desconhecimento da realidade sócio-cultural dos países vizinhos é profundo. Os preconceitos, as visões e opiniões parciais, quando não distorcidas, de alguns países em relação aos outros, dificultam, quando não inibem, o surgimento de relações de confiança e de projetos de cooperação. Observações e leituras superficiais ou apressadas, distorções de origem ideológica e posturas etnocêntricas criaram, no decorrer dos anos, imagens dos países e de suas culturas folclorizadas e pouco fieis a suas origens históricas.

Em segundo lugar, notamos que as RS

Entendemos, portanto, que a reflexão sobre

destacadas para o MERCOSUL, de certa forma

as representações sociais e culturais, advindas a partir de uma perspectiva intercultural de educação (FLEURI, 2000) ou de uma pedagogia da diferença

700

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

(SILVA, 2000), é um conhecimento valioso para a

GEERTZ, C. (1989) A interpretação das culturas. Rio de

formação de professores de espanhol e de português

Janeiro: Guanabara.

como línguas estrangeiras no âmbito do MERCOSUL, bem como para a produção de material didático em uma linha intercultural. Além

GILLERT, A. (2011) Conceitos de aprendizagem intercultural. In: CONSELHO DA EUROPA/COMISSÃO EUROPEIA. Mochila Pedagógica/T-Kit. Estrasburgo-França,

de apresentar um valor primordial para o êxito das

nº04, p. 17-34, Janeiro de 2001. Disponível em:

integração regional.

Acesso em: 19 fev. 2011. HALL, S. (2000) As culturas nacionais como comunidades

Referências bibliográficas

imaginadas. Rio de Janeiro, DP&A Editora.

ARNOUX, E. N. (2010) Representaciones sociolingüísticas y construcción de identidades colectivas en el Mercosur. In: CELADA, M. T.; FANJUL, A. P.;

HALL, S. (2000) Quem precisa da identidade? In: SILVA, T. T. (Org.) Identidade e diferença. A perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, RJ: Vozes. p.103-133. HELAL, R. G. Os ‘hermanos’ nos amam. Revista História

NOTHSTEIN, S. Lenguas en un espacio de integración.

da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro. Ano 6, n.68, p. 40-

Acontecimientos,

43, maio, 2011.

acciones, representaciones. Buenos Aires: Biblos. p. 17-38.

JODELET, D. (1989) As Representações Sociais. Rio de Janeiro:

AZEVEDO, C. (2003) Identidades compartilhadas: a

Ed. UERJ.

identidade nacional em questão. In: ABREU, M.; SOIHET,

JODELET, D. (2001) As representações sociais: um domínio

R. (Org.) Ensino de história. Conceitos, temáticas e

em expansão. In:

metodologias. Rio de Janeiro: Casa da Palavra. p.38-54. CASAL, I. I. (2003) Construyendo la competencia intercultural: sobre creencias conocimientos y destrezas. Carabelas. N. 54 – La interculturalidad en la enseñanza de español como segunda lengua/extranjera. Madrid: SGEL.

_____. (Org.). As representações sociais. Rio de Janeiro: Ed. UERJ. p. 17-44. MAZZOTTI; A. J. A.; CAMPOS, P. H. F. (2011) Cibercultura: uma nova “era das representações sociais”? In: ALMEIDA, A. M.; SANTOS, M. F. S.; TRINDADE, Z. A. (Org.) Teoria

CHARTIER, R. (1990) A história cultural: entre práticas e

das representações sociais. 50 anos. Brasília: Technopolitik

representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil/Difel. Trad.

Ed. p. 457-488.

Maria Manuela Galhardo.

SILVA, T. T. (2000) A produção social da identidade e da

CONSELHO DA EUROPA/GAERI. (2001)Quadro Europeu

diferença. In:_____. (Org.) Identidade e diferença. A

Comum de Referência para as Línguas: aprendizagem, ensino,

perspectiva dos Estudos Culturais. Petrópolis, RJ: Vozes.

avaliação. Conselho da Europa: GRAFIASA.

SOARES, M. S. A. (2008) A diplomacia cultural no

FLEURI, R. M. (2000) Multiculturalismo e interculturalismo

Mercosul. Revista Brasileira de Política Internacional.

nos processos educativos. In: CANDAU, V. M. (Org.).

Brasília, v. 51, n. 1.

Ensinar e aprender. Sujeitos, saberes e pesquisa. Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (Endipe). Rio de Janeiro, DP&A, 2000.

TODOROV, T. (1988) El cruce de culturas y mestizaje cultural. Madrid: Júncar Univ.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Notas

*

Este trabalho divulga resultados do projeto de pesquisa: “Relações interculturais no ensino e formação de professores de espanhol e português no contexto do MERCOSUL: cidadania, identidade e representações sociais no âmbito da integração educativa”, registrado no CEP/UFG sob o número 040/2012. Também integra o Programa de Parcerias Universitárias de Graduação de Línguas Espanhola e Portuguesa do MERCOSUL entre a UFG e a UNC (Argentina). Agradecemos a CAPES o financiamento do Projeto PGPE 002/2011. A equipe brasileira é composta pelas professoras Cleidimar Aparecida Mendonça e Silva; Patrícia de Roberta Almeida Castro Machado e Lucielena Mendonça de Lima (coordenadora do projeto).

1

Esclarecemos que os dados foram colhidos em novembro de 2011 e março de 2012, portanto, nesta época o Paraguai ainda fazia parte do MERCOSUL.

701

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

702

UM COPYPASTE DE SI MESMO: MARIO BELLATIN

Luciene Azevedo UFBA

Para tentar levar a cabo, pelo menos

autoria, engendram outros mitos literários, novos

parcialmente, aqui, nessa comunicação, a tarefa de

cultos à sua obra. O próprio Bellatin parece

refletir sobre estratégias de encenação da figura

consciente da armadilha: “Pero qué curioso que no

autoral, gostaria de empreender uma leitura de dois

ser autor hace que seas más autor que nunca”

u tant Mu tantee e livros de Mario Bellatin, J a c o b o e l M

(AZARETTO, 2009).

Biografia Ilustrada de Mishima, Mishima a fim de testar a hipótese de que Bellatin reinventa o modo de inscrever sua assinatura para o campo literário explorando como estratégia de composição de sua figura autoral o nome de outro autor para elaborar sua própria voz.

Algumas das performances públicas a partir das quais Bellatin assume para si a tarefa de atribuir uma aura a seu nome de autor já se tornaram quase lendárias. É o caso da estreia da oes adaptação teatral de seu livro Pe r ros Hér Héro es, que nunca chegou a acontecer de fato, ou de “El congreso

É quase impossível separar a performance

de los dobles” que apresentava atores no lugar dos

pública de Bellatin de sua obra, já que o autor parece

autores participantes do congresso organizado por

investir pesado no jogo entre sua performance

Bellatín. Esses episódios funcionam como

pública e a encenação da escrita. Mas a nenhum

verdadeiras instalações artísticas que põem em

desses procedimentos falta ambiguidade. Não é

xeque elementos importantes do campo literário: a

incomum encontrarmos depoimentos em que o

recepção crítica, o valor da obra, o culto ao autor.

próprio autor alardeia um desejo de desaparecer

1,

valendo-se paradoxalmente da performance do espetáculo, laboriosamente cultivada. Apesar do desejo manifesto de desaparecimento, a figura autoral persiste como uma anacronia tão poderosa que mesmo as diversas tentativas de apagamento da

A fabricação de si aparece como um procedimento capitalizado para inscrever um nome de autor apostando, paradoxalmente, na estratégia da anomia, no lugar vazio que pode ser ocupado por qualquer um. Mas não é mesmo a singularidade, a construção de marcas de invidualidade, que

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

703

conferem sentido à noção de autoria? Bellatin

por distinguir os valores literários?) e orienta

parece muito consciente das estratégias de que lança

dissimuladamente a recepção a ler sua obra, sua

mão para assumir uma assinatura:”A veces uno tiene

performance. Desapropriando-se de si mesmo

la certeza de que para la lógica del sistema, ya no

(apagando seu nome dos trechos que emitiam juízos

hace falta ni siquiera escribir” (SÁNCHEZ, 2005).

críticos sobre seus livros), Bellatin apropria-se de

O projeto de não autoria de Bellatin implica

uma marca.

em ampliar o conceito de obra aliando à encenação

Essa desapropriação de si mesmo parece

na escrita a elaboração de sofisticadas instalações

atingir em cheio a mitificação da figura autoral,

literárias que envolvem a fabricação de um produto

atuando, no entanto, paradoxalmente, através da

cuja etiqueta é autenticada pela marca Bellatin. Para

autofabulação de seu próprio nome. A menção

a fixação dessa marca é preciso ser engenhoso na

recorrente à talidomida ou às próteses usadas pelo

elaboração de estratégias. E criatividade não parece

próprio Bellatin, presentes como pistas falsas em

faltar a Bellatin. Atuando como crítico cover,

muitos dos textos ficcionais do autor, eludem o leitor

Bellatin publica no jornal argentino La Nación, a

muito confiante na correspondência biográfica do

pedido da editoria, um resenha do livro Kioto, do

que está ali como trampolim para o ficcional.

escritor japonês Kawabata. Mas o texto não passa de uma colagem de trechos de outros críticos a respeito de sua própria obra: “juntando una serie de fragmentos que distintos críticos han hecho sobre mis libros...cambié la palabra bellatin y le puse kawabata, cambié el nombre de algunas obras” (2008). O texto é considerado brilhante até o momento em que o jornal começa a receber pedidos de explicações dos verdadeiros autores dos trechos citados na resenha e que, originalmente, tinham sido

A estratégia comum a todas as situações comentadas parece ser o que Laddaga chama de uma ‘pulsión de disimulación’ (2007, p.50) de si e da própria ficção, colocando em prática táticas de autofiguração não apenas através das performances, das instalações literárias tais como as já aqui comentadas,

mas

também

explorando

a

disseminação de efeitos biográficos espalhados em seus textos.

escritos como comentário à obra do próprio

Essa disseminação do já escrito presente em

Bellatin. Mas ainda falta o epílogo ao espetáculo.

diferentes textos de Bellatin está ancorada no

Dias depois, é possível ler no blog de Daniel Link,

exercício de copie e cole de si mesmo, de suas

crítico e professor argentino, uma nota, enviada por

próprias criações, publicando em palimpsesto, ou

e-mail pelo próprio Bellatin, comentando sua

como diz o próprio Bellatin: “escribir por encima

resenha e mostrando-se surpreso com o fato de o

de lo que estaba escribiendo” (2005).

jornal não ter publicado a nota que esclarecia o procedimento

de

copy/paste

adotado

na

composição do texto2.

Na crítica cover ao livro de Kawabata, o procedimento fica evidente. Bellatin manipula, arranja, reescreve trechos de críticas sobre seus

A ironia parece escarnecer do sistema

próprios livros e pede para que o leitor leia também

literário como um todo. Fazendo às vezes de crítico

a criação da montagem, que acompanhe a seleção e

literário, Bellatin a um só tempo mina

a combinação, o trabalho de patchwriting em

procedimentos críticos (afinal, o reconhecimento -

operação. A ideia de escrever-se através de outros,

equivocado- da recepção da excelência do texto não indica a vacuidade dos juízos críticos em seu esforço

Figura 1 –Adaptada de Juan et al. 2007, p. 153.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

704

construir-se através de outros nomes, outros autores,

Se de início, o leitor é surpreendido com a sobriedade

parece ser o álibi perfeito para a evasão da identidade.

da fala do narrador, o enlouquecimento da trama

Não é á toa que a resenha fake realça o comentário

marcado pelas mutações inexplicáveis e pelas

expropriado de Alan Pauls sobre a instabilidade da

situações estapafúrdias que vão se acumulando ao

caracterização da persona autoral do próprio

longo da história, levam à desconfiança e apontam

Bellatin e de suas marcas estilísticas 3. O método

para um regime de funcionamento das narrativas do

palimpséstico parece apontar para o apagamento de

próprio Bellatin. Assim, o leitor é instado a

qualquer origem, pois quem é mesmo quem fala,

abandonar a rota das peripécias e convidado a se

hein? O mix de vozes, de perspectivas críticas, é

deter em outra história: Bellatin selecionando e

assinado por Bellatin, o escritor, para falar o que

combinando suas reflexões sobre o modo de fazer-se

disseram sobre si mesmo, sobre sua própria obra,

escritor através do disfarce de um comentário

mas que aparece atribuído como marca de

analítico sobre um texto inexistente de Roth. Se na

Kawabata, o autor-álibi, o autor interposto.

resenha sobre Kawabata, Bellatin assumiu o lugar de

É como se a obra alheia, a assinatura de outros autores funcionassem como pequenos laboratórios de teste para a construção da própria voz, espaços de disfarce: autofiguração através do nome de outros autores. Vejamos agora como esse procedimento atua nos romances que gostaria de comentar aqui.

ventriloquo de seus próprios críticos, aqui seu álibi é o próprio Roth: “Joseph Roth, em su calidad de creador, va señalando diversas realidades a medida que avanza con su escritura.”(2006, p.25). Em muitas entrevistas Bellatin afirma que se sente incomodado quando é solicitado a explicar ou refletir sobre suas narrativas, suas escolhas estéticas. Mas a expropriação de si mesmo é a chance para falar de sua figura como autor:

Em Jacobo, el Mutante trata-se de simular um ensaio acadêmico, cujo tom assume uma metódica retórica analítica, sobre fragmentos de um suposto conto inédito de Joseph Roth. A leitura do livro começa com um trecho em

“uno de los decubrimientos más sorprendentes para la literatura, no sólo para la del escritor Joseph Roth, sino para la del siglo XX em general, parece estar contenido en la mecánica de cómo un rol asignado a determinado personaje deriva, de pronto, em otro totalmente distinto.”(2006, p.29).

itálico que, logo depois é apresentado pelo narrador como fazendo parte da obra inédita de J. Roth. Aí

O comentário de sua fatura ficcional feito em

ficamos conhecendo o personagem principal, Jacobo

nome de Roth forma uma outra dimensão da história,

Pliniak, dono de uma taberna, homônima ao suposto

rasurada pela precipitação tresloucada dos episódios da

conto intitulado “La frontera”, e que na verdade

narrativa do falso conto. Lançar mão do artifício de falar

funciona como um escritório (uma ‘pantalla’, diz o

através do outro, do ridículo da análise fracassada de um

texto) que facilita a saída do país dos judeus que fogem

conto que não existe, abre caminho para uma reflexão

de progroms russos.

sobre a maneira como o escritor pensa a construção de suas ficções. O insólito ficcional é levado ao limiar da

Aqui a operação de instalação parece

inverossimilhança e cede espaço para a emergência do

mobilizada para fazer passar uma coisa por outra,

autor, de sua representação performada e refletida no

Roth por Bellatin, pois é o empréstimo feito ao

espaço do texto: “la ficción de eventos imposibles oscila

suposto texto inédito de Roth que permite a Bellatin

hacia el autorretrato”(LADDAGA, 2007, p.137).

falar de forma rasurada de suas próprias estratégias.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

705

Jacobo, el mutante é um texto que simula

conto de Roth, quando o narrador não deixa passar

um comentário crítico cuja série de explicações tenta

nenhuma explicação nem mesmo relativa aos mais

revelar ou facilitar a leitura do texto falso de Joseph

insólitos acontecimentos, ficamos sabendo que o

Roth, sublinhando detalhes a fim de apontar uma

texto, que já se anunciava fragmentado, foi roubado

nova revelação ao conjunto da obra do autor, à sua

por uma leitora contratada que trabalhava para uma

própria assinatura, a partir dos poucos fragmentos

das editoras alemãs, detentoras de manuscritos da

restantes de um texto praticamente inédito. Dessa

obra, restando do conto apenas um fragmento e uma

mutante pode ser lido como uma forma, Jacobo, el mutante,

monstruosa máquina interpretativa posta a

resposta ficcional que constroi um diálogo

funcionar em prol da monumentalização da obra,

subliminar entre o procedimento crítico levado a

de seu autor, entendidos como unidade indissociável.

cabo pelo narrador e a autorreflexão de Mario Bellatin sobre sua própria performance e as operações críticas desenvolvidas para compreensão do imaginário elaborado em seus livros.

A operação de ventriloquia, a apropriação do nome e do suposto texto de Roth são álibis que funcionam como máscaras de um texto escrito à maneira de um palimpsesto, pois escreve por cima

Mas a grande ironia do texto é a dissolução

da suposta história tresloucada de Roth e da

de todo o empreendimento crítico que investe com

pretendida acuidade analítica do narrador uma

voracidade na compreensão totalizante de

reflexão divertida, cínica, sobre os métodos da

fragmentos que desaparecem, escasseiam, mas,

própria crítica e das implicações de seus

paradoxalmente, permanecem, ganham vida e

procedimentos para a monumentalização da figura

consistência hermenêutica pela aposta crítica falida.

autoral. Se Bellatin é um produtor de espetáculos,

A partir desse mote, a caricatura de velhos

ele não é o único responsável por esse show.

procedimentos críticos fica mais evidente. Aí

Passemos então agora ao comentário de

podemos encontrar pequenos vícios recorrentes na

Biografía Ilustrada de Mishima que é, na

leitura analítica como a tentativa do narrador de ler

verdade, um arremedo de biografia cujas ilustrações,

o conto como explicação metonímica de toda a obra

como em tantas outras obras de Bellatin, desmontam

de Roth; a aproximação dos personagens e das

a ilusão de referencialidade e conturbam o

situações em que se envolvem com a biografia do

entendimento. Ao lado da famosa reprodução da

próprio autor (a ponto de a retórica argumentativa

cabeça cortada de Mishima temos tanto a imagem

igualar personagem e autor, Jacobo Pliniak e Joseph

desfocada da prótese em formato de pênis usada por

Roth):

Bellatin, como sua própria foto. As imagens, portanto, traem sua função, pois ainda que as

“La caída del imperio autro-húngaro, la errancia del escritor por Europa, su adaptación a la cultura germana imperante em Viena, la aparición del nacional-socialismo, su alcoholismo desenfrenado y su condición final de refugiado pobre y desesperado em París- circunstancia que finalmente lo lleva a uma especie de suicidio- se convierten em uma suerte de claves inasibles del relato (2006, p.37).

legendas mencionem episódios ou personagens presentes no texto, as reproduções parecem estipular uma ruptura com a narrativa. Da vida do biografado, ficamos sabendo bem pouco. O episódio mais espetacular da vida de Mishima, de quem já se disse que o suicídio tornou

Já no final do que se arvora um “trabajo de

mais autêntica sua própria obra, é capitalizado como

investigación más riguroso” (2006, p.20) sobre o

pretexto para a elaborada reflexão sobre a

706

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

construção autoral de Bellatin. O narrador desde o

año.”(2009, p.24) A partir daí, o texto está liberado

início da narrativa assume a posição de espectador,

para o procedimento reiterado em diversos outros

pois avisa ao leitor que está em uma “institución de

textos de Bellatin: a disseminação da própria

alto prestígio”(2009, p.9) na qual assistirá a uma

biografia (a menção à talidomida), a citação

conferência sobre o escritor japonês, ministrada por

repetida das imagens obsedantes (“unos peces

um palestrante conceituado que projetará ‘uma

atrapados em el acuario”-2009, p.42) que reforçam

especie de película de la realidad’. Inusitadamente,

as linhas do autorretrato autoral, a mitificação do

o próprio Mishima, sem sua cabeça, assumindo

próprio nome, e da máquina textual, através da

‘cierta condición imperial’, está presente ao evento

operação de copy-paste.

e trata de assumir o turno de fala para recordar passagens de sua própria vida. Mas qualquer pacto biográfico é rompido quando o leitor se dá conta de que a cena é armada para que Bellatin tome emprestado o nome de Mishima, vestindo sua máscara: “cuando llegó a la esquina se encontró com un pastor belga malinois acompañado de su dueño. Mishima había escrito alguns libros sobre esos perros.” (2009, p.17) Insistindo na contrafação dos nomes, a operação consiste em desorientar as expectativas do leitor que esperava uma biografia do autor japonês. Mas tampouco a mera troca dos nomes pode funcionar como errata suficiente (onde aparece Mishima, leia-se Bellatin) para dar conta de todo o procedimento. Somos, portanto, levados a desconfiar da estabilidade de qualquer identidade, pois já que a biografia de Mishima não nos será entregue, como podemos acreditar na biografia disfarçada de Bellatin? Depois de desvendada a simulação, tudo parece contaminado pela

Mas é na menção à montagem teatral do livro Salão de Beleza, Beleza cuja autoria é atribuída a Mishima, que Bellatin torna mais evidente a operação que nos interessa, pois comentando-se em nome, melhor seria dizer, através do nome de Mishima, Bellatin reflete sobre os imponderáveis de sua criação: “Mishima comenzó a preguntarse si después de muertos los escritores se encuentran ya preparados para entender los símbolos a partir de los cuales construyeron su trabajo.” (2009, p.51) Assistindo à encenação de sua obra, Bellatin-Mishima pode colocar-se à distância, como espectador: “En aquel teatro fue la primera vez que pudo leerse a sí mismo” (2009, p. 49), tal como a operação levada a cabo no livro que lemos: Bellatin toma distância de si mesmo, apropriando-se de outros autores, para elaborar a si próprio: “podemos pensar en este libro como una máquina ficcional (“una suerte de aparato”) con el que el autor jugó a estar entre el público leyéndose a sí mismo”(FEBRES, 2011)

desconfiança do leitor. É como se o texto só pudesse

A suspensão temporária da condição autoral

assumir uma dicção autobiográfica de forma

através da expropriação de si feita em nome de outro

disfarçada, ancorado na dissimulação e na

autor, o uso do nome de outro autor para não ser, é

desconfiança . Para falar de si, Bellatin precisa de

apenas mais uma forma de figuração autoral.

outros, mas antes é preciso dar a (falsa) garantia de vai falar seriamente, apenas para fraudá-la e garantir assim, através dessa brecha, a emergência de uma confissão fantasmática: “Mishima comenzó a escribir este texto em el año de 1993, cuando se mudó a uma nueva casa. Tal vez la causa para redactarlo fue un incipiente estado maníaco que empezó a experimentar desde principios de aquel

Tudo isso já seria o bastante para indicar o quanto o procedimento-Bellatin é eficaz não apenas por ajudar a criar um personagem de escritor, mas também para configurar uma voz própria, construir-se autor. Mas há uma outra estratégia que parece subsidiar o procedimento: a repetição de si, a reiteração de episódios em contextos diversos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

707

(entrevistas ou na própria ficção), reproduzindo

da escrita não criativa, definindo-a como uma

ideias e imagens, colecionando em suas produções

espécie de patchwriting que se constroi isolando,

seu próprio imaginário reciclado, pondo em

reemoldurando, reciclando, regurgitando o mesmo

operação uma espécie de micropirataria de si

texto (GOLDSMITH, 2011, p. 139).

mesmo4

Dessa forma, o texto é na verdade uma

É o que parece estar sendo testado em uma

exposição de seus experimentos, de suas instalações,

narrativa como “Una cabeza picoteda por los pájaros”

uma pequeno ensaio de espetáculo, deixando à

em que flagramos Bellatin repetindo o mesmíssimo

mostra seu processo de elaboração.

procedimento presente na falsa biografia de Mishima. Nessa narrativa, é Duchamp quem aparece sem cabeça e a palestra fica a cargo de Pierre Cabanne que também projeta “una especie de película de la realidad”. Trechos inteiros parecem copiados de si mesmo, do livro Biografía Ilustrada de Mishima. Aqui, Duchamp é o autor de Salão de Beleza e assiste, tal como Mishima recordava em sua falsa biografia, à montagem teatral do livro. E não é apenas o episódio que se repete, é copiado, mas as próprias palavras, o mesmo texto: “No habia asistido a ninguno de los ensayos. Todo era sorpresa. Em aquel teatro fue la primera vez que pudo leerse a Una C ab eza si mismo”(2006, p. 49). Agora, em “U Cab abeza eza...”:

Se as hipóteses aqui desenvolvidas se mostrarem viáveis, podemos apostar que o jogo entre a performance pública e a encenação da escrita levado a cabo por Mario Bellatin, entre o ventriloquismo biográfico de contar-se através de outros e inscrever-se com um voz própria no cenário contemporâneo, podem sugerir um debate sobre questões que aludem a um panorama mais amplo relacionado às condições básicas da autoria e às possíveis mudanças nos regimes autorais da atualidade, bem como a outras formas de legitimarse como autor, fazendo valer a pena, então, ainda hoje, a investigação sobre a autoria.

“No había asistido a los ensayos. Todo era sorpresa. Por primera vez en su vida podía leerse a sí mismo.” (2007). A solicitação de empréstimo à sua própria obra parecer ter crédito ilimitado uma vez que passagens inteiras reproduzidas em Biografia Biografia... e ab eza “U Cab abeza eza...” também são parte integrante de Una C outra produção de Bellatin: “Lo r aro es ser escritor”5, performando o procedimento comentado

Referências bibliográficas AZARETTO, Julia. (2009) “El autor lee lo que el lector no lee”. Publicado em La Clé des Langues. Disponível em http:/ /cle.ens-lyon.fr/espagnol/entrevista-a-mario-bellatin68252.kjsp Acesso em 30/05/2012.

pelo próprio texto: “El texto había sido respetado

BELLATIN, M. (2008) “Kawabata: el abrazo del abismo”.

totalmente, pero la estructura estaba modificada de

Publicado em 13 de abril no blog de Daniel Link, Linkillo,

manera radical.” (2007)

post “La Nación no gana para sustos”. Disponível em http:// linkillo.blogspot.com.br/2008/04/la-nacin-no-gana-para-

Bellatin parece apostar no jogo do “crear sin crear”(2005a) para usar suas próprias palavras ou então na noção de escrita não criativa, tal como elaborada por Kenneth Goldsmith. Pois Bellatin parece acreditar que a operação de copy-paste

sustos.html Acesso em 01/08/2012. ————. (2005) Underwood Portátil. Modelo 1915. Publicado na revista Fractal. Disponível em http:// www.fractal.com.mx/F32Bellatin.html Acesso em 01/08/2012.

inventa um outro texto que apenas parece o mesmo,

————.(2006) Jacobo, El Mutante. Buenos Aires:

sem o ser, tal como Goldsmith configura a prática

Interzona Editora.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

708

————. (2007) Una cabeza picoteada por los pájaros.

GOLDSMITH, Kenneth. (2011) Uncreative Writing:

Publicado na Revista Otra Parte, Revista de Letras y Artes,

Managing Language in the Digital Age.

número 13. Disponível em http://www.revistaotraparte.com/ n%C2%BA-13-verano-2007-2008/una-cabeza-picoteadapor-los-p%C3%A1jaros Acesso em 23/06/2012.

LADDAGA, Reinaldo. (2007) Espectáculos de realidad. Ensayo sobre la narrativa latinoamericana de las últimas dos décadas. Rosario: Beatriz Viterbo Editora.

————. (2009) Biografía Ilustrada de Mishima. Buenos Aires: Entropia.

SÁNCHEZ, Alejandro Hermosilla. “Mario Bellatin Complaciente y cruel”. Publicada em El Coloquio de los

FEBRES, Eduardo. (2011) “Mishima por Bellatin”. Resenha

Perros. Revista de Literatura. ISSN:1578-0856 Disponível em

publicada em El Interpretador Libros. Disponível em http://

http://www.elcoloquiodelosperros.net/numerobellatin/

elinterpretador.wordpress.com/2011/12/13/mishima-por-

beent.html Acesso em 12/07/2012.

bellatin/

Notas 1

Como na entrevista concedia a Julia Azaretto: “Todo lo que quiero es desaparecer”. Disponível em http:/ /cle.ens-lyon.fr/espagnol/entrevista-a-mario-bellatin-68252.kjsp

2

Querido L: te quería informar que ayer em ADN salió una nota mía sobre kawabata...envié la nota con un pie de página donde decía que había sido hecha con la técnica de copypaste (copyright 2008), pie que no apareció lamentablemente...es que para responderme una serie de preguntas hice ese texto juntando una serie de fragmentos que distintos críticos han hecho sobre mis libros.... salió un artículo estupendo sobre kawabata, impecable en su verosimilitud ... creo que se trata de una reapropiación... así como los críticos se sintieron con el derecho de escribir sobre mis libros así yo recupero las palabras que mis libros generaron, ¿la propuesta queda validada? Mario** (2008b)

3

“muchas veces tengo la impresión de que esa identidad —la identidad „literaria” de Bellatin— no es otra cosa que un trompe l’oeil, una especie de alias”. Disponível em http://www.elinterpretador.net/20AlanPaulsElProblemaBellatin.html

4

A operação já está presente em Lecciones para una liebre muerta e é realçada por Julia Azaretto: “Bellatin recurre a la técnica del sampling para insertar fragmentos de obrasprecedentes, convirtiéndose este autoplagio lúdico en el motor de la producción Azaretto, Julia: «Entrevista a Mario Bellatin. Es que eso es la escritura:el copista, el que escribe; el que escribe y no importa qué», Lyon:ENS, 2009, http://cle.enslyon.fr/74180799/0/fiche___pagelibre/(cons. 07-VII-2011) .

5

Conforme é assinalado por VERGARA, Plabo em “El vacío como gesto: Representación y crisis del sentido en la obra de Mario Bellatin” (2010) publicado na Revista Laboratorio, número 2.Disponível em http://www.revistalaboratorio.cl/2010/05/el-vacio-como-gesto-representacion-y-crisis-del-sentido-en-laobra-de-mario-bellatin/

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

709

TIEMPO VERBAL Y DISCURSO INDIRECTO: DIFERENTES ABORDAJES

Luizete Guimarães Barros UFSC-UEM “ Aunque las gramáticas se refieren a ella (la correlación temporal en el pasaje del discurso directo a indirecto) casi exclusivamente en relación a las estructuras complejas en las que una oración depende sintácticamente de otra (las llamadas “subordinadas sustantivas”, o r r e la ción ttee mp o r al, een n rrealida ealida d, rree mit o por ej.) y, además, enfocan el fenómeno con intención normativista, la cco lación mpo ealidad, mitee a alg algo mucho más amplio, que abarca todo lo referente de la expresión lingüística de las relaciones temporales existentes entre las situaciones.”(ROJO-VEIGA, 1999, p.2887)

Introducción

(2) “Pedro dijo que en setiembre del año que viene ya habría vendido más de lo que vendió este año”

Esas palabras de Rojo-Veiga nos sirven de

Tales formas se encuentran en gran número

inspiración porque dicen que ciertas gramáticas

de empleos de la lengua oral, así como la primera

reducen el tema de la expresión del pasaje de discurso

construcción muestra cierta frecuencia en el habla

directo-indirecto a unos cuantos ejemplos,

de hoy. ¿Hay datos de ese tipo en español escrito?

motivados por intención normativista y orientados sólo por la sintaxis del período. Este tema es más

El objetivo de ese trabajo es averiguar cómo

amplio, advierten esos autores, que encuentran en

se da la expresión del discurso indirecto en el

español actual datos que no se adecúan a esa

lenguaje periodístico castellano – y, para ello,

simplificación que excluye casos como:

utilizamos un corpus de lengua escrita que reúne datos de periódicos electrónicos de diversos países

(1)”Pedro dijo que en setiembre del año que viene ya habrá vendido más de lo que vendió este año”

Traducimos al castellano ese ejemplo de Fiorin (1996, p. 179), compilado en portugués y que trae el verbum dicendi en pasado seguido de subordinada en futuro, en oposición a la prerrogativa de ciertos esquemas que preconizan una única posibilidad en ese caso: la conjugación en condicional. En consecuencia, la construcción anterior está excluida de ciertos manuales didácticos que aceptan únicamente:

hispánicos, reunidos por Iandra Maria da Silva (2009) durante los años de 2005 y 2006 -, además de discutir la extensión del análisis de ese punto de acuerdo con diferentes abordajes lingüísticos. Examinamos materiales de orientación distinta morfosintáctica, semántico-discursiva y nocionalfuncionalista. Por considerar extensiva la explicación funcionalista, relacionaremos las ideas contenidas en el libro didáctico El estilo indirecto, de Óscar Cerrolaza Gili (2000), con los datos periodísticos colectados, con la intención de discutir ese tema.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

710 Problema

señala asociaciones que deben evitarse, porque, advertido sobre la alta incidencia de estos usos,

Esa cuestión nace de nuestra práctica como

reúne un puñado de correlaciones temporales

profesora, pues hace parte del currículo de la

consideradas poco usuales, tales como las que se

disciplina Lengua Española IV del curso de

muestran en la figura a seguir:

Secretariado Ejecutivo. Libros didácticos para Secretariado suelen reproducir esquemas destinados a soluciones que llegan a excluir formas cotidianas de la lengua. Es el caso de gramáticas de orientación morfosintáctica que tratan la transposición de estilos por una única forma y excluyen ciertas combinaciones frecuentes.

Abordaje morfosintáctico: Masip (1999, p. 198) escribe un libro de español para alumnos brasileños de Letras en que

DISCURSO INDIRECTO

DISCURSO INDIRECTO

NO SE USA

SE USA EN CAMBIO:

Referencia pasada:

Referencia pasada:

3)Pepe dijo que viene su amigo.

3`)Pepe dijo que venía su amigo.

Pret.Ind.

Pres. Ind.

Pret. Ind. Pret.Imperf.

4)José dijo que llegó su madre. Pret.Ind. Pret. Ind.

Pret.Ind.

5)María contó que visitará a su madre. Pret.Ind.

Fut.Ind.

Pret. Pluscuamp.

5`)María contó que visitaría a su madre. Pret.Ind.

Condicional

Referencia presente:

Referencia presente:

6) María dice que llegaría José.

6`)María dice que llegará José.

Pres.Ind.

 

4´)José dijo que su madre había llegado.

Cond.

Pres. Ind.

Fut.Ind.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

711

ESTILO DIRECTO

ESTILO INDIRECTO

Presente – bebo

Pretérito imperfecto – bebía

Pretérito perfecto – he bebido

Pretérito Pluscuamperfecto – había bebido

Pretérito imperfecto – bebía

Pretérito imperfecto – bebía

Pretérito indefinido – bebí

Pretérito

pluscuamperfecto



había

bebido Futuro – beberé

Condicional – bebería

Condicional – bebería

Condicional – bebería

 

Figura 1 –Adaptada de Juan et al. 2007, p. 153.

Interesante notar que de acuerdo a esa exposición, no importa el momento en que se profiera la frase, es decir, a partir de una forma directa “José dijo: “Viene mi amigo””, el discurso reportado será: “José dijo que venía su amigo”. Si estamos esperando al amigo de José en el aeropuerto, por ejemplo, no cabe el empleo de la construcción con verbo principal en pasado y subordinada en presente, como: “José dijo que viene su amigo”. ¿El tiempo en que se profiere el enunciado no interfiere en la elección de su construcción?

“Comprender correctamente la cronología relativa y la correlación temporal exige tener en cuenta que las mismas relaciones temporales entre los acontecimientos pueden ser enfocadas de modos ncia, e xp r esa das d o nse cue di dee cuencia, divv e r sos yy,, e n cco distintas maneras. De una parte, la orientación con respecto a la forma verbal de la cláusula dominante no es la única posibilidad existente. Lo que se presenta habitualmente en las gramáticas como ruptura de la correlación temporal es el resultado de la prioridad concedida en ciertos casos a la orientación con respeto al origen, que no es contradictoria con la otra.” (ROJO-VEIGA, 1999, p. 2887)

De acuerdo con ese pensamiento, esos autores

Abordaje discursivo Respondemos esa pregunta con un breve repaso a la cuestión discursiva y otra vez nos valemos de las palabras de Rojo-Veiga (1999) para comprender que la orientación sintáctica no es la

ilustran ese tema por medio de un ejemplo extraído de Gili Gaya: “Para poner de relieve la incorrección de las reglas tradicionales de la consecutio temporum y mostrar que a un verbo principal en pasado puede seguir una subordinada en cualquier forma, Gili Gaya presenta el ejemplo:

única, ya que la consideración al momento de la enunciación permite una amplia gama de expresiones, conforme se lee en:

24) a. El observatorio anunció que se acerca de nuestras costas un huracán de dirección NE a SO. El boletín meteorológico añadía que las primeras ráfagas

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

712

alcanzarán a la isla esta madrugada.”(ROJO-VEIGA, 1999, p.2887)

construcción con verbo subordinado en presente

La explicación a ese tipo de construcción se

invita a buscar tratamiento que incluya tales casos, y

debe a la reacción que se quiere obtener por medio

que viene expuesto, por medio de ejercicios

de esa difusión. Es decir, como se prevé el paso del

didácticos, en un libro de Cerrolaza Gili (2000).

huracán para esa madrugada, el verbo en futuro advierte sobre el peligro del acontecimiento, motivo de la elección de esa forma temporal. Caso la expresión fuera otra, es decir, con el imperfecto y condicional, como en: 24) b. El observatorio anunció que se acercaba de nuestras costas un huracán de dirección NE a SO. El boletín meteorológico añadía que las primeras ráfagas alcanzarían a la isla esta madrugada.” (…) sabríamos únicamente que la situación expresada sería posterior al momento en que se emitió el parte, pero sería desconocida su relación con el origen, con lo que quedaría en el aire si el huracán ha llegado ya o va a llegar todavía. En cambio, al decir “alcanzarán” queda perfectamente claro que se refiere a la mañana siguiente. (ROJO-VEIGA, 1999, p.2887)

Esa observación de Rojo-Veiga (1999, p. 2881) es importante para que se comprenda la necesidad de ampliación de estudios que se limitan a examinar casos clásicos como “Nos dijo que había llovido la víspera”, formada a partir del discurso directo “Nos dijo: “ayer llovió”. La correlación en futuro, excluida del artículo de esos lingüistas que se dedican a realizar un estudio semántico-discursivo del sistema temporal castellano, nos llama la

siguiendo a principal en pasado. Esa frecuencia nos

Nuestra tarea es doble: reunir datos de discurso indirecto de la prensa escrita y explicarlos de acuerdo a un tratamiento que los abarque. Para ue anunció eso, empezamos con la combinación “an an unció qque se a c e r ca ca”, inspirada en Gili Gaya, de la cual presentamos algunos ejemplos: (1)” de la Asociación Mexicana de Escritores Científicos informó que de acuerdo con el Registro Histopatológico de Neoplasias del País, cien mil habitantes padecen esta enfermedad y muchos de ellos no saben que la tienen debido a que no hay síntomas. “Desafortunadamente puede no haber señales o síntomas en las primeras etapas del cáncer de colon, o pasarse por alto. Esta es la razón por la que los chequeos médicos anuales en personas mayores de” (México – La Crónica - 09-08-06) (2)”La actriz brasileña Alicia Braga, sobrina de Sonia Braga, la protagonista de “Doña Flor y sus dos maridos”, se encuentra en Lima, Perú, presentando en el X Encuentro Latinoamericano de Cine la cinta mexicana “Sólo Dios sabe” en la que es coprotagonista. La joven de 23 años, años cuya belleza es similar a la de su tía, a pesar de haber realizado varias escenas de A qque ue no desnudo en sus trabajos, d e c laró a DP DPA piensa que su carrera se perfile como la de un símbolo sexual porque “ya no hay espacio” en el cine de nuestros días para ese tipo de personajes. (Argentina – La Nación- 09-08-2006)

atención y nos hace buscar otra explicación. Encontramos en un libro didáctico de orientación funcionalista la exposición que sigue.

El libro en cuestión no parte del discurso directo para crear el indirecto, sino propone actividades comunicativas de acuerdo a determinadas funciones. Cuando transmitimos una información sobre el

Abordaje nociofuncionalista

presente que se dio y que todavía es actual, empleamos “dijo que es…”(CERROLAZA GILI, p.

Aunque estemos en etapa inicial de análisis del material del corpus – hemos examinado unos trescientos datos, aproximadamente, - encontramos en ese reducido universo unos diez casos de

118).El primer ejemplo “informó que personas padecen de cáncer” trae la estadística actual, en función de advertir a la población contra los peligros de esa enfermedad. El segundo ejemplo es la expresión de una opinión, en estructura de “pensar” en presente

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

713

plantearon que no creen”. Además de esos casos,

traspasos, su relación con Capello, los 30 goles prometidos, la bienvenida del Bernabéu... A todo contestó, aunque con un tono un tanto alicaído. En principio comentó que no pensaba que pudiera estar para jugar 90 minutos ante el Atlético, aunque “sueño con volver a ser titular y con marcar goles de nuevo”. Habla el jugador del recibimiento del Bernabéu ante el Dinamo de Kiev y se emociona: “La verdad es que me sorprendió tanto afecto. No esperaba eso y la verdad es que estoy muy contento.

agregamos los siguientes:

(España – ABC - 01-10-2006)

siguiendo a un verbo de habla en pasado. Nuestro corpus presenta datos similares, con otros verbos de habla, como: “declaró que no piensa/afirmó que no piensa/aclaró que no piensa”. También expresan opinión formas como “expresó que no creen/ manifestaron que no cree/ agregó que no cree/

(3)”Necesariamente, los gobiernos deben cambiar esa voluntad histórica de mantener cerradas las puertas de la usina. La suma de esfuerzos debe llevar a que ese blindaje sea derribado”, sostuvo. Como Itaipú se trata de un ente binacional, “no quita que se pueda hacer un control. Si hay voluntad, es demasiado fácil. Los pretextos que se ponen no creemos que sean ciertas. Es urgente que se abran las El dipu ta do p or compuertas”, expresó Huerta.. diputa tad po Alto Paraná dijo que el ciudadano tiene el derecho a saber cómo Itaipú usa su dinero para “ayuda social”. (Paraguay – ABC - 02-02-06) (4) “Destacó que tan pronto dio a conocer su determinación de no causa, la juez se levantó y se fue demostrando su desconocimiento del Derecho. “No sabía que tenía que fijar la fecha de apelación”, dijo Cerezo. El abogado Harry Anduze dijo que no puede ofrecer una explicación sobre las mot nes d uez, aunque su” (Puerto Rico motiiva cio ciones dee la jjuez, – El Nuevo Día - 30- 12-06)

Pasado el partido, el jugador de fútbol hace la declaración anterior. Conviene recordar que nos preocupa más presentar casos proscritos a la secuencia sintáctica convencional, razón por la cual ofrecemos un solo dato del modelo anterior, aunque haya varios ejemplos en nuestro corpus. Como nos importa comprobar la frecuencia de formas excluidas de esquemas de orientación sintáctica, volvemos la atención a la segunda parte del ejemplo de Gili Gaya, a saber, la expresión en futuro en secuencia de forma verbal en pasado – “añadía que alcanzarán”. Cerrolaza Gili (2000, p. 110) postula que para transmitir informaciones dadas sobre el futuro que son todavía actuales y que aceptamos, se usa el verbo en futuro, conforme se ve en ese único dato encontrado:

Elegimos esos dos datos como ejemplo de transmisión de la opinión actual de una tercera persona. El periodista expresa el habla del diputado y del abogado como ideas en vigor en los tiempos en que las expone, motivo de la construcción de la subordinada en presente de indicativo. Desde este punto de vista, si la expresión fuera otra, es decir, “dijo que tenía”, en (4), o “dijo que no podía”, en (5), la elección del pretérito imperfecto de indicativo implica transmisión de informaciones dadas que ya no son actuales (CERROLAZA GILI, p. 101). Esa forma es frecuente en nuestro repertorio de datos periodísticos, de los cuales seleccionamos uno: (5) “MADRID. Muchas cosas tenía pendientes Ronaldo. Contar historias pasadas de frustrados

(6) “la ley en estos casos - bares y restaurantes mayores - entra en vigencia el próximo año, por lo cual tienen un par de meses más para habilitar la infraestructura de separación de ambientes. Así de simple. En los mall de todo el país está prohibido n, cceent nteer Pee te rse sen, encender un cigarrillo. Ro b er to P manag o r tal T o, explicó qque, ue, cco o mo een n manageer d dee l P Po Teem uc uco todo Chile, en este mall no se podrá fumar desde este lunes. Hace algunos días, a través de señalética, se ha estado informando a los clientes de la prohibición: “No tenemos las atribuciones legales para fiscalizar el consumo de tabaco dentro del mall, lo que sí, sugeriremos al cliente para que apague su cigarrillo. La fiscalización dependerá del Servicio de Salud”. Petersen explicó que no piensa que vaya a haber una merma en las más de 500 mil personas al mes que visitan los cien locales comerciales” (Chile – Diario Austral - 29-05-2005)

Según ese fragmento, la prohibición de fumar entrará en vigor, causa de la advertencia de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

714

este anuncio. Sin embargo, ejemplos de subordinada en condicional, que Cerrolaza Gili (2000, p. 110)

Nuestro autor opone datos a casos similares a

atribuye a la transmisión de información dada sobre

(7) – muy frecuentes en el material compilado - a otros

el futuro que ya no es actual, se presenta en datos

también numerosos que traen el pluscuamperfecto de

como el que presentamos junto al próximo caso.

indicativo en función de transmitir información sobre

Por esa razón, el extracto de texto a seguir cumple

el pasado (CERROLAZA GILI, 2000, p. 107), como

dos propósitos: transmitir informaciones sobre el

demostramos en:

pasado, en su parte inicial, y contar las medidas tomadas a partir de ese acontecimiento anunciado. Subrayamos las partes relevantes en el extracto a seguir, colocando en negrita la oración en cuestión, además se subraya la expresión verbal en examen: (7)”La empresa anunció que durante el fin semana dejó de funcionar inesperadamente una unidad de producción de gasolina de una refinería de Saint Croix cuya propiedad comparte jo la or ta con Petróleos de Venezuela S.A. El p dijo po tavvoz di reparación de la unidad unidad, que refina aproximadamente unos 150 mil barriles de crudo os se manas diarios, p o dría t o mar hasta d dos semanas manas.”No creo que nadie hubiera esperado que esto sucediera cuando comenzó la jornada, comentó Tom Bentz, corredor de la firma BNP Paribas Commodity Futures, de Nueva York. El mercado de la gasolina ha estado” (El Salvador – La Prensa Gráfica - 15-03-2006)

Ese párrafo ilustra dos funciones: la primera

(8)”Otro caso fue el del participante que hace esfuerzo insuperable para salir del mundo de las drogas. Este joven narró cómo había llegado a convertirse en adicto y los esfuerzos que ha realizado, con la ayuda del Refugio “Mi Pana”. “No sabía que existía una fundación como ésta llamada Refugio “Mi Pana” que está cumpliendo una labor extraordinaria por la juventud y por el ser humano, deben recibir todo el apoyo” (Venezuela – El Carabobeño - 27-08-2006)

Hay que aclarar que Cerrolaza Gili se detiene también en otras funciones de transmisión de influencias, ruegos y peticiones, cuya expresión en subjuntivo no cabe en el límite de esas páginas. Por esa razón, pasamos a un repaso final, que resume las funciones abordadas.

Conclusión

en que la información pasada todavía es actual, y que, según Cerrolaza Gili (2000, 118 – 149) se expresa en

Como la discusión presente en ese artículo

cualquier forma en pasado - “dijo que dejó de

se debe a la insatisfacción nacida de un esquema

funcionar” -, y la segunda demuestra una información

didáctico, destinamos esa parte final a una

sobre el futuro, en que el que escribe prefiere dejar claro

ilustración semejante que expone el material

que es la otra persona quien ha dicho sobre la duración

periodístico examinado de acuerdo a las ideas

de la operación de reparo a la avería en la refinería de

funcionalistas expuestas y que resumimos de la

petróleo. De esa manera, el tiempo y la actitud del

siguiente forma:

hablante ante lo dicho interfieren en la elección verbal, según ese abordaje de Cerrolaza (2000, p. 6-110) que considera aspectos formales, funcionales, discursivos y pragmáticos.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

FUNCIÓN:

FORMA:

1-Transmitir información sobre el

“ Academia Científica informó que 100 000

presente que se dio y que todavía es

personas padecen de cáncer”. Pret. Indef. +

actual.

Pres. Ind.

2-Transmitir informaciones dadas

“Ronaldo comentó que no pensaba jugar 90

que ya no son actuales.

minutos” Pret. Indef. + Pret. Imperf.

3-Transmitir informaciones dadas

“explicó que no se podrá fumar en este mal

sobre el futuro.

desde este lunes”

4-Transmitir informaciones dadas

“dijo que repararía la avería en dos semanas”

sobre el futuro, dejando claro que se

715

Pret. Indef. + Fut. Ind.

Pret. Indef. + Cond.

trata de palabras de otra persona. 5-Transmitir informaciones pasadas

“anunció que la refinería dejó de funcionar”

que todavía son actuales.

Pret. Indef. + Pret. Indef.

6-Transmitir informaciones sobre el

“dijo que había llegado a convertirse en adicto”

pasado.

Pret. Indef. + Pret. Plusc..

Referencias bibliográficas

MASIP, Vicente (1999): Gramática de español para brasileños. Barcelona: Ed. Difusión.

BARROS, Luizete Guimarães; OLIVEIRA, Leandra Cristina de (2009): Língua espanhola III – Gramática: teoria e prática. Curso de Licenciatura na Modalidade a Distância. Florianópolis: LLE/CCE/UFSC. CABRAL, Fátima Bruno; MENDONZA, María Angélica (2004): Hacia el español. Nivel Avanzado. São Paulo: Saraiva. CERROLAZA GILI, Óscar (2000): El estilo indirecto. Madrid, Ed. Edinumen. FIORIN, José Luiz (1996): As astúcias da enunciação – as categorias de pessoa, tempo e espaço. São Paulo: Ed. Ática. JUAN, Olga; AINCIBURU, Cecilia; ZARAGOZA, Ana; MUÑOZ, Beatriz (2007): En equipo.es - Curso de español de los negocios. Nivel avanzado B2. Madrid: Ed. Edinumen.

ROJO, Guillermo; VEIGA, Alexandre (1999): El tiempo verbal. Los tiempos simples. Em: BOSQUE, Ignacio, DEMONTE, Violeta. Gramática descriptiva de la lengua española. P. 2868 – 2934, v. 2, Madrid: Ed. Espasa-Calpe. SILVA, Iandra Maria (2009): As voltas que o modo dá: alternância indicativo/subjuntivo em espanhol. Tese de Doutorado. Florianópolis: UFSC. http://www.practicaespanol.com/pt/estilo-directo-estiloindirecto/art/287/ http://cuadernosdelengua.blogspot.com.br/2009/10/ ejercicios-con-estilo-directo-e.html

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

716

O USO DO PRONOME RELATIVO POSSESSIVO CUYO EM LÍNGUA ESPANHOLA: CONSIDERAÇÕES DESCRITIVO-ANALÍTICAS

Mailson dos Santos Lopes PPGLinC / PROHPOR / UFBA

1 Introdução enfraquecendo, na escrita e na oralidade, seja no Tem-se aqui como escopo apresentar algumas considerações advindas de um estudo monográfico que analisou, através de um corpus representativo de dados, o uso do relativo possessivo cuyo no espanhol peninsular contemporâneo, bem como o uso das estruturas substitutivas desse pronome. Através da análise de uma amostra de dados empíricos extraídos do Corpus de Referencia del Español Actual (CREA), abarcando registros orais ou escritos do espanhol ibérico atinentes ao

registro

culto

ou

popular,

havendo,

em

contrapartida, a ascensão de construções que o substituem na cadeia sintática. O estudo desenvolvido,

buscando

perscrutar

o

funcionamento do relativo cuyo e das estruturas que com ele concorrem, propõe a ilação de que é a evolução diacrônica da língua, a deriva, a responsável pelo declínio da forma canônica (visivelmente sintética) e a ascensão das construções inovadoras (claramente analíticas).

ano-base de 2004 (o mais recente que consta desse banco de dados) e subsidiando-se no arcabouço teórico da Linguística de Corpus (SARDINHA, 2000;

2 Fundamentação teórico-metodológica

MATTOS E SILVA, 2010) e em estudos sobre as construções

relativas

possessivas

(SOLER

MONREAL, 2002; HERNANDO CUADRAD O, 1998; CORTÉS RODRÍGUEZ, 1988; ÁLVAREZ MARTÍNEZ, 1987), pretendeu-se fornecer uma apreciação reflexiva sobre a configuração morfossintático-funcional dessas estruturas.

Há, sem dúvida, uma escassa vigência do pronome relativo cuyo nos registros orais e escritos em língua espanhola 1 . O declínio no uso do pronome cujo/cuyo em português e espanhol 2 , segundo Luis Cortés-Rodríguez (1988, p. 84), “[...] se faz favorecido tanto pela complicação de seu uso quanto pelos mecanismos substitutivos com que

Da observação de 2.463 averbações, pôde-se

conta o falante”3, permitindo que os utentes lancem

constatar que a produtividade do item cuyo vem se

mão de estruturas alternativas, que similarmente

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

717

cumprem a função nexo-pronominal desempenhada

de dados extraídos de “[...] um conjunto de textos

pelos usos prescritos pela norma gramatical.

científicos e técnicos armazenados em suporte

O uso do pronome cuyo, na fala ou na escrita, vem sido paulatinamente abandonado, dando lugar a outras estruturas sintáticas que, fornecendo significação análoga, passam a ser vigentes no uso culto ou coloquial. Essa substituição pode ser observada nos exemplos que seguem:

informático” 6 (2001, p. 170), o que, ao menos indiretamente, dá margem a um pensamento oposto ao que foi explicitado na Nueva Gramática, i.e., permite cogitar que o desuso das formas relativas possessivas tradicionais também atinge a esfera da linguagem mais burilada, achegada a contextos de formalidade.

(1) Ayer te llamó la chica que su padre es médico. [Diccionario Panhispánico de Dudas]. (2) Esta sinfonía, de la cual acabamos de escuchar la versión más famosa, es una de las cumbres de la música clásica. [Diccionario Panhispánico de Dudas].

Ainda que aponte os usos de substituição das formas tradicionais das relativas possessivas, a Nueva Gramática de la lengua española (2009) explicitamente assevera que tais comutações são próprias aos registros orais e escritos informais, recomendando que sejam evitadas em contextos de

A ideia acima exposta pode ser defendida tomando também por embasamento o pensamento de Mª Ángeles Álvarez Martínez (1987, p. 91), em artigo seu intitulado Los pronombres ‘el cual’ y ‘cuyo’, ¿dos relativos en desuso?, quando discorre que “Lo cierto es que cuyo es un elemento en franco retroceso en el uso, y que su presencia [...] aportan [sic] un sabor formal y ‘añejo’ a los escritos [...]”, sendo que tal forma não mantêm, nos usos escritos sincrônicos atuais, a vitalidade que possuíra em tempos passados da língua (1987, p. 91).

uso formal da língua, por serem inadequadas e

Trazendo consigo uma perspectiva de análise

impróprias às situações de formalidade (p. 1588-

empirista sobre os fatos linguísticos, as abordagens

1589), declarando que se restringem à “[...] língua

de cunho descritivo-variacionista vêm fomentando

oral relaxada ou espontânea [...], também

a produção de estudos que perscrutam o

documentada ocasionalmente na escrita, sempre em

funcionamento da língua pautado em contextos

registros informais [...], associando-se de modo

produtivos reais dos itens analisados. Dessa forma,

4

característico com a linguagem descuidada [...]” e

deixa-se de lado uma perspectiva que prescreve o

a registros informais (Nueva Gramática, 2009, p.

que deveria ser utilizado pelo falante e passa-se a

3358)

5.

uma visão em que o que mais interessa é o estudo Após constituir uma pesquisa de cunho

quantitativo sobre as construções relativas nos discursos técnico-científicos em espanhol, Soler Monreal (2001), que se reteve à produção escrita, garantiu que, de um cômputo total de 12.420 relativos apreendidos sob forma de corpus num universo de 985.221 palavras arroladas, o uso do pronome cuyo ficou restrito a apenas 3% dos casos, ou seja, 377 ocorrências. Observe-se que o corpus constituído pela pesquisadora citada foi um banco

dos usos linguísticos tais como se manifestam na comunidade de fala considerada. É sob esse prisma que a análise dos dados sobre os usos do pronome cuyo e os de seus suplentes foi realizada para compor este

breve

estudo,

sendo

uma

incursão

metalinguístico-descritiva inicial, pautada nos usos registrados no corpus sobre o qual incidiu.

718

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

3 Descrição quantitativa e análise qualitativa dos dados

Da análise dos exemplos, surgem algumas características do pronome em questão, que, com base na fundamentação teórica, são abaixo

Os dados coletados no CREA (2.463

apontadas:

averbações), que passam a constituir o corpus representativo para o exame dos usos coetâneos das estruturas relativas possessivas, a fim de melhor sistematizar a descrição e análise de suas características morfossintáticas, serão aqui agrupados em três categorias: 1) estruturas prescritas pela tradição gramatical (i.e., estruturas oracionais formadas pelo pronome cuyo e flexões); 2) estruturas aceitas, mas não prescritas pela tradição gramatical

a. Sempre ocorre em funções privativas, na qualidade de adjunto adnominal (ROCHA LIMA, 1984, p. 242, apud BURGOS, 2003, p.12). b. Precede um nome, concordando com ele em gênero e número; apresenta-se na posição de um adjetivo epíteto e exerce a função de complemento adnominal de posse, representando no enunciado relativo o ‘possuidor’ expresso por sintagma nominal antecedente (MATTOS E SILVA, 2010, p. 754).

(i.e., estruturas oracionais formadas por que + verbo tener); 3) estruturas recusadas e estigmatizadas pela prescrição gramatical (que subsistem na forma de quatro estratégias distintas: que + su/s + possuído, que + artigo definido + possuído, de + artigo definido + que e de + artigo definido + cual/es). Foram verificados todos os registros e averbações do vocábulo cuyo e flexões, o que contabilizou 742 ocorrências relativas ao ano de 2004, todas circunscritas à modalidade escrita da língua (oriundos de textos retirados da imprensa ou

c. El pronombre relativo cuyo funciona en la sincronía actual siempre como adjetivo que manifiesta variación de género y número. Es átono, y por ende no puede ser sintagma, y se cataloga como signo dependiente. Este pronombre nunca puede sustantivarse por medio del artículo, ni admite artículo el grupo sintagmático en el que aparece. Aunque la oración introducida por él está adjetivada, no puede sustantivarse por medio del artículo, al contrario de lo que sucede con otras oraciones de relativo. La oración que introduce actúa siempre como adyacente nominal de su antecedente, aunque el segmento en el que aparezca cuyo presente preposición. En estos casos la preposición es siempre del sustantivo acompañado por cuyo, y nunca de la oración de relativo. (ÁLVAREZ MARTÍNEZ, 1987, p. 89).

de produções literárias), o que pode ser visto como um indício corroborante do desaparecimento de tal

Da recolha das estruturas que substituem os

pronome nos usos orais hispânicos. Do total de

usos canônicos de cuyo, realizada nos textos tomados

ocorrências, apontamos algumas para compor o

como lastro teórico do estudo realizado, observou-

exemplário de usos escorreitos desse pronome:

se a ocorrência de cinco estratégias diferentes de substituição:

(3) San Gil recordó que esta obra, cuyo plazo de ejecución es de 18 meses, cuenta con un presupuesto de unos 4,8 millones de euros […] [PRENSA] (4) Ambos textos, para cuya aprobación se requería una mayoría de 300 votos, fueron adoptados por 402 votos bajo los aplausos del presidente Kuchma. [PRENSA]

Estratégia 01: que + su (s) + poseído(s) (6) […] mira yo conozco aquí el caso de unos gitanos que su mujer tiene seis niñas y un niño. (CORTÉS RODRIGUEZ, 1998, p. 85). Estratégia 02: que + artículo definido + poseído (s)

(5) El año pasado, los grupos más inflacionistas fueron la enseñanza, cuyos precios se encarecieron el 4,3 por ciento […]. [PRENSA]

(7) Me gusta el árbol que la flor es blanca. (DICCIONARIO PANHISPÁNICO DE DUDAS — lema cuyo).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Estratégia 03: de + artículo definido + que + restante de la oración relativa (8) Esta sinfonía, de la que acabamos de escuchar la versión más famosa, es una de las cumbres de la música clásica. (DICCIONARIO PANHISPÁNICO DE DUDAS — lema cuyo). Estratégia 04: de + artículo definido + cual (es) + restante de la oración relativa

719

nenhuma se configurou como uma forma possível de substituição do uso do pronome cuyo ou flexões. Já em relação às averbações registradas no corpus sob a forma que + artículo definido + poseído (s), identificados como estrutura 02, não foram ainda verificadas, em virtude de formarem um universo de 10.840 ocorrências, número muito elevado para se verificar num período tão abreviado como o foi para a elaboração de um trabalho de conclusão de curso.

(9) Se presentaron las autoridades recién nombradas, los cargos de las cuales aún no se nos habían comunicado. (ÁLVAREZ MARTÍNEZ, 1987, p. 84) Estratégia 05: que + verbo de posesión (tener) + poseído (10) Se casó con la chica que tiene un padre catedrático. (DICCIONARIO PANHISPÁNICO DE DUDAS — lema cuyo).

4 Conservação versus inovação na construção das orações relativas possessivas Percebe-se que há uma luta de forças entre, de um lado, as formas conservadoras formadas pelo pronome cuyo e, de outro, as estruturas inovadoras,

Passando da descrição das estruturas

gerando um diassistema de usos que, tende a

substitutivas presentes no referencial teórico para a

estabilizar-se, privilegiando e implementando uma

descrição e análise de tais estratégias no corpus

das estruturas em concorrência. Vislumbra-se,

representativo utilizado, apenas foram depreendidas

portanto, um movimento de variação ou de mudança

para análise duas delas, apreendidas da verificação

em curso, que cada vez mais vem se intensificando

total de suas ocorrências. Foram: que + verbo tener

em favor das formas mais novéis, com um célere

(apenas dois usos, num universo de 625 averbações)

desaparecimento, ao menos no português brasileiro,

e que + su + poseído (três usos, num universo de 508

do pronome cujo, que praticamente não mais faz parte

averbações). Reproduzimos uma averbação para

da gramática dessa língua (BAGNO, 2004, p. 85).

cada uma das estruturas:

Pensa-se aqui que não seria exagerado afirmar que o mesmo, ou quase o mesmo, vem ocorrendo no

(11) Entre ellos está el rocoto, un pimiento muy picante traído de África; la jengibre, que tiene un sabor parecido al limón y se utiliza para dar sabor al igual que aquí el perejil o el ajo […]. [PRENSA]

espanhol. Partindo-se do saber internalizado do falante, chegando-se

(12) Sus detalles aparecen recogidos en el plan del Alto Guadiana, una iniciativa de la Junta de CastillaLa Mancha que su presidente, José Bono, logró incluir en el Plan Hidrológico Nacional del PP (al que apoyó) y que en este momento se encuentra en información pública. [PRENSA]

De um total de 588 averbações observadas, possíveis a priori de serem consideradas como representativas da estratégia 03 — de + artículo definido + que + restante de la oración relativa —,

até

as

formulações

teóricas

metalinguísticas, fica patente que as forças da inovação encontram-se mais pujantes, ao mesmo tempo em que as formas conservadoras vão se descolorindo, artificializando-se, não sendo mais vistas como estruturas naturais da língua. Segundo Ribeiro (2009, p. 204), de tal forma vem sendo acelerada a substituição do cujo em português, que, quando este se realiza morfologicamente, geralmente apresenta erro de performance, o que indica ser “[...]

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

720 uma

estratégia

de

aquisição

tardia,

via

conflito/variação

entre

escolarização”. Daí se poder afirmar que já não mais

conservadoras

inovadoras

é um uso natural, intrínseco aos sistemas do

possessivas.

português e do espanhol, mas sim, uma construção artificial, um simulacro, apenas ainda usado em virtude de pressões provocadas por fatores como a escolarização, a prescrição gramatical e usos estilísticos.

e

as

configurações das

relativas

Ora, é evidente na constituição das formas pronominais cuyo/cujo um acúmulo (ou seja, uma síntese) de duas características sintático-semânticas: ao mesmo tempo em que comporta um sentido de posse, funciona também como conectivo, como nexo. É justamente esse caráter sintético dos

5 Considerações finais: uma ilação para explicar o abandono das formas cuyo/ cujo e a adoção de estruturas substitutivas

sobreditos itens pronominais em espanhol e em português que faz com que sejam sentidas como estruturas estranhas ao sistema do vernáculo, essencialmente analítico. Assim, na sua evolução temporal,

as

línguas

românicas

foram

Nesta penúltima seção pretende-se discorrer,

abandonando esse “corpo estranho” que era o cuyo/

de forma geral e preliminar, sobre a obsolescência

cujo, adotando novas estruturas de natureza

das formas pronominais cuyo/cujo, sob um olhar que

analítica, basicamente formadas a partir da quebra

a conceba como um fenômeno pan-românico, que

de cujus em duas funções, normalmente o que

atingiu ou vem atingindo todas (ou ao menos

(conectivo) associado a algum item que indique

muitas) das línguas derivadas do latim. Assim,

posse (adjetivos possessivos, verbo ter etc.). Assim,

pretende-se desdobrar a hipótese, já mencionada,

fica patente que as estruturas de substituição do

de que o processo de desuso do pronome relativo

pronome relativo cuyo/cujo constituem um processo

possessivo cuyo/cujo na língua oral e escrita vem

natural à língua, ligado à sua deriva, à sua evolução

atrelado ao processo de um desaparecimento prévio

temporal.

já no latim. Por fim, cabe apontar que a restrição do uso Os cognatos cuyo/cujo, como se pode

de cuyo/cujo em português e espanhol não é algo

perceber, advêm do latim cujus, -a, -um, forma

recente, mas remonta aos primórdios da língua.

genitiva singular do pronome relativo qui/quae/

Observa-se, para essas duas línguas, uma cadeia de

quod. É consensual a ideia de que o latim era uma

fenômenos que outrora já havia atingido o latim:

língua extremamente sintética, enquanto suas

desaparece, paulatinamente, o uso da sobredita

descendentes, as línguas românicas, formaram-se

estrutura como pronome interrogativo e também

praticamente no outro extremo, sob uma

sob a forma de relativas livres, i.e., com a omissão

perspectiva analítica. Afirma Poggio (2002, p. 92)

do antecedente, ou compondo enunciados

que, na passagem evolutiva do latim às línguas

completivos

neolatinas, “[...] os elementos morfológicos foram substituídos por construções sintáticas, i.e., o que em latim está expresso por uma forma de flexão, nas línguas românicas está expresso através da construção sintática”. Desse ponto de argumentação é que se pode iniciar aqui uma compreensão do

Pelos exemplos acima, vê-se que eram vários os usos sintático-semânticos do pronome cuyo, sendo que para o contexto hodierno, somente subsiste um deles, o de natureza nexo-possessiva, com antecedente explícito. Concorda-se aqui

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

721

plenamente com Bagno (2004, p. 85), quando

BAGNO, M. (2004). Português ou brasileiro: um convite à

assevera que

pesquisa. 4. ed. São Paulo: Parábola. p. 81-97. BURGOS, L. E. S. de. (2003). Estratégias de uso das relativas em

Todas essas perdas de função do cujo [e, por conseguinte, do cuyo] são bons exemplos do processo ininterrupto de análise substituindo síntese, que detectamos não só no português, mas nas línguas românicas em geral, e que explicam o atual estado moribundo do cujo na língua falada no Brasil.

(Mestrado em Letras e Linguística) — Instituto de Letras,

Encontra-se em franca decadência o uso das

cuyo, cuando y como en el español hablado: un ejemplo de

estruturas canônicas relativas possessivas, formadas por cuyo/cujo e suas flexões, tanto em espanhol como em português, sendo que, nessa última língua,

uma comunidade de fala afro-brasileira. 112 p. Dissertação Universidade Federal da Bahia, Salvador. CORTÉS RODRÍGUEZ, L. (1998). Los relativos cual, quien, discordancia en la enseñanza del español. Disponível em: . Acesso em: 12 set. 2010.

aparentemente, o fenômeno marcha a passos mais

HERNANDO CUADRADO, L. A. (1998). Sobre las

céleres. Se se observa um processo ininterrupto de

construcciones de relativo en español. Cuadernos de Filología

transição de síntese para análise, nada mais lógico

Hispánica, Madrid, n. 16, p. 255-265.

do que se pensar que há toda a possibilidade de as estruturas substitutivas de cuyo/cujo suplantarem as estruturas canônicas, fechando um longo ciclo de

MATTOS E SILVA, R. V. (2010). Estruturas trecentistas: elementos para uma gramática do português arcaico. Salvador: EDUFBA.

concorrência de formas que remontam à matriz de PENNY, R. Gramática Histórica del Español. (1993). Trad. de

tais códigos linguísticos, ou seja, o latim.

José I. Pérez Pascual & María E. Pérez Pascual. Barcelona: Ariel.

O uso do cuyo/cujo é já tido como um corpo estranho no sistema linguístico do espanhol e do português, cuja manutenção em alguns usos restritos ainda permanece, mormente, pela

POGGIO, R. M. G. F. (2002). Processos de gramaticalização de preposições do latim ao português: uma abordagem funcionalista. Salvador: EDUFBA.

influência conservadora do fator escolarização.

REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Banco de datos (CREA) [en

Contudo,

línea]. Corpus de referencia del español actual. Disponível em:

ainda

assim,

pode-se

postular

hipoteticamente a futura queda dos itens lexicais em questão, com a implementação absoluta das estruturas substitutivas de tais termos.

. REAL ACADEMIA ESPAÑOLA. Diccionario Panhispánico de dudas. Disponível em: . Acesso em 28 out. 2011.

Referências bibliográficas

RIBEIRO, I. (2009). As sentenças relativas. In: BAXTER, A.; LUCCHESI, D.; RIBEIRO, I. O português afro-brasileiro.

ÁLVAREZ MARTÍNEZ, Mª. A. (1987). Los pronombres el cual y cuyo, ¿dos relativos en desuso? Revista de Filología, La Laguna, n. 6 y 7, p. 79-92, 1987. ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA. (2009). Nueva Gramática de la Lengua Española. Madrid: Espasa Libros. 2 vol.

Salvador: EDUFBA. p. 185-208. SARDINHA, T.B. (2000). Linguística de corpus: histórico e problemática. D.E.L.T.A., v.16, n.2, p.323-367. SOLER MONREAL, C. (2002). Las construcciones relativas en el español científico-técnico. In: ASOCIACIÓN PARA LA ENSEÑANZA DEL ESPAÑOL, 12., 2001, Valencia. Actas... Valencia: p. 169-175.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

722

Notas

.

1

‘‘[...] que hoy es solo propio de la lengua cultivada” (ALARCOS LLORACH, 1994, § 136, apud HERNANDO CUADRADO, 1998, p. 260).

2

O que, segundo Ralph Penny (1993), associa-se à decadência do uso dessa estrutura já no latim (literário e não literário) e sua posterior extinção na quase totalidade das línguas românicas.

3

Tradução nossa.

4

Tradução nossa.

5

Na verdade, tais formas substitutivas não são exclusivas a contextos informais, visto que são também produzidas no âmbito da expressão escrita formal (p.ex., na imprensa jornalística), o que não corrobora, in totum, as assertivas expostas pela sobredita gramática.

6

Tradução nossa.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

723

A TRADUÇÃO DA IRONIA NA NARRATIVA DE MARIA ROSA LOJO

Maira Angélica Pandolfi UNESP, FCL/Assis

Na categoria de contos, objeto de nosso

argentinos tem buscado seu reconhecimento no meio

enfoque analítico, a escritora argentina Maria Rosa

intelectual. É o caso, por exemplo, da obra dedicada

Lojo já conta com aproximadamente seis obras de

a Eduarda Mansilha, Una mujer de fin de siglo,

grande repercussão nacional e internacional como:

escritora argentina do século XIX ignorada pelo

Marginales (1986); Historias ocultas en la Recoleta

cânone literário. A mulher também protagoniza em

(2000); Amores insólitos de nuestra historia (2001);

Las libres del Sur, com uma Victoria Ocampo que

Cuerpos resplandecientes (2007); O Libro das

luta contra a sociedade de sua época para anular o

Seniguais e do Único Senigual (2010) e Bosque de Ojos

silêncio ao qual estavam relegadas as mulheres.

(2011). Estes contos colocam em destaque a ficcionalização de poetas e escritores. Isso ocorre desde seu primeiro livro, onde a escritora realiza a recriação de Baudelaire e Garcilaso de la Vega até a representação ficcional do escritor argentino Eugenio Cambacères, da poetisa Augustina Andrade e do explorador científico Ramón de Lista em Historias ocultas en la Recoleta ou do político e escritor Domingo Faustino Sarmiento e seu antagonista Facundo em Amores insólitos de nuestra historia. Esteves (2011) considera que no conjunto da obra de Maria Rosa Lojo ocorre um deslocamento da voz nar rativa para a mulher, que desde a fundação de um sistema literário e cultural

Crespo Biturón (2008) também ressalta aspecto semelhante ao caracterizar as tendências presentes na obra da escritora argentina quando menciona que as obras de Maria Rosa Lojo colocam em questão as etnias marginalizadas como os índios, no caso americano, e os galegos, no caso espanhol, assim como as mulheres. A estudiosa afirma, contudo, que a escritora não as retoma com o objetivo de reivindicá-las ou idealizá-las, mas de resgatá-las para mostrar uma sociedade, sobretudo argentina, oriunda de uma cultura híbrida e com fronteiras cada vez mais invisíveis. Levando-se em conta as características peculiares da narrativa de Maria Rosa Lojo,

724

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

pretende-se expor a complexidade da tradução

atribui à ironia, alguém faz a ironia acontecer...”

literária, com base na experiência de orientação de

(HUTCHEON, 2000, p.22). Desse modo, Hutcheon

1

pesquisas de iniciação científica sobre a tradução de

vincula o efeito irônico ao processo de leitura e

uma coletânea de contos inseridos nas obras Historias

interpretação. Já Umberto Eco discute a questão do

ocultas en la Recoleta e Amores insólitos de nuestra

diálogo hermenêutico do ato tradutório, mas

historia. Esses contos foram selecionados com base

pondera sobre essa questão a partir de Gadamer

no ponto de vista feminino dos acontecimentos, sobre

(apud Eco, 2011, p.257) que considera que todo

a memória feminina destes ou que versam sobre a

tradutor é um intérprete, mas nem todo intérprete

condição da mulher em diferentes momentos da

é um tradutor. Gadamer assinala algo mais na tarefa

história e outras questões de gênero.

hermenêutica que parece fundamental para Eco, ou

George Steiner (2005), em suas reflexões sobre a tradução literária, expõe a problemática temporal da tradução ao afirmar que todo contexto é diacrônico e que, salvo a tradução simultânea, cada ato tradutório representa uma transferência do passado para o presente, concluindo que “o tradutor pode escolher a palavra e a estrutura gramatical certas, mas ele conhece sua história posterior; inevitavelmente, o espectro de nuanças é o de seu tempo e lugar” (STEINER, 2005, p.354).

seja, a de que a tarefa do tradutor se distingue pelo grau de intensidade de suas interpretações. Com base nessas considerações e com o olhar voltado para o discurso irônico da narrativa de Lojo e sua tradução, convém assinalar que partimos de uma concepção de ironia como uma forma de discurso que pode compreender o humor, a paródia, a intertextualidade e a interdiscursividade como elementos que podem participar ou não desse discurso.

Apesar disso, o autor salienta que uma certa

A modo de exemplo, uma das estratégias de

arcaização e deslocamento estilísticos são comuns

Maria Rosa Lojo no tocante à interdiscursividade

na arte da tradução e é freqüente que a escolha do

na estruturação de sua escrita irônica é a utilização

arcaico gere um híbrido, combinando formas

de epígrafes tomadas da Bíblia com a função de

variadas ora retiradas do repertório de seus mestres

intensificar a tensão ambígua desse discurso. Um dos

ora de convenções antigas que a fala moderna herda

casos mais evidentes da aplicação desse recurso é o

ou usa cerimoniosamente. A esse respeito, a

conto “Doña Felisa y los caballeros de la noche”

tradução das narrativas históricas de Lojo é sempre

(LOJO, 2007, p.175 - 197). Nesse conto, a autora se

desafiadora, pois ainda que sua linguagem seja

utiliza de uma passagem do Livro Eclesiastes que

fluente e moderna é comum a inserção de arcaísmos

funciona como epígrafe e que nada mais é do que

e outros recursos estilísticos que remontam a um

uma explicação do simulacro que caracteriza a

dado contexto de época por ela focalizado. Essas

ironia, com seu jogo de ser e parecer:

colocações de Steiner são fundamentais para a compreensão da dificuldade em se traduzir a ironia, visto que, em síntese, a atividade da tradução pressupõe sempre uma postura interpretativa que antecede sua prática. Linda Hutcheon afirma que a

“Hay vanidad que se hace sobre la tierra: que hay justos a quienes sucede como si hicieran obras de ímpios, y hay ímpios a quienes sucede como si hicieran obras de justos. Digo que esto también es vanidad” (Eclesiastes, 8:14 apud LOJO, 2007, p.177).

ironia não é ironia até que seja interpretada como

O conto, que mantém uma explícita

tal – “pelo menos por quem teve a intenção de fazer

intertextualidade com o gênero policial, relativiza

ironia, se não pelo destinatário em mira. Alguém

o maniqueísmo que lhe é próprio, buscando sempre

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

725

o descentramento das posições assumidas pelos

No tratamento que Maria Rosa Lojo confere

tradicionais “vilões” e “mocinhos”. Ao forjar o

ao discurso irônico também nos deparamos com a

sequestro do cadáver da mãe de uma família da alta

problemática suscitada pelo viés paródico de alguns

sociedade argentina do século XIX, o suposto vilão e

de seus textos. É o caso, por exemplo, do conto

cabeça do crime trava um tenso diálogo com a dama

“Tatuajes en el cielo y en la tierra” (LOJO, 2001, p.23

com quem negocia o resgate. Após o esperado

- 44), que narra o encontro entre duas culturas

desfecho em que um detetive, no caso o mordomo,

completamente distintas como a alemã e a dos índios

descobre a trapaça do embusteiro, esse franco

Xaraes e que visa sensibilizar o leitor para a questão

diálogo assinala quem de fato pode ser considerado

multicultural e também propõe uma releitura do

culpado. Entra em jogo, portanto, a vaidade,

processo de conquista da América e do “estranhamento”

severamente condenada no discurso bíblico e o

do outro. O homem americano está nu quando chegam

“suposto” bandido se converte em justiceiro aos

os conquistadores com suas couraças na pele e, pode-se

olhos do leitor que passa a enxergar na dama uma

acrescentar, nos olhos. André Trouxe (2006) faz uma

obstinada preocupação com a honra e não

reflexão sobre a colonização da América à luz dos

necessariamente com o paradeiro dos restos mortais

estudos de Edward Said sobre orientalismo. Trouxe

de sua mãe. A inversão irônica, nesse caso, consiste

explica que os conquistadores olharam para a

em “profanar” o discurso sagrado do qual se apropria

América tendo em vista os parâmetros culturais

o “suposto” ladrão de cadáveres que sequer pode ser

exclusivamente europeus. Desse modo, dominaram

condenado porque sua façanha de ter mudado o caixão de lugar não encontra guarida no código de leis da época e, portanto, o fato não se configura como um crime. Assim, ele se apropria desse discurso para torná-lo legítimo, visto que diante dos fatos é ele quem deve perdoar a dama que tenta feri-lo com seu discurso moralista. Por fim, é ele quem dialoga com o intertexto ou interdiscurso bíblico ao se dirigir à dama e dizer que “Ya se verá que algún dia, cuando todos seamos un montoncito de huesos, alguien volverá a contar esta historia” (LOJO, 2007, p.196). Esta peculiaridade da escrita de Lojo nos levou a considerar a tradução dos paratextos, no caso as epígrafes, com o devido cuidado que elas merecem, pois sabemos que os textos bíblicos apresentam as mais distintas versões e que poderíamos escolher uma delas desde que o versículo assinalado não prescindisse da palavr a “vaidade”, já que esta resguarda o sentido “nuclear” da intenção evidenciada na enunciação e que sua etimologia apresenta uma relação direta com a ideia de

o “outro” com suas couraças morais, religiosas e culturais. No entanto, embora este discurso seja exaustivamente repetido na história hegemônica oficial, verifica-se que a intenção de Maria Rosa Lojo em seu conto é justamente apresentar uma nova versão desse discurso onde a convivência com o “outro”, leia-se, o “conquistador”, também pode ser pacífica, nutrindo, no conto em questão, curiosidade e paixão de ambos os lados a fim de desconstruir a dicotomia: conquistador e conquistado. Em uma dada passagem do conto essa ideia de integração é reforçada quando Ximú, bailarina da tribo dos Xaraes, se agasalha com sua manta de algodão. Os desenhos tecidos na manta são de uma ave muito veloz que se alimenta principalmente de insetos e de um besouro cujas mandíbulas apresentam a forma de forquilhas parecidas aos chifres de veado. Aqui nos deparamos com uma das primeiras dificuldades de tradução: “Ximú se envuelve en la manta de algodón donde viven, bordados, ñandúes y pequeños ciervos” (LOJO, 2001, p.27).

simulacro. Para nossa surpresa, foram encontradas

O que no conto é designado de “pequeños

traduções muito diferentes desse mesmo texto bíblico.

cier vos”, a princípio, ser ia em português o

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

726

correspondente a “pequenos cervos”, um mamífero que

Referências bibliográficas

vive em bandos. Porém, em nossas pesquisas, descobrimos que estes besouros que se apresentam com

BRAIT, Beth (2008): Ironia em perspectiva polifônica.

a aparência de chifres recebem, em espanhol, o nome

Campinas: Unicamp.

de “ciervos volantes” ou, em português, “cervos

CRESPO BITURÓN, M. C (2008): Andar por los bordes. Entre

voadores”. Desse modo, a tradução literal de “ñandúes”

la Historia y la Ficción: el exílio sin protagonistas de Maria

ou mesmo “emas” convivendo com “cervos” ou “veados”

Rosa Lojo. Lérida: Universidad de Lérida.

não faria o menor sentido para a intenção integradora dos opostos que a autora busca enfatizar. Cervos e emas não se encontram em posição de predadores um

ECO, U (2011): Quase a mesma coisa. Rio de Janeiro: BestBolso.

do outro na natureza. Ao contrário, deseja-se

ESTEVES, A. R (2011): Fronteiras e trânsitos (Cartografias

apresentar uma ave que se alimenta não só de plantas,

do céu, da terra e do corpo em um relato de Maia Rosa

mas também de insetos, convivendo harmonicamente

Lojo). In: VI Congresso Brasileiro de Hispanistas – II

com estes. Optamos, portanto, pelo termo “pequenos

Congresso Internacional da ABH, 2011. Campo Grande.

escaravelhos”, pois a autora omite a palavra “volante”,

Hispanismo e fronteira – Anais do VI Congresso Brasileiro

que na cultura argentina é desnecessária para desfazer

de Hispanistas – II Congresso Internacional da ABH. Campo

a ambiguidade, assim concluindo a tradução: “Ximú

Grande: Ed. Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

se envolve na manta de algodão onde convivem,

CD-Rom.

bordados, nhandus e pequenos escaravelhos”. Isso

HUTCHEON, L (2000) Teoria e política da ironia. Belo

posto, confirma-se o jogo de ser e parecer que

Horizonte: Editora da UFMG.

configura a essência da ironia, pois nada é o que parece ser à primeira vista. A escrita de Lojo pede, instiga, provoca o leitor para que ele interprete este mosaico discursivo.

LOJO, M. R (2007): Historias ocultas en la Recoleta. Buenos Aires: Alfaguara. LOJO, M. R (2001): Amores insólitos de nuestra historia.

Constata-se, portanto, a dimensão discursiva

Buenos Aires: Alfaguara.

da ironia a ser traduzida “[...] como paradoxo

STEINER, G (2005): Depois de Babel: questões de linguagem

argumentativo, como afrontamento de idéias e de

e tradução. Traduzido da 3 ed. por Carlos Alberto Faraco.

normas institucionais, como a instauração da

Curitiba: Editora da UFPR.

polêmica ou mesmo como estratégia defensiva” (BRAIT, 2008, p.73).

TROUCHE, André Luíz Gonçalves (2006): América: história e ficção. Niterói: EdUFF.

Nota 1

As pesquisas estão sendo realizadas sob minha orientação com o apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à pesquisa no Estado de São Paulo). Até o presente momento, as traduções consistem nos Projetos: “Contos traduzidos de María Rosa Lojo”, executado pela pesquisadora Gabriele Franco e “Tradução comentada de Amores insólitos de nuestra historia”, executado pela pesquisadora Tânia Navarro de Souza.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

727

AIRE DE LAS COLINAS, CARTAS A CLARA. CARTAS PESSOAIS DE JUAN RULFO.

Mara Gonzalez Bezerra CAPES/PGET/UFSC

1. Ponto de saída

As cartas nos permitem entrar na intimidade de um dos maiores escritores mexicanos e vislumbrar

Após quatorze anos da morte do escritor

um pouco da gestação de seu romance e contos.

mexicano Juan Rulfo, em 2000, foi publicado Aire

Juntas, as cartas completam uma lacuna

de las Colinas, Cartas a Clara. O livro reúne oitenta

desconhecida sobre a vida do escritor para a grande

e uma cartas escritas por Juan Rulfo para Clara

maioria dos leitores e pesquisadores de suas obras.

Angelina Aparicio Reyes, a sua companheira por toda sua vida.

O artigo se propõe apresentar e discorrer sobre o período anterior à fama. Vários fatos pessoais

A organização e a escolha de cada carta foi

são mencionados por Rulfo, principalmente quando

realizada por Clara. Houve uma troca de

escreve para Clara sobre os contos e o romance que

correspondência entre eles, porém apenas as escritas

escreve.

por Rulfo foram selecionadas. As cartas totalizam um período de seis anos, datadas de outubro de 1944 a dezembro de 1950.

2. As cartas e sua importância para leitores e pesquisadores

Rulfo escreveu, inicialmente com a intenção de manter o namoro com Clara porque ela morava em Guadalajara, capital de Jalisco e Rulfo tinha se mudado para Ciudad de México, a capital. A publicação mostra um período em que Rulfo ainda não era o escritor consagrado, apenas uma pessoa apaixonada e interessada em namorar e casar-se com Clara.

As especulações sobre a vida pessoal de Rulfo sempre existiram, e o que se sabe é que era reservado, de poucas palavras. Tinha uma vida discreta e não a tornava pública. Concedeu poucas entrevistas após se tornar uma celebridade literária. Aire de las Colinas, Cartas a Clara e Los cuadernos de Rulfo são duas obras que permitem ao

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

728

leitor entender um pouco mais sobre a vida pessoal

O cotidiano narrado permite uma leitura

e a composição da obra literária de Rulfo. As cartas

sobre pistas de sua obra e como foi a escrita de seus

preenchem algumas lacunas desconhecidas sobre a

livros.

vida do autor. O desejo de saber da vida do outro é inerente ao ser humano por isso estamos de acordo com

3. As cartas apontam a obra do futuro escritor

Cardoso ao ressaltar: O que permanece insistente é o desejo de desvendar o segredo do outro. (CARDOSO,

As cartas são reconhecidas pelos críticos e

2000, p.333). A publicação em geral de coletâneas

amigos como a mais autentica expressão intima de

de cartas é bem recebida pelo público, porque se

Rulfo. São registrados diversos aspectos como o

torna um veículo de aproximação para leitores e

cotidiano, opiniões sobre o que lê, o que escuta e o

pesquisadores, um voyeurismo intelectual.

que vê, assim como os relatos de suas experiências

Ainda, Cardoso salienta outro problema em

como empregado de uma fábrica de pneus, o seu

relação ao acesso as correspondências, ela diz: As

posterior emprego como funcionário público, e

cartas pessoais trocadas por cidadãos comuns escapam

conta sobre as amizades que detêm. Explana sobre

do poder do pesquisador e é preciso esperar que o acaso

suas viagens, seus interesses, seus sonhos, seus

as torne accessíveis a análise. (CARDOSO, 2000, p.

desejos. Quase nada fica de fora.

334) No caso de Rulfo, se Clara não as tivesse

O gosto pela leitura, os futuros lampejos de

guardado, o público em geral e pesquisadores seriam

sua atividade literária e o prazer de ir a uma livraria

privados de conhecer um pouco mais do processo

são visíveis na sua escrita para Clara. Ele nos

como escritor de Rulfo.

surpreende com a revelação do homem sensível e

De acordo com Cardoso, o que possibilita a

poeta que foi.

guarda de cartas pessoais são as memórias pessoais.

Expressões como este Juan tuyo ou con todo

(CARDOSO, 2000, p. 334); e se tornou evidente que

mi corazón são frequentes. Em todas há uma

para a esposa de Rulfo as cartas são um importante

declaração de amor finalizando cada missiva antes

testemunho daquele tempo em que estiveram juntos.

de sua assinatura. Rulfo foi um poeta que soube

O hermético, sisudo e silencioso autor de

seduzir pelo uso da escrita.

Pedro Páramo (1955) e El Llano en Llamas (1953)

Clara mostrou ao público um Rulfo

despertava a curiosidade das pessoas e em um artigo

apaixonado e que usou a escrita para conquistar e

de Gandolfo(s.d.) sobre as cartas de Rulfo, lemos o

manter um relacionamento, a exemplo do conselho

que o próprio Juan revela: Desde que yo me acuerdo,

de Ovídio para os conquistadores em Arte de Amar.

siempre fui un sujeto dado a estar solo; ni cuando era chiquillo me gustó andar con los demás, jamais

As cartas possuem algumas características:

imaginaria que sua correspondência sería revelada. A partir das passagens que apresentam é possível imaginar uma biografia ou ao menos a construção do pensamento de Rulfo a respeito de alguns fatos.

· Assuntos livres e de foro intimo e/ou sentimental, · O tamanho varia entre cartas de uma página e mais de uma página, algumas apresentam formas diferentes como uma escrita desenhada.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

·

Observa-se a ordenação cronológica delas,

729

As duas primeiras cartas são dois poemas, uma celebração ao amor e a esperança.

·

São oitenta e uma cartas durante um período de seis anos,

·

Um total de setenta e dois meses, o que resulta em uma média de uma carta para cada mês, apesar de que houve meses com mais cartas e outros sem nenhuma.

4.2 Período II – 1947 Neste segundo período se observam os preparativos para o casamento. O namoro via carta

Na época Juan tinha 25 anos quando começou

e as visitas ocasionais de Rulfo a Clara, mas aqui já

a escrever para Clara. A visão de mundo e da realidade

está delineado o escritor. Rulfo já começa a falar de

dura em que a sociedade mexicana vivia, anos depois

seus escritos e de alguns contos que ele publica e

seria refletida em seus contos e romance. Ao ler pode-

outros que são recusados.

se vislumbrar o pensamento e a construção da literatura de Rulfo.

ta X V, Juan comunica eufórico a Clara Na car carta XV que vão publicar seu conto: Nos han dado la tierra. Ao mesmo tempo em que comenta sobre a recusa de seu conto: Somos muy pobres, onde ele próprio

4. As cartas de Rulfo em três períodos importantes

declara que a recusa tenha sido por causa da sua escrita: no sé por qué me salen las cosas tan crudas y descarnadas. (RULFO, 2000, p.68). Ele próprio

Podem-se distinguir três períodos importantes na

reclama que seu estilo é árido e seco.

organização das cartas. Todas estão em ordem cronológica e as referências encontradas nelas as situam como uma fonte mais precisa sobre a vida de Rulfo.

Vale lembrar que esse estilo é que o faria diferente na sua obra literária e o distinguiria de tantos outros escritores. Posteriormente esses dois contos serão publicados no livro: El Llano en Llamas.

4.1 Período I – Outubro de 1944 a 1947

Na carta XII XII, datada a fins de fevereiro de 1947, lê-se sobre sua preocupação com as condições sociais

Neste período são as cartas que mostram o pedido de namoro, com a duração de três anos, um tempo imposto por Clara.

de seu país: Ellos no pueden ver el cielo. Viven sumidos en la sombra, hecha más oscura por el humo. Viven ennegrecidos durante ocho horas.(RULFO, 2000, p. 53).

A carta I mostra a poesía contida nas letras

Era funcionário da empresa Goodrich e se preocupava

de Rulfo: Desde que te conozco, hay un eco en cada

ao ver como os operários eram submetidos as duras

rama que repite tu nombre; en las ramas altas, lejanas;

condições de trabalho.

en las ramas que están junto a nosotros, se oye.

É possível que Rulfo reflita na sua literatura

(RULFO, 2000, p.23). Com essas palavras, começa a

algumas das experiências que ele teve ao viajar pelo

coletânea e já na carta II II, datada de outubro de 1944,

país apesar de que não falava muito ou se pronunciava

um ponto que chama a atenção é sobre os três anos

sobre questões sociais.

que Clara impôs a Rulfo como tempo para o casamento. Rulfo escreve: tres años no son nada. (RULFO, 2000, p.25).

Na carta XXIII datada de 3 de junho de 1947, vê-se de onde saiu o titulo do livro Aire de las Colinas, a forma carinhosa de Rulfo referir-se a Clara.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

730

ta X X V , de junho de 1947, (RULFO, Na car carta XX

verdade? Assunto para ser discutido largamente. O

2000, p.113) aparece mais um reflexo do escritor.

fato é que ele procurava o seu paradeiro e quando

Nesta carta lê-se ele mesmo diz que tem muitos tiliches

sabia onde estava enviava recados e se entende pelo

e seré tan tilichudo ou tenho tantas coisas velhas

contexto que eram escritos por meio de mensageiros.

guardadas ao explicar para Clara o quanto ele tinha de badulaques para transportar em sua mudança; esse dizer remete-nos a Pedro Páramo no fragmento em que Eduviges fala para Juan Preciado, quando este chega a Comala e procura hospedagem; tengo la casa entilichada. (RULFO, 2006, p.16). Na mesma carta ainda observa-se uma menção ao fato de que está tentando escrever algo e se de fato sair o escrito, se chamará Una estrella junto a la luna. Sabemos que esse era um dos nomes

Uma resposta depois de tantos anos informa de que Susana San Juan voltará para Comala. A perspectiva de ter o que sempre desejou e nunca conseguiu sensibilizou Pedro e será a palavra escrita, uma carta que dará a notícia: No por él, según me dijo en su carta, sino por tu seguridad, quería traerte a algún lugar viviente. Sentí que se abría el cielo. Tuve ánimos de correr hacia ti. De rodearte de alegría. De llorar. Y lloré, Susana, cuando supe que al fin regresarías. (RULFO, 2006 p.90).

provisórios de seu futuro livro Pedro Páramo e publicado apenas em 1955, quase oito anos após essa menção. Em uma das entrevistas concedidas pelo

O choro pelo retorno da amada remete ao fato de que a notícia da conquista de seu maior desejo se tornaria quase real.

professor Silviano Santiago, ao ser perguntado sobre

Cada vez que o mensageiro trazia a resposta

o narrador- protagonista e se há alguma identificação

do pai de Susana era a mesma: El señor don Bartolomé

dele com sua obra, respondeu que: um romancista

rompe sus cartas cuando yo se las entrego. (RULFO,

escreve sobre o que vivencia e sabe por observação e por

2006, p.90), mesmo assim ele continuou e não desistiu

leitura (TRIGO, 2008). Essa resposta de Santiago nos

durante trinta anos, isso até que um dia pai e filha

remete ao fato de que Rulfo ao usar a “carta” para

retornaram à fazenda Media Luna dos Páramos. O

consolidar o relacionamento no romance Pedro

pai morre e a filha se torna a “esposa” de Pedro.

Páramo possa ter refletido a sua própria experiência. A carta estará presente em sua obra literária

4.3 Período III – 1948 a Dezembro de 1950

assim como foi na sua vida pessoal. O leitor atento pode perceber no romance que o autor a usou para o momento mais importante da vida do personagem Pedro Páramo. Na ficção é a carta que funciona como o meio que anuncia o retorno de Susana San Juan dela para a fazenda da Media Luna.

A partir da chegada definitiva de Juan a Ciudad de México, em 3 de fevereiro de 1947 até o casamento em 1948, Rulfo viajou como representante comercial dos pneus Euzkadi, mas ele não gostava dessas viagens e o motivo era porque não desejava

Uma car ta convence Don Bartolomé a

ficar longe de Clara. Mesmo após o nascimento de

retornar com Susana para morar na fazenda. A

Claudia em 1949 e Juan em dezembro de 1950; Juan

grande paixão de Pedro Páramo sempre foi sua amiga

pai continua viajando e nessas idas e vindas continua

de infância Susana San Juan. Ele a buscou e a esperou

a escrever para Clara.

sempre. Nunca desistiu e se tornou o desejo que não tinha conseguido realizar, uma obsessão ou amor de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

A carta LXXXI de 13 de dezembro de 1950,

Clara

generosamente

731 selecionou

e

a última da coletânea, registra o nascimento de Juan

compartilhou as cartas com os leitores, e elas

Francisco. Juan, o pai, escreve:

mostram um Rulfo de carne e osso como qualquer outra pessoa, com desejos, sentimentos e frustrações.

Esta carta debería ir sin palabras. Sólo llena de besos y del gran cariño que te tengo. Molerte a besos en el gran molino de mi corazón, que tú has hecho tuyo, y poner mi alma desdoblada como una sábana para que tú envuelvas en ella a toda tu familia. (RULFO, 2000, p.312)

Fato que o aproxima ainda mais de seus leitores.

6. Referências bibliográficas

Os acontecimentos narrados em ordem

CARDOSO, Marilia Rothier In: GALVÃO, Walnice Nogueira

cronológica são fragmentos; pedaços de seu dia a

e GOTLIB, Nádia Battela. (org.) Prezado Senhor, Prezada

dia que ele remete à Clara. Rulfo não considerava

Senhora: estudo sobre cartas. São Paulo: Companhia das

suas cartas como uma obra literária, apenas

Letras, 2000.

endereçados a uma única pessoa e provavelmente jamais pensou que um dia seriam publicadas.

GANDOLFO, Elvio. Cartas y reediciones de Juan Rulfo. La voz profunda y oscura. Disponível em: . Acesso em: 28 fev. 2012.

5. Ponto de chegada RULFO, Juan. Aire de las Colinas, cartas a Clara.. México,

A imagem que se tem do Rulfo escritor de

Plaza y Janes, Areté, 2000.

face seria e dado a pouca conversa, é desfeita aos

_____. Los cuadernos de Juan Rulfo. Presentación Clara

poucos ao se ler sua correspondência pessoal.

Aparicio de Rulfo, transcripción y notas: Ivete Jímenez de Báez. México: Ediciones Era, 1995 (1a. Reimpresión).

As cartas apresentam uma narrativa de si de forma ordenada. Os fatos são escritos por ele em

_____. Pedro Páramo/ El Llano en llamas.4.ed. Buenos Aires:

sequência, cronologicamente, e mostram os

Booket, 2006.

pensamentos mais íntimos do escritor.

TRIGO, Luciano. Entrevista com Silviano Santiago. Disponível

As pistas de sua obra literária estão

em: .acesso em 10 agosto 2012.

ansioso, mas feliz e cheio de esperança. Faz-nos pensar que é o contrario de sua literatura onde ninguém consegue ser feliz para sempre. Em suas cartas pessoais, a esperança é presente o tempo todo e se concretiza na vida real de Rulfo. Na vida real, o desejo de final feliz, como nos contos de fadas, é lido de uma em uma.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

732

MARÍA ROSA LOJO: UNA ESCRITORA DE LOS BORDES

Marcela Crespo Buiturón CONICET/Universidad de Buenos Aires

Introducción

compuesta por exiliados de la Guerra Civil. Su padre había luchado en la marina de la República,

María Rosa Lojo se ha ido convirtiendo en

mientras su madre provenía de una familia

una de las escritoras argentinas más destacadas de

franquista, lo cual le hará vivir a la autora en un

los últimos años, no solo por su presencia en el

permanente entrecruzamiento de historias, muchas

mercado editorial, sino por el creciente interés

veces contradictorias, que servirán de antecedente

académico que ha despertado su obra. Varias tesis

a sus elucubraciones acerca del problematismo de

de maestría y doctorado están en marcha

acceder a la verdad histórica.

actualmente, a más de numerosos artículos de investigación que han sido editados por publicaciones científicas de diversos países americanos y europeos.

Asimismo, Lojo se mueve en un espacio intersticial entre la creación y la crítica literarias. Es poeta, pero también investigadora del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas

Esta ponencia es la primera, por lo tanto

de la República Argentina, lo cual supone que los

introductoria a su obra, de una serie de

límites entre ambos ámbitos no siempre quedan tan

presentaciones en tres mesas, coordinadas en

claros. Hay una permanente fluctuación entre

colaboración con el Dr. Antonio Esteves (UNESP-

propuestas ficcionales y problemáticas teóricas que

Assis, Brasil), bajo el título: “Abordajes críticos a la

entablan un diálogo fructífero en torno a

obra de la escritora argentina María Rosa Lojo”.

determinados cuestionamientos que son operativos

Lojo nació el 13 de febrero de 1954 en Buenos Aires. A los seis años, se mudó a Castelar, ciudad suburbana que se constituirá en un destacado escenario de sus ficciones. Sus padres llegaron a la Argentina en la última inmigración española,

tanto en uno como en otro de los mencionados ámbitos: los límites entre historia y ficción; la inscripción de una obra en un género literario; la pertinencia de la dicotomías clásicas (civilizaciónbarbarie, poder femenino-poder masculino, campociudad, entre otras), etc.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Breve recorrido por los bordes de la obra de María Rosa Lojo

La casi omnipresencia de este eje vertebrador de su obra resulta esclarecedora para abordar una

Tanto los textos que pueden inscribirse en su producción ficcional como metaficcional han ido creando el universo literario de la autora, el cual gira alrededor de una serie de cuestiones que comparte con otros escritores que le son contemporáneos:

733

La

problemática

de

la

postmodernidad (tratada también por otros escritores argentinos como Esther Cross, con Crónica de alados y aprendices; Rodolfo Fogwill, con Muchacha punk; Juan Forn, con Frivolidad; Alan Pauls con Wasabi, etc.); la reformulación de la historia argentina y americana (por Marcos Aguinis, con La gesta del marrano; Eduardo Belgrano Rawson, con Fuegia; Laura Del Castillo, con Borrasca en las clepsidras; Libertad Demitrópulos, con Río de las congojas; Mabel Pagano, con Lorenza Reynafé o Quiroga: la barranca de la tragedia; Héctor Tizón, con Luz de las crueles provincias; etc); la elaboración estética de la violencia colectiva reciente y el exilio (por Jorge Asís, con Flores robadas en los jardines de

de las problemáticas más acuciantes que plantea en sus textos: la conflictividad identitaria, común tanto al hijo de inmigrantes y exiliados (tal es su caso) como al argentino típico (heredero de culturas centenarias y hasta milenarias, pero a la vez nacido en una nación joven, y jalonado, muchas veces, por diversos legados paternos). Lojo poetiza este conflicto: “... los gallegos, castellanos y andaluces (y algún moro y seguramente algún judío remotos) que dibujan las líneas de mi mano y se mezclan en mi propia escritura con la fascinación de un llano que los ignora...” (LOJO, 1993, p. 60) y reflexiona permanentemente sobre el tema en su obra: “Integrar el aquí y el allá en un centro nuevo capaz de producir vida y cultura autónomas, valiosas por sí mismas, sin culpas ni añoranzas que impidan o lastren el desarrollo creativo: eso es lo que todavía parece faltar en la conciencia comunitaria argentina, no sólo en la de los pensadores y literatos” (CRESPO BUITURÓN, 2008, p. 79).

Quilmes; Martín Caparrós, con No velas a tus

Pero si bien la experiencia del exilio es un

muertos; Liliana Heker, con El fin de la historia;

dato relevante en su biografía, habría que destacar

Rodolfo Fogwill, con Los pichyciegos; Mempo

que Lojo no ha encarado su obra desde una

Giardinelli, con La revolución en bicicleta; Daniel

perspectiva autobiográfica hasta Árbol de Familia –

Moyano, con El vuelo del tigre; Carmen Ortiz, con

aunque con serios reparos a la inclusión de este texto

El resto no es silencio, etc.); y la desconstrucción de

en ese género, que no trataré en atención a la

la imagen femenina tradicional (por Alina Diaconú,

brevedad de esta ponencia-, uno de sus últimos

con Cama de ángeles; Angélica Gorodischer, con

títulos, aparecido en 2010, en el que reconstruye la

Floreros de alabastro, alfombras de Bokhara; Marta

historia de sus antepasados maternos y paternos,

Lynch, con No te duermas, no me dejes; Reina Roffé,

enfrentados por la Guerra Civil Española. Dividida

con La rompiente; Alicia Steimberg, con El árbol del

en dos partes, en dos mitades al igual que España, la

placer, etc.).

novela de Lojo hace dialogar sus orígenes: el gallego,

Pero sin duda, la inmigración y el exilio españoles en Argentina son temas recurrentes en la obra de María Rosa Lojo, desde breves y solapadas alusiones en sus poemas, hasta ejes temáticos de sus novelas y ensayos.

en el primer título “Terra pai” (tierra del padre) y el castellano, en el segundo, “Lengua madre”. Y en una sucesión vertiginosa de historias fragmentarias, la autora va entretejiendo los secretos ocultos que delinean su propia identidad. El único antecedente concreto a esta propuesta es su Autobiografía de una

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

734

exiliada hija (2006), preparada para ser presentada

del Gobernador de Buenos Aires, y Eduarda Mansilla,

en el congreso Sesenta años después, el exilio literario

hermana del mencionado Lucio Mancilla); el fin del

republicano, organizado por el Gexel (Grupo de

siglo XIX y los principios del siglo XX ( en Historias

Estudios del Exilio Literario) de la Universidad

ocultas en la Recoleta, Amores ocultos de nuestra

Autónoma de Barcelona, en colaboración con la

historia, Las libres del Sur – en la que narra la vida de

Universidad de Lleida y la Universidad Rovira i

Victoria Ocampo entre 1924 y 1931, sus relaciones

Virgili de Tarragona en 1999.

con el universo cultural de época, especialmente con

Huellas –más o menos ocultas– de esta

Ortega y Gasset y Tagore-, entre otros.

problemática también se descubren en su obra

Sus ficciones, así como las de otros escritores

poética: Visiones (1984), Forma oculta del mundo

que transitan el género, tienen su modelo formal y

(1991) y Esperan la mañana verde (1998), su primer

pragmático en el relato historiográfico, pero también

volumen de cuentos titulado Marginales (1986) y su

en las tradiciones populares y en la narrativa

apertura a la novelística con Canción perdida en

histórica que le precede. Una de las tantas pruebas de

Buenos Aires al Oeste (1987).

ello que pueden citarse es la identificación –por parte

A partir de La pasión de los nómades (1994), se evidencia en la obra de Lojo una notoria orientación hacia la narrativa de corte histórico, el cual adquirirá progresivamente un mayor relieve con La princesa federal (1998); Una mujer de fin de siglo (1999); Historias ocultas en la Recoleta (2000); Amores insólitos de nuestra historia (2001); Las libres del Sur (2004); y Finisterre (2005). La preponderancia de personajes decimonónicos –detalle relevante si se considera que este siglo se caracterizó por el afán más activo por forjar la identidad nacional en Argentina- es una constante en su narrativa histórica, aunque Lojo también convoca, recrea o inventa anécdotas de otras épocas de la historia nacional: la época colonial (en Amores insólitos de nuestra historia, por ejemplo); la época virreinal (en Historias ocultas en la Recoleta); el proceso de independencia y constitución nacional de la República Argentina (en esta etapa se inscriben la mayor parte de sus cuentos, en los que desfilan personajes tales como: Facundo Quiroga, Marco Avellaneda, Florencio Varela, Domingo Faustino Sarmiento, Bartolomé Mitre y su hijo Jorge, etc) y las novelas La princesa federal y Una mujer de fin de siglo, cuyas protagonistas son Manuela Rosas, hija

de la crítica y por declaraciones de la misma autorade la obra decimonónica de Lucio Mansilla, Una excursión a los indios ranqueles, como hipertexto de La pasión de los nómades; asimismo, la publicación de dos peculiares volúmenes de relatos de Lojo titulados Cuerpos resplandecientes. Santos populares argentinos (2007), y más recientemente, O libro das Seniguais e do único senigual1 (2010), que atestiguan su interés por el imaginario colectivo de las tradiciones populares y del universo mítico-religioso argentino y gallego respectivamente. Esta tendencia a deslizarse por los bordes entre la historia y la ficción es explicada por Lojo, dibujando así una suerte de poética, en la que se evidencia el entrecruzamiento del discurso ficcional, biográfico y historiográfico: Creo que es transformar datos en historia viva, documentos en narración, retratos de museo en personajes que me hablan y terminan siendo para mí tan íntimos y cercanos como miembros de la familia... Los que hacemos novela histórica contamos con el espacio poderoso de la conjetura: el mundo virtual del pensamiento, el lenguaje secreto, fuera del espacio público, los ricos dominios de la interpretación. No tenemos por qué modificar la historia. ¿Pero quién nos impide multiplicar las hipótesis, construir espacios de debate y conflicto interior, mezclar a los personajes de la historia empírica con personajes totalmente

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

ficticios, encontrar apócrifos diarios íntimos, o escribir cartas que den otras versiones posibles para los mismos hechos? (CRESPO BUITURÓN, 2008, pp. 90).

735

grandes oscilaciones, permanentes cuestionamientos, avances y retrocesos, en pos de una posible anulación del efecto del éxodo paterno y la constitución de una figura nueva, inscrita en un espacio intersticial –un borde-, desprovisto de dicotomías negativas, en el

Algunas conclusiones posibles

que sea posible integrar las diferencias, desde el que Esta exiliada hija que es María Rosa Lojo tal

pueda elaborar la imagen de su propia identidad:

vez solo ha estado intentando ensayar una y otra vez,

No renuncié a ninguna de mis tierras, a

a lo largo de su ya basta obra, el anhelado regreso de

ninguna de mis historias. Tengo una doble identidad,

ese destierro al que la ha condenado la nostalgia

así como una doble ciudadanía. La escisión, la

paterna por la tierra perdida, por el original familiar

ambivalencia iniciales, se han convertido en

que se ha ido convirtiendo en copia desleída en esta

intrincada riqueza. Puedo mirar a España desde la

tierra periférica que es la República Argentina. Y

Argentina y a la Argentina desde España. (LOJO,

probablemente, en la concepción ficcional de Lojo,

2006, pp. 95-96)

esto solo sea posible si acepta su condición de nómade, de ser vinculado a una Tierra universal que descrea de fronteras políticas y que, aunque anclándose en la

Referencias bibliográficas

reconstrucción de la historia de ambos legados (el español y el argentino), así como de sus innumerables

CRESPO BUITURÓN, Marcela (2008): Andar por los bordes.

puntos de contacto, apele a la restitución de una

Entre la historia y la ficción: el exilio sin protagonistas de

unidad primordial con las fuerzas más ancestrales.

María Rosa Lojo. Disponible en www.cervantesvirtual.com.

Como en una mitología, María Rosa Lojo

Consultado el 11/07/2012.

transitará por esta experiencia -en la que se imbrica

LOJO, María Rosa (1993): España (Argentina) en el corazón:

su propia historia familiar con la nacional (de ambas

Los hijos de la Posguerra. En: Revista del Hogar Gallego para

orillas: la argentina y la gallega) y la tradición

Ancianos, 50° Aniversario 1943-1993, pp. 60-61.

literaria a la que pertenece-, atravesándola cual viaje iniciático. Del desarraigo más absoluto de Canción perdida en Buenos Aires al Oeste, pasando por

LOJO, María Rosa (2006): Mínima autobiografía de una exiliada hija. En: L’exili literari republicà, pp. 87-95. Tarragona: URV.

ardorosas elucubraciones teóricas –camufladas en la ficción- en La pasión de los nómades, para culminar viendo el camino que la conducirá a la consecución de la Utopía en Finisterre. Sin terminar allí, sino continuando hasta el presente, no se perfilará como un viaje lineal, ni mucho menos progresivo: habrá

Nota 1

El libro de las Siniguales y del único Sinigual. El texto ha sido publicado solo en gallego. La versión en español todavía permanece inédita.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

736

VERSOS E CORES DO PRADO

Marcelo Maciel Cerigioli PG-USP

Este texto apresenta parte dos resultados de

A estrutura do livro é triádica, ou seja, com

minha investigação de mestrado sobre o livro de

três grupos de poemas: alguns dedicados a cores,

poemas A la pintura (1948), do espanhol Rafael

outros, a pintores e os demais, aos elementos da

Alberti. Para tanto, é apresentada uma síntese das

pintura. O objeto de estudo deste artigo são os seis

análises dos poemas sobre cores, uma parcela

poemas sobre cores de A la pintura: “Azul”, “Rojo”,

representativa dessa pesquisa.

“Amarillo”, “Verde”, “Negro” e “Blanco”.

Rafael Alberti Merello nasceu em 1902 em

O poema “Azul” explora, na natureza e na

Cádiz. Mudou-se para Madri em 1917, conhecendo

pintura, as imagens da cor que foi bastante utilizada,

o Museu do Prado, que se tornou sua grande escola

por sua nobreza, nos quadros renascentistas dos

de arte, onde passava longos períodos dos dias

paises mediterrâneos.

estudando desenho e pintura a partir do acervo de quadros e esculturas.

Segundo Zardoya (1990, p. 168), o elemento mar em Alberti é um constante vínculo com a pátria

Após a derrota republicana na Guerra Civil

em muitos de seus poemas do exílio. A cor azul, na

Espanhola, Alberti e sua esposa se instalaram na

maioria das vezes, no poema, está relacionada ao

Argentina. No exílio, como poeta já consagrado,

mar, ao céu, às paisagens, aos pintores e às pinturas

em 1945 Alberti decidiu retomar uma grande paixão

mediterrâneas: da beleza de Vênus de Botticelli à

de sua vida, a pintura, publicando em 1948 um livro

pureza da Virgem em Fra Angélico, como nos

de poemas com o título de A la pintura - Poema del

primeiros versos do poema: “Llegó el azul. Y se pintó

color y la línea. Assim, em homenagem ao Museu do

su

Prado, o escritor experimentou a pintura como

Mediterráneo?. (ALBERTI, 1989, p.26)

temática e expressividade em poemas, unindo duas vertentes de sua vida artística, a pintura e a poesia.

tiempo

[…]

¿Cuántos

azules

dio

el

Em Alberti, o mar representa Cádiz e a mitologia greco-latina (GARCÍA TERRÉS, 1990, p.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

88). Desta forma, para o “eu”, o azul pintou o seu tempo,

destacando-se

principalmente

737

O poema “Rojo” explora essa cor na natureza,

no

no homem e na pintura. O poema se inicia com a

renascimento, simbolizado pela Vênus de Botticelli.

cor em primeira pessoa apresentando-se como

Entretanto, não se restringe a este movimento

natureza nas imagens de coloração vermelha

artístico, pois a cor está relacionada também à

intensa, como o nascer e o pôr do sol. Ambas sugerem

região, como se pode comprovar nas citações dos

a passagem do tempo, já que o sol é um indicador

seguintes espaços: Grécia, França, Espanha e Itália,

temporal. O decorrer do tempo também é marcado

ou seja, o mediterrâneo.

na referência à fruta —”Lucho en el verde de la fruta

No decorrer do poema são apresentados pintores que se destacaram no uso da cor azul na

y venzo” (ALBERTI, 1989, p. 44), indicando o processo de amadurecimento.

história da pintura segundo a visão do “eu”. São

Além disso, o poema introduz o homem e,

citados em ordem quase cronológica os seguintes

com este, o vermelho personificado em sentimentos

pintores: Fra Angélico, Rafael, Perugino, Tiziano,

como raiva, cólera, ira e excitação, substantivos

Poussin, Tintoretto, El Greco, Velásquez, Rubens,

abstratos que indicam o caráter muitas vezes intenso

Patinir, Murillo, Tiépolo, Goya, Manet, Renoir e

ou explosivo na humanidade. O vermelho também

Picasso, tentando transpor para a linguagem poética

se apresenta no consumo de vinho, evocando a

os detalhes da tonalidade utilizada por cada pintor.

imagem de Baco, representando a sensualidade,

Ao se definir, o azul apresenta-se como o pintor espanhol Velázquez e, ao final, também em primeira pessoa, transforma-se em Pablo Picasso,

como também ocorre na imagem mitológica de Vênus, representada pelo quadro Vênus adormecida, do pintor Giorgione.

uma alusão a sua fase azul: “Dijo el azul un día: / —

Na composição dos temas humanos o poema

Hoy tengo un nuevo nombre. Se me llama: Azul

também recorre a Flandes e Rubens, pintores da

Pablo Ruiz, Azul Picasso.” (ALBERTI, 1989, p.30)

escola flamenga. O primeiro é um pintor

Segundo Salinas de Marichal (1963, p. 4), Alberti, em seu livro, apresenta o homem que perdeu o paraíso infantil e a sua paisagem, o mar: “Es un mundo submarino situado en un más allá que está bajo el terrestre. Sorprende esta búsqueda del paraíso hacia abajo puesto que en general los soñadores de paraísos buscan hacia arriba, hacia los cielos.”

renascentista de temas religiosos cristãos e o segundo é o pintor barroco que enfatizava as cores em movimento, associadas à sensualidade e à orgia. Assim, o poema vai do sagrado ao profano, construções humanas extremas, sem suprimir a miséria humana, que está retratada no acervo do Museu do Prado por Brueguel e Bosch, autores de quadros sobre a escuridão e o inferno, além do anjo “Luzbel” ardendo em fogo, representando o

O azul neste poema está sempre associado ao mediterrâneo, tanto em relação à paisagem, normalmente o mar, como em relação à pintura, uma segunda natureza. Mesmo quando indica o céu, refere-se às pinturas clássicas dos tetos das capelas italianas.

demoníaco. O vermelho também está na pintura espanhola, através de quadros do Museu do Prado, com Velázquez, Goya, Rosales e Picasso. Assim, são retratados os símbolos da Espanha, como a imagem do intenso vermelho do sangue nas arenas de touros e nos movimentos da tourada, do toureiro e da

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

738

dançarina de flamenco. De acordo com García

muer te”, “Marfil oculto dentro de la carne”

Montero, na poesia de exílio de Alberti, a ferocidade

(ALBERTI, 1989, p. 60–61).

do touro é um elemento com o qual o povo espanhol se identifica: La fuerza mitológica de este animal nacionalizado, su destino de pelea, su nobleza y la derrota final en los ruedos encarnan perfectamente la historia del pueblo español, dejando siempre la posibilidad abierta para un retorno de lucha, para el resurgimiento de una cornada vengativa. (GARCÍA MONTERO, 1990, p.183),

Neste poema, a cor vermelha corporifica a Espanha de forma ampla e expressiva, pois consegue evocar a pátria, estando presente na pintura, no homem, nos pintores e nos quadros do Museu do Prado.

Em

paralelo,

a

cor

percorre

outro

movimento, que é o ciclo da alegria à tristeza e novamente à alegria: “Feliz, risueño, alegre, delicado / —Goethe, en estado puro”, “Soy la cera, la lágrima / caliente por el cuello de los cirios” e “Cuando rompo a volar y mi garganta […] suelta un oro de flautas repetidas, / le dan a mi alegría un amarillo” (ALBERTI, 1989, p. 59–63). Na mesma linha, a natureza também se apresenta em plena transformação: como natureza primeira e viva —”…Mas tengo el privilegio de ser verde / y desnudarme —otoño— en amarillo”, “A ti, elevado a pura trasparencia, / tenue, amarillo aéreo

O poema “Amarillo” explora a cor amarela e

de la rosa”, como segunda natureza, na pintura —

suas nuances na vida, na morte, na natureza e na

”Senos áureos, espaldas / —Tiziano— como finas /

pintura. Esta cor surge com a luz e a sombra,

rodelas de oro puro”— e como natureza morta: “Un

sugerindo o volume desde os versos iniciais: “Acciono

ordenado esférico amarillo / naturaleza muerta”

con la luz, soy un activo / cómplice de la luz contra la

(ALBERTI, 1989, p. 59–64).

sombra.” (ALBERTI, 1989, p. 59).

Esse trânsito do amarelo também pode ser

Neste poema a morte é dissecada, porém, esta

demonstrado a partir das mudanças cromáticas

não é definida de forma estática, e sim em trânsito,

assumidas por ele no decorrer do poema: “…Mas

no movimento da vida à morte: “…Mas tengo el

tengo el privilegio de ser verde / y desnudarme —

privilegio de ser verde / y desnudarme —otoño— en

otoño— en amarillo”, “Me amaso con la luz, y con el

amarillo” e “Hueso amarillo en polvo, desvelado /

rosa / de la carne me fundo y permanezco”, “Temo el

resplandor de la muerte en movimiento” (ALBERTI,

azul porque me pone verde”, “Me tuesta el ocre. El

1989, p. 59 e 62).

rojo / me excita y me suspende hasta la altura / naranja de la llama”, “El amarillo cromo, satinado”

O “Amarillo” mostra os extremos, indo da

(ALBERTI, 1989, p. 59–63).

vida, com o contorno e o volume, à pulverização do corpo humano, com a falta desse volume na morte,

Além das cores, o poema também transita pela

ou seja, o trânsito entre a vida e a morte, como nos

História da Pintura, citando em ordem cronológica

seguintes versos: “Me amaso con la luz, y con el rosa

os pintores Tiziano, Veronés, El Greco, Rembrandt,

/ de la carne me fundo y permanezco” (ALBERTI,

Zurbarán, Goya e Van Gogh, ordem adotada tanto

1989, p. 61).

pelo Museu do Prado como também, muitas vezes, por Rafael Alberti.

A cor amarela move-se do ouro ao osso: “Oro en el nimbo de los viejos santos. / Oro ingenuo

Neste caminhar, desde o surgimento do

labrado de Edad Media”, “El pálido amarillo de la

amarelo, na luz contra a sombra e nas descrições dos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

739

contornos, cores, misturas e tonalidades, o poema

Essa natureza representa a juventude perdida,

também sugere o efêmero, a brevidade e o transcorrer

a partir de seu fracasso na busca do passado, pois,

da vida, transmutação que é simbolizada pelas várias

embora se defina em primeira pessoa como

tonalidades do amarelo, em direção à morte e à

“esperança”, o verde se decompõe em “inveja” com o

posterior imortalidade artística através da pintura.

mergulho no tempo e a perda do passado, evocando

Desta forma, o “Amarillo” mostra o trânsito da vida

a terra natal, projetada nos verdes dos mestres do

em três fases: na primeira apresenta a vida, acionada

“eu”, pintores das obras que compõem o Museu do

pela luz, nos versos iniciais; na segunda fase, a imagem

Prado.

da morte, da vela e da lágrima e, na terceira, a imortalidade através da pintura, tratando das cores, quadros e pintores, terminando no arco-íris e nas leis geométricas.

Assim, no desfecho final o “eu-lírico” confirma o seu fracasso, pois não consegue captar a luz: “En la sombra persisto. / En la luz arrebato y borro todo”. O uso de “un día”, “en ciertos momentáneos”,

Após passar por várias transformações

acompanhados do condicional “si [...] pudiera”,

cromáticas, o amarelo retorna ao seu estado inicial,

indica algo irreal ou de improvável realização. O

original, puro, na estrofe final, apresentando o ciclo

desejo de fundir os pincéis que estão separados pelo

da vida, ou seja, dando ao poema o movimento

mar fica restrito à imaginação, nas memórias —

cíclico. Assim, a cor amarela representa a vida, que

”Desagradables verdes que dan gritos / en pinceles

só existe em seu próprio transcorrer, no trânsito por

que nadie ve ni escucha”, o que revela a solidão: “un

suas diversas fases.

verde, el más hermoso / de los verdes, que olvido o

O poema “Verde” explora esta cor e suas

no recuerdo” (ALBERTI, 1989, p. 78).

nuances na natureza e na pintura. Assim, o verde é

Neste poema o verde se associa à natureza e à

associado ao azul do mar —”yo soy el verdemar” —

pintura, que representam a juventude do “eu”, fase

, à primavera —”Tengo otro nombre: Primavera” —

da vida interrompida não só pela passagem do tempo

e às plantas: “copa, que los árboles”, “la hoja”, “tallo”,

e pela maturidade, mas principalmente pelo exílio

“ojival” e “olivo” (ALBERTI, 1989, p. 73–74).

do pintor na Argentina, do outro lado do mar.

Como tinta, o verde se mistura a outras cores,

O poema “Negro” explora a diversidade dessa

explorando a pintura em quadros de pintores

cor na pintura, começando com o revés da luz, em

famosos como Brueguel, Tiziano, Veronés,

comparação ao branco, e a exaltação do seu

Tintoretto, El Greco, Velázquez, Rembrandt, Rubens,

surgimento: “Dio su revés la luz. Y nació el negro”. A

Goya, Delacroix, Courbet, Cézanne e Renoir. Ao

partir de um buraco na luz, o negro entra em cena

final, o poema recorre aos impressionistas: “verde

para defender a sua beleza: “Y abrió un hoyo en lo

Francia / (Manet, Sisley, Monet, / Pissarro, Renoir)”

claro, un agujero / desde el que dijo: —Soy también

(ALBERTI, 1989, p. 77).

hermoso” (ALBERTI, 1989, p. 97).

Por outro lado, o verde também se apresenta

Se no poema seguinte o branco será a tela que

como primeira natureza, a partir do elemento água,

receberá a pintura, neste o negro é o traço que dá

ou melhor, na figura do mar que separa o “eu” da

forma aos contornos do desenho: “Negro como la

terra natal: “Claro, soy la Esperanza / Pero me

tinta, negro como / la que linea el cuerpo del dibujo,

descompongo y tengo entonces / cierto horrible

/ la que muerde la sombra del grabado”. O negro é

matiz: el verde Envidia” (ALBERTI, 1989, p. 74).

apresentado como antiface ou a face inversa do

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

740

branco, porém necessário: “¿Qué sería del fuego sin

imprescindível à pintura —”Dijo el blanco: —Yo

ti, qué de la lumbre / sin el negro carbón que la

puedo, / feliz, estar en todo, porque soy / la

sustenta?” (ALBERTI, 1989, p. 97 e 101).

imprescindible sangre” (ALBERTI, 1989, p. 116),

Tanto em relação à escola flamenga — Durero e Rembrandt— como em relação à

como base, fundo branco ou luz capaz de clarear as demais cores.

espanhola —El Greco, Carreño e Goya— o negro

A cor branca é associada a elementos bem

se mostra como negativo, triste, obscuro, associado

diversificados, relativos tanto à humanidade, como

à dor e à morte. Entretanto, nem toda pintura em

ao passado do “eu”, como, por exemplo, a colunas,

que predomina a cor negra necessita ser assim,

paredes, ilha de Creta, papel, cal, muros andaluzes,

negativa. É preciso olhar para as pinturas

populares, cidade de Cádiz, espuma do mar, pomba,

estrangeiras para observar a beleza da cor negra,

fantasma, marfim, etc. Essas imagens associam-se às

principalmente a pintura italiana, que mostra a

particularidades da paisagem mediterrânea ou da

alegria e a beleza do negro, defendidas pela própria

infância do “eu” na cidade de “Cádiz”, onde

cor desde os primeiros versos — “—Soy también

predomina esta cor, o que lhe dá um caráter

hermoso”, mostrando que a luz e o negro não são

autobiográfico, reforçado na menção do nome Rafael

excludentes: “Quisieron rehuirme, (...) Pero soy tan

Alberti: “Yo vi —Rafael Alberti— / la luz entre los

hermoso, / que llamado por ella a mí volvieron”.

blancos populares”. (ALBERTI, 1989, p. 116–117):

(ALBERTI, 1989, p. 97 e 101) O poema mescla o negro da alegria e da beleza, presente nos italianos Tiziano e Tintoretto, com o da tristeza e da morte de alguns pintores flamengos e espanhóis. O negro dos românticos é associado ao pesadelo, já o dos alemães é

A partir de ser mencionado o nome do autor Rafael Alberti, a pintura desenvolve-se e os pintores que se destacaram com a cor branca são citados no poema, como o Fra Angélico, Ucello, Piero della Francesca, Brueghel, El Greco, Zurbarán, chegando no auge do uso do branco na produção artística com os impressionistas franceses: “(Manet, Sisley, Monet, / Pissarro, Renoir...) (ALBERTI, 1989, p. 120)1.

apresentado como melancolia. Depois de Tintoretto, o poema cai na tormenta, para anunciar

Ao final, de forma cíclica, o poema retoma

o negro da Espanha. E no final, foca-se na imagem

as imagens iniciais, de fundo branco, base para a

posit iva dessa cor, com as belezas do negro

pintura —”Blanco puro, total, más prisionero / en

evaporado do impressionista Manet e a pureza do

un cuadrado, un círculo, un triángulo” e da

negro nas pinturas dos fundadores do cubismo, os

natureza: “Recordad que también yo soy la rosa”

pintores Juan Gris, Braque e Picasso.

(ALBERTI, 1989, p. 121).

No poema “Negro”, a cor não se apresenta na

Este é o sexto e último poema sobre as cores,

forma convencional, porém com dupla face. O

além de ser o único a citar diretamente o nome do

negro não é apenas o complemento dialético do

autor Rafael Alberti em seus versos. Nele, o branco,

branco, como negativo, triste e pesado, mas adquire

como base para a pintura, recorre à natureza, às

qualidades próprias, podendo ser também positivo,

paisagens mediterrâneas e andaluzas, às recordações

alegre e criativo.

do “eu” que desencadeiam as referências aos pintores que se destacam no trabalho com a cor branca. No

O poema “Blanco” explora as funções dessa

poema, o branco representa não apenas o fundo,

cor nas paisagens e na pintura, exaltando em

como plataforma para a pintura, mas se apresenta

primeira pessoa sua onipresença e seu poder, sendo

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Assim, a estrutura dos poemas é composta a

também como base para as memórias do poeta, ou seja, adquire um valor autobiográfico. Embora esses seis poemas possuam algumas características em comum, como o uso de versos livres, enjambement, e de estrofes como unidades

741

partir de narrações das cores na primeira pessoa do singular ao se apresentarem, de diálogos diretos com o leitor e do uso de descrições, dando-lhes o tom confessional do relato de um exilado.

independente. Além disso, cada um explora sua cor

Como entende Vicente Llorens (2006, p. 137–

na natureza, na pintura e em outros meios, de

142), em relação à imagem da pátria, no exílio o

acordo com suas particularidades na visão do “eu”,

poeta desterrado vê com os olhos da imaginação,

fazendo uso de menções a pintores, de descrições

recordando a terra distante, formas, contornos e

visuais e espaciais, e também de citações de

cores. Não só o Prado, mas também o mar, ambos

colorações, misturas e nuances.

citados nos poemas, podem representar essa imagem

Os pintores mencionados, em sua maioria,

mais ampla, como a pátria inteira.

são da coleção do Museu do Prado, chegando em

Como cada poema tem suas particularidades,

alguns versos a mesclar os nomes dos pintores com

consequentemente, cada cor possui suas simbologias

os das cores, como no poema “Azul”, por ejemplo:

específicas. No entanto, estas giram em torno do

“Lo bautizaron con azul los ángeles. / Le pusieron:

passado do “eu”, tanto no tempo, resgatando a

Beato Azul Angélico” e “Dijo el azul un día: / —Hoy

infância ou a fase adulta anterior ao exílio, como no

tengo un nuevo nombre. Se me llama: / Azul Pablo

espaço, evocando as pinturas do Museu do Prado,

Ruiz, Azul Picasso”; no poema “Rojo”: “Me vertí en

além de paisagens espanholas e mediterrâneas.

rosa — Renoir — y puse / un nuevo nombre — Renoir— al mío” e no “Blanco”: “— Dame la gracia

Assim, os poemas dedicados às cores, com as

/ de a Fray Añil volverlo más angélico / y de

menções aos pintores nos quais elas predominam,

empalidecer aún más el rosa” (ALBERTI, 1989, p.

propõem um roteiro de passeio pelo Museu do Prado,

27, 30, 47 e 118).

já anunciado no poema “1917”, como uma revisita de Alberti ao Museu, somente possível através da

Além disso, as pinturas e os pintores citados

memória.

muitas vezes são apresentados em grupos, por países e épocas, como escolas, do modo como o Museu do Prado divide a sua coleção. Outra característica

Referências bibliográficas

peculiar desses poemas é a personificação das cores, nos quais a cor pode aparecer como elemento unitário, persistente através do tempo, “en las

ALBERTI, Rafael (1989): A la pintura. (Poema del color y la línea. 1945–1976). Madrid: Alianza.

diferentes escuelas, estilos y pintores; como elemento caracterizador de las más diversas manifestaciones

GARCÍA MONTERO, Luís (1990): Alberti, Poeta del exilio.

de la materia; como elemento simbólico, de acuerdo

Em: Cuadernos Hispanoamericanos, Madrid, nº 485–486,

con una simbología tradicional o inventada”

p.183.

(ZULETA, 1971, p. 360), sendo comum neste livro

GARCÍA TERRÉS, Jaime (1990): El mar y la mar de Rafael

elas se expressarem em primeira pessoa, dizendo

Alberti. Em: Occidente, Madrid, nº 109, p. 88.

quem são e a que vêm, principalmente nos versos iniciais.

LLORENS, Vicente (2006): Estudios y ensayos sobre el exilio republicano. Sevilla: Renacimiento.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

742

SALINAS DE MARICHAL, Solita (1963): Los paraísos

ZULETA, Emilia de (1971): Cinco poetas españoles: Salinas,

perdidos de Rafael Alberti. Em: Ínsula, Madrid, nº 198, p. 4.

Guillén, Lorca, Alberti, Cernuda. Madrid: Gredos.

ZARDOYA, Concha (1990): Poesía y exilio de Alberti. Em: Cuadernos Hispanoamericanos, Madrid, nº 485–486, p. 168.

Nota 1

Vale lembrar que esses dois últimos versos mencionados, que citam os pintores, são exatamente idênticos aos versos do poema “Verde” que descrevem o verde da França.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

743

LITERATURA E DIREITO: O ENTRECRUZAR DE FRONTEIRAS EM ABEL POSSE

Márcia de Fátima Xavier Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

As três últimas décadas do século XX foram

jamais poderemos conhecer o passado a não ser por

marcadas por um crescente interesse pela temática

meio de seus restos textualizados” (HUTCHEON,

histórica. Verifica-se, nesse momento, um grande

1991, p. 39). Para o pós-modernismo, o passado só

volume de romances que se propõem a reler a

pode ser reconhecido por meio de seus textos: seus

História, principalmente a da Conquista e posterior

documentos, suas evidências; e até mesmo seus

colonização da América.

relatos de testemunhas oculares são textos.

Entra em cena uma nova forma de trazer a

Como se sabe, a relação entre História e

História ao romance, de forma a (re)elaborar

Literatura e suas implicações sobre o verdadeiro e o

criticamente a nossa relação com a temporalidade

falso, o real e o ficcional que tem se constituído tema

ocidental moderna. Mediados por uma reescrita

de um dos grandes debates teóricos dos últimos

anacrônica, irônica ou paródica, quando não

tempos já atravessa vários séculos. Pensando nessa

irreverente e grotesca, os novos códigos estéticos

aproximação entre discurso histórico e literário

do romance histórico contemporâneo questionam

centra-se em um dos pontos de reflexão da chamada

crenças e valores estabelecidos, ainda que nem

trilogia histórica do escritor argentino Abel Posse::

sempre tendam à dessacralização da História

Daimon (1978), Los perros del paraíso (1983) e El

oficial. A crítica literária canadense Linda Hutcheon

largo atardecer del caminante (1992), que tem como

(1991) classifica este tipo de romance como

protagonistas as personagens históricas Lope de

metaficção historiográfica, romances pós-

Aguirre, Cristóvão Colombo e Alvar Núñez Cabeza

modernos que afirmam, abertamente, somente a

de Vaca, respectivamente.

existência de “verdades no plural, e jamais uma só Verdade” (HUTCHEON, 1991, p. 146). Para essa pesquisadora, “o pós-modernismo não nega a existência do passado, mas de fato questiona se

Os assuntos focalizados nessa trilogia têm a ver com a Conquista e o encontro/choque de culturas que começam com a chegada dos europeus

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

744

à América. Em toda a pesquisa que venho

Diante desse postulado, o discurso narrativo

desenvolvendo há alguns anos, tanto nas análises das

e ficcional literário constitui-se como uma força

obras

documentos

problematizadora, que levanta questões sobre (ou

historiográficos da época, ficou evidente para mim

torna problemático) o senso comum e natural da

que todo o processo de conquista, exploração e

História e do Direito.

de

Posse, quanto

nos

colonização do Novo Mundo revestiu-se de grande importância a questão da regulamentação jurídica. Com a descoberta das novas terras, adquire significado uma pluralidade normativa constituída por um leque de direitos e obrigações que se entrecruzam: o velho e histórico Direito espanhol de matriz castelhana e a emergente “legislação indiana” que se vai legitimando, o chamado Derecho Indiano.

Pertencentes à mesma área do conhecimento, que do ponto de vista acadêmico convencionou-se chamar “Ciências Humanas”, e conforme sinaliza César Vergara Costa (2008), a relação entre Direito e Literatura não é algo novo, nem recente, uma vez que os primeiros documentos históricos que discutem o Direito são obras literárias: as tragédias gregas. O que há de evidentemente novo é o estudo sistemático desse entrelaçamento, cuja importância

Luiz Costa Lima, em Histór ia. Ficção.

em termos teóricos inicia-se no século XX, por um

Literatura (2006), apoiando-se em escritos de Jeremy

lado com a publicação em 1900 de uma lista de

Bentham e Hans Vaihinger, chama a atenção para o

romances judiciais, a List of legal Novels, de John

fato de a ficção não ser uma exclusividade da

Henry Wigmore (1863-1943); e por outro, do artigo

literatura. Para Bentham, “a palavra direito é o nome

“Law and literature” no The Yale Revue, publicado

de uma entidade fictícia; um daqueles objetos cuja

em 1925, do então conhecido juiz da Suprema Corte

existência é fingida para fins de discurso por uma

Norte-Americana Benjamin Cardozo (1870-1938).

ficção tão necessária que, sem ela, o discurso humano

Esses dois nomes, com maior destaque o de Cardozo,

não poderia ser levado a cabo” (BENTHAM, 1813-5,

serão os precursores de um estudo que ganhou força

p. 118, apud COSTA LIMA, 2006, p. 262). Em

na segunda metade do século XX, a partir dos anos

comentário sobre sua obra, Costa Lima (2008)

70 e que se afirma no seio das universidades norte-

explora mais profundamente a questão e cita como

americanas ao que se tem chamado de “Law and

exemplo de ficção necessária a noção de que todo o

Literature Movement”, sobretudo na divisão de

direito penal se baseia na ficção da liberdade.

correntes que se estabelecem entre os que vêem o direito na literatura, ou seja, o estudo de temas

Todo o direito penal, toda idéia de pena, parte do princípio de que há uma dita liberdade. Quantas vezes essa dita liberdade é verdadeira? Aprioristicamente o direito penal não pode pôr em dúvida de que há uma liberdade e se o direito penal não pode pôr em dúvida que há uma liberdade essa é uma ficção necessária, porque sem essa ficção o direito penal não funciona. [...] Ainda que o juiz saiba que dos 10 condenados à sua frente aquele miserável ali estava morrendo de fome quando roubou um pedaço de pão, não lhe seria possível inocentá-lo, porque todo o aparato penal supõe que o ato foi praticado a partir da opção exercida por sujeitos livres. Como a liberdade é a ficção necessária ao direito penal, o juiz não pode senão condená-lo (COSTA LIMA, 2008, p. 173-175)

jurídicos na Literatura e os que vêem o direito como literatura, os que utilizam práticas da crítica literária para compreender e avaliar o Direito, as instituições

jurídicas,

os

procedimentos

jurisdicionais e a justiça. Fora do território norteamericano, merecem destaque as contribuições de François Ost (2004), na Bélgica; Jacques Derrida (1992), na França; e Eliane Botelha Junqueira (1998), no Brasil. No prólogo de sua obra, Ost (2004) estabelece um diálogo com Platão e tece argumentos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

745

que nos permitem pensar tanto a favor quanto contra

exemplar (o “bom pai de família”, o “concorrente

o filósofo grego a respeito da relação entre Direito e

leal”); a literatura produz personagens, de naturezas

Literatura.

ambivalentes. Enquanto uma se desdobra no particular e no concreto, a outra se declina no

“Com Platão quando ele mostra o poder propriamente “constituinte” do imaginário literário, na origem das montagens políticas e das construções jurídicas. Contra Platão quando se trata de pôr o poeta sob tutela para preservar a integridade do dogma.” (OST, 2004, p. 11)

Conscientes do temível poder da ficção, os legistas da República, representados pelo homem do Direito, da realidade, que não revela seus

registro da generalidade e da abstração. Ost destaca a capacidade do Direito de mobilizar os recursos do imaginário coletivo. Afirma que nas histórias contadas e pleiteadas no tribunal, tecem-se a cada dia novas intrigas que são como a mediação entre a ficção oficial do código e as ficções urdidas pelos personagens singulares da vida real.

pensamentos e emoções, imparcial e sem feição,

No discurso ficcional de Abel Posse nos

querem manter os poetas — considerados como

deparamos com o choque entre os “direitos”

aqueles que abrem espaço para a ficção imaginativa

hegemônicos em ambas as sociedade, que se figura

— à distância para preservar a integridade do direito

por meio da narração de uma série de violações do

e da justiça. Para Ost, a relação Direito e Literatura

direito consuetudinário das sociedades indígenas

que se inaugura em Platão sob o signo do não-

pré-coloniais. Práticas que eram duramente punidas

acolhimento, ganha um outro significado quando

nas sociedades pré-colombianas são apresentadas na

lemos mais atentamente a resposta dos legistas aos

obra de Abel Posse como práticas comuns dos

trágicos, pois estes se dirigem aos poetas como

Europeus durante a Conquista. A ambição e a cobiça

“homens divinos”; concorrentes, enquanto autores

desenfreada dos europeus cresciam na medida em que

do mais magnífico dos dramas, o que somente um

as conquistas revelavam inumeráveis riquezas,

código autêntico de leis poderia encenar

fazendo com que os conquistadores optassem por

naturalmente. Segundo Ost, ninguém, nem mesmo o

maltratar e escravizar os índios, descumprindo

mais convicto dos representantes contemporâneos da

qualquer tipo de legalidade local.

corrente Direito e Literatura terá ido tão longe quanto Platão, pois, “ninguém terá ousado afirmar que a ordem jurídica inteira é a mais “excelente das tragédias.” (OST, 2004, p. 11) Sabendo da necessidade de ser vigilante, Ost distingue os respectivos discursos para, então, aproximá-los depois. Ao contrário do direito que codifica a realidade, a literatura libera os possíveis, suspende nossas certezas, libera o tempo das utopias criadoras. A literatura exerce, com frequência, o papel crítico por meio do cômico e da derrisão. O legislador nunca ri, ele jamais poderia comprometer sua retidão. O direito produz pessoas dotadas de

A pesar de la resistencia, las Ordenanzas se fueron imponiendo. Nadie se atrevía a discutir el poder legal. […]Los ultramarinos empezaron a vestir a las ángeles con “enaguas y ropas europeas” [...] Aparte de la ropa, la otra violencia a la que empezaron a recurrir, fue la de los golpes. En el grito lograban un reencuentro con un machismo que había quedado suspendido por falta de objeto dominado. (POSSE, 1989, p. 238-239)

Nesse momento da narrativa, os ocidentais já se apoderam do espaço conquistado, tanto pela exploração de seus recursos quanto pela imposição de costumes e pela violência sobre os “anjos” e perros do Paraíso.

direitos e deveres e lhes impõe uma máscara

Conforme observa Ditlev Tamn, em Direito e

normativa que geralmente são dotadas de um papel

Literatura: mundos em diálogo (2010), as novas terras

746

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

descobertas por Colombo, rapidamente obtiveram

demonio, ¡a ver que pasa!”(POSSE, 1987, p. 23) A

uma nova lei: a lei espanhola ou, mais precisamente,

personagem do escritor argentino se tornará um

a lei de Castela, à qual foi adicionada um número de

protótipo do homem americano em busca de sua

regulamentações concebidas especificamente para a

identidade. Aguirre estabelecerá um contraste entre

América e que viria a se constituir como a lei do

dois mundos enfrentados, por um lado a América,

território. Essa legislação será designada em espanhol

“en el implacable ciclo de leyes cósmicas que parecen

por Derecho Indiano. Por um lado, teremos leis que

recién establecidas” (POSSE, 1987, p. 11), e por outro,

justificavam o Direito espanhol, que autorizavam as

“la ambición y el temor, signos inconfundibles de

guerras e escravização dos naturais das novas terras

vitalidad europea.” (POSSE, 1987, p. 36)

encontradas e por outro, as regras protetoras dos indígenas, que denotam a emergência de um discurso libertador e emancipatório aos povos da América Latina.

É importante pensar que a juridicidade da operação de conquista do continente americano pelos espanhóis foi fixada antes mesmo da própria ocupação. No dia 03 de maio de 1493 o papa

Toda essa questão do Derecho Indiano também

Alexandre VI outorga aos reis católicos, personagens

está muito bem articulada na obra Direito e justiça

de suma importância em Los perros del paraíso, a Bula

na América Indígena: da conquista à colonização

de participação ou Bula Inter Coetera, que concede

(1998), organizada pelo professor Antônio Carlos

soberania, jurisdição e domínio à Coroa Espanhola

Wolkmer. Os pesquisadores que assinam os artigos

sobre o Novo Mundo. Portugal contesta tal concessão

dessa coletânea resgatam e analisam aspectos

e em 1494, por intermediação papal, firma o Tratado

constitutivos da legalidade que predominaram na

de Tordesilhas. Ciente do seu direito, o rei Fernando,

América Latina tendo como cenário os processos de

de Los perros del paraíso, irá utilizar de tal acordo

Conquista e Colonização: os princípios jurídicos que

para realizar sua empreitada de conquista: “El papa

fundamentaram a ação do europeu no continente

Alejandro fue claro en Tordesillas: todo lo que hay a

americano no período da Conquista, as justificativas

partir de 350 leguas al oeste de Cabo Verde, pertenece

adotadas para o tipo de tratamento dado pelos

a Espana.” (POSSE, 1989, p. 212)

europeus aos aborígines e as visões que se contrapuseram norteiam suas pesquisas.

Abel Posse, de forma muito recorrente, também põe em evidência a lei indígena em El largo

Conforme se sabe “no final do século XV, nada

atardecer del caminante. No trecho que se segue,

é mais importante na Europa que Deus. Ele é o

Cabeza de Vaca descreve as diferenças de aplicação

paradigma para todos os debates, para todos os

da lei entre a sociedade indígena e a europeia. “Creo

enfrentamentos.” (PIRES, 1998, p. 56). E, como

que los indios se asombraron de que nuestra justicia

também é bem sabido, será em nome desse Deus e da

no lo hubiese condenado a muerte. Habían visto

fé católica que se justificará a Conquista.

como ajusticiábamos a hombres por desertar o por

Provavelmente, pensando nessa questão, Abel Posse

robar bastimentos y les escandalizó nuestra

contradiz completamente essa idéia ao colocar em

pasividad ante Esquivel”. (POSSE, 2005, p.75)

cena Lope de Aguirre, o demônio, o “daimón” que se rebela contra o poder divino: “que [Felipe II] se quede con su Dios que yo prefiero mi Demonio. Y que si después de quince siglos de tanto cristo estamos como estamos que lo invito a probar del lado del

Deslegalizando qualquer tipo de infração, o que se verá nas obras de Abel Posse será a concessão de privilégios de uma aristocracia de segmentos brancos, nascidos na Espanha ou na América e a total

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

747

submissão de uma maioria despossuída e explorada

OST, François (2004): Contar a lei: as fontes do imaginário

como mão-de-obra escrava, composta por

jurídico. Trad. Paulo Neves. São Leopoldo: Ed. Unisinos.

indígenas, negros e mestiços.

PIRES, Sérgio Luiz Fernandes (1998): O aspecto jurídico da

Contudo, apesar das constantes violações do

conquista da América pelos espanhóis e a inconformidade

direito protecionista do índio, há que se destacar,

de Bartolomé de Las Casas. Em: WOLKMER, Antonio

conforme aponta Torre Rangel (1998), que a

Carlos.: Direito e justiça na América Indígena: da conquista

juridicidade que tratava desigualmente aos desiguais teve um papel importante. Durante os três séculos

à colonização, p. 55-73. Porto Alegre: Livraria do Advogado. POSSE, Abel ( 1987): Daimón. Buenos Aires: Emecé.

de direito protecionista dos povos indígenas e suas propriedades, em muitos casos respeitou-se esse direito. Apesar de toda a contravenção praticada, a

_____. (2005): El largo atardecer del caminante. Buenos Aires: Booket.

instância jurídica conta com uma bagagem

_____. (1989): Los perros del paraíso. Ciudad de la Habana:

ideológica, de tal maneira que, por mais ineficaz que

Editorial Arte y Literatura.

fosse, estava na mente tanto do espanhol como do indígena. É importante pensar que o direito espanhol nas Índias reconhecia a existência dos índios como tais, enquanto formação distinta do resto da sociedade, e dificilmente hoje se poderia

TAMN, Ditlev (2010): Clássicos da lei, Conquista da América e o Derecho indiano Colonial. Em: BUESCU, Helena Carvalhão; TRABUCO, Cláudia; RIBEIRO, Sónia.: Direito e Literatura: mundos em diálogo, p. 233-240. Coimbra: Almedina.

falar de resgate dos direitos das comunidades indígenas de nossas terras se o Direito Indígena não

TORRE RANGEL, Jesus Antonio (1998): Direitos dos povos

se tivesse orientado nessa direção.

indígenas: da Nova Espanha até a modernidade. Em: WOLKMER, Antonio Carlos.: Direito e justiça na América Indígena: da conquista à colonização, p. 219-242. Porto

Referências bibliográficas

Alegre: Livraria do Advogado. WOLKMER, Antonio Carlos (1998): Direito e justiça na

COSTA, César Vergara de Almeida (2008): Direito e

América Indígena: da conquista à colonização.. Porto Alegre:

Literatura: a compreensão do Direito como escritura a partir

Livraria do Advogado.

da tragédia grega. Em: Domínio Público. Disponível em: h t t p : / / w w w. d o m i n i o p u b l i c o . g o v. b r / p e s q u i s a / PesquisaObraForm.do? select_action = &co_autor=89331. Acessado em 10/07/2010. COSTA LIMA, Luiz (2006): História. Ficção. Literatura. São Paulo: Companhia das Letras. _____. (2008). História. Ficção. Literatura. Uma breve apresentação. Em Revista Eutomia (UFPE), Recife. Ano I, n.01. Disponível em: www.eutomia.com.br/.../HistoriaFiccao-Literatura_Luiz-Costa-Lima.pdf. Acessado em 20/ 07/2010. HUTCHEON, Linda (1991): Poética do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Imago.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

748

O PAPEL DA UNIVERSIDADE NA IMPLANTAÇÃO DO ESPANHOL NO ESTADO DA BAHIA

Marcia Paraquett UFBA/Brasil

Aos alunos e alunas de Estágio Supervisionado I, que me têm ensinado a ensinar espanhol na Bahia

I Introdução

(APEEBA), informo que o Conselho Estadual de Educação da Bahia aprovou a Resolução Nº 173/

Ser professora e pesquisadora na Universidade

2011, que estabelece as normas para a oferta da

Federal da Bahia, depois de ter passado um longo

língua espanhola no ensino médio, conforme

período na Universidade Federal Fluminense (30 anos),

determinação da Lei 11.161/2005. Apenas em

no Rio de Janeiro, está me dando uma nova e

setembro do ano passado, foi possível, de fato,

instigante perspectiva profissional e acadêmica. O

considerar que a determinação legal estava iniciada,

Estado da Bahia, quando comparado ao Rio de

apesar de já se terem passado os cinco anos previstos

Janeiro, no que tange ao ensino de espanhol na

para sua implantação1. Esse fato não pode ser visto

educação básica, tem particularidades que estou

isoladamente, pois revela a situação anacrônica na

precisando compreender para melhor atuar na

qual se encontra o ensino de espanhol na educação

formação dos professores com os quais estou

regular deste importante Estado brasileiro. Diante

envolvida no momento.

desse quadro, a UFBA tem orientado os professores

Com o propósito de provocar reflexões sobre o tema desta mesa (“O desafio de formar professores de espanhol para a educação básica”), vou referirme à maneira como entendemos a formação do professor de espanhol aqui na UFBA, associando essa compreensão às políticas públicas e à pesquisa que estou desenvolvendo. Preocupada

pelo

de espanhol em formação a criarem e executarem pequenos projetos que minimizem essa conjuntura, disponibilizando módulos aos estudantes de escolas públicas, nas quais não se oferte o espanhol como disciplina regular. E esses módulos são produzidos durante as disciplinas de Estágio Supervisionado I, quando se

atraso,

mas

com

sentimento de alegria pela conquista, sobretudo, da Associação de Professores de Espanhol da Bahia

discutem três questões: os modelos de aprendizagem que mais se aproximem das orientações dos dois principais documentos nacionais (PCN/1998 e

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

749

OCEM/2006); o contexto sociocultural no qual o

que precisamos garantir que o professor em

professor em formação desenvolverá sua atividade

formação:

profissional; e a consciência do papel que exerce o professor como agente ativo nas decisões políticas inerentes a essa área de atuação profissional.

1. Tenha autonomia (CONTRERAS, 2002)2 para definir os temas com os quais vai trabalhar, tomando como referência seu contexto sociocultural;

Essa experiência, certamente, está definindo os novos rumos da pesquisa que venho desenvolvendo, pois o conhecimento da realidade sociocultural deste novo lugar, ao qual conhecia de maneira

superficial

e

estereotipada,

2. Observe o nível discursivo de seus alunos, levando-lhes textos que sejam capazes de compreender, ao mesmo tempo em que os estimule a ir mais adiante;

está

determinando um novo discurso e uma nova prática. Faz muito tempo que falo de formação de

3. Dê conta da diversidade textual, propondo a leitura de diferentes gêneros e registros sociais e culturais;

professores e que tento compreender o ensino de línguas vinculado ao conhecimento e à compreensão das muitas e complexas identidades socioculturais que constituem os falantes hispânicos. Portanto, nada é muito novo, mas falar disso aqui em Salvador

4. Se valha da ‘singular’ proximidade 3 entre o português o espanhol, para desenvolver em seu aluno o sentimento de acolhimento, compreensão, aceitação ou até mesmo tolerância das culturas ditas estrangeiras;

está me dando uma nova dimensão, conforme pretendo ponderar adiante.

II A formação de professores

5. Difunda, entre seus alunos, a consciência de que somos seres constituídos a partir de uma complexa junção de elementos que foram herdados através dos processos históricos, o que nos torna iguais e diferentes ao mesmo tempo.4

Mas nenhum professor em formação inicial No meu ponto de vista, a formação de

chegará a esses posicionamentos se não tiver tido a

professores é um ato político e talvez seja a função

oportunidade de discutir textos teóricos que

primordial dos que trabalhamos em cursos de

orientem para essa reflexão. Ou seja, para que um

Licenciatura. Reconheço a importância de todas as

professor em formação se dê conta de seu

áreas de atuação e pesquisa, tanto nos estudos

compromisso político diante de seus futuros alunos

linguísticos como nos literários, mas tenho aprendido

na educação básica, precisará conhecer as correntes

com a experiência que já vai longe, que posso

teóricas que apontam para uma reflexão crítica

interferir, política e socialmente, se coloco o meu foco

sobre seu papel político e social. E aí entramos nós,

no professor em formação. Enquanto a universidade

os professores dos professores em formação.

brasileira não assumir para si a responsabilidade da profissionalização dos docentes da educação básica,

Para dar conta, particularmente, do item

continuaremos a receber alunos despreparados como

cinco a que me referi acima, discuto com eles temas

vem acontecendo há muitos anos. Não devemos nos

como o papel das identidades sociais e culturais no

limitar a fazer críticas, mas atuar e prepará-los para

processo de aprendizagem, seja para a compreensão

um magistério cidadão. Dentre tantas preocupações

dos textos com os quais trabalhamos, seja para nossa

que tenho com meus alunos, estou atenta a aspectos

interação na sala de aula. Nesse sentido, tenho

que considero primordiais. Entendo, por exemplo,

tomado como referência um modelo de abordagem

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

750

que se conhece como Sociointeracionista ou

discussão sobre a negritude colombiana tem-me

Socioconstrutivista, e que tem nas suas bases as lições

ajudado na formação de professores de espanhol na

de educadores como Vygotsky e Paulo Freire, adeptos

UFBA 6 .

de uma pedagogia crítica, que reconhece o papel fundamental das interações sociais no processo de aprendizagem. Por isso, meu atual projeto de pesquisa, intitulado ‘Áreas culturais da América Latina e o ensino/aprendizagem de espanhol como língua estrangeira (E/LE)’, procura dar conta dessas discussões, propondo ações práticas que colaborem para a formação crítica de meus alunos no que se refere, sobretudo, às suas identidades socioculturais. E, como se sabe, um aspecto identitário marcante na sociedade baiana é a afro-descendência.

III A Colômbia negra Dentre os países das Américas, a Colômbia é o terceiro quanto à presença de negros em sua população, ficando atrás, apenas, dos Estados Unidos e do Brasil, embora a população negra enfrente sérios problemas de visibilidade dentro do próprio país. Na visão dominante da Colômbia, a negritude sempre esteve associada ao atraso e ao negativo, embora haja, desde a Constituição de 1991, ações que colocam os negros como atores

Meu projeto, entre outros aspectos, quer

políticos, em especial a Lei 70 de 1993 7 . Segundo

compreender as relações interculturais entre o Brasil

Oslender (2008, p.106), os movimentos negros têm

e países hispânicos da América Latina, discutindo

atuado no esforço de impor uma imagem positiva

conceitos como ‘cultura’, ‘multiculturalismo’ e

de suas comunidades, contribuindo para sua

‘interculturalidade’ em contexto de aprendizagem de

inserção na identidade nacional colombiana,

línguas, no propósito de contribuir para a

embora o autor se questione como antropólogo, até

desconstrução de falsas crenças e de estereótipos

que ponto é possível traduzir as identidades de

culturais. Quer, também, reconhecer a América

grupos aos quais não se pertença. E opina,

Latina como o espaço cultural dos sujeitos envolvidos

colocando-se favorável a que

na pesquisa (meus alunos e eu), levando-nos a priorizar as variantes linguísticas e culturais hispanoamericanas na aprendizagem de E/LE. E quando falo em variantes culturais hispano-

[l]a condición de negro […] no necesariamente hace idónea a una persona para representar los problemas negros de manera auténtica, aunque inicialmente tal vez proporcione una posición privilegiada desde la cual hablar. (OSLENDER, 2008, p.108)

americanas, estou me valendo da classificação proposta por Ana Pizarro (2004), para quem a América Latina está dividida em sete áreas culturais5. No momento, estou-me preocupando apenas com a área de produção afro-descendente, conforme é o caso, entre outros, de parte do Brasil, em especial a Bahia, e do Pacífico colombiano, focos de minha atenção neste momento.

E acrescenta que “en ciertos aspectos un investigador no negro puede estar incluso en una mejor condición para examinar estas complejas interacciones” (p.109). Ancorado por essa prerrogativa, ele descreve as comunidades negras colombianas como sendo ‘diferentes’, quando comparadas às normas ocidentais no que se refere, particularmente, ao consumo capitalista e à noção

Deveria opor os discursos sobre o Brasil negro

de tempo. Da mesma forma, os sentimentos

e a Colômbia negra, mas como o tempo não me

(emoções) e o pensamento (a razão) se realizam a

permite, limito-me a mostrar de que maneira a

partir de uma lógica específica e de maneira

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

751

amalgamada, desafiando o modelo capitalista

imprimindo-lhe suas acertadas perspectivas teóricas

predominante na cultura ocidental.

sobre a América Latina.

Não sei se seria prematuro tentar fazer

A tradução cultural de Sepúlveda me ajuda a

qualquer tipo de comparação, mas sabemos que é

afirmar que a superstição e a magia são elementos

comum que se fale da ‘preguiça’ dos baianos,

comuns às comunidades negras do Brasil, assim como

representação que em muito incomoda os alunos da

o são na Colômbia. Mas há outras similitudes, como

UFBA com os quais tenho contato, sejam eles afro-

a relação mística com os espaços aquáticos. O areal

descendentes ou não. Quando levado à sala de aula,

é, na verdade, um lago, que seca como consequência

a leitura do texto de Oslender (2008) provocou um

da referida construção da ponte, embora antes

fervoroso debate, tendo-se cumprido o objetivo que

representasse o lugar aquático que abrigava os

eu tinha naquele momento. Como formadora de

mistérios daquela comunidade.

professores me cabe levar aos alunos textos que os ajudem na aquisição da língua, mas, sobretudo, que criem a possibilidade de conhecerem outros discursos,

dando-lhes

oportunidade

de

se

posicionarem diante deles.

Referindo-se ao Pacífico colombiano, Oslender (2008) traz uma interessante contribuição ao propor um estudo sobre a importância dos rios para as comunidades negras. Segundo o autor, mais do que uma referência geográfica, os rios são “los

O fato é que a compreensão das epistemologias

lugares de los cuales surgen los individuos en el

das comunidades negras colombianas nos leva, como

Pacífico y en los cuales se sumergen de nuevo cuando

brasileiros,

próprias

llega el momento del viaje final, regresando en

epistemologias, ajudando-nos a perceber que há

cuerpo, si es posible, pero siempre en espíritu, al río

elementos que nos são comuns, conforme é o caso da

de origen en el momento en que la muerte se

superstição e da magia no nosso imaginário. Neste

aproxima” (p.142). O mais impor tante por to

sentido, me remeto ao documentário El arenal, de

colombiano é Buenaventura, considerado pelas

Sebastián Sepúlveda (2008), onde o cineasta chileno

comunidades negras como a porta de saída ao

apresenta a maneira como uma comunidade de

interior do país e ao resto do mundo, despertando,

escravos remanescentes na Amazônia brasileira

assim, o imaginário dos afro-colombianos.

a

pensar

em

nossas

convive com o sobrenatural. O documentário narra o antes e o depois da construção de uma ponte sobre uma zona sagrada da comunidade Guajará (Pará), pondo em confronto a modernidade e a ancestralidade

mítica,

materializada,

principalmente, no areal, onde viveriam o ‘homem lobo’, as ‘serpentes gigantes’ e o ‘Matita Pereira8 ’. O olhar ‘estrangeiro’ de Sepúlveda abandona a visão

Esse imaginário está reproduzido de muitas formas, mas, sobretudo, na tradição oral, através das ‘décimas’, forma poética herdada da colonização espanhola, embora adaptada aos interesses discursivos das comunidades negras. Os ‘decimeros’, como são conhecidos, representam, de certa forma, a voz dos negros na Colômbia.

ecológica do verde amazônico, colocando sua lente

Em palavras de Oslender (2008), a tradição

sobre as pessoas que ali vivem, para dar-lhes

oral pode ser entendida como “un sitio de resistencia,

oportunidade de contar suas histórias, numa

por cuanto recupera las memorias colectivas de las

narrativa lenta que segue o tempo ‘preguiçoso’

comunidades negras”. (p.151). Como porta-vozes da

daquela comunidade. Vale informar que Ana Pizarro

história local, os ‘decimeros’ e seus imaginários

foi a produtora do referido documentário,

refletem as experiências geográficas individuais e

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

752

coletivas do espaço aquático, que deixa de ser um

da Conceição. A primeira é a entidade da Igreja

espaço real para ser “fuente de historias y leyendas

Católica, enquanto a segunda é o Orixá do

que explican la evolución de la tierra y sus

Candomblé, mais popular do que a primeira, ainda

habitantes” (p.159).

que os novos rumos religiosos na Bahia (e no Brasil),

A forma como se vive a religiosidade é outro aspecto que permite uma aproximação entre as comunidades negras da Colômbia e do Brasil. No caso colombiano, há duas festas religiosas que se destacam no Pacífico negro: a Ima culada ou Puríssima Conceição, festejada a cada 8 de dezembro com uma espetacular celebração aquática; e a Virgen del Carmen, protetora dos marinheiros, pescadores e de qualquer pessoa que viaje pelo rio ou pelo mar.

com o crescimento significativo da Igreja Protestante, comecem a afetar essas representações. Ainda assim, há, nos dois países, uma convivência harmoniosa entre as duas formas de religiosidade, mas parece que na Colômbia o sincretismo está mais próximo das tradições cristãs ibéricas do que no Brasil, onde o Orixá ganha um dia especial, muito concorrido entre negros e brancos. No

Pacífico

colombiano,

os

afro-

Sua festa é celebrada no dia 16 de julho e é mais

descendentes introduziram alguns elementos como

concorrida do que a da patrona.

o “palmoteo rítmico” e o uso de instrumentos

Fica impossível não estabelecer paralelos com as festas religiosas na Bahia, onde a festa de Nossa Senhora da Conceição também se comemora no dia 08 de dezembro, embora a grande festa popular seja a do dia 02 de fevereiro, dedicado a Iemanjá, que no sincretismo religioso corresponde à Nossa Senhora

tradicionais durante a missa, como a marimba, que provocou embates nas práticas inquisitoriais, além de ter sofrido, no início do século XX, uma campanha

contra

“as

danças

diabólicas”,

(OSLENDER, 2008, p.163). Vejamos fotos ilustrativas sobre as festas aquáticas:

(Virgen del Carmen/Guapi/Colômbia) 9

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

753

(Iemanjá/Salvador/Bahia)10

E as similitudes não param por aí. Conto-lhes

ou Quilombola, espaços remanescentes de escravos

que fiquei impactada ao chegar a Cartagena de Indias

africanos, o que explica facilmente as similitudes entre

e deparar-me com hábitos idênticos aos que encontro

essas fotos, que foram traduzidas por meus alunos

em Salvador na forma como se preparam e se comem

em formação inicial, sob ricos debates.

determinados

alimentos.

Em

especial,

me

surpreendeu os tabuleiros das palenqueras, vendendo frutas e cocadas. Palenque corresponde a Quilombo

Nas duas primeiras, palenqueras de Cartagena e nas segundas, vendedores baianos de Itaparica e Itacaré.

P ale nq ue o m cco o ca da Pale alenq nque uerr as cco cada (Cartagena de Indias/Colombia) 1 1

Ve nd ahia ndee d o r es d e C o ca da na B Bahia (Itaparica)12

(Itacaré) 1 3

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

754

Para encerrar, enfatizo que apenas uma proposta de aprendizagem que visa à aproximação entre culturas, além da compreensão e aceitação da diferença e semelhança que nos constituem, como sugere a Interculturalidade, pode propiciar uma

CONTRERAS, J. A autonomia de professores. São Paulo: Cortez, 2002. OSLENDER, Ulrich. Comunidades negras y espacio en el Pacífico Colombiano. Hacia un giro geográfico en el estudio de los movimientos sociales. Bogotá: ICNH, 2008

formação de professores de espanhol no Brasil, e mais particularmente na Bahia, da forma como

PARAQUETT, M. A formação de professores de espanhol na

anunciei no início desse texto, ou seja, como um ato

UFBA. (prelo)

político e primordial.

PIZARRO, A. El sur y los trópicos. Ensayos de cultura latinoamericana. Murcia: Compobell, 2004. SEPÚLVEDA, S. El arenal. Santiago: Ojos de Agua Films, 2008.

Referências bibliográficas CELADA, M.T., Espanhol para brasileiros: uma língua singularmente estrangeira. Tese de doutorado. UNICAMP, 2002.

Notas 1

A Lei 11.161, de 2005, deveria ter sido implantada cinco anos depois de sua promulgação.

2

Entendo a autonomia do professor em sala de aula no sentido proposto por Contreras (2002, p.198), ou seja, “como construção reflexiva em um contexto de relação” ou “como qualidade deliberativa da relação educativa”.

3

Tomo emprestado o preciso adjetivo de Celada (2002).

4

Adaptado de Paraquett (prelo)

5

São elas: (1) a área meso-americana e andina; (2) o Caribe e a costa atlântica; (3) a sul-atlântica; (4) o Brasil; (5) o páramo mexicano, o sertão brasileiro, a savana venezuelana e o pampa argentino; (6) os “latinos” nos Estados Unidos; e (7) a área amazônica.

6

Para entender a negritude na Bahia, sugiro, entre outros, a perspectiva de Sovik (2009) e Sansone (2003).

7

A Lei trata do “Reconocimiento de las comunidades negras que han venido ocupando tierras baldías en las zonas rurales ribereñas de los ríos de la Cuenca del Pacífico, de acuerdo con sus prácticas tradicionales de producción, el derecho a la propiedad colectiva. Asimismo, establece mecanismos para la protección de la identidad cultural y los derechos de las comunidades negras como grupo étnico y el fomento de su desarrollo económico y social, para garantizarles que obtengan condiciones reales de igualdad de oportunidades frente al resto de la sociedad”.

8

Mito do folclore brasileiro, um pouco ave, um pouco mulher, conhecido pelo seu estridente assobio, que assusta os que o escutam. O poeta e maestro Tom Jobim se referiu à Matita Pereira na sua conhecida canção Águas de Março: “[...] É peroba do campo, é o nó da madeira. Caingá, candeia, é o Matita Pereira. É madeira de vento, tombo da ribanceira. É o mistério profundo, é o queira ou não queira [...]

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

9

http://guapiesfolklor.blogspot.com.br/2011/12/la-vida-como-una-cultura-llena-de-ritmo.html, acessado em 29/06/2012.

10

http://www.google.com.br/imgres?imgurl=http://gicult.com.br/blog/wp-content/uploads/2012/02/, Acessado em 29/06/2012

11

http://escritoresypoetas.ning.com/profiles/blogs/palenquera-1 e http://mamapress.wordpress.com/2010/09/19/diasporas-africanas-na-america-do-sul-%E2%80%93uma-ponte-sobre-o-atlantico, acessado em 15/01/2012.

12 13

http://www.flickr.com/photos/ezequiel_milicich_seibel/4609116640/, acessado em 15/01/2012. http://www.1000dias.com/ana/circuito-praias-e-trilhas—a-missao/, acessado em 15/01/2012.

755

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

756

LA PRESENCIA DEL NEGRO Y SUS REPRESENTACIONES EN EL TEATRO CUBANO DE GERARDO FULLEDA LEÓN Y EUGENIO HERNÁNDEZ ESPINOSA

Marcos Antônio Alexandre – Faculdade de Letras UFMG

Pensar el negro a partir de su enunciación es

marcado por memorias personales y colectivas,

uno de los elementos clave de los estudios

resignificado por rasgos históricos e ideológicos –,

relacionados con la literatura negra y sus distintas

herramienta teórica que dialoga con los conceptos

conceptuaciones

afro-brasileña,

de “cuerpo-territorio”, propuesto por Muniz Sodré 1,

o

literatura

y de “encrucijada”, utilizado por Leda Maria Martins.

afrodescendiente–, pues los marcos discriminatorios

Para la autora (2002, p.73), “la cultura negra es el

relacionados con el negro y su cultura aún imperan

lugar de las encrucijadas” 2 y yo agrego a la

en

contemporáneas

argumentación que el cuerpo negro también es el

latinoamericanas. A su vez, el teatro también se

lugar de las encrucijadas; encrucijada, aquí,

convierte en un instrumento político e ideológico

entendida como espacio de intervalo, de encuentro

para estudiar las cuestiones relacionadas con los

y desencuentro, de fisuras y tesituras mnemónicas.

negros en las sociedades contemporáneas.

Es a partir de lo expuesto que considero tanto la

literatura

nuestras

–literatura

afro-caribeña

sociedades

De esa manera, entiendo el teatro negro como un arte dramático y espectacular que se nutre de elementos concretos y simbólicos que forman parte del cotidiano de los afrodescendientes, exponiendo, así, cuestiones, entre otras, que se relacionan con las identidades, las memorias, la religión, la corporeidad, el lenguaje, el tiempo, el mito; aspectos esos que, generalmente, integran la gran mayoría de las dramaturgias negras. Merece la pena explicitar que, conceptualmente, el teatro negro se nutre de un “cuerpo pulsante” –cuerpo

noción de encrucijada como la de territorio importantes para mis reflexiones acerca del teatro negro. En las formas artísticas donde el negro se ve representado, el cuerp o es resignificado y, generalmente, visto como una instancia de legitimación de un discurso ideológico y político y, especialmente, como un espacio constructor de saberes, un territorio donde son (y pueden ser) grabados gestuales codificados de las culturas afrodescendientes, tales como meneos corporales, resonancias rítmicas y vocales.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

757

Con base en lo expuesto, el objetivo de este

negra de su país y por la riqueza de recursos

trabajo es establecer algunas lecturas acerca de los

estilísticos como por los abordajes sociopolíticos e

personajes negros que integran la dramaturgia

ideológicos de sus obras. Sobre H. Espinosa,

cubana, buscando observar como ellos son

explicita Aberto Curbelo Mesquida:

marcados por rasgos de la cultura africana: la presencia de los ritos –a través de recreación de historias míticas– y de la religión; y por medio de las temáticas relacionadas con las identidades y las memorias personales y colectivas. Para el desarrollo de mis argumentos, utilizo como soporte literario piezas de Gerardo Fulleda León (Santiago de Cuba, 1942) y Eugenio Hernández Espinosa (Habana, 1936), dos de los más importantes dramaturgos cubanos contemporáneos que trabajan con la temática negra en sus textos dramáticos y espectaculares. Ambos autores son de gran importancia en el campo teatral cubano, ya que son responsables no sólo por traer a los sujetos negros para el escenario artístico, sino también por invertir en una dramaturgia en la que los negros y mestizos no sean puestos en la escena de forma estereotipada, a través de la cual se les exaltarían sólo sus características “burlescas”. Teniendo en cuenta la cultura cubana, Inés

A diferencia de los autores que centran su interés en las vicisitudes y asfixias de la pequeña burguesía, en Eugenio Hernández Espinosa el pueblo es el tema de sus dramas. Sin asomo alguno de prejuicios raciales, el yerbero, el vendedor ambulante y sus pregones; las convulsas imágenes de las plazas del mercado, sitio seguro para el mercadeo de marihuana y concertación de relaciones sexuales, espacio propicio para estallidos indescriptibles de escenas de violencias y tropicales machismos; los mendigos y locos que deambulan por las intrincadas madejas de calles, pasillos y placeres de El Cerro son personajes y elementos consultivos de su paisaje teatral. (CURBELO MESQUIDA, 2009, p.6)

Por otro lado, sobre la obra de Fulleda León, Martiatu Terry argumenta que ella [...] ha sido fiel a las expresiones de la cultura popular no sólo en lo temático sino en lo estético, sin olvidar el contexto histórico-social en que se desenvuelven sus personajes. Son expresión de identidad que se da en dos planos diferentes y complementarios: el nacional y el personal, la identidad propia. Siempre con un alto grado de elaboración artística y técnica en su quehacer como dramaturgo y con un excelente uso del lenguaje. (MARTIATU TERRY, 2006, p.6)

María Martiatu Terr y (2005, p.12) afirma que “Donde hay que buscar una representatividad del

A través de las citas expuestas, podemos

tema negro y de la influencia de las culturas africanas

comprobar la originalidad de los temas tratados por

en la literatura cubana a partir de los 60 es en el

los dos autores: ambos dramaturgos trabajan con

teatro.” En este sentido la dramaturgia de Eugenio

las identidades de los ciudadanos cubanos. En

Hernández Espinosa y Gerardo Fulleda León es sin

muchas de sus piezas hay un rescate del universo de

duda una fuente inagotable de referencias

las leyendas cubanas, haciendo dialogar lo

relacionadas con el negro y con todo lo que tiene

tradicional, lo moderno, lo popular –a través de

que ver con su cultura, ideologías, religión, etc. Las

los personajes que representan las capas más pobres

obras de esos autores son muy ricas en recursos

del país– y todo lo que tiene que ver con las

literarios y estilísticos y son construidas a partir de

relaciones que son establecidas por los sujetos que

los elementos que ya hemos identificados como

se encuentran, de alguna manera, marginados.

integrantes del teatro negro.

En ese sentido, es fundamental explicitar que

La crítica teatral cubana exalta el quehacer

hay algunos rasgos comunes que forman parte del

dramatúrgico de los dos autores mencionados tanto

teatro negro y, a su vez, del teatro producido por

por su importancia en la divulgación de la cultura

Fulleda León y Hernández Espinosa; entre ellos, me

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

758

detendré en la cuestión que se relaciona con la religión

referencia a la religión afrobrasileña– Elegguá/Eshu

afrocubana: la santería, las representaciones de los

(Exu, en portugués) es el guardián de las encrucijadas,

orichas del panteón yoruba y los usos de los patakines

el mediador, el primero que debe ser honrado en los

y de los refranes populares que se conectan a estos

rituales. Así, en otro momento, Oyá Ayawá agita los

aspectos. Debo destacar que la cultura afro aquí no

caracoles y evoca protección:

es, de ninguna manera, puesta en los textos como un rasgo de Folklor. Esto se puede comprobar, por ejemplo, en el discurso de Amando del Pino que, al referirse acerca de la obra de Hernández Espinosa, nos comenta que el autor “(…) evade el folklorismo y cuando apela a refranes o adivinanzas lo hace en constante yuxtaposición de elementos culteranos y filosóficos. Parece decirnos que la sabiduría popular no es menor que el legado de la cultura occidental.” (PINO, 2001. p.III). Las palabras de Pino

Vengo a ti para que me protejas de los avatares del destino. No permitas que Eshu, representante de todas las desgracias, que habita en la calle, y si entra en la casa hay tragedia, que entre en mi casa, que es tu casa. Sí, Elegguá, yo sé que no puede haber seguridad sin peligro, ni sosiego sin inquietud, que Elegguá y Eshu es indisoluble, a pesar de su oposición; pero protégeme de desgracias, siniestros, dolencias, penas y reveses; del infortunio y la desesperanza, y castiga sin piedad a los burlones, a los impíos e irresponsables que habitan para hacerme daño en esta ciudad bruja. (HERNÁNDEZ ESPINOSA. In: CURBELO MEZQUIDA, 2009, p.38)

seguramente también pueden ser empleadas para leer la obra de Fulleda León.

En este parlamento se observa que el tratamiento dado al oricha es contradictorio, pues

Uno de los textos de Hernández Espinosa en

al mismo tiempo en que se nota un profundo respeto

que se destaca la relación con santería y con los

hay un tratamiento completamente informal. En el

orichas es Oyá Ayawá. Escrita en 1990 y estrenada en

desarrollo del texto, el personaje va siendo desvelado

1991, en esta pieza, ya en la primera didascalia, al

a los ojos del lector/espectador que se da cuenta de

lector/espectador le es presentado su enredo: “Aparece

que está viviendo un momento crítico de su vida.

Oyá Ayawá, mujer afligida y carcomida por la envidia y

Quiere librarse de un rival en el trabajo y tomar su

la maledicencia. Viene desde el fondo con una jícara de

lugar en la Empresa. De pronto, hay otro cambio en

agua fresca entre sus manos, Avanza lentamente hasta

el tratamiento y la deidad es tratada como uno

el centro del escenario.” y, desde ahí, empieza a despejar

cualquiera, un ser humano común:

todos sus lamentos, preces y revuelta para sus santos. Se nota que el personaje practica los cultos de los orichas, pues aparece jugando los caracoles: Ellegguá, estoy sobresaltada No duermo bien. No hago más que saltar y brincar en la cama. Sueño con muertos que huyen de sus tumbas y corren despavoridamente hacia mí, endemoniados que rugen su ira como si yo fuese una abominable mujer. (HERNÁNDEZ ESPINOSA. In: CURBELO MEZQUIDA, 2009, p.36)

Aquí se nota toda la cuestión de la tradición, pues sabemos que en la religión –tanto en la santería como en el candomble o en la umbanda para hacer

¿Quién soy yo? ¿Árbol caído del cual todo el mundo hace leña? ¿Yo, Oyá Ayawá? ¿Y quién es Oyá Ayawá? ¿El pájaro que no sabe a qué hora va a caer en la trampa? ¿Y quién es Oyá Ayawá? ¿La jicotea que quiso volar y se rompió el carapacho? […] ¡Merenguito, merenguito! Dice que mi Elegguá, usted, se deja gozar las nalgas. Este imperfecto, fuera’e forma, lo dijo, lo gritó a las cuatro esquinas, lo vociferó en la Empresa. Cuando todas las orejas estaban pegadas a las paredes, cuando todos, a la hora en que se rompe el corojo, a las doce del día, rayando, soltaban sus polvos. En medio de una nube de polvo de cascarilla ese sujeto lo ofendió a usted… ¿Me está oyendo, Elegguá? ¡Lo que no sirve se bota, y si usted no es más fuerte que Eurutimio Pérez Santacruz, lo boto a usted para el carajo! ¿Cómo el santo y el guía protector de Eurutimio Pérez Santacruz va a ser más cojonudo que usted?... ¿Que con qué culo se sienta la cucaracha? Ah, yo no sé. Pero se está sentando…, ¡se está sentando!

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Están acabando con su reputación. (HERNÁNDEZ ESPINOSA. In: CURBELO MEZQUIDA, 2009, p.4142)

759

representa pero lo uso como especie de espejo en el que trato que los espectadores contemporáneos redescubran cómo pueden llegar a ser, cómo han sido, quizás cómo no deben ser. (FULLEDA LEÓN, 2008)

Esta paradoja es explicitada por Martiatu Terry, que nos aclara que:

Su respuesta, en primer lugar, me hace pensar en el acercamiento de muchas personas al culto de la

Los dramaturgos acuden al mito como tal y sus personajes son los dioses, los orichas. La mitología favorita, por supuesto, es la yorubá. Estos orichas no son santos en un sentido católico. Poseen características muy humanas, virtudes y defectos, y están sujetos a todas las pasiones como los seres humanos. Los creyentes tienen con ellos una relación muy cercana e intervienen en todos los asuntos desde los más cotidianos hasta los más trascendentes. Sin embargo, siempre se expresan y actúan con la grandeza e impunidad propias de su condición sobrenatural. (MARTIATU TERRY, 2005, p.26)

santería (o del candomble o de la umbanda, en Brasil), es decir, uno busca la religión para cuidar de un problema de salud o para lograr algún tipo de provecho en beneficio de sí mismo (amores, dinero, trabajo, etc.). La respuesta de Fulleda León también puede ser mejor explicitada a partir de la lectura de su pieza Chago de Guisa, escrita en 1989 y Premio Casa de las Américas en el mismo año. El desarrollo de las

Teniendo en cuenta la obra de Gerardo

acciones dramáticas de la pieza se da en el territorio

Fulleda León, de igual manera, se nota la influencia

de Guisa, en la región oriental de Cuba, en la época

de los rituales como uno de los ejes principales de sus

colonial de 1865 a 1868. Todo sucede en un palenque

piezas. En una entrevista que le hice en el año de 2008,

donde viven Chago –un “muchacho soñador” (así

teniendo en cuenta la lectura de algunos de sus textos,

nombrado por el propio autor)–, sus amigos José –

le comenté que me había dado cuenta de que los

un aprendiz de curandero–, Pedro –un aprendiz de

patakines, los elementos de la cultura y de los rituales

herrero– y Lungo –un bromista–, sus familias y

performáticos afrodescendientes y, a la vez, el

Ruandi.3 Los amigos tienen la misma edad, 14 años, y

universo de la magia formaban parte de sus obras y

viven como cualquier adolescente en búsqueda de

le pregunté cómo se dio su acercamiento a las

aventuras, están siempre juntos y el enredo está

leyendas y ritos que son recuperados en su

centrado en ellos, poniendo énfasis en la historia de

dramaturgia y qué representaba el traslado de ellos

Chago. Todos pasan por un ritual de pasaje. Cada

para la escena en el contexto cubano. Como respuesta,

uno con su sueño y ganas de progresar en la vida. Así,

Fulleda León me dijo:

Chago sale del palenque para vivir un viaje del cual tiene que regresar hecho hombre, con algo que sirva

A los seis años mi abuela, a escondidas de mi madre, que era católica confesa, me llevó a la primera misa espiritual para salvaguardarme de un mal de salud congénito que requería una operación quirúrgica –de la que salí bien pero que por complicaciones estuve al borde de la muerte por cerca de tres meses con balones de oxígeno: la penicilina me salvó– y con mucho miedo y asombro descubrí un mundo que siempre me ha seducido y deslumbrado. Después al comienzo de la revolución gracias al Conjunto Folklórico Nacional, el grupo de Danza Moderna, la lectura de Fernando Ortiz, mi amistad con Rogelio Martínez Furé y los libros de Lydia Cabrera, el disfrute de la música y los bailes rituales afrocubanos, me abrí a ese caudal que se ha convertido en una posible fuente para explicar el mundo en que vivimos, en el Caribe. No sé lo que

para la alegría de todos de su comunidad. A lo largo de su viaje, Chago sueña conquistar la verdad, la riqueza y el poder, pues imaginaba que existiría un camino para concretar cada uno de estos sueños y así a la medida que va siguiendo su camino se depara con seres distintos: Atocha, niño de los caminos –una entidad muy semejante a Elegguá– que, a su pedido, le enseña los caminos distintos cada vez que ellos se encuentran en una encrucijada –primero el camino de la sabiduría, luego el de la riqueza y el

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

760

del poder; los Eggunes –los espíritus que nos rodean–

Comité, otro texto de Hernández Espinosa, escrito

, que aparecen silbando y danzando en los montes,

en 1969 y representado en 1980. La obra se centra en

con la sirena que lo arrastran a las profundidades

el personaje Calixta, una mujer de carácter y

del río; Orúmbila, secretario de Oloffi, el amo del

personalidad muy fuertes, presidenta del Comité de

cielo y de la tierra.

Defensa de la Revolución de un barrio de población

El viaje de Chago le sirve como un proceso de autoaprendizaje: a través de su caminata se depara con seres de distintas dimensiones, humanos

pobre y marginada. Como líder local, Calixta enfrenta varios problemas sin perder el liderazgo y respeto de aquellos que lidera. No obstante, muchas veces, se contradice. Antes de ser un líder local,

o no, vivos o muertos, y así él convive e interactúa

Calixta es madre de dos hijos que están ausentes –

todo el tiempo con personajes que le revelan y le

Carlitos murió luchando por un ideal, asesinado

enseñan muchas cosas. Al fin de su jornada, Chago

durante el régimen de Fulgencio Batista4, y Julianito

vuelve al palenque, pero sin lograr encontrar lo que

está en la guerra– y este hecho hace que ella se sienta

buscaba.

ha

madre de todos los jóvenes de la comunidad,

experimentado muchas cosas, por lo tanto vuelve

cuidándolos como si fueran suyos para que no se

fortalecido con todo lo que ha vivido, como plantea

perdiesen por los malos caminos. A su vez, su marido

el personaje Atocha al final de la pieza: “Pues

Agustín se convirtió en un “trapo viejo y sucio”, un

adelante, entonces. La vida de un hombre puede

desilusionado. La memoria, o mejor, el hecho de

torcerse o enmendarse en el último minuto de cesar

llevar la vida atrapada a las reminiscencias de

su aliento.” (FULLEDA LEÓN. In: MARTIATU

recuerdos personales y afectivos se convierte en la

TERRY, 2006, p.207)

posibilidad para que Calixta siga lidiando con sus

Sin

embargo,

el

muchacho

Otro aspecto muy relevante, también

problemas y con los de los otros.

discutido y problematizado por Martiatu Terry, que

Para legitimar mi lectura, me apropio de las

quiero destacar es la inserción de los personajes

palabras de Inés María Mar tiatu Terr y que

negros en las piezas cubanas. Según desvela la

argumenta que:

autora, “[...] junto a los aspectos mitológicos aparece el tratamiento negro y de la negra en su historicidad, con su carácter clasista y las peculiaridades de la evolución de esos personajes en su difícil proceso de inserción en la sociedad cubana de antes y de ahora.” (MARTIATU TERRY, 2005, p.13). Es decir, los autores discutidos no sólo rescatan la cultura de su país, sino más bien lo hace a través de una enunciación en que los ciudadanos cubanos y los negros son el centro de sus textos.

Casi todos los personajes de esta obra son contradictorios y resultaron altamente controvertibles. Alrededor de su estreno, en 1980, se creó una tremenda polémica. Se desmiente el triunfalismo que nos hacía desconocer los problemas sociales aún sin resolver. Por un lado no se podía criticar a la dirigencia y por otro se idealizaba al pueblo, a los miembros de los CDR. Las funciones de Calixta Comité se convirtieron casi en asambleas y el debate que se produjo después dividió al público, a muchos teatristas y aun a otros intelectuales y artistas que participaron en el mismo. (In: HERNÁNDEZ ESPINOSA, 2007, p.20)

Fulleda León utiliza una historia mitológica que pasa

A través de lo expuesto se puede observar la

en un palenque y así actualiza la historia de los

preocupación del autor en revelar las identidades

negros de su país.

que forman parte del pueblo cubano. En esta pieza,

Otra pieza que retrata la situación de la

el problema social, la cuestión de racismo y el hecho

sociedad cubana de “antes y de ahora” es Calixta

de vivir al margen de la sociedad se convierten en espacios claves para su lectura. Entre los muchos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

761

personajes que se destacan, llaman la atención,

con la discusión de la problemática racial; y el

además de la protagonista Calixta,

prejuicio que aparece de forma velada o no entre

·

los sujetos que, al principio, representan la misma

Chémbalo y Barbarita: él fue detenido por robo y al salir de la cárcel se rehabilitó, pero se siente inseguro y cree que las personas aún lo juzgan y no le tienen confianza. Está enamorado de Barbarita, una morena que despierta la atención de todos, y antes que lo encontrara, tuvo varios novios. Ella mueve la cabeza de José María.

·

José María, María Ester, Manolito y Luisita: una de las familias que vive en la comunidad. Los dos primeros, una pareja que lleva un matrimonio que cayó en la rutina. José María siente una fuerte atracción por Barbarita y en un día

de

borrachera

hace

un

escándalo

proponiéndole el mundo delante de su mujer, que se ve impotente. Cae la máscara de la familia “perfecta”. Él es machista, dice que no tiene prejuicio, que sus mejores amigos son negros, pero

siempre

hace

un

comentario

clase social. Los problemas sociales son puestos en discusión y así los aspectos retratados en la pieza también asumen un carácter atemporal, o sea, el contexto de enunciación de la pieza –fines de la década de los 60 del siglo XX– también puede ser recontextualizado a nuestra enunciación. A modo de cierre y con el propósito de puntualizar una breve conclusión de lo planteado en esta lectura, pues la obra de Hernández Espinosa y Gerardo Fulleda León son muy expresivas y merecen un análisis más desarrollado5, me gustaría solamente ratificar que estos autores innovan en la dramaturgia cubana pues escriben desde un lugar muy específico: son artistas negros que escriben a partir de sus experiencias personales y colectivas, a través del rescate de las historias de su gente, de su país y de su cultura.

discriminatorio: “Yo no tengo nada en contra los negros, fíjese. No estoy inventando. Lo que pasa... No permito que mi hija caiga en boca de nadie” (HERNÁNDEZ ESPINOSA, 2007, p.47). Como contrapunto, sus hijos son trabajadores. Luisita es estudiante de medicina, tiene un sentido crítico-ideológico muy apurado, enfrenta los

Referencias bibliográficas ALEXANDRE, Marcos A. (2007). “Negro que te quero negro”: formas de representação do afro-brasileiro. In: _____. Representações performáticas brasileiras: teorias, práticas e suas interfaces, p. 159-202. BH: Mazza Edições.

prejuicios del padre, los juegos sucios del Administrador y llega incluso a cuestionar la

FULLEDA LEÓN, Gerardo (2006). Chago de Guisa. In.:

forma como Calixta conduce el Comité, cuando

Resistencia y cimarronaje. Teatro de Gerardo Fulleda León

se da cuenta de que el personaje empieza a contradecirse en las acciones cotidianas. Este enredamiento de conflictos personales y colectivos, presentado a través de este breve

(Selección de Inés M. Martiatu Terry), p. 159-202. La Habana. Ediciones León. _____. (2008). Entrevista. La Habana (concedida a Marcos Alexandre).

análisis de los personajes, muestra aspectos

HERNÁNDEZ ESPINOSA, Eugenio (2007). Calixta Comité.

relevantes sobre la sociedad cubana a la época de la

Teatro escogido. Tomo I. Selección y prólogo de Inés M.

revolución; las actividades del Comité de Defensa

Martiatu Terry, p. 159-202. La Habana: Editorial Letras

de la Revolución y la relación de éste con los pobres

Cubana.

y marginados; las discrepancias que son afloradas

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

762

_____. Odebí el cazador (Libreto n. 4) (1984). In: Revista

MARTINS, Leda M. Performances do tempo espiralar

Tablas, V. 4. La Habana: Editorial Tablas. p. 1-19.

(2002). In: RAVETTI, Graciela e ARBEX, Márcia (orgs.).

_____. Quiquiribú Mandinga – Tomo I y II (2009). Selección y prólogo de Alberto Curbelo Mezquida. La Habana: Letras Cubanas. MARTIATU TERRY, Inés M. (Selección) (2006). Resistencia y cimarronaje. Teatro de Gerardo Fulleda León. La Habana: Ediciones Unión. _____. (Selección, prólogo y notas bibliográficas) (2005). Wanilere Teatro. La Habana: Editorial Letras Cubanas.

Performance, exílio, fronteiras: errâncias territoriais e textuais, p. 69-92. Belo Horizonte: Faculdade de Letras/ UFMG, 2002. MARTÍNEZ, Juan Carlos (1984). Odebí: un poema para representar. In: Revista Tablas, V. 4. La Habana: Editorial Tablas. p. 38-41. PINO, Amado del (2001). La noble pisada del Lagarto. In: Revista Tablas. Vol. LXV. La Habana: Editorial Tablas, julioseptiembre, p. II-III. SODRÉ, Muniz (2005). A Verdade Seduzida. Rio de Janeiro: DP&A.

Notas 1

“todo indivíduo percebe o mundo e suas coisas a partir de si mesmo, de um campo que lhe é próprio e que se resume em última instância, a seu corpo. O corpo é lugar zero do campo perceptivo, é um limite a partir do que se define um outro, seja coisa ou pessoa.” (SODRÉ, 2005, p.68)

2

Original en portugués y traducción mía. Acerca del concepto de encrucijada, véase Leda Maria Martins (2002). Retomo esa proposición de Martins para la discusión de las representaciones performáticas brasileñas (In: ALEXANDRE, 2007, p.163-164).

3

Merece la pena destacar que este personaje ya había aparecido antes en la dramaturgia de Fulleda León. La pieza Ruandi fue escrita en 1977 y es considerada una de las más importantes obras del teatro para niños, siendo premiada en innúmeros concursos y festivales. Aquí en Chago de Guisa, el personaje es recuperado ya mayor y es el capitán del palenque de Guisa.

4

Cuba, desde su independencia, en 1902, tuvo al frente de su gobierno el dictador Gerardo Machado, que siguió en este puesto hasta 1933 cuando fue sacado del poder por Fulgencio Batista a través de un levante popular en 1944. A la vez, el gobierno de Batista tuvo duración hasta el día 1º de enero de 1959, cuando Fidel Castro y un grupo rebeldes tomaron La Habana y desde ahí se estableció su gobierno.

5

Debo aclarar que estos autores fueron estudiados en mi post-doctorado realizado en 2008, en el Instituto Superior de Arte, en La Habana, Cuba, y siguen como objeto de mis investigaciones y formarán parte de un libro que estoy escribiendo sobre

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

763

A CORROSÃO DOS ANOS TRIUNFAIS FRANQUISTAS.

Margareth Santos USP

Os anos 1960 estiveram marcados por várias

encontra-se sob a ditadura franquista esperando um

guinadas no âmbito da literatura espanhola

porvir que lhe abra opções de um futuro melhor, de

contemporânea, uma delas será o abandono quase

mais liberdade na escritura e na vida. Enquanto

total da poesia social 1 espanhola, que já

esperam esse porvir, o poeta e seu grupo, mais tarde

demonstrava sintomas de real cansaço – temas

denominado Geração de 1950, ou “generación de los

esgotados, insistência vazia –, outra a percepção de

niños de la guerra” 2 , armam uma escritura que

que o caudilho só deixaria o poder por vontade

reconhece a poesia como a captura do momento e

própria ou morto. Frente a essas duas grandes

traduzem essa forma na conjugação entre o ético e o

mudanças, aglutinadoras de questões sociais e

estético, imaginando que o social não deve

estéticas, surge em 1967 o quinto livro de Ángel

prescindir do individual. Para alcançar essa inter-

González, Tratado de urbanismo.

relação, Ángel González lança mão da ironia como

A obra, representativa na esfera das reflexões

grande força motora de seu Tratado de urbanismo.

do poeta sobre o homem e seu entorno, materializa

Irônico, o poeta imprime ao livro uma dicção

uma profunda indagação da realidade espanhola

que se articula entre a forma precisa de tratar os

circundante. Nela, o escritor se opõe duramente à

temas de interesse humano e universal e a descoberta

ditadura franquista, valendo-se de armas distintas

das possibilidades da linguagem cotidiana. A partir

às do imediato pós-guerra civil espanhola: já não é

desses elementos, Ángel González opera em níveis

o tom quase hínico da poesia social, já não é o tom

de significação que incorporam ao mesmo tempo o

virulento proveniente da politizada geração de

registro íntimo e o coletivo.

1936, mas uma nova forma de protesto e reflexão frente ao entorno estanque.

No âmbito da utilização desses recursos estéticos e das preocupações sociais, podemos dizer

Integrante de uma geração de jovens que

que Tratado de urbanismo pertence a um conjunto

eram crianças durante a guerra civil espanhola e que

de obras que se insere na geração de 1950, revelando,

viveram de forma distinta o conflito, o poeta

portanto, algumas constantes desse grupo de poetas,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

764

tais como: o poema situado no entorno urbano, o

de 1950) traça um percurso pelos anos imediatos da

uso de técnicas narrativas, uma crítica social

pós-guerra civil espanhola a fim de retratar as

carregada de matizes irônicos, por vezes sarcásticos

relações amorosas sob o céu da ditadura franquista.

e a manipulação da linguagem a fim de alcançar uma

Portanto, o diálogo se estabelece com obras que

pluralidade de sentidos e perspectivas de um mesmo

tratam do amor em suas facetas cotidianas e idílicas,

objeto. Nesse conjunto, podemos citar, além da obra

reais e desejadas.

que nos ocupa, Taller de arquitectura, de José Agustín Goytisolo e Moralidades, de Jaime Gil de Biedma.

A partir da ideia de que Ángel González trabalha nesse novelo intertextual sob o signo da

No caso da obra do escritor ovetense, nos

ironia e da constatação de uma sociedade pautada

chama a atenção seu conjunto de vozes, que

pelas aparências e pela rigidez nas relações,

modulado, combina-se à história social espanhola

pretendemos discutir como o poeta contrapõe

no presente e no passado imediato. Vemos desfilar

diversos tipos e níveis de linguagem a fim de

por seus versos, lado a lado, uma fauna de seres

capturar e expor a hipocrisia latente e presente no

desajustados, marginais, insatisfeitos e corroídos

trato amoroso e social nos anos da ditadura

pelo óxido do ódio. São prostitutas, “gente de bien”,

franquista.

animais, trastes e seres ausentes, dispersos por urbes espanholas, em lugares furtivos, propícios ou não para o amor, mas todos vivendo em um tempo hostil sob os olhares oblíquos da ditadura franquista. Alguns desses elementos citados podem ser rastreados em “Lecciones de buen amor”. Nele, Ángel González lança mão de um curioso recurso na matéria poética: depois de descrever um casal considerado como “exemplo” pelo franquismo, ou

Vejamos, então, como o poeta trabalha nos versos de “Lecciones de buen amor” tanto no nível formal como na construção de camadas de sentido: Lecciones de buen amor Se amaban. No demasiado jóvenes ni hermosos, algo marcados ya por la fatiga de convivir durante aquellos años, una alimentación con excedentes

seja, católico, regrado no dizer e no fazer e,

de azúcar y de grasa había dañado

sobretudo, de amor modelar, o poeta insere uma

su silueta,

nota de rodapé no poema e nela podemos ler as

desdibujando la esbeltez del cuello,

mazelas, o asco e o ódio recíproco do casal em

añadiendo volúmenes al vientre

questão. Essa articulação inusitada na matéria poética nos remete a um intenso diálogo intertextual

y cierta pesadez a las caderas. Pero se amaban y se mantenían juntos. Juntos se les veía

que vai desde a obra que conecta com seu título, El

en la misa de doce, los domingos,

Libro del Buen Amor, do Arcipreste de Hita, em que

ella con su astracán y sus carrillos

o autor da Idade Média supostamente nos alerta

empastados en rosa, él con su aire

sobre os malefícios do “louco amor”, passa pelo livro

de hombre abstraído y su corbata

de Vicente Aleixandre, La destrucción o el amor,

de seda natural, made in Italia.

conjunto poético dos anos 1935, em que convivem de forma pendular os sentimentos avassaladores e

Juntos con otros seres también juntos pasaban las veladas de la tarde exponiendo al unísono

os edificantes, chegando, por fim, ao conjunto de

idénticas creencias,

discursos compilados e discutidos no ensaio de

defendiendo los mismos ideales,

Carmen Martín Gaite,

atacando los vicios más comunes:

Usos amorosos en la

posguerra, no qual, a autora (também da Geração

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Creemos que el señor subsecretario

donde, a solas, pensaban

nos dará la licencia antes de junio;

en esa cosa extraña que es la vida

en calidad de prestatario, pienso

y se veían

que lo ideal, sin duda, es la hipoteca;

tal como eran por dentro, justamente,

pero la juventud, y eso es lo grave,

con toda exactitud el uno al otro,¹

gusta el pecado incluso al aire libre.

pasando

765

mental revista a un asco introvertido Juicios así de firmes, compartidos

en la letal penumbra de las glándulas

sin una indecisión en la mirada,

y a un mutuo horror basado en experiencias

y ese estar siempre juntos, sin tocarse

más lúcidas—no mucho más, es lógico.

(mas tan compenetrados y corteses,

Pero

tan medidos sus justos ademanes,

no se lo decían nunca, porque

tan comedidos sus bostezos entre

—como afirmaban todos sus amigos—

pasta y taza de té o pausa y pausa,

¡se amaban tanto, tanto, tanto!

que parecía que toda su historia conyugal sólo era

1. Y en efecto, era así.

un largo ensayo general, pensando

Respecto a él, ella sabía

en la ovación final de las visitas)

su egoísmo, que sólo le dolía —o mejor, le dolió— algunas veces

y ese estar cotidiano sin tocarse,

con ocasión de aquellas cosas

repito, pero juntos,

—hablo de gente de bien, téngase en cuenta—

irreparable, tenazmente próximos

que se hacen en el lecho los domingos

como mandan la Epístola y las Leyes,

por la mañana,

acreditaba ahora ante los hombres

antes del desayuno

lo que un distante día

y tras el primer llanto de los niños.

había consagrado un sacramento: era evidente y claro que se amaban,

No ignoraba tampoco

y su amor era ejemplo para algunos, admiración de todos,

cuya blanda envoltura permitía

comentario obligado en las ausencias inmediatas, cuando en los recintos el ambiente quedaba liberado del volumen espeso de su carne (que persistía, no obstante, de algún modo en el rastro de olores —Chanel número cinco y halitosis— volados de sus cuerpos, y en las frases ligeramente desvaídas con las que su partida era glosada: han engordado más, pero se aman; una lástima el lazo del sombrero; aunque, de todas formas, un amor semejante no es frecuente.) del volumen, decía, de su carne húmeda y abundante, trasladada solemnemente por las piernas cortas hasta el asiento delantero de un coche americano

la complicada trama de su alma advertir los punzantes materiales que formaban su núcleo oscuro y frío: puñales de violencia hundidos, yertos en la ceniza de su cobardía, vergüenzas hechas vidrio, inhibiciones envenenadas como flechas viejas, agujas de impotencia, roído todo por la herrumbre de un odio que a nadie perdonaba. En cuanto a ella, él conocía su estupidez congénita, acentuada posteriormente en largos internados —oraciones, solfeo y acuarela— en los que, con la pausa de húmedos veraneos en el norte, su personalidad fue madurando, cubriéndose de costras, retorciéndose hasta quebrar así: excipiente inocuo —o secreción balsámica de sus mismas heridas— emulsionado con dos partes

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

766

semejantes de gula y de codicia, y perfumado por una firme, extensa, ciega adhesión al culto de dulía: Estanislao de Koskas, santa Gema,

A fim de seguir o fio desse complexo novelo de combinações textuais, pretendemos desenrolar o fio da meada através da análise de sua tessitura, começando por apontar o que acreditamos ser duas

la venerable madre Ráfols, y otros

de suas grandes relações intertextuais: por um lado

héroes y heroínas de la Iglesia Triunfante,

está o título, que nos remete à obra do Arcipreste de

ocupaban las horas

Hita e, por outro, o primeiro verso “se amaban”, que

inevitablemente desprovistas

se relaciona ao poema “Se querían”, de Aleixandre.

de sentido, que medían entre la mermelada y la menestra y luego

Se pensarmos no título, este nos indica

las más lentas y turbias, señaladas

algumas intenções: uma catequizadora, afinal, de

con un especial énfasis por todos los relojes,

lições se trata e outra denominadora, pois à noção

fatalmente abocadas a la succión de chocolate, poco antes de que las sombras del crepúsculo

de “buen amor” se refere. As duas ideias confirmamse na construção do texto, mas não de maneira linear,

propicien

pois ao longo da leitura vemos como o impulso

el rosario en familia, y la amarilla

catequizador revela-se inócuo, uma vez que a lição é

luz eléctrica manche las paredes

apreendida apenas em sua superfície, ao final,

de la sala, y sea

vislumbramos como o casal exemplar não está

necesario pensar:

entregue nem ao louco amor nem ao amor casto,

en la cena y la compra de mañana (GONZÁLEZ, 1997, pp.199-202)

posto que ambos nutrem um intenso ódio mútuo. Junto a esse ódio está a projeção do “pseudo bom amor”, formulado através de distintas vozes, de

Observamos que no poema em questão, Ángel González dirige seu fazer poético pelo menos em dois sentidos: por um lado, ele apresenta uma realidade circundante que parece, em um primeiro momento,

diversos discursos que combinam assertivas objetivas e banais, como se formassem uma compilação de textos que vão construindo a imagem exata do ódio e não do amor. Se amaban.

ordenada e aprazível, representada por um amor inabalável. No entanto, esta mesma realidade revelase imprecisa e sombria, visto que, à medida que o

Pero se amaban y se mantenían juntos.

poema avança, recursos estéticos como repetições, assertivas e comparações inadequadas vão criando planos simultâneos e justapostos que suscitam a sensação de instabilidade e ambiguidade. Por outro,

y ese estar cotidiano sin tocarse, repito, pero juntos, irreparable, tenazmente próximos(…) han engordado más, pero se aman;

tal justaposição abre-se como uma caixa chinesa, que

una lástima el lazo del sombrero;

combina, progressivamente, elementos ficcionais e

aunque, de todas formas,

reais: textos da tradição literária (El libro de buen amor, La destrucción o el amor), clichês literários e frases

un amor semejante no es frecuente

feitas, aqui combinados à ironia e a componentes dos

a solas, pensaban

discursos franquistas da época, além de recorrer a figuras consideradas eminentes pelo regime ditatorial (santos, monges canonizados etc.).

en esa cosa extraña que es la vida y se veían tal como eran por dentro(…) pasando mental revista a un asco introvertido (…) Pero

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

no se lo decían nunca, porque –como afirmaban todos sus amigos – ¡se amaban tanto, tanto, tanto! (GONZÁLEZ, 1997, pp.199-201).

767

hermosos” une-se à “una alimentación con excedentes de azúcar”; da descrição da mulher saltam visões de “sus carrillos empastados en rosa” e do homem “su aire abstraído y su corbata made in Italia”. Arrematando esse conjunto inusitado e ao

A afirmação do amor do casal é reiterada

mesmo tempo preciso, está a combinação

do começo ao fim do poema, apenas alguns de seus

bombástica de “Chanel número cinco y halitosis”.

últimos versos e a nota de rodapé, com sua natureza

Por meio desses cotejos, o poema vai operando

“detalhista” e reveladora, escapam a essa insistência,

transformações paródicas de atitudes convencionais

marcada pelo binômio “siempre juntos”. Repetida

e de descrições surpreendentes. Essa construção, em

em suas variantes, a insistência se cerca de matizes

cuja base reside uma arquitetura textual salpicada

que vão ressabiando o leitor, obrigando-o a prestar

por conjunções aditivas (y, ni) e adversativas (pero,

atenção à repetição belicosa, que se fragmenta na

mas) formam um campo de forças em torno de um

voz narrador, na voz dos convivas do casal e na de

repetido “siempre juntos”, que intriga o leitor com

um “todos” abarcador, como se constituíssem textos

sua sucessão de comparações inadequadas e o jogo

que glosassem o suposto amor.

de perspectivas que compõe o embate entre o trivial

Essa ideia de compilação de “textos”, ou vozes, relaciona-se diretamente à natureza do livro do Arcipreste de Hita, relato em “sarta”, ou seja, fruto da união vários relatos (daí, “ensartados”) que se

e o ideal, que os versos repercutem. Dessa forma, vê-se obrigado a tomar distância e suspeitar tanto do narrador como das vozes que delineiam a imagem supostamente idílica do casal.

unem por um fio condutor relativamente simples e

Sem dúvida, um dos recursos que alimenta

que apresenta várias fontes literárias. No poema de

essa desconfiança do leitor é a repetição. Unida ao

Ángel González, vemos como os recursos formais

enjambement dos versos, a repetição, ao invés de

nos remetem a essa ideia: a voz do narrador aparece

reafirmar as definições literais que povoam o poema

fora e dentro de parênteses, a dos entes que convivem

(amor, convivência, bons costumes, verdade,

e contemplam o suposto bom amor está em itálico,

convenções), se volta contra as mesmas e as

representando uma transcrição direta de suas falas,

demolem. A insistência do “siempre juntos”, do amor

a nota de rodapé aparece como a consciência do

inigualável, emparelha-se ao “desdibujar” dos

casal em seu autoexame. Assim, o poeta vai criando

contornos, aos comentários de outros na ausência

uma cadeia de “textos” que, simultaneamente,

do casal e, por fim, ao próprio pensamento do

constroem e destroem essa noção primeira. Além

marido e da mulher, que são manipulados a fim de

disso, tanto na obra do Arcipreste de Hita como na

iluminar a trivialidade e o absurdo de um entorno

do poeta ovetense, caminham lado a lado

político-social estanque.

concepções religiosas, visões da vida terrena e elementos de oralidade. Tudo ditado por uma métrica irregular e propensa, no caso de Ángel González, à coloquialidade e a uma mordaz ironia. Inseridas nessa fragmentação textual que o poema nos apresenta, estão as assertivas inabituais: afirmações como “no demasiado jóvenes ni

y ese estar cotidiano sin tocarse, repito, pero juntos, irreparable, tenazmente próximos como mandan la Epístola y las Leyes, acreditaba ahora ante los hombres lo que un distante día había consagrado un sacramento: era evidente y claro que se amaban,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

768

comentario obligado en las ausencias(GONZÁLEZ, 1997, p.200).

mar o tierra, navío, lecho, pluma, cristal, metal, música, labio, silencio, vegetal, mundo, quietud, su forma. Se querían, sabedlo. (ALEIXANDRE, 1977, pp.424-25).

Além disso, a repetição retoma o recurso

De suas oito estrofes, cinco iniciam-se pela

intensificador utilizado por Aleixandre em seu

frase “se querían” e com ela se encerra seu verso final,

poema “Se querían”, o segundo texto que,

junto a um imperativo “sabedlo”. Munido dessa

acreditamos, se relaciona intertextualmente com o

repetição, Aleixandre edifica a ideia de um amor que

poema de Ángel González:

se quer único e que se pretende completo ao fundir

y su amor era ejemplo para algunos, admiración de todos,

Se querían. Sufrían por la luz, labios azules en la madrugada, labios saliendo de la noche dura, labios partidos, sangre, ¿sangre dónde? Se querían en un lecho navío, mitad noche mitad luz.

seres e natureza. No entanto, essa fusão não se concretiza (diferentemente da poesia mística3), visto que para o poeta sevilhano a fusão total representa também a destruição, já que fundir-se significar anular-se. De forma similar, nos versos de “Lecciones de buen amor”, retoma-se a ideia de um grande amor

Se querían como las flores a las espinas hondas, a esa amorosa gema del amarillo nuevo, cuando los rostros giran melancólicamente, giralunas que brillan recibiendo aquel beso.

pela imperativa assertiva inicial: “se amaban”, no

Se querían de noche, cuando los perros hondos laten bajo la tierra y los valles se estiran como lomos arcaicos que se sienten repasados: caricia, seda, mano, luna que llega y toca.

Aleixandre, aqui é utilizado para desconstruir.

Se querían de amor entre la madrugada, entre las duras piedras cerradas de la noche, duras como los cuerpos helados por las horas, duras como los besos de diente a diente solo.

entanto, ao longo do poema de Ángel González, essa noção de grande amor vai sendo minada justamente pela repetição. Ou seja, o recurso que constrói em

A repetição, em “Lecciones de buen amor”, atua como termômetro para a desconfiança do leitor e termina por fulminar a noção de amor e de inteireza no poema: nem as vozes atuam, de fato, em uníssono, nem o tal grande amor existe. Portanto,

as

lições

tornam-se

vazias

e

contraditórias, tal como o mundo de aparências Se querían de día playa que va creciendo, ondas que por los pies acarician los muslos, cuerpos que se levantan de la tierra flotando… Se querían de día, sobre el mar, bajo el cielo. Mediodía perfecto, se querían tan íntimos, mar altísimo y joven, intimidad extensa, soledad de lo vivo, horizontes remotos ligados como cuerpos en soledad cantando. Amando. Se querían como la luna lúcida, como ese mar redondo que se aplica en ese rostro, dulce como el eclipse de agua, mejilla oscurecida, donde los peces rojos van y vienen sin música. Día, noche, ponientes, madrugadas, espacios, ondas nuevas, antiguas, fugitivas, perpetuas,

erigido pelos distintos discursos disseminados ao longo do poema: Juntos con otros seres también juntos pasaban las veladas de la tarde exponiendo al unísono idénticas creencias defendiendo los mismos ideales (…) Y ese estar siempre juntos, sin tocarse (mas tan compenetrados y corteses, tan mediados sus justos ademanes, tan comedidos sus bostezos entre pasta y taza de té o pausa y pausa, que parecía que toda su historia conyugal sólo era un largo ensayo general, pensando en la ovación final de las visitas (GONZÁLEZ, 1997, p.200).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

769

Certamente, esse guardar as aparências de

um perfume aparece ao lado do mau hálito, gestos

forma afetada, retratado no poema como uma

comedidos e ideais em uníssono com uma gravata

representação teatral barata à espera da “ovación

italiana e um carro americano, a Epístola e as Leis

final de las visitas”, nos remete à retórica do

combinam com um desastroso laço no chapéu da

franquismo nos chamados anos triunfais, ali estão:

mulher. Tanto em seu decorrer, como ao final e em

a concepção de família e de amor pautadas por um

sua nota de rodapé, o poema, ao unir situações e

agir repleto de convenções, de verdades pré-

objetos ideais com comentários irônicos e triviais,

concebidas e de seres regrados pela retidão, sacrifício

termina por desconstruir as realidades evocadas,

e devoção. Até mesmo a menção final a figuras

tornando-as inócuas e superficiais. Os símbolos de

religiosas,

das

austeridade, devoção e disciplina em vida,

personagens, refere-se a padres e freiras canonizadas

argumentos e adjetivos caros ao regime franquista,

e erigidas à condição de heróis e heroínas pela Igreja

caem por terra, ao final do poema, de maneira

Triunfante: Estanislao de Koskas, santa Gema e

desconcertante.

instaladas

no

pensamento

madre Ráfols. O verniz espartano que recobre as aparências alimentadas nos versos nos mostra que a vida era vista como uma cruzada religiosa e militar, na qual o núcleo familiar era proclamado indestrutível, o que se pode confirmar por um texto recolhido por Carmen Martín Gaite de um jornal dos anos do franquismo: Preferimos el atraso de España, nuestro atraso, el que nos lleva a considerar que ante unos valores fundamentales deben sacrificarse los intereses materiales…Bendito nuestro atraso que nos hace considerar el Matrimonio como un sacramento que no es cosa de juego; bendito nuestro atraso para que el Amor no ha de tomarse en broma, sino como una aventura honda en la que hay que fundamentar nuestro futuro, …que nos lleva a considerar la familia como una sociedad jerarquizada en que los padres tienen el deber de educar a sus hijos al servicio de Dios y a la Patria, y los hijos no tienen derecho a vivir su vida, sino a que su vida sirva para algo (MARTIN GAITE, 1994, p. 29).4

Seguramente, o ápice desse processo de desconstrução do discurso encontra-se na inserção da nota de rodapé, que amplia e desvia a experiência de leitura. No entanto, é preciso dizer que os vários parênteses que o narrador vai abrindo ao longo do poema vão fragmentando o discurso, alimentando e justapondo distintas perspectivas, que revelam um constante exercício de desvio de realidades préconcebidas. Com a nota de rodapé, chegamos a uma nova dimensão, na qual o estilo de vida assumido pelo casal revela-se como uma farsa alimentada por gestos calculados e palavras ensaiadas, por seres aparentemente unidos frente a sociedade, mas realmente isolados em seus próprios mundos, divididos entre um bocejo e uma xícara de chá. Nessa operação fracionária, executada predominantemente a partir do uso engenhoso das conjunções aditivas, da repetição e do registro irônico, o poema desafia as perspectivas e premissas correntes, em especial, as ligadas ao discurso

Matrimônio e amor aparecem quase como instituições, grafados em maiúsculas no texto supracitado, revestem-se de um caráter funcional e articulam-se como vetores que indicam o caminho retilíneo e monocórdico traçado pelo regime franquista. Como se pode observar, todos esses elementos encontram-se no poema de Ángel González, mas emparelhados de maneira inusitada:

franquista. Ao interferir em interpretações rotineiras, Ángel González faz, como bem disse Andrew Debicki5, uma poesia social de fato, na qual leitura e crítica caminham juntas, obrigando o leitor a tentar descobrir as premissas subjacentes ao poema, a pensar em noções tão universais como amor, ódio e tão específicas como um estilo de vida, uma ditadura e uma dieta com excedentes de açúcar

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

770

que traduzem uma época de envases. Assim, o poeta

DEBICKI, Andrew P. Poesía del conocimiento. Madrid:

cria mundos inquietantes, que em sua construção

Ediciones Júcar, 1986

ambígua, lançam luz sobre o mundo real, revelandoo por baixo da “blanda envoltura” dos corpos do

DE LUIS, Leopoldo. Poesía social Española Contemporánea. Antología 1939-1968. Madrid: Biblioteca Nueva, 2000.

casal, do amor convertido em horror e do discurso GONZÁLEZ, Ángel. Tratado de urbanismo in Palabra sobre

franquista, supostamente triunfante.

palabra. Barcelona: Sexi Barral, 1997, pp.183-212. MARTIN GAITE, Carmen. Usos amorosos de la postguerra.

Referências bibliográficas

Barcelona: Anagrama, 1994.

ALEIXANDRE, Vicente. Obras completas. Madrid: Aguilar, 1977. ARCIPRESTE DE HITA. Libro de buen amor. Madrid: Castalia, 1985.

Notas 1

Utilizo o conceito “poesia social” a partir das considerações de Leopoldo de Luis em sua obra Poesía social Española Contemporánea. Antología 1939-1968. Madrid: Biblioteca Nueva, 2000.

2

Na história da literatura espanhola consideram-se como integrantes da geração de 1950 os seguintes poetas: Jaime Gil de Biedma, José Agustín Goytisolo, Ángel González, José Ángel Valente, Carlos Barral, José Manuel Caballero Bonald, Eladio Cabañero, Francisco Brines e Antonio Gamoneda. Os trabalhos imprescindíveis para compreender a formação do grupo de 1950 são: BARRAL, C. Los años sin excusa. Barcelona: Barral editores, 1978; DIEGO, G. Poesía española (antologías). Madrid: Cátedra, 2007; MANTERO, M. Poetas españoles de posguerra. Madrid: Espasa-Calpe, 1986; GARCÍA MONTERO, L. Los dueños del vacío. Barcelona: Tusquets, 2006; PENA, P. Poeta en Barcelona. Barcelona: El Bardo, 1997; RUBIO, F. & FALCÓ, J. L. Poesía española contemporánea (1939-1980). Madrid: Alambra, 1981; RIERA, C. La escuela de Barcelona. Barcelona: Anagrama, 1988 e RICO, F. (dir.) Historia y Crítica de la literatura española. Época contemporánea: 1939 – 1980. Volumen VIII, Barcelona: Editorial Crítica, 2004.

3

Aqui refiro-me à poesia mística de san Juan de La Cruz, na qual há uma alegria que “rebosa” em suas palavras e essa alegria está presente na entrega absoluta, na fusão com o Outro. Creio que tal fusão é o que separa a poesia mística de san Juan da poesia moderna, em que o espaço entre o dizer e o calar está preenchido por um sujeito dilacerado, fragmentado. Na poesia moderna, a individualidade se afirma e em san Juan, o protagonista é a fusão entre o ser e o Outro. Sendo assim, nessa poesia, o erótico e o plano amoroso tornam-se inseparáveis do plano religioso, pois ambos fazem parte de um único processo de conhecimento e de expressão. Ao anular-se completamente em nome dessa fusão absoluta, ao entregarse com total alegria, ao negar a individualidade do sujeito, abre-se o caminho rumo às alturas da plenitude mística, da felicidade plena, diferentemente do poema de Aleixandre.

4

Antonio Castro Villacañas, em La Hora, 14 de maio de 1948, recolhido em MARTIN GAITE, Carmen. Usos amorosos de la postguerra. Barcelona: Anagrama, 1994, p. 29. É importante frisar que utilizamos o livro de Martín Gaite, sobretudo por sua compilação de textos contemporâneos ao poema de Ángel González, visto que temos consciência de que a obra da escritora é posterior ao poema em questão.

5

(...) la reciente poesía de Ángel González puede ser calificada de “social” en el más amplio sentido de la palabra, al trastocar los modos de ver y las interpretaciones rutinarias. DEBICKI, Andrew P. Poesía del conocimiento. “Ángel González: transformación y perspectiva”. Madrid: Ediciones Júcar, 1986, p. 136.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

771

A ESCRITA DE SI COMO UMA TRADUÇÃO DE SI: O CASO ESPECÍFICO DA PINTORA FRIDA KAHLO

Maria Auxiliadora de Jesus Ferreira Universidade do Estado da Bahia – Uneb

O presente trabalho tem por objetivo fazer

Escrita de si

uma relação da escrita de si como uma tradução de si. Para tal propósito, tomar-se-á como chave dos

A escrita, em linhas gerais, é considerada

conceitos: o de escrita e o de tradução para enfim se

como uma forma de representação. Ela teria surgido,

chegar às duas expressões acima citadas.

primordialmente, visando-se o registro de informações. Com o passar do tempo a ela foi sendo

Este primeiro, a escrita de si, tem sido objeto de muitos estudos e, mais recentemente, de diversos trabalhos acadêmicos. Um dos pioneiros (senão o primeiro entre todos) a tratar mais diretamente desse assunto foi Michel Foucault, ao escrever, em 1992, A escrita de si, em sua obra já bastante difundida O que é um autor? Não por acaso, esta referência servirá de norte para o desenvolvimento do presente estudo ao seguir grande parte da linha de reflexão foucaultiana ao pensar a escrita como

atribuído o caráter de difusora de informação e propagadora do conhecimento, fato esse coroado com o grande avanço das novas tecnologias. Na literatura, especificamente, a escrita pode ser considerada como uma forma de registro dos pensamentos e das ações humanas. Ela pode servir tanto para narrar os feitos de uma nação, para contar a historia dos nossos antepassados como o que vai dentro da alma humana. Atrelada a esta última concepção está a escrita de si.

um retrato das ações e movimentos da nossa alma, o que de alguma forma também pode ser

Ao escrever, em 1992, um texto sobre esta

considerado como uma tradução de si, analogia esta

forma de escrita, Michel Foucault trouxe o que se

a ser desenvolvido ao longo desta pesquisa.

poderia chamar de as bases desse gênero e os seus antecedentes. Para tanto, vai tomar como exemplo A Vita Antonii, que, segundo o próprio Foucault, é um dos textos mais antigos e um legado da literatura cristã, que apresenta a notação escrita das

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

772

ações e dos pensamentos como um elemento

anterior ao cristianismo, entre eles, o ponto de

imprescindível a vida ascética:

aplicação aos movimentos do pensamento e o papel de prova de verdade.

Eis uma coisa a observar para se ter a certeza de não pecar. Que cada um de nós note e escreva as ações e os movimentos da nossa alma, como que para nolos dar mutuamente a conhecer, e que estejamos certos que, por vergonha de sermos conhecidos, deixaremos de pecar e de trazer no coração o que quer que seja de perverso. (ATANÁSIO, apud FOUCAULT, 1992, p.1)

Seguindo suas reflexões, Foucault acrescentará outro trecho dessa obra, a seguir exposto: Do mesmo modo, escrevendo os nossos pensamentos como se os tivéssemos de comunicar mutuamente, melhor nos defenderemos dos pensamentos impuros por vergonha de os termos conhecidos. Que a escrita tome o lugar dos companheiros de ascese: de tanto enrubescermos por escrever como por sermos vistos, abstenhamonos de todo o mau pensamento. (ATANÁSIO, apud FOUCAULT, 1992, p.1)

Mantém estes pensamentos noite e dia à disposição (procheiron); põe-nos por escrito, faz-lhes a leitura; que eles sejam o objecto das conversas contigo mesmo, com um outro... se te suceder um daqueles episódios que chamamos indesejáveis, logo encontrarás alívio no pensamento de que não era inesperado. (EPICTETO apud FOUCAULT, 1992, p.2)

Pode-se afirmar que todos esses conceitos sobre a escrita filosófica de si não estariam longe dos que hoje se praticam sobre a escrita de si; desta como um exercício pessoal do pensamento e, porque não dizer, como uma forma de enfrentamento do real, do vivido.

Tradução de si

Este tipo de escrita dos movimentos

Agora passemos do tema da escrita de si para

interiores, escrita espiritual de si, dirá Foucault,

tradução de si, e, posteriormente, a sua analogia.

servia para aliviar os perigos da solidão. Ela

Mas antes de qualquer coisa, para um melhor

também podia ser destinada a dar o que se pensou

entendimento do objetivo proposto neste estudo,

ou viu a outros olhares possíveis. Esta escrita

faz-se necessário tratar do vocábulo tradução e suas

deveria revelar, sem qualquer exceção, todos os

acepções, bem como abordar, ainda que de maneira

movimentos da alma. E mais, ser considerada uma

concisa, um pouco da história da tradução.

forma de combate espiritual, impedindo que o homem se enganasse sobre si mesmo: “a escrita

O conceito da palavra tradução vem

constitui uma prova e como que uma pedra de toque:

variando ao longo dos anos, seguindo a mesma linha

ao trazer à luz os movimentos do pensamento, dissipa

de evolução dos estudos em tradução. Traduzir

a sombra interior onde se tecem as tramas do inimigo”

(verbo de onde deriva o termo tradução) era tão

(FOUCAULT, 1992, p.1).

somente o ato de passar de uma língua A (alvo) para outra língua B (meta) o conteúdo de um texto. Mas

A frase que melhor poderia resumir o que

aos poucos esse e outros conceitos foram mudando.

era a escrita filosófica de si seria: escritura das ações e movimentos da alma. Segundo Foucault, o legado

Foi entre as décadas de 50 e 60 que começaram

que a mesma teria deixado, por meio da Vita Antonii,

a surgir as primeiras teorias acerca da tradução,

está longe de esgotar todas as significações e formas

quando esta ainda era tida como uma mera

que esta, anos mais tarde, iria adquirir, mas que já

recodificação verbal. Neste momento, não eram

era possível ver nela traços que permitiam analisar

levados em consideração fatores extralinguísticos,

retrospectivamente o papel da escrita nessa cultura,

tais como, o sentido do texto, aspectos culturais

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

773

que poderiam estar envoltos nas duas culturas dos

a um conceito de tradução que se estende a todos os

dois textos em questão.

processos de representação por meio do qual o

Outro grande marco para os estudos em tradução, ainda na década de 60, foi a pesquisa publicada por Ramon Jakobson (1969), onde este

homem constantemente se recria, ao mesmo tempo em que também se revela, seja por meio de linguagens verbais e/ou não verbais.

estabelece as três diferentes formas de tradução (que

Outra dessas grandes (r)evoluções tem a ver

ainda seguem sendo as mesmas adotadas nos dias

com figura do tr adutor, daquele que exerce a

de hoje), conforme nos conta Ferreira (2008):

importante tarefa de traduzir um texto. Antes não se reconhecia e muito menos se admitia no texto

Em tradução, um signo verbal pode ser interpretado de três maneiras: ele pode ser traduzido em outros signos da mesma língua, o que chamamos de Tradução intralingual (por exemplo, traduzir do português do Brasil para o português de Portugal); pode ser traduzido em outros signos em outra língua, a conhecida Tradução interlingual (do português para o chinês, por exemplo); e em outro sistema de símbolos não-verbais, Tradução Intersemiótica. (por exemplo, um romance ser adaptado para a televisão). (FERREIRA, 2009, p. 158)

Nos anos 70, com o nascimento da linguística

traduzido a presença do sujeito tradutor, isso quer dizer, de suas ideologias, suas vivências e, consequentemente, seus sentimentos e emoções. Ao ser reconhecida a figura desse “eu” que traduz, passou-se também a considerar que traduzir é muito mais que passar de uma língua para outra o conteúdo de um texto. É também, e de alguma forma, mostrarse, revelar-se, fazer-se presente; é traduzir-se na medida em que traduz.

de textos, tem-se uma expansão da análise, que passa a ser ao nível do texto, e não mais apenas ao nível das palavras ou orações isoladas. Esse desenvolvimento

A Escrita de si como Tradução de si: o caso específico da pintora Frida Kahlo

favoreceu a incorporação de fatores extralinguísticos nas análises linguísticas e, consequentemente, um grande progresso na reflexão sobre a tradução.

A arte é geralmente entendida como uma manifestação humana de ordem estética das

Já a década de 80 foi marcada pela mudança

percepções, ideias e emoções de um eu, do outro, do

de marco teórica da tradução, onde a mesma passou

mundo como um todo. Ao longo dos séculos muitos

a situar-se entre as ciências da comunicação verbal e

artistas usaram-na para traduzir suas emoções e seus

a ser considerada como uma disciplina independente,

sentimentos, para falar da sua cultura, da história

que hoje tem o nome de Estudos de Tradução ou

do seu povo – que muitas vezes se confunde com a

Traductologia.

sua própria história. A literatura, a pintura, o cinema, o teatro, a música figuram como algumas

Todo esse rápido percurso pela história dos

das muitas formas de expressão artística.

estudos em tradução serve para mostrar a grande evolução que está vem tendo ao longo dos anos no

Na pintura, tem-se como um dos destaques a

que tange não apenas ao reconhecimento científico-

mexicana Frida Kahlo. Nascida a 6 de julho de 1907,

acadêmico, mas, sobretudo, em amplitude de

em Coyoacán, Magdalena Carmen Frida Kahlo y

conceitos. Atualmente o termo tradução já apresenta

Calderón, logo aos seis anos de idade contraiu

uma significação muito mais ampla, como por

poliomielite, umas das muitas doenças (agravadas

exemplo, o ato de revelar, de explicar, ou ainda, de

por acidentes), operações e lesões pelas quais

manifestar alguma coisa. Dessa forma, pode-se chegar

passaria durante toda a sua vida. Seu contato com a

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

774

pintura começou aos quinze anos ao frequentar a

ações e reações, seus sentimentos, seu interior. Daí

Escola Nacional Preparatória do Distrito Federal do

também poder considerar os quadros pintados por

México e ao assistir às aulas de desenho e

Frida Kahlo como uma possível e autêntica escrita

modelagem. Apenas aos dezoito anos de idade Frida

de si e, conseqüentemente, com uma tradução de si,

Kahlo aprendeu a técnica da gravura. Logo em

de um “eu” e de suas vivências mais que desvelado.

seguida, sofreu um grave acidente, que a obrigou a ficar durante muito tempo acamada. A partir de então, Frida Kahlo começou a pintar, tendo sendo como companhia um cavalete adaptado à cama. Buscava, a princípio, através de sua arte, afirmar a identidade nacional mexicana, adotando, com frequência, temas do folclore e da arte popular do país. Em seguida, começou a pintar o seu cotidiano, aí incluídos momentos da sua vida conjugal com o muralista Diego Rivera, por exemplo, seus inúmeros problemas de saúde, os vários abortos sofridos. Para Julio Plaza (2008) “o pensamento pode existir na mente como signo em estado de formulação, entretanto, para ser conhecido, precisa ser extrojetado por meio da linguagem” (p. 19). A linguagem usada por Frida Kahlo foram as telas, as tintas e os pincéis, e foi dessa forma que o mundo teve acesso às ações e aos pensamentos da artista; não há dúvida de que a imagem comunica e que também transmite mensagem. Frida pintou inúmeros

autorretratos

que

podem

Por fim, pode-se afirmar que são muitas as maneiras encontradas pelo ser humano como forma de expressar suas ideias e emoções, seja por meio de linguagens verbais ou não verbais. Duas delas fizeram parte deste estudo: a escrita e pintura. Mas o que se buscou nesta pesquisa foi, sobretudo, mostrar que estas duas formas de expressão artística podem ter seus conceitos ampliados e até mesmo correlacionados, tal como, escrita de si como tradução de si. Para

tais

conclusões,

partiu-se

do

pressuposto de que o ato de traduzir é uma constante no comportamento humano, não apenas na forma verbal como normalmente é compreendido, mas também como uma exteriorização não verbal. Assim sendo, tanto o vocábulo escrita quanto a palavra tradução tiveram suas significações expandidas na medida em que seus conceitos puderam ser reaplicados.

ser

perfeitamente considerados como uma verdadeira tradução de si. Costumava dizer que se pintava porque se sentia só e porque era a pessoa que mais conhecia. Mas vale lembrar que Frida Kahlo deixou também um diário no qual estão descritos diversos momentos da sua vida profissional e pessoal. É sabido que as notações presentes no diário

Referências bibliográficas FERREIRA, Maria Auxiliadora de Jesus. Lazarillos del Lazarillo de Tormes: uma análise descritivo-comparativa de duas traduções da obra. 2008. 120f. Dissertação (Mestrado em Letras e Lingüística) – Faculdade de Letras. Universidade Federal da Bahia, Bahia.

de Frida Kahlo (escrita de si) retratam muitos

____. Lazarillos del Lazarillo de Tormes. In: Um dossiê de

movimentos da alma da artista. Mas são seus

Estudos Lingüísticos Hispânicos. São Paulo: Casa do Novo

quadros sem sombra de dúvida, ou melhor dito, seus

Autor, 2009.

inúmeros autorretratos (tradução de si) que nos contam, que nos dão a conhecer, sobretudo se dispostos em ordem cronológica de criação, toda a história de vida da artista: seus pensamentos, suas

FOUCAULT, Michel. A Escrita de si. In: O que é um autor? Tradução de: António Fernando Cascais e Edmundo Cordeiro. Lisboa: Veja, 1992.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

KAHLO, Frida. O diário de Frida Kahlo:: um auto-retrato

LEJEUNE, P. O pacto autobiográfico. De Rosseau à internet.

íntimo. Introdução Carlos Fuentes; comentários Sarah M.

Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

Lowe; tradução Mário Pontes. 2. ed. - Rio de Janeiro: José Olympio, 1996. LEFEVERE, André. Translation, Rewr iting and the Manipulation of Literary Fame. London: Routledge, 1992.

ROMAN, Jakobson. Lingüística e comunicação. Tradução de Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1969.

775

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

776

EL ESPAÑOL DE TODO EL MUNDO

María Cecilia Manzione Patrón PG Universidad de la República – Uruguay

1. Algunos presupuestos

contribuían a los estudios referentes a las representaciones sociales sobre lo lingüístico.

Cabe comenzar estas reflexiones con la palabra de CALVET (1997, p.11):

La situación de la lengua española en el mundo ha obligado a preguntarnos qué papel juegan las

(…) en ‘política lingüística’ hay también ‘política’, y (…) las intervenciones en la lengua y en las lenguas tienen carácter eminentemente social y político”. Agrega que “las ciencias rara vez están a salvo de contaminaciones ideológicas y que tampoco la política y la planificación lingüísticas escapan a esta regla.

instituciones educativas nacionales en relación con las políticas lingüísticas transnacionales de instituciones como la RAE. La visibilización de la dimensión política del accionar de la RAE y la AALE es uno de los objetivos de los estudios de glotopolítica, según DEL VALLE (2007, p.35).

Es interesante la cita porque indica a los responsables de la aplicación de las políticas de cualquier tipo y, en especial, de las lingüísticas que no hay discurso científico o sobre lingüística inocente, es decir, exento de ideología, como muchas veces se afirma en ámbitos que se hacen llamar académicos.

KLOSS (1966 en BARRIOS, 2008, p.69) señala que la planificación lingüística asume dos direcciones, la planificación del estatus (que refiere a la toma de decisión de seleccionar una variedad de una lengua para cumplir unas funciones determinadas como lengua oficial, nacional o de la educación) y la planificación del corpus (que

Cuando GUESPIN y MARCELLESI (1986

implica el proceso de estandarización con la

citado en HAMEL, 1993, p.13), sociolingüistas

elaboración de diccionarios y gramática). Está

franceses de tradición marxista, introducían el

claro que cualquier operación sobre la lengua

concepto de “glotopolítica” convocando a incluir en

afecta el estatus y el corpus, y que siempre se tiende

él “las acciones conscientes o inconscientes de una

a la estandarización.

sociedad frente a la lengua, el habla y el discurso”

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

777

HAUGEN (1966 en HAMEL, 1993, p. 8)

en América permite a HAMEL (1993, p. 6) afirmar

había creado en 1959 el sintagma “language

que existe una tensión entre lo semántico y lo

planning” para referirse a “la elaboración de una

pragmático, en definitiva, entre el lenguaje y el

ortografía normativa, una gramática y un

poder que unos anhelan imponer sobre otros. Y

diccionario para guiar el uso escrito y oral en una

agrega:

comunidad lingüística no homogénea”. Sostiene (HAUGEN, 1983 en CALVET, 1997, p.10) que en la planificación lingüística hay un decisor que elige una variedad para que cumpla una función, quien confía en especialistas para su codificación y puesta en práctica de su elección en distintos ámbitos formales, y que la corrige si es necesario. El problema de la lengua es, en última instancia, un

Observamos en estos ejemplos la expresión de políticas del lenguaje que han existido desde que los seres humanos se organizaron en sociedades y extendieron sus relaciones de contacto, intercambio y dominación hacia otras sociedades cultural y lingüísticamente diferentes. En la mayoría de estas relaciones, las lenguas juegan un papel de primer orden, tanto para organizar la dominación y hegemonía de un pueblo sobre otro, como también en los procesos de resistencia y liberación.

asunto del Estado y siempre comienza por la planificación del estatus. RUBIN y JERNUD (1971 en BARRIOS, 2008, p.69) afirman que como cualquier otro tipo de planificación, la de índole lingüística tiene carácter

1. Apuntes sobre el Prólogo de la Nueva Gramática de la Lengua Española y la Introducción de la Gramática Descriptiva de la Lengua Española

prospectivo, es decir, está orientada hacia el futuro. Con ello, muestran que la planificación lingüística no es casual ni ingenua, porque “es un cambio

1.1 El Prólogo de la Nueva Gramática de la Lengua Española

lingüístico deliberado, llevado adelante por organizaciones que se establecen a propósito para

La NGLE (p. XV), editada en 2009, nace en

cumplir con ese fin”, creándose complejas relaciones

1998, en el XI Congreso de la Asociación de

de interdependencia entre la planificación del estatus

Academias de la Lengua Española, reunido en

y del corpus.

Puebla de los Ángeles (México) cuando se le encarga

La propuesta de HAMEL (1993, p. 5 parte del relato que tiene como protagonista un anciano solitario y aislado que fracasa en su intento de intervención en el lenguaje porque no tiene en cuenta su dimensión social. Concluye HAMEL (1993, p. 6):

a la Academia Española que “de forma consensuada” con las academias correspondientes, en total veintidós, aborde “de manera definitiva la nueva edición, tan esperada” de la gramática académica. Para tal fin, cada academia constituiría una comisión de gramática y el ponente de la obra sería Ignacio

No logra imponer sus definiciones porque

Bosque.

carece del poder para hacerlo. Descubrimos aquí otro aspecto fundamental de toda política lingüística: la posibilidad de intervenir sobre el lenguaje está determinada por las relaciones de poder vigentes entre los actores y grupos sociales.

La definición como una “obra colegiada, el último exponente de la política lingüística panhispánica que la Academia Española y las veintiuna Academias hermanas vienen impulsando” (NGLE, 2009, p. XL) hace hincapié en la

La parábola del solipsismo comunicativo y

responsabilidad de las veintidós academias. Queda

los ejemplos de la dominación azteca y la de España

dicho, entonces que, la jerarquía panhispánica se

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

778

instituye como acción política de magnitud,

objetivamente todas las prácticas lingüísticas”

poniendo en términos de hermandad a las veintidós

(BOURDIEU, 2001, p.19).

academias. Esto es confirmado por la presidencia del acto de los reyes de España y el presidente de Colombia, y la participación de intelectuales, escritores y representantes de universidades iberoamericanas, extendiéndose así, el alcance de su potestad en materia lingüística a América y a la Península Ibérica.

DEL VALLE (2007, p.34) titula Nue vas políticas lingüísticas para una España globalizada a un apartado del artículo citado poniendo en consideración el rol que cumplen, entre otros, distintos agentes macro y microplanificadores - las instituciones dependientes de la RAE, la prensa, los manuales, los cursos - en la planificación del estatus

En consonancia con gramáticas de otras

y del corpus del español a fin de que España se

lenguas europeas, el español presenta en esta

constituya en un estado que trascienda lo meramente

oportunidad, según la Academia, una “gramática

español, a la altura de otros estados de Europa.

moderna” aunque sea una “gramática académica” (NGLE, 2009, p. XLI), lo que se manifiesta en la dicotomía “descripción y prescripción” (NGLE, 2009, p. XLII). La fusión entre tradición y novedad en la exposición temática, respaldada por “los especialistas de las Academias” (NGLE, 2009, p. XLII), es un aspecto importante que refrenda la autoridad de la obra.

El policentrismo de la norma y la posibilidad de su interpretación como variable de la descripción son los criterios utilizados por la Academia para no solo evitar la pérdida de “la unidad del español”, sino para contribuir “más bien a fortalecerla” y a “comprender su distribución geográfica de forma más cabal” (NGLE, 2009, p. XLII). La lengua representa al estado y, como tal, es instrumento de unión. Este

Por otro lado, se dice que “es la más extensa y

enfoque invisibiliza, de hecho, las múltiples variantes

pormenorizada de las gramáticas académicas hasta

que se dan a lo largo y a lo ancho de la geografía

ahora publicadas y también una de las más detalladas

hispanohablante, ya que se citan, en forma general,

de cuantas gramáticas del español se hayan escrito”

las del español americano y las del europeo.

(NGLE, 2009, p. XLVII), lo que refuerza su supremacía.

La tan mentada unidad del español queda en manos de la norma acordada por “la RAE y la

La promoción del español al estatus de lengua

Asociación de Academias”, que se presenta a modo

internacional se vincula con la planificación del

de “recomendaciones” hechas “con el propósito,

estatus y del corpus; ya no solo es la lengua de una

igualmente declarado, de llamar la atención de los

parte de España y de una parte de América, es, en

hablantes sobre la lengua que usan, que les pertenece

definitiva, la lengua de todos. ¿Todos? ¿Quiénes?

y que deben cuidar” (NGLE, 2009 p. XLIII).

Desde esta observación el cambio de estatus del español deriva indefectiblemente en el cambio del corpus, es decir, en la necesidad de crear, generalizar y poner en circulación todo un aparato de objetos referidos a la lengua (diccionarios, gramáticas, ortografías, literatura) que coadyuva para que se convierta en “la norma teórica con que se miden

HAUGEN (1983 en CALVET, 1997 p. 10) señala que “si bien la lengua pertenece a quienes la hablan, el problema de la lengua es aquí asunto del Estado”. La lengua, para la Academia, es una cuestión de la Academia y no de los hablantes porque se parte de la premisa de que España trasciende los marcos geográficos; España se extiende a todo territorio de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

habla hispana y la lengua es el instrumento político para lograrlo. CALVET (1997, p. 66) plantea algunas cuestiones interesantes acerca de este tema: (…) ¿en qué medida el hombre puede intervenir en la lengua y las lenguas? Numerosos ejemplos nos muestran que esta intervención es posible pero no nos dispensan de teorización. De hecho, hemos visto que las políticas lingüísticas funcionan según el modo de la ‘imitación’, que intentan reproducir ‘in vitro’ lo que se ha producido miles de veces ‘in vivo’, en la historia de las lenguas. Pero hemos visto también que, a veces, estas políticas fracasan, se chocan con dificultades prácticas: la imitación alcanza entonces sus límites. Y este principio de evolución tendencial hacia un nivel de eficacia podría ser una suerte de venganza de las lenguas, es decir, de los hablantes, sobre aquellos que pretenden dictarles una evolución.

El proceso de diez años da como resultado una obra que tiene tres versiones (la de referencia,

779

sino también los esfuerzos para la construcción nacional de España.

A partir de la década del 80, la ejecución de las políticas de dominación cultural y económica se ha puesto en manos de la secretaría de estado de relaciones exteriores, forjándose “nuevas ideologías lingüísticas”, al decir de DEL VALLE (2007, p. 36). El afán académico por destacar el interés en la divulgación de la obra se fundamenta en la consideración de que se trata de la “gramática oficial”, “consensuada y aprobada por la veintidós Academias que integran la Asociación, por lo que sus recomendaciones normativas cuentan con el respaldo de esta institución internacional, sustentado en la autoridad que los hispanohablantes le reconocen en lo relativo a la fijación de la norma”. (NGLE, 2009, p. XLVI).

un manual y una edición básica); “la mejor forma

La “hispanofonía” o ideología lingüística

de que llegue a todos – El español de todo el mundo

sobre el español – conjunto de ideologemas centrados

es su lema de presentación-es construir distintas

en el idioma español, materializador de un “orden

versiones del texto y adaptarlas a los más variados

colectivo en el cual España desempeña un papel

destinatarios” (NGLE, 2099, p. XLVI).

central” (DEL VALLE, 2007, p. 37) – explica la

En este punto, puedo decir que el lema podría apuntar a una perspectiva profundamente variacionista, sin embargo se afilia a la construcción de una norma para todos los hablantes del español, mediante los distintos formatos de presentación. No es menor que el interés hegemónico por colocar los asuntos del español y de España en el concierto internacional vaya más allá de lo meramente lingüístico cultural. Dice DEL VALLE (2007, p. 37): (…) desde el gobierno de Madrid y desde las instituciones de poder lingüístico se iba sintiendo la necesidad de proyectar una imagen del español –de su relación con la propia España, con los países hispánicos, con la CIN y con el resto del mundo- que complementara no solo los planes de modernización, crecimiento económico y ampliación de la presencia política y económica del país en el mercado global

significación del sintagma “gramática oficial”. España se alza con la centralidad de una “comunidad imaginada” (DEL VALLE, 2007, p. 38), donde el policentrismo aducido queda desfigurado. Se insiste en que el tratamiento de los temas se realiza de manera que “la descripción refleje la diversidad idiomática” (NGLE, 2009, p. XLVII). La aclaración - aparentemente ingenua - de que en la obra suelen darse argumentos “a favor de dos o más opciones contrapuestas en el análisis gramatical, pero sin elegir necesariamente una de ellas” (NGLE, 2009, p. XLVI) no oculta la intencionalidad normativa expresada sin ambages en la explicitación de los objetivos de todas las gramáticas académicas, en especial de esta:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

780

(…) intentar contribuir a que los hablantes ejerciten la reflexión sobre su propia lengua presentándoles los instrumentos con los que esa reflexión se lleva a cabo en ámbitos profesionales. (…) llamar la atención sobre la necesidad de que se revitalice la reflexión sobre el idioma y el interés por el lenguaje mismo como patrimonio individual y colectivo. (NGLE, 2009, p. XLVII).

La Academia en su discurso impone su obra como modelo hegemónico y homogeneizador de la lengua española. Vale la pena citar a BOURDIEU (2001, p. 65): “El lenguaje y las representaciones en general tienen una eficacia propiamente simbólica

Como vemos, la complejidad de la relación entre política lingüística y planeamiento hace que se presenten y se enmarañen diferentes campos de la vida social: el administrativo, el económico, el diplomático, el científico, el de las comunicaciones y, por supuesto, el educativo. A propósito de esto señala NARVAJA DE ARNOUX (2011, p. 5): La Glotopolítica comporta una dimensión aplicada, un saber experto, el ‘planeamiento lingüístico’, tendiente a incidir en el espacio social del lenguaje respondiendo a distintas demandas y convocando la participación de las instancias involucradas.

de construir la realidad”. La colaboración de empresas españolas y la complicidad de sectores culturales y de gobierno de la sociedad española y americana han promovido la hispanofonía

2.2 La Introducción de la Gramática Descriptiva de la Lengua Española

naturalizando y legitimando la presencia del capital español (DEL VALLE, 2007, p. 39) en la construcción de

la

nueva

institucionalidad

española

transnacional. Hoy podemos analizar las acciones destinadas a habilitar esta nueva modalidad imperialista desde una mirada en la que no solo se toman en cuenta los aspectos económicos, sino que se “incluyen también las dimensiones políticas, sociales e ideológicas de la explotación, y las combinan todas en un todo coherente” (Phillipson, 2007, p. 6).

El título de la obra dirigida por Ignacio Bosque y Violeta Demonte, Gramática Descriptiva de la Lengua Española, que consta de tres Importantes volúmenes, deja a un lado - aunque visible - la mención a la Real Academia Española y a su Colección Nebrija y Bello, sección en la que es editada. Es el antecedente inmediato de la Nueva Gramática de la Lengua Española de la RAE y la AALE y desde el comienzo se afirma que “constituye la gramática más detallada que se haya escrito nunca sobre nuestra lengua” y “una de las más exhaustivas

El espíritu panhispánico queda al descubierto y se manifiesta en el párrafo final del prólogo en el que

que se hayan publicado nunca para cualquier idioma” (GDLE, 1999, p. XIX).

se justifican y agradecen el “denodado esfuerzo y la generosa colaboración de un gran número de personas e instituciones” para llegar a plasmar la obra “con el objetivo supremo de servir a la unidad del español”

Se erige como una construcción colectiva, descriptiva, de múltiple acceso y con nuevos temas en la gramática del español.

(NGLE, 2009, p. XLVIII). La nueva imagen de la unidad

El “marco conceptual de conciliación”

del español basada en tres pilares - concordia,

encuadrado en “un tono expositivo relativamente

universalismo y rentabilidad - (DEL VALLE, 2007,

homogéneo”, respetando el estilo de los autores de

p.41) configura el ideologema de la lengua, patria

cada uno de los artículos, dicen los directores, es

común que delinea la identidad “de una posnación, de

uno de los aspectos que caracteriza esta obra como

una comunidad internacional panhispánica” (DEL

“una gramática del español” y no como “un conjunto

VALLE, 2007, p.53).

de estudios gramaticales sobre nuestra lengua”

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

781

(GDLE, 1999 p. XX). El lexema “conciliación”

a delinearse en 1993 y que en 1998 exponen el

prepara al lector para los consensos que se

proyecto a la Real Academia Española que lo recibió

expondrán en la NGLE de 2009. La explicitación del

con agrado destinando su publicación a la Colección

espíritu conciliatorio y respetuoso utilizado en la

Nebrija y Bello, perteneciente a la corporación.

metodología de presentación de los trabajos no puede hacernos olvidar el objetivo de cualquier gramática, “uniformizar y homogeneizar desde el lenguaje a toda la población” (NARVAJA DE ARNOUX, 2011, p. 2).

La aspiración de “llegar a un ‘acuerdo de mínimos’ entre todos los que entendemos que es conveniente, incluso deseable, presentar a la comunidad, de manera integrada y pormenorizada los fundamentos de la estructura de nuestro idioma”

Por otro lado, dice el texto que “la segunda

(GDLE, 1999, p. XXVIII), de ser un puesto

característica fundamental de este trabajo forma

intermedio entre la especialización lingüística y la

parte de su título: esta es una obra descriptiva”

divulgación que resuelva la tensión entre

(GDLE, 1999, p. XX). Se plantean algunas

investigación y difusión, nos transporta al interés

disquisiciones sobre la relación entre la descripción

que once años después lleva a la NGLE a pretender

y la teoría y se llega a la afirmación de que se trata de

mostrarse como una gramática moderna –

“una gramática descriptiva de ‘referencia’, y no una

descriptiva y normativa a la vez- y, como señala su

obra de ‘doctrina’ gramatical” (GDLE, 1999, p.

lema, con fuerte vocación divulgativa.

XXIII). De esta manera, la identificación como obra descriptiva de referencia es la tímida antesala de la división constituida por la descripción y la norma, desvelada en la NGLE. La tercera faceta tiene que ver con el abordaje

Los directores afirman con contundencia que “no es una obra normativa, ni directa ni indirectamente” (GDLE, 1999, p. XXIX), aunque se hace mención a la agramaticalidad, a la incorrección y a cuestiones normativas que se manejan en la obra.

desde diferentes perspectivas o de acceso múltiple a los diferentes temas, por lo cual se afirma: “El resultado es una composición múltiple, sinfónica,

2. Conclusión

de la que surgen melodías que pretendemos armónicas” (GDLE, 1999, p. XXIV), lo que podría

España y sus aliados (corporaciones estatales

explicar la presencia de setenta autores reunidos y

y privadas de Europa y América luchan con brío

dirigidos por Bosque y Demonte.

por mantener y consolidar un poderío económico,

Al exponer la presencia de “nuevas cuestiones en la gramática del español” (GDLE, 1999, p. XXIV) se insta a que “los futuros manuales y libros de texto”

cultural y político comenzado en la época colonial y, vigorizado con el lema El español de todo el mundo de la NGLE.

sean “más amplios de contenido, más ricos en matices

La hispanofonía o el español lengua común

y ejemplificación, más abiertos a considerar con

crea la representación social de la centralidad de

detalle construcciones que tienen escasa presencia

España ocultando la dimensión política que ello

en las gramáticas clásicas” (GDLE, 1999, p. XXV),

supone.

con lo que se establece como obra a imitar. En el apartado referido a la historia del trabajo, los directores relatan que la obra comienza

Tanto la NGLE como la GDLE comparten aspectos que las posicionan como instrumentos de

782

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

poder donde se afianza el proyecto panhispánico en

BARRIOS, Graciela (2008): Etnicidad y Lenguaje.

cuyo meollo se encuentra la lengua española,

Universidad de la República. Montevideo: Facultad de

verdadero baluarte de la construcción de la

Humanidades y Ciencias de la Educación.

identidad posnacional.

BOSQUE, Ignacio y DEMONTE, Violeta (dores.) (1999): Gramática Descriptiva de la Lengua Española. Real Academia Española. Colección Nebrija y Bello. Madrid: Espasa Calpe.

Referencias bibliográficas BOURDIEU, Pierre (2001): ¿Qué significa hablar? Madrid: ARNOUX, Elvira N. de (2011): Pensamiento gramatical y

Akal.

periodismo: las “notas” de dos letrados hispanoamericanos

CALVET, Louis Jean (1997): Las políticas lingüísticas. Press

en la primera década revolucionaria en Buenos Aires. En:

Universitaires de France, 1996. Versión castellana: Varela,

Revista Letras, Universidad Federal de Santa María

LÍA. Supervisión: Bein, ROBERTO. Edicial.

(aceptado para su publicación). DEL VALLE, José (2007): La lengua, patria común: la _____. (2000): Las gramáticas en la historia. En: Jornada

‘hispanofonía’ y el nacionalismo panhispánico. En: DEL

Internacional Lengua y Gramática Española. Buenos Aires:

VALLE, José (ed.). La lengua, ¿patria común? Ideas e ideologías

Fundación José Ortega y Gasset Argentina.

del español. Madrid / Frankfurt: Iberoamericana / Vervuert.

_____. (2011): Desde Iguazú: mirada glotopolítica sobre la

HAMEL, Rainer Enrique (1993): Políticas y planificación

integración regional. En: Fanjul, ADRIÁN (ed.), Políticas

del lenguaje: una introducción. México: UNAM.

lingüísticas e integração regional, Universidade Estadual de Oeste de Paraná, en: FANJUL, Adrián Pablo e CASTELA,

PHILLIPSON, Robert (2007): El imperialismo lingüístico:

Greice da Silva (organizadores). Línguas, Políticas e ensino

bases teóricas. es.scribd.com Traducción de BELLO, Ana

na integração regional. Cascavel: ASSOESTE, 2011, p.192.

realizada para la cátedra Sociología del lenguaje. F F y L.

ISBN: 978-85-99994-18-4.

UBA. REAL ACADEMIA ESPAÑOLA Y ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA (2009): Nueva Gramática de la Lengua Española. Madrid: Espasa Libros.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

783

POÉTICAS DA MEMÓRIA NAS NARRATIVAS DE ALFONS CERVERA E VÁZQUEZ MONTALBÁN

Maria de Fátima Alves Oliveira Marcari UNESP/Assis

Pode-se afirmar que a grande quantidade de

temáticas e estruturais, assim como vários

publicações contemporâneas sobre a memória da

personagens em comum. Em El color del crepúsculo,

Guerra Civil espanhola e do franquismo tem como

a protagonista Sunta, ás vesperas de seu casamento,

objetivo a recuperação da memória dos vencidos,

escreve suas memórias em Los Yesares, o povoado

assim como buscam responder à transição

onde nasceu e pretende viver até o fim de seu vida.

democrática pactuada no início dos anos oitenta do

Maquis, segundo romance da trilogia, narra o

século passado. Nesse movimiento rememorativo,

cotidiano do povoado, marcado pela repressão

surgem posturas diversas e ambivalentes diante dos

empreendida pelos guardas civis contra os

tênues límites entre a memória pessoal (a infância,

moradores e os maquis. Félix, o avô de Sunta, a

a casa natal, a juventude dos escritores) e a memória

menina do primeiro romance, é o protagonista de

coletiva e histórica. Dentre os romancistas,

La noche inmóvil que está à espera da morte,

destacam-se o barcelonês Manuel Vázquez

fustigado pelas recordações e pelas vozes dos amigos

Montalbán e o valenciano Alfons Cervera.

já mortos.

Após a publicação de uma série de romances

Os romances reconstituem as memórias de

caracterizados pelo experimentalismo linguístico e

uma coletividade de modo

formal, Alfons Cervera iniciou um projeto literário

descontínuo, mas com grande coerência e força

de rememoração da pós-guerra espanhola, centrado

poética, como se pode constatar a partir dos títulos

em uma trilogia de romances: El color del crepúsculo,

- El color del crepúsculo, La noche inmóvil -, que

(1995), Maquis (1997), La noche inmóvil (1999). A

recorrem à sinestesia para expressar a percepção

trilogia reconstitui a memória do cotidiano dos

sensorial da passagem do tempo. O primeiro título

habitantes de Los Yesares, nome fictício atribuído

refere-se ao momento crepuscular vivido por Sunta,

ao povoado de Gestalgar, terra natal do escritor,

a narradora-protagonista, que se aproxima dos

em Valência. As narrativas apresentam semelhanças

cinquenta anos e decide escrever suas memórias; já

fragmentado e

784

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

La noche inmóvil alude à proximidade da morte

errores del pasado” (CERVERA, 1995, p. 23). Assim,

pressentida pelo ancião Félix, que passa os dias

ela acredita ser capaz de relembrar do passado de

sentado imóvil na soleira de sua porta desde a morte

modo voluntário e racional, como uma estratégia

de seu filho Miguel. O segundo livro, Maquis,

de defesa contra o esquecimento.

conforme observa o critico George Tyras, além de referir-se aos guerrilheiros antifranquistas, é uma palavra francesa que designa certo tipo de arbustos baixos e de vegetação densa, assim como as regiões onde se encontram essa vegetação, que serviam de refúgio aos resistentes. O crítico destaca o valor metafórico do termo maquis, o qual aludiria à própria estrutura do romance e “a um modo de leitura que teria que passar por um caminho denso e intrincado” (TYRAS, 2007, p. 79, trad. nossa).

A partir dessa premissa inicial da rememoração voluntária, a protagonista passa a promover a espacialização do que pretende guardar em seu tecido de memória. O quarto de Sunta se converte em espaço da costura e da escritura, e o tecer das memórias aparece associado ao ofício de tecer uma toalha para sua mesa de casamento, através de uma série de imagens poéticas:”Cose, pespunte a pespunte, la memoria que le va quedando, de miedos e de despedidas” (CERVERA,

A trilogia apresenta uma narrativa dividida

1995, p. 29); “recién terminado el trabajo en el

em sequências, sendo que cada uma delas refere-se a

horno, se ponía a escribir, a coser la mantelería”

um ou vários personagens, através da rememoração

(CERVERA, 1995, p. 131); “se p onía escribir

de epísódios geralmente cotidianos, narrados de

histórias y a coser manteles y personajes” (idem,

modo fragmentado. Os episódios são repetidamente

1995, p.131). O ato de escrever/tecer a memória

narrados na trilogia, ou são recontados sob

alude à imagem da tapeçaria tecida por Penélope,

diferentes pontos de vista. Nosso trabalho examina

pois, assim como a personagem fazia e desfazia sua

o processo de rememoração presente no primeiro

tecelagem, Sunta faz seu tecido de memórias e o vê

livro da série El color del crepúsculo, no qual a maior

sendo esgarçado pela força do tempo e do

parte das sequências são rememoradas pela

esquecimento.

narradora- protagonista Sunta, que escreve suas memórias às vésperas de seu casamento. A protagonista está prestes a casar-se, mas teme abandonar a casa onde sempre viveu, com todos os seus fantasmas familiares, pois, como dizia seu avo Félix, “uno se ha de morir en el sitio donde ha nacido”. Seu relato tem o intuito de assegurar a conservação da memória da comunidade a que pertence: “Porque sabe de la fragilidad de la memoria, escribe” (CERVERA, 1995, p. 23), afirma um narrador heterodiegético. A protagonista se descobre frágil, mas ao mesmo tempo demonstra que um senso de lealdade em relação ao passado a impulsiona a escrever suas memórias, que deveriam

A associação de indícios espaciais e temporais na tarefa de rememoração da infância e da juventude elaborada pela personagem evoca o conceito de cronotopo, termo trazido para a crítica literária por Bakhtin, (1993, p. 211), no sentido da interligação fundamental das relações temporais e espaciais. Bachelard (1989) também destaca a associação de uma imagen com uma recordação e, em consonância con o conceito de nostalgia, examina as imagens do chamado espaço feliz (1989, p. 27), o qual converte-se na sede primordial do desencadeamento da memória nostálgica. Neste

sentido,

a

rememoração

da

ser “más registro notarial de sus componentes que

protagonista Sunta evoca lugares portadores de

superchería afectiva o rendición de cuentas a los

recordações, como o Bar La Agrícola, no qual os

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

785

velhos passavam as tardes sentados jogando baralho

lembrança do primeiro contato amoroso, por meio

e iam envelhecendo a cada dia, curvados sob o peso

da memória involuntária, corporal, que introduz a

da memória Durante o dia, eram obrigados a

memória do passado no presente, rejuvenescendo-

suportar a companhia bastarda dos guardas civis. O

o, Mas uma constatação dolorosa logo arrebata a

bar, no entanto, se transforma em um lugar festivo à

juventude reconquistada: “él debe tener sesenta años

noite, quando havia os bailes onde tocava o Negro

o más y parece que el cansancio se le ha amontonado

com seu acordeão, enquanto a menina Sunta e seu

en los ojos (CERVERA, 1995, p. 43).”

primo Hector corriam por entre as pernas dos casais que dançavam habaneras e pasodobles.

Ao reconhecer a dimensão profunda existente em outro tipo de memória, a involuntária, pode-se

Em sua rememoração da infância, a

trazer de volta aquela lembrança já esquecida,

narradora reconstitui cronotopos que são

reforçando o valor que passa a ser dado aos outros

repetidamente evocados ao longo do relato. São os

sentidos, além da visão. Assim sendo, a evocação das

lugares preferidos onde brincava com seu primo

memórias de Sunta se dá muitas vezes a partir de belas

Hector e Alicia: os caminhos que levavam até a Fonte

imagens sinestésicas. Ela comenta que a toalha de

Grande; onde Hector caçava rãs, mas também curava

plástico que cobre a mesa onde escreve tem cheiro de

pombas feridas, o morro chamado de cabeça de

recordações – “el hule huele a recuerdos”; assim como

Napoleão que, com sua mirada de espião, vigiava

também define a luz do crepúsculo que entra todas

tudo o que acontecia no povoado, as ruínas de um

as tardes pela janela de seu quarto como “la luz que

castelo, metade mouro, metade cristão, o qual a fazia

traspasa las fronteras del tiempo”, que tem “el color

relembrar-se de seu avô: “Me acuerdo que sólo se

de la memoria incierta” e “el olor agridulce de la

reía cuando me removía los cabellos y decía que eran

soledad.” (CERVERA, 1995, p. 162). No final do livro,

del mismo color que el castillo (CERVERA, 1995, p.

Sunta constata, através de um monologo interior,

47).” A narradora-protagonista, afirma que “Ya no

que casar-se significa abandonar todas as suas

existe la Fuente Grande, ni la Agrícola, ni el cine

recordações:

(...) por eso lo digo y lo escribo, para que vuelva a existir todo como entonces (CERVERA, 1995, p. 147).” Cabe ressaltar que não se trata de uma reelaboração nostálgica do contexto do franquismo, mas de uma atitude nostálgica que volta-se para os

“Me caso, no me caso, Arturo, porque no se si estoy dispuesta a quererte sin reparos, o con los escasos reparos que al amor imponen los años y la lealtad que esos años imponen también a la memoria de unas gentes que contigo pasarán a ser solo fantasmas, sólo personajes destinados al olvido o a la compasión” (CERVERA, 1995, p. 161).

espaços felizes da infância e da adolescência. A

A rememoração nostálgica se nega a esquecer,

personagem adulta revive a Sunta adolescente, por

a aceitar a transitoriedade de nossas representações,

exemplo, ao reencontrar, trinta anos depois, Jonas,

a ausência temporal de nós mesmos e dos outros. Se

seu primeiro amor, com quem passou apenas um

considerarmos a etimología da palavra nostalgia, que

verão: “Ayer via a Jonás. (...) . Así de repente me sentí

deriva do termo grego nóstos (regresso, volta à

un poco tonta, como la primeira vez que sus treinta

pátria), fica evidente a necessidade de resgatar o

y dos años cayeron encima de los diecisiete que yo

arcabouço implicado nas imagens do passado. Neste

tenía, (...) entre los juncos (...) de la Fuente Grande

sentido, pátria será tudo aquilo que implique

(CERVERA, 1995, p. 43).” Através da rememoração

pertença, física ou temporal: pessoas, lugares,

da experiência sensorial, a personagem revive a

acontecimentos. Assim sendo, vale enfatizar que os

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

786

espaços rememorados estão marcados por indícios

efervescência cultural em que sobressai o vazio

do passado histórico, uma vez que constituem lugares

ideológico que irá

da memória individual não apenas da protagonista,

protagonistas. O grupo de antigos estudantes e

mas do autor, que revelou em uma entrevista,

militantes políticos, agora formado por dois

ilustrada com várias fotos, que os lugares descritos

tradutores, uma enfermeira, uma professora e um

no romance são reais, bem como o livro

possui

ator decadente, percorre as ramblas de Barcelona

muitos elementos autobiográficos. Desse modo, ao

para assistirem na boate Capablanca aos espetáculos

recuperar cronotopos de sua infância, o autor

de travestis recentemente liberados nos novos tempos

transforma-os em lugares da memória de seu

do governo socialista: “Por aquí han entrado todas las

povoado, Gestalgar, que recebe o nome fictício de

novedades en España, desde el endecasílabo hasta los

Los Yesares.

travestís” (MONTALBÁN, 2007, p. 38 ), comenta

caracterizar o grupo de

Schubert, um professor universitário hipócrita. O grupo oscila entre ostentar uma cínica resistência

El pianista: do desencanto à valorização da memória coletiva

ou assumir o oportunismo que propicia o governo socialista. Somente Ventura, um tradutor que tem uma doença terminal, demonstra ter uma visão

O barcelonês Manuel Vazquez Montalbán é

crítica da época, a qual evidencia-se em seus

conhecido por sua crítica incansável acerca da

comentários sobre os frequentadores da boate: “Casi

chamada “amnésia consensual” pactuada durante a

en cada mesa una cara conocida. La generación que

transição democrática espanhola no início dos anos

está en el poder (...). Los que supieron dejar de ser

oitenta, além da sua

defesa da cultura do

franquistas a tiempo y los que supieron ser

proletariado e suas tradições orais. Em El pianista, o

antifranquistas en su justa medida o a su justo tiempo

romancista elabora uma reflexão moral sobre o

(MONTALBÁN,, 2007, p. 38).”

oportunismo que marcou a época da transição democrática, ao narrar a história de um músico que

Com o fim da ditadura franquista, o grupo

tem sua carreira artística truncada a partir da

desmorona-se física e espitirualmente , e o encontro

irrupção da Guerra Civil. O relato, organizado em

marca o reconhecimento de uma militância que na

três capítulos, é conduzido por um narrador

realidade fora sempre passiva: “Para la clase obrera,

onisciente, e a anacronía narrativa se manifesta

(...), la lucha tenía otro sentido. Para nosotros, era

através de analepses: o primeiro capítulo se passa em

basicamente una cuestión estética (MONTALBÁN,

1983, época da transição democrática; o segundo em

2007, p. 57).”

1946, durante a duríssima pós-guerra, e o terceiro em 1936, pouco antes do inicio da Guerra Civil Espanhola (1936-1939).

A conduta despolitizada dos personagens da primeira parte do livro contrasta com a dos personagens do segundo capítulo, em que o

Cada capítulo do romance apresenta um

protagonismo pertence a um grupo de moradores

grupo de personagens que representam o clima sócio-

do bairro Raval de Barcelona. São emigrantes pobres

político e intelectual do momento. Comentaremos

que abandonaram seus povoados, para tentar uma

apenas o primeiro e o segundo capítulo do romance.

vida melhor na capital: os perdedores da Guerra

O primeiro capítulo tem como contexto histórico a

Civil, que configuram um protagonismo coletivo. Os

Espanha de 1982 e apresenta uma ambientação

personagens principais do grupo são: Andrés,

narcisista: a chamada movida, o espaço de

sobrevivente de un campo de concentração, o

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

boxeador iniciante Young Serra, Magda e Ofélia, duas moças consideradas modernas para a época, um velho casal e o pianista e Alberto Rosell, recém saído de um campo de concentração devido à sua participação na Guerra Civil.

787

tener un poeta y un cronista, al menos, para que dentro de muchos años, en unos museos especiales, las gentes pudieran revivir por medio de la memoria. (MONTALBÁN, 2007, p. 94)

Cabe ressaltar que Andrés representa a figura do contador de histórias, a categoria de narrador

Os personagens resolvem então emprender

valorizada por Walter Benjamin (1994). Através do

uma excursão saltando pelos terraços das casas em

personagem, o autor demonstra o poder

busca de un piano para Alberto. O capítulo

aglutinador dos relatos orais recolhidos pelo

apresenta uma memória local polifônica e o pianista

cronista, que recupera as múltiplas vozes dos

integra-se à comunidade, ao narrar sua história

marginados políticos.

política comum de prisioneiro político e sobrevivente. Esta necesidade de colaboração desaparece na geração da década de oitenta, representada

pelo

grupo

de

personagens

desencantados do primeiro capítulo. A pregrinação pelo espaço narcísico da movida barcelonesa contrapõe-se à excursão dos moradores do bairro Raval do segundo capítulo. O grupo escolhe saltar pelos telhados ao invés de seguir pelas calçadas, uma vez que estas são controladas pela guarda civil, que

Se a nostalgia como motivação política foi outrora associada ao fascismo, assistimos atualmente

a

emergência

de

romances

caracterizados por uma nostalgia assertiva. Assim, ao valorizar a rememoração nostálgica, ética e utópica, Cervera e Vázquez Montalbán configuram em suas obras uma insatisfação lúcida e impiedosa com relação ao presente, em razão de um passado rememorado e ainda longe de ser esquecido.

aterroriza os habitantes do bairro. Desse modo, a excursão pelos telhados configura um espaço utópico, um território livre, onde todos podem expressar-se sem temor. Os personagens da Barcelona de 1942 representam uma realidade caracterizada pela supressão institucional de sua versão da história espanhola recente e a discriminação de sua memória

Referências bibliográficas BACHELARD, Gaston (1989): A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes. BAKHTIN, M. M. (1993): Questões de literatura e estética. São Paulo: Ed. Unesp.

coletiva. Assim sendo, o personagem Andrés tem o

BENJAMIN, Walter (1994): O narrador. Em: Magia e

papel de porta-voz da história oral e da memória

técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da

coletiva do bairro Raval:

cultura. São Paulo: Brasiliense.

“(...) yo estoy aquí desde niño, en esta casa murió mi padre, (...), he vivido los mejores y los peores años de nuestra vida, conozco a los vecinos, casi todos han perdido la guerra y llevan la posguerra a cuestas como un muerto [ . . . ] Me gustaría saber escribir como Vargas Vila o Fernández Flores o Blasco Ibáñez para contar todo esto, porque nadie lo contará nunca y esta gente se morirá cuando se muera, (...) Cada barrio debería

CERVERA, Alfons ( 1995): El color del crepúsculo. Barcelona: Montesinos. CERVERA, Alfons (1999): La noche inmóvil. Barcelona: Montesinos. CERVERA, Alfons (1997): Maquis. Barcelona: Montesinos. MONTALBÁN, Manuel Vázquez (2007): El pianista. Barcelona: DeBolsillo.

788

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

NAVAJAS, Gonzalo (1996): Más allá de la modernidad:

TYRAS, George (2007): Memoria y resistencia: El maquis

estética de la nueva novela y cine españoles. Barcelona:

literario de Alfons Cervera. Barcelona: Montesinos.

Ediciones Universitarias de Barcelona.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

789

EXPLICACIONES DE LO FEMENINO EN LA NARRATIVA DE MARCELA SERRANO

María Esther Blanco Iglesias

La lectura de la novela de Marcela Serrano

proponemos en este trabajo ver primero si la

Nosotras que nos queremos tanto y a continuación

narrativa de Marcela Serrano y en concreto esta

de otras novelas suyas como Para que no me olvides

novela tienen la marca de género, si podemos

y Antigua vida mía me produjo un enorme interés y

considerarla exponente de la llamada literatura

una gran identificación. Por una parte, por la

femenina, considerando qué entendemos por

historia envolvente de todos esos personajes

literatura femenina, para después llamar la atención

femeninos y por otra, por su feminidad rotunda,

sobre algunos de esos contrastes que definen en esta

por esa mirada sobre el mundo que se percibe en el

novela la naturaleza de la experiencia de vida de la

relato. Marcela Serrano, al mismo tiempo que

mujer.

cuenta, pone en boca de sus personajes, reflexiones, ideas sobre la existencia solo comprensibles desde una feminidad intensa y consciente. Mujeres diversas se adueñan de la voz del relato, sus historias se narran desde los ojos y el lenguaje de las mujeres. Tras la lectura, esas voces fueron dejando en mí una serie de citas que iba anotando, y que al releerlas se convirtieron en explicaciones de lo femenino, temas e imágenes diseminados por el relato que, desde la diversidad de voces de la novela, van conformando, una trama de contrastes que definen de forma dialéctica la identidad de

La trama de Nosotras que nos queremos tanto se estructura en torno al encuentro de cuatro amigas en una casa de campo en el sur de Chile, a partir del cual se rememora la historia personal y familiar de cada una de ellas y la amistad crecida a lo largo de diez años en el Chile de la dictadura militar. Todos estos fragmentos e historias de vida forman un collage donde vemos reflejadas cuestiones como la relación con la madre, la relación con el hombre, con la familia, con el partido, el matrimonio, el sexo, la maternidad, la vejez, etc.

género: el vacío frente al lleno, el deseo del otro

La fuerza femenina del relato nos coloca,

sexo frente al extrañamiento, lo dominante frente

antes de nada, frente a una cuestión ineludible a la

a lo periférico, la voz frente al silencio, etc. Nos

hora de estudiar esta novela y en general la narrativa

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

790

de la autora: ¿la obra de Marcela Serrano constituye

significado y significante desde dos dimensiones: la

una literatura femenina o de mujeres? En caso de

de la escritura como productividad textual y la de

existir tal literatura femenina, ¿en qué consiste? La

la identidad como juego de representaciones.

definición de un canon femenino deberá surgir del levantamiento bibliográfico de explicaciones convincentes de la escritura femenina o de la feminidad en la escritura y a partir de esas explicaciones intentar analizar de qué forma nuestra autora se encuadra en él. Erna Pfeiffer (2002: 67) habla de “literatura de mujeres” y rechaza la calificación de “literatura femenina” por lo que este concepto tiene de excluyente: al adjetivar la producción literaria de las mujeres como literatura femenina se la acota a un mundo fuera de la Literatura, la creación literaria por excelencia, que es masculina, y se la condena al guetto de la subliteratura, de algo con sus propias leyes, su propio público, sus propios temas. La crítica chilena Nelly Richards 1 cuestiona también la eficacia o coherencia de este concepto. La aceptación del término implicaría la delimitación de un corpus basado en el recorte de género sexual y la demarcación de un sistema relativamente autónomo de referencias que lo unificase y respondiera a la pregunta de si existen caracterizaciones de género que puedan tipificar una cierta escritura femenina tanto a nivel simbólico-expresivo (un registro femenino, un estilo de mujer) como a nivel temático (asunto narrativo centrado en imágenes de la mujer).

Richards

cuestiona

también

esta

categorización porque se limita a una concepción naturalista del texto pensado como vehículo expresivo de contenidos vivenciales, dando un tratamiento realista a la literatura que desatiende la materialidad del texto de obras cuya escritura desestructura y reestructura los códigos narrativos violentando el código referencial. Igual que Eina Pfeiffer, considera que este tipo de crítica universaliza lo femenino reduciéndolo a una identidad o esencia. Richards propone una nueva crítica literaria que construya lo femenino como

A las voces que argumentan que no hay una literatura femenina y sólo una literatura buena o mala, contesta Nelly Richards citando a Lyotard: el lenguaje y la escritura no son indiferentes a la diferencia genérico-sexual y afirmar lo contrario es en sí mismo sospechoso, refuerza el poder establecido. Para abordar la feminidad de la escritura desde otra perspectiva, se apoya en la teoría de Julia Kristeva según la cual, la escritura, además de los condicionamientos biológico-sexuales y psico-sociales que definen al sujeto autor, pone en movimiento un cruce interdialéctico de varias fuerzas de subjetivación entre las cuales destacan dos que se contestan la una a la otra: la semiótica pulsional (femenina) que desborda la finitud de la palabra y la masculina racionalizadora y conceptualizante, que simboliza la institución del signo. El predominio de una sobre otra polariza la escritura sea en términos masculinos (cuando se impone la norma estabilizante), sea en términos femeninos

(cuando

prevalece

el

vértigo

desestructurador). Por eso Nelly Richards habla más que de la escritura femenina, de la “feminización” de la escritura cada vez que la poética o la erótica del signo ultrapasan el marco de contención de la significación masculina con sus excedentes rebeldes (cuerpo, libido, goce, heterogeneidad, multiplicidad, etc.) para desregular la tesis del discurso mayoritario. Se quiebra así el enfoque naturalista (vinculado al determinismo biológico y los roles simbólicos). Desde esta perspectiva metodológica, cualquier literatura que se practique como “disidencia de identidad” respecto al formato reglado de la cultura masculino-paterna traería la marca minoritaria y subversiva de lo femenino. Se entiende de esta manera lo femenino como aquello que desde los márgenes del poder central, busca producir una modificación en la

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

791

trama monolítica de la actividad literaria,

minoritaria y subversiva de lo femenino. La propia

independientemente de que los autores sean hombres

Marcela Serrano se posiciona al respecto: rechaza la

o mujeres.

clasificación de su obra según ese criterio

La hispanista Biruté Ciplijauskaité (1983:398) explica que aun con la resistencia de muchas autoras críticas a catalogar los procedimientos narrativos femeninos, coinciden todas ellas en un denominador común: la necesidad de rechazar el lenguaje impuesto, de reivindicar una palabra propia, además de la reivindicación del derecho al cuerpo y al gozo. Otros rasgos destacados por la crítica en la escritura femenina son la tendencia a la estructura abierta y repetitiva,

simplificador, naturalista, pero, al mismo tiempo, proclama su identidad genérica. Afirma con rotundidad que escribe como mujer, reivindica la necesidad de contar la historia de las mujeres desde el espacio de la mujer - que es el espacio del no poder - , desde los márgenes: no creo en la literatura feminista, lo que yo hago es tomar un punto de vista, y todos sabemos que no hay literatura neutra, ni inocente. Yo como mujer, tampoco soy neutra frente al tema de ser mujer. 2

cumulativa y cíclica, en conexión con la rutina diaria de la vida de la mujer; la ambigüedad, la reproducción

Vamos entonces en este trabajo a llamar la

del flujo de la conciencia y la prevalencia del uso de la

atención sobre algunas de las marcas de lo femenino en

parataxis (yuxtaposición) sobre la hipotaxis

la novela de la autora chilena, esos excedentes rebeldes

(subordinación), relacionada con el deseo de

que se manifiestan especialmente en el perfil de sus

insubordinación. Estos rasgos apuntados por

mujeres protagonistas, que cuestionan de formas

Ciplijauskaité nos remiten a la pulsión desestructuradora

múltiples y diversas los roles femeninos previstos por la

de la que hablaba Nelly Richards, esa semiótica pulsional,

cultura masculino-paterna tradicional y que viven de

esos excedentes rebeldes (cuerpo, libido, goce,

forma consciente, cambiante y múltiple su identidad

heterogeneidad...) Ciplijauskaité llama la atención

femenina, sobre la que además reflexionan

también sobre otro aspecto interesante y que podemos

constantemente. Cuerpo, libido, goce, heterogeneidad,

relacionar con las dos semióticas: el uso que la crítica

multiplicidad, de los que hablaba Nelly Richards como

feminista ha realizado de los conceptos yungianos del

marcas de la dimensión femenina de la escritura, son

“ego” – lo masculino – y el subconsciente – lo femenino -

significados simbólicos muy presentes en la obra de

. Esa conexión con el subconsciente explicaría el carácter

Marcela Serrano y en cómo se manifiestan estos en

innovador y desestructurador de la pulsión femenina en

cada uno de los personajes y en la novela en su

la literatura.

conjunto – que es una figura poliédrica de varias

No pretendemos aquí entrar en un análisis estilístico del lenguaje en Nosotras que nos queremos tanto. Pero tanto si nos atenemos al análisis temático, como si consideramos su estructura y los significados que se desprenden de gestos, trayectorias y relaciones

voces – vemos esa pulsión femenina. Vamos a escoger aquí algunos temas, casi símbolos o metáforas, que aparecen de forma más o menos explícita y que consideramos fuertemente definidores de lo femenino.

de los personajes, obtendremos “excedentes rebeldes”,

En Nosotras que nos queremos tanto, la autora

ejemplos de “disidencia de identidad” respecto al

chilena dice que se propone desarrollar la tesis de

formato reglado de la cultura masculino-paterna.

que todas las mujeres tienen la misma historia que

Tomando las palabras de Nelly Richards, podemos

contar. En Antigua vida mía lo dice también con otras

afirmar que sin lugar a dudas, esta novela, al igual

palabras: “Mujeres, somos tan parecidas todas. Es

que otras de Marcela Serrano, trae la marca

tanto lo que nos hermana”. En esta frase se sugieren

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

792

dos cuestiones fundamentales para comprender lo

así en la vivencia de la discriminación como el

femenino: la hermandad hermandad, la cercanía y solidaridad

principal revulsivo para el hermanamiento entre las

entre las mujeres, y el contar ntar, la necesidad de contar

mujeres. La autora habla también del poder curativo

la historia, de decirla para salvarse. La mujer que

de la palabra, de las historias, en esa red de

necesita voz y oídos y es voz y oídos para otras

hermandad “cuando tú cuentas tu propia historia la

mujeres.

relativizas, tomas distancia, la ordenas, la vuelves a

Esta capacidad de hermanamiento entre las mujeres la explica la propia autora3 por la necesidad de unirse que caracteriza a cualquier minoría cultural discriminada. Curiosamente, estudios científicos recientes, encuentran explicaciones hormonales a la amistad y el compañerismo entre las mujeres. Un estudio de la UCLA 4 sugiere que las mujeres reaccionamos a las tensiones con una cascada de químicos cerebrales que nos permiten entablar y mantener relaciones con otras mujeres. Es un hallazgo sorprendente que ha venido a revolucionar cinco décadas de investigaciones sobre el estrés realizadas en su mayoría con hombres. Hasta ahora

mirar, la puedes ver con otros ojos; y lo mismo sucede al recibir la historia de otra”. En Nosotras que nos queremos tanto, las protagonistas se cuentan las cosas, se salvan compartiendo el dolor de la propia historia, y una de ellas, Ana, nos la cuenta a nosotros al ser la voz narradora de la novela. Una de las mujeres, María, les dice a sus amigas: Yo he sido depositaria de una gran cantidad de secretos. Será que mi vida parece más abierta que otras, mi moral menos rígida, y allí puede caber cualquier aberración. La gente a mi alrededor sabe que ésta no me dañará, y a la vez, mi reacción no dañará a la otra. Y es cierto. Tengo espacio en el corazón para todo lo marginal e ilegítimo.

se creía que las personas reaccionábamos al estrés

Y percibe mientras habla con ella, en el

parándonos y peleando, o escapando. Sin embargo,

profundo silencio de su amiga Ana, una vibración

ahora se apunta a un repertorio conductual femenino

diferente, algo que calla y le pregunta: “¿Qué pasa,

mucho más amplio. Son respuestas femeninas al estrés

Ana? ¿Tienes también tú algún secreto que te tortura?”

cuidar y hacer amistades, no pelear o escapar. Estas

Ella asiente y empieza a contarle lo que ha callado

amistades conforman la identidad de la mujer a lo

media vida. Y en ese contar, está la liberación, el dolor

largo de toda su vida, calman su mundo interior y

que fluye. Vemos así el papel redentor del hablar,

llenan los vacíos que experimenta en sus relaciones

contar al otro la propia historia, el contarse de unas

con el hombre. Me detengo especialmente en este

mujeres a otras las salva. El papel redentor del

punto porque creo que explica muy bien ese

interlocutor, la interlocutora, está presente en el tipo

hermanamiento femenino que tanto interesa a la

de vínculo conversacional que se establece entre las

autora chilena y que es el hilo conductor de su

cuatro amigas y entre ellas y otras mujeres – Sara

primera novela y un tema muy presente en otras de

por ejemplo, trabaja en el instituto de la mujer en

sus obras: la amistad entre mujeres y la solidaridad

sesiones de grupo donde las mujeres se reúnen y

que las une.

hablan. Tal como comenta la hispanista Biruté

¿Y cuál sería la historia común que tienen que contar todas las mujeres, la que se cuentan las protagonistas de nuestra novela? La propia autora responde en la citada entrevista: el dolor por el “extrañamiento de nacer en un mundo que está diseñado para un sexo que no es el de uno” insistiendo

Ciplijauskaité, hablando de narrativa femenina, y en concreto de la obra de otra autora, en este caso la española Carmen Martín Gaite, este aspecto del interlocutor nos remite al “talking-cure” freudiano:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

“(…) el interlocutor, cuya función la autora ha comparado con la de un andamio que luego se quita. Responde a la «sed de espejo»: «esa sed de que alguien se haga cargo de la propia imagen y la acoja sin someterla a interpretaciones» (p. 17). Esta definición del interlocutor coincide sorprendentemente con la función del «escucha» en las sesiones psicoanalíticas definida por Lacan”5

793

escuchada, en el matrimonio en cambio reina el silencio. A la mujer la salva el verbo, el habla. Hay en ella una necesidad de ser escuchada que se realiza con las amigas y se frustra constantemente con el hombre. Dice Violeta, una de las protagonistas de

6

Tal como expone Patricia Rubio (1999: 570)

Antigua vida mía:

apenas hay trabajos críticos sobre la obra de Marcela Serrano; lo que existe se reduce a un gran número de entrevistas y reseñas. Destaca a algunos autores, como Camilo Marks, que llama la atención sobre el fenómeno social y cultural en que se han convertido sus libros por convocar, con claridad y falta de afectación, algunos temas que hoy rodean al acosado mundo de la mujer contemporánea. En una entrevista, en 2004, Marcela Serrano señala 7 que es complicado explicar la identidad de la mujer y afirma que “lleva siete novelas preguntándose eso”. ¿Y cuáles son esos temas que definen el mundo de la mujer? Partiremos de la premisa o tesis que la autora esboza en sus entrevistas: “todas las mujeres tienen la misma historia que contar”, para preguntarnos ¿verdaderamente todas las mujeres tienen la misma historia que contar? ¿qué es lo que une a las mujeres? ¿cuál es su denominador común? ¿Cómo explica la narrativa de esta autora eso tan complicado de definir que es la identidad de las mujeres? Vamos a enunciar algunas de las explicaciones de lo femenino que salpican las novelas de la autora chilena, en busca sobre todo de una comprensión más profunda de ese extrañamiento. Alguno de los temas que se

Eduardo es, como todo hombre que se precie de serlo, un total egocéntrico (…) ¿Qué le pasa? ¿Es que le aburre contestar? ¿Es que no tiene tiempo interno para mí? ¿Es que sencillamente su yo lo repleta todo? Me va a dar cáncer. Generaré un cáncer de pura desesperación por no ser escuchada. (p. 86) ¿Por qué será que con los amantes uno lo comenta todo y con los maridos nada? (…) Parece que esa es la ley: la palabra para los amantes, el silencio para los esposos. (…) Tengo una duda grande: ¿es el silencio pleno de palabras que sobran o el silencio agotado del cansancio? (Para que no me olvides, p. 136)

La mujer es recipiente, es la que escucha, y en ese estar alerta en el otro, está sola. Su soledad viene muchas veces marcada por el silencio. En Para que no me olvides se habla de las noches de las mujeres, la injusticia de esas noches en vigilia, “únicas del hogar cuyos ojos son permanentes lámparas encendidas, oídos escrutadores”. Se dice que la mujer “es la guardiana de la noche”. Esta cuestión de la mujer alerta, de la mujer que no es escuchada pero lo escucha todo, remite a una soledad esencial. “No hay soledad que se compare a la de ser mujer”, se dice en la misma novela.

plantean en ese hablar y relacionarse entre sí de las protagonistas están marcados por estas dicotomías o contrastes:

2. El vacío / el lleno En boca de María, aparece una de las

1. La voz / el silencio

explicaciones más profunda y sugestiva de lo femenino en la novela:

Cuando la mujer ama, cuando vive el enamoramiento, encuentra un interlocutor, se siente

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

794

“Desde lo imaginario, el juego entre el vacío y el lleno acompaña la vida de las mujeres. Tú no has resuelto ese juego (¿Alguna lo ha hecho?). (…) El cuerpo se te aparece como forma de dar respuesta. El lleno: el embarazo. Como si a partir de la maternidad la mujer se asumiera milagrosamente como tal. Funciona un tiempo, suprime la angustia. La mujer está llena, hasta estallar. Duerme su embarazo. El nacimiento del hijo la despierta, a veces brutalmente. El hijo ya está en el mundo, no lo tiene más y esto amenaza su equilibrio. Quedan los agujeros del cuerpo y allí se sitúa la depresión. De nuevo esta sola con su vacío. Y vuelve a abrirse la pregunta: ¿qué es ser mujer? Sólo mediante el vacío se es mujer para así poder imaginariamente llenarse, en la búsqueda eterna de la respuesta.” (1999: 298)

La dicotomía entre lleno y vacío pauta la vida de la mujer y nos atreveríamos a afirmar que también muchos aspectos de su vida y su comportamiento.

3. El “living” / “el patio de atrás”. Lo dominante / lo periférico – el mundo exterior / el mundo privado – María, una de las protagonistas, al hablar de “Las mellizas”, la hacienda en la que pasó su infancia, cuenta que “las mujeres siempre se reunían en el patio de atrás de la casa, cerca de los niños, la cocina, los lavaderos. Un día oyó a un amigo de su padre sugerirle achicar el living para ampliar el patio de atrás pues no había tenido hijos varones. Más tarde, habría de definir la existencia de las mujeres en los hombres como en el patio de atrás de sus mentes. Y la existencia de las mujeres en el trabajo como en el patio de atrás de la sociedad (…) Para ella, aun aceptando que este fuera considerado de segundo rango, era el lugar más cálido. Ahí fue instalada su cantora y desde allí fue espectadora del acontecer.” (p. 66)

La relación entre esos dos polos explica la trayectoria de las mujeres de la novela de Serrano y

El símil del patio de atrás, curiosamente, nos

tal vez la de todas. En lo profundo de la experiencia

remite a algunos interesantes comentarios que sobre

femenina de la vida está la dialéctica entre el llenarse

la escritura femenina apunta Ciplijauskaité (1983: 399)

y vaciarse: el deseo, la posesión, el abandono, la

y que podríamos relacionar a su vez con la dicotomía

pérdida. Como si la mujer viviera yendo de un polo

antes citada del “ego” masculino y el “subconsciente”

a otro, de la satisfacción del lleno al dolor del vacío

femenino. El peso de la tradición ha postergado a la

y la pérdida. Y diríamos también que su constante

mujer a los dominios privados, lo que da lugar a una

búsqueda de la palabra, la voz, frente al silencio

especie de “impotencia cultural” y “castración política”.

actúa de forma paralela: la voz del otro, en el

El peso de la tradición y de todas las obligaciones que

diálogo, la conversación, la llena. Los personajes

cercan a la mujer impiden que esta se sienta responsable

de Nosotras que nos queremos tanto, hablan para

del universo, hacen que sea muy raro que la mujer

redimirse del vacío y su trayectoria vital oscila entre

asuma el “angustiante pulso con el mundo”, dice Simone

la búsqueda constante del lleno y el sufrimiento por

de Beauvoir8. Por eso, afirma Ciplijauskaité, citando a

su pérdida, el vacío. Los hombres, los hijos, las

Cristina Peri Rossi, las mujeres han escrito,

llenan, pero después las vacían. Con el deseo y el

especialmente en el siglo XX, en que han asumido su

amor el hombre llena a la mujer, ella lo hace suyo,

propia expresión e identidad, más novelas líricas o

lo instala dentro de sí, lo lleva dentro. El fin del amor

intimistas, porque el reducto históricamente reservado

es como un vaciarse: hay un momento en que la

a la mujer ha sido el de los sentimientos. Por eso,

mujer siente que su hombre deja de pertenecerla, y

continúa Ciplijauskaité citando a Jelinek, el contexto

suelta anclas internamente, le deja salir y con la

en escala grande entra menos en la narrativa femenina

pérdida lle ga el vacío. “El lento derrame del

que en la masculina. Desde esta perspectiva debemos

desapego” (p. 77) se llama en Para que no me olvides

ver la fuerza simbólica y explicativa de María, la

a ese vaciarse del otro.

protagonista de nuestra novela, sentada de niña en su trona en el patio de atrás de la hacienda, siendo “espectadora del acontecer”.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

795

Esto son solo algunos de los temas que se

RUBIO, Patricia, (1999), Escritoras chilenas. Novela y cuento,

apuntan tras la lectura de la obra de Marcela

Santiago de Chile, Cuarto Propio, vol. III, p. 570 disponible en

Serrano, están presentes en la trama de la novela, la

http://books.google.es/books?id=cGb3fSlBGxgC&pg=PA570

estructuran, y también vertebran a los personajes y

&lpg=PA570&dq=camilo+marks+marcela++serrano&source

sus relaciones con el mundo, constituyendo una

=bl&ots=pXhbjVWULi&sig=917jdcOgpMAlks3C_t6LzuZw

semiótica femenina de la que nosotros solo hemos

WYo&hl=es&sa=X&ei=OsmAT6q-GYOgtwepwJTBBg&ved =0CCAQ6AEwAA#v=onepage&q=camilo%20marks%20marcela

dado aquí algunas pinceladas.

%20%20serrano&f=false, acceso 3 de junio de 2012 SOTELO, S., (entrevista) (2004), Marcela Serrano: mil

Referencias bibliográficas

maneras de ser mujer, La Nación, 12 de septiembre de 2004, disponible en http://www.lanacion.com.ar/634613-marcelaserrano-mil-maneras-de-ser-mujer, acceso 10 de mayo de

BEAUVOIR, Simone, (1949) Le Deuxième sexe, cap. XXV.

2012 CIPLIJAUSKAITÉ, B., 1983, La novela femenina como autobiografía, AIH, Actas VIII, disponible en http://

BARNABÉ, D. (1997), entrevista en radio El Espectador,

cvc.cervantes.es/literatura/aih/pdf/08/aih_08_1_042.pdf,

Uruguay, disponible en http://www.anabelenweb.com/

acceso 20 de julio de 2012

ANTIGUAVIDAMIA/MARCELASERRANOAntiguavidamia/ MarcelaSerrano-Entrevista/marcelaserranoentrevistas.html,

RICHARDS, Nelly, (1994) Debate feminista, vol. 9 ¿Tiene sexo

acceso 10 de mayo de 2012

la escritura?, disponible en http://www.debatefeminista.com/ articulos.php?id_articulo=1159&id_volumen=36, acceso 18 de

LATTASSA, C, (2004) La Prensa Literaria, entrevista

julio de 2012

disponible en http://archivo.laprensa.com.ni/archivo/2004/ septiembre/18/literaria/comentario/comentario-20040918-

MARTÍN GAITE, Carmen: (1973) La búsqueda de

02.html, acceso 10 de mayo de 2012

interlocutor y otras búsquedas, Nostromo, Madrid

Notas 1

RICHARDS, Nelly: (1994) “¿Tiene sexo la escritura?”, p. 131

2

Entrevista en La Prensa Literaria, 18/09/2004

3

En entrevista a un canal español de TV con motivo de la presentación de su novela Diez mujeres, en http://www.youtube.com/watch?v=J0d1tov8EbE

4

Disponible en http://www.mujeresdeempresa.com/sociedad/021203-la-amistad-entre-mujeres.shtml

5

AIH Actas VIII (1983) La novela femenina como autobiografía, BIRUTÉ CIPLIJAUSKAITÉ.

6

RUBIO, Patricia, (1999), Escritoras chilenas. Novela y cuento, Santiago de Chile, Cuarto Propio, vol. III, p. 570

7 8

La Nación, 12/09/2004 «II est tres rare que la femme assume l’angoissant téte-á-téte avec le monde donné. Les contraintes dont elle se sent entourée et toute la tradition qui pésent sur elle empéchent qu’elle no se senté responsable de l’univers; voilá la profonde raison de la médiocrité» (Le Deuxieme sexe, cap. xxv)

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

796

CONTEXTO DE OCORRÊNCIA DO IMPERFECTIVO HABITUAL NO ESPANHOL PARAGUAIO

Maria Mercedes Riveiro Quintans Sebold Universidade Federal do Rio de Janeiro – Faculdade de Letras Imara Cecília do Nascimento Silva (Iniciação Científica) Universidade Federal do Rio de Janeiro – Faculdade de Letras Renata Daniely Rocha de Souza (Iniciação Científica) Universidade Federal do Rio de Janeiro – Faculdade de Letras

Introdução

(2) O valor aspectual não é dado exclusivamente pelo verbo, mas também pelos argumentos e adjuntos desse verbo.

Embora estejamos apresentando este trabalho em uma mesa intitulada “Estudos

De acordo com a proposta de Giorgi &

descritivos de língua espanhola” (e o que de fato nos

Pianesi (2002), as formas verbais de pretérito

propusemos a fazer e fizemos foi descrever um

imperfeito apresentariam uma neutralidade

fenômeno numa determinada variedade do

aspectual. Portanto, seriam compatíveis com

espanhol), defendemos que estudos dessa natureza

leituras terminativas e não terminativas. O corpus

podem e devem contribuir para um tratamento mais

utilizado se constituiu de dados de fala espontânea

linguístico do input na sala de aula de espanhol

(entrevistas), tanto no português do Brasil (PB)

língua estrangeira (doravante LE).

quanto no espanhol de Madri (EM). Para o PB, essas entrevistas foram disponibilizadas pelo PEUL

Em Sebold & Silva (2011), nos ocupamos do traço imperfectivo, mais especificamente do imperfectivo habitual e contínuo numa língua românica, o espanhol. Para isso, nos detemos no tempo Pretérito Imperfeito do Indicativo. Com

(Programa de Estudos sobre o Uso da Língua). Já as entrevistas para o EM foram disponibilizadas pelo projeto PRESEEA – Alcalá de Henares (Proyecto para el Estudio Sociolingüístico del Español en España y en América).

relação a este tempo verbal, consideramos os dois pressupostos básicos relativos à noção aspectual:

A análise dos dados revelou ocorrências tanto do Imperfectivo habitual quanto do

(1) Alguns verbos são aspectualmente transitórios, visto que um mesmo verbo pode figurar em mais de uma subclasse aspectual;

Imperfectivo progressivo. Porém, se destacaram ocorrências de formas do Imperfectivo habitual e ocorrências de formas de imperfectivo sem marcador adverbial. Contudo, não havia distinção dos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

797

marcadores, ocorrendo assim, marcadores do tipo

situação que se caracteriza por se estender num período

pontual e durativo.

de tempo. Já ao definir progressividade, Comrie

Neste trabalho, seguimos com a hipótese de neutralidade aspectual para as formas de imperfectivo, mas o corpus do qual nos ocupamos

aproxima essa noção da noção de continuidade, que é definível como a imperfectividade não ocasionada pela habitualidade.

chamou a atenção pelo fato de não termos

O autor ao se referir aos aspectos habitual e

encontrado formas do imperfectivo progressivo

progressivo recorre ao inglês ilustrando-os com os

(NDO). Sendo assim, começaremos por falar do

seguintes exemplos: (i) ‘John used to write poems’ e

passado imperfectivo e as noções aspectuais

(ii) ‘John used to be writing poems’. Onde:

relacionadas a ele, depois olharemos para o PB para tratar da produtividade das formas de imperfectivo habitual e progressivo e, finalmente, trataremos da mesma questão no espanhol.

1. Sobre o passado imperfectivo no português do Brasil e no espanhol

(i) Representaria o aspecto imperfectivo habitual ou não progressivo.

(ii) Representaria o aspecto imperfectivo habitual progressivo.

Seja tomando como referência a Comrie (1976) ou a outro linguista, parece haver em comum a dificuldade de marcar os domínios das noções

Comrie (1976), ao propor dois aspectos

referidas anteriormente. Entretanto, fica claro que

básicos, a saber: o perfectivo e o imperfectivo, afirma

no domínio do aspecto imperfectivo, o passado

que, genericamente, o primeiro aspecto indicaria a

imperfectivo recobre os valores progressivo,

visualização de uma situação a partir da sua

iterativo e habitual. As pesquisas linguísticas

completude, enquanto o segundo apresentaria uma

dedicadas a tratar da noção aspectual nas diferentes

situação em andamento em relação a um ponto de

línguas têm buscado uma solução efetiva para tratar

referência específico, seja no presente ou no passado.

desses sub-aspectos.

Para esse autor (Op. Cit.), o aspecto

As diferentes soluções encontradas não

imperfectivo faz referência à estrutura interna da

interessam ao escopo deste trabalho, mas talvez o

situação, vista a partir do interior dessa estrutura.

uso que os falantes fazem da língua possa ajudar a

Comrie afirma existirem línguas que expressam o

entender um pouco melhor a questão. É revelador

imperfectivo como uma categoria simples, enquanto

que no PB, por exemplo, (com extensão em algumas

outras subdividem este aspecto em várias categorias.

variedades do espanhol) falantes mais jovens estejam

O aspecto imperfectivo compreende duas noções distintas: habitualidade e progressividade. Comrie (1976) discorda da ideia de que a habitualidade seja essencialmente o mesmo que

substituindo a perífrase “ter” + particípio, descrita como de significação aspectual iterativa, pela perífrase “estar” + gerúndio, descrita canonicamente como durativa.

iteratividade (o que é assumido em algumas

Significativo igualmente é pensar na

discussões). O autor afirma que o traço comum a

flutuação descrita para o PB da forma de imperfeito

todos os eventos habituais, sejam eles também

(cantava) com valor aspectual habitual e a forma

iterativos ou não, é que esses eventos descrevem uma

de imperfeito progressivo (estava cantando) com

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

798

valor aspectual progressivo. As escolhas feitas pelos

de Imperfeito Progressivo, e que ambas as formas

falantes do PB e de outras línguas revelam que os

compartilham dos traços temporais e aspectuais, que

traços

podem ser agrupados sob o rótulo “passado

de

iteratividade,

habitualidade

e

progressividade poderiam estar muito próximos, o que nos permitiria propor uma interseção de tais traços.

imperfectivo”. Freitag (2010) propõe que no plano da imperfectividade, a combinação entre aspecto imperfectivo e verbos de estado seria a relação aspectual menos marcada e mais previsível, enquanto

2. O passado imperfectivo e sua expressão nas línguas

que a combinação entre aspecto imperfectivo e verbos compactos a mais marcada e menos previsível.

O passado imperfectivo, tema desta pesquisa,

A autora recorre à marcação de Givón (apud Freitag

é um domínio funcional que parece estar passando

2010) para descrever a distribuição das ocorrências

por uma transição entre formas no PB. Estudos

de imperfeito expressando passado imperfectivo e a

dedicados ao português falado no Brasil como o de

perífrase de imperfectivo progressiva.

Freitag (2010) revelam que é recorrente encontrar

Em termos translinguísticos, nas línguas

usos da perífrase de gerúndio co-ocorrendo com a

românicas, conforme os dados do Projeto EUROTYP

forma de pretérito imperfeito do indicativo e

(BERTINETTO; EBERT; DE GROOT, 2000), a

funcionando como equivalentes. Seguem os exemplos

expressão do aspecto durativo se alterna entre as

da autora retirados da fala de Florianópolis:

formas IMP e PPROG: além do romeno e do francês, o italiano e o espanhol também tendem a preferir a

(1) Na época que eu mais precisei dele, que eu mais precisava de um apoio, foi quando a minha mãe morreu.

forma IMP para expressar o valor aspectual progressivo durativo, enquanto o catalão faz uso da forma PPROG. O português (europeu) é classificado

(2) Aí também foi a época que a gente voltou, a gente estava precisando economizar pra começar nossa vida.

Freitag (Op. Cit.) propõe que o passado imperfectivo é um valor semântico discursivo que se

como língua que adota a forma IMP, embora a variedade brasileira também faça uso de PPROG. Embora não tenhamos encontrado trabalhos que façam referência a uma alternância das formas simples e compostas com equivalência semântica tal

caracteriza por expressar uma situação:

como ocorre no PB, Castañeda Castro (2006) trata a)

da distribuição no Imperfectivo da forma simples

Anterior ao momento da enunciação;

(cantaba) e da forma de perífrase progressiva (estaba b) Concomitante a outra situação que se torna seu ponto de referência;

cantado) no espanhol. O autor esclarece que a correlação de perífrase progressiva para verbos dinâmicos (estaba estudiando) e a forma simples

c) Apresenta-se em andamento em relação ao ponto de referência.

A

autora

apresenta

argumentos

que

confirmam que existe no paradigma verbal do PB lugar para a forma analítica de Imperfeito e a composta

para verbos estativos (no sabía nada) válida para o inglês, também se aplicaria ao espanhol.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

3. Sobre a configuração aspectual

799

4. Metodologia

Retomando os pressupostos de trabalhos

a)

Corpus: Para o estudo do aspecto

anteriores, a ideia de que a noção aspectual é

imperfectivo habitual, consideramos suas ocorrências

composicional nos conduz à necessidade de olhar

combinadas com outros fatores (extralinguísticos e

mais atentamente para todos os elementos da

linguísticos). Neste trabalho, utilizamos duas

sentença. O primeiro deles que merece um olhar mais

entrevistas de falantes de Assunção, capital do

atento é o verbo. Seguimos neste trabalho utilizando

Paraguai. As amostras foram coletadas nos anos 2000.

a classificação dos tipos de verbo proposta por

A duração das entrevistas foi de (26:03 e 27:31),

Vendler (1967). O autor propôs um modelo que

respectivamente.

divide o aspecto lexical em quatro categorias semânticas: STATES (estados): “amar”, “querer”; ACTIVITIES (atividades): “correr”, “nadar”; ACCOMPLISHMENTS (processos culminados):

b)

B), do sexo feminino, instrução escolar secundária e idades 38 e 56 anos, respectivamente.

“correr uma maratona”, “nadar 100 m” e ACHIEVEMENTS (culminações): “cair”, “encontrar”.

Perfil dos informantes: Informantes (A e

c)

Ferramenta de análise: Utilizamos o

software WordSmith Tools.

Tal modelo propõe que haja três pares básicos

d)

Fatores linguísticos considerados na

de valores para o aspecto lexical: estatividade x

análise: Como o número de dados foi pequeno,

dinamicidade (a possibilidade de um predicado

consideramos as duas entrevistas como fator

apresentar um estado que não se altera); telicidade x

extralinguístico. Desse modo, os resultados serão

atelicidade (um predicado pode ou não apresentar

apresentados separadamente, ou seja, por entrevista

um fim determinado) e pontualidade x duratividade

(A e B), o que não implica que haverá comparação

(um predicado pode se prolongar ou não por um

entre elas. Em relação aos fatores linguísticos, há uma

período de tempo).

variável dependente – variável que o pesquisador

Considerando tal classificação verbal, Freitag (2010) propõe que os verbos de estado menos marcados e mais previsíveis são os que favoreceriam o aparecimento do imperfeito, depois os verbos de atividade

e

os

de

processo

culminado

pretende analisar, que é o próprio imperfectivo habitual, e mais quatro variáveis independentes – integra um conjunto de fatores, condições experimentais que são manipuladas e modificadas pelo investigador.

(accomplishments), até a não ocorrência de verbos

Antes de passarmos para a análise dos dados

de culminação (achievements), mais marcados e

faz-se necessário um detalhamento maior dos fatores

menos previsíveis. No caso da perífrase de imperfeito

linguísticos. Desse modo, trataremos brevemente de

progressiva, os verbos de estado, menos marcados e

cada um deles:

mais previsíveis, ocorreriam menos. Já os verbos de accomplishments, mais marcados e menos previsíveis, ocorreriam mais.

·

TIPO DE VERBO: Como já afirmado anteriormente, os radicais dos verbos apresentam alguns traços semânticos relevantes para a leitura aspectual. Neste trabalho, utilizamos a classificação verbal proposta por Vendler (1967), que enfoca as características da raiz verbal para a sua categorização.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

800

· TIPO DE SUJEITO – AGENTIVO OU NÃO AGENTIVO: Buscamos verificar se a presença de um sujeito agente, como “a professora”, ou um não agente, como “a televisão”, interferiria na significação aspectual.

· PRESENÇA/AUSÊNCIA DE EXPRESSÃO ADVERBIAL DE TEMPO (EAT): Nesse grupo, consideramos as expressões clássicas de circunstância de tempo, como: “naquele dia”; “em 1990” e “durante a semana”, bem como orações subordinadas que também expressassem

circunstância temporal, isto é, orações subordinadas adverbiais temporais.

·

TIPO DE EAT (expressões adverbiais temporais): consideramos as EAT’s classificando-as em durativas e pontuais. Por exemplo: “por semanas” e “naquela semana”, respectivamente.

Ilustramos através do quadro seguinte os grupos de fatores:

Grupo de fatores Variável dependente

Imperfectivo habitual

Variável independente Fator extralinguístico

Fator linguístico

Entrevista A e B

Tipo de Verbo Ausência/ presença de EAT Tipo de EAT

Quadro 1

5. Análise dos dados O corpus foi codificado considerando as variáveis anteriormente descritas e após uma rodada geral obtivemos os resultados representados na seguinte tabela: ENTREVISTA A

ENTREVISTA B

TOTAL

TIPO DE VERBO Atividade

3

15

18

Estado

12

26

38

Culminação

3

6

9

Processo culminado

4

6

10

TIPO DE SUJEITO Agentivo

11

38

49

Não agentivo

11

15

26

EXPRESSÃO ADVERBIAL TEMPORAL Ausente

7

20

27

Presente

15

33

48

Tabela 1

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Com relação ao tipo de verbo, é possível

801

Exemplos:

perceber que nas duas entrevistas os verbos estativos foram mais recorrentes, totalizando 38 ocorrências. Esse quadro pode estar relacionado às características

(1) Y… los de antes más los niños (AGENTIVO) eran más respetuoso a sus padres

desses verbos, que não apresentam dinâmica interna, nem estágios, com duração indefinida e ponto de encerramento obscuro. Retomando a hipótese de Freitag (2010), tal tipo de verbo apresentaria uma

(2) anteriormente, por ejemplo, los jóvenes ya que… se iban uno que empezaban las fiestas (NÃOAGENTIVO) más temprano y… a las diez hasta las dos más o menos ya tenía terminado la fiesta.

homogeneidade interna, tendo características compatíveis com o aspecto Imperfectivo e, portanto, com sua forma de expressão linguística, o Pretérito Imperfeito.

No que tange à relação PRESENÇA/ AUSÊNCIA DE EAT’S e ao TIPO de EAT, houve maior presença de EAT’s. Em Sebold & Silva (2011), uma das questões propostas como discussão era o

Abaixo, seguem exemplos de ocorrências de cada um dos tipos verbais encontrados no corpus:

fato de haver maior ausência de EAT’s no corpus analisado. Neste trabalho, entretanto, houve um número maior de sentenças com EAT’s.

1. No la gente de antes e r a (ESTADO) más más respetuosa más…

As expressões temporais mais recorrentes foram as de escopo semântico mais alargado (mais

2. (…) en cada casa, en cada casa había los (inint.) y los niños varios seguían y cantaban (ATIVIDADE), hoy en día ya (inint.) si hay, hay muy poco.

durativas) e, introduzidas conforme a temática das perguntas. Ainda assim, houve também a ocorrência de expressões adverbiais de escopo

3. (…) anteriormente, las mujeres tenían (PROCESSO hijos…todos que v e n í a n CULMINADO) (…).

semântico menos alargado (mais pontuais). Portanto, não seria possível relacionar o pretérito imperfeito, expressão linguística do imperfectivo habitual, a um marcador temporal exclusivo, nem

4. Hay mucha diferencia… hay mucha diferencia por que anteriormente si (la) e n t r a b a (CULMINAÇÃO) señor fulano tal to hoy la persona te exige cómo quiere que se le trate cómo quiere que se le salude… y las personas anteriormente (inint) ¿cómo anda Don Fulano… cómo está Don Fulano? así… por el nombre o buenos días señor o señora…

No que diz respeito ao tipo de sujeito, considerando os números encontrados nas duas entrevistas, verificamos maior número de ocorrências de sujeito do tipo agentivo. Essa categoria de sujeito é esperada no gênero entrevista. No entanto, também foram encontrados sujeitos não agentivos.

afirmar que o mesmo é favorecido exclusivamente pela presença de EAT’s, pois o inquiridor, no caso do corpus desta pesquisa forma utilizadas entrevistas, pode ter exercido considerável interferência na resposta do entrevistado. Abaixo, seguem exemplos de sentenças com EAT’s: (3) En esa ép épo o ca (EAT +PONTUAL) si podemos (molar)… es:: se le respetaba más los padres digamos… había una (inint) una obediencia hacia los padres (…).

nt nteer io iorrme ment ntee (EAT +DURATIVA), las mujeres (4) Ant se quedaban más la casa.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

802 Considerações finais

Por outro lado, o maior número de ocorrências de expressões adverbiais de escopo mais

Os dados do espanhol do Paraguai analisados

alargado pode explicar a ausência de formas de

confirmaram os contextos de ocorrência do

imperfectivo progressivo cuja ocorrência seria mais

imperfectivo habitual descritos para o PB. Assim, a

favorecida pela presença de expressões adverbiais

hipótese de que os verbos de estado apresentam uma

pontuais. Estudos futuros podem buscar estes e

homogeneidade interna, tendo características

outros contextos de ocorrência que favoreceriam o

compatíveis com o aspecto Imperfectivo, não pode

aparecimento

ser refutada.

progressivo.

de

formas

do

imperfectivo

Referências bibliográficas BERTINETTO, P. M.; EBERT, K.; DE GROOT, C. The

FREITAG, Raquel Meister Ko., “O domínio funcional

progressive in Europe. In: DAHL, O. (ed.). Tense and aspect

tempo-aspecto-modalidade na expressão do passado

in the languages of Europe. Berlin/New York: Mouton de

imperfectivo no português falado no Brasil”. In: Revista do

Gruyter, 2000, p.517-558.

GEL, São Paulo, v. 7, n. 2, p. 139-170, 2010.

CASTAÑEDA CASTRO, Alejandro (2006). Aspecto,

GIORGI, A. & PIANESI, F.. Sequence of tense and the Speaker’s

perspectiva y tiempo de procesamiento em la oposición

Point of View: Evidence from the Imperfect. University of

imperfecto/indefinido em español. Ventajas explicativas y

Venice – IRST Trento, 2002.

aplicaciones pedagógicas. In: Roel L, 5.Texto disponível em: dialnet.unirioja.es/servlet/fichero_articulo?.. Acessado em 19/08/2012. COMRIE, B. Aspect. Cambridge: Cambridge University Press, 1976.

VERKUYL, Henk. (1993) A Theory of Aspectuality: the Interaction Between Temporal and Atemporal Structure Cambridge: Cambridge University Press. VENDLER, Z. Verbs and Times. In: ______. Philosophical Review. New York: Cornell University Press, 1967.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

803

VARIAÇÃO SOBRE O MESMO TEMA: ACERCA DA MEMÓRIA EM SANGRA POR LA HERIDA

Maria Mirtis Caser UFES

No romance Sangra por la herida, de Mirta Yañez, publicado em Havana no ano 2010, relatamse as experiências individuais e políticas de um grupo de jovens, na década de 60, na capital cubana. Tendo

Lo que yo pretendo más bien es la reivindicación del derecho a sangrar por la herida... Fíjate que el título es ambivalente: puede tomarse como una descripción en tercera persona sin sujeto visible, pero para mí es una petición imperativa, aunque le he suprimido los signos de admiración: ¡sangra por la herida!.

como elemento central o suicídio de uma estudante (La Difunta), a trama é urdida pela memória

A personagem principal, cujo nome – não

daqueles que viveram o sonho de uma sociedade

verdadeiro – nos é revelado por ela mesma –

nova e justa para todos. Numa narrativa auto-

“Llámenme Gertrudes. Aunque tampoco mi nombre

reflexiva, combinam-se acontecimentos históricos,

es Gertrudes” (YÁÑEZ, 2010, p. 36) – registra a

dúvidas existenciais, análises literárias, sentimentos

dificuldade que significou viver nos anos 60: fala

íntimos e questões de gênero que, relatados em

das belezas naturais da Havana de então mas, ao

diferentes perspectivas, entretecem um todo uno e

mesmo tempo, dá notícia dos percalços e atropelos

diverso. Gertrudes, Martín, Micaela, Estela,

enfrentados pelos habitantes da ilha. Martín,

Daontaon, Lola, Yuya, María Esther, Willie, La

romancista frustrado, imobilizado pelo terror da

India e Hermi têm suas histórias expostas de forma

página em branco ¾ muitas vezes “soñó con la

contundente, em relatos autônomos, mas

novela que nunca había podido escribir” (YÁÑEZ,

amalgamados por um tempo e espaço comuns.

2010, p. 38) ¾, remói as lembranças, entre os cozidos

O titulo do romance trata do direito à catarse pela rememoração de um momento marcante, e é explicado pela própria Mirta Yañez, em entrevista concedida a Miriam Rodríguez (2012):

da mãe e a espera dos resultados de uns exames de saúde. A recorrência do vocábulo “puñetero” dá conta do estado de desânimo em que se encontra: “De un tempo a esta parte no se le iba de la boca el vocablo puñetería. Desde que las cosas empezaron a salir mal, todo le parecía ‘puñetero’ (YÁÑEZ, 2010,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

804

p. 10). A falta de expectativa toma conta de outras

memoria, espacio donde las distintas fronteras

personagens, como se pode ver, por exemplo, nesta

pierden sus límites a favor de la ambigüedad, de lo

passagem referente a Micaela: “Candita, su tía,

simbólico”.

cuando algo no marchaba bien, se consolaba con aquello de ‘mañana será otro día’. Micaela no estaba ya tan segura de eso” (YÁÑEZ, 2010, p. 41).

Em Matéria e memória , cuja primeira publicação data de 1939, Henri Bergson (1990) analisa a afinidade entre a mente e o corpo e as

Estela vive em Londres e acontecimentos

funções da memória, relacionando a matéria e o

escusos do passado fazem com que não queira

espírito e ultrapassando o tratamento dualista

lembrar-se desse tempo. María Esther está em um

dado, então, aos estudos sobre assunto. Para

leito no hospital e relembra com Martín, seu ex-

Bergson (1990, p. 59-60) o corpo é apenas um

marido, os fatos mais marcantes de sua vida. Embora

condutor que recolhe e transmite os movimentos que

tenha perdido a crença da época juvenil, ela relata

passam ao seu redor. As reações do corpo a essas

uma experiência de ter sido tocada pela fé.

experiências determinam o armazenamento dessas

Participava de um congresso literário no Rio de

ações, que serão conservadas de diferentes maneiras.

Janeiro, e foi junto com outros colegas conhecer o

Para o autor, em uma primeira hipótese, o passado

Cristo Redentor. Quando chegam ao estacionamento

sobrevive de duas formas: 1) em mecanismos motores

ocorre um fenômeno atmosférico raro e a jovem,

e 2) em lembranças independentes. E explica que no

então,

primeiro

caso

completamente

se



o

automático

“funcionamento do

mecanismo

[...] avanzó a pie, desprevenida entre la bruma, hasta llegar a la plazoleta circular que rodeaba la base del monumento. De buenas a primeras, el viento despejó los celajes y la efigie, la mole de concreto de treinta y ocho metros, se reveló ante la espantada mirada de María Esther, convertida súbitamente en una partícula ínfima del universo. La fe le fue devuelta como un puñetazo que le quitó el aliento. Ante sí, no tenía una estatua, sino La Creación misma” (YÁÑEZ, 2010, p 177).

apropriado às circunstancias” e no segundo são

Hermi vive com o irmão gêmeo, Tristán, uma

Bergson pode ser visto em Sangra por la herida na

existência algo escandalosa, por causa da confusão

visita de Lucía, que desencadeia em Estela a

provocada pela aparência andrógena dos dois – em

lembrança de fatos indesejados e de culpas que ela

muitas ocasiões trocavam de papéis, Hermi se fazia

queria deixar bem enterradas: “Lucía no había

passar por Tristán e vice versa – e por sua escolhas

hecho ningún comentario sobre La Difunta” e, no

chocantes no relativo às roupas, aos namoros e à

entanto, “Lucía ‘sabía’ y ‘sabía que Estela sabía que

forma de divertir-se.

ella sabía’, en esa retahíla de oscuras sabidurías que

selecionadas pelo espírito as representações que se insiram na situação vivida no momento, o que leva à segunda proposição, a que separa o objeto procedente do objeto, que se faz por movimento e o procedente do sujeito, que opera por representação. Exemplo dessa ocorrência de que fala

no estaba permitido compartir” (YAÑEZ, 2010, p. A reconstrução dos fatos depende da

179). Pensou no que aconteceu antes que La Difunta

lembrança de cada uma das personagens, da

fosse La Difunta, um episódio no qual tomaram

maneira como vivenciou os acontecimentos e a

parte Lucía, Estela e o homem que “con una sonrisa

coragem que mostra em revivê-los. Emmanuel

congelada en el rostro muy afeitado” as incitava a

Tornés (2011) fala dessa reconstrução em Sangra por

que se aproximassem “a La Difunta que todavía no

la herida como de um “[…] continuo juego con la

era La Difunta” ( YAÑEZ, 2010, p. 180), e

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

805

averiguassem tudo sobre ela. Deviam descobrir o que

versão, que pode variar, dependendo do ponto de

ela pensava, com quem se reunia, o que queria fazer

vista de cada um. O fragmento a seguir pode

de sua vida. Lucía disse não, mas Estela aceitou a

exemplificar isso:

incumbência. Aproximando-se mais de La Difunta, Estela conseguiu juntar informações e escreveu um informe detalhado sobre “[...] la presencia de manzanas

podridas

entre

el

estudiantado

universitario, las malas influencias de lecturas que promovían el homosexualismo” (YAÑEZ, 2010, p.

Los recuerdos están de tal manera furtivos que hay que sacarlos de sus escondrijos. A la fuerza si es necesario. Cómo no. Óiganme, hubiera hecho falta tatuárselos en la piel, La mujer ilustrada, para no extraviarlos y reescribir con ellas muestra versión de la historia como hiciera Herodota. (YÁÑEZ, 2010, p. 150)

192). Em outra passagem do relato, a percepção de Lola reforça a certeza do envolvimento dos colegas nos acontecimentos que então sucederam:

Deve-se observar, no entanto, que ao lado desse registro da memória de uma pessoa/ personagem diretamente envolvida nos fatos

Unas horas más tarde, Lola se enteró que La Difunta se había tirado de un piso dieciocho desde un edificio de la calle Línea. Según Yuya, lo que más horrorizó escuchar aquella historia fue darse cuenta de que los verdugos no venían de otro lado, eran los mismos nuestros” (YAÑEZ, 2010, p 213).

Bergson (1990, p. 61-63) fala de duas formas de memória teoricamente independentes, uma que, ligada ao hábito e adquirida pela repetição de um esforço, registraria todos os acontecimentos da vida cotidiana, sem negligenciar nenhum detalhe. A outra memória retém do passado “os movimentos inteligentemente coordenados que representam seu esforço acumulado” e segundo o autor, “ela já não nos representa nosso passado, ela o encena” e pode ser chamada de memória não por conservar imagens antigas mas por prolongar “seu efeito útil até o momento presente”. Trata-se, portanto, de memória estritamente pessoal, de pensar a relação do indivíduo com seu passado. Como resume Eclea Bosi (1987, p. 15), para Bergson “(a) lembrança é a sobrevivência do passado. O passado, conservando-se no espírito de cada ser humano, aflora à consciência na forma de imagens-lembranças. A sua forma pura seria a imagem presente nos sonhos e nos devaneios”.

narrados, existem os demais participantes, as experiências alheias, a vida lembrada e relembrada, contada e recontada, que mantém viva a história, cujos detalhes sofrerão, certamente, acréscimos ou subtrações em decorrência de sentimentos, sensações e percepção de cada uma das personagens, protagonistas ou coadjuvantes. A memória deve ser entendida, ao mesmo tempo, como registro, resgate e reconstrução das experiências vividas em nível pessoal e/ou coletivo, mas é sempre mediada pelo social. Mesmo quando a recordação se apresenta como resultante de uma experiência do individuo, a reelaboração discursiva desses fatos está atrelada à convivência com os diversos grupos de que faz parte o recordador. As comunidades linguísticas ou sóciohistóricas em que estamos inseridos dão consistência às nossas impressões e se a nossa lembrança pessoal contar com o assentimento de outras pessoas, ainda que haja alguma divergência em um ou outro detalhe, nos sentimos muito mais confortáveis e seguros com o que experimentamos e expressamos. Como aponta o sociólogo francês Maurice Halbwachs (2006, p. 30) em A memória coletiva, livro póstumo publicado em 1950, “(n)ossas lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de

A encenação do passado de que trata Bergson

eventos em que somente nós estivemos envolvidos e

exige às vezes grande esforço de quem quer recuperar

objetos que somente nós vimos. Isto acontece porque

os fatos, e ao final o que se consegue é sempre uma

jamais estamos sós”. Segundo adverte esse autor

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

806

carregamos as ideias, as opiniões, a sensibilidade e o

Um grupo de jovens, entre os quais os cubanos

saber das pessoas conhecidas, mesmo quando elas

Fidel Castro, Raul Castro, Camilo Cienfuegos e José

não se encontram materialmente conosco. Parece,

Antonio Echeverría e o argentino Che Guevara,

enfim, que nossas lembranças estão especialmente

usando a tática de pequenos grupos e valendo-se de

tangenciadas pelos fatos atrelados ao meio em que

transmissões de rádio para difundir suas ideias entre

estivemos inseridos.

a população, já insatisfeita com as péssimas condições

Estamos de acordo com Emmanuel Tornés (2011), que, em artigo sobre Sangra por la herida, afirma que Yañez não pretendeu subscrever-se ao realismo comum e que pôde “recrear ese período histórico muy bien, sin ningún tropiezo, pero tal vez por la índole de los asuntos manejados prefirió seguir caminos menos trillados aunque de mejor

ali vividas, entra em Havana no dia 2 de janeiro de 1959. Em 3 de janeiro Manuel Urrutia Lleó tomou posse como presidente de Cuba. Fidel Castro foi o primeiro secretário do Partido Comunista Cubano desde1965 e assumiu em 1976 o cargo de presidente do Conselho de Estado, transformando-se em chefe do governo cubano.

acomodo a la esencia de los problemas narrados”.

A apreensão das terras para efetivação da

Acreditamos, no entanto, que, para falar de Myrta

reforma agrária e as reformas na educação e na

Yañez e seu Sangra por la herida é oportuno falar-se

saúde, visando à erradicação do analfabetismo e à

um pouco de Cuba e de sua história recente, dos

dignidade na assistência médica, são as marcas

sonhos de liberdade vividos pelo povo cubano frente

principais da revolução. Ao mesmo tempo foram

às muitas vicissitudes que a ilha compartilha com

criados mecanismos de controle total da população.

os países do continente americano de fala latina.

A perseguição por crenças religiosas ou por

Cuba esteve sob o domínio da Espanha desde a primeira viagem de Colombo à América (1492) até 1898, quando passou à possessão dos Estados Unidos. A pecuária, a madeira e o tabaco representaram nos séculos XVI e XVII, a principal matéria de exportação. Ainda no século XVII, o açúcar funcionou como principal fonte de ingressos na ilha, em consequência da demanda do produto por todo o mundo. Na obra de Fernando Ortiz, Contrapunteo cubano del tabado y del azúcar,

orientação sexual mostra a face mais dura da revolução, que confiscou os bens da Igreja e expulsou do país seus padres e bispos. Além disso tirou de sua ocupação e enviou aos campos de trabalho forçado todas

as

pessoas

que

assumiam

sua

homossexualidade. Reinaldo Arenas, que tem as atribulações da vida pessoal e artística recontadas no filme dirigido por Julian Schnabel, Antes que anochezca, é uma das muitas vitimas que exemplificam essa situação.

publicado pela primeira vem em 1940, encontram-se

É dos anos em que Castro chegou ao poder

as explicações do papel histórico-social dessa

com a promessa de salvar Cuba e o povo cubano que

produção na vida dos cubanos.

trata o romance. Como observa Dominguez (2011),

Como registra Fabio Ramos (2011), Cuba viveu algumas ditaduras e teve vários presidentes entre 1902 e 1959, quando Fulgencio Batista, o último mandatário antes de Revolução, foi obrigado a fugir da ilha, derrotado pelas forças das Organizações Revolucionarias Integradas.

Sangra por la herida “corona una tendencia en la narrativa cubana actual que aborda la verdad sin temor a la censura, más allá de los supuestos personajes de ficción”. Desconstruindo a ideia de uma época exuberante, feliz e linda, Yañez denuncia pela voz de Gertrudes, a personagem central do relato, a falsidade dessa crença:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

A lo que vamos. Ahora la han cogido con eso de “!qué lindos fueron los años sesenta!”. Díganmelo a mí. Como si aquel tiempo hubiera sido pura diversión, la gente se pone a cantar Imagine y aquí no ha pasado nada. Se están haciendo los bobos, los chivos locos, los suecos, ¿o qué?

807

econômicos e financeiros se sobrepõem à verdade e o Dr Stockmann, que deseja denunciar uma bactéria existente na água da estação que garante a economia da cidade, é considerado inimigo público. A estratégia de nomear no feminino os fatos se vê aqui:

Óiganme, ¿nadie se acuerda o no se quieren acordar? (YÁÑEZ, 2010, p. 36).

Entre os problemas relembrados por Gertrudes anotam-se as restrições impostas às mulheres, que estavam proibidas de entrar sozinhas em um bar, usar certos trajes, praticar yoga ou usar

En el parlamento final de Una enemiga del pueblo, la Dra. Stockmannn, repudiada por la turba, llegaba a una atroz conclusión: Escuchad. La mujer más poderosa del mundo es la que está más sola. Todavía al cabo de treinta años me sigo preguntando cuál fue el sentido de todo aquello. Pensando bien … aún sigo esperando por las respuestas (YÁÑEZ, 2010, p. 199).

crucifixo. Aos rapazes se proibiam as sandálias ou os brincos, por serem atributos considerados

Encerrando o seu relato, a personagem

‘feminoides’ ( Yañez, 2010, p. 128). A falta de

Gertrudis reitera sua identidade “Llámenme

liberdade de imprensa faz chegar aos leitores apenas

Gertrudis” (YÁÑEZ, 2010, p. 218) e, numa leitura às

o que interessava aos dirigentes políticos.

avessas de O velho e o mar, de Hemingway, em que o pescador de Cojímar pode ser destruído mas nunca

Um fato é registrado com destaque pela

derrotado, lembra que “[....] la anciana pescadora

narradora: o ataque de estudantes de medicina “a

de Cojímar conocía muy bien la real verdad: una

la gente de Humanidades”:

mujer puede ser destruida y además derrotada”. Espia a culpa de não ter lido a carta que La Difunta

Azorados, tratábamos de entender qué estaba sucediendo, cuando de repente distinguí a La Difunta del otro lado del pasillo. No me separaban de ella ni siquiera tres metros, sin embargo no podía ayudarla. Al sentarse, había quedado aislada en una mesa de airados muchachos que estudiaban Medicina, abucheada y estigmatizada sólo por el hecho de estudiar Letras. Durante minutos que parecieron eternos se vio obligada a permanece allí, escuchando indefensa todos los agravios imaginables coreados por un circo de implacables leones. Por primera vez reconocí una extraña forma de fragilidad y de impotencia (YÁÑEZ, 2010, p. 198).

Além dos confrontos entre os mandatários e o povo, a passagem mostra que havia também a luta entre integrantes dos mesmos grupos, que

lhe mandou e não ter atendido aos telefonemas da colega, que acabou por suicidar-se. Retomando a peça Fuenteove juna de Lope de Vega, acaba desculpando-se a si mesma e atribuindo a todos a culpa pela morte da colega: “¿Quién mató a la Comendadora? Funeteovejuna, señora… Todos a una” (YÁÑEZ, 2010, p. 219). A narradora atribui ainda “a las mujeres amantes del impío Omar Khayymam, ocultas tras la máscara del marido”, os versos tradicionalmente tomados como de autoria do poeta iraniano nascido em 1048: ¿Dices que el vino es el único bálsamo?

defendiam, ou deveriam defender, os mesmos interesses, os estudantes universitários, no caso. Para tentar explicar o que aconteceu depois, do ano 1968 em diante, com delações, interrogatórios

¡ todo el vino del universo! Mi corazón tiene tantas heridas… ¡Todo el vino del universo

e falsos testemunhos, a narradora recorre à obra de Ibsen, Um inimigo do povo, em que os interesses

Y que mi corazón conserve sus heridas! (YAÑEZ, 2012, p. 219)

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

808

Com esses versos encerra-se a narrativa,

sobre o mesmo tema”, que o Dicionário de música

fechando o ciclo que no primeiro capítulo, numa

(2012) define como “forma musical em que um tema

proposta de ver as coisas todas ao revés, feminiza

é transformado através de vários recursos próprios

os nomes clássicos da literatura universal. Vê-se,

da composição”. E explica o autor do verbete que,

então, que não apenas no político-social o

partindo de um princípio muito simples e comum,

estabelecido não atende às expectativas de

o de acrescentar a uma composição novos

Gertrudes. A mesma insatisfação se aplica à

elementos musicais e ornamentos, chega-se a uma

literatura e a criação literária, espaço de poder

forma complexa. Com a personagem nomeada

masculino contra o qual se insurge a narradora.

Mujer que habla sola en el parque tem-se o estribilho

Indignada, pergunta-se se é o caso de continuar

que relata a inexorável ruina da capital cubana, que

narrando de acordo com a velha mentira de bons

morre de formas diversas: “Y La Habana se muere”:

contra maus, caçadores e arpões, e outras fórmulas

porque “una nube negra chocó con una nube

consagradas

colorada y, de golpe, las dos se precipitaron sobre

pela

literatura

de

tendência

androcêntrica:

La Habana” (YÁÑEZ, 2010, p. 12), e morre em meio de excrementos, e morre tragada por una serpente,

Yo, Claudia, Fausta, La Gataparda, Doña Segunda Sombra, La guardiana en el trigal, La Principita, Édipa Reina, La Cida Campeadora, Romea y Julieta, Mamá Goriot, La loba esteparia, Tartufa, Las Buddenbrook, Doña Quijota de la Mancha, La Maestra y Margarita, ¿verlo todo al revés?, ¿desde otro “punto” de vista? ¿El cuento como yo me lo sé?, ¿El evangelio según María Magdalena? (YÁÑEZ, 2010, p. 9).

e morre porque “vino una hola grandísima […] y tapó toda la ciudad” (YÁÑEZ, 2010, p. 37), e morre outra vez pelo excesso de ruído e porque fica doente. E é despedaçada por raios e tem seu fim nos edifícios que se empurram raivosos e caem como as peças de um dominó. É destruída por cupins e por formigas e no último registro dessa voz se lê:

Merece a atenção nessa mudança de perspectiva, em que os seres machos passam a fêmeas, o fato de se manter feminino o nome que faz, no original, par com o masculino: Romea y Julieta e La Maestra y Margarita, matizando, além da questão de gênero, a de orientação sexual. A autora põe em discussão a aceitação de fatos

Y entonces el cloro se desbordó y todos los documentos, manuscritos, legajos, contratos, cartas, informes, bulas, títulos, pergaminos, plaquetes, certificados, inventarios, cédulas, oficios, actas, memoriales, expedientes, registros, programas, revistas, periódicos, folletos, libros, escritos y por escribir, se fueron borrando hasta quedarse con las páginas en blanco. Y La Habana se muere… (YÁÑEZ, 2010, p. 218)

comuns, tidos como naturais, biológicos ou verdades indiscutíveis, como a inferioridade

A Mujer que habla sola en el parque mostra

feminina na produção literária. Sobre a questão do

que a cidade, que já se tinha destruído várias vezes

gênero na literatura recorremos a Nelly Richard

e de várias maneiras, se acaba definitivamente

(2002, p. 127) que, em “A escrita tem sexo?”, registra

porque se apaga a sua escritura, e não há

o pensar a “partir da margem, a partir de um limite

possibilidade de vida sem escritura.

de infração que assumiu a marca do gênero sexual como local de desafio e questionamento das hegemonias discursivas” Com o uso de uma das técnicas da composição musical, Mirta Yañez faz sua “variação

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Referências bibliográficas

809

DOMINGUEZ, Victor Manuel. La novela de la revolución cubana. Disponivel em: http://www.cubanet.org/articulos/

Livro: BERGSON, Henri (1990): Matéria e memória. Tradução de

la-novela-de-la-revolucion-cubana/ acesso em dezembro de 2011.

Paulo Neves da Silva. São Paulo: Martins Fontes. (1. ed

MADRIGAL, Roberto. Los felices sesenta. Disponível

1939).

em:madrigaldil.blogspot. com.br/2011/04/los-felices-

BOSI, Ecléa (1987): Memória e sociedade: lembranças de velhos. 2. ed. São Paulo: USP. Halbwachs, Maurice (2006): A memória coletiva. Tradução de Beatriz Sidou. São Paulo: Centauro.

sesenta.html. Acesso em janeiro de 2012. RAMOS, Fabio P. et al (2011) A revolução cubana e suas implicações. In: _____. Para entender a história... Ano 2, Volume fev., Série 01/02, 2011, p.01-15. Disponível em: http://fabiopestanaramos.blogspot.com/2011/ 02/

ORTIZ, Fernando (1983): Contrapunteo cubano del tabado

revolucao-cubana-e-suas-implicacoes. html. Acesso em

y del azúcar. La Habana: Editorial de Ciencias Sociales.

fevereiro de 2012.

YAÑEZ, Mirta (2010): Sangra por la herida. La Habana:

RODRÍGUEZ BETANCOURT, Míriam. El derecho a

Letras Cubanas.

sangrar por la herida http:// www.juventudrebelde.cu/ cultura/2011-05-23/el-derecho-a-sangrar-por-la-herida/

Artigo em revista:

acesso março de 2012.

DICIONÁRIO de música (2003): Disponível em http://

TORNÉS, Emmanuel. Sangra por la herida de Mirta Yañez.

www.meloteca.com/ dicionario-musica. htm. Acessado em

Disponível em http://www.lajiribilla.cu/2011/n517_04/

20/07/2012

517_24.html. acesso em novembro 2011.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

810

LAS ANIMALIAS… COMO ELEMENTOS CONSTRUCTORES DEL DISCURSO EN EL LIBRO DE BUEN AMOR DE JUAN RUIZ, ARCIPRESTE DE HITA

María Teresa Miaja de la Peña Universidad Nacional Autónoma de México

Entre los múltiples elementos presentes en el Libro de buen amor, de Juan Ruiz, Arcipreste de Hita, destaca una frecuente referencia a diversos animales, en ocasiones en estrecha relación con los personajes de

1. Enxie[n]plo de cómo el león estaba doliente e las otras animalias lo venían a ver (est.82-88) 2. Ensiemplo de cuando la tierra bramava (est. 98102)1*

la obra y en otras como reflejo de una determinada conducta. Los animales adquieren en la obra un fuerte sentido simbólico, propio de la literatura ejemplar y

3. Enxiemplo del ladrón e del mastín (est. 174178)*

de bestiarios, ampliamente difundida en la cultura de la época, el cual se asocia a una intención didáctica y/ o moralizante, en tanto suele connotar referencias previamente codificadas y por ello fácilmente reconocibles, en especial como elementos recurrentes

4. Ensienplo de las ranas en cómo demandavan rey a don Júpiter (est.199-206)* 5. Ensiemplo del alano que llevaba la pieça de carne en la boca (est. 226-229)*

del ars praedicandi, es decir del discurso sermonístico, el cual va aparejado al ars Amandi, discurso amoroso,

6. Ensiemplo del caballo e del asno (est.237-247)*

con los que el autor construye la obra. En el Libro de buen amor aparecen 449

7. Enxiemplo del lobo e de la cabra e de la grulla (est. 252-256)*

menciones de animales, entre los que se encuentran 291 de tierra, 115 de aire, 42 de agua y uno

8. Ensiemplo del águila y el caçador (est.270-275)

fantástico relacionado con el fuego, el drago. De estas menciones la mayoría está presente en

9. Enxiemplo del pavón e la corneja (est.285-290)*

algunos de los cuentos ejemplares o exempla y en las veinticinco fábulas que incluye Juan Ruiz en su obra:

10. Ensiemplo del león e del cavallo (est. 298-303)*

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

11. Ensiemplo del león que se mató con ira (est.311316)* 12. Aquí fabla de la pleito qu’el lobo e la raposa (que) ovieron ante Don Ximio, alcalde de Bugía (est.321-371)*

811

dos veces, y es relacionado con la caballería en contraposición al asno, propio de la villanía, que esta presente en dos momentos. El ciervo, asimismo ligado a la nobleza aparece en una fábula.

De los

canes se mencionan cuatro tipos: galgo, mastín, alano y blanchete, en unos se destaca su fidelidad y

13. Ensiemplo del mur topo e de la rana (est. 407414)* 14. Enxiemplo de la abutarda e de la golondrina (est. 746-754)*

en otros la codicia. El ximio es asociado al engaño, al igual que el lobo y la raposa. Estos últimos presentes cada uno en tres fábulas.

Entre las aves

aparecen las domésticas: el gallo y la gallina en una ocasión cada uno y las silvestres: avutarda,

15. De lupo pedente ( est. 766-779)

golondrina, grulla, corneja, cuervo y águila, en una sola mención y representando un determinado

16. Cor cervi (est. 893-903)

papel. Se hace referencia a una cabra y una liebre, tres mures, una rana, asociada esta última en la

17. Enxiemplo del ortelano e de la culebra (est.13481355)*

literatura ejemplar a la soberbia, y una culebra

18. Enxiemplo del galgo e del señor (est.1357-1366)*

Para el hombre medieval los animales eran

ligada a la traición e hipocresía.

parte natural de su entorno y eran aprovechados 19. Ensiemplo del mur de Monferra[n]do e del mur de Gua[da]lfajara (est.1370-1385)*

como alimento, como vestido, como instrumento de trabajo e incluso como compañía, como bien ha demostrado Robert Fossier en su libro Gente de la

20. E[n]xiemplo del gallo que falló el çefir en el muladar (est.1387-1391)* 21. Enxiemplo del asno y el blanchete (est. 401-1408)*

Edad Media (197-200). Se convivía con ellos y se conocían bien sus hábitos y costumbres. De ahí que las narraciones fabulísticas en las que se establecía una semejanza con los vicios y virtudes propios de

22. Enxiemplo de la raposa que come las gallinas en la aldea (est. 412-1421) 23. Enxiemplo del león e del mur (est. 425-1434)*

los humanos fuera plenamente aceptada por los lectores o escuchas de la época. La obra que nos ocupa, el Libro de buen amor de Juan Ruiz, Arcipreste de Hita, se caracteriza por

24. Enxiemplo de la raposa e del cuervo (est. 4371443) * 25. Enxiemplo de las liebres (est. 445-1450) 2 *

Los animales representados en las fábulas

tener el doble propósito de docere et delectare, como lo expresa el autor en la cuaderna Tú, Señor e Dios mío que el omne formeste, enforma e ayuda a mí, el tu açipreste,

tienen siempre un valor simbólico, de ahí que de los felinos se destaque la presencia del león, en cuatro

que pueda fazer libro de buen amor aqueste,

ocasiones, por su asociación emblemática con la nobleza, caso parecido al del caballo, que aparece

que los cuerpos alegre e a las almas preste. (e. 13)

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

812

El alegrar a los cuerpos íntimamente

veces como argumento en los debates o controversias

relacionado con el cortejo amoroso propio del saber

entre los personajes: Trotaconventos y doña Endrina,

del ars amandi y el enseñar asociado a la sermonística,

Trotaconventos y doña Garoça, el autor y don Amor.

es decir del ars praedicandi. En ambos las fábulas

Para el estudioso todas ocupan un lugar significativo

fungen como magníficos recursos didácticos en tanto

en relación a la acción principal y se agrupan en

al ejemplificar las conductas, vicios y virtudes, no

momentos específicos: la larga diatriba entre doña

protagonizados por humanos sino por animales, la

Urraca y la monja doña Garoça; el fragmento

enseñanza queda diferida a un espacio lúdico e

dedicado a los pecados capitales; el debate con don

imaginario en el que se apela a la cabal interpretación

Amor; y el episodio de doña Endrina. (LECOY,

del escucha o lector, siempre guiado de la mano por

1974,113)

el autor del Libro por los vericuetos del recorrido por él propuesto como trayecto de aprendizaje en las lides amorosas. De ahí la advertencia del autor de que su mensaje debe ser en todo momento decodificado, como él mismo aconseja “Entiende bien mi libro e avrás dueña garrida.” (e. 64d), pues sabemos que nada en el Libro es sencillo o directo, todo está envuelto en un velo de ambigüedad desde

Tanto las fábulas como los exempla, fueron géneros ampliamente conocidos durante la Edad Media especialmente por las traducciones y compilaciones que la clerecía hizo de ellos para ilustrar o ejemplificar la enseñanza de asuntos abstractos al predicar en el púlpito o enseñar en la cátedra.

el inicio de la obra. No en balde el primer cuento que

En España al igual que en el resto de Europa

introduce el autor es el de la “Disputa entre los griegos

estos textos comenzaron a integrarse a obras

y los romanos”, en donde cada una de las partes

literarias, don Juan Manuel utilizó varios de ellos en

interpreta el debate de acuerdo a su buen saber y

su Libro del Conde Lucanor con un propósito de

entender.

speculum de nobleza y arte de gobernar y Juan Ruiz

Señala María José Rodilla que el Libro: “Está lleno de fábulas morales, procedentes del acervo esópico del medievo, que se conocen como Romulos, cuyos protagonistas suelen ser los animales, entre los que destacan el Romulus Nilanti (siglo XI) y el Romulus de Walter Maps (siglo XII)”. (423) Según Lecoy es este último, conocido como Walter el Inglés, la principal fuente de Juan Ruiz, al menos en veinte de las fábulas incluidas en el Libro. (RODILLA, 2009,118) Felix Lecoy en su estudio canónico sobre el Libro dedica un capítulo a este importante género dentro de la obra, en el que analiza las veinticinco fábulas que incluye del autor y su relación con el

en su Libro de buen amor con la doble intención que antes comenté: docere e delectare. Sirvan estas menciones para demostrar no solo la utilidad del género sino y sobre todo su capacidad de adaptación a los más diversos propósitos. En el caso particular del segundo estas juegan un importante papel, como bien señala Margerithe Monrreale: Con las aproximadamente 128 estrofas que ocupan un total de 1709 (sin contar las perdidas), las fábulas esópicas del Libro contribuyen a la variedad y amenidad del poema, e incluso a su comprensión de parte del lector actual, siendo muchas de ellas de dominio común en la memoria de Occidente, y de los españoles en particular, gracias a las versificaciones del siglo XVIII, y, hasta nuestros días, a la utilización en las escuelas, favorecida por el atractivo que ejerce su aire popular.(MONRREALE, 2002, 214)

pasaje en el que están ubicadas con el propósito de ejemplificar alguna enseñanza moral, a veces como

Es precisamente ese aire popular el que

conclusión de una aventura amorosa del poeta, a

otorga a la fábula el sentido de oralidad que la hace

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

813

formar parte de la tradición, de ahí que en el Libro se

a una gran bestia, la gente se asustaba al escuchar los

introduzcan mediante locuciones relacionadas con

bramidos, tanto, que pensaban en huir. Sin embargo,

el acto de expresar o comunicar, del decir y el hablar,

el temor se convierte en escarnio cuando llega el

tales como: “Diz…”, “direvos un rizete” (1400d),

momento del parto, ya que de la tierra sale tan sólo

“direvos un jugete” (1400 a), además de la propia

un mur. En el contexto del Libro, la dueña estaría

relación de la fábula y su diminutivo fabliella con el

representada por la gente, personaje colectivo, que

hecho de fablar. Añade la estudiosa que la fábula

ante las señales falsas se forja grandes expectativas; la

relatada se distingue de la fábula esópica por

tierra se identifica con el galán, en este caso el

contarse, no en tiempo presente, como ésta, sino en

arcipreste, que hace grandes promesas a la dueña y

pretérito, con el presente reservado al discurso

“de quanto le prometió o da poco o da nada” (e. 97c),

directo introducido a menudo con diz, que se sustrae

en la tierra es, entonces, en donde está presente la

al tiempo (cf. e. 43cd).

actitud de la soberbia revestida de apariencias

Para ejemplificar lo hasta ahora comentado he elegido cinco fábulas en las que considero queda patente una de las conductas señaladas como vicio en la Edad Media, la soberbia. Revestida esta de espejismos, engaños o apariencias, gracias a las cuales se pretende ser o alcanzar algo fuera de lo normal o propio.

(tradicionalmente la fábula no se refiere a la tierra, sino a los montes, símbolo tradicional de la soberbia; sólo Walter y el Libro coinciden en la sustitución de los montes por la tierra). Finalmente, el cumplimiento incompleto o nulo de las promesas estaría representado en la fábula por el mur, animal pequeño e indefenso que contrasta con la apariencia de grandeza y ferocidad, que la tierra pretende

Las fábulas elegidas son: “Enxiemplo de

mostrar en un principio, es decir, la grandeza de las

cuando la tierra bramaba”, “Enxiemplo del ladrón e

promesas que el arcipreste hace a la dueña, (la

del mastín”, “Enxiemplo de las ranas, en como

interpretación de la fábula se encuentra presente

demandavan rey a D. Jupiter”, “Enxiemplo del pavón

desde la cuaderna que la introduce e. 97).

e de la corneja”, “Enxiemplo del mur de Monferrado e del mur de Guadalfajara”. Con ellas tenemos ejemplo de cada una de las categorías antes señaladas: tierra, aire y agua.

En comparación con Walter, la fábula del Libro enfatiza más el temor de la gente ante los bramidos de la tierra, y hace explícito el miedo a que pariera “grand sierpe o grand bestia” (e. 99c), es decir, se hace explícita la falsa apariencia, representada por animales

1. Enxiemplo de cuando la tierra bramaba Una dueña “letrada / sotil y entendida” (e. 96ab) dice la fábula a la vieja como apoyo a su afirmación previa: “los novios non dan cuanto prometen” (e. 95d). Se trata de la única mención que hace Juan Ruíz del Isopete como fuente “esta fabla compuesta, de Isopete sacada” (e. 96d). La fábula cuenta como un día la tierra comienza a bramar y se hincha como si fuera a parir

terroríficos y peligrosos que posteriormente crearán contraste con el mur. La moralización, además de ir dirigida a aquellos que hacen menos de lo que prometen, se refiere también a los temores infundados, enseñanza que no se retoma en el Libro, en donde el temor puede leerse tan sólo como la reacción ante las falsas apariencias, así pues, es el contexto del Libro en gran medida, el que permite que la fábula tenga una lectura y proporcione una enseñanza vinculada con la soberbia, las apariencias y el engaño.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

814

2. Enxiemplo del ladrón e del mastín

3. Enxiemplo de las ranas, en como demandavan rey a D. Jupiter

Respecto a una de sus aventuras amorosas el arcipreste narra la fábula del ladrón y del mastín,

En el primer encuentro del arcipreste con don

como ejemplo de la actitud de la dueña ante los

Amor, como parte de su reclamo inicial ante los

obsequios que le envía.

sufrimientos que causa en los enamorados, el arcipreste narra esta fábula: las ranas vivían en un

La fábula narra lo que le sucede a un ladrón

lago sin nada que las molestara, sin embargo, por

cuyo robo es frustrado gracias al mastín que

creer en el diablo comienzan a pedir un rey a Júpiter

resguarda el tesoro de su amo; el ladrón, ante los

(199c), [la presencia del diablo es una de tantas

ladridos del perro, le obsequia un trozo de pan que contiene çarças, con el fin de que el mastín no delate su intento de hurto, sin embargo, el perro le responde que no aceptará el “mal bocado” (e. 175c) ya que no querría perder la comida segura de cada día, ni traicionar a su amo.

marcas de cristianización de las fábulas, con la presencia, además, del personaje ligado por excelencia al engaño y a la soberbia en la tradición cristiana]. Júpiter les envía una viga de lagar, misma que carece de cualquier autoridad con las ranas, por lo cual no les sirve como rey, es por ello que las ranas

En este caso la dueña se identifica con el

solicitan un nuevo rey, que resulta ser una cigüeña

mastín, que no está dispuesta a perder su honra ni

carnicera. Las ranas, atemorizadas ante los ataques

su estabilidad por los obsequios que ofrece el

de su nuevo rey, piden auxilio a Júpiter, quien

arcipreste, igualado con el ladrón, que pretende

finalmente les responde que ahora tienen lo que

entrar furtivamente y apoderarse de un “thesoro”

pidieron, debido a que no supieron apreciar su

(e.177b) que no le pertenece, valiéndose de

libertad.

obsequios aparentemente atractivos, pero que en realidad esconden un peligro para la dueña, tan grande como las çarças para el mastín.

Según la moralización que plantea el Libro las ranas se identifican con los amantes que, engañados ante las falsas ilusiones de Amor, no

En Walter los obsequios del ladrón son sólo

aprecian su libertad y piden estar bajo su yugo.

panes, así que no representan un peligro inminente

Júpiter se identifica con Amor quien, ante las

para el perro, sino que el daño vendrá como

peticiones de los amantes, puede enviar amores que

consecuencia de la traición al amo, a diferencia del

no satisfagan las expectativas de los amantes, mismos

Libro en donde la mención a las çarças hace explícita

que por soberbia exigen a Amor algo distinto a lo

la idea de un peligro inmediato y tangible para el

que se les otorga, así los que esperaban recibir un

perro que se encuentra escondido en el obsequio

rey que mejorara su situación, reciben un tirano que

aparentemente agradable. La moraleja en Walter se

los lastima, contra el cual nada pueden hacer.

dirige a los golosos, y a la importancia de que controlen el deseo de aceptar cualquier obsequio apetecible, sin mirar las consecuencias; en el Libro la enseñanza va dirigida a las dueñas como una advertencia a los obsequios del galán, en quien recaería la soberbia debido a la confianza con que inicialmente pretende ganar los favores de la dueña, seguro de que esta caerá en el riesgoso engaño.

En Walter la fábula se inserta en un contexto completamente social y político, la fábula sin embargo, es muy similar. Las ranas, con una muestra de vanidad que no se presenta en el Libro quieren un rey para ser escuchadas. Cuando Júpiter les envía la viga, la reacción, aunque gradual, es mucho menos lúdica que en la obra del Arcipreste, pierden el

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

815

respeto y el temor a su nuevo rey al ver que no puede

sólo en el pecado, sino en el engaño que el pecado

moverse, pero nunca se suben a la viga. Finalmente,

provoca: por envidia la corneja quiere aparentar

la diferencia más notable entre una versión y otra es

algo lo que no es, y con tal de lograrlo comete la

la sustitución en el Libro de la hidra, que aparece en

insensatez de renunciar a su propia apariencia y

versiones anteriores, por la cigüeña carnicera. La

naturaleza para tratar de adoptar la ajena. La

enseñanza, en ambas versiones de la fábula, se

enseñanza se da cuando el engaño es descubierto y

encamina al aprecio de la libertad. Sin embargo, en

la envidiosa ave tiene que sufrir las consecuencias.

el Libro la mención del engaño del diablo por el

Está presente, además, la marca de cristianización

cual las ranas comienzan a solicitar un rey es una

en el Libro al mencionar que la corneja ya con plumas

marca que refuerza la idea de las falsas apariencias,

de pavón va a la iglesia, donde no debía haber lugar

constante en la obra.

engaños y menos aún para envidiar las apariencias.

4. Enxiemplo del pavon e de la corneja

5. Enxiemplo del mur de Monferrado e del mur de Guadalajara

Además de mencionar los daños que el Amor causa en los amantes, el Arcipreste lo culpa también

Durante el debate de Trotaconventos y doña

de los pecados capitales, en ese fragmento, como

Garosa, el primer exemplo con que la monja responde

ejemplo para ilustrar el pecado de la envidia, el

a la medianera, es la fábula del mur de Monferrado

Arcipreste relata la fábula del pavón e de la corneja.

y el mur de Guadalajara. El relato se trata de la visita

El relato trata de una corneja que al observar al

que hace el mur de Guadalajara –el ratón de ciudad

pavón “fazer la rueda” (e. 285a) siente envidia de su

en otras versiones–, al de Monferrado –el ratón de

hermosura, y se propone igualarlo, así que se arrana

campo–. Este último recibe a su huésped de manera

las plumas y se vistió con plumas de pavón, con esta

humilde, pero la buena voluntad del anfitrión hace

nueva apariencia la corneja va a la iglesia, donde

placenteros los alimentos. Para corresponderle, el

muchos la confunden, pero uno de los pavones

mur de Guadalajara invita a su anfitrión a visitarlo.

descubre el engaño, le quita las plumas ajenas y la

El mur de Monferrado, va entonces a Guadalajara,

arroja al carrizal.

donde es recibido con grandes lujos, en una mesa muy rica y llena de manjares, sin embargo, el

En este caso, los personajes de la fabula no se

banquete es interrumpido cuando la señora del

relacionan con alguno en particular del Libro, como

palacio entra al sitio donde estaban los mures, el de

se menciona en la obra, la enseñanza va dirigida, en

Guadalajara logra ocultarse en su agujero, pero el

general, a los envidiosos. A diferencia de la versión

visitante, aterrado, sólo es capaz de arrimarse a la

de Walter, en la cual, no hay una mención explícita

pared hasta que la señora se va; cuando el peligro

de la envidia de la corneja por el pavón, asimismo,

ha pasado, el anfitrión invita a la mesa nuevamente

el rechazo a la corneja es más violento y la enseñanza

al visitante, pero el aldeano lo rechaza, afirmando

se dirige hacia la importancia de aceptar la propia

que el temor a la muerte hace que los mejores

naturaleza (en versiones previas suele tratarse de una

manjares no puedan disfrutarse, por lo cual, prefiere

grulla, el Arcipreste la sustituye por una corneja o

su mesa pobre donde no corre riesgos.

una graja). El contexto del Libro dirige la fábula hacia el tema de la envidia, y la crítica se enfoca, no

En el contexto del Libro, la monja Garosa se identifica con el mur de Monferrado, quien prefiere la mesa humilde pero sin riesgos, es decir, “más vale

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

816

en convento las sardinas saladas” (e.1385a); por otro

discurso, como pudimos constatar a través del

lado, el mur de Guadalajara representaría a

análisis de las cinco fábulas.

Trotaconventos, que ofrece los grandes manjares, aparentemente placenteros, que conllevan un gran peligro para la monja, que en caso de ser descubierta

Referencias bibliográficas

quedaría como el mur aldeano, sin posibilidad de huir y refugiarse con Trotaconventos.

FOSSIER, Robert (2007): Gente de la Edad Media. México:

Si la comparamos con la versión de Walter,

Taurus.

la del Libro es en realidad muy cercana, cabe

KELLER, John Esten (1949): Motif-Index of Medieval Spanish

mencionar que el Arcipreste presenta mayor detalle

Exempla. United States:The University of Tennessee Press.

en el momento en que los mures huyen, y el anfitrión

LECOY , Felix. Recherches sur le Libro de buen amor (1974):

puede ocultarse “en su forado” (e.1377a), y por

Alan Deyermond (Prólogo, bibliografía e índice). England:

supuesto, la diferencia en la enseñanza, dirigida en

Gregg International.

Walter al valor de la pobreza con seguridad, y en el caso del Libro el asunto de la apariencia y el engaño cobra más importancia, al ser una alcahueta el personaje que está representado por el mur que ofrece los ricos manjares, la fábula funciona como argumento de la monja para ilustrar el peligro que tales ofrecimientos traerían consigo. Hemos visto como en cada una de las fábulas

MORREALE, Margeritha (2002): “La fábula en la Edad Media: El Libro de Juan Ruiz como representante castellano del Isopete”. En: Y así dijo la zorra. La tradición fabulística en los pueblos del Mediterráneo (eds. Aurelio Pérez JiménezGonzalo Cruz Andreotti), Madrid, Ediciones Clásicas, pp.209-238. RODILLA, María José (2009): “A omnes, aves e bestias mete los en amores”. Las animalias en el Libro de buen amor”. En:

elegidas cabe una enseñanza no solo sobre el amor,

Medievalismo en Extremadura. Estudios sobre Literatura y

sino también sobre la conducta relacionada con el

Cultura Hispánicas de la Edad Media. Jesús Cañas Murillo,

amor, ars amandi,

Francisco Javier Grande Quejigo y José Roso Díaz (Editores)

representada en la figura y

comportamiento de un determinado animal, que a la vez esta plenamente codificada en la tradición fabulística de la Edad Media y que por ello sirve como ejemplo, ars praedicandi. Por otra parte, la comparación de las fuentes y el aprovechamiento de ellas resulta muy revelador de la intención del autor en relación a uno y otro

Universidad de Extremadura, Cáceres, España. RUIZ, Juan, Arcipreste de Hita. Libro de buen amor (1974): Jacques Joset (Editor). Madrid: Espasa-Calpe. TAYLOR, Barry (2004): “Exempla and Proverbs in the Libro de buen amor”. En:

A Companion to the Libro de buen

amor. Louise M. Haywood y Louise O. vasvári (Editoras). London: Tamesis.

Notas 1

Señalo con un asterisco* las fábulas que provienen de la versión de Walter, el Inglés como fuente (TAYLOR, 2004,101-104)

2

De ellas veintiuna provienen de la tradición esópica, según señala en su estudio Felix Lecoy: 2,3,4,5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,17,18,19,20,21,23,24 y 25.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

817

AVATARES DE LA HISTORIA EN PARALELOS. LA PINTURA Y LA POESÍA EN CUBA (EN LOS SIGLOS XVIII Y XIX) DE JOSÉ LEZAMA LIMA

Mariana Sierra Aponte Universidade de São Paulo

La idea de una escritura lezamiana

cambio, el texto de Pellón ofrece otra perspectiva en

“posmoderna” postulada en textos de Irlemar

la cual no nos centraremos: la de Lezama como

Chiampi y Gustavo Pellón fue el origen de la presente

posmoderno en la medida en que su práctica

reflexión sobre la manera en que se escribe la

escrituraria en Paradiso se instaura como una

historia en un ensayo sobre arte y poesía. El texto de

deconstrucción del lenguaje y del pensamiento

la primera “La revista Orígenes ante la crisis de la

comparable a la de Lacan o Derrida (PELLÓN, 2005,

modernidad en la América Latina” formula como

p.157).

hipótesis el alejamiento de la publicación dirigida por Lezama con respecto al paradigma moderno. Para esta crítica el sustento de su propuesta es la idea de una disolución de la historia entendida como avance lineal y el abandono de las “superficiales mutaciones” en el campo artístico (como diría Lezama en la primera edición de la revista). Más que la defensa de modas pasajeras, los origenistas, liderados por Lezama, propondrían un arte permanente de “esenciales cosas” y con un verdadero valor cualitativo. Su posición con respecto a las vanguardias, por ejemplo, es problemática y no está exenta de controversias. No obstante, Chiampi no inscribe a Orígenes en la posmodernidad, sino que la sitúa en un “punto bisagra”, es decir, como manifestación de la crisis de la modernidad en América Latina (CHIAMPI, 2003, p. 131). En

El ensayo Paralelos también es susceptible de ser pensado dentro de la percepción histórica posmoderna o contemporánea. Tal posibilidad nos la brinda la presencia en este texto de “las eras imaginarias” o formas de imaginación de culturas como la china o la etrusca cuya pervivencia se impone a la historia. Una reflexión que ya está presente en las conferencias de La expresión americana pronunciadas en 1957 y que se cristaliza en el libro Las eras imaginarias de 1971. Sin embargo, “Paralelos” no solamente se estructura con las referencias a culturas extranjeras, sino mediante la imaginación misma. No se puede olvidar que desde su comienzo la realidad americana es creada imaginariamente por Colón mediante una transposición.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

818

Cuando el Almirante va recogiendo su mirada de esos combates de flores, de esas escaleras que aíslan sus blancos como aves emblemáticas, el arquero negro cerca de la blancura que jinetea Tanequilda, y las va dejando caer sobre las tierras que van surgiendo de sus ensoñaciones, se ha verificado la primera gran transposición de arte en el mundo moderno. (LEZAMA, 1994, p. 66-67)

La tierra imaginada por Colón y creada también mediante la transposición del recuerdo de la tradición pictórica occidental a una tierra virgen prefigura una instancia que gobernará todo el ensayo: la ficción. Un llamado que obedece a las creencias estéticas del autor y a los mismos vacíos en el material empírico, pues es el mismo Lezama quien afirma: “todos lo hemos perdido, desconocemos qué es lo

“poder ser” (CHIAMPI, 2001, p.27-33). Será esta última (la imagen) el centro del sistema poético lezamiano, una construcción cuyas categorías recuerdan el anhelo romántico de instaurar a la poesía como un conocimiento superior y abarcante, pero que también presupone una paradoja con respecto a la noción de posmodernidad. Una contradicción que surge cuando se piensa en el posmodernismo como un cuestionamiento a las “narrativas clave” de la modernidad1. Es claro que en el caso del autor cubano no existe un vacío, como indicaría una poética del posmodernismo, sino una subversión de algunos presupuestos propios de la modernidad, como la visión histórica hegeliana.

esencial cubano y vemos lo pasado como quien posee

Ahora bien, dentro de la perspectiva histórica

un diente” (LEZAMA, 1994, p. 79). Una construcción-

que ofrece Lezama en “Paralelos” podemos señalar dos

reconstrucción que apunta, según críticos como Roberto Méndez (2012), a hacer de la historia artística y literaria cubana en los siglos XVIII y XIX una era imaginaria en sí, un evento excepcional perdurable que se inscribe y se fija en la historia.

aspectos sobresalientes: la interrupción y la postura revisionista. El primero se muestra claramente en la ruptura con la idea de un avance histórico rectilíneo; el segundo representa esa nueva visita al pasado, a culturas míticas cuya imaginación venció el paso del

Ahora bien, ¿cómo y desde dónde pensar la

tiempo fijándose en la historia. Ambos podrían

concepción del tiempo en “Paralelos”? El abanico de

relacionarse con posiciones opuestas a la idea de

opciones incluye las posturas de Benjamin y

historia como un continuum de instantes en el vacío.

Agamben, pero primero pasa nuevamente por las

Entre ellas vale destacar la posición de Walter

reflexiones de Chiampi (esta vez sobre La expresión

Benjamin y de Giorgio Agamben, aunque este último

americana). Proponemos, sobre todo, abrir la

se refiera más a una conciencia del ser

perspectiva de la crítica brasileña, que situó el

contemporáneo.

proyecto origenista –coherente con el pensamiento lezamiano– en el punto límite entre la modernidad y la posmodernidad, y llevarla más al terreno de la contemporaneidad, de la “posmodernidad”, si se

El vínculo entre la memoria y la experiencia es uno de los temas centrales en textos benjaminianos como “El narrador” o en las tesis “Sobre el concepto de historia”. En el prólogo a este último, Jeanne Marie

quiere.

Gagnebin señala cómo en la obra proustiana, y En la introducción a La expresión americana,

gracias al proceso constructivo de la memoria, se

Chiampi señala la oposición de Lezama a una

recrea una experiencia vivida que no se ubica entre

concepción hegeliana de la historia como avance

los estrechos límites de la existencia individual

hacia el Progreso. Frente a la idea del filósofo alemán,

burguesa sino en el infinito. Una experiencia que se

Lezama contrapone, como ya mencionamos, un logos

extiende a un sinnúmero de posibilidades mediante

por la imaginación, un logos poético basado en la

la reminiscencia que establece el lazo o la analogía

metáfora y en la imagen como potencia, como

entre el pasado y el presente (GAGNEBIN, 1987, p.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

819

7-19). Así, la tarea del historiador se convertiría en

poeta cubano en La expresión americana cuando se

el rescate de ese vínculo entre ambos tiempos y en la

refiere a las asociaciones e incluye a la más

transformación del presente a la luz de un pasado

importante, “el análogo metafórico” como uno de los

visto como promesa. No se puede olvidar la tesis

centros de su concepción de la historia.

decimosexta donde se señala un tiempo actual que no es transición y a un pasado como experiencia única que excede una idea de “imagen eterna” o del “era una vez” (BENJAMIN, 1987, p. 231). La intervención de la memoria haría del pasado una clave dinámica para el presente; y de este último una imagen estática que no representa una etapa hacia un futuro vacío. A pesar de que las tesis de Benjamin están

Con esa sorpresa de los enlaces, con la magia del análogo metafórico, con la forma germinativa del análogo mnemónico, con la memoria sorpresa lanzada valientemente a la busca de su par complementario, que engendra un nuevo y más grave causalismo, en que se supera la subordinación de antecedente y derivado … para hacer de las secuencias dos factores de creación… que les otorga ese contrapunto donde las entidades adquieren su vida. (LEZAMA LIMA, 2001, 62)

impregnadas de la religiosidad judía e intentan

“La pintura y la poesía en Cuba”, como fruto

mostrar la que sería la tarea de un historiador de

de las reflexiones presentes ya en La expresión, no

corte marxista, sus ideas sobre la interrupción del

solamente presenta una historia “abierta” sino

avance del tiempo, sobre un presente significativo y

totalmente regida por la poiesis, por la palabra

un pasado cuya clave estaría en la memoria, se

poética que rechaza el causalismo del “antecedente”

relacionan con la misma tentativa lezamiana presente

y el “derivado”. Una palabra creativa que se funda en

en “Paralelos”. También la memoria, como aquella

la memoria, en la Mnemosine madre de las nueves

llave maestra que configura lo que sucedió, pero

musas. Juntas la poesía y la historia engendran una

también el presente y lo venidero, es un eje en ambas

nueva visión vital y creadora de nuevos mitos.

propuestas por distantes que parezcan estar en cuanto al contexto y a los elementos ideológicos. La reminiscencia es para Lezama creadora como eje de las prácticas de lectura y escritura. En un agudo

Otra apuesta por lo contemporáneo: Lezama Lima y Giorgio Agamben

ensayo de Enrico Mario Santí (“Lezama, Vitier y la crítica de la razón reminiscente”) aparece el recuerdo

La ruptura con el modelo hegeliano de la

o “el misterio del eco” como aquél que estructura la

historia y con el retorno a los viejos mitos podrían

escritura (SANTÍ, 1975, p. 539). Contrario a las

convertir a Lezama en un posmoderno. Sin embargo,

prácticas donde una obra se convierte en total

al mostrar una propuesta de historia, Lezama también

deudora de otra que le precede, el cubano destaca

excede tal rótulo. En las líneas que siguen

una naturaleza intertextual centrada en el detalle, en

examinaremos O que é contemporáneo? e

una “invocación dialógica” que en la historia de

intentaremos entablar un diálogo entre el poeta y

“Paralelos” aparecería no solamente bajo la idea de

ensayista cubano y el filósofo italiano.

las eras imaginarias, sino cuando el mismo Lezama cita personajes de dudosa existencia como Rutilio Graco, Ybrovac o el mismo Hernando de la Parra. Una asociación intertextual que hace de la historia una obra abierta y no un constructo cerrado e inmodificable. Recordemos incluso las palabras del

En el texto de Agamben básicamente se presenta un diálogo entre las ideas de disociación y conciencia. Al mismo tiempo que existe una desintegración en la medida en que quien es contemporáneo no coincide perfectamente con su tiempo, se da también una conciencia proporcionada

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

820

por la distancia, una forma de percibir objetivamente

A modo de conclusión

la época en que se vive. Disociación que tiene su mejor imagen en la moda, porque incluye dentro de sí un

La concepción de la historia en “Paralelos” fue

momento de actualidad y un “ya fue”. Una relación

vista a partir de cuatro ejes temáticos: la búsqueda

peculiar con el tiempo que le permite revitalizar

de elementos esenciales en contraposición a la idea

cualquier momento del pasado (AGAMBEN, 2010,

de un avance lineal de cuño hegeliano, la presencia

p.

la

de la palabra poética y de la estructura ficcional que

contemporaneidad o posmodernidad (aunque en

hacen del relato histórico lezamiano una historia

ningún momento Agamben emplee el segundo

abierta, la memoria como fundamento de una

término) que podemos comparar con aquella

posición revisionista del pasado y estructuradora de

realizada por Lezama en su ensayo “Paralelos”. El

una presente significativo según Benjamin y la

retorno a las eras imaginarias, como la temporalidad

relación con la postura de Agamben sobre la

en la moda, haría parte de una conciencia temporal

contemporaneidad. Tanto el primero como el último

doble: una revitalización del pasado, pero también

se sustentaban en nuestra hipótesis de un Lezama

una prefiguración del futuro en la voluntad de

posmoderno a partir de las lecturas realizadas por

edificar una era imaginaria cubana.

Irlemar Chiampi y Gustavo Pellón. En cuanto al

66-67).

Una

experiencia

tal

de

Una última idea susceptible de comparación vincula lo contemporáneo con lo arcaico, sin que éste se entienda como un retorno a lo antiguo. La noción de lo arcaico para Agamben se relaciona con una idea de “origen” que no es propia del pasado sino del devenir histórico, así más que la instauración de lo primitivo como ingenuidad o un llamado a culturas “bárbaras” o que no hacen parte del pensamiento occidental propia de los modernos y de los vanguardistas, se trata de una búsqueda en el presente. Una indagación que realizaría Lezama no tanto en “Paralelos”, al ser éste un texto sobre los siglos XVIII y XIX, sino en Orígenes o en sus ensayos sobre el arte o la literatura de su momento. Como puede

segundo y al cuarto, habría un lazo entre los planteamientos de Benjamin y Agamben; vínculo no solamente establecido por el profundo conocimiento que el filósofo italiano posee sobre el teórico alemán, sino porque en ambos está presente la búsqueda de una experiencia significativa del tiempo. En este sentido, mientras la postura de Benjamin apela hacia la memoria como llave hacia el pasado y hacia el futuro con el fin de evitar un transcurso histórico vacío, Agamben hará de la conciencia del tiempo presente y de la percepción de la experiencia de la moda el centro de su pensamiento sobre la contemporaneidad. Un ser contemporáneo en el que parece inscribirse Lezama con su revivificación del

verse, la idea de contemporaneidad presenta varias

pasado mediante las eras imaginarias y su

aristas que no se restringen únicamente a nuestro

anticipación del futuro por medio de la creación de

ensayo sino a varias obras críticas de Lezama. A pesar

una era imaginaria cubana, pero sobre todo por la

de que nos centramos en “Paralelos” y en la discusión

conciencia de su presente. Sin embargo, y pese a la

sobre la forma de configuración del tiempo en este

idea misma de una pertenencia parcial del cubano a

ensayo, nuestras ideas también se centraron en la

una forma de pensar “posmoderna”, es conveniente

posible pertenencia o no de Lezama a la

evitar el rótulo y no caer en la postura clasificatoria

posmodernidad. Una idea polémica que revisamos a

que el mismo poeta siempre rechazó: “definir es

partir de una hipótesis de Irlemar Chiampi sobre

cenizar”.

Orígenes.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Referencias bibliográficas

821

LEZAMA LIMA, José (1994): Paralelos. La pintura y la poesía en Cuba (en los siglos XVIII y XIX). En: La visualidad

AGAMBEN, Giorgio (2010): O que é contemporâneo e outros ensaios? Chapecó: Editora Argos.

infinita, p. 66-106. La Habana: Editorial Letras Cubanas. _____. (2001): La expresión americana. México D.F.: Fondo

BENJAMIN, Walter (1987): Sobre o conceito da história. En: Magia e técnica, arte y política. Ensaios sobre literatura e história da cultura, p. 222-232. São Paulo: Editora Brasiliense.

de Cultura Económica. MÉNDEZ, Roberto. “La sonrisa acumulativa e indescifrable del cubano. José Lezama Lima y las artes plásticas”. En: Revista Academia Cubana de la Lengua. Disponible en http:/

CHIAMPI, Irlemar (2003): “La revista Orígenes ante la crisis

/www.acul.ohc.cu/sonrisa_acumulativa.pdf. Accesado el 20

de la modernidad en la América Latina”. En: Casa de las

de mayo de 2012.

Américas, No. 232, julio-septiembre, p. 127-135.

PELLÓN, Gustavo (2005): La visión jubilosa de José Lezama

_____. (2001): La historia tejida por la imagen. En: Lezama Lima, José.: La expresión americana, p. 9-33. México D.F.: Fondo de Cultura Económica.

Lima. Caracas: Monteávila Editores Latinoamericana. SANTÍ, Enrico Mario (1975): Lezama, Vitier y la crítica de la razón reminiscente. En: Revista Iberoamericana 41, No.

GAGNEBIN, Jeanne Marie (1987): Walter Benjamin ou a

92-93, p. 535-546.

história aberta. En: Magia e técnica, arte e política. Ensaios sobre literatura e história da cultura, p. 7-17. São Paulo: Editora Brasiliense.

Nota 1

Entre estos críticos vale la pena mencionar a Linda Hutcheon y su texto Poética do posmodernismo (1991), donde señala que estas “narrativas” modernas se asocian al arte o al mito en autores como Joyce y Pavese y a posiciones vinculadas con la jerarquía, la homogeneidad, la certeza y la autoridad, entre otras.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

822

PRÉSTAMOS TERMINOLÓGICOS PARA UNA MEMORIA DEL FRANQUISMO. LOS NIÑOS ENCONTRADOS DE LA LITERATURA: UNA LECTURA DE MALA GENTE QUE CAMINA, DE BENJAMÍN PRADO*

Mariela Sánchez ** Universidad Nacional de La Plata (Argentina)

En Argentina es conocida la sistematización del empleo del término “desaparecido” a partir del discurso del dictador argentino Jorge Rafael Videla. A pesar de las veces en que ha sido analizado desde diferentes campos, cabe puntualizar en este contexto los pormenores del pasaje en que el dictador asume tanto la existencia de personas desaparecidas, en realidad detenidas y retenidas de forma ilegal por el Estado dictatorial de fines de los 70 y comienzos de los 80 en Argentina, como así también la ausencia de respuesta desde el Estado en el que eso ocurría. Algo determinante de esta instauración del término es que el dictador argentino, en un desliz gramatical propiciado por la oralidad, pasa de un predicado estativo

“Frente al desaparecido, en tanto esté como tal, es una incógnita el desaparecido. Si el hombre apareciera, bueno, tendrá un tratamiento ‘x’. Y si la desaparición se convirtiera en certeza de su fallecimiento, tiene un tratamiento ‘z’. Pero mientras sea desaparecido, no…, no puede tener ningún tratamiento especial. Es una incógnita. Es un desaparecido. No tiene entidad. No está. Ni muerto ni vivo. Está desaparecido.” (Énfasis mío)1

Nótese que además de un producirse un pasaje de un verbo a otro (‘estar’ a ‘ser’, y luego otra vez ‘estar’), se deslizan también los modos verbales. Videla pasa de un presente de subjuntivo (“mientras sea desaparecido”), un modo alejado de la certeza, a la tajante afirmación en presente de indicativo (“Es un desaparecido”), etiquetándolo de tal modo para, de forma inmediata, negarle entidad.

provisorio (mediante la utilización del verbo ‘estar’)

Este término, pese a las intenciones del

a un predicado estativo permanente (con la

discurso del dictador, sirvió para hacer extensiva y

utilización del verbo ‘ser’, dando por sentada, por

abordable desde el lenguaje una realidad de

ende, la condición ya irreversible de los

crímenes de un Estado para cuyas prácticas de

desaparecidos) y regresa, hacia el final de la frase,

secuestro, tortura y asesinato parecía no haber

como asumiendo el desliz y el error, a lo provisorio.

suficientes herramientas de vocabulario. Figura en

Cito a continuación esta parte del discurso y destaco

el Diccionario de la Real Academia Española

lo que se acaba de señalar:

solamente como adjetivo, en un artículo enmendado

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

823

en el que se aclara que es usado también como

que considero aquí está considerada como aquella

sustantivo. El término ha servido, asimismo, para

en que por primera vez se tematiza abiertamente la

abordar, en la literatura de la memoria, la narración

apropiación de niños durante el franquismo, es Mala

de la dictadura franquista, especialmente en lo que

gente que camina, de Benjamín Prado.2

atañe a tematizar los años de la inmediata posguerra. Otra práctica de la dictadura argentina que ha demandado, para dar algún nombre a lo inefable, la instalación terminológica de alguna expresión que sintetizara una operación estatal, ha sido la apropiación de niños en tiempos de guerra y de dictadura.

Mala gente que camina se inserta en la serie de textos que analicé en mi tesis de doctorado sobre transmisión oral como un recurso para la configuración de la memoria de la Guerra Civil española y el franquismo porque expone una modalidad de transmisión oral y responde, a su vez, al esquema de un tratamiento de la memoria del

Hace unos años, y muy especialmente a partir

pasado traumático español bajo la guía de un

de la ley impulsada por el gobierno del PSOE, la

profesor de instituto que procura dar forma a un

llamada “Ley de Memoria Histórica”, uno de los

proyecto creador relacionado con la producción

temas más debatidos fue el de la apertura de las fosas

académica.

comunes para la identificación de las víctimas aún enterradas allí, pero también ha cobrado fuerza de manera relativamente reciente la cuestión de la apropiación de niños. Así lo señala en su tesis María Corredera González, quien alude a fuentes dentro de las cuales encontramos recursos mencionados en la novela de Benjamín Prado que trataré en esta ponencia: Otro de los escabrosos temas que tanto investigadores como afectados de las víctimas han empezado a llevar a debate público es el de ‘los niños perdidos del franquismo’. Niñas y niños separados de sus madres encarceladas o fusiladas en la posguerra y que a temprana edad fueron entregados al Auxilio Social o a instituciones religiosas. Véanse como ejemplos el reciente libro Los niños del Auxilio Social de Ángela Cenarro (2009), la novela Mala gente que camina de Benjamín Prado (2006), Irredentas. Las presas políticas y sus hijos en las cárceles de Franco de Ricard Vinyes (2002) y Los niños perdidos del franquismo de Ricard Vinyes, Montse Armengou y Ricard Belis (2002), así como el libro de testimonios Cárcel de mujeres de Tomasa Cuevas (1985). (CORREDERA GONZÁLEZ, 2010, p.42).

También para este crimen, la narrativa española reciente abreva en una nefasta reiteración histórica que otorga material para contar una serie de acciones derivadas de la Guerra Civil. La novela

Al igual que en otras novelas en las que observé esta modalidad, se reitera el tópico del intelectual que a regañadientes realiza un trabajo subsidiario, presentado como menos placentero que la escritura creativa o la investigación académica (en unos casos, el periodismo; en otros, como en éste, la enseñanza a adolescentes).3 También ocurre que el narrador-protagonista cuenta en primera persona el derrotero de su búsqueda mediante guiños que invitan –como ocurre con textos de Juan Manuel de Prada y Javier Cercas– a la homologación entre narrador y autor.4 El hallazgo de un personaje enigmático que dinamiza y proyecta su objetivo funciona, por ejemplo, como el disparador que constituye Ana María Martínez Sagi para el narrador de Las esquinas del aire o Miralles para el narrador de Soldados de Salamina. Ahora bien, desde una perspectiva ideológica claramente divergente respecto del pensamiento de extremos conservadores de Juan Manuel de Prada, la novela de Benjamín Prado logra que a partir del caso particular de la pesquisa en pos de la obra de la escritora Dolores Serma se imponga un tema inquietante, de inhabitual presencia en los abordajes de la memoria de la Guerra Civil española y del franquismo,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

824

inhabitual incluso desde los terrenos jurídico,

cual se muestra una continuidad de la reflexión crítica

histórico y periodístico.

sobre algunos aspectos concretos de la iglesia

Juan Urbano, cuyo nombre se revela recién en la última página de la novela, profesor de literatura y director de estudios en la misma institución en la que ejerce la docencia, conoce a Natalia Escartín, una neuróloga cuyo hijo es alumno del colegio donde trabaja Juan.

católica. Finalmente, el personaje citado y la primera persona que conduce la columna se reúnen en una punzante conclusión: “Juan Urbano y yo le deseamos a sor Teresita que sea muy feliz cuando la reciba Benedicto XVI, y estamos absolutamente seguros de que el honor es suyo, porque ni él, ni la Iglesia católica, ni ninguna otra religión se la merecen.” Si

Hay una coincidencia deliberada entre el

bien no me detendré en más apariciones de Juan

nombre del narrador-protagonista de esta novela, Juan

Urbano fuera de Mala gente que camina, este ejemplo

Urbano, y el nombre de un personaje utilizado por

sirve para advertir una coherencia del autor en la

Benjamín Prado en sus columnas de publicación en

utilización del nombre de este personaje en cuanto a

prensa, un personaje complementario del yo que firma.

superposiciones que invitan a la fusión de puntos de

Detenerse en esta especie de lugartenencia que permite

vista. Dicha coherencia también se manifiesta en el

trasponer en un personaje algunas opiniones del autor

seguimiento del pasado traumático y su influencia

implicaría alejarnos de los objetivos de esta ponencia,

en el presente de España.

pero conviene dimensionar la coincidencia onomástica empleada por Benjamín Prado. Cabe observar que, entre la cobertura de los acontecimientos más recientes, podemos destacar, por ejemplo, la mirada del personaje de la escritura en prensa de Prado, Juan Urbano, en relación con la llegada de Benedicto XVI a Madrid y la visita de éste a una monja de clausura de 103 años que ingresó al convento en 1927. En la columna “La Guerra Civil, el Papa y nada más” (El País, 18-082011), luego de una ácida mirada sobre la visita del papa con motivo de la Jornada Mundial de la Juventud, se utiliza para introducir una reflexión el punto de vista del personaje de Juan Urbano: “’En el cristianismo no hay diosas, ni apóstolas, ni evangelistas femeninas, sino solo vírgenes, así que ¿por qué iba a haber papisas, obispas o cardenalas?’, dice nuestro amigo Juan Urbano, y añade ‘Si ni siquiera pueden dar misa. Pero, por desgracia, no creo que ninguna feminista católica, que tendrá que haber un montón, vaya a decir nada de eso, tampoco esta vez’” (PRADO, 2011). Luego del punto seguido y del cierre del entrecomillado por el que se ‘cita’ a Juan Urbano, continúa en esa línea de pensamiento el ‘yo’ más asimilable a la firma de Benjamín Prado, por lo

El encuentro entre el narrador-protagonista de Mala gente que camina y Natalia Escartín, que en principio se debe a motivos relacionados con el adolescente hijo de ella –la molestia ejercida por dos compañeros y algunos problemas de aprendizaje– deriva en una conversación sobre literatura en la que el narrador expone a la doctora Escartín el curso de su actual tema de investigación, la literatura española de posguerra y, en particular en el momento de la primera conversación, un trabajo sobre Carmen Laforet. El punto que hace que prospere el vínculo entre estos personajes radica en que la suegra de Natalia, Dolores Serma, conoció a Carmen Laforet y escribió una novela, Óxido. El interés del narrador por la ignota Dolores Serma –desconocida y ficticia, cabe aclarar, o mejor, solamente verdadera a nivel intradiegético–5 se incrementa cuando accede a dicha novela y descubre, además de un nada despreciable valor literario, un inquietante abordaje temático que pasa por la desaparición de un niño, el hijo de la protagonista de la novela, llamada Gloria. La autora, que paradójicamente vestía el uniforme de Falange pues participó del Auxilio Social, inquieta al

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

825

narrador, quien advierte que hay una serie de factores

los aspectos no resueltos jurídicamente en España, ya

que escapan a una comprensión sencilla. El clásico

que hay muchas personas que crecieron, vivieron y

recurso del hallazgo del manuscrito (o mejor, el

atraviesan su adultez o murieron desconociendo que

préstamo llevado a cabo por Natalia Escartín, que

habían sido robados, encuentra un cauce en la

deviene amante del narrador y cada vez le facilita

narrativa y se acompaña con el recurso de la

más materiales) es explotado extensamente ya que, a

estructuración que da la transmisión oral entre

través de una versión de la novela Óxido, el narrador

generaciones, pero esta vez con una inversión respecto

accede a una copia con carbónico (la última de un

de las revelaciones que dicha transmisión entraña, lo

total de cuatro) en la que se intercalan párrafos que

que se patentiza en la relativa ignorancia de la madre

narran la historia del secuestro, la apropiación y la

del narrador, una mujer culta que vivió la España de

relativa recuperación, por parte de un familiar

Guerra Civil y dictadura, y discute la lectura que hace

directo, de un niño durante la inmediata posguerra.

del periodo su hijo, quien no ha experimentado esos

La ficción de Mala gente que camina se derrama en

años más que en una pequeña parte.

esos párrafos sobre la ficción de Óxido, puesto que ese niño nacido en 1941 es, en el presente narrativo, Ricardo Lisvano, el marido de Natalia Escartín, de quien sabemos al final de la novela que no es hijo de Dolores Serma (que lo rescató de sus apropiadores valiéndose de sus contactos dentro de Falange), sino su sobrino. La madre de Ricardo, Julia Serma, enloqueció y murió muy joven, luego de haber sufrido el robo de su hijo, nacido mientras ella estaba privada de su libertad en condiciones de extremo maltrato físico y psicológico en cárceles franquistas. Benjamín Prado instala, mediante los

En un preciso momento podemos fechar el nacimiento del narrador-protagonista (coincidente con el año de nacimiento del autor), en el mismo momento en que Natalia Escartín le cuestiona la pertinencia de su preocupación por la dictadura franquista y en el que él deja en claro una mirada diacrónica debido a que advierte vestigios de los años de opresión en la sociedad actual: – […] Déjame preguntarte una cosa [interroga Natalia al protagonista]: ¿por qué tienes tanto interés en esa época? A ti la dictadura te afectó poco: eras demasiado joven.

aspectos del argumento que sinteticé, una situación que forma parte, desde hace ya tres décadas – aunque con clara intensificación en los últimos quince años, a partir de que el tema comenzó a desarrollarse en los medios masivos de comunicación y de que se multiplicaron las novelas y películas al respecto– de las discusiones sobre la memoria del pasado dictatorial en Argentina, puesto que el tratamiento jurídico de la apropiación de niños ha permitido la restitución de la identidad de –hasta el momento de la redacción de esta ponencia– 106 personas que crecieron con nombres apócrifos y en el seno de familias apropiadoras, o de familias que adoptaron niños que habían sido secuestrados a sus padres, asesinados durante la dictadura. Este tema, otro de

– Bueno, eso depende. Para empezar, yo no le llamaría poco a quince años. – Así que eres… Si Franco murió en el 75 y tú tenías quince años… eres del 61. Yo soy del 63. Cuando empezamos a tener uso de razón, el Régimen estaba gastando sus últimas balas. – Sí, en sentido literal. Pero ¿sabes?, yo creo que, en algunos aspectos, la dictadura nunca ha acabado del todo. Que en esta España hay aún demasiado de aquélla. (PRADO, 2009, p.116)

La decisión ética, estética y acaso también oportunista de Benjamín Prado al ocuparse de este asunto y de emplear una primera persona ficcional permeable al rastreo de algunas coincidencias

826

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

autobiográficas se refuerza con la elección temática

iniciación en una terminología conocida en parte

que conlleva el empleo de un aspecto mucho más

por el narrador, pero poco frecuentada. El bar es

difundido de este lado del Océano Atlántico, a partir

un espacio esencial para la transmisión, un escenario

de dictaduras como la argentina y la uruguaya.

de aprendizaje, y el dueño del bar, que se encuentra

Dicha elección temática está apuntalada con la

al servicio del profesor, es quien lo instruye.

inclusión de un personaje sudamericano, no troncal en relación con el devenir de la historia, pero sí tal vez el que queda mejor ubicado dentro del universo narrativo de Benjamín Prado, un uruguayo exiliado

– ¿Te puedo preguntar una cosa? –le dije a Marconi una mañana en que estábamos solos en el Montevideo y yo me sentía bastante deprimido por las dificultades que encontraba en mi trabajo.

en España en tiempos de la dictadura uruguaya: Marconi, el dueño del bar Montevideo. Cabe recordar que el seudónimo de “doutor Montevideo”

– Preguntá, nomás –me respondió, sin levantar apenas la vista de unos vasos que secaba en ese momento.

es utilizado por Manuel Rivas en Os libros arden mal para designar a un personaje que desde la clandestinidad tiende a socavar, mediante la

– Cuando saliste de Uruguay… Bueno, la situación debía ser tremenda.

escritura, el opresivo accionar del franquismo en A Coruña. A su vez, es un personaje que despierta admiración y está en condiciones de instruir a otros

La cara de Marconi se llenó de arcos. La pregunta le había parecido, sin duda, una obviedad. (PRADO, 2009, p.178)

a partir de sus dotes literarias. La mirada transatlántica, en algunos casos a partir de

Es interesante cómo se genera el clima de esta

designaciones que tienen peso a nivel argumental,

escena de transmisión. El narrador-protagonista se

está presente tanto en Manuel Rivas como en

pone en evidencia y en algún sentido se ridiculiza al

Benjamín Prado a partir de este indicio geográfico.

partir de un planteo básico, de una suposición obvia

Marconi, entonces, representa a un hombre discreto, respetuoso de los momentos de silencio del narrador-protagonista, quien en más de una ocasión busca refugio en el bar cercano al colegio. A su vez, Marconi opera como una fuente oral que, al dar

que sorprende a su interlocutor, quien sin embargo no lo juzga y accede a despejar sus dudas: – Y… sí, tremenda es poco decir –dijo, y siguió con lo que tenía entre manos. Luego añadió, sin levantar la vista de su tarea–: Más de uno hasta se vio obligado a suicidarse en defensa propia.

testimonio sobre los crímenes dictatoriales cometidos en Uruguay y al hacer referencia a la operatoria manejada conjuntamente con Argentina, siembra en Juan Urbano la inquietud acerca de que

– Perdona [continúa Juan Urbano], te lo pregunto para saber hasta qué punto son parecidas todas las posguerras, las dictaduras, las persecuciones… (PRADO, 2009, p.178)

procedimientos semejantes pueden haberse llevado a cabo en España. Entonces el relato sobre una

El desarrollo de las respuestas de Marconi

realidad temporal y geográficamente distante pasa

satisfacen la curiosidad del narrador sobre la

a funcionar como un punto de referencia para

actuación de la Triple A (fuerza represiva llamada

ocuparse de la situación más próxima. El ámbito

Alianza Argentina Anticomunista), el especial

menos académico es el espacio propicio para

ensañamiento con los maestros – aspecto a partir

incentivar la búsqueda a partir de dudas motivadas

del cual Juan Urbano observa las coincidencias con

por una realidad foránea, que requiere una

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

827

el caso español– y “lo de los niños” (PRADO, 2009,

DALEO, Graciela (2003): Pasado y presente de la “teoría de

p.280).

los dos demonios”. En: Cuadernos de ADUIC. Córdoba (Argentina): Asociación de Docentes e Investigadores

– […] Se los quitaban a sus madres recién nacidos, a ellas las mataban y con los chiquilines hacían intercambio entre colegas: los milicos argentinos se los daban a familias uruguayas y al revés. Así era más difícil seguirles la pista. (PRADO, 2009, p.281)

Universitarios de Córdoba. GARCÍA URBINA, Gloria (2006): No basta con que callemos. Mala gente que camina, de Benjamín Prado: Una reivindicación de la historia completa. En: Espéculo. Revista

Esta cuestión se inserta con datos que atañen

de estudios literarios, número 33, julio-octubre de 2006.

a la situación entre Argentina y Uruguay, pero

Universidad Complutense de Madrid. Disponible en: http:/

alimenta la inquietud de Juan Urbano para su

/www.ucm.es/info/especulo/numero33/malagen.html.

investigación sobre este procedimiento en España,

Acceso: 08-10-2012.

procedimiento de escaso y reciente tratamiento

LVOVICH, Daniel y BISQUERT, Jaquelina (2008): La

literario, pero que sin duda requiere aún más

cambiante memoria de la dictadura. Discursos públicos,

profundización y la puesta en diálogo con otros

movimientos sociales y legitimidad democrática. Los

lenguajes, principalmente el cinematográfico y el de

Polvorines/Buenos Aires: Universidad Nacional de General

la historia oral, para analizar diferentes matices de

Sarmiento/Biblioteca Nacional.

los diversos acercamientos a un tema nuevamente soslayado desde la realidad política española.

PRADO, Benjamín (2009) [2006]: Mala gente que camina. Madrid: Alfaguara. ________ (2011). La Guerra Civil, el Papa y nada más. El

Referencias bibliográficas

País, 18-08-2011. Disponible http://elpais.com/diario/2011/ 08/18/madrid/1313666657_850215.html

ARMENGOU, Montse, BELIS, Ricard (directores) y VINYES, Ricard (asesor histórico) (2002): Els nens perduts del franquisme. España: Televisió de Catalunya. CORREDERA GONZÁLEZ, María (2010): La guerra civil española en la novela actual. Silencio y diálogo entre generaciones. Madrid/Frankfurt: Iberoamericana/Vervuert.

Acceso: 08/10/2012

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

828

Notas *

El presente trabajo retoma una problemática presentada en el primer apartado del capítulo 9 de la tesis doctoral de la expositora, titulada Transmisión oral en la narrativa española contemporánea. Un recurso para la construcción de la memoria de la Guerra Civil y del franquismo, que se encuentra enviada para su publicación y que estará disponible a la brevedad en el portal de memoria académica de la Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación de la Universidad Nacional de La Plata, Argentina (www.memoria.fahce.unlp.edu.ar). La reflexión en torno a esta problemática se inscribió en los siguientes proyectos de investigación dirigidos por la Dra. Raquel Macciuci: “Memoria histórica y representación del pasado reciente en la narrativa española actual” y “Letras sin libro. Literatura española en soporte prensa: mestizaje, intermedialidad, canon, legitimación. Proyecciones del articulismo en la novela del siglo XXI”.

** Doctora en Letras por la Universidad Nacional de La Plata (Argentina). Durante la realización de su doctorado fue becaria de la Agencia Nacional de Promoción Científica y Tecnológica y del Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET). 1

Puede accederse a este fragmento de las palabras pronunciadas por Videla en 1979 a través del siguiente enlace, entre otros sitios disponibles que lo reproducen: http://www.youtube.com/watch?v=9czhVmjeVfA (último acceso: 10/10/2012).

2

Si bien la novela se publica en 2006, trabajaré con la edición de 2009, que es una edición en la que han sido llevadas a cabo algunas revisiones que otorgaron al texto mayor verosimilitud y consistencia, por ejemplo, en la recreación del habla del personaje uruguayo, que constituye para esta ponencia un especial objeto de interés.

3

Esto se manifiesta en expresiones como la siguiente: “Entré en el instituto con Carmen Laforet y Dolores Serma en la cabeza, pero en cuanto vi los pasillos que empezaban a llenarse de alumnos […] la realidad se adueñó de todo […] y la palabra literatura fue trasladada al campo semántico al que pertenecen cepo y sacacorchos. Adiós, gran conferenciante y escritor del mañana; bienvenido, pequeño maestro de ayer y de hoy. Debería haberme dedicado a cualquier otra cosa, no sé, a hornear empanadas, vender pólizas de seguros, o algo así.” (Prado, 2009, p.56, destacado en el original).

4

La actividad profesional (escritor-docente) y la fecha de nacimiento (1961, tanto para el autor como para el narrador) son algunos de ellos.

5

“Demuestra de este modo Prado con su novela que la ficción puede servir para cubrir los vacíos que deja la historiografía; que más allá de datos y fechas, los sentimientos y los relatos anónimos pueden ayudar a comprender mejor el curso de nuestras vidas, pues la literatura y el arte no son sino otra vía para comprender la realidad. Y lo hace en un doble plano: en el de la ficción a través de la novela de Dolores Serma y en el de la realidad, a partir de los datos verídicos que el narrador va proporcionando a un lector al que se dirige constantemente.” (GARCÍA URBINA, 2006).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

829

LA INVESTIGACIÓN ACADÉMICA COMO SUSTRATO DE LA NARRATIVA HISTÓRICA DE MARÍA ROSA LOJO

Marina L. Guidotti Universidad del Salvador, Argentina

La producción de María Rosa Lojo presenta

temporal los siglos XIX y XX. Los sucesos

elementos discursivos que desvanecen la separación

documentados de manera efectiva por el discurso

tajante entre la especificidad del texto académico y

de la historia, que también están narrativizados

del literario. Sus novelas se destacan por tener como

(WHITE, 2010, 212), son transformados por el

sustento una rigurosa investigación y reflejar una

lenguaje de la literatura para alcanzar un sentido

problemática común al ser iberoamericano, la

nuevo, “otro”, que propicia una relectura del pasado

búsqueda de la identidad, que en el caso de la

no solo para reformular, completar, imaginar los

escritora está escindida entre lo argentino y lo

hechos sino para cuestionarlos.

español. Para dar cuenta del registro poético que caracteriza su estética se trabajarán, dentro de su fecunda novelística, La princesa Federal (1998), Una mujer de fin de siglo (1999) y Finisterre (2005) y en relación con sus trabajos críticos referidos a las problemáticas de género, el exilio, la identidad y el ser argentino.

Las novelas aquí consideradas adscriben a la narrativa histórica (DA CUNHA, ESTEVES, GRILLO) y dan cuenta del registro y apropiación personal que realiza Lojo de la historia de Argentina y de España, de su tierra chica –Castelar– y de Galicia, de las raíces pampeanas y del exilio, del ámbito intelectual y del familiar. La estrecha relación

En sus universos ficcionales, un aspecto tan

de las mismas con sus indagaciones críticas se

importante como el creativo es el estudio exhaustivo

comprueba a partir de uno de sus pilares

del contexto histórico, de las costumbres y la

ensayísticos: el libro La “barbarie” en la narrativa

sensibilidad de cada época, lo que le permite

argentina (siglo XIX) (1994) que, anclado en ese

identificar los rasgos distintivos de los sujetos que

siglo, recorre, analiza, cuestiona y desacraliza el

en ella vivieron y que se transformarán en sus

concepto de barbarie en obras literarias

personajes; de esta manera reconstruye períodos de

fundacionales –Facundo (1845) de D. F. Sarmiento;

la realidad argentina que tienen como marco

Amalia (1851) de J. Mármol; El matadero (1871) de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

830

E. Echeverría y Una excursión a los indios ranqueles

como temática en la búsqueda de la identidad

(1870) de L.V. Mansilla– con el objetivo de

argentina.

desarticular la dicotomía civilización y barbarie que, como afirma la autora, si bien había cristalizado en la tesis sarmientina, ya aparecía desde los inicios de la historia y la literatura argentinas (LOJO, 1994, p. 11-21).

El último autor abordado es Lucio V. Mansilla, figura a la que ha dedicado no solo años de estudio sino también una novela, La pasión de los nómades (1994). A Lojo siempre le interesó la mirada particular que los hermanos Mansilla tuvieron

En este conjunto de ensayos examina las

sobre quienes eran considerados representantes de

posturas que los autores canónicos adoptaron sobre

la barbarie, indios y gauchos, marginados en una

el concepto de barbarie –considerada por Lojo

sociedad discursivamente blanca y europea. Sus

como una construcción teórica y discursiva– a la

observaciones destacan la creación que realiza el

vez que demuestra cómo en cada una de estas

autor de una poética de signo contrario a la

producciones se plantean, desarrollan y resuelven

oposición ciudad/campaña pastora, en la que

los juegos sutiles –y no tanto– que se llevan a cabo

Buenos Aires es centro de contaminación; no

tras la consecución del poder.

obstante, deja en evidencia que la campaña sigue

Al analizar Facundo señala la fascinación que el personaje ejerce sobre Sarmiento, la misma que, aunque su autor lo niegue, siente por Rosas, en las antípodas de su pensamiento político. El ambiente,

presentando rasgos similares a los descritos por Sarmiento y Mármol como espacios abiertos, vacíos, inconmensurables, que favorecían la dispersión social.

la geografía, los habitantes de la campaña son

Es interesante comentar que así como en esa

examinados en función del sentido del término

oportunidad María Rosa indaga sobre el recorrido

barbarie como negación y ausencia, como espacio

que Mansilla realizó, en 1869, “tierra adentro” en su

en donde la civilización no está establecida pero que,

carácter de subcomandante de la Frontera Sur,

sin embargo, tiene la fuerza suficiente para

nuestro grupo de investigación acaba de editar el

constituirse en matriz de la poesía argentina.

Diario de viaje a Oriente (1850-1851) y otras crónicas

Sobre El matadero subraya una diversidad de registros –el religioso, el político, el antropológico y el estético– que confluyen en el texto y le confieren un carácter heterogéneo, signo de una mixtura que se encuentra en las raíces de la sociedad rioplatense.

del viaje oriental (2012), a partir de un manuscrito inédito, redactado a la manera de cuaderno de viaje de 250 páginas, escrito por un joven Lucio de 18 años, que refleja el derrotero que siguió desde Buenos Aires hacia la India, Europa y Egipto. También hemos considerado un segundo cuaderno que consta de 90 páginas y que manifiesta la

Acentúa en la Amalia de Mármol la

voluntad del autor de transcribir ese primer Diario

descripción realista del ámbito federal, con su

y dedicárselo a su padre. Este trabajo de rescate fue

violencia y sus cuadros del horror que, a pesar de la

posible gracias a la generosidad de uno de los

parcialidad p olítica del autor, favorece la

tataranietos de Lucio V., Luis Bollaert, quien halló

construcción de las imágenes especulares de Rosas

en un desván familiar estos manuscritos. Su valor

y Bello, de ideologías opuestas pero unidos por el

reside, fundamentalmente, en ser los hipotextos de

odio, “hermanos–enemigos” que se impondrán

obras posteriores como De Adén a Suez (1855), Recuerdos de Egipto (1864) y varias de sus causeries.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

831

Su examen nos permitió conocer la génesis de la futura

posteriormente, se desempeñó como secretario de

escritura mansillana.

Rosas, fue redactor de la Gaceta Mercantil, periodista

De alguna manera, Rosas y los miembros de su familia recorren los mundos ficcionales de Lojo. La primera novela de la que nos ocuparemos como ejemplo de ese estilo fronterizo entre el ensayo y la narración poética es La princesa Federal (2008), en la que propone un acercamiento a un período puntual

del Archivo Americano y Archivero General de Buenos Aires. En 1836, al publicar la Colección de Obras y Documentos relativos a la Historia Antigua y Moderna de las Provincias del Río de la Plata, rescató valiosos documentos literarios anteriores aún a la fundación de la nación.

de la vida del Brigadier General y de su hija Manuelita,

Al concebir y desarrollar la figura de Don

exiliada con su padre en Inglaterra desde 1852. La

Pedro desde la perspectiva de un emigrado, surge la

sutil elaboración literaria de esta figura da cuenta de

temática de la añoranza siempre presente por la

la interioridad femenina, su psicología, sus deseos y

patria, la misma que sentirá la Niña en Inglaterra; de

angustias y le posibilita realizar un estudio

allí que la historia de ambos esté signada no solo

sociológico, antropológico y cultural de las

por un amor imposible del maestro hacia su

circunstancias por ella vividas. Una parte de la

discípula, sino por la problemática del exilio, uno de

historia argentina se filtra a través del discurso de

los temas recurrentes en la literatura de Lojo. El

esta mujer, madura ya, que evoca y recobra las

mismo tópico vertebra el relato “El polvo de sus

vivencias privadas de la familia y hechos puntuales

huesos”, incluido en Historias ocultas en la Recoleta

del gobierno de su padre. Al actualizarse esos

(2000), en el que un Rosas fantasma regresa a su

recuerdos queda demostrado que cumplió

patria en un transporte desconocido para él, el avión,

cabalmente el rol político que este le había asignado.

para encontrarse con otra realidad política en la

Esta obra se inscribe en el marco de la

Argentina de 1989.

narrativa histórica, ya que una de sus premisas es

Por lo tanto, mediante los caracteres que

construir personajes cuyos referentes son sujetos

conforman la obra, la autora realiza una recreación

principales del acontecer político y social que un

de la época rosista vehiculizada por los diferentes

lector familiarizado con los avatares políticos

puntos de vista de sus actores, sin caer en la

ocurridos en la Argentina entre 1829 y 1852 identifica

demonización ni en la exaltación. El Diario,

fácilmente. En la trama, los elementos referenciales

documento apócrifo que Lojo construye, posibilita un

son puestos en escena por un narrador en primera

acercamiento a esos sucesos por medio de la mirada y

persona, Gabriel Victorica, Doctor en Medicina,

la reflexión de uno de los protagonistas de aquellos

descendiente de unitarios y federales que, en 1893,

hechos a la vez que reinstala, para los lectores

llega a la residencia de Manuela en Londres como

contemporáneos, a Pedro de Ángelis en el lugar del

portador de un valioso documento, el Diario de

intelectual, el estudioso y el escritor cuyo rol es la

Pedro de Ángelis. Este artificio narrativo, el ejemplar

preservación de la historia y el establecimiento de un

perdido que ha sido recuperado, acorta la distancia

corpus que sentará las bases de la argentinidad. No

temporal y emotiva entre los hechos referidos y

en vano la traducción al italiano lleva por título Il

quienes los protagonizan; sus páginas dan a conocer

diario segreto de Piero Di Angelis.

las vicisitudes por las que pasó este napolitano que había llegado a tierras argentinas atraído por la gestión del entonces presidente Rivadavia y que,

El sondeo del contexto histórico del siglo XIX, sumado a un genuino interés por lograr el

832

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

reconocimiento y un merecido lugar para las literatas

Así como el viaje fue la génesis de La pasión de

decimonónicas dentro del canon de la Literatura

los nómades, los viajes signaron la realidad de la

Argentina, se plasman en Una mujer de fin de siglo

familia de Eduarda, transformándose en motor

(1999), centrada en la personalidad y producción de

ficcional de varios de sus textos. Esos desplazamientos

Eduarda Mansilla de García (1834-1892). Hay que

geográficos actuaron como dispositivos que la

recordar que la primera aproximación de Lojo a la

ayudaron a desarrollar una visión crítica del mundo

labor de esta distinguida literata se produjo de manera

del que formó parte, aunque fuera temporariamente;

oblicua, al indagar sobre la personalidad, los avatares

así lo atestiguan las agudas observaciones que pueden

militares y los escritos de su hermano Lucio.

leerse en Recuerdos de viaje (1882), uno de los

Dadas las características escriturales, la obra

hipotextos recreados en Una mujer de fin de siglo.

no puede ser considerada exclusivamente como una

Del análisis de la novela y por la temática

biografía novelada (DA CUNHA, 2004, p.18);

abordada es posible afirmar que Lojo tiende un

muestra a una protagonista que rompe con el clisé

puente entre dos siglos: uno de sus extremos de

que veía en el ámbito doméstico y en la esfera privada

anclaje se ubica en el siglo XIX, lo que le facilita tratar

los únicos espacios posibles de realización para la

los problemas sociales y políticos del país que se

mujer del siglo XIX. Eduarda no solo es una

reflejan en la historia de esta familia aristocrática

destacada representante de la cultura y de la

criolla, y el otro, que presenta los cambios que vivirá

diplomacia argentina en los Estados Unidos y en

la mujer del siglo XX, entre ellos, el reconocimiento

Francia, sino poseedora de una voz propia con la

de su rol de ciudadana y el ejercicio de sus derechos

que analiza –por intermedio de Lojo– problemáticas

a educarse y a ejercer una profesión autónoma.

específicas como el rol femenino en la sociedad y en la política, su lugar en la familia como madre y educadora de sus hijos, así como también las nacientes libertades que va conquistando en distintos campos. Eduarda se adelanta a su tiempo sin renunciar –a pesar de grandes sacrificios personales– a convertirse en creadora de bienes relacionados con el mundo cultural e intelectual, que en ella se manifiestan a través de la composición musical y el canto, además de su trabajo periodístico y literario, actividades que la configuran como representante de la cultura letrada. Parte de este camino es recorrido en la novela con Alice Frinet, corporización de otro tipo de mujer, que gracias a la educación y al aprendizaje literario alcanza una profesión independiente al desempeñarse como

Poner en justo valor la escritura de Eduarda impulsó a María Rosa a encarar la edición académica de su novela Lucía Miranda (1860), llevada a cabo por un equipo de trabajo del que formé parte, y que fue editada en 2007. Su importancia reside, entre otras consideraciones, en que sitúa la acción en el siglo XVI, en el ámbito de las futuras tierras rioplatenses y alude a un mito fundacional, el de Lucía Miranda, que se convierte en símbolo del cautiverio femenino al ser la primera mujer española sojuzgada por los timbúes. Una producción homónima se publica en ese mismo año, la de Rosa Guerra; ambas se constituyen en los primeros ejemplos de narrativa histórica escrita por mujeres en la Argentina.

periodista. Esta relación entre escritora y amanuense

Paradójicamente, debido a la riqueza y a su

se duplica, especularmente, en Las libres del Sur (2010)

vez al vacío que se cierne en torno a la vida y a la

en los personajes de Victoria Ocampo y Carmen Brey.

creación de Eduarda, se ha planteado la necesidad de profundizar el estudio sobre su figura, dentro del

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

833

marco de una investigación plurianual del Conicet,

lugares antropológicos. Ellas son la actriz española

en pleno desarrollo, cuyo título es Eduarda Mansilla:

cautivada por la pampa y por Manuel Baigorria –

la biografía. Redes familiares y amicales. Los

Ana de Cáceres – cuya fantasía le hace vivir en “el

epistolarios. Los escritos dispersos. Hacia un estudio

teatro del mundo” en el que asume el papel de

crítico integral. Estamos recobrando su profusa labor

Rosaura, el personaje calderoniano, como manera

periodística desperdigada y no reunida en volumen,

de evadirse del entorno que la agobia; Rosalind –la

así como la correspondencia que cursó con familiares

gallega-irlandesa-rioplatense – que luego de ser

y amigos, arduo trabajo dadas las dificultades para

privada de su libertad, se salvará gracias al chamán

acceder a los repositorios donde se encuentra ese

de la tribu que, además, le confiere una nueva

material.

conciencia de sí en tierras pampeanas al llamarla

Otra novela nos traslada a la época de Rosas, y otros viajes relacionan a sus protagonistas. Finisterre (2005) ya adelanta desde su título el eje temático que Lojo va a explorar, pues la vida de la protagonista –Rosalind– transcurre entre dos espacios, ambos imagen del último lugar conocido de la tierra: la península gallega para los romanos y la pampa argentina para los conquistadores españoles. El lirismo y la prosa poética de la autora se entretejen con hechos verídicos que la investigación le ha proporcionado, sin por ello recargar el relato con datos geográficos, históricos o contextuales que lo paralicen y enlentezcan.

Pregunta siempre. La tercera es Manuela Rosas; desde su casa londinense trae a la memoria los sucesos vividos en tierras del sur, prisionera de un destino que nunca pensó vivir en el exilio. La cuarta y más joven es Elizabeth, a través de la cual aborda el tema de la identidad escamoteada, que es otra forma de cautiverio. Una quinta mujer sobrevuela la ficción, la poetisa gallega Rosalía de Castro, primera en ser publicada en su lengua al editarse sus Cantares gallegos, expresión de la libertad alcanzada por la acción y la palabra. La fuerza de los caracteres femeninos en Finisterre – traducida al gallego en 2006 como A fin da terra –, no impide que la autora realice una detallada descripción del espacio pampeano, de las

La portadora de la palabra no fue una de las

costumbres y saberes de los ranqueles y de la

protagonistas reconocidas por la historia oficial,

sabiduría del chamán Mira más lejos que,

pero su voz representa a las cautivas innominadas

especularmente, pasará a Rosalind en un proceso de

que desde una posición marginal y silenciada fueron

sincretismo en el que se fusionan la medicina europea

también constructoras de la identidad nacional. Lojo

y la americana, y la convierten en la machi de la tribu.

propone otra mirada sobre esos acontecimientos a

El hibridismo cultural se expresa en las menciones

partir de una lectura de la realidad mediatizada por

del mundo ranquel: las luchas entre el cacique

las etnias y el género. Esto posibilita conocer el

Cafulcurá e Ignacio Coliqueo por el dominio de la

punto de vista del otro no necesariamente indígena,

Confederación Araucana, o Namuncurá, quien se

de allí que se escuchen las voces del inglés cautivo –

refiere a los sangrientos sucesos de la matanza del

Oliver Armstrong, rebautizado Flamenco Amarillo–

Sauce. También el contexto de época se materializa

por quien los ranqueles esperan obtener un rescate,

en la historia de Manuel Baigorria, un unitario

y de cuatro mujeres también cautivas, cada una a su

renegado que va a vivir a las tolderías para escapar

manera – inversión del antropocentrismo narrativo

de los federales y se convierte en interlocutor válido

– que actúan como mediadoras desde diferentes

entre indios y cristianos.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

834

Este complejo entramado de personajes,

pertenencia de los argentinos es uno de los temas

articulado por medio de diez extensas cartas que

centrales de la producción de María Rosa Lojo, esta

recorren analépticamente cuarenta años de la vida

hija de exiliados que llegaron a nuestro país para

de la protagonista, escritas cuando esta regresa al

construir un nuevo hogar, aunque no por ello

terruño y se reencuentra con las leyendas, la

dejaran de añorar la patria lejana. Ha reflexionado

mitología y la música gallegas, le posibilitan reflejar

sobre esta problemática en su labor ensayística y

otras subjetividades borradas por el discurso

narrativa, la que se hunde en las entrañas de la

oficial, mostrar a estas mujeres como verdaderos

nación –tanto en su aspecto geográfico como

sujetos culturales que desafían las fronteras

sociológico– para recuperar, valiéndose de

terrenales o intelectuales para defender sus propios

personajes prominentes o anónimos, y hasta de sus

espacios y recuperar su protagonismo.

fantasmas, momentos cruciales de la Argentina,

Es de destacar que la construcción de las figuras de Rosalind y de Rosalía de Castro entronca

enriqueciéndolos desde una perspectiva poética sin perder de vista por ello la actualidad.

con otra de las líneas de análisis de María Rosa. Su

Las novelas abordadas dan muestra de

filiación gallega y su preocupación por la búsqueda

indagaciones profundas y de larga data sobre

de sus raíces es una de las vertientes de su trabajo

distintos intereses, en las que los documentos

ensayístico, como lo demuestran numerosos

históricos pasan a ser parte de la ficción y los datos

artículos publicados en gallego y en español sobre

empíricos hacen posible que otras historias fluyan,

la tierra de su padre, la problemática del exilio y el

especialmente las de las voces silenciadas de mujeres,

ser escindido entre esos dos mundos.

indios, gauchos, gallegos, emigrados y otros

A este respecto, realizamos en conjunto con Lojo y el historiador Ruy Farías un extenso trabajo de recuperación de las voces gallegas en distintos tipos textuales: Los “gallegos” en el imaginario argentino. Literatura, sainete, prensa, (2008). El mismo nos permitió desarticular la visión parcializada que se tenía sobre la colectividad, con predominancia de

muchos que también fueron parte de una realidad que no es unívoca, que presenta matices y que se resignifica a partir de una mirada que destaca la ruptura de las convenciones, tanto para las cautivas, las hijas de los políticos, las escritoras, como para las mujeres que aspiran a exteriorizar sus problemáticas y su sensibilidad.

un estereotipo negativo instalado en el Río de la Plata

Por lo hasta aquí expuesto podemos

–y que nuestro estudio reveló que provenía de

concluir que su obra toda desdibuja los límites entre

España, de Castilla–, que mostraba a los emigrados

texto ensayístico y literario, ya que su espíritu crítico

gallegos como seres “simples, toscos, avaros e

enriquece

ignorantes” y comprobar que, en cambio, se los

planteamientos teóricos que la perfilan como una

valoraba por su “honradez, capacidad de trabajo,

de las más relevantes figuras de la narrativa

lealtad, bondad, compromiso y amor por la tierra”

argentina contemporánea.

que los había recibido. Este libro evidencia el proceso de retroalimentación entre la labor creadora y la investigación que conecta su obra con su ser gallego. Observamos,

entonces,

que

el

cuestionamiento sobre la identidad y el sentido de

sus

ficciones

con

autorizados

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Referencias bibliográficas

835

LOJO, María Rosa (2005): Finesterre, Buenos Aires: Sudamericana.

DA CUNHA, Gloria (2004): La narrativa histórica de escritoras latinoamericanas, Buenos Aires: Corregidor. ESTEVES, Antônio R. (2010): O romance histórico brasileiro contemporáneo (1975-2000), São Paulo: UNESP. GRILLO, Rosa María (2010): Escr ibir la historia: descubrimiento y conquista en la novela histórica de los siglos XIX y XX, Murcia: Universidad de Alicante. LOJO, María Rosa (1994): La “barbarie” en la narrativa argentina (siglo XIX), Buenos Aires: Corregidor.

LOJO, GUIDOTTI, FARÍAS (2008): Los “gallegos” en el imaginario argentino. Literatura, sainete, prensa, Coruña: Fundación Pedro Barrié de la Maza. LOJO, María Rosa (2010): Las libres del Sur, Buenos Aires: Sudamericana. MANSILLA, Eduarda (1996): Recuerdos de viaje (1882), Madrid: El viso. MANSILLA, Eduarda, Lucía Miranda (1860) (2007): Edic., introd. y notas de María Rosa Lojo, colaboración:Marina

LOJO, María Rosa (1994): La pasión de los nómades, Buenos

Guidotti (asist. de dirección), Hebe Molina, Claudia Pelossi,

Aires: Atlántida.

Laura Pérez Gras y Silvia Vallejo. Madrid: Iberoamericana.

LOJO, María Rosa (1998): La princesa Federal, Buenos Aires:

MANSILLA, Lucio V. (2012): Diario de viaje a Oriente (1850-

Planeta.

1851) y otras crónicas del viaje oriental. Edición, introducción

LOJO, María Rosa (1999): Una mujer de fin de siglo, Buenos Aires: Planeta. LOJO, María Rosa (2000): Historias ocultas en la Recoleta, Buenos Aires: Alfaguara.

y notas de María Rosa Lojo (dirección), con la colaboración de Marina Guidotti (asistente de dirección), Laura Pérez Gras y Victoria Cohen Imach, Buenos Aires: Corregidor. WHITE, Hayden (2010): Ficción histórica, historia ficcional y realidad histórica, Buenos Aires: Prometeo.

836

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

LA CASA DE BERNARDA ALBA, METÁFORA CONVENTUAL

Mario M. González Universidade de São Paulo

La casa de La casa de Bernarda Alba es un

acto), otro espacio de una mayor intimidad (la

espacio habitado exclusivamente por mujeres y

habitación del segundo acto) y aquel (el patio

rigurosamente vedado a los individuos del sexo

interior del tercer acto) en que esa intimidad se

masculino. El estar así limitado a un sexo, cerrado a

acentúa al mismo tiempo que se vincula (de manera

los visitantes y funcionar como clausura para las

muy simbólica) con un segundo patio que da a la

mujeres que abriga, resulta ser la primera analogía

calle, al corral y a la cuadra. Estos últimos espacios

1

con un universo conventual . Es espacio de

profundos del drama (espacios que el espectador no

represión, de vigencia radical de reglas propias que

ve) son la salida radicalmente prohibida a las

multiplican las prohibiciones que vienen de fuera.

mujeres de la casa, en donde se conjugan la libertad

Aparece fragmentado en verdaderas celdas que

(la calle) y el sexo (el corral y la cuadra), las razones

cobijan a cada una de las mujeres que en ella

profundas del conflicto que vemos caminar a lo

habitan. Básicamente significa la definición de un

largo de la obra yendo de las apariencias sociales a

“dentro” y un “fuera” que deben permanecer

la verdad íntima de ese universo. Así, las verdaderas

separados y casi incomunicados, a no ser por

razones que mueven a esa comunidad no son las

canales estrictamente controlados por el poder

exteriores que vemos aparecer en el primer acto sino

absoluto que rige dentro de la casa.

aquellas que duermen en los espacios más interiores

No es muy fácil trazar la planta de esa casa con base en las acotaciones escenográficas y los datos

y que solo terminan de revelarse con el desenlace de la obra.

que es posible colegir de los diálogos. El resultado

En la totalidad de ese espacio, la existencia

de atenerse a eso para dibujar una planta puede no

de dos únicas entradas o salidas de la casa es la base

ser un diseño viable. Sin embargo, todo apunta a la

para la vigencia del control absoluto establecido por

existencia de un espacio al que excepcionalmente

Bernarda. Fuera de ellas, la casa solo tiene ventanas

tienen acceso los extraños (la habitación del primer

–con rejas, dígase– que deben permanecer

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

837

inexorablemente cerradas, a no ser cuando,

Los nombres de las hijas de Bernarda en

excepcionalmente, por intereses al margen (el

varios casos también remiten a usos religiosos

noviazgo de Angustias con Pepe) se permite abrir

católicos. Angustias nace de una invocación

alguna de ellas. Cualquier otra fuga a la clausura de

mariana, Nuestra Señora de las Angustias, muy

la casa es impensable por constituir una trasgresión

frecuente en España. Magdalena es la reducción

intolerable. Nada más próximo a la figura de un

habitual del nombre del personaje del Evangelio,

convento, de una clausura religiosa, sin duda.

María Magdalena, una de las seguidoras de Jesús de

La uniformidad blanca de los muros de la casa –además de denunciar una obsesión por la limpieza material verificable en cualquier convento– significa por un lado la tentativa de identificar ese espacio con la “pureza” buscada en la vida religiosa; al mismo tiempo, lo uniformiza todo, para anular así las individualidades de las mujeres allí encerradas. Esa blancura, a su vez, recuerda el blanco de la hipocresía, ya que en la casa el silencio debe ocultar la verdad de los deseos 2. La consecuencia es que, en realidad, los personajes viven un verdadero infierno en el que esos deseos insatisfechos consumen a los individuos y generan la envidia que preside las relaciones.

Nazareth, canonizada también como santa por la Iglesia Católica y entendida habitualmente como modelo de pecadora arrepentida. Amelia, a su vez, remite a la santa católica de ese nombre, martirizada en el siglo IV en la ciudad catalana de Gerona. Su nombre derivaría del germánico Amelberga, que significa “amiga protectora”, lo que coincide en el personaje de Lorca con las actitudes casi maternales de Amelia con relación a Adela. El nombre de Martirio, torturada por la envidia, remite a la tortura y muerte de un individuo en defensa de su fe, hecho que afectó a muchos fieles en los primeros tiempos del cristianismo. En un caso la palabra “martirio” sintetiza particularmente una fecha del catolicismo: la conmemoración del “Martirio de san

En cuanto a los nombres de los personajes,

Juan Bautista”, el 29 de agosto. El nombre de Adela

desde que la obra fue conocida por la crítica fueron

–tal vez el menos monjil de todos– es también de

vistos como indicios de la base religiosa que subyace

origen germánico, con el significado “de estirpe

al drama. En primer lugar, es evidente que el autor,

noble”. Existen varias santas católicas de ese nombre

al alterar el nombre del personaje real que subyace a

(con las variantes Adelaida o Alicia). La más célebre

Bernarda Alba (Frasquita Alba) habría tenido en

sería Adela, esposa del rey Lotario y –después de

mente el abad cisterciense Bernardo de Claraval

enviudar– del emperador Otón III; vivió en la

(1090-1153), canonizado por la Iglesia Católica como

Península Itálica en el siglo X. En todos los casos los

san Bernardo. La fuerte personalidad de ese abad –

nombres de los personajes de Lorca cabrían

visible en su participación en los conflictos internos

perfectamente a religiosas de un convento.

de la Iglesia y en la organización de la segunda Cruzada – y el rigor de la orden a que perteneció refuerzan esa noción. A su vez, el apellido Alba – además de evocar una de las familias más poderosas de la aristocracia española – remite a sentidos religiosos, tanto el aludido simbolismo del color blanco como el nombre de uno de los principales ornamentos sacerdotales católicos.

Además de las hijas de Bernarda, otras dos mujeres de la casa evocan personajes de la religión católica. La madre de Bernarda, María Josefa, reúne en su nombre los de María, la madre de Cristo, y (en femenino) el de José, esposo de esta. Ya Poncia (que se lava la manos ante el drama) evoca, sin más, el nombre del prefecto de la provincia romana de Judea que condenó a Cristo a morir en la cruz y su

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

838

conocida actitud en esa circunstancia. Por último,

la gloria de Dios para su difunto marido tiene el

Pepe, gracias a su apellido “el Romano” (aunque este

“Amén” (“Así sea”) del coro como respuesta. Y luego

nada tenga que ver directamente con la antigua

Bernarda lleva al auge su actuación casi sacerdotal al

Roma, sino con el poblado de La Romilla) evoca el

ponerse de pie y cantar con las mujeres, “al modo

universo en que nació el poder de la Iglesia Católica

gregoriano” y en latín, las frases finales de un responso

y se estableció de manera más visible. En síntesis, la

de la liturgia católica.

totalidad de los nombres de los personajes de La casa de Bernarda Alba nos remiten de inmediato a la esfera religiosa católica.

Parte fundamental del ritual es el luto que Bernarda impone de inmediato a toda su casa. A partir del rechazo del abanico con flores que, inocentemente,

Por otra parte, los ritos religiosos atraviesan

Adela le alcanza, Bernarda proclama un luto de ocho

la casa de Bernarda del comienzo al fin del drama.

años en los que la casa ha de quedar herméticamente

Son una manera de relación con el mundo externo y,

cerrada a los extraños y sus hijas (de negro, es lógico)

a su vez, lo ritual es internalizado por los personajes.

habrán de dedicarse a bordar.

Ya en la primera escena el doblar de las

Evidentemente, el rigor del luto impuesto por

campanas por la muerte del segundo marido de

Bernarda es también una manera de imponer a sus

Bernarda penetra en la casa y es el tema de la primera

hijas (con excepción de Angustias, menos esclava en

frase de la obra, en boca de la Criada, lo que motiva

función de su riqueza) la condena a la virginidad.

el comentario de Poncia remitiéndonos al ceremonial

Ninguna de las cuatro menores podrá pensar en

fúnebre. Las campanas cesan luego pero vuelven a

casarse. Los hombres son excluidos de la casa y

escucharse para anunciar el último responso,

ninguno de ellos entrará en su recinto en ningún

motivando nuevo comentario de Poncia que se

momento hasta aquel en que Adela se atreve a romper

marcha para escucharlo. Tras un nuevo cese, vuelven

la regla impuesta por su madre. De esa manera, la

a sonar motivando el irónico comentario de la Criada

casa con sus mujeres encerradas y uniformizadas,

y presiden la entrada procesional de las doscientas

regidas por una autoridad absoluta, dedicadas a una

mujeres de luto que preceden a la llegada de Bernarda

tarea doméstica infinita y condenadas a la virginidad

y sus cinco hijas. Como en un convento, las campanas

es la plena reproducción de un convento.

presiden las acciones. Como señala Francisco García Lorca “van ritmando el paso de la acción dramática” (1990, p. 391); y significativamente marcarán el comienzo y el final del drama, indicando el predominio de los ritos.

Como se sabe, esa uniformidad tendrá dos amenazas: la de María Josefa, cuya voz y conducta desde su locura ignoran las reglas de Bernarda; y la de Adela que, vistiéndose de verde para ser vista aunque sea por las gallinas, anticipa su violación de la clausura

Tras su autoritaria actuación inicial,

que la llevará a la muerte. Locura y muerte, como bien

abruptamente Bernarda asume una función ritual

lo ha constatado Ruiz Ramón (1981, p. 208) serán las

doméstica al encabezar con su “¡Alabado sea Dios!” el

únicas vías de escape al rigor conventual impuesto por

recitado de una curiosa letanía (iniciada con el

Bernarda.

santiguarse de las mujeres presentes) hecha de frases que parecen venir de una tradición popular, a las que el coro de mujeres responde con el religioso “¡Descansa en paz!”. Tras ella, una oración de Bernarda pidiendo

Esa ruptura de los ritos aparece claramente en el desenlace de la obra. Primero con María Josefa que rompe la falsa paz de la noche con sus cantos alucinados hasta ser encerrada por Martirio, la

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

839

misma que va detrás de Adela para denunciar el

(bordar ajuares para casamientos que no podrá

encuentro de esta con Pepe. Cuando el corolario de

haber) son figuras perfectamente asimilables a la

esa denuncia –el suicidio de Adela– traiga de vuelta

imagen de religiosas de clausura. La única que, en

el silencio que así se habría roto, Bernarda recupera

función de su poder económico podría escapar a ese

en los rituales las apariencias que desea salvar a

destino, Angustias, acaba confundida en el mismo

cualquier precio. Para tanto proclama que su hija ha

encierro de sus medio-hermanas; y solo vemos crecer

muerto virgen, que debe ser vestida como una

en ella la frustración que culminará al revelarse la

doncella y que al amanecer las campanas deben volver

verdad.

a sonar para proclamar eso. La verdad, sin embargo, quedará guardada a siete llaves dentro de ese convento infranqueable.

Mujeres encerradas, incapaces de rebelarse (con excepción de Adela), consumidas por deseos que no pueden manifestar, se doblan a los rituales y al poder

Al considerar los personajes, entendemos que

de Bernarda, sabiendo que fuera de esas cuatro paredes

Bernarda Alba es la encarnación del poder. Su poder

nada serían. Y se conforman con ese destino. Pero al

absoluto bien puede ser comparado al de la abadesa

mismo tiempo se entienden unas a otras como rivales

de un convento. Vigila permanentemente a los

de los deseos ocultos, se envidian mutuamente y

habitantes de la casa en nombre de leyes inexorables

transforman la casa en un verdadero infierno en el

que le vienen del pasado y que ella no puede ni quiere

que todas odian a todas, en mayor o menor grado. La

modificar. Y ejerce ese poder de manera autoritaria y

posible analogía con la vida conventual, en los casos

fría, preservando las jerarquías que entiende que

en que la reclusión tenga origen en frustraciones o

existen y exigiendo que estas sean respetadas. Su

imposiciones sociales, es evidente.

autoritarismo la lleva a pensar que jamás cabría una

Particularmente, cabe destacar lo conventual

rebelión mayor dentro de los muros de su casa, ya

de la figura de Adela, cuya “condición cristológica” es

que cree poder controlarlo absolutamente todo. Su

registrada por diversos críticos, conforme señala

sumisión a las normas, que ella utiliza para controlar

Vilches de Frutos en su edición del drama de García

a todas las mujeres de la casa, le impide permitirse

Lorca (2005, p. 79-80). La autora apunta, en ese

cualquier libertad. Para ejercer su autoridad se vale

sentido, la imagen de Adela coronada de espinas, que

de los ritos que proclama superiores a cualquier

ella da de sí misma, así como la creciente soledad a

deseo individual. Símbolo mayor de su autoritarismo

que ella se ve sometida.

resulta ser el bastón que la acompaña siempre, al modo de un báculo. Y el modo más inmediato de

Poncia, por su parte, tiene una relación muy

obtener la sumisión de todas es esa orden de

compleja con Bernarda. Al mismo tiempo que se

“¡Silencio!”, la primera y la última palabra que la

somete a ella y la sirve, también la odia

vemos pronunciar en escena. El silencio exigido por

profundamente. Su función sería la de extender la

ella, téngase en cuenta, es una de las prácticas

vigilancia de Bernarda gracias a su mayor proximidad

habituales en los conventos, en los que,

doméstica con las hijas de esta, preservando la

tradicionalmente, debe predominar el silencio para

autoridad de Bernarda. Funciona algo así como si

dar lugar a la meditación.

fuese la priora de ese convento. Tampoco le cabe rebelarse, ya que todo lo debe a Bernarda que, así, la

En cuanto a las hijas de Bernarda, prisioneras

usa y la humilla sin contemplaciones y la desprecia,

uniformemente vestidas de negro, ejecutando labores

inclusive, cuando Poncia le pone ante los ojos la

manuales tal vez interminables y sin mayor sentido

verdad que ella no quiere ver.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

840

La Criada, por su parte, le permite a Lorca

de otra mujer, condenadas a la virginidad y regidas

establecer claramente al carácter absoluto de las

por rituales inflexibles como el del silencio, son la

jerarquías que dominan en la casa-convento. Ella es

más clara metáfora de un convento religioso

la última de todas las mujeres, la que debe servir a

católico. Lorca se valió de esa metáfora no para

las demás sin el menor derecho a reclamaciones.

representar o condenar necesariamente la vida

Para acentuar eso (o como significativa muestra de

conventual, pero sí para representar un “drama de

los mecanismos que rigen la opresión) la Criada

mujeres en los pueblos de España”; ese drama, a su

humilla a la mendiga que viene a pedir las sobras de

vez, resulta una metonimia, no solo de lo que

comida y que constituye ella misma otra figura que

sucedería en muchos pueblos españoles, sino de la

aproxima la casa a la tradición de las instituciones

sociedad como un todo, española o no. Y las mujeres

conventuales y sus funciones de beneficiencia.

de esa casa equivalen así a los oprimidos y opresores

Finalmente, la madre de Bernarda es el gran secreto de ese convento. Nadie fuera de la casa puede saber que ella existe. La reclusión, en este caso, se justifica por la locura que la domina y que exige que se la mantenga encerrada dentro del encierro, al

de diversas realizaciones sociales. La universalidad que la obra gana al admitir esos significados está apoyada en la minuciosa selección de motivos que nos permiten identificar la casa de Bernarda con el rigor de las tradiciones conventuales.

margen inclusive de la limitada vida social de las moradoras de la casa. Como queda claro, su “locura” está determinada por ser el único personaje que dice lo que siente y piensa; y que de esa manera desenmascara la hipocresía que domina en las demás mujeres. Irónicamente, sus canciones y sus actitudes

Referencias bibliográficas GARCÍA LORCA, Federico (2005). La casa de Bernarda Alba. Ed. de Mª Francisca Vilches de Frutos. Madrid: Cátedra.

evocan la religiosidad católica en el universo

GARCÍA LORCA, Francisco (1990). Federico y su mundo.

construido por su figura con una oveja en brazos,

Madrid: Alianza.

que parece salida de la imaginería conventual.

RUIZ RAMÓN, Francisco (1981). Historia del teatro español.

En síntesis, las cinco mujeres encerradas sin

Siglo XX. 5ª edición. Madrid: Cátedra.

otra opción por el resto de sus vidas (potencialmente en la mayoría de los casos y realmente en todos ellos) vestidas de negro y sometidas al autoritario dominio

Notas 1

De hecho, el personaje que juzga con mayor objetividad el universo del drama, Poncia, designa explícitamente la casa de esa manera: “Ya me ha tocado en suerte este convento”, dice durante el diálogo de la larga escena que abre el segundo acto de la obra.

2

Contrastan con la blancura uniforme de los muros gruesos de la habitación del primer acto los “cuadros con paisajes inverosímiles de ninfas o reyes de leyenda” que los adornan. Entendemos que esos cuadros, que permanecen olvidados a lo largo de la obra, remiten a los sueños de la infancia enclaust

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

841

O DIFFÉREND INDÍGENA NA NARRATIVA DO SUBCOMANDANTE MARCOS

Mélanie Létocart Araujo UFS

No dia primeiro de janeiro de 1994 - dia da

em grande parte pelo subcomandante Marcos, chefe

entrada em vigor do tratado de livre comércio entre

militar e porta-voz do EZLN, projetaram-no como

o Canadá, os Estados Unidos e o México - surgiu no

escritor fortuito, responsável por um inesperado

cenário político mexicano um novo grupo

fenômeno editorial. De fato, sem que esse fosse o

guerrilheiro, o EZLN, que, ao tomar por assalto sete

objetivo da guerrilha, a escrita de Marcos

cidades do estado de Chiapas, se declarou em guerra

desencadeou rapidamente publicações e traduções

contra a ditadura do PRI, o partido político no

em diversos países, entrando, desta maneira, no

poder desde o final da Revolução Mexicana (DE

espaço editorial por uma porta incomum. Um dos

VOS, 2002, p. 357). O levante da guerrilha zapatista

aspectos singulares desse discurso é que ele se

significou uma verdadeira comoção no âmbito

desenvolve mesclando referências da história factual

nacional, como fenômeno político e também

da guerrilha com narrativas que escancaram o

literário e editorial. De fato, desde sua aparição

discurso político para o universo literário. Com

pública, o EZLN provocou abundantes debates e a

efeito, a escrita chama a atenção pela sua intensa

curiosidade de muitos observadores, quando,

literarização e mais precisamente pelo uso inédito

depois de doze dias de combate e de decretado o

da ficção literária.

cessar-fogo pelo governo sob pressão das ruas, a guerrilha abandonou a via armada substituídas por negociações. Em paralelo e por razões de sobrevivência, o EZLN optou por uma estratégia de comunicação inédita e persuasiva (TREJO DELARBRE, 1994), baseada numa produção escrita volumosa e por vezes frenética, de comunicados e cartas dirigidos à imprensa nacional e a diversos destinatários. Estas centenas de páginas elaboradas

Fundado por universitários e intelectuais urbanos “sobreviventes e herdeiros das organizações de luta armada reprimidas e desmanteladas pelo poder mexicano, nos anos setenta” (LE BOT, 1997, p.37), o movimento zapatista surgiu e se desenvolveu no Chiapas, um dos estados mexicanos que contam com a maior densidade de população indígena do país, assim como um dos maiores índices de pobreza

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

842

econômica. Na história moderna do Chiapas, desde

desde 1994 a guerrilha zapatista incluiu na sua

a época da ocupação do território pelos espanhóis,

agenda de reivindicações a defesa política e cultural

estão presentes e em contato dois grandes grupos

dos direitos indígenas, procurei observar de que

culturais: o grupo maia, em notável situação de

forma Marcos aborda e tematiza a questão da

subalternidade; e o grupo mestiço cujo modelo

dominação secular e contemporânea maia.

sociocultural desponta de forma hegemônica. Os primeiros membros indígenas a integrar a organização zapatista na década de oitenta foram em sua maioria camponeses maias de diferentes etnias regionais (tojolabal, tzeltal, tzetzal, chol). Em ruptura com a organização social tradicional (LE BOT, 1997, p.39), haviam ocupado a partir dos anos sessenta e setenta terras da tão cobiçada Selva Lacandona, forjando novas identidades sob a influência de catequistas vinculados à teologia da libertação. As comunidades maias que compõem hoje a guerrilha perpetuam práticas culturais sincréticas baseadas no que o linguista Carlos Lenkersdorf chama de cosmovisão intersubjetiva, segundo a qual a realidade é fundamentalmente constituída de sujeitos, visto que todas as coisas e todos os seres, vivos ou mortos, vegetais, animais e humanos, possuem um coração e vivem em uma grande comunidade cósmica (LENKERSDORF, 1996, p.106). No seu quadro, o movimento zapatista conta também com uma minoria mestiça, destacando-se seu chefe militar, o subcomandante Marcos. Em 1983, esse filho da classe média mexicana, recém-formado em filosofia, entrou na clandestinidade para integrar a guerrilha, deslocando-se da capital para os confins do Chiapas. Ele seria atualmente um dos últimos mestiços da guerrilha. Para adentrar o discurso literár io do subcomandante Marcos, existem numerosas portas possíveis. Uma delas se refere à preocupação constante desde 1994 em retratar os índios maias e o seu universo. Esta se traduz em múltiplas narrativas indigenistas que se delineiam a partir das necessidades políticas e simbólicas do EZLN e da imaginação do autor. Mais precisamente, visto que

Para isso, usei o conceito de différend 1 (LYOTARD, 1983), com o qual Lyotard se propunha a analisar casos de conflito entre discursos heterogêneos que não se reconhecem e aparecem incompatíveis: de fato, numa situação de différend, um dos discursos prejudica o outro pela relação de dominação e negação estabelecida. O dano se caracteriza pelo fato de que as regras utilizadas para julgar o conflito não são as regras do discurso julgado. Neste sentido, o conceito de différend permite examinar situações históricas nas quais a vítima não pode dar queixa, porque o dano é ignorado juridicamente e não pode ser atestado nem reconhecido, já que o discurso hegemônico proíbe receber tal testemunho, dentro de suas regras. São os casos de injustiça extrema ocasionados pela impossibilidade de testemunhar frente a um tribunal. No entanto, o filósofo afirma que o sentimento de sofrimento provocado pelo différend, representa um signo de história e um indício do dano padecido que a escrita e as artes podem acolher e expressar, ao forjar novas frases e novos discursos. Desta forma, a escrita constituiria outra instância de tratamento, diferente do tribunal, que permitiria expor o litígio e criar a cena discursiva de um julgamento e de um reconhecimento do différend. Dentre os elementos que permitem observar o tratamento do différend maia na escrita indigenista de Marcos, pode-se destacar em primeiro lugar a adoção de um duplo perspectivismo narrativo, estruturado a partir da autoficção e da etnoficção (EZLN, 1994; 1995; 1997; 2003a; 2003b). Assim, para representar o universo chiapaneco no qual ele vive desde 1983, Marcos optou por alternar sua própria voz de narrador ocidental com outras vozes maias.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

843

Por um lado, ele representa e ficcionaliza seu próprio

linguísticas e ainda a evocação do patrimônio oral e

personagem histórico em narrativas autoficcionais;

de práticas culturais maias. O leque de narradores

por outro, ele usa a máscara do outro indígena

maias chama mais especificamente a atenção pela

(LIENHARD, 2003, p.265), criando uma série de

variedade das vozes imaginadas. Surge, por exemplo,

narradores maias, no intuito de dar a ilusão de

um narrador coletivo “nós” que narra a gênese da

discursos indígenas.

épica zapatista, como se estivesse evocando um antigo

Nas narrativas autodiegéticas, Marcos expõe cenas do seu cotidiano nos acampamentos zapatistas, supostas experiências de iniciação junto ao Velho Maia Antônio, assim como as vicissitudes de sua imersão nas culturas alheias maias e no ambiente inclemente da Selva Lacandona. Adotando uma atitude exotista, ele sublinha com frequência as sensações de estranheza que o arrebatam como estrangeiro

deslocado.

Porém,

essa

ilusão

autobiográfica obtida a partir de numerosos indícios (onomásticos, biográficos, pacto de enunciação), é recorrentemente desmentida pela intrusão de signos ambíguos tais como um humor exuberante aplicado a todos e sobretudo a si mesmo, as exagerações descritivas e o caráter inverossímil de algumas situações apresentadas. Nesse corpus autoficcional, o discurso de Marcos constitui uma referência axiológica conhecida e de fácil identificação para o leitor exterior ao mundo maia. O personagem do guerrilheiro acaba encarnando desta forma o sistema de valores desse México urbano, profundamente ocidentalizado e hegemônico no qual o autor nasceu e para o qual ele escreve. Cabe mencionar que essa prática autoficcional constitui uma inovação no campo indigenista chiapaneco.

mito de origem. Também há de se citar a criação memorável do Velho Antônio, narrador depositário da tradição oral maia, que inicia o jovem guerrilheiro Marcos,

contando-lhe

dezenas

de

contos

cosmogônicos nos quais os deuses maias são os personagens principais. No romance-desafio que escreveu a quatro mãos com o escritor mexicano Taibo II em 2004, Marcos criou também uma nova tipologia de narrador-personagem maia, até então inexistente no corpus indigenista chiapaneco (SUBCOMANDANTE MARCOS, TAIBO II, 2004). Trata-se de Elías Contreras, o detetive mandado pelo EZLN ao DF para investigar o caso de um misterioso agente do governo mexicano. Pela primeira vez, o escritor destaca um personagem maia como narrador principal e, num intento de refletir e legitimar as práticas socioletais dos maias chiapanecos, ele oraliza o discurso do detetive num profundo grau de flexibilização da língua espanhola, assim repleta de desvios, tiques e repetições. Poderíamos ainda mencionar a presença de outros narradores maias, tais como mulheres, crianças ou ainda mortos, que indica a profusão de vozes em circulação na escrita indigenista de Marcos. A diversidade polifônica desse rumorejo maia, o cruzamento inovador do gênero etnoficcional com o romance policial, assim como a

Por outro lado, pode-se observar como a

recriação pertinaz e variada do discurso do outro

etnificação das reivindicações políticas zapatistas teve

mostram a amplitude e a riqueza da experimentação

profundas implicações na escrita de Marcos. Desde

etnoficcional. Esta fundamenta uma poética da

1994,

verdadeiro

alteridade baseada no dialogismo de consciências

aprofundamento literário da questão maia cuja

maias que assumem o discurso a partir dos valores

presença é convocada intensamente e de diversas

de sua comunidade de origem e dialogam sem perder

formas na textualidade. Destaca-se, por exemplo, a

sua verdade diante do sujeito ocidental. Ora, se

criação de uma ampla galeria de personagens e

considerarmos que as vozes maias foram amplamente

narradores maias, a recriação de características

silenciadas pelo que Lienhard descreve como séculos

ele

empreendeu

um

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

844

de uma “política de ocultamiento de la palabra otra,

escrita zapatista, um tratamento especial, já que os

relegando a la periferia o a la clandestinidad (…) el

maias são retratados como os verdadeiros

discurso de los autóctonos transformados en índios”

vencedores, pela sua resistência silenciosa (VANDEN

(LIENHARD, 2003, p.14), pode-se interpretar a

BERGHE, 2005, p.108-114). Em outros textos,

integração das vozes e dos olhares maias no espaço

Marcos maneja a escrita no sentido de expor situações

etnoficcional do discurso da guerrilha como uma

históricas nas quais as vítimas maias são ignoradas e

forma de tratamento do différend histórico, no

não podem ser reconhecidas como tais, já que o

sentido de acolher a linguagem maia secularmente

discurso hegemônico proíbe receber tal testemunho.

negada. De fato, um dos objetivos do zapatismo tem

Nessa perspectiva, o autor aborda episódios que

sido precisamente “livrar o país do racismo” e

remetem à histórica subalternidade econômica,

“permitir que os membros das minorias étnicas não

cultural e social dos indígenas, assim como aos

sejam obrigados a abandonar ou negar sua

silêncios da memória maia secularmente confinada

identidade” (LE BOT, 1997, p.87).

pela história oficial, ou ainda à guerra padecida pelas

Para concluir sobre a oscilação entre os

comunidades zapatistas.

gêneros da autoficção e da etnoficção, pode-se

Para representar todo esse material histórico,

observar que resulta num duplo perspectivismo

Marcos lança mão de técnicas narrativas alternadas

cultural, fazendo surgir uma escrita bifrontal. Esta

que se completam na escr ita. Por um lado, os

remete a dois paradigmas culturais diferentes e

acontecimentos são contados através da consciência

reflete, afinal, as duas linguagens heterogêneas e

individual de diferentes personagens: aparece, por

incompatíveis presentes no différend maia. Tendo em

exemplo, um soldado zapatista morto nos combates

vista que só é possível dar conta do différend

de janeiro de 1994 que descreve sua agonia desde a

destrinçando os gêneros de discursos, as frases e as

tumba onde está enterrado (EZLN, 2003a, p.408-

fronteiras (SFEZ, 2007, p.104-105), pode-se

410); duas crianças maias, Eva e Toñita, testemunham

considerar que a oscilação entre autoficção e

também a inesperada ofensiva militar do governo

etnoficção seria uma maneira de admitir a

federal em fevereiro de 1995 e a destruição de sua

heterogeneidade da realidade chiapaneca e de fazer

aldeia (EZLN, 1995, p.236; p.248; p.257; p.404). Tal

conviver as linguagens em conflito, reunidas e

técnica permite personalizar a história a partir de

imbricadas na escrita. Lyotard afirma justamente que

uma perspectiva subjetiva. Os testemunhos seguem

a narrativa é talvez o discurso mais apropriado para

uma escala variada, já que, conforme os textos,

neutralizar o différend, uma vez que “existe um

podem ser verossimilhantes, líricos, antilíricos ou

privilégio do narrativo na agregação do diverso”

totalmente fantásticos.

(LYOTARD, 1983, p.228).

Em paralelo, o autor opta por transformar a

A escrita de Marcos nasceu no turbilhão da

realidade crua da história, valendo-se da técnica de

história e é nessa fonte que o autor bebe também para

mitificação dos acontecimentos históricos (EZLN,

testemunhar o différend maia. Para isso, ele integra à

1995, p.74; p.88; p.110; p.119; p.153; EZLN, 1997,

suas narrativas múltiplos motivos históricos, alguns

p.228; p. 278 etc.). Face à tirania do discurso

reconstruídos a partir do presente e passado maias,

historiográfico ocidental, o registro mítico da cultura

outros completamente inventados. O episódio da

maia oferece, de fato, uma alternativa pertinente

conquista espanhola, que constitui o preâmbulo

para representar a história (VANDEN BERGHE,

histórico do différend maia, recebe, por exemplo, na

2005, p.113-114). Porém, a época atual é

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

845

caracterizada por uma distância cada vez mais

dadas pelos deuses maias às diferentes situações

profunda

mitos

indicam a sobrevalorização de um modelo de

antropológicos, que, a partir das verdades eternas

conduta: trata-se da capacidade de resolver os

veiculadas (LIENHARD, 2003, p.290; GIL, JOLY,

conflitos através do acordo coletivo. Este último

1994, p.14), fundam comunidades humanas

remete a uma prática maia atestada por diferentes

(EISSEN, 2000, p.3-5) e dão significado, valor e

antropólogos e entra no projeto zapatista de

exemplos de conduta para a existência coletiva e

legitimação do universo indígena uma vez que, nos

individual (ELIADE, 1963, p.10; p.14-15). À

contos, os deuses maias restabelecem sistematicamente

contracorrente desta deslegitimação geral, Marcos

a ordem cósmica. Por outro lado, num plano mais

opta por se apropriar do mito como forma literária,

abstrato, essa insistente repetição do motivo da

dando-lhe, porém, um conteúdo e uma função

resolução pode denotar também a urgência de

substancialmente novos. De fato, o que constitui a

resolver as seculares contradições sociais do différend

matéria prima desses mitos inventados é nada mais

maia. O espaço narrativo ofereceria o simulacro de

que os acontecimentos históricos do presente

uma resolução simbólica dos danos padecidos pelos

imediato da guerrilha, alegorizados e transpostos

Maias que poria fim à incompreensão incomensurável

num plano mitológico, através do velho narrador

entre os grupos heterogêneos ocidentais e maias, assim

Antônio. Em dezenas de cenas de iniciação noturna,

reunidos na ficção literária. Nessa perspectiva, a

este tece pseudomitos cosmogônicos, revelando ao

escrita de Marcos cancelaria os conflitos, as

discípulo Marcos supostas verdades transcendentes.

intolerâncias e a dominação para proclamar a

Os contos desta série etnoficcional são organizados

sublimação simbólica do différend e a função utopista

a partir de um esquema narrativo estável e

da literatura. Trata-se aqui de uma estratégia

sistemático:

literária completamente nova de se representar o

em

relação

aos

antigos

différend, já não a partir da simples exposição da 1. Os deuses maias se deparam com uma situação de desequilíbrio ou de conflito entre eles (caos e escuridão do universo; raiva e incapacidade dos deuses; cansaço dos seres humanos etc.)

queixa e do dano, mas de esquemas preceptivos de convivência que visam a civilidade como respeito das diferenças, unidas numa compreensão recíproca (SFEZ, 2007, p.101). Face ao consenso intelectual

2. A crise os leva a realizarem uma assembleia que termina num acordo unânime

pós-modernista ao redor do fim da história e do declínio do grande relato de emancipação (LYOTARD, 1979, p.63), Marcos reativou o mito

3. Resolução infalível da problemática inicial e destaque da exemplaridade do conto pelo narrador Antônio.

antropológico e fez surgir um novo mito póscomunista, o da convivência pacífica e harmoniosa das diferenças: este reflete as reivindicações

Desta forma, Marcos apela para a aura do

multiculturais do EZLN, propõe uma nova

tempo sagrado e edificante dos mitos maias e repete

produção de sentidos e alimenta a reflexão coletiva

um esquema narrativo de resolução de problemas,

ao redor de um novo modelo de sociedade inclusiva.

procurando dar um sentido transcendente e ético à

Cabe lembrar que, no momento do seu auge público,

história factual da guerrilha e, assim, compensar,

o poder de interpelação dessa escrita foi tal que

ordenar e sublimar uma realidade e conjunturas

conseguiu colocar a questão indígena no centro dos

poucas vezes idílicas e estáveis. Pode-se perceber

debates da sociedade mexicana, denunciando o

também nesses contos que as soluções infalíveis

racismo generalizado a respeito das populações indígenas e a sua exclusão sócio-econômica.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

846

Referências bibliográficas

LE BOT, Yvon (1997) : Le rêve zapatiste. Paris : Éditions du Seuil.

DE VOS, Jan (2002): Una tierra para sembrar sueños. Historia reciente de la Selva Lacandona. México: Fondo de cultura económica. EISSEN, Ariane e ENGÉLIBERT, Jean-Paul (2000) : Avantpropos. Em: La dimension mythique de la littérature

LENKERSDORF, Carlos (1996): Los hombres verdaderos. Voces y testimonios tojolabales. Madrid: Siglo XXI Editores. LIENHARD, Martin (2003): La voz y su huella. México: Ediciones Casa Juan Pablos e UNICACH.

contemporaine, p.3-12. Poitiers : La licorne, Université de

LYOTARD, Jean-François (1979) : La condition postmoderne.

Poitiers.

Paris: Les Éditions de minuit.

ELIADE, Mircea (1963) : Aspects du mythe. Paris: Éditions

LYOTARD, Jean-François (1983): Le différend. Paris: Les

Gallimard.

Éditions de minuit.

EZLN (1995 [1994]): Documentos y comunicados. México:

SFEZ, Gérald (2007): La partie civile. Paris: Éditions

Ediciones Era, Tomo 1.

Michalon.

¯ (1995): Documentos y comunicados. México: Ediciones Era,

SUBCOMANDANTE MARCOS, TAIBO II, Paco Ignacio

Tomo 2.

(2004-2005): Muertos incómodos (falta lo que falta). México:

¯ (1997): Documentos y comunicados. México: Ediciones Era, Tomo 3.

La Jornada. TREJO DELARBRE, Raúl (1994): Chiapas la comunicación

¯ (2003a): Documentos y comunicados. México: Ediciones Era, Tomo 4.

enmascarada. México: Editorial Diana. VANDEN BERGHE, Kristine (2005): Narrativa de la rebelión

¯ (2003b): Documentos y comunicados. La marcha del color de la tierra. México: Ediciones Era, Tomo 5.

zapatista. Los relatos del Subcomandante Marcos. Madrid e Frankfurt: Vervuert Iberoamericana.

GIL, H., JOLY, M. (1994): Las representaciones del tiempo histórico. Em: Covo-Maurice, Jacqueline, Las representaciones del tiempo histórico, p. 11-17. Lille: Presses Universitaires de Lille

Nota 1

Uma tradução possível seria pleito, litígio.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

847

LITERATURA Y CONFLICTO ARMADO: COTEJANDO UNA NOVELA DE GARRO

Mercedes Pessoa Cavalcanti UFPB

Las discusiones sobre el carácter literario y

efectivamente vivimos, sea en su configuración de la

no literario de una obra han constituido y aún

naturaleza palpable, geográfica, sea en la fisionomía

constituyen, en los tiempos modernos, un tema

de la historia, la cultura, la religión, la sociedad, las

apasionante. No solamente acarrea el asunto

tradiciones, las costumbres, la economía, la política,

cuestionamientos de orden objetivo, sino que

la ideología, la manera de ver y sentir el mundo. Y

igualmente de orden subjetivo.

dentro de la realidad se encuentra un abanico de

Buscando una formulación que enseñase esa múltiple faz del texto literario, Mijail Bajtín expuso

otros elementos, entre ellos los conflictos armados, con sus especificidades.

la teoría del dialogismo y la idea de la polifonía y su

Como una especie de contrapunto a una

interconexión entre los elementos literarios y/o no

presunta realidad, el arte constituye una creación

literarios. En su óptica, no había un Yo solitario,

humana, a través de la transposición de dicha

sino una “concordancia dialógica de dos o de varios”

realidad. Se consuma en los senderos de lo

(BAJTÍN, 1989, p. 329). Por su turno, Julia Kristeva,

imaginario, traducido por una especie de plectro de

muñéndose de tales conceptos, desarrolló la idea de

raíz onírica y de influencia cultural. El artista busca

la intertextualidad. Según ella, “el texto se construye

inspiración no apenas en su genio, sino en su

como un mosaico de citaciones, el texto es absorción

emoción estética y su percepción sensible de la

y transformación de otro texto”. (KRISTEVA, 1974,

realidad que lo rodea. Crea así la obra artística que,

p.72). Y es que en ese sentido, el texto absorbido puede

lejos de aspirar a instituir o constituir el plano de la

ser extraliterario, un acontecimiento exterior,

realidad, se cumple justamente a partir de una

tomado como inherente a una presunta realidad, un

interpretación de lo presuntamente real.

hecho histórico por ejemplo.

En ese sentido, el arte, aunque sea construido

Pero ¿qué es la realidad? Se puede definirla

de la creatividad, no solo admite, sino que

como todo lo que nos cerca, el mundo en que

compulsoriamente posee el ingrediente de la

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

848

realidad dentro de la cual el artista se sitúa, actúa,

Con una duración de casi una década, es

interacciona y crea. Y es de ahí que el objeto artístico

considerado por muchos expertos el acontecimiento

se diferencia tan visceralmente entre culturas

social mexicano más importante del siglo XX. En el

distintas.

contexto histórico oficial, estalló el 20 de noviembre

Teniendo en mente esas nociones, se puede observar que la Literatura igualmente implica un proceso creativo y se construye, análogamente, a

de 1910 . Tuvo origen en una insurrección capitaneada por Francisco Madero, cuyo eje central era deponer el presidente oligarca Porfirio Díaz.

partir de la interpretación artística de la realidad.

Englobando movimientos socialistas,

Por su naturaleza, pertenece al universo del arte. En

liberales, anarquistas, populistas y agrarios, la

esa misma óptica, es pertinente definir la Literatura

Revolución Mexicana fue una lucha contra el orden

como el arte escrita, en cuyo seno se hallan varios

establecido. Se caracterizó por reunir varias

géneros literarios, como la narrativa, a ejemplo de

facciones rebeldes. Nombres como el mismo Madero

la novela – obra literaria ficcional.

(los maderistas), Emiliano Zapata (los zapatistas),

Para comprender la ficcionalización de los conflictos armados como la guerra y la revolución, es basilar buscar sus conceptos y ver en qué se diferencian. Esta apunta sobre todo una mudanza radical de un régimen adoptado, un cambio profundo de un sistema, o una transformación

Francisco Villas (los villistas) y Carranza (los Carrancistas) tenían sus propios ejércitos. Aunque hubieran discrepado en algún momento de la Revolución, básicamente poseían un objetivo común. Defendían la mudanza socio-política, con el emblemático lema: “Tierra y Libertad”.

basilar respecto al status quo vigente. Dicho cambio

En cuanto a la Guerra Cristera 1 , que se

suele suceder en la esfera cultural, política, social, o

prolongó desde 1926 a 1929, se instituyó como un

religiosa entre otras alternativas. El proceso

conflicto

revolucionario puede realizarse a través de un

autopreservación. Defendía los derechos de la Iglesia

confronto armado, con mayor o menor violencia.

Católica, suprimidos por el gobierno de Plutarco

Teóricamente, tendría una repercusión colectiva,

Elías Calles. Las milicias eran compuestas de los

una participación masiva de la población.

presbíteros, católicos y laicos. Entre los líderes

Por otra parte, la naturaleza de la guerra es la autodefensa para la preservación de los derechos, mediante el empleo de la fuerza. La guerra es una acción política fuerte, que envuelve pasión, en la cual los hombres se lanzan de todo el corazón, con gran coraje. (JOUVENEL, 1963) Los sujetos de la acción

armado

de

autodefensa

y

cítense el sable Anatolio Partida, Honorato González y el General Cristero Alberto B. Gutiérrez. Su grito de guerra era, “iViva Cristo Rey!” al igual que aparece en la novela analizada (GARRO, 2010, P. 185) y también “iViva Nuestra Señora de Guadalupe!”.

poseen una influencia tocante. Se invisten de una

Con objeto a tornar más palpables los

especie de élan, un entusiasmo lleno de emoción,

planteamientos que emergen del contrapunto entre

conmoción. Y para alcanzar la meta propuesta,

la Literatura y el conflicto armado, se buceará por

conciben una organización – comúnmente un grupo

tanto en el paradigma de la Revolución Mexicana y

armado o ejército.

la Guerra Cristera. En lo que se refiere a su abordaje

La Revolución Mexicana fue un conflicto armado de aspectos muy peculiares y complejos.

en la Literatura, se cotejará la obra maestra que en 1963 fue lanzada y laureada con el Premio Xavier

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

849

Villaurrutia – Los Recuerdos del Porvenir de Elena

de la realidad externa no literaria, sean dentro de la

Garro. Adoptando la edición de 2010, se averiguará

especificidad de otros textos literarios.

cómo se delinea el tema de los dos movimientos supra en la coyuntura literaria garriana.

En raras ocasiones, la autora traduce literalmente los sucesos. Entre las páginas 71 y 72 de su

Se ha elegido este corpus porque enfoca con

novela, presenta una especie de sinopsis neta, sin

un realismo impactante la Revolución Mexicana y

pretensiones figurativas. Dice que la Revolución

también la Guerra Cristera, sin que ello implique en

Mexicana triunfante fue traicionada por Carranza en

ninguna pérdida o disminución de su carácter

cuanto tomó el poder. Y que él y otros generales

literario. Al revés, la urdidura artesanal de la

iniciaron un gobierno tiránico, echando a perder los

narrativa está impregnada de un ingenio creativo y

ideales revolucionarios. Se trata de un resumen

una singularidad estética que aturde el lector.

didáctico y pedagógico, para que el lector no iniciado

Además, no podemos dejar de mencionar que Elena Garro, al igual que Sor Juana Inés de la Cruz,

entienda la Revolución, obviamente según la perspectiva de quien la describe.

legó a México una obra tan proficua como notable,

El espacio en que se realiza la acción y en

respetada en su país y en el exterior. Autora de docenas

donde transitan los personajes es Ixtepec, una

de libros, fue cuentista, dramaturga, novelista,

pequeña comunidad pueblerina que se vuelve una

ensayista y una periodista centrada visceralmente en

herida abierta durante la Revolución y después

los problemas socio-políticos de su pueblo.

también en la Guerra Cristera. En un momento llegan

Su actitud desazonaba los dirigentes, políticos e intelectuales, constreñidos ante una realidad cruda que preferían mantener abstracta en sus meditaciones filosóficas. Abominaban ese talante aguerrido que no medía consecuencias. Dice Lopátegui que “por algo su abuelo materno, don Tranquilino Navarro, la llamaba “Leona”. (LOPÁTEGUI, 2008) Y pudo haber sido ese malestar que causaba su combatividad, lo que hizo que la eligieran el chivo expiatorio de la

los guerrilleros rebeldes, capitaneados por Zapata que deja tras de sí las huellas de la destrucción. Son ulteriormente reemplazados por los belicosos soldados del gobierno que, liderados por el General Rosas, invaden la ciudad y asesinan con suma naturalidad. Es que en la tejedura garriana, la violencia, sea “buena” o “mala”, conlleva el infortunio y la desgracia. Innegablemente,

voces

incongruentes

Masacre Estudiantil de 1968. Perseguida ferozmente,

coexisten en Ixtepec. Muchos defienden los

se fue a los Estados Unidos y luego a España y, por

revolucionarios, pero algunos discuerdan de ellos,

fin, se exiló en Francia durante 20 años, de donde

como se divisa en estas dos afirmaciones, durante una

sólo regresaría veinte años después, muriendo en

charla de amigos:

1998. En su obra, Garro absorbe los elementos de

– Con Madero comenzaron nuestras desdichas… – susurró la viuda con perfidia.

la realidad, la memoria y la cultura en la cual se sitúa. Utiliza su genio de artista cuando los extrapola, los

(…)

adapta y los transforma en algo de apariencia recién nacida. Pero, como observa Bloom (BLOOM et al., 2003), aunque uno intente disimularlo, los textos se

– Desde que asesinamos a Madero no tenemos sino una larga noche a espiar – exclamó Martín Moncada, siempre de espaldas al grupo.

vinculan con una gama de otros textos, sean oriundos (GARRO, 2010, p. 70-71)

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

850

Y si todos parecen odiar al General Rosas,

Con una ferina mordacidad, la literata muestra

también hay quienes, secretamente, estarían gustosos

como Ixtepec, cansada de su monótono cotidiano, se

en su lugar, como se infiere en el siguiente diálogo, en

alegra con la idea de la lucha armada, no por una

donde no falta un tonillo sardónico muy garriano:

convicción política, sino porque ella los va a sacar de su marasmo. Enseguida, empleando su técnica narrativa

En la voz de Segovia había una ambigüedad: casi parecía envidiar la suerte de Rosas, ocupado en ahorcar agraristas en lugar de sentarse en el corredor de una casa mediocre a decir palabras inútiles.

impecable, juega con las paradojas, enseñando los múltiples semblantes que contienen las creencias y los hechos. El júbilo puede tornarse dolor, y el idealismo revolucionario puede revelar en la práctica

(GARRO, 2010, p. 71)

Como se percibe, Garro, en Los Recuerdos del Porvenir, recurre consecutivamente a las figuras de la parodia y la ironía. De ese modo, evidencia lo absurdo y el nonsense de la violencia instaurada por unos y otros. La realidad y lo imaginario creador se confunden e imbrican. A veces, es difícil precisar las líneas limítrofes entre la historia oficial, la historia vivida (y sentida) por la comunidad y la historia inventada por el narrador. Lo que confirma que la obra literaria, sobre todo la garriana, es intertextual por naturaleza.

un rasgo traicionero, corrupto y letal: La premonición de una alegría desbarataba uno a uno los días petrificados. La Revolución estalló una mañana y las puertas del tiempo se abrieron para nosotros. En ese instante de esplendor sus hermanos se fueron a la Sierra de Chihuahua y más tarde entraron ruidosos en su casa, con botas y sombreros militares. (…). Antes de cumplir los veinticinco años sus hermanos se fueron muriendo uno después de otro (…). Después, las batallas ganadas por la Revolución se deshicieron entre las manos traidoras de Carranza y vinieron los asesinos a disputarse las ganancias, jugando al dominó en los burdeles abiertos por ellos.

Manejando con desenvoltura un lenguaje de

(GARRO, 2010, p. 36-37)

tintes fuertes, la prosista expresa el efecto dañino de los conflictos armados de la Revolución Mexicana y

A diferencia de la fría lógica de los registros

de la Guerra Cristera. Demuestra, además, que la

oficiales que constan en los libros didácticos, Los

violencia es un ingrediente constitutivo de la historia

Recuerdos del Porvenir deja ver el caos creado a raíz

de México, aquí representado metonímicamente por

de la violencia y/o generados por ella misma. En la

el pueblo de Ixtepec. Léase el recorte abajo:

narrativa, los estallidos revolucionarios no establecen sino un estado de cosas incoherente y caótico, cuya

“Fui fundado, sitiado, conquistado y engalanado para recibir ejércitos. Supe del goce indecible de la guerra, creadora del desorden y la aventura imprevisible. (…) Un día aparecieron nuevos guerreros que me robaron y me cambiaron de sitio. (…) Hasta que otro ejército de tambores y generales jóvenes entró para llevarme de trofeo (…) Muchas de mis casas fueron quemadas y sus dueños fusilados antes del incendio. Recuerdo (…) los gritos aterrados de las mujeres llevadas en vilo por los jinetes. (GARRO, 201, p.11 – 12)

complejidad los habitantes de Ixtepec no alcanzan a comprender totalmente. Sin embargo, se nota en el texto un posicionamiento en favor de los zapatistas y en contra el ejército del gobierno que los reemplazó. La voz de la narradora puentea la visión política de la escritora en relación a la Revolución en estos comentarios que principian con un dejo de rechazo respecto a la presencia del general Francisco Rosas:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Su presencia no nos era grata. Eran gobiernistas que habían entrado por la fuerza y por la fuerza permanecían. (…) Por su culpa los zapatistas se habían ido a un lugar invisible para nuestros ojos y desde entonces esperábamos su aparición, su clamor de caballos, de tambores y de antorchas humeantes. En esos días aún creíamos en la noche sobresaltada de cantos y en el despertar gozoso del regreso.

851

Es interesante analizar el episodio en que, a la vista de los ahorcados, Dorotea rumia sus pensamientos: “Están ahí por pobres.” (…) No todos los hombres alcanzan la perfección de morir; hay muertos y hay cadáveres, y yo seré un cadáver.”, se dijo con tristeza; el muerto era un yo descalzo, un acto puro que alcanza el orden de la Gloria; el cadáver vive alimentado por las herencias, las usuras, y las rentas.

(GARRO, 2010, p. 15)

Este pasaje resalta el aura mesiánica imputada a Zapata. El mesianismo surge como

(GARRO, 2010, p. 16)

última esperanza cuando es derrotado el paladín de una insurrección, sobre todo si el vencedor masacra, ejecuta y ahorca a los vencidos – los indios que tanto había defendido Zapata:

Frente a la violencia de una época de confrontos, el personaje Dorotea parece ahondarse en una reflexión coherente sobre las injusticias sociales de un sistema que mata a los miserables.

Temprano en la mañana aparecían algunos colgados en los árboles de las trancas de Cocula. Los veíamos al pasar, haciendo como si no lo viéramos, con su trozo de lengua al aire, la cabeza colgante y las piernas largas y flacas. Eran abigeos o rebeldes, según decían los partes militares.

Pero, al mismo tiempo, victimada por la violencia acarreada por las fuerzas revolucionarias se contradice: – ¿Ah? Desde que los zapatistas me quemaron la casa se me queman los frijoles… – respondía ella, sin levantarse de su sillita baja.

– Más pecados para Julia – se decía Dorotea (…)

– Pero tú eres zapatista – le decían los jóvenes riendo.

(GARRO, 2010, p. 16 -17)

– Eran muy pobres y nosotros les escondíamos la comida y el dinero.

Uno de los personajes mencionados, la bella Julia, es, paradójicamente, la mujer más amada y odiada de la novela – la amante del general

(GARRO, 2010, p 17)

Francisco Rosas. Sardónicamente, la narradora ridiculiza este tirano: su despotismo no adviene de

Efectivamente se ha observado a través de la

su valentía o algún destorcido sentido de deber

historia las discrepancias ínsitas en las Revoluciones.

militar, sino de la necesidad de compensación ante

Y la Revolución Mexicana igualmente deja ver

su fracaso en relación a su “querida”. A cada

contradicciones que culminan con la Guerra

frustración que le causa ella, más indios aparecen

Cristera. Lo que Garro hace es justamente integrar

ahorcados al amanecer…

los sucesos de esos dos movimientos armados a su

La confabulación narrativa manifiesta un posicionamiento político y una postura ideológica: el repudio a las fuerzas gubernistas que mataron a Zapata, defensor de los indios desposeídos.

obra,

promoviendo

su

ficcionalización

y

enriqueciendo lo histórico con su imaginario. Y si en la vida real Zapata jamás ha resucitado para expulsar a los gubernistas, en la ficción surge simbólicamente a través de la figura de un forastero metaforizando

la

fidelidad

a

los

ideales

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

852

revolucionarios de los zapatistas. Su llegada a la ciudad provoca alegría:

De verdad, el fermento de la Guerra Cristera sería

la

insatisfacción

hacia

el

gobierno

revolucionario que hubiera abandonado los ideales La noticia de la llegada del extranjero corrió por la mañana con la velocidad de la alegría. El tiempo, por primera vez en muchos años, giró por mis calles levantando luces y reflejos en las piedras y en las hojas de los árboles; los almendros se llenaron de pájaros, el sol subió con delicia por los montes (…). Era el mensajero, el no contaminado por la desdicha.

sociales y agraristas pronosticados por la Revolución. Sería, por tanto, motivado por la aspiración de reanudar el auténtico ideal revolucionario. En este contexto, la prohibición religiosa no sería más que la gota de agua que hubiera hecho trasbordar el descontentamiento del

(GARRO, 2010, p. 65)

pueblo.

El extranjero concurre para la exacerbación

En el texto, el lema cristero suena como un

imaginativa del pueblo, a través del arte teatral y la

eco, uniendo las voces de hombres y mujeres en las

poesía (que la misma Garro, en su vida personal,

noches de Ixtepec:

emplea para libertarse). Y el hecho de que Julia se fugue con él, subraya que el general había subyugado su cuerpo, pero no su espíritu. Es que la narrativa permite vislumbrar que siempre restará una luz. Y que esta va mano a mano con el arte. Ello explica el porqué de que la escritora, que abrazaba intensamente la cuestiones políticas de su país, actuando en la defensa de los descalzos, los descamisados, los sin techo y los sin tierra, eligió

(…) y por la noche lanzamos gritos estentóreos que corrieron de calle en calle, de barrio en barrio, de balcón en balcón. – ¡Viva Cristo Rey! – ¡Viva Cristo Rey! – contestaban desde una ventana. – ¡Viva Cristo Rey! – respondían desde la obscuridad de una esquina.

el arte literario como el sendero hacia la libertad. El relato rescata los nombres y hechos de la Revolución, mientras refiere las injusticias y los asesinatos de la Guerra Cristera. Hay que recordar que, para la autora, el gobierno revolucionario traicionó la Revolución. Y más que una protesta

– ¡Viva Cristo Rey! El grito se prolongaba en los portales. (GARRO, 2010, p.185)

contra las leyes anticlericales, la Cristiada sería una

Las mujeres mexicanas jugaron un papel

búsqueda de los ideales revolucionarios no

vital tanto en la Revolución como en la Cristiada,

cumplidos. Si el personaje Isabel y sus hermanos

distribuyendo panfletos, ocupando las Iglesias,

planean salvar el sacerdote, no lo hacen por la

cuidando heridos, aprovisionando alimentos y

Iglesia, ni mucho menos por él:

armas etc. Y en la novela ellas ayudan de varias formas. La controvertida Isabel, un personaje

– ¿A ti te importa que el cura viva o muera? – preguntó Isabel.

redondo en su total compleción, se entrega al General Francisco Rosas, en un intento (inútil) de salvar a su hermano Nicolás de ser asesinado.

– No – contestaron ellos. (GARRO, 2010, p. 264)

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

853

La importancia transcendental de las

En su arte narrativo, la escritora mezcla con

notables Adelitas – las mujeres soldados de la

maestría los eventos históricos y el universo onírico.

Revolución Mexicana – es enfatizada en el nivel

Urde el entrelazamiento de episodios que pudieron

textual, simbolizada por la canción corriente en la

haber ocurrido en México o que ocurrieron

época revolucionaria de México:

realmente, con escenas inusitadas por lo fogoso y lo etéreo, por lo poético y lo violento. Da a luz los

Que si Adelita se fuera con otro

personajes más instigantes, complejos y/o reflexivos que se pudieran componer en la literatura.

la seguiría por tierra y por mar

Abstrae, reinventa, reinterpreta y transciende si por mar en un buque de guerra

los elementos paradójicos de la política y de los conflictos armados, con sus exegesis, sus ideales, su

si por tierra en un tren militar…

dolor, sus traiciones, su violencia recurrente y también sus ambigüedades. Quiso la escritora con

(GARRO, 2010, p. 36)

su saber y vivencia de su país, retomar la verdad que se le presentaba para transfigurarla a través de su

En el discurso garriano, los personajes femeninos ofrecen un aura de anhelo y tensión. “¡Qué

imaginario, según su propia manera de sentir el mundo.

dicha ser hombre y decir lo que se piensa!” (GARRO, 2010, p.28) – se queja Conchita, en un retrato de la

Con su competencia narrativa y una

condición sumisa de la mujer del siglo pasado. Pero

dimensión artístico-literaria raras veces empleadas

las había luchadoras, de personalidad fuerte, como

tan diestramente, Garro abre un abanico de

la osada Isabel y la bella Julia, que tenía al general

posibilidades. Como si tuviera un lienzo con varias

en la palma de su mano.

manos de pinturas, va raspando las camadas. Logra así encontrar otros cuadros, otras imágenes, otras

Isabel es la protagonista y el personaje más

elucidaciones sobre la misma cuestión. Y no

denso y misterioso del libro. Intensa, briosa y

satisfecha, la novelista penetra más hondo aún en la

atrevida, ansía librarse de las viejas tradiciones que

sensibilidad anímica del ser humano, al rastrear la

imponen al género femenino el patrón “ser para los

angustia que acomete el espíritu a raíz de un

demás”. Busca “ser para uno” y encontrar su propio

conflicto sangrento.

“yo” en el mundo. Para sobrevivir en la realidad que la oprime, se abstrae en elucubraciones que brotan

Asimismo, al interiorizar en su narrativa una

del espíritu inteligente e inquieto que todos intentan

verdad externa, Garro traspasa la verdad aparente

sofocar, mandándola rezar y purificarse.

y descubre polifacéticos ángulos. Conscientemente se distancia de la materialidad de los hechos para

“Reza, ten virtud!”, le decían, y ella repetía las fórmulas mágicas de las oraciones hasta dividirlas en palabras sin sentido. Entre el poder de la oración y las palabras que la contenían existía la misma distancia que entre las dos Isabeles: no lograba integrar las avemarías ni a ella misma. Y la Isabel suspendida podía desprenderse en cualquier instante, cruzar los espacios como un aerolito

buscar sus elementos subjetivos. Corre la cortina y enseña lo que puede haber por detrás de los acuerdos y desacuerdos políticos de los gobiernos, capitanes y jefes revolucionarios de una nación. Parece factible aceptar que la literatura, siendo una reinterpretación y transmutación de la

(GARRO, 2010, p. 31)

realidad, crea su propia verdad. Y que esa “nueva verdad” desempeña un papel primordial para

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

854

reflexionar sobre lo que puede ocultarse en el fondo

KRISTEVA, Julia (1974): Introdução à Semanálise. São

de los acontecimientos. Por tanto, Los Recuerdos del

Paulo: Perspectiva.

Porvenir puede revelarse una especie de farol al cual recurrir como un soporte válido para auxiliar a

GARRO, Elena (2010): Los Recuerdos del Porvenir. México, D.F.: Ed. Joaquín Mortiz.

comprender los laberintos de los conflictos armados JOUVENEL, Bertrand de (1963): De la politique pure, Paris:

que relata.

Calmann-Lévy. LOPÁTEGUI, Patricia Rosas (2008): Yo Quiero que haya

Referencias bibliográficas

mundo… Helena Garro - 50 años de dramaturgia. México DF.: Editorial Porrúa.

BAJTÍN, Mijail (1989): Estética de la creación verbal. México: Siglo XXI. BLOOM, Harold et al. (2003): Deconstrucción y crítica, México: Siglo XXI.

Nota 1

La Revolución Mexicana ocurre de 1910 a 1917, mientras que la Guerra Cristera tiene lugar de 1926 a 1929. Entre tanto, esta surgió a consecuencia de las decisiones del gobierno erigido por aquella, que fueron consideradas una traición a los ideales revolucionarios de libertad y de tierra para todos. Los ánimos, que ya se hallaban profundamente descontentos, estallaron cuando el Presidente Plutarco Elias Calles y José Fernando Rodrígues Rojas, general revolucionario, reglamentaron el artículo 130 de la Constitución, aplicando una legislación anti-clerical que perseguía la Iglesia, los sacerdotes y las instituciones religiosas, obligándolas a cerrar sus puertas.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

855

LA TRADUCCIÓN CULTURAL EN LA LITERATURA LATINOAMERICANA: REFLEXIONES A PARTIR DE LA OBRA DE GAMALIEL CHURATA Y JOSÉ MARÍA ARGUEDAS

Meritxell Hernando Marsal Universidade Federal de Santa Catarina

Las obras de Gamaliel Churata y José María

Frente a esta perspectiva que, a pesar de la

Arguedas nos plantean el desafío de pensar

comprensiva recepción de lo andino en Churata y

proyectos creativos donde confluyen, por lo menos,

Arguedas, sitúa el crédito de la operación en un polo

dos tradiciones culturales distintas, la cultura

del sistema cultural, me gustaría proponer una

hispánica del Perú y la cultura andina. En estas

mirada traductora. Se trata de pensar el proceso

obras se ponen en relación tanto lenguas diversas

creativo de estos autores como una traducción, en

(el castellano, el quechua, el aymara), formas orales

el que el autor se constituye como mediador entre

y escritas, tradiciones narrativas disímiles (relatos

las lenguas y las culturas que lo constituyen (SALES,

orales, cantos, cuentos y novela), prácticas

2004, p. 7), actualizando en la escritura una práctica

culturales representativas (danzas, fiestas, rituales

comunicativa real, y reivindicando la necesidad del

o las diversas manifestaciones de la cultura urbana),

proceso de interlocución y su equidad, en situaciones

valores y modelos de pensamiento distintos. Estas

de marginación de una de las culturas en contacto a

obras se han comprendido como objetos

causa de procesos históricos coloniales. Como anota

disruptivos, que en su afán de reivindicar un

Dora Sales, que adopta esta perspectiva para

segmento discriminado de su sociedad, desafiaban

estudiar Los Ríos Profundos de Arguedas, “la

las normas de la escritura, dando lugar a soluciones

traducción se revela como estrategia de elaboración

de gran originalidad, que innovaban la literatura

literaria, parte sustancial de la vida cotidiana y

peruana, entendida desde el punto de vista

modo de supervivencia de los sujetos transculturales

occidental y letrado. La cultura andina, sus formas

que se hayan en constante debate entre lenguas y

y sus prácticas, aparece en estas interpretaciones

culturas, poéticas e imaginarios, legados y

como el elemento exógeno, que abona y es capaz de

aprendizaje” (SALES, 2004, p. 7).

renovar lo literario.

La traducción, al hacer visibles las operaciones de transposición de signos culturales

856

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

distintos que se dan en el seno de estas obras, da cuenta de la heterogeneidad constitutiva de la literatura latinoamericana, vinculada fuertemente al proceso histórico y social en que se constituye, tal como la describió Antonio Cornejo Polar: una literatura [...] que sólo se reconoce en su radical e insoluble heterogeneidad como hechura de varios sujetos social y étnicamente disímiles y enfrentados, de racionalidades e imaginarios distintos e incluso incompatibles, de lenguajes varios y disparejos hasta en su base material, y todo dentro de una historia densa en cuyo espesor se acumulan y desordenan varios tiempos y muchas memorias. (CORNEJO POLAR, 1992, p.109-110)

La necesidad de repensar y reformular el corpus de la literatura latinoamericana deriva de la certeza de que su delimitación actual obedece en último término a una visión oligárquico-burguesa de la literatura, visión que ha sido transmutada en base crítica casi axiomática mediante operaciones ideológicas que recién ahora son discernibles como tales. Deriva también de la convicción de que el desarrollo real de las contradicciones sociales en América Latina permite ensayar otras alternativas que se vinculen con los intereses y la cultura populares. (CORNEJO POLAR, 1982, p.43)

Con esta idea, Cornejo Polar establece la complejidad de la literatura latinoamericana, entendida no solo como escritura, sino como articulación de diferentes sistemas de expresión

Esta noción de heterogeneidad, muchas veces

verbal:

repetida al acaso como mero equivalente de lo diverso, es profundamente disruptiva, pues deshace la idea tradicional de literatura: escrita, culta y de matriz europea. Una noción que es parte constitutiva de la crítica literaria latinoamericana más abarcadora y comprensiva. Antonio Candido escribía en un libro de referencia como América Latina en su literatura: “Nuestras literaturas (como también las de Norteamérica) son, fundamentalmente, ramas de las literaturas metropolitanas” (CANDIDO, [1972]

En el área andina, por ejemplo, se acepta como literaturas nacionales boliviana, ecuatoriana o peruana sólo y exclusivamente las literaturas cultas en español que se escriben en estos países, mientras que las literaturas orales en lenguas nativas e inclusive la literatura popular en español, sea oral o escrita, son expulsadas del ámbito de la cultura nacional respectiva, a veces en bloque y definitivamente, confinándolas al espacio del folklore, y a veces, con algo más de sutileza, situándolas en una etapa ‘prehistórica’, como si hubieran dejado de producirse a partir de la Conquista. (CORNEJO POLAR, 1982, p. 44)

1998, p. 344). Esta concepción de la literatura latinoamericana, aún firmemente arraigada, sólo

La atención a los procesos de traducción

tiene en cuenta las manifestaciones escritas cultas de

permitiría hacer visible la operación de recorte de

origen europeo; ni las manifestaciones literarias

la pluralidad constitutiva de las literaturas

orales, populares o en lengua indígena entran en sus

latinoamericanas llevada a cabo por la crítica y

consideraciones. Instalada cómodamente en la

desenmascarar la pretendida unidad del canon

escritura, analiza los textos internamente como

latinoamericano, haciendo visibles los diversos

encarnación ejemplar (y latinoamericana) de

sistemas literarios que entran en relación en estas

determinados valores estéticos y filosóficos,

obras y su validez respectiva.

pretendidamente universales. Cornejo Polar inscribe la sospecha en esta práctica crítica que, en cierto modo, sólo hace visible la percepción de lo literario propia los estratos dominantes del sistema mundo moderno. En un artículo de 1982, “Unidad, pluralidad, totalidad: el corpus de la literatura latinoamericana”, planteaba esta convicción:

Gamaliel Churata participa de esta operación de cuestionamiento de la hegemonía de una determinada tradición literaria hispánica para América Latina. En el prólogo programático a El Pez de Oro, titulado Homilía del Khori-Challwa, señala que su mayor logro creativo son lo que llama ‘incrustaciones’. Se trata de palabras quechuas y

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

857

aymaras instaladas en el discurso en castellano y, más

Vemos cómo Churata realiza esta operación

aún, procesos morfológicos da estas lenguas que

no sólo desde el manifiesto polémico que constituye

irrumpen modificando las palabras hispanas. La

su ‘Homilía’, sino en el seno mismo del lenguaje, esto

transferencia entre las tres lenguas es constante, y

es, en la intervención militante en las formas con que

forma un discurso complejo, que busca ser un índice

construye su discurso. Ello apunta a otro aspecto de

del entramado cultural andino.

la cuestión. La participación de lo andino en la

Esta modificación continua a la que Churata somete a la escritura hispánica, obligándola a acoger las formas quechuas y aymaras, esta extranjerización impertinente, que evidencia la traducción y sus complejas operaciones de trasvase cultural, impugna la

concepción

establecida

de

literatura

latinoamericana. Como señala Ovidi Carbonell la “adaptación en los intersticios del significado […] es de hecho uno de los aspectos más importantes de la traducción cultural, puesto que puede allanar el camino hacia una modificación o incluso subversión del canon existente” (CARBONELL, 1997, p. 104).

configuración de las producciones literarias latinoamericanas ha sido vista comúnmente, apenas, como un elemento temático. Incluso la definición de Antonio Cornejo Polar del indigenismo participa en cierto modo de esta visión. Cornejo Polar señala para el indigenismo una aporía que lo constituye: en cuanto al referente y a los objetivos esta literatura procura el rescate y la reivindicación del universo autóctono, y la denuncia de sus condiciones marginales de existencia; sin embargo, sus instancias productivas, textuales y de recepción están situadas en el sector más moderno y occidentalizado de la sociedad peruana (CORNEJO POLAR, 1997, p. 303).

Con su intervención en la superficie del

Antonio Candido sitúa esa dicotomía entre el

lenguaje, obligando constantemente al ejercicio de

referente americano y los medios utilizados para

la traducción, Churata interviene en la tradición. De

expresarlo en términos de una determinación formal.

ello, el autor es consciente y en su prólogo intenta

Siguiendo el razonamiento anteriormente citado,

modificar la noción de literatura que imperaba en el

afirma:

momento. Polémico, denuncia las obras señeras del canon latinoamericano, desde Darío a Guiraldes: “Y es que la única patria de esta Literatura Americana es el idioma español” (CHURATA, 1957, p. 23). Frente a esa tradición única propone otras opciones: “En tal punto del alud volcánico se dirige a la posibilidad Garcilazo, la posibilidad Huaman Poma o la posibilidad ‘Ollantay’. Si Huamán nos da el diapasón, nada tenemos que acometer que no sea jerarquizar el español híbrido que hablan nuestros pueblos” (CHURATA, 1957, p. 22). Esta última es la opción de Churata: la de poner en evidencia, en el

Encaremos, por consiguiente, con serenidad nuestro vínculo placentario con las literaturas europeas, pues él no es una opción; es un hecho casi natural. Jamás creamos cuadros originales de expresión, ni técnicas expresivas básicas, en la acepción que lo son el romanticismo, en el plano de las tendencias; la novela psicológica, en el plano de los géneros; el estilo indirecto libre, en el de la escritura. Y aunque hayamos logrado resultados a veces originales en el plano de la realización expresiva, reconocemos implícitamente la dependencia. Tanto es así que jamás los diversos nativismos rechazaron el empleo de las formas literarias importadas, pues sería lo mismo que oponerse al uso de los idiomas europeos que hablamos. (CANDIDO, 1998, p. 345, énfasis del autor)

mismo entramado del discurso, los procesos de

Es precisamente esa oposición inverosímil a

transferencia cultural que se dan en los Andes y, de

los idiomas europeos que hablamos, que provoca una

esta manera, reivindicar una literatura abierta a las

tensión en el seno mismo de la lengua con la que crean,

diferentes culturas americanas.

lo que Gamaliel Churata y José María Arguedas llevan a cabo. De esta forma, cuestionan la idea de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

858

que lo andino proporcione solo el referente temático

Así, fundándose en esta forma de representación

para las producciones literarias, y quede reducido a

propia de los artesanos mestizos, Churata estructura su

lo exótico, a lo accesorio. Lo andino (motivos, temas,

obra en diez niveles o escenas, que no presentan una

símbolos, objetos, géneros, procedimientos, etc.)

conexión lineal entre una y otra, sino que forman un

participa tanto del eje paradigmático de la obra,

conjunto trabado de motivos y personajes gracias, en

como del eje sintagmático. De esta manera, se deshace

palabras de Churata, a “un hilo magnético que les da

la dicotomía, y la complejidad de tradiciones, lenguas

unidad” (CHURATA, 1957, p. 7). El núcleo significativo

y culturas se introduce en las diferentes dimensiones

de estas escenas puede reducirse a un mismo motivo que

de la obra literaria.

se repite con variaciones, casi musicalmente: la

Ello aparece de forma marcada en la estructura que Churata le da a su obra. El pez de oro no quiere ser una novela. Consciente de argumentos como los señalados por Candido, pero no conforme, pues su aceptación reduce la participación de lo andino a lo circunstancial, se propone probar la eficacia de la cultura andina en las propias estructuras literarias. Para ello, intenta el camino contrario a la práctica indigenista: no es lo andino como elemento temático lo que se integra a las formas europeas; son éstas las que son transformadas. Churata intenta subvertir los componentes literarios

muerte y renacimiento del hijo (que es también el Inka), en el esfuerzo de un mestizo por incorporarse al mundo indígena. La primera y la última escena tienen el mismo nombre que la obra “El pez de oro”1. Ello crea una forma circular, en ricorso, a la manera de Vico, que “ni comienza ni acaba” (CHURATA, 1957, p. 9). Esta estructura en retorno, más que espiral, red de vivencias con motivos que regresan, está vinculada con formas de la memoria colectiva, que José María Arguedas estudió en relación a los mitos poshispánicos quechuas (ARGUEDAS, 1989, p. 173-182).

occidentales y someterlos a la lógica andina: el género

La atención a las operaciones de traducción

novela es modificado y adquiere modos inéditos.

cultural permite distinguir precisamente estas

Churata enuncia desde el subtítulo, “Retablos del

relaciones entre formas culturales complejas;

Laykhakuy”, su disensión de la novela. Lo que nos

identificar las prácticas y géneros culturales que

presenta es un retablo, un objeto. El retablo es en

intervienen la literatura y le dan funciones sociales y

Perú una forma de arte popular en que lo andino y lo

una dimensión colectiva. De esta manera, en las obras

cristiano se imbrican con un fuerte contenido mágico

de Churata y Arguedas no sólo observamos la

y religioso. Consiste en una caja de madera en la que

confluencia de lenguas distintas sino procesos de

se disponen figuras hechas de una mezcla de papa y

traslado intersemiótico, que evidencian las diversas

yeso que representan una escena sagrada; son

expresiones creativas propias de los Andes: la

destinados a proteger las casas y los viajeros que los

potencia de los cantos y narraciones orales quechuas,

llevan consigo. Los maestros andinos, sobre todo de

en Arguedas, del ritual, en Churata, o de la música y

Ayacucho, llegan a crear retablos de múltiples

la danza, en ambos. Tanto Churata como Arguedas

niveles, que también representan escenas de la vida

intentan transmitir un complejo entramado de

cotidiana. José María Arguedas reflexionó sobre el

prácticas, creencias, relaciones y valores. La unidad

significado de la tradición mestiza del retablo en

de traducción es la cultura.

“Notas elementales sobre el arte popular religioso y la cultura mestiza de Huamanga” (ARGUEDAS, 1989, p. 148-172).

Esto se hace evidente en un cuento como La agonía de Rasu Ñiti de Arguedas, donde todo el relato se dirige a la expresión de la dimensión (mítica, social,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

859

íntima) de la danza de tijeras. El logro creativo de

incidencia en el proceso creativo y social, la

Arguedas puede ser descrito como la reescritura de

perspectiva de la traducción nos permite superar la

un discurso cultural denso, que está más allá de la

dicotomía que postularía dos sociedades ‘puras’ y

palabra.

enfrentadas: la occidental y la indígena. Las

En El pez de oro de Gamaliel Churata la presencia de la danza también es constante: como elemento temático que es aludido en diversas ocasiones, y como insuficiencia lingüística en el proceso de referencia. Churata pone en evidencia que la danza no es palabra, y que al intentar comunicarla, las palabras fallan y el vacío de la representación se instala en el discurso. Lo importante, parece subrayar Churata, es lo que no está, lo que no puede ser dicho.

sociedades andinas contemporáneas, como de forma impactante muestra el Chimbote de José María Arguedas, son sociedades abigarradas, donde los procesos de contactos e intercambios, invenciones, intervenciones de una en otra, son constantes, y nunca ‘puros’ ni en una única dirección. La noción de sociedad abigarrada fue postulada en Bolivia por René Zavaleta para dar razón de sociedades donde distintas culturas y sus modos de producción se superponen en relaciones asimétricas de poder; así, subrayando las tensiones políticas y sociales en que

La atención al proceso de traducción nos

las diversas culturas latinoamericanas se insertan,

permite redimensionar estos relatos en el intenso

supera cierta noción de multiculturalismo en que, a

tránsito cultural que se da en los países andinos y

pesar de una tolerancia manifiesta, las distinciones

conocer cómo la literatura se relaciona con otras

y niveles entre culturas se mantienen.

prácticas y qué funciones asume frente a ellas. Ello nos permite cuestionar la supuesta superioridad cultural de lo literario tal y como fue concebido por la crítica. De esta manera, obras como la de Arguedas o Churata, no operarían como archivo de prácticas obsoletas, donde la cultura ‘regional’ es rescatada de su inevitable desgaste provocado por la modernización y entra a formar parte de la literatura universal (así fue visto Arguedas por Ángel Rama). Al contrario, atender a la traducción permite señalar el vínculo de los procesos literarios con el contexto social y cultural en el que surgen. La traducción no es una excepción, sino una

La teoría de la traducción, desde el giro cultural dado en los años 90, con las contribuciones de Susan Bassnet y André Lefevere, y más recientemente de Lauwrence Venuti o la mirada poscolonial de Gayatri Spivak, incide en las relaciones de poder que se dan en los procesos de contacto cultural. Por ello, puede servir de punto de partida oportuno para describir las estrategias de intervención que autores como Churata y Arguedas realizan con el objetivo de cuestionar situaciones subordinación de una cultura a otra, decurrentes de la colonialidad del poder vigente en América Latina.

necesidad diaria y una maniobra de supervivencia, como apunta Dora Sales (2004, p. 7). Así, uno de los fundamentos de estas obras se encontraría en la elaboración de situaciones creativas que condensan estrategias culturales dinámicas. De ahí que, sin obviar los procesos de poder que la situación intercultural advenida de la colonización y no clausurada todavía, sino al contrario, marcando su

Pero la teoría traducción no se reduce a sí misma a la celebración del diálogo, sino que discute su propia participación en los procesos coloniales. De ahí la envergadura hermenéutica de la teoría de la

traducción

para

pensar

la

literatura

latinoamericana. Así pues, esta perspectiva puede ser muy útil para analizar producciones literarias en que los procesos de mediación de una a otra

860

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

cultura se dan con una clara dirección ideológica: a

la traducción. También la literatura surgida de

veces señalando la vitalidad cultural de lo

procesos de migración, como la escritura chicana,

subalterno, como en Churata y Arguedas; a veces

las obras de Raduan Nassar y Salim Miguel en Brasil,

buscando reforzar una mirada domesticadora y

o la literaturización de la cultura popular, como la

exótica de la cultura minorizada, como las crónicas

realiza Washington Cucurto en la Argentina, son

coloniales o cierto indigenismo peruano. Es

plausibles desde este análisis. Hay que tener en

significativo que Antonio Cornejo Polar definiera

cuenta que este amplio espectro de posibilidades,

este último en términos claramente traductores:

donde procesos de traducción cultural se llevan a cabo, requiere un estudio informado desde la

Puede decirse, entonces, que la novela indigenista es una compleja operación transcultural que interpreta la especificidad del mundo indígena desde una perspectiva que le es ajena y con recursos culturales que tampoco le pertenecen. De ahí que leer una novela indigenista suponga considerarla casi como un acto de traducción que trasvasa a códigos modernos los que dominan, en la realidad, la vida del referente indígena. (CORNEJO POLAR, 1997, p. 303)

En contextos poscoloniales, la traducción puede conllevar una explícita domesticación del original, una ‘naturalización’ que refuerza una imagen sesgada de lo ajeno, de acuerdo con los valores de la ideología dominante. Como recuerda Spivak “there is so much of the old colonial attitude, slightly displaced, at work in the translation racket” (SPIVAK, 1993, p. 189). Siguiendo esta línea de pensamiento, a partir de la observación de las operaciones de traducción cultural, pueden ser

literatura comparada, que tenga en cuenta la inserción de los sistemas literarios en el proceso histórico latinoamericano. El arco se amplía, pero debemos ser conscientes de sus límites. Solo una parte muy específica de la literatura latinoamericana responde a las interrogaciones abiertas por la traducción. Más allá de los procesos de transferencia, encontramos formas literarias producidas dentro de sistemas más o menos autónomos, como la novela urbana o los cantos quechuas estudiados por Arguedas. La traducción nos permite ver con claridad, como señalaba Antonio Cornejo Polar, la pluralidad literaria latinoamericana, conformada por sistemas literarios diversos y estratificados, con alto valor artístico y arraigada representatividad social.

identificados los mecanismos de poder que operan en el seno de la literatura latinoamericana en su representación de otras culturas, significativamente las culturas autóctonas y populares. Para terminar, me gustaría señalar que esta propuesta teórica no se restringe solo a las culturas andinas. Puede ser muy productiva para comprender determinadas obras latinoamericanas

Referencias bibliográficas ARGUEDAS, José María (1989): Formación de una cultura nacional indoamericana. México: Siglo XXI. CANDIDO, Antonio (1998): Literatura y subdesarrollo. En: FERNÁNDEZ MORENO, César. América Latina en su literatura, p. 335-353. México: Siglo XXI; UNESCO.

donde se evidencia el proceso traductor de transferencia entre culturas: las creaciones de

CARBONELL, Ovidi (1997): Traducir al otro. Traducción,

Augusto Roa Bastos, Miguel Ángel Asturias y de

exotismo, poscolonialismo. Cuenca: Ediciones de la

Rosario Castellanos, u obras que narrativizan ese lugar de transferencia, como El entenado de Juan José Saer, pueden estudiarse bajo la perspectiva de

Universidad de Castilla-La Mancha. CHURATA, Gamaliel (1957): El pez de oro. La Paz: Canata.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

861

CORNEJO POLAR, Antonio (1982): Unidad, pluralidad,

SALES Salvador, Dora (2004): Puentes sobre el mundo.

totalidad: el corpus de la literatura latinoamericana. En:

Cultura traducción y forma literaria en las narrativas de la

Sobre literatura y crítica latinoamericanas, p. 43-50. Caracas:

transculturación de José María Arguedas y Vikram Chandra.

Universidad Central de Venezuela.

Berna: Peter Lang.

________ (1992): Heterogeneidad y contradicción en la

SPIVAK, Gayatri Chakravorty (1993): The politics of

literatura andina. (Tres incidentes en la contienda entre

translation. En: Outside in the teaching machine, p. 179-

oralidad y escritura). En: Nuevo Texto Crítico, V, Nº 9-10,

200. New York/London: Routledge.

p. 103-11. ________ (1997): Un ensayo sobre ‘Los zorros’ de Arguedas. En: ARGUEDAS, José María: El zorro de arriba y el zorro de abajo, p. 296-306. Madrid: Archivos.

Nota 1

La estructura en diez escenas tiene como núcleo central la número 5, “Mama kuka”, que desde su condición de planta sagrada alimenta toda la obra. La organización es la que sigue: Homilía del Khori Challwa (introducción) I- El pez de oro; II – Pacha Mama; III – Españoladas; IV – Pueblos de piedra; V – Mama Kuka; VI – Puro andar; VII – Los sapos negros; VIII – Thumos; IX – Morir de América; X – El pez de oro.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

862

LA GUERRA CIVIL ESPAÑOLA BAJO LAMIRADA DE DOS ESCRITORES ARAGONESES EN EL EXILIO: LECTURA DE EL CURA DE ALMUNIACED, DE JOSÉ RAMÓN ARANA Y RÉQUIEM POR UN CAMPESINO ESPAÑOL, DE RAMÓN J. SENDER.

Michele Fonseca de Arruda UFF/PG

La guerra civil, acaecida en España entre los

Asociación de Empleados de banca del sindicato de

años 1936 y 1939, findó con la derrota de las tropas

la Unión General de Trabajadores, fue sorprendido

republicanas y ocasionó el destierro de miles de

por la sublevación franquista en su ciudad natal, de

personas, entre ellos destacados artistas e

donde consiguió evadirse a la zona leal. Finalizada

intelectuales que se vieron obligados a abandonar

la guerra, buscó abrigo en Francia y fue internado

la tierra natal para huir de las represalias del bando

en el campo de concentración de Gurs, donde logró

vencedor y del régimen político autoritario

escapar. Se marchó a América, pasó por Martinica,

instaurado por el general Francisco Franco. Alejados

Santo Domingo, Cuba y finalmente se estableció en

en el tiempo y en el espacio, muchos de estos

México.

creadores se dedicaron a escribir acerca de los acontecimientos que impulsaron su diáspora y encontraron en la labor literaria el antídoto contra el desarraigo.

En la capital de este país fue pronto conocido por su actividad como vendedor ambulante de libros y más tarde con un modesto establecimiento. Arana también ganó destaque como promotor

Entre los escritores de la España peregrina

cultural, impulsando la creación de importantes

destacamos los nombres de José Ramón Arana y

revistas literarias como Aragón, de corta vida (1944–

Ramón J. Sender, aragoneses transterrados en

1945), el número único de Ruedo Ibérico (1944) y

México, que se han servido de los hilos de la

Las Españas, esta fundada con Manuel Andújar y

memoria para con ellos tejer dos narrativas que

convertida en una de las más valorosas publicaciones

cuentan/denuncian, desde el exilio, los horrores de

del exilio español en tierras americanas. Publicada

la contienda fratricida.

desde 1946 hasta 1956, prolongó su vida hasta 1963

José Ramón Arana, seudónimo adoptado por José Ruiz Borau, nació en la província de Zaragoza en 1906. Republicano, socialista y militante de la

como Diálogo de Las Españas, gracias a la decisión y el esfuerzo de Arana y del grupo editor.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

863

Las actividades culturales desarrolladas por

En 1969, a raíz de la conceción del Premio

Arana fueron esenciales en la formación del Ateneo

Planeta, regresó por primera vez a España. Realizó

Español de México y para el surgimiento del grupo

más algunos viajes, pero el regresso definitivo

literario Aquelarre, colección inaugurada en 1950

siempre fue postergado. Murió en Estados Unidos

con El cura de Almuniaced, del próprio Arana, entre

en 1982.

otros títulos, como Mosén Millán de Ramón J. Sender. En junio de 1972, tras treinta años en México, volvió a España y falleció al año siguiente en su ciudad natal.

Arana y Sender, intelectuales expatriados, encontraron en la escritura la única manera eficaz para llevar a cabo la función de resistencia y oposición en contra al régimen que les había

La guerra civil y el exilio fueron las matrices

condenado al destierro. Así lo ha defendido Michael

que forjaron la labor literaria de José Ramón Arana

Ugarte, al afirmar que “el exilio es uno de los escasos

y de muchos otros escritores que sufrieron con el

fenómenos en la historia en el que el lenguaje se

mismo infortúnio. Uno de los más celebrados

considera un instrumento más eficaz para el cambio

escritores del exilio español es Ramón J. Sender,

social que la acción política” (UGARTE, 1999, p. 20).

aragonés de Huesca, nacido en 1901. Aún jóven se

Según Ugarte, las experiencias vividas por los

marchó a Madrid y escribió para algunos

transterrados parecen hechas para ser contadas ya

periódicos. Tras pasar por el ejército en la guerra

que, en el exilio, el ser humano se encuentra en su

de Marruecos, comenzó a trabajar en El Sol, uno de

estado más puro, sin el manto protector de su

los periódicos más importantes de aquella época.

comunidad, por lo que necesita afirmar su existencia

En 1936 recibió el Premio Nacional de Literatura y

a través de la palabra.

alcanzó el reconocimiento del público y de la crítica especializada.

Sujetos históricos y víctimas de una experiencia dramática, Arana y Sender pudieron dar

Al estallar la Guerra Civil, combatió en el

testimonios basados tanto en el relato de lo que han

bando republicano. Ante el evidente riesgo que corrían

vivido como en las sensaciones generadas por todo

sus familiares, los envió a Zamora, tierra natal de su

lo que han sufrido y convertieron sus obras en un

mujer, creyendo que allí estarían protegidos. Durante

ejercicio de memoria, no sólo para recordar el

el período en que estuvo en la zona rebelde su família

pasado, sino también reconstruirlo.

era victimada por la feroz represión de los sublevados; el escritor pirdió su esposa y su hermano, ambos fuzilados por las tropas franquistas.

Para Arana y Sender, el exilio significa algo más que nostalgia, representa una especie de ansiedad ocasionada por la necesidad de contar, por

Terminada la guerra embarcó como tantos

ello, el exilio se convierte en catalizador de la propia

exiliados hacia México y en este país fundó, en 1940,

escritura. El acto de escribir no significa para los

la editorial Quetzal, en la cual publicó algunos

autores aragoneses un medio de desahogo de su

trabajos. En 1942 se trasladó a Estados Unidos y

lamentable situación, sino que se convierte en un

trabajó como profesor de Literatura Española en

espacio para narrar lo vivido.

renombradas

universidades.

Fueron

años

tranqüilos y fecundos que posibilitaron a Sender escribir ensayos, cuentos, poesias, artículos periodísticos, piezas teatrales e innúmeras novelas.

Walter Benjamin expuso de un modo explícito en su artículo “El narrador” la diferencia entre el narrador y el novelista en alusión directa al escritor en el exilio:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

864

El narrador toma lo que narra de la experiencia, sea la propia o una que le ha sido transmitida. Y la transmite como experiencia para aquéllos que oyen su historia. El novelista, en cambio, se ha aislado. El lugar de nacimiento de la novela es el individuo en su soledad, que ya no puede referirse, como a un ejemplo, a los hechos más importantes que lo afectan; que carece de orientación y que no puede dar consejo alguno. […] La novela nos hace saber cuál es la profunda desorientación de los seres humanos.

en contra los fusilamientos. Por fin, Mosén Jacinto

El alejamiento en el tiempo y en el espacio

vivo e inquieto. Aunque fuera un hombre mayor,

conducen a los escritores a un diálogo personal que

Masén Jacinto no había perdido la esperanza de

se traduce en un testimonio constante de sus

cambiar a la gente y su entorno, ha tratado de

viviencias personales, expresadas reiteradamente el

evangelizar a los habitantes donde ha sido destinado,

padecimiento que le acarea la situación.

colaboró en las faenas del campo, prestó dinero a los

no obedece el alto que le da un mercenário moro y cae bajo el fuero de éste. La novela recrea en pocas páginas, aunque con extremada dramaticidad, una visión de la guerra civil y de sus causas – pobreza, señoritismo, injusticia – a través de la figura de un cura rural de carácter

campesinos necesitados y predicó contra la El destierro ocasionado por el fin de la Guerra

explotación y la usura. Por dichas acciones, los ricos

Civil española ha originado obras importantes y

del pueblo lo tacharon de “anarquista con sotana”

reveladoras como El cura de Almuniaced de José

(ARANA, 2005, p.16) y las autoridades eclesiásticas

Ramón Arana y Réquiem por un campesino español,

estuvieron a punto de quitarle su parróquia. Para

de Ramón J. Sender, narrativas que guardan las

Santos Sanz Villanueva:

experiencias vividas por sus autores e inmortalizan sus testimonios. Publicada en 1950, El cura de Almuniaced es considerada la obra maestra de José Ramón Arana. Se trata de una narrativa breve pero intensa que, por motivos de censura, sólo ha conocido dos ediciones, la última publicada en Sevilla, en 2005, en la colección Biblioteca del Exilio de la editorial Renacimiento. La acción se fija en Mosén Jacinto, un sacerdote que intenta aplicar los principios cristianos en Almuniaced, poblado sumido en la dejadez y el inmovilismo desde hace siglos. Los afanes del cura se chocan con los intereses de los terratinientes locales, poco comprensivos con su deseo de cambiar la suerte de los más desfavorecidos.

En El cura de Almuniaced prevalece el planteamiento vital, humano y profundo de una tragédia histórica sobre sus implicaciones ideológicas. Es preciso insistir en la lucidez con que el problema está planteado, pues Arana aleja de sí cualquier tentación simplificadora de un conflito entre buenos y malos. (SANZ VILLANUEVA, 1984, p. 319)

Según Sanz Villanueva, la síntesis ficcional de Arana proporciona un documento social vivo, en el cual el pueblo de Almuniaced se convierte en el arquetipo de la España feudal rural. El escritor zaragozano describe el escenario real en el que estuvo inmerso y reconstruye no sólo un pasado marcado por los recuerdos de su tierra natal, sino también por el dolor, la crueldad y la violencia de una guerra. Sanz Villanueva añade que el autor supo matizar la

Al producirse la sublevación de 1936, el

actuación del protagonista de su novela para

párroco se niega a abandonar a sus feligreses y se

rechazar todo tipo de violencia, venga del bando que

opone a todos los que intentan imponerse por la

venga, denunciando así las prácticas crueles de unos

fuerza. La llegada de la columna anarquista procedente

y otros.

de Barcelona le hará echarse a la calle para evitar cualquier acto de violencia. Tras la llegada de las tropas franquistas, el sacerdote sigue interviniendo

Mosén Jacinto desprecia terminantemente la actuación de los republicanos, pues se han alejado

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

865

de los principios divinos, de la misma manera que

La novela de Sender se concentra en dos

rechaza las justificativas de los que matan en nombre

personajes: Mosén Millán, cura de un innombrado

del Cristo. Tampoco se muestra favorable al carácter

pueblecito aragonés y Paco el del Molino, joven

dogmático de la Iglesia, sino que simplemente se

campesino brutalmente asesinado y por quien será

mantiene de acuerdo con su propia consciencia.

celebrada una misa de réquiem. Mientras espera, en

Cuándo llega el ejército y grita “¡Viva España!”, el

la sacristia, por la llegada de familiares y amigos para

párroco reflexiona “¡Qué España va a vivir se la están

dar inicio a la celebración, el sacerdote rememora

matando!” (ARANA, 2005, p.23), señalando la

los episodios más importantes de la vida de Paco, a

preocupación con el conflicto que sume la nación y

quién bautizó, vio crecer, casó y vio morrir.

divide el país.

Las remembranzas del párroco son, vez u

Jesús Ferrer Solà agrega que “la violencia

otra, interrumpidas por la presencia del monaguillo

iguala negativamente a cuantos la generan y la

que recita fragmentos de un romance e informa al

mantienen, huyendo de una legalidad que posibilite

sacerdote sobre la ausencia de miembros de la

la paz” (FERRER SOLÀ, 1996, p. 95) y sostiene sus

parroquia en la iglesia. A la sacristía llegan los

ideas basándose en la voz narrativa que así expresa

poderosos de la aldea y enemigos políticos del joven

las ideas del párroco de Almuniaced:

campesino, mientras el templo cristiano sigue vacio. Al final de la narrativa, el sacerdote celebra la misa,

Todo el que sentía odio y lo avivaba en los demás delinquía contra la ley de Dios, contra el interés de la Pátria, contra todo lo divino y lo humano. Allí no había redentores de izquierda ni salvadores de derecha, sino locos, fratricidas, verdugos... y calzonazos que aguantaban todo, que miraban con paciencia de buey la destrucción de España. (ARANA, p.33)

exclusivamente para los responsables por la ejecución de Paco. Basado en una táctica que no alude directamente a referencias históricas, Ramón J. Sender construye su obra de una forma sencilla y concisa, pero este “ahorro” narrativo contrasta con la intensidad de

La voz de José Ramón Arana recupera los hechos históricos que no fueron contados

una historia que, por no nombrar la Guerra Civil española, es uno de sus más profundos reflejos.

oficialmente en su tiempo y rompe el silencio impuesto por las fuerzas opresoras para denunciar

Por la intensidad de su contenido, la

los horrores de la guerra civil, pero sin tendencias al

narrativa implica múltiples interpretaciones. Los

maniqueísmo, ya que en el personaje más

más grandes estudiosos de la obra senderiana han

representativo de la obra predomina el desarraigo

dedicado gran parte de su labor para analizar la

interior de un ser dotado del sentido humanitario y

novela bajo el enfoque de innúmeros temas, como la

cristiano de la existencia.

lucha de clases y la postura de la Iglesia católica frente al conflicto. Sin embargo, el propio autor afirma que

La denuncia de la violencia de la guerra civil

su intención fue la político-social, como dejó

española que cobra tanta importancia en la obra de

relatado en una entrevista con Marcelino C. Peñuelas:

Arana es sólo una de las características que la acerca

“Es simplemente el esquema de toda la guerra civil

a Mosén Millán, novela de Ramón J. Sender, publicada

nuestra, donde unas gentes que se consideraban

en México en 1953, y que más tarde, al ser publicada

revolucionarias lo único que hicieron fue defender

en los Estados Unidos en 1960, pasó a denominarse

derechos feudales de una tradición ya periclitada en

Réquiem por un campesino español.

el resto del mundo”. (PEÑUELAS, 1970, p.131)

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

866

De hecho, en esta obra, Ramón J. Sender,

Referencias bibliográficas

expresa la brutalidad de un momento de la vida española, a través del cual se proyecta una visión

ANDUJAR, Manuel. (1998): Aragoneses ilustres

particular del mundo y de la historia, una historia a

transterrados en México. Destierros aragoneses: ponencias y

menudo dolorosa experimentada por el propio

comunicaciones, Madrid. v. 2 (El exilio del siglo XIX y la

autor. Ramón J. Sender, testigo y víctima del

Guerra Civil), ISBN 84-00-06780-0, p. 135-150.

conflicto.

ARANA, José Ramón. (2005): El cura de Almuniaced

Arana y Sender, dos escritores, dos novelas y un único tema: el absurdo de la guerra civil. Son

(cuentos). Edición, introducción y notas de Luis A. Esteve Juárez. Sevilla: Renacimiento.

metáforas privilegiadas por los autores que intentan

BENJAMIN, Walter. (1991): El narrador, Editorial Taurus,

retratar a través de la memoria, la violencia que ha

Madrid.

tenido lugar en España a principios de la tercera década del nuevo milenio. El hecho de que traten de la lucha en sus obras debe interpretarse desde la necesidad de entender el pasado, de recuperarlo y de darlo a conocer, pues si no fuera por la capacidad

BERTRAND DE MUÑOZ, Maryse. (1998): La figura del personaje “republicano” en la novela de los exilados. In: CONGRESO INTERNACIONAL DEL EXÍLIO LITERARIO ESPAÑOL DE 1939, San Cugat de Vallès, Barcelona, Associació d’Idees - GEXEL, p. 85-93.

de resurrección de la literatura, los horrores de la contienda quedarían sepultados en el ataúd del

CAUDET, Francisco. (2005): El exilio republicano de 1939.

olvido.

Madrid: Cátedra.

Los

escritores

aragoneses

vivieron

impulsados por la inquietud, por considerar el porvenir de España bajo una luz nueva, intentando,

FERNÁNDEZ CLEMENTE, (2003): Eloy. Los aragoneses en América (siglos XIX y XX), el exilio, tomo II, Zaragoza: DGA, p. 109-123.

como tantos otros exiliados, superar la posición de

FERNÁNDES SOLÁ, Jesús. (1992) El mundo de José Ramón

descentrado. Aunados a sus principios ideológicos,

Arana, La guerra y la paz, En: El Bosque n°1, p.93-99.

ocuparon distintos frentes con una rica expresión literaria en poesías, novelas, cuentos y ensayos. Sin embargo, fue adecuando, con sencillez y naturalidad, pensamiento y lenguaje, crearon

NAVALES, Ana María. (1980): Tres figuras del exilio: Jarnés, Sender y Arana, Antología de narradores aragoneses contemporáneos, Zaragoza: Heraldo de Aragón, p.13-17, 57-66.

relatos de la vida y preservaron uno de los episódios más tristes de la historia de su país.

PEÑUELAS, Marcelino C. (1971): La obra narrativa de Ramón J. Sender. Madrid: Gredos, p. 52-156.

La memoria del escritor exiliado destila lo que percibe como la esencia de las situaciones históricas y las traduce para la verosimilitud de la

______. (1970): Conversaciones con Ramón J. Sender. Madrid: Editorial Magisterio Español.

ficción, en la cual se proyecta su mirada crítica y,

PETITTI, Laura. (2001): El exilio de Sender: nostalgia,

por esta razón, los temas tratados en ambas novelas

esperanza e ilusión de la España perdida. In: CONGRESO

serían una imposición circunstancial de la

SOBRE RAMÓN J. SENDER, Huesca,

accidentada vida de José Ramón Arana y Ramón J. Sender.

p. 447-460.

RUBIO JIMENEZ, Jesús. (1990): Tres visiones de la Guerra Civil española. La línea y el tránsito: (monografías sobre

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

867

cultura aragonesa). Coord. por Javier Barreiro, ISBN 84-

SENDER, Ramón. (1986): Réquiem por un campesino

7820-061-4, p. 65-67.

español. Barcelona: Destino.

SANZ VILLANUEVA, Santos. (1984): La narrativa de

UGARTE, Michael. (1999): Literatura española en el exilio.

José Ramón Arana. En José Manuel López de Abiada.

Un estudio comparativo. Madrid: Siglo XXI.

ed. Entre la cruz y la espada: en torno a la España de posguerra: homenaje a Eugenio G. de Nora, Madrid: Gredos, p. 313-325.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

868

EL TEMA QUE NOS OCUPA: ORACIONES RELATIVAS EN ESPAÑOL

Mirta Groppi Universidade de São Paulo

0. Introducción

expresiva de la síntesis, las oraciones de relativo caracterizan al referente del sintagma nominal

Las oraciones relativas o de relativo, así

vinculándolo a un evento, lo que multiplica las

llamadas porque son encabezadas por pronombres

posibilidades de modificarlo al identificarlo en el

relativos (que, quien, cual, cuyo, como, donde,

hacer o en el ocurrir de una situación, y aporta el

1,

cuanto) son oraciones subordinadas que añaden

efecto que se logra al relacionar esa entidad una

propiedades a la entidad denotada por un sintagma

acción o una situación mediada por un verbo con

nominal:

flexión temporal.2

1.

Las construcciones con oraciones relativas tienen varios aspectos interesantes. El español y

a. La camisa está en el armario.

otras lenguas coinciden en ciertos puntos y en otros se distancian. Este trabajo se atiene a la

b. La camisa nueva está en el armario.

consideración de dos tipos de relativas: explicativas y especificativas.

c. La camisa que planché ayer está en el armario.

En el ejemplo 1.b, el sintagma nominal está modificado por un adjetivo; en 1.c., una oración de

1. Relativas especificativas y relativas explicativas

relativo modifica al sintagma nominal. El aporte de ambos modificadores es sensiblemente diferente

Recordemos que es posible hacer una primera

y las diferencias tienen consecuencias textuales muy

división de las oraciones relativas según su función

distintas. Mientras una caracterización a través de

dentro de la estructura mayor en que se encuentran.

una lexema adjetivo podrá tener toda la fuerza

Como revelan los ejemplos de Andrés BELLO

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

869

(1954) 3 que vemos a continuación, podemos tener

conjunto: solamente a aquellas señoras que deseaban

una oración llamada especificativa (como en 2.a.) o

descansar. Lo expresado p or la oración sería

una oración no restrictiva, llamada también

verdadero aunque hubiera otras señoras que no se

explicativa (como en 2.b.).

hubieran retirado de la escena. 3. Las señoras que deseaban descansar se retiraron.

2.

En cambio, en 2.b., el predicado se refiere a

a. Las señoras que deseaban descansar se retiraron.

la totalidad del conjunto de las señoras; es decir, se b. Las señoras, que deseaban descansar, se retiraron. (BELLO, 1954:§ 306)

afirma que todas las señoras presentes en aquella situación se retiraron a descansar.

La clasificación en esos dos tipos de relativas

as sseñor eñor as 4. L Las eñoras as, que deseaban descansar,, se retiraron.

responde a la diferente función que cumple cada tipo Esto significa que las oraciones relativas

dentro de la estructura mayor en que se encuentra

especificativas dividen la totalidad de los elementos

la subordinada:

denotados por el sintagma nominal, mientras que especificativa o

restrictiva

las explicativas se refieren a todos los elementos denotados por ese sintagma.

explicativa

o apositiva

Estos dos tipos de oraciones presentan El objetivo de tratar aquí estos dos tipos de

también diferencias en el aspecto prosódico, con el

relativas consiste en considerar diferencias que van

correspondiente reflejo en la ortografía. Las

más allá de las fonológicas que pueden verse

oraciones explicativas forman un grupo fónico

representadas en la ortografía.

independiente, por lo que ocurren entre pausas que

Se ha observado4 que las especificativas (o restrictivas) y las explicativas (apositivas o no restrictivas) suponen condiciones de verdad

en la escritura se representan por comas. Las especificativas, en cambio, se integran en el mismo grupo fónico en que está el antecedente5.

diferentes. En los ejemplos dados por BELLO, que

2.

Entendiendo las diferencias.

citamos en 2, aunque aparentemente cada oración alude a un estado de cosas semejante, la oración

Esas características semánticas y prosódicas

resulta verdadera si corresponde a una realidad

de cada tipo de relativas corresponden a diferencias

diferente, como se explica a continuación.

estructurales. A continuación será considerado este

Las oraciones especificativas (2.a.) restringen la extensión del concepto expresado por el sintagma nominal al que la oración subordinada modifica. Así, en el ejemplo de Bello que presentamos en 2 a., la oración especificativa reduce la totalidad del conjunto expresado por el sintagma las señoras, de manera que el predicado se refiere a una parte de ese

aspecto.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

870

Las oraciones especificativas son modificadores de un sintagma nominal:

Esta vez, la oración de relativo incide en todo el sintagma determinante anterior. Esa estructura lleva a la interpretación de que la totalidad de

5.

embajadores que asistieron a ese acto eran cuatro. El adjunto caracteriza a los cuatro embajadores que

a. Al acto asistieron cuatro embajadores que representaban a los países de la Unión Europea. (NGRAE, 2009:3321)

asistieron a ese acto como representantes de los países de la Unión Europea. Este tipo de oración de relativo también se

b.

llama relativa apositiva por las características que la

SDet SN

or. de relativo

[ cuatro [embajadores [que representaban a los países de la Unión Europea ] ] ]

asemejan a otras aposiciones. Constituye un inciso, como indican los aspectos prosódicos que fueron mencionados, y, como tal, podría constituir otro acto de habla diferente al de la oración principal, como hace notar la NGRAE (op.cit.).

núcleo

BELLO

(op.cit.),

atendiendo

a

esas

Como se ve en el esquema 5.b., elemento

diferencias, llama subordinadas a las especificativas y

modificado (sintagma nominal) y elemento

denomina incidentes a las explicativas, con lo que

modificador (oración de relativo) están en el ámbito

subraya el mayor grado de autonomía de estas

de determinación del cuantificador cuatro; es decir,

últimas, y muestra esto con una paráfrasis del ejemplo

todos los elementos que vemos en el esquema

antes citado, en la que la oración principal de 2b. y el

constituyen un mismo sintagma que, en la oración

contenido de la oración relativa apositiva aparecen

de 5.a. funciona como sujeto del verbo asistir. Como

como oraciones coordinadas:

resultado de esta estructura, se entiende que cuatro y solo cuatro- son los embajadores que representaban a los países de la Unión Europea. Es posible interpretar que a ese acto podrían haber asistido otros embajadores que no representaran a la Unión Europea. Considérese ahora el siguiente ejemplo:

7. Las señoras deseaban descansar y se retiraron. 3.

Los relativos

Un punto que es conveniente tratar por separado para que resulte especialmente destacado es el de los elementos gramaticales característicos de cada tipo de oración relativa.

Quien y el cual solo pueden aparecer en

6.

especificativas cuando actúan como término de a. Al acto asistieron cuatro embajadores, que representaban a los países de la Unión Europea. (NGRAE, 2009:3321)

preposición (Brucart, 1999:415), es decir, no aparecen en la posición de sujeto: 8.

SDet

or. de relativo

[ cuatro [embajadores ] ], [que representaban a los países de la Unión Europea],

a. *El escritor invitado quien trató largamente esa cuestión declaró que...

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

871

b. El escritor invitado, quien trató largamente esa cuestión, declaró que...(NGRAE, op.cit.:1579).

El pronombre cual se usa siempre con artículo: el cual, la cual, los cuales, las cuales. En un cuadro quizá se visualicen de manera más fácil estas posibilidades de uso de los relativos y los contrastes entre especificativas y explicativas. quien

el cual

que

art + que

P+que

P+art +que

P+quien

especificativas

*

*

+

*

+

+

+

explicativas

+

+

+

+

*

+

+

9. especificativas a. *El periodista quien dio la noticia en primicia lleva tres días desaparecido. (Brucart, 1999:415) b. El periodista a quien / al que otorgaron el premio lleva tres días desaparecido. c. *El periodista el que dio la noticia en primicia lleva tres días desparecido. d. El periodista que dio la noticia en primicia lleva tres días desparecido. e. *Ha llevado a reparar la pluma la cual hacía tiempo que no escribía bien. (Brucart, 1999: 415) f. *Ha llevado a reparar la pluma la que hacía tiempo que no escribía bien. g. Ha llevado a reparar la pluma con la que / con la cual hacía tiempo que no escribía bien. (Brucart, 1999: 415)

De acuerdo con lo visto sobre la diferencia en

reconocible es el de las relativas libres, oraciones

la estructura entre especificativas y explicativas, es

relativas que aparecen sin un sintagma antecedente:

posible pensar que las restricciones en relación con los elementos que encabezan esas oraciones pueden estar vinculadas a aquellas diferencias vistas en 2. Antes de considerar directamente esto, es conveniente

11. a.Quien dice eso miente b. El que dijo eso miente. (NGRAE, 2009:332)

recordar la existencia de otro tipo de relativas que revela claramente los rasgos del pronombre quien. Es importante observar que esos sintagmas que ofician de sujeto del verbo mentir tienen un

4.

Quien

contenido que no es proposicional sino que corresponde a una expresión referencial, esto es,

Es posible encontrar en la bibliografía la

denotan individuos6.

descripción de otros tipos de oraciones relativas.

Esos ejemplos contienen una relativa, pero el

Entre ellos, el más mencionado y más fácilmente

antecedente no aparece expreso. Quien, en esas construcciones, supone un referente humano que

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

872

or. sub. relativa (adjetiva)

recibe una interpretación genérica: cualquiera que, toda persona que.

b. [ el [ escritor [ que discutió ese problema ] ] ] SDet

De oraciones como 11.b. se proponen dos

SN

análisis: uno que supone un núcleo nominal tácito

En el caso de las relativas especificativas no

(el Ø que dijo eso) y otro análisis que trata el artículo

es posible que la subordinada esté encabezada por

como demostrativo, es decir, como pronombre:

un determinante, ya que está funcionando como

aquel

modificador de un elemento nominal. Como vimos

que

(celui

qui/

he

who).

(NGRAE,op.cit.:3293).

en el ejemplo 11., los sintagmas quien dice eso / el

Recordemos: quien es un pronombre y

que dijo eso pueden funcionar como sujetos del ver bo ment ir, es decir, como expresiones

equivale a un sintagma determinado.

referenciales; quien equivale a un sintagma nominal Es posible volver ahora al problema dejado

determinado y un nominal no puede modificar

en suspenso: el de las diferencias entre especificativas

directamente a otro nominal; solo puede hacerlo si

y explicativas en cuanto a la posibilidad de empleo

media una preposición:

de ciertos relativos en unas y en otras. Recordemos: 14. Quien y el cual solo pueden aparecer en especificativas cuando actúan como término de preposición.

a. *libro historia b. libro de historia

12.

En el caso de las especificativas, por lo tanto, vemos

a.*El escritor invitado quien trató largamente esa cuestión declaró que... b.El escritor invitado, quien trató largamente esa cuestión, declaró que...

que solamente es posible tener la presencia de un determinante antes de la subordinada cuando existe una preposición, porque entonces hay un sintagma preposicional que modifica a un nominal (como en 14.

(NGRAE, op.cit.:1579)

b.):

Cuando la oración subordinada es de tipo especificativo, esa subordinada funciona como un

15.

adjetivo modificador de un elemento nominal, tal

a. *El periodista quien dio la noticia en primicia lleva tres días desaparecido.

como se vio en el ejemplo 5.

(Brucart, 1999:415) 13.

b. *El periodista el que dio la noticia en primicia lleva tres días desparecido.

a. Fue entrevistado el escritor invitado. a’. [ [el [escritor [ invitado] ] ] entrevistado ] ] Or. SDet SN

[

fue

SAdjetivo SV

b. Fue entrevistado el escritor que discutió ese problema.

c. El periodista al que otorgaron el premio lleva tres días desaparecido.

Cuando existe aposición de elementos, en cambio, ambos suelen pertenecer a la misma categoría. En el caso de una relativa explicativa, en realidad tenemos dos sintagmas determinantes en aposición. La aposición es un mecanismo que permite introducir un nombre o un sintagma

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

873

determinante como comentario de otro nombre o

redundancia: la redundancia, en general, no es causa

sintagma determinante:

de agramaticalidad, mal que pese a posturas normativistas.

16. a. [ El [ escritor invitado ] ], [quien trató largamente esa cuestión] , SDet SN

Referencias bibliográficas

S. Det en aposición

b. Ha llevado a reparar la pluma, la cual hacía tiempo que no escribía bien. (Brucart, 1999: 415) c. Ha llevado a reparar la pluma, la que hacía tiempo que no escribía bien.

BELLO, Andrés & Rufino CUERVO (1954): Gramática de la lengua castellana. Buenos Aires. Ed. Sopena. BOSQUE, Ignacio & Violeta DEMONTE (1999): Gramática Descriptiva de la Lengua Española. Madrid. Ed.Espasa. BRUCART, José María. (1999): La estructura del sintagma

Es posible decir que la estructura que en 16.a.

nominal: Las oraciones de relativo. En: Ignacio BOSQUE y

está encabezada por quien equivale a un sintagma

Violeta DEMONTE, Gramática Descriptiva de la Lengua

determinante puesto que puede funcionar como

Española, p. 395-522. Madrid. Ed. Espasa.

sujeto si se suprime el sintagma determinante antecedente: 17. Quien trató largamente esa cuestión fue entrevistado al final del evento.

MIOTO, Carlos & NEGRÃO, Esmeralda Vailati (2007) As sentenças clivadas não contém uma relativa. En: Ataliba T. de CASTILHO, Ma. Aparecida TORRES (2007) Descrição, história e aquisição do português brasileiro. Campinas. Pontes Editores/ FAPESP. MORENO CABRERA, Juan Carlos (1998) Sintaxis formal

5. Reflexiones finales

y sintaxis conceptual: más allá de la tipología de las oraciones de relativo. Syntaxis — V. 01, (1998) Disponible en: http://

Este trabajo intentó exponer las características fundamentales de las relativas especificativas (restrictivas) y las relativas explicativas (apositivas) en español. Apuntó, fundamentalmente, a los aspectos sintácticos que podían constituir restricciones en el uso de estos tipos de oraciones. Fue propuesto que la diferencia entre especificativas y explicativas en relación con los relativos que pueden encabezar unas y otras está vinculada al hecho de que unas funcionen como adjetivos dentro del sintagma nominal y otras funcionen como aposiciones a un sintagma determinante. Se ha rechazado, por lo tanto, que la imposibilidad del uso de quien en relativas especificativas en español se deba a una coincidencia de rasgos del relativo y del antecedente que generaría

rabida.uhu.es/dspace/handle/10272/3188. Acceso: 20/08/ 2012. REAL ACADEMIA ESPAÑOLA/ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA (2009): Oraciones subordinadas de relativo. Nueva Gramática de la Lengua Española, p.3291-3364. Madrid. Ed. Espasa.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

874

Notas

1

Aquí serán considerados exclusivamente los tres primeros.

2

Juan Carlos MORENO CABRERA (2010) define así este tipo de oraciones Las oraciones de relativo son el procedimiento en el que las lenguas indoeuropeas expresan la operación semántica de la caracterización eventiva individual. (...) En efecto, a través de las subordinadas adjetivas tenemos a nuestra disposición un número de posibilidades caracterizadoras muy superior a la que nos ofrecen los sustantivos y los adjetivos. Por ejemplo, si bien hay palabras para manco, tuerto o cojo no hay sustantivos para que no tiene pelos en las cejas, que tiene los pómulos salientes, que tiene la barbilla redonda, que tiene un hoyuelo en la barbilla. Gracias a la caracterización eventiva de individuos disponemos de posibilidades de expresar ilimitadas caracterizaciones.

3 4

La Gramática de A. BELLO fue publicada por primera vez en 1847. Ver, por ejemplo, MIOTO & NEGRÃO (2007), que, a su vez, citan a Cooper (1983, Quantification and syntactic theory.Dordrecht, D. Reidle) a este respecto.

5

Recordemos que es llamado antecedente el elemento de la oración principal al que apunta el pronombre relativo.

6

Tanto la NGRAE como BRUCART (1999) hacen de estas oraciones un análisis semejante. Dice BRUCART (op. cit., 7.2.4.3.): De hecho, la falta de un antecedente explícito lleva a plantearse si el constituyente en cursiva de (86) [Quien dice esto miente], además de ser una oración subordinada de relativo, debe ser analizado en un nivel superior del análisis como SN. [...] Así, el predicado de mentir selecciona inequívocamente individuos, y no acontecimientos, De ahí que el constituyente en cursiva pueda ser sustituido por un nombre

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

875

EXPRESSO, LOGO EXISTO: LINGUAGEM E CONSTITUIÇÃO DO INDIVÍDUO NAS OBRAS MAÑANA EN LA BATALLA PIENSA EN MÍ DE JAVIER MARÍAS E BUDAPESTE DE CHICO BUARQUE

Mônica Gomes da Silva (PG-UFF) Entre palavras e combinações de palavras circulamos, vivemos, morremos e palavra somos... Carlos Drummond de Andrade.

O estudo em tela estabelece algumas

são unanimidades, justamente, pela eleição de uma

considerações acerca das obras Mañana en la batalla

tessitura narrativa que privilegia a linguagem em

piensa en mí

1

(1994) do escritor espanhol Javier

detrimento do enredo. Tal afirmação longe de ser

Marías (Madrid, 1951) e Budapeste (2003) do

uma discussão secundária indica uma chave de

2

leitura forjada em meio às alterações do paradigma

(Rio de Janeiro, 1944) no que tange ao estatuto da

de avaliação do literário. Superando os exageros de

linguagem como constituição do indivíduo e, em

uma escola estruturalista, cuja predileção pelas

última instância, seu lugar de existência primordial.

análises imanentes, foi abandonada, permanecem,

A partir das profissões de seus protagonistas, ambos

entretanto, resquícios de uma vertente social, na

são escritores fantasmas, as obras se convertem em

qual predomina a concepção de literatura como

romances de aventura pela linguagem ao discutir a

testemunho. O engajamento possui um peso

solidão e o paradoxo gerados pelo esgotamento

significativo em países atingidos por terríveis

discursivo da atualidade. Os inúmeros paralelos

ditaduras militares e as narrativas reticentes, ou

entre as obras, assim como a posição dos autores no

consideradas como tais, à realidade social passam

cenário literário de seus respectivos países, são

por expressão de nefelibatas.

escritor brasileiro Francisco Buarque de Holanda

analisados com o objetivo de ressaltar a recordação como um dever de justiça, um recurso contra o

No caso da obra de Javier Marías, é polêmica

sistemático esquecimento a que parecem condenados

a presença de um espaço autobiográfico que, muitas

os homens da contemporaneidade açambarcados

vezes, é visto como uma transposição da vida do

por uma fragmentação temporal que transforma a

escritor. Merece restrição de parte da crítica, a

vida em fugazes instantes sucessivos, sem passado

limitação do ambiente social de seus personagens,

ou perspectiva de futuro.

todos de classe média alta, inconsistentes e longe de

É interessante percorrer as distintas apreciações críticas para concluir que os artistas não

uma representação fidedigna e problemática. A reiteração desses espaços e personagens incorreria

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

876

no risco de as obras tornarem-se música de uma nota

o primeiro romance de Javier Marías que resgata

que não teriam, ao fim, muito que contar, ainda

memórias da Guerra Civil e seus efeitos devastadores

que impecavelmente bem escritas (conf. HIDALGO,

sobre Madrid. O entrecruzamento temporal alarga

2003).

o campo de vivência do personagem, promovendo Em relação ao espaço autobiográfico, a

teoria literária francesa, hoje, postula a amplitude dessa vertente romanesca, não sendo possível limitála apenas à reprodução, mais ou menos ficcional, da vida de um indivíduo. A memória, os recursos

uma simultaneidade em que o ontem convive com o presente (re)significando-o. Não só a história de vida do protagonista alcança nova dimensão crítica, como também as pequenas e grandes mazelas da capital espanhola são discutidas.

para resgatá-la e dar estatuto literário são

Em relação à recepção da obra de Francisco

considerados complexos e variados (conf.

Buarque de Holanda, igualmente ocorreu uma

NAVARRO GIL, 2007). Dialogando com essas

condenação, por parte da crítica brasileira, ao

negativas, Javier Marías sai em defesa da literatura

caráter “descomprometido” de sua literatura:

como invenção, instância criativa e criadora do ser humano, sem que isso implique em licença para a mentira e a evasão. É o reino do possível: Parece cierto que el hombre — quizá aún más la mujer — tiene necesidad de algunas dosis de ficción, esto es, necesita lo imaginario además de lo acaecido y real. No me atrevería a emplear expresiones que encuentro trilladas o cursis, como lo sería asegurar que el ser humano necesita “soñar” o “evadirse” (un verbo muy mal visto este último en los años setenta, dicho sea de paso). Prefiero decir más bien que necesita conocer lo posible además de lo cierto, las conjeturas y las hipótesis y lo que pudo ser además de lo que fue. (MARÍAS, 2005, p. 416).

Nesses romances inexiste o país das músicas de Chico Buarque: o país do samba, do futebol, da ditadura militar, dos desencontros amorosos, das relações partidas. Neles a verdade estética está mais distanciada da verdade histórica, a ponto de duvidarmos se o ficcionista Chico Buarque é o mesmo compositor Chico Buarque. (RIBEIRO, 2004, p. 64).

Ao contrário das canções e peças teatrais produzidos nos momentos mais tenebrosos da censura brasileira, seus romances seriam anódinos, desligados da realidade social brasileira, refugo do brilhantismo de suas letras tão agudas e penetrantes,

Os campos semânticos construídos em

um exercício literário menor. A tentativa de adesão

MBPM se estabelecem como espaço de existência dos

aos novos estatutos narrativos fragmentários gerou

personagens e resistência à dissolução decorrente da

obras entediantes e com erros crassos no enredo. A

passagem do tempo e a efemeridade das relações

atmosfera de irrealidade condenaria Budapeste,

contemporâneas. O anseio em transcender esta

segundo essa perspectiva, a obra mais elogiada do

limitação aparece, em especial, na citação

autor. Ao contrário de Javier Marías, cuja produção

shakespeariana que funciona como um conjuro

autocrítica é imensa e nela debate os juízos e

contra a lança que corta o fio tão frágil da vida,

comentários apreciativos de suas obras, Chico

mote do romance: “Mañana en la batalla piensa en

Buarque aparentemente se exime de entrar nesse

mí”. Portanto, a dimensão da vida humana se dá,

circuito. No entanto, na obra, podemos ler uma

não em uma bandeira hasteada peremptoriamente

paródia às recepções que seus livros receberam:

com infladas ideias ou teorias sociais, mas em uma delicada trama textual que encanta e permite ao leitor aceder outra dimensão, o que não significa alienação da realidade. Surpreendentemente, este é

Desculpou-se por aquela sua obra de estréia que, malgrado o caloroso acolhimento, estava longe de satisfazer suas ambições literárias. Relendo-a com o distanciamento devido, encontrara um punhado de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

877

tolices, exageros, redundâncias, escassa imaginação no desenho das personagens femininas, em suma, deficiências que superaria em seu segundo volume de memórias, já em gestação. (BUARQUE, 2003, p. 9293).

obras encomendadas. Ainda que os escritores

Por outro lado, afirmar que o romance

parte de suas personalidades sejam postas em

buarqueano seja apenas um amálgama de palavras

circulação sem o devido crédito, ao reconhecerem

bem relacionadas, porém dotadas de vacuidade

que cada um põe um pouco de si quando escreve. É

crítica não faz jus às discussões propostas pelo texto.

como se se repartissem infinitamente sem o retorno

O esvaziamento de sentido e a aceleração da

propiciado pela aprovação recebida por aquele que

sociedade aparecem e entretecem a narrativa em um

conta uma história. José Costa entra em contato, pela

país marcado pelo simulacro e com seus graves

primeira vez, com esses problemas quando participa

problemas sociais banalizados. Afirmar-se-ia que

de uma insólita conferência de ghost writer:

Chico Buarque encontrou uma nova expressão para o brejo das almas nacional diante da globalização e trânsito de pessoas. Há a dificuldade, nos pareceres críticos, em dissociar o compositor do romancista e que o sucesso consagrado de um fosse o respaldo/ impedimento do reconhecimento do outro. Cabe ressaltar que as discussões levantadas são pertencentes a uma parte da crítica; o que não impediu que Javier Marías recebesse inúmeros prêmios literários e Chico Buarque, o prêmio Jabuti. Elas são recompostas para que se possa apresentar a problemática do estatuto narrativo que tem na linguagem seu ponto focal. No entanto, além da recepção polêmica das obras, devem-se destacar as convergências temáticas e o trabalho literário delas decorrentes. A predominância da função metalinguística dos romances é sustentada tanto pela profissão dos protagonistas, quanto por suas formações

fantasmas tenham a consciência de que não escrevem textos de dimensão artística, de fama efêmera e até mesmo de caráter duvidoso, incomoda saber que

Mas já na segunda jornada, à medida que entrávamos pela noite, as questões de interesse comum iam dando lugar a depoimentos pessoais, constrangedores. Aquilo começava a lembrar uma convenção de alcoólatras anônimos que padecessem não de alcoolismo, mas do anonimato. [...] Na terceira noite eu estava mesmo decidido a abandonar a sala quando o microfone caiu na minha mão e os circunstantes cruzaram os braços a me observar. Eu era o calouro, eu era talvez um elemento estranho, eu andara ouvindo confissões comprometedoras, eu não tinha saída, meu silêncio seria um acinte. [...] Em seguida expliquei o contexto de um ou outro trabalho, fiz alusão a personalidades que me deviam favores, daí a pouco estava a desembuchar fragmentos embaralhados de todos os artigos que me vinham à cabeça. Já era uma compulsão, eu fervia, falava, falava, teria falado até o amanhecer se não desligassem a aparelhagem de som. Ao ver a sala vazia e o elevador lotado, subi de um fôlego sete lances de escada; eu estava leve, eu estava magro, lá em cima me veio a sensação de ter ficado oco. A náusea que senti ao entrar no quarto me acompanharia ainda longo tempo, o bolor dos corredores me impregnou as narinas; durante meses, toda vez que refestelasse no sofá da agência, ressentiria o cheiro do carpete alaranjado do hotel em Melbourne. (BUARQUE, 2003, p. 20-21).

acadêmicas. Victor Francés de MBTM é formado em Filologia Inglesa e José Costa de Budapeste é bacharel

José Costa vai até o congresso em uma

em Letras, pós-graduado. O campo semântico da

tentativa de afirmação perante Vanda, sua mulher,

linguagem, portanto, é sumamente explorado visto

que não compreendia a vaidade de um escritor cujas

que os personagens possuem o dom da palavra.

obras não eram, aparentemente, sucessos editoriais.

Embora talentosos, trabalham à sombra de outros,

Após a conferência há uma quebra do orgulho e de

dando-lhes as expressões que não são capazes de

“um tipo de ciúme ao contrário” que o personagem

produzir. Os romances discutem a solidão e o

sentia. A jactância em ser um “criador secreto” cede

paradoxo gerado pelo esvaziamento de sentido das

lugar ao abatimento e à progressiva desilusão com o

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

878

trabalho. Sua confiança é demolida quando Álvaro, seu sócio, decide contratar outros escritores para copiar-lhe o estilo. Aturdido, descobre que a única forma de identidade lhe é retirada: Já de algum tempo, conforme acabei sabendo, o Álvaro adestrava o rapaz para escrever não à maneira dos outros, mas à minha maneira de escrever pelos outros, o que me pareceu equivocado. Porque minha mão seria sempre a minha mão, quem escrevia por outros eram como luvas minhas, da mesma forma que o ator se transveste em mil personagens, para poder ser mil vezes ele mesmo. A um aprendiz, eu não me negaria a emprestar meus apetrechos, vale dizer meus livros, minha experiência e alguma técnica, mas o Álvaro tinha a pretensão de lhe transmitir o que era mais que propriedade minha. (BUARQUE, 2003, p. 22).

Es cansado moverse en la sombra y espiar sin ser visto o procurando no ser descubierto, como es cansado guardar un secreto o tener un misterio, qué fatiga la clandestinidad y la permanente conciencia de que no todos nuestros allegados pueden saber lo mismo […] (MARÍAS, 2005, p. 257).

MBPM traz o questionamento do vazio representado pelos discursos de encomenda e as armadilhas de sua propagação pelos meios de comunicação. Comenta-se a situação do negro que, diante do aparente sucesso de suas palavras, tornase vaidoso e acredita exercer o poder nos bastidores dos palcos políticos e culturais. A mesma presunção, que faz José Costa entrar em uma crise profunda, para Victor, é o início da derrocada de tantos outros negros talentosos. Por outro lado, aqueles que

Victor Francés tem a sua situação de

encenam os discursos malbaratam-nos ou se creem

anonimato intensificada, é o negro do negro de

os verdadeiros donos de palavras que servem apenas

sucesso, o escritor no ostracismo Ruibérriz de Torre,

para expressar a sua vaidade diante de congêneres:

que vive das encomendas de políticos e celebridades: “Así, él es lo que se llama un negro en el lenguaje literario — en otras lenguas un escritor fantasma — , y yo he oficiado por tanto de negro del negro, doble fantasma si pensamos en las otras lenguas, doble fantasma y doble negro, doble nadie.” (MARÍAS, 2005, p. 124). São criados distanciamentos e fantasmagorias com essa quase ausência do personagem em meio às pessoas. Assim como em Budapeste, MBPM possui o deslizar silencioso do protagonista, a ausência do

Así, sé bien que en el mundo de la televisión y el cine y en el de los discursos y peroratas casi nadie escribe lo que se supone que escribe, sólo que — es lo más grave, aunque no tan raro si bien se piensa — los usurpadores, una vez que han leído en público los parlamentos y han oído los corteses o cicateros plausos, o bien han visto pasar por la televisión las escenas y diálogos que han firmado y no imaginado, acaban por convencerse de que las palabras prestadas o más bien compradas salieron en verdad de sus plumas o sus cabezas: realmente las asumen […] y son capaces de defenderlas a capa y espada, lo cual no deja de ser simpático y halagador por su parte, desde el punto de vista del negro. (ídem, p. 125).

direito a ter opinião, com a constante ameaça de

Aparentemente conformado com sua situação

castigo caso deseje se manifestar mais explicitamente.

de escritor invisível, descreve-se como pertencente à

É o signo da profissão, responsável pela penumbra

classe de “gente cultivada y más bien anónima, con

sobre sua existência e uma intensa deambulação do

conocimiento de la sintaxis, buen léxico, y capacidad

personagem em ambientes soturnos, reflexo da

de simulación; o capacidad para quitarnos de en

escuridão que deve manter sobre sua identidade. O

medio cuando hace falta. No muy ambiciosos y sin

encontro fatídico com Marta Téllez promove, ao

demasiada suerte.” (idem, p. 127). Para em seguida

inverso do que poderia supor, uma reviravolta sobre

apontar uma virada sobre a discussão da solidão e

sua condição de anonimato e ausência entre as

anonimato: “Aunque la suerte cambia” (idem).

pessoas:

Ruibérriz recebe a encomenda para escrever um discurso para o Rei de Espanha e pede para que Victor vá à entrevista por ele. Neste encontro, salienta-se

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

que a despersonalização também acontece na extrema exposição, o rei lamenta não ter uma voz pessoal, um estilo que o caracterize e o defina. Tanto que seu nome nunca é pronunciado, apenas epítetos como El Solitario, El Llanero, Only the Lonely e Only you. A entrevista é considerada um momento paródico do livro, marca da ironia do estilo narrativo de Javier Marías, um misto de humor e amargura: Bueno, a lo que iba: no tengo nada en contra de toda esa farsa, que sin dudas es necesaria; así ha sido siempre y más ha de serlo ahora, en estos tiempos en que los personajes más públicos tenemos encima perpetuamente el ojo y el oído del mundo multiplicados por mil cámaras y micrófonos, manifiestos y ocultos, un verdadero agobio, yo no sé cómo no nos suicidamos todos. (MARÍAS, 2005, p. 161).

879

hacerla más a nuestro gusto, de manera que presentemos unos atributos más claros y reconocibles para las generaciones presentes y más memorables para las futuras […] y aún no tengo ni idea de cómo soy percibido, no sé cuál es mi imagen fuerte, la predominante, lo cual, no nos engañemos, esa es la que al final más cuenta, también en vida, también en vida. (idem, p. 162).

Se o Rei não consegue formular seus anseios como uma mensagem para a posteridade, Victor, através da narrativa, resgata e entende os impasses dos momentos enevoados (hautiding) de sua existência. Para o escritor fantasma, tomar as rédeas do relato significa expressar a si mesmo, já que os fatos aparecem de forma diferente (tergiversados) quantos sejam os seus narradores. Tanto para o protagonista de MBPM, quanto o de Budapeste, as palavras são o meio possível de habitar e explicar o mundo.

O intenso assédio da imprensa, a grande responsabilidade pelas decisões que afetam a vida

Mañana en la batalla piensa en mí e Budapeste

de milhões de pessoas — há uma remissão à

se constituem em romances de afirmação de

personagem de Shakespeare, Lady Macbeth, o Rei

indivíduos cuja profissão os condena ao anonimato

diz ter as mãos tintas de sangue, ainda que procure

perpétuo. Os escritores fantasmas José Costa e

sempre decidir para o bem dos cidadãos — e a

Victor Francés conseguem, através do relato, refletir

angústia de não poder desenhar o autorretrato para

sobre as dificuldades da profissão e os problemas de

a história, são o conteúdo desta longa entrevista.

um mercado volátil de textos que, no fim, suscitam

Assim como Victor, o Rei busca, um dia, poder

pouca reflexão. As obras são tão efêmeras quantos

narrar a própria vida. Enquanto o primeiro quer

os flashes que ofuscam os ocupantes de cargos de

trazer a lume as regiões de sombra de sua existência

poder e prestígio.

anônima, o segundo gostaria de remover as luzes ofuscantes dos holofotes sobre seu cargo, ao ressaltar que um ser humano é muito mais do que sua representação social: Y eso es lo incongruente: que con tanta vigilancia y estudio no se me conozca de veras y mi personalidad sea difusa; y como todo es farsa, no veo por qué no podríamos dirigir nosotros un poco más esa farsa y

A linguagem torna-se, portanto, o elemento essencial, tanto pela condição dos personagens, trabalhadores da palavra, mas também pelos recursos empregados nas obras. A trama textual é tecida por recorrências de expressões e frases que redimensionam a ação narrada, ajudando a compor um ritmo cadenciado, vertiginoso e surpreendente.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

880

Referências bibliográficas

REQUENA HIDALGO, Cora (2003): El narrador de las novela de Javier Marías. Em: Espéculo. Revista de estudios

BUARQUE, Chico (2003): Budapeste. 2. ed. 5. reimpressão.

literarios. Universidad Complutense de Madrid, n. 24.

São Paulo: Companhia das Letras.

Disponível em: . Acessado em: 01/10/2012.

Notas 1

A fim de não sobrecarregar o texto, o título da obra será resumido por MBPM.

2

O escritor também será citado através de seu nome artístico, Chico Buarque

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

881

EVIDENCIALIDAD EN TEXTOS PERIODÍSTICOS: UN ANÁLISIS FUNCIONALISTA EN ESPAÑOL

Nadja Paulino Pessoa Prata DEL/UFC *

Introducción

Para ello, dividimos el presente trabajo en dos grandes partes: (i) la del marco teórico

Por lo general se suele decir que el español y

conceptual, en el que tratamos de cuestiones básicas

el portugués posen muchas similitudes, pero como

sobre

nos dijo Aikhenvald (2004, p. 1) “no hay dos lenguas

evidencialidad, algunas tipologías, etc.; y (ii) la del

que sean exactamente iguales, ni sean enteramente

análisis de los datos, en el que aparecen las

diferentes. Es como si hubiera un inventario de las

especificaciones del corpus, los procedimientos de

posibles categorías gramaticales y lexicales y cada

análisis y el análisis propiamente dicho.

el

funcionalismo,

el

concepto

de

lengua tiene un conjunto de opciones de este inventario.”. Desde este punto de vista, aunque haya similitudes entre estas dos lenguas con relación a los medios que se usa para la indicación de la fuente de las informaciones, puede que haya usos o frecuencia

1. MARCO TEÓRICO DE INVESTIGACIÓN: LA PERSPECTIVA FUNCIONAL Y LA CATEGORÍA EVIDENCIALIDAD

de usos diferentes. El funcionalismo constituye una de las Sobre la expresión de la evidencialidad en 1

perspectivas de análisis lingüístico y se caracteriza,

portugués hay varias investigaciones que se

por lo general, por la relación entre las formas

desarrollaron con el objetivo de describir y analizar

linguísticas y las funciones2 que éstas desempeñan

las posibles relaciones entre el uso de marcas de

en uso real por los hablantes. El estudio de una

evidencialidad y la construcción discursiva. Con el

lengua se basa en aspectos no puramente

mismo intento, buscamos aportar una contribución

linguísticos, pero también se puede considerar los

más al estudio de la categoría evidencialidad, en

aspectos extralinguísticos, que pueden condicionar

específico en el español.

el uso de las expresiones. De este modo, no solo importa la competencia lingüística del hablante sino

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

882

que su competencia comunicativa, de modo a

Con relación a la tipología de la categoría,

adecuarse a las diversas situaciones comunicativas,

hay varias y distintas propuestas. Unas consideran

lo que significa que el análisis se basa en corpus

que la evidencialidad constituye un subtipo de la

constituido a partir de diversos géneros textuales

modalidad epistémica, como lo hace Hengeveld

que circulan en la sociedad. Dicho análisis intenta

(1988), que propuso la existencia de tres tipos de

integrar los varios aspectos que conllevan a la

modalidades: la inherente, la objetiva (epistémica y

expresión lingüística: aspectos semánticos,

deóntica) y la epistemológica (subjetiva epistémica,

sintácticos y pragmático-discursivos. Éste parece

desiderativa y evidencial), a depender de los niveles

condicionar en parte los aspectos semánticos y

de actuación de cada marca. La modalidad

sintácticos en las lenguas (DIK, 1997; HENGEVELD

epistemológica hace referencia a la expresión de

& MACKENZIE, 2008). La lengua desde este punto

comprometimiento del hablante con relación a la

de vista es un instrumento de interacción social, que

verdad del contenido de la proposición. En esta

sirve para mantener/ corregir/ ampliar las

tipología se considera como marcador de

informaciones pragmáticas de los oyentes y de los

evidencialidad también la subjetiva epistémica, cuya

hablantes

3.

Entre los temas investigados por el funcionalismo lingüístico, está el de la evidencialidad, término que hace referencia al campo semántico relacionado con la fuente de la información expresada por la proposición, según Bybee (1985, p. 28 apud FERNÁNDEZ, 2008, p. 66). En lenguas europeas, como el español, la expresión de dicha categoría ocurre más por medios lexicales que por gramaticales. Además no constituye un paradigma sistemático. En otras lenguas, como el quechua, por ejemplo, la

fuente es el hablante, lo que significa que la información no es pasible que cuestionamientos. La evidencial constituye uno de los subtipos de modalidad epistemológica, por medio del cual el hablante puede o no, a depender de su intención comunicativa, indicar la fuente. Se divide en reportativa (información obtenida de otra fuente), de experiencia (información derivada de la experiencia de una fuente) y de inferencia (información construida por el proceso de inferencia).

indicación de la fuente se hace con morfemas (-mi y

Otros autores, como Dall’Aglio-Hattnher

–si) para señalar que la información se obtuvo de

(1995), separan la evidencialidad de la modalidad

testimonio personal o de segunda mano, o sea, se

epistémica, que tiene que ver con la probabilidad

marca el modo de obtención de la información.

de ocurrencia de un evento. Para ella, la

Como vemos, la indicación de la fuente de una información parece algo importante para la credibilidad de lo se dice. De este modo, indicar que la información proviene de otro o del propio hablante implica en comprometerse o no, en grados, con la proposición. Dicho recurso es común en la construcción de los textos periodísticos, por ejemplo, pues el periodista puede obtener sus informaciones de varios modos, lo que lo lleva a usar diversos medios para marcar la fuente de lo dicho.

evidencialidad sería una categoría jerárquicamente superior a la modalidad, y puede ser implícita o explícita, como vemos en la figura a continuación:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

883

reto de comprometerse o no con relación a la proposición. En el caso de los textos periódicos, nos parece pertinente decir que gran parte de la información uno la obtiene de modo intersubjetivo o sea indirectamente.

2. Resultados: Análisis y Discusión

Basado en: Dall’Aglio-Hattnher (1995)

El estudio de la categoría evidencialidad desde una perspectiva funcional, nos obliga a analizar la

Otra tipología de la evidencialidad es la que

lengua en uso, lo que significa que los datos se realizan

hizo Willett (1988 apud MARTINS, 2010, p. 237), en

en textos realizados efectivamente por los hablantes

que se considera el tipo de fuente de la información:

de un idioma. Además como nos interesa saber cómo las expresiones lingüísticas elegidas por los hablantes se adecuan a las intenciones comunicativas en el momento de la interacción verbal, recurrimos a textos producidos en español y vehiculados en la prensa disponible en internet.

2.1. Metodología Para la constitución del corpus que nos sirvió Sacado de: Martins (2010, p. 237). Como vemos, se puede obtener información de dos modos: directo o indirecto. La información obtenida directamente proviene de los sentidos, lo que corresponde a la de la experiencia, de Hengeveld (1988). La información obtenida indirectamente puede ser con base en lo que otros dijeron o con base en lo se obtuvo por la inferencia. Nuyts (2001) simplifica la tipología de esta categoría y nos explica la evidencialidad puede ser subjetiva (con acceso individual y exclusivo del hablante – experiencia directa) o intersubjetiva (con

de base para el análisis de los datos, buscamos textos escritos en español (peninsular), publicados en un periódico de divulgación en España. Dichos textos, cuyas temáticas eran muy variadas, suman 10 al total, con aproximadamente 11.500 palabras. Esos textos son los más vistos por los lectores en internet en el día de la compilación. Con relación a los procedimientos metodológicos, hicimos lo siguiente: a) Búsqueda por las expresiones/marcas que indican la categoría, por medio de la lectura en cada texto que forma el corpus.

acceso compartido con otros o mediados por otros experiencia indirecta). A partir de eso, podemos decir que parece, por lo tanto existir, un continuum para la explicitación de la fuente de la información con el

b) Construcción de una ficha con los trechos que configuran el contexto de la expresión de la evidencialidad.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

884

c) Análisis cualitativo de las marcas conforme dos variables 4 : (i) forma de expresión (verbo, preposición, etc); (ii) tipo de fuente (escritor u otro, o sea, subjetiva o intersubjetiva).

dicho proceso no incluye la coordinación entre los aspectos de operaciones y aeronavegabilidad”.

O aún la yuxtaposición de construcciones con adjetivos de valor axiológico para marcar la fuente de información:

2.2. Análisis y discusión de los datos El análisis del corpus nos dio 56 ocurrencias de las marcas de evidencialidad. En ellas se destacó el uso frecuente de verbos, como los verbos dicendi, que sirven para introducir las informaciones obtenidas de modo indirecto por el periodista. Veamos el uso de un dicendi: (1) La guerra no terminó en la victoria, dijo Franco, y quienes torpemente especulaban con sus años debían saber que se sentía joven y que detrás de él “todo quedará bien atado y garantizado por la voluntad de los españoles y por la guardia fiel e insuperable de nuestros ejércitos”.

En (1), el verbo ‘decir’ sirve para marcar la

(3) La respuesta de Franco fue glacial: ya conoce usted las órdenes. Ejecútelas.

En este caso, el uso del sustantivo “respuesta”, que corresponde a un ato de habla “responder”, aparece adjetivado por “glacial”, que señala la posición del escritor del texto en relación a lo que aparece después. Además de los verbos y de la yuxtaposición de construcciones, el uso de preposiciones fue otro recurso usado en el corpus: (4) Dos de cada tres votantes del PP, el 65%, y el 64% de los que se declaran católicos están en contra, según la encuesta de Metroscopia Metroscopia.

fuente de la información que nos dio el periodista anteriormente. Con esto, él no se compromete con lo dicho, pero imputa a otro la responsabilidad. En este ejemplo, aunque no sea por una expresión lingüística, percibimos otro modo de marcar que la información no es del escritor sino que de otro al que llama para construir polifónicamente su texto: es el

(5) La interpretación que se ha hecho de esa iniciativa es que Gallardón pretende congraciarse con su electorado, pero hasta a sus votantes les parece excesiva esa vuelta al pasado más remoto, previo a la ley de 1985 en alguno de sus supuestos. Ni para eso le sirve. Los ciudadanos, según se desprende de la encuesta encuesta, no aceptan los incumplimientos flagrantes de los programas electorales.

caso de las comillas, que constituye un recurso gráfico para marcar el estilo directo. Dicho recurso parece dar más credibilidad a la información, una vez que es el otro el que habla. De todos modos en las dos situaciones, el autor indica que la proposición añadida no parte de él, sino que de otros.

En los casos encontrados, solamente se hizo uso de la preposición “segundo/según”, que ya señala que la información se obtiene de modo indirecto, de segunda mano. Este recurso además de no comprometer tanto al escritor, por una parte, constituye un elemento introductor de una paráfrasis

En (2), percibimos la construcción “hizo

de lo que dijo uno. Esta marcación por lo tanto no es

sangre” (verbo+complemento directo), que sirve para

tan ‘fidedigna’ y es por lo tanto más comprometedora

introducir el habla de otro en el texto:

con relación al periodista. Es cierto que el uso de esta preposición aporta grados de comprometimiento

(2) Y OACI hiz hizo o sang r e : “Las oficinas de Seguridad de Vuelo son responsables de la aprobación inicial y las modificaciones de los MEL. Sin embargo,

diferenciados, una vez en (4) hay la indicación de la fuente y en (5) hay además de eso la indicación de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

que la información se obtuvo de modo inferencial a

885

Conclusiones

causa del uso del verbo “desprenderse”. Creemos que el uso de expresiones de la Por último, y no menos importante, destacamos el empleo de las comillas, recurso gráfico y no linguístico:

categoría evidencialidad en textos periodísticos escritos en español (peninsular) puede relacionarse al grado de comprometimiento del escritor

(6) El manual de vuelo.. “España no ha establecido en sus regulaciones de operaciones de aeronaves los requisitos que exijan a los solicitantes de las aerolíneas (AOC) elaborar procedimientos para garantizar que el manual de vuelo se actualice con la introducción de los cambios que el estado de matrícula ha aprobado o dispuesto como obligatorios”.

(periodista) con la informaciones que vehicula, lo que demostraría que las “elecciones” linguísticas que los hablantes hacen dependen en parte de un contexto más amplío, y sirven como medio para marcar si se comparte o no la verdad de los mensajes, de modo a echar la responsabilidad a los que entran polifónicamente en la construcción

En (6), el uso de las comillas nos indica que esta porción textual no pertenece directamente al escritor. Además antes hay un sintagma nominal que parecer indicar la fuente de la información, pero esto se deduce por la configuración textual. Con base en lo que vimos al analizar el corpus, proponemos lo siguiente:

textual. Mejor dicho, la responsabilidad por lo dicho se achaca a cada tipo de fuente de la información. Para dar cabida a la investigación, optamos por un abordaje que analice las estructuras linguísticas en situación comunicativa, lo que significa la opción por el modelo funcionalista, ya que la lengua se ve como instrumento de interacción social. Este trabajo por lo tanto se relaciona a la

Propuesta de comprometimiento con la información - Comprometimiento

+ Comprometimiento

Uso de comillas Referencia a otras fuentes Referencia al escritor del texto

descripción y al análisis de la lengua española que se usa en Europa, lo que podrá servir de subsidios a posibles comparaciones entre las variedades de la lengua. Tales análisis pueden ser vir aún a la construcción de materiales didácticos, a la comprensión del sistema lingüístico y de la construcción de textos divulgados en periódicos

Fuente intersubjetiva

Fuente subjetiva

españoles, además de auxiliar al profesor con las explicaciones en las clases.

En textos periodísticos, así como el los académicos, es importante la indicación de la fuente como modo de resguardarse o como modo de dar

Referencias bibliográficas

credibilidad (argumento de autoridad) a lo dicho. De este modo, el periodista optar por usa más

AIKHENVALD, A. Y (2004): Evidentiality. Oxford: Oxford

fuentes de tipo intersubjetiva que subjetiva. En el

University Press.

corpus que nos sirvió para el análisis, la mayoría de los usos son de fuentes externas al escritor, como vemos en todos los ejemplos de este trabajo.

CARIOCA, C. R (2005): A manifestação da evidencialidade nas dissertações acadêmicas do português brasileiro contemporâneo. 2005. 115f. Dissertação (Mestrado em

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

886

Linguística) – Centro de Humanidades, Universidade

HENGEVELD, K. (2004): The Architecture of a Functional

Federal do Ceará, Fortaleza.

Discourse Grammar. En: GÓMES GONZÁLES, M. A.;

_____ (2009): Evidencialidade em textos acadêmicos de grau em português brasileiro contemporâneo. 2009. 201f. Tese

MACKENZIE, J. L. (eds.). A new architecture for functional grammar,, p. 243-272. Berlin: Mouton de Gruynter.

(Doutorado em Linguística) – Programa de Pós-Graduação

_____; MACKENZIE, J. L (2008): Functional Discourse

em Linguística, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.

Grammar: a typologically-based theory of language

CASSEB-GALVÃO

(2001):

Evidencialidade

e

structure. Oxford: Oxford University Press.

gramaticalização no português do Brasil: os usos da

LUCENA, I. L (2008): A expressão da evidencialidade no

expressão diz que. 2001. 231f. Tese (Doutorado em

discurso político: uma análise da oratória política da

Linguística) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade

Assembleia do Ceará. 2008. 112f. Dissertação (Mestrado

Estadual Paulista, Araraquara, 2001.

em Linguística) – Centro de Humanidades, Universidade

DIK. C. S. (1997): The Theory of Functional Grammar. Vol.

Federal do Ceará, Fortaleza.

1. Ed. by Hengeveld (Kees) Berlin/ New York: Mounton de

LYONS, J (1977): Semantics. Vol. 2. Cambridge: Cambridge

Gruynter.

University Press.

FERNÁNDEZ, S. S. (2008): Generalizaciones y

PALMER, F. R (1986): Mood and modality. Cambridge:

evidencialidad en español. En: Revue Romane,, 43, 1, p.

Cambridge University Press.

63-80.

SAMPAIO, W. (2007): Evidencialidade: uma estratégia

HALLIDAY, M. A. K (2004): An Introduction to Functional

discursiva de (des) comprometimento em reportagens

Grammar. Baltimore: Edward Arnold.

impressas. In: NOGUEIRA, M. T. Estudos linguísticos de orientação funcionalista. Fortaleza: Edições UFC, p. 343

Notas *

Profesora Adjunta del Departamento de Letras Extranjeras (DLE - Unidad de Español), en la Universidad Federal de Ceará (UFC).

1

Cf. Carioca (2005; 2009), Lucena (2008), Martins (2010), Sampaio (2007), Casseb-Galvão (2001).

2

El término “función” posee diversas significaciones. Aquí no hacemos restricción con relación a este término.

3

Los términos “oyente” y ‘hablante” constituyen los prototipos de la interacción social por medio de la lengua.

4

Este estudio constituye un análisis preliminar de la categoría. Otras variables se podrán añadir a lo largo de la investigación.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

887

VOCES DABA EL BÁRBARO CORSICURVO. LENGUAS Y MECANISMOS DE COMUNICACIÓN EN EL PERSILES

Nieves Rodríguez Valle El Colegio de México

Una pluralidad de lenguas se encuentra en el

colinas de Roma, Cervantes nos presenta una Babel

camino de los peregrinos Persiles y Sigismunda,

estallada, que se derrumba y que, paradójicamente,

desde las que son incomprensibles hasta las que

resultará una construcción que, a diferencia de la

comprenden de manera cabal, mientras que nunca

torre, podrá ser terminada y que cuenta con la venia

sabemos cuál es la suya. Pluralidad de lenguas que,

divina, pues su aspiración es la superación de la

como toda la obra, alegorizan el camino del ser

barbarie, del desorden que, aunque parezca externo,

humano y su relación con los otros. Si bien

está en el corazón del hombre y “sanando el corazón

Cervantes ya había abordado en algunas de sus

del hombre también el mundo se cur a”

novelas y comedias el encuentro con la cultura

(GAGLIARDI, 2004, p. 410). En esta comunicación,

islámica y el léxico arábigo y turco, en Los trabajos

me detendré en cómo Cervantes va tejiendo en el

de Persiles y Sigismunda, extiende el panorama de

Primer Libro del Persiles el entramado de lenguas,

las lenguas dentro del engranaje complejo de poética

de

y humanismo con que construye su última obra, de

denominadores mentales y culturales comunes,

la cual se sentía orgulloso. Si el ideal del humanismo

como las señas y los traductores, para aproximarnos

consistía en la unidad intelectual de una Europa que

a la construcción y el funcionamiento de las lenguas

habla muchas lenguas pero piensa según un mismo

en la obra.

fundamento (GAGLIARDI, 2004, P. 399), Cervantes va más allá al devolver la utopía de la trascendencia del hombre a su dimensión histórica y ética, en la que el encuentro con el otro puede ser posible si se le mira, escucha y ama, si existe una intención comunicativa que le permita reflejar su propia humanidad. Desde el inicio de la Historia setentrional, en la sima de una isla bárbara, hasta las

incomunicaciones

y

de

búsqueda

de

Comienza el último legado de la producción cervantina con unas voces que son dichas en lengua “bárbara”: Voces daba el bárbaro Corsicurvo a la estrecha boca de una profunda mazmorra, antes sepultura que prisión de muchos cuerpos vivos que en ella estaban sepultados, y, aunque su terrible y espantoso

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

888

estruendo cerca y lejos se escuchaba, de nadie eran entendidas articuladamente las razones que pronunciaba sino de la miserable Cloelia, a quien sus desventuras en aquella profundidad tenían encerrada (I, 1, pp. 127-128).1

El narrador pasa enseguida al estilo directo para que nosotros entendamos las razones de las voces que daba el bárbaro; este narrador será así nuestro mediador. 2 El bárbaro pide que salga un mancebo encerrado allí, quien al salir pronuncia no con terrible y espantoso estruendo sino “con voz clara y no tur bada lengua” (I, 1, p. 128), un agradecimiento al cielo por permitirle salir a morir a la luz ya que, por ser cristiano, no “quisiera morir desesperado”. “Ninguna de estas r azones fue entendida por los bárbaros, por ser dicha en diferente lenguaje que el suyo” (I, 1, p. 129). Queda establecida la incomunicación en la que no son entendidas ni voces ni razones, excepto por el privilegiado lector que gracias a la intervención del narrador es partícipe de ambos mundos. A partir

misma lengua, del mismo modo, cada creatura conversaba con todas las otras respecto de aquellas cosas que normalmente se hacen o se experimentan, de modo que dolíanse en común ante las desgracias y compartían la alegría si algo provechoso les ocurría. Es que gracias al común lenguaje se comunicaban unos con otros los placeres y sinsabores, y eran comunes sus complacencias y sus disgustos, y de ellos resultaba la similitud de temperamentos y sentimientos. Pero al cabo, hastiados de la abundancia de los bienes a su alcance, cosa que suele suceder a menudo, lanzáronse en pos del amor por lo inalcanzable y enviaron una embajada en demanda de la inmortalidad pidiendo ser liberados de la vejez y gozar de la plenitud de la juventud por siempre. Alegaban que entre ellos uno solo de los animales, el reptante, es decir, la serpiente, había hasta entonces alcanzado ese don. Ella, en efecto, despójase de su vejez y toma de nuevo la juventud primera, y es absurdo, decían, que los seres superiores queden relegados con respecto a los inferiores y que todos lo estén con respecto a uno. Ese atrevimiento tuvo, sin embargo, el consigno castigo. Al punto, en efecto, su hablar tornóse diverso, de modo que a partir de ese momento ya no pudieron entenderse unos a otros en virtud de la diferencia que mediaba entre los lenguajes en que la única y común lengua de todos había sido dividida (FILÓN DE ALEJANDRÍA, [siglo I] 1976, p. 176).

de esa salida de las tinieblas a la luz, nos dice Egido, el choque entre civilización y barbarie, cristianismo y paganismo, va a ir unido en el Persiles a una concepción de la palabra que supone un claro exponente de la problemática sobre las lenguas en el Siglo de Oro y los afanes del narrador a la hora de

El punto de partida común es la creencia de que, en un principio, existía una sola lengua y, con ella, una unidad donde se es capaz de condolerse y alegrarse con el otro por un sentido de afinidad; así se explica en el mito hebreo donde la capacidad del lenguaje es sólo propia del hombre: “lo cierto y sin

trascribirlas (EGIDO, 1998, p. 107).

contradicción es que la primera lengua que se habló Los mitos han querido dar cuenta de la causa

en el mundo fue la lengua hebrea, infundida por

por la cual los hombres, teniendo la capacidad del

Dios a nuestro primero padre” (COVARRUBIAS, s.v.

lenguaje, facultad de simbolizar que más nos

lengua).5 Sin embargo, el hablar sólo una lengua no

humaniza, no hablamos la misma lengua: en el mito

fue suficiente para que el hombre no cayera en

3

hebreo una torre se fabrica para acceder al cielo y

errores y para que dejara de condolerse y alegrarse

conseguir un nombre por el cual ser recordado,

en unísono como especie. Una sola lengua sale con

inmortalidad que es más explícita en el mito que

Adán fuera del Paraíso y desciende de la barca de

nos cuenta Filón de Alejandría, cuando realiza la

Noé tras el Diluvio; sin embargo, nos cuenta el

exégesis al pasaje de Babel:

4

Cuéntase, en efecto, que antiguamente todos los animales terrestres, acuáticos y aéreos hablaban un mismo idioma y que, así como entre los hombres de nuestros días los helenos se entienden con los helenos y los bárbaros con los bárbaros, si éstos son de la

Génesis: al desplazarse los pueblos hacia oriente hallaron una vega en tierra de Sennaar, donde hicieron asiento. Y se dijeron unos a otros: “Venid, hagamos ladrillos y cozámoslos al fuego”. […] Y dijeron: “Vamos a

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

edificar una ciudad y una torre, cuya cima llegue hasta el cielo; y hagamos célebre nuestro nombre antes de esparcirnos por toda la faz de la tierra”. Y descendió el Señor a ver la ciudad y la torre que edificaban los hijos de Adán. Y dijo: “He aquí, que el pueblo es uno solo, y todos tienen un mismo lenguaje; y han empezado esta fábrica, ni desistirán de su idea hasta llevarlas al cabo. Ea, pues, descendamos y confundamos allí mismo su lengua, de manera que el uno no entienda el habla del otro”. Y de esta suerte los esparció el Señor desde aquel lugar por todas las tierras y cesaron de edificar la ciudad. De donde se le dio a ésta el nombre Babel, porque allí fue confundido el lenguaje de toda la tierra; y desde allí los esparció el Señor por todas las regiones (Génesis, 11-1-9).

Que, como dice Sor Juana en voz de Eco: “es justo castigo / al que necio piensa / que lo entiende todo, / que a ninguno entienda” (2005, vv. 505-508). Los acontecimientos que definen, entonces, las relaciones problemáticas entre la humanidad y el lenguaje son La Caída y Babel, pues, después del pecado original, se debilita el don que le fue concedido a Adán de nombrar las cosas por lo que son, imagen fiel del objeto que designan, y este don se pierde completamente con el episodio de Babel (CHECA, 1990, p. 202), en el que los hombres se dividen y las lenguas se confunden; distinguiéndose lo sucedido a los hombres y lo ocurrido en el lenguaje, una divisio populorum y una confusio linguarum (PINET, 2003, p. 374). De esta confusión, “resultaron las setenta y dos lenguas, en que se dividieron a poblar diversas provincias” (COVARRUBIAS, s.v.).

889

causa de que el riguroso Dios castigue al hombre, las consecuencias del castigo no son tan claras, como dice Filón de Alejandría: “Más no sé qué ventaja ha venido a resultar de esto. Porque después que hubieron sido separados en naciones y dejaron de hablar la lengua única, lo mismo que antes se han llenado muchas veces tierra y mar de iniquidades sin número, ya que las causas del común mal proceder no reside en la comunidad de lengua sino en los comunes deseos de delinquir que abriga el alma” (FILÓN DE ALEJANDRÍA, 1976, p. 176). El cristianismo, sin embargo, dará un giro benevolente al problema lingüístico cuando en Pentecostés, el Dios del Amor haga descender al Espíritu Santo y a los apóstoles: “les aparecieron lenguas como de fuego, que se dividían, y se posaron sobre cada uno de ellos. Entonces fueron llenados todos del Espíritu Santo, y comenzaron a hablar en otras lenguas, según el Espíritu les daba palabras” (Hechos de los apóstoles, 2, 3-4). Ahora, deben esparcirse pero con otro sentido, el de llevar el mensaje en y para todas las lenguas. Cerrando el círculo división-confusión, cuando el cristianismo permitirá recuperar el sentido de hombre como ser social. Umberto Eco en La búsqueda de la lengua perfecta, señala que el episodio de la confusión se contempla no sólo como ejemplo de un acto de orgullo castigado por la justicia divina, sino como el

La causa que explica la tragedia de que los

inicio de una herida histórica (o metahistórica) que

signos de las palabras no pudieron ser comunes a

de algún modo debe ser sanada (ECO, 1994, pp. 26-

todos los pueblos es para San Agustín “aquel pecado

27). La torre y la unidad lingüística pertenecen a la

de soberbia que movió a la disensión entre los

serie de hechos que anteceden a la historia y la

hombres queriendo cada uno usurpar para sí el

anticipan. Historia entendida como el principio de

dominio. De esta soberbia es signo aquella torre que

una gran herida (PINET, 2003, p. 388).

edificaban con ánimo de que llegase al cielo, en el cual merecieron aquellos hombres impíos no sólo tener voluntades opuestas, sino también diferentes palabras” (SAN AGUSTÍN, 1957, II, 4,5). Si la soberbia de usurpar el dominio, de aspirar al cielo y su inmortalidad, las voluntades opuestas, son la

Con esta herida comienza la narración de la peregrinación de Persiles-Periandro, cuando sale de la profundidad de la sima y se encuentra con el mundo bárbaro cuya lengua es ininteligible. Cierran la mazmorra y lo conducen a unas balsas. Frente a frente, prisionero y bárbaros en igualdad de

890

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

incomprensión lingüística utilizan lo más primitivo

que vencer primero a los salvajes que están dentro de

de la comunicación: las señas. Un bárbaro “le señaló

ella (GONZÁLEZ, 2003, p. 206). El Per siles

por su blanco, dando señales y muestras de que ya le

alegorizará esta victoria sobre la barbarie y el

quería pasar el pecho” (I, 1, p. 130), luego, el bárbaro

salvajismo interno de cada ser humano, “volver a

flechero movido de piedad, “arrojó de sí el arco y,

encontrar a ese hombre y su capacidad de alejarse de

llegándose a él, por señas, como mejor pudo, le dio a

la barbarie y ponerse en el camino que lleva a la

entender que no quería matarle” (I, 1, p. 131). Así,

semejanza con Dios según un camino de perfección

sin necesidad de palabras, las señas pueden expresar

intelectual y moral” (GAGLIARDI, 2004, p. 400).

mensajes y sentimientos. El exotismo de lo ajeno y la pertenencia a comunidades distintas se hacen patentes en la rareza del idioma, en la diversidad lingüística, es decir, en el no comprender y en el no sabernos hacer entender a los que hablan diferente (ALONSO, 2010, p. 49). En el discurso cultural de la Edad Media, los hombres se dividían en tres categorías: civilizados, salvajes y bárbaros. Los civilizados ocupaban el centro y seguían la ley; los salvajes vivían en la civilización, en espacios aislados y no seguían la ley; los bárbaros vivían fuera de la civilización, en su propio espacio, y seguían otra ley (GONZÁLEZ, 2003, p. 205). 6 Sin olvidar que etimológicamente, según Covarrubias, el nombre ‘ bár baro’ “figuraron los g rie gos de la grosera pronunciación de los extranjeros, que procurando hablar la lengua griega la estregaban, estropeándola con los labios, con el sonido âáñ-âáñ, barbar.

Estando prisionero y bárbaros en las balsas, se produce el primer naufragio y Periandro es rescatado por Arnaldo, príncipe de Dinamarca. Ambos interesados en saber si Auristela está prisionera en la isla bárbara planean una estrategia de espionaje (se entienden perfectamente en un idioma que no se explicita). Periandro, disfrazado de mujer, será vendido por Arnaldo a los bárbaros. Después de varias señas militares entre el barco y la isla, señas universales en que se expresa y se reconoce que los extranjeros vienen en paz, 7 los bárbaros llegan a la playa trayendo en hombros a una mujer bárbara, pero de mucha hermosura, la cual, antes que otro alguno hablase, se expresó en lengua polaca, la cual sólo ella y Arnaldo entienden. 8 Si los intérpretes son, por definición, quienes tienen la capacidad de rebasar fronteras lingüísticas y culturales, es indudable que hay perfiles que parecen,

De aquí nació el llamar bárbaros a todos los

a primera vista, especialmente dotados para esta

extranjeros de la Grecia, adonde residía la monarquía

función (ALONSO, 2010, p. 56). Es una mujer en el

y el imperio. Después que se pasó a los romanos,

texto de Cervantes quien tiene la capacidad de la

también ellos llamaron a los demás bárbaros, fuera

comunicación entre lenguas; la mujer como

de los griegos; finalmente a todos los que hablan con

portadora y transmisora del lenguaje y con él la

rosquedad y grosería llamaron bárbaros; y a los que

cultura:

son ignorantes sin letras, a los de malas costumbres y mal morigerados, a los esquivos que no admiten la comunicación de los demás hombres de razón, que viven sin ella, llevados de sus apetitos, y finalmente a los que son despiadados y crueles” (s.v.). La victoria sobre la barbarie depende de la victoria sobre el salvajismo; para vencer a los bárbaros, situados fuera de la civilización, se tiene

“-A vosotros, quienquiera que seáis, pide nuestro príncipe (o, por mejor decir, nuestro gobernador) que le digáis quién sois, a qué venís y qué es lo que buscáis” (I, 3, p. 147). Periandro no entiende el bárbaro ni el polaco: “La bárbara que había servido de intérprete de la compra venta no se le quitaba del lado, y con palabras y en lenguaje que él no entendía, le consolaba” (I, 4, p. 151), por lo que la comunicación continúa llevándose a cabo mediante señas. El gobernador bárbaro “comenzó a comer y a convidar por señas a Periandro que lo mismo hiciese” (I, 4, p. 151). Los

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

bárbaros dejados llevar por la lujuria que provoca la doncella que es Periandro, pelean entre ellos y forman un caos durante el cual “un bárbaro mancebo se llegó a Periandro y, en lengua castellana, que dél fue bien entendida, le dijo: -Sígueme, hermosa doncella, y di que hagan lo mismo las personas que contigo están, que yo os pondré en salvo, si los cielos me ayudan” (I, 4, p. 157). Cuando están a salvo, “Periandro, que, aunque no muy despiertamente, sabía hablar la lengua castellana, le dijo: -El cielo te pague, ¡oh ángel humano, o quienquiera que seas!” (I, 4, p. 158).

Vendrán, a partir de aquí, los sucesivos contactos con personas y lenguas que representan a los cuatro países católicos: España, Italia, Portugal y Francia. 9 Con la entrada de estas lenguas encabezadas por el español, la necesidad de un traductor se diluye paulatinamente, pues Periandro y Auristela reconocen y se reconocen en las lenguas de la civilización católica cristiana.

891

manos me tocaba todo el cuerpo y, de cuando en cuando, ya perdido el miedo, se reía y me abrazaba, y, sacando del seno una manera de pan hecho a su modo, que no era de trigo, me lo puso en la boca, y en su lengua me habló, y, a lo que después acá he sabido, en lo que decía me rogaba que comiese. Yo lo hice ansí, porque lo había bien menester; ella me asió por la mano y me llevó a aquel arroyo que allí está, donde, ansimismo por señas, me rogó que bebiese. Yo no me hartaba de mirarla, pareciéndome antes ángel del cielo que bárbara de la tierra. Volví a la entrada de la cueva y, allí, con señas y con palabras que ella no entendía, le supliqué, como si ella las entendiera, que volviese a verme. Con esto la abracé de nuevo y ella, simple y piadosa, me besó en la frente y me hizo claras y ciertas señas de que volvería a verme (I, 6, p. 174).

Ella concluye el relato: “[…] Hame enseñado su lengua, y yo a él la mía, y en ella ansimismo me enseñó la ley católica cristiana” (I, 6, 176).10 Antonio y Ricla dejan de ser dos extraños, y así puede suceder el encuentro y el aprendizaje de la lengua, pues

Para la intérprete, quien huye hacia otra

media entre ellos la ética que da un lugar prioritario

parte de la isla con Periandro, Auristela y el bárbaro

a la relación con el otro, “esta es la moral cristiana,

que habla español, no tiene sentido que la familia

con el amor hacia el prójimo” (GAGLIARDI, 2004,

del bárbaro hispanohablante lo sea también “La

p. 406). Salvaguardar la vida y vivir el amor serán

intérprete estaba admirada de oír hablar en aquella

los fundamentos de la dignidad del hombre. Como

parte, y a mujeres que parecían bárbaras, otra

afirma Parker, la idea del libro consiste en la

lengua de aquella que en la isla se acostumbraba” (I,

evolución humanista hasta la cristiandad (1986, p.

4, 159). No nos quedaremos con la duda, ni la

144).11 Cervantes enseña que no son tan nítidos los

traductora, pues más adelante, el español Antonio,

límites existentes entre civilización y barbarie, “y es

cuenta su historia, en donde las señas poco a poco

en ese contexto en el que la lucha entre palabras y

dan paso al conocimiento del otro y con él de su

voces alcanza su verdadero sentido al mezclarse, sin

lengua:

que de ello resulte necesariamente una Babel de lenguas, sino una sinfonía que va desde el grado cero

volví a la entrada que aquí me había conducido, por ver si oía voz humana o descubría quien me dijese en qué parte estaba, y la buena suerte y los piadosos cielos, […] me depararon una muchacha bárbara, de hasta edad de quince años, […] Pasmóse, viéndome; pegáronsele los pies en la arena; soltó las cogidas conchuelas y derramósele el marisco; y, cogiéndola entre mis brazos, sin decirla palabra ni ella a mí tampoco, me entré por la cueva adelante y la truje a este mismo lugar donde agora estamos. Púsela en el suelo, beséle las manos, halaguéle el rostro con las mías, y hice todas las señales y demostraciones que pude para mostrarme blando y amoroso con ella. Ella, pasado aquel primer espanto, con atentísimos ojos me estuvo mirando, y con las

del lenguaje y de las voces, al deseable diálogo y entendimiento entre personas a través de la palabra” (EGIDO, 1998, p. 116). Tras el incendio de la isla, cuando están por salir en las barcas, se les acerca “un bárbaro gallardo, que, a grandes voces, en lengua toscana, dijo: -Si por ventura sois cristianos los que vais en esas barcas, recoged a este que lo es y por el verdadero Dios os lo suplica” (I, 6, p. 182). Más tarde, como no podían dormir, “el bárbaro Antonio, dijo al bárbaro

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

892

italiano que, para entretener el tiempo y no sentir tanto la pesadumbre de la mala noche, fuese servido

los de mi vida sin ser conocido. Con la atención y curiosidad, noté su lengua y aprendí mucha parte de ella (I, 9, pp.193-194).

de entretenerles contándoles los sucesos de su vida, porque no podían dejar de ser peregrinos y raros,

Este hacerse el mudo para no ser reconocido

pues en tal traje y en tal lugar le habían puesto” (I, 7,

como extranjero merece una reflexión que aquí no

p. 184). Todos escuchan atentos y no vuelve a haber

abordaremos por razones de tiempo.

referencia a la lengua, todos entienden; como afirma Nerlich, “la cortesía revela toda su importancia como instrumento de comunicación”, pues “la alteridad de la cual se quiere tener noticias (presentación del individuo –viajero, extranjero- y cuento de su destino) se hace enriquecimiento del individuo que se añade a su estado de extranjero” (1998, p. 132). El bárbaro italiano, Rutilo, maestro de baile, narra su historia, cómo salió de Sena su patria, cómo llegó a Noruega donde al ver a unas personas “les pregunté en mi lengua toscana que me

Poco después de esta narración escucharán desde una de las otras dos barcas con que habían salido de la isla bárbara “una voz blanda, suave”. “Notaron, especialmente el bárbaro Antonio el padre, que notó que lo que se cantaba era en lengua portuguesa, que él sabía muy bien. Calló la voz y, de allí a poco, volvió a cantar en castellano” (I, 9, p. 195). Le piden que pase a su barca y “el músico, en medio portugués y en medio castellano” (I; 9, p. 197), cuenta su historia.

dijesen qué tierra era aquella, y uno de ellos,

Tenemos pues establecido en este inicio del

asimismo en italiano, me respondió: ‘Esta tierra es

Persiles, la pluralidad de lenguas con que inicia el

Noruega; pero ¿quién eres tú que lo preguntas, y en

viaje-peregrinaje, 12 “Cervantes se apropia de la

lengua que en estas partes hay muy pocos que la

tradición humanística laica y unifica el viaje de

entiendan?” (I, 8, p. 189). A su vez, el noruego que

Ulises filósofo y el peregrino cristiano […] Primero,

habla italiano le contó que uno de sus antepasados

por mar, se produce el camino de Ulises de virtud y

había ido a Noruega por negocios y se había casado

conocimiento, luego, por tierra, el peregrinaje

ahí y a los hijos que tuvo les enseñó su lengua, y de

cristiano, por los numerosos lugares cristianos de

uno en otro se extendió por todo su linaje, hasta

Occidente. La vía se convierte en el lugar en que cada

llegar a él, que era uno de sus cuartos nietos. Tras

cristiano puede practicar esas virtudes que, en el

varias vicisitudes que le ocurren a Rutilo, llega a la

reconocimiento de las necesidades del prójimo,

isla bárbara, donde:

permiten elevar la sustancia humana a la beatitud divina” (GAGLIARDI, 2004, p. 401). una Babel que

Para disimular la lengua, y que por ella no fuese conocido por estranjero, me fingí mudo y sordo y, con esta industria, me entré por la isla adentro, saltando y haciendo cabriolas en el aire. A poco trecho descubrí una gran cantidad de bárbaros, los cuales me rodearon y, en su lengua, unos y otros con gran priesa me preguntaron (a lo que después acá he entendido) quién era, cómo me llamaba, adónde venía y adónde iba. Respondíles con callar y hacer todas las señas de mudo más aparentes que pude, y luego reiteraba los saltos y menudeaba las cabriolas. […] Con esta industria pasé por bárbaro y por mudo. […] Desta manera he pasado tres años entre ellos, y aun pasara todos

llegará de nuevo al lenguaje común, el de la dignidad humana, aunque se exprese con distintos signos. Finalmente, comentaremos que, para complejizar la narración, en el inicio del Libro Segundo nos enteramos, a través del narrador, que esta obra es una traducción de su original en otra lengua. Nunca sabemos cuál es la lengua materna de Persiles ni de Sigismunda, como tampoco sabemos cuál es la lengua original de esta historia, ni las circunstancias de su hallazgo, ni de su traducción; y poco importa. 13

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Si la confusión de las lenguas es el castigo, también es la clave de la redención; el arte en general y la literatura en particular, si pretende redescubrir la humanitas, logra una inmortalidad que une la historicidad con la trascendencia, la misión de llevar la buena noticia de que el amor nos humaniza y, con

893

ECO, Umberto (1994): La búsqueda de la lengua perfecta en la cultura europea. Barcelona: Ed. Crítica. EGIDO, Aurora (1998): Las voces del Persiles. En ¿”¡Bon compaño, jura Di!”? El encuentro de moros, judíos y cristianos en la obra cervantina. Frankfurt-Madrid: Ed. Iberoamericana Vervuert, pp. 107-133.

la misión, recibir el don de lenguas. El Persiles recorre un viaje desde las señas primitivas, pasando por la

FILÓN DE ALEJANDRÍA ([s. I] 1976): Obras completas, tr.

necesidad de traductores hasta el entendimiento por

Directa del griego, introducción y notas de José María

reconocer una lengua intelectual y una ética-moral

Triviño. Buenos Aires. Tomo II.

común y, con ella, la identidad del otro y el

GAGLIARDI, Antonio (2004): Humanismo laico y

enriquecimiento con la diversidad; atravesado por

humanismo cristiano en el Persiles. En Peregrinamente

la eterna pregunta de ¿quiénes somos?, ¿de dónde

peregrinos. Actas del V Congreso Internacional de la

venimos? y ¿hacia dónde vamos?

Asociación de Cervantistas, ed. Alicia Villar Lecumberri. Madrid: Ed. Ministerio de Educación, Cultura y Deporte / Asociación de Cervantistas, pp. 399-411.

Referencias bibliográficas

GARROSA RESINA, Antonio y Manuel José PERUCHO DÍAZ (2008): Leadership by Example. Cervantes´s Deathbed

AGUSTÍN, San (1957): Sobre la doctrina cristiana. En Obras,

Novel, Los trabajos de Persiles y Sigismunda”, tr. Henry T.

t. 15, ed. Bilingüe de Balbino Martín. Madrid: Ed. Biblioteca

Edmondson III. En Perspectives on Political Science, vol. 37,

de Autores Cristianos, pp. 54-349.

N° 2, pp. 83-88.

ALONSO ARAGUÁS, Icíar (2010): Figuras mediadoras y

GONZÁLEZ, Cristina, (2003): Alfonso X y la conquista de

espacios fronterizos. Algunos lugares comunes. En Los

la otredad Cristina, en Nueva Revista de Filología Hispánica,

límites de Babel. Ensayos sobre la comunicación entre lenguas

LI, N°. 1, pp. 205-212.

y culturas, Grupo Alfaqueque. Madrid: Ed. Iberoamericana / Vervuert, pp. 47-76.

HOMERO (2009): Odisea, ed. José Luis Calvo. 18ª ed. Madrid: Ed. Cátedra.

BAIGORRI JALÓN, Jesús (2010): Transnacionalidad, lengua y comunicación: hacia unos modelos de diálogo

LÓPEZ NAVIA, Santiago (2004): Pseudohistoricidad y

intercultural. En Los límites de Babel. Ensayos sobre la

pseudoautoría en el Persiles: límites y relevancia. En

comunicación entre lenguas y culturas, Grupo Alfaqueque.

Peregrinamente peregrinos. Actas del V Congreso Internacional

Madrid: Ed. Iberoamericana / Vervuert, pp. 133-153.

de la Asociación de Cervantistas, ed. Alicia Villar Lecumberri. Madrid: Ed. Ministerio de Educación, Cultura y Deporte /

CERVANTES, Miguel de ([1617] 2004): Los trabajos de

Asociación de Cervantistas pp. 457-482.

Persiles y Sigismunda, ed. Carlos Romero Muñoz. 5ª ed. Madrid: Ed. Cátedra.

NERLICH, Michael (1998): Los trabajos de Persiles y Sigismunda: proyecto histórico-iluminado de una cultura

CHECA, Jorge (1990): El divino Narciso y la Redención del

europea. En ¿”¡Bon compaño, jura Di!”? El encuentro de

lenguaje, en Nueva Revista de Filología Hispánica, XXXVIII,

moros, judíos y cristianos en la obra cervantina. Frankfurt-

1990 N° 1, pp. 197-217.

Madrid: Ed. Iberoamericana Vervuert, pp. 135-161.

COVARRUBIAS, Sebastián de: ([1611] 1995): Tesoro de la

PARKER, Alexander A. (1986): La filosofía del amor en la literatura

lengua castellana o española, ed. Felipe C.R. Maldonado.

española 1480-1680, tr. Javier Franco. Madrid: Ed. Cátedra.

Revisada por Manuel Camarero. Madrid: Ed. Castalia.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

894

PINET, Simone (2003): Babel historiada, traducida: un

México: Ed. Universidad Nacional Autónoma de México /

episodio del Libro de Alexandre. En Literatura y conocimiento

Universidad Autónoma Metropolitana / El Colegio de

medieval. Actas de las VIII Jornadas Medievales, eds. Lillian

México, pp. 371-389.

von del Walde, Concepción Company y Aurelio González.

SOR JUANA INÉS DE LA CRUZ (2005): El divino Narciso, ed. Robin Ann Rice. Pamplona: Ed. Universidad de Navarra.

Notas 1

Todas las citas del Persiles corresponden a la edición Miguel de Cervantes, [1617] 2004, Los trabajos de Persiles y Sigismunda, ed. Carlos Romero Muñoz. 5ª ed. Madrid: Ed. Cátedra. En adelante sólo se indica el número de libro, capítulo y página correspondiente.

2

Egido llama a esta estrategia una “tutela narrativa permanente” que procura la verosimilitud a la hora de enunciar o transcribir las lenguas” (1998, p. 107).

3

En la Odisea nos cuenta Homero otra estrategia para acceder al cielo: apilar montañas, intento que planean los hijos de Alceo con la esperanza de que, elevadas hasta la altura del éter, constituirían un fácil camino para ir hacia lo alto: “amenazaron a los inmortales con establecer en el Olimpo la discordia de una impetuosa guerra; intentaron colocar a Osa sobre Olimpo y sobre Osa al boscoso Pelión, para que el cielo les fuera escalable” (2009, XI, 310-320); solo que aquí, Apolo, el hijo de Zeus, directamente los aniquila.

4

Filón de Alejandría es uno de los filósofos más renombrados del judaísmo helénico. A partir del siglo III a.C., tuvo lugar el encuentro de la fe judía con la filosofía griega en el contexto de la comunidad judía de Alejandría. Allí los intelectuales hebreos concibieron una forma de profundizar en su fe bíblica con los instrumentos de la razón griega. Era una teología convencida de que la fe mosaica y la filosofía griega coincidían en su aspiración a la verdad.

5

“Formado, pues, que hubo de la tierra el Señor Dios todos los animales terrestres y todas las aves del cielo, los trajo al hombre, para que viese cómo los había de llamar; y, en efecto, todos los nombres puestos por el hombre a los animales vivientes, ésos son sus nombres propios. Llamó, pues, Adán por sus nombres propios a todos los animales, a todas las aves del cielo y a todas las bestias de la tierra” (Génesis, 2, 19-20).

6

Sin olvidar que etimológicamente, según Covarrubias, el nombre ‘bárbaro’ “figuraron los griegos de la grosera pronunciación de los extranjeros, que procurando hablar la lengua griega la estregaban, estropeándola con los labios, con el sonido âáñ-âáñ, barbar. De aquí nació el llamar bárbaros a todos los extranjeros de la Grecia, adonde residía la monarquía y el imperio. Después que se pasó a los romanos, también ellos llamaron a los demás bárbaros, fuera de los griegos; finalmente a todos los que hablan con rosquedad y grosería llamaron bárbaros; y a los que son ignorantes sin letras, a los de malas costumbres y mal morigerados, a los esquivos que no admiten la comunicación de los demás hombres de razón, que viven sin ella, llevados de sus apetitos, y finalmente a los que son despiadados y crueles” (s.v.).

7

“pusieron en una lanza un lienzo blanco, señal de que venían de paz como es costumbre en casi todas las naciones de la tierra” (I, 2, p. 145); “en señal que lo recibirían de paz, y no de guerra, sacaron muchos lienzos y los campearon por el aire, tiraron infinitas flechas al viento, y con increíble ligereza saltaban

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

algunos de unas partes a otras” (I, 3, p. 146); “Hizo señal Arnaldo a la nave que disparase la artillería y el bárbaro a los suyos que tocasen sus instrumentos, y en un instante atronó el cielo la artillería y la música de los bárbaros llenaron los aires de confusos y diferentes sones” (I, 3, p. 149). 8

Según Carlos Romero, Olao Magno no menciona el polaco entre los idiomas de la gente del norte (lapones, moscovitas, rutenos, fínnicos, suecos, godos y alemanes). Sin embargo, de 1592 a 1599, en la persona de Sigismundo III Vasa, se unen la corona de Suecia (independiente de Dinamarca desde 1570) y Polonia, ésta última alcanza una notable fuerza en toda la región báltica. “No se olvide, de cualquier modo, que Polonia, al igual –y aún más- que Dinamarca, fue vista por los españoles contemporáneos a Cervantes, como algo misteriosos, casi míticamente lejano. En todo el siglo XVI , el único, aunque, eso sí, importante, acontecimiento polaco que pudo interesarles fue la derrota del protestantismo y la sucesiva ascensión de aquel país a la categoría de paladín del catolicismo en la parte centro-oriental de Europa” (CERVANTES, 2004, p. 146, nota 3).

895

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

896

CÓMO SE CUENTA O CONTAMOS NUESTRA HISTORIA: HISTORIOGRAFÍA LITERARIA LATINOAMERICANA Y ENSEÑANZA DE LA LITERATURA.

Pablo Gasparini USP

En “A brief history of the history of Spanish American Literature”, uno de los capítulos que componen The Cambridge History of Latin América Literatura, González Echevarría retoma el debate sobre la atribución de ciertas singularidades identitarias que construirían el objeto “literatura

of argument, Spanish American literary works really differ little from European ones. This position has been intermittently defended, among them some of the most prominent, like Octavio Paz and Jorge Luis Borges. Yet the position that has prevailed has been the other, more polemical one, wich assigns Spanish American literature an individuality sometimes linked with the struggle for political and cultural independence (GONZÁLEZ ECHEVARRIA, 1996 p.8)

latinoamericana” entreviendo fuerzas adversas que bien podrían filiarse a las formas predominantes en

En caso de coincidir con el raciocinio de

que se ha estudiado la literatura en occidente: la

González Echevarría, la escritura de una historia

perspectiva romántica (atenta al entorno

literaria latinoamericana constituiría (al igual que

geográfico, histórico y cultural que signaría la

la construcción de cualquier historia literaria

producción literaria) y la perspectiva más bien

particular) un proyecto que, aunque ocasionalmente

retórica, ajena a la atención del contexto de

revestido de un riguroso aparato positivista /

producción:

cientificista (como el heredado del lansonismo en Francia, por ejemplo) sería –por el mero hecho de

The individuality, the difference at the origin postulated by Romanticism, transforms the distance that separates Europe from America into an enabling factor in foundational myth. Without this prerequisite originality, Spanish American literature would have always had to think of itself as a belated, distant, and inauthentic manifestation of European literature. However, it can also be argued, if one were to adhere to neoclassic doctrine, that all literature, wherever it is created, will follow classical forms, which are neither diminished nor made inauthentic by their distance from eh place of origin. In this line

estar recortando una entidad histórico-cultural específica– romántico en su esencia. Una lectura crítica de cualquier historia literaria, es decir una lectura que fuera capaz de vislumbrar la propia historicidad de esa historia literaria, debería comenzar, de esta manera, por poner en evidencia la instauración de aquello que Echevarría llama el “mito fundacional”, el tótem que fundaría la entidad

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

histórico-cultural de la que se predicará una literatura. Por haberse planteado como un proyecto de

897

nacional’ a los escritores judíos y musulmanes por las ‘radicales diferencias de religión, raza y de lengua entre esos dos pueblos semíticos y la población cristiana y latina de la Península” (en PIZARRO, 1985, p.119).

historia literaria latinoamericana renovador y superador de viejas soluciones, tomaré como objeto

Vale decir que el mismo movimiento de

principal de estas breves indagaciones el debate

exclusión será detectado por González Echevarría a

surgido a propósito de la escritura y compilación

propósito de una de los primeras intentos de

de América latina: Palavra, Literatura e Cultura (3

historiar la literatura hispanoamericana, la

volúmenes;

Pizarro, Ana, org .; Unicamp/

Antologia de poetas hispano-americanos del mismo

Memorial). Ese debate, que para nosotros tiene la

Menéndez y Pelayo (1893). Por cierto, sobre esa

ganancia de haberse desarrollado en Brasil, ha sido

antología Echevarría afirma que:

recopilado en La literatura latinoamericana como proceso (PIZARRRO, 1985). Aunque muchas son las inquietudes que agitaron aquellas discusiones, quisiera organizar algunas de ellas tanto en torno a la cuestión planteada por Echevarría, es decir el problema del inicio (que supone como veremos determinadas posiciones ideológicas y aún

The inclusiveness of the Antología, it is clear, reproduces the lost unity of the Spanish Empire, a transnational identity could not lead the new Spanish American nations to any other common origin that Spain itself (...) Of course, what Menendez y Pelayo is attempting, quite explicitly, is to deny the influence of the indigenous peoples of the New World on Spanish American poetry (...)” (GONZÁLEZ ECHEVARRÍA, 1996, p.20).

metodológicas) como a cuestiones conexas (por ejemplo, la justificación del corpus que sustentaría

De esta manera, como concluye Girardot,

la entidad cultural convocada por ese inicio y la

“la fijación de un comienzo es necesariamente

organización de ese material) que hacen tanto a la

variable, pues depende de la concepción de la

práctica de la enseñanza de la literatura en el aula

literatura y de determinadas posiciones ideológicas”

como a la división institucional de nuestra área de

(en PIZARRO, 1985, p. 121). En el caso español,

conocimiento.

sabemos, la replica a esa substracción identitaria ha llevado

a

proponer

el

diálogo

con

las

Sobre la cuestión del comienzo, Gutiérrez

manifestaciones culturales semíticas de la península.

Girardot en “El problema de una periodización de

Así, por ejemplo, Eduardo Subirats en “Siete tesis

la historia literaria latinoamericana” (en PIZARRO,

contra el hispanismo” propone leer, (entre otras

1985, pp. 119-131), sostiene que la postulación de

sugerencias de igual tenor) Luis de León, Teresa de

determinado origen define, precisamente, la entidad

Ávila y Juan de la Cruz como “últimas convocatorias

o mito fundacional que Echevarría encontraba

del misticismo sufí y de la cábala ibéricos en lengua

como consubstancial a cualquier proyecto de

española y bajo conversión cristiana” (SUBIRATS,

historia literaria. Así, tomando como ejemplo un

2004, p. 22) siguiendo, de alguna manera, el gesto

programa de literatura española elaborado por

de “Magias parciales del Quijote” donde Borges liga

Menéndez y Pelayo en 1878, Gutiérrez Girardot

el juego cervantino del manuscrito encontrado y

señala que:

traducido al del rabino castellano “Moisés de León, que compuso el Zohar o Libro del esplendor y lo

Menéndez y Pelayo recurre para responder [a la pregunta por los comienzos de la nacionalidad española] a la vaga noción de ‘ingenio español’ o de ‘genio nacional’ que le permite excluir de ese ‘genio

divulgó como obra de un rabino palestiniano del siglo III” (BORGES, 1989, p.46). Ya en el caso latinoamericano, y concretamente en el del

898

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

proyecto historiográfico que estamos enfocando, la

cierto romanticismo folklórico se ofrecerá, de forma

problematización del origen significará tanto el

plena, a cierto romanticismo político a la hora de

reconocimiento de las culturas aborígenes como el

postular la dinámica del proceso en el que busca

intento de evitar la engañosa linealidad y las

inscribir la validez de la entidad “literatur a

ingenuidades de un “origen folklórico” ya que, como

latinoamericana”.

señala Agustín Martínez en “Problemas de historiografía literaria lat inoamericana”: “[las llamadas literaturas pre-hispánicas] no siempre fueron consideradas como ‘literaturas’ desde la perspectiva culta dominante y su significación artística para nosotros es posterior a la formación del sistema culto y, en gran medida, una consecuencia de la evolución de este último” (MARTÍNEZ, 1990, p. 66).

Así, y para ir al segundo de los problemas (la definición de la identidad cultural), el hecho de no suponer una esencia latinoamericana con base en las culturas aborígenes parece conducir este proyecto hacia un gesto que hará de los conflictos inherentes a la intermediación cultural (especialmente, como veremos, los referidos al posicionamiento frente a los modelos estéticos centrales) un trazo específicamente latinoamericano que ganaría, en razón de su propia

La solución pensada por el proyecto, en gran medida promovida por Ángel Rama en “Algunas sugerencias de trabajo para una aventura intelectual de integración” (en PIZARRO, 1985, pp. 85-97), será no trabajar las llamadas literaturas indígenas como antecedente (como lo propone en un artículo altamente programático Domingo Miliani 1) sino, como sintetiza Pizarro en el “Informe final”, como “un hecho literario observado en la dinámica de su apropiación por parte del ámbito cultural occidental’” (PIZARRO, 1985, p.114).

lógica (evitar la subordinación a esos modelos) una fuerza claramente política. El análisis de las relaciones entre los diferentes circuitos culturales (constituidos, según Ana Pizarro siguiendo a Cornejo Polar, por un trípode: “un sistema erudito, en español, portugués u otra lengua metropolitana, un sistema popular en la expresión americana de las lenguas metropolitanas, o en créole en el caso del Caribe, y de un sistema literario en lengua nativa, según la región, PIZARRO, 1985, p.19) supone implicaciones metodológicas importantes,

Lejos, en este caso, de la dicotomía

como la de distinguir las diferentes temporalidades

presentada por Echevarría (Borges de un lado y la

de estos circuitos y no obstante encontrar un

concepción romántica del otro) el problema

principio organizador de materiales tan diversos.

planteado por Gutiérrez Girardot intenta ser

Para preparar el advenimiento de ese principio que,

superado con una actitud marcadamente borgeana:

forzosamente, instaurará selecciones, exclusiones y

las culturas aborígenes serán entendidas, de alguna

jerarquías rediseñando el corpus a ser tratado

manera, como un “precursor” re velado o aún

(aquello que podríamos apuntar como el tercer y

“creado” por ciertas zonas de la moderna literatura

gran problema historiográfico), Pizarro señala la

latinoamericana. El movimiento lograría escapar de

necesidad de “observar (...) las específicas formas de

una de las ingenuidades que Barthes en Sur Racine

apropiación cultural y literaria con que un

presentaba como típicas de la historia literaria

continente de estructura económico social

2

tradicional: la concepción lineal de los procesos ; un

dependiente asume a las literaturas metropolitanas

gesto que evitaría, por otro lado, caer en la tentación

y extranjeras en general” (PIZARRO, 1985, p.75). La

de determinar un origen único y “nativo”. No

carta está echada para que Ángel Rama proponga el

obstante, si el proyecto logra esquivar en este punto

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

899

eje organizador de esta (finalmente no escrita)

los estudios del área sino también, quizás, a la fuerza

historia literaria:

transnacional de los actuales cultural studies. Lo que sorprende o constituya un plus interpretativo sólo

Estamos fatalmente en la organización por corrientes literarias y entonces hay ciertas equivalencias. Yo creo que las equivalencias se dan más que nada por la presencia del polo externo y por la respuesta que a ese polo se da dentro de América. Me parece que en cierto sentido el efecto final es expansión de las literaturas europeas y respuesta a ellas por procesos de adaptación y aggiornamento. Creo que ese podría ser el criterio general a mantener (en PIZARRO, 1985, p.64)

comprensible desde lo político es la dirección que se le pretende asignar a esa “semiología cultural”. Recordemos que el “proceso” en el que Pizarro inscribe a la literatura latinoamericana parece seguir el desarrollo

de

un

algo

épico

(y

exitoso)

Bildungsroman: Nuestra literatura se constituye como tal,

resistir

conforma sistema en el tiempo de la larga duración –

metodológicamente el establecimiento exclusivo de

el tiempo en que se erige una cultura, una

un origen, la construcción del concepto de América

civilización- hasta llegar a una etapa de consolidación

Latina (chaleco de fuerza romántico: ¿cómo hablar,

como tal, que es el momento de independencia de su

de hecho, de una historia literaria latinoamericana

discurso.[...]El proceso de consolidación de una

sin postular la entidad “América latina”?) se da en el

literatura: podría argüirse la perspectiva teleológica,

vislumbre de esta como un singular espacio de cruces

la visión finalista de esta proposición. Estamos en una

culturales cuyo conflicto principal seria posicionarse

situación en donde lo importante es la creación de

frente al “polo externo” metropolitano. Se retoma

una literatura autónoma y poderosa que trabaja

así una forma de pensar la literatura latinoamericana

independientemente. Es en este sentido que

a partir del conflicto entre centro y periferia que,

observamos las diferentes fases: una primera fase de

pasando por los más diversos matices teóricos y voces

implantación, una segunda fase de superación, una

críticas (pensemos, por poner algunos nombres, en

tercera de independencia (PIZARRO, 1985, p.30).

De

esta

manera,

pese

a

el paradojal y lúdicamente desconstruccionista Silviano Santiago de “O entre-lugar do discurso latino-americano” o, en su antípodas, el frankfurtiano Roberto Schwarz en “As ideias fora de lugar” o “Nacional por substração”) no deja de hacer eco al espíritu profundo de la teoría de la dependencia. En este sentido, si, siguiendo a González Echevarría, “[Literary histories] belong to the textual economy of the period in wich they are written”

La convicción de Pizarro, como ya dijimos, no es fortuita y abre camino para el sentido que Ángel Rama, activo participante de este debate, propone para la construcción de esta historia literaria: En el fondo, el problema me parece a mi que es el mismo siempre: el de la descolonización y la respuesta creativa que se va dando en las culturas americanas y en las literaturas en particular. Es la constitución de la personalidad latinoamericana” (en PIZARRO, 1985, p. 91, negrita nuestra).

(GONZÁLEZ ECHEVARRÍA, 1996, p. 8) no es gratuito que Pizarro haya concebido este proyecto

Aunque este singular esencialismo en la

historiográfico como un -peculiarmente orientado-

dinámica del “proceso” haya sido señalado,

proyecto de “semiología cultural” (PIZARRO, 1985,

marginalmente, por algunos de los participantes

p.18)3. No sorprende en esta postulación el énfasis

(Roberto Schwarz comienza una intervención

en lo cultural. Ese énfasis remitiría no tan solo a la

declarando que “Como hay una intención

tradición culturalista que desde siempre ha imbuido

latinoamericana y social en todo esto, mezclamos problemas y procesos muy diversos; en PIZARRO,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

900

1985, p. 44, negrita nuestra) debemos apuntar que

literatura nacional específica (la brasileña, tan

el mismo determinará la organización del material

marcada además por la relativa “unidad” que puede

impregnándolo de una, al parecer, inevitable marca

ofrecerle su diferencial lingüístico en el continente)

romántica. Una vez más aquí se reproduciría cierta

puede ser aplicada para el contexto necesariamente

discusión por la que en ocasiones se ha opuesto el

supranacional de lo “latinoamericano”. Como

concepto de heterogeneidad de Cornejo Polar al de

respuesta podríamos observar que aunque el

transculturación releído por Ángel Rama (es decir

proyecto organizado por Pizarro haya aportado y

una versión, para algunos críticos, finalmente

desarrollado soluciones realmente enriquecedoras

4

armoniosa y ontológica de los embates culturales) .

para pensar diacronicamente la territorialidad

De esta manera, los pruritos heurísticos sobre el

latinoamericana (especialmente la reflexión atinente

corte, permanencia y simultaneidad de ciertas

a la aglutinación de ciertas manifestaciones literarias

tradiciones literarias postulados de manera central

en determinadas áreas do continente, ver PIZARRO

por Beatriz Sarlo

(“En una sociedad están

1985, pp.46/47; o, a través de Ángel Rama, el análisis

funcionando al mismo tiempo elementos que son

de los centros de “religación” continental, muchas

pertenecientes al sistema popular, al sistema culto,

veces externos, como la París del siglo XIX e inicios

elementos que vienen de sistemas anteriores,

del XX, ver PIZARRO 1985, p. 89) los tres tomos

elementos que anuncian los posteriores, elementos

resultado de este proyecto –una excelente antología

residuales, en PIZARRO, 1985, p. 19) aunque sean

de textos críticos sobre diferentes aspectos de la

reconocidos por Pizarro (“se trata de literaturas en

literatura escrita en América latina– no logran el

donde por ejemplo coexisten sistemas literarios de

objetivo oportunamente declarado: la construcción

temporalidades distintas, como es el caso de la

del “sistema” de la literatura latinoamericana.

coexistencia del sistema literario indígena y el sistema literario erudito”; PIZARRO, 1985, p. 43) encuentran un punto de detención que es aquel precisamente donde la compleja realidad o la tan mentada heterogeneidad debe someterse a la construcción de la “historia” (condicionada, en este caso, a cierta voluntad identitaria). El orden heurístico, de acuerdo a Pizarro, vendrá de la experiencia historiográfica brasileña: existe dentro de la organización de nuestra historia literaria la proposición de periodizar en relación con la constitución de un proceso literario […] Desde esta perspectiva como sabemos Antonio Candido hace la diferenciación entre “manifestaciones literarias” y “formación de la literatura”, momento en que esta ya constituye un público y funciona como sistema (PIZARRO, 1985, p.73).

La propia Ana Pizarro confiesa en el prólogo a estos volúmenes que las contribuciones reunidas “no coinciden con la meta que nos habíamos propuesto en el proyecto inicial” (PIZARRO, 1995, p. 13) y que este proyecto: fue desarrollado con grandes estímulos, pero también con todas las dificultades con que se lleva a cabo la investigación de largo aliento en la cultura del continente. Estas dificultades nos hicieron renunciar al proyecto inicial, y adoptamos la resolución de publicar los resultados parciales de la investigación, transformando la Historia inicialmente prevista en tres volúmenes de ensayos dispuestos en orden cronológico (PIZARRO, 1995, p. 13)

Si contrastamos la convicción americanista de este proyecto que consideraba América Latina

La pregunta que aquí podríamos formular

“como constituyendo una región de significaciones

es si la propuesta de Antonio Candido (considerar

históricas y culturales comunes” (Pizarro, 1995, 13)

la consolidación de una literatura en tanto

con las afirmaciones de Achugar (2005) en el sentido

“sistema”) pensada en verdad para estudiar una

de que este tipo de convicción o ideario estaría hoy

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

reducido a cuestiones de praxis básicamente

precisamente,

económica y política antes que orientado a la

insoslayable para pensar cualquier proceso cultural.

búsqueda o deseo de una identidad cultural

Hoy por hoy, podemos observar que la complejidad

confluyente, podríamos concluir que el obstáculo

de las problemáticas aportadas por estas historias

principal para la elaboración de una “historia” de la

de la literatura con (aparentemente) “poca historia”

literatura latinoamericana, pasa menos por

nos son más provechosas que el “arte compositivo”

problemas institucionales de investigación (como

con el cual Imbert dice haber realizado su tarea y

sugiere Pizarro) que, quizás, por la falta, relativa

mediante el cual el propio Imbert -es decir el sujeto

debilidad o conflictivo consenso de y sobre el

que al fin y al cabo asegura y garantiza la linealidad y

espíritu culturalmente integrador que caracterizó

continuidad de esa historia- se vislumbra como “una

las mejores producciones de nuestra tradición

especie de secretario de redacción de una fantasmal

americanista (entre otras, la que permeó la gran e

sociedad anónima de hispanoamericanistas” (Imbert,

inaugural elaboración historiográfica de Henríquez

1986, p.12): una solución ficcional para la garantía

Ureña, Las corrientes literarias en América latina).

histórica no muy lejana a la de Bolaño en Historia de

La imposibilidad de escribir una “historia” enmarcada en un proceso cultural que diese cuenta de

es

901 un

presupuesto

teórico

la literatura nazi en América o la de Borges en Historia Universal de la Infamia.

lo que Rama llamaba la “personalidad latinoamericana”

Frente a la imagen algo espectral (y

obedecería así, para decirlo de manera romántica, a un

unidimensional) de Imbert, queda claro que la

espíritu de época renuente no tan sólo a la delimitación

elaboración de una historia pasa hoy por la

de identidades sino también a las pretensiones de

multiplicidad de voces y perspectivas y por la

totalidad y sistematicidad (recordemos que Gutierrez

consideración de aspectos que quiebran la ilusión

Girardot llega a preguntarse, durante el debate, si “¿Es

de una completa linealidad y continuidad. El desafío,

necesaria una ‘periodización’ a priori y en general?”; en

como docentes de una literatura llamada

PIZARRO, 1985, p. 131). En ese sentido, el hecho de que

“latinoamericana”, es conjugar esa territorialidad

los volúmenes presenten, según Pizarro, “ensayos

(¿una memoria?, ¿un gesto político?, ¿un canon?, ¿un

dispuestos en orden cronológico” y no la pretendida

entramado de tradiciones y especificidades?) con los

“historia”, no sería necesariamente algo menor ni

impases e interrogantes del propio trabajo

una falta sino una sintomática señal de

historiográfico.

contemporaneidad. Por caso, The Cambridge History of Latin América Literature editada por Enrique Pupo-Walker y Rober to González

Referencias bibliográficas

Echevarría no deja de ser también menos una “historia” que una antología de artículos ordenados

ACHUGAR, Hugo.(2005). “Comunidad sudamericana de

cronológicamente, aquello que Anderson Imbert

naciones, un relato de larga duración” en Katatay. Revista

(autor de la canónica Historia de la literatura

crítica de literatura latinoamericana, año 1, nro.1 e 2, junio.

hispanoamericana) llamaría, en caso de que sigamos su prólogo, “una colección de ensayos críticos

BARTHES, Roland.(1987). Racine. Tradução de Antonio

discontinuos, es decir, una historia de la literatura

Carlos Viana. São Paulo: L&PM.

con poca historia” (Imbert, 1986, p.7). De los años

BORGES, Jorge Luis.(1989). “Magias parciales del Quijote”

cincuenta (la primera edición de la Historia de

en Otras Inquisiciones (1952). Obras Completas. Tomo II.

Imbert es de 1954) a esta parte, la discontinuidad,

Buenos Aires: Emecé. pp. 45-47.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

902

GONZÁLEZ ECHEVARRÍA, Roberto. (1996). “A brief

SUBIRATS, Eduardo.(2004). “Siete tesis contra el

history of the history of Spanish American Literature” en

hispanismo” en Hispanismo 2004. Florianópolis: UFSC, pp.

GONZÁLEZ ECHEVARRÍA, Roberto & PUPO WALKER

15-36.

(edited by) The Cambridge History of Latin American Literature. Volume I. Cambridge: University Press.

Resumo: A partir del análisis del debate intelectual generado para la producción de América Latina: Palabra, Literatura e

IMBERT, Anderson.(1986). Historia de la literatura

Cultura (Pizarro, Ana, org., 3 tomos Memorial da América

hispanoamericana. México: FCE.

Latina / Unicamp, 1995) el artículo señala algunos problemas

MARTÍNEZ, Agustín.(1990). “Problemas de historiografia latinoamericana” en Crítica y cultura en América Latina. Caracas: FCE.

historiográficos de la literatura latinoamericana, y reflexiona –siempre a partir del caso especifico de la obra señaladasobre ciertas comprensiones o consensos teóricos, culturales y políticos que el tratamiento de esos problemas han

PIZARRO, Ana.(org.). (1995). América Latina: Palavra,

supuesto. Considerando que América Latina: Palabra,

Literatura e Cultura. Campinas: Memorial da América

Literatura e Cultura ha constituido un material de referencia

Latina/ Unicamp.

básico para la enseñanza de la literatura latinoamericana en el ámbito universitario, se buscará indagar también en los

PIZARRO, Ana (org.).(1985). La literatura latinoamericana

implícitos que una clase universitaria sobre esta literatura

como proceso. Buenos Aires: Cedal.

generalmente involucra, especialmente cuando se da en un

SILVIANO, SANTIAGO.(2000). “O entrelugar do discurso latino-americano” (1971) en Uma literatura nos trópicos. Ensaios sobre dependência cultural. Rio de Janeiro: Rocco.

contexto extranjero. El artículo busca así explicitar ciertos acuerdos que rodean la lectura de un texto literario dentro del aparato institucional universitario (pautado casi siempre por una estructuración historicista de la experiencia literaria)

SOBREVILLA, David.(2011). “Transculturación y

y se pregunta como podrían resignificarse las soluciones

heterogeneidad: avatares de dos categorías literarias en

historiográficas propuestas en América Latina: Palabra,

A m é ri c a L a t ina” e n Re v i s t a d e Cr í t i c a Li ter a r ia

Literatura e Cultura en el campo teórico actual, signado

Latinoamericana, Año XXVII, n.54, Lima -Hanover, pp.

por un discurso crítico –y a la vez algo despolitizado- de las

21-33.

entidades culturales.

Notas 1

Ver “Historiografia literaria: períodos históricos o códigos culturales” (en PIZARRO, 1985, pp. 98-118) donde Miliani propone “Época prehispanica, precolombina o anterior al descubrimiento” como primer capítulo de esta historia literaria (en PIZARRO, 1985, p. 103).

2

Ver BARTHES, 1987, p.156.

3

“Es en el ámbito de una semiología cultural donde puede situarse entonces la observación de la pertenencia de un discurso literario al ámbito de nuestro historiografía. La literatura es, sabemos, patrimonio universal y la experiencia estética no conoce fronteras, pero las obras surgen de una determinada cultura y se insertan en el tejido de la sociedad que las ve emerger. Este es el sentido de nuestra preocupación. Para situarlas y llegar a su comprensión cabal necesitamos observar el sistema donde se insertan y el imaginario social que plasman. Porque ‘si la crítica no construye obras, si construye una literatura’ –es la enseñanza que dejó Ángel Rama” (PIZARRO, 1985, p. 18).

4

Sobre este debate ver Sobrevilla 2011.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

903

LA LUZ DE CRISTINA BAJO QUE HA TOCADO LA HISTORIA Y LA MEMORIA CORDOBESA. UNA LECTURA DESDE LA OBRA COMO VIVIDO CIEN VECES (1995)

Phelipe de Lima Cerdeira Universidade Tuiuti do Paraná – UTP

1 Introduccion

diecinueve. Es importante validar que esa obra forma parte de un compendio de cuatro libros, “La

“La literatura puede ser considerada como una forma privilegiada de leerse los signos de la historia”. (MILTON, Heloísa Costa)

No es siempre que un libro logra transponer a los lectores a una tierra lejana, a un tiempo en el pasado en el que uno jamás hubiera pensado vivir… Más precioso aún es aquel trabajo literario que se les rompe los hilos de la fantasía a los lectores y, de pronto, les abraza a una historia como si fuera de ellos propios. Estos, tan únicos, se instalan en un sitio especial del alma, en un rincón lleno de incertidumbres llamado corazón. Quizá sea esa la sensación que un lector pueda sentir al leer la obra Como vivido cien veces (1995), de la escritora Cristina Bajo. La novela, la que es leída en esa investigación como un documento para delimitar lo que se entiende como las nuevas novelas históricas hispanoamericanas, es un importante registro ficcional de la posición de la mujer y, sobre todo, de la memoria argentina y cordobesa en el siglo

Saga de los Osorio”1, titular relacionado a la familia ficcional creada por la autora para delimitar distintas fases de la guerra civil argentina. El discurso lírico ha permitido que la autora cordobesa reflejara sobre muchos de los hechos y de los nombres que sacudieron la política y la cultura argentinas. El marco temporal fue delimitado entre los años de 1828 y 1835, auge de la guerra civil que ha dividido el país en dos banderas: los celestes (unitarios) y los colorados (federales). Más allá de un romance y de la descubierta de un individuo como un género, Cristina ha escrito en un tono casi documental, mezclando las voces de sus personajes a las huellas – datos hasta entonces considerados verdaderos – de lo que ocurrió en el país.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

904

2 LA OBRA FUNDAMENTADA EN LAS VENAS DE LAS NUEVAS NOVELAS HISTÓRICAS HISPANOAMERICANAS “En honor a la justicia y la verdad debe confesarse que en los principios de la legislación española relativa a las Américas, siempre los indios han debido ser libres.” (FUNES, Deán Gregorio apud BAJO, 1995, p. 09). Es de esa manera que la autora Cristina Bajo empieza a su novela Como vivido cien veces. Más que una cita sin intereses particulares, la frase de uno de los representantes más importantes de la fundamentación de la Argentina puntúa algo muy relevante para el interlocutor: desde aquel momento, uno que leyera la obra estaría invitado a conocer a otro haz de la historia la que se suele llamar como real o verdadera. Además de eso, queda

características de las nuevas novelas históricas hispanoamericanas. Se trata de contextualizar la creación y el estilo de la escritora cordobesa en una esfera literaria importante, cargada de una herencia “peleadora”, encargada de cuestionar y (re)interpretar constantemente la historia. De acuerdo con Ana Pizarro, ello está vinculado a muchos factores, sobre todo al escenario político que ha tocado a la gente y a los países latinos, con destaque a partir de la década de sesenta: (…) corresponde puntualizar la conjunción de hechos políticos que han alterado la historia americana – la Revolución Cubana, la aplastante ola dictatorial que uniformizó las regiones del sur – con el surgimiento de textos que imponen una detenida reflexión y una ineludible revisión del canon literario. (PIZARRO, 1995, p. 395).

también perceptible en esa lectura que la autora ya

El contexto, sin duda, ha impulsado a

demarca un juego de ironía y comparación a la

Cristina Bajo, y, por supuesto, a otros escritores a

realidad, ya que es de casi conocimiento común, a

bucear sobre cómo sería la historia de su localidad

quien forma parte de Latinoamérica, que los indios

de acuerdo con otras ópticas, fundamentadas por

jamás han recibido un tratamiento de equidad con

una (re)visitación y una mirada distinta. La

el hombre blanco, y, mucho más, que ellos hubieran

imposición de una bandera política o la inmersión

gozado de la libertad.

en una ola revolucionaria parecen ser combustibles

Hay, en algún grado, un tono crítico de

incendiarios para uno que desee el cambio.

humor, la dicha profanación a la imposición de un

De acuerdo con Tomas Eloy Martínez, los

lenguaje dogmático impuesto, con el que los

representantes de la cadena de las nuevas novelas

escritores latinos deberían siempre pelear

históricas hispanoamericanas parten de la

vorazmente (FUENTES, 1969). Es decir, la promesa

historiografía para poder negar a la propia historia

fundamentada por las razones del hombre ayuda a

corriente, oficial, incluso con el compromiso de

Bajo a declarar otra cuestión aún más difícil: la de

interpretarla cuando sea necesario (MARTÍNEZ,

(re)contar la historia, olvidándose de los intereses

1996). La cercanía con los datos revelan la gran

individuales, alejándose del imaginario de aquel que

intimidad que muchos de los escritores tienen en

ha sido responsable por la colonización, por el

relación al asunto a lo cual trabajan, y que mucho

dolor, y, obviamente, por el registro y por la versión

de sus obras están, en realidad, cargadas de un

– no necesariamente con originalidad – de la historia

espíritu anacrónico estratégico. En el caso de Como

por muchos conocida y estudiada.

vivido cien veces, eso significa pensar que no hay una

Tal desafío fue el primer indicio para que la investigación abarcara el estudio y la comprensión de la obra de Cristina según los rasgos y las

distorsión por ignorancia de conocimiento, al revés, sino que cada detalle fuera “esculpido” con un propósito de construir un arte vigoroso como el

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

905

mármol, el que el hombre nunca hubiera imaginado

traducir, quizá, un poco de lo que no ha sido

encontrar.

registrado. Se puede decir que ese juego, además de

Aquí, empieza, entonces, la primera característica de la obra, o sea, el mimetismo con determinado período histórico, ya que el hilo de la ficción adopta una especie de camuflaje con los hechos “reales” (o mejor, los que son aprobados por la mayoría), entorpeciendo la lectura y

confundir los lectores, ejerce una fuerza persuasiva, ya que la manera de (re)contar la historia garantiza una perspectiva más emocional, enérgica, alejándose de aquel carácter frío que, por lo general, abarca la descripción histórica.

la posibilidad de saber qué es literatura y qué es la historia.

Para establecer un hilo aún más integrado

Tal clasificación propuesta por MENTON (1960) es

entre novela y realidad, Bajo teje el relato con la ayuda

reforzada con los epígrafes que presentan a cada uno de

de esos personales ficcionales y, principalmente, con la

los cuarenta y siete capítulos de la novela, como si fueran

ficcionalización de figuras históricas y reales, presentando

portadas, banderas, signos para (re)afirmar lo que sería

a los interlocutores a ese segundo rasgo común de las

la verdad del pueblo según la óptica de un cordobés.

nuevas novelas históricas hispanoamericanas. Eso se pasa

A menudo, los hechos formales de registro van siendo presentados al lector, en una especie de sinfonía donde el narrador se convierte en maestro, lleno de vigor, musicalidad y estilo. Al empezar el cuarto capítulo, la escritora cordobesa lanza la siguiente cita: “El 22 de abril, a causa de la falta de cumplimiento de lo convenido entre el general Paz y el gobernador Bustos – por parte de este último – tiene lugar el combate de San Roque, en el cual Paz, con las fuerzas unitarias, vence a Bustos” (BAJO, 1995, p. 41). Ese trecho, puntuado por Cristina como perteneciente al libro Historia de Córdoba, del autor Rodolfo de Ferrari Rueda, gana otro valor semántico de su origen inicial, o sea, sale de la concepción hermética de formación educacional e histórica, para dar sazón y apetito a un interlocutor con ojos cada

con nombres importantes de la política y del proceso de independencia argentina, como el caso del fundador de la ciudad de Córdoba, Jerónimo Luis de Cabrera, y de hombres dementados, tales cuales Suárez de Figueroa, Don Manuel López Quebracho, el coronel Manuel Dorrego, Juan Bautista Bustos, General Paz, General Belgrano, José Vicente Reynafé, y otros más. Más que una cita directa, la ficcionalización tiene como objetivo intercalar la literatura y la historia formal como si fueran una pareja única, sin posibilidad de separarse. De acuerdo con el teórico Tomas Eloy Martínez, esa condición ratifica

la

búsqueda

de

muchos

autores,

principalmente en Latinoamérica, de ofrecer a la gente una versión de la historia “oficial” desmitificada, quizá más justa.

vez más hambrientos e intrigados. ¿Qué ha sucedido

Hay, entonces, una distorsión consciente de

de veras? ¿Cómo y por qué Bustos no ha cumplido un

Cristina cuando habla, con la ayuda de un personaje

cierto acuerdo? Cristina Bajo le contesta al lector,

ficcional, acerca de alguien real. En la historia, por

forzándolo, como en un juego, a saciar su curiosidad

ejemplo, el personaje ilustrativo Sebastián – hijo

con el párrafo de apertura: “Inexplicablemente, al

estudioso de la familia Osorio, hermano de Luz,

pensar de algunos, el gobernador Bustos no organizó

representando la influencia de la conciencia y de la

una resistencia efectiva para contener el avance del

imposición europea en contra el espíritu

general Paz” (BAJO, 1995, p. 41). Confundiendo y no

independiente provincial – describe al General Paz

hablando propiamente de lo que no fue convenido,

como un hombre “moderado, disciplinado, culto y

Bajo sigue cosiendo la historia con la ficción (la otra

humanitario”

historia), dibujando un nuevo escenario para

contradiciendo, la novela también habla de otro Paz,

(BAJO,

1995,

p.44).

Se

lo

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

906

éste que es incluso llamado por su apodo, el Manco,

una total fragmentación. Aunque esté ubicada afuera

apuntando la fama de los hombres que, con él,

de los estudios de ese sujeto contemporáneo, ya que

peleaban: “(…) su impopularidad corría pareja con

la novela se pasa en el siglo diecinueve, es posible que

la fama de inofensivos” (BAJO, 1995, p. 76).

uno haga un paralelismo de la desestructuración del

Tales juicios de valor, de alguna manera, también ayudan a (des)construir la imagen única acerca de una persona pública, de una historia, destorciendo lo que una porción de argentinos y de los lectores puedan saber y tener como cierto. Esto porque,

como

paradojalmente

militar, e

la

figura

de

inevitablemente,

Paz, acaba

representando el carácter de la fuerza, de la contradicción y, por supuesto, de la violencia. Hay gente a quien le guste y a quien le odie. En el caso de la obra y de la óptica cordobesa, la misma figura queda dividida como la familia Osorio en el medio: en una punta, la inmersión en las ganas de verse viva y con la representatividad garantizada; en la otra orilla, representada por el interés contrario a Paz, de los federales de Facundo Quiroga. El habla y la mirada del personaje Sebastián parece representar el razonamiento del narrador y su crítica para el desconocimiento de muchos de los argentinos y extranjeros que solamente tenían la visión de la historia oficial, la que era vendida católicamente como salvadora y civilizada. Postulando otro eje importante, las nuevas novelas proponen un discurso reflexivo, un aparato para desestabilizar todo lo que uno hubiera un día creído como una verdad absoluta. Ese carácter inestable a lo que un día fue ratificado, mejor diciendo, sitúa el género textual como parte integrante de una sociedad y de un momento más complejo, lo que fue nombrado, años más tarde, por el sociólogo Stuart Hall como la sociedad postmoderna, detentora de una identidad cultural que es espejo para el sujeto contemporáneo. En esa formación social, el individuo ya no tiene los registros catalogados de manera única, las certidumbres fueron derrocadas por las dudas, y la condición es de

individuo, del desterramiento y de la confusión, de la pérdida de muchas de las certezas. Un ejemplo está en el dialogo entre el capitán Gaspar Indarte y el personaje ficcional Fernando Osorio: - Mis hermanos andan con las montoneras y mis hermanas, casadas y en otras provincias. Sólo mis padres y unos tíos han quedado en el valle – dijo con tristeza el capitán -. Tal parece que las familias argentinas han sido lanzadas a los vientos… (BAJO, 1995, p. 230).

Mucho más que un diagnóstico nubloso y de terror, las características ayudan a explicar el coraje y la razón de los escritores de seguir revolviendo el baúl de la historia, con la convicción de que hay más qué hablar y qué estudiar. Sacramentando ese estado de reflexión, es decisivo lo que dice Giddens: (...) la reflexividad es unas de las fuentes de la naturaleza dinámica de la condición postmoderna y consiste en el proceso constante de examen y reforma de las prácticas sociales a la luz de informaciones renovadas sobre estas propias prácticas. Así, la ficción histórica contemporánea se constituye en una de las construcciones discursivas que permiten el reinventar de los signos que la historia oficial produjo, constituyéndose en un espacio privilegiado de desconstrucción de la memoria colectiva (GIDDENS, 2002, p. 45).

Es esa “personalidad” cuestionadora que impulsa la fuerza de la novela de Bajo, ayudándola a (re)constituir la memoria y la identidad cordobesa. La duda cargada de emoción, la eterna pregunta acerca si una conducta está correcta, como fue poéticamente expresada por medio del personaje comandante Farrel, quien destacó en una charla con Felipe Osorio: “- ¿Qué se hizo, mi amigo – preguntó entonces el comandante – de aquel pueblo que luchó tan denodadamente contra el despotismo español? ¿Dónde equivocamos el camino, dejando atrás la democracia y la grandeza?” (BAJO, 1995, p. 336).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

3 LA MEMORIA Y LA IDENTIDAD CORDOBESAS FUERON ILUMINADAS DESDE (A)BAJO

907

4 LAS OTRAS VOCES QUE ILUMINAN A LA VIDA CIEN VECES A partir de la descripción anterior, es posible

Si se analiza Como vivido cien veces como una

percibir también que el texto, el habla del personaje,

representante de las nuevas novelas históricas

no aparece fortuitamente en la novela, sino actúa

hispanoamericanas, es importante pensar que la voz

reverberando otras voces. Se establece en la obra de

del narrador ecua, de alguna manera, por las orillas

Cristina Bajo la fundamentación de infinitos

del canon, metafóricamente, desde (a)Bajo. La

intertextos, directos e indirectos, provenientes de

autora, por todo eso, representa la otra óptica, en

docenas de cordobesas ficcionales y/o reales. Un

ese trabajo, fundamenta la memoria y la identidad

narrador que vive y respira la cultura no solamente

cordobesas. Haciendo una especie de rescate a esas

que viene desde Córdoba, sino que compone todo

memorias cordobesas y argentinas, Cristina Bajo

el mundo.

anuncia al trigésimo capítulo de su novela de manera significativa: “Son más tristes los recuerdos/ que

El valor del texto bajoniano, de manera

guardo dentro del alma/ que los cantos lastimeros/

compleja, es vislumbrado como un objeto

que se oyen en las montañas” (Cancionero de

polifónico, o sea, proveniente de otras voces, de

Asturias in BAJO, 1995, p.239).

otros enunciados, de otros autores. Eso significa que la lectura de esa pesquisa utiliza la comprensión del

Las líneas pinchadas por Bajo, y, por

texto a partir de los trabajos del ruso lingüista

supuesto, la intención de cada uno de los personajes,

Bajtín, quien ha demarcado en el texto el proceso

ayudan a establecer una verdad, un concepto ya

dialógico, hecho de múltiples fuerzas y naturaleza.

dicho o proclamado por una o más personas. Eses conceptos, cuando (re)leídos en la historia, hunden en la cabeza del lector una fuerza con otras historias

Consideraciones finales

semejantes, o simplemente acuerdos guardados en un rincón que él jamás hubiera un día revuelto a

Como vivido cien veces contribuye de manera

buscar. La información – sea desde la novela, sea

sencilla para que uno lea una óptica de lo que fue la

partiendo de otras inferencias – en esa etapa, pasa a

guerra civil argentina, que ha destacado las primeras

formar parte de una memoria colectiva.

décadas del siglo diecinueve. Utilizando a Luz como

Más que todo, hay un esfuerzo de la escritora para agrandar la importancia de la memoria individual y colectiva para la constitución de la gente cordobesa, argentina, pero que podría representar tantos otros pueblos. Verdad que aparece desde la boca de un personaje granadino,

protagonista y, en según plano, la tradicional familia Osorio, Cristina Bajo logra (re)construir lo que fueron los años de disputas y una búsqueda por la memoria argentina, ya que el país había salido del dominio español y, en aquel momento, discutía su propia identidad.

Valentín Sotomayor, que incita a la protagonista y

La novela tiene gran importancia, ya que

a todos los interlocutores con el porqué más valioso:

presenta a los interlocutores otra condición de los

“(…) Porque es preciso no olvidar, doña Luz. Los

hechos, distorsionando el carácter absoluto de la

pueblos de mala memoria están destinados a la

historia oficial, la que, por lo general, está ligada al

ignominia…” (BAJO, 1995, p. 277).

interés de las corrientes con más relevancia política.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

908

Ese rasgo característico de la obra de Cristina Bajo

saca por arriba, como alguien que hubiera vivido

refuerza su ligación con las nuevas novelas históricas

cien veces.

hispanoamericanas, ya que el objeto de la búsqueda es la discusión de las orígenes y la reflexión de acuerdo con la memoria cordobesa (aquí, de la

Referencias bibliográficas

minoría). De hecho, hay en la composición de la escritora cordobesa una búsqueda y una reflexión

BAJO, Cristina (1995): Como vivido cien veces. Buenos Aires: Ediciones de Boulevard Atlántida.

acerca del ser cordobés, de la memoria de su gente y

FIORIN, José Luis (2008): Introdução ao pensamento de

de lo que se considera como nación. Lo que pasa es

Bakhtin. São Paulo: Ática.

que su discurso parece estar impregnado (en la mejor acepción de la palabra) de las contribuciones

FUENTES,

Carlos

(1969):

La

nueva

novela

hispanoamericana. Ciudad de México.

de Halbawachs (2011) y de Hall (2011) sobre la formación de la memoria colectiva y a respecto de

GIDDENS, Anthony (2002): As Conseqüências da

esa sociedad fragmentada contemporánea, que

Modernidade. São Paulo: Editora Unesp.

discute sus orígenes y sus principales ejes.

HALBWACHS, Maurice (2011): A Memória Coletiva. Rio

Es

importante

destacar

el

carácter

de Janeiro: Editora Centauro.

intertextual y polifónico de la obra bajoniana,

HALL, Stuart (2011): A identidade cultural na pós-

entendido desde la perspectiva de Bajtín. La historia

modernidade. Rio de Janeiro: Editora DP&A.

no es sólo de Cristina, sino de todas las personas que formaran parte de la construcción de la historia de Córdoba, del período en el que ella ha vivido en el campo, de los documentos “oficiales”, de las voces

MARTÍNEZ, Tomás Eloy (1996): Ficção e história: apostas contra o futuro. Em: O Estado de São Paulo, 06 de out., p. D 10-11.

las que caminan, cruzan y sobrevuelan las calles de

MILTON, Heloisa Costa (2001): O novo Romance Histórico

una de las provincias más importantes para la

Hispano-americano. Estudos de Literatura e Linguística.

fundamentación histórica, política y social de la

Assis: UNESP, p. 93-118.

Argentina. La presente análisis es solamente un primer paso en una senda de investigación académica

PIZARRO, Ana (1995): Palavra, literatura e cultura. Campinas: Editora Unicamp, v. 3.

más larga y compleja, donde será posible reflexionar más la influencia de la formatación de la memoria

PHILP, Marta (2009): Memoria y política en la historia

para el desarrollo literario y, con ello, como ficción

argentina reciente: una lectura desde Córdoba. Córdoba:

y la poética pueden involucrar a los lectores en una luz apasionante de búsqueda por la verdad. Lo que es constante en toda la descripción es el ambiente envuelto en un inmenso conflicto político y civil. Ese es el escenario perfecto para hacer de la obra de Cristina Bajo no solamente una historia más, sino un retracto distinto de la memoria del pueblo cordobés. Para uno que la lea, la emoción le

Universidad Nacional de Córdoba.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Nota 1

“La Saga de los Osorio”, además de la novela Como vivido cien veces (1995), es formada por las siguientes obras: En tiempos de Laura Osorio (1998), La trama del pasado (2005) y Territorio de penumbras (2011).

909

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

910

A TRAJETÓRIA DOS MANUAIS DO PROFESSOR DE ELE NO BRASIL

Raabe Oliveira IFRJ Campus Paracambi/ FME-Niterói

Neste artigo, abordaremos alguns aspectos

desse idioma no Brasil e foi construída a partir de

da trajetória dos manuais do professor de livros

uma visão contrastiva entre o português e o

didáticos de espanhol. Assim, recorremos a

espanhol.

informações oriundas de pesquisas realizadas junto a banco de teses, de dissertações e artigos entre outros estudos1 feitos no Brasil sobre o tema.

Nessa época, no Brasil o ensino de língua estrangeira se baseava no modelo de ensino das línguas clássicas (latim e grego). Por isso o método

É importante dizer que não há como falar

utilizado era o de Gramát ica e Tradução que

dos manuais de livros didáticos de espanhol no

valorizava a leitura, a escrita e tradução. O material

Brasil sem mencionar a trajetória do ensino de línguas e as conseqüências exercidas por algumas legislações sobre a publicação de livros didáticos (LLDD). A primeira menção que temos a respeito do ensino de espanhol, segundo Picanço (2003), é introduzido no início do séc. XX, no ano de 1919, com a aprovação do professor Antenor Nascentes, para cátedra, no Colégio Pedro II, na modalidade de disciplina optativa até 1925. Nos anos 20 segundo Eres Fernandez (2000) publica-se a Gramática de língua espanhola para uso

didático utilizado para aprendizagem das LE “eram preferencialmente as gramáticas”. (BAALBAKI, 2002, p. 12) Com a reforma do ensino secundário de 1942, conhecida como a Reforma Capanema, os programas de ensino tentavam articular em seus conteúdos o nacionalismo. Nesse momento, Picanço (2003) afirma que com a saída do alemão do currículo da escola secundária, o espanhol incorpora-se ao currículo obrigatório brasileiro do curso científico e clássico, juntamente com o inglês e o francês e foi foi incorporado gradualmente na maioria das escolas secundárias.

dos brasileiros, do professor Antenor Nascentes. Uma

A reforma de 1942 sugeria, dentre outros

das primeiras obras de referência utilizada no ensino

elementos que se trabalhasse com o método direto,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

911

ditando detalhes sobre como compartilhar as aulas

comerciais e diplomáticas já que a Espanha fechou-

com os estudantes (LEFTA, 1999).

se em si mesma e seu processo de abertura iniciou-se

Quanto aos conteúdos estudados em LE pode-se afirmar que era priorizada a literatura, conforme as instruções metodológicas para a execução do programa de espanhol, a resolução nº. 556, de 13 de novembro de 1945:

70, viviam sob regimes totalitários e eram considerados subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento. Nesse momento, então, o espanhol como disciplina escolar não era valorizado e somente o inglês e o francês eram lecionados com

3- Recomenda-se que, no comentário da leitura ou mesmo noutras ocasiões, o professor conduza as suas considerações de maneira que ache meio de falar, embora sumariamente, nos grandes vultos da civilização espanhola e hispano-americana, principalmente escritores. Isto para que os alunos não deixem o aprendizado colegial sem saber, por exemplo, quem foi o Cid Campeador, el Gran Capitan, Santa Teresa, Carlos V., Isabel a Católica, Carlos III, Ramon y Cajal, Sarmiento, Bolívar, Suéve, Járez, Francia etc. (PICANÇO, 2003, p.37).

É importante dizer que essa Resolução dá instruções metodológicas, o que não ocorre na atualidade, pois os manuais do professor fazem esse papel.

maior força durante a ditadura militar. Nesse período das décadas de 60 e 70, o ensino de espanhol sofreu um apagamento e têm-se notícias de que foi lecionado em poucas escolas e em cursos livres, à exceção da formação em nível superior. Num contexto como esse, em que poucos professores se licenciaram no idioma, o mercado editorial para o ensino de ELE era escasso. Havia livros importados, que eram caros, o que dificultava sua aquisição. Segundo Eres Fernández (2000), essa falta de material se refletiu nas instituições de ensino

Em 1945, publica-se o Manual de Español de Idel Becker, que segundo Eres Fernández (2000), foi utilizado durante muitos anos no ensino de espanhol e único recurso disponível para professores e alunos no Brasil. Pautado num modelo tradicional de ensino de línguas estrangeiras, a autora menciona a existência de cerca de setenta edições até o presente momento.

e nº. 5692/71 que transformam a língua estrangeira disciplina

superior que formavam professores, pois cada uma delas escolhia a melhor forma de solucionar essa falta. A maioria dos cursos de idiomas e até mesmo muitas universidades utilizavam o Manual de Español, de Idel Becker. Outras, quando possível, utilizavam livros editados no exterior como, por exemplo, Vida y Diálogos de España ou Módulos de Español para Extranjeros. Alguns preferiam trabalhar utilizando materiais preparados pelos

Com as leis de Diretrizes e Bases nº. 4024/61 em

em 1975. Vários países da América Latina, nos anos

complementaria

ao

núcleo

pedagógico/ parte diversificada, deixou-se a critério de cada estado/município a possibilidade de escolher a língua estrangeira a ser ensinada, dessa forma o ensino do inglês e do francês acabou sendo priorizado. Observa-se também que o espanhol nas décadas de 60 e 70 não era importante nas transações

próprios professores. Essa reduzida oferta editorial pode ser explicada pela observação de que se poucos eram aqueles interessados em aprender espanhol, menos ainda os que ensinavam o idioma. Assim, se a demanda na busca por aprender essa língua era pequena, não havia motivos para muitas publicações nessa área. Por outro lado, no que tange ao ensino de inglês, por exemplo, Baalbaki (2002) mostra que a

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

912

década de 50 foi marcada por grande variedade de

anteriormente, que esses surgiram em meados da

publicações de livros nessa área influenciados pelo

década de 50. Entretanto, no que se refere aos

método direto. Pode-se perceber que é uma situação

manuais do professor de ELE, não temos notícias de

bem diferente se comparada ao espanhol. Em meados

que apareceram também nessa década, pois a

dos anos 50 e início dos 60 começaram a aparecer

situação do ensino de espanhol entre as décadas de

manuais do professor separados dos livros de

60 e 70 fizeram com que basicamente não houvesse

exercícios (SILVA, 1988, 168).

materiais e os poucos que existiam eram de acordo

Se gundo o autor, essa foi uma grande

com o que discorremos anteriormente.

mudança ao longo da história já que antes os livros

Um fato que influenciou a produção e

didáticos, manuais, compêndios, livro escolar entre

importação de materiais de ELE foi a revalorização

outras denominações consistiam em um único

da Língua Espanhola no início dos anos 80, no Rio de

volume no qual os autores expunham suas técnicas e

Janeiro. Dentre os fatores importantes para tal foi a

apresentavam orientação ao professor no prefácio

fundação da APEERJ (Associação de Professores de

dos livros. Contudo vale recordar que em tempos

Espanhol do Estado do Rio de Janeiro), que começou

ainda mais antigos, “só existia um exemplar para o

a lutar pela reinclusão do idioma nas escolas.

aluno e professor, que não trazia nem mesmo um prefácio”. (SILVA, 1988, p. 187).

Assim, nessa época, começam a aparecer materiais didáticos inclusive alguns são elaborados

Medeiros e Pacheco (2009, p.58) mostram

por brasileiros e editados no Brasil, como a coleção

como o manual foi se constituindo como um gênero

Vamos a Hablar(1991), Editora Ática, de Felipe

no decorrer dos anos:

Pedraza Jiménez e Milagros Rodríguéz Cáceres; o livro Síntesis Gramatical de La Lengua Española

Gradual e paulatinamente vão sendo introduzidos nos livros didáticos instruções aos professores para que façam delas uso em sua prática docente. Inicialmente, as orientações do autor do livro didático se consubstanciam nas notas de rodapé, depois vão sendo incluídas nas páginas do livro do aluno, em letras de fontes e cores diferentes, a seguir, em função de seu aumento gradativo, as instruções vão sendo publicadas em um anexo incluído ao final do livro didático. É desse modo que o manual do professor vai se constituindo como parte integrante do livro didático: do rodapé para o corpo do livro didático, para, finalmente, constituir corpo próprio. (MEDEIROS E PACHECO, 2009, p.58)

(1999), da professora Maria Teodora Rodríguez Monzú Freire, disponível ainda hoje em uma nova edição revisada e atualizada. Outro material é o Curso Dinâmico de Español (2000), Editora Hispania, da professora María Eulália Alzueta de Bartaburu; Lo que Oyes de Carmen Marchante e Salud y Belleza de Ángeles Sanz Juez.2 A coleção Vamos a Hablar3, editada no final dos anos oitenta, representa o pontapé inicial para a publicação de outros livros didáticos, já que foi o

Com esse trecho das autoras podemos afirmar

primeiro de publicação nacional

que o manual antigamente não possuía o mesmo formato que na atualidade, uma vez que passou por transformações que fizeram com que as prescrições presentes nas notas de rodapé aumentassem a tal ponto de ter que separá-las do corpo do LD do aluno.

A fim de mostrar como era o manual do professor da respectiva obra nos basearemos na edição do ano de 1992. Nesse manual as orientações metodológicas são inseridas na introdução da obra, juntamente com os agradecimentos e explicações

Por outro lado, no que se refere aos manuais do professor temos informações, conforme esboçado

sobre o conteúdo do livro:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

913

Figura 1: Apresentação do livro Vamos a Hablar Fonte: PEDROSA GIMENES, F.; CACERES, M. R. Vamos a hablar – curso de língua espanhola. São Paulo: Ática, 1992.

Outra característica que observamos é que, nesse formato de MP, os autores colocam suas sugestões metodológicas no decorrer do próprio livro conforme a gravura abaixo:

Figura 2 – Instrução ao professor no livro Vamos a Hablar Fonte: PEDROSA GIMENES, F.; CACERES, M. R. Vamos a hablar - curso de língua espanhola. São Paulo: Ática, 1992.

Ao incluir nas lições comentários metodológicos, os autores sugerem ações as quais acreditam ser de importância para a execução “adequada” do trabalho do professor e assim, consequentemente, alcançar a aprendizagem do estudante. Outra característica dessa coleção que se mantém nos livros destinados ao professor ainda hoje é a inclusão dos gabaritos dos exercícios em vermelho, o que determina somente uma alternativa de resposta, conforme a figura 3 mostra:

Figura 3 – Exemplo de resposta de exercício do livro Vamos a Hablar Fonte: PEDROSA GIMENES, F.; CACERES, M. R. Vamos a hablar – curso de língua espanhola. São Paulo: Ática, 1992.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

914

Por sua vez, a gramática de A. Nascentes

visão teórica. Segundo Celada e González (2000), o

(1934), Gramática de língua espanhola para o uso dos

problema não está nos trabalhos de A. Nascentes

brasileiros, e o manual de I. Becker (1945), Manual

ou de I. Becker, mas:

de español: gramática y ejercicios de aplicación; lecturas; correspondencia; vocabularios; antología poética, como já dissemos, são os primeiros trabalhos de publicação nacional dirigidos ao ensino da língua espanhola para os brasileiros.

en la manutención de esa visión estereotipada a contrapelo de todos los avances en los estudios lingüísticos y de los estudios en el campo de la adquisición de lenguas, que apuntan hacia otras interpretaciones, otros modelos, recortes y objetos de análisis (2000, p.37)

Ambos se pautam em propostas metodológicas da Gramática e Tradução e numa abordagem de análise

Em outras palavras, a autora esclarece que

contrastiva. Dessa maneira o aluno brasileiro não

com todos os avanços dos estudos lingüísticos, cabe

necessita conhecer profundamente o espanhol,

uma reflexão por parte de alguns, em utilizar

como está explicito na gramática de A. Nascentes

somente a análise contrastiva como forma de

(1934):

ensinar o espanhol como língua estrangeira.

– O espanhol é, como o português, uma língua de origem latina.

Cabe dizer ainda que esses estudos pioneiros de Antenor Nascentes e de Idel Becker ajudaram a impor e a legitimar, sobretudo entre estudantes e

– Estando o Brasil cercado de países onde se fala o espanhol e com os quais se acha em relações constantes, de origem política, comercial, etc. é de grande vantagem para os brasileiros o conhecimento não perfunctórico daquela língua, assim como o da língua portuguesa o é para os naturais de outros países da América do Sul....

muitos professores brasileiros de ELE, a crença de que estudar essa língua é fácil e limita-se ao conhecimento das regras gramaticais e ao estudo comparativo do léxico, por meio de semelhanças e falsos cognatos. Percebemos isso pela quantidade considerável de dicionários de falsos amigos ou listas

– O espanhol é parecidíssimo com o português, como tôda a gente o sabe. Quem conhece o português, com facilidade lê e compreende o espanhol, sentirá, é verdade, algumas deficiências...

de vocabulário divulgado em materiais didáticos.

Os trechos acima inscrevem-se numa visão

espanhol e há uma comparação de semelhanças e

contrastiva de ensino de língua que acreditava que

diferenças entre essa língua e o português, além de

por ser o espanhol e o português línguas latinas a

acrescentar fragmentos de textos literários e poesias

proximidade entre ambas era visível e dessa maneira,

de diversos autores hispânicos. A obra se ancora em

não resultava difícil para um brasileiro aprender a

uma abordagem tradicional.

língua de Cervantes.

Na obra de Idel Becker4, há uma apresentação das regras gramaticais baseadas na norma padrão do

Cabe dizer que não encontramos em

Segundo Celada e Gonzalez (2000), a

nenhuma edição desse livro alguma parte destinada

gramática de A. Nascentes serviu de suporte para o

ao docente, seja no prefácio seja em forma de

primeiro livro de ensino da língua espanhola, o

manual. 5 O único diálogo estabelecido com o

manual de I. Becker (1945). Ambos se baseiam no

docente é um pequeno texto na forma de “recado”

modelo de análise contrastiva. É importante dizer

deixado ao inicio do livro para que o professor entre

que hoje em dia muitos trabalhos ainda seguem essa

em contato com a editora a fim de solicitar o envio de um exemplar do professor, conforme a figura 4.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

915

Inclusive, desde o ano de 1997, o MP passou a ser uma das obras que integram exigência do Governo Federal para a seleção de livros para o PNLD. É importante dizer que é descartado o LD inscrito no programa que não apresentar o manual conforme o item 3.1 subitem 3.1.5 do PNLD 2011: 3. Critérios de exclusão

Figura 4 – Carta de apresentação do Manual Idel Becker ao professor ELE Fonte: PEDROSA GIMENES, F.; CACERES, M. R. Vamos a hablar – curso de língua espanhola. São Paulo: Ática, 1992.

Isso aponta que nessa época o professor já possuía a opção de solicitar à editora um exemplar gratuito. A fim de informar tal cortesia ao educador, o autor colocou a nota ao inicio do livro.

3.1. Nesta etapa serão excluídas as obras didáticas que apresentarem as seguintes características: (...) 3.1.5. livros não acompanhados do manual do professor; (Grifo do autor)

No trecho acima, verificamos a importância atribuída ao Manual do professor pelo Governo Federal e, uma vez exigida sua presença acreditamos que haverá mudanças na elaboração dos livros destinados ao docente. Caso as editoras não se

Nas obras citadas, Manual de Idel Becker e

adaptem as exigências dos editais do PNLD, podem

Vamos a Hablar, o manual do professor possui uma

ter seus livros excluídos das seleções, o que poderia

estrutura diferente dos manuais atuais. Enquanto

acarretar prejuízo uma vez que o Governo Federal

que o primeiro é a própria reprodução do LD do

é seu maior comprador de livros didáticos.

aluno, representa aquela época em que não havia a necessidade de explicação das atividades propostas no LD e nem de instruções ao docente de atividades complementares e da utilização do LD. O segundo já é um outro momento da história dos manuais, pois ele já começa a limitar-se um pouco, pois nesse manual as respostas já se apresentam em outra cor diferente e as instruções metodológicas aparecem na apresentação e no decorrer do manual, ou seja, já começa a surgir uma outra estrutura do manual. Como já mencionado, sabemos que a partir de

Dessa maneira, observamos a importância dada ao manual no decorrer desses anos a tão ponto de ser exigência nos editais do PNLD. Esboçamos nesse trabalho a constituição histórica do manual do professor de ELE a fim de construir uma memória desse material e trazer contribuição para esse histórico já que observamos que o manual do professor na atualidade pouco tem sido objeto de estudo, além disso, ainda há poucas informações sobre ele.

meados dos anos 50 os manuais começaram a

Considerando que queríamos estudar os

diferenciar-se dos livros dos alunos e constatamos

documentos que orientam o trabalho do professor

em consulta a diversos materiais de ELE que é uma

elegemos o manual por acreditar que ele é um

prática comum às editoras considerarem manual do

prescrito que sistematiza a atividade docente junto

professor como sendo apenas a parte anexa ao livro

ao Livro didático. Nosso objetivo ao fazer tal coisa

do aluno.

foi o de organizar dados retirados de várias fontes, para observar como a mudança estrutural desses

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

916

documentos influenciou na imagem de professor e

ERES FERNANDEZ, G. I. M. La producción de materiales

de Ensino de espanhol como língua estrangeira dos

didácticos de español lengua extranjera en Brasil. Anuario

manuais.

brasileño de estudios hispánicos, Madrid, n.1, p. 59-82, jan./ dez. 2000. LEFFA, V. J. Metodologia do ensino de línguas. In BOHN,

Referências bibliográficas

H. I.; VANDRESEN, P. Tópicos em lingüística aplicada: o ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: Ed. da UFSC,

BAALBAKI, A. C. F. Vulgarização científica e imagens

1988. p. 211-236.

discursivas do professor em manuais de livros didáticos de inglês. 2002. 117f. Dissertação (Mestrado em Lingüística) -

MEDEIROS, V. G; PACHECO, D. Materiais didáticos de

Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio de

língua Portuguesa: reflexões acercado lugar do professor.

Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.

In: DAHER, D. C; GIORGI, M. C; RODRIGUES, I. C. (Org.). Trajetórias em enunciação e discurso: práticas de formação

BECKER, I. Manual de español: gramática y ejercicios de

docente. São Carlos: Editora Claraluz, 2009. p. 49-60.

aplicación; lecturas; correspondencia; vocabularios; antología NASCENTES, A. Gramática de língua espanhola para o uso

poética. 57ª ed. São Paulo: Nobel, 1970.

dos brasileiros. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Pimenta de Mello, BRASIL. Lei nº 4.024, de 20 de Dezembro de 1961. Fixa as

1934.

Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Disponível em:< http://www2.camara.gov.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-

PEDROSA GIMENES, F.; CACERES, M. R. Vamos a hablar

4024-20-dezembro-1961-353722-publicacao-1-pl.html>.

- curso de língua espanhola. São Paulo: Ática, 1992.

Acesso em 08 jun. 2010.

PICANÇO, D.C. de L.. História, memória e ensino de espanhol

________. Lei 5692/71, de 11 de agosto de 1971. Fixa diretrizes e bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 8 jun 2010.

(1942-1990). Curitiba: Ed. da UFPR, 2003. SILVA, M. A.C.M.B. Estudo diacrônico de livros didáticos brasileiros para ensino de inglês: Grau de atualização frente às correntes metodológicas. 1988. 222f. Dissertação (Mestrado em Lingüística Aplicada e Estudos da

CELADA, M.T; GONZÁLEZ N.M. Los estudios de Lengua

Linguagem) – Instituto de Letras, Pontifícia Universidade

Española en Brasil. Anuário Brasileño de estudios

Católica de São Paulo, São Paulo, 1988.

hispánicos. Madrid: MEC, 2000.

Notas

1

Portal da Capes e o banco de teses das principais universidades brasileiras que disponibilizam dissertações on-line, (Unicamp , USP, UERJ, PUC-SP, URBA, entre outros) além, do site de busca Google.

2

Essa referência é do texto de Eres Fernandez (2000) que menciona a importância desses livros que aparecem entre as principais obras dos anos noventa, elas possuem tiragem e distribuição limitada. A autora, não cita o ano de suas edições.

3

Para nossa investigação trabalharemos com a 3ª edição que é do ano de 1992, em função da dificuldade encontrada em localizar a primeira edição, publicada no final da década de 80.

4

Em conversa informal com professores que lecionaram com Manual de Idel Becker, foi-nos revelado que não havia no exemplar respostas dos exercícios. Esse exemplar do professor fornecido pela editora era, na verdade, o mesmo volume comprado pelo aluno.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

917

MANUEL RIVAS Y MIGUEL HERNÁNDEZ: POESÍA HACIA EL PORVENIR

Rachel Coelho Coimbra PG-UFF El arco – el pasado que nos impele – está muy lejos, es muy antiguo, está muy envejecido. La saeta – el futuro que nos atrae – es demasiado fugaz, aislada, quimérica. La voluntad necesita dibujos más ricos en el futuro, más insistentes en el pasado. […] El ser que permanece tiene por tanto, en el instante presente en que se decide la realización de un designio, el beneficio de una verdadera presencia. Gaston Bachelard

El encuentro aquí propuesto entre el

ve el pasado de España como algo aún presente. Es a

periodista y escritor Manuel Rivas (1957) y el poeta,

través de ese proceso que Rivas hace con que la

soldado y pastor de cabras Miguel Hernández (1910

memoria de Galiza reexista. Es un complejo proceso

– 1942) es un encuentro que se realiza a través de su

que él enfrenta para mantener vivas las tradiciones

poesía, aunque desafíe el paso del tiempo. Se

de su Galicia, siempre de “cara ao futuro” (CASTRO

encuentran a través de sus poemas O Pan negro (1985)

VÁZQUEZ, 2007, p. 193).

y El tren de los heridos (1937-1939), a partir de la ruptura que provocan en el tiempo. La tragedia, la

Sus obras son siempre originalmente escritas

muerte y el miedo se transforman en una memoria

en gallego y, posteriormente, traducidas a otras

de todos los tiempos, de los que no están más aquí,

lenguas. Isabel Castro Vázquez, autora de un estudio

así como de los que aún van a llegar. La tragedia pasa

acerca de la obra rivasiana, cuestiona cómo el autor

a ser de toda la Humanidad. Las voces de los poemas

gallego consigue conectarse con diversas alteridades,

claman para que algo o alguien pare el tren agonizante

mientras logra crear una concienciación de la

que nunca acaba de cruzar la noche, y que lleva la

identidad gallega (CASTRO VÁZQUEZ, 2007, p. 12).

muerte, o claman por la memoria de otros que, por medio de la poesía, trae de vuelta la imagen del negro pan de la España de los años 40. Esas voces proponen una alternativa otra, otro camino, que está en el porvenir y que se realizará o no: una posibilidad futura, pero siempre una posibilidad otra.

Según ella, el término alteridad refleja la ausencia de poder y voz, una vez que el otro es aquel de quien hablan los que detienen el poder y el discurso (CASTRO VÁZQUEZ, 2007, p. 12). La reexistencia, término utilizado por Castro Vázquez, es, por lo tanto, el producto del intento de Rivas

El periodista y escritor Manuel Rivas (1957)

de reinventar o recrear la existencia de un pueblo

valora la memoria no como algo que está cristalizado

(de una alteridad) a partir de la memoria, de su

en un pasado lejano. Todo al revés, el escritor gallego

pasado.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

918

Rivas en su obra parece buscar en la memoria

motivo que Rivas vuelve su mirada hacia el pasado

de sus antepasados lo necesario para armonizar el

histórico de Galicia, así como también al periodo de

pasado, el presente y el porvenir. Castro Vázquez

la Guerra Civil Española (1936 – 1939) y de la

menciona, en su estudio, al filósofo francés nacido

dictadura franquista que se siguió, la cual, según

en Argelia Jacques Derrida (1930 – 2004), por medio

Castro Vázquez, fue la larga noche de piedra:

de su obra Espectros de Marx (1994), la cual menciona el inevitable encuentro con los espectros de nuestro pasado. Castro Vázquez cita el hecho de que, según Derrida, los espectros del pasado poseen varios tiempos, y que si hay alguna característica del espectro, es que nadie está seguro si a su alrededor somos testigos de un pasado vivo o de un futuro vivo (CASTRO VÁZQUEZ, 2007, p. 21-22). Para Derrida, el espectro es aquel que no está presentemente vivo, por pertenecer al pasado, o por no haber aún nacido (DERRIDA, 1994, p. 11).

Todas estas colonizaciones y represiones continúan durante la larga noche de piedra de la dictadura franquista que se siguió a la guerra civil española en el siglo XX. Aunque Franco fuese gallego de origen, el franquismo contribuyó para estigmatizar más con lo que se refiere a la lengua, la literatura y la cultura gallegas. Tras la dictadura llegó la transición a la democracia y la creación del Estatuto de Autonomía por el cual tantos intelectuales lucharon ya desde el siglo XIX. Sin embargo, estos procesos de acuerdo con Rivas, fueron muy elitistas y no contaron con el pueblo, lo que corrobora Suso de Toro que describe Galicia como “una anomalía histórica consentida, propiciada por la democracia española” […]. (CASTRO VÁZQUEZ, 2007, p. 23)3

John Thompson (1971), autor de la obra As novelas da memoria: trauma e representación da Historia na Galiza contemporânea (2009), en la que analiza la narrativa gallega y como ésta narra la Guerra Civil Española, nos dice en el capítulo

Galicia es para Rivas el crisol donde hay la ebullición de todos los tiempos, es el espacio fronterizo lleno de vida donde se reinventan las tradiciones de ese pueblo.

intitulado Pegadas espectrais que los humanos

La visión de Rivas de que Galicia es un espacio

dejamos huellas que, aunque invisibles, permanecen

fronterizo se debe probablemente al hecho de que la

en un ambiente sobrenatural que los aparatos

emigración

represivos no pueden hacer desaparecer. Según

primeramente hacia América, y posteriormente a

Thompson, estos restos espectrales aguardan que algún

otros países de Europa. Tal hecho quizá es lo que

sobreviviente tenga la sensibilidad de sentirse

conectó Galicia a las otras alteridades, formando una

afectado por ellos, y que actúe para recuperarlos e

red humana con el resto del mundo (CASTRO

inserirlos en la Historia (THOMPSON, 2009, p. 73).

1

Tal relación establecida por Derrida con el pasado _ los espectros_, la cual es reafirmada por Thompson, está, de alguna manera, también presente en la obra de Rivas, ya que “[…] cuando Rivas vuelve

de

gal legos

fue

incalculable,

VÁZQUEZ, 2007, p. 38). Rivas, consciente de esta gran red humana, cuenta historias, para rescatar la memoria de sus antepasados, sea a través de sus artículos periodísticos, de sus cuentos, novelas, y de su poesía.

al pasado dictatorial es para desnaturalizar su

En su poema O Pan Negro (1985), escrito

discurso, evidenciar sus efectos en el presente […]”2

originalmente en gallego, rescata una memoria

(CASTRO VÁZQUEZ, 2007, p. 22).

relacionada con el periodo de la Guerra Civil y,

La mirada hacia el pasado se hace necesaria en la búsqueda de Rivas por la reexistencia de la cultura y de las tradiciones gallegas. No es por otro

principalmente, con el periodo de hambre y miseria vivido por España en los años siguientes, los años de la posguerra. Al comentar acerca de la razón porque

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

trata del tema de la Guerra Civil, Rivas afirma que hablar de esa guerra no es un argumento histórico, sino que tiene una estrecha relación con el pueblo de Galicia y con el presente. La guerra civil española, para él, “escenificó la derrota de la humanidad”, y, por otro lado, fue una guerra que se prolongó por 40 años, dejando huellas y heridas que aún no están

919

el fuego entrecortado por rezos y motores lejanos como aullidos, los paños bordados con dedos amantes en el blancor, y también el miedo, un miedo que silba furtivo, acechando entre las hiedras, desnudo, terriblemente flaco y pálido, como los ojos por dentro. (RIVAS, 1997, p. 53) 5

curadas: El poema recuerda el pan negro, común en […] “hablar de esa guerra no es un argumento histórico, sino que tiene que ver con nosotros, con el presente. La guerra española fue un escenario donde se escenificó la derrota de la Humanidad. Por otra parte, fue una guerra que se prolongó por 40 años de dictadura y muchas de sus sombras no están curadas” (Entrevista electrónica El Mundo). (CASTRO VÁZQUEZ, 2007, p. 89) 4

los tiempos de hambre de la posguerra, especialmente

Las sombras o heridas de España de aquel

y que permanece vivo, en el pasado, en el presente, y

periodo permanecen abiertas, según Rivas, mientras la derrota de la Humanidad allí escenificada merece ser recordada y repensada.

en los años 40 (cuarenta). Recuerda los sonidos, activando la memoria a través de los sentidos. En los versos siguientes, recuerda el miedo, siempre presente, insistente. Es un miedo omnipresente, que rompe con la relación de tiempo, en el porvenir. Al tratar del miedo como algo omnipresente, surge una rendija, una apertura que rompe el sentido

El poema O Pan Negro es dedicado a los

lineal del tiempo, al transformar el dicho miedo en

abuelos del poeta: Manuel Barrós, labrador de Corpo

algo no más perteneciente al pasado. Es un miedo

Santo, y a Manuel Rivas, carpintero de Sigrás.

capaz de pertenecer también al presente, y, por lo tanto, puede resignificar el porvenir.

Al dedicar el poema O Pan Negro a sus abuelos, Rivas evoca la herencia de sus antepasados,

En la estrofa final, la voz del poema relaciona

y la hace presente a partir del momento en que el

la memoria, que no es la suya, con las memorias

lector lee su poema, que, así como todo el resto de su

futuras, ahora ya sin miedo, y con sus “dedos de

obra, nos permite una lectura en espiral, polisémica

ensueño”:

y llena de multiplicidad. Rivas dedica también ese poema a su hijo, Martiño, lo que nos hace pensar una vez más en cómo el poeta gallego piensa su obra hacia el porvenir. Al inicio del poema, la voz poética parece

Quien sea el que recuerde tiene un nombre bordado en mi memoria de violetas, en el frescor frondoso del viejo robledal, en los enredos, en los juegos, en el pan blanco, en las memorias futuras que acaricio, sin miedo, con mis dedos de ensueño. (RIVAS, 1997, p. 54) 6

evocar una memoria distante, que no es suya, pero que resurge a través de los sentidos y del propio olvido; una memoria no muy nítida, sino presente:

La voz del poema afirma que aquel que recuerde, sea quien sea, tiene su nombre bordado en su memoria, y en las memorias futuras. El pasado

En estremecidas humedades de una memoria que no es la mía voy desgranando el negro pan de los Cuarenta,

reexiste por medio de la voz del poema, ya sin miedo, y dialoga con un porvenir, con sus “dedos de ensueño”.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

920

Rivas establece un diálogo entre memoria y

Las voces que se manifiestan en O Pan negro,

reexistencia; entre sus / nuestros espectros y el porvenir.

de Manuel Rivas y El tren de los heridos, de Miguel

El poema El tren de los heridos escrito entre los años 1937 y 1939 por Miguel Hernández describe la muerte como un tren agonizante, al denunciar los horrores de una terrible guerra de la cual él mismo participó en los campos de batalla. Narra el cuadro de la guerra y del silencio de los vencidos. El poema

Hernández deconstruyen el tiempo. La tragedia, la muerte y el miedo están presentes en una memoria de todos los tiempos, de los que se fueron, de los que aquí están, y de los que aún vendrán. La rendija que se abre nos mueve hacia la reflexión, hacia el otro (la alteridad); es acto de reexistencia.

da movimiento al tren de la agonía:

Manuel Rivas y Miguel Hernández tejieron, tejen y seguirán tejiendo su escritura de “cara ao

Silencio que naufraga en el silencio de las bocas cerradas por la noche. No cesa de callar ni atravesado. Habla el leguaje de los muertos. Silencio. […] (HERNÁNDEZ, 1999, p. 66)

futuro”.

Referencias bibliográficas BACHELARD, Gaston. O Ar e os Sonhos. Ensaio sobre a

El tiempo se eterniza, mientras el silencio “amordaza las ruedas, los relojes”. El tren nunca acaba

imaginação do movimento. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

de pasar. Es atemporal. Estaba presente en aquel momento, y sigue presente en el porvenir.

CASTRO VÁZQUEZ, Isabel. Reexistencia. A obra de Manuel Rivas. Vigo: Edicións Xerais de Galicia, 2007.

El silencio que aterroriza a los heridos de la guerra “No cesa de callar ni atravesado”. El tren “que nunca acaba de cruzar la noche” (HERNÁNDEZ, 1999, p. 66-67) ya pertenece a toda la Humanidad.

DERRIDA, Jacques. Espectros de Marx: o estado da dívida, o trabalho do luto e a nova internacional. Traducción de Anamaria Skinner. Río de Janeiro: Relume - Dumará, 1994. ______, Jacques. Schibboleth pour Paul Celan.

La voz del poema denuncia los horrores de la

ÉditionsGalilée, 1986.

guerra, la muerte, y rompe el silencio, al dar voz a los que ya no pertenecían a aquel tiempo. Sin embargo,

DICCIONARIO DA REAL ACADEMIA GALEGA.

los callados por la muerte permanecerán vivos, pues

Disponible en: http://www.edu.xunta.es/diccionarios/

el poema les ofrece su voz. Al recordar tal escenario,

index_rag.html. Acceso en 08 feb. 2012.

somos conectados con los espectros de aquel pasado.

DICCIONARIO DE LA REAL ACADEMIA ESPAÑOLA.

Es su reaparición.

Disponible en: http://www.rae.es/rae.html. Acceso en 27

Derrida en su obra Schibboleth pour Paul

nov. 2011.

Celan (1986) comenta la relación que existe entre la

HERNÁNDEZ, Miguel. Miguel Hernández. Poemas.

fecha en la cual o acerca de la cual el poeta escribe y

Selección de la obra: Josefina Manresa. Introducción: José

el otro. Para él, si el poema recuerda una fecha, un

Luis Cano. Barcelona: Plaza & Janés, 1999.

evento pasado, hablará siempre al otro. El poema

RIVAS, Manuel. Do descoñecido ao descoñecido – obra

trasciende la fecha, así como el evento recordado. El

poética (1980-2003). A Coruña: Edicións Espiral Maior, S.

poema hablará al otro, a todos, incluso a los que no

L., 2003.

fueron testigos del evento

recordado.7

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

921

RIVAS, Manuel. El pueblo de la noche. Traducción de

ROMERO, Elvio. El hombre que acecha. In: Miguel

Dolores Vilavedra. Madrid: Santillana., 1997.

Hernández. Destino y poesía. Buenos Aires: Losada, 2010,

______. La entrevista. 2010. Entrevista concedida a David

p. 170-177.

Cantero. Disponible en: http://www.rtve.es/alacarta/

THOMPSON, John. Pegadas espectrais. In: As novelas da

videos/television/entrevista-manuel-rivas/689625/. Acceso

memoria: trauma e representación da Historia na Galiza

en: 19 jul. 2011.

contemporânea. Vigo: Galaxia, 2009, p. 69-80.

Notas 1

“Os humanos deixamos pegadas que, aínda sendo invisíbeis, fican nun ambiente sobrenatural que os aparatos represivos non poden facer desaparecer completamente. E estes restos espectrais agardan que algún sobrevivente teña a sensibilidade de podelos ver, de sentirse afectado por eles e actuar para recuperalos e inserilos na Historia.” (THOMPSON, 2009, p. 73)

2

“[...] cando Rivas volve ao pasado dictatorial é para desnaturalizar o seu discurso, evidenciar os seus efectos no presente [...]” (CASTRO VÁZQUEZ, 2007, p. 22)

3

Todas estas colonizacións e represións continúan durante a longa noite de pedra da ditadura franquista que seguiu á guerra civil española no século XX. Aínda que Franco era galego de orixe, o franquismo contribuíu a estigmatizar máis se cabe a lingua, literatura e a cultura galegas. Tras a ditadura chegou a transición á democracia e a creación do Estatuto de Autonomía polo que tantos intelectuais loitaran xa desde o século XIX. Porén, estes procesos de acordo con Rivas, foron moi elitistas e non contaron co pobo, o cal corrobora Suso e Toro descibindo Galicia como “una anomalía histórica consentida, propiciada por la democracia española” [...]. (CASTRO VÁZQUEZ, 2007, p. 23)

4

[...] “falar desa guerra non é um argumento histórico, senón que ten que ver con nós, co presente. A guerra española foi o escenario onde se escenificou a derrota da Humanidade. Por outra parte, foi unha gurra que se prolongou con 40 anos de ditadura e moitas das súas sombras non están curadas” (Entrevista electrónica El Mundo). (RIVAS apud CASTRO VÁZQUEZ, 2007, p. 89)

5

En trementes humidades dunha memoria que non é a miña estou a debullar o negro pan dos cuarenta, o lume etrecortado por rezos e motores lonxanos como /ouveos, os panos bordados con dedos biqueiros na brancura, e tambén o medo, un medo que asubía infindo, axexante nas hedras, espido, terribelmente feble e pálido, como os ollos por dentro. (RIVAS, 2003, p. 127)

6

Quen sexa o que recorde Ten un nome bordado na miña memoria de violetas Na fresca vizosidade da mesta carballeira, nos enredos, nos xogos, no pan branco, nas memorias futuras que aloumiño, sen medo, cos meus dedos de ensoño. (RIVAS, 2003, p. 128)

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

922 7

[...] sans doute que malgré la date, en dépit de sa mémoire enracinée dans la singularité d’ un événement, le poème parle: à tous et en général, à l’autre d’ abord. Le mais semble porter la parole du poéme audelà de la date: si le poème rappelle une date, se rappelle à sa date, à celle où il écrit ou dont il écrit, depuis laquelle il s’écrit, pourtant il parle! à tous, à l’ autre, à quiconque ne partage pas l’ experience ou le savoir de la singularité ainsi datée, depuis ou datée de tel lieu, tel jour, tel mois, telle année.[...] Comme si écrire à une date signifiait écrire non seleument tel jour, à telle heure, à telle date mais aussi écrire à la date en s’ adressant à elle, se destiner à la date comme à l’autre, la date passée autant que la date promise. (DERRIDA, 1986, p. 21)

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

923

O HORIZONTE FILOSÓFICO DO ESPAÇO DE LA GRANDE DE JUAN JOSÉ SAER

Raquel Alves Mota PG-UFMG ¿Cuánto duran, fuera de los relojes, los acontecimientos? Saer, La Grande, p. 96.

A epígrafe do texto foi retirada do próprio

minucioso de Saer é iterativamente manifesto em suas

romance no escopo de sublinhar a relação conflituosa

narrativas, a descrição espacial sempre recebe

entre tempo e espaço presente em La Grande (2005).

relevância no relato3. Em La Grande, percebe-se uma

Não que seja exclusiva, deste romance, a discussão

maior nitidez desse embate ou da discussão da

da capacidade de apreensão do real, mas Saer endossa

possibilidade de representação do espaço dentro dos

essa questão, por meio dos mecanismos de interação

limites temporais.

entre o tempo e o espaço. Em relação ao horizonte narrativo das personagens, o interessante será pensar como o espaço comunica com as personagens, por meio de suas transmutações e imobilidade1, com um movimento de “estreitamento do tempo em espaço”.2

O romance La Grande foi deixado inconcluso, inicia-se em martes e finaliza-se em lunes com apenas a frase de abertura. A estratégia de nomear os capítulos como os sete dias da semana acentua esse viés do tempo, da tentativa de demarcar limites. No

Essa t ransmutação do tempo em espaço é

grande volume da obra saeriana, o que se pode

representada no romance, concretamente, pela

afirmar peremptoriamente que repercute é a acuidade

divisão temporal das partes do romance, que se

com a descrição dos contornos do espaço. Há uma

preenchem p or uma narrativa marcadamente

tentativa de percorrê-lo, no encalço de acompanhar

espacial: cada uma das sete partes representa um dia

a transformação das coisas ou mesmo da percepção.

da semana.

Percebe-se o jogo com o real, o movimento do olhar

Em uma narração em terceira pessoa, percebe-se o intuito do narrador em esgotar os limites do nar rado. As minúcias dos acontecimentos suplantam a ideia que se tem de um dia, já que o espaço reclama ser percorrido quase que fora dos

busca acompanhar a evasiva manifestação do mundo. O diferencial ou, atenuando melhor essa palavra, o que se acentua em La Grande é o embate pungente entre tempo e espaço desenvolvido por meio de uma discussão filosófica.

limites do tempo. O espaço requer a derrocada do

Nula uma das personagens centrais do

tempo, por meio de uma narrativa perspicaz, em que

romance detém grande parte do foco da ação. Esta

esses dois mecanismos se confrontam. Esse olhar

personagem é um ex-estudante de medicina que “en

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

924

la época de la Facultad de Medicina, veía los cuerpos

Como anunciado no título do trabalho, a

abiertos (…) y pensaba no en los órganos ni en las

questão aqui é o horizonte filosófico do espaço de La

funciones que cumplían, sino en cosas más abstractas

Grande. Porém, o que se descobre é que o tempo

(…) las relaciones entre lo particular y lo general”

ganha relevância no processo da narrativa. Não que

(Saer, 2005, p. 68). Nula prescinde das ciências

em outros romances de Saer, o tempo não tenha

naturais e se envolve com a filosofia, curso que

estado subjacente à discussão do espaço narrativo,

também não conclui, mas que lhe interessa prosseguir.

mas em La Grande percebe-se que o processo de

Essa preferência se desvela no contato que a

recuperação das experiências ou do contato com o

personagem tem com o mundo. Objetivando escrever

mundo é deturpado pela ação do tempo. Percebe-se

uma “Ontología del devenir”, Nula perscruta o seu

quase que uma carecente vontade de suplantá-lo para

envolvimento com o mundo, tomando nota das

viver um espaço independente de sua ação corrosiva.

situações que o envolvem e também aos seus

É como se Saer quisesse romper com as amarras do

comparsas.

cronotopo 4 romanesco, visualizado como um

A história inicia com as coordenadas do tempo, dadas de maneira saeriana, com um toque de incerteza. A preocupação em alocar tempo e espaço esbarra no recalcitrante movimento inverso das coisas em turvar essas diretrizes: El cielo, la tierra, el aire y la vegetación son grises, no con el tinte acerado que el frío les da en mayo o en junio, sino con la porosidad tibia y verdosa de las primeras lluvias de otoño que no bastan, en la zona, para abolir el verano insistente y desmedido (…) (SAER, 2005, p. 05).

Nula se encontra na propriedade de Gutiérrez, personagem que, em grande parte do romance, se manifesta pelo olhar dos demais. Iniciando em media res, o jogo narrativo entre o avançar e o retardar é dinamizado pelas analepses, que preenchem as

prejuízo para a expansão da experiência do sujeito. A acuidade com que a personagem Gutiérrez intenta ultrapassar o filão do tempo se descobre como um dos temas principais do romance. A própria maneira como a narrativa é disposta, desestrutura uma relação linear. Quando do início do romance, no encontro que o leitor tem com as personagens: Nula e Gutiérrez, em um único momento visualiza-se por meio de rememorações, grande parte da história destas duas personagens. A projeção desse primeiro dia da história se mescla com uma deambulação por mais de trinta anos já passados: ação que repercute, nos outros capítulos. É por meio dessa estratégia discursiva que os limites do tempo são dissolvidos ou denegridos em benefício da experiência com o mundo.

lacunas do enredo. É dessa forma, que o leitor toma

O horizonte filosófico de La Grande se

parte dos sucessos que levaram as duas personagens

descobre principalmente nesse embate entre os

a se encontrarem no espaço saeriano da zona. Nula,

limites do espaço-temporal. Essa nuance se esclarece

ademais de ser um vendedor de vinhos, é um

neste mesmo encontro de Nula e Gutierrez, em

apreciador da bebida. Em suas visitas aos clientes ele

determinado momento os pensamentos das

não se descuida de tomar notas do que lhe parece

personagens os transportam de um tempo horizontal,

estar em acordo com suas investigações filosóficas. É

para um presente vert ical 5 , infinito em seus

nesse ambiente de vinho e filosofia, que o romance

contornos. Neste momento, a linearidade é cortada

intenta englobar um tempo total, por meio da

por uma inflexão do tempo, no encalço do aoristo da

deambulação da personagem pela evanescente

experiência. Essa exaustiva procura pela ação pura

manifestação do mundo.

se consolida em meio a um presente quase que

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

925

desprovido de movimento. É como se pudesse

do tempo são preenchidos no prazo saeriano de uma

percorrer a experiência, apenas, se abolido o processo

semana.

de duração dos acontecimentos. Além disso, a realidade descrita pelo narrador é denegrida pelos anacronismos da imagem: a presença das personagens não se conflui com o espaço, dada as disparidades entre as coisas e o espaço invadido pela presença do sujeito. Saer provoca as variantes entre a realidade e a representação criada pela sua narrativa, ativando a motricidade da ficção6 , em meio a uma descrição minuciosa do real. Por outro lado, a tese do romance emerge na visão que as personagens têm de um evento singular. A parte misteriosa, na maioria das vezes, é desprezada com a resignação do que aparentemente se apresenta desvelado, conhecido.

O encontro dessas duas personagens foi motivado por uma visita profissional: Tomatis e Soldi, amigos de ambos, indicou Gutiérrez como um possível cliente, já que este também era um apreciador de vinhos. A história inicia no terceiro encontro, quando se retoma por meio do foco sobre Nula as visitas anteriores e as conversas que este teve com seus amigos com o propósito de desvendar o enigma do retorno de Gutiérrez. Esse rememorar de Nula não denigre os planos de atuação destas duas personagens, mencionado no parágrafo anterior. A rememoração é constante na estratégia discursiva do romance, porém o passado quase que se detém no polo de ação

Gutiérrez detém p equenas entradas na

de Gutiérrez, na maioria das vezes, tendo as outras

narrativa, o foco quase que não se detém em sua

personagens como foco discursivo. As evocações de

perspectiva, porém todo o enredo enceta e progride

Gutiérrez conduzem-no ao passado, seu próprio

a exp ensas de sua história. Uma personagem

movimento no presente se denigre pela força que o

enigmática, que depois de mais de trinta anos distante de seu país, retorna buscado, entre outras coisas retomar sua vida. Quando o foco se instala em outras personagens, o leitor se intera das veleidades, destes, em conhecer o real motivo do retorno de Gutiérrez. Dentro da estratégia discursiva de Saer, as informações são dadas a conta-gotas, e é nesse processo que o leitor consegue reconstruir a linearidade do tempo. Ainda na primeira cena do romance, Saer desvela a relação temporal entre Gutiérrez e Nula. Depois de ambos serem enlevados por pensamentos, Gutiérrez percebe a presença de

pretérito exerce sobre sua experiência. Exemplo disso se encontra no testemunho de Moro, dono da imobiliária que fecha negócio com Gutiérrez. Moro diz que quando andava pela cidade mostrando-lhe os imóveis, teve a sensação de “que caminábamos por la misma calle, en el mismo espacio, pero en tiempos diferentes” (Saer, 2005, p. 18). É como se Gutierrez não comungasse com o presente, a sua vinda depois de mais de trinta anos na Europa, representa talvez “uma busca por um tempo perdido”. Esse talvez se consolide pela predileção de Saer, em não postular certezas na narrativa.

Nula e lhe diz que estava “viajando pelo tempo”, o

Repetindo aqui a intermitência do discurso

outro contesta dizendo que ele estava “montado en

saeriano, salta-se de martes para sábado, o penúltimo

el presente, tratando de aguantar las sacudidas de ese

capítulo concluído do romance, no qual se tenciona

pot ro salvaje” (SAER, 2005, p. 20). Gutiér rez

resolver o enigma de Gutiérrez, por meio do foco

representa o passado, a fugacidade de anos corridos

narrativo sobre Tomatis. Inquieto quanto às atitudes

sem muito propósito, por outro lado, Nula representa

de Gutiérrez, Tomatis interpela-se no encalço de

a efemeridade do presente, seu foco se estende sobre

encontrar uma versão mais coerente ao real motivo

um mundo que se esvai do contato da experiência. É

de retorno da personagem. Cogita-se entre: uma

por meio dessa estratégia discursiva que os retalhos

simplória busca pelo passado, com a retomada ao

926

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

ponto de partida, ou com uma negação do

contrário do que muitos dos seus conhecidos

movimento do tempo, já que parece que Gutiérrez

pensavam. Esse conhecimento doloroso da

confunde sua juventude com o lugar em que ela

evanesceste e profusa passagem da vida o fazia refletir

transcorreu. É plausível essa última justificativa com

sobre a singularidade das mais ínfimas manifestações

a experiência de Moro descrita no parágrafo anterior,

das coisas.

em que Gutiérrez parece viver não em seu tempo, mas no encalço de encontrar-se com aquilo que deixara. Todas essas vertentes foram lançadas como possíveis justificativas. Porém, após um momento de reflexão, Tomatis sente que teve uma revelação, que se mostra mais coerente com a postura de Gutiérrez: (…) no ha venido a buscar nada; ha vuelto al punto de partida, pero no se trata de un regreso, y mucho menos de una regresión. Ha venido no a recuperar un mundo perdido, sino a considerarlo de otra manera. De la serie incalculable de transformaciones grandes y chicas que sufrió desde el día de su partida, fue saliendo otro hombre, que se modificaba de un modo imperceptible, sobre todo para él mismo, en cada cambio. (…) Parece haber alcanzado la simplicidad suprema, pero después de haber dado un largo rodeo por el infierno. (SAER, 2005, p. 321)

Gutiérrez se apresenta para alguns como um eversor das distâncias que o separam do passado, na medida em que desempenha rituais de um tempo de juventude. As conclusões de Tomatis levam a questão para outro lado. A real performance de Gutiérrez estaria mais no plano da apreciação das coisas simples da vida. Ele aprendeu a valorizar aquilo que teve que abandonar por motivos passionais, pelo amor por Leonor, mulher de Calcagno, seu professor e quem o possibilitou a abertura da carreira profissional. A descoberta dos encontros entre eles se deu quando a própria Leonor delatou para o marido a atração mútua que cultivam, sem explanar os encontros que tiveram. Leonor, uma mulher bem mais velha, e desfrutando a boa vida junto ao marido, não quis acompanhar Gutiérrez. Esse amor não foi esquecido, mesmo depois de mais de três décadas. A diferença

Essa ciência de Gutiérrez fica evidente quando com Nula, eles se deparam com o rio. A observação de Nula é que as ondas parecem serem uma e mesma coisa. Gutiérrez, ao contrário, nega com apenas três palavras, sem nenhuma outra explicação: “La misma no” (SAER, 2005, p. 13). Essa personagem, privada dos seus sonhos de juventude, consegue, ao mesmo tempo, aceder às transformações, como também situar-se nesse jogo do movimento, desfrutando das peculiaridades daquilo que lhe parece ter importância. Enquanto Nula inventaria o mundo nas mais diversas experiências, de um jovem de vinte e nove anos, Gutiérrez solidariza-se com aquilo que lhe marcou a v ida, singulariza o que lhe parece importante, salvando-o da uniformidade do movimento do tempo. As preocupações, de Nula, é com o devir, este concebido como o pesado jogo de uma mesma imagem refletida no espelho. Essa conclusão é plausível com as observações de Nula sobre o movimento das ondas do rio e se acentua no seu encontro com Virginia, quando suas atenções se voltam mais para a profusão de sua imagem refletida nos espelhos do quarto do que na presença da amante. Além disso, observa-se também a sua preocupação para com o devir, no escopo de redigir uma ontologia. Essa escrita, somente, seria lógica se condicionada a uma crença na recalcitrante repetição do já ocorrido7. No momento em que Nula acompanha Gutiérrez à casa de seu amigo Escalante, companheiro dos tempos de faculdade de direito, o reencontro, é descrito por Nula como se ele acompanhasse uma reversão do tempo, já que sente como que pisando no solo do passado.

de idade, entre eles, é mais evidente, quando retorna,

No final deste primeiro dia, o foco se volta

o que intensifica as especulações sobre os seus atos.

para Gutiérrez que em sua casa, tendo nas mãos a

Gutiérrez tinha ciência da passagem do tempo, ao

foto de Leonor, relembra saudosamente as

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

927

experiências que tivera ainda em seu país. Nesse

Gutiérrez por recriar um momento único, que

retorno a tempos idos, Gutiérrez deslinda a natureza

abrangesse momentos descontínuos no tempo.

de seu saudosismo. Há um volitivo esforço de confluir os bons momentos vividos em uma experiência única, que não pudesse ser arrebata pelo devir. Uma artimanha com o objetivo de “Una certidumbre sensorial de permanencia, de inmovilidad al margen del deshacerse incesante de las cosas, de presente indestructible y único, lo reconciliaba, benévola, con el mundo” (SAER, 2005, p. 61). Assim, a pesar da aceitação do pulsar das coisas, Gutiérrez pinça constantemente o passado, por meio das relíquias que o tempo não arrebatou, no encalço de reordenar uma experiência inteiriça. Da mesma forma, quando o olhar de Nula projeta-se sobre o presente, é possível perceber que ele está ciente das reverberações

Nula relembra as sensações experimentadas, quando pequeno, em visitas ao seu avô, nos pampas argentinos. Perpassado os sentidos do perceptível – o olfato, o paladar, o táctil, o auditivo e o visível – a personagem endossa seu pensamento quanto à experiência do mundo, mostrando a infinidade das sensações experimentadas. No âmbito do visível, o olhar engendra seu ardil, na medida em que oblitera as peculiaridades percebidas pelos outros sentidos: “el horizonte vacío de la llanura, irreal y, en cualquier punto del campo que fuese, siempre idéntico a sí mismo” (SAER, 2005, p. 70). A visão do espaço da lhanura se mostra como o retorno constante do mesmo, esquecidas as variedades das partes que o

constantes do singular, dos intercâmbios das coisas,

constituem. Essa questão é tocada posteriormente

convicção que se esbarra na ciência do processo

quando Nula é absorv ido por uma v isão do

constante do mundo. Nula em determinado

movimento da mariposas. O revoltear constante do

momento pensa “somos pasto del devenir y que todo

vôo dos insetos oculta as vicissitudes da percepção,

está en movimiento y en cambio constante” (SAER,

revelando apenas um “universo planificado e

2005, p. 67): ideia que representa a sua filosofia.

harmonioso”. Para Nula, o caos percebido como

A “ontología del devenir” se baseia na investigação das coisas, que par a Nula está desvinculada da ação do tempo. O que lhe interessa é o processo de metamorfose, ou melhor, o pulsar da vida em suas múltiplas variações. Quando Nula defende que tudo é a mesma coisa ou a projeção de um mesmo foco, o que ele professa é a crença na reiterada virulência do Ser. A tese que promulga se constrói na observação das transformações dos seres e objetos: o que era passa a ser pasto daquilo que agora emerge. O movimento alavanca o processo em que as partes se constituem com um todo geral. Nula resume a sua filosofia, nos seguintes termos:

harmonia é resultado de uma deficiência sensorial. O estranho do mundo está naquilo que se apresenta como regular, planificado pelo insidioso jogo do olhar. A teoria de Nula se constrói como o rechaço da ideia de um começo, a vida se movimentava em suas infinitas transformações, em que as partes usurpam a ideia do todo: “el individuo no encarna a la especie, y la parte no es parte del todo, sino parte sola, y el todo a su vez es siempre parte. No hay todo” (SAER, 2005, p. 272). Essa proposição projetava a singularidade do acontecer, as experiências que a personagem toma nota, evidencia essa natureza de um evento único.

“Practicar la ontología del devenir es de lo más

A grande questão da percepção, para Nula, se

simple: hay que tener en cuenta las partes del todo y

desvenda na insidiosa projeção do olhar. A visão

las par tes de las partes, en todos sus estados

projeta um recorte, produzindo uma mutilação nas

simultáneos y sucesivos. Y así” (SAER, 2005, p. 68).

variações que o fizeram possível. Por meio de uma

O que não deixa de retornar às estratégias de

investigação mais consistente é possível identificar,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

928

como o visível socapa as partes que o compõe ou que

Referências bibliográficas

se encontram dentro desse recorte de real. O espaço se apresenta como o misterioso lugar do

BAKHTIN, Mikhail (1992): Estética da criação verbal.

questionamento, das intervenções, como escape do

Tradução de Maria Ermantina Galvão Gomes Pereira. São

magma animal, que segundo Nula seria a vida sem a

Paulo: Martins Fontes.

filosofia. O papel do filósofo seria posicionar-se no

MERLEAU-PONTY, Maurice (1992): O visível e o invisível.

sentido inverso do movimento do olhar, ou seja, não

3. ed.. São Paulo: Editora Perspectiva S.A.

planificar as singularidades dentro das “paralelas de um dado horizonte”. Nessa postura, a personagem deslinda uma das questões que atravessam a obra saeriana: a incógnita do real se manifesta, mais

PREMAT, Julio (2002): La dicha de Saturno: escritura y melancolía en la obra de Juan José Saer. Rosario: Beatriz Viterbo.

concretamente pelo olhar, sentido mais ludibriado no

RAVETTI, Graciela (2011): Nem pedra na pedra, nem ar no

confronto com a realidade. Por isso, a atração de Nula

ar: reflexões sobre literatura latino-americana. Belo

pelo regular, por aquilo que se encontra seqüenciado

Horizonte: Editora UFMG.

de forma a obliterar suas peculiaridades. O movimento filosófico do romance está neste confronto permanente entre o horizonte perceptível e a volitiva postura em

SAER, Juan José (1997): El concepto de ficción. In: ______. El concepto de ficción. Buenos Aires: Seix Barral.

surpreender seus limites, no objetivo de sentir a

SAER, Juan José (2000): Las Nubes. 4ª ed.. Buenos Aires:

experiência.

Seix Barral. SAER, Juan José Saer (2005): La Grande. Buenos Aires: Seix Barral.

Notas 1

Fuks (2009, p. 31) defende o conceito de “oscilação constante entre o movimento e a imobilidade” nas descrições espaciais de Nadie nada nunca. Fuks afirma que Saer “[c]olapsa a materialidade a ponto de não mais serem concebíveis os corpos, que dirá seus movimentos”.

2

Connor, 1993, p. 99.

3

Premat, 2002, p. 114: “Saer problematiza hasta la exasperación las posibilidades de la representación y los límites de la percepción”. Ravetti, 2011, p. 118: “(...) nos romances de Saer existe sempre um elo muito forte com a experiência do leitor, como se essa percepção devesse ser atraída por algo que lhe é familiar, para depois ser desorientada, na medida em que a narração carrega a própria rebeldia tanto contra um realismo ingênuo ou simplista quanto contra um realismo maravilhoso ou fantástico”.

4

Bakhtin, 1992, p. 211: “À interligação fundamental das relações temporais e espaciais, artisticamente assimiladas em literatura, chamaremos cronotopo (que significa “tempo-espaço”)”.

5

Saer, 2005, p. 20: “No hace ni siquiera un minuto que se han parado en la orilla del agua, pero como se quedaron en silencio, separados uno del otro por sus propios pensamientos, el tiempo parece haberse estirado mucho, dando la impresión de transcurrir en el plano, no únicamente horizontal que el instinto

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

le atribuye, sino también vertical, hacia un fondo improbable, sugiriendo que incluso el presente, a pesar de su fugacidad legendaria, y aun en su borde inestable y delgadísimo, puede resultar infinito”. 6

No romance, Saer faz uso de seu conceito de ficção, a “antropologia especulativa”: “A ficção apresentase como verdade ao mesmo tempo em que se afirma como ficção” (SAER, 1997, p. 12).

7

Essa ideia repercute em outros romances, com em Las nubes (2000), em que se defende que o todo contém a parte como a parte o todo, quando o narrador descreve o verão parisiense na casa de Pichón: “existe entre la ciudad y la casa una especie de continuidad; por momentos, no se sabe bien cuál de las dos contiene a la outra” (p. 7).

929

930

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

DE LA PRENSA PERIÓDICA A LA NOVELA. CARA Y CECA O DEL OTRO LADO DEL ESPEJO: MANUEL VICENT Y BENJAMÍN PRADO (AGUIRRE EL MAGNÍFICO Y MALA GENTE QUE CAMINA)

Raquel Macciuci Universidad Nacional de La Plata IdIHCS/CONICET

El auge de los géneros no ficcionales1

del yo como las memorias y autoficción… En todos contrabandea la novela.

El trasvase y la gravitación de la prosa periodística a la novela y otras modalidades narrativas han cobrado especial relevancia en los últimos años, tanto en el plano de la creación como en la agenda crítica. Del mismo modo que hace medio siglo se ponía en foco la presencia de la literatura en el registro periodístico2 hoy se analiza el fenómeno inverso, esto es, la impregnación de la literatura de relatos que hacen referencia a lo real tomando prestados distintos géneros de la prensa periódica. Existe más de un concepto para identificar esta tendencia narrativa: discursos no ficcionales, o factuales figuran entre los más aceptados. De cualquier manera, la fórmula siempre será más apta en plural y sin un encuadre estricto, dado que son diversas las prácticas con fronteras volubles y

Así como la prosa periodística de creación se sirvió de los recursos retóricos y estilísticos propios de la literatura, se intensifica hoy esta forma de novelar que se vale de formas mestizas y abiertas, con rasgos de los géneros breves mencionados, y en gran parte ligados a la prosa periodística. La expansión del articulismo de creación, de la noticia y de la crónica en el campo de la literatura renueva los perfiles de la novela, crea nuevos verosímiles e influye en la imagen y el estatuto social del escritor. Con su cuota de testimonio, con su ambiguo equilibrio entre realidad y ficción, de información e invención, y con sus particulares maneras de crear efectos de realidad, los géneros no ficcionales abastecen cada vez más a la literatura y a la novela en particular.

emparentadas entre sí: crónica, articulismo literario,

Hasta el momento no se ha indagado a fondo

periodismo narrativo, nuevo periodismo, prosa

en la avanzada de los discursos ligados a la prensa

periodística de creación, comprendidos los géneros

sobre la novela y el relato, pero es innegable el auge

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

931

del fenómeno. Numerosas novelas del siglo XXI

En primer lugar, me detendré en Manuel

exploran nuevos discursos referenciales con

Vicent, quien al mismo tiempo que consigue una

documentos, materiales

o

personal y elaborada literaturización de los géneros

información, reforzados en ocasiones por una voz

periodísticos, realiza una operación inversa al

narradora de fuerte impronta autobiográfica y

mimetizar en sus novelas materiales provenientes de

testimonial. La novela adquiere ecos de los modos y

la prensa, siempre camuflados bajo su acendrado

la función de la prensa escrita, hasta el punto de

estilo literario.

historiográficos

provocar el comentario de escritores como Félix de Azúa, quien apegado a los fueros de una ficción más autónoma, con cierto tono de disgusto, observa que la literatura de los últimos 40 años ha sufrido una transformación tan rápida y violenta que ya está vieja. “Como buenos primitivos, los jóvenes no tienen ni idea de lo que están haciendo”. (Castro, 2009, 30 de junio)

En un segundo momento me detendré en Benjamín Prado, quien ha integrado en la novela formas asociadas al reportaje y al periodismo de investigación. Las novelas Aguirre el magnifico y Mala gente que camina, de Vicent y Prado respectivamente, diversas y divergentes, tienen en común la fidelidad

Para de Azúa, este cambio radical ha hecho

al formato libro y al soporte en papel, pero sin dejar

que los cuatro géneros clásicos converjan en una

de conectar con los discursos de la historia y de la

especie de género único, “una ameba enorme”, que

información, alimentando un género narrativo cada

hace que todo sea “un periodismo universal que lo

vez más mestizo e hipertextual. 3

acoge todo”. (Castro, 2009, 30 de junio) Pese a los reparos del autor de Cambio de

Pasaje de ida y vuelta

bandera, parecería que se impone la búsqueda de recursos formales para que las obras sumerjan al

Manuel Vicent, como autor de artículos y

lector en la realidad, presente o pasada, rompiendo

columnas se caracteriza por abordar la realidad

el efecto de “campana neumática” –acertada metáfora

desrealizándola. Su lenguaje ha sido definido como

de Ortega– para explicar el aislamiento que la novela

muy literario; su capacidad de aproximarse a hechos

moderna provocaba en el lector. Por otra parte, el

y personajes mediante un registro elaborado, rico en

fenómeno tiende redes con las revoluciones de la

imágenes y metáforas, atravesado por su reconocible

cultura escrita –tomando prestado la expresión de

voz enunciativa, produce en el lector una suerte de

Roger Chartier– y se inscribe en el campo más extenso

ad-miración al mostrarle la realidad iluminada con

y complejo de las transformaciones que la cultura

una mirada poética y desautomatizadora.

digital e Internet introdujeron en las sociedades del nuevo siglo. En

En 2011 el escritor valenciano publicó Aguirre el magnífico, novela que relata la vida de Jesús Aguirre,

esta

ocasión

descr ibiré

algunas

notoria figura de la cultura española de la transición

modalidades del incremento de la novela con

y dueño de una excepcional trayectoria hasta su

préstamos, trasvases y ‘devoluciones’ de la escritura

muerte en 2001. A pesar de su oscuro origen, el

en soporte prensa, a partir de dos autores cuyas obras

personaje llegó ser un sacerdote jesuita cercano al

muest ran aspectos dispares pero igualmente

actual pontífice Ratzinger en sus tiempos de

ilustrativos de la tendencia objeto de análisis.

estudiante de teología en Alemania, para convertirse,

932

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

tras su regreso a España, en el predicador preferido de la juventud progresista del último franquismo. Cuando poco después abandona los hábitos da un impulso decisivo a la prestigiosa editorial Taurus en calidad de responsable literario, alcanza luego el cargo de Director General de Música del Ministerio de Cultura y culmina su estelar trayectoria convertido en Duque de Alba gracias a su matrimonio con Cayetana Fitz-James Stuart y Silva, título que sumó a los de miembro de la Real Academia de Bellas Artes de San Fernando y de la Real Academia Española.

Oriente por la mañana ha estado rebosante de correajes, de tenderos atracados, de empresarios a punto de quebrar y de salvadores de la patria con camisa arremangada hasta el bíceps. En las calles de Madrid esta tarde tampoco corre un galante carnaval de Guardi, sino autobuses de pueblo con pancartas y vítores casi guerreros, aunque uno no los oiga, porque está a dos siglos de distancia, en un gabinete privado del palacio de Liria, tomando un whisky al pie de un cuadro de Thomas Gainsbourough. Esta es una escena de grabado del XVIII. (Vicent, 1981, p. 21)

El personaje vuelve a ser blanco de la diseccionadora pluma de Vicent hacia mediados de

Hombre de inusual inteligencia, dueño de una

los años ’80, en que tiene oportunidad de volver a

exquisita cultura y dotado de excepcionales dotes para

visitarlo y retratarlo en el Palacio de las Dueñas,

las relaciones públicas, Aguirre había llamado

apartado no ya de los ruidos de la capital sino de los

tempranamente la atención de la penetrante mirada

ritos festivos de la Feria de Abril.

vicentiana. En 1981 el Duque de Alba fue el elegido por Vicent para abrir la galería de Retratos de la transición, libro que reúne una serie de personajes del arte y la cultura, publicada primeramente en un ciclo del diario El País. Ya entonces aparece como un ser excéntrico, que da la espalda al siglo amparado en el título nobiliario más encumbrado de España y de toda la realeza europea. Con las pinceladas propias de la

De pronto aparece él por el fondo de la galería. El duque de Alba lleva un traje azul pálido, unos zapatos con mezcla de cuero y lonilla color hueso, viene con medio puro engarzado en sus dedos de ave y sonríe con una felicidad preternatural, propia de un paraíso que está escriturado, sellado y lacrado en el pergamino. Un camarero de chaquetilla blanca y cuello azul sirve el café en tazas de la cartuja sevillana. (Vicent, 1985, p. 32)

mirada y la paleta que identifican la escritura del

El escritor describe el momento a partir de

autor de Son de mar, haciendo uso de la poética del

su propia experiencia e impresiones; su mirada desvía

contraste que lo distingue, en el retrato de 1981

el curso de crónica, reportaje o noticia a que pudiera

acentúa la excentricidad del intelectual y aristócrata

dar lugar la escena, de manera que la semblanza del

recluido en el Palacio de Liria mediante el

duque queda tamizada por la subjetividad poética

contrapunto con lo que sucedía a pocos metros,

finamente irónica y de fuerte impronta sensorial del

cuando el centro de Madrid era ocupado por

retratista. Las técnicas desrealizadoras que

provocadores de la derecha reincidente (son los meses

caracterizan la lengua literaria del valenciano

previos al golpe fallido del coronel Tejero) y la gente

subvierten el discurso informativo y convierten al

transitaba envuelta en el fárrago urbano y agobiada

personaje en parábola de una época y de una

por la incertidumbre económica.

generación que en el camino a la democracia se despojó de muchos sueños mientras se embarcaba en

[Jesús Aguirre] podría pasar por un abate librepensador salvado de la guillotina por sus ideas volterianas, que pasea soltando sutilezas malvadas en un jardín de Watteau, por un enciclopedista un poco lascivo que toma el té y lee a Ovidio en un saloncito decorado por Boucher, o por un cortesano que se mueve entre porcelanas y lleva un anillo con un falso topacio lleno de veneno. Pero la plaza de

un proyecto bienestante y autosatisfecho. En el libro de 2010 los dos núcleos iniciales se incrementan con una biografía novelada que a través la metamorfosis social de Jesús Aguirre recorre los trascendentales años del tardofranquismo hasta el

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

retorno de la derecha al poder, pasando por el avance y las capitulaciones de los socialistas en la Moncloa. El poético registro del nar rador, la deconstrucción irónica de su propio papel de biógrafo

933

sin darse cuenta, tal vez, de que la libertad, ese oxígeno vital que respiraban, se les había regalado después de largos años de lucha. (…)

cuya irrevocable vocación de triunfo y brillo lo llevó

¿Quiénes eran Dolores Ibárruri, Tierno Galván, Gutiérrez Mellado, Suárez o Tarradellas? Rostros y nombres de líderes, que un día llenaron las tribunas, carteles y páginas de periódicos durante la Transición, habían muerto o se los había tragado la historia.

a despeñarse en el intento. Pero al mismo tiempo, la

(…)

enunciación, impregnada de reminiscencias y

El duque de Alba había desaparecido de la vida pública. Una de sus características a lo largo de su vida consistía en cambiar de amigos sin previo aviso. De pronto dejaba de llamar por teléfono después de hacerlo todos los días y tampoco contestaba a ninguna llamada de sus amigos más íntimos. Tenía un espacio reservado en el que nunca dejó entrar a nadie. (Vicent, 2011, pp. 245-246)

desde la primera página de la novela y su a veces inverosímil punto de vista como testigo, desarticulan la lectura en clave histórica o biográfica del hombre

experiencias epocales compartidas, resquebraja el ámbito de la novela y abre brechas hacia la realidad inmediata, entroncando con los llamados géneros del yo y de la literatura no ficcional. En el sujeto de la escritura el lector puede reconocer el clásico estilo del autor que desde las páginas del periódico puede relatar el día de la historia y al mismo tiempo hacer alta literatura.

Novela, no ficción, hipertexto

El discurso sobre la realidad se amalgama

La campana neumática de la novela ofrece vías

fácilmente con las nuevas formas híbridas que la novela

de agua de otra naturaleza en Mala gente que camina

ha modelado recientemente, más aún si ya ha sido

de Benjamín Prado. El libro, publicado en 2006, tuvo

filtrado por el registro literario y desestabiliza el

singular repercusión porque abordaba, quizás por

estatuto de la ficción con las referencias a la realidad

primera vez en la narrativa, la apropiación, con

inmediata. En Aguirre el magnífico la voz del escritor

anuencia o par ticipación directa del régimen

deviene voz de un narrador autoficcional que imprime

franquista, de los hijos de las mujeres ‘rojas’ –

a la biografía novelada de Jesús Aguirre la huella de su

vencidas, republicanas, encarceladas o simplemente

propio derrotero, generacional e individual y sitúa al

sometidas a la vigilancia de los vencedores de la

lector frente a la historia reciente y al presente cercano.

Guerra Civil. Pero en esta ocasión no será el robo

Pero en el lugar de la autoridad del biógrafo clásico

sistemático de niños el núcleo fundamental de este

guiado por el rigor y el dato verificable, el narrador

estudio;4 interesa aquí, en la línea anunciada, analizar

instala la ambigüedad en torno a un yo –no

el vínculo no ficcional, incluso documental, que el

enteramente confiable– que rememora, es decir, hace

autor introduce en el relato, habilitando una lectura

memoria, con un dejo de ubi sunt, motivo poético que

en clave histórica sin vulnerar el estatuto genérico de

en el transcurso de la novela triunfa sobre los quid,

novela. El protagonista, un profesor de enseñanza

ubi, quomodo, quando del historiador.

media que al final revelará su nombre, Juan Urbano,

La mayor parte de los españoles había nacido y crecido en democracia. Un millón y medio de nuevos votantes, esos jóvenes tatuados con mariposas, traspasada su carne con distintos imperdibles, rapados o con el pelo de cepillo mojado, se acercaron a las urnas por primera vez

por casualidad se entera a través de la madre de un alumno díscolo, de la existencia de Óxido, obra inédita de una desconocida novelista llamada Dolores Semra, amiga de la escritora Carmen Laforet. Al principio al profesor sólo le interesa ampliar sus

934

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

investigaciones sobre la autora de Nada, pero cuando

Dionisio Ridruejo o información sobre las máximas

obtiene autorización para acceder al texto –apócrifo,

autoridades del Auxilio Social.

es preciso advertir, igual que la autora– descubre que la trama y algunas anotaciones anexas ocultan claves sobre el robo de un niño a una presa republicana. La hermana de la prisionera, que era la misma Dolores Semra, suegra de la madre del alumno díscolo y por tanto su abuela, había logrado introducirse en el presidio como colaboradora de Auxilio Social, grupo femenino de Falange, y finalmente recuperar al niño y criarlo como propio, después de que la reclusa muriera a causa de las condiciones carcelarias y de la violencia sufrida con la brutal sustracción del hijo.

La coexistencia en un relato de materiales narrativos con rango de documento junto a datos apócrifos no es nueva, sin embargo desde el punto de vista funcional, tiene en la actualidad alcances hasta hace poco tiempo impensados: la novela más que ofrecer fisuras para la entrada de ‘la realidad’, tiende redes para formar un todo sin solución de contigüidad con los discursos de la historia y de la crónica diaria; y esto sucede de una forma inédita y revolucionaria gracias a la existencia de un lector y un escritor conectados.

La t r a m a , co mple t a m en te fic cio nal, adquiere verosimilitud y visos de realidad mediante

Si hubiera un lector ideal de Mala gente es

l a i n t rod u cc i ó n de d a t o s h i s t ó r i co s y d e la

aquel que comparte con el autor la experiencia de

transcripción de documentos fidedignos, como las

v iv ir conec tado. Si b ien B enjamín Prado ha

teorías del psiquiatra Vallejo Nájera sobre el

declarado que investigó en distintos archivos para

com unismo co m o m a l con g é n i to y s obre l a

recabar datos sobre el sistema de apropiación de

herencia malsana que reciben los hijos de padres

niños, parte fundamental de la información vertida

de filiación izquierdista. Paralelamente, saca a la

en la novela estaba disponible en la red. Es evidente

luz distintos materiales de archivo sobre el artilugio

por otra parte que ante cualquier duda sobre el

legal con que el régimen apañaba la apropiación

estatuto histórico o no de los datos provistos por la

de hijos de detenidas por parte del Auxilio Social,

novela el lector puede consultar Google sin demoras.

institución que disponía de salvoconducto para

O encontrar rápidamente los enlaces para conocer

entrar en las cárceles y orfanatos.

las motivaciones que –según declaraciones del novelista– lo llevaron a investigar el robo de niños.

Nacido en Palencia, Vallejo Nájera se licenció en Medicina por la Universidad de Valladolid, en 1909, y tras participar en las campañas de Marruecos y pasar un tiempo en Alemania, volvió a España en 1930, donde fue nombr ado responsable del manicomio de Ciempozuelos y profesor de la Academia de Sanidad Militar. Al llegar la guerra civil, convenció a Franco de que creara el Gabinete de Investigaciones Psicológicas del Ejército, donde pensaba demostrar la teoría de que el marxismo era una tara mental, expresada en obras como la que habían leído Dolores Serma y su nuera, La locura y la guerra. Psicopatología de la guerra española, de 1939… (Prado, 2006, p. 135)

El lector conectado pasará entonces de Google a youtube para ver Els nens perduts del franquisme, de Montse Ar mengou y Ricard Belis, el mismo documental cuya emisión por RTV conmovió al autor de Mala gente… (De la misma manera puede cerciorarse de la existencia de Jesús Aguirre y repasar su exorbitante singladura). El lector puede también comprobar que el relato no termina en el libro; continúa en artículos de opinión en los cuales Benjamín Prado dialoga con

Del mismo modo, en la trama ficcional se

un alter ego de igual nombre que el protagonista de

intercalan, entre otras citas y referencias históricas,

su novela, Juan Urbano. O seguir los viajes de

proclamas del General Varela, declaraciones de

Benjamín Prado y comprobar el impacto de la novela

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

935

en Argentina a través de entrevistas en las cuales el

Retomando la imagen de la campana

autor razona sobre las analogías entre las prácticas

neumática, seguramente no permanece igual después

franquistas y la apropiación de recién nacidos por

de la aparición de las novelas porosas a la historia y a

parte la dictadura impuesta por el general Videla en

la crónica cotidiana. Sus autores son hoy un poco

el país austral.

menos novelistas y un poco más narradores, en el

No es preciso abundar acerca del papel de la literatura y de la ficción para llenar los huecos que la historia, las noticias, los documentos, dejan abiertos;

sentido que Walter Benj amin otorga a estos conceptos. Si para el filósofo judío alemán, la novela se distingue de la narración “por su dependencia

ni reiterar que el discurso de la historia necesita de la

esencial del libro”, y el novelista del narrador en que

retórica y de procedimientos de la literatura. Me

aquel “trabaja en solitario” (“la cámara de nacimiento

interesa en cambio destacar, en la dirección de

de la novela es el individuo en su soledad”)

estudios recientes –García Canclini, Roger Chartier,

(Benjamin, 1991, p. 115), se puede aventurar que hoy

Joan Oleza– cómo la realidad hiper textual,

el autor de novelas busca desmarcarse del novelista

potenciada por la cultura digital, ha ensanchado y

en soledad y parecerse al narrador, que “pervive en el

transformado las posibles alianzas y combinaciones

cronista” (id. Id.) 6 y, como el también benjaminiano

entre la novela y los materiales de orden no ficcional.

autor-productor, tiende a eliminar las fronteras entre lectura y escritura. (Benjamin, 1975)

En la era de la comunicación se manifiestan transformaciones fundamentales en la situación de comunicación literaria y en las figuras que intervienen en ella, el autor y el lector, en sus roles sociales, en sus competencias, en su relación con la escritura. Algunas de estas transformaciones se han consumado ya, otras todavía dejan tras de sí una estela escurridiza, cambiante. (Oleza, 2012, p. 372)5

En el juego intermedial fruto del encuentro de distintos medios y lenguajes, la ficción se fortalece con los hechos de la realidad, que se ficcionalizan sin perder sus coordenadas históricas. La relación de la realidad y la ficción en el universo inabarcable de internet favorece tanto la evidencia como el equívoco, dando lugar a un nuevo juego entre la noticia fiel y el apócrifo de alcances impensados para la ficción.

En Aguir re el magnífico Manue l Vicent muestra lo que información cabe en la novela mediante el arte de contrarrestar la autoridad engañosa del dato con la luz tamizada de la literatura; en Mala gente que camina Benjamín Prado se sirve de información sin maquillaje para escribir una novela con base historiográfica y dar a toda la ficción visos de hechos verídicos. En ambos casos, la siempre controvertida fuente ‘real’ de la ficción ha sido incorporada a la novela con diferentes estrategias y efectos de realidad. El resultado parece coincidir con el interés de los lectores por aquellas formas narrativas que se internan en el tiempo histórico y exploran nuevas estrategias para contar –dar cuenta de– lo que pasa en la calle.

En este sentido se sabe –el autor ha hecho comentarios al respecto– que un alto número de lectores queda convencido de la existencia de Dolores

Referencias bibliográficas

Semra y de su novela. Pero al mismo tiempo ese lector, si no se conforma con leer la novela solamente como

BENJAMIN, Walter (1934) [1975]. El autor como

una ficción, tiene a mano como nunca antes, una

productor. En: BENJAMIN, Walter: Tentativas sobre Brecht.

herramienta para disipar las dudas y reconstruir los

Iluminaciones III, p. 117-134. Madrid: Taurus. Trad. de

hechos reales preexistentes a la novela.

Jesús Aguirre.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

936

______. (1936) [1991]. El narrador. En: BENJAMIN,

OLEZA, Joan (2012). Trazas y bazas de la modernidad. La

Walter: Para una crítica de la violencia y otros ensayos.

Plata: Ediciones del lado de acá.

Iluminaciones IV, p. 111-134. Madrid: Ed. Taurus. Trad. de Roberto Blatt.

PRADO, Benjamín (2006). Mala gente que camina. Madrid: Alfaguara.

CASTRO, Cristina (2009). Félix de Azúa: ‘Lo difícil en la actualidad es no publicar’. En: El País, 30 de junio. Disponible en http://cultura.elpais.com/cultura/2009/06/ 30/actualidad/1246312808_850215.html. Último acceso 29/00/2012.

SÁNCHEZ, Mariela (2012). Transmisión oral en la narrativa española contemporánea. Un recurso para la construcción de la memoria de la Guerra Civil y del franquismo. Tesis doctoral, Universidad Nacional de La Plata: La Plata, mimeo.

MACCIUCI, Raquel (2009a). Letras sin libro: las cláusulas del papel prensa (con breve alto en Manuel Vicent. En: MACCIUCI, Raquel (ed.): Crítica y literaturas hispánicas

VICENT, Manuel (2011). Aguirre el magnífico. Madrid: Alfaguara.

entre dos siglos: mestizajes genéricos y diálogos intermediales.

______. (1985). Feria de Abril en Sevilla. En VICENT,

Número monográfico, ARBOR (Vol. CLXXXV Anexo 2

Manuel: La carne es yerba, p. 229-35. Madrid: Ediciones

julio-diciembre 2009) y Madrid: Ed. MAIA, p. 232-258.

El País.

______. (2009b). Novela, prensa, autoficción: entornos de

______. (1981). El duque de Alba Jesús Aguirre. Una tarde

Manuel Vicent- En: MACCIUCI, Raquel (ed.): Literatura,

en el palacio de Liria. En VICENT, Manuel: Retratos de la

soportes, mestizajes. En torno a Manuel Vicent”, Número

transición, p. 19-22. Madrid: Penthalon.

monográfico. Olivar, Revista de literatura y cultura españolas, 12, 2° semestre, Centro de Teoría y Crítica Literaria, UNLP, 2008, p. 19-52.

Notas 1

Este trabajo se inscribe en el marco de los siguientes proyectos bajo mi dirección: PICT Bicentenario2010-2504, “Letras sin libro. Literatura española en soporte prensa: mestizaje, intermedialidad, canon, legitimación. Proyecciones del articulismo en la novela del siglo XXI”, AGENCIA– FONCyT y, H524 del Programa de Incentivos, “Letras sin libro: literatura y escritores en la prensa española actual” Programa de Incentivos a la Investigación, CETyCL – IdIHCS/UNLP. V. distintas aproximaciones y bibliografía sobre el tema en Macciuci 2009 y 2010.

2

A pesar de que el fenómeno no se explique ni se agote en el concepto ‘nuevo periodismo’, sin duda la irrupción de este género influyó en la jerarquización de esta modalidad de larga tradición europea.

3

V. Macciuci 2009a y 2009b.

4

Mariela Sánchez realiza un exhaustivo análisis de la novela desde el punto de vista de la recuperación de la memoria del pasado reciente en su tesis doctoral defendida en la Universidad Nacional de La Plata (2011, inédita).

5

Oleza proporciona un detenido análisis de los cambios introducidos por la red en la cultura moderna y en la literatura en “La era de la comunicación”. (Oleza, 2012, p. 261ss.)

6

Énfasis mío.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

937

A FICCIONALIZAÇÃO DA TEORIA, DA CRÍTICA E DO PROCESSO DE CRIAÇÃO LITERÁRIAS EM LA SAGA\FUGA DE J.B, DE GONZALO TORRENTE BALLESTER

Regina Kohlrausch FALE / PUCRS

A pesquisa “A ficcionalização da teoria, da

La saga/fuga de J. B. estabelece uma

critica literária e do processo de produção literária

intertextualidade explícita com as artes, em especial,

em La saga\fuga de J.B, Fragmentos de Apocalipsis, e

com a literatura. Entre as alusões ao campo literário,

La isla de los Jacintos Cortados, de Gonzalo Torrente

destacam-se, no romance, o debate epistolar entre as

Ballester”, volta-se par a a análise das obras

personagens dom Torcuato e o Vate Barrantes,

mencionadas com o objetivo de verificar quais linhas

realizado através das cartas “Carta a un joven poeta”,

teóricas são ficcionalizadas e qual o sentido \

de autoria de dom Torcuato, e a “Carta de un joven

significado dessas ficcionalizações em cada obra e no

poeta a su maestro”, do Vate Barrantes; a leitura e a

seu conjunto, além de analisar os procedimentos

respectiva interpretação que José Bastida (narrador-

usados para a realização da crítica literária e destacar

protagonista) faz da poesia e da psicologia do poeta

os elementos do processo de criação literária

Barrantes; os poemas de autoria de José Bastida e seu

ficcionalizados, visando contribuir com a definição

idioma e a não-mortalidade das funções, como

da poética narrativa de Gonzalo Torrente Ballester e

episódios que exemplificam a ficcionalização da

estabelecer relações, buscando influências, com a

Teoria Literária, da Crítica Literária e do processo de

literatura espanhola produzida no final dos anos 90

Criação Literária, respectiva e simultaneamente.

e primeira década do ano 2000. Para atingir o objetivo proposto, a investigação encontra-se dividida em três

No episódio que retrata o debate epistolar,

etapas, cada uma direcionada a um dos romances,

defrontam-se duas idéias ou duas concepções sobre

iniciando com o que deu origem à denominada

a criação poética. De um lado, dom Torcuato del Río,

“trilogia fantástica”, La saga/fuga de J.B. (1972)1 .

humanista de linha racionalista e positivista,

Salienta-se que as inferências aqui apresentadas são

defendendo uma função didática para a poesia; de

preliminares e ainda não estão adequadamente

outro, Barrantes, poeta romântico, defendendo que

caracterizadas, mas confirmam as marcas do processo

seus versos “son expresiones de sentimientos reales”.

de ficcionalização em estudo.

(TORRENTE BALLESTER, 1999, p. 123). Dom

938

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Torcuato desejava que o Poeta escrevesse um poema didático sobre a exploração das lampreias, símbolo econômico da cidade ficcional; ele queria um poema que facilmente pudesse ser aprendido pelas crianças das escolas: “¡Quiero un poema en pareados, que se lo puedan aprender fácilmente los niños en las escuelas!” (1999, p. 123). Decepcionado com o Vate, que começou a compor o poema, mas sem as lampreias e sem o didatismo esperado, dom Torcuato

Para usted son objeto de placer; para mí, ángeles o demonios, ocupan siempre un lugar superior y sobrehumano. Usted goza con ellas, yo las amo. Usted envuelve a todas genéricamente, en un deseo sin matices; yo veo en cada una un ser tan singular que no concibo cómo se puede hablar de géneros y especies. (…) Lo que para usted es mera fisiología, es para mí... el Amor. (…) si lee usted mis versos – que no son ficciones, sino exp resión de sentimientos reales – comprenderá que el Amor es el único modo de v ida posible entre dos personas que se pertenecen la una a la otra (…). (1999, p. 126).

escreveu-lhe a carta intitulada “Carta a un joven poeta”, crticando, primeiro, a linha poética da “Arte pela Arte”, e, segundo, a temática amorosa:

Seu argumento estabelece a diferença entre a Ciência e a Poesia, ou entre o cientista e o poeta. Enquanto o cientista se volta para o aparente

Le está corrompiendo el alma la funesta doctrina del Arte por el Arte, que, por muy francesa que sea, es una doctrina reaccionaria. El Arte, o sirve al progreso humano, o no sirve para nada. ¿Por qué pierde su tiempo en inventar sufrimientos de amor y ponerlos en verso si sus amores sólo a usted le concierne? (...). Al amor hay que desacralizarlo (...). El Amor no existe, existe el sexo. (1999, p. 116-117).

Para dom Torcuato, a arte tem a função de ensinar, caso ela não ensine, perde seu valor. Dentre as artes, a única que realmente pode ensinar é a poesia, porque é a única que pode contribuir com o progresso da humanidade. Por isso ele propõe a Barrantes não uma Poética, mas uma Didática:

(particular), para aquilo que vê e toca, o poeta vai além do que serve ou aparece, do que se pode escrever em fórmulas e se definir com palavras de teoremas (universal). Para os poetas, cada coisa, assim como cada pessoa, é um ser único: “Para nosotros, cada cosa, cada persona, es un ser único” (1999, p. 127). Para ele, a poesia conduz à vida e a ciência, à morte. Assim, quando os homens, em nome da ciência, transformarem o mundo num lugar inabitável e infeliz, os poetas estarão aí para restituir o humanismo e a felicidade aos homens. Essa polêmica acerca da diferença entre a ciência (razão) e a arte poética (subjetividade) introduz na obra as diferentes idéias que circulavam

Si alguna vez, en mis escritos y en mis conversacio nes pr ivadas, he manifestado preferencia, entre todas las Artes, por la Poesía, se debe solo a que es, entre todas ellas, la única que puede enseñar, la única realmente apta para ayudar al progreso (…) Por eso le propongo a usted, no una Poética, sino una Didáctica. (1999, p. 118).

do final do século XIX e início do século XX, quando se debatia o futuro e o progresso da humanidade. Intensificando a discussão dessas ideias no texto ficcional, encontra-se o narrador José Bastida que, para provar a grandiosidade da poesia e do poeta Barrantes, assume a função de teórico e crítico

Barrantes sentiu-se ofendido em sua

literário, caracterizando o Poeta, valendo-se sempre

dignidade de Poeta e humilhado pelo ofício didático

dos seus versos, e estabelecendo uma relação direta

que lhe exigia dom Torcuato. Para se defender,

entre o que diz o verso e a vida de Barrantes. O

escreveu a carta “Carta de un joven poeta a su

resultado é a imagem de um poeta triste e apaixonado,

maestro”, deixando clara sua posição acerca do amor

infeliz pela sua condição de eleito por um destino

e de sua consideração em relação às mulheres,

que não desejava. A análise realizada por Bastida tem

opondo-se à teoria de seu mestre:

por base os princípios da crítica biográfica e

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

939

psicológica, predominantes nos estudos da literatura

assinalando seus defeitos e qualidades, ficcionalizan-

na segunda metade do século XIX, época da vida de

do, portanto, a crítica e as concepções teóricas que

Barrantes e do tempo histórico do romance nesse

serviam de base para a análise da produção literária,

episódio. Para ele, na obra de Barrantes há versos

transformando-se num romance que discute a arte

ruins e versos bons, como em qualquer poeta. O

literária, num sentido mais irônico e estilizado do que

problema é que ele é um desconhecido, pois “nadie

paródico, considerando a terminologia proposta por

gastó su vida en descubrirlo y estudiarlo, como sucede

Bakthin, ao mesmo tempo em que narra a atividade

con otros” (1999, p. 427-428). Conforme Bastida,

de criação literária do poeta Barrantes e do próprio

atualmente, referindo-se de modo irônico ao início

narrador-protagonista.

do século XX, não se lê, mas se estuda poesia. E esse estudo toma como ponto de partida as seguintes questões:

No que concerne à produção literária do narrador-protagonista José Bastida, sua singularidade reside no fato de ele ter inventado um idioma próprio2

¿Qué tomó y de dónde? ¿Qué legó y a quién? ¿Cuál es su lugar en la cadena de oro de la poesía? ¿Se anticipó a su tiempo, fue de acuerdo con él, o caminó retrasado? Eso por no referirme a los que se preguntan, ante la obra de un poeta, si contribuyó o no a la revolución. ¡Fíjese, pues, si hay materia que estudiar en la obra de Barrantes! (1999, p. 428).

para a sua criação poética, impedindo, assim, a

Segundo o discurso de Bastida, se alguém

mesmo ano. O funcionamento e a lógica de sua poética

tivesse se ocupado em estudar a poesia desse poeta e

compreensão da mesma por qualquer leitor. Criou uma língua individual, por um lado, em função da repressão sofrida por causa do soneto que escrevera celebrando a vitória da Frente Popular em 1936, que foi adaptado para comemorar a vitória da Frente Nacionalista no consistem na utilização de verbos substantivos3:

colocado diante de si tais questões, teria percebido que ele é um precursor da poesia modernista hispanoamericana e espanhola (Rubén Darío, Antonio Machado e Pablo Neruda), do simbolismo francês (Rimbaud, Claudel, Mallarmé) e da poesia revolucionária espanhola dos anos quarenta (Gabriel Celaya e Blas de Otero) (1999, p. 428). Da análise de Bastida, infere-se uma postura crítica em relação aos critérios usados tanto pelos estudiosos da literatura quanto

pelos

historiadores

da

literatura,

Son, al menos, cinco mis verbos sustantivos: el ser y el estar, por supuesto; pero también el ser que viene de la nada y el que va a la nada desde el ser, los cuales, usados como auxiliares, me permiten matizar hasta el infinito significaciones que en nuestra lengua son demasiado concretas y recortadas, como pensadas por un pueblo educado en el Derecho romano. Mi quinto verbo auxiliar es defectivo, y, aparte el infinitivo presente, no tiene más que dos formas, porque no necesito más: una para confesar a mí mismo que soy feo; la otra, para increparme cuando me veo en un espejo. (1999, p. 390).

configurando-se no discurso literário o discurso da

E a lógica de sua conjugação é agrupar os

crítica literária. O olhar de Bastida propicia uma

verbos segundo um critério mais significativo que

reflexão sobre a crítica literária, sobre os critérios que

morfológico:

ela utiliza e sobre a possibilidade de construir a fama de grandes autores quanto de diminuir a importância de sua obra, de definir quem entra e quem não entra no cânone literário. Assim, La saga/fuga de J. B. é uma narrativa ficcional que se debruça sobre outro gênero e outra obra, uma obra poética, com o objetivo de analisá-la,

los que significan pasión, lo hacen en eme; los de inteligencia, en imi y los de creación, en umu. Quedan fuera, como irregulares, los de amor, esperanza, nostalgia, goce y dolor: enormemente simplificados por ser los de más uso. El que significa morir, carece de conjugación especial, y se usa sólo en formas compuestas, como elemento semántico de otro verbo, como morir de amor o morir de felicidad. (1999, p. 390).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

940

A especificidade de sua língua reside na

Além da crítica à postur a r acionalista

possibilidade de que, numa só palavra, se podem

(simbolizada pela posição de dom Torcuato que

encerrar significados diversos e organizados que em

defende a função didática para as artes), ao

outra língua exigiria, no lugar de uma palavra, uma

formalismo (que entendia a arte como um conjunto

oração completa. Dessa forma, se mudar a disposição

de procedimentos técnicos, cuja literar iedade

dos acentos de um verso, o novo verso, resultado dessa

encontra-se no estrato gramatical e não na imagem

mudança, significa outra coisa ou até o contrário.

poética), e às vanguardas (que desejavam romper com

Apresentando um exemplo partindo do verso

as tradições acadêmicas e encontrar novas fórmulas

hendecassílabo, demonstrou que cada troca de acento

estéticas para a expressão poética, exemplificada pela

revela-se um novo significado, cuja análise de cada

poesia de Bastida), GTB volta-se também para o

versão, através dos métodos tradicionais de

estruturalismo, mais especificamente, para obra

interpretação, propicia doze formas diferentes de

Morfologia do conto, de Vladimir Propp (2000),

entender o mesmo soneto.

através do episódio “No mortalidad de las Funciones”

A explicação de Bastida acerca de sua língua

(1999, p. 263).

e de sua criação poética é uma alusão à teoria dos

Os membros da “Tabla Redonda” almejavam

formalistas russos, mais especificamente ao texto

matar dom Acisclo, porque ele raptara a moça

“Poesia da gramática e gramática da poesia”, de

Minucha la del Globo, encerrando-a no convento das

Roman

Jakobson 4 .

Quando comenta sobre sua

Clarisas. Bastida posicionou-se contra esse desejo,

poética, ou seja, sua concepção do que faz uma

através de uma exposição intitulada “No mortalidad

mensagem verbal ser considerada uma obra de arte,

de las Funciones”, reproduzindo a fórmula universal

Bastida afirma que não construiu novas imagens/

do antigo e nunca interrompido hábito do rapto de

figuras nem buscou novas estruturas rítmicas, mas a

mulheres, fixando as constantes que se repetiam nos

inovação em sua poética é a de que os acentos marcam

raptos históricos ou míticos mais conhecidos, como

o ritmo e regem a formação das palavras. O modo

“Helena por Páris, Europa por Júpiter”. A mesma ação

como se configura a teoria de Bastida possibilita

foi praticada por cada um dos cônegos de Castroforte,

caracterizá-la como um discurso paródico em relação

ficando clara a presença da figura do raptor,

ao texto de Jakobson: no lugar de apresentar uma

independente de seu nome, e a respectiva

teoria para a análise da poesia, Bastida propõe uma

universalidade da função, “nacida de la naturaleza del

teoria para a criação poética. Inverte, portanto, o

hecho, y la contingencia del hombre que la llevaba a

objetivo da teoria de Jakobson.

cabo” (1999, p. 264). Logo, o fim do raptor, dom

A presença de poemas escritos numa língua que ninguém entende, a não ser seu próprio autor,

Acisclo, não impedirá o surgimento de um novo raptor.

cujo conteúdo diz respeito também somente a ele,

A lógica do narrador e a existência do raptor

caracteriza-se como crítica ao contexto sócio-político

como função universal, presente em todas as épocas,

espanhol - a falta de liberdade de expressão - e dialoga

estabelecem um diálogo explícito com a obra de

com a chamada linha vanguardista, originária das

Propp, que consagrou seu trabalho à análise dos

vanguardas européias, que desejava romper com as

contos maravilhosos. Seguindo um método particular

tradições acadêmicas e encontrar fórmulas estéticas

para efetuar tal descrição, o estudioso encontrou

consoantes com a dinâmica da nova realidade

“valores constantes” e “valores variáveis”. Percebeu

existencial, conforme Kohlrausch (2004, p. 205).

que a mudança ocorre nos nomes e nos atributos das

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

personagens, mas não nas suas ações ou nas suas funções. Diante dessa constatação, Propp concluiu que o conto empresta muitas vezes as mesmas ações a personagens diferentes, o que permite “estudar os contos a partir das funções das personagens” (PROPP, 2000, p. 58).

941

desordenado, fragmentario, que más obedece a un capricho o a una asociación momentánea que a un plan preconcebido y artístico. No es que yo no admita modos de contar distintos del cronológico y lineal. Pero el de usted, no siendo esto, tampoco es lo otro, sino que se queda a mitad del camino, con un falso aire de espontaneidad, pero demasiado ligado a su carácter para que sea realmente artístico. (TORRENTE BALLESTER, 1999, p. 625-626).

Assim como Propp, Bastida demonstra que a função do raptor é uma constante, havendo apenas a

O crítico Barallobre, para comentar o valor

mudança dos nomes das personagens, mas a ação é a

da obra, problematiza o valor artístico do texto de

mesma. Por isso, posiciona-se contrário à morte de

Bastida. Para ele, o discurso artístico precisa estar

dom Acisclo. O modo como se organiza o discurso do

desvinculado do caráter individual do seu criador.

narrador acerca da função universal do raptor entra

Diferente do ponto de vista da crítica, Bastida, apesar

em hostilidade com o seu agente, obrigando-o a servir

de ter sido proclamado romancista da cidade, não tem

a fins opostos, instaurando-se uma luta de vozes,

a pretensão de ser um romancista. Sua preocupação

originando a paródia sobre os pressupostos de Propp.

não é com a forma do relato, mas com o conteúdo, com a matéria do mesmo. O que está em jogo não é o

Considerando

o

exposto,

com

a

gênero ou a criação artística, mas o conteúdo do

ficcionalização da teoria literária no romance,

enunciado narrativo. O olhar crítico de Barallobre

observa-se a utilização dos recursos desenvolvidos

volta-se sempre ao mesmo fato: no lugar de apelar

pelos estudos sobre a literatura como uma forma de

para a fantasia, Bastida apegou-se a fatos e

questionar uma visão científica, que ignora outros

personagens míticos e reais, buscando identificar-se

elementos que envolvem as obras ficcionais, que vão

com eles como compensação da sua própria estatura

além do texto em si. Essa postura ficcionalizada em

e condição social. Assim, a deficiência do texto

La saga\fuga de J.B. coincide com questões que

consiste no problema de personalidade, que o

Torrente Ballester, enquanto teórico e critico literário,

impediu de pôr em prática a sua imaginação criadora.

se questiona ao perguntar-se sobre a postura da crítica

Em função de sentir-se inferior, de querer ser outro,

de desconstruir a obra de arte para poder analisá-la, como se evidencia na seguinte manifestação: ¿Cómo haría yo para hablar a mi auditorio de este libro sin destruirlo, sin esa muerte que se infiere al texto cada vez que se descompone, que se analiza? ¿No estamos destruyendo también con nuestra manía cientificista las verdaderas posibilidades de la crítica, que son las de hacer una obra de arte con el comentario de otra? (TORRENTE BALLESTER, 1975, p. 184).

busca personagens reais ou míticas, todas com personalidade, estatura física e reconhecimento social superior, para compensações imaginárias, perdendo, por isso, a oportunidade de exibir sua magnífica imaginação. É uma fala defendendo a liberdade de criação sem compromisso com a verdade dos fatos ou com ideologias ou bandeiras sociais, defendidas nos anos sessenta na famosa “literatura engajada”; é a defesa da fantasia e da imaginação.

O exemplo dessa atividade de desconstrução re vela-se no episódio que mostra o olhar de Barallobre sobre a obra de José Bastida: Que es de usted, no cabe duda, a juzgar por el modo embarullado que tiene de contar las cosas, ese modo

Para concluir, convém ainda trazer outro episódio, aquele que confirma o caráter metaficcional do romance: ele envolve Barallobre e sua irmã Clotilde em uma discussão que termina no assassinato dela. Há uma intervenção que se posiciona

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

942

acerca da cena da morte, considerando-a, além de

criação ficcional: Bastida inventa fatos para poder

irreal, de mau gosto:

argumentar e defender se u ponto de vista, demonstrando sua busca pela verossimilhança e que

Debo confesar que la frialdad y el sarcasmo de Barallobre me parecieron, no sólo del peor gusto, sino, ante todo, irreal: allí faltaba algo que diera consistencia a la escena. Por cualquiera de las razones, me hubiera gustado rectificarla. Me dirigí, pues, a él, en un tono de elevada retórica: “Las pasiones – le dije – son como granadas que, al estallar, desparraman los granos en todas las direcciones.” “¿Y, a mí, qué? No soy apasionado. El símil, por otra parte, lo encuentro absurdo. No hay la menor semejanza entre una pasión y una granada.” “Bueno, acaso no haya hablado con fortuna.” (...) “Sigues diciendo tonterías: no soy hombre apasionado.” “¿Por qué has matado a tu hermana?” Se encogió de hombros. “Prácticamente, hace más de diez años que está muerta, desde el día en que me confesó que había deshecho deliberadamente y por sus pasos contados mi noviazgo con Lilaila. (...)” “Bien. No discutamos ahora eso. Lo que me gustaría hacerte comprender es que esta muerte es fea, y la has rodeado de circunstancias que la hacen más horrorosa. Por e jemplo, esas enaguas a la vista, esas faldas remangadas...” “Ya está hecho, ¿no?” “Ya está hecho, pero podemos deshacerlo. Yo, al menos, lo puedo.” “Ya me dirás como. (TORRENTE BALLESTER, 1999, p. 641).

Essa intervenção, que propõe refazer a cena

por trás de um escrito, há uma intenção, uma finalidade, e o escritor detém os recursos necessários para construir a história. A ficcionalização desse processo de criação, portanto, pode ser associada a uma preocupação estética e teórica acerca da literatura e ao resgate da importância da figura do autor/escritor na construção e no sentido que a obra literária pode expressar. Assim como o leitor, que também passa a exercer um papel mais ativo na leitura, porque entra em contato com um texto frag mentado, sem ordem cronológica, com a intercalação de histórias, com a troca de narrador, com a exposição de diferentes versões da história, com a construção e invenção de idéias, o autor recupera sua significação. Portanto, numa percepção inicial, pode-se dizer que o sentido e ou significado dessa ficionalização está relacionado com a valorização e\ou desvalorização do autor, propondo uma legitimação que se volta a si mesmo como escritura de si, da literatura.

porque não aceita o aspecto incestuoso da mesma, mostra como se dá a atividade de criação literária: basta riscar e substituir, porque é riscando e substituindo que se emendam os erros – “Nada más fácil. Consiste solamente en tachar y sustituir.

Referências bibliográficas BAKHTIN, Mikhail (1998): Questões de literatura e de estética. A teoria do romance. 4. ed. Trad. de Aurora

Tachando y sustituyendo se enmiendan los errores”

Fornoni Bernardini, José Pereira Júnior, Augusto Góes

(1999, p. 642). Essa voz não é a voz do narrador José

Júnior, Helena Spryndis Nazário, Homero Freitas de

Bastida, mas a voz do autor que pode mexer no texto

Andrade. São Paulo: Hucitec; UNESP.

tirando ou acrescentando cenas segundo seu ponto de vista e sua vontade. A cena é repetida e o resultado é o mesmo: a morte de Clotilde. Esse episódio juntamente com os destacados anteriormente conforma o romance e confirmam aquilo que estou chamando de ficcionalização da

JAKOBSON, Roman (1970): Lingüística. Poética. Cinema. Trad. Cláudia Guimarães de Lemos. São Paulo: Perspectiva. KOHLRAUSCH, Regina (2004): O jogo intertextual e lúdico em La saga/fuga de J.B., de Gonzalo Torrente Ballester. Erechim: EdiFAPES.

teoria, crítica e criação literária, principalmente

PONTE Far, José A. (1994): Galicia en la obra narrativa de

porque se acompanha como se realiza o processo de

Torrente Ballester. Oleiros (A Coruña): Tambre.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

943

PROPP, Vladimir (2000): Morfologia do conto. Trad. Jaime

______. (1975): Cuadernos de la Romana. Barcelona:

Ferreira e Vítor Oliveira. Lisboa: Vega.

Destino.

TORRENTE BALLESTER, Gonzalo (1999): La saga/fuga de J. B. Barcelona: Destino.

Notas 1

Realizada entre agosto de 2011 e julho de 2012, com auxílio de bolsista de Iniciação Científica, acadêmica Alice Canal, do curso de Letras Português Espanhol, da PUCRS, com bolsa PIBIC/CNPq/PUCRS.

2

Ponte Far (1994) explica que “el lenguaje “inventado” por José Bastida en La saga/fuga de J. B., que no es tal invención – y, como tal, de una naturaleza irreal – del autor, sino que está basado en el “Trampitán, un lenguaje que empleó en parte de su producción literaria, un orensano de finales del siglo pasado [XIX] llamado Juan de la Coba Gómez”, p. 255.

3

Roman Jakobson (1970), no texto “Poesia da gramática e gramática da poesia”, menciona a existência dos verbos substantivos: “Devemos incluir nesta classe, além dos pronomes substantivos e adjetivos, também os pronomes adverbiais e os chamados verbos substantivos (melhor seria dizer pronominais) como ser e ter.” p. 76.

4

Ponte Far (1994) acredita nessa relação entre o “Trampitán” e a língua de Bastida bem como a técnica de análise poética de Jakobson: “Lo que a nosotros nos interesa es dejar constancia de una realidad que Torrente conoció, que tuvo como marco la ciudad de Ourense y como protagonista un curioso vecino de esa localidad, y que en su novela La saga/fuga va a echar mano de ella, haciendo que uno de sus principales personajes, José Bastida, utilice, como lengua poética, el trampitán, o una lengua parecida, mezcla de trampitán y de la aplicación de la técnica del análisis poético de Jakobson a un lenguaje inventado en unas formas métricas conocidas.” p. 257.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

944

RICARDO PALMA E LAS TRADICIONES PERUANAS: LITERATURA E FORMAÇÃO DOS IMAGINÁRIOS

Regina Simon da Silva (UFRN)

Introdução

“A arte das narrações orais que nunca se havia perdido na Amér ica Latina e o quadro de costumes”

Para o senso comum, nação é um território ou conjunto de habitantes de um país ou pessoas ligadas por um território, origem, língua, interesses, sentimentos, tradições e aspirações comuns, ou seja, ela é uma comunidade política imaginada, segundo Benedict Anderson (1989). Portanto, é necessário que haja um elemento comum que os unam no campo material e que todos reconheçam nesse objeto uma unicidade de ideias compartilhadas por um povo e que satisfaça a exigência de identificação

(FRANCO, 1999, p. 84), elementos fundamentais na formação dos imaginários. Segundo Franco, Palma começa sua carreira como poeta e dramaturgo, mas seu interesse pela história e pelos documentos históricos parece ter dirigido sua atenção a estas tradições, baseadas em anedotas e acontecimentos que ele mesmo havia descoberto nos arquivos nacionais ou contos que ouvia de uma velha tia ou nos recantos de Lima.

dos indivíduos que nela têm origem. Portanto,

Ainda segundo Jean Franco (1999, p. 85),

quando se busca o conceito de nação detecta-se nas

Palma não utiliza o passado para retirar lições de

definições a presença constante das palav ras

moral, mas para buscar um sutil humor a custa das

“tradições” e “costumes” como elementos que

fraquezas humanas. Por esse motivo, preferia o

definem uma nação. Partindo dessa premissa é

período colonial, época de rígidas convenções e

bastante compreensível que Ricardo Palma retrate

restrito protocolo, o período dos vice-reis e da

na sua obra literária as tradições peruanas como

Inquisição, e, portanto, extremamente fértil em

elementos importantes na formação dos imaginários

transgressões e hipocrisia.

nacionais desse povo, valorizando a cultura oral e o espaço popular.

Esse caminho encontrado por Palma, que mescla história e ficção, possibilitou o advento de

Assim, Ricardo Palma (1833-1919) conseguiu

uma literatura própria, valorizando a cultura

uma representação genuinamente nova do passado

nacional. Portanto, objetiva-se neste estudo analisar

histórico, inspirando-se nos antecedentes literários:

alguns episódios contados nas “Tradições” que

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

945

marcaram o povo peruano e fazem parte do seu

soberania. Assim, vemos o filho do Sol – Tupac-

imaginário.

Yupanqui1 – que,

O mundo andino representado por Palma nas Tradições Las tradiciones peruanas são relatos que

va recorriendo en paseo triunfal su vasto imperio, y por dondequiera que pasa se elevan unánimes gritos de bendición. El pueblo aplaude a su soberano, porque él le da prosperidad y dicha. La victoria ha acompañado a su valiente ejército, y la indómita tribu de los pachis se encuentra sometida (PALMA, 1997, p. 5).

apresentam crônicas da nação peruana que abarcam o período de antes da conquista até a independência.

O texto também alude à questão da

Nesses relatos podemos identificar quatro passados

nacionalidade, a dedicação de um povo por sua nação,

distintos: as tradições que se referem ao mundo

a satisfação de vê-la soberana entre as demais. O

andino, as que relatam a violência da conquista, as

sentimento de nacionalismo entre o povo inca é

que tratam da sociedade no período colonial, as que

intenso, e, como tal, ele deve ser incutido no povo

se referem ao período das lutas pela independência e

desde cedo, para assim, na fase adulta, disporem da

a chegada da República.

própria vida em favor de seus ideais. Uma ordem, identificada pelo emprego do verbo no imperativo,

A partir dessa distinção selecionamos quatro

parte do soberano: “¡Mujer! Abandona la rueca y

crônicas para análise, contemplando cada um dos

conduce de la mano a tus pequeñuelos para que

períodos mencionados.

aprendan, en los soldados del Inca, a combatir por la

Em sua obra, é possível observar que Palma

patria” (PALMA, 1997, p. 5).

não se dedicou a muitas crônicas que representam o

Após a conquista espanhola a memória oral

m und o incaic o , e isso se deve, provavelmente, à undo incaico

do povo indígena, em parte, foi resgatada do

escassez de documentos que registrem a vida dos

esquecimento graças ao trabalho de alguns religiosos

incas de antes da conquista. Porém, a crônica

espanhóis, juntamente com os indígenas. Dentre essas

selecionada “Palla-huarcuna”, também descrita nas

memórias constam as premunições da chegada dos

crônicas dos conquistadores, exemplifica bem esse

europeus que ocorreram tanto na meso-América

momento. Trata-se de uma crônica que representa o

como na área andina. Esta, apesar de não oferecer

período glorioso dos incas e o presságio do que iria

muitas dessas histórias, interessa-nos a que fala da

acontecer ao povo com a chegada dos homens

aparição de uma “Águia Real”. Segundo o Inca

brancos.

Garcilaso de la Veja, este feito ocorreu em 1512 e é assim narrado por ele:

Como se sabe, a “guerra da conquista” não foi o que mais perturbou a comunidade indígena que estava acostumada com a guerra. Essa afirmação pode ser corroborada neste texto, que relata a existência de um Império – o Inca – e, consequentemente, o domínio sobre outros povos. Vê-se, dessa forma, que o mesmo povo que não aceitou a dominação vinda de fora, era o mesmo que subjugava outras comunidades ao seu império e usufruía dessa

[…] y fué (sic) que, celebrándose la fiesta solemne que cada año hacían a su Dios el Sol, vieron venir por el aire un águila real, que ellos llaman anca, que la iban persiguiendo cinco o seis cernícalos y otros tantos halconcillos. […] los cuales trocándose ya los unos, y los otros, caían sobre el águila, que no la dejaban volar, sino que la mataron a golpes. Ella, no pudiendo defenderse, se dejó caer en medio de la plaza mayor de aquella ciudad, entre los incas, para que le socorriesen. […] El Inca y los suyos lo tomaron como mal agüero, en cuya interpretación

946

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

dijeron muchas cosas los adivinos que para semejantes casos tenían elegidos; y todos eran amenazas a la pérdida de su Imperio, de la destrucción de su república y de su idolatría (apud ZEA, 1991, p. 9).

Seguindo com o relato, o leitor é informado de que a índia cativa estava destinada ao harém do monarca inca. Contudo, na primeira oportunidade, os amantes fogem, sendo interceptados pela guarda:

Este episódio não passa despercebido aos olhos

“la hermosa cativa, la joven del collar de guairuros, la

do cronista Palma que também descreve a sua versão:

destinada para el serrallo del monarca, ha sido sorprendida huyendo con su amado, quien muere

El cóndor de alas gigantescas, herido traidoramente y sin fuerzas ya para cruzar el azul del ciedo, ha caído sobre el pico más alto de los Andes, tiñendo la nieve con su sangre. El gran sacerdote, al verlo moribundo, ha dicho que se acerca la ruina del Imperio de Manco, y que otras gentes vendrán, en piraguas de alto bordo, a impornerle su religión y sus leyes (PALMA, 1997, p. 5).

Ainda que se fizessem sacrifícios para agradar aos deuses de nada adiantaria, “porque el augurio se cumplirá” (PALMA, 1997, p. 6).

defendiéndola” (PALMA, 1997, p. 6). O texto deixa clara a fúria do monarca que não perdoa a traição quando “Tupac-Yupanqui ordena la muerte para la esclava infiel” (p. 6). Contrariando as expectativas, a cativa recebe aliviada a sentença, porque “anhela reunirse con el dueño de su espíritu, y porque sabe que no es la tierra la patria del amor eterno” (PALMA, 1997, p. 6). Segundo a crônica resgatada por Palma, conta

Lamenta-se o sofrimento pelo qual o povo

a lenda que no local onde aconteceu a morte da cativa

indígena virá a passar, as humilhações, o abandono

surgiu uma pedra com formas arredondadas de uma

de suas crenças e seus deuses, em função do invasor.

índia e que quando alguém passa neste local, à noite,

Chega-se a felicitar o ancião, porque este não viverá

é devorado pelo fantasma da pedra:

o suficiente para ver cumprida a profecia e a destruição do seu povo: “¡Feliz tú, anciano, porque sólo el polvo de tus huesos será pisoteado por el extranjero, y no verán tus ojos el día de la humillación para los tuyos!” (PALMA, 1997, p. 6). É interessante observar que a leitura da humilhação da derrota tem uma única representação – o inca submetido ao futuro invasor – porém, quando se trata do inca submetendo outras tribos ao seu império, isso não acontece. Pode-se comprovar

[…] y desde entonces, ¡oh viajero!, si quieres conocer el sitio donde fué (sic) inmolada la cautiva, sitio al que los habitantes de Huancayo dan el nombre de Palla-huarcuna, fíjate en la cadena de cerros, y entre Izcuchaca y Huaynanpuquio verás una roca que tiene las formas de una india con un collar en el cuello y el turbante de plumas sobre la cabeza. La roca parece artísticamente cincelada, y los naturales del país, en su sencilla superstición, la juzgan el genio malífico de su comarca, creyendo que nadie puede atreverse a pasar de noche por Palla-huarcuna sin ser devorado por el fantasma de piedra (PALMA, 1997, p. 6).

essa afirmação no fragmento que revela a presença de uma cativa entre os incas:

Para a análise do período que representa a c o nq uista espanhola na A mér ica selecionamos a nquista mérica

Acaso en tus valles nativos dejaste el ídolo de tu corazón; y hoy, al preceder, cantando con tus hermanas, las ondas de Oro que llevan sobre sus hombros los nobles curacas, tienes que ahogar las lágrimas y entonar alabanzas al conquistador. ¡No, tortolilla de los bosques! … El amado de tu alma está cerca de ti, y es también uno de los prisioneros del Inca (PALMA, 1997, p. 6).

crônica “Carta canta”. Nesta crônica Palma narra os primeiros contatos dos índios peruanos com a escrita. Os espanhóis, que já conheciam e dominavam a linguagem escrita quando chegaram à América, utilizavam as cartas para documentar os achados e tomar posse das terras.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

A crônica começa com a narração da feitichização da escrita: rezan cartas, en la acepción de que tal o cual hecho es referido en epístolas. Pero de repente las cartas no se conforman con rezar, sino que rompieron a cantar, y hoy mismo, para poner remate a una disputa, solemos echar mano al bolsillo y sacar una misiva diciendo: –Pues, señor, carta canta–. Y leemos en público las verdades o mentiras que ella contiene, y el campo queda por nosotros. Lo que es la gente ultracriolla no hace rezar ni cantar a las cartas, y se limita a decir: papelito habla (PALMA, 1997, p. 143).

947

Don Antonio formó en Barranca una valiosa hacienda, y para dar impulso al trabajo mandó traer de España dos yuntas de bueyes, acto al que en aquellos tiempos daban los agricultores la misma importancia que en nuestros días a las maquinarias por vapor que hacen venir de Londres o de Nueva York. Iban los indios (dice un cronista) a verlos arar, asombrados de una cosa para ellos tan mostruosa (sic) y decían que los españoles, de haraganes, por no trabajar, empleaban aquellos grandes animales (PALMA, 1997, p. 144).

Entre uma das responsabilidades que os espanhóis tinham com os seus escravos constava a incumbência de doutriná-los, ou seja, ensinar-lhes a

A partir desse momento, Palma se propõe a

fé e a religião católica: “En los títulos o documentos

contar a origem da frase “carta canta”, segundo a

en que a cada conquistador se asignaban terrenos,

narração do padre jesuíta Acosta. Palma começa a

poníase la siguiente cláusula: ‘Item, se os encomiendan

descrição falando da troca de alimentos que houve

(aquí el número) indios para que los doutrinéis en las

entre as duas civilizações, o que indica que, neste

cosas de nuestra santa fe’” (PALMA, 1997, p. 144).

aspecto, o intercâmbio foi enriquecedor. As plantas trazidas passaram a ser cultivadas na nova terra.

Escrita e religião foram os aspectos que maior

Algumas espécies adaptaram-se muito bem e

espanto causou aos índios. O segundo porque distava

produziram frutos de excelente qualidade: “Algunas de

em muito do conceito que os índios tinham sobre a

las nuevas semillas dieron en el Perú más abundante y

religião; o primeiro, conforme já esclarecido, porque

mejor fruto que en España” (PALMA, 1997, p. 143).

não era conhecida pelos incas.

Palma põe em evidência como os índios foram

Assim, conta-se uma anedota que pode ser

despojados de suas terras e obrigados a servirem

resumida da seguinte maneira: no tempo da colheita

como escravos aos novos senhores:

de melões, na fazenda de Don Antonio Solar, o encarregado mandou para o proprietário das terras,

Era don Antonio Solar, por los años de 1558, uno de los vecinos más acomodados de esta ciudad de los Reyes. Aunque no estuvo entre los compañeros de Pizarro en Cajamarca, llegó a tiempo para que en la repartición de la conquista le tocase una buena partija. Consistió ella en un espacioso lote para fabricar su casa en Lima, en doscientas fanegadas de feraz terreno en los valles de Supe y Barranca, y en cincuenta mitayos o indios para su servicio (PALMA, 1997, p. 144).

Assim, após receber terras, sementes e escravos, os senhores começavam a cultivá-la. Os que possuíam muitas posses importavam da Espanha

por dois escravos índios, os melhores frutos produzidos e junto, uma carta explicando o que os escravos estavam levando. Porém, no meio do caminho os índios sentiram vontade de comer da fruta, mas temiam que a carta contasse ao senhor da fazenda o feito. Então, um dos escravos teve uma ideia: _¿Sabes, Hermano –dijo al fin uno de ellos en su dialecto indígena– , que he dado con la manera de que podamos comer sin que se descubra el caso? Escondamos la carta detrás de la tapia, que no viéndonos ella comer no podrá denunciarnos (PALMA, 1997, p. 145).

juntas de bois para auxiliá-los na produção de alimentos. O impacto causado nos índios é descrito por Palma da seguinte maneira:

A ignorância dos índios é decorrente da impossibilidade destes em compreenderem o

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

948

funcionamento da escrita, acreditavam que a carta

com uma lei que vem da Espanha e atinge diretamente

só os denunciaria se os vissem comendo, sendo

as mulheres. O conteúdo da Real Cédula ordenava:

compreendido por eles como um poder mágico. No entanto, quando eles chegaram ao destino, o patrão leu a carta e descobriu que os escravos haviam comido dois melões e blasfemou: “—¡Cómo se entiende, ladronzuelos! El mayordomo me manda diez melones y aquí faltan dos” (PALMA, 1997, p. 145). Sem compreender o ocorrido, os irmãos se olharam dizendo um deles: “¿Lo ves, hermano? ¡Carta canta!” (PALMA, 1997, p. 145).

Manda el rey nuestro señor que ninguna mujer, de cualquier estado y calidad que fuere, pueda traer ni traiga guardainfante, por ser traje costoso y superfluo, feo y desproporcionado, lascivo y ocasionado a pecar, así a las que los llevan como a los hombres por causa de ellas, excepto las mujeres que públicamente son malas de su persona, y ganan por ello. Y también se prohíbe que ninguna mujer pueda traer jubones que llaman escotados, salvo las que de público ganen con su cuerpo. Y la que lo contrario hiciere incurrirá en perdimiento del guardainfante y jubón, y veinte maravedís de multa (PALMA, 1997, p. 261).

Como consequência, o senhor ordena que surrem os escravos para que aprendam a lição, demonstrando a mesquinhez dos latifundiários.

É possível observar na citação que a lei conferia o direito de usar tais peças apenas às “prostitutas”, porém, tratava-se de uma roupa que

Segundo a crónica, “don Antonio refirió el

agradava a todas as mulheres, inclusive as casadas.

caso a sus tertulios, y la frase se generalizó y pasó el mar” (PALMA, 1997, p. 145).

Ao tomarem consciência do conteúdo do texto, as mulheres se uniram e armaram um motim

As crônicas de Ricardo Palma que

protestando contra a lei. Entenderam que ninguém,

e-r representam a sociedade v ic ice-r e-ree inal e bar barrr o ca são

nem mesmo um rei, que elas não conheciam, tinha o

reflexos da vida da sociedade limenha do século XVII

direito de dizer o que elas deviam ou não vestir. O

e nelas abundam os casos de violências. A crônica

tumulto foi tanto, que o representante do rei em Lima

analisada, “Motín de limeñas”, foi escolhida porque

não teve como sustentar dita lei, revogando-a:

representa a situação da mulher neste período. Segundo Duran Luzio (1987, p. 589), a situação da mulher na sociedade barroca não era muito favorável. Suas opções não eram muitas: empregada ou dama de companhia na corte, matrimônio ou ir para o convento. Todo tipo de educação formal estava vetado à mulher. Para este autor, a mulher é uma das grandes derrotadas da cultura barroca.

Afortunadamente, la Real Audiencia, después de discutirlo y alambicarlo mucho, acordó dejar la pragmática en la categoría de hostia sin consagrar. Es decir, que no se promulgó por bando en Lima, y que Felipe II encontró aceptables las observaciones que respetuosamente formularon los oidores, celosos de la tranquilidad de los hogares, quietud de la república y contentamiento de los vasallos y vasallas (PALMA, 1997, p. 262).

o da rree púb lica foi Para exemplificar o a d ve nt nto pública

É nesta situação desvantajosa que vive a

escolhida a crônica “Justicia de Bolívar”. O texto narra

mulher, tanto na Espanha como no Peru, e é em tal

um fato acontecido em junho de 1824, próximo já

condição, que Palma recria as limenhas durante o

do grande triunfo do exército libertador que se daria

vice-reinado: em seus contos, as mulheres são objeto

naquele mesmo ano, em Ayacucho. Palma apresenta,

ou atração, nunca pessoas.

em sua crônica, a formação do exército de Bolívar:

Submissas tanto às leis governistas quanto aos maridos, na crônica selecionada estas se revoltam

La división de Lara, formada por los batallones Vargas, Rifles y Vencedores, ocupaba cuarteles en

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

la ciudad Huaraz. Era la oficialidad de estos cuerpos un conjunto de jóvenes gallardos y calaveras, que así eran de indómita bravura en las lides de Marte como en las de Venus. A la vez que se alistaban para luchar heroicamente con el aguerrido y numeroso ejército realista, acometían en la vida de guarnición, con no menos arrojo y ardimiento, a las descendientes de los golosos desterrados del Paraíso (PALMA, 1997, p. 214).

Vê-se, nas palavras de Palma, uma crítica ao comportamento dos soldados da divisão. Ressalta-se sua valentia nas batalhas, mas simultaneamente,

949

do que se pensava e zelava por suas filhas e sobrinhas como se fosse o homem da casa, o que fez com que ela evitasse uma afronta por parte do capitão: Resistíase (sic) ésta a las exigencias del Tenorio, que probablemente llevaban camino de pasar de turbio a castaño obscuro, cuando una mano se apoderó con rapidez de la espada que el oficial llevaba al cinto y le clavó la hoja en el costado. Quien así castigaba al hombre que pretendió llevar la deshonra al seno de una familia era la anciana señora de Munar (PALMA, 1997, p. 215).

qualifica-os de “golosos desterrados del Paraíso”, pela

O exército saiu em defesa do capitão, cercaram

investida desses às mulheres limenhas, o que provoca

a casa, não permitindo que saísse uma única mulher

certo desconforto na população:

do recinto.

La oficialidad colombiana era, pues, motivo de zozobra para las muchachas, de congoja para las madres y de cuita para los maridos: porque aquellos malditos militronchos no podían tropezar en un palmito medianamente apetitoso sin decir, como más tarde el valiente Córdova: Adelante, y paso de vencedor, y tomarse ciertas familiaridades capaces de dar retortijones al marido menos escamado y quisquilloso.¡Vaya si eran confianzudos los libertadores! (PALMA, 1997, p. 214).

A crítica aos soldados tem procedência, uma vez que estes abusavam do poder que a farda lhes conferia. Os civis, para agradecer aos soldados pelo que faziam pela pátria, eram obrigados a abrir as

Avisado do acontecido o libertador Bolívar dirigiu-se imediatamente ao local e fez um comunicado ao exército em que dispunha: 1º - El batallón Vargas ocupará el último número de línea, y su bandera permanecerá depositada en poder del general en jefe hasta que, por una victoria sobre el enemigo, borre dicho cuerpo la infamia que sobre él ha caído. 2º - El cadáver del delincuente será sepultado sin los honores de ordenanza, y la hoja de la espada que Colombia le diera para defensa de la liberdad y la moral, se romperá por el furriel en presencia de la compañía. (PALMA, 1997, p. 216).

portas dos seus lares para recebê-los. Assim, conta

Depois de sepultar o capitão, Bolívar dirige-

Palma que estes soldados entraram em casa de uma

se à casa da senhora Munar e profere: “saludo a la

viúva, que vivia em companhia de duas filhas e de

digna matrona con todo el respeto que merece la

duas sobrinhas, todas moças em condição de aspirar

mujer que, en su misma debilidad, supo hallar

a um belo casamento, pois eram ricas, bonitas e

fuerzas para salvar su honra y la honra de los suyos’’

pertencente à antiga aristocracia do local. A senhora

(PALMA, 1997, p. 216).

era “goda”, ou seja, espanhola de nascimento, e não estava feliz com o cortejo dos soldados. Passava já da

A partir do ocorrido, a senhora que era goda,

meia noite quando uma das moças se retira a seu

tratamento depreciativo utilizado para caracterizar

quarto, sendo seguida por “el enamorado y libertino

aos espanhóis, deixou de sê-lo, e respondeu com

capitán, creyendo burlar al Argos de la madre, fuése

entusiasmo: “¡Viva el libertador! ¡Viva la patria!”

(sic) a buscar el nido de la paloma” (PALMA, 1997,

(PALMA, 1997, p. 216).

p. 215). A metáfora utilizada por Palma é muito eficaz, pois era assim que os soldados viam as mulheres, como “presas”. Porém, a dona da casa era mais vivida

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

950

Referências bibliográficas

Conclusão Neste trabalho nos propusemos a analisar, brevemente, Las tradiciones peruanas de Ricardo Palma e sua impor tância na formação dos imaginários nacionais.

ANDERSON, Benedict (1989): Nação e consciência nacional. São Paulo: Ed. Ática. DURAN LUZIO, Juan (1987): Ricardo Palma: cronista de una sociedad barroca. Em: Revista Iberoamericana, Nº 140,

Segundo Octavio Ianni (1988, p. 33) a nação

p. 581-593.

pode ser vista como uma configuração histórica em

FRANCO, Jean (1999): Histor ia de la literatura

que se organizam, sintetizam e desenvolvem forças

hispanoamericana. Barcelona: Ed. Ariel.

sociais. Ao escrever sobre determinada nação, o autor pode narrar fatos históricos, mas também pode contar fatos imaginários, ou pode mesclar os dois e produzir textos muito interessantes.

IANNI, Octavio (1988): A questão nacional na América. Em: Estudos avançados. V. 2, p. 05-40. PALMA, Ricardo (1997). Tradiciones peruanas. São Paulo:

Sendo assim, as crônicas de Palma podem ser

Ed. ALLCA XXI / Scipione / Cultural.

incluídas neste gênero híbrido – entre a história e a

ZEA, Leopoldo (1991). Ideas y presagios del descubrimiento

ficção – o que lhe confere um grande valor literário.

de América. México: Ed. Fondo de Cultura Económica.

Notas 1

Inca do antigo Peru (1471-1493), filho e sucessor de Pachacutec Yupanqui. Com ele se estendeu o império dos Incas em direção ao norte, ao vencer a tribo dos cañaris, hoje Equador.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

951

O AGUIRRE POSSEANO: TIRANO OU LIBERTADOR?

Regina Simon da Silva UFRN Cuando, en las lóbregas noches de Barquisimetro y Burburata (Venezuela), emergen de las grietas de la tierra verdosas lenguas de fuego que corren cual fuegos fatuos por los prados sin quemarlos y “copos de luz fosfórica vagan y se agitan a los caprichos del viento”, los rudos campesinos se los muestran a sus hijos y les explican que son el alma errante del “tirano Lope de Aguirre, que no encuentra dicha ni reposo sobre la tierra”. Rosa Arciniega – Dos rebeldes españoles en el Perú

No país onde este conquistador encontrou a

Segundo Isabel Alicia Quintana (1997, p. 163),

morte, sua lembrança permanece viva, uma vez que,

a crítica historiográfica até hoje não conseguiu chegar

através de contos e na educação familiar, os pais

a um consenso: “para algunos, Aguirre es un traidor

ameaçam “a los niños para que se porten bien, si no,

a la corona, un ser diabólico (un caso patológico de

viene el ‘coco’ Aguirre” (GNUTZMANN, 1991, p. 135).

rebeldía genética) mientras que otros sostienen que es la primera expresión de la lucha por la

Lope de Aguirre (1511?-1561) nasceu em

independencia americana”.

Oñate – Guipúzcoa – informação obtida do próprio Aguirre no começo de sua famosa carta ao Rei Felipe

Nota-se, com base nesta citação, que a opção

II, onde se identifica como “Lope de Aguirre, tu

entre uma destas alternativas depende do ponto de

mínimo vasallo, Cristiano viejo, de mediados padres

vista do observador: se está do lado do vencedor ou

y en mi prosperidad hijodalgo, natural de Oñate…” (AGUIRRE, 1963, p. 218). Várias são as crônicas publicadas que narram a Jornada de Omagua y Dorado, chefiada pelo governador Pedro de Orsúa, da qual Lope de Aguirre participou, e todas são unânimes em apresentá-lo como um perverso tirano: “era tan cruel y malo este tirano, que a los que no le habían hecho mal ni daño, los mataba sin causa ninguna” (ALMESTO, 1986, p. 178). Lope de Aguirre foi e continua sendo até hoje “el Espíritu Diabólico del Mal” (ARCINIEGA, 1946, p. 278). Mas será que o era realmente?

do lado do vencido. Após leituras sobre o processo de conquista espanhola na América nos perguntamos: teria sido Aguirre mais cruel do que Hernán Cortés no massacre de Cholula na conquista do Império asteca? Ou o que dizer de Francisco Pizarro e a chacina de Cajamarca na conquista dos incas? Quem é o mais cruel? Que diferença há entre estes assassinatos que transformaram Cortés e Pizarro em heróis e Aguirre em um “perverso tirano”? Percebe-se claramente que a diferença está nas vítimas que sofreram tais covardias. Cortés e Pizarro

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

952

mataram índios, enquanto a maior parte das vítimas de Aguirre eram de cidadãos espanhóis (o que não significa que ele também não tenha matado índios). Cortés e Pizarro saír am vencedores e

nuestras fuerzas pudieran sufrir; y esto, cree rey y señor, nos ha hecho hacer el no poder sufrir los grandes pechos, premios y castigos injustos que nos dan tus ministros, que por remediar a sus hijos y criados han usurpado y robado nuestra fama y honra, que es lástima Rey el mal tratamiento que se nos ha hecho (AGUIRRE, 1963, p. 219).

propiciaram à Espanha riquezas incalculáveis, enquanto Aguirre foi derrotado no seu propósito de

Devido a sua ousadia e perversidade Aguirre

Independência e o El Dorado nunca foi encontrado.

foi morto e esquartejado, partes de seu corpo foram

Devido a estes percalços Lope de Aguirre tem sido investigado sempre de forma inconciliável, “con pasión o con desprecio […] se le ha defendido o vilipendiado, según las simpatías del observador de sus acciones” (ARCINIEGA, 1946, p. 277). Buscando uma conexão entre Aguirre e o outro rebelde espanhol analisado no livro de Arciniega – Gonzalo Pizarro – observamos que a autora destaca uma série de rebeliões ocorridas no Peru, anteriores à protagonizada por Aguirre, que tiveram como consequência a morte dos líderes

levadas a distintas partes do Continente, como demonstração do que acontece a quem trai o Rei da Espanha. A Audiência de Santo Domingo condenou sua fama e memória para sempre: “Felipe II, el severo Rey de España, prohibió citar su nombre bajo las penas más severas y ordenó que se destruyeran sus escritos a fin de que la posteridad lo ignorase” (ARCINIEGA, 1946, p. 273). Todavia sua fama correu de boca em boca, de forma oral, em representações públicas sob a forma de drama histórico, tanto na América quanto na Península Espanhola.

insurgentes. Segundo a autora, nestas batalhas Aguirre sempre esteve do lado do Império Espanhol.

Contrários a esta visão que depõe contra a imagem de Aguirre, e, portanto, consoantes com seu

Conforme Arciniega, a sublevação de Gonzalo Pizarro foi um germe, uma semente que proliferou por toda a América, principalmente no Peru, e começou a dar frutos prejudiciais ao projeto de

espírito rebelde, um grupo de “amigos” do conquistador se reuniu no dia 29 de outubro de 1961, para comemorar o IV Centenário da morte de Aguirre, ou melhor, de seu assassinato.

colonização da América. Historicamente, este feito representa “los primeros síntomas ostensibles del

Trata-se de um grupo de homens vizcaínos,

grito independentista que cuajaría, siglos más tarde,

assim como Aguirre. Não é difícil, portanto, encontrar

por toda la amplitud del Continente” (ARCINIEGA,

certa familiaridade entre estes compatriotas; o germe

1946, p. 265).

da independência vem de longa data, uma vez que “todos le admiramos por su espíritu de rebeldía que

O que não fizeram Gonzalo Pizarro, Francisco Hernández Girón, entre outros que se rebelaram

late sofocado en nosotros, por múltiples circunstancias” (BUSCA ISUSI, 1963, p. 79).

contra o governo espanhol, Aguirre o fez: declarouse independente da Espanha, juntamente com seus companheiros “marañones”:

Todos os presentes no encontro buscam compreender a conduta de Lope de Aguirre sem a intenção de justificá-la. Procuram calibrar a sua

He salido de hecho con mis compañeros, cuyos nombres después diré, de tu obediencia, y desnaturalizándonos de nuestra tierra que es España, para hacerte la más cruel guerra que

personalidade com base no ambiente em que ela foi moldada, um clima de f orte tensão, guerras, assassinatos e traições. Afinal, segundo Martín Santos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

(1963, p. 172), “ninguno de nosotros es absolutamente normal, todos tienen en si un germen de posible patología y su desarrollo puede llegar a producirse o no según las circunstancias en que se encuentre cada uno”. Sendo assim, destacamos como ápice da loucura o momento em que Aguirre mata sua filha para que não sofresse abusos sexuais, para que ela não fosse

953

…él –de forma consciente y divulgándolo estruendosamente– se había er igido en un libertador: en el primer libertador de las Indias Occidentales. Libertador frustrado, pero libertador al fin. Trescientos años después de un fracaso, Bolíbar [sic] encarnó en su memoria triunfante, sumió a España en el ostracismo entre las naciones y en el horror de una permanente guerra civil (PEÑA BASURTO, 1963, p. 193).

“colchão de velhaco”, para que não a tratassem como

Transcorri dos quase quat rocentos e

filha de traidor, demonstrando, com isso, o amor que

cinquenta anos de sua morte e mesmo com todo o

ele sentia por ela. Se denominamos o sentimento de Aguirre pela filha como amor é com base nas crônicas historiográficas que, pelo menos neste aspecto, não denigrem a imagem do Conquistador. Vejamos o que diz a crônica de Almesto: …y así, luego el tirano perverso, viéndose casi sólo, desesperado el diablo, en lugar de arrepentimiento de sus pecados, hizo otra crueldad mayor que las pasadas, con que echó el sello a todas las demás; que dio de puñaladas a una sola hija que tenía, que mostraba quererla más que a si (ALMESTO, 1986, p. 217).

esforço investido para apagar a sua memória, com proibições, ameaças e maldições lançadas contra a sua descendência, tornando-os indignos de toda honra e dignidade, “¿qué han conseguido? Nada. Al cabo de 4 siglos estás más vivo y coleteante que nunca. Se vive mientras uno y se mantiene vivo en el recuerdo de nuestros descendentes” (AMÉZAGA, 1963, p. 160). A figura de Lope de Aguirre não deixou de ser lembrada pelo mundo literário.1 Frequentemente ele aparece em produções artísticas até os nossos dias,

Aguirre, ao contrár io de tantos outros conquistadores, não se esquivou da função de ser pai de uma mestiça; sempre a manteve junto a ele, propiciando-lhe uma criada que a atendesse no crescimento e educação.

como é o caso de Daimón, nosso corpus de análise. Acreditamos que o estudo desenvolvido até o momento nos ajudará na análise do Aguirre posseano. Procuraremos obser var a caracterização deste personagem para ver se o Aguirre ficcional também

Seus “amigos” lamentam que os detratores de

apresenta as duas faces: a de tirano e a de libertador.

Aguirre sejam exatamente seus cronistas e

Para tal é importante verificar o momento da

historiadores, detentores da “verdade”, e seus

escr itura da car ta, considerada como único

apologistas, homens comuns, sem respaldo para a

documento não violado pela história, como vimos

história. Por isto, com frequência, apoiam-se nas

anteriormente.

cartas deixadas por Aguirre, cujo teor, “este sí, no deformado por los historiadores” (URÍA, 1963, p. 93).

O narrador indica uma marcação temporal que sugere o tempo em que Aguirre esteve na tumba

Desde um ponto de vista americanista veem-

e relata que, ao “ressuscitar”, ordena ao escrivão que

no como precursor da Independência da América, o

lhe anote com a melhor letra “esta segunda

primeiro a pensar na América livre; porém, em um

declaración que le envía don Lope de Aguirrre, no

tempo que não estava maduro suficientemente para

habiendo tenido respuesta de su primera, fechada en

acolhê-lo. Associam as suas ideias às do Libertador

el Imperio Marañón hoy hace justo once años del

Bolívar:

tiempo de su propia condena y vil ejecución” (POSSE, 1991, p. 22). É importante observar que não se trata

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

954

da mesma carta. Entre a escritura de uma e outra se

Esta constatação deixa Aguirre indignado,

passaram onze anos, durante os quais Aguirre

ferido no seu orgulho. Por isso ordena ao escrivão

permaneceu

de

que escreva nova carta. O contexto dessa nova carta

Independência: “escribes que vuelvo a llevarle guerra,

indica um Aguirre “mordido” pela América; algo novo

como entonces, de Príncipe a Príncipe (POSSE, 1991,

aconteceu, sua rebeldia é consciente e em defesa do

p. 23). Não obstante, uma sutil diferença é incluída

povo americano, um discurso americanista, para

pelo narrador, dando a entender que no seu retorno

sermos mais precisos. A citação é extensa, mas é uma

algo mudou, menos a sua condição de traidor: “esta

gratificante leitura:

firme

no

seu

propósito

es la jornada de América. Voy con mis verdugos y mis víctimas por estas tierras fantásticas. Vuelvo a firmar la carta con mi título de Traidor, que no es fácil conquistar. Porque debo de traicionaros para poder ser Rebelde” (POSSE, 1991, p. 23, grifo nosso). A versão apresentada para a morte da sua filha Elvira, considerada a maior tirania perpetrada por Aguirre, coincide com a mostrada anteriormente: foi para protegê-la. O texto sugere o perdão da filha e o agradecimento por esta demonstração de amor é sentido na metáfora das manchas de sangue: “las dos heridas que le había infligido (para protegerla del mal de la vida) en aquella memorable tarde del 27 de octubre de 1561 habían cuajado en dos manchitas rojas, dos alegres lunares” (POSSE, 1991, p. 52). O narrador busca sempre um diálogo com as crônicas. Assim, o Aguirre ficcional procura saber o que dizem sobre ele, sobre a sua fama e memória. As informações obtidas sugerem certo esquecimento: “¡la verdad es que uno ha oído algo, algo ha oído!” (POSSE, 1991, p. 85); lembram de sua tirania: “dicen señor, que os escuartejaron y que muchos de nosotros fuimos muertos de tu mano, como es verdad” (POSSE, 1991, p. 97); revelam que virou motivo literário: “parece que han escrito tu historia. Te han hecho vivir, matar, morir, en los libros”; que é invocado por bruxas: “las brujas de Nueva Granada te invocan en la noche del 16 de

…prosigo mi Jornada en rebeldía, al frente del Imperio Marañón, primer territorio libre de América. […] Os digo, Dignísimo Señor, que a este gigante de las Indias, que es América, sólo la tenéis tomada por el borde y que es tan enorme, impenetrable e invencible que pronto os caerá sobre vuestros reales pies. Os informo que nadie puede ni podrá con esta tierra. Su alma late bajo los pantanos, se esconde en las altísimas cumbres, huye al fondo de bosques de espesura inimaginable. Cuando tus hombres corran detrás de ella, se transformarán para siempre y no te reconocerán más. Os digo que vuestro imperio sobre estas tierras es ilusorio, mera escritura anotada en el agua. Se equivocan tus consejos del Santo Oficio: es justo que estas tierras estén más de parte del Demonio que de Dios; porque si fue en nombre de Dios que estas gentes padecieron tu azote, por demás claro está que prefieran probar del lado del Demonio. Estos pueblos no están conquistados aunque sí temporalmente vencidos, vaciados de su vida propia, de su alegría, amenazados por tu piedad y tus progresos. Sus dioses siguen vivos, os lo digo Dignísimo Señor, y viven de la forma más fuerte: en el corazón de la gente… (POSSE, 1991, p. 99-100).

No princípio do romance, com muita sutileza, o narr ador resume em poucas linhas o que pretendemos desenvolver neste ar tigo. Esta informação quem nos dá é o judeu Lipzia: “…otros dicen que después de las crueldades de Sacsahuamán los amautas de Cuzco te embrujaron: dicen que te condenaron a vivir y a que te vuelvas indio, para que veas lo que se siente…” (POSSE, 1991, p. 20).

junio. Se te nombran en macumbas de todo lo que sea

O narrador mostra um Aguirre surpreso ao

Caribe, isla Margarita y sus bordes” (POSSE, 1991, p.

encontrar, no meio de tantos assassinados, um grupo

97); mas não mencionam que foi o libertador do

de índios: “…en una ola roja y silenciosa, el ejército

primeiro território livre da América, Príncipe do

de indios e incas degollados en Cuzco y Cajamarca.

Império Maranhão.

¡Era terrible! ¡No sólo habían tenido alma, como lo

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

como esto, niña! ¡Esta magia! ¡Pero vamos, que no veng an palabras!” Comprendió que estaba realmente en el Paraíso. “Es El Dorado, es Paytiti y todo el Perú! ¡Y todas las amazonas, todas las botas sin clavos, todas las camas secas del mundo!” (POSSE, 1991, p. 164).

estableciera el discutido Concilio, sino que además se permitían una vida ultraterrena!” (POSSE, 1991, p. 27). Aguirre não gosta de tudo o que vê. O narrador começa a mostrar sinais de mudança no protagonista: “…por primera vez en sus largas vidas se sintió americano. Al menos con el rencor del americano y ese cierto orgullo vegetal y paisajístico que con el tiempo sería confundido con mero folklorismo” (POSSE, 1991, p. 100).

955

Todavia “las fug aces imágenes que se producían en el espacio sagrado de Machu Pichu” (POSSE, 1991, p. 166) indicam a Aguirre que a América estava vivendo uma etapa excepcional, Bolívar já surgira no cenário como libertador e ele, o

A transformação do Aguirre posseano se dará

Rebelde Aguirre, seguia isolado nas altas montanhas.

quando este, depois de viver todo o prazer

Sentiu que a vida conjugal já não o satisfazia mais,

proporcionado pela carne ao lado de Sóror Ângela,

era hora de voltar a ver gente. Deixa um bilhete para

e, em sua companhia, são guiados por Huamán a

sóror Ângela e abandona a sagrada montanha. Mas

Machu Pichu, cidade sagrada dos incas, espaço

quando a deixa percebe que fatos importantes haviam

cósmico que “trama la increíble alianza de los

passado na América. No entanto, ele já não era o

muertos con los vivos” (POSSE, 1991, p. 149) e que

mesmo, “el viejo se sentía inclinado a una mayor

emana energia capaz de “liberar” a alma do seu

comprensión. Era como si hubiese subido español y

passado, possibilitando a que Aguirre realize uma

bajado americano” (POSSE, 1991, p. 168),

viagem iniciática a outras dimensões, admitindo

transformação que ainda não é profunda, portanto,

como guia espiritual um xamã inca.

incompreensível para ele, fato que o levará de volta a

Diante da poderosa montanha Aguirre

Machu Pichu.

ajoelha-se e beija a terra sagrada arrancando um

Para nós este ato é a confirmação de que o

comentário do narrador e o espanto da pequena freira:

Tirano estava mais humano. Não precisava esperar

“Machu Pichu, la luminosa, había hecho morder el

mais

polvo al Conquistador” (POSSE, 1991, p. 150).

autoconhecimento sugerido por Huamán: “durante

O ambiente sagrado impõe respeito, provocando mudanças no comportamento do casal durante as refeições: “terminado el cuís a la parrilla ella no se chupaba los dedos y Aguirre, delicadamente, se abstenía de eructar” (POSSE, 1991, p. 151). Transcorridos dois anos nas altas montanhas, instruído por Huamán na sabedoria incaica, Lope de Aguirre começa a comparar os prazeres de antes com

para

aceitar

o

ritual

indígena

do

meses Aguirre bebió con coraje las leves dosis que le daba el amauta […] se fue hundiendo en el terrible territorio de lo Peor… temía perder la identidad” (POSSE, 1991, p. 207). Enfim Aguirre descobre “Lo Abierto”. Por meio da “ayawasca”, Huamán havia transformado o Peregrino, seu “blanquiñoso prurito del hacer estaba quebrado en su base, su sudamericanidad era ya casi

o que a vida lhe oferecia agora e o presente leva

completa” (POSSE, 1991, p. 213). Aguirre havia

vantagem:

perdido parte da identidade espanhola.

…ni las emociones de la guerra, de la traición, del crimen, ni el terrorismo voluntario de las apuestas de caballos o de cartas. Nada, nada igual. “¡Nada

A transformação sofrida por Aguirre é a prova de que Posse opta pela humanização do tirano e pode ser configurado como uma metamorfose, um ciclo

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

956

de transformações que começam a ocorrer quando

262). Aguirre pressentia o seu fim e com o tempo

Aguirre adentra a montanha sagrada, o grande casulo.

passou a sentir a própria mor te, quando foi

A imprecação formulada pelos índios de que um dia ele seria como um deles se confirma com Huamán: “se ve que estás en Lo Abierto. Has caído por fin en el estar. Serás como nosotros: te arruinarás un poco pero habitarás lo profundo” (POSSE, 1991, p. 214).

surpreendido pela confissão da Mora, de que a Cigana era só um disfarce, ela “estaba enrolada en los grupos revolucionarios de Diego de Torres” (POSSE, 1991, p. 266), e o convidava a fazer parte do grupo revolucionário, a lutar pela América. Aguirre aceita, mas omite sua verdadeira intenção, trair o líder revolucionário Diego de Torres e reconquistar o

Após a descida da montanha a narrativa é

poder: “¡Qué va a decir el Torres al verme llegar, ese

povoada de intertextos e informações de toda índole.

puritano! En seguida lo pondremos en su lugar…”

O narrador descreve a viagem de Aguirre por todo o

(POSSE, 1991, p. 268). O espírito de traidor não o

Brasil através de sua literatura, visitando grandes

havia abandonado.

obras como Os sertões e Grande sertão veredas. Dirigese à floresta, seu antigo habitat e se entristece ao ver as terras das Amazonas destruídas pela poluição trazida pela exploração da borracha. Em Manaus fica extasiado com o progresso e o brilho das luzes, em contraste com a miserável favela. Vê, animado, a chegada da República, mas critica a solução encontrada para substituir a mão de obra indígena, que não abandonava o culto do “estar” e a dispersão mágica e dançante dos negros, com a importação de novos europeus, que “se lanzaban a América, como antes los Conquistadores, para hacer todo lo que no habían podido hacer ni ser” (POSSE, 1991, p. 243). Dos quinhentos anos que a narrativa abarca, esta era a terceira vez que o destino o unia a sua amante. O espírito da Mora – primeira encarnação – desfrutou de cada etapa da vida de Aguirre: o conquistador, o momento de transição em busca do autoconhecimento e agora, o americanizado.

Não obstante, Aguirre não verá o resultado de suas pretensões, pois o romance termina bruscamente, em um banquete festivo com a amada. Como uma cena de Rabelais, Aguirre encontra a morte ao engasgar-se com um osso da sorte de um pato. Com a supressão do tempo real e cronológico a narrativa permite a união do passado com o presente. Vendo-os inscritos simultaneamente, tornase mais compreensível a realidade latino-americana, porém não menos dramática e dolorosa. É possível sentir que a exploração e a luta pelo poder na América Latina, instauradas com a chegada do europeu, seguem o seu curso, o Peregrino continua a sua jornada. Como nos diz Esteves (2001, p. 84), “encerrase um ciclo e principia-se outro, continuando a girar a roda da história”. Encerramos a “Jornada de América” do Aguirre posseano, na esperança de que o peregrino faça jus a sua nova condição adquirida e que, como transculturado e rebelde, pois não abandonou sua

O velho Aguirre estava muito feliz e seu

característica predominante, ele possa lutar por esta

pensamento o levou a recordar uma frase de

América, tão farta de utopias dos “outros” e ao mesmo

Cagliostro que dizia: “Antes de morir y durante la

tempo tão duramente real para os humildes que nela

muerte al hombre le son saciados todos sus deseos.

habitam. É uma utopia, mas como viver na América

Nadie muere deseando algo. Es el privilegio del

sem utopia, se desde a chegada dos primeiros

hombre, pero también su límite” (POSSE, 1991, p.

europeus essas terras se viram impregnadas delas?

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Referências bibliográficas

957

MARTÍN SANTOS, Luis (1963): Lope de Aguirre ¿loco? Em: Lope de Aguirre descuartizado. San Sebastián: Ed.

AGUIRRE, Lope de (1963): Cartas. Em: Lope de Aguirre descuartizado. San Sebastián: Ed. Auñamendi.

Auñamendi. PEÑA BASURTO, Luis (1963): Lope de Aguirre visto por

ALMESTO, Pedrarias de; CARVAJAL, Gaspar; ROJAS,

sí mismo. Em: Lope de Aguirre descuartizado. San Sebastián:

Alonso de (1986): Crónicas de América: la aventura del

Ed. Auñamendi.

Amazonas. Madrid: Ed. Héroes.

POSSE, Abel (1991): Daimón. Argentina: Ed. Emecé.

AMÉZAGA, Elias (1963): Diste tus derechos al hombre. Em: Lope de Aguirre descuartizado. San Sebastián: Ed. Auñamendi.

QUINTANA, Isabel Alicia (1997): Aguirre y la nave de los locos. Em: Revista de Crítica Literaria Latinoamericana, N° 46, p. 163-175.

ARCINIEGA, Rosa (1946): Dos rebeldes españoles en el Perú: Gonzalo Pizarro y Lope de Aguirre. Buenos Aires: Ed. Sudamericana.

URÍA, Juan Ignacio (1963): Lope de Aguirre, intento de aproximación a un mito entre tres citas y unas glosas. Em: Lope de Aguirre descuartizado. San Sebastián: Ed.

BUSCA ISUSI, F. M. (1963): Lope, el vasco. Em: Lope de

Auñamendi.

Aguirre descuartizado. San Sebastián: Ed. Auñamendi. ESTEVES, Antonio Roberto (2001). Em: IZARRA, Laura P. Z. de (org.). A literatura da virada do século: fim das utopias? São Paulo: Ed. Humanitas / FFLCH – USP.

Notas 1

Fizemos uma busca rápida sobre obras que trazem Aguirre como personagem, portanto devem existir outras não mencionadas na lista: La araucana (1569), de Alonso de Ercilla; Las tradiciones peruanas (1872), de Ricardo Palma; Las inquietudes de Shanti Andía (1911), de Pio Baroja; Tirano Banderas (1927), de Ramón del Valle-Inclán; Las lanzas coloradas (1931), e El camino de El Dorado (1947), de Arturo Uslar Pietri; La aventura equinocial de Lope de Aguirre (1964), de Ramón Sender; Lope de Aguirre, Príncipe de la libertad (1979), de Miguel Otero Silva, Daimón (1978), de Abel Posse e o filme Aguirre, a cólera dos Deuses, de Herzog.

958

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

PROVOCAÇÕES DE UM DIREITO LATINOAMERICANO QUE INCLUA OS POVOS VENCIDOS: NOTAS A PARTIR DA ANTROPOFAGIA DE OSWALD DE ANDRADE E O SURREALISMO JURÍDICO DE WARAT

Ricardo Baitz Fatec de São Caetano do Sul

As correntes vanguardistas desempenharam

Luis Alberto Warat, traçaremos a possibilidade de um

um importante papel na renovação dos conteúdos

direito latino-americano que, diferentemente do

acadêmicos e culturais dos diferentes países do globo.

europeu, incluiria o diferencial, a saber, os povos e

Tal expressão ultrapassa a literatura, pois como se

civ ilizações vencidos no processo histórico

sabe, movimentos como o modernista brasileiro

modernizador.

almejavam a mais profunda alteração das relações sociais, algo que seus personagens admitiam como possível pela literatura, dado o alcance que os escritos possuíam em sua época. Embora nem sempre seja tomada com a devida seriedade, a utopia das vanguardas latino-americanas contém em seu bojo reivindicações sabotadas na história, e face aos problemas diagnosticados, ensejam um projeto de sociedade que ultrapassa as formações históricas calcadas na economia capitalista. Longe da equivalência generalizada, o principal elemento fundante dessas utopias é uma concepção diferencial voltada àquilo que foi subsumido no processo: o elemento caipira, o indígena, as formas comunitárias que se dissolveram com a chegada do Estado. Assim,

Nesse artigo pretendo expor elementos de um projeto de longa duração em desenvolvimento: o direito diferencialista com vistas à constituição das ciências diferenciais. Estabelecido o ponto de chegada, resta informar que, como partida, tomarei a obra de dois autores: Oswald de Andrade, poeta brasileiro, e Luis Alberto Warat, jurista argentino que atuou largamente na América Latina. Ambos realizaram estudos clássicos de Direito, e desenvolveram uma obra crítica a essa ciência, não se conformando com os conteúdos mais implícitos dessa disciplina que consiste no arcabouço legal objetivando a permanência da sociedade em sua situação atual (seja daquele tempo, seja do nosso).

por intermédio dos conteúdos da utopia

Oswald de Andrade nasceu em São Paulo, em

antropofágica de Oswald de Andrade e dos elementos

1890 e dedicou-se a diferentes frentes de vanguarda:

do Manifesto do Surrealismo Jurídico do argentino

fez, com Guilherme de Almeida, a primeira peça de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

959

teatro brasileira (escrita em francês), foi poeta,

luta contra a prática ou atuação especializada.

escreveu literatura e em sua fase mais amadurecida,

Afirmarmos que não é possível ler esses autores com

escreveu duas teses acadêmicas (A arcádia e a

a expectativa de se reconhecer um ramo especializado

inconfidência, e A crise da filosofia messiânica), ambas

do saber (o que seria tomar suas obras por um sentido

publicadas na obra A utopia antropofágica

utilitário), vez que a costura de seus pensamentos

(ANDRADE, 1990a). Jamais se desfez da faculdade

admite a transição de uma área a outra do

de Direito do Largo São Francisco, usando da sátira

conhecimento, nunca se fechando ou consolidando

para denunciar aquele ambiente, como se pode

em um saber específico.

observar em quase todos os seus trabalhos. Mas é na Crise da filosofia messiânica que a possibilidade de outra sociedade converge com o projeto de outro tipo de direito, que aqui anunciamos enquanto direito antropofágico, um dos alicerces para aquilo que apresentaremos

como

sendo

um

direito

diferencialista.

O que une os autores é o profundo desejo de transformação social, e a identificação que a socie dade at ual é fruto do projeto europ eu, fracassado desde o início. Embora os “voos” sejam diferentes, é claramente identificável que existem pontos de contato, a iniciar pela insistência na literatura como provável forma de superação da

Luis Alberto Warat nasceu na Argentina em

sociedade. Em Oswald (ANDRADE, 1978 e 1990b),

1941, portanto treze anos antes de Oswald falecer, e

a literatura seria capaz de “salvar” a experiência

nos deixou em 2010. Foi advogado, professor e autor

brasileira, dado que ela era a possibilidade de

de uma importante obra jurídica (com mais de

comunicação às massas, embora o número de

quarenta livros publicados), cuja orientação era a de

letrados fosse diminuto no início do século (mais

integrar à ciência jurídica campos do saber que lhe

tarde, ele expandirá essa concepção ao teatro e

escapavam: teatro, poesia, música, cinema, dança, etc.

cinema, quando essas mídias se tornarem

Por isso, articulou à experiência docente momentos

populares). E em Warat, a literatura seria potente

de atividade lúdica, tais como o dos cafés filosóficos,

para fazer ruir o tecnicismo jurídico, ao abarcar a

cabarés, etc. Sua atuação acadêmica foi marcada pela

realidade em sua complexidade, não a simplificando

inquietude perante a reprodução, de modo que

como as leis normalmente sugerem. Por isso de

instigou caminhos alternativos à prática jurídica e aos

Warat adaptar, livremente, obras como Dona flor e

conteúdos próprios do Direito.

seus dois maridos ao contexto jurídico, fazendo surgir

Em ambos os autores há uma recusa ao D ireito estabele cido, mas não ao jurídico. Aparentemente, trata-se de um jogo de palavras, mas não o é. Oswald e Warat, cada qual ao seu modo, compreendem a necessidade de regras sociais para a vida em sociedade – eles não abdicam da ideia que a sociedade é algo bom, e que o indivíduo não se

seu clássico A ciência jurídica e seus dois maridos (WARAT, 2000), em franca resposta à pureza jurídica do positivista Hans Kelsen e seu Teoria pura do Direito (KELSEN, 1998). É uma discussão de fôlego e muito séria, mas que utiliza da graça e leveza que a ar te possui q uando d os seus termos mais aprofundados.

resolverá autonomamente, mas coletivamente – e por

Nessa luta contra a sociedade instituída,

isso buscam a superação do direito enquanto técnica

ambos empregam o método materialista, fazendo

autônoma, buscando emergir uma prática que

emergir uma realidade crua e complexa, como a vida

recoloque a discussão do jurídico em outro patamar,

é. Mas não é um descarte à teoria existe, e sim sua

apropriável pela coletividade. Nesses termos, é uma

recolocação a outro patamar teórico, possível após a

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

960

verificação com a realidade. Tampouco a teoria

Ideias que mais tarde serão recuperadas no

existente é tomada como ideologia, e sim como

Manifesto Antropofágico (ANDRADE, 1990a, p. 48),

abstração concreta: o Direito, embora seja apenas

em mais de um momento:

discurso, produz resultados prát icos, e esses resultados são tomados como concretos, reais, pois interferem e modificam a realidade.

Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.

Sendo os autores muito inventivos, a experiência literária também é ímpar. Nela, a própria idéia de personagem recebe tratamento diferenciado, pois nem sempre o protagonista permanece nessa condição durante o escrito. É o caso de Serafim Ponte

Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vitima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.

Grande (ANDRADE, 2004), onde o personagem que

É facilmente identificável a escolha por uma

intitula a obra aos poucos se convence que é seu

razão que excede o racionalismo funcionalista nesses

melhor amigo, Pinto Calçudo, que se destaca em suas

autores, e o surrealismo não é acidental. Oswald foi

ações, fazendo-o em um momento de ciúmes,

amigo dos surrealistas franceses, sendo inclusive

expulsá-lo do livro! O tecido da obra é, em tom

convidado por Breton a permanecer na França e a se

sarcástico, denunciador do projeto burguês e da

tornar um poeta francês, o que recusou. Warat

forma de sua superação: o quase antagonista Pinto

dedicou-se a estudar essa corrente vanguardista, fato

Calçudo é o ser dotado de uma lógica bizarra, quase

que impulsionou sua obra acadêmica na direção das

surreal, impossível de ser compreendida pelos

utopias.

padrões morais por se situar em outro plano da sociedade, muito mais concreto que o idealizado por

Dois fatores, entretanto, merecem ser

Serafim. Por sua vez, no Manifesto do Surrealismo

mencionados, pois assim como é identificável nesses

Jurídico (WARAT, 1988), a relação sujeito-objeto é

autores – e suas obras – uma recusa à sociedade

apresentada e contestada. A escolha pela forma

existente, também é possível perceber:

“manifesto” é reveladora: embora os tópicos avancem

1) A contestação aos dogmatismos, fazendo-os

na obra, eles são uma unidade dispersa, cabendo ao

divergir simultaneamente do bloco capitalista e

leitor remontá-la quantas vezes forem necessárias, o

também soviético, por assinalarem o mesmo

que torna a leitura ativa, afugentando o

processo, mas por vias diferentes: o Estado,

convencimento, tão comum aos especialistas do

independentemente de capitalista ou socialista,

discurso – e da retórica. A passividade é posta de lado,

significava a vitória da racionalidade restrita2.

e por isso é também uma experiência do jurídico que parte de seu ensino, diferentemente das correntes

2) A identificação do outro desse projeto pelas

críticas que propõem outra ação jurídica aos quadros

formas sobre viventes de so ciabilidade que

já existentes 1. É um ponto de contato com Oswald,

escaparam à forma da mercadoria: o elemento

que em seu Poesia Pau Brasil (ANDRADE, 1990a, p.

supostamente “não civilizado”, identificado pelo

42), expõe:

caipira, matuto, índio, etc.

Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros em vez de jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das idéias.

Ao afirmarmos que Oswald e Warat eram críticos à forma mercadoria, o fazemos consciente dos conteúdos da crítica da economia política formulada

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

961

por Karl Marx em sua volumosa obra, que foram

O que se recupera é uma dialética densa, que

digeridos por ambos os autores (embora em

articula o processo de colonização e descolonização

momentos diferentes) e retificados em um projeto

das Américas, e ultrapassa a linguagem, seja

que ultrapassava a forma estatista pelo “outro”

portuguesa, hispânica ou francesa. Aqui se revela a

possível desta sociedade.

importância desse estudo a quem se dedica ao

O “outro” ao qual nos aludimos é facilmente

hispanismo, seja europeu ou não.

percebido em Antonio CANDIDO (1998) quando do

Retomando Warat. É possível, por uma

seu Parceiros do rio Bonito, pois o caipira do Rio

trajetória que considere os desdobramentos do

Bonito é o sujeito que não pode ser compreendido

surrealismo, vincular a obra de Oswald de Andrade

pela racionalidade média da sociedade, estando

ao surrealismo jurídico de Luis Alberto Warat. Esse

simultaneamente aquém e além da lógica formal. O

caminho considera a Internacional Letrista e a

mesmo autor persistirá nesse tema quando do seu

Internacional

famoso artigo Dialética da malandragem (CANDIDO,

vanguardistas que conservaram o projeto de mudar

2000), no qual o sujeito histórico capaz de dar outro

a vida – muito mais ambicioso que o projeto

sentido à sociedade passará a ser o malandro. Importa

comunista, que pretendia “apenas” mudar o mundo

estabelecer que o outro não é um sujeito facilmente

– ao mesmo tempo que avançaram na discussão das

identificável, tratando-se, outrossim, de uma busca

artes e das formas mais sensíveis de razão, como a

quase frenética, com os riscos comuns a essa

psicogeografia. Oswald e Warat, cada qual com suas

perseguição. Oswald, por exemplo, interpretava que

diferenças, expressam o que há de mais vivo desses

o outro do processo civilizatório era o boêmio, algo

movimentos, demonstrando claramente que estamos

do qual se arrepende anos mais tarde, apostando no

em contato com um pensamento de longa duração,

proletário. Essa outra decepção é superada pelo

alimentado por diferentes autores, cujo fio condutor

caipira, que assume sua forma mais refinada sob a

só se reforça com a chegada de novos integrantes.

Situacionista,

mov imentos

alcunha do “bárbaro tecnizado”. No centro desse pensamento, o avesso da É interessante notar que eles identificam desde

lógica formal se faz presente: há o apelo ao desejo, à

cedo uma crítica ao processo civilizatório, antes

paixão, ao amor3 como desmesura, face a uma lógica

mesmo da denúncia feita pela escola de Frankfurt. O

que busca, a todo instante, economizar recursos, e

homem natural (bárbaro) é compreendido enquanto

por que não, sentimentos? É o desdobramento

o antônimo formal ao civilizado, que por uma

necessário do marxismo não ortodoxo, que encontra

operação complexa, seria capaz de ultrapassar essa

no capitalismo mais que um sistema econômico, pois

sociedade, colocando-a adiante, em cores vivas, como

se trata de um sistema que produz e reproduz

Oswald (ANDRADE, 1990a, p. 102) anuncia com

mercadorias e também relações sociais. Nesse intento,

coesão, a seguir:

a luta é travada por relações sociais concretas, o que enfatiza o homem natural sem se incorrer a uma visão

1º termo: tese – o homem natural

passadista da história.

2º termo: antítese – o homem civilizado 3º termo: síntese – o homem natural tecnizado Vivemos em estado de barbárie, eis o real. Vivemos no segundo termo dialético da nossa equação fundamental

O homem natural tecnizado é, neste sentido, um retorno às relações mais cruas – o que inclui o amor – mas com vistas a recolocar a humanidade com os ganhos técnico-científicos que a civilização

962

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

alcançou. Trata-se, também, de uma resposta à

Falamos, portanto, de um segundo estágio da

corrente estruturalista, pois como o cunho dessas

colonização. Nesse ínterim, o papel dos juízes se refez:

vanguardas é de fato romântico, inclusive propositivo,

em termos oswaldradinos, tratou-se de inventar a

por opção, como bem avaliou LOWY (2002).

máquina de julgar, operada por silogismos lógicos

Para se compreender a lógica dessas relações é necessário relembrar diversos ensinamentos da metade do século XX. Dentre eles, ressaltam-se três: Marcel MAUSS (1971) e seu ensaio sobre a dádiva, o dom e a troca (cujo texto enfatiza as sociedades que operam pelo Potlatch 4 , um ritual que desconhece a equivalência, sendo operado pelo revide); HUIZINGA

(premissa maior: a lei; premissa menor: o caso concreto; conclusão: a sentença mais justa ao caso). Por sua vez, advogados e promotores se tornaram audazes leitores das leis à busca de solução aos seus casos, abandonando a discussão do problema em si, se contentando a encontrar o tratamento da lei àquilo que era concreto.

(2004) e seu Homo Ludens, um livro que versa sobre a

Deve-se a Pachukanis o registro que o

atividade lúdica e o jogo (magistralmente situados

aperfeiçoamento do jurídico sob égide do Estado criou

antes do processo de humanização), e por fim, o ensaio

um instrumento próprio da economia política: a

de economia de Georges BATAILLE (1975) intitulado

norma jurídica. Artefato de especialistas (próprio da

A parte maldita, obra que postula uma economia do

ciência do direito, nos termos de Hans Kelsen), ela

desperdício enquanto fundamento natural e humano

conserva a lógica da troca em sua máxima potência.

das sociedades, inclusive a capitalista, que necessita

Afinal, como opera a lei em um caso de assassinato?

gastar improdutivamente seus recursos, como a crise de 1929 e o plano Marshall (e mais recentemente, a crise de 2009) provaram. Mas nos interessa apontar como essa proposição se resolve no jurídico. Adiante.

Condena-se o homicida a muitos anos de cadeia, ou seja, opera-se por uma troca aparentemente simples, que consiste em permitir a morte de um indivíduo desde que se cumpra um período certo de reclusão.

O Direito Romano especializou-se na busca

Ora, objetivamente, a morte de uma pessoa sequer

pela pureza racional, desenvolvendo-se largamente

pode ser substituída pela morte de outro ser, o que

com uso dos silogismos lógicos com vistas a uma

torna a expressão “olho por olho, dente por dente”,

propensa igualdade. O próprio conceito de justiça

fruto de uma concepção formal de sentença. Como

desenvolveu-se buscando o mais “justo” a cada parte,

admitir a evolução desse pensamento e pleitear a troca

ou em outros termos, os mínimos (justos) a cada

por reclusão? Neste sentido, a norma jurídica, ainda

parte, o que revela os laços com a forma econômica

que penal, se reportaria a um modo próprio de pensar a

desde muito cedo. Mas, se a humanidade pôde

sociedade, que está contido na forma da economia

conviver com essa forma de justiça por séculos, foi

política ampliada às relações de jurídicas!

com o advento do Estado Moderno que esse sentido ganhou um salto qualitativo, sendo capaz de modificar grande parte das relações sociais.

A abstração das relações, tornadas formas puras, conduz a essa juridificação formalista (pela forma): a realidade se afasta do pensamento, e

Com o Estado Moderno, a justiça, que antes

concebe-se um exercício mental sobre formas sem

era local, se dissolveu e tornou-se estatal. As leis, de

conteúdos, algo identificável nos processos escritos,

cujo comunitário e consuetudinário, passaram a ser

onde a discussão sobre o fato são menores e se luta

ditadas por uma ordem distante que, pela escrita,

pelo encaixe perfeito às normas, ao cumprimento dos

buscaram homogeneizar o território nacional.

prazos, às falácias, etc.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Warat e Oswald perceberam que enquanto

Am b o s

os

963 p roje t o s

se

a pre s en t a m

permanecesse na forma, o jurídico seria conduzido a

inacabados, pois não poderiam ser diferentes:

um quadro de injustiça, de modo que a concepção

objetivam a transformação da sociedade, e com ela

social que propõem traz uma noção de direito que

devem se aperfeiçoar. São posições contrárias à

postula a forma não igualitária para que haja uma

integralização estatista, e se definem por uma

materialidade mais igualitária (!). Tal enunciado está

concepção diferencialista de direito, o que abre

contido na obra de Marx, autor que também cursou

novos horizontes nos estudos da sociedade, pois o

Direito e manteve preocupações nesse campo, na frase

direito sempre foi – e será – apenas uma dimensão

que bem serviria de epígrafe a esse texto: “De cada

do pensamento social.

um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades!” (MARX, 2012, p. 35). Como aceitar que uma pessoa com deficiência em um dos braços trabalhe ao lado de uma pessoa que não tenha tal deficiência e que lhes seja dado

Referências bibliográficas ANDRADE, Oswald de (1990a). A utopia antropofágica. São Paulo: ed. Globo.

apenas o fruto de seu trabalho, sem considerar suas diferenças? Ao contrário, Marx propõe que as pessoas

______. (1978). Obras completas vol. VII: Poesias Reunidas.

devem concorrer com suas capacidades, mas receber

São Paulo: Civilização Brasileira.

de acordo com suas necessidades, pois embora o

______. (1990b). Os dentes do dragão. São Paulo: Globo.

deficiente produza menos – ou não produza –, ele provavelmente necessitará de tantos recursos – ou até

______. (2004). Serafim Ponte Grande. São Paulo: Globo.

mais – que uma pessoa sem deficiências.

BATAILLE, Georges (1975). A parte maldita. Rio de

A proposta de Warat e Oswald, assim como

Janeiro: Imago.

se abre a essas diferenças, propõe aquilo que se

CANDIDO, Antonio (2000). O discurso e a cidade. Rio de

poderia

Janeiro: Ouro sobre Azul.

designar

por

princípio

da

não

homogeneidade dos povos. Não se trata de admitir a diferença formal, tal como o Direito tem realizado, e sim de admitir a pluralidade de culturas e povos, com

______. (1998). Os parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Dias Cidades.

as contradições que são inerentes a sua admissão, no

HUIZINGA, Johan (2004). Homo Ludens: o jogo como

mesmo território. Essa é uma contribuição na qual

elemento da cultura. São Paulo: Perspectiva.

Warat, em vida, se destacou. Em suas conversas, a atuação profissional – negada por Oswald – o

KELSEN, Hans (1998). Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes.

conduziu a assessorar diversos governos “populares” com o oferecimento de cursos jurídicos a populações

LOWY, Michel (2002). A estrela da manhã: surrealismo e

insurgentes. Contraditoriamente, o que o mestre

marxismo. São Paulo: Civilização Brasileira.

realizava era um processo duplo, que consistia em

MARX, Karl (2012). Crítica ao programa de Gotha. São

transferir o conhecimento jurídico estatal às pessoas,

Paulo: Boitempo.

ao mesmo tempo em que aprendia com as formas locais de resolução dos problemas, fomentando a

MAUSS, Marcel. (1971), Essais de Sociologie. Paris: Seuil.

antecipação dos litígios às comunidades, de modo que

VANEIGEM, Raoul (2000). Por una internacional del

eles evitassem o conflito com o Estado.

genero humano. Barcelona: Octaedro.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

964

WARAT, Luis Alberto (2000). A ciência jurídica e seus dois maridos. Florianópolis: EDUNISC. ______. (1988). Manifesto do surrealismo jurídico. São Paulo: Acadêmica.

Notas 1

Warat propõe que o jurídico deve estar dissolvido na sociedade, e para isso ele rompe com a distância entre os letrados na lei e àqueles que sofrem o peso da lei. É perceptível a crítica à atuação dos juízes, promotores e advogados, personagens bizarros de uma peça teatral que ofuscam os envolvidos no processo e a tensão que é toda demanda jurídica. Persistindo nessa orientação, a crítica se desdobra a qualquer atividade especializada que crie uma distância artificial dos fatos, sendo o professor clássico uma dessas formas. Retentor do saber e da verdade, ele é uma barreira à discussão e aproximação da realidade, pois representa a forma primeira de autoridade a ser combatida. O manifesto do surrealismo propõe, portanto, uma forma de ensino que dissipe as diferenças entre professor e aluno, remontando – sem citação direta – aos ensinamentos de Paulo Freire, em especial naquilo que cabe quanto a explorar a própria realidade.

2

Oswald assinala, em diversos momentos, que suas viagens à Europa o fizeram ver a tristeza que nos aguardava: nada por lá o agradava, pois era o mesmo de São Paulo da Piratininga, só que mais evoluído. Em certo momento, acreditou na possibilidade do socialismo, mas a ascensão de Stalin o fez refutar esse projeto e identificar que o algoz era a forma estatal, que conduzia a sociedade a um desenvolvimento econômico desenfreado, cerceando o projeto que poderia ser do desenvolvimento do humano. Neste sentido, o Estado passa a ser interpretado pelo limite da racionalidade, tal como Hegel registrara.

3

O amor não deve ser compreendido sem a devida profundidade histórico e teórica. Trata-se de uma compreensão que põe relevo na figura da mulher, o ser que ama incondicionalmente, em contraposição ao homem, cujo papel histórico esteve vinculado à punição. É por isso, uma luta do matriarcado contra o patriarcado.

4

“(...) em sua forma mais típica, encontrada na tribo dos Kwakiutl, o potlatch é uma grande festa solene, durante a qual um de dois grupos, com grande pompa e cerimônia, faz ofertas em grande escala ao outro grupo, com a finalidade expressa de demonstrar sua superioridade. A única retribuição esperada pelos doadores, e que é devida pelos que recebem, consiste na obrigação de estes últimos darem por sua vez uma festa, dentro de um certo período, se possível ultrapassando a primeira. (...) É costume o chefe oferecer um potlatch sempre que constrói uma casa ou um totem. No potlatch, as famílias ou clãs apresentam-se sob sua forma mais brilhante, cantando suas canções sagradas e exibindo suas máscaras, enquanto os feiticeiros, possuídos pelos espíritos do clã, entregam-se a sua fúria. Mas o principal é sempre a distribuição de bens. O promotor da festa dissipa nesta todas as posses de seu clã. Contudo, o fato de participarem da festa dá aos outros clãs a obrigação de oferecer um potlatch em escala ainda mais grandiosa. Caso contrário, destroem seu nome, sua honra, seu emblema e seus totens, e até seus direitos civis e religiosos. O resultado de tudo isto é que as posses de toda a tribo vão circulando por entre as “grandes famílias”, ao acaso.” (HUIZINGA, 2004, p. 66).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

965

EDUCACIÓN-M NO ENSINO DE E/LE: ANÁLISE DE CURSO VIA SMS

Rita de Cássia Rodrigues Oliveira PG UFRJ/ LabEV-UERJ

Introdução

seja o alto grau de portabilidade e mobilidade (conceitos que atraem outros, como praticidade,

“Yo no entiendo la tecnología. Usted tampoco tiene que hacerlo. Tiene que entender lo que ella puede hacer por usted” (Rupert Murdoch)

comodidade e independência)1. A utilização de dispositivos móveis e sem fio em processos educacionais (mobile learning, mlearning ou educación-m)2 é crescente em algumas

Este artigo se baseia no trabalho intitulado

regiões do Brasil. Receber mensagens de texto curtas

“Reflexões sobre o m-learning no ensino de E/LE”,

(SMS) diariamente, com conteúdo sobre a língua

apresentado no VII Congresso Brasileiro de

espanhola, sempre no mesmo horário, tendo a

Hispanistas. Tem como objetivo divulgar uma das

possibilidade de tirar dúvidas e ter os exercícios

pesquisas realizadas no Laboratório de Espanhol

corrigidos independente de lugar e tempo3, com um

Virtual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

custo baixo, pode ser bastante atrativo. Reportagens

(LabEV- UERJ), coordenado pela Prof.ª Dr.ª Cristina

e publicidades dão conta do sucesso dessas novas

Vergnano Junger. Todas as investigações do LabEV

práticas de ensino-aprendizagem de idiomas

têm como princípios norteadores o estudo e o uso

estrangeiros via SMS de celulares. No entanto,

críticos de tecnologias da comunicação e informação

pesquisadores empenhados em entender de modo

(TICs) no ensino-aprendizagem de espanhol como

crítico o uso das tecnologias na educação

língua estrangeira (E/LE). Neste trabalho temos

problematizam os resultados dessa aprendizagem,

como foco tecnológico o uso do celular para o ensino

bem como os processos de ensino que se dão por meio

de E/LE.

de TDEs.

Os aparelhos celulares fazem par te do

Alguns estudiosos questionam se é possível

universo das TICs e não poderiam ficar à margem de

aprender com mobilidade ou se a educación-m pode

nossas observações. Como subdivisão das TICs, temos

ficar restrita ao nível meramente informacional

as tecnologias digitais emergentes (TDEs), da qual

(SCHLEMMER,

fazem parte palms, celulares, smartphones, tablets,

investigações que demonstram que o uso de TICs

iphones e outros produtos cuja característica essencial

necessita de discussões por parte dos profissionais

2007).

Apoiamo-nos

em

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

966

envolvidos na área a ser ensinada (SILVA, 2008), ou

no que tange especialmente aos conteúdos e

seja, professores e pesquisadores podem e devem se

metodologias educacionais.

‘conectar’ a esse mundo fluido.

Um dos registros mais ‘antigos’ sobre o tema

Nesse sentido, apresentamos aspectos

se encontra nos anais do ‘I Congreso Internacional

relacionados à estrutura e ao funcionamento de um

de Español para Fines Específicos’, há 12 anos,

curso de espanhol como língua estrangeira via TDEs

organizado por instituições espanholas. O artigo de

(celular),

e

Ruiperez e Cabrero (ver última referência

problematizamos alguns pontos de acordo com um

bibliográfica) apresenta vantagens do uso de celulares

roteiro para avaliação de cursos via TDEs. Tal roteiro

para o ensino de línguas: convergência tecnológica,

foi baseado em estudos e roteiros anteriores (FREIRE,

elevado nível de personalização e público cada vez

STAA, MONTANHEZ, CARELLI, SABBAG, WADT,

maior. Além disso, colo ca o aparelho como

SHIMAZUMI,

ferramenta útil na gestão do processo educacional

escolhido

aleatoriamente,

MARTINS,

SPRENGER,

WEYERBACH, 2004).

(perguntas frequentes, acesso a resultados das avaliações, notícias institucionais). O foco do referido artigo é divulgar as potencialidades do uso de

A literatura sobre o ensino de E/LE via TDEs móveis

celulares e palms no E/LE, evidenciando o projeto Tele-EnREDando aliado à Siemens e Casio. Naquela época, a Europa já utilizava a terceira geração (3G),

O ensino de espanhol em sua modalidade

iniciando passos na rede UMTS, e o EnREDando

educación-m (IZARRA, 2010) parece recente, mas

(Espanha, Alemanha, Portugal e Itália) sancionava

mostras de cursos com essa característica datam do

seu projeto como disciplina virtual para alunos de

ano 2000. Um breve percurso pela literatura hispânica

universidades asiáticas, como a de Hong Kong. O

sobre o tema demonstra que, ainda que encontremos

Brasil ainda esperaria cerca de 7 anos para contemplar

artigos escritos há mais de uma década, eles não

o boom da rede 3G e ainda não vislumbrava cursos

possuem teor crítico nem analítico. Ocupam-se em

de E/LE via TDEs.

apresentar projetos, em parte com certo caráter ufanista em relação às TICs. Em sua maioria, os

No

México

encontramos

produções

autores desses trabalhos e estudos não são professores,

acadêmicas relacionadas ao ensino de espanhol (dessa

mas sim informáticos (cujo centro dos trabalhos é a

vez como língua materna) nos mais diferentes

usabilidade e a compatibilidade entre tecnologias),

contextos educacionais. Porém, sempre nos deparamos

ou especialistas na área de comunicação (tematizando

com o celular sendo uma ferramenta a mais de

a interface e do desenho dos cursos).

comunicação entre docentes e estudantes e entre estes

Essas observações na revisão da literatura não desmerecem nenhum dos trabalhos lidos e analisados. No entanto, aliando-as à crescente oferta de cursos via TDEs, concluímos que é cada vez mais urgente a conexão entre distintas áreas de conhecimento e a formação específica de profissionais para o educación-

e os demais colegas, o que acaba destacando-o como um recurso auxiliar na gestão e na comunicação de cursos presenciais. Essa junção do presencial com o educación-m

é

denominado

na

literatur a

especializada por blended learning (modelo misto) ou, na tradução espanhola, aprendizaje combinado.

m, a fim de que tenhamos cursos não só em grande

No universo hispânico, a literatura acadêmica

quantidade, mas também com alto nível de qualidade,

sobre o tema não é numerosa. Os trabalhos existentes

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

número de interferencias gramaticales, de los falsos amigos léxicos y de defectos en la pronunciación y en la ortografía que, a veces, parecen incorregibles. (RIDRUEJO, 2004, p. xviii)

se baseiam no ensino do espanhol como língua materna em ambientes formais de aprendizagem ou como formação continuada e/ ou treinamento corporativo, e sempre no sistema ble nded ou combinado. No que se refere ao ensino de espanhol como língua estrangeira 4 , as pesquisas existentes enfocam o meio universitário ou empresarial, sendo também no sistema combinado. Até o momento, não mapeamos pesquisas e

967

O que pode parecer muito facilitador, em alguns casos pode ser um elemento complicador no processo de ensino-aprendizagem de E/LE, podendo mesmo ser desmotivador em casos de ensino 100% educación-m. Adja Durão nos demonstra alguns pontos em que essa problemática se acentua.

divulgações das mesmas que sejam relacionadas ao “(…) problema pedagógico experimentado en la enseñanza de la lengua española a lusohablantes y de la lengua portuguesa a hispanohablantes: la constatación de que los puntos de intersección que hay entre esos dos idiomas, por una parte, favorecen la supresión de algunas de las etapas del proceso de enseñanza/ aprendizaje, pero, por otra, ocultan aspectos contrastivos entre dichos idiomas en todos los niveles de la gramática (fonológico-fonético, ortográfico, morfosintáctico, léxico-semántico y pragmático-cultural – lo que obstaculiza el pleno dominio de la lengua objeto de estudio. Aunque la contaminación de las estructuras de esas dos lenguas no suele impedir el proceso comunicativo, salvo en aspectos muy concretos y puntuales, es un hecho que la similitud habida entre ellas no equivale a una facilidad, sino más bien a un obstáculo, porque normalmente, los aprendices se basan en las semejanzas y no emplean el esfuerzo necesario para efectuar un aprendizaje conveniente del idioma.” (DURÃO, 2004, p. 3-4)

ensino do espanhol como língua estrangeira via celulares, com sistema 100% educación-m, fora de ambientes formais de aprendizagem e dos meios corporativos/ empresar iais, sem público alvo definido, o que caracteriza a autoaprendizagem (IZARRA, 2010) “El uso de tecnología personal para apoyar el aprendizaje informal o permanente, como el uso de diccionarios de mano y otros dispositivos par a el aprendizaje de idiomas en por tátiles, celulares”. Neste ponto encontramos o eixo central de justificativa para a presente investigação. Elegemos analisar um curso de E/LE via SMS vendido por uma das maiores operadoras de telefonia no Brasil.

Teorias e observações: caminhos para análises

Uma alternativa proposta pelo curso analisado, aparentemente para minimizar, dentre

Como professores e investigadores na área de

outras coisas, os obstáculos entre as línguas próximas,

E/LE não podemos deixar de mencionar que as

é enviar as explicações sobre a temática das unidades

empresas que promovem as plataformas são

didáticas e algumas observações relacionadas às aulas

estrangeiras, sendo necessário que as equipes

em

vinculadas a elas tenham um cuidado singular no

‘instrumental’.

ensino do espanhol como língua estrangeira para brasileiros. “Sin embargo, no es lo mismo enseñar español a hablantes de una lengua tan próxima como es la portuguesa que hacerlo a otros hablantes de lenguas estructuralmente más alejadas, alemanes, árabes o japoneses por ejemplo. (…) Todo profesor de español a lusohablantes es consciente del extenso

português, uma

espécie

de

espanhol

Além disso, outro fator que podemos estabelecer como complicador é a escrita do idioma espanhol nas mensagens enviadas pela plataforma que fornece o curso. Equívocos na pontuação, na ortografia, no vocabulário são constantes. A escrita em SMS e também em chats sofre modificações devidas à adequação ao meio, que exige economia no

968

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

número de caracteres. Observamos que no curso

dores agudas no dedo polegar, lesões por movimentos

analisado há o procedimento de adequação/

repetitivos, inflamações nos cotovelos, dores nos

economia e também há o que podemos denominar

braços, má

como equívoco ou descuido. Um exemplo disso é a

hiperestimulação, atenção parcial contínua,

palavra ‘años’, traduzida ao português como “anos”. No

desconcentração, ansiedade e estresse. Nesse caso, o

curso, a palavra foi escrita em espanhol da seguinte

excesso de informação e de acessos é o que mais

maneira “anios”, o que demonstra um equívoco/

estimula tais problemas.

descuido e não uma economia de caracteres. Esse descuido se refere, no curso analisado, tanto ao idioma estrangeiro quanto à língua portuguesa. A literatura tem apontado que as possibilidades e os limites de cada meio demandam ajustes e promovem mudanças no nível da linguagem, necessárias para facilitar a interação e a comunicação no novo meio. (BRAGA, 2010, p. 8)

postur a, sobrecarga

psíquica,

Quantificando, se é que podemos assim denominar tal ação, a informação enviada pela plataforma do curso analisado se limita a 9 mensagens durante uma unidade didática (5 dias úteis), sendo 2 delas relacionadas ao curso em geral e não necessariamente à unidade didática. Caso o usuário queira mais informações (‘aulas’), ele pode solicitar por SMS. Além disso, se o usuário fizer os exercícios,

Os usuários não são informados em nenhum momento quanto ao formato ortográfico dos idiomas

chegarão os SMSs de correção, que são variáveis em número.

nas mensagens. Também não é requisito que o usuário do curso saiba escrever e reconhecer o código escrito típico de um SMS. Nesse sentido, cabe perguntar “Que língua espanhola um usuário aprende via SMS?” Ou

Vantagens e desvantagens no uso de celulares para o ensino

melhor, é preocupação das empresas que os usuários simplesmente comprem os cursos ou também que aprendam e/ ou tenha um curso de

qualidade?5

Influências nas formas de expressão não são os únicos pontos apontados como preocupantes pelos

Vazques & Cador (2006) conferem ao celular vantagens em relação a outros aparelhos: informação (comunicação síncrona e assíncrona), aprendizagem (expressão e compreensão oral e escrita), flexibilidade

estudiosos, em relação ao celular e demais aparelhos

(temporal e espacial). Izarra (2010) enumera outras

eletrônicos. Dois aspectos sociais relevantes em

como: liberdade e flexibilidade; utilização de jogos

relação ao uso de TDEs são o gasto financeiro e a

para o ensino, impulsionando a colaboração e

insegurança pessoal (Santaella (2007, p. 247), que

criatividade; adaptação de acordo com o dispositivo;

estão relacionados ao uso abusivo e/ ou ao mau uso

comunicação síncrona e assíncrona; personalização;

dessas tecnologias por parte dos usuários. A autora

entre outras. A autora questiona então: “Los móviles

traz conceitos e discussões de caráter filosófico e

cada vez son mas potentes y tienen más funciones,

crítico em relação ao uso de tecnologias sem fio (o

entonces: ¿Porque no usarlos para educar?”.

mundo na palma das mãos), aler tando que a convergência tecnológica, a portabilidade e a personalização são elementos fundamentais para o uso (quase vício) de aparelhos celulares.

Mesmo com todas essas vantagens, a indisponibilidade técnica pode trair o usuário, assim como a falta de bateria. A variedade de sistemas que pode gerar incompatibilidade entre arquivos, a falta

Além disso, reportagens anunciam o aumento

de segurança entre as redes, deixando escapar ou

de lesões causadas pelo uso do celular: dores na nuca,

receber conteúdo indesejável, o tamanho da tela pode

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

969

ser um desestimulador, a mídia utilizada pode

em teorias e pesquisas acadêmicas específicas para

facilitar a distração.

cada área e idioma?

Além de vantagens e desvantagens, é mister relacionar alguns desafios a serem pesquisados e

Metodologia

discutidos: se os cursos via SMS não determinam o público alvo nem esp ecificam requisitos, há

A proposta metodológica de organização doa

necessidade de avaliar a aprendizagem? Ou a

dados e de análise segue os princípios da abordagem

avaliação seria somente no nível de melhorar o

exploratória de BABBIE (2008) e RAMPAZZO (2005),

curso? É necessário desenvolver técnicas e métodos

que recomendam investigações exploratórias quando

específicos para aulas de E/LE via TDEs? As equipes

há pouco conhecimento sobre o tema. A seguir temos

e empresas que disponibilizam os cursos se apóiam

um exemplo de uma unidade didática semanal 6

DATA: 16/04/12 HORA:12:06 Esta semana o XXX e sobre Os Meios de Transporte (Los medios de Transporte). Aprenda linguagem util e fatos interessantes sobre transporte, em espanhol! DATA: 16/04/12 HORA:12:06 Viajes Aéreos – aduana = alfândega, aerolinea = linha aerea, asiento = assento, boleto = passagem, comida = refeição, equipaje = bagagem, maleta = mala, vuelo = voo. Envie MAIS DATA: 17/04/12 HORA:12:03 Qual o significado do verbo ‘despegar’ nesta frase: “El avion va a despegar.” 1.aterrisar 2.decolar 3. atrasar 4. enfrentar turbulência RESPONDA COM O NUMERO DATA: 18/04/12 HORA:12:04 En la calle (rua) - cruce=cruzam ento, carriL = pista, peaton = pedestre, despacio = devagar, ceda el paso = preferencial, sin salida = sem saida, parqueadero = estacionamento DATA: 18/04/12 HORA:12:05 Pedindo informacao - Puede ayudarme? Donde esta…? Como puedo llegar a ...? Como llego a ...desde aqui? Estas lejos? Donde puedo tomar un taxi? Envie MAIS DATA: 19/04/12 HORA:12:03 El pago que se efectua como derecho para poder transitar por una via es el... 1. peaton 2. semaforo 3. peaje 4. paso de cebra 5. ceda el passo RESPONDA COM O NUMERO

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

970 DATA: 20/04/12 HORA:12:04

Use los verbos adecuados – TOMAMOS um bus/ taxi/ tren. SUBIMOS y BAJAMOS (descemos) de um carro/ bus/ taxi. ABORDAMOS (embarcamos) um avion/ barco. DATA: 20/04/12 HORA:12:05 O XXX Espanhol esta ativo por mais 1 semana. Um novo topico sera enviado na segunda-feira. P/ praticar agora e no fim de semana gratuitamente, responda MAIS DATA: 20/04/12 HORA:12:05 Esperamos que tenha gostado dos SMSs desta semana sobre Los Médios de Transporte. Continue aprendendo espanhol no fim de semana enviando MAIS a qualquer momento

As análises se baseiam no roteiro para avaliação

levando em conta não apenas as características do

de cursos a distância elaborado por FREIRE, STAA,

contexto instrucional e do público alvo, mas,

MONTANHEZ, CARELLI, SABBAG, WADT,

principalmente, as especificidades ambientais do

SHIMAZUMI,

primeiro e as necessidades e interesses do segundo”.

MARTINS,

SPRENGER,

WEYERBACH (2004). Tal roteiro não foi pensado para a avaliação de cursos via TDEs, mas sim para cursos a distância via internet (seja na modalidade combinada, seja totalmente educación-m). Nesse sentido, foi necessário realizar uma reformulação, que ainda está em andamento. O roteiro original é dividido em 7 blocos de análise, tendo alguns deles subdivisões.

Não somente o curso analisado neste artigo, mas os oferecidos por outras operadoras, também possuem essa ‘defasagem’ no que diz respeito ao bloco de análise 1. O instrumento ou roteiro é flexível, permitindo avaliações intercursos e intracurso. Além disso, possibilita avaliações de tópicos específicos e de caráter geral/ global do curso. As análises estão

Nesse momento, o primeiro bloco é o único

em andamento em relação aos 6 blocos restantes, que

que já está adaptado e com análise concluída. Chama-

estão sendo reformulados de acordo com as

se “ÁREA 1 – CONTEXTUAL”. Essa área analisa

especificidades do objeto de análise.

aspectos de caráter teórico-metodológico, prático e institucional. Apresenta 25 questões de análise, sendo que dessas conseguimos encaixar o curso aqui

Considerações finais

analisado em apenas 8 questões. As demais não constam nos documentos relacionados ao curso

A proposta desta investigação não é classificar

analisado. Tanto possíveis usuários (alunos), como

nenhum curso como ideal ou ruim, uma vez que esse

os designers e professores deveriam ter acesso aos 25

instrumento de análise, a princípio, não foi pensado

tópicos. Esse primeiro bloco, conforme afirmam os

para esse fim. No entanto, ele nos encaminha para a

autores do modelo principal, proporcionam

criação de um instrumento com essa finalidade,

“oportunidade de refletir a consistência da relação

aponta aspectos nos quais os cursos são menos ou

entre objetivos, metodologia e o conteúdo do curso,

mais eficientes, proporciona questionamentos que

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

971

podem colaborar para a qualidade do ensino e da

RAMPAZO, L. (2005) Metodologia científica: para alunos

aprendizagem em cursos via TDES e para o uso crítico

de graduação e pós-graduação. São Paulo: Edições Loyola.

das TICs em geral.

RIDRUEJO, E. (2004) Prólogo. Em: DURÃO, A. Análisis de errores en la interlengua de brasileños aprendices de español y de españoles aprendices de portugués. p. xv-xx.

Referências bibliográficas

Londrina: EdUEL.

BABBIE, E. (2008). The basics of social research. USA:

SANTAELLA, L. (2007) Linguagens líquidas na era da

Thomson Higher Education.

mobilidade. São Paulo: Paulus.

BRAGA, D. B. Prefácio. (2010) Em: GOMES, L. F.

SCHLEMMER, E. (2007) M-learning ou aprendizagem com

Hipertextos multimodais: leitura e escrita na era digital. p.

mobilidade: casos no contexto brasileiro. Disponível em <

5-10. Jundiaí: Paco Editorial.

www.abed.org.br/congresso2007/tc/ 552007112411pm.pdf> Acessado em 23/11/2011.

DURÃO, A. (2004) Análisis de errores en la interlengua de brasileños aprendices de español y de españoles aprendices

SILVA, S. (2008) Reflexões sobre o m-learning. Em:

de portugués. Londrina: EdUEL.

Sinergia. N° 2, vol. 9, p. 141-146.

FREIRE et al. (2004) Roteiro para avaliação de cursos on-

VAZQUES, L. R. CADOR, L. C. (2006) Movilidad y

line de idiomas. Em: COLLINS, H. FERREIRA, A. (orgs)

educación: m-learning. Em: Enter@ate en linea. N° 54, ano

Relatos de experiência de ensino e aprendizagem de línguas

5. Disponível em < http://www.enterate.unam.mx/

na internet. p. 245-278. Campinas: Mercado de Letras.

Articulos/2006/noviembre/m-learning.htm> Acessado em: 30/11/2011.

GOMES, L. F. (2010) Hipertextos multimodais: leitura e RUIPEREZ, G. CABRERO, J. C. (2000) Tele-

escrita na era digital. Jundiaí: Paco Editorial.

enredando.com: curso de español comercial para teléfonos IZARRA, C. (2010) Mobile Learning. Disponível em <

móviles. Em: Actas del I CIEFE. p. 86-91. Amsterdam:

http://carolinaizarra.wordpress.com/81-2> Acessado em

MECD.

20/12/2011.

Notas 1

Ainda que não seja o foco deste artigo, ressaltamos que tais conceitos são relacionados à ‘computação nas nuvens’ e nem sempre são tidos criticamente pela sociedade, o que pode colaborar para a proliferação de mitos tecnológicos e para o consumo de tecnologias por ‘moda’, e não por real necessidade.

2

No que tange ao mundo hispânico, esse termo é tecnicamente traduzido como educación móvil ou educación-m. Doravante, utilizaremos neste artigo o termo traduzido ao espanhol.

3

Ainda que essa independência seja dependente de disponibilidades técnicas e modelos de aparelhos, o discurso vendido pelas empresas é o de ‘independência’ e ‘comodidade’.

4

No que tange ao espanhol como língua estrangeira para brasileiros, métodos e conteúdos precisam ser elaborados e aplicados tendo em vista a proximidade entre português e espanhol. Como afirmam os estudiosos da Análise Contrastiva: “(...) la similitud existente entre ellas no equivale a una facilidad, sino más bien a un obstáculo” (DURÃO, 2004, p. 4)

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

972 5

Supondo que um usuário se sentisse preparado com um curso via SMS e fosse fazer uma prova em língua espanhola. Ao se deparar com a correção da prova, o usuário constata que muitas palavras foram por ele escritas equivocadamente (pois estavam de acordo com o curso que obteve via SMS). Caberia um processo contra a empresa que ofereceu o curso? Até que ponto a responsabilidade recai sobre o usuário ou sobre a empresa? Esse tipo de questionamento pode ser resolvido com algumas respostas ao primeiro bloco de análise que se encontra mais adiante na parte metodológica. Outro ponto para ser questionado se refere à pronúncia e significado das palavras, que se dá em contraste com o português e não considera as distintas pronúncias e variantes lexicais do espanhol.

6

XXX se refere ao nome da plataforma que oferece o curso para a operadora de telefonia, que, por sua vez, repassa-o aos usuários.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

973

POESÍA EN VOZ ALTA Y LA ESCENA CULTURAL MEXICANA: LA EXPERIENCIA DRAMÁTICA DE OCTAVIO PAZ

Robson Batista dos Santos Hasmann PG - USP

Octavio Paz, aunque siempre haya explicitado

Es en los años 20 y 30 que se diseñan algunas

ser antes de todo un poeta, se inmiscuyó en el ensayo,

características de la formación cultural que impulsó

género en el que muestra una gran seguridad y con

la producción de obras y artistas de gran valor para

el que generó muchas discusiones debido a sus

la cultura mexicana. Una de ella es la organización

opiniones. Estos dos caminos, el de la poesía y el del

de grupos intelectuales alrededor de una publicación

ensayo, han dejado una huella muy profunda para la

cultural, por ejemplo una revista. Otra sería, como

crítica literaria. Pero, hay algunas “máscaras” que

consecuencia de la búsqueda por estructurar la

todavía quedan por explorar: la del cuentista, del

nación, la creación de instituciones públicas con

traductor y del dramaturgo.

propósito de orientar y fomentar la cultura en el país. En el universo teatral, la unión entre actores,

En esta ponencia nos interesa el Octavio Paz

directores, escritores, escenógrafos etc. constituye de

dramaturgo, que es una máscara muy significativa de

por sí un hecho común y eso también pasó en México

su obra. El estudio del contexto en que se dio la

por aquellos años.

experiencia dramática del poeta posibilita esbozar algunas opiniones sobre los impactos de ella en la amplitud de su producción. Para ello, debe considerarse un panorama más amplio que está directamente vinculado a las ideas que se fomentaban la vida cultura mexicana después de la Revolución. Marcando las discusiones está el concepto de nación y una búsqueda por identidad. La cuestión se expande por la presencia de un pensamiento opuesto: las concepciones cosmopolitas, tanto en arte cuanto en política y economía.

La crítica ha destacado que el siglo XIX fue un momento de poco desarrollo para el teatro, porque mucho de lo que se produjo era imitación del teatro español. Así, nuestro estudio arranca de los años inmediatamente siguientes a la Revolución, cuando surgen las primeras manifestaciones con carácter más autónomo y que se proponen a hacer cambios en la representación escénica. El avance en el teatro se dio con la creación del Instituto Nacional de Bellas Artes, el INBA. Pero

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

974

antes México ya existieran grupos teatrales con

Con efecto, el INBA, construido en el mismo

propósitos innovadores. Los primeros g rup os

predio de la Casa de España en México, fue la

experimentales fueron los Escolares del Teatro y la

institución se encargó de llevar a cabo muchos

Comedia de los quince autores; más tarde surgieron

proyectos culturales de la Secretaría de Educación

el Teatro de Ulises, Escolares de Teatro y Teatro de

Pública. Sus actividades también estuvieron dirigidas

Orientación. Estos gr upos, aunque no hayan

a formación de “profesionales del arte”. Con la

conseguido cambiar en definitivo la manera de

creación del Departamento de Teatro y de la cátedra

concebir el arte dramático, abrieron camino para que

dedicada a formar profesionales para ello, hubo un

nuevos artistas promovieran innovaciones.

salto significativo en las manifestaciones dramáticas.

El Escolares del Teatro inició sus actividades

Por la misma década, casi simultáneamente

en la década siguiente de la Revolución.

a la creación del INBA, otra actitud política

Preliminarmente autodenominándose Grupo de los

contribuyó al agrandamiento de la cultura. En 1946,

siete autores – Gamboa, Díez Barroso, Noriega Hope,

la Universidad Nacional de México se volvió

Monterde –, fue conocido también como Los

Autónoma y fue trasladada a una ciudad universitaria.

Pirandellos. Sus actividades comenzaron a organizarse

Esto posibilitó ofrecer una infraestructura más fuerte.

en 1925, en la temporada Pro-Arte Nacional. El grupo,

Para el teatro, los mayores frutos iniciaron diez años

de postura nacionalista, produjo, sin embargo,

después con la creación de Poesía en Voz Alta. El grupo

modestas experimentaciones y avanzos en el teatro. Las

es visto hoy como un marco debido a su postura

tímidas contribuciones consistieron en insertar

vanguardista tanto en la producción cuanto en la

peculiaridades del habla mexicana en algunas

elección de las piezas; importante añadir que de él

comedias, género preferido de los integrantes, tanto

hicieron parte intelectuales muy importantes,

que el movimiento se concretó con La comedia

asimismo que fue también parte de la formación de

mexicana (1929). Se puede decir que las

ellos. A la vez, algunos críticos suelen llamar al grupo

modificaciones fueron mesuradas porque había

una “aventura estética”.

dificultad para implantar experimentaciones, ya que el gusto del público por dramas cotidianos, sin

La idea de creación del grupo surgió cuando

complicaciones estructurales era muy grande. Muchas

Jaime García Terrés, después de asumir el cargo de

piezas eran montadas con mucha facilidad, pero uno

Jefe del Departamento de Difusión Cultural de la

de los efectos negativos fue que las compañías pasaron

UNAM, recibió una propuesta de Juan José Arreola

a usar mucho la ayuda de personas que les leían el texto

para que actores reconocidos en el universo cultural

fuera de la escena, ya que la cantidad enorme de piezas

de la dramaturgia dijeran poemas; él quiso crear

impedía la memorización.

actividades de incentivo a la poesía. Terrés, entonces, invitó a un importante intelectual del escenario en

Por su vez, el Teatro Ulises, fundado por Mauricio Magdaleno y Juan Bustillo Oro, surgió en

ese momento: Octavio Paz.

1932 y produjo piezas ricas en el análisis de la

Juan José Arreola ya era conocido en los

realidad, pero no fueron más que manifiestos

medios intelectuales, tanto en la capital cuanto en las

políticos, en los cuales la representación y el cuidado

provincias, como Guadalajara. Con 19 años, ya

con la actuación, la escenografía, en fin, con el

actuaba en el teatro cuando ingresó en la escuela de

conjunto de actividades que componen el arte teatral,

Teatro del INBA. En 1945, con apoyo de Louis Jovet,

estaba ausente.

había viajado a Paris, donde trabajó con la comedia

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

975

francesa y manifestaciones vanguardistas. Por su vez,

el marinero y el estudiante, El paseo de Buster Keaton

Octavio Paz, que había a penas tres años recién

y Quimera, además de una escena de Así que pasen

regresara a su país natal después de una temporada

cinco años. Sin embargo, hubo también críticas

en los Estados Unidos, Europa y Asia y ya había

contrarias. Roni Unger (2006, p. 57) explica que el

publicado uno de sus principales libros: El laberinto

público selecto, las canciones españolas clásicas, la

de la soledad, en 1950.

1

A la hora de elegir el programa, el eje de la discusión estuvo centrado en el uso de la palabra con el objetivo de rescatar la poesía como medio de expresión, pero sin dejar que hubiera a penas el recital. Arreola quería añadir cambios en el vestuario, en la iluminación y en el espacio escenográfico. Entonces,

poesía y los fragmentos de obras surrealistas presentados sin “mexicanizar” el lenguaje fueron recibidos por la crítica como esnobismo por parte del grupo. Ese tipo de crítica fue intensificado con la presentación del segundo programa. Las críticas parecieron tan infundadas que, además de “esnob”, el grupo recibió insultos de “maricones” y “comunistas”.

la elección del programa tuvo dos propuestas distintas:

El segundo programa, cuyo inicio se dio los

una, la de Arreola, pretendía inserir obras del teatro

dos últimos martes de junio y los dos primeros de

clásico español; otra, defendida por Paz, objetaba

julio de 1956, fue organizado por Octavio Paz y

representar piezas de vanguardia y del teatro del

privilegió obras de vanguardia o del teatro del

absurdo. Ambas vertientes tenían problemas.

absurdo: El canario, de Georges Neveux; Osvaldo y

Las piezas de t radición ibér ica solían representarse desde hacía mucho tiempo por diversas

Zenaida, de Jean Tardieu; e Le salon de l’automobile, de Eugène Ionesco.

compañías. Las representaciones, sin embargo, se

Las puestas en escena de ese se gundo

preocupaban poco, o casi nada, con la estética

momento fueron realizadas en el Teatro del Caballito,

dramática; utilizaban muchos recursos tradicionales

teatro cuyo nombre (MÉNDEZ, 2010) es una

e, incluso, los actores llegaban a usar el ceceo en las

referencia al establo que allí había existido

hablas. Por otro lado, aunque la idea de un teatro

inicialmente la pequeña sala alquilada por la UNAM.

dependiente del español estaba ya superada, el teatro

Comprada por la actriz Marilú Elízaga, en 1955,

de vanguardia no estaba consolidado en el gusto del

cuando ya había sido estacionamiento y Sala de la

público. De este modo, Paz argumentó que era un

Sociedad Orfeo Catalá. A pedido de la propietaria,

absurdo restringir piezas a una compañía teatral que pretendía ser de vanguardia. La resolución fue separar en dos programas el estreno del grupo. Bien recibido en diversos periódicos y suplementos artísticos, el primer programa fue dividido en dos partes. La primera tuvo La Égloga IV, de Juan del Encina, la Farsa de la casta Susana, de Diego Sánchez de Badajoz y la escena primera de Peribáñez, de Lope de Vega; la segunda parte fue compuesta por canciones del Renacimiento; y la

Juan Soriano, artista plástico que estuvo encargado del vestuario de todos los ocho programas de Poesía en Voz Alta pintó un caballo, con las dimensiones de la pintura muralista de aquel entonces, en una de las paredes del teatro. En 1959, después que las actividades fueron transferidas definitivamente para la Casa del Lago del bosque de Chapultepec, nuevos talentos se insertaron en el grupo: Tomás Segovia y Juan Vicente Melo.

tercera tuvo una postura más contemporánea al

En síntesis, se puede decir que las actividades

realizar obras de García Lorca, tales como La doncella,

del grupo surgieron como una contracorriente del

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

976

teatro comercial de México que estaba modelado por

traducción y el teatro que demuestran una coherencia

la forma norteamericana del star system, y por una

del pensamiento y un enriquecimiento profundo de

tendencia realista imperante desde la década del 30,

las varias ramas de ese pensamiento. Octavio Paz,

después de la Revolución. Actualmente, el grupo sigue

como hace de la crítica uno se sus procesos de

actuando y manteniendo la idea original de hacer

creación, de ja huellas de sus lec tur as y sus

confluir diversas artes para la celebración de la poesía2.

meditaciones en varios ensayos. Ello permite que el

Octavio Paz, en ese mismo año que estuvo encargado de la dirección literaria del grupo, 1956, publicó El arco y la lira. A la vez que tradujo obras de autores del teatro de vanguardia, escribió La hija de Rappaccini, pieza de la cual hablaremos a seguir. En

lector avance en el sentido de encontrar tópicos comunes. Aunque en diversos momentos cambie su manera de pensar y que a la publicación de un nuevo libro o una recopilación de artículos originalmente escritos para revistas o periódicos, Paz no deja de mantener los anteriores y hacer referencia a ellos.3

el año siguiente, publicó La estación violenta (1957), libro que reúne poemas escritos entre 1948 y 1957.

Con efecto, antes de finalizar esta ponencia,

De los poemas se destaca el primero, Himno entre

queremos reflexionar respecto a los contactos que son

ruinas, y el último, Piedra de sol, cuya construcción y

perceptibles en uno de los textos que produjo para el

temática demuestran un poeta muy maduro y seguro

segundo programa. Se trata de la pieza teatral La hija

del verso y del mundo.

de Rappaccini. Compuesta por un acto y nueve escenas, el drama está, en las palabras del propio

Al tener en cuenta que el poeta y el ensayista

poeta, basado en un cuento del escritor

se fortalecían mutuamente, es importante preguntarse

norteamericano Nathaniel Hawthorne. Se ve en este

en qué medida la participación en Poesía en Voz Alta

drama mucho de sus concepciones sobre la poesía, el

también contribuyó no a penas para el teatro de

arte, el amor, el erotismo, el tiempo y la Historia.

México sino también para la configuración del poeta. Es interesante percibir que Octavio Paz Octavio Paz desde los diecisiete años había

siempre se refiere a la literatura de lengua inglesa

participado efectivamente en la vida cultural de su

como una de sus pasiones y sus autores que más lo

país. Fundó re v istas, par ticipó e n otras con

impactaron. Sin embargo, en los varios ensayos, sobre

traducciones y ensayos, convivió con los miembros

todo en aquellos recogidos en los volúmenes 2, 3 y 4

de Contemporáneos etc. Lejos de México, siguió

de sus obras completas, están dedicados a los autores

junto a grupos intelectuales esenciales del arte del

con quienes más dialoga a lo largo de su carrera

sig lo

artística, no hace mención al cuentista.

ve inte:

los

p oetas

de l

mo der nism

norteamericano y los surrealistas. De la lengua inglesa, lo que sí está muy fuerte En la fortuna crítica de Octavio Paz hace falta

es la presencia de T. S. Eliot, sobre todo salta a los

un estudio más completo de los frutos de las

ojos la concepción del tiempo expuesta por uno de

relaciones que mantuvo el poeta con el grupo Poesía

los personajes más significativos de la pieza: El

en Voz Alta. No sería solamente un relato biográfico

Mensajero. Personaje hermafrodito, sabe todas las

mostrando su actuación, sino un análisis más

acciones y pensamientos de la pareja central de la

detenido a partir del confronto con obras de otros

trama, Beatriz, la hija de Rappaccini, y Juan. En el

autores y artistas de este momento. Sin embargo, lo

desarrollo del drama, él tiene cuatro apariciones; pero

que podemos identificar en nuestra investigación es

está encargado de hacer el Prólogo y el Epílogo. En el

una serie de contactos entre la poesía, el ensayo, la

Prólogo, a la manera de Madame Sosostris de The

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

977

Waste Land, va sacando cartas de Tarot y diciendo el

surrealista, que fue enriquecida por el escenario y el

siguiente:

vestuario preparados por Leonora Carrington. Llama la atención, por ejemplo, el árbol, elemento escénico

“Soy el lugar del encuentro, en mí desembocan todos los caminos. ¡Espacio, puro espacio, nulo y vacío! Estoy aquí, pero también estoy allá; todo es aquí, todo es allá! Estoy en cualquier punto eléctrico del espacio y en cualquier fragmento imantado del tiempo: ayer es hoy; mañana, hoy; todo lo que fue, todo lo que será, está siendo ahora mismo, aquí en la tierra o allá, en la estrella.” (PAZ, 1994, p. 56)

esencial. De sus ramas se forman dos cabezas, que

En el poema “Burnt Norton” de Eliot, se oye

Otro aspecto marcadamente surrealista está

algo muy parecido:

representan a las de los jóvenes amantes. En el relato de Roni Unger (2006, p. 65), la autora cuenta que Carrington tuvo que rehacer varias veces el escenario o el vestuario porque salía muy difícil a la ejecución de los movimientos de los actores.

en uno de los personajes centrales: El Mensajero. Personaje hermafrodito, él es también muy

O tempo presente e o tempo passado

enigmático visualmente, pues, además de sus hablas

Estão ambos talvez presentes no tempo futuro

palabras cargadas de símb olos y referencias

E o tempo futuro contido no tempo passado.

enigmáticas, está vestido como las cartas del Tarot,

Se todo o tempo é eternamente presente

pero sin imitar a ninguna en especial.

Todo o tempo é irredimível.

Contra Octavio Paz también hubo muchas

O que poderia ter sido é uma abstracção

críticas. Se le reprochó, por ejemplo, el hecho de que

Que fica uma possibilidade perpétua

era una adaptación y que los diálogos eran poéticos

Somente num mundo de especulação.

en demasía. (CARBALLIDO, 1971).

O que poderia ter sido e o que foi Apontam para um só fim, sempre presente. (ELIOT, 1985, p. 27)

La oposición al grupo puede ser vistas desde muchas perspectivas. Sin embargo, hoy se reconoce que Poesía en Voz Alta fue un marco en la historiografía

Y, más adelante,

del teatro mexicano porque consiguió congregar

No ponto quieto do mundo em rotação. Nem carne nem sem carne; Nem desde nem para; no ponto quieto, aí a dança está,

diversos artistas que en aquel entonces estaban iniciando sus actividades y otros más conocidos. Entre los jóvenes se puede evocar el nombre

Mas nem paragem nem movimento. E não lhe chamem fixidez,

de Héctor Mendoza (1932-2010). En 1956, cuando fue

Onde passado e futuro se juntam. Nem movimento desde nem para,

diversos concursos y se especializaba en Literatura

Nem ascensão nem declínio. A não ser pelo ponto, o ponto quieto,

Filosofía y Letras de la UNAM. La historia de Mendoza

Só posso dizer, estivemos ali: mas não sei dizer onde. E não sei dizer por quanto tempo, pois isso é localizar no tempo. (ELIOT, 1989, p. 29 e 31).

de

la

presencia

del

española y hispanoamericana en la Facultad de es un ejemplo de como todas las instituciones de

Não haveria dança, e há apenas a dança.

Además

llamado a dirigir La hija de Rappaccini, ya había ganado

incentivo a la cultura dieron sus frutos a lo largo de las cuatro décadas después de la revolución, pues como estudiante de la UNAM, Mendoza había organizado y dirigido varios grupos estudiantiles.

poeta

Por lo que se refiere a Octavio paz, es

angloamericano, marca la pieza una atmósfera

importante destacar que volver a estudiar los grandes

978

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

autores es probablemente peligroso, pues estamos

Referencias bibliográficas

frecuentemente indagando qué caminos seguir para no decir lo mismo. Sin embargo, en el caso que nos

CARBALLIDO, Emilio. (1971): Crónica de un estreno

pusimos a estudiar, hemos percibido que la relación

remoto. In: Revista Iberoamericana Vol. XXXVII, n. 74,

del poe ta Octav io Paz con sus conterráneos

jan/mar., p. 233-238.

contemporáneos está más profunda de lo que se

ELIOT, T. S. Tradição e talento individual. (1989): En:

generalmente se lo critica. En este sentido, nos parece

______. Ensaios. Tradução, introdução e notas de Ivan

que su actuación en Poesía en Voz Alta muestra que

Junqueira. São Paulo: Art, 1989, p. 37-48.

su contribución al México no se hizo sin actuar directamente en su país, como a veces se lo condena. En realidad, lo que vemos es que investigar esa

______. Poemas: 1910-1930. (1985): Trad. Idelma Ribeiro de Faria. São Paulo: Massa Ohno.

máscara paciana permite rescatar una parte

MÉNDEZ, Emilio. (2010) Teatro de la raza cósmica. En:

singularísima de la historia artística mexicana.

Revista de la Universidad de México, p. 97-102. Disponible en: < http://www.revistadelauniversidad.unam.mx/7910/ mendez/79mendez.html>. Aceso: 12 ene. 2011. PAZ, Octavio. (1994): La hija de Rappaccini / Arenas movedizas. Madrid: Alianza, p. 47-90. PONIATOWSKA, Elena. (2009): Octavio Paz: las palabras del árbol. México D.F.: Joaquín Mortiz. UNGER, Roni. (2006): Poesía en Voz Alta en el teatro de México. Trad. Silvia Peláez. México D.F.: INBA/UNAM.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Notas 1

Elena Poniatowska cuenta que al volver a su tierra natal en 1953, Carlos Fuentes le ofreció a Paz una cena para que pudiera rever viejos amigos y conocer a otros personajes importantes. El diálogo de Paz con Poniatowska es revelador: — ¿Sabe usted, señor, que Juan José Arreola lo llama ‘el becerro de oro’? — ¿Por qué? — Porque todos acuden a adorarlo. (PONIATOWSKA, 2009, p. 10)

2

Véase la página web del grupo: www.casadellago.unam.mx.

3

En este sentido, vale la pena ver los artículos y ensayos de la “pre-historia” que constituyen el libro Primeras Letras. En una entrevista, Octavio Paz desdeña del surrealismo, pero hace una larga nota discutiendo las razones de aquél entonces y como había dejado de pensar de mal del movimiento.

979

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

980

CORTÉS, GUATEMOTZIN E ATZIMBA: DA CONQUISTA À ÓPERA NACIONAL MEXICANA!

Robson Leitão UFF

O México foi o país que mais criou espetáculos

Aniceto Or tega (1825-1875), obstetra e

operísticos em toda a América durante o século XIX,

músico diletante, foi o único, entre seus pares, a

mas poucos são os estudos aprofundados sobre o

incluir motivos folclóricos em uma ópera, além de

tema e menos ainda os que analisam as óperas de

escrever seu próprio libreto. Estreada em 13 de

cunho nacionalista. Entretanto, não podemos ignorar

setembro de 1871, no Gran Teatro Nacional,

o trabalho de escritores e compositores mexicanos

Guatemotzin retrata os últimos momentos de

oitocentistas, em busca do reconhecimento nacional

Montezuma e de seu sobrinho e sucessor Cuauhtémoc

das óperas que compuseram, resgatando temas caros

(ou Guatemotzin), que discorda da forma

à história da Conquista.

benevolente com que o imperador azteca lida com o

Em nossos estudos, analisamos duas óperas mexicanas e seus relativos libretos que utilizaram elementos relacionados à formação identitária: Guatemotzin, de Aniceto Ortega, e Atzimba, de Ricardo Castro. Sobre Guatemotzin, o musicólogo Ricardo Miranda escreve:

espanhol Hernán Cor tés. Além disso, outra significativa personagem é incluída na trama: Malintzin. A índia Marina, que serviu de intérprete entre espanhóis e nativos mexicanos. Na citação anterior, Miranda acredita que Ortega tenha escrito o libreto de Guatemotzin como uma simples adaptação de um fragmento histórico,

El caso de Ortega y su partitura es revelador pues más allá de la simple adaptación de un fragmento histórico mexicano al lenguaje de la ópera, el autor se preocupó por crear, en términos musicales, un cierto ambiente local. Además del libreto en español, hay en la obra – concretamente en el número 5, Marcha y danza talxcalteca (sic)1 – melodías y ritmos folklóricos que evocan a la nación indígena que se unió a los conquistadores contra los aztecas. (MIRANDA, in CASARES RODICIO, 1999, p. 162)

sem maiores preocupações nacionalistas. Não concordamos com a colocação, pois no mesmo período em que o compositor diletante elaborava sua ópera, diversos intelectuais, na Espanha e no México, buscavam reavivar questões pertinentes à Conquista, buscando melhor compreender os papéis de Hernán Cortés, Montezuma e Cuauhtémoc.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

981

No México, desde a primeira metade do século

Não podemos esquecer que, nesse período,

XIX, havia um movimento implícito de resgate

foram muitos os esforços coletivos para se constituir

histórico, de enaltecimento da figura de Cuauhtémoc

um caráter hispano-americano e consolidar a

como o herói nacional que se contrapôs ao espanhol

emancipação das novas nações, resultando em

usurpador. Na Espanha, ao contrário, tentava-se

movimentos nacionalistas maiores, integrando as

mostrar as qualidades de Cortés minimizando sua

artes a projetos políticos. “A trajetória da chamada

responsabilidade nas atrocidades cometidas contra os

segunda geração romântica vai do costumismo ao

nativos.

Realismo. Os escritores mais característicos tomam a literatura como forma de serviço público, dedicada à

La literatura romántica perpetuó al Hernán Cortés neoclásico, galán y aventurero, amante de la audácia, enérgico y guerrero. El extremeño inspiró sendos romances al Duque de Rivas y a Alfonso García Tejero en sus obras Romances históricos (1841) y El romancero histórico (1859), idílicos cuadros tradicionales del pasado que comunicaron al romanticismo liberal y conservador, según el profesor Vicens Vives, “Un tinte de extremado y fatal nacionalismo”. El panorama literario se encuentra dominado por un pujante neomedievalismo; Cortés será un héroe medieval, caballero epigonal, nuevo Cid [...]. (ALBERT, 1999, p. 113-114)

defesa da liberdade e difusão da verdade” (JOZEF, 2005, p. 65). E a ópera, ao se apropriar de textos escritos por esses escritores, assimila e participa da onda de nacionalismo vigente, transformando-se também, nesse sentido, em obra de “serviço público”. Para criar Guatemotzin, Ortega deve ter consultado alguns livros disponíveis no México sobre a Conquista, entre os quais “Xiconténcal, príncipe americano. Novela histórica del siglo XVI” (1831),

Duas óperas, de caráter nacionalista espanhol,

de Salvador García Baamonde, que segundo Albert

foram levadas à cena no mesmo período elevando

“inaugura el tema americano, narrándonos los

Cortés à condição de herói, mesmo que, para isso,

amores de Xiconténcal con Tehuila, de la cual se

fosse ignorado o que as Crônicas da Conquista

enamora Diego de Ordaz, quien a su vez es amado

registravam:

por la famosa doña Marina” (ALBERT, 1999, p. 115).

Cualquier parecido con la realidad histórica fue un descuido en la ópera de Ignacio Ovejero Hernán Cortés o la conquista de Méssico, estrenada en el Teatro Circo de Madrid, en 1848, o La heroína de México, que se represento el 14 de julio de 1832 en el Teatro Príncipe, también de la capital de España. Lo interesante de estas obras es que nos permiten constatar la popularidad del conquistador. Además, su elección en la ópera de Ovejero muestra la importancia del personaje a la hora de crear una ópera nacional, pues, como ha escrito José Subirá, Cortés es el más representado después del Quijote y el Cid. (ALBERT, 1999, p. 114)

Por outro lado, Cuauhtémoc foi o escolhido pelos mexicanos pós-independentes, para ser o emblemático herói que, ao contrário de seu tio Montezuma, confrontou o conquistador, sendo por causa disso enforcado por Cortés. E seu martírio reforça ainda mais sua condição heroica.

Porém, o romance que mais se assemelha à trama da ópera de Ortega é “Guatimozín, último emperador de Méjico”, escrito pela cubana Gertrudis Gómez de Avellaneda (1814-1873) e publicado, pela primeira vez no México, em 1853, com o subtítulo “Novela histórica”. Avellaneda romanceia episódios que ocorreram a partir dos primeiros encontros entre Cortés e Montezuma, até ao enforcamento de Guatemotzin, evidenciando ainda a relação amorosa entre doña Marina e Cortés, a partir das leituras que fez em “Historia verdadera de la conquista de la Nueva España”, de Bernal Díaz del Castillo. A escritora evidencia isso na parte final de seu romance: La voz que al día siguiente circuló en el ejército está consignada en las siguientes líneas de B. Díaz del Castillo:

982

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

“Andaba Cortés mal dispuesto y pensativo después de haber ahorcado a Guatemuz y su deudo el señor de Tacuba sin tener justicia para ello, y de noche no reposaba, e pareció que saliéndose de la cama donde dormía a pasear por una sala en que había ídolos, descuidose y cayó, descalabrándose la cabeza: no dijo cosa buena ni mala sobre ello, salvo curarse la descalabradura, e toda se lo sufrió callando”. (AVELLANEDA, 2000, p. 221)

um filho, e posteriormente se casou com o fidalgo Juan Jaramillo. Ainda a partir dos relatos de del Castillo, observamos que Marina era muito admirada pelos espanhóis, por seus dotes pessoais, e que foi de fundamental importância para os propósitos de Cortés, junto a Montezuma e Cuauhtémoc. “He querido declarar esto porque sin ir doña Marina no

Doña Marina, ou “la lengua” como

podíamos entender la lengua de la Nueva España y

mencionada por del Castillo, é personagem polêmica

Méjico” (DEL CASTILLO, 1989, p. 85). Desta

na história da Conquista do México. A intérprete

renomada tradutora mexicana, possível traidora para

trilingue (náhuatl-maya-castelhano) foi acusada por

alguns, muitas referências podem ser encontrados nas

historiadores de trair seu povo ao revelar aos

crônicas de Bernal Díaz del Castillo e nas segunda e

espanhóis costumes e estratégias militares dos aztecas.

quinta das cinco “Cartas de Relatos”3 de Hernán

O epíteto pejorativo “La Malinche”, que recebeu

Cortés. O que não ocorre com outra índia, principal

posteriormente, faz referência à sua proximidade com

personagem da lenda intitulada “Atzimba y el español

Cortés que era chamado de “Malinche” pelos aztecas.

Villadiego”, relacionada à história da região de

Segundo del Castillo, sabemos que Marina, nome recebido após seu batismo cristão, era filha de

Michoacán, também no México, e ao mesmo período da Conquista.

importante família Paynala, habitante de

A trágica história de amor da princesa tarasca

Guazacualco. Quando seu pai faleceu, sua mãe casou-

Atzimba com um dos capitães de Cortés é o tema

se novamente e teve um filho a quem escolheu como

central da ópera Atzimba, que estreou no Teatro Arbeu

único herdeiro e futuro cacique daquela tribo. Marina

(Ciudad de México) em 1º de fevereiro de 1900.

foi entregue, às escondidas, aos índios de Xicalango e

Composta em 1899 por Ricardo Castro (1864-1907),

anunciada como morta para os Paynala. Em seguida,

esta ópera teve seu libreto, escrito em espanhol por

os de Xicalango a deram aos índios de Tabasco que,

Alberto Michel e Alejandro Cuevas, baseado na referida

finalmente, presentearam-na, juntamente com outras

lenda atribuída ao historiador Eduardo Ruiz (1839-

dezenove mulheres, a Hernán Cortés.

1902) e publicada, pela primeira vez, em seu livro “Michoacán. Paisajes, tradiciones y leyendas”, de 1891.

Y luego se bautizaron, y se puso por nombre doña Marina aquella india e señora que allí nos dieron, y verdaderamente era gran cacica e hija de grandes caciques y señora de vasallos y bien se le parescía en su persona [...]. E las otras mujeres no me acuerdo bien de todas sus nombres, y no hace al caso nombrar algunas; mas éstas fueron las primeras cristianas que hobo en la Nueva España, y Cortés las repartió a cada capitán la suya, y a esta doña Marina, como era de buen parescer y entremetida y desenvuelta, dio a Alonso Hernández Puerto Carrero [...]. (DÍAZ DEL CASTILLO, 1989, p. 82) 2

Não encontramos qualquer outra referência à publicação desta lenda, embora saibamos que o acadêmico Eduardo Ruiz possuísse um exemplar, publicado em Madri no ano de 1875, do manuscrito “Relación de las cerimonias y ritos, población y gobierno de los indios de la Provincia de Mechuacán, hecha al Ilmo. Sr. D. Antonio de Mendoza, virrey y gobernador de Nueva España”, atribuído ao frei Jerónimo de Alcalá, “residente en el monasterio de

Com a volta de Puer to Carrero para a

Tzintzuntzan en la primera mitad del siglo XVI, de

Espanha, Marina se uniu a Cortés, com quem teve

quien se dice llegó a ser un buen conocedor de la

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

983

lengua tarasca o de Michoacán” (SANCHEZ DÍAZ,

supondo-se ter sido este o capitão enviado por Cortés,

2004, p. 14-15).

cujo nome ele não nos revela em sua carta. Em

Analisando o texto de Ruiz, percebemos que a trama se passa logo após a morte de Montezuma e de Cuauhtémoc, quando Hernán Cortés, ao tomar posse da capital do império azteca, enviou emissários aos reinos vizinhos, exortando-os a se cristianizarem e se tornarem súditos do reino espanhol, segundo os relatos de Díaz del Castillo.

nenhuma parte de seu relato oficial é mencionada a existência de qualquer princesa ou índia de relativa importância. O que mais parece importar a Cortés são a quantidade e a qualidade dos presentes, ofertados aos espanhóis, pelos índios tarascos, como eram denominados aqueles que habitavam Michoacán. Também não encontramos, nos relatos de Bernal Díaz del Castillo, qualquer referência a Atzimba ou outra

Na lenda atribuída a Ruiz, a princesa Atzimba

princesa indígena que tenha se apaixonado por um

se apaixona pelo soldado Villadiego que, enviado por

capitão espanhol, à exceção de doña Marina que, apesar

Cortés para explorar a região de Michoacán, fora

de filha de caciques, não era considerada da nobreza

aprisionado pelo cacique da tribo Taximaloyan e

mexicana nativa.

conduzido, juntamente com a guarda de índios mexicanos que o acompanhavam, até a capital Tzintzuntzan, onde estava o rei de Michoacán, Tzimtzicha, e também irmão da jovem princesa. Na quarta carta de Hernán Cortés, enviada ao Rei de Espanha e datada de 15 de outubro de 1524, encontramos as seguintes informações: Também já fiz saber a vossa majestade sobre uma grande província chamada Mechuacán, cujo senhor se chama Casuli, e cujos nativos haviam se oferecido por súditos de vossa alteza. Como, pelo relato dos espanhóis que para lá enviei, fiquei sabendo que existia muita riqueza, enviei um capitão com setenta cavalos e duzentos peões bem apetrechados de armas de artilharia, para que observassem toda a província e os segredos dela. E, se necessário fosse, que povoassem a cidade de Huicicila, que era a principal daquela província. Chegando lá, foram muito bem recebidos pelos nativos, recebendo ótimos aposentos e grande quantidade de presentes que chegaram em até três mil marcos de prata envolta em cobre e até cinco mil pesos em ouro, também envolvido em prata, além de roupa de algodão e outras coisas mais que possuem. (CORTÉS, 2008, 151-152)

Portanto, a história da princesa tarasca e seu romance com um capitão espanhol permanece restrita ao campo da lenda ou da imaginação de Eduardo Ruiz. Para a crítica literária e hispanista Bella Jozef, Os românticos mexicanos tomaram os aspectos mais superficiais e se entregaram a uma literatura eloquente, sentimental e enfática. A irracionalidade do mundo, o diálogo entre este e o homem, os plenos poderes que conferem o sonho e o amor, a nostalgia de uma unidade perdida, o valor profético da palavra, enfim, o exercício da poesia como apreensão amorosa da realidade, todo esse universo é desconhecido dos românticos mexicanos, que se movem na esfera dos sentimentos e contam seus amores e entusiasmos e apenas roçam a zona do sagrado. (JOZEF, 2005, p. 53)

Este parece ser o caso de Ruiz, pois, embora seja um historiador da segunda metade do século XIX, preocupado em resgatar os fundamentos nacionais de seu povo, evoca o medievalismo amoroso na recriação da lenda a qual intitula “Atzimba y el español Villadiego”, atribuindo às personagens

Ao compararmos o conteúdo dos dois textos,

centrais características muito semelhantes às de

observamos muitas diferenças entre ambos. Se

Tristão e Isolda, onde o amor terreno, impossível para

tomarmos o relato de Cortés como o mais

os dois, transmuta-se no amor etéreo, possível no

verossimilhante do que realmente ocorreu, o rei de

além-mundo e ser vindo de exemplo para a

Michoacán, de nome Casuli, não é o mesmo da lenda,

eternidade. O primeiro encontro entre os dois jovens,

Tzimtzicha. Tampouco a recepção feita a Villadiego,

o guerreiro garboso e a princesa virgem dedicada ao

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

984

Menos aun se explicaria ese viajero la existencia de los dos esqueletos humanos en el fondo inacsesible del antro. (RUIZ, 1998, p. 534)

deus sol, já prenuncia as intenções de Ruiz para o final trágico: Atzimba recorrió los bosquecillos del palacio, quando repentinamente vio penetrar en el recinto a un gallardo mancebo, jinete en un caballo blanco, llevando en la mano la brillante espada toledana. Rodeábanlo multidud de guerreros con los arcos preparados. Atzimba quedó inmóvil contemplando la aparición. Villadiego, a su vez, fijó sus ojos en los de la princesa, y la mirada larga y ardiente de aquellos dos seres, fue um manantial de fuego para los corazones. Los soldados se apresuraron a introducir al español al pátio del palacio y lo encerraron en un calabozo. La princesa, de pie, quedó herida de una inmovilidad completa, como petrificada. Al fin cayó en tierra, y una de las sacerdotisas, llena de terror, exclamó: “!Nuestra madre está muerta”! (RUIZ, 1998, p. 531)

Os libretistas Alberto Michel e Alejandro Cuevas fizeram profundas modificações na narrativa de Ruiz, incluindo novas personagens e alterando dramaticamente o seu final. Aparentemente, tentaram minimizar o caráter medieval da história, reforçando aspectos autóctones dos antigos mexicanos, o que dava à ópera ares mais nacionalistas à trama. Ao lermos o que os críticos publicaram nos jornais da época, a ópera Atzimba alcançou seus objetivos patrióticos, como podemos observar no artigo de R.N. Montante, publicado em 24 de janeiro de 1900, no jornal El Diario del Hogar:

Mas Atzimba ainda não está morta, apesar de El estreno de la ópera proporcionó un éxito franco, ruidoso, a los señores Alberto Michel y Alejandro Cuevas, autores de la letra, y Ricardo Castro, compositor de la música. El argumento está basado en una leyenda tarasca debida a la pluma del señor Eduardo Ruiz, y dividido en dos actos y seis cuadros. La parte patriótica del asunto fue manejada con sumo tacto para no incurrir en exageraciones ridículas. Huepac, gran sacerdote de la luna, es una figura modelada con gran verdad. (Apud MIRANDA, in RODICIO, 1999, p. 177)

ser considerada assim e sofrer os rituais funerários, sendo enclausurada em uma yácata ou tipo de pirâmide, até ser despertada de seu mágico sono, na verdade produzido por uma crise cataléptica, por meio de um beijo de seu amado cavaleiro. Sacerdotes, o rei e a própria Atzimba atribuem à suposta ressurreição um milagre, provocado pelo toque encantado do espanhol. Devido a isto, a jovem destinada ao sacerdócio e à virgindade, por ter morrido e renascido, é dispensada das leis sagradas, não podendo ser julgada nem condenada à morte por amar a um inimigo de seu povo. Após longa reunião com os mais importantes da tribo, o rei decide enviar o jovem casal, através de idílicas florestas, até uma gruta localizada em um despenhadeiro de difícil acesso. Atzimba e Villadiego são obrigados a descer por uma corda até a entrada da gruta, onde permanecerão até o fim de seus dias. Junto deles, são depositados jarros com água e provisões. Seus corpos morrem, mas o amor que os uniu se manterá por toda a eternidade. Han pasado más de três siglos: el viajero que atraviesa la barranca de Jicalan Viejo ve con admiración las tinajas que están en la entrada de una gruta, a la mitad de las paredes acantiladas de aquella profunda sima, y no puede explicarse cómo pudieron ser allí colocadas.

Mas, críticos do século XX discordam da “autenticidade” histórica da ópera Atzimba, como é o caso do professor Ricardo Miranda, que vê nesta obra apenas uma cópia de óperas europeias anteriores a ela: Atzimba parece haber tenido muy pocos rasgos de autenticidad. Por ejemplo, el personaje malévolo de la historia es “Huepac”, el llamado “gran sacerdote de la luna” quien condena a muerte a la princesa y al capitán Villadiego. El simple nombre del personaje – más cerca del Perú que del singular y bello idioma tarasco – basta para demostrar que más que localismo, Castro y sus libretistas buscaban lo exótico, siguiendo en ello a compositores como Verdi (Aida), Meyerbeer (L’africana) o Delibes (Lakmé). (MIRANDA, in RODICIO, 1999, p. 162)

Além do sacerdote Huepac, que não existe na lenda de Ruiz, os libretistas introduziram as

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

985

personagens secundárias Sir unda, “amiga de

encanta o inimigo espanhol. Ambas se apaixonam

Atzimba” e Hirepan, um “general tarasco”. Ao

pelo conquistador e se entregam a ele, esquecendo-

sobrenome do capitão espanhol Villadiego

se ou não percebendo que estão traindo a liberdade

antepuseram o nome Jorge. No argumento da ópera,

de seu próprio povo. Mas enquanto Marina foi dada

descrito por Octavio Sosa, a ação ocorre em 1522 e

de presente ao conquistador, Atzimba se ofereceu

abre-se a cena no palácio do rei Tzimtzitcha, onde estão

voluntariamente, contrariando as expectativas de seus

reunidos Huepac, Hirepan, um grupo de sacerdotes e

pares. Cometendo suicídio, também um ato

guerreiros tarascos, além do próprio rei. Discutem a

voluntário, como ocorre na ópera de Castro, ou sendo

condição em que se encontra o solo pátrio, devastado

condenada a morrer em uma gruta inacessível, como

pelo invasor branco, e o que devem fazer.

na lenda de Ruiz, o que move a personagem é o amor

Os libretistas alteraram vários aspectos da lenda para dar caráter mais combativo às personagens, que pretendem lutar por seus ideais. Assim, na ópera, os tarascos questionam a fraqueza de Montezuma diante do inimigo, confiam na proteção de seus próprios deuses e acreditam no sacrifício humano como oferenda àqueles. Seria este o tom

pelo espanhol, inimigo e conquistador de sua nação. Mas ainda há outra diferença fundamental entre as duas personagens. Marina tem um filho com Cortés. Um mestiço, um “criollo”, símbolo da transculturação ocorrida no solo mexicano após a Conquista. Atzimba não gera qualquer fruto. Apenas sucumbe pelo amor ao espanhol. Ou seja, acultura-se e morre.

“exótico” recriminado pelo professor Miranda? Mas

Em

nossas

elucubrações,

essas

são

não seriam essas também as características comuns aos

comparações possíveis, percebidas nos libretos das

mexicanos nativos? Ou seria mais “nacional”, para o

óperas Guatimotzin e Atzimba que, como as óperas

México oitocentista, o caráter medievalista de Ruiz?

brasileiras do mesmo perío do, tinham uma

Seja qual for a resposta, libretistas e compositor

preocupação em apresentar aspectos nacionalistas,

optaram por um final trágico, também condizente

enquadrando-se no movimento de formação

com o romantismo lírico do século XIX, embora

identitária.

menos idílico que o pretendido por Ruiz. Los guerreros claman la muerte del enemigo extranjero. Unas sacerdotisas preparan la piedra de sacrificios. Jorge dormita en su celda y Huepac lo despierta para anunciarle la muerte de Atzimba. Sirunda logra penetrar hasta la celda y dice a Jorge que la princesa no ha muerto y lo ayuda a escapar. Atzimba se encuentra en la yácata. Llega Jorge y con dulces palabras de amor le hace prometer que estarán unidos hasta la muerte. Huepac los sorprende y arresta. En el templo, reunidos los sacerdotes, guerreros y sacerdotisas, invocan a su dios. Jorge aparece camino al sacrificio. Atzimba, que desea seguirlo hasta la muerte, toma el puñal que Huepac lleva en el cinto y se lo clava en el corazón. El extranjero es llevado hasta la piedra de sacrificios. (OCTAVIO SOSA, 2005, p. 58)

Referências bibliográficas DÍAZ DEL CASTILLO, Bernal (1989). Historia verdadera de la conquista de la nueva España. Madrid: Espasa-Calpe. 636p. CORTEZ, Hernán (2008). A conquista do México. Tradução de Jurandir Soares dos Santos. Porto Alegre: L&PM. 226 p. GÓMEZ AVELLANEDA, Gertrudes (1853). Guatimozín, último emperador de Méjico: novela histórica. Edición digital basada en la de México, Imprenta de Juan R. Navarro. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes, 2000. 221 p. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2009.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

986

JOZEF, Bella (2005). História da literatura hispano-

RUIZ, Eduardo (1998). Atzimba y el español Villadiego. In:

americana. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Francisco Alves.

ROGÉLIO ALVAREZ, José. Leyendas mexicanas: antologia.

420 p.

Madrid: Editorial Everest. P. 530-34.

MIRANDA, Ricardo (1999). El espejo idealizado: un siglo

SÁNCHEZ DÍAZ, Gerardo (s/d). Los manuscritos y las

de ópera en México (1810-1910). In: CASARES RODICIO,

edic iones de la Relación de Michoacán: su impacto

Emilio (et al). La ópera en España e Hispanoamérica: Actas

historiográfico. In: Tzintzun. Revista de Estudios

del Congreso Inter nacional “La ópera en España e

Históricos, Julio-Diciembre, nº40. Universidad

Hispanoamérica. Una creación propia”. Vol. 1. Madrid:

Michoacana de San Nicolás de Hidalgo. México, 2004. (39

ICCMU. 460 p.

p. numeradas de 11 a 50). Disponível em: < http://

OCTAVIO SOSA, José (2005). Diccionario de la ópera mexicana. Mexico: Consejo Nacional para la Cultura y las

redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/898/89804002.pdf>. Acesso em: 06 mar. 2010.

Artes. 364 p.

Notas 1

O correto é tlaxcalteca.

2

Optamos por manter a mesma grafia empregada no texto original.

3

Conferir “A conquista do México”, de Hernan Cortez. Publicado em português por L&PM, 2008.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

987

DESENCUENTROS CON GUIMARÃES ROSA: LA POLÉMICA DE VARGAS LLOSA Y CRESPO POR LA TRADUCCIÓN DE GRAN SERTÓN: VEREDAS

Rodrigo Labriola UFF

La novela Grande Sertão: Veredas de João

En verdad, si existe un desencuentro del

Guimarães Rosa fue traducida al castellano dos veces.

mundo en castellano con la obra de Guimarães Rosa

La primera, por el poeta español Angel Crespo, en

tal vez sea menos en el ámbito de la diferencia de

1967, en medio del fenómeno llamado Boom. La

culturas o de la distancia entre el portugués brasileño

segunda, en 2009, por Florencia Garramuño y

y el castellano, que en las posiciones que se forjaron

Gonzalo Aguilar, dos argentinos que desde hace

dentro de medio literario de la misma lengua

tiempo vienen estrechando lazos intelectuales con el

hispanoamericana. En este sentido, sería, entonces,

Brasil. Lo curioso es que la creciente fama

ya un desencuentro producido justamente a causa de

internacional del escritor brasileño en los últimos

una determinada mediación cultural (de la lectura o

cuarenta años sea inversamente proporcional a la

de la traducción de Rosa desde lo extranjero), y no

cantidad de traducciones al castellano de su obra

por la ausencia de ésta, lo cual torna la situación,

principal. Para intentar explicar ese silencio de la

como mínimo, paradojal, ya que el acortamiento de

traducción, suelen invocarse hasta el hartazgo las

una distancia intercultural estaría evidenciando

dificultades proverbiales que el lenguaje roseano

también una fragmentación o distancia interna

supone desde el punto de vista más técnico. Hay,

dentro de lo que se supondría una unidad cultural, a

sin embargo, un dato más interesante que podría

punto de cuestionar la misma unidad de ésta, y

encaminarnos para repensar los lugares comunes

tornando así imposible lo inter-cultural.

que suelen atribuirse al papel de la traducción en tanto mediación cultural. Se trata de la crítica feroz que Mario Vargas Llosa hizo al Gran Sertón: Veredas de Crespo, publicada en la Revista Amaru, Lima, en 1967, con motivo de la pr imer a edición en castellano.

De hecho, es sabido que la obra de Rosa obtuvo inmediatamente una repercusión favorable entre prácticamente todos los autores y críticos de lengua española a partir de su primera edición. Desde Rama y Monegal, hasta Vargas Llosa y Arguedas, todos se manifestaron elogiosamente sobre el “genio” de

988

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Guimarães Rosa, al cual habrían accedido (se

(1998) es aplicable retroactivamente a la década de

presume) con la lectura en lengua original. Sin

1960, pues el modesto gesto de reconocimiento de la

embargo, en este punto se plantea una curiosidad, ya

ignorancia y el extranjerismo de Monegal no es lo

que, en primer lugar, esas lecturas no son homogéneas

común en el resto. El parasitismo de muchas de las

ni pueden homogeneizarse a partir de la lengua nativa

interpretaciones de la obra de Rosa por parte de los

de esos lectores, lo cual coloca el problema del lado

intelectuales latinoamericanos del 60 y 70 se vuelve

de la problemática, arbitraria e infinitamente variable

evidente al compararlas con las del estudio de

relación entre lengua y cultura (como demuestra el

Monegal, que fue el primero (cf. 1969b).

ya clásico estudio Sapir). En segundo lugar, hay algo más inquietante nos habla de una cierta pedantería del universo letrado de nuestro continente en la segunda mitad del siglo pasado; en efecto, es sabido que la mayoría de los lectores hispanohablantes (en esa época y quizá todavía hoy) de Rosa eran intuitivos del portugués, o sea, algo así como lectores salvajes, cuya competencia lingüística real para la literatura en portugués era bastante floja (al punto de caer ingenuamente en una multitud de trampas básicas del vocabulario por pura asimilación de las dos lenguas). Esto, en sí, no sería tan grave en la obra de Rosa, pues por sus características está también alejada de lo que sería la famosa “norma culta” del portugués que se enseña en el Brasil, lo que transforma en extranjero al propio lector nativo y lo hace perderse en el sertón, aunque no por desconocer las diferencias con lo otro (como cuando se confunden los falsos amigos), sino por extrañamiento cultural del habla dentro de propio país (p.e. lenguajes del nordeste rural vs. lenguajes de las ciudades) y para afuera (multitud de referencias a otras lenguas que no son el portugués, ya sea porque Rosa inventa palabras ya sea porque incluye desde el tupí hasta el ruso, y de yapa sus mitos). Emir Rodríguez Monegal fue el único que reconoció su indigencia frente a esto; era, sin duda, el más preparado de todos los hispanohablantes para leer en portugués, por su historia y sus vínculos

Por otra parte, no sería descabellado decir que tanto ignorancia como extranjerismo son la actitud clave para la lectura de la novela de Rosa, incluso en lectores nativos, ya que la propuesta de verosimilitud sería el estar escuchando la narración de juventud de un, ahora, viejo borracho y de una región remota, en un lugar público, y encima entre cachazas que el lector, seguramente, también bebe. Quiero ser más claro: la novela de Rosa tiene un destino algo trágico también entre los lectores brasileños, que lo citan mucho y lo leen poco (como a Borges, quizá), que renuncian a la lectura ficcional porque quedan abrumados con los glosarios, y aprenden en la escuela un prejuicio letal para la literatura, que es creer que hay que saber todas las palabras y entenderlo todo para leer ficción. Si es aceptable que la literatura moderna nace con el Iluminismo, se verifica una vez más la frase de Denis Diderot casi como una máxima orientadora de la lectura de ficción: que la ignorancia está más cerca de la verdad que el prejuicio. Sea como sea, el resultado de la necedad educativa es el mismo del de la pedantería crítica: la novela de Rosa se cono ce a grandes rasgos, argumentalmente, descriptivamente, políticamente, quizá hasta metafísicamente, pero no se lee, y a este último hecho es atribuible la penuria imaginativa de la abundante mayoría de los trabajos de interpretación o críticos.

con el Brasil, y aún así, como él mismo cuenta, la

No obstante, no estoy caracterizando con esta

lectura de Grande Sertao: veredas se le presentó, en

última

un comienzo, casi imposible (cf. MONEGAL, 1969a).

hispanohablantes del 60 y 70, excepto en apenas un

Y aquí es donde entra la pedantería de la “ciudad

aspecto: que deliberadamente, por pedantería y

letrada” en A.L., si es que este concepto de Ángel Rama

vergüenza de clase, ocultaron los problemas de la

descripción

a

los

intelectuales

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

989

mediación cultural en la traducción (en sentido

y Crespo, no lo es en sentido estricto de la palabra,

amplio) de la obra de Rosa. Esta acusación no es tan

pues Crespo nunca respondió al ataque. La lucha, no

grave como parece porque, si se quiere, en el fondo

obstante, podría pensarse más en el interior de la

es la de una falta de viveza y curiosidad lectora (salvo,

“familia intelectual” de A.L. (cf. GILMAN, 2003), y

claro, en Monegal). Sospecho que muchos de los

de múltiples maneras está vinculada también a la

lectores hispanoamericanos de Rosa fueron antes

definitiva ruptura que se dio más tarde con el “caso

lectores de las traducciones al francés y sobre todo al

Padilla” (cf. LABRIOLA, 2012). Es más: por entonces,

inglés de Grande Sertão: Veredas, publicadas años

Monegal menciona varias veces a la traducción de

antes que la traducción en español de Crespo. Y como

Crespo como “admirable” (1969ab), mientras que

suele pasar en A.L., lo que era hospitalidad e

Vargas Llosa la califica de “cómica”. La tensión

fascinación frente a lo otro (el lenguaje babélico de

subterránea entre ambos se adv ierte en la

Rosa) que es medio desconocido (cosa que es difícil

correspondencia que intercambian sobre otro libro,

de admitir para quien debería saber), se convierte en

también de lectura exigente, como lo es Paradiso, de

desprecio de lo otro, que se consideraba como dentro

Lezama Lima (cf. MONEGAL, 1992), en lo

de la misma cultura, pero inferior. Más claro: los

concerniente al papel de la homosexualidad en esa

intelectuales del 60 vinculados al Boom son como los

novela. En estas cartas, Mario Vargas Llosa ostenta

generales, alaban solamente a otro general cuando lo

una superficialidad al leer e interpretar que hasta

han derrotado (Hemingway dixit). Seguros todos ellos

podría calificarse de lectura literal, en el peor sentido

de ser los que más y mejor usaban el castellano frente

de la palabra.

a la inteligentzia progresista, no era raro que sintieran más incomodidad con la traducción de Crespo que con el propio texto de Guimarães Rosa. Más aún: la lengua, en A.L., desde siempre, fue el más político de los conflictos. En el ámbito literario de entonces cuyo capital cultural estaba conformado por un alto valor simbólico para la literatura latinoamericana y una evidente desvalorización de la literatura española en pleno franquismo, no resulta extraordinario que los intereses diversos para ganar la torta editorial derivaran en ataques como el del mencionado artículo de Vargas Llosa.

No me parece demás explicitar que muchos critican a Vargas Llosa por sus convicciones políticas bastante anodinas; por mi parte, confieso que las ideas políticas del reciente Premio Nobel me tienen sin cuidado, pero que su alabada experimentación con el lenguaje nada tiene que ver con la de un Rosa o la de otros, en la medida en que sirve apenas para lograr un realismo de Best-Seller. Es una producción ficcional preparada para ganar premios y no es casual que por eso sea uno de los pocos autores del Boom interesantes para el PostBoom y para muchos de los nuevos autores latinoamericanos. Es, si se me permite,

Analizar, entonces, los argumentos del

una experimentación conservadora, o snob, casi

rechazo de Vargas Llosa a esa primera traducción, es

congénere de la que hacía el peor regionalismo a

también proponerlos como emergencias de una

finales del siglo XIX, adaptando las técnicas del

poética-política intelectual de la cultura en América

realismo positivista a los temas locales y rurales (nada

Latina que, aunque iniciada durante el Boom, perduró

más lejano a la poética del realismo europeo que la

en las décadas siguientes sostenida por la crítica de

vida en el campo), sólo que, en el caso de Vargas Llosa,

vertiente sociológica encabezada por Ángel Rama,

lo que se adapta son las técnicas vanguardistas para

Antonio Candido y Ana Pizarro, entre otros. Aunque

representar verosímilmente la “realidad” (una palabra

definida al inicio como una polémica entre el peruano

que el peruano gusta mucho de usar, e cuya certeza

990

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

es discutible), pero sin ningún elemento ideológico de la poética transgresiva de la vanguardia. La mencionada superficialidad de la lectura de Vargas Llosa es visible también en el artículo dedicado a la obra de Rosa en Amaru, pues su interpretación parasita totalmente la previa de Monegal, sin aportar nada propio, salvo el ataque a la traducción de Crespo. En pocas palabras, y en la jerga periodística, Vargas Llosa refrita a Monegal (cuya autoridad es indiscutible) y ningunea a Crespo (cuya labor como poeta era casi desconocida, si es comparada con la fama boomediática del peruano). El ataque a Crespo es más virulento aún, si tenemos en cuenta que el artículo de Vargas Llosa, titulado “Epopeya del sertao, Torre de Babel o manual de satanismo?”, está más dedicado a reseñar la novela de Rosa que la traducción, dedicándole casi tres cuartos del texto; en cambio, la crítica a la traducción abarca apenas un párrafo, pero está en el inicio, después del primer breve párrafo introductorio, e inmediatamente seguido a la opinión del propio Rosa sobre el trabajo de Crespo, indicando que “era ésta la mejor y más fiel de las versiones extranjeras” de su novela y que “incluso superaba al original” (apud. LLOSA, 1967, p. 70). El dato es relevante: porque el blanco podría ser, además de Crespo, el indirecto Rosa. Al atacar la traducción al español respaldada por Rosa, el peruano lo recoloca (aunque abusando de los lugares comunes genuflexos) en el universo secundario al Boom del portugués brasileño de donde había salido. Parafraseando: “Rosa será un creador en portugués, pero en español no”. Y el “español” es la lengua del Boom. Transcribo completo el párrafo en cuestión, para una mejor apreciación de lo que argumento. La afirmación [de Guimarães Rosa sobre la traducción de Crespo] está, desdichadamente, lejos de la realidad. Con un criterio osado, aunque legítimo, Angel Crespo (lo dice él mismo en su prólogo a la traducción) no quiso volcal Grande Sertao: veredas dentro de un castellano ya forjado

y conocido, sino restituir en nuestro idioma las audacias sintácticas, las proezas fonéticas, la arrolladora originalidad estilística de Guimaraes Rosa; quiso, tal como lo hizo este, traumatizando el idioma, mezclando arcaísmos con neologismos, alternando el lenguaje más académico con los giros más populares, inventar una lengua propia, dibujar en un decorado sonoro fastuosamente original la caballeresca odisea del yagunzo Riobaldo. La tentativa de Crespo era soberbia, su fracaso también es excepcional. Su traducción se aparta, en efecto, de todas las modalidades existentes del castellano, pero en ningún momento se impone al lector como una lengua viviente y necesaria; más bien, da la impresión to do el tiempo de algo híbrido, artificioso, fabricado y paródico: recuerda al esperanto. ¿Cómo podría el lector admitir frases semejantes a Que me paice que sea mejor, denantes de remitirse o de cumplirse ese hombre, pues bien: indagar de hacerle decir ande está su fortuna en perras (p. 206) corresponden al lenguaje oral? En muchos casos, lo que en la obra principal tiene efectos encantatorios, hipnotizantes (la captura de la conciencia del lector a través de la exclusiva música de las palabras), en la traducción de Crespo tiene resultados cómicos, es decir la ruptura del hechizo novelesco, de retorno a la realidad (por ejemplo, las mezclas de mexicanismos – Echate p´atrás, mano – con españolismos – El follón se hizo enorme, Me cabreo, hala ite atizaba!, los catetos, judiadas – y casticismos – Asaz mal tiraba los judas – con galimatías: Se mellaba un llover bajo, se memellaba). Hubiera sido mejor, tal vez, que el traductor se resignara a traicionar parcialmente el texto brasileño, vertiéndolo en un idioma ya existente, y no intentara esta recreación estilística, a todas luces superior a sus fuerzas. Lo más grave de esta traducción no es tanto que el lenguaje inventado por Crespo carezca de unidad y de fluencia, no remita a ninguna realidad lingüística y le falte agilidad, gracia y ritmo, sino que, a menudo, su barroquismo gramatical y sus fantasías coloquiales se oscurecen y complican hasta sumir al lector en las tinieblas. Pero, aunque debilitada estilísticamente en el viaje del portugués al castellano, la novela de Guimaraes Rosa sobrevive, e impresiona como una alta, formidable creación, gracias a su fuego imaginativo, su riqueza anecdótica, la variedad de planos de la realidad en que se mueve, la vivaz y múltiple sociedad humana que retrata y la sutil perfección con que se integran a ella, gracias a la maestría del autor, una naturaleza llamativa, una historia de un dinamismo sin tregua y una compleja problemática espiritual. (LLOSA, 1967, p. 70)

Cuando analizamos minuciosamente este párrafo feroz por estar lleno de lugares comunes, lo

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

991

que resaltan son tres puntos clave que sostienen el

lengua, y por eso también genera una realidad que

ataque. En primer lugar, según Vargas Llosa, la

no es espejo de lo real, sino suplemento y crítica. La

traducción de Crespo “se apar ta de todas la

ficción experimental no es una prueba de laboratorio,

modalidades existentes del castellano, pero en ningún

sino un acto poético de “pequeño dios”, como diría

momento se impone al lector como una lengua

Vicente Huidobro. Lo mismo se puede entender en

viviente y necesaria”. ¿Qué sería esta “lengua

las mejores lecturas de Guimarães, como las de

viviente”? Pues algo diferente de la traducción de

Haroldo de Campos, o de la imprescindible

Crespo, que “da la impresión todo el tiempo de algo

correspondencia con su traductor al italiano, Edoardo

híbrido, artificioso, fabricado y paródico”, o sea,

Bizzarri. Metafísicamente hablando, nada más

siempre según el peruano, alejado del “lenguaje oral”.

artificial que un acto de creación; la naturaleza, en

Igual, hay que reconocer que es una excelente

cambio, reproduce sin voluntad ni objetivo. En carta

caracterización de la literatura… Recordemos las

fechada el 4 de diciembre de 1963, Guimarães Rosa

cartas de Lezama Lima, siguiendo a Baltasar Gracián,

le escribe a Bizzarri, tal vez con un eco benjaminiano:

o, para ser un poco demagógico, las apreciaciones de Jorge Amado referidas por Gustavo Sorá – en Traduciendo el Brasil, 2003 – donde se explica que la simplicidad es tal vez el más barroco de todos los trucos retóricos, y que la literatura es puro artificio. Pero, ¿por qué “lengua necesaria”? Pues porque Vargas Llosa identifica la oralidad con la realidad, de una manera bastante ingenua, al punto de que se queja de los “resultados cómicos” de la traducción porque generan una “ruptura del hechizo novelesco” que lleva al lector “de retorno a la realidad”. En resumen, que la experimentación en literatura tiene para Vargas Llosa la finalidad última de representar la realidad, y no la de re-crearla, modificarla o transgredirla, como serían las tres p osibilidades poéticas de las vanguardias. En otras palabras, Vargas Llosa trabaja con nueva tecnología, a favor de viejas ideas.

Para maior tranquilizá-lo, digo a verdade a Você. Eu, quando escrevo um livro, vou fazendo como se o estivesse “traduzindo”, de algum alto original, existente alhures, no mundo astral ou no “plano das ideias”, dos arquétipos, por exemplo. Nunca sei se estou acertando o falhando, nessa “tradução”. Assim, quando me “re” traduzem para outro idioma, nunca sei, também, em casos de divergência, se não foi o Tradutor quem, de fato, acertou, restabelecendo a verdade do “original ideal”, que eu desvirtuara... No seu caso, então, de uma tradução Bizzarri, tudo já está previamente, antecipadamente bem. Só não quero, isto sim, é ler sua tradução antes de publicada. (ROSA, 2003, p. 99)

Lengua

y

cosmos

se

relacionan

indiscerniblemente, desacreditando la división teórica de forma y contenido. Por tanto, al menos en el caso de GR, la obra es infinita, y me atrevería a decir que, por lo extremo del lenguaje roseano, podemos extender esta verdad a la ficción literaria

En segundo lugar, para el peruano, “hubiera

en general. Lengua y cosmos se amalgaman en los

sido mejor que el traductor se resignara a traicionar

“detalles”: esas cosas aparentemente banales, como

parcialmente el texto brasileño, vertiéndolo a un

la posición de un prefijo, la colocación deliberada de

idioma ya existente, y no intentara una recreación

un acento inútil o de una serie de mayúsculas, la

estilística”. Así, para Vargas Llosa, la experimentación

sonoridad de una palabra para dar la tonalidad a una

literaria es una práctica estilística, en la medida que

planta del sertón, pero también otras que sin duda

se la considera un procedimiento técnico para

son la pavorosa delicia de los críticos (y el parto

representar imitativamente la realidad; insisto: la

doloroso de los traductores), como el problema de

clave de la experimentación en toda ficción es que

cuándo elegir el nombre científico de una planta o

pone en crisis precisamente la “existencia” de una

animal, cuándo el genérico y cuando el popular, que

992

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

muchas veces cuenta en sí mismo una pequeña

“sua pasmosa tradução do Duelo – que parece “não

historia, o en invención de palabras por síntesis y

existir”, de tão incrível” (ROSA, 2003, p. 17).

composición, o perturbaciones morfológicas a través de la permutación de los sufijos formadores de tipos de palabras, o palabras babel compuestas por morfemas de diversas lenguas.

Por todo ello, en tercer y último lugar, a Vargas Llosa le molesta sobre todo que la traducción de Crespo “carezca de unidad y de fluencia, no remita a ninguna realidad lingüística y le falte agilidad, gracia

En fin, todo este repertorio o enumeración

y ritmo”, aunque lo más grave, siempre según el

de “problemas técnicos de una traducción” son, para

peruano, sería que “a menudo, su barroquismo

Vargas Llosa, una cuestión de “estilo”: son “audacias

gramatical y sus fantasías coloquiales se oscurecen y

sintác ticas”, “proezas fonéticas”, “arrolla dora

complican hasta sumir al lector en las tinieblas.” Sin

originalidad estilística”, en suma, que Guimarães

embargo, no podemos dejar de preguntar: ¿no

Rosa sería para Vargas Llosa una especie de atleta

constituirá ese oscurecimiento, que poco a poco va

literario, un campeón olímpico de la retórica, o un

revelando (si el oxímoron es tolerable) la novela de

exhibicionista tecnócrata de la ficción. El problema

Rosa, uno de los efectos que Rosa quiere causar en

es que el peruano no ve aquí solo dificultades

los buenos lectores, o al menos, en los sensibles e

técnicas de la traducción, sino que lee así la ficción,

dedicados lectores (Borges dixit x 2)? Sumir al lector

de ahí su superficialidad. Porque es claro que la

en las tinieblas del extrañamiento, forzando su

simbiosis lengua-cosmos en Guimarães Rosa se

intelección crítica, es uno de los inventos más caros a

expande justamente a partir de esos “detalles”. Rosa

las vanguardias, y también una relectura radical y

decía que “é nos detalhes aparentemente sem

carnavalesca de la ficción por fuera de los modelos

importância que estes efeitos se obtém”. ¿Qué

hegemónicos de la tradición literaria. Con ese invento,

efectos? Aprender “novas maneiras de sentir e de

lo popular gana un estatuto estético dentro de la “alta

pensar, cunhar uma nova língua capaz de constituir

literatura”, amalgamando poética, estética y política.

un continuum literatura-vida sustentado por la

Cómo entender, entonces, en el discurso de Vargas

amalgama lengua-cosmos”. En este sentido, traducir

Llosa los adjetivos “agilidad, gracia y ritmo”, si no es

la lengua Grande Sertão es inevitablemente crear

referidos a un buen gusto más cerca de las bellas letras

también la lengua Eduardo Bizzarri, o la lengua

que de la experimentación con el lenguaje

Angel Crespo, etc. Porque traducir a Guimarães Rosa

característica del siglo XX… Así, si prestamos

es necesariamente hacer la travesía hacia la “lengua

atención a las razones de Vargas Llosa para cuestionar

de Guimarães Rosa”, y este viaje se puede hacer desde

la traducción de Crespo, deberíamos formular la

diferentes lugares, siempre otros y ajenos (el

hipótesis de que la mediación cultural de la

portugués, el castellano, pero también la literatura

traducción literaria (en su vertiente más común y

medieval, el Quijote, la gauchesca, la gíria del morro,

políticamente

la liter atur a de cordel nord estina, Euclides,

fundamentalmente lingüística a la alteridad),

Graciliano o Sarmiento, Dante o Rabelais…) Si se

descuida o, inclusive, busca destruir la heterogeneidad

me permite un uso macabro o esotérico de la

cultural inherente a la presencia del Otro dentro de

comparación, la lengua de Guimarães Rosa se parece

la propia literatura a la cual es vertida la obra

al portugués tanto como un Golem se parece a un

traducida. Los estudios de Henri Meschonnic en

hombre. El primer elogio de Rosa a Bizzarri es

torno de la traducción-signo vs. traducción-poema

sintomático; el 21 de noviembre de 1962, le escribe:

apoyan esa hipótesis: la teoría del lenguaje

correcta

de

aproximación

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

993

eurocentrista se sostiene en el borramiento de que el

MONEGAL, Emir Rodríguez. Mestre Guimarães. In:

texto bíblico del Nuevo Testamento es traducción,

Narradores de esta América. Montevideo: Alfa, 1969b.

porque su instauración como original de las naciones

RAMA, Ángel. La ciudad letrada. Montevideo: Arca, 1998.

cristianas construye la unidad de Europa versus el Otro por excelencia dentro de Europa, o sea Israel y

ROSA, João Guimarães. João Guimarães Rosa:

su texto hebreo del Antiguo Testamento

correspondência com seu tradutor italiano Edoardo Bizzarri.

(MESCHONNIC, 2008). Esta paradoja, en América Latina, llega deformada y tardía por la modernidad, pero también asociada a la construcción de las culturas nacionales de los estados jóvenes, y a una devoción religiosa atávica, que insiste en unirse demagógicamente, incluso hoy día, a la noción de pueblo. Desconocer esto acabará ensanchando el hiato entre literatura e cultura en nuestro continente, alejando al texto ficcional (en cualquier lengua, y aún más en el estado de cosas contemporáneo) de su destino crítico. Una pena.

Referencias bibliográficas GILMAN, Claudia. La pluma y el fusil. Debates y dilemas del escritor revolucionario en América Latina. Buenos Aires: Siglo XXI, 2003. LABRIOLA, Rodrigo. O entre-lugar do intelectual latinoamericano frente ao “caso Padilla”. Revista Hispanista, Niterói (RJ), 2012 [No prelo.] LLOSA, Mario Vargas. ¿Epopeya del sertao, Torre de Babel o manual de satanismo? In: Revista Amaru, Lima, 1967. MESCHONNIC, Henri. Traduzir é transformar toda a teoria da linguagem. In: BASSNETT, S. et al. Caminhos da tradução: reflexões contemporâneas. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2008). MONEGAL, Emir Rodríguez. Correspondencia com Mario Vargas Llosa sobre Paradiso. In: Narradores de esta América II. Venezuela: Alfadil Ediciones, 1992. MONEGAL, Emir Rodríguez. En busca de Guimarães Rosa. In: Narradores de esta América. Montevideo: Alfa 1969a.

Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2003. SORÁ, Gustavo. Traduciendo el Brasil: uma antropología de la circulación internacional de las ideas. Buenos Aires: Libros del Zorzal, 2003.

994

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

EL ENSAYO: PROLEGÓMENOS PARA UNA NUEVA HISTORIOGRAFÍA ENSAYÍSTICA IBEROAMERICANA

Rodrigo Vasconcelos Machado UFPR

Y, si en fin, pretendiéramos persuadirnos de si reside en el poder del hombre encontrar la solución de lo que investiga y busca, y si la tarea en que viene empleándose de tan dilatados siglos a hoy le enriqueció con alguna verdad, fundamental y le proveyó de algún principio sólido, yo creo que, hablando en conciencia, se me confesará que toda la adquisición que alcanzó al cabo de tan largo estudio es la de haber aprendido a reconocer su propia flaqueza. La ignorancia que naturalmente residía en nosotros ha sido después de tantos desvelos corroborada y confirmada. Ha ocurrido a los hombres verdaderamente sabios lo que acontece a las espigas, las cuales van elevándose y levantan la cabeza derecha y altiva mientras están vacías, pero cuando están llenas y rellenas de granos en su madurez comienzan a humillarse y a bajar los humos. (MONTAIGNE, 1912 p. 435)

largo de nuestra carrera. Como ya fue dicho antes tiene que ver con el lugar de enunciación del ensayista y en mi caso de tener en cuenta mi posición de tutor de tesis y tesinas de temas iberoamericanos en una universidad de Brasil que conlleva a una permanente búsqueda de poner en relación lo hispánico con lo brasileño. Comienza así la estrategia de abordaje del texto, ya que las reglas del juego están propuestas al inicio facilitando el entendimiento de la elección de los objetos de investigación. Al plantear el análisis de textos ensayísticos tengo que dejar claro mi intención de postular una posición crítica que sintetizo con el famoso verso de Mario de Andrade: “Sou um tupi tangendo um alaúde!” (ANDRADE, 1922, p. 45).

El epígrafe es la brújula del lector o del oyente,

Tengo que confesarles que tras un recorrido de más

ya que lo dicho será solventado durante el recorrido

diez años de reflexión sobre los temas hispánicos

de la lectura y su resultado va a depender del tejido

empiezo a creer que el laúd está más próximo de

narrativo del texto. Puedo plantear este breve artículo

nosotros, principalmente en lo que se refiere a

como el inicio de una discusión sobre una temática

Hispanoamérica y hasta mismo a España. Los puntos

contemporánea que tiene que ver con nuestro trabajo

de contacto no están distantes y nos permite poner

con el lenguaje, es decir, somos comentaristas de

en relación varias problemáticas, como por ejemplo

obras literarias, hablamos sobre el lenguaje. Nuestro

la propuesta de una historiografía ensayística

lugar de enunciación es el punto de partida para tener

iberoamericana1. Sé que puedo con seguridad decir

completa conciencia de lo que hacemos aquí y a lo

esta proposición ya que nos hace falta en Brasil una

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

995

sistematización sobre el ensayo como género en

nacionales a la literatura latinoamericana” y Rama

nuestras historiografías literarias. Sin embargo, no

“Le roman latino-amér icain et les novateur s

nos faltan trabajos pioneros que nos puedan servir

brésiliens” (NITRINI, 1997, p. 66). Según la

de inspiración y de guía en este admirable mundo

investigadora Sandra Nitrini, sendos investigadores

nuevo del ensayismo.

en sus conferencias propusieron la ampliación del

Esta investigación propone la discusión de los puntos de intersección en la producción ensayística iberoamericana para establecer posibles diálogos críticos a partir del análisis del texto de Antonio Candido (1918), Os Brasileiros e a Nossa América, publicado en 1993. La elección del famoso investigador brasileño tiene su razón de ser debido a

alcance del término Latinoamérica, es decir, al revés de su sentido inicial elaborado por los franceses pasaría a agregar culturas y literatur as que originalmente no eran de la tradición románica, pero que deben ser consideradas como constituyentes de la identidad cultural latinoamericana. (NITRINI, 1997, p. 79).

su relevancia dentro del marco fundador de los

La cooperación de los dos investigadores2

estudios literarios en Brasil, mejor dicho, de la crítica

tuvo como uno de sus resultados la serie coordinada

que salió de las páginas de los periódicos y que todavía

por Ana Pizarro, a saber, América Latina: palavra,

no ha vuelto de la universidad. Tal vez para algunos,

literatura e cultura (1993). En el prólogo se establece

Candido al inicio de su carrera fuese miembro del

la nueva perspectiva crítica que involucra la

famoso grupo de la revista Clima o de los “chatos

ampliación del concepto de Latinoamérica: “El texto

boys” como decía burlonamente Oswald de Andrade.

que publicamos comenzó proyectándose como una

Sin embargo, su obra crítica enmarcó profundamente

historia de la literatura Latinoamericana en el marco

la historiografía literaria brasileña, donde se destaca

de la Asociación Internacional de Literatur a

la monumental Formação da literatura Brasileira

Comparada”. (PIZARRO, 1993, p. 13). El

(2012), entre otros estudios. Se puede proponer que

planteamiento que va a ser vir de eje de las

la larga vida de Candido le facilitó entrar en contacto

investigaciones va de encuentro a lo que fue dicho

con un nuevo panorama critico, es decir, con el

por Rama y Candido, esto es,

desarrollo de los estudios de las literaturas española e hispanoamericana en Brasil. De todas maneras, en sus investigaciones podemos notar que su atención también estuvo volcada para los temas hispánicos, como por ejemplo al proponer el malandro en lugar del pícaro en su estudio Dialética da malandragem

La considerac ión de América Latina como constituyendo una región de significaciones históricas y culturales comunes, así como la articulación de lo heterogéneo en una estructura global que ha ido integrando históricamente áreas, ha sido desde el comienzo de este trabajo una hipótesis común. (PIZARRO, 1993, p. 13)

(1970). Otro hecho fundamental fue el diálogo entablado con el crítico uruguayo Ángel Rama (1926-

Se puede plantear el contrapunteo con otra

1983) durante dos décadas, pero que infelizmente no

historiografía, a saber, la de José Miguel de Oviedo,

se prolongó. La constancia del inicio del intercambio

intitulada

de susodichos investigadores fue durante el VII

Hispanoamericano (1991). La distinción con la obra

Congreso de la Asociación Internacional de Literatura

de Pizarro es la atención dada por Oviedo al concepto

Comparada, celebrada en Canadá en 1973. En el

de ensayo y que va a dirigir el análisis de los

referido congreso Candido presentó la ponencia

principales ensayistas de Latinoamérica. El ensayo es

intitulada “Un proceso autonómico de las literaturas

considerado como género principal de la

Breve

historia

del

Ensayo

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

996

investigación y puesto en relación con la narrativa y

volver nuestra mirada para Candido y verificar como

la poesía. Uno de los puntos destacados por el crítico

el texto Os brasileiros e a Nossa América contribuye

es el importante rol que juega los ensayistas como

en Brasil con el diálogo intercultural, es decir, pone

fundadores de la conciencia cultural y literaria del

en relación. Inicialmente, hay que considerar las

continente (OVIEDO, 1991, p. 22), es decir, podemos

fechas de publicación y de la edición que será utilizada

entresacar que el ensayo tuvo una contribución

en esta investigación. El texto dio la estampa en 1993,

relevante para la formación del pensamiento en

pero la edición de 2000 fue hecha por la editorial de

América Latina. En este breve momento no podremos

la Fundação Memorial da América Latina. Sendos

hacer el análisis con más ahondamiento del jugoso

textos cotejados son semejantes, pero el local de

texto de Oviedo, pero podemos destacar algunas

publicación es distinto. El título deja clara la

posibilidades

nuestras

intención de poner en relación Brasil y la América

consideraciones. La primera y la esencial es la

Hispánica. Por supuesto no se puede soslayar el hecho

ampliación del concepto de Latinoamérica con la

del texto remitir por el título para el famoso ensayo

inclusión de los ensayistas brasileños, ya que las

Nuestra América (1891), de José Martí. Sin embargo,

oportunidades teóricas y analíticas son inmensas y

el planteamiento de Candido incorpora Brasil a la

podemos destacar que tanto Rama como Candido ya

América hispánica, ya que por una serie de hechos

lo hicieron con fantásticos resultados. El ensayo La

en el pasado se quedaron separados. Por lo tanto, la

ciudad Letrada (1984), de Rama, por ejemplo, hace

relación entre los ensayos de Martí y de Candido es

el recorrido de la problemática de la ciudad en la

distinta debido a contextos de enunciación

América Latina teniendo en cuenta también que en

específicos.

para

enriquecer

Brasil los sueños de la razón también producen monstruos como la masacre de Canudos o la utopía de Brasilia. Otra sugerencia ofrecida por el estudio de Oviedo sería hacer la sistematización de los principales ensayistas de Brasil y su incorporación de hecho a la historiografía literaria, puesto que en la mayoría de las historias literarias el ensayo no tiene el mismo espacio que los demás géneros. Finalmente, la tarea hercúlea de hacer el contrapunteo del ensayo y de los ensayistas iberoamericanos teniendo en cuenta la especificidad de textos que se configuran como heterogéneos, ya que en el espacio del ensayo colindan fuerzas antitéticas, como lo objetivo y lo subjetivo y que nos sería de inestimable valor para el diálogo cultural entre Brasil y los países de América Latina.

Plantear “nuestra América” para Mar tí significa estar dispuesto a tomar vino de plátano si necesario, o sea, el ensayista está totalmente involucrado con su causa y tiene una toma de posición delante de lo que considera ser una amenaza para su futuro país. La exaltación idealista se configura como la formación de la identidad cubana a través de ideas e imágenes cuya combinación tiene una fuerte carga emocional. Sarmiento con su dicotomía civilización y barbarie ya está superado para Martí: “El mestizo autóctono ha vencido al criollo exótico. No hay batalla entre la civilización y la barbar ie, sino entre la falsa erudición y la naturaleza.” (MARTÍ, 1891, p. 2). La valoración positiva del mestizaje iba contracorriente al determinismo y las ideas de la superioridad europea

Todas las metas propuestas antes solamente

del siglo XIX. En la polémica de América Martí

tienen su conveniencia con la impronta en el

también supo claramente lo que no debía dejar de

pensamiento latinoamericano de jada p or los

fuera y como intelectual activo no estaba confinado

estudiosos aquí mentados. Tranquilamente podemos

a la torre de marfil modernista. Otro punto que

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

997

merece destaque de su ensayo para nuestro cotejo con

parte dos vizinhos, que o suspeitavam de intuitos

Candido es la desconfianza a respecto del vecino del

imperialistas e, depois, também de subserviência aos

norte y de lo que esa actitud puede resultar:

desígnios norte-americanos, em detrimento dos interesses dos países latino-americanos. (CANDIDO,

El desdén del vecino formidable, que no la conoce, es el peligro mayor de nuestra América; y urge, porque el día de la visita está próximo, que el vecino la conozca, la conozca pronto, para que no la desdeñe. Por el respeto, luego que la conociese, sacaría de ella las manos. Se ha de tener fe en lo mejor del hombre y desconfiar de lo peor de él. Hay que dar ocasión a lo mejor para que se revele y prevalezca sobre lo peor. Si no, lo peor prevalece. Los pueblos han de tener una picota para quien les azuza a odios inútiles; y otra para quien no les dice a tiempo la verdad. (MARTÍ, 1891, p. 5)

2000, pp. 20-21). Sin embargo, actualmente podemos plantear que el intercambio cultural y económico está contribuyendo para una mayor apertura del diálogo entre Brasil y los países hispanos. Un ejemplo interesante es la inclusión de la literatura brasileña en una historiografía literaria, a saber, la Historia de la cultura literaria en Hispanoamérica, de 2010, organizada por Dario Puccini y Saúl Yurkievich.

El fragmento citado antes se refiere claramente a Estados Unidos. Hay que destacar que

Sobre el legado ibérico, la mirada de Candido

el desconocimiento de los demás países por parte de

entresaca algunas cuestiones que le sirven para elaborar

los yanquis y sus intenciones imperiales son las

su investigación sobre la recepción de las literaturas

principales amenazas a la autonomía de los pueblos

hispano-americanas en Brasil. Inicialmente nos

hispanoamericanos y en el caso de Martí fue lo que

propone que: “(…) o espanhol tende a super-valorizar

pasó: con su muerte Cuba no se tornó un país

a sua cultura e impor a sua língua, enquanto o

indep endiente sino una suerte de colonia

português aprende docilmente as dos outros.”

estadounidense.

(CANDIDO, 2000, p. 4). Además plantea que no hay cátedras de literatura brasileña en las universidades

El texto de Candido al inicio también plantea

hispanoamericanas y en la actualidad este hecho no se

la problemática del desconocimiento y falta

confirma. Finalmente sugiere que la consolidación de

intercambio cultural entre los países de América

la novela moderna ocurrió primero en España donde

Latina, pero informa más de lo que pasa en Brasil

se producían obras de la talla del Quijote y de la

con relación a Hispanoamérica y no lo contrario. No

picaresca, que puso la literatura española en la

se puede soslayar el hecho que los vecinos

vanguardia, mientras que Portugal estaba involucrado

hispanoamericanos siempre tuvieron una relación

con la épica camoniana que estaba por desaparecer

compleja con Brasil, ya que es el mayor país de

como género. (CANDIDO, 2000, p. 4).

América del Sur y con la mayor población. Las desconfianzas son mutuas y Candido propone que en la actualidad hay una preocupación mayor por parte de Brasil con los países de Latinoamérica que lo contrario. (CANDIDO, 2000, p. 3). De todas maneras reconoce que el pasado histórico de Brasil contribuyó con la situación de aislamiento:

Candido investiga las huellas de la presencia hispánica en Brasil para mostrar que hubo la circulación de ideas y de obras literarias entre los intelectuales brasileños. Podemos decir que su praxis ensayística se basa en la dialéctica, es decir, él hace el contrapunteo de las distintas opiniones de los pensadores de Brasil que son oscilantes con relación

E é preciso não esquecer que o Brasil sempre

a los países hispanoamericanos. Algunos tienen una

foi alvo de desconfiança e mesmo animosidade por

mirada nacionalista que resulta en el rechazo del

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

998

diálogo, como por ejemplo, Eduardo Prado que tiene

americano, animado por uma solidariedade fraterna

recelos del sistema político de Hispanoamérica. Sin

e procurando exprimir a posição ao subcontinente

embargo, en la literatura los diálogos fueron más

espoliado e atrasado.” (CANDIDO, 2000, p. 29).

felices a pesar de la pequeña cantidad de críticos que se dedicaron a las literaturas hispánicas en el siglo XIX, sobresaliendo la figura de José Veríssimo como el principal interlocutor de su tiempo, como comenta Candido:

A guisa de conclusión, podemos verificar que el significado de los términos ensayista y ensayo están totalmente de acuerdo con la praxis de Candido que investigamos antes. Al plantear una perspectiva que está más pegada a su contexto, él logra atravesar la

Bastante pessimista, encarava todo o subcontinente como um universo de miséria, ignorância e violência, incapaz de formular as suas aspirações. Este papel cabia, portanto à pequena elite instruída e civilizada, que poderia formar uma espécie de comunidade esclarecida acima das fronteiras. (CANDIDO, 2000, pp. 13-14).

fina línea que separa el ensayismo de la crítica literaria. Los elementos destacados de Os brasileiros e a Nossa América ofrecen algo a más que el simple estudio erudito o la interpretación textual, ya que surge la toma de posición del ensayista por su enfoque personal. Sin embargo, lo que más importa es el rasgo

Los elementos comentados antes por Candido

seminal del ensayo: su indeleble huella intelectual que

nos indican su recorrido crítico ya que queda de

resulta en nuevos estudios, como atestiguan las

antemano establecido lo que será la trabazón entre

nuevas historiografías literarias basadas en sus

los brasileños y nuestra América, es decir, el puente

hallazgos, principalmente lo de poner las culturas en

del diálogo va a presentarse en una enunciación

relación de contrapunteo. Terminando, estoy seguro

impersonal que sobrepase los prejuicios comunes y

que al plantear estos modestos prolegómenos para

Candido se la encuentra en el pensamiento de Manoel

una nueva historiografía ensayística iberoamericana

Bonfim (1868-1932). La elección de Bonfim y de su

avanzamos por un sendero ya recorrido por brillantes

libro América Latina, de 1905, está coherente con la

investigadores, pero teniendo en cuenta todos los

posición que Candido quiere asumir sobre la

riesgos de la aventura crítica y a sabiendas “(…) que

cuestión, es decir, dedica una lectura atenta para

lo importante es el flechazo, no el blanco.” (LEZAMA

probar que la olvidada obra de Bonfim puede

LIMA, 1977, p. 12).

contribuir con el diálogo entre Brasil y la América hispánica. Inicialmente, la perspectiva adoptada es supranacional, o sea, Bonfim plantea su lugar de

Referencias bibliográficas

enunciación desde el punto de vista latinoamericano y no se limita por el nacionalismo. Otro punto importante de su libro es que el subdesarrollo de

ANDRADE, Mario de (1922): Pauliceia desvairada. São Paulo, Casa Mayença.

América Latina no es causado por la inferioridad del mestizaje de las distintas razas sino por la

CANDIDO, Antonio (2000): Os Brasileiros e a Nossa

problemática social proveniente de la colonización y

América. São Paulo: Fundação Memorial da América

de la esclavitud. Además, el conservadurismo de las

Latina.

élites favorece el estado permanente de retraso del

______. (2012): Formação da Literatura Brasileira. Rio de

continente, como destaca Candido: “Uma das coisas

Janeiro: Ouro sobre o azul.

boas de seu livro é a firme consciencia continental. Ele fala não só como brasileiro, mas como latino-

______. (1993): Recortes. São Paulo, Companhia das letras.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

999

______. (1970): Dialética da Malandragem (caracterização

OVIEDO, José Miguel (1991): Breve Historia del ensayo

das Memórias de um sargento de milícias) En: Revista do

hispano-americano. Madrid, Alianza Cien.

Instituto de estudos brasileiros, nº 8, São Paulo, USP, pp. 67-89.

PIZARRO, Ana (1993): América Latina: palavra, literatura e cultura. Volume 1. São Paulo/Campinas, Memorial/

LEZAMA LIMA, José (1977): Obras completas. Tomo II.

Unicamp.

Madrid: Nova Aguilar. PUCCINI, Dario y Saúl Yurkievich (2010): Historia de la MARTÍ, José (1891): Nuestra América. Publicado en: La

cultura literaria en Hispanoamérica. México/DF: FCE.

Revista Ilustrada de Nueva York, 10 de enero de 1891. El Partido Liberal, México, 30 de enero de 1891. Disponible en http://www.analitica.com/bitblioteca/jmarti/nues tra_america.asp. Consultado el 22/08/2012.

RAMA, Ángel (1984): La Ciudad Letrada. Hanover, Editorial del Norte. ROJO, Grínor (2007): Ángel Rama, Antonio Candido y los

MONTAIGNE, Michel de (1912): Ensayos de Montaigne seguidos de todas sus cartas conocidas hasta el día. París, Casa Editorial Garnier Hermanos, Universidad de Alicante.

conceptos de sistema y tradición en la teoría crítica latinoamericana moderna. En: Revista Caligrama, Belo Horizonte, número 12, pp. 7-33.

Disponible en http://www.cervantesvirtual.com/obra/

SUBIRATS, Eduardo (2004): Siete tesis contra el

ensayos-de-montaigne. Consultado el 22/08/2012.

Hispanismo. En: Revista de Humanidades: Tecnológico

NITRINI, Sandra (1997) Literatura comparada: história, teoria e crítica. São Paulo, Edusp.

Monterrey, número 17, Monterrey, México, ITESM, pp. 149166.

Notas 1

He utilizado el término ‘iberoamericano” a falta de uno mejor que posibilite la incorporación de la Literatura Brasileña a la Literatura Hispanoamericana. Además en mi praxis también considero importante plantear la literatura Española y la Portuguesa como pertenecientes a lo iberoamericano: es una suerte de iberismo del siglo XXI. Sobre este imbroglio terminológico remito al lector el texto de Eduardo Subirats (2004): Siete tesis contra el Hispanismo.

2

Otro investigador del diálogo entre Rama y Candido es Grínor Rojo con su artículo Ángel Rama, Antonio Candido y los conceptos de sistema y tradición en la teoría crítica latinoamericana moderna (2007)

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1000

TRADUÇÃO DE LA CIUDAD Y LOS PERROS: ANÁLISE DA DOMESTICAÇÃO DOS TERMOS MILITARES

Roosevelt Ferreira Colégio Militar de Campo Grande

1. Introdução

autobiográfica, já que o escritor estudou no Colégio Militar Leôncio Prado, onde se passa a história

Quando o assunto é tradução, é sabido o quão

narrada. Com isso, podemos entender que as

difícil é marcar uma fronteira entre a estrangeirização

expressões e os jargões militares utilizados no livro

e a domesticação, já que são duas teorias antagônicas:

eram de seu domínio linguístico. O tradutor da obra

uma foca a aproximação com a língua alvo e a outra se

que ora analisamos, provavelmente, nunca teve

preocupa em manter a originalidade da língua fonte.

nenhuma ligação com o ambiente militar e,

É certo também que nem sempre esses contextos são os responsáveis pelo conceito de

principalmente, com ambientes de escolas militares do Brasil, de modo que pudesse dominar os jargões

tradução boa ou ruim, mais ou menos adequadas, às

militares de nosso país e pudesse fazer um processo

vezes, o nível do conhecimento do tradutor corrobora

de domesticação a contento. (ARROJO, 2007, p. 12)

nesse aspecto. As palavras de (PERISSÉ, 2009, p. 56)

estipula que “o fundamental no processo de tradução

são bem oportunas quando destaca que traduções

é que todos os componentes significativos do original

perfeitas são impossíveis:

alcancem a língua-alvo, de tal forma que possam ser usados pelos receptores”.

Não é difícil ler boas traduções. Mas uma perfeita é praticamente impossível. Sempre haverá deslizes, equívocos, soluções menos acertadas. O original sofrerá arranhões. Cotejar traduções de um texto tem se mostrado, nesta coluna, forma adequada de detectar imperfeições, por maiores que sejam as experiências e intenções dos tradutores. Errar é humano. Ora, os tradutores são humanos. Logo...

É óbvio que este trabalho não objetiva concluir entre certo ou errado e sim realizar uma modesta análise da tradução da Obra de Vargas Llosa “La ciudad y los perros” pelo tradutor Samuel de Vasconcelos Titan Junior, com o intuito primordial de verificar se houve preocupação por parte do

A história narrada por Mario Vargas Llosa na

tradutor na domesticação das expressões e dos jargões

obra intitulada “La ciudad y los Perros” tem um fundo

militares na referida tr adução, já que um

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1001

distanciamento pode dificultar a leitura do texto

pode acarretar uma “deformação” na intenção

traduzido pelos leitores da língua-alvo, ou até mesmo,

comunicativa do texto- fonte. É evidente que as

criar falsos juízos aos leitores que não conhecem ou

intenções e contextos distintos farão que o texto

não tiveram contato com ambientes militares. Ousa-

original e o texto de chegada não sejam exatamente

se, também, sugerir termos militares mais

o mesmo. Segundo (VENUTI, 2002, p. 120) “a

domesticados para a comunidade interpretativa

tradução imita os valores linguísticos e literários de

brasileira.

um texto estrangeiro, mas a imitação é moldada numa língua diferente que se relaciona a uma tradição cultural diferente”.

2. Domesticação X Estrangeirização Diante desse impasse, entendemos então que Quando falamos em tradução, falamos em

a domesticação visa à facilitação da leitura, com

contraste de intenções, valor linguístico e cultural

eliminação de elementos que possam prejudicar o

entre a língua-alvo e a língua-fonte. Esse jogo de

entendimento e a estrangeirização, segundo

intenções e contextos é que formula o conceito do

(CAMPOS, 2009, p. 70), “privilegia o contexto fonte,

processo de estrangeirização e domesticação.

ou seja, o leitor é levado até o texto pela manutenção

A domesticação visa à facilitação da leitura, com eliminação de elementos que possam prejudicar o entendimento, ou seja, o texto original é trabalhado

de características linguístico-culturais do texto-fonte”. Ainda sobre o processo tradutório (VENUTI, 2002, p. 148) revela:

de forma que passe a ser bem entendido dentro no novo contexto linguístico e cultural, em detrimento dos valores culturais da língua-alvo. Já a estrangeirização, busca a manutenção da tradição cultural e linguística do texto-fonte. Merece destaque que nesses processos estão

A tradução forma sujeitos domésticos por possibilitar um processo de espelhamento ou autorreconhecimento: o texto estrangeiro torna-se inteligível quando o leitor ou a leitora se reconhece na tradução, identificando os valores domésticos que motivaram a seleção daquele texto estrangeiro em particular, e que nele estão inscritos por meio de uma estratégia discursiva específica.

subjetivadas as intenções do tradutor e, em outras situações, as do leitor que poderá fazer a escolha do

Esse autorreconhecimento por parte do leitor,

texto traduzido conforme seus objetivos, os quais

bem destacado por Venuti, poderá acontecer a

poderão ser, por exemplo, de realizar um contato mais

contento ou não, de acordo com o nível da

estreito com novas culturas.

domesticação de termos, expressões e jargões.

O grande drama do tradutor é saber onde está a fronteira ou o equilíbrio entre esses dois processos. (BARROS, 2004, p. 71) postula que “uma boa tradução não deve apenas expressar o mesmo conteúdo que o texto de partida, mas fazê-lo como as formas que um falante nativo da língua de chegada utilizaria”.

3. Os termos militares Se focalizarmos as expressões e jargões militares como termos específicos, por que não dizer técnicos, inerentes a uma instituição específica, no caso da obra em questão, relativos ao exército,

Percebemos, então, que esses processos são

podemos, então, ousar mos um passeio pelas

complexos porque adoção de um ou outro contexto

entranhas dos conceitos científicos da terminologia.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1002

De acordo como o Manual de Terminologia,

4. Coleta e análise dos termos militares

em sua primeira acepção, a palavra terminologia significa um “conjunto de palav ras técnicas

A obra analisada para a coleta do corpus foi a

pertencentes a uma ciência, uma arte, um autor ou

sexta publicação, de 2008, de “La ciudad y los perros”,

um grupo social”. No que concerne ao seu objeto,

de Mario Vargas Llosa, da editora “Punto de Lectura”,

dentre outros, está o de...

sob ISBN de número 978-84-663-0915-8.

[..] identificar os termos que designam os conceitos próprios de uma área, atestar o emprego por meio de referências precisas, descrevê-los com concisão, discernindo o uso correto do uso incorreto, e de recomendar ou desaconselhar certos usos, a fim de facilitar uma comunicação isenta de ambiguidades.

Os estudos terminológicos e os estudos da tradução constituem disciplinas autônomas entre si, porém, de acordo com (AUBERT, 1992, p. 14) “a

A leitura da obra foi realizada de forma continua, durante a qual foram selecionados 37 (trinta e sete) termos militares que poderiam necessitar da domesticação para que se aproximasse dos termos utilizados na língua alvo pela comunidade linguística brasileira. Na sequência, foram retirados do livro exemplos de uso dos devidos termos, com as devidas páginas par a futuras ver ificações e aprofundamento dos estudos.

terminologia e a tradução abarcam e se conduzem

A verificação da domesticação dos termos

por caminhos distintos, no fazer tradutório bem

levantados na língua fonte foi na obra “A cidade e os

como no fazer terminológico, esses mesmos caminhos

cachorros”, traduzida por Samuel Titan Júnior,

se cruzam e se entrecruzam”.

publicada pela editora Objetiva, sob ISBN de número

É com essa v isão que percebemos a necessidade dessa ligação “grupo social” e “conceitos próprios de uma área” com a necessidade de se ver as expressões e jargões militares como termos e, sendo

978-85-60281-13-08. Durante a leitura da obra em português foram verificadas as traduções dos termos levantados nos exemplos selecionados na obra em espanhol.

assim, o imperativo de um estudo terminológico com

Na análise das domesticações das traduções

o intuito de se criar um glossário bilíngue específico

dos diversos termos militares selecionados, levou-se

dos ternos militares utilizados na interação social

em consideração o glossário militar internalizado do

mais coloquial, por se tratarem de discursos

autor, deste trabalho, que por se tratar de um militar

mergulhados em uma cultura castrense consolidada

de carreira do Exército Brasileiro com a experiência

histórica e socialmente.

de um largo tempo de vivencia nas escolas militares

O que se propõem com esse trabalho, análise da tradução já realizada e, se for o caso, apresentar sugestões de termos militares mais domesticados, pode ser o inicio da criação de glossário específico.

o abona com uma grande experiência no emprego dos termos utilizados nas escolas militares do Brasil. Dos 37 (trinta e sete) termos militares levantados, apenas 13 (treze) foi considerado como domesticação aceitável, a saber:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Botín – coturno

Fregar a alguien – ferrar alguém

Rosquete – bicha/ veado

Brigadier – chefe de turma

Orden del día – ordem do dia

Saludar – prestar continência

Comedor – rancho

Pajero – punheteiro

Toque de Diana – toque de

Cuadra – alojamento

Prismático – binóculo

alvorada

Estar de turno – estar de serviço

Ropero – armário

1003

Nos demais casos, considerou-se domesticação não aceitável:

Alza y guión (fusil) – alça de mira

Formar – entrar em formação

Perro – cachorro

Brazalete – faixa

Fulbito – partida

Prevención – ponto de guarda

Consignar – deter

Hombrera – dragona

Revista de prendas – revista

Cristina – gorro

Imaginaria – sentinela

Sacón – casaco

Cuadrarse – entrar em formação

Jalar – puxar

Sección – seções

Cuartelero – faxina

Litera – leito

Solapa – lapela/ dragona

Chaparse – pegar-se

Malpapeada – malparada

Tirar contra – fugir

Formación – formação

Parte – relatório

Nota-se que apenas 35% (trinta e cinco porcento) das traduções dos termos podem ser

5. Sugestões de traduções mais domesticadas

consideradas como bem domesticadas, com isso, podemos concluir que houve pouca preocupação por

Conforme objetivo deste trabalho apresenta-

parte do tradutor na domesticação das expressões e

se as sugestões de traduções mais domesticadas, com

os jargões militares na tradução de “La Ciudad y los

as devidas argumentações.

Perros” de Mario Vargas Llosa.

A lza y guión (fusil) "Algunos tienen desviada el alza , el guión, otros están con el interior…" "Alguns estão com a alça de mira meio torta, outros estão com o interior..." "A lguns estão ccom om a alça e a massa não rree guladas, oout ut om o int ..." "Alguns utrr os estão ccom intee r ior ior..." Na tradução foi omitido o termo guión que

no ambiente militar regular a alça e a massa de mira

deveria ter sido traduzido por “massa de mira”, mas

do fuzil. Logo, a melhor tradução seria: “A lguns não

o melhor termo seria o uso de “clicar” que significa

estão c licados ut om o int ... licados,, oout utrr os estão ccom intee r ior ior... ...””

B r azale azalett e "...llevan una linterna y un brazalete morado..." "...levam uma lanterna e uma faixa roxa..." "...le açal rroox o..." "...levv am uma lant lantee r na e um br braçal

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1004 C o nsig nar nsignar

"Gamboa me dejará consignado." "Gamboa vai me deter." "G ambo a vvai ai me p unir ." "Gambo amboa unir." C r ist ina istina "...y la cristina que lleva hundida hasta las orejas..." "...e o gorro que enfiou até as orelhas..."

a “Gorro” é uma boa tradução, mas sugere-se um termo mais genérico que é “cobertura”. “...e a c ob e r t ur ura que eenfio nfio u até as or nfiou oree lhas... lhas...””

Cua dr ar se uadr drar arse "Los tres cadetes se cuadran ante el teniente." "Os três cadetes entram em formação diante do tenente." "Os ttrês rês cade osição de ssee nt ido diant nt e." cadett es t omam a pposição ntido diantee do ttee ne nent nte."

Nesse caso, a sugestão é a tradução de “tomar posição de sentido por se tratar de um termo mais domesticado e também amparado pelo dicionário da Real Academia Espanhola que postula: 17. prnl. Mil. Adoptar la postura de firmes. Cuar uartt e le lerr o "¿Cuartelero?, pregunta Alberto." "Faxina?, Pergunta Alberto." " Fax ine ir o? P axine ineir iro? Pee r gunta Alb lbee r to." C hapar se haparse "Si nos chapan, pago solo y ya está." "Se nos pegam, pago sozinho e pronto." "Se nos pplo lo tam, ppag ag lotam, agoo ssoo zinho e pprr ont ontoo." F or ma ción mación "En la primera formación leerá…" "Na primeira formação vai ler…" "N a pprr ime ir a f or mat ur a vvai ai le r…" "Na imeir ira ormat matur ura ler…" F o r mar "...vestirse, tender las camas y formar." "…vestir, fazer a cama e entrar em formação." "…v est ir m ffor or ma ." "…vest estir ir,, ar arrr umar a cama e e nt ntrr ar eem orma ma."

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1005

F ulb it o ulbit ito "Cuando vengan los otros jugaremos un partido de fulbito" "Quando chegarem os outros, jogamos uma partida." "Quando cche he ut og amos uma p e lada ." hegg ar aree m os oout utrr os, jjog ogamos lada." De acordo com o dicionário da “Real Academia Española”, “fulbito” é: “Partido de fútbol informal y amistoso”. H omb mbrre r a "...y nos quitamos las hombreras para que al pasar..." "...e tiramos as dragonas antes de passar.." "... e ttir ir amos as di o) ppar ar a que ao ppassar assar ..." iramos divv isas (lu (luvv as de ombr ombro) ara assar..." I mag inar ia maginar inaria "Según el reglamento, los imaginarias deben recorrer el patio..." "Segundo o regulamento, as sentinelas devem percorrer o pátio..." "Se gundo o rree gulame nt io ..." "Segundo gulament ntoo, os p lantões de devv e m ppee r c or orrr e r o pát pátio io..." "Entro de imaginaria a la una." "Eu começo de sentinela a uma". "E u ppee g o na hor a a uma". "Eu hora

Há diferença entre o serviço de “sentinela” e

dos cadetes na obra analisada. Por sua vez, o termo

o de “plantão”. O primeiro é é executado na guarda

que se utiliza é “pegar na hora” e não “começar o

do quartel e o segundo, nos alojamentos, que é o caso

plantão ou sentinela”.

J alar "…nunca jala en los exámenes." "…nunca puxa nas provas." "…n unca ssee f o de/s "…nunca de/see ffee r r a nas pprr ov as." Aqui vemos uma tradução equivocada por parte do tradutor que manteve o significado do verbo “jalar” literalmente – “puxar”.

Lit Litee r a "...Vallano, que dormía en la litera superior". "...Vallano, que dormia no leito de cima" "...V al lano mia na b e lic he de ccima" ima" "...Val allano lano,, que dor dormia liche

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1006 Malpap ea da alpapea eada

"Tengo pena por la perra Malpapeada…" "Fiquei com pena da Malparada…" "F ique om ppee na da M al alime ntada ..." "Fique iqueii ccom alimentada ntada..." Par artt e "...todo lo que sé figura en el parte..." "...tudo o que sei consta no relatório..." "...t udo o que ssee i cconsta onsta na p ar "...tudo artt e ..." Pe r r o "La ciudad y los perros" "A cidade e os cachorros" "A ccidade idade e os b ic hos ". ichos hos". Nos ambientes das escolas militares o aluno ou cadete novato é nominado de “bicho” e não de “cachorro”.

P re v e nción "…pues las luces de la Prevención son opacas…" "... pois as luzes do Posto de Guarda são opacas..." "... ppois ois as luz es da Guar da são oop p acas..." luzes uarda

Não se o usa o termo “Posto de Guarda”, o termo em questão quer dizer o local onde ficam os guardas, ou seja, a “Guarda”.

R e v ista d dee p prre ndas "..si no tengo cordones en la revista de prendas de mañana..." "..se eu não tiver cadarços para a revista de amanhã..." "...s u não ttii v e r cadarço ppar ar a a r e v ista de unif or me de amanha..." "...see eeu ara unifor orme

Sacón "Echo sobre sus hombros el sacón de paño." "Jogou sobre os ombros o casaco de lona." "J og os a j ap ona de lona." "Jog ogoo u ssoo br bree os ombr ombros apona

S e c ción "-Desfilen por secciones -ordena Gamboa" "- Desfilem por seções." "- D es file m ppor or p e lo tões ." Des esfile filem lotões tões."

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1007

Nas escolas os alunos ou cadetes são

dicionário da “Real Academia Española”: 7. f. Mil.

distribuídos em “turmas de aula” ou “pelotões”, os

Pequeña unidad homogénea, que forma parte de una

quais são subgrupos de uma companhia ou

compañía o de un escuadrón.

esquadrão. Essa semânt ica é confirmada pelo

Solapa "…se incrustaron en las solapas de su sacón…" "…se incrustaram nas lapelas do casaco…" "…s am nas g olas da túnica/j ap ona…" "…see inc incrr ustar ustaram túnica/jap apona…"

Tir ar cco o nt irar ntrr a "Las contras se tiraban por allí..." "Fugiam por ali..." " D av am o ggoolp or ali"..." lpee ppor

6. Conclusão

Do conjunto terminológico analisado, 37 (trinta e sete) no total, somente 13 (treze) foi

É oportuno e necessário destacar que o objetivo

considerado como domesticação aceitável, o que

desse trabalho não se apropinqua do senso crítico de

confabula com um índice de 35% (trinta e cinco por

concluir se a obra analisada pode ser classificada como

cento).

boa ou ruim nos termos da tradução.

Diante dessa análise, conclui-se que houve

A finalidade, de forma modesta e construtiva,

pouca preocupação por par te do tradutor na

visou apenas a realização de uma análise da tradução

domesticação das expressões e os jargões militares na

da Obra de Vargas Llosa “La ciudad y los Perros” pelo

tradução de “La Ciudad y los Perros” de Mario Vargas

tradutor Samuel de Vasconcelos Titan Junior, de

Llosa.

modo a concluir se houve a preocupação por parte do tradutor da domesticação das expressões e os jargões militares utilizados na obra fonte e apresentar sugestões de termos militares mais domesticados para a comunidade interpretativa brasileira.

Perante tal conclusão, fez-se necessário a apresentação de sugestões de t raduções mais domesticadas aos termos considerados inadequados. Dessa forma, vislumbra-se a necessidade concreta de perceber as expressões e jargões militares como

Obviamente que a domesticação de termos

termos e, sendo assim, o imperativo de um estudo

não deixa de ser um ato bastante abstrato, já que é

terminológico com o intuito de se criar um glossário

notório o quão difícil é marcar uma fronteira concreta

bilíngue específico desses ternos utilizados na

entre a estrangeirização e a domesticação, uma vez

interação social mais coloquial, por se tratarem de

que são duas teorias antagônicas.

discursos mergulhados em uma cultura castrense consolidada histórica e socialmente em nosso país.

1008

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

7. Referências bibliográficas

PERISSÉ, Gabriel (2008): Fisgado pela tradução. Língua Portuguesa. São Paulo: Editora Segmento.

ARROJO, Rosemary (2007): Oficina de tradução. A teoria na prática. São Paulo: Ática.

PAVEL, S., NOLET, D. Manual de Terminologia. Trad. Enilde Faulstich. Disponível em www.fit-ift.org/

AUBERT, Francis Henrik (1992): Problemas e Urgências na

download/presport.pdf. Acessado em 23 de outubro de

Interrelação Terminologia/Tradução. Alfa (ILCSE/UNESP).

2011.

São Paulo. BARROS, Lídia Almeida (2004): Curso Básico de Terminologia. São Paulo: Edusp. CAMPOS, C. O pensamento e a prática de Monteiro Lobato como tradutor. Em: Revista de Estudos Literários, Juiz de Fora, v. 13, n. 1, p. 67-79, 2009. Disponível em http:/ /www.revistaipotesi.ufjf.br/ipotes21.html. Acessado em 31 de outubro de 2011.

VENUTI, Lawrence (2002): Escândalos da tradução. São Paulo: EDUSC.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1009

O QUE DIZEM OS (EX) ESTUDANTES DE UM CURSO DE LICENCIATURA EM LETRAS-ESPANHOL?1

Rosa Yokota UFSCar

Em geral, docentes de curso de licenciatura

em língua espanhola com entusiasmo. Parte deles,

em letras com dupla habilitação (português e

incentivados pela própria estrutura da universidade,

espanhol) se deparam com estudantes ingressantes

ainda ficam presos à ideia de que “querem aprender

que dizem, no começo do curso, que não querem ser

língua” ou “gostam de literatura”, sem estabelecer a

professores, muito menos da língua estrangeira

ponte para o trabalho (DAHER; SANT`ANNA, 2009).

escolhida, o espanhol.

Entre a minoria que se interessa pela carreira de

Ao longo da história, fica evidente que as ações de política educacional no Brasil, em lugar de formar gerações mais interessadas pela educação,

professor de espanhol, muitos não se sentem atraídos pelo trabalho no ensino fundamental e médio, mas sim pela carreira em escolas de idiomas.

causaram a progressiva desvalorização da carreira

Ao finalizar a graduação, em geral, perde-se

(SOBREIRA, 2008). A implantação de novas políticas,

o contato com grande parte dos estudantes e não se

como a ampliação do número de vagas em cursos de

sabe se a carreira profissional que escolheram está

licenciatura e projetos de incentivo à formação

relacionada à licenciatura em espanhol.

docente, para tentar incentivar os estudantes a se interessarem pela profissão, ainda não apresentam resultados e talvez não sejam suficientes para melhorar a situação.

1. Egressos e formandos Apresentamos aqui parte de uma pesquisa 2,

A impressão que tem o docente formador de

em que buscamos ex-est udantes e estudantes

professores da área de língua espanhola e suas

formandos do curso noturno de Licenciatura em

literaturas no decorrer do curso de licenciatura em

Letras com dupla habilitação (português/espanhol)

espanhol é de que, apesar de alguns estudantes

de uma universidade pública do centro do Estado de

manterem a contradição de fazer um curso de

São Paulo e, através de um questionário 3, obtivemos

licenciatura em espanhol e não demonstrarem o

dados sobre suas expectativas ao iniciar o curso e sua

desejo pela car reira de professor desta língua

situação atual como professores de espanhol. A partir

estrangeira, outros passam a dedicar-se à habilitação

das informações e de breves relatos dos informantes,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1010

apresentaremos algumas reflexões sobre o perfil do

ações que possam melhorar o curso de Licenciatura

estudante e sua formação, com o objetivo de traçar

em Letras.

A no IIn n ggrr esso

A no d dee finalização

Ano 2004

No. de Inform. 2

Ano 2009

No. de Inform. 8

2005

10

2010

9

2006

5

2011

2

2007

7

2012

10

2008

15

2013

10

Total:

39

Total:

39

Tabela 1 – Ano de ingresso e de finalização do curso

Trata-se de um estudo pontual de uma

curso noturno e inicialmente pensado para atender ao

realidade particular. Os dados coletados restringem-

estudante trabalhador e local, nota-se que o público

se a questionários respondidos pelos egressos dos

atendido parece ser o recém saído do ensino médio

anos de 2009 a 2011 e pelos que finalizarão o curso

que não estava inserido no mercado de trabalho na

em 2012 e 2013. As respostas foram dadas

época do ingresso na universidade.

voluntariamente por uma parte (39 informantes) dos estudantes e professores contactados.

No que se refere ao ensino médio frequentado pelos informantes, há diferenças importantes no

Além das informações objetivas sobre o

decorrer dos anos. Em números absolutos, há mais

entrevistado e sua carreira profissional, foram feitas

estudantes provenientes de escola privada: 43,68%

perguntas sobre suas expectativas ao ingressar no

eram oriundos de escola pública e 56,41%, de escola

curso, sua formação em língua espanhola, seu

privada. Dos egressos 2009 e 2010, praticamente dois

imaginár io sobre a língua espanhola e as

terços era oriundo da escola privada. Daqueles que

(des)motivações da carreira de professor.

vão se formar em 2012 e 2013, houve equilíbrio entre oriundos de escola pública e privada (50% e 50%). Isso mostra um aumento dos estudantes de escola

2. Dados sobre a idade, o ensino médio e a cidade de origem

pública no ensino superior. Quanto à cidade de origem, há 26 diferentes

A partir das respostas dadas às perguntas

cidades citadas como local de moradia anterior ao

objetivas pudemos verificar que, quanto à idade, a

inicio do curso universitár io. O ingresso na

maioria dos estudantes egressos ou formandos tinham

universidade corresponde à mudança de cidade para

menos de 26 anos ao responder o questionário (89%),

muitos. Predominam os estudantes residentes no

sendo que mais da metade tinham menos de 25 anos

Estado de São Paulo (38), sendo que muitos são

(64%), o que indica que o curso de licenciatura em

oriundos de diferentes regiões do interior (36) e

letras foi/é o primeiro curso universitário deles e que

apenas 2, da capital e região metropolitana. Apenas

possivelmente não houve intervalo significativo entre

um dos informantes residia em outro estado (MG).

o ensino médio e o ensino superior. Apesar de ser um

Somente 8 eram da mesma cidade em que está

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1011

localizada a universidade (20,5%). Por outro lado,

apenas o estudo que se dá em cursos livres de idiomas,

nota-se que parte dos estudantes é oriunda de

em aulas particulares ou em cursos no exterior:

cidades do entorno e em que não há universidades públicas que ofereçam o curso de letras: 9 estudantes

} Sim. Já estudei inglês no CNA

eram de cidades da região (a 100 km de distância

} Estudei em escola de idiomas (Fisk) por 3 anos

no máximo).

} Em escola de idiomas (CCAA) por 6 anos

Pelos dados acima, percebemos que o perfil do estudante é de jovens recém saídos do ensino médio, com aumento significativo dos egressos de escolas públicas e oriundos de diferentes localidades

} Inglês na Cultura Inglesa 7 meses em São Paulo e curso de 1 ano de inglês na Inglaterra } Sim. Inglês. Aulas particulares; 7 anos

do Estado de São Paulo. Tais constatações

Como afirma GRIGOLETTO (2003, p. 233),

demonstram a necessidade da universidade criar uma

“Para eles, esse conceito de língua estrangeira parece

estrutura especial para receber esse público (moradias

estar presente nos cursos de língua em institutos

estudantis, programas de bolsas e estágios, programas

especializados, no mercado de trabalho, no exterior,

sociais etc.)

mas não na escola”. Esses fragmentos emergem, portanto, como evidências de uma imagem que circula na sociedade brasileira segundo a qual a língua

3. A escolha pelo curso de licenciatura em letras

estrangeira que “se aprende” não é a da escola. Os enunciados dos informantes para justificar

A minoria dos entrevistados tinha estudado

a escolha do curso de Licenciatura em Letras com

espanhol entre os ingressantes de 2004 (2 de 8) e de

habilitação em Língua Espanhola permitiram

2005 (2 de 9), entre os que ingressaram em 2007 (4

detectar algumas regularidades, agrupadas em:

de 10) e 2008 (5 de 10), houve um aumento

1) Aprendizagem da língua espanhola

significativo que pode estar relacionado ao aumento do prestígio do espanhol como LE, ao impacto da lei 11.161/2005 e à implantação de novos centros de língua estaduais. Entretanto, não se pode considerar que em São Paulo a lei já esteja implantada, visto que

} Não saber uma língua tão próxima de nós e ter curiosidade em aprendê-la [...]. } Já tinha estudado espanhol por um tempo e gostava muito, oportunidade de continuar estudando.

a oferta da disciplina no EM ainda se restringe aos centros de língua e não houve concurso público para contratação de professores de espanhol estaduais. Em FANJUL (2010), temos um panorama bastante detalhado da situação da implantação da lei no estado

} [...] é bom saber falar mais uma língua estrangeira, parti para o espanhol. } No início foi porque era uma língua diferente das que eu conhecia até então.

de São Paulo. } Me encantei pela língua no primeiro dia de aula na Parece ser que, entre estes informantes, as

graduação.

disciplinas obrigatórias de língua estrangeira do Ensino Fundamental e Médio – no Estado de São

} Eu queria aprender uma nova língua.

Paulo, o inglês– não representam “aprender” ou

} [...] escolhi o curso porque tinha grande interesse

“estudar” uma língua estrangeira e tem validade

em aprender mais sobre língua espanhola e sentia

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1012

que um curso de idiomas não atingia as minhas expectativas. 2) Relações com a língua inglesa4 } Sinceramente? Eu queria fazer inglês, mas quando eu fui chamada as vagas tinham esgotado

Nas respostas relacionadas com a carreira de professor, 27 dos informantes declararam que não queriam ser professores quando começaram o curso (69,3%). Somente 12 (30,7%) afirmaram que desejavam ser professores ou decidiram isso no início do curso. Ao finalizar o curso, entretanto, a situação é inversa à intenção inicial, pois 69,3%, ou 27 dos

} Inicialmente pretendia ingressar na área de inglês

entrevistados, atuam ou atuaram em algum momento

[...] Cursei espanhol em função do sistema de

como professor de espanhol. Somente 12, ou 30,7%,

distribuição de vagas entre línguas [...].

não haviam lecionado a língua estrangeira até então.

} Eu já estava cansada de estudar inglês...

A formação profissional desenvolvida durante

} Não gosto da língua inglesa, escolhi o espanhol por isso

o curso de licenciatura e as mudanças relacionadas ao lugar do espanhol no contexto educacional durante o período possivelmente contribuíram para

} A possibilidade de aprender uma LE, pois meu ensino de inglês na escola nada me representava até então } Como estava com o inglês ‘fraco’ resolvi aprender uma nova língua

tal mudança. Parte da experiência correspondeu à participação em projetos de extensão universitária durante a graduação (17), em que atuaram como monitores em aulas para estudantes da própria universidade ou na educação infantil, em oficinas na

} Optei pelo espanhol por achar mais fácil que o inglês. } Na época, me interessava em ter licenciatura em uma língua diferente daquela que já lecionava (inglês) } Escolhi espanhol porque já estudava inglês em outra escola particular 3) Interesse por literatura } Porque gostava de literatura hispano-americana. } A princípio tive interesse em conhecer as literaturas de língua espanhola. } [...] o motivo de escolher letras não tinha a ver com o estudo de língua estrangeira, mas sim, o estudo sistemático da literatura brasileira. } Interesse em literatura e gramática. 4) Interesse somente pela LM } Queria fazer Letras e não havia a opção de fazer só português } Na verdade, quando prestei para o curso de Letras pensava apenas na língua materna

creche da universidade5. Sobre o que os motivou ou desmotivou a serem professores de espanhol, várias respostas foram dadas. Na tabela 2, estão os temas recorrentes de acordo com a frequência de ocorrência nas respostas dadas ao questionário: Os relatos dos informantes contribuem para uma visão mais clara da situação enfrentada pelos formados pelo curso de licenciatura em espanhol tanto no âmbito profissional quanto em termos de realização pessoal. Nota-se a maior frequência de respostas que indicam a motivação pela carreira, sendo que a maior parte delas se refere a questões de ordem pessoal. Os fatores contextuais, com a existência de projeto de extensão, oportunidades de trabalho, salário, estrutura e corpo docente do curso de graduação, mesmo citados, ficam em segundo plano em relação a questões pessoais. Chama a atenção o fato de que aprender a língua estrangeira é o que mais (des)motiva o licenciado/licenciando e não a carreira de professor em si.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

mot motii v ação

d esmot esmotii v ação

Interesse pela língua espanhola (9)

Não aprender o suficiente na graduação (8)

Gosto por aprender e/ou ensinar (9)

Desvalorização do prof. de espanhol (3)

Realização pessoal (6)

Pouco retorno financeiro (3)

Participação em projeto de extensão (5)

Poucas oportunidades de trabalho (3)

Oportunidade de trabalho (4)

Imagem do espanhol como língua que não precisa ser ensinada (1)

Bons professores durante a graduação (4)

Falta de docentes de espanhol durante a licenciatura (1)

Importância do ensino para o cidadão (3)

Falta de interesse em ser professor (1)

1013

Tabela 2: Respostas recorrentes sobre motivação para ser professor de espanhol

4. Considerações finais

Referências bibliográficas

Os resultados, considerando também as

DAHER, Del Carmen; SANT’ANNA, Vera. (2009) Do otium

mudanças verificadas no perfil dos estudantes

cum dignitate dos cursos de Letras à formação de

ingressantes, contribuem para o planejamento de

professores de línguas. Em: Daher, D.C.; Giorgi, M.C.;

ações integradas nos âmbitos de ensino, pesquisa e

Rodrigues, I.C. (org) Trajetórias em Enunciação e Discurso.

extensão, como: modificações na grade curricular que contemplem tanto a formação linguístico-cultural

Práticas de Formação Docente, Campinas: Claraluz, p. 1127.

dos estudantes quanto ofereçam a oportunidade de

FANJUL, Adrián P. (2010). São Paulo: o pior de todos.

reflexão sobre questões relativas à formação e à

Quem ganha e o que se perde com a (não) introdução do

atuação profissional; o desenvolvimento de projetos

espanhol na escola pública paulista. Em: CELADA, María

de pesquisa na graduação, a implantação de

Teresa, FANJUL, Adrián. P. & NOTHSTEIN, S. Lenguas en

atividades de extensão que propiciem a vivência e a

un espacio de integración. Acontecimientos, acciones,

reflexão sobre a atuação em sala de aula; a

representaciones. Buenos Aires: Editorial Biblos, p. 185-204.

participação de projetos de intercâmbio institucional

GRIGOLETTO, Marisa (2003). Representação, identidade

(nacional e internacional) e a elaboração de projetos

e aprendizagem de língua estrangeira. Em: CORACINI,

de integração universidade-comunidade-escola.

Maria José. Identidade e Discurso. Campinas/Chapecó: Ed. Unicamp/Argos, p. 223-235. SOBREIRA, Henrique G. (2008) A formação de professores no Brasil: de 1996 a 2006. Rio de Janeiro, ed. da UERJ. RODRIGUES, Fernanda S. C; YOKOTA, Rosa (2012) A formação do professor de espanhol no interior paulista: expectativas de ingressantes e realidades de egressos da licenciatura em Letras da UFSCar (artigo no prelo).

1014

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Apêndice Questionário aplicado aos alunos ingressantes entre 2004 e 2008 1) Nome: ________________________________ 2) Ano de ingresso no curso_______ Ano de finalização do curso _______ 3) Idade: ______ 4) Cidade onde mora(va) antes de iniciar o curso: _______ 5) Estudou o ensino médio em estabelecimento: ( ) Público ( ) Particular Obs: ________________________________________________ 5) Prestou outros vestibulares na época? Para outros cursos?Quais? 6) Você estudou espanhol antes de ingressar no curso de licenciatura em Letras – Português / Espanhol? Onde e durante quanto tempo? 7) Você já estudou outra(s) língua(s) estrangeira(s) antes de começar o curso? Qual (is)? Onde e durante quanto tempo aproximadamente? 8) Qual o motivo de ter vindo fazer um curso de licenciatura em espanhol ? 9) Você fez curso de língua espanhola fora da universidade? Onde e durante quanto tempo? 10) O que você acha que é importante para aprender uma língua estrangeira? 11) Quando você começou o curso, pretendia ser professor de espanhol? Isso mudou? O que fez com que você se motivasse ou desmotivasse a ser professor de espanhol? 12) Qual a imagem que você tem do espanhol atualmente? 13) Você dá aulas atualmente? Onde? De quê? 14) Caso seja professor de espanhol ou já tenha dado aulas de espanhol, indicar o nível, quando (ano) e onde (escola pública ou privada/ cidade): ( ) Ed infantil – quando e onde: ( ) Ensino fundamental 1 – quando e onde: ( ) Ensino fundamental 2 – quando e onde : ( ) Ensino médio – quando e onde: ( ) Escola de idiomas – quando e onde: ( ) Aulas particulares – quando e onde

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Notas 1

Comunicação apresentada na mesa coordenada pela Profa. Dra. Kelly Cristiane Henschel P. de Carvalho or mação do pprr of ess or de esp anho stado de São P aulo: pprr o j e tos eem m des nt intitulada: A ffor ormação essor espanho anholl no E Estado Paulo: desee nv ol v ime iment ntoo .

2

Este texto está baseado em uma pesquisa mais ampla sobre o perfil de ingressantes e egressos do curso de licenciatura em Letras com habilitação em língua espanhola de Rodrigues e Yokota (2012).

3

Ver apêndice.

4

A escolha do espanhol por parte dos entrevistados deu-se através de uma relação com outra língua estrangeira: o inglês. Para alguns, a frustração de terem sido incapazes de atingir a vaga que almejavam, para outros, a insatisfação na tentativa de aprendê-la; finalmente, aqueles que já satisfeitos com o inglês, escolheram outra língua estrangeira, o espanhol.

5

Entre os ingressantes em 2004 e 2005 (egressos de 2009 e 2010), nota-se que a grande maioria atua ou atuou como professor de espanhol. Dos 17 egressos, somente 1 nunca deu aulas de espanhol. Além das aulas em cursos de extensão durante a graduação (8), alguns são atualmente professores de ensino fundamental (5) e médio (9) em suas cidades de origem e dão aulas particulares (9). Chama a atenção o fato de que poucos atuem em escolas de idiomas, somente 4. Entre os estudantes em final de curso (ingressantes em 2008), o número de informantes que atua como professor de espanhol é bastante significativo, um pouco mais da metade (11 de 20 estudantes), sendo que os que terminarão o curso em 2013 são a maioria (7) entre os que já atuam, apesar de ainda não terem terminado a licenciatura. Nesse grupo de estudantes, além daqueles que estão engajados como monitores em cursos de extensão universitária (9), alguns já dão aulas no ensino fundamental (1) e médio (1), em cursos de idiomas (2) e também aulas particulares (5).

1015

1016

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

O PRONOME TÔNICO NA PRODUÇÃO NÃO NATIVA DE BRASILEIROS FALANDO ESPANHOL E DE ARGENTINOS FALANDO PORTUGUÊS1

Rosa Yokota UFSCar

A base da nossa reflexão para este trabalho está na pesquisa de GONZÁLEZ (1994), sobre a

(LE), dando especial atenção ao preenchimento ou não do OD anafórico e ao uso de pronome tônico.

inversa assimetria entre o espanhol e o português brasileiro, e nos demais estudos desenvolvidos a partir de então pela própria autora e seus orientandos. Em um desses estudos, YOKOTA

(2007)2

dedicou-se ao

1. Sobre o português brasileiro e o espanhol

estudo do Objeto Direto (OD) na produção oral e escrita de aprendizes adultos de espanhol como língua

Em pesquisas de GONZÁLEZ (1994) e

estrangeira (ELE) em contexto de curso de idiomas

GROPPI (1997) 4, entre outras, verificou-se que o PB

para universitários na capital paulista. Em YOKOTA

e o E evoluíram de forma distinta: no PB há uma forte

(2011) 3, passou-se à reflexão sobre o preenchimento

tendência à omissão do objeto direto (OD) anafórico

do OD anafórico não só na produção em ELE, mas

enquanto que no E, o seu preenchimento é

também na produção em português como língua

predominante. Entretanto, em nenhum dos dois casos

estrangeira (PLE). A partir deles, pretende-se focalizar

as opções são absolutas.

a questão do uso do pronome tônico para ocupar o lugar argumental do OD anafórico na produção não nativa oral de estudantes brasileiros de ELE e argentinos de PLE a partir de corpora das pesquisas de YOKOTA (2007), de YOKOTA (2011) e de SILVA (2010).

Entre o E e o PB existe o que foi denominado por

GONZÁLEZ

(1994)

como tendências

inversamente assimétricas, ou seja, ambas são línguas assimétricas5, porém em sentido contrário no que se refere ao preenchimento vs. apagamento dos argumentos do verbo (sujeito / complemento(s)).

Para tanto, retomaremos brevemente alguns estudos sobre o português brasileiro (PB) e sobre o espanhol (E) para contextualizar a situação dessas línguas como primeira língua (L1) ou língua materna (LM), para então passar a apresentar dados sobre a aprendizagem das mesmas como língua estrangeira

Exemplos: a.1 – Onde você viu o João? Eu Ø vvii no cine ma cinema ma. / Eu vi ele no cinema. / Eu o vi no cinema. a.2 – ¿Dónde viste a Juan?

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

* (Yo) Ø vi en el cine./ * (Yo) vi (a) él en el n eell ccine ine cine./ Ø L Loo vvii een ine. * = agramatical6 Outro fato importante é que nos dois idiomas o argumento interno anafórico, o objeto direto, sofreu processos de mudança na estrutura sintática. Essa mudança se refere à gramática interna e não somente à realização externa. A permeabilidade desse item gramatical é evidenciada pela variabilidade nas suas realizações e pela inconstância nas intuições dos falantes nativos verificável em estudos diacrônicos e sincrônicos. Trata-se, portanto, de um item gramatical instável tanto na LM quanto na língua em processo de aprendizagem do estudante brasileiro de espanhol/ LE (ELE) e que, supostamente, apresentará grande variabilidade nas realizações em produção não nativa, como detectou YOKOTA (2007).

2. A gramática do aprendiz de língua estrangeira

1017

de preenchimento do OD anafórico do PB ainda presentes no ensino formal e nos textos escritos, formas estas que se contrapõem à da gramática nuclear parametrizada do PB, segundo GALVES (2001). As mudanças pelas quais a estrutura do OD no PB e no E passaram indicam um item permeável da gramática, o que nos leva a crer que no caso de aprendizagem de uma LE será um tema sujeito à instabilidade na produção. MEISEL (1991 apud KATO, 2005), baseado em evidências comportamentais e linguísticas, defende que no caso da L2 há aprendizagem e não aquisição: Do ponto de vista comportamental, a aprendizagem de L2 é mais vagarosa, mais consciente e sensível à correção e a dados negativos. Do ponto de vista lingüístico, as propriedades associadas a um único parâmetro não são necessariamente adquiridas juntas como em L1. Sua conclusão é de que a aprendizagem se dá por regras e não por Princípios e Parâmetros (KATO, 2005, p. 140)

As mudanças pelas quais passou tanto o E quanto o PB e que ainda estão presentes na periferia

Para compreender a aquisição do ELE e do

marcada das gramáticas de seus falantes nativos

PLE, consideraremos o conceito de periferia marcada,

podem fazer com que dur ante o processo de

no âmbito dos estudos gerativistas, em especial, em

aprendizagem de ELE e PLE por esses falantes surjam

KATO (2005).

estruturas peculiares que pretendemos compreender

Considerando que a Língua I7 (língua interna, intensional e individual de acordo com CHOMSKY

e que talvez revelem peculiaridades sobre a estrutura do argumento interno do verbo das próprias LMs.

(1981 apud KATO, 2005)) é constituída por uma gramática nuclear e uma periferia marcada, a periferia abrigaria fenômenos de empréstimo,

3. A realização do OD anafórico na produção não nativa

resíduos de mudanças, invenções, etc. O conceito de periferia marcada ajuda a explicar a aprendizagem de uma “segunda gramática” a partir do input

As amostras de que dispomos para este estudo são produções orais dos seguintes grupos:

ordenado escolar ou da imersão em textos escritos, ou seja, nos casos de letramento e de aprendizagem

Grupo de aprendizes de ELE:

de uma LE. Na periferia marcada estariam formas que

1) Pesquisa de Yokota (2007): 11 estudantes

sofreram mudanças na LM, como é o caso das formas

universitários, de 20 a 30 anos, moradores da

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1018

cidade de São Paulo, tiveram mais de 300 horas

produzidas durante atividades em sala de aula. A

de aulas de espanhol em curso de idiomas.

outra amostra de ELE, de 20098, foi coletada durante atividade oral entre entrevistador e participante que,

2) Coleta de 2009: Grup o de 4 aprendizes de

inicialmente, fazia parte da avaliação individual dos

espanhol, estudantes de licenciatura em Letras, do

participantes para uma disciplina do curso de

centro do Estado de São Paulo, tinham de 20 a 25

licenciatura em Letras e mais tarde passou a ser usada

anos e tiveram aproximadamente 360 horas de

na pesquisa por apresentar características textuais e

aula de LE no curso de graduação.

temática semelhantes aos da coleta de dados de SILVA (2010). A atividade proposta era uma entrevista sobre

Grupo de aprendizes de PLE:

um filme visto anteriormente pelo participante. 1) Pesquisa de SILVA (2010): Grupo de 4 aprendizes de português, estudantes de curso de formação de

Os dados das realizações de OD na produção

professores em Concórdia (Argentina),tinham

das três amostras estão resumidos na tabela 1, a seguir,

entre 20 e 30 anos e tiveram aproximadamente

em que se optou pelo uso da porcentagem para que

1000 horas de aula em português.

os dados fossem comparáveis:

No caso da coleta realizada por YOKOTA (2007), a amostra de ELE se refere a produções orais Prod Oral

Pron Átono

Clit. Neut

SN Anaf

SO

Dem. Neut

Num

Pron Tônico

[e]

ELE (2007)

28,17%

2,76%

15,49%

1,66%

2,21%

0,55%

-

49,17%

ELE (2009)

38,1%

2%

12,2%

2%

4,8%

4,8%

-

36,7%

PLE

5%

1%

18%

3%

10%

-

19%

44%

Tabela 1: Tabela informativa dos dados obtidos na produção oral dos informantes

3.1. A produção em ELE dos estudantes brasileiros

b1 – E: ¿Has visto varias veces la película? Lcp42008: ø He visto tres veces. Tres veces

Na produção em ELE, chama a atenção o alto índice de elipse de OD na produção oral dos informantes. No caso dos estudantes de ELE do curso de licenciatura, as omissões são menos frequentes que as realizações, possivelmente uma das causas é a formação específica em Letras, que os faz estar mais

creo… que ya ø había visto en el primer año y en ese año ø he visto tres veces. b.2 – Ccp42008: … y él llama a Infante para que lo pegue también pero no ø hace… él ayuda a Machuca.

atentos à correção linguística que o grupo formado

Entretanto, é impor tante notar que há

por estudantes de outros cursos. Exemplos de ELE

realização de ODs anafóricos através de diferentes

(2009):

formas entre os estudantes de ELE, o que demonstra

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1019

uma aproximação à estrutura do E, em que o lugar

ella la vi en …/La vi a ella en la fiesta ayer), que

argumental de OD normalmente é preenchido.

poderia ser a ocasião de se ensinar o uso de tônicos

Pronome Átono: c.1 – Fcp42008: ... su familia tiene una madre una hermana con un niño que su marido ha dejado la ha dejado... y ella (...) mantiene la casa sola... c.2 – Fcp42008: y su amiga Luci… cuando llegan a Estados Unidos… una de las pepas se rompe en su estómago y Maria consigue sacar las pepas y ella las lava y (…)

no español, é rara nas aulas de ELE; II) é uma forma muito saliente que não se acomoda na cadeia sonora do espanhol de estudantes com mais domínio do idioma; III) em PB, ainda há input suficiente na educação formal e em alguns contextos que indica a inadequação do uso do pronome tônico como OD em determinados registros.

Demonstrativo Neutro: d – Lcp42008: Porque Gutiérrez queria hacer una crítica social, no? Criticar la sociedad y creo que Fidel no ha entendido eso eso,, no? Clítico neutro: e – Lcp42008: … que papiel papel tiene en la historia no lo he pensado… Uso de Sintagma oracional: f – Fcp42008: ... (Luci) ya había viajado antes

3.2. A produção em PLE de estudantes argentinos Na produção em PLE, o alto índice de elipse de OD (44%) e o baixo índice de preenchimento com pronome átono (5%) são dados que chamam a atenção. No exemplo (g), em que há uso de pronome átono, entretanto nota-se que o pronome está em posição proclítica ao verbo auxiliar, posição típica no espanhol e diferente do que seria em PB:

dos o três veces y ella enseña a Maria como tragar las

g – LV0202442: É... foi o caso do... desse

las pepas de droga con … uvas grandes y ella intenta

triângulo que eu não entendia quando ele Ø desenhou

ar las dr o g as (…) hasta conseguir t r ag agar dro

mas que... depois que passou o fato... se entendeu que

A forma mais inovadora de OD no PB, o pronome tônico, não é usada pelos aprendizes de ELE,

ele já o tinha desenhado... ele já sabia o que ia ... ia fazer e...

mas a omissão, que é um fenômeno do séc. XIX,

Há casos de elipse na produção em PLE que

segundo CYRINO (1997), que já faz parte da gramática

correspondem a contextos em que em E, também

do PB, sim. Sabemos que há pouco ou nenhuma

seria obrigatória, como em (h.1), em que o SN

instrução sobre a omissão de OD no ensino de ELE e

referente não está determinado. Em (h.2) a segunda

o fato de ser uma forma não saliente sonoramente

omissão é possível, visto que se trata de um verbo

dificulta ainda mais a aprendizagem se ela depender

que semanticamente permite o lugar argumental de

somente da percepção do uso em contexto.

OD não realizado.

Quanto ao não uso do pronome tônico (“vi a él”), deve-se considerar que:

h.1 – (DV0213151): (...) Faltava dinheiro, tinham que tirar ø de algum ... de algum lugar, não?

I) a instrução sobre o uso de estrutura

h.2 – (DV0213151): Porque se ele tinha

duplicada (¿Alguien ha visto a Maria y a Carlos? A

percebido que é... o Pacu... acho que não ia matar ø.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1020

Mas... bom a tradição é mais forte e... acho que no

diferenças em relação ao PB, pois as formas mais

final... ele ia matar ø de qualquer jeito porque (...)

salientes sonoramente são as mais utilizadas, ou seja,

h.3 – (MV0093724): bom... depois é... à noite então ele decidiu é... ir ao circo e... e levou o irmão dele.... No começo não queria ø mas... finalmente (...) h.4 – (LV0202442): (...) depois que ...ela já sabia que o André espiava ø e tudo mais.. é... bom... aí sim estuvo bem (risos) O preenchimento, entretanto, é a forma

SN anafórico, pronome demonstrativo neutro e pronome tônico, e a omissão, apesar de alta, não chega a ser tão frequente como em PB. O alto índice de preenchimento do OD através do pronome tônico indica não só a tentativa de aproximação ao PB, mas a ne cessidade de preenchimento do lugar argumental do verbo, característica do E:

predominante no PLE, mais de 55%, sendo que entre o uso de SN (exemplo i), demonstrativo neutro (exemplo j) e pronome tônico (exemplos k),

4. Considerações finais

predomina a última forma (19%). i – DV0213151: (...) Acontece que eu assisti o filme com outros... com outras pessoas. Não assisti o filme sozinho assim é... é... no qual eu tenho tempo de assistir Ø tranquilo ouvir Ø tranqüilo. j – MV0093724: Acho que era um acordo, ou uma coisa assim que eles é... respeitavam isso. (referente SN)

Na produção em LE de brasileiros aprendendo o espanhol e de argentinos aprendendo o PB, podemos notar que os estudantes considerados proficientes apresentam formas peculiares de preenchimento do argumento interno do verbo transitivo, o OD anafórico. Isso faz com que eles, ao mesmo tempo, se distanciem e se aproximem da língua alvo.

k.1 – GV0163018: E... não se sabe se é

O pronome tônico “él/ella (s)” e “ele/ela (s)”,

realmente livre, se mostra ele saindo conhecendo o mar,

que em geral cumpre a função de sujeito oracional,

mas fica por aí o filme (...)

quando em função de OD em E e PB como línguas

k.2 – MV0093724: Por exemplo quando entrou Tonho tudus olharam ele e ficaram mudos... não disseram não. k.3 – MV0093724:... o Tonho lhe diz a ela olhando aos olhos que... que ele nunca vai esquecer desse dia e também não vai esquecer dela. E nesse momento é... o homem que estava com ela chama ela, então ele decide voltar a casa. É ... então ele volta a casa, encontra a família toda trabalhando, então a família quando vê ele para de trabalhar.

estrangeiras, revelam, no caso dos brasileiros que aprendem o espanhol, o distanciamento da LM (em que o uso está se expandindo) por seu não uso, mas ao mesmo tempo, a aproximação à mesma em razão da categoria vazia. No caso dos argentinos que aprendem o português, o uso muito frequente de pronomes tônicos com função de OD revela, por um lado, a percepção de uma característica do PB e uma aproximação a esta variedade, mas por outro, a aproximação à própria língua materna, visto que o

O preenchimento do lugar argumental do OD

uso de uma forma realizada materialmente para o

no PLE é mais frequente que a omissão, sendo que a

preenchimento do lugar argumental do verbo é uma

forma de preenchimento não corresponde a da LM

característica do E e o uso registrado nos dados de Silva

do aprendiz (a forma átona). Além disso, apresenta

(2010) estão muito acima do uso em PB como LM.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1021

Apresentamos aqui algumas reflexões

KATO, Mary A. (2005) A gramática do letrado: questões

baseadas em amostras que consideramos indiciais9,

para a teoria gramatical. Em: MARQUES, M.A. et. al. (org)

porém que podem abrir caminho para estudos mais

Ciências da linguagem: trinta anos de investigação e ensino.. ,

amplos sobre o E, sobre o PB e sobre a aprendizagem

p. 131-145, Braga: CEHUM (Univ. do Minho)

dessas duas línguas como LEs.

SILVA, Laís Santos da. (2010) As formas de preenchimento do objeto direto na aprendizagem de português/LE.. 84f. Relatório (Relatório de Iniciação científica) CNPq/

Referências bibliográficas

UFSCar, São Carlos.

CYRINO, Sonia I. (1997) O objeto nulo no português do Brasil. Londrina: Ed. da UEL.

TARALLO, Fernando. (1996) Diagnosticando uma gramática brasileira: o português d’aquém e d’além-mar ao final do século XIX. Em: ROBERTS, Ian.; KATO, Mary

GALVES, Charlotte C. (2001) Ensaios sobre as gramáticas

A. (org) Português brasileiro, p. 69-106, Campinas: Ed

do português. Campinas: Ed. Unicamp.

Unicamp.

GONZÁLEZ, Neide T. Maia. (1994) Cadê o pronome? O gato

YOKOTA, Rosa. (2007) O que eu falo não se escreve. E o

comeu: os pronomes pessoais na aquisição/aprendizagem do

que eu escrevo alguém fala? A variabilidade no uso do objeto

espanhol por brasileiros adultos. 451f. Tese (Doutorado em

direto anafórico na produção oral e escrita de aprendizes

Semiótica e Linguística Geral) DL/FFLCH/USP, São Paulo.

brasileiros de espanhol. 219f. Tese (Doutorado em Letras)

GROPPI, Mirta. (1997) Pronomes pessoais no português do

FLM/FFLCH/USP, São Paulo.

Brasil e no espanhol do Uruguai. 152f. Tese (Doutorado em Letras). DLCV/FFLCH/USP, São Paulo.

Notas 1

Comunicação que fez parte da mesa coordenada pela Profa. Dra/ Neide T. Maia González intitulada E st udos eem m ttor or no de uma ttes es e: E sp anho or asile ir nt studos orno ese: Esp spanho anholl e P Por ortt uguês Br Brasile asileir iroo, línguas in invv e r same sament ntee assimét assimétrr icas.

2

Pesquisa de doutorado desenvolvida sob orientação da Profa. Dra. Neide T. Maia González e defendida em 2007. A pesquisa foi financiada por uma bolsa CNPq (processo 140174/2003-06).

3

Comunicação: Considerações sobre o objeto direto anafórico a partir da aprendizagem do espanhol/LE e do português/LE: o uso do clítico neutro e do demonstrativo neutro, apresentada no VII Congresso Internacional da Abralin realizado em 2011, em Curitiba.

4

Cito GONZÁLEZ (1994) e GROPPI (1997) por serem trabalhos essenciais sobre o tema e pioneiros, porém ambas continuam pesquisando, orientam outras pesquisas e publicaram outros trabalhos sobre o tema.

5

TARALLO (1996, p. 52), ao dedicar-se às diferenças entre a variedade brasileira (PB) e a européia (PE) do português, refere-se ao comportamento assimétrico entre sujeito e objeto.

6

As formas consideradas agramaticais no espanhol são encontradas na produção em ELE, mas não de forma tão frequente como se supunha a princípio.

7

Chomsky (1981) contrapõe o conceito de Língua-I ao de Lingua-E. A Língua-I é interna por ser uma representação mental; intensional porque o conhecimento não é constituído de um conjunto extensional de sentenças, mas de propriedades (princípios e parâmetros); e individual porque não vê a língua como

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1022

objeto social, político ou geográfico. Ao objeto de estudo que se contrapõe ao seu, Chomsky chama de Língua-E (Externa e Extensional) (KATO, 2005, p. 133). 8

Gravação feita em 2008, selecionada em 2009 (por isso, identificou-se a amostra como de 2009) e analisada posteriormente.

9

As amostras foram produzidas por um pequeno grupo de estudantes em contexto bastante específico: em cursos de formação de professores. As características e o número restrito de informantes não permite fazer generalizações.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1023

PALABRA Y PODER EN EL SUEÑO DEL PONGO, DE JOSÉ MARÍA ARGUEDAS

Roseli Barros Cunha Universidade Federal do Ceará (UFC)

El sueño del pongo, Pongoq Mosqoynin publicado por el peruano José María Arguedas (1911-

permitiría verificar la superación de la tendencia a encerrar la:

1969) en versión bilingüe, quechua-español, en 1965, fue elaborado a partir de un relato oral recogido por él en una de sus investigaciones antropológicas: “[e]scuché este cuento en Lima (…). El indio no cumplió su promesa de volver y no pude grabar su versión, pero ella quedó casi copiada en mi memoria”. (ARGUEDAS, 2009, p. 125) Además de intentar grabar la versión recogida,

(…) tradición en la profundidad de un tiempo que semejaba ser arqueológico, presuponiendo – además – que aquéllas literaturas habían dejado de producirse con la conquista. Sólo mucho después la insólita articulación de los aportes de la filología amerindia con los de la antropología puso en evidencia la importancia de las literaturas nativas coloniales y modernas y la consecuente necesidad de incluirlas como parte de todo el proceso histórico de la literatura latinoamericana – y no sólo en su primer tramo. (CORNEJO POLAR, 1994, p. 14)

Arguedas buscó otras versiones y el reconocimiento de otros investigadores. Todo eso él aclara a su lector

Indudablemente los trabajos antropológico y

en la pequeña introducción que le hace al cuento

literario de Arguedas contribuyeron para este cambio

(2009, p. 125). Comenta aún que no estaba seguro

de visión. Ya en “El monstruoso contrasentido”,

si el relato era un tema originariamente quechua,

publicado en 1962, trata de la continuidad que habría

aunque le hubiera sido narrado en ese idioma. Como

desde las manifestaciones culturales indígenas más

se sabe, ése fue utilizado por los españoles como

remotas a las épocas en que estaba actuando y

lengua gene ral par a la e vange lización y

explicita que su intención era la de demostrar que en

alfabetización tanto en las regiones costeñas como

algunas artes la producción poshispánica era más rica

en las serranas y selváticas de Perú en la época

y vasta que la antigua “porque asimiló y transformó

colonial (ALCINA FRANC, 1989, p. 9). Tampoco le

excelentes instrumentos de expresión, más perfecto

fue posible precisar la época en la cual se había

que los antiguos.” (ARGUEDAS, 1993, p. XIX). Para

originado el relato. Por eso, según la propuesta de

él, ese proceso demostraría la capacidad de

Cornejo Polar, se puede pensar que en el cuento

sobrevivencia y adaptación de la cultura indígena y

reelaborado hay la actuación de tiempos variados

mestiza a la vez que la absorción de elementos de la

(1994, p. 18) y, consecuentemente, su análisis

española en la manifestación cultural de aquel

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1024

momento. Lo que en términos literarios no deja de

Esa mescla y diversidad registrada p or

se asemejar al proceso de transculturación narrativo

Arguedas fue ignorada por los españoles al tomar

destacado por Ángel Rama (1982) a partir de la obra

contacto con la producción indígena en la época de

antropológica del peruano y más específicamente de

la colonización. Walter Mignolo considera que había

Los ríos profundos (1958). Sería la palabra

por parte de la cultura española la celebración de la

sobreviviendo por medio de la transmisión oral a lo

letra y la tiranía del alfabeto, lo que no le permitía

largo de los tiempos. Propuesta desarrollada en una

“comprender otros sistemas de escrituras ni las

mayor complejidad por Cornejo Polar al “historiar

equivalencias entre las memorias inscriptas en el

la sincronía”, a la cual explica como “trabajar sobre

cuerpo o en el libro.” (1993, p. 546). Según el

secuencias que, pese a su coetaneidad, corresponden

estudioso argentino, los colonizadores utilizaban las

a ritmos históricos diversos” (1994, 18).

“teorías de la letra y de la literatura” y así imponían

En su muy conocido estudio acerca del período colonial de América, Tzvetan Todorov refuerza que a pesar de no poseer escrita los incas utilizaban un sistema nemotécnico bastante elaborado de cordeles

el concepto de letra y de literatura que predominaba en Europa y en España en los siglos XVI y XVII y su necesidad de interpretar las prácticas discursivas, orales y escritas, de los amerindios.

(1991, p. 78). El pensador búlgaro comenta también

Colabora con esa idea la referencia que

sobre la importancia y presencia de la oralidad entre

Cornejo Polar hace al modo como la escritura ingresó

los aztecas en México, reflexión que puede ser llevada

en la región andina, no exactamente como un sistema

a la región andina de Perú, culturas donde la palabra

de comunicación “sino dentro del horizonte del orden

está en el origen del mundo y por eso “as práticas

y la autoridad, casi como si su único significado

verbais são altamente estimadas (...)” (TODOROV,

posible fuera el Poder” (1994, p. 48). Rama recuerda

1991, p. 74). Martin Lienhard es más enfático, afirma

que Arguedas estuvo relacionado de modo muy

que en esas colectividades hay indiscutiblemente una

próximo a las culturas ágrafas donde la palabras es

gran importancia: “(…) a ciertas prácticas discursivas

“(…) privilegiado instrumento de elaboración

socialmente estables y de g ran sofisticación,

cultural, se emplea con la reverencia y laconismo de

fundamentalmente orales, que podremos llamar

un valor superior, reconociéndosele capacidad

‘literatura’ (en sentido no etimológico) o ‘arte verbal’.

encantatoria, poder sobrenatur al y alcance

(1993, p. 43).

sacralizador.” (RAMA, 1982, p. 235)

Para las responsables por la reedición de “El

Llevando en consideración estos estudios, la

sueño del pongo” Arguedas lo elaboró: “(…) a partir

intención es analizar cómo la palabra – hablada o la

de una narración oral, como muestra de su aporte en

escrita – se relaciona con el poder en “El sueño del

cuanto a la recuperación etnográfica de la cultura

pongo”.

popular.” (2009, p. 46). El peruano evidencia la mescla de la cual él resultó: por un lado el registro de una

Primero es necesario recordar que la palabra

historia oral creada por una comunidad, por otro,

“pongo” en Bolivia y Perú identifica al “indio que hace

fruto de su inventividad como productor cultural:

de criado” (MOLINER, 1997, p. 802) además de

“Hemos tratado de reproducir lo más fielmente

“indígena que trabajaba en una finca y estaba

posible la versión original, pero, sin duda, hay mucho

obligado a servir al propietario, una semana, a cambio

de nuestra ‘propia cosecha’ en su texto; y eso tampoco

del permiso que este le daba para sembrar una

carece de importancia” (ARGUEDAS, 2009, p. 125).

fracción de su tierra” (REAL ACADEMIA, 1998, p.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1.638). Por tanto un individuo indígena o de ese origen que trabajaba para el dueño de una hacienda, a su vez considerado blanco o “misti”: (…) se designa con ese nombre a los señores de cultura occidental o casi occidental que tradicionalmente desde la colonia, dominaron en la región, política, social y económicamente. Ninguno de ellos es ya, por supuesto, de raza blanca pura ni de cultura occidental pura. Son criollos. Los indios dan a los mestizos el nombre ‘mediomisti’, o tumpamisti, que tiene la misma significación. (ARGUEDAS, 1975, p. 35)

1025

Pero ... una tarde, a la hora del Ave María, cuando el corredor estaba colmado de toda la gente de la hacienda, cuando el patrón empezó a mirar al pongo con sus densos ojos, ése, ese hombrecito, habló muy claramente” (p. 133).

No solamente pide la palabra como lo hace claramente, hecho que contrasta con su mudo espanto de siempre. Sin embargo, eso ocurre de modo ritualizado y humilde: “– Gran señor, dame tu licencia; padrecito mío, quiero hablarte – dijo”. Cuando el patrón duda no se inhibe: “– Tu licencia, padrecito, para hablarte. Es a ti a quien quiero

Arguedas aclara el sentido de la palabra en el propio contexto: “Como era siervo iba a cumplir el

hablarte – repitió el pongo.” (p. 133). Así empieza por primera vez en el cuento un diálogo.

turno de pongo, de sirviente en la gran residencia.” (2009,131) 1. Nadie, incluso, se refiere a él por su

El pongo desea contarle algo al patrón: “Soñé

nombre. Está siempre marcado por su condición

anoche que habíamos muerto los dos, juntos, juntos

social – pongo (en otros momentos siervo) –, por sus

habíamos muerto.” (p. 133). En el sueño – que puede

características físicas – hombrecito –, e, irónicamente

ser entendido, en un primer momento, como siendo

por el patrón: “¿Eres gente u otra cosa?” (p. 131).

real, pero también como un subterfugio metafórico del siervo para hablarle al patrón sin sufrir represalias

El narrador, a su vez, se refiere al pongo con una mezcla de desprecio y pena: “[e]ra pequeño, de

(o por lo menos intentarlo) – estaban en iguales condiciones.

cuerpo miserable, de ánimo débil, todo lamentable; sus ropas, viejas” (p. 131). Sin embargo, hasta el

Si antes era el narrador quien nos contaba las

momento en que él pide la palabra (ya en la mitad

reacciones del indígena y su falta de voz, ahora es él

del cuento) quien le da voz es el narrador: “[e]l

quien da voz a “nuestro gran Padre San Francisco”. Por

hombrecito no hablaba con nadie; trabajaba callado;

medio de las palabras de la sincrética entidad el pongo

comía en silencio. Todo cuanto le ordenaban,

reacciona pacíficamente al modo como es tratado. No

cumplía. ‘Sí papacito; sí mamacita’, era cuanto solía

se sabe, una vez que el cuento termina antes, cuales

decir” (p. 131).

fueron las consecuencias de tal iniciativa. Sin embargo,

El hecho que más desconcierta al narrador es la falta de la voz del pongo sea al no comunicarse con el patrón o con los otros colonos. Hecho que no deja de ser contradictorio visto que es él quien habla por el pongo o nos cuenta sus reacciones. Hasta que finalmente tanto los otros personajes como el

en principio él no puede ser castigado pues solamente reproduce las órdenes del santo a dos ángeles y más, en un sueño. El narrador abre espacio en su narrativa para que ocurra el discurso directo y el pongo, siempre reforzando que las palabras no son suyas, cuenta su historia: “(…) nuestro Padre dijo con su boca” (p. 133).

narrador y nosotros lectores somos sorprendidos. Esa

La dualidad entre superior-subalterno, en la

sorpresa se refuerza en el modo como el narrador

tierra, se reproduce entre el santo-ángeles y santo-

comenta la solicitación de la palabra por el

patrón/pongo, a lo que parece, igualados en el cielo

subalterno:

por la muerte. El santo no tiene simpatía por ninguno de los dos ángeles, aunque demuestre un gran

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1026

desprecio al referirse al ángel viejo, o por lo menos es así que el narrador se nos presenta:

Ya, de acuerdo con investigaciones realizadas por Arguedas mismo, esta posibilidad aparecería como poco probable en el imaginario de algunas

Un ángel que ya no valía, viejo, de patas escamosas, al que no le alcanzaban las fuerzas para mantener las alas en su sitio, llegó ante nuestro gran Padre; llegó bien cansado, con las alas chorreadas, trayendo en las manos un tarro grande. “Oye, viejo – ordenó nuestro gran Padre a ese pobre ángel – embadurna el cuerpo de este hombrecito con el excremento que hay en esa lata que has traído; todo el cuerpo, de cualquier manera; cúbrelo como puedas.” (p. 134)

Arguedas reconoce la persistencia de ese

comunidades indígenas remanecientes: Toda la literatura oral hasta ahora recopilada demuestra que el pueblo quechua no ha admitido la existencia del “cielo”, de otro mundo que esté ubicado fuera de la tierra, y que sea distinto de ella y en el cual el hombre reciba recompensaciones que reparen las “injusticias” recibidas en este mundo. (…) Toda reparación, castigo o premio se realiza en este mundo.” (ARGUEDAS, 1975, p. 181)

dualismo en sus investigaciones antropológicas:

En el cuento no ocurre un cambio de roles

“puede hablarse de antagonismo –, entre el indio y el

reparador de las injusticias ni en la tierra ni en el cielo,

español, que continúa con el del indio y el misti (…)”

sin embargo, del mismo modo contenido, respetoso

(1975, p. 178). Así como sobrevive la maniquea idea

y un tanto sumiso con que el pongo sorprendió a sus

de que el poderoso sería naturalmente y por derecho

oyentes (o lectores) contando su sueno él lo encierra:

malo, incluso las entidades indígenas. El peruano relata que preguntó al auki y regidor de Pichqachuri por qué el wamani, dios de la montaña, era bravo y registra la siguiente respuesta: “Así como es bravo el hombre poderoso, el hombre que tiene mucho dinero” (ARGUEDAS, 1975, p. 46) Si en un primer momento parece haber una preferencia del santo por el patrón, que luce pintado de oro mientras en pongo apesta embarrado por excremento, esa solamente sería una etapa para el clímax de una lectura bastante simplista. El pongo no encontrará en el cielo la redención católica tampoco una inversión de los roles que de algún modo podría resultar en un efecto reparador, conforme un mito

– (...) Con los ojos que colmaban el cielo, no sé hasta qué honduras nos alcanzó, juntando la noche con el día, el olvido con la memoria. Y luego dijo: “Todo cuanto los ángeles debían hacer con ustedes ya está hecho. Ahora ¡lámanse el uno al otro! Despacio, por mucho tiempo”. (...) Nuestro Padre le encomendó vigilar que su voluntad se cumpliera. (p. 134-135)

Sergio Franco destaca lo que considera como un “evidente mensaje subversivo” del cuento incluso para un lector menos sofisticado y recuerda el comentario de Cornejo Polar acerca de que los militares de la segunda fase de la “revolución peruana” percibieron eso y prohibieron su publicación en los libros didácticos de la época (FRANCO, 2006, p. 321).

relatado por Arguedas. En ése el dios Téete Mañuco

En el cuento de Arguedas es el pongo, iletrado,

habría creado y dividido los hombres en dos clases:

quien por medio de un sueño (sea literal o

indios y mistis los primeros para el servicio obligado de

metafórico) usa la palabra para registrar la situación

los otros. Además habría creado también el infierno y

de injusticia en que vive, sin embargo esa protesta

el cielo, exactamente igual que la tierra pero, y ahí viene

solo nos llega por medio de la palabra escrita y en

el contraste con la creencia cristiana, “con una sola

español (aunque el relato haya sido registrado en

diferencia: allí los indios se convierten en mistis y

quechua por Arguedas, sin duda, hay un mayor

hacen trabajar por la fuerza, y hasta azotándolos, a

alcance de la versión en español). De este modo

quienes en este mundo fueron mistis.” (ARGUEDAS,

conocemos las palabras de la entidad sincrética por

1975, p. 176-177)

la voz del pongo pero esa es permitida en el ámbito

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

del cuento por el narrador, que no se atreve a concluir qué ocurre con el pongo, o tal vez crea que eso no importe. La importancia estaría en la posibilidad de que esa voz fuera oída o leída. Evidentemente se tiene la demostración de que patrón-pongo están simbióticamente asociados en la estructura social en que viven. Eso recuerda a la dialéctica del amo y del servidor, referida por Ángel Rama donde el primero:

1027

los letrados. En efecto, el habla cortesana se opuso siempre a la algarabía, la informalidad, la torpeza y la invención incesante del habla popular, cuya libertad identificó con corrupción, ignorancia, barbarismo, En la lengua del común que, en la división casi estamental de la sociedad colonial correspondía a la llamada plebe, un vasto conjunto desclasado, ya se tratara de los léperos mexicanos como de las montoneras gauchas rioplatenses o los caboclos del sertão.

La lengua utilizada por Arguedas en el cuento reproduce el carácter heterogéneo que también está expreso en la cosmovisión trabajada en la obra. El

(…) se transforma a sí mismo en un elemento equivalente del sistema, simétrico de su siervo, hace de sí mismo el esclavo del régimen de sumisión y por lo tanto se congela su propia capacidad creativa, se acantona en la repetición de actitudes y valores. Él también es un autómata, salvo que emite las órdenes. (1982, p. 129)

narrador, domina la palabra escrita y da voz al iletrado. Este conquista su voz por medio de las palabras del santo. La palabra – escrita u oral – es permitida a quien detenga algún tipo de poder. Si el cuento al final subvierte la lógica católica

El cuento también deja trasparecer la relación

y tal vez lo que algunos lectores esperarían,

de interdependencia entre oralidad y escrita. Si por un

¿subvertiría también la lógica de la realidad social?

lado hay la voz colectiva y anónima presente en el relato,

Más importante que el “castigo” es percibir que

este a su vez y, según las investigaciones de Arguedas, en

pongo/patrón estarán destinados a permanecer

la actualidad puede ser leído y conocido por su

juntos, vivos o muertos, sin salida. En una relación

publicación – el registro escrito y en lengua española.

de interdependencia. Y se concluye que solamente hay

Por tanto, aunque sepamos que no es lo mismo, gracias

uno, el patrón, porque hay el otro, el subordinando.

a su reproducción en el sistema de dominación que

Así como este cuento solo existe porque un día hubo

representó y representa la escritura. En La ciudad

el relato oral, pero sin aquel este estaría perdido para

letrada enfatiza que el (RAMA, 1984, p. 562):

gran parte de las personas. El poder de la palabra o del dominador coexiste con la oralidad y el dominado.

(…) encumbramiento de la escritura consolidó la diglosia car acterística de la sociedad latinoamericana, formada durante la Colonia y mantenida tesoneramente desde la Independencia. En el comportamiento lingüístico de los latinoamericanos quedaron nítidamente separadas dos lenguas. Una fue la pública y de aparato, que resultó fuertemente impregnada por la norma cortesana procedente de la península, la cual fue extremada sin tasa cristalizando en formas expresivas barrocas. Sirvió para la oratoria religiosa, las ceremonias civiles, las relaciones protocolares de los miembros de la ciudad let rada y fundamentalmente para la escritura, ya que sólo esta lengua pública llegaba al registro escrito. La otra fue la popular y cotidiana utilizada por los hispano y lusohablantes en su vida privada y en sus relaciones sociales dentro del mismo estrato bajo, de la cual contamos con muy escasos registros y de la que sobre todo sabemos gracias a las diatribas de

¿Y esa sería una representación de la transculturación o de la heterogeneidad en el ámbito socioeconómico y cultural peruano? Tal vez la voz indígena y colectiva que relata la historia recogida y Arguedas, como autor, al no encerrar el cuento con las palabras conclusivas de la figura del narrador, – haciendo por tanto la voz del pongo resonar – deje esa conclusión a sus oyentes y lectores.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1028

Referencias bibliográficas

LIENHARD, Martin (1993): Los comienzos de la literatura “latinoamericana”:

monólogos

y

diálogos

de

ALCINA FRANCH, José (1989): Mitos y literatura quechua.

conquistadores y conquistados. En: PIZARRO, Ana:

Madrid: Alianza Editorial.

América Latina: palabra, literatura e cultura, vol. 1, p. 41-

ARGUEDAS, José María (2009): Qepa Wiñaq… Siempre

62. São Paulo/Campinas: Memorial/UNICAMP.

literatura y antropología (prólogo Sybila de Arguedas,

MIGNOLO, Walter (1993): “Palabras pronunciadas con el

edición crítica Dora Sales). Madrid/ Frankfor t:

corazón caliente”: teorías del habla, del discurso y de la

Iberoamérica/ Vervuert.

escritura. En: PIZARRO, Ana: América Latina: palabra,

______. (1993): La novela y el problema de la expresión literaria en el Perú. En: ARGUEDAS, J.M.: Un mundo de

literatura e cultura, vol. 1, p. 527-562. São Paulo/Campinas: Memorial/UNICAMP.

monstruos y de fuego (selección e introducción Abelardo

MOLINER, María (1997): Diccionario de uso del español,

Oquendo), p. 210-220. México D. F.: Fondo de Cultura

tomo II. Madrid: Gredos.

Económica.

RAMA, Ángel (1984): La ciudad letrada. Montevideo:

______. (1975): Formación de una cultura nacional indoamericana (selección y prólogo Ángel Rama). Ciudad de México: Siglo XXI editores.

Fundación Ángel Rama. ______. (1982): Transculturación narrativa en América Latina. Montevideo: Fundación Ángel Rama.

CORNEJO-POLAR, Antonio (1994): Escribir en el aire: ensayo sobre la heterogeneidad socio-cultural en las literaturas andinas. Lima: Horizonte. FRANCO, Sergio R. (2006): Entre la abyección y el deseo: para una relectura de El sueño del pongo. En: FRANCO, Sergio: José María Arguedas: hacia una poética migrantes,

REAL ACADEMIA ESPAÑOLA (1998): Diccionario de la lengua española, tomo II. Madrid: Espasa-Calpe. TODOROV, Tzvetan (1991): A conquista da América: a questão do outro (trad. Beatriz Perrone Moisés). São Paulo: Martins Fontes.

p. 311-329. Pittsburg: Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana.

Notas 1

Todas las referencias al cuento “El sueño el pongo” son de la edición de 2009, por eso, a partir de ahora solo serán indicados los números de las páginas.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1029

LINGUÍSTICA APLICADA: ESTUDOS INTERDISCIPLINARES E MULTICULTURAIS NA FORMAÇÃO DOCENTE

Rosineide Guilherme da Silva (UFRRJ) 1 Sara Araújo Brito Fazollo (UFRRJ) 2

Em razão da complexidade que envolve a

cercas disciplinares, transgredindo também os limites

prática de sala de aula de linguagem e sua inter-

do pensamento, impostos por políticas e teorias

relação com questões de ordem social, histórica,

tradicionais. A LA objet iva trabalhar com a

psicológica as pesquisas em Linguística Aplicada (LA)

constituição do sujeito por meio do discurso e por

no Brasil só fazem sentido se pensadas para construir

isso se explica a necessidade de atitudes investigativas

conhecimento em caráter interdisciplinar. Portanto,

(nessa linha) de constante reflexão na produção do

é preciso integrar temas e preocupações dos campos

conhecimento, uma vez que todo sujeito é sempre

dos estudos culturais, sociais, políticos, étnicos, de

múltiplo e conflitante e está inserido em ambientes

gênero, colocando a linguagem como peça

que se constituem de múltiplas identidades culturais

fundamental do trabalho de compreensão e resolução

fundadas a partir de perspectivas heterogêneas e

dos problemas sociais concretos e atuais que não

híbridas (Hall, 2003 e 2005). Acompanhar tamanha

cessam de surgir dentro ou fora de sala de aula, onde

multiplicidade de aspectos requer uma permanente

na maioria das vezes uns determinam os outros. Por

reformulação e revisão dos conceitos que escolhemos

isso é que concordamos com Moita Lopes (2006) que

para orientar nossas metodologias de ensino,

só acredita nos tipos de trabalho em LA que teorizem

conforme sugere e ressalta a LAC de Pennycook

em consonância com o mundo atual e com as

(1998).

necessidades atuais. O pesquisador também valoriza uma linha teórica da LA denominada Linguística

Fabricio (2006) reforça que a LAC se constitui

Aplicada Crítica (LAC) que segundo Pennycook

como prática problematizadora envolvida em contínuo

(1998 e 2006) deve seguir por caminhos que busquem

questionamento das premissas que norteiam nosso

transgredir não só os limites da LA que começa no

modo de vida; que percebe questões de linguagem

século XX (com métodos e fórmulas para a tradução

como questões políticas; que não tem pretensões e

simultânea e ensino/aprendizagem de línguas, além

respostas definitivas e universais, por compreender

da linguística computacional), mas que também

que elas significam a imobilização do pensamento.

busquem transgredir outras fronteiras do

Essas perspectivas de pesquisa em Linguística

conhecimento tradicionalmente implantadas pelas

Aplicada vêm dialogar com o que constatam Singorini

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1030

e Cavalcanti (1998), quando afirmam que “a LA tem

produção de sentido e consequentemente a

buscado cada vez mais a referência de uma língua real,

construção do conhecimento. E Kleiman e Moraes

ou seja, uma língua falada por falantes reais em suas

(1999) apontam a falta de significação do conteúdo

práticas reais e específicas”.

como sendo um dos fatores alienantes da escola

Para trabalhar a formação docente, levando em consideração essas orientações, que entendemos pertinentes e condizentes com as perspectivas educacionais e sociais que vivemos no Brasil de hoje, é preciso que também se ofereçam condições materiais e metodológicas para a formação de professores, a fim de que estes sejam realmente capazes de conduzir e promover em seus contextos de sala de aula a concretização dessas teorias na prática. A experiência da grande maioria deles, como alunos de Ensino Fundamental e Ensino Médio, foi com currículos tradicionais, organizados e executados de forma estanque e compartimentada, com cada disciplina apresentando seu conteúdo de maneira isolada do restante do conhecimento. Portanto, não é de se esperar que a eles tenham sido dadas oportunidades de contribuir, no seu próprio processo educativo de formação, com opiniões, experiências, ideias, expectativas.

tradicional para alunos e para professores, pois, (...) na maioria das vezes, alunos e professores produzem algo cujo sentido lhes escapa; eles não se reconhecem no produto de seu trabalho. O trabalho do professor é alienante porque ele está sobrecarregado pela burocracia, pelo número de horas de aula que tem que ministrar e que não lhe deixa margem para planejar, trocar idéias com seus colegas ou mesmo estudar. (KLEIMAN & MORAES, 1999: 34)

Este retrato da realidade vivida pelos professores em nosso país, e que essas pesquisadoras publicaram há mais de uma década, ainda se apresenta da mesma forma nos dias de hoje. Portanto, a indicação para um trabalho interdisciplinar continua sendo nossa preocupação. Porque a interdisciplinaridade, onde o conteúdo de uma disciplina é aproveitado ou ampliado por outra, acaba favorecendo a produção de sentido, suscitando outro aspecto da integração curricular que é a transversalidade dos temas. “ É uma nova maneira de

Em virtude deste quadro nossa postura tem

olhar os mesmos conteúdos, de certa forma imposta

sido sempre a de selecionar material, conteúdos,

pelos problemas pelos quais a sociedade atravessa”

atividades pedagógicas e de pesquisa que abordem a

(Kleiman e Moraes, 1999: 10). Tal como vemos nos

importância de um trabalho docente que se paute

PCNs de Ensino Fundamental e Médio, a

pelas perspectivas da LA e da interdisciplinaridade,

transversalidade é um recurso metodológico defendido

de forma a inter-relacionar conhecimentos e adequar

por professores-pesquisadores de LA e da prática

temas à realidade de cada escola, região, classe social.

docente em língua estrangeira, a exemplo de Paraquett

Pois, acreditamos que esse pode ser um método

que faz a seguinte consideração sobre esse aspecto:

bastante eficaz para motivar a presença e a atuação

na construção do conhecimento de seus estudantes.

A transversalidade, onde um tema pode ser objeto de muitas disciplinas ao mesmo tempo, precisa ser tomada como recortes temáticos, como vieses que cruzam as diferentes disciplinas, para orientar discussões que colaboram para a consciência crítica do aprendiz. Esses temas precisam constituir seu universo, sua realidade” (PARAQUETT, 2004: 197).

A inadequação dos temas abordados em sala

Estas preocupações com uma transformação

de aula, segundo a LA e os PCNs, compromete a

social, por meio de um trabalho educacional que parte

produtiva dos alunos em sala de aula, bem como um estímulo também aos professores que dessa forma conseguem perceber, de maneira mais imediata, os efeitos, resultados de seu trabalho como mediador

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1031

de práticas linguísticas reais e que considere os

Nessa proposta de educação linguística o

problemas pelos quais as sociedades realmente

professor tem a fundamental responsabilidade de

atravessam, se identificam com uma LA estruturada na

redimensionar sua atuação profissional, afastando-

interdisciplinaridade, mas também perpassam,

se da antiga postura alienante e estreita ao tratar a

complementam, compartilham ideias e conceitos de

diversidade linguístico-cultural, para comprometer-

uma educação linguística multicultural na concepção

se com a já mencionada transformação social. Assim,

de Katia Mota (2004). Um tipo de pedagogia, segundo

o educador tem que ser um intelectual e agente de

ela, que defende a inclusão das diversidades porque é o

mudanças, estando sempre disposto a desconstruir

que permite a valorização e a escuta das múltiplas vozes

os estereótipos e a promover a tolerância às diferenças

do contexto educacional: a do sujeito/professor, a do

(MOTA, 2004). No mesmo sentido, as Orientações

sujeito/aluno, as da língua meta e as da língua materna

Curriculares Nacionais (2006), questionam: “Como

do estudante. Essa convivência harmônica de vozes

ensinar o Espanhol, essa língua tão plural, tão

favorece uma prática dialógica e oferece perspectivas

heterogênea, sem as suas diferenças nem reduzi-las a

dialéticas e multidimensionais de construção do

puras amostragens sem qualquer tipo de reflexão

conhecimento. Para Moita Lopes (2003), e numa

maior a seu respeito?” (OCEM, 2006). E em seguida

perspectiva do Socioconstrucionismo, isso favorece

respondem:

também a construção das identidades por meio da interação entre os variados discursos (vozes), e pela oportunidade oferecida a cada individuo para produzir seu próprio discurso (opiniões, desejos, protestos, reivindicações, dúvidas) visto que “as identidades não estão feitas e acabadas, mas localizadas nos processos discursivos de sua construção” (Moita Lopes, 2003). Escutar e valorizar a voz do outro dentro do contexto educacional também é ser interdisciplinar. E para ser interdisciplinar, no entendimento de Moita Lopes (1998), “é preciso habilidade e sensibilidade, e isso envolve interesse e respeito pela voz do outro, isto é, por ouvir o que o outro está dizendo com a finalidade de analisar como suas idéias se coadunam com as perspectivas que se tenha”.

Para que o ensino de língua estrangeira adquira sua verdadeira função social e contribua para a construção da cidadania, é preciso, pois, que se considere que a formação ou a modificação de atitudes também pode ocorrer – como de fato ocorre – a partir do contato ou do conhecimento com/sobre o estrangeiro, o que nos leva, de maneira clara e direta, a pensar o ensino do Espanhol, antes de mais nada, como um conjunto de valores e de relações interculturais (...). Todos esses elementos e competências devem assumir o papel de permitir o conhecimento sobre o outro e a reflexão sobre o modo de interagir ativamente num mundo plurilíngüe e multicultural, heterogêneo”. (OCEM, 2006: 148/149/150)

Conceitos como os da LA e do Multi/ Interculturalismo defendem a importância das relações interculturais. Isso explica a necessidade de

Um ensino/aprendizagem de LE que está

alunos e professores, em todos os níveis de ensino,

baseado em uma pedagogia multi/intercultural 3 não

desenvolverem uma capacidade de abertura frente às

pode tratar apenas de fazer uma simples apresentação

culturas implicadas no processo de aprendizagem,

dos conteúdos e fatos, mas necessita desenvolver um

trabalhando em sala de aula a valorização e o interesse

processo crítico e social de conhecimento e

por todas elas. Para tanto, é preciso aceitar a diferença,

compreensão de outras cultur as (de variadas

tentando modificar nossas atitudes, no sentido de

procedências dentro do mundo hispânico, por

criar maior tolerância e respeito ao outro. Isso é o

exemplo, quando se trata do ensino de E/LE) em

que hoje em dia, representa uma das perspectivas

relação e comparação com a cultura do estudante.

metodológicas para o ensino de E/LE mais pertinentes

1032

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

e coerentes com as problemáticas socioculturais que

meio da participação comprometida e autônoma de

caracterizam o contexto não só brasileiro de ensino

professores e estudantes em projetos como o PIBID

de línguas como também o cenário mundial.

(Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à

Corroboram com estas or ientações didático-

Docência), em que a principal tarefa é relacionar essas

metodológicas as seguintes reflexões de Pennycook:

mesmas teorias estudadas e debatidas no espaço acadêmico da universidade com a realidade que se

Vivemos em um mundo onde, em quase todas as sociedades e culturas, as diferenças construídas a par tir de gênero, etnicidade, classe, idade, preferência sexual e outras distinções conduzem às desigualdades opressoras. (...) Também estou convencido de que a aprendizagem de línguas está intimamente ligada tanto a manutenção dessas iniquidades quanto às condições que possibilitam mudá-las (PENNYCOOK, 1998: 26).

Entendemos a educação linguística multi/ intercultural como a tendência metodológica que

concretiza na prática do dia-a-dia da sala de aula de escolas públicas da Baixada Fluminense no Rio de Janeiro. O incentivo à docência, a que se propõe esse Programa, contribui na formação dos licenciandos a partir das primeiras experiências acadêmicas vividas na universidade e nas atividades em que esses alunos vão ao campo dos docentes já em atuação, incentivados a provocar mudanças na realidade das escolas parceiras do projeto.

melhor abarca as atuais exigências para um ensino/

Outra atividade para o aperfeiçoamento da

aprendizagem de línguas que contribua com o

formação docente, em nossa instituição é o projeto

exercício da cidadania, e com a formação de cidadãos

de extensão CELING (Centro de Estudos de Línguas)

plenos na sua forma de pensar e agir, para a melhoria

que é norteado por teorias metodológicas de

de sua realidade e da convivência humana. É nesse

abordagem comunicativa, sempre valorizando as

tipo de pedagogia e de métodos que nos apoiamos

relações multiculturais e interdisciplinares no

para conduzir o trabalho de formação de docentes

ensinoD aprendizagem de línguas, elaborando e

de língua espanhola em nossa instituição.

aplicando material didático autêntico, organizado a

Os resultados dessa prática já começam a

partir da lógica dos tipos e gêneros textuais.

surgir na forma de atuações concretas de nossos

Estes projetos de iniciação à docência e

alunos não apenas no espaço e nas atividades

extensão, assim como outros de iniciação científica,

rotineiras de cada sala de aula, mas também em

são considerados coparticipes na formação docente

seminários e congressos. Os discentes já apresentam

dos licenciandos que têm nas disciplinas Língua

trabalhos que seguem esta mesma linha de pesquisa

Espanhola VI (Letras – PortuguêsD EspanholD

científica, justificando a melhoria da prática de sala

Literaturas) e Espanhol I e II (Letras – PortuguêsD

de aula de língua estrangeira. Tais ações despertam

Literaturas) conteúdos voltados para sua

nos alunos o espírito crítico, demonstrando nas

aplicabilidade na leitur a visando os estudos

diversas atividades integradoras e multidisciplinares, o exercício da cidadania e a valorização das práticas sociais, educacionais e culturais nas quais se integram.

identitários e interculturais. Para ditas atividades buscamos sempre a orientação da (são orientadas com base na) Linguística Aplicada, no âmbito da interdisciplinaridade, do multi/interculturalismo e

O curso de Letras da Universidade Federal

das exigências da contemporaneidade, pois, como

Rural do Rio de Janeiro está integrado às ações

observa Boaventura Santos (2001), “a contingência,

promovidas pelo Ministério de Educação e Capes. Em

a velocidade e o inesperado da contemporaneidade

nosso instituto (IM – Instituto Multidisciplinar), o

têm feito com que a realidade pareça ter tomado a

tripé Ensino, Pesquisa e Extensão se desenvolve por

dianteira sobre a teoria”.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Nesse sentido, seguem nossas práticas investigativas e docentes como formadoras de docentes de E/LE, acreditando na possibilidade de aperfeiçoamento constante da nossa atuação como professoras-pesquisadoras bem como dos professores

1033

______. (2005) A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A Editora. KLEIMAN, A. B. & MORAES, S. E. (1999) Leitura e interdisciplinaridade em parceria: tecendo redes nos projetos da escola. Campinas: Mercado de Letras.

em formação que nos couberem e orientar. LACORTE, M. (2007) (Coord.) Lingüística Aplicada del

Acreditamos na prática do ensinoD

Español. Madrid: Arco/Libros.

aprendizagem de espanhol como língua estrangeira, apoiada em estudos recentes da Linguística Aplicada, cuja preocupação é a de atuar para transformar a realidade social, na medida em que propõe pesquisas e práticas que dialoguem diretamente com as

MENDES, E. (2007) A perspectiva intercultural no ensino de línguas: uma relação “entre-culturas”. Em: ALVAREZ, Maria Luisa Ortiz e SILVA, Kleber Aparecido da (Orgs). Lingüística Aplicada: múltiplos olhares. Campinas: Pontes.

necessidades sociais dos sujeitos envolvidos. E

MOTA, K. M. S. (2004) Incluindo diferenças, resgatando

também buscamos promover, em nosso cotidiano

o coletivo – novas perspectivas multiculturais no ensino

acadêmico, reflexões sobre as múltiplas identidades

de línguas estrangeiras. Em: MOTA, K. e SCHEYERL, D.

culturais e sua relação com o cumprimento da

(Orgs.) Recortes Interculturais na Sala de Aula de Línguas

cidadania, entendendo a identidade cultural (Hall,

Estrangeiras. Salvador: EDUFBA.

2003 e 2005) a partir de uma perspectiva heterogênea e híbrida na formação do sujeito contemporâneo.

MOITA LOPES, L. P. (2006) Por uma Lingüística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial. ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO. (2006) Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.

Referencias bibliográficas

Secretaria de Educação Básica. Brasília: Ministério da FABRICIO, B. F. (2006). Linguística Aplicada como espaço

Educação.

de desaprendizagem: redescrições em curso. Em: MOITA

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (2002)

LOPES, L. P. Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar.

Ensino Médio/Ministério da Educação, Secretaria de

São Paulo: Parábola Editorial.

Educação Média e Tecnológica. Brasília: MEC, SEMTEC.

FAZENDA,

I.

C.

A.

(1991)

Integ ração

e

PARAQUETT, M. (2004) Uma integração interdisciplinar:

Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro: Efetividade ou

artes plásticas e ensino de línguas estrangeiras. Em: MOTA,

ideologia. São Paulo: Edições Loyola. FERNANDEZ PEREZ, M. (1996) (Coord.) Avances en Lingüística Aplicada. Santiago de Compostela: Universidade Servicio de Publicacións e Intercambio Científico. GRIFFIN, K. (2005) Lingüística Aplicada a la enseñanza del español como 2-L. Madrid: Arco/Libros.

K. e SCHEYERL, D. ( Orgs.) Recortes Interculturais na Sala de Aula de Línguas Estrangeiras. Salvador: EDUFBA. PENNYCOOK, A. (1998) A Linguística Aplicada dos anos 90: em defesa de uma abordagem crítica. Em: SIGNORINI, I. & CAVALCANTI, M. C. Linguística Aplicada e Transdisciplinaridade. Campinas – SP: Mercado de Letras. ______. (2006) Uma lingüística aplicada transgressiva. Em

HALL, Stuart. (2003) Da diáspora. Identidades e mediações

MOITA LOPES, L. P. Por uma Linguística Aplicada

culturais. Belo Horizonte: Ed. UFMG.

Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1034

RAJAGOPALAN, K. (2006) Repensar o papel da lingüística aplicada. Em MOITA LOPES, L. P. Por uma Linguística Aplicada Indisciplinar. São Paulo: Parábola Editorial. SIGNORINI, I. & CAVALCANTI, M. C. (1998) Linguística Aplicada e Transdisciplinaridade. Campinas – SP: Mercado de Letras.

Notas 1

Doutora em Letras. Professora de Língua Espanhola e Linguística Aplicada do Departamento de Tecnologias e Linguagens do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Pesquisadora em Linguística Aplicada e Ensino/Aprendizagem de Espanhol como Língua Estrangeira.

2

Doutora em Letras. Professora de Língua Espanhola e Linguística Aplicada do Departamento de Tecnologias e Linguagens do Instituto Multidisciplinar da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Pesquisadora em Linguística Aplicada e Ensino/Aprendizagem de Espanhol como Língua Estrangeira.

3

Multiculturalismo – pedagogia da inclusão, da tolerância às diferenças./ Interculturalismo – contribuição entre culturas; troca de experiências entre a cultura materna do aprendiz e a (s) cultura (s) implicada(s) na LE em questão.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1035

SOBRE ERNESTO SÁBATO, EL SURREALISMO Y LA ENTREVISTA A UN DESCONOCIDO MUCHACHO

Ruben Daniel Méndez Castiglioni Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS-CNPq

En el año pasado (2011), Ernesto Sábato iba

estudiaría. Sabía que iba a analizar un escritor del

a festejar un siglo de vida. Se había olvidado de morir,

cual yo hubiese leído una buena par te de su

había dicho su hijo Mario. Amado y admirado por

producción literaria. En aquella época pre Internet

muchos, y rechazado en la misma proporción,

no se encontraban fácilmente en Porto Alegre

continuaba viviendo, como siempre, en Santos

informaciones acerca de autores que usasen el idioma

Lugares, Provincia de Buenos Aires, pero ya no

español.

caminaba por sus calles como antes lo hacía a menudo. Estaba encerrado en su casa, y dicen que pasaba los días siendo atendido por dos enfermeras y dos asistentes que se turnaban para realizar su deseo: quería que le leyeran en voz alta lo que él había escrito, principalmente su libro preferido: Sobre héroes y tumbas.

La idea, o mejor, la solución, vino por acaso, leyendo un artículo de Janer Cristaldo (1993) en el diario de Porto Alegre Zero Hora. El periodista y doctor en Letras contaba en su artículo como la mesa examinadora de la Sorbonne lo había atacado al haber incorporado el espíritu del gran inquisidor Torquemada, pues estaba enfurecida por el escándalo

Algunos amigos han insistido para que cuente

que era el análisis de un escritor sin base en una teoría

como fue mi encuentro con Sábato. Aunque ese

europea. La “lectura” de la tesis que en París debería

episodio personal no refleje la dimensión del escritor,

durar más o menos una hora (puesto que hay cosas

sirve como pretexto para estas líneas de despedida.

mucho más interesantes que la ciudad ofrece para ver, espectáculos más dinámicos), se había extendido

Yo estaba haciendo la maestría, y necesitaba

durante cuatro horas sin interrupción. La mise-en-

un autor y un tema. El año era 1994 y debía considerar

scène de la pieza teatral de la tesis en torno a la

las limitaciones de información que había en Porto

literatura de Sábato se transformó en una batalla, y

Alegre en lo referente a autores hispanoamericanos

ciertamente, en ese combate, se sentía la fuerza de

y, sobretodo, mis propias limitaciones, “el enorme

ese autor argentino que, a continuación, resumo de

repertorio de mi ignorancia”, sabia frase del autor que

manera breve.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1036

Nacido el 24 de junio de 1911, en Rojas, un

en 1938, culminó mi cansancio y hasta mi asco por el

pueblo agrícola de cinco mil habitantes que queda a

espíritu de la ciencia” (SÁBATO, 1979, p. 107). Por

trecientos kilómetros de Buenos Aires, fue el décimo

aquél entonces Sábato veía el surrealismo como:

de once niños de una familia de inmigrantes italianos anarquistas. Hizo sus estudios primar ios y secundarios en el interior de Argentina y, en Buenos Aires, cursó la Facultad de Ciencias FísicoMatemáticas, dónde se vinculó primero a los grupos anarquistas y posteriormente al partido Comunista

[…] mucho menos pero también mucho más que una mera actitud político-social: significa una revuelta contra todo el espíritu de la sociedad occidental. Como genuino movimiento romántico, es una defensa del hombre concreto y vital y, por lo tanto, radicalmente opuesto a toda concepción racionalizadora del mundo (SÁBATO, 1993, p. 78).

– que abandonó poco tiempo después que comenzaron los Procesos de Moscú. También abandonó la ciencia después de concluido el

Y hacía referencia a su importancia:

doctorado y después de haber trabajado en los laboratorios Joliot-Curie, de París, la meca científica de la época, pasando desde ese entonces a dedicarse a la literatura. Corría el año de 1938, y Sábato alternaba sus personalidades Dr. Jekyll, de día, como científico en el laboratorio, y Mr. Hyde, de noche, con el grupo surrealista liderado por André Breton. Venció el satánico Mr. Hyde. El catalizador fue la ruptura del átomo de uranio en un laboratorio cercano, lo que él clasificó como “el comienzo del fin”, que lo alejó lenta e inexorablemente del inevitable y relativo “progreso de la ciencia” y lo llevó a la búsqueda del absoluto por medio de la literatura.

Sábato y el surrealismo Aquí, y haciendo un paréntesis, nos gustaría

Indudablemente hay algo vivo, algo que sigue teniendo validez en el movimiento surrealista y que, en cierto modo, se prolonga y se ahonda en todo el movimiento existencialista: la convicción de que ha terminado el dominio de la literatura y del arte, de que ha llegado el momento en que el hombre se coloque más allá de las meras preocupaciones estéticas para entrar en la región en que se debaten los problemas del destino del hombre. La vasta empresa iniciada por el surrealismo contra una sociedad falsa y terminada era la condición previa de cualquier replanteo del problema humano. Era necesario el terrorismo surrealista para emprender luego cualquier empresa de reconstrucción; era necesario minar, echar abajo las posiciones de la burguesía y de su arte caduco para examinar las raíces mismas de nuestro destino. Había que acabar de una vez con lo pequeños dioses de la sociedad burguesa, con su falsa moral, con su filisteísmo, con su acomodo y su progreso y su optimismo, para abrir las puertas del hombre. Nuestro tiempo es el de la desesperación y de la angustia, pero paradojalmente sólo así puede abrirse la puerta de una nueva y auténtica esperanza (SÁBATO, 1993, p. 82).

comentar, aunque brevemente, acerca de su relación

Aunque consideraba que muchas veces el

con el surrealismo, ya que este es nuestro campo de

resultado de las experiencias sur realistas era

investigación y no queremos pasar por alto la

“melancólico” (SÁBATO, 2006, p. 130) y sentía

oportunidad.

indignación por los “mistificadores que lo ensuciaron

En diversos libros y entrevistas el autor manifestó sus reflexiones sobre su experiencia en el movimiento iniciado por André Breton. Por ejemplo, encontramos en El escritor y sus fantasmas: “No es casualidad que me acercara al surrealismo cuando,

como Dalí” (SÁBATO, 1999, p. 72), en su libro Antes del fin, decía: Sin embargo, el surrealismo tuvo el alto valor de permitirnos indagar más allá de los límites de una racionalidad hipócr ita, y en medio de tanta

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

falsedad, nos ofreció un novedoso estilo de vida. Muchos hombres, de ese modo, hemos podido descubrir nuestro ser auténtico (SÁBATO, 1999, p. 72).

1037

Después de una conferencia en San Pablo, organizada por esta Asociación Brasilera de Hispanistas, al preguntar la opinión de un conocido escritor argentino que había realizado una conferencia, éste

Continuando con su trayectoria, Sábato diversas veces dijo que al volver a Argentina fue recibido con mucha hostilidad, siendo apartado de sus actividades de profesor por la dictadura peronista debido a su manifestación, con otros veinte profesores, contra el asesinato de un estudiante. Su primera novela, El túne l, del año 1948, cuyo protagonista no es por acaso un ser solitario y sin esperanza, fue rechazada enérgicamente en todas las editoriales de Buenos Aires, y como él mismo dijo,

me respondió: “¿Sábato? Ese no es escritor, es físico”, y su acompañante casual, sonrió con aprobación y complicidad. Si por un lado, esa posición de una parte de la crítica dicha especializada continúa, por otro lado, Sábato también es considerado como el último de los grandes escritores argentinos. Sin ser un autor prolífico, podemos subrayar quince excelentes obras, siendo las últimas Antes del fin (1999), La Resistencia (2000) y España en los diarios de mi vejez (2004).

fue rechazada con alegría y convicción, bajo el

Volviendo al relato del encuentro, fue gracias

argumento de que “ningún físico puede escribir una

a Janer Cristaldo, que era el traductor de Sábato en

novela”. En sus memorias, Sábato dice que este echo

Brasil, que obtuve el teléfono de la casa del escritor.

no es exclusivo: otro escritor que fue rechazado en

Yo sabía que er a de su costumbre recibir a

Argentina con base en principios filosóficos similares

personalidades políticas, escritores, artistas y jóvenes

a ese fue Gabriel García Márquez.

que querían consejos o simplemente buscar algo en

Cuando por fin fue publicado, El túnel obtuvo

su biblioteca.

varios premios y fue traducido a más de treinta

Era de conocimiento público que su hijo había

idiomas. Sábato obtuvo prestigio internacional y

fallecido hacía pocos meses en un accidente de

recibió elogios de Thomas Mann e de Albert Camus,

tránsito y que su compañera de toda la vida, Matilde,

quien lo hizo publicar en Francia. Después, Sábato

estaba muy enferma (falleció poco después). Sin

escribió algunos ensayos, en los cuales alertaba que

embargo, Sábato recibía diariamente una gran

la humanidad estaba aprisionada por la tecnología, y

cantidad de cartas, pedidos de entrevista y de viajes

dos nuevas novelas: Sobre héroes y tumbas (con

para dictar cursos y conferencias, que rehusaba

especial destaque al capítulo “Informe sobre ciegos”)

sistemáticamente.

y Abaddón, el Exterminador. También fue responsable, gracias a la invitación del Presidente Raúl Alfonsín, por un libro que no escribió: Nunca más, relato de las atrocidades de la última dictadura argentina que llevó a militares a juicio y a prisión, y que el escritor describió como un “viaje al infierno”.1

En esa época y en esos tiempos, era casi imposible hablar con Ernesto Sábato. Con pocas posibilidades de suceso, decidí llamarlo desde Porto Alegre y, por suerte, atendió él mismo. Con voz pausada y grave, me contó algunos de los problemas que tenía, de las dificultades que enfrentaba y,

Aunque haya tenido el reconocimiento

generosamente, oyó mis necesidades y angustias

internacional y la aceptación del público, gran parte

acerca del texto que yo estaba elaborando. La

de la intelectualidad (especialmente argentina) ignoró

conversación terminó cuando él me dijo: “Bueno, si

su trabajo, negando su condición de escritor. Pude

algún día pasás por Buenos Aires, vení a visitarme y

constatar que esta imagen insiste en perdurar.

tomamos un café”. Como se dice en portugués, “não

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1038

me fiz de rogado”: tres días después estaba yo en la

aisladas de la realidad, mientras que la riqueza de

capital porteña. Sabía que Sábato vivía en una

Sábato estaba en que, aunque tuviera la imaginación

localidad llamada Santos Lugares y que se llegaba

necesaria de todo escritor, él se mezclaba con las

tomando el tren. Eso era todo lo que yo sabía. Pero

personas, se manchaba con el mundo yendo a los

cualquier persona en el pueblo (de casas humildes y

lugares más inusitados para defender una causa y

poco comercio) sí sabía dónde vivía el “señor Ernesto

cumplir con un compromiso que vinculase su

Sábato, el escritor”, y amablemente, me enseñaron el

búsqueda ética y sus convicciones morales.

camino. Cerca de su casa había un kiosco y un teléfono público. Las cosas iban bien. Lo llamaría de nuevo. El breve diálogo que tuvimos fue: “Maestro Sábato, estoy aquí, en Santos Lugares”. Después del silencio que interpreté como siendo de sorpresa, me dijo: “Entonces vení a tomar un café y conversar un

Ernesto Sábato, viviendo en una región pobre, en un lugar modesto, cada vez que decidía salir y hablar, juntaba masivos auditorios en Buenos Aires que buscaban en sus palabras la verdad, la ética, la libertad y la justicia.

poco”. Antes, compré una edición de El túnel en un

La casa de Sábato era en el fondo de un jardín,

kiosco para que me lo firmara, y miré si estaba en la

o mejor dicho, de una selva de araucarias gigantes,

mochila el libro de Machado de Assis, que a él tanto

pinos y algunas plantas y otros árboles sin duda

le gustaba y que se lo había traído de regalo. Yo, no

prehistóricos. El primero que vino a saludarme y a

faltaba más, estaba muy ansioso. ¿Estaría preparado

investigarme fue Roque, un pastor alemán “más

para estar frente a frente del angustiado y pesimista

inteligente que muchos profesores”, según el correcto

autor del “Informe sobre Ciegos”?

comentario del escritor. Seguí un camino de baldosas blancas y negras, como un tablero de ajedrez. En la

Sábato era, al mismo tiempo, el hombre que

puerta de entrada estaba esperándome Gladys, su

había luchado por la justicia y la libertad, trabado

asistente, que amablemente, me pidió que entrase y

desigual batalla contra las mentiras, crisis y

esperase.

decepciones, verdadero Quijote contra molinos, y demostraba una profunda compasión y humanidad.

En pocos minutos, y de las sombras, apareció

Era el viejo sabio de la tribu, a quien los argentinos

un hombre pequeño, un señor de ochenta y tres

le tenían por “mayor autoridad moral” (HALPERIN,

sufridos años, con la expresión más dolorida del

1994) de la época, alguien que tanto había dialogado con los más humildes como con los más poderosos e

mundo en el rostro tan conocido. Estaba delante de mi, de vaquero y camiseta, el autor de lo profundo, la gran conciencia trágica de Argentina. Cuando me vio,

influyentes.

me dijo: “Te recibo en mi casa porque sos joven y Sobre eso, y a propósito, cabe recordar que el

estudiante”, puso el brazo en mi hombro y empezó a

escritor Orlando Barone (1996) reunió a Jorge Luis

llorar. De camino a su escritorio me dijo, como si

Borges y Er nesto Sábato entre 1974 y 1975,

tuviera que darme alguna explicación a mí, que

consiguiendo

maravil losos

invadía su privacidad: “Matilde esta ahí, acostada,

enfrentamientos intelectuales, que fueron publicados

enferma. No sabe que se murió el hijo... Pero creo

en Diálogos Borges-Sábato.

que intuye algo”. Paró un momento y me dijo: “No te

una

serie

de

Sobre esos encuentros, Barone llegó a la

olvides nunca, la vida es trágica.”

conclusión de que la fascinación del género literario

Fuimos hacia su muy organizado escritorio,

de Borges estaba en su imaginario, en sus fantasías

en el cual habían muchos libros, una máquina de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1039

escribir, una secretaria electrónica, que estaba en

escritor. Su obra y sus actos son prueba cabal de eso.

constante actividad, y la famosa foto de Sábato y Juan

Descanse en paz, maestro.

Carlos, el Rey de España, entregándole el Premio Cervantes de Literatura de 1984, el “Nobel” de las letras españolas. Cuando Gladys llegó con el café, pedí

Referencias bibliográficas

permiso para grabar nuestra conversación, y él estuvo de acuerdo. En ese momento, Sábato demostró que

BARONE, Orlando (1996). Diálogos Jorge Luis Borges

era el sabio que hablaba para ser oído, pero también

Ernesto Sábato. Buenos Aires: Emece.

que era un niño oyendo y preguntando. Perfecta y rara combinación de sensibilidad e intelecto.

CRISTALDO, Janer (1983). Mensageiros das Fúrias. Florianópolis: UFSC.

Al final de la entrevista, que duró más de una hora, o mejor, del diálogo confesional de un hombre

______. (1993) Ernesto Sábato ainda ri dos teóricos. Zero Hora. Porto Alegre: sept.

frágil y angustiado con las injusticias de la vida y con su vida injusta, me pidió que no publicase nada de lo

HALPERIN, Jorge (1994). Ernesto Sábato: palabra de

que había dicho. Y fue así, no hay ningún trecho

honor. Clarín. Buenos Aires: agosto.

escrito de sus palabras grabadas aquel día. Antes de

SABATO, Ernesto (1979). El escritor y sus fantasmas.

que yo me fuera, Sábato abrió la puerta de un armario

Barcelona: Seix Barral.

y sacó una serie de anotaciones que él mismo había seleccionado y en las cuales había escrito pensamientos. Eran anotaciones que se referían a su

______. (1993) Hombres y engranajes Madrid: Alianza. ______. (1995) El túnel. Barcelona: Planeta.

producción. “Son para vos”, me dijo, “y si yo pudiese leer (estaba casi ciego), te ayudaría en tu trabajo”. Sus palabras eran sinceras.

______. (1999) Antes del fin. Barcelona: Seix Barral. ______. (2000) La Resistencia. Buenos Aires: Planeta/Seix

Las personas que lo aprecian saben y dicen

Barral.

que Er nesto Sábato nunca fue un escribidor

______. (2004) España en los diarios de mi vejez. Buenos

ideológico, no hizo postgrado de marketing personal

Aires: Seix Barral.

y literar io y tampoco fue promocionado artificialmente. Fue, es y siempre será, un gran

______. (2006) Uno y el universo. Buenos Aires: Seix Barral.

Notas 1

Sin embargo, hay controversia acerca de su relación con la última dictadura argentina. Es reiteradamente comentado el almuerzo supuestamente de apoyo de Sábato con el Presidente Videla, en el cual también estaban Jorge Luis Borges y otros intelectuales, así como un representante de la Iglesia.

1040

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

JOSÉ DE ANCHIETA: O BARROCO NA POESIA ESPAÑOLA

Samuel Anderson de Oliveira Lima UFRN “O poema é um ser de linguagem” (Décio Pignatari. Comunicação Poética)

Décio Pignatari apresenta o poema, nessa

colonizava o Brasil, mas em se tratando de Anchieta e

epígrafe, como algo substantivo no sentido de tratá-

fazendo-o assumir a noção de colonizador, não só o

lo como um “ser”, algo quase palpável, concreto, que

jesuíta, a língua espanhola se torna também a língua

alcança seu leitor. Isso significa que o poema não pode

do colonizador, nessa perspectiva. Um detalhe

ficar somente no plano da imaginação e da inspiração,

importante é que os textos em espanhol somam uma

como querem muitos, mas Pignatari põe o poema no

maior quantidade, o poeta se dedicou mais aos

plano do conhecimento, pois é um ser de linguagem.

poemas na sua língua materna.

Que linguagem? A da poesia, isto é, da arte poética. É assim que pomos a poesia de José de Anchieta, tratando-a como linguagem que encontra o leitor moderno fugindo do plano cartesiano e historicista a que é constantemente submetida.

Anchieta é poeta em qualquer uma das línguas, contudo nos parece que em espanhol o artista se destaca mais pela construção de imagens, pelos temas, pela fusão das culturas no poema, pela sonoridade dos versos – quase beirando o som dos

Desse modo, a poesia anchietana merece

tambores nos rituais antropofágicos dos índios. O

destaque, quer esteja em língua portuguesa, latina,

poeta canarino fez-se índio também e com isso rasgou

tupi ou espanhola. Cada texto, a seu modo, apresenta

o véu erguido pela Igreja; isso só foi possível com a

sua particularidade, como temas, imagens, público-

poesia, porque a poesia não tem raça, não tem tribo,

alvo, situações de escritura, entre outras. Os poemas

não tem partido, ela é universal, está acima dos

em espanhol de José de Anchieta, por exemplo, trazem

homens, no plano divino, por vezes: “a verdadeira

determinadas singularidades que motivam o seu

sapiência deve, pois, ensinar a cognição das coisas

estudo, como por exemplo, ser a língua mãe do poeta,

divinas, para conduzir ao sumo bem das coisas

foi nela que ele aprendeu a versejar e no mesmo

humanas” (VICO, 1979, p. 68). Com essa afirmação

sentido, ser a língua do colonizador, do dominador

no capítulo Da Sabedoria Poética, Giambattista Vico

que transpassa as barreiras da geografia e vai de

traduz a ideia de que o conhecimento (a ciência) parte

encontro ao índio, objeto de dominação. É claro que

das coisas divinas para as coisas humanas, é preciso

a língua por tuguesa era a língua do país que

percorrer o universo das divindades e assim entender

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

o humano e é somente a poesia o mecanismo que trata dessa questão. Por isso, ela suplanta a natureza humana; quem não souber, quem não tiver ciência, dificilmente lerá o texto poético. Nessa perspectiva, a poesia de Anchieta traz a noção de uma sabedoria que está além da razão, firmada muitas vezes na construção das imagens, isto é, ela cria um universo semântico imperceptível a olho nu, é necessário montar as peças do jogo de palavras nos poemas anchietanos. Isso é muito importante para combater a ideia de que a poesia dele é meramente religiosa. Os críticos que assim afirmam não conseguem

1041

Todos los versos de Anchieta son por pura lógica, de materia religiosa toda vez que su escritura viene condicionada por su personalidad de docente y misionero; no obstante, aunque en su huerto poético sólo hay lugar para las flores espirituales, Anchieta es un diestro amañador de conceptos y un ágil versificador que se nutre del abandono de la tradición profana: los poetas del Cancionero le sirven los núcleos líricos y las paradojas conceptuales de la vida, muerte que también aprovecha los autores místicos.

O texto de Carlos Diaz nos dá a informação precisa sobre o caráter religioso da poesia anchietana e também acrescenta a noção de que Anchieta tem

observar o verdadeiro significado das imagens na

influência dos Cancioneiros Medievais para sua

poesia de José de Anchieta, eles só observam, na

produção, do que se conclui que o poeta buscou as

verdade, o que é mais nítido, o superficial e deixam

fontes profanas para construir as ditas santas. Nesse

de lado o processo de construção das metáforas e das

aspecto, não se pode afirmar que sejam apenas

metonímias no corpo do texto poético.

religiosas as poesias de Anchieta ainda que tragam as figuras da religião como Cristo, Maria, Deus etc.; o

Dizer que o texto poético de Anchieta é

que ocorre na maioria dos textos é a inversão dos

religioso não está errado, pois no estudo de sua vida

papéis, os santos se tornam pecadores, não se define

vemos que durante um terço dela ele esteve a serviço

ao certo o que é santo e o que é profano, um cisma

da Igreja. Tudo nos seus escritos denota uma

ideológico provocado somente pela poesia.

propensão a um tom religioso. O que se questiona, entretanto, é que pelo fato de ter a religião como plano

Segundo Leodegário Amarante de Azevedo

de fundo, isso não descaracteriza sua poesia. Na

Filho (1966, p. 27), Anchieta está num período de

verdade, a deixa bem mais literária, ou seja, a religião

transição entre a Idade Média e o Barroco, “a sua

aqui é mais um artifício, o que está por trás é a forma

poesia é de cunho tradicional, obedecendo às normas

da construção desse texto. A bíblia inspira todos os

da chamada medida velha”. Isso explica a influência

autores barrocos, assim Anchieta faz paródia com o

que Anchieta teve dos Cancioneiros Medievais, assim

texto bíblico, mas é uma paródia evocativa. Na há

como outros poetas também o tiveram. O momento

tanta ironia. Ele evoca e ao mesmo tempo pondera a

histórico vivido pelo poeta era o do Renascimento,

ironia. Anchieta mostra claramente a deglutição da

mas a forma de seu texto está no momento anterior a

cultura indígena, anti-deítica, selvagem no seio da

esse, a Idade Média. A palavra transição é importante

religiosidade católica. Os santos, os diabos, os anjos,

porque marca a literatura anchietana como um elo

tudo são os índios; as músicas sacro-santas são agora

entre dois momentos marcantes para a literatura

o canto da índia que mata o filho para com sua carne

universal. E ainda mais, demonstra uma nova criação

salvar o marido enfermo 1 . É uma mistura, um

literária, pois no Brasil não havia ainda uma

amálgama. O texto poético consegue unir elementos

literatura, tudo era novo e os textos do jesuíta marcam

a princípio díspares e essa disparidade se transforma

o começo da Literatura Brasileira, a própria língua

em unidade, pois o elemento é o novo, o diferente.

era, portanto, uma língua de transição. A língua

Quem promove tudo isso é a poesia. Dessa forma,

oficial do Brasil ainda não era o português, como

Carlos Díaz (1998, p. 39-40) atesta:

confirma Leodegário [1970?]: “desse modo, não

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1042

podemos dizer que a nossa língua, no século XVI, era

confluência das línguas, dos ritos, das culturas, das

o português, pois esta, somente no século XVIII

tradições. O conceito novo de barroco criado pelos

segundo a tese de Serafim da Silva Neto (1951: 87

críticos modernos, como é o caso de Lezama Lima,

ss), com base em Theodoro Sampaio (1923), se

diz o barroco como a arqueologia do moderno, isto

implantou definitivamente no Brasil”. Criava-se

é, há uma reapropriação do passado sendo inscrito

portanto uma nova cultura; a língua, os costumes, as

no presente. O barroco é curiosidade, é demoníaco,

comidas, a literatura, tudo era novo, fruto do

está entre o povo, o índio, o mestiço, mas também

confronto entre as duas culturas. E é a poesia o

está na realeza. Existe uma tensão quando da união

mecanismo de propagação disso, profundamente

de elementos díspares: católicos e indígenas, por

marcada de Brasil. É notório que nos poemas de

exemplo. E nesse barroco inscrevemos as poesias de

Anchieta se percebam as marcas da terra onde foram

José de Anchieta, embora todas essas características

produzidos, não só na lírica portuguesa como

não estejam tão acentuadas, elas ainda estão maneiras,

também nas outras e principalmente espanhola. O

só se intensificam em outros poetas, como Gregório

Brasil está ali representado pela figura do índio,

de Matos. Mas é possível perceber hoje, nas análises

Anchieta deve ser entendido como uma manifestação

da poesia anchietana, essa tensão entre os elementos

da cultura medieval no Brasil. Embora não tenha

de ideologias contrárias – o católico e o indígena –, e

passado pelo momento histórico da Idade Média, o

esse é um dos motivos que faz a poesia barroco-

Brasil tomou contato com sua ideologia por meio do

espanhola, agora já ibero-americana, tornar-se

texto poético anchietano. Agora, é claro, que com

interessante ao leitor moderno. Existe cer ta

muitas mudanças, com traços novos, visto que o

dificuldade por parte dos leitores em compreender o

instante era de transição.

sentido das poesias de Anchieta porque não

Podemos considerar Anchieta como poeta barroco, justamente pelo caráter de transição que tem sua literatura. Sabe-se, e isso é muito importante, que o poeta, em nenhum momento, esteve preocupado com a formação de uma literatura no Brasil nem na formulação de um estilo literário. Sua poesia é que nos indica a comunicação com o estilo barroco. Anchieta é a primeira voz do barroco na Literatura Brasileira. É então a voz do barroco da ContraReforma, da missão catequética, da reafirmação da fé, da busca do homem por Deus. O Barroco se manifestou na Arte Colonial, na arquitetura dos templos, na pintura de imagens, nas esculturas, na literatura, tudo foi fundamento para o começo da mentalidade brasileira e o poeta Anchieta contribuiu de forma significativa para essa formação.

conseguem enxergar essa tensão, só veem mesmo o sentido religioso, mas por trás existe essa confluência, o santo e o profano se misturam. Aqui está a magia do poeta, é preciso “saber” para enxergar essas nuances. Há uma metamorfose da palavra, por isso a dificuldade da compreensão. Essa ideia de metamorfose da palavra já é uma visão do barroco moderno e está intensificada justamente nas produções do século XX, com a releitura do passado, com a releitura do barroco. Numa análise sobre o texto de Severo Sarduy chamado C o b r a (1972) Irlemar Chiampi (1998, p. 12) afirma que a concepção barroca do texto fica num cenário de “uma desordem composta e artificiosa – uma espécie de arquitextura na qual o ornamento (elíptico) devora o Sentido (como na igreja barroca o ornamento esconde Deus)”. Parece ser o mesmo que faz Anchieta em sua poesia,

O Barroco da Contra-Reforma é o barroco do

pois esconde o Sentido através da linguagem religiosa,

significado, em que o homem procura respostas, o

mas por outro lado ele revela esse Sentido por meio

mundo as procura; o barroco americano significa a

dessa mesma linguagem religiosa – mostra e revela

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1043

ao mesmo tempo. Portanto, apresenta a categoria do

provocando um novo conceito, justo porque o santo

estilo barroco. Para Azevedo Filho (1976, p. 57): “A

e o profano se misturam. Não é só o pagão que vive

literatura anchietana, portanto, representa uma

nem muito menos só o cristão, mas os dois dialogam,

espécie de transmigração da alma medieval, na linha

por vezes digladiam, na poética anchietana. A

barroca da Contra-Reforma, em choque com os

Literatura Brasileira nasce assim, barroca, na qual

costumes bárbaros do paganismo indígena, onde os

caminha o paradoxo das culturas. Às vezes, a

ritos antropofágicos dominavam no meio de outros

antropofagia, ato abominado pelos jesuítas, era

costumes.”

aceitável, ocorre assim a ressignificação, como diz

Esse choque de que trata o crítico Leodegário Filho revela a tensão de que estamos falando; representa o choque entre as culturas envolvidas no processo da colonização brasileira, mas também envolve o choque no encontro do passado com a modernidade. Num texto-convite para o Bloomsday de São Paulo em 1998, Haroldo de Campos apresenta Anchieta como o condutor de Bloom – personagem do U lisses de James Joyce –, pelas ruas de São Paulo. Haroldo aproxima o p oeta colonial do poeta moderno. Inclusive, James Joyce foi quase um jesuíta, por isso também a proximidade com José de Anchieta. E nesse texto, Haroldo de Campos descreve o ritual antropofágico em que os índios trocavam a água benta pelo cauim 2, ou seja, preponderava o ritual indígena mais que o ritual católico. As cauinagens estavam sempre associadas ao ato antropofágico de comer o inimigo capturado. Da mesma forma se assemelha o ministério eucarístico da Igreja Católica, em que o corpo e o sangue de Cristo representados pelo pão e o vinho eram comidos pelos padres – representação do sacrifício. Na missa há também a antropofagia e os índios assim o viam. Dessa forma, Haroldo de Campos anuncia esse ato antropofágico na comparação entre Anchieta e Joyce, o colonial e o moderno, que agora deixam de ser, pois são modernos e coloniais ao mesmo tempo.

Miriam Aparecida Deboni (2002, p. 58): A ressignificação da antropofagia é ainda mais contundente quando seu sentido original é preenchido por outro. [...] [...] essa re-significação proporciona à antropofagia uma legitimidade como meio de punição a favor da Igreja, transformando-a de um gesto visto como bestial em instrumento de catequização, a ponto de ela ser executada mediante o pedido da figura bíblica de um anjo [...]. A antropofagia torna-se um gesto aceitável quando usada como instrumento de punição a serviço da fé católica e aí reside sua instrumentalização.

A partir dessa afirmação podemos dizer que além de se confundir o santo com o profano nas poesias anchietanas, ele mesmo se confunde, é jesuíta, é padre, é poeta: “todos ganaremos, y aún más Anchieta, si somos capazes de valorar al poeta sin olvidar al jesuíta y de enjuiciar al jesuíta sin silenciar al poeta” (DÍAZ, 1998, p. 12). Há uma junção de todos os elementos, mas por outro lado existe também um antagonismo entre eles, pois faz parte do paradoxo barroco. Estudioso moderno do Barroco, Gilles Deleuze (2000, p. 13) credita a noção de dobras para esse estilo, “o traço do barroco é a dobra que vai ao infinito”, ou seja, cria-se assim um labirinto por onde percorrem as mais diversas significações do signo, a todo tempo o Barroco está fazendo dobras. Nesse sentido, “Anchieta inventa um imaginário estranho,

O Classicismo propunha o afastamento da

sincrético, nem só católico, nem puramente tupi-

ideia de Deus e o Barroco faz o resgate dessa

guarani. [...] de mãos dadas caminhavam a cultura

concepção. Assim o ambiente vivido por Anchieta se

reflexo e a Cultura-criação”, conforme diz Alfredo

faz sobre esses dois conceitos. O paganismo e o

Bosi (1996, p. 31). A dobra do Barroco que cria o

cristianismo se chocam no texto poético de Anchieta,

labirinto faz com que Anchieta construa um texto que

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1044

se choque na linguagem da colônia, se choque nos

A la fe de corazón

costumes, na ideologia dominador x dominado. Para

se redujo, en la vejez,

o leitor contemporâneo a poesia anchietana se forma

porque tú, con oración,

do infinito dessa dobra de que fala Deleuze, uma vez

ganaste de Dios perdón

que esteve lá no século XVI e está hoje no século XXI.

al enemigo francés.

Ela é universal, atemporal assim como o Barroco, que ultrapassa o tempo. O código da poesia é o mesmo

Como tenías por guía

antes e agora.

a Iesú crucificado,

Ainda com relação a forma dos textos

que, a veces, perdón pedía

anchietanos não se vincularem ao Renascimento,

para el pueblo, que lo había

Azevedo Filho afirma que o vilancete, muito usado

en el madero enclavado,

por Anchieta, foi uma forma muito utilizada no Barroco originário ou primitivo. No vilancete temos

le ruego, muy inflamado,

um mote de dois ou três versos e de uma volta de sete

por tu matador francés.

versos, como no poema abaixo:

Él quiere, por ti aplacado, que gane vida al culpado,

A INACIO DE AZEVEDO

la muerte del portugués. (p. 488-489)

Quiso dios que diese v ida al enemigo francés, la muerte del portugués.

A partir do mote já começa a surgir a ideia de que Deus permite a morte para dela haver vida. Na maioria dos poemas espanhóis de Anchieta, o

Con la Virgen en tu mano,

paradoxo que da morte vem a vida é preponderante.

¡oh Ignacio, varón fuerte!

O poeta manipula com esse jogo de ideias a todo o

peleaste de tal suerte,

momento. No caso específico do poema A Inácio de

que del hereje tirano

Azevedo temos como plano de fundo para a poesia o

triunfaste con tu muerte.

episódio em que um francês mata um português, luta constante no processo de colonização do Brasil. Isto

Recibiste, sin moverte,

é, Anchieta traz um fato ocorrido naquela realidade,

cruel y mortal herida,

assistido por índios e colonos e o transfere ao texto

y con tal victoria habida,

poético. Mas na poesia, a realidade do fato se

a ti, tu sangrienta muerte quiso Dios que diese vida.

Jacques Sória te mató, francés y cruel ladrón,

desconfigura; mesmo se tratando de um francês Jaques Sória que mata um português (Inácio de Azevedo), o que interessa ao poema é o conjunto de imagens que dele surge, amparadas a todo instante pelo paradoxo.

mas tu vida y tu pasión

É comum notar também que o elemento

creemos que le alcanzó

religioso é muito forte, pois o poeta apresenta o

verdadera contrición.

episódio de luta entre franceses e portugueses e ao mesmo tempo faz um paralelo com a história da cruz,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1045

da crucificação de Cristo. Ele compara os atos do

da poesia que ali era alcançada pela nação ameríndia,

português ao sofrer a morte com os de Cristo no

tão mar tirizada pela colonização. Os temas

madeiro. O santo e o pecador se confundem, se

recorrentes na poética anchietana comungam com os

mesclam, se misturam por meio de uma linguagem

mesmos temas trabalhados pelos poetas barrocos no

simples – linguagem típica dos Romanceiros

Velho Mundo, significando que o Novo Mundo, no

Medievais –, com rimas marcantes, cuja sonoridade

nosso caso, o Brasil, começava pela via direita da

às vezes mostra a dor do português ao ser cutilado e

literatura. E assim, marca a importância do estudo

o clamor de Cristo ao ser crucificado: fuerte/suerte/

da poética espanhola de José de Anchieta porque foi

muerte; moverte/muerte; ladrón/pasión/contrición;

a via condutora dessa cultura, desse estilo, desse

corazón/oración/perdón; crucificado/enclavado;

pensar barroco.

inflamado/aplacado/culpado. Os sons promovidos por essas rimas são fechados porque são palavras da língua espanhola que têm uma sonoridade diferente

Referências bibliográficas

do português, que seria mais aberto. Com isso, a poesia cria um tom obscuro da morte, da guerra, do

ANCHIETA, Joseph de, S.. (1984): Lírica espanhola..

sofrimento, da dor. Por outro lado existe um conjunto

Introdução, notas e tradução versificada Pe. Armando

de rimas, com sons diferentes, que dão margem à

Cardoso, S.J. São Paulo: Loyola. (Tomo II).

alegria, à felicidade: herida/habida/vida; guía/pedía/

______. (1989): Poesias.. Transcrições, traduções e notas

había. Isto significa o jogo paradoxal no mecanismo

de Maria de Lourdes de Paula Martins. Belo Horizonte:

linguístico sugerido pelo poema: a morte é pranto, a

Itatiaia; São Paulo: USP. (Biblioteca básica de literatura

vida é alegria. Se esse texto fosse proposto a uma

brasileira, v. 3).

pintura veríamos o contraste entre o claro e o escuro, um jogo de luz e sombra, “no Barroco, o claro não para

AZEVEDO FILHO, Leodegário A. (1966). Anchieta, a Idade Média e o Barroco. Rio de Janeiro: Gernasa.

de mergulhar no escuro”, diz Deleuze (2000, p. 62). O barroco respira o contraste, a antítese, a dubiedade;

CAMPOS, Haroldo de (1998): Deambulação do senhor

com ele, a linguagem recria o espaço do significado

Bloom pela hibernal Paulipolicéia. São Paulo: [s.n].

através do significante e essa linguagem só é possível

CHIAMPI, Irlemar (1998): Barroco e modernidade: ensaios

na poesia. Quando faz a dobra o Barroco anuncia o

sobre literatura latino-americana. São Paulo: Perspectiva:

momento de circularidade infinita, o começo na

FAPESP. (Estudos; 158).

verdade é o fim e vice-versa, como afirma Severo Sarduy ([1988?], p. 27-28): “a palavra dobra-se sobre si própria numa figura circular, a da serpente que morde a própria cauda, o começo e o fim trocam-se”. Anchieta foi um homem/poeta/santo que através de sua lírica conseguiu instituir toda uma

DEBONI, Miriam Aparecida (2002): Os textos de José de Anchieta e o imaginário religioso: ficção x texto sagrado. 2002. 122p. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Estudos da Linguagem, UNICAMP, São Paulo. DELEUZE, Gilles (2000): A dobra: Leibniz e o barroco. Trad. Luiz B. L. Orlandi. 2. ed. Campinhas: Papirus.

nova vida cultural/literária/religiosa para a nação brasileira. Muito mais do que isso, ele trouxe para o solo brasileiro as marcas da poesia barroca tão

DÍAZ, Carlos Britto (1998): Poesías líricas castellanas. [S.l.]: Instituto de Estudos Canários.

intimamente interligada por seus versos. O oceano

PIGNATARI, Décio (1981): Comunicação poética. 3. ed. São

entre os dois mundos não conseguiu separar o poeta

Paulo: Moraes.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1046

PORTELA, Eduardo (2005): José de Anchieta: poesias. Rio

VICO, Giambattista (1979): Princípios de uma ciência nova:

de Janeiro: Agir.

acerca da natureza comum das nações. Seleção, tradução

SARDUY, Severo (1988?): Barroco. Trad. Maria de Lurdes e José Manuel de Vasconcelos. Lisboa: Vega Universidade.

e notas do Prof. Antônio Lázaro de Almeida Prado. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural. (Os pensadores)

VASCONCELOS, Simão de (1943): Vida do venerável Padre José de Anchieta. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. 2. v.

Notas 1

Faz-se necessário observar a descrição desse episódio indígena: “As mesmas mães, quando adoeciam seus maridos, iam matando os próprios filhos que deles houve e, com as carnes destes, quais de carneiro ou galinha, alimentavam o enfermo, enquanto durava o mal [...]” (VASCONCELOS, 1943, p. 39, v. 2).

2

O cauim era uma bebida fermentada à base de mandioca, milho e frutas, elaborada pelos próprios nativos. Quem cuidava da preparação eram as mulheres, que mastigavam a massa e cuspiam para poder haver a fermentação. Os rituais com cauim nas tribos receberam o nome de cauinagem – eram os festejos mais tradicionais dos Tupinambás – era uma espécie de combustível para as comemorações sobre vitórias frente ao inimigo. Os índios bebiam até ficar muito embriagados. Este tipo de comportamento era um incentivo a pecados graves como a luxúria e a antropofagia. A degustação do corpo do inimigo era bem regada a cauim. Os jesuítas abominavam as cauinagens. Cf. FERNANDES, João Azevedo – Revista de História – (Guerreiros em Transe), Ed BN, nº 04, Outubro de 2005, RJ.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1047

CONTRIBUIÇÕES DE JORGE AMADO PARA A LITERATURA HISPÂNICA NO BRASIL

Sandra Mara Mendes da Silva Bassani Ifes campus Linhares-ES

Jorge Amado teve seus livros publicados em

Hispânica, principalmente os da América do Sul,

mais de quarenta idiomas e amplamente estudados

viverem uma condição de intercâmbio cultural e

por pesquisadores e pela crítica. Mas, ele também

literário inexpressivo, quando não inexistente.

atuou como tradutor e traduziu, entre outros, o romance Doña Bárbara, de Rómulo Gallegos. A tradução dessa obra foi derivada de uma viagem que ele empreendeu pela América Latina, às vésperas do Estado Novo. Essa viagem despertou em Amado a vontade de divulgar algumas obras hispânicas em solo brasileiro. A esse respeito, em artigo publicado no Jornal do Brasil, ele questiona: Rómulo Gallegos, há algo de comum entre os romancistas da América? (AMADO, 1974) E declara: Eu realizara longa viagem pelas três Américas, tomara conhecimento das literaturas de diversos países de língua espanhola, fizera-me admirador e amigo de romancistas e poetas. [...]

Amado afirma que na ocasião da viagem traduzia-se muito no Brasil do inglês, do alemão, do russo e, principalmente, do francês. Contudo, ainda que Jorge Amado também lesse obras em outros idiomas, seu contato com autores e obras hispânicas foi muito intenso, e sua primeira obra submetida à tradução (Cacau – 1933) foi traduzida para o

As impressões de Jorge Amado sobre a América Latina estão relatadas em vários escritos periódicos que, em 2001, foram organizados e transformados no livro “A Ronda das Américas”, editado pela Fundação Casa de Jorge Amado e prefaciado por Raúl Antelo. A respeito do envolvimento de Amado com a obra Doña Bárbara, Raúl Antelo afirma que “o efeito diferido mais contundente desta Ronda das Américas tenha sido a tradução [...] do venezuelano Rómulo Gallegos [referindo-se à obra Doña Bárbara], motivação de público vasto”. (ANTELO, 2001, prefácio.) Jorge Amado saiu em busca de editor que pudesse transformar os originais de sua tradução em livro. Esse fato suscita a possibilidade de a tradução dessa obra e a “ronda p elas Amér icas” terem contribuído para a divulgação da cultura e da literatura Hispano-americana no Brasil.

espanhol. Ele, algumas vezes, declarava-se ressentido

Amado propunha que também fossem

do fato de o Brasil e os demais países da América

traduzidas, além da obra de Gallegos, as obras

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1048

Huasipungo e En las Calles, de Jorge Icaza, Canal Zona, de Aguilera Malta, La Vorágine, de Diego Rivera, e El Caballo y su Sombra, de Enrique Amorim. No entanto, os editores brasileiros continuavam ne gando

desenvolvidas, fora do eixo Rio-São Paulo, a prática editorial era muito mais penosa: maiores óbices à divulgação e comercialização fora do Estado e inexpressivos índices de compradores locais. (BUFREM, 1995, p. 70).

publicação de obras de autores latino-americanos,

Sendo essa a situação editorial da época,

conforme declaração de Amado: “Inutilmente bati às

Leilah Bufrem faz um questionamento: “Como uma

portas de todos os mais importantes editores

editora pequena [a Guaíra], sem tradição no ramo,

brasileiros da época e de todos eles ouvi a mesma

situada na pacata Curitiba, conseguiu despontar fora

recusa obstinada: autores da América Latina, não!

do hegemônico eixo Rio-São Paulo?” (BUFREM,

Segundo eles, não havia público para tais romancistas.

1995, p. 69) Sobre esta questão, ela mesma afirma que

(AMADO, 1974).

a Editora Guaíra transcendeu fronteiras e ganhou

Mesmo com todas essas negativas, Jorge Amado não desiste do seu intento. Continuou buscando e, por fim, encontrou só uma pequena editora do Paraná que se interessou pelo assunto, publicou a tradução de Dona Bárbara e mandou traduzir alguns outros títulos por mim recomendados, tentando uma coleção – a primeira – de escritores dos países vizinhos. [...] vale a pena recordar e louvar o esforço naquele então único da Editora Guaíra, dirigida pelo jurista De Plácido e Silva. (AMADO, 1974).

Esta coleção a que Amado se refere é a Estante Americana, que apresentava o pensamento continental e

reputação nacional “graças a títulos como Doña Bárbara, de Rómulo Gallegos (traduzido por Jorge Amado) [...]” (BUFREM, 1995, p. 69). Essas afirmações foram corroboradas por Lawrence Hallewell, na ilustríssima obra O livro no Brasil: sua história (1995, p. 521). Em uma entrevista concedida a Mercedes G. do Prado, Juril Carnascialli, filha do fundador da Guaíra, De Plácido e Silva, afirma que, após o contato da Editora com Jorge Amado, a venda dos livros era boa, “vendia-se muito bem, em todas as livrarias do Brasil. Ele [seu pai] tinha representantes em todas as capitais do Brasil.” (CARNASCIALLI, 1993, p. 13). A respeito do êxito dos livros publicados pela

reunia romances de autores estrangeiros da América. Seu primeiro título editado foi Doña Bárbara, de Rômulo GALLEGOS [...]. Jorge AMADO foi o responsável pelo prefácio e tradução do romance. Foi considerado um grande romance, um desses estudos sérios de que vem enriquecendo felizmente a literatura da América. (BUFREM, 1995, p. 71)

A editora Guaíra nasceu no final na década de 1930, em Curitiba, era pouco conhecida. Naquela época, além das dificuldades de ordem sócio-política a repercutir no ramo editorial, o público leitor não era suficientemente amplo para estimular grandes tiragens. Os lucros eram considerados pouco compensadores e, em certos casos, impediam a pura subsistência. [...] E nas regiões menos

Guaíra, Samuel Guimarães da Costa, jornalista, em entrevista concedida a Mercedes G. do Prado, faz a seguinte observação: Como editor, ele [De Plácido e Silva] teve a iniciativa de tradução de autores latino-americanos, alguns muito importantes como Rômulo Gallegos, e outros que também estavam surgindo e que depois se tornaram até Prêmio Nobel. (COSTA, 1993, p. 14).

Após esses feitos, Jorge Amado passa mais de um ano na Argentina e no Uruguai, entre 1941 e 1942, época em que, segundo ele, teve oportunidade de ampliar seu conhecimento e sua admiração pelos escritores das diversas literaturas de língua espanhola das Américas. (AMADO, 1974).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1049

Ao retornar ao Brasil, Jorge Amado diz

Sobre a questão da leitura por meio de

encontrar, por parte dos editores nacionais, “a mesma

traduções, Paulo Rónai assinala que “só uma pequena

resistência aos autores dos países da América Latina”

fração de leitores são capazes de ler no original as

e recorda-se de haver planejado, em 1953, por

grandes obras universais; os demais, forçosamente,

encomenda de um editor paulista “uma coleção de

devem lê-las em tradução”. (RÓNAI, 1987, p. 31).

romances estrangeiros, com 24 romancistas, quatro deles de países da América Latina. [...]. O editor aprovou os 20 outros ficcionistas e recusou os quatro de nosso continente”. (AMADO, 1974).

Compartilhando o pensamento de Rónai, partiu-se do pressuposto que as obras sugeridas por Jorge Amado para edição ganhariam uma repercussão mais expressiva no Brasil estando em língua

Entretanto, ele não desanimou ante mais esta

portuguesa. Assim, foi feita uma verificação de onde

negativa e, mais tarde, afirma que a situação em

estariam algumas dessas obras, qual a data de sua

relação à receptividade de obras de autores latino-

publicação e qual a editora responsável, para tentar

americanos por parte dos editores mudou, e que

esboçar uma possível dimensão alcançada por elas aqui no País. Foi também adotado como critério de

os autores de língua espanhola das Américas começam a obter a merecida audiência no Brasil. O romance Cem Anos de Solidão de Gabriel Garcia Marques obteve êxito sensacional. Fizeram igualmente amplo sucesso os romances de Miguel Angel Asturias, Cortazar, Vargas Llosa e outros começaram a conquistar público, já os editores não torcem o nariz quando se lhes propõe autores dessa importante faixa da novelística contemporânea. (sic). (AMADO, 1974).

seleção as obras publicadas dentro do período compreendido entre 1938 e 1974, que se refere ao início do período em que Jorge Amado declara ter buscado tradutor para Doña Bárbara e a publicação do artigo escrito por Jorge Amado no Jornal do Brasil, já citado. A respeito do lugar de referência – onde seria necessário buscar essas obras, onde elas “precisariam”

Jorge Amado acredita que o sucesso brasileiro

estar para justificar uma possível dimensão

dessas obras se deve, em parte, ao seu sucesso

significativa, foi considerado o fato de que a

europeu, uma vez que, a Europa “descobriu de repente

movimentação literária estava centrada em São Paulo,

o que em geral se denominava de literatura latino-

Rio de Janeiro e Minas e que, segundo Hallewell, “as

americana. Boquiabertos, os críticos europeus [...]

editoras do Rio respondiam por 79% dos títulos de

enchem as colunas dos jornais com referências a

literatura produzidos entre 1973 e 1976, e 66% dos

realismo mágico, literatura de sangue jovem, etc.”

exemplares” e as de São Paulo “19% dos títulos e 34%

(AMADO, 1974).

dos exemplares”. (HALLEWELL, 1985, p. 522), Além

No entanto, acredita-se que esse sucesso se deva somente em parte ao sucesso europeu, pois muitos leitores brasileiros, mesmo ouvindo considerações positivas por par te da crítica especializada, não teriam sido capazes de apreciar de forma efetiva tais obras, devido à limitação imposta pela leitura em língua estrangeira. Não fosse o esforço de tradutores como Jorge Amado, que se preocupou

disso, foi feita uma busca também no Estado do Espírito Santo, porque “Os Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo são comumente agrupados para fins estatísticos” (HALLEWELL, 1985, p. 522) e que à época, devido às dificuldades de transporte marítimo para a distribuição das obras, as editoras passaram a usar o transporte de veículos, que incluía a rota Vitória à Paraíba, segundo Hallewell, acima citado.

em facilitar o acesso à literatura hispânica, por meio

Mas, onde exatamente deveríamos buscar

de edições em português, talvez esse sucesso não

essas obras? Onde encontrar dados que pudessem

tivesse tamanha dimensão.

indicar o alcance delas?

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1050

Para tentar responder essas indagações, foi realizada uma busca nas bibliotecas principais das universidades federais das cidades referidas, ou seja, UFRJ, USP, UFMG, UFES, bem como na Biblioteca Nacional, pela abrangência e referência de seu acervo.

que expressassem seu pensamento, suas concepções ideológicas. É interessante registrar que a José Olympio tinha filiais em São Paulo, Curitiba, Brasília, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Porto Alegre, o que

As referidas obras foram publicadas por pelo

proporcioria a chegada das obras editadas por ela a

menos cinco editoras do Rio, a saber: Opera Mundi,

muitas regiões e cidades do País. A respeito dessas

Nova Fronteira, Sabiá, Civilização Brasileira e

obras, José M. Pereira declara que

Expressão e Cultura. Com praticamente todas elas Jorge Amado mantinha algum vínculo, senão profissional, de amizade com seus proprietários. Uma das mais importantes publicações da Editora Sabiá foi Cem anos de solidão, de García Márquez, em 1968, que “se tornaria o primeiro grande sucesso da literatura hispano-americana do país”. (PAIXÃO, 1996, p. 137).

O baiano [Jorge Amado, em 1934] trabalha na José Olympio escrevendo releases e depois na parte editorial propriamente dita, tendo influenciado no lançamento de autores latino-americanos, como o uruguaio Enrique Amorim, o equatoriano Jorge Icaza, o peruano Ciro Alegría e o venezuelano Rómulo Gallegos (de quem traduziu o romance Dona Bárbara). (PEREIRA, 2008, p. 91)

É necessário considerar que as constantes

A editora Civilização Brasileira tinha uma

reedições das referidas obras indicam seu sucesso com

proposta de aliar tradição e pensamento crítico com

o público. Em 1974, O senhor presidente já estava na

publicações de clássicos da sociologia, como Karl Marx

7ª edição de duas editoras: a Brasiliense e a São Paulo.

e Antonio Gramsci. Mas, a radicalização da ditadura

Fato interessante é que muitas obras, como Batismo

militar de 1968 impediu que a editora continuasse

de fogo (La ciudad y los perros), de Vargas Llosa, assim

nessa direção e, então, começou a publicar obras

como Cem anos de solidão, de García Márquez, foram

literárias de autores importantes como Carlos

traduzidas no mesmo ano da edição do original, fato

Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, Fernando Sabino, Jorge Amado e José Lins do Rego. Além disso, a editora foi “responsável por colocar o país em sintonia com o exterior, tanto em termos de literatura como no campo das idéias” e foi a primeira a publicar as obras de Julio Cortazar. (VEJA on-line, 1998).

inédito para a época, quando geralmente a tradução de uma obra, principalmente para o português, só era feita muitos anos depois do lançamento da obra original. Cem anos de Solidão estava, pela Editora Record, em 1967, na 36ª edição e na José Olympio, em 1973, na 15ª edição; também pela Sabiá, em 1972, estava na 13ª edição.

Não obstante, as editor as que mais publicaram as obras de autores hispano-americanos foram as duas com que Jorge Amado mantinha uma estreita relação: A Editora José Olympio e a Record.

Na época dessas intensas edições de obras de autores latino-americanos, Jorge Amado já tinha estabelecido com muitos deles intensa amizade, o que pode ter influenciado, de certa forma, essa constante

Outro fato importante a considerar é que no

acolhida pelas editoras. Assim, em uma época em que

período de acirramento da ditadura do Estado Novo,

ler livros hispano-americanos no Brasil era hábito de

entre 1939 e 1942, “nada do próprio Jorge Amado

poucos, Jorge Amado, com sua sensibilidade para

podia de modo algum ser publicado.” (HALLEWELL,

apoiar e divulgar parte da intelectualidade hispano-

1985, p. 374). Sendo assim, é possível que Amado

americana, ajudou a lançar e divulgar talentos que se

propusesse a edição de obras que “falassem” por ele,

popularizam entre o público leitor brasileiro.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Talvez

essa

luta

de

Amado

1051

pelo

a outras culturas, e, uma vez abertos esses caminhos,

reconhecimento e pelo valor da literatura latino-

os leitores, ao darem uma resposta positiva quanto à

americana em solo brasileiro se ja a maior

receptividade dessas obras, reforçam a ideia de que

manifestação de alteridade estabelecida por ele com

há indícios ponderáveis da contribuição de Jorge

uma América da qual ele queria também fazer parte.

Amado para a divulgação e valorização de obras

É a tentativa de se fazer notar, de mostrar que ele

latino-americanas em terras brasileiras.

também fazia parte de um conjunto de escritores que lutavam pelos mesmos ideais políticos e intelectuais de uma América que estava, de certa forma, esquecida e desprivilegiada em termos artísticos em relação às outras.

Essas obras ganharam uma dimensão considerável no Brasil, encantaram editores e conquistaram um grande público. Por isso, é possível considerar que elas não foram traduzidas apenas para a língua portuguesa, mas para a literatura brasileira,

Ademais, todos os autores latino-americanos

à medida que passaram a fazer parte do conjunto de

aqui mencionados, inclusive os brasileiros,

obras literárias de uma época em que figuravam com

considerados nessa perspectiva da literatura

uma proposta e um pensamento comum.

continental, americana, contr ibuíram par a a formação sócio-cult ural da América Latina, contribuição essa também atribuída a Jorge Amado, na medida em que ele lutou pela dimensão continental de nossas literaturas, ajudando a ultrapassar as barreiras linguísticas em prol do acesso às ideias, aos elementos culturais, às composições ficcionais fecundas de encantamento e emoção.

Na verdade, a “ronda” se iniciou em 1937, mas não se findou com a volta de Amado ao Brasil em 1938. Ela continuou por muitos anos, por décadas, diríamos que continuou até os últimos dias de Amado por aqui, pois as lembranças e os efeitos da “ronda” continuaram a acompanhá-lo. Jorge Amado continuou amando esses autores e suas obras, falava deles com muito entusiasmo, fortaleceu com eles uma

Ao traduzir Doña Bárbara e sugerir os livros

amizade de toda uma vida; de alguns se tornou

desses vários autores para edição, Amado abriu

confrade, de outros, compadre, rendeu-lhes

caminhos para que muitos leitores brasileiros

homenagens e por eles foi homenageado; foi anfitrião,

tivessem acesso a outros mundos, a outros universos,

foi hóspede, acolheu e foi acolhido; amou e foi Amado.

Referências bibliográficas ANTELO, Raúl. Textos à Ronda. Em: A Ronda das Américas.

BUFREM, S. Leilah (1995). A Editor a Guaíra:

Salvador: Casa de Palavras, 2001.

contribuições ao debate. Em: História da literatura no

AMADO, Jorge (2001). A ronda das Américas. Salvador: Casa de Palavras. ______. (1992). Navegação de cabotagem. Rio de Janeiro, Record.

palácio – 1890/1990 – Pré e pós-modernidade. p. 69-80. Curitiba: Umuarama Comunicações e Marketing. CÂNDIDO, Antônio (1993). Recortes. São Paulo: Companhia das Letras.

______. (1974). Rómulo Gallegos, há algo de comum entre

CARNASCIALLI. Juril (1993). Editora Guaíra: em busca

os romancistas da América? Em: Jornal do Brasil. Rio de

de sua História. Entrevista a Mercedes G. Prado. Em 06/

Janeiro. 15/06/1974.

09/1993. mimeo.

1052

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

COSTA, Samuel G. da (1993). Editora Guaíra: em busca

PAIXÃO, Fernando (1996). Momentos do livro no Brasil.

de sua História. Entrevista a Mercedes G. Prado, 06/09/

São Paulo: Ática.

1993. mimeo. GALLEGOS, Rómulo (2001). Doña Bárbara. Espasa Calpe: España. ______. (1974). Dona Bárbara. Trad. Jorge Amado. Rio de Janeiro: Record.

PEREIRA, M. José (2008). José Olympio: O editor e sua casa. Rio de Janeiro. Sextante. RÓNAI, Paulo (1987). Escola de tradutores. 5 ed. ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. VEJA on-line (1998). Disponível em http://veja.abril.com.

HALLEWELL, Lawrence (1995). O livro no Brasil: sua

br/040298/p_082.html – acesso em 31/10/2009. Acessado

história. São Paulo: T. A. Queiroz.

em 04/02/1998.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1053

EL CINE BRASILEÑO Y ESPAÑA: EL CASO DE CARLOTA JOAQUINA, PRINCESA DO BRASIL (1994)

Santiago de Pablo Universidad del País Vasco (UPV/EHU)

Las películas no sólo son creaciones artísticas,

los cineastas reconocidos a nivel internacional, la

sino también productos culturales que hay que vender

mayoría de esos filmes no han conse guido

y que necesitan un público. Esta perspectiva de

distribución o sus estrenos se han saldado con escaso

análisis del cine ha sido poco estudiada, aunque ya

número de espectadores. En realidad, el caso

existen algunos trabajos sobre los procesos de

brasileño no es la excepción sino un ejemplo más

distribución y recepción del filme, un producto que

de la regla general: si al control del mercado

genera (o intenta generar) riqueza, al mismo tiempo

cinematográfico español por las producciones

que conforma imaginarios colectivos e interactúa con

norteamericanas (un hecho casi universal) añadimos

la sociedad que lo produce y lo recibe (STAIGER,

el cine español, el francés y el británico, apenas

1992; ETHIS, 2006). En este marco teórico, en este

queda h ueco en las pantallas españolas para

texto analizaré la difícil difusión del cine brasileño

producciones del resto del mundo. Por poner sólo

en España. Específicamente, centraré mi análisis –a

un ejemplo, en 2010 el cine producido en Estados

modo de case-study– en el largometraje Carlota

Unidos acumuló el 69,1 % de los espectadores

Joaquina, princesa do Brasil (1994), de Carla

españoles y España, Francia y Reino Unido sumaron

Camurati. En teoría, el que su protagonista fuera un

el 28,3 %. Ello dejaba sólo un 2,6 % al resto del

miembro de la familia real española podía haber

mundo, incluyendo Latinoamérica. Así, en 1962-2012

ayudado a su recepción en España. Sin embargo, no

se estrenaron en España 62 largometrajes producidos

fue así y esta película no obtuvo distribución

en Brasil, de los que 22 eran filmes hispano-

comercial y pasó completamente desapercibida.

brasileños. Si tenemos en cuenta que Brasil produce una media de 25 o 30 títulos anuales (ÁLVAREZ, 2009, p. 29), se trata de una cifra escasa. No obstante,

El cine brasileño en España

no lo es tanto si la comparamos con otros países. Por ejemplo, en esos años, a pesar de compartir el mismo

El cine producido en Brasil no ha tenido

idioma, sólo tres países hispanoamericanos –con una

excesiva distribución en España. Salvo las

industria cinematográfica importante– superan el

coproducciones hispano-brasileñas y las películas de

número de filmes brasileños proyectados en las

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1054

pantallas españolas: México (502), Argentina (391) y

estrechar las relaciones entre ambas cinematografías–

Cuba (108)1.

no hay una penetración diferenciada del cine

Dentro de esta relativamente escasa presencia del cine brasileño en España, caben destacar algunas tendencias. Así, el momento de máxima difusión del cine propiamente brasileño (esto es, el no

brasileño en España. El cine que triunfa aquí es el mismo que logra dist ribución y prestigio internacional, gracias a su calidad, su éxito en festivales, etc.

coproducido con España) tuvo lugar en la década de

Pese a su crecimiento en los últimos años,

1960, cuando se estrenaron catorce filmes. Se trata

tampoco las coproducciones hispano-brasileñas ha

de algo lógico, pues coincide con la época dorada del

dado frutos demasiado esperanzadores. La

cinema novo brasileño, con varios cineastas de

distribución cronológica de las coproducciones

prestigio internacional, que estrenaron sus filmes

estrenadas en España es casi inversa al de las

también en España: Glauber Rocha, Carlos Diegues,

producciones cien por cien brasileñas: tras alguna

Rui Guerra, Nelson Pereira dos Santos, etc. Pero,

película aislada en las décadas de 1960 y 1970, no

incluso en esta época de esplendor del cine brasileño

hubo coproducción alguna entre 1980 y 1999. Por el

en España, era un cine minoritario. A pesar de que la

contrario, se coprodujeron nueve filmes en la década

asistencia al cine era entonces masiva, casi todos los

de 2000 y otros diez en los últimos tres años (2010-

filmes del cinema novo sólo tuvieron unos pocos miles

2012), sin que sepamos si esta tendencia va a

de espectadores. Las únicas excepciones fueron obras

continuar en lo sucesivo. A la espera de un análisis

maestras como Deus e o diabo na terra do Sol (1963,

más profundo sobre la financiación de estas películas,

con 84.362 espectadores) y Antonio das Mortes (1969,

todo indica que este cambio de tendencia se debe a

con 110.485)-2.

los programas de cooperación internacional que subvencionan las coproducciones con América

A partir de 1970, el número de películas

Latina. Especialmente hay que mencionar el

brasileñas estrenadas se estabilizó en torno a cinco/

Programa Ibermedia, puesto en marcha en 1998. Su

siete por década, ascendiendo sólo en 2000-2009, con

objetivo era “sentar las bases de un espacio

nueve filmes. En realidad, los filmes brasileños que

audiovisual iberoamericano par a fomentar la

se estrenan en España son casi los mismos que

coproducción y distribución de películas para cine y

obtienen distribución internacional. Por ello, entre

tele visión en lengua española y portuguesa”

esos filmes se repiten los más conocidos directores

(ÁLVAREZ, 2009, p. 5). Sin embargo, a pesar de los

brasileños: Hector Babenco, Walter Salles, Fernando

logros de este y otros proyectos de cooperación

Meirelles, etc. Sus éxitos mundiales han triunfado

cinematográfica iberoamericana, el incremento de

también en España: O Beijo da Mulher Aranha (1985)

películas coproducidas no ha significado un mayor

de Babenco, logró 417.453 espectadores; Central do

interés del público español por el cine hispano-

Brasil (1997) de Salles, 177.370; Cidade de Deus

brasileño. Buena parte de estas coproducciones no

(2002), de Meirelles, 224.035. La mayoría de las demás

han superado siquiera los mil espectadores en España,

películas han tenido muy pocos espectadores en

con el caso límite de Hora menos (2011), de Frank

España: habitualmente, apenas unos miles, con casos

Spano, con 253 entradas vendidas. Todo ello

clamorosos como Como fazer um filme de amor (2004)

demuestra lo difícil que es crear un espacio

de Jose Roberto Torero, que sólo vendió 609 entradas.

cinematográfico propio entre Brasil y España, algo

Todo ello demuestra que –a pesar de los lazos

que sí se está consiguiendo, por e jemplo, con

culturales iberoamericanos y de los programas para

Argentina. Sin duda, pese al carác ter común

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

iberoamericano, otros aspectos, como el lingüístico, influyen en esta dificultad.

1055

La película, tras narrar parte de la infancia de Carlota en España y de su matrimonio en Portugal, cuenta la estancia de la Corte portuguesa en Brasil. El guión refleja los problemas que trajo consigo la

Una película brasileña sobre una princesa española

llegada de la extensa Cor te a la colonia, las transformaciones operadas en la sociedad brasileña por este motivo, los manejos de la diplomacia

En este marco general de las dificultades del

británica, las malas relaciones entre la reina y su

cine brasileño para proyectarse en España se entiende

marido y los frustrados intentos de Carlota, como hija

el caso de Carlota Joaquina, princesa do Brasil. No

de Carlos IV, de hacer valer sus derechos a la corona

obstante, a primera vista este filme tenía algunas particularidades que podían haber hecho posible su transmisión en España: su temática, relacionada con la historia española de los siglos XVIII y XIX; su idioma, al estar rodada en castellano, portugués e inglés (respetando el idioma original de cada personaje); y su gran éxito en el mercado brasileño, lo que podía haber animado a distribuidores de otros países, como España, a tratar de repetir ese éxito. Sin embargo, no sucedió así, y el filme no llegó a ser estrenado en España y ni siquiera pudo proyectarse en festivales cinematográficos. Para entender este hecho hay que analizar primero la película en sí. Carlota Joaquina, princesa do Brasil (1994) fue el primer largometraje dirigido por la actriz brasileña Carla Camurati, hasta entonces autora solo de dos cortometrajes. El filme es una atípica producción histórica, que refleja en clave de comedia parte de la historia de Europa y América en la convulsa época de finales del siglo XVIII y principios del XIX, cuando las estructuras políticas y sociales del Antiguo Régimen sufrían los envites de las revoluciones liberales. Se trata de una biografía de la infanta Carlota Joaquina de Borbón, hija del rey Carlos IV de España, casada a los diez años con el futuro rey Juan VI de Portugal. Este matrimonio de conveniencia no funcionó, aunque Carlota siguió a su marido a Brasil, donde la Corte portuguesa se refugió en 1808, huyendo

española o de crear un reino independiente en el territorio del Río de la Plata (hoy Argentina y Uruguay), aprovechando la convulsa coyuntura española de 1808-1814. La película termina con la salida de la familia real de Brasil y la muerte de Carlota. Ésta es presentada como un personaje atrapado por las circunstancias políticas de la época, centrándose en su peculiar personalidad y en su impetuosa vida amorosa. Camurati eligió un género poco habitual en el cine brasileño, donde no existe una gran tradición de comedia ni de cine histórico. Además, Carlota Joaquina era un personaje muy secundario en la historia brasileña, aunque la directora destacó que la encrucijada de 1808 explicaría en parte la situación posterior de Brasil: su independencia, su mezcla de razas o sus diferencias sociales. Tratando quizás de adelantarse a posibles críticas, Camurati anunció antes del rodaje que, aunque el filme sería “fiel a los hechos históricos”, todo sería “contado con mucho humor. ¡Al fin y al cabo, se trataba de una familia de locos!” (SOUZA LIMA, 1993). Con un presupuesto reducido para este tipo de filmes (unos 630.000 dólares), Camurati evitó el glamour propio de las películas de época, optando por una estética simbólica y surrealista, pero que trataría de reflejar –según la directora– el Brasil de la época, “tal como era”.

de la invasión napoleónica. Este hecho sería el origen

Carlota Joaquina tuvo un gran éxito en Brasil,

de la independencia de Brasil, encabezada por Pedro

alcanzado 1.286.000 espectadores y siendo el 13 filme

I, hijo de Juan VI y de Carlota Joaquina.

nacional más v isto de 1994-2003 (SHAW y

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1056

DENNISON, 2005, p. 25). Tal y como reconoce el

preparar el camino para que su hijo Pedro I

propio Walter Salles, Carlota Joaquina significó la

proclamara la independencia de Brasil. El entonces

“retomada” del cine nacional, poniendo fin a la crisis

presidente del Partido Parlamentarista Monárquico

del cine brasileño en 1990-1995, debida a la política

de Brasil, Gastao Reis, también rechazó que se

cinematográfica de Collor de Mello. Según Selles, fue

presentara al rey “como un débil mental”, un juguete

“la primera película que tuvo éxito en nuestro país, y

en manos de los ingleses. Historiadores como

que reflejó la realidad que nos habían ocultado

Ronaldo Vainfas, de la Universidad Federal

durante los cinco años del gobierno Collor en que se

Fluminense, secundaron estas críticas, aduciendo que

interrumpió la producción cinematográfica” (DEBS,

el filme “no profundiza en la reflexión histórica”, pues

1999, p. 91).

en él “todos los personajes son caricaturas”. Juan VI se

Este gran éxito de público sorprende aún más si tenemos en cuenta que fue distribuida de forma independiente y casi artesanal, comenzando sólo con cuatro copias. Es lo que se ha denominado una “estrategia de guerrilla”, frente al “cine extranjero dominante”. Para ello, la productora trató de evitar la figura del distribuidor, negociando directamente con los exhibidores y buscando sesiones alternativas,

presentaba como un inepto, sólo pendiente de desprenderse de los amantes de su mujer, cuando en realidad habría sido un “estadista” que consiguió –a diferencia de España– mantener la unidad territorial de las colonias portuguesas. Lo mismo sucedía con Carlota Joaquina, presentada como una ninfomaníaca, dejando a un lado sus logros, como el proyecto de invasión del Río de la Plata (CÔRTES, 1995).

para segmentos específicos de mercado (VILLALTA,

Frente a estas protestas, Camurati respondió

2004, p. 242). Por ejemplo, como filme de género

de dos modos diferentes. Por un lado, defendió la

histórico, Carlota Joaquina obtuvo un mercado

historicidad de la película, basada en libros académicos;

específico en el ámbito escolar, por medio del

Por otro, se escudó en su libertad creativa y en la

denominado “Projeto Escola”, que garantizaba a las

capacidad del cine para contar historias a partir de la

salas sesiones en horarios distintos con público

Historia. Aunque explicó que su intención “no era crear

cautivo. Presentando su filme como una obra

polémica”, recusó la “historia oficial, que precisa de

histórica, Camurati fomentaba así sus posibilidades

gloria y de héroes”, acusando a Juan VI de haber

de utilización en el espacio escolar, tal y como sucedió

abandonado a los portugueses, huyendo de Napoleón:

posteriormente (VILLALTA, 2005).

“Quien tiene que enseñar Historia de Brasil es la

A pesar de su éxito, la película tuvo

escuela. A mí me gusta mi Juan VI” (CÔRTES, 1995).

detractores, no sólo en el terreno cinematográfico

En realidad, la polémica histórica a que dio

sino también en el historiográfico e ideológico. Los

lugar el filme es un buen ejemplo de las complejas

descendientes de la familia real brasileña y algunos

relaciones entre historia, cine y sociedad. Estas hacen

historiadores criticaron los aspectos histriónicos del

difícil –si no imposible– establecer unos criterios fijos

filme, como la insistencia en la gula de Juan VI o en

de cuándo una película es apropiada desde el punto

las múltiples relaciones extra-matrimoniales de la

de vista de su historicidad. En el fondo se trata de

reina, presentada como una ninfómana empedernida.

distinguir –en palabras de uno de los mejores

Según su descendiente João de Orléans e Bragança,

expertos en las relaciones entre cine e historia– entre

el rey aparecía en el filme como un glotón, “sin

“invención adecuada” e “inadecuada” en las películas

ninguna contribución histórica de peso”, a pesar de

con

que habría sido un gran “estratega político” que supo

(ROSENSTONE, 1995, p. 72). En este sentido, en

respecto

al

cono cimiento

histórico

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1057

Carlota Joaquina sí parecen discutibles el intento de

e histórica, centrada en un aspecto casi desconocido

jugar con la ambientación y el lenguaje de los

de la historia de España y de su familia real. Su primer

protagonistas; el peculiar uso de la música o la forma

objetivo fueron los festivales, un marco que parecía

poco profunda con que se tratan determinados

adecuado para filmes como éste, aparentemente

personajes o situaciones. Además, su tono satírico y

difíciles para el público español. Sin embargo, las

esperpéntico, que algunos críticos compararon con

gestiones con los festivales de Gijón o Huelva

Pedro Almodóvar o los Monty Python (YOUNG,

fracasaron, a pesar de estar este último especializado

1995, p. 14), no era el más adecuado para lograr el

en cine iberoamericano.

elogio de los especialistas. Así, algunas obras académicas han calificado el filme como “caricaturizado y grotesco” (JOHNSON, 2006, p. 118). No obstante, Carlota Joaquina no trata de contar la Historia, sino una historia y –dentro del tono satírico y demoledor de la narración– sí da algunas claves que pueden permitir al público comprender la convulsión que la revolución liberal produjo en las Monarquías europeas.

Descartada su proyección en festivales, el siguiente paso fue intentar su emisión en televisión. Dado que en España la cadena estatal, Televisión Española (TVE), se considera un “servicio público”, parecía lógico pensar en que TVE podía estar interesada en emitir un filme sobre la historia de España. Urrutia se dirigió a Alfredo López, director de producción ajena de TVE, explicándole que el largometraje estaba hablado en parte en español y

Fuera de Brasil, la ópera prima de Camurati

que “la directora pretende entrar en contacto con

no llegó a estrenarse comercialmente, aunque se

alguna entidad española que se interese por el tema

proyectó en el marco del Festival de Berlín, dentro

para poder llegar a acuerdos comerciales por el

de un ciclo de cine brasileño. Tampoco pudo verse

mismo. Ella piensa que es un documento histórico y

en España, a pesar del interés que podía tener una

educativo que defiende la maltratada figura de

película que trataba sobre una princesa española, y

Carlota Joaquina”. Esta última afirmación no deja de

de que se realizaron gestiones encaminadas a lograr,

ser contradictoria, si tenemos en cuenta las críticas

si no su proyección comercial, sí al menos su presencia

que habían surgido en Brasil ante el tratamiento de

en festivales y en televisión. El encargado de estas

la figura de la protagonista, pero lo que nos interesa

gestiones fue Enrique Urrutia, un filólogo español que

resaltar es el modo de atraer la atención de TVE, al

residía en Brasil cuando comenzó la producción de

presentar el filme como un documento educativo,

la película. Urrutia trabajó como asesor lingüístico

centrado en la historia de España. Pero, a pesar de

de los diálogos en castellano del filme y como profesor

este enfoque, tampoco TVE quiso emitir la película.

de español de la actriz que interpretaba a Carlota Joaquina, la brasileña Marieta Severo. La directora lo eligió además para interpretar el papel del español José Presas, un personaje real, secretario y hombre de confianza de Carlota.

Urrutia se dirigió también directamente a quien pensaba que podía estar más interesado en recuperar la figura de Carlota Joaquina: su pariente el rey de España Juan Carlos I. En una primera carta al rey, Urrutia le envió el guión, solicitando una

De vuelta a España, Urrutia intentó fomentar

entrevista para explicarle los detalles del filme y

la proyección del filme, utilizando una estrategia de

proponerle una proyección privada. Sin embargo, la

distribución individualizada y de segmentación de

respuesta de la Casa Real fue negativa. Aunque un

mercado semejante a la aplicada en Brasil. Para ello,

miembro de su staff le agradeció la carta en nombre

trató de presentar la película como una obra cultural

del rey, al mismo tiempo le comunicó no podía

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1058

recibirle por falta de tiempo. Urrutia respondió

funcionar en Brasil, pero no en otros países con una

mostrándose dispuesto a enviar a Juan Carlos I una

identidad, una cultura y un humor diferentes.

copia de la película en 35 mm. y recalcando de nuevo que su idea era “ofertar la misma, a una cadena de televisión que enfoque la proyección de la película ‘Carlota Joaquina Princesa de Brasil’ desde un punto de vista meramente cultural e histórico”3.

Además, a pesar de los intentos de vender la película como un modo de recuperar parte de la historia de España y de la dinastía de los Borbones, el modo en que se representaba a Carlota Joaquina, con independencia de su veracidad histórica, no era

Sin embargo, el 23 de mayo de 1996 Urrutia

el más acertado para atraer el apoyo de las autoridades

reconocía en una carta a Camurati que no tenía

culturales, políticas y televisivas españolas, ni siquiera

noticias de la Casa Real y que todas las gestiones

de la propia familia real. Todo ello explica por qué

encaminadas a difundir el filme habían naufragado.

este producto cultural brasileño, incluso teniendo

Éste sólo se proyectó en vídeo, en sesiones privadas

puntos de contacto con la historia de España, apenas

de carácter cultural o educativo, como la que tuvo

logró ser conocido aquí; y confirma la dificultad del

lugar en la Universidad del País Vasco en Vitoria, en

cine brasileño para encontrar un mercado específico

noviembre de 1997. Posteriormente, ha sido visionada

en España, más allá de las películas que, por su calidad

en España sólo en ámbitos académicos relacionados

o por haber triunfado en festivales cinematográficos,

con los estudios de portugués o de historia y cultura

logran una distribución internacional.

de Brasil. En realidad, por mucho que se intentara destacar que la película podía dar a conocer a un personaje español casi desconocido, su contenido y su estilo hacían difícil su difusión en España. Tal y como explicaba la reseña del filme publicada en la

Referencias bibliográficas ÁLVAREZ, Joan (2009): Programa Ibermedia 1998-2008: Evaluación. Diez años de apoyo al cine Iberoamericano. Madrid: FIA.

revista Variety, “esta comedia histórica surrealista” era “demasiado vanguardista para un público amplio” (YOUNG, 1995, p. 14). Además, la comedia es en

CÔRTES, Celina (1995): Regente na berlinada. Em: Jornal de Brasil. B, 18 de enero.

general mucho menos universal que el drama y las

DEBS, Sylvie (1999): Un entretien avec Walter Salles. En:

referencias humorísticas a veces no funcionan en

Cinémas d’Amérique Latine, Nº 7, pp. 91-97.

ámbitos distintos al propio. Un especialista ha señalado que esta “historia revisionista” tuvo éxito

ETHIS, Emmanuel (2006): Les spectateurs du temps: pour une sociologie de la réception du cinéma. París: L’Harmattan.

en Brasil “en buena medida porque el público era capaz de compartir en privado bromas acerca de la identidad brasileña” (FITCH, 2009, p. 121). Otro añade que Carlota Joaquina “mira atrás a la historia

FITCH, Melissa A. (2009): Side Dishes: Latina American Women, Sex, and Cultural Production. New Brunswick: Rutgers University Press.

del país en busca de nuevas tendencias e ideas para

HERNÁNDEZ-RODRÍGUEZ, Rafael (2010): Splendors of

entender el presente. Quizás por eso la película fue

Latin Cinema. Santa Bárbara: ABC-CLIO.

un enorme éxito, hasta el punto de que es considerado

JOHNSON, Randal (2006) Post-Cinema Novo Brazilian

el filme que atrajo al público brasileño para volver a

Cinema. En: BADLEY, Linda (ed.): Traditions in World

ver

Cinema, p. 117-128. New Brunswick/Edimburgo: Rutgers

películas

nacionales”

(HERNÁNDEZ-

RODRÍGUEZ, 2010, p. 88). Y estas claves podían

University Press/Edinbourgh University Press.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1059

ROSENSTONE, Robert (1995): Visions of the Past: The

VILLALTA, Luiz Carlos (2004): Carlota Joaquina, Princesa

Challenge of Film to our Idea of History. Cambridge Mass:

do Brasil: entre a história e a ficção, um “romance” crítico

Harvard University Press.

do conhecimento histórico. En: Revista USP, Nº 62, p.

SHAW, Lisa y DENNISON, Stephanie (2005): Latin

239-262.

Amer ican Cinema: Essays on Modernity, Gender and

______. (2005): O cinema e a História: reflexões e relato

National Identity. Nueva York: Mc Farland & Company.

de uma experiência de ensino. En: Educação em Revista,

SOUZA LIMA, Eduardo (1993): A herança da rainha louca. En: O Globo, 19 de septiembre.

Nº 41, p. 175-191. YOUNG, Deborah (1995): Carlota Joaquina, Princess of

STAIGER, Janet (1992): Interpreting Films. Studies in the

Brazil. En: Variety, 24 de mayo.

Historical Reception of American Cinema, Princeton NJ: Princeton University Press.

Notas 1

http://www.mcu.es/cine. Acceso el 25/08/2012. Todos los datos de películas y espectadores citados en este artículo proceden de esta fuente. Corresponden sólo a entradas vendidas en salas cinematográficas.

2

Excepcionalmente, en esta misma época se estrenaron también, con gran éxito, dos filmes más comerciales: Selva trágica (1962), de Roberto Farías, con 275.377 espectadores, y Manaus, Glória de uma Época/Und der Amazonas schweigt (1963), de Franz Backhaus y Helmut M. Eichhorn, con 407.164, pero que en realidad era una película de producción alemana, en colaboración con Brasil.

3

Esta y todas las demás cartas y documentos citados sobre las gestiones para distribuir el filme en España proceden del archivo privado de Enrique Urrutia, a quien agradezco su amabilidad.

1060

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

ZONAS DE PENUMBRA E VACÍOS: FICÇÃO E HISTÓRIA EM MANUEL RIVAS

Sebastião Ferreira Leste UFMG

De hecho, la Guerra Civil es el asunto de El lápiz del carpintero, La lengua de las mariposas [y Los libros arden mal], pero la mayoría de mis obras tratan otros mundos. De todas formas, hablar de esa guerra no es un argumento histórico, sino que tiene que ver con nosotros, con el presente. La guerra española fue el escenario donde se escenificó la derrota de la Humanidad. Por otra parte, fue una guerra que se prolongó con 40 años de dictadura y muchas de sus sombras no están curadas. Escribir para mí es una cura personal. Manuel Rivas

As grandes catástrofes da humanidade,

desse quadro, o objetivo desta comunicação é fazer

sobretudo as datadas do século XX, como a Guerra

uma incursão por este segundo grupo de narradores,

Civil Espanhola (1936-1939) e a Segunda Guerra

ou mais especificamente, analisar obras ficcionais

Mundial (1939-1945) têm provocado vasta

com raízes na memória coletiva que se imbricam com

publicação literária, além de considerável produção

a História oficial relativamente à Guerra Civil

cinematográfica, documentários, peças teatrais,

Espanhola. Sob a persp ect iva do exercício

exposições fotográficas, músicas, etc. No âmbito da

rememorativo em sintonia com a potência criadora

literatura há muitos relatos em que as próprias

de Manuel Rivas surgem outras possibilidades de se

vítimas, ao vencerem as limitações decorrentes do

imaginar uma “verdade não factual” (se cabe o

trauma, ou mesmo, ainda sob o efeito vivo da visão

paradoxo). Com efeito, Rivas faz uma tradução

aterradora da exp eriência, apresentam seus

artístico-literária de supostos eventos relacionados à

depoimentos na condição de “testemunhos

guerra, que são – uma vez aceito o pacto ficcional

primários” (SELIGMANN-SILVA 2003, p. 371-385)

proposto ao leitor – um “reacontecimento histórico”

e conseguem exteriorizar, com lucidez e coerência,

pelas vias da ficção, considerando-se a riqueza das

os horrores sofridos e/ou presenciados nos campos

imagens textuais de El lápiz del carpintero (1998) e

de extermínio, nas batalhas, no exílio e nas prisões

de Los libros ardem mal (2006), ambientados, ambos,

políticas. Mas, de fato, a grande maioria das narrativas

a exemplo do conto “La lengua de las mariposas”

sobre esse tema é memorialística e tem origem,

(1995), no espaço dos combates bélicos e dos embates

portanto, nos testemunhos secundários. A partir

sociopolíticos ocorridos durante o enfrentamento e

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1061

no regime ditatorial do pós- guerra imposto pelo

censura e um índex de livros proibidos, bem como

franquismo.

reprimiam a produção e o comércio de textos e

Dentre as vítimas do Holocausto praticado na Segunda Grande Guerra, poucas conseguiram narrar o que sofreram ou testemunharam nos campos de extermínio nazistas. A grande maior ia ficou emudecida pelo trauma. Giorgio Agamben, em O que resta de Auschwitz (AGAMBEN, 2008), observa que o sobrevivente Primo Levi conseguiu narrar sua

imagens sem sua prévia autorização. Somavam-se a essas restrições: a proibição do uso das línguas regionais, as classes mistas nas escolas e o divórcio. O acesso às bibliotecas era monitorado, e muitos livros não podiam ser consultados. Com a vitória final e definitiva do franquismo, em 1939, essas imposições passaram a ser válidas para todas as regiões da Espanha.

experiência logo que liberto, enquanto Elie Wiesel e Ruth Glüger só o fizeram muito tempo após a libertação. Na verdade, a maioria dos judeus que

O mesmo autor observa que nessa ocasião os nacionais,

sobreviveram ao regime genocida hitleriano ficou incapacitada, psicologicamente, para rememorar a traumática experiência a que foi submetida. Com as vítimas da Guerra Civil Espanhola não foi diferente. Aliás, este conflito é tomado por muitos historiadores como prólogo da Segunda Guerra Mundial. Com efeito, a Espanha funcionou, para alguns países europeus, como laboratório de

À semelhança dos nazis, efectuam queimas públicas de livros considerados ‘vermelhos’ e ‘pornográficos’, e não hesitam em bombardear Madrid, atingindo o Museu do Prado, a Biblioteca Nacional, a Academia de São Fernando e outras zonas históricas. (CERQUEIRA, 2005, p. 9).

Além de restrições culturais, os nacionais não permitiam a emancipação das mulheres, que não tinham quaisquer direitos. O seu papel resumia-se à

testes para as “peças” bélicas (artilharia, soldados e

maternidade e aos afazeres domésticos, ficando

estratégias e manobras de guerra) que viriam a ser

totalmente submetidas aos mandos do homem,

aplicadas, efetivamente, no grande conflito mundial

contrariamente ao que possibilitava o regime

(1939-1945). Essa é uma das lembranças mais

republicano. No palimpsesto desse contexto histórico

incômodas para a humanidade, tendo em vista que a

Rivas produz relatos literários, que sem omitir o teor

“ajuda” externa contribuiu para que a Guerra Civil

catastrófico do conflito, explora a poeticidade e o

Espanhola se transformasse num fratricídio sem

humor, além de evidenciar a força e o protagonismo

precedentes.

das personagens femininas, como, aliás, queriam os

A propósito da histórica animosidade entre as “duas Espanhas”, o historiador Edward Malefakis faz, em La Guerra Civil Española (2006), um paralelo entre o quadro Duelo a garrotazos, de Goya, e os problemas sociopolíticos que desencadearam o enfrentamento civil entre nacionais e republicanos.

republicanos. Tanto em “La lengua de las mariposas” em que a mãe de Pardal assume o comando da situação para que seu marido – republicano – não fosse levado preso pelos nacionais; em El lápiz del carpintero, assinalando a determinação de Marisa Mallo contra o poder de Benito Mallo, para construir seu próprio destino ao lado de Daniel da Barca,

Em Arte e literatura da guerra civil de Espanha

quanto em Los libros arden mal, em que Chelo e O

(2005), o pesquisador João Cerqueira assinala que, à

ocupam um espaço narrativo de destaque ao longo

medida que os nacionais retomavam o poder e

dos relatos, há um afã de retirar da sombra masculina

nomeavam um dos seus correligionários para

a força da mulher para inscrevê-la como partícipe

substituir um político republicano, impunham a

efetiva na história da guerra.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1062

Várias gerações de escritores, desde a que

aquela guerra ainda instiga a produção de trabalhos

vivenciou o conflito, tem se sucedido em produções

artísticos nas mais diversas áreas e suscita

literárias testemunhais, memorialísticas e ficcionais

manifestações de toda ordem em memória das

sobre o conflito. É nesta última perspectiva que as

vítimas. Autores como Manuel Rivas, que à época do

narrativas rivasianas foram produzidas, mas sem se

conflito sequer eram nascidos, produzem hoje,

distanciarem, como declara o próprio autor, do

buscando na memória coletiva, registrando

paradigma dos relatos históricos, mesmo porque sua

reminiscências e folheando os arquivos históricos,

ficção germina no campo da memória e da pesquisa

obras rele vantes para se refle tir sobre aquela

historiográfica, embora não se configurem como

catástrofe. A mídia espanhola, como o Jornal El País

romance histórico, mas como obra ficcional. Dessa

tem noticiado embates políticos-ideológicos entre os

forma, é uma escrita de resistência sem a paixão

que defendem a memória dos vencidos e os que

revolucionária do testemunho primário, mas que

exigem o esquecimento do passado. Esses

passa pelo crivo da crítica ao discurso histórico

comportamentos são resquícios das ideologias que

oficializado pelos vencedores.

representavam as “duas Espanhas” dos períodos

Acerca desse histórico, João Cerqueira (2005) aponta que

belicoso e do pós-guerra. Com vários relatos, que abordam essa temática, a obra de Rivas configura-se, a exemplo do

Durante a Guerra Civil de Espanha e posterior regime franquista, a arte e a literatura despontam como forma de resistência à opressão e à violência, encarnando um sentimento profundo de insubmissão e esperança. Intelec tuais e semianalfabetos são envolvidos por una onda de paixão revolucionária, recorrendo a todas as formas de expressão para partilharem os sonhos pelos quais estavam dispostos a dar a vida. Uma intensa força espiritual compele operários, artistas, escritores, cineastas e músicos a explorarem as suas potencialidades criativas para servirem a um ideal político-filosófico. Desse esforço desesperado brotam um número difícil de quantificar de obras literárias, artísticas, cinematográficas, teatrais e musicais (CERQUEIRA, 2005, p. 11).

marinheiro viajante de que fala Walter Benjamin, em “O narrador” (1975), como guardiã e, ao mesmo tempo, como difusora de memórias que os vencedores quiseram silenciar ao registrarem, em caráter oficial, o discurso que lhes convinha. Ao narrar o inicio da guerra, o conto “La lengua de las mariposas” (1996) se propõe a abrir um arquivo mnemônico que se expõe ainda mais em El lápiz del carpintero (1998) para escancarar-se em Los libros arden mal (2007). Muito mais complexa que as anteriores, esta obra, com cerca de 800 páginas, se apresenta como um mosaico de micro histórias, que impactam pela

De fato, iniciativas individuais ou produções

potência do discurso memorialístico-ficcional.

sindicais e de associações de classes relataram experiências e testemunhos durante o confronto. E

Com uma linguagem eclética, Rivas considera

com a vitória final dos nacionais, em 1939, a ditadura

que não há cisão entre tradição oral e tradição culta.

de Francisco Franco que se seguiu provocou forte

Por isso se pode compará-lo ao velho jogral medieval

resistência pró-republicana por parte de expatriados

que fazia da contação de histórias populares o seu

e autoexilados que fizeram da arte, sobretudo da

meio prazeroso de sobrevivência e resistência. Lendas,

literatura, um instrumento ativador da memória e

mitos, adágios e todas as formas de manifestações

de contestação contra o despotismo do regime

culturais – popular e erudita – permeiam suas

imposto por Franco. Internamente, a produção

histórias. Em 2004, por ocasião do lançamento, em

cultural deveria submeter-se à censura imposta pelas

Portugal, do livro de contos Las llamadas perdidas

diretrizes do poder vigente. Passadas sete décadas,

Os se us cco o nt os (2002), o entrevistador o interroga: “Os seus ntos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1063

são bastant ealistas. IInspir nspir a-se eem m histór ias bastantee rrealistas. nspira-se histórias

Em El lápiz del carpintero, se constata o

ve rda d eir as ou vvai ai rree colhe nd o vviivências aq ui e ali?” dad iras olhend ndo aqui

produtivo encontro entre a ficção e a tradição, ou

Ele argume nta: argumenta:

memória e a “verdade” da História. Está em Rivas:

Acho que o fundamental para o escritor é o acto de escutar. Há uma figura tradicional da cultura popular galega que são umas pessoas chamadas “escoltas” (no original). São marinheiros, pescadores, viajantes, que sabiam da vinda de tempestades e marés vivas, porque sabiam escutar o mar. Dizia-se, a brincar, que tinham uma orelha maior do que a outra. Eu não tenho uma orelha maior que a outra (risos), mas o meu primeiro recurso enquanto escritor é escutar. Mas também se escuta com os olhos, por exemplo, a expressão ou a Natureza. Não p odemos contemplar a Natureza ou a paisagem, mesmo a urbana, como postais turísticos. Há que escutar também a dor da terra e do mar, ver tudo como uma paisagem emocional. (RIVAS, 2004)

En la cárcel de Coruña había cientos de presos. Todo parecía funcionar de forma organizada, más industrial. Incluso las sacas nocturnas. Lo solían llevar a morir muy cerca del mar. Durante las descargas, las aspas de luz del Faro Hércules hacían resplandecer a los fusilados que llevaban camisa blanca. […] Entre las diversiones de los paseadores nocturnos figuraba la de la muerte aplazada. A veces, entre los prisioneros escogidos para ser asesinados, sobrevivía alguno al que le tocaba una bala de fogueo. Y esa suerte, esa vida por azar, hacía todo más dramático, antes y después. Antes porque una mínima y caprichosa esperanza perturbaba como guijarros en el camino la compasión de los que iban en la cordada. Y después, porque el que volvía certificaba el horror con el espanto de sus ojos. (RIVAS, 2002, p. 63)

De fato, o “menino” que se escondia no vão da escada de sua casa para ouvir os “casos” dos adultos, se declara apaixonado pela tradição oral a ponto de traslada-la para sua escrita. Pensando com Maurice Halbwachs (2004), Pierre Nora (1993) e Paul Ricœur (2007), relativamente à memória coletiva e aos lugares de memória, percebe-se que ele (Rivas), inclusive, humaniza o Farol Hércules, imputando-lhe o papel de testemunho das execuções sumárias praticadas nas praias circunvizinhas e nos arredores de seus muros. Também os livros, ele os personifica ao observar que ao arderem na Praça María Pita, em Coruña, exalam odor de carne humana. Essa é, com efeito, a forma de “ver tudo como uma paisagem emocional”. Ademais, pode-se pensar o processo criativo desse autor a partir, também, das postulações

Essa mesma cena é assim narrada pelos historiadores Pierre Broué y Émile Témime: El paseo se desenvolvía casi siempre conforme a la misma trama siniestra: la víctima, designada por un comité de “vigilancia” o de “defensa” de un partido o de un sindicato, era detenida en su casa, en la noche, por hombres armados, se la llevaba en coche lejos de la ciudad y se la abatía en un rincón aislado. De esta manera perecieron, víctimas de verdaderos arreglos de cuentos políticos, los curas, los patronos, pequeños y grandes, los hombres políticos, burgueses reaccionarios, todos aquellos que, en un momento u otro, disputaron con una organización obrera, jueces, policías, guardias de cárcel, soplones, atormentadores, pistoleros o, más simplemente, todos aquellos que una reputación política o una situación social señalaron de antemano como víctimas. (BROUÉ y TÉMIME, 1979, Tomo 1, p. 137)

do escritor e crítico argentino Juan José Saer, em El concepto de ficción (1997), e de Walter Benjamin, em

Vale assinalar, retomando Saer (1997), a

“O narrador” (1975). O primeiro observa que “el

propósito desses dois excertos, que “la credibilidad

rechazo escrupuloso de todo elemento ficticio no es

del relato y su razón de ser peligran si el autor

un criterio de verdad” (SAER, 1997, p. 7); já

abandona el plano de lo verificable”. Afinal, como

Benjamin, nesse ensaio, trata (com certo pesar) da

diria Henry James, anotado por Wolfgang Iser, a obra

perda da tradição das narrativas orais, devido ao

de ficção é uma forma de “viver a vida outra vez”.

“naufrágio” do marinheiro viajante.

(ISER, 1999, p. 65-66)

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1064

Quanto à estrutura, na obra rivasiana são recorrentes micros relatos como “Santa Compaña” e “Vida y Muerte” diluídos dentro da narrativa principal. Os narradores as recontam, coletando-as no domínio da memória cultural, sem a preocupação reivindicatória de autoria, que se sabe, pertence à

Parte de la modesta función de la literatura es, frente a las abstracciones, acercarse al mundo de lo concreto. Al mundo de la designación real de las cosas”. […] En Los libros arden mal, en El lápiz del carpintero y en “La lengua de las mariposas” no se trata de contar una historia, ni siquiera un episodio. Lo que trato es de hablar de la guerra de las guerras. Es una historia dramática de la cultura.

crença popular, à identidade galega. Em suas narrativas, além da abordagem da guerra armada

Essa fala está em sintonia com o que postula

propriamente (vale lembrar que à guerra armada

Pierre Achard: “a memória não pode ser provada, não

ante cede a ideológ ica) ent re re publicanos e

pode ser deduzida de um corpus, mas ela só é

nacio nais há nos meandros o embate entre a linguagem formal e a oral (aqui transcrita como a fala das personagens menos escolarizadas), que têm como paradigmas, respectivamente, o culto médico Daniel da Barca e o seu carrasco – o rústico guarda civil/carcereiro Herbal, de El lapiz del carpintero, ou do juiz Ricardo Samos e a lavadeira O, de Los libros arden mal.

trabalhada ao ser reenquadrada por formulações no discurso concre to em que nos encontr amos” (ACHARD, 2007, p. 8). Pode-se, então, para corroborar esse postulado, recorrer novamente a Juan José Saer, que afirma: “la verdad no es necesariamente lo contrario de ficción, y que cuando optamos por la práctica de la ficción no lo hacemos con el propósito turbio de tergiversar la verdad. (SAER, 1997). Sob essa ótica, a memória rivasiana é o veículo que transita

As narrativas rivasianas aqui referidas são, ao

entre o histórico e o ficcional. Na perspectiva dessa

mesmo tempo, uma incursão pela memória coletiva

narratologia, nem a História nem a Literatura pode

e pela invenção de lembranças; é uma escrita ficcional

configurar-se como discurso absoluto. Ambas ficam

que se deixa atravessar pela intervenção crítica de um

em suspenso – são relativizadas. Seja porque o

intelectual que entrevê na pretensa verdade da

histórico está revestido de imaginação ou, ao

História outras possibilidades de verdades esvaziadas

contrário, a invenção apresente elementos da

pelo poder dos vencedores, ou imersas nas “zonas de

realidade, como teoriza Wolfgang Iser, em O fictício e

penumbra” pelo esquecimento das novas gerações,

o imaginário (1999). A escrita de Rivas se dá nesse

que ao se refugiarem no presente se alheiam ao

interstício, nessas zonas de penumbra – espaços

passado. O lugar de enunciação se configura, assim,

discursivos obscurecidos pela intencionalidade dos

como elemento de afirmação identitária, como discurso de pertencimento a um espaço em que a guerra é o eixo dos acontecimentos. Sem apontar para uma literatura regionalista ou panfletária – é sim, o local que ganha âmbito universal, conforme observa Isabel Castro Vázquez (2007), em Reexistencia: a obra de Manuel Rivas.

vencedores, que oficializaram uma verdade apenas sua. Intercâmbios, imbricações e fusões de personagens e vozes reais e fictícias, imprimem à forma fingida um efeito verossímil. O holofote literário está focado no não dito, no mal dito, no não ouvido, no que foi propositalmente omitido, mas que está arquivado na memória coletiva e latente nos lugares de memória enquanto espaço de

“La lengua de las mariposas”, El lápiz del

rememoração voluntária e como lembrança

carpintero e Los libros arden mal remetem à História,

traumática, a exemplo da queima de livros de que

mas sem repeti-la ou desvirtuá-la. O próprio autor

trata Los libros arden mal, e da tensa relação amorosa

confessa que

de Daniel da Barca e Marisa Mallo, de El lápiz del carpintero.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1065

Se comumente se pensa que o vencedor tende

por tratar-se de uma questão problemática para a

a esquecer e a vítima a relembrar, a prolongar o luto

cultura. E cultura, nesse contexto, tem a ver com a

exilado no trauma, na obra rivasiana, sobretudo em

política da memória histórica, com a identidade e com

El lápiz del carpintero, há uma subversão desse

as manifestações linguísticas, enfim, com a cultura no

paradigma, já que as reminiscências partem do

sentido lato. As respostas mais contundentes, porém,

vencedor – Herbal – o carrasco do protagonista

estão em suas obras. Nelas, ele se inscreve como

Daniel da Barca. Mas, neste caso, o vencedor, como

homem do seu tempo, mas conectado com o tempo

ocorre com o vencido, não se esqueceu do passado.

do outro, esse outro pluralizado, dialógico, que deixou

No conto “La lengua de las mariposas” (in ¿Qué me quieres amor?), o narrador, citando o poema “Recuerdo infantil”, de Antonio Machado, utiliza uma

como herança para as gerações seguintes uma ferida que resiste em cicatrizar-se, uma memória que requer uma constante vigília.

estratégia sutil, metaforizada e poética para abordar,

Para Rivas, segundo suas próprias palavras,

simultaneamente, sob a ótica da memória, o cenário

“La imaginación no es un producto de la fantasía, la

do confronto, e prenuncia o fratricídio que viria a

imaginación es la prolongación de la memoria, es la

acontecer durante a guerra. Don Gregorio – o

levadura con la que se fermenta esa memoria”, e suas

professor – pede ao aluno Romualdo que diga o título

personagens narram a partir do “cenário onde se

e leia o poema; e que o faça “con calma y en voz alta”

encenou a derrota da Humanidade”. (RIVAS, 2012)1

(RIVAS, 2000, p. 28): Una tarde parda y fria

Referências bibliográficas

de invierno. Los colegiales estudian. Melancolía de lluvia trás los cristales. Es la clase. En un cartel se representa a Caín fugitivo y muerto Abel, junto a una mancha carmín... (RIVAS, 2000, p. 29)

ACHARD, Pierre (2007). Papel da memória. Trad. e Int. de José Horta Nunes. São Paulo: Pontes Editores. AGAMBEN, Giorgio (2008). O resta de Awschwitz. Trad. Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo. BÁEZ. Fernando (2006). História Universal da destruição

Esse poema é um retrato verbal da situação que se apresentava naquele momento e já prenunciava a catástrofe iminente. Don Gregorio, na condição de republicano, antevia nesses versos as imagens que se revelaram durante o confronto – uma guerra em que compatriotas, (irmãos “Caín y Abel”) ou nacionais e

dos livros: Das tábuas sumérias à guerra do Iraque. Trad. Léo Schlafman. Rio de Janeiro. BENJAMIN, Walter (1975). O Narrador. In: ______ Os Pensadores: Textos escolhidos. 1ª ed. Trad. de Erwin Theodor Rosental. São Paulo: Abril Cultural e Industrial.

republicanos se enfrentariam até a morte. Mas a

BROUÉ, Pierre y TÉMIME, Émile (1979). La revolución y

República era a forma de romper com a monotonia,

la guerra de España – Primera parte, segunda reimpresión.

com a “chuva sobre o molhado”, a desesperança que

México: Fondo de Cultura Económica.

o regime antirrepublicano representava.

CASTRO VÁZQUEZ, Isabel (2007). Reexistencia: A obra

Sempre que, em entrevista, é questionado

de Manuel Rivas. Vigo: Edicións Xerais de Galícia, S.A.

sobre a recorrência da Guerra da Espanha em sua

CERQUEIRA, João (2005). Arte e literatura na Guerra Civil

obra, Rivas admite ter interesse em abordar esse tema

Espanhola. Porto Alegre: Zouk.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1066

HALBWACHS, Maurice (2004). A Memória Coletiva. São

______. (1998): La lengua de las mariposas. Em: ¿Qué me

Paulo: Ed. Centauro.

quieres, amor? p. 21-39. Madrid: Ediciones Alfaguara S.A.

ISER, Wolfgang (1999): O fictício e o imaginário. Em:

______. (2007): Las llamadas perdidas. Madrid: Punto de

ROCHA, João César de Castro. (Org.) Teoria da ficção:

Lectura, S.L.

indagações à obra de Wolfgang Iser. Tradução de Bruna Waddinton Vilar e João César de Castro Rocha. Rio de Janeiro: EdUERJ p. 65-77. MALEFAKIS, Edward (dir) et al (2006): La Guerra Civil Española. Madrid: Santillana Ediciones Generales S.L.

______. (2007): Los libros arden mal. Madrid: Punto de Lectura, S.L. ______. (2004): Em: entrevista. Disponível em: http:// portalivros.wordpress.com/2009/03/16/manuel-rivasentrevista-a-proposito-as-chamadas-perdidas-dom-

NORA, Pierre (1993): “Entre Memória e História: a problemática dos lugares”. Em: Projeto História. São Paulo: PUC, n. 10, p. 07-28.

quixote/ Acessado em 30/06/2012. SAER, Juan José (1997). El concepto de ficción. Argentina/ Ariel: Espasa-Calpe. Disponível em http://www.literatura.

RICŒUR, Paul (2007): A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François [et.al.]. Campinas, SP: Editora da UNICAMP.

org/Saer/jsTexto6.html Acessado em 30/07/2012. SELIGMANN-SILVA, Márcio (2003). O testemunho: entre a ficção e o “real”. Em: SELIGMANN-SILVA, Márcio (org):

RIVAS, Manuel (2002): El lápiz del carpintero. Ciudad de

História memória e literatura, p. 371-385. Campinas:

Buenos Aires: Suma de lecturas argentinas S.A.

Editora da UNICAMP.

Notas 1

Disponível em http://www.revistaantidoto.com/cartaeditor.php?ed=34, acessado em 30/07/2012.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1067

CONHECENDO URGANDA

Silvia Cobelo (PG-Universidade de São Paulo) Giselle Cristina Gonçalves Migliari (PG-Universidade de São Paulo)

As traduções dos poemas preliminares e seus tradutores

de 1983 3 , mencionam a supressão dos textos preliminares de cada um dos livros e o corte nos capítulos XIII, XVI, XVII, XX, XXVI e XXVII, feito

A tradução do Quixote ao português ocorreu tardiamente, após quase dois séculos do seu

pelo Índice, mas em nenhum lugar encontrou-se menção de censura aos poemas preliminares.

lançamento em Lisboa, em 1605, assim como em Madri, também em espanhol. A tradução anônima

Estranhamente, nenhum dos três tradutores

apareceu somente em 1794, republicada três vezes,

responsáveis assumiu a tarefa e os poemas ficaram em

com algumas modificações gráficas, mas sem nenhum

espanhol. O mais interessante é que dois deles tinham

dos textos preliminares, como prólogos e poemas.1

experiência com textos poéticos. Visconde de Castilho

Em 1875, surge a consagrada, e até hoje a mais

não os traduziu, mesmo tendo iniciado a empreitada

editada, tradução dos Viscondes de Castilho e

e tendo currículo como tradutor de poesia4 e poeta

Azevedo e Pinheiro Chagas.

em si. O segundo caso é Pinheiro Chagas, que finalizou a tradução da obra após os falecimentos dos Viscondes.

A obra de Cervantes foi censurada em 1624

Ele é o único responsável pela tradução do segundo

pelo Índice Expurgatório, (GRAÇA, 1980, p. 22);

livro (Visconde de Castilho chegou até o capítulo XXV

levado ao prelo pelo Inquisidor geral D. Fernando

do primeiro livro e Visconde de Azevedo, até o capitulo

Martins Mascarenhas, bispo do Algarve, e assinado

LI do mesmo),5 por também possuir experiência como

pelo jesuíta Baltasar Álvares. O índice só foi revogado

poeta. 6 Talvez por não constarem nas edições

em 1768 pelo Marquês de Pombal. Gacto Fernández

anônimas, ou não figurarem nos exemplares em

afirma que foram expurgadas sete passagens da

espanhol que circulavam na época, os poemas

primeira parte do Quixote: “tres por atentatorios a la

preliminares chegaram até nós em espanhol e, em

honestidad, y cuatro por inconveniente a irrespetuosa

algumas edições, com uma tradução – bastante literal

alusión a determinadas devociones y actos de piedad”

– feita durante a edição e sem menção de autoria. Vale

(GACTO FERNÁNDEZ, 1991, p. 19).2 Os censores

recordar que a tradução do Visconde de Benalcanfor,

também fizeram alterações menores nos capítulos

editada em 1877-1878, também apresenta os poemas

XIII, XVII, XX e XXVI. No prefácio de uma edição

preliminares em espanhol.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1068

A primeira tradução brasileira dos poemas

Sergio Molina, nascido na Argentina, assina a

preliminares foi feita Milton Amado, jornalista do

terceira tradução brasileira do Quixote. O primeiro

jornal O Diário, que ficou conhecido por sua excelente

livro foi lançado pela editora 34 em 2002 (o segundo

tradução da obra poética de Edgard Allan Poe. 7

livro, em 2007), numa edição bilíngue, com

Segundo conta seu filho, Eugênio Amado, foi essa

apresentação introdutória assinada pela Professora

fama de bom tradutor de poesia que garantiu sua

Maria Augusta da Costa Vieira (USP). O primeiro

contratação pela José Olympio para terminar a

livro está na sexta edição e, em 2010, foi lançada uma

tradução do Quixote, que havia sido interrompida

edição de bolso dos dois livros. Ao ser elogiado pelo

pois Almir de Andrade entrara no corpo de

bom resultado da sua tradução de poesia no Quixote

funcionários do governo de Getúlio Vargas em 1951.

durante uma entrevista, Molina afirma que deixou

Nas primeiras edições (1952, 1954, 1958), o crédito

os poemas para o final, em especial os preliminares,

de todos os poemas do primeiro livro é atribuído a

e menciona a colaboração do poeta Alexandre

Milton Amado.8

Nas edições atuais, esse dado autoral

Barbosa de Souza e de Cide Piquet: “Foi muito bom

é omitido, inclusive a informação de que Amado é

contar com os dois durante a preparação do texto. O

responsável único pela tradução do segundo livro e

Alê ajudou mais na revisão dos poemas. Alguns até

de todos os poemas da obra.

foram feitos a dois, em inteira colaboração” (VILLA,

A terceira tradução a aparecer no Brasil é a

BENEDETTI e HIRSCH, 2003, p. 158).

do escritor português, indicado ao prêmio Nobel de

Carlos Nougué e o espanhol José Luis Sánchez

1960, Aquilino Ribeiro. Sua tradução do Quixote

assinam a tradução do primeiro livro, lançado pela

data de 1954, e foi publicada pela Civilização

Record em 2005, o segundo livro ainda não foi

Brasileira em 1963 e 19679 , Em sua biografia não é

publicado. Os dois tradutores são acadêmicos e

mencionada a criação ou tradução de poesias, fato

ambos assinaram traduções de poesia antes da sua

explicado na int rodução de sua tr adução do

tradução do Quixote e discutem a tradução dos

Quixote, quando ele discute a tradução dos poemas

poemas no texto introdutório do primeiro livro do

do livro.10

Quixote.11

Eugênio Amado, que vive até hoje em sua cidade natal, Belo Horizonte, também não tem uma vinculação direta com poesia, como tinha seu pai,

O poema de Urganda nas páginas preliminares de Dom Quixote

Milton Amado. Geógrafo, ele t raduziu livros científicos e vários autores clássicos infantis, como

As distintas traduções para a língua

irmãos Grimm, Andersen e Lewis Caroll. Recebeu

portuguesa do poema de Urganda apresentam

dois prêmios Jabutis como tradutor e um como

divergências formais e conceituais, relacionadas à

escritor de literatura infantil. Ele traduziu o Quixote

leitura e interpretação de cada tradutor. Como um

para a editora Itatiaia/ Villa Rica, que editou a obra

prosseguimento da discussão sobre as traduções

em 1983, 1984 e 1991. Em 1987 ele traduziu o Quixote

poéticas do Quixote no Brasil, serão analiticamente

de Avellaneda, publicado pela mesma editora. Em

consideradas a quinta e a sexta estrofes do poema “Al

2005, durante as celebrações do quarto centenário do

libro de Don Quijote, Urganda, la Desconocida”. Além

Quixote, a editora encomendou uma revisão da

disso, será realizado um cotejo entre cinco traduções

tradução ao próprio Eugênio Amado, o qual

brasileiras dos versos – a de Milton Amado, Aquilino

informou ter feito diversas modificações.

Ribeiro, Eugênio Amado, Sérgio Molina e Carlos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1069

Nougué e José Luis Sánchez –, de modo a ressaltar as

como o negro João Lati-, / latins recitar recu-”. Por

particularidades de cada tradução e as distintas

isso, é sensato que a obra não se valha, segundo o

formas de se interpretar e conhecer, em português, o

conselho de Urganda nesta tradução, de latinismos.

poema de Urganda. 12

Semelhantes a esta serão as traduções de Eugênio Amado e de Carlos Nougué e José Luis Sánchez.15 Já

Nestes versos, em que a voz da feiticeira do

o trabalho de Aquilino Ribeiro, com os versos “Pois

livro Amadis de Gaula oferece uma série de conselhos

só ao céu não aprou- / que saísses tão ladi- / como o

à obra Dom Quixote, Cervantes parece introduzir,

negro João Lati- / a aldrabar o latinó-”, entende que

explícita e implicitamente, críticas destinadas à

não foi do agrado de Deus o fato de a obra ser tão

post ura

sua

ladina, reconhecendo, diferentemente da tradução de

contemporaneidade. Com o objetivo de parodiar a

Milton Amado, o caráter “astucioso” de Dom

citação de autoridade, os falsos encômios e a postura

Quixote.16 O último verso de Ribeiro traz, ainda, dois

soberba de determinados poetas, o autor espanhol

termos que diferem, formalmente, das demais

compõe versos burlescos, que reforçam – juntamente

traduções, mas que aproximam, semanticamente, a

com a voz absurda das personagens cavaleirescas – a

tradução brasileira do texto em espanhol: a palavra

de

certos

criação humorística na

escr itores

de

obra.13

A voz da feiticeira Urganda, na quinta décima de “cabo roto”, dirige-se a Dom Quixote valendo-se

“aldrabar”, que significa proferir mal ou dizer mentiras, e “latinório”, palavra de sentido pejorativo, referente ao uso impróprio do latim.17

de um conselho: “pues al cielo no le plu- / que salieses

Os conselhos de Urganda destinados ao livro,

tan ladi- / como el negro Juan Lati-, / hablar latines

nos versos seguintes, são complementados com

rehú-”. Em outras palavras, a protetora de Amadis

indicações para uma atitude despretensiosa e

comenta que a Deus não lhe apraz que este livro seja

adequada. Estes trazem o conselho de não simular

tão habilidoso no uso da língua latina, como o foi

uma erudição, baseada em aparências, com o uso de

Juan Latino (1518-1596), catedrático e poeta

frases em latim e citações de filósofos. Tais falsidades

humanista, conhecido por escrever seus poemas em

poderiam ocasionar críticas ao livro, proferidas por

latim. A palavra “ladino”, em um trocadilho burlesco

aqueles que entendem o truque.18 Faz-se interessante

com “Latino”, refere-se àquele que, além de um

o cotejo das traduções para a língua portuguesa neste

idioma vulgar, domina a língua latina; não obstante,

ponto. O primeiro verso, “no me despuntes de agu-

o termo era também entendido como “espertalhão”

[do],” – que, como aponta Francisco Rico, remete a

ou “perspicaz” (CERVANTES, 2001, p. 23).14

“no pases de listo” (CERVANTES, 2001, p. 23), ou seja, não se considere mais inteligente do que os

De acordo com os conselhos de Urganda, Dom

outros –, é traduzido como “não te extremes em finu-

Quixote deve, ao contrário do costume dos poetas de

”, por Milton Amado; “não me armes ao finó-”, por

sua época – sendo, esta, uma possível alusão a Lope

Aquilino Ribeiro; “não tentes fingir argú...”, por

de Vega –, recusar o uso de latinismos como forma

Eugênio Amado; “não te figures de agu- [do]”, por

de ostentação, uma vez que tal exercício não

Sérgio Molina, e “não te arvores em agu- [do]”, por

representa uma verdadeira erudição, mas certa

Nougué e Sánchez. No caso da tradução de Milton

argúcia e farsa do escritor. Milton Amado entende os

Amado, é possível identificar certa ironia na voz da

versos como uma condição ligada à concepção divina,

feiticeira, que espera que o livro não se alargue em

que parece determinar ser este livro pouco ladino:

“finuras”, ou em sutilezas maliciosas, que podem

“Se não quis Deus nas altu- / Que saísses tão ladi- /

remeter às invectivas a outros escritores. Não

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1070

obstante, verifica-se que o uso do termo “finura”, na

retroceder na divulgação das ideias ali contidas.20 Já

língua portuguesa, data do século XIX (HOUAISS,

a expressão “censo perpetuo” refere-se a um tipo de

2009), sendo, portanto, uma escolha anacrônica para

hipoteca, existente na época, de difícil quitação.

a tradução.

(CERVANTES, 2001, p. 24)

A sexta décima do poema de “cabo roto” de

De modo geral, todas as traduções aqui

Urganda expõe uma orientação da maga que se

consideradas recobram semanticamente os versos em

adéqua tanto ao livro quanto a seu autor. Ambos

língua espanhola. Não obstante, verifica-se que a

devem, segundo a protetora, “no meterse em dibujos”

tradução de Aquilino Ribeiro não contempla um dos

e evitar tratar de informações acerca de vidas alheias,

versos, “darles a los que grace-;”. Ribeiro cria sua

uma vez que o que “no va ni v ie-”, ou não é

estrofe com nove versos, conectando “que suelen en

importante, deve ser desprezado no trabalho artístico

caperu-” aos versos anteriores e construindo, assim,

(“pasar de largo es cordu-”).19 O verso inicial da

uma nova interpretação (“livra-te mas é de estu-, /

tradução de Milton e Eugênio Amado, “não te percas

não cuides de vidas alhei-, / que, em coisas de

em censu.–”, assim como a tradução de Nougué e

regatei-, / deixar de largo é finu- / cada um com sua

Sánchez, “não entres em embru, [lhos]”, parecem

crapu-.”). Não mais é possível considerar o sentido

recuperar o significado comentado por Adrienne

de que, quem zomba, poderá ser zombado; nos

Laskier Martín em Don Quijote, “no te compliques

versos de Aquilino Ribeiro, Urganda aconselha o

las cosas” (CERVANTES, 2008). A tradução de

livro a ocupar-se de seus próprios problemas, em

Aquilino Ribeiro, “livra-te mas é de estu-,”, distancia-

detrimento de temas alheios, sendo, aqui, “carapuça”

se um pouco do sentido de confusão ou complicação,

sinônima de “vida” ou “problemas”.

salientado pelos versos anteriores. Já a de Sérgio Molina, “não entres em garabu-, [lhas]”, retoma, a par tir do termo “gar abulhas” – “desenho” ou

Conclusão

“confusão” (HOUAISS, 2009) – as possíveis conotações da palav ra em espanhol “dibujo”

Segundo Connolly (2005), a mensagem de um

(“desenho” ou, na expressão “no meterse en dibujos”,

poema geralmente é implícita e conotativa, gerando

“abstenerse de hacer o decir impertinentemente más

diferentes leituras e múltiplas interpretações. Mesmo

que aquello que corresponde”) (RAE, 2001).

assim, o autor considera ser um pré-requisito da tradução poética uma exaustiva análise estilística do

A feiticeira informa “que suelen en caperu- /

texto e oferece exemplos sobre como os significados

darles a los que grace-”. A expressão “dar en caperuza

de uma forma poética, em nosso caso, os versos de

a alguien” pode se referir a uma agressão física ou a

“cabo roto”, podem mudar com o tempo, e podem

um intento de frustrar os propósitos de alguém ou

não ser efetivos em outra época e/ou outra cultura.

de deixá-lo fora de uma disputa (RAE, 2001). Em

Nesse sentido, os tradutores do Quixote que

qualquer uma das conotações, é possível considerar

analisamos seguiram o que Holmes (1988) chama de

que, àquele que fala de outros com zombarias,

estratégia mimética – pois mantiveram a forma do

reserva-se algum tipo de consequência insatisfatória.

texto espanhol. Connolly afirma que alguns críticos21

Urganda complementa seu conselho pedindo ao livro

acreditam que várias traduções de um mesmo poema

que este “queme las cejas”; em outras palavras

podem proporcionar algo que uma tradução isolada

“esforce-se”, a fim de “cobrar buena fama”, já que, uma

não pode: destacar diferentes aspectos provenientes

vez impressa “necedades” ou absurdos, não é possível

dos mesmos versos.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1071

As cinco traduções do poema de Urganda para

______. (1794): O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la

a língua portuguesa, dessa forma, apresentam

Mancha. Tradução anónima. Lisboa: Typografia

modificações relacionadas às escolhas de cada

Rollandiana.

tradutor. O ofício de traduzir, aqui, demonstra não estar ligado a uma técnica de simples transferência de sentidos de uma língua para a outra, mas a um

COBELO, Silvia (2009): Historiografia das traduções do Quixote publicadas no Brasil. Provérbios do Sancho Pança. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP.

processo de criação de novos significados, oriundos de leituras e interpretações individuais do texto de Cervantes.

______. (2010): A tradução tardia do Quixote em Portugal. TradTerm, Nº 16, p. 193-216. CONNOLLY, David (2005): Poetry translation. Em: BAKER, Mona: Routledge Encyclopedia of Translation

Referências bibliográficas

Studies. New York: Routledge, p. 170-176. COVARRUBIAS HOROZCO, Sebastián (1611): Tesoro de

BRAGA, Theophilo (1901): Historia da Censura Official.

la lengua castellana o española. Madrid: Luis Sánchez.

Em: MACEDO, José Agostinho de: Obras Inéditas de José Agostinho de Macedo – 1761-1831. Lisboa: Typographia da

ECO, Umberto (2007): Quase a mesma coisa. Tradução de

Academia Real das Sciencias.

Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record.

CERVANTES, Miguel de (2001): Don Quijote de La

FERNÁNDEZ DE CAÑETE, Carmen Maria Comino

Mancha. Edición de Francisco Rico. Barcelona: Crítica.

(2008): Primeira aproximación al visconde de Benalcanfor y a su traducción de Don Quijote de la Mancha. Em: SILVA,

______. (2005): O engenhoso fidalgo D. Quixote da Mancha.

Xosé Manuel da. Perfiles de la traducción Hispano-

Tradução de Carlos Nougué e José Luís Sánchez. Rio de

Portuguesa II. Vigo Pontevedra: Editorial Academia del

Janeiro: Record.

Hispanismo, p. 59-68.

______. (2008): O engenhoso cavaleiro D. Quixote de La

GACTO FERNÁNDEZ, Enrique (1991): Sobre la censura

Mancha. Tradução de Sérgio Molina São Paulo: Editora 34.

literaria en el s. XVII: Cervantes, Quevedo y la Inquisición.

______. (1991): O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote De La

Revista de la Inquisición. Madrid: Editorial Universidad

Mancha. Tradução de Eugenio Amado. Belo Horizonte:

Complutense, N° 1, p. 11-62.

Villa Rica.

GRAÇA, Almeida Rodrigues (1980): Breve história da

______. (1963): O Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de la

censura literária em Portugal. Lisboa: Livraria Bertrand.

Mancha. Tradução de Aquilino Ribeiro. São Paulo: Difusão

HOLMES, James S. (1988): Translated!: Papers on Literary

Europeia do Livro.

Translation and Translation Studies. Rodopi: Amsterdam.

______. (1958): Dom Quixote de la Mancha. Tradução de

HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO,

Almir de Andrade e Milton Amado. Rio de Janeiro: José

Francisco M. de M. (2009): Dicionário Houaiss da língua

Olympio. ______. (1942): Dom Quixote de la Mancha. Tradução de Visconde de Castilho e de Azevedo [e Chagas]. São Paulo, Edições Cultura. ______. (1853): Historia de D. Quixote de la Mancha. Tradução anónima. Lisboa: Typografia Universal.

portuguesa. Versão eletrônica. Rio de Janeiro. MIGLIARI, Giselle Cristina Gonçalves (2011): Dom Quixote: poesia, crítica e tradução. Estudos dos versos preliminares de Dom Quixote e proposta de tradução. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1072

POE, Edgar Allan (1998): O Corvo e suas traduções.

VILLA, Dirceu; BENEDETTI, Ivone; HIRSCH, Irene (2003):

Organização de Ivo Barroso. Rio de Janeiro: Lacerda

Entrevista com Sérgio Molina. Em: Cadernos de Literatura

Editores.

em Tradução, Nº 5, p. 157-177. Humanitas: São Paulo.

REAL ACADEMIA ESPAÑOLA – RAE (2001): Diccionario de la Lengua Española. 22ª edição. Disponível em www.rae.es. Acessado em 01/08/2012.

Notas 1

Ver mais detalhes no trabalho de Silvia Cobelo (COBELO, 2010).

2

O capítulo XVI foi quase todo omitido, em especial sobre os amores frustrados de Maritornes. No capítulo XXVIII, é retirada a narrativa da sedução de Dorotéia por Fernando.

3

CERVANTES (1983): Dom Quixote de la Mancha. Tradução de Visconde de Castilho e de Azevedo [e Chagas]. São Paulo, Nova Aguilar. A discrepância sobre os capítulos censurados será estudo de um novo artigo.

4

Traduções: A Lírica de Anacreonte; Metamorfoses e Amores, de Ovídio; Geórgicas, de Virgílio; peças de Molière: Médico à Força, Tartufo, O Avarento, Doente de Cisma, Sabichonas e Misantropo, O Sonho de uma Noite de S. João, de Shakespeare; Fausto, de Goethe e por último Dom Quixote de La Mancha, de Cervantes.

5

Ver nota 22 (CAÑETE, 2008, p. 62).

6

Publicou duas coletâneas de poesias: Anjo do Lar (1863) e Poema da Mocidade (1865). Este último foi prefaciado pelo Visconde de Castilho.

7

Em 1988, Ivo Barroso reuniu nove traduções do poema O Corvo de Poe, e escolhe a versão de Amado: “Embora sejam todas traduções de alto nível, Milton conseguiu, em “O Corvo”, alcançar aquele momento com que sonham todos os tradutores de poesia: o da transmigração absoluta do conteúdo e da forma de um poema para o território de sua própria língua. Dando-lhe o passaporte de uma nova identidade para sua vida autônoma. (POE, 1988, p. 21, aspas do autor).

8

Cuja tradução é assinada por Andrade, mas sabe-se que Amado finalizou, fez e refez praticamente todas as notas. Ver trabalho de Silvia Cobelo (COBELO, 2009).

9

Em 2010 essa mesma tradução foi republicada pela editora Bertrand em Lisboa, a mesma editora que publicou a tradução das Novelas Exemplares em 1956.

10 “Uma liberdade me permiti ainda: traduzir os versos que envolvem uma verdadeira inspiração poética, em que está vincado o temperamento do autor [...]. Imagino que a verdadeira poesia é intraduzível. Eu pelo menos, nem que me tentasse o comércio com as musas, como diria Filinto, por coerência os traduzo. O que há de subjetivo, alado, quanto a estro e forma, esvai-se. Ficam duas almas sobrepostas, a do vate primigênio e a do autor do arremedilho. Muito arriscado tentar tais emprêsas. Quando já para Lope de Vega traduzir é maior delito do que passar cavalos de contrabando. [...] Ora. Como eu considero Cervantes um nobre e digno poeta, foi com medo que toquei na sua pedra de ara, e essas vêzes que o faço, não é revestido de dalmática solene, mas com uma certa timidez e por isso desajeitadamente” (RIBEIRO, 1963, p. 29). 11 “Buscamos sempre traduzir os muitos poemas do Quixote conservando o metro e o esquema rimático originais, objetivo parcialmente abandonado quando sua consecução absoluta feriria gravemente o significado dos versos” (NOUGUÉ e SÁNCHEZ, 2005, p. 15).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

12 Os versos que compõem a quinta estrofe são: “Pues al cielo no le plu- / que salieses tan ladi- / como el negro Juan Lati-, / hablar latines rehú-. / No me despuntes de agu-, / ni me alegues con filó-, / porque, torciendo la bo-, / dirá el que entiende la le-, / no un palmo de las ore-: / «¿Para qué conmigo flo-?».”. Já os versos da sexta estrofe são: “No te metas en dibu-, / ni en saber vidas aje-, / que en lo que no va ni vie- / pasar de largo es cordu-, / que suelen en caperu- / darles a los que grace-; / mas tú quémate las ce- / sólo en cobrar buena fa-, / que el que imprime neceda- / 60 60dalas a censo perpe-.” (CERVANTES, 2001, p. 23-24). 13 Sobre o tema, ver dissertação de mestrado (MIGLIARI, 2011). 14 Segundo o dicionário da RAE, “latino refere-se também à “lengua hablada en la antigua Retia”; “lengua religiosa de los sefardíes. Es calco de la sintaxis y del vocabulario de los textos bíblicos hebreos y se escribe con letras latinas o con caracteres rasíes” e “variedad del castellano que, en época medieval, hablaban los judíos en España, y que, en la actualidad, hablan los judeoespañoles en Oriente.” (RAE, 2001). Para Covarrubias, “La gente barbara en España deprendio mal la pureza de la lengua Romana, y a los que la trabajavan y eran elegantes en ella los llamaron ladinos. Estos eran tenidos por discretos y hombres de mucha razon y cuenta, de donde resulto dar este nombre a los que son diestros y solertes en qualquier negocio...” (COVARRUBIAS, 1611, p. 1060). 15 Eugênio Amado apresenta os seguintes versos “Se não tiveste a ventu... / de saíres tão ladi... / como o negro João Lati... ,/ recitar latins recu... .” Já de Carlos Nougué e José Luis Sánchez traduzem os mesmos versos como “Se não quis Deus nas altu- [ras] / que saísses tão ladi- [no] / como o negro Juan Lati-, [no] / recitar latins recu-. [sa]”. 16 Sérgio Molina parece traduzir os versos de forma similar: “Uma vez que ao céu não prou [ve] / que saísses tão ladi- [no] / como o negro Juan Lati-, [no] / recitar latins recu-. [sa]”. 17 Segundo o Houaiss, “aldrabar” significa “fechar, trancar com aldraba; aferrolhar” – vocablo datado do século XIX – e “latinório” significa “mau latim, esp. palavreado repleto de termos e citações latinas us. de forma confusa e imprópria” (HOUAISS, 2009). 18 “Flor, entre farsantes y burladores, llaman aquello que traen por ocasión y escusa, quãdo quieren sacarnos alguna cosa; como dezir, que son cavalleros pobres, o soldados que vienen perdidos, o que han salido de cautiverio; y destas flores son tantas las que ay en el mundo, que le tienen desflorado.” (COVARRUBIAS, 1611, p. 856). 19 Segundo Joaquín Forradellas, as expressões “no te metas en dibujo” e “lo que no va ni vie-” significam, respectivamente, “no te compliques la vida” e “lo que no importa” (CERVANTES, 2001, p. 24). No dicionário da RAE, é possível encontrar uma definição complementar para as expressões: “no meterse em dibujos: abstenerse de hacer o decir impertinentemente más que aquello que corresponde.”; “ni va ni viene: para explicar la irresolución de alguien” (RAE, 2001). 20 Joaquín Forradellas explica que “quemarse las cejas” alude à ação do estudante que, como forma de dedicação, tem suas sobrancelhas queimadas pela chama da vela, por muito estudar (CERVANTES, 2001, p. 24). 21 Cita três autores: GONTCHARENKO, S. (1985): The Possible in the impossible, towards a typology of poetic translation. Em: BÜHLER, Hildegund: Translators and their position in society: Proceedings of the Xth World Congress of FIT. Viena: Wilhelm Braumüller, p. 141-146; WELT TRAHAN, E. (1988): The Reader as Synthesizer: An Approach to Poetry Translation. Em: Translation Review, Nº 28, p. 3-6, e Holmes (1988). Podemos acrescentar Umberto Eco (ECO, 2007, p. 291): “as traduções da mesma obra integramse entre si, pois muitas vezes nos levam a ver o original sob um ponto de vista diverso”.

1073

1074

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

PARA ENEGRECER OS MODOS DE SABER: HISTÓRIAS DA NEGRAMÉRICA CONTADAS NA LITERATURA DE AFROLATINOS(AS)

Simone de Jesus Santos Universidade Federal da Bahia CR AVOS VIT AIS CRA VITAIS escrevo a palavra escravo e cravo sem medo o termo escravizado em parte do meu passado criei com meu sangue meus quilombos crivei de liberdade o bucho da morte e cravei para sempre em meu presente a crença na vida. (CUTI, 1978, p. 12)

Os versos do poema presente no primeiro

podem ser desvinculados de uma identidade negra

livro publicado pelo autor negro brasileiro Luiz Silva,

que se (re)elabora em linguagem artística. No poema

já conhecido por seu pseudônimo Cuti, rememoram

em que evidencia-se a escravidão, há o desejo de

per si a trágica história de escravidão, de colonialismo

socializá-la e de esquecê-la e a impossibilidade de

e de racismo vivenciada por africanos(as) e seus

esquecê-la. É a dupla consciência da modernidade,

descendentes em distintos lugares da América

ou seja, o reconhecimento do seu desencanto e ao

Latina.O ritmo configurado pelas aliterações, no

mesmo tempo, o anseio por sua realização, a história

aspecto formal do texto, articula-se com o processo

da escravidão como memória híbrida, conforme

de uma escrita que se inscreve num passado de “cravos”

discute Paul Gilroy (2001).

de dor, num passado de indivíduos “escravizados” e ao mesmo tempo, não prescinde da possibilidade de criação de quilombos e da crença na vida.

O intertexto de literatura e história torna-se objeto de análise no presente trabalho cujo objetivo é colocar em debate textos literários escritos por

Cravos vitais apresenta-nos uma (re)leitura

afrolatinos(as) e que apresentam diálogos com a

da história de negros(as) em tecido literário e os fios

história. A reflexão advém da minha dissertação de

de memória negra que confeccionam o mesmo não

mestrado intitulada Textos e Metatextos:escritos de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Oswaldo de Camargo, Luiz Silva – Cuti e Márcio Barbosa e de minha tese de doutorado em andamento denominada Literaturas de histórias: contar outra vez histórias da NegraAmérica com Manuel Zapata

1075

O qque ue não dizia o p o e minha d oM an ue l: po do Man anue uel: Irene Preta! Boa Irene um amor! mas nem sempre Irene está de bom humor

Olivella e Ana Maria Gonçalves. No primeiro trabalho em questão, discuti o polêmico conceito de literatura negra a partir de textualidades teóricas-críticas e literárias dos autores em foco e constatei que a: [...] literatura negra ou afrobrasileira é o lugar situado à margem da textualidade oficial brasileira. Espaço de onde afrobrasileiros/as enunciam o desejo de “suplementar “ à “falta” de vozes que os contemplem no discurso literár io nacional hegemônico, inscrevem-se enquanto sujeitos na história e escrevem em textos ficcionais a diversidade cultural dos descendentes de africanos no Brasil. (SANTOS, 2010, p. 169).

Se existisse mesmo o Céu Imagino Irene à porta: – Pela entrada de serviço – diz S.Pedro dedo em riste – Pro inferno, seu racista – ela corta. Irene não dá bandeira Ela não é de brincadeira. (BARBOSA. IN: SANTOS, 2010, p. 50).

Concluí, a partir de estudo de escritos literários de autoria de negros(as) que dialogam com a escrita canônica1 que essa literatura diferenciada pode, então, se desvelar enquanto paródia da textualidade literária legitimada. Para além desse diálogo, distintos modos de intertextualidade no texto

Concebi a literatur a negra como um

artístico negro (re)apresentam formas de saber

suplemento ao discurso da brasilidade hegemônica

identidades culturais dos(as) negros(as), diversas

porque privilegia representações não atendidas ou

daquelas presentes em discurso oficial. Sublinho

valorizadas em espaços da cultura oficial e porque

assim, a intertextualidade de literatura e história

favorece a re-visão de construtos de poder. Cumpre

presentes na elaboração da ar te literár ia de

ressaltar a relevância de enegrecer os modos de saber,

autores(as) negros(as) como demonstra o excerto de

isto é, entender outros modos de saber elementos

autoria do escritor negro brasileiro Oswaldo de

culturais relativos aos negros(as) e reconfigurados em

Camargo. Na narrativa, o frio é uma metáfora

escritos literários de sua autoria, quando atentamos,

ampliada para o racismo:

por exemplo, para intertextos que ressignificam discursos dominantes da literatura e da história. A seguir, é transcrita uma das representações de negros(as) estereotipados(as) em linguagem artística: I r e ne no céu: Imagino Irene entrando no céu – Licença, meu branco E São Pedro bonachão – Entra, Irene. Você não precisa pedir licença. (BANDEIRA, 1993, p. 86)

Noutro aspecto, o escritor negro brasileiro Márcio Barbosa reescreve o texto do autor modernista e nos apresenta outros modos de saber a representação da mulher negra em escrita artística:

Um frio que faz o coitado entrar no ridículo de se cobrir de flanelas, bonés, peles: o queixo treme, de se ouvir de longe, a vítima não consegue falar, dos olhos descem lágrimas, mas, padre, dentro é que está a miséria: o infeliz vira um campo de batalha onde a desgraça dá vivas à sua completa vitória. Parece que o seu pensamento, o único possível no momento, é este: Meu Deus, se eu fosse branco!? Eu lutaria contra esta desgraça! Sou um micróbio preto, vou desaparecer! E some, definitivamente. (CAMARGO, 1979, p. 52).

E a proveniência do frio articula-se com histórias de negros no século XVIII nem sempre difundidas pela historiografia dominante: Dos negros fugitivos, um grupo de oitenta. A 14 de outubro de 1746 entraram no mato, ao pé dos

1076

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

montes. Cândido Justino Alvarenga, apelidado Cândido Canela Fina, chefiou o grupo. Breve, ergueram moradias, feitas com folhas de palmeiras, bambu, o que houvesse, o que aparecesse. Não se sabe por que todos morreram de repente, machucados por estranha do ença. Todos morreram!Todos morreram! [...] a alma deles, no momento, consistia em somente subir até uma altura dos montes onde nunca mais pudessem ser alcançados! [...] Em 1746 – repito – juntaram-se 80 negros no sopé dos montes Piracaios [...] Matou-os a fome, doenças, o frio[...]. (CAMARGO, 1979, p. 67-69).

[...] a diáspora negra americana constitui um patrimônio inesgotável de ação criativa na história e no discurso da cultura. Insuficientemente estudado,apesar de estar no centro das histórias da constituição de nossas nações e nacionalidades, este patrimônio cultural vivo e atuante na conturbada sociedade contemporânea é examinado sob diversos ângulos, a partir de enfoques diversos na ordem conceitual e do método[...] (BOLAÑOS & BENAVENTE)

O patrimônio da diáspora negra americana pode ser lido na textualidade de autores(as) negros(as) como Luiz Silva – Cuti , Oswaldo de Camargo, Márcio

As histórias de negros(as) (re) configuradas

Barbosa e em narrativas como Changó: el gran

na literatura de sua autoria podem ser apontadas para

putas(1983), elaborado pelo autor negro colombiano

além do contexto brasileiro. Em outros espaços

Manuel Zapata Olivella e Um defeito de cor(2006),

latinoamericanos pode-se destacar o trabalho de

construído pela autora Ana Maria Gonçalves. Ambas

escritores(as) negros(as) que dialogam de modo

as narrativas apresentam em comum o percurso de

profícuo com a história em seus textos artísticos e

negros(as) no contexto latino-americano, seus

corroboram que a América Latina

agenciamentos, seu protagonismos, seus sofrimentos, seus trabalhos, suas alegrias, suas culturas, suas

[...] enquanto construção político-cultural, é como uma tela na qual se projetam ou se encobrem diversos projetos sociais e culturais de classe, gênero e etnia. Formulado de outra maneira, a América Latina é um dos campos de batalha onde os diferentes sujeitos combatem pela construção de seu projeto em função de suas memórias particulares. (ACHÚGAR, 2006, pp. 55-56).

A revolta dos Montes Piracaios no século XVIII é apenas um trecho de extensos capítulos de um projeto de memória e de uma história mais ampla: a história da diáspora. A dispersão de negros(as) pelo continente americano e as agruras sofridas no sistema de escravidão e colonialismo, bem como suas distintas

religiões, dentre tantos outros elementos que nos servem de base para contar outra vez suas histórias e encarar o texto literário negro como uma (re)leitura da história, haja vista que o trabalho histórico: [...] é: uma estrutura verbal na forma de um discurso narrativo em prosa. As histórias (e filosofias da história também) combinam certa quantidade de “dados”, conceitos teóricos para “explicar” esses dados e uma estrutura narrativa que os apresenta como um ícone de conjuntos de eventos presumivelmente ocorridos em tempos passados. Além disso, digo eu, eles comportam um conteúdo estrutural profundo que é em geral poético e, especificamente lingüístico em sua natureza [...] (WHITE, 1995, p. 11)

reconfigurações em tempos mais recentes são alguns dos temas abordados por autores(as) negros(as)

Nas narrativas literárias de Changó: el gran

quando contam o seu passado e de seus ascendentes

putas (1983) e Um defeito de cor (2006), um dos

em linguagem literária e nos convidam a rever imagens históricas hegemônicas sobre si. Se o projeto colonizador fora intitulado por alguns de projeto de civilização, cumpre destacar o que as vozes negras enunciam sobre o mesmo em diferentes lugares da América. Sendo assim, considero que:

modos de contar outra vez as histórias de negros(as) é por meio da representação de revoltas. No primeiro texto em questão, um dos líderes que participa da revolução haitiana é quem rememora o fato: Por las noches com mis tropas me unia a los primeros jefes de la rebelión. [... ]Aprendí a levantar

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

barricadas con Polydor en los bosques de Trou. Gano mis Galones de General com Noel en la resistencia em Fort-Dauphin. Hasta entonces los colonos confiaban que hambrientos y molidos por la fiebre, regresaríamos mansamente a buscar los cepos. [...] Nuestra guerra es larga y no tiene para cuándo terminar. Los cimarrones somos invencibles [...] (OLIVELLA, 1985, pp. 290-291).

Mesmo depois de morto, o personagem pode versar sobre sua luta: [...] los franceses sepultaron mi cuerpo com varias arrobas de cadenas, Ya estoy atado al poste, clavado en la Plaza.Cuatrocientos caballos me arrastraron y cien hombres cavan mi sepultura. Temián que los ekobios presentes puedan romper sus fusiles y liberarme. Les he repetido que no habrá bala que me mate, bayoneta capaz de sacarme um ojo, ni fuego que me cocine.[...]Mi brazo izquierdo está suelto porque lo dan por perdido.[...]Mentiras!En esse mismo Ogún [...] me lo pega al hombro.!Con este brazo muerto he cortado mil cabezas de blancos! (OLIVELLA, 1985, p. 291).

Se a revolução haitiana, considerada relevante para o chamado pensamento pós-colonial, nos é (re) apresentada na narrativa artística e pode ser avaliada como um discurso de contraposição ao domínio colonizador, por sua vez, na voz narrativa feminina que destaca a participação de mulheres negras em insurreições, em Um defeito de cor(2010), há a possibilidade de se ratificar o agenciamento da mulher negra em rebeliões contra o sistema escravista e contribuir, a partir do texto literário, para formas positivas de se representar a mulher negra e fortalecer a identidade negra do(a) leitor(a): O Jacinto então falou da última rebelião da qual tinha participado, depois de ter se juntado a uns pretos no Quilombo do Urubu. Lembrei-me de que era o quilombo onde estavam a Verenciana, o filho dela, a Liberata e pelo menos um dos pretos fugidos durante a rebelião na Fazenda Nossa Senhora das Dores, em Itaparica. Contei isso ao Jacinto e ele comentou que naquele momento eles estavam em um outro lugar, porque o Quilombo do Urubu tinha sido dizimado.[...] A rebelião do Urubu estava marcada para o dia vinte e cinco de dezembro de um mil oitocentos e vinte e seis, no Natal, quando as pessoas estariam mais preocupadas com as

1077

celebrações, relaxando a vigilância. A maioria dos rebelados era nagô, como o Jacinto, comandados por um preto de quem ele não sabia o nome por ser mais seguro assim, e pela sua mulher, a Zeferina, que seriam declarados rei e rainha de um novo o cinto império nagô, se tudo tivesse dado certo. O JJaa cint la se o r q ue eela o no me da Z se le mb po nome Zee f e r ina p do lemb mbrr av a d o nfr les, eenfr o d os eeles, to r nou um eexx e mplo par ntando nfree ntand paraa tto o ar d os ap m aad os solda d os ar arcc o e usando apee nas usand arm soldad o o int d o o ttee mp fle iro mpo intee ir itad dee ttee r ggrr ita dee p o is d flecc ha, d os e nã o o os gue u ta, animand ant d ur não iros animando guerr r e ir antee a llu urant o me u) m. (G ue se disp o qque d e ixand meu) ifo (Grr if sassem. dispee r sasse ixando

Ainda no texto de autoria de Ana Maria Gonçalves, Luiza Gama, mãe de Luiz Gama – personalidade feminina que gera dúvidas acerca de sua existência no âmbito dos estudos históricos brasileiros – tem a oportunidade de contar sua atuação na Revolta dos Malês e nesse sentido, acaba por dirimir quaisquer questionamentos acerca de sua vivência: Muitos dos nossos caíram feridos pelas balas e foram levados até os estaleiros da Preguiça. Como não podíamos enfrentar os guardas armados e acoitados, o Mussé disse que depois cuidaríamos da libertação do alufá Licutan, e mandou que alguns de nós fossem para o Terreiro de Jesus e outros para o Largo do Teatro, entre os quais me incluí. Nestes dois lugares estavam programados encontros com grupos que partiriam de diversos pontos da cidade, e de fato alguns pretos já estavam por lá, escondidos nos becos e nas ruas vizinhas. Em frente ao teatro encontramos uma p eq uen a p a tr ulha, que r a p i d a m en te fo i desarmada e posta para correr, sendo que àquela altura eu já estava querendo entrar em combate também, e não apenas fazer parte do grupo.Era uma sensação estranha, uma vontade de me vingar, de atacar alguém com a Parnaíba que tinha nas mãos, principalmente quando via um dos nossos sen do atingido, o abadá branco manchado de sangue no lugar perfurado pela bala. (GONÇALVES, 2010, p. 526).

Ao constatar escritos literários que dialogam com a escrita canônica e com a história, entendi que a literatura negra pode, então, se desvelar enquanto paródia da textualidade literária e histórica oficiais, no sentido em que dialoga, intertextualiza com as mesmas e as transforma ao inserir eventos, discursos, leituras, histórias e ficções outros e mais

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1078

especialmente: produzidos pela enunciação de

de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador: Universidade

negros(as). Diante de um cenário recente em que nas

Federal da Bahia.

pesquisas sustenta-se: “A personagem do romance brasileiro

contemporâneo

é

branca”

BANDEIRA, Manuel (1993): Irene no céu. In: ______. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar.

(DALCASTAGNÉ, 2004, p. 44) faz-se urgente enegrecer as letras do texto artístico, as personagens,

CAMARGO, Oswaldo de. (1979): A descoberta do frio. Rio

as culturas, as histórias e os saberes que veiculam.

de Janeiro: Populares.

Os breves apontamentos aqui apresentados

CUTI (1978): Cravos vitais. In: ______. Poemas da

acerca de histórias de negros(as) em escritos literários

Carapinha. São Paulo: Edição do autor.

de sua respectiva autoria sinalizam para a

DALCASTAGNÉ, Regina. A personagem do romance

possibilidade de configuração de outros saberes,

brasileiro contemporâneo: 1990-2004. Disponível em:

(re)leituras de historiografias,preenchimento de

. Acesso

e seus percursos dentre tantos outros aspectos

em: Agosto/2012.

próprios de histórias contadas através da narrativa de afrolatinos(as), dados de uma historiografia literária afrolatina justificada nos versos de Ponto

GILROY, Paul. (2001): O Atlântico negro: modernidade e dupla consciência. Tradução: Cid Knipe Moreira. Rio de Janeiro: Editora 34.

histórico de autoria de Elé Semog: GONÇALVES, Ana Maria (2010): Um defeito de cor. Rio Não é que eu seja racista Mas existem certas coisas Que só os negros entendem. Existe um tipo de amor Que só os negros possuem Existe uma marca no peito Que só nos negros se vê Existe um sol cansativo Que só os negros resistem. Não é que eu seja racista. Mas existe uma história Que só os negros podem contar. Que poucos podem entender.

de Janeiro: Record. SANTOS, Simone de Jesus (2010) Textos e Metatextos: escritos de Oswaldo de Camargo, Luiz Silva – Cuti e Márcio Barbosa. 180 folhas. Dissertação de Mestrado. Centro de Estudos Afro-Orientais. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Salvador: Universidade Federal da Bahia. SEMOG, Éle. Ponto Histórico. In: SANTOS, Luís Tavares et al. O Negro em versos. São Paulo: Moderna, 2005. OLIVELLA, Manuel Zapata (1985): Changó: el gran putas. Bogotá: Educar Editores S.A.

Referências bibliográficas

WHITE, Hayden (1995): Metahistória. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.

ACHÚGAR, Hugo (2006): Planetas sem boca:escritos efêmeros sobre arte, cultura e literatura. Belo Horizonte: Editora UFMG. BARBOSA, Márcio. O que não dizia o poeminha do Manoel. In: SANTOS, simone de jesus (2010): Textos e Metatextos: escritos de Oswaldo de Camargo, Luiz Silva – Cuti e Márcio Barbosa. 180 folhas. Dissertação de Mestrado. Centro de Estudos Afro-Orientais. Faculdade

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Notas 1

Trato aqui dos escritos literários que denomino de intertextos estudados em minha dissertação. São textualidades que demonstram o diálogo entre a literatura negra brasileira e a literatura canônica brasileira, a saber Atitude de autoria de Oswaldo de Camargo; Arremedo de autoria de Luiz Silva-Cuti e O que não dizia o poeminha do Manuel de autoria de Márcio José Barbosa citado no texto ora apresentado.

1079

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1080

MANIA DE ESCREVER POESIA: A PROSA POÉTICA NAS CARTAS DE EMILIO PRADOS

Solange Munhoz – CEETEPS

Em

aproximadamente

cinco

anos,

Precisamente, nossa pretensão é elaborar uma

precisamente entre 28 de setembro de 1957 e 26 de

aproximação às cartas de Emilio Prados, destacando

abril de 1962, Camilo José Cela e Emilio Prados

os aspectos poéticos que identificamos nelas. Para

trocaram 57 cartas que estão reunidas no livro

isso, construiremos o texto apresentando algumas

Correspondencia con el exilio (CELA, 2009, p. 633-

considerações sobre duas expressões que aparecem

711). Se a primeira foi escrita por Prados para

no título – é o caso de “mania de escrever” e “prosa

agradecer o recebimento da revista Papeles de Son

poética” –.

Armadans, editada por Cela, a última foi escrita por Cela dando conta da publicação do livro de Prados

A primeira expressão, “mania de escrever”, é

na Espanha. A ironia é que Emilio Prados havia

uma referência à manía epistolar que acometeu os

morrido dois dias antes da data que consta no

membros da Geração de 27. Segundo Prados, em uma

cabeçalho da carta de Cela (26 de abril de 1962). Nela

de suas cartas a Cela contando-lhe sobre essa Geração

se lê:

e a publicação da Revista Litoral, o grupo se formou por encontro e não por acordo, seus membros se Te quiero saber ya bueno, ya lejos de la cama del enfermo. Toma medicinas. Obedece al médico y a los amigos. Y escribe, escribe siempre: lo que quieras, lo que te venga a la cabeza o a la pluma, en prosa o en verso, pero escribe.

Para esta comunicação, nos interessa destacar da citação o reconhecimento por parte de Cela da necessidade que tinha Prados de escrever e de sua capacidade de incursionar por diferentes gêneros e

ajudavam mutuamente para conseguir publicar seus livros e, com o afastamento físico, se dedicaram a escrever cartas. Prados informa ainda (CELA, 2009, p. 646): “¡Así se constituyó nuestra amistad y se publicó nuestra poesía! Después se arruinó Litoral y fuimos creciendo. Unos aquí y otros al lá nos escribíamos. Incluso recuerdo que se nos tachó entonces de tener ‘la manía epistolar’”.

formas de expressão. Essa habilidade pode ser

Nossa hipótese é que a mania de Emilio

verificada nas cartas reunidas em Correspondencia con

Prados de escrever cartas – que não se restringiu às

el exilio em que Prados se vale da abertura do gênero

interlocuções com os membros da Geração de 27,

epistolar para a experimentação não somente no que

como indica a troca de correspondência com Cela ou

diz respeito ao conteúdo, mas também à forma.

com José Luis Cano – assumiu condição especial

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1081

quando se tratou do diálogo com os amigos a ponto

e da sua solidão. A definição de Pedro Salinas (1983

desse território textual se transformar em uma

apud BOU, 1988, p. 40) colabora para explicar esta

segunda pátria. Para chegar a esta conclusão,

ideia, pois de acordo com ele a car ta “es una

consideramos a leitura das cartas trocadas entre

exteriorización de un estado subjetivo del momento,

Prados e Cela e fazemos alguma mudança no que diz

de un modo de sentir o pensar aislado de los demás,

Cano sobre Prados (CANO; PRADOS, 1997, p. 15):

y comunicado a otra persona libremente, tal como se

“La amistad era para él, como una vez me dijo, una

nos ocurre”.

segunda patria”.

No caso de Prados, a explicitação do seu modo

Entendemos que a condição de saúde frágil

de sentir e de pensar nas cartas resulta em uma prosa

de Prados, que se tornou mais aguda na velhice,

construída com recursos líricos ou, se consideramos

contr ibuiu para ressaltar a importância do

o esquema de Jakobson para as funções da linguagem,

intercâmbio epistolar, uma vez que, preso à cama, lhe

em alguns casos, dominada pela função emotiva e pela

restavam poucas atividades realizáveis, entre elas, a

função poética 1 , uma vez que a função poética

de escrever e de tentar a interlocução com os ausentes,

ultrapassa os limites da poesia, onde prevalece, e da

presentificando-os como era possível. Em carta a Cela

literatura e alcança outras produções (JAKOBSON,

de 04 de junho de 1958, diz (CELA, 2009, p. 649 –

1971, p. 132):

650): “Te escribo, aquí tendido en mi cama, como siempre. (...) Tu carta está a mi lado, a mi derecha, sobre mis libros. Es decir, aquí estás realmente, conmigo”.

A Poética, no sentido mais lato da palavra, se ocupa da função poética não apenas na poesia, onde tal função se sobrepõe às outras funções da linguagem, mas também fora da poesia, quando alguma outra função se sobreponha à função poética.

Antes mesmo de receber resposta, Prados escreve outra carta em que tenta explicar sua escritura

Algumas cartas de Prados transcendem os

(CELA, 2009, p. 656): “solamente escribí esa carta

limites da prosa e alcançam o lugar da prosa poética,

para estar contigo porque tú me hablaste de lo que

que é a segunda expressão do título sobre a qual nos

para ti significaba la amistad… y yo estoy aquí solo,

interessa pensar. Para completar a busca por teorias

solo, solo y enfermo”. A temática da amizade e da

que nos ajude a entender a literariedade em suas

solidão é constante em suas cartas, como comenta

cartas, vale a pena reproduzir o conceito de prosa

Cano (CANO; PRADOS, 1997, p. 15): “Emilio no solo

poética proposto por Massaud Moisés (2000, p. 26):

murió de una dolencia física, sino de una dolencia espiritual. Murió de soledad y de nostalgia, con el corazón vuelto hacia Málaga, la Málaga que le hizo poeta y a la que nunca olvidó, como nunca olvidó a sus amigos, a los viejos y a los nuevos”. Na pátria constituída pela materialidade das cartas aos amigos, Prados encontra as condições para expressar-se e expor suas dificuldades de exilado, algo

a prosa poética se definiria como o texto literário em que se realizasse o nexo íntimo entre as duas formas de expressão, a do ‘eu’ e a do ‘não-eu’. Longe de ser pacífico, o encontro é marcado por uma tensão, de que o texto extrai toda a sua função comunicativa. No binômio, o substantivo é representado pela prosa, ou a expressão do ‘nãoeu’, ao passo que a poesia funciona como um qualificativo. Estamos, pois, diante de um tipo específico de prosa, assinalado pela fusão da poesia e da prosa.

do cotidiano do México e da organização cultural, bem como suas emoções e seus sentimentos cruzados

Apesar de se referir ao texto literário – como

pela leitura subjetiva dos acontecimentos do mundo

romance, conto ou crônica. –, a definição de Moisés

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1082

contribui para pensar o discurso do gênero carta

de estruturas e procedimentos melhor trabalhados

escrito em prosa de Prados porque existe a tensão

em outras. A primeira é de 04 de junho de 1958 e,

entre a expressão dos acontecimentos da esfera

por sinal, é imediatamente posterior àquela cujo

objetiva da vida e a leitura que Prados apresenta

fragmento citamos no parágrafo anterior em que os

destes mesmos acontecimentos.

escr itores concordam com o tratamento de

As cartas que escreve a Cela se tornam mais poéticas conforme se estreitam os laços de amizade e

proximidade. A segunda é de alguns anos depois: de 06 de março de 1961.

Prados pode comunicar-se livremente, no sentido

A primeira carta faz eco a um pedido de Cela

proposto por Salinas, ou quando a escritura exige que

para que Prados apresente sua biografia (“detallada”)

o poeta seja tanto o sujeito da enunciação quanto o

e uma declaração estética – além de uma ficha

sujeito do enunciado, como acontece com a carta do

bibliográfica detalhada também e uma seleção de

dia 04 de junho de 1958, uma das duas sobre as quais

poemas – para acompanhar a antologia dos poetas

nos deteremos mais adiante.

da Geração de 27 que pensava em editar. Em

Mas devem-se estabelecer alguns vínculos, como a identificação de projetos comuns – Cela e Prados têm interesse em construir a relação de editor– autor, além da de amizade – e romper algumas barreiras, como a linguística, marcada p ela formalidade simbolizada pelo uso do pronome de tratamento usted. Prados é o primeiro a comentar que o estreitamento da relação de amizade com Cela não comporta o afastamento indicado pelo pronome pessoal da formalidade2 (CELA, 2009, p. 645):

correspondência anterior, Prados se diz capaz de preparar o material solicitado, mas insiste em sua dificuldade em discorrer sobre a construção de sua própria poesia afirmando que só é possível fazê-lo a partir de seus sentimentos (CELA, 2009, p. 642): “La ‘declaración estética’ me aterra, porque yo ¿cómo voy a declarar un misterio del que me siento estraño (sic)? Pero cuando le escriba de ello trataré de expresar lo que siento con, de, en, por, sin, sobre, tras la poesía”. Algumas cartas depois, Prados redige o texto que pode ser considerado sua biografia e sua

Pues bien, “con todo y mis gafas”, tendré alguna arruga “vulgar” en la cara y con ella logro esta felicidad única de sentir el calor humano que me acompaña cerca siempre y me ayuda. ¿A Vd. también verdad? (Ahora me “resultó” feo ese Vd. que he escrito, pero, en fin, seguiré. ¡Así es la vida!)

declaração estética e é justamente o primeiro que nos interessa porque está predominantemente voltado para a memória que guarda experiências vividas, mas também as imaginadas como vividas. Nele, Prados começa falando de sua condição de preso à cama e

A resposta de Cela está na carta seguinte na

da beleza da vida e da ausência de beleza dentro dele

forma de pós-escrito (2009, p. 649): “P. D. A mí

e faz um esforço para aceitar a situação (CELA, 2009,

también me duele el Vd. Rompa usted el fuego…” A

p. 649): “Pero no me importa o, por lo menos, no me

partir daí, os escritores passam a se tratar por tú e as

importa demasiado. Quiero decirte – tú lo sabes –

assinaturas se restringem com frequência ao nome

que la mitad de la vida está por dentro de nosotros,

(Emilio e Camilo José).

viva… Y, a mí edad, más aún”.

Como dissemos antes, usaremos duas cartas

A continuação desse fragmento também

de Prados para discutir as formas poéticas que estão

aponta para outro aspecto, como é o caso de sua

no tecido da escr itura, ainda que não nos

condição de poeta, daquele que experimenta os

restringiremos a elas se podemos encontrar exemplos

acontecimentos de maneira particular e, por isso,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1083

pode viver mais do que a idade do corpo. Para dar

de organizar a história do menino ou do homem cujas

conta de tal ideia, Prados recorre a uma expressão

vivências se dão pela imaginação.

antitética, como é “o me faltan fechas, o me sobra vida” (CELA, 2009, p. 649-650): Cuando me he puesto seriamente a recordar fechas importantes desde mi nacimiento hasta el día presente, me encuentro que, o me faltan fechas, o me sobra vida. Y esto me ha dado un bien grandísimo. Primeramente me dio pena y temor, como cuando en la escuela un maestro bueno me pedía que dijera mi lección de historia y yo no la sabía. Y no la sabía, porque a la tercera palabra que había leído en mi libro, me había escapado de mí hacia la historia misma en la que ya flotaba cuerpo vivo mío y de ella a un mismo tiempo. (…) Todo lo que te he querido demostrar es que mi vida – no sé si será igual para todo el que se sabe poseído por la poesía –, no está dentro de un 3 o un 5, en Coyoacán o en Freiburg o en febrero de un año inmóvil. No. Eso no, ni lo quiero. Vine con la “luz de mi herencia”, “niño de luz”.

Os recursos sonoros não são desprezados pelo poeta. Ainda aproveitando os fragmentos citados, vale a pena destacar a repetição dos sons formados pelas letras d, t e v em: “la mitad de la vida está por dentro de nosotros, viva”. Em “faltan fechas, o me sobra vida”, os sons repetidos são formados a partir das letras f, b e v (sendo que estas duas últimas têm o mesmo som, em diferentes variantes do espanhol). Nos dois casos, a repetição dos sons consonânticos e vocálicos (a e o, no primeiro caso; a e e, no segundo) colabora para encadear as palavras, unindo-as pelo interesse do poeta que parece dizê-las em voz alta, até porque escrevia pensando na presença do interlocutor a seu lado, como já citado (“Tu carta está a mi lado (...). Es decir, aquí estás realmente, conmigo”). O uso de

A longa citação se justifica, porque existe nela

aliteração, adicionado à rima interna, aparece em

um manifesto quanto ao significado de ser poeta que,

outra frase que cria para referir-se a uma predição

para o remetente, não é uma condição momentânea

de Alberti: “Buscando el verso dio en lo cierto”. A

ou uma atividade profissional. Ao contrário, o ser

capacidade de síntese desta frase e seu uso para se

poeta determina a própria identidade de Prados que

referir a um palpite certeiro acaba por assemelhá-la

se apresenta como especialmente iluminado, como

a um provérbio ou ditado popular.

um “niño de luz”. O duplo uso da palavra “luz” guarda uma gradação crescente (de “luz de mi herencia” para

Para terminar a análise dos recursos

“niño de luz”) que tem sua menor aparição na

expressivos desta carta, devemos comentar sobre os

caracterização do homem como tomado pela poesia

elementos da prosódia que destacam a importância

e que não cabe em lugares ou datas (sua vida “no está

da função emotiva. Particularmente, predominam as

dentro de un 3 o un 5”).

pausas e a interrupção do discurso marcada pelas reticências; existem os pontos de exclamação ou de

Apresentando seu ponto de vista ou posicionando-se em um lugar tomado pela poesia (“poseído por la poesía”), Prados se vale de outros recursos no plano da expressão, como a repetição de palavras e de expressões para ressaltar um aspecto seu que considera importante: “y yo no la sabía. Y no la sabía”; ou ainda, “No. Eso no, ni lo quiero”.

interrogação que aparecem em frases suas ou sobre si em discurso direto que Prados credita a outros autores. Em ambos os casos, as frases servem para marcar o espanto com o que lhe diz respeito ou serve de signo retórico para levar o poeta a continuar a narração de sua vida.

Personifica o tempo, que poderia ser móvel pela

A segunda carta que nos interessa para esta

característica de sequência no calendário, colocando-

aproximação, foi escrita a Cela em 06 de março de

o em uma situação de imobilidade (“un febrero de

1961, poucos dias depois do aniversário de Prados e

un año inmóvil”) e, portanto, fazendo-o impossível

mostra o poeta registrando seu estado emocional na

1084

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

passagem de um momento de intensa tristeza para,

unas palabras (piensa que tengo 2 días de vida nueva),

depois da escritura da carta, um momento de

no quiero dejar de escribirte para que tú seas de los

enfrentamento da realidade que surge com o

primeros que oigan mi voz”. Seu estado de ânimo para

nascimento do dia. O poeta e o dia (re)nascem juntos

o jogo, que comporta uma critica à sua posição de

(CELA, 2009, 698): “Vive bien, Celilla, que tu amigo,

aparecer em uma antologia “barata más o menos

el de los 4.000 metros de negrura, ha comenzado a

andaluza y realista”, leva-nos a comparar sua atitude

amanecer con 4.000 metros de sol”.

de poeta com as das crianças pela espontaneidade e

Alguns procedimentos do plano expressivo são comuns às duas cartas, como certas estratégias prosódicas e a repetição de expressões em diferentes

inocência, como propõe Bergamín (2006, p. 25): “La razón de ser niño el niño, es éste, su estado de juego; la razón de estado de la infancia, como de todo estado poético o de pura racionalidad, es el juego”.

lugares da frase (CELA, 2009, p. 697): “¡Llegó tarde! ¡Tu carta llegó tarde! (...) Pero la carta llegó tarde”. A

Por último, vale a pena ressaltar que a

repetição anafórica da palavra hoy que declara uma

intersecção entre o poeta e a criança surge algumas

mudança importante, pelo recomeço, em comparação

vezes ao longo da correspondência entre Cela e

com o dia ou período anterior aparece em: “Hoy,

Prados (já comentamos sobre a comparação com o

aunque estoy levantado (...). Hoy, aunque apenas

“niño de luz”) para referir-se ao ser capaz de olhar o

pueda balbucear (...). Hoy, vencida la depresión (…)”.

mundo com outros olhos, de outra maneira. Nesta segunda carta, a criança com a qual se identifica

Outros procedimentos não apareceram na

contribui para que o poeta procure superar na

carta analisada antes. Um deles diz respeito ao uso

escritura o desânimo com a vida que o fazia desejar

do diminutivo de carinho para referir-se a Cela, que

não ultrapassar os 61 anos. Faz isso por meio do jogo

já havia aparecido em outras cartas; outro, diz

com o ordenamento das letras do alfabeto consciente

respeito à nova estratégia de que se vale Prados para

das suas capacidades e limitações. Segundo Bergamín

convencer Cela a lhe responder com a rapidez e a

(2006, p. 27), “El orden alfabético es un falso. El orden

intensidade de sua produção epistolar, usando o

alfabético es el mayor desorden espiritual”. De fato,

alfabeto para imaginar para cada letra uma nova

Prados se volta para a ordem alfabética em um dos

atitude ou projeto de vida, tanto possível quanto

mais importantes momentos de tristeza e dor de que

impossível. No final, o efeito é no mínimo de graça

trata suas cartas a Cela.

pela associação inesperada que imagina. Um exemplo (CELA, 2009, p. 698): “r) solicitar el ingreso en algún partido político de cuota módica, s) establecer polémica una vez ingresado en él hasta lograr la expulsión, t) una vez expulsado, procurar a todo trance caer en la más profunda crisis religiosa”. A ideia de criar o novo projeto de vida nasceu depois de uma crise depressiva, segundo palavras do próprio poeta. Prados começa a carta informando seu aniversário de 62 anos e comparando-se a um recémnascido por sua disposição para a mudança (CELA, 2009, p. 697): “Hoy, aunque apenas pueda balbucear

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Referências bibliográficas

1085

CELA, Camilo José (2009). Correspondencia con el exilio. Prólogo de Eduardo Chamorro e notas da edição de Jordi

BERGAMÍN, José (2006). La importancia del demonio. Madrid: Ediciones Siruela.

Amat, p. 633-711. Barcelona: Destino. JAKOBSON, Roman (1971). Lingüística e comunicação. São

BOU, Enric (1998). Defensa de la voz epistolar. Variedad y registro en las cartas de Pedro Salinas. MonteAgvdo. 3ª. Época, n. 3, p. 37-60.

Paulo: Cultrix. MOISÉS, Massaud (2000). A prosa poética. In: A criação literária: Prosa, p. 19-68. São Paulo: Cultrix.

CANO, José Luis; PRADOS, Emilio (1997). Cartas desde el exilio. Valencia: Pre-Textos.

Notas 1

Talvez não fosse necessário lembrar que a confidencialidade, característica tão comum às cartas, não implica em expressão poética da subjetividade, isto é, não implica no uso dos recursos da função poética da linguagem.

2

Não nos esqueçamos a preocupação que o poeta tinha em encontrar a palavra perfeita para a sua poesia ou, podemos ampliar, para a sua escritura (CELA, 2009, p. 642): “Me da tristeza el no dar en cada palabra íntegramente toda la fuerza misteriosa y pura que me impulsa a escribir”.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1086

LA CORRECCIÓN DEL ERROR Y EL FEEDBACK EN LA CLASE DE LENGUA EXTRANJERA. UN ANÁLISIS DESDE LAS TEORÍAS DE LA AFECTIVIDAD

Stella Maris Baygorria 1 PG-UNLP (Argentina)

El aprendizaje de una lengua hace que el

cognitivo, plantea que las inhibiciones se producen

alumno se relacione con los demás y con el mundo

cuando los niños aprenden a identificar poco a poco

por medio de una práctica corporal en la que tendrá

un yo distinto a los demás y, de a poco empiezan a

que poner a trabajar su aparato fonador, cambiar

formar sus rasgos afectivos. Al alcanzar una mayor

ciertos hábitos articulatorios, exponer a su “yo” en

toma de conciencia, surge la necesidad de proteger

actividad corporal sobre ritmos, sonidos, análisis y

un ego frágil, si necesario evitando todo lo que pudiera

memorización de estructuras. REVUZ (1998, p. 3)

amenazar el yo. Las críticas demasiado directas o las

ngua eexx t r anj nt eo de un lug ar en L a le lengua anjee r a eent ntrr e eell des deseo lugar

palabras humillantes pueden debilitar mucho el ego, y

d i f e r e n t e y e l r i e s g o d e l e x i l i oo,, exp one las

en las palabras de la autora “cuanto más débil sea el

contradicciones del aprendizaje de lenguas

ego, más altos son los muros de la inhibición”.

extranjeras cuya realización incluye por un lado, percepciones de satisfacción y por otro, una profunda insatisfacción.

Entendemos que en el proceso de adquisición de la lengua materna se da un desarrollo en el cual el léxico, la sintaxis, la morfología y la fonología del

La autora es categórica al afirmar que desde el momento en el que una persona se dispone a estudiar una lengua extranjera, experimenta en primer lugar un alto nivel de fr fraa caso caso.

lenguaje individual adquieren límites muy sólidos. Al estudiar otra lengua, se puede llegar a rechazar aquello que no se encaje en las estructuras incluidas nguaje. (ARNOLD, dentro de los límites del e go d dee l le lenguaje.

Al aprender una lengua el individuo tendrá

2000, p. 27). El alumno puede llegar a sentirse ridículo

que superar la inseguridad y exponerse a la

al pronunciar ciertos sonidos. En el caso de alumnos

posibilidad de cometer errores, aprovechar las

de algunas regiones de Brasil podemos observar este

oportunidades para hablar, demostrar interés y estar

fenómeno en la producción oral utilizando la

dispuesto a arriesgar algo.

vibrante.

Tendrá que exponer su ego ante los demás en

Para entender este proceso nos conviene

situación de clase. Arnold, al referirse al desarrollo

dirigir la mirada hacia los errores, las correcciones,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1087

Sin embargo, muchos docentes ven en la

el feedback del profesor y la afectividad que está

corrección un aspecto desagradable de la enseñanza

presente en todas estas instancias. Cuando hablamos de errores nos referimos a las manifestaciones de la interlengua. El feedback

de idiomas, como algo que hay que hacer pero cuyos resultados no aparecen como se los espera.

consiste en las devoluciones del profesor en general

Al no estipular con conciencia el lugar que

y en el mecanismo mediante el cual el alumno de una

ocupará la corrección de errores o su manejo del

lengua 2 incorpora a su discurso el efecto que produce

feedback durante la clase, terminan ubicándose en una

en sus interlocutores (ya sean sus compañeros o el

posición que poco tiene que ver con las creencias

profesor) y que ellos dejan de manifiesto por medios

metodológicas comúnmente adoptadas.

tanto verbales como no verbales. En el discurso generado en el aula, el feedback puede afectar tanto al contenido de la comunicación como al proceso de aprendizaje.

Jane Arnold y Earl Stevick, ya citados en este trabajo, son los autores que más han estudiado la cuestión de la afectividad en la enseñanza de lenguas. Por otra parte, se ha estudiado bastante el análisis de

Consideramos, por lo propuesto por Arnold,

errores. Lo que sería necesario desarrollar es la

afectividad en sentido amplio como los aspectos de

combinación de estos campos (de lo afectivo y lo

la emoción, del sentimiento, del estado de ánimo o

cognitivo, de la afectividad y tratamiento del error)

de la actitud que condicionan la conducta. En esta

para ordenar la corrección y la planificación de la

ponencia,

clase teniendo en cuenta lo que nos enseñan estos

analizaremos

diversos

aspectos

relacionados con la afectividad que interfieren en el

estudios.

aprendizaje de idiomas.

La actitud del profesor ante los errores

Por otro lado, STEVICK (2000, p. 64) plantea que afectividad es el fenómeno sobre cómo encaja una cosa, acción, situación o experiencia concretas

depende de cómo entienda el proceso de adquisición de lenguaje. Se puede afirmar que existe una relación directa entre errores y adquisición.

d es o en las int nes de una en las n eecc esida esidad intee ncio nciones

Es comúnmente aceptado que a la adquisición

cio nes persona y el efecto resultante en sus e mo mocio ciones nes. Las

se lle ga por medio de un comportamiento

emociones son respuestas a la forma en que se

comunicativo en el que sería necesario ubicar una

satisfacen o no nuestras necesidades e intenciones.

serie de factores condicionantes y esencialmente

En el ámbito de la enseñanza de lenguas extranjeras es sabido que los enfoques comunicativos revalorizan el concepto de error para definirlo como signo de progreso sin el cual el aprendizaje no es

afectivos: deseos de comunicarse, autoconfianza, motivación interpersonal, confianza en sus capacidades en la lengua que estudia, clima grupal y personalidad.

posible. De acuerdo con GARGALLO (2004, p. 394),

Estos mismos autores plantean que hay

los errores deben ser considerados como

v a r i a bbll e s a ffee c t i v a s presentes en el proceso de

manifestaciones de la llamada

del

aprendizaje de carácter individual como la ansiedad,

estudiante de una lengua extranjera; como el proceso

la inhibición, extraversión-introversión, autoestima,

de aprendizaje es activo y creativo, los mismos

motivación, estilos de aprendizaje y hay otras de

resultan inevitables y necesarios ya que demuestran

nes een n carácter más relacional: e mpatía, ttrr ansa ansacc cio ciones

que el proceso se está llevando a cabo.

el

interlengua 2

aula,

pro ce s o s

m u l t i c u l t u r a l e ss. Aquí

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1088

intercedemos directamente, lo individual no depende

asociaciones como esta: pão (en portugués) – pan (en

directamente de nosotros.

español).

Sab emos que si estimulamos factores

Al mismo tiempo, la afectividad repercute

emocionales positivos como la autoestima, la empatía

sobre las estructuras de la memoria a largo plazo. El

o la motivación, facilitaremos el proceso de

cambio o la estabilidad de esas estructuras depende

aprendizaje de idiomas.

del feedback que reciba el alumno.

Si la experiencia nos muestra que la ansiedad

El feedback que se recibe por parte del profesor

provoca estados nerviosos que comprometen la

durante la corrección de errores constituye una

calidad del rendimiento, podemos deducir que el

herramienta que permitirá que el progreso de

miedo y el nerviosismo están ligados al aspecto

aprendizaje autónomo del alumno sea claro y

cognitivo de la ansiedad, que es la preocupación. El

tangible.

estado de preocupación termina malgastando la energía que se debería emplear para la memoria y el procesamiento, y produce un tipo de pensamiento que no facilita en absoluto la realización de la tarea concreta.

Todos quieren una devolución sobre su producción, también los adultos porque se sienten dependientes e inseguros sobre su propia habilidad. Esta necesidad se puede explicar a partir de la relevancia que Vigotsky le da a la interacción con

Un ambiente que promueva la autoestima

otros individuos para el desarrollo de procesos

permitirá que el aprendizaje de aspectos cognitivos

internos. El aprendizaje tiene lugar si el individuo está

se lleve a cabo con más chances de éxito. Entendemos,

en contacto con un grupo social. La interacción con

junto a lo propuesto por DAMASIO (1994, p. 13) que

su profesor y sus compañeros le permitirá alcanzar

algunos aspectos del proceso de las emociones y de

un nivel de desarrollo real.

los sentimientos resultan indispensables para la racionalidad.

Las evaluaciones y orientaciones dadas por el profesor al alumno, todas las acciones y reacciones

La afectividad tiene funciones sobre el

como gestos, muecas o hasta silencios, interfieren en

ap mo aprre ndizaje y la me memo morr ia. (STEVICK, 2000, p. 65).

ia el aprendizaje. Nos proponemos observar q ué camb cambia

Para este autor, los datos afectivos se almacenan junto

cuand o eell p fr db ac cuando prr o f eso esorr o ofr free c e f ee eedb dbac ackk no sólo de lo

a todos los demás tipos de datos, visuales, verbales,

que produce mal sino también de aquello que el

auditivos u olfativos. Se codifica a diferentes grados

alumno ya es capaz de producir con corrección.

en los esquemas cognitivos de la memoria. Por otro lado, la afectividad puede actuar como fuente de confusión respecto a cómo se procesa la información nueva. Los datos nuevos activan estructuras de la memoria a largo plazo, se producen así imágenes mentales ver bales y no ver bales. Las mismas

El feedback no solo alcanza la afectividad del alumno sino también sus habilidades cognitivas: a veces el alumno no entiende las indicaciones del profesor y por miedo a ser corregido nuevamente, prefiere guardar silencio.

adquieren un nuevo estado en el que se pueden

Otro factor que cruza nuestra investigación

observar y manipular. A esta instancia de memoria

es el valor de los diferentes sujetos de la corrección

inmediata, el autor la denomina mesa de trabajo. Lo

de errores como el docente o pares, los compañeros

que se encuentra en ella puede mezclarse, compararse

de clase. Las ventajas de permitir o promover la

y combinarse de manera variada. Allí se dan

corrección por parte de los compañeros son

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1089

presentadas por BARTRAM (1994, p. 43). Los alumnos

ü Qué se estudia en los institutos de formación de

se sienten más involucrados, aprenden a ser más

profesores sobre la corrección de errores, feedback

independientes, sienten que la cooperación es mejor,

y afectividad.

se reduce con ello el tiempo de habla del profesor.

ü Qué técnicas de corrección se privilegian y por qué. ü Qué instancias de feedback se dan en la clase y

Sobre los objetivos de esta tesis El objetivo de esta tesis es hacer un análisis, en el marco de los estudios sobre la afectividad, de la

qué resultados se pueden observar. ü De qué índole son los problemas / conflictos que se enfrentan normalmente en clase.

v i s i ó n de profesores y alumnos sobre las

ü ¿Los profesores entrevistados se ap aprr oximan a lo

c o n s eecc u e n c i a s de la utilización de diferentes

propuesto por los estudios de la afectividad? A

est o r re c ción d estrr at atee g ias d dee cco dee eerr r or es en las clases de

modo de ejemplo: ¿Qué proponen para disminuir

Español como Lengua Segunda y Extranjera (ELSE),

la ansiedad?

b r e la cclase lase de los así como sobre los e f e c t os so sob diferentes tipos de f e e d b a c k dados entre los participantes de la clase.

Sobre los procedimientos

A partir de este análisis pretendemos llegar a

Reunimos un corpus de cerca de 50 entrevistas

diferentes propuestas para la planificación de una

a profesores de español. Para tener acceso a la visión

clase de ELSE más efectiva.

de los alumnos utilizamos un cuestionario con cinco

Stevick da una respuesta contundente al peor de mis miedos: que se confunda mi trabajo con los de la pedagogía del amor o cualquier cosa semejante. Cuando se habla de enseñanza afectiva adecuada se piensa en un profesor simpático, alentador. Sí, eso

preguntas que se distribuyó entre 50 alumnos de ELSE. El volumen de nuest ro corpus no nos permitiría sacar conclusiones estadísticas completas sobre la enseñanza de ELSE, sin embargo, será posible hacer un análisis ejemplar de estos datos.

es par te del as unto. La dimensión de los sentimientos. La segunda parte es la de estar en contacto con las necesidades de los alumnos: aprender vocabulario, contenido pragmático, etc. Sin las necesidades, la parte de los sentimientos sola ción se nt ime ntal es una me merr a manipula manipulación sent ntime imental ntal. Atender a las necesidades sin la de los sentimientos t e r mina sie nd o una manipula ción me cánica siend ndo manipulación mecánica cánica. Si se lograra controlar ambas partes a la vez, sentimientos e intenciones, podría surgir algo a la vez bello y eficaz. (STEVICK, 2000, p. 75). A partir de los objetivos centrales de la tesis, se nos plantean los siguientes interrogantes que intentaremos responder con el análisis del corpus:

Un primer anticipo de los resultados Puede que muchos de los problemas que enfrentamos en clase, tengan que ver con cuestiones afectivas o con la forma por medio de la cual estamos manejando la afectividad en el aula, sobre cómo conducimos la interacción. Vale recordar que no necesariamente tendrá buenos resultados aquel que considere la afectividad. No se ha redescubierto la pólvora. La corrección de errores se estudia en general, dentro del marco teórico metodológico. Aprenden

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1090

que son importantes para el proceso de enseñanza aprendizaje pero no se profundiza ni detalla. Respecto a las técnicas de corrección más

ü Que la actuación no tenga que ser perfecta. ü Que el alumno evalúe su rendimiento de forma realista, objetiva.

usadas son: en lo oral, intentar no interrumpir la comunicación y brindar de forma indirecta las palabras correctas. En la expresión escrita, se utiliza

Sobre el contenido y la forma

bastante la autocorrección mediante códigos y se aprovechan como momento de reflexión sobre el desempeño en general. En las primeras entrev istas vemos que, aunque de manera intuitiva, se le da mucha importancia al feedback. “De última es lo que queda. No importa la nota, el examen ni nada, es lo que le dijiste.” dice una profesora. Los entrevistados no tuvieron durante su formación ninguna aproximación a los estudios de la afectividad. Nada más allá de la psicología del desarrollo. Un comportamiento observado en clases de L2 es la intolerancia respecto a los tiempos y los errores de alumnos de determinadas nacionalidades. Los profesores tienen que lidiar con estas situaciones y enfrentarlas de la mejor manera posible. Aunque no haya leído el artículo en particular, una de las profesoras comentó que hace lo que propone OXFORD (2000, p. 85): intentó convencer a uno de sus alumnos que la actuación no tiene por qué ser perfecta. La misma autora llega a una serie de recomendaciones que harían más efectiva la práctica docente en clase. Del conjunto, seleccionamos algunas: ü Que los alumnos comprendan que los episodios de ansiedad ante el idioma son transitorios. ü Que tengan confianza en sí mismos dándoles la oportunidad de rendir bien en la clase. Evitar ejercicios de mera adivinación. ü Reducir la competitividad.

Con el propósito de ser coherentes con la teoría que los docentes adoptan para desarrollar sus clases, vale preguntarse cuánto se le dedica al código, al sistema, a la forma más que al mensaje. Sería ideal que se incentivara más al alumno a que usara la lengua objeto para dar su opinión o informaciones y a que tuvieran menos preocupaciones por la forma. Lo propuesto por STEVICK (1980, p. 4) resume esta idea inicial-final: “El éxito (en el aprendizaje de una lengua extranjera) depende menos de los materiales, técnicas y análisis lingüísticos y más de lo que sucede dentro de y entre las personas en el aula”. Es decir, el éxito depende menos de las “cosas” y más de las “personas”.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Referencias bibliograficas

1091

GARGALLO, I. S. El análisis de los errores en la interlengua del hablante no nativo. In Vademécum para la formación

ARNOLD, J. (ed.). La dimensión afectiva en el aprendizaje de idiomas. Madrid: Cambridge University Press. 2000.

de profesores. Madrid: Sgel, 2004. REVUZ, C. La lengua extranjera entre el deseo de un lugar

ARNOLD, J. y BROWN, H. D. “Mapa del terreno”. En

diferente y el riesgo del exilio. Traducción de Marcelo

Arnold, J. (ed.) La dimensión afectiva en el aprendizaje de

Canossa. En Signorini, I. Campinas, Mercado das Letras,

idiomas. Madrid: Cambridge University Press. 2000.

1998.

BARTRAM, M. e WALTON, R. Correction. A positive

STEVICK, E. W. Teaching Languages: a Way and Ways.

approach to language mistakes. Londres: Language Teaching

Rowley, Massachusetts: Newbury House, 1980.

Publications, 1994.

Notas 1

Alumna de la Maestría en Lingüística de la Universidad Nacional de La Plata (UNLP). Argentina. [email protected].

2

En los años 70 nace el Análisis de Errores, con esta propuesta surge el concepto de interlengua. Selinker (1972) define interlengua como sistemas intermedios entre la lengua materna y la lengua meta que poseen características propias influenciadas no solo por transferencias de la lengua materna, sino también por otros factores.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1092

A ESCOLHA DE RETÓRICA EM ANDRÉS BELLO (1847)

Stela Maris Detregiacchi Gabriel Danna* PG-USP

1. Introdução

primeiro lugar, contextualizamos a obra e o autor em questão (análise externa) e, posteriormente,

O presente trabalho está inserido na área de Historiografia Linguística, disciplina que procura

adentramos à obra partindo para o tratamento da metalinguagem gramatical (análise interna).

examinar a produção e evolução das ideias sobre a linguagem, considerando que estas são proposta por ‘atores’ que interagem entre si, com um contexto

2. Murray (1993) e a “escolha de retórica”

sócio-político-cultural e, também, com um passado Consideramos como “escolha de retórica” o

científico (SWIGGERS, 2004, p. 115-116).

posicionamento que um estudioso, neste caso Andrés Nesta perspectiva, temos como objetivo

Bello, assume em um texto, perante a tradição de

apresentar considerações ainda iniciais acerca da

estudos que o antecede. No caso da Gramática de la

“escolha de retórica” de Andrés Bello na sua obra

lengua castellana destinada al uso de los americanos

Gramática de la lengua castellana destinada al uso de

(1853[1847]), de Bello, estamos principalmente

los americanos (1847). Temos estudado este autor no

interessados em verificar como ele dialoga com a

1

mestrado , cujo projeto prevê a elaboração do perfil

tradição g ramat ical europeia de descrição do

de ‘escolha de retórica’ do gramático venezuelano,

espanhol.

fazendo um mapeamento da metalinguagem empregada no livro citado acima. A proposta justifica-

Compar tilhamos do termo “escolha de

se pelas revisões históricas (TRUJILLO 1988; LUJÁN

retórica”, tal como se apresenta na obra Theory Groups

1999; ARNOUX 2008; GÓMEZ-ASENCIO 2009) que se fizeram sobre essa gramaticografia, classificando-a

and the Study of Language in North America (1993), em que Stephen Mur ray distingue dois tipos essenciais de “escolha de retórica”: 1) “escolha de

como inovadora e merecedora de revisitação.

retórica” continuísta, em que um agente ou um grupo Para atingir o objetivo delineado, utilizamos

se revela apoiador ou seguidor de certas ideias

a metodologia do Projeto Documenta, desenvolvido

consolidadas pela tradição e também pela

por pesquisadores do

CEDOCH–DL/USP2. Em

linhas

comunidade de estudiosos de que ele faz parte; 2)

gerais, este método prevê dois momentos: em

“escolha de retórica” revolucionária em que, por

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1093

oposição, um agente ou um grupo reivindica rupturas

menos experiente no campo em que atua) tenderia a

com a tradição precedente ou então com aquilo que

realizar uma “escolha de retórica” revolucionária. Em

está consolidado como forma autorizada de

oposição, um grupo ou autor que obtivesse facilidade

conhecimento em sua comunidade; nesse caso, o autor

de “acesso ao reconhecimento”, que desfrutasse de

ou o grupo reivindica para si mesmo algum tipo de

uma

inovação (MURRAY, 1993, p. 23). É importante

predominantemente experiente (ou de “idade

ressaltar que essa expressão é utilizada para assinalar

profissional” mais avançada) tenderia a assumir uma

que estamos tratando da “autopercepção” dos atores e

“escolha de retórica” continuísta.

“condição

de

elite”

e

que

fosse

não, necessariamente, de um fato empiricamente verificável.

Como se t rata de verificar o modo de combinação dessas variáveis (e outras mais),

Nesta mesma obra, Murray faz um extenso

pensamos que não se pode considerá-lo um modelo

estudo de sociometria sobre a formação da linguística

seguro de predição a respeito da forma de diálogo

norte-americana. Nele, o autor observa que três

com a tradição e com os valores aceitos numa

variáveis, dentro de um complexo conjunto de

comunidade. Contudo, o autor indica que as três

aspectos sócio-institucionais, se destacariam como

variáveis comentadas acima seriam importantes

mais relevantes para a “escolha de retórica” de um

indicadores, e mesmo importantes justificadores, das

autor ou de um grupo em uma obra. As variáveis

“escolhas de retórica” feitas por estudiosos.

apontadas como mais produtivas são: a “condição de elite”, a “idade profissional” e o “acesso ao reconhecimento”. Em resumo, a “condição de elite” diria respeito ao treinamento ou à circulação do

3. Reconstrução biobibliográfica de Andrés Bello (1781-1865)

pesquisador em instituições de maior prestígio ou, ainda, a relações com a chamada elite da

Com o intuito de analisar a aplicabilidade

especialidade, grupo de pesquisadores normalmente

deste modelo desenhado por Murray (1993) para o

vinculado a instituições mais centrais. A “idade

caso de Bello, constatamos a necessidade de

profissional” estaria lig ada à distinção entre

contextualizar o texto selecionado e reconstruir,

estudantes e cientistas profissionais; não se tratando

parcialmente, os perfis biográfico e intelectual do

– necessariamente – de idade cronológica, mas sim

autor. Nesse perfil, pretendemos destacar,

do tempo de training ou de atuação numa área

especificamente, os três aspectos que Mur ray

específica de estudos. Já o “acesso ao reconhecimento”

considera mais relevantes para a “escolha de retórica”.

estaria relacionado à percepção que os próprios

Para tanto, tomamos como bases as informações

estudiosos têm de sua importância na comunidade

encontras nas seguintes fontes bibliográficas: Alcalá-

científica em que atuam. O grau de reconhecimento

Zamora y Torres (1960), Caldera (1965[1935]),

teria como indicador, por exemplo, a possibilidade

Gómez-Asencio (2009) e Lliteras (2000).

de publicação ou acesso a postos de trabalho, isto é, estaria relacionado a aspectos que indicariam que há espaço para a circulação das ideias do grupo ou autor.

3.1. Na Venezuela

Tendo como base estas variáveis, hipoteticamente, um grupo ou autor que se perceba com dificuldade de

Sabemos que Andrés de Jesús María y José

“acesso ao reconhecimento”, “condição periférica” e

Bello Lopes (1781-1865) nasce na Venezuela, em uma

possuindo pouca “idade profissional” (isto é, sendo

família colonial de Caracas, cidade de intensa

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1094

produção cultural na época (CALDERA, 1965[1935],

como de “tirania” no poema “El himno de Colombia”

p. 19). Desde a infância, Bello tem acesso a uma

(em Obra literaria, 1985, p. 49). Seu destino de

educação de alto nível naquele contexto. Seu primeiro

regresso, no entanto, é o Chile, já que parece ter uma

mestre é o religioso Cristóbel de Quesada, destacado

escassa comunicação com a Venezuela.

latinista do período. Conhecedor de inglês e francês, quando adulto, forma-se em Ar tes, Direito e Medicina, frequentando a Real y Pontificia

3.3. No Chile

Universidad de Caracas. Entre seus amigos na terra natal, encontra-se Alexander Humboldt (1769-1859)

De volta a terras americanas em 1829,

– com quem pode conversar sobre os estudos do

ministra aulas na Faculdade de Santiago e no Instituto

irmão, o linguista Wilhem Von Humboldt (1767 –

Nacional. Alça-se, em 1843, ao cargo de reitor da

1835) – e entre seus alunos particulares, Simón

recém criada Universidade do Chile. Durante este

Bolívar (1783 -1830). É um estudioso que parece ler

período, ocupa cargos públicos, como o de ministro

com frequência os jornais e liv ros europ eus

de Relações Exteriores, e reformula as leis chilenas

(CALDERA, 1965[1935], p. 20). Inclusive, é um dos

ao escrever o Código Civil de la República de Chile

primeiros a contribuir para os jornais venezuelanos,

(1856). Nesta etapa é que publica a Gramática de la

como o Gaceta de Caracas e um dos primeiros a

lengua castellana (1847), obra posterior a outros

ocupar um cargo de destaque na nova nação

textos de Bello sobre língua, como os Principios de

venezuelana.

ortología y métrica de la lengua castellana (1835) e a Gramática de la lengua latina (1838). Neste país, estabelece amizade com outros intelectuais; entre eles,

3.2. Na Inglaterra

políticos americanos de grande vulto, como Domingo Faustino Sarmiento (1811-1888) e Diego Portales

Devido a esta ocupação, Bello é enviado em

(1793-1837). Entre seus seguidores e revisitadores,

missão diplomática à Londres, onde – além de

encontramos figuras como Miguel Luis de

trabalhar para os governos da Venezuela, do Chile e

Amunátegui (1828-1888), Rufino José Cuervo (1844-

da Colombia – retoma sua atividade jornalística.

1911), Eugenio Orrego Vicuña (1900-1959), Dámaso

Neste país, entra em contato com intelectuais de

Alonso (1898-1990), entre outros.

renome como: Jeremy Bentham (1748-1832), James Mill (1773-1836) e John Stuart Mill (1806-1873). Mais além, estabelece relações com Antonio Puigblanch e Vicente Salvá, estudiosos do espanhol que Bello diz seguir em sua Gramática (1853[1847)].

Por meio desta breve e inicial reconstrução biográfica e intelectual, tenderíamos a supor que Bello estaria e, mais importante, via-se inserido em ambientes onde circularia certa elite dos eruditos das humanidades, em especial dos estudos de línguas e

Embora tenha vivido mais de década no

ciências sociais, como a Pontificia Universidad de

exterior, o venezuelano demonstra interesse constante

Caracas, a Faculdade de Santiago, o Instituto Nacional

em voltar à América. Parece não abandonar a situação

e a Universidad de Chile. Não podemos deixar de

política e social americana, informação que podemos

considerar, inclusive, as relações que o gramático

depreender de suas próprias poesias, nas quais revela

venezuelano estabeleceu com grandes eruditos

sua posição a favor de uma separ ação da

europeus e americanos, alguns deles considerados

administração espanhola, cuja atitude denomina

líderes de movimentos intelectuais e políticos.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Concomitantemente, notamos que no momento de publicação da obra em foco, isto é, a Gramática de la lengua castellana (1853[1847]), Bello já gozava de certa experiência não só na área das ciências da linguagem, como também em outros campos do conhecimento. Devido à possibilidade de publicação, o

número

de

seguidores

e

rev isitadores

contemporâneos a ele, e os inúmeros cargos políticos e jornalísticos, o gramático teria, por hipótese, alguma facilidade para publicar e difundir suas ideias. Segundo o modelo de Murray, Bello tenderia, então, a adotar uma retórica de continuidade com a tradição de estudos gramaticais do espanhol. Por outro lado, Bello estava inserido em círculos intelectuais cujos integrantes são conhecidos, na História, por refletir

1095

“[El habla es] un sistema artificial de signos, que bajo muchos respectos se diferencia de los otros sistemas de la misma especie de que se sigue que cada lengua tiene su teoría particular, su gramática.” (BELLO, 1853 [1847], p. I)

Nesta definição revela-se sua intenção de deslatinizar a descrição gramatical do espanhol e aponta para que a língua espanhola ganhe autonomia da língua-mãe e, consequentemente, de qualquer outra. Assim, propõe descrevê-la de acordo com um modelo próprio, sem comparações ou analogias: “No debemos pues aplicar indistintamente a un idioma los principios, los términos, las analogías en que se resumen bien ó mal las prácticas de otros” (BELLO, 1853 [1847], p. II).

e propor novas ideias e/ou manifestar posições

Retoricamente, Bello não acredita inovar, mas

consideradas contestatórias. Ele, hipoteticamente,

sim “restaurar” ideias anteriores. Recusa o auxílio de

também poderia querer atender às necessidades

outros livros de autoridades, exceto os clássicos

levantadas por estes círculos, escolhendo uma retórica

gramaticais espanhóis: aqueles da Real Academia

mais revolucionária.

Española (fundada em 1713), a gramática de Vicente Salvá (1786-1849) e as obras de Juan Antonio Puigblanch (1775-1840) e Gregorio Garcés (1733-

4. O posicionamento de Bello no “Prólogo” (1853[1847])

1805). Toma como tarefa analisar “la lengua misma” (BELLO, 1853[1847], p. III), isto é, aquela colocada em uso, contrapondo-se às orientações e explicações

Após uma aproximação mais contextual e de caráter externo, verifiquemos os posicionamentos

encontrada nas gramáticas gerais (ARNOUX, 2008, p. 243):

mais explícitos do autor, desde uma perspectiva interna, isto é, concentrando-nos no exame do prólogo à 1ª edição de sua Gramática (1853[1847]). Neste prólogo, as primeiras palavras de Bello remetem a sua pretensão de não alterar explicações tradicionais, fazendo certas modificações quando lhe parecer necessário aclarar ou completar alguma informação. Este seria um indício de uma escolha de retórica de continuidade. No entanto, ao longo do texto, o gramático venezuelano vai revelando uma definição menos tradicional de “lengua” ou, como ele utiliza, de “habla’”, assim como da tarefa que cabe ao gramático.

“Acepto las prácticas como la lengua les presenta; sin imaginarias elipsis, sin otras explicaciones que las que se reducen á ilustrar el uso por el uso” (BELLO, 1853[1847], p. III).

Por “lengua castellana”, entende “la que se habla en Castilla” e que passou a ser utilizada nos domínios coloniais. Em um posicionamento retórico bastante marcado, Bello recusa a denominação “lengua española” indicando que seria posterior a primeira e, talvez por isso, um termo impróprio. Seu objetivo é claramente descrever a língua castelhana para os americanos. Não pretende

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1096

prescrever regras, mas registrar os usos atuais e/ou

los americanos (1853[1847]), poderíamos dizer que

passados. Por uso, Bello se refere à língua colocada

Bello parece seguir algumas práticas e orientações

em prática pelas pessoas cultas. Este mesmo registro

presentes em obras gramaticais espanholas de

também seria um meio de conservação da língua e

impacto, isto é, a Gramática Castellana (1492), de

um instrumento de unificação dos hispano-falantes

Nebrija, a gramática da Real Academia Española, a

na América, que são, em última instância, “hermanos”

de Vicente Salvá, etc. Não obstante, também parece

para Bello.

revelar algumas ideias menos tradicionais, como: 1)

Desse modo, a língua castelhana como entidade promovedora da integração entre seus falantes não poderia conter variedades, já que a diversidade linguística geraria, mais cedo ou mais

a aceitação, ainda que mínima, de usos práticos e construções típicas do idioma na América; 2) uma explicação gramatical que atribuísse autonomia descritiva à língua castelhana.

tarde, uma desagregação. Portanto, a língua castelhana deveria ser, antes de tudo, estável e homogênea. A partir deste conceito, recusa neologismos, regionalismos e empréstimos, principalmente os galicismos: “Pero el mayor mal de todos, y el que, si no se ataja, va á privarnos de las inapreciables ventajas de un lenguaje comun, es la avenida de neologismos de construccion, que inunda y enturbia mucha parte de lo que se escribe en América, y alterando la estructura del idioma, tiende á convertirlo en una multitud de dialectos irregulares, licenciosos, bárbaros” (BELLO, 1853[1847], p. VI).

5. Considerações parciais Estamos observando durante a análise da obra e ao longo do processo de reconstrução das três variáveis sociais relativas a Bello (isto é, a “condição de elite”, o “acesso ao reconhecimento” e a “idade profissional”) que a “escolha de retórica” não é clara e explícita, tendendo ora para um lado, ora para outro, a depender do tema ou fenômeno analisado a cada passo pelo autor. Algumas colocações respeitam mais a tradição, enquanto que outras não.

O objeto da gramática de Bello, isto é, a “lengua castellana”, é a língua do “buen uso”, escrita

Considerando que os três aspectos sociais

(preferencialmente literária), de acordo com a norma

levantados por Murray permitiriam uma série de

culta, presente nos clássicos peninsulares, entre eles

combinações, a possibilidade de nuances entre os dois

as obras de Cervantes, Lope de Vega, Alonso de Ercilla,

polos de escolhas destacadas pelo autor (continuidade

Leandro Fernández de Moratin e outros. Não

ou ruptura) pode ajudar-nos a compreender o

obstante, já manifesta alguma preocupação por

posicionamento retórico escolhido pelo gramático

aceitar expressões e usos gerais praticados pelos

venezuelano. Além disso, pretendemos continuar com

falantes americanos, apontando para uma tentativa

a análise da obra e chegar a uma definição mais clara

de igualar nações:

de um perfil de “escolha de retórica”, que, até o momento, apresenta-se dúbio.

“Si según la práctica general de los americanos es mas analógica la conjugación de algún verbo, ¿por qué razón hemos de preferir la que caprichosamente haya prevalecido en Castilla?” (BELLO, 1853[1847], p. VI).

Em síntese, nestas aproximações iniciais à Gramática de la lengua castellana destinada al uso de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

6. Referências bibliográficas

1097

GÓMEZ-ASENCIO, José J. (2009): De “gramática para americanos” a “gramática de todos”. El caso de Bello

ALCALA-ZAMORA Y TORRES, Niceto (1960): Prólogo

(1847). Em: Revista argentina de historiografia lingüística..

de esta edición. Em: BELLO, Andrés e CUERVO, Rufino.

I, 1, p. 1-18.

Gramática de la Lengua Castellana, p. Buenos Aires: Editorial Sopena Argentina S.A.

LLITERA, Margarita. (2000): La gramática de Bello y sus fuentes hispánicas. Em: SCHMITT, Christian;

ARNOUX, Elvira N. de. (2008): Los discursos sobre la

CARTAGENA, Nelson (eds.): La Gramática de Andrés Bello

nación y el lenguaje en la formación del Estado (Chile 1842

(1847-1997), p. 82-102. Bonn: Romanistischer Verlag.

-1862). Estudio glotopolítico. 1ª ed. Buenos Aires: Santiago Arcos editor.

LUJÁN, Marta. (1999): Minimalist Bello: Basic Categories in Bello’s Grammar. In: Javier Gutierrez-Rexach e

BELLO, Andrés (1838): Gramática de la lengua latina.

Fernando Martínez-Gil (eds.). Advances in Hispanic

Santiago: Imprenta de La Opinión.

Linguistics, p. 428-446. Somerville, MA: Cascadilla Press.

BELLO, Andrés (1853[1847]): Gramática de la lengua

MURRAY, Stephen O. (1993): Theory groups and the study

castellana destinada al uso de los americanos. Madrid:

of language in North America, a social history. Amsterdam/

Imprenta de la biblioteca económica de educación y

Philadelphia: John Benjamins Publishing Company.

enseñanza.

SWIGGERS, Pierre. (2004): Modelos, Méto dos y

BELLO, Andrés (1884 [1835]): Principios de la Ortolojía i

Problemas en la Historiografía de la Lingüística”. Em:

Métrica de la lengua castellana. Obras Completas de Don

CORRALES ZUMBADO, C.; DORTA LUIS, J. et al. (eds.):

Andrés Bello. Vol. V, p. 3-229. Santiago: Dirección del

Nuevas Aportaciones a la Historiografía Lingüística: Actas

Consejo de Instrucción Pública.

del IV Congreso Internacional de la SEHL, p. 113-146.

BELLO, Andrés (1955[1856]): Código Civil de la República

Madrid: Arco libros. TRUJILLO, Ramón. (1988): Aspectos Generales. Em:

de Chile. Caracas: Imprenta Lopez. BELLO, Andrés (1985): Obra literaria. Caracas: Biblioteca Ayacucho.

BELLO, Andrés. Gramática de la lengua castellana destinada al uso de los americanos. Madrid: Arco libros, 1988, p. 7145.

CALDERA, Rafael (1965[1935]): Andrés Bello. 4ª edição. Caracas: Biblioteca Popular Venezolana/Instituto Nacional de Cultura y Bellas Artes.

Notas *

Mestranda em Semiótica e Linguística Geral, orientada pela professora Dra. Olga Ferreira Coelho. Seu projeto, intitulado “’Escolha de retórica’ em Andrés Bello e Manuel Said Ali: uma análise a partir da metalinguagem”, conta com o financiamento do CNPq. [email protected].

1

No mesmo projeto de mestrado, proponho analisar também a “escolha de retórica’” de Manuel Said Ali Ida (1861-1953).

2

O CEDOCH (Centro de Documentação em Historiografia Linguística) está vinculado ao Departamento de Linguística (DL) da USP e é coordenado pelas professoras Dra. Maria Cristina Altman e Dra. Olga Ferreira Coelho.

1098

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

A PALAVRA EM O LIVRO DAS MIL E UMA NOITES E EM O LAPIS DO CARPINTEIRO, DE MANUEL RIVAS

Susana Álvarez Martínez PG-UFF

Este trabalho é o resultado da pesquisa sobre

Na tese busquei analisar, defender e

o Livro das mil e uma noites, obra anônima e O lapis

comprovar como os autores das duas obras “Livro

do carpinteiro, de Manuel Rivas, e da análise dos

das mil e uma noites” e “O lapis do carpinteiro”,

discursos de cada uma dessas obras que culminou na

demonstram por meio das narrativas, a importância

minha tese de doutorado. Cabe ressaltar que ele não

do ato de contar como um discurso de vida ou morte

seria possível sem a insistente ajuda da professora Dª

da memória de uma identidade. O caminho da análise

Magnólia Brasil Barbosa do Nascimento a qual serei

abarcou três momentos e nesta comunicação

sempre grata pela generosidade e paciência com que

pretendo mostrar parte do terceiro e último deles,

me orientou, assim como pela persistência, que fez

onde aponto o efeito que cada narração tem dentro

com que eu rompesse com meus limites e chegasse

de determinados contextos, quer dizer, as mudanças

até aqui não só com a certificação de Doutora em

que os relatores provocam em seus ouvintes e no seu

Literatura Comparada como também apresentando

entorno tão logo se coloca em andamento o ato de

esta comunicação em português. Pelo meu nome e

narrar.

sobrenome alguns devem ter identificado que não sou brasileira e que apesar dos já 25 anos morando no Rio de Janeiro ainda é um grande esforço não só escrever como falar em português de coisas que vem de dentro, das minhas raízes. Manuel Rivas diz que as línguas são equivalentes a variedade das espécies, à vida, seguindo esse pensamento empreendo então tal façanha como demonstração de gratidão ao país

Essa forte ligação entre a palavra e o homem, aspecto importante na tradição oral, revela que a primeira, não sendo empregada com imprudência, é um agente mágico. Na narrativa do Livro das mil e uma noites e em O Lapis do carpinteiro, há muitas manifestações do compromisso e do respeito da palavra.

que me deu vida e possibilitou fazer os estudos de

Para tal análise, tomo os personagens que

graduação, mestrado e doutorado dentro de uma

considero fios condutores do ato de narrar em cada

universidade federal com profissionais de tão alto

uma das obras: Šahräzäd, no Livro das mil e uma

nível como o da minha orientadora.

noites, e o Lapis, em O lapis do carpinteiro.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Šahräzäd A figura de Šahräzäd não só consiste no eixo central em torno do qual as outras narrativas se organizam, como também constitui o ponto de convergência das outras histórias. Segurar e não soltar seu papel de narradora é um problema de vida ou morte. Quem é essa mulher? Como ela surge na narrativa? São perguntas que podem ser respondidas

1099

que o mundo da fantasia e da ficção desperta nos ouvintes e / ou leitores. Cada palavra proferida habilmente pela voz que se ergue e busca o silêncio no momento oportuno é envolvida pelo suspense ardilosamente concebido por Šahräzäd a fim de manter a sua vida e transformar a atitude de Šähriyär em relação às mulheres.

em poucas linhas. A filha mais velha do vizir de

Šahräzäd só vive na medida em que pode

Šähriyär é uma mulher extremamente inteligente e

continuar contando, mas essa situação se repete

que se cultivava – lia, estudava, fazia poesia. Toda sua

constantemente no interior do conto. Por citar uma

instrução fora construída a partir do entendimento

das muitas histórias que o comprovam lembro a

“tinha lido e entendido”. Ela não tinha só acumulado

história, “O rei Yunan e o médico Duban” (ANÔNIMO,

conhecimento, sua sabedoria, além de ampla, era

2005, pp. 77-89). Onde as páginas brancas estão

consistente e audaciosa. Logo depois das linhas em

envenenadas: o livro que não conta nenhuma

que se descreve o seu caráter, sabe-se que, certo dia,

narrativa mata. Segundo Todorov, “O homem é apenas

ela comunica ao vizir, seu pai, o desejo de tornar-se

uma narrativa; desde que a narrativa não seja mais

mulher do sultão. Diante do pavor do pai, Šahräzäd

necessária, ele pode morrer. É o narrador que o mata,

reconhece o perigo a que está exposta e diz: “...Ou

pois ele não tem mais função” (TODOROV, 2004, p.

me converto em um motivo para a salvação das

129). Se Šahräzäd não encontrar mais contos para

pessoas ou morro e acabo, tornando-me igual a quem

narrar, será executada, pois a narrativa é igual à vida;

morreu e acabou” (ANÔNIMO, 2005, p. 49). Sua ação

a ausência da narrativa, à morte.

reflete a tentativa de solidificar um ato de represália contra a violência que se estabeleceu sobre seu povo, e, ao mesmo tempo, seu principal objetivo era a salvação do seu povo. Šahräzäd pretende escapar do fim comum às esposas de Šähriyär por meio de um plano bem elaborado, na verdade um ardil, pois ela era sábia, inteligente, conhecedora das coisas e, afinal, tinha lido e entendido. René Khawam a define como “Le tisserande des Nuits” tecedora das noites, a que tem como oficio unir, urdir, tramar as narrativas intermináveis para prender o homem e vencer o poder. A fiandeira / Šahräzäd encontra no fio uma forma de expressar seus sentimentos, compondo, na trama, a sua visão de mundo, um pouco da sua vida, da vida dos outros e do seu destino. Como senhora da palavra, reserva-se o direito do suspense, apostando no desejo e na curiosidade

Assim, a cada noite, a narrativa inconclusa delimitada pelo suspense com o qual Šahräzäd estimula a curiosidade e desperta o desejo do sultão em ouvir o final da história, opera uma sutil mudança em seu comportamento. Sem satisfazer o dese jo desper tado em Šähriyär de ouvir o final da narrativa, a contadora de histórias conduz, a cada noite, não somente o fio condutor da trama, mas também a curiosidade do sultão. Šahräzäd, A grande mestra da palavra consegue penetrar a mente de Šähriyär com suas tramas ardilosamente construídas no espaço da ficção, desviando o rei do seu intento primordial: o decreto que lhe concede o poder de vida e morte sobre as mulheres jovens do reino. Assim, Šahräzäd tece infinitamente as suas tramas: noite após noite, suspendendo-a ao alvorecer, pois a conclusão de qualquer tessitura significaria a sentença de morte.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1100

Tudo ocorre da forma calculada por Šahräzäd,

processo civilizatório aprenda a governar o seu povo,

e não é por acaso que a primeira história contada por

os muçulmanos, segundo os critérios da tradição e

ela é a do “Mercador e o Gênio”. Contando esta

cultura do Islã. As histórias por ela contadas têm o

história, Šahräzäd está, de certa forma, dizendo a

que Walter Benjamin denominou de dimensão

Šähriyär que se o gênio, que é mais poderoso do que

utilitária, pelo seu ensinamento moral, sugestão

um rei, aceitou negociar a vida do mercador em troca

prática ou norma de vida, pois o narrador, além de

de histórias, por que ele, que não é tão poderoso

saber narrar a história, “sabe dar conselhos”. Šahräzäd

quanto o gênio, não faz o mesmo e aceita negociar a

vive corajosamente adiando, a cada dia, sua morte

vida dela em troca de histórias?

para que um dia Šähriyär possa renascer como um

O que Šahräzäd faz, na realidade, é apresentar uma proposta a Šähriyär, cujo silêncio indica a aceitação, e, com a continuação do processo, transforma a proposta inicial num pacto: enquanto

homem e governante ético. As histórias de Šahräzäd funcionam como uma metáfora da força jovem que enfrenta e vence o discurso do poder pelo poder do discurso.

Šahräzäd conseguir contar histórias ela salva, a cada noite, não só a sua vida, mas também a vida de uma jovem. O silêncio de Šahräzäd a cada nova alvorada, em respeito ao dever sagrado da oração de Šähriyär, encontra eco no silêncio dele em cumprir o juramento sanguinário.

Lapis O lápis é um objeto com vida que dá consistência e estrutura interna, organiza e dá coesão à obra de Rivas que integra o corpus desta pesquisa

O ardil concebido por Šahräzäd permite que

sob o título de O lápis do carpinteiro. Entre os vários

ela leve a negociação da sua vida para o espaço íntimo

significados que tem ou papéis que desempenha está

do quarto, ou, em outras palavras, poderíamos dizer

o de um objeto antropomorfizado. É a reencarnação

que Šahrä zä d transforma o espaço ínt imo

do pintor e possui múltiplos traços humanoides.

acrescentando, à sua dimensão de espaço de repouso e do prazer sexual, uma nova dimensão de prazer lúdico criado pelas histórias que conta.

Ele tem um passado, uma história, mais do que um personagem ele é a fonte irradiadora do romance. Surge, normalmente, no crepúsculo e reflete

As histórias contadas por Šahräzäd são

a ideologia de todos os personagens a quem

histórias exemplares e, assim, servem como uma

pertenceu: libertários, humanistas, sindicalistas,

espécie de inventário que transmite as tradições e a

políticos, homens bondosos, espirituais e sensíveis.

cultura

os

Por isso a sua ação é de falar, sussurrar, aconselhar,

compor tamentos da sociedade islâmica. Pelas

convencer e contar na orelha de Herbal. Representa a

narrativas ela transforma o ambiente íntimo para

defesa da voz, da palavra como transmissora de ideias,

educar sua pequena irmã Dinärzäde, que, pelo fato

como estruturadora do pensamento e do anseio

de ser uma criança, deve ser educada, e Šähriyär, que

humano.

muçulmana

para

normat izar

apesar de adulto, precisa ser educado, pois ele é um bárbaro, um incivilizado.

Seu primeiro momento como ser humano com Herbal surge no capítulo oito, “Cando volvían

Šahräzäd sabe que Šähriyär deve ser educado

no coche de darlle o paseo ao pintor, e mentres o resto

não apenas para que o seu sanguinário juramento seja

da partida compartía a morro unha botella de coñac,

revogado, mas, principalmente, para que nesse

el notou por primeira vez aquel transtorno na cabeza.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1101

Coma se lle entrara xente” (RIVAS, 1998, p. 49).

A voz do Homem de Ferro vai-lhe dizer que

Naquele instante, Herbal para de falar, sente um

deve ser forte e cruel para sobreviver neste mundo

disparo e cai abatido. A partir daí, como em um

de fracos e covardes. Essa luta interior desatada na

sonho, entra em uma estrada muito reta e vai

cabeça do carcereiro tem como vencedor o pintor,

pintando o Pórtico da Glória com um lápis de

porque suas palavras devolvem o ar ao peito oprimido

carpinteiro. Esse lápis transmite a voz do pintor, já

de Herbal, liberam-no, dão-lhe a paz de que sua alma

morto. A consciência de Herbal está cheia de

atormentada precisa.

remorsos pelo assassinato do pintor, até o momento em que esse se converte em uma obsessão que lhe dita ao cérebro a conduta que deve seguir.

Herbal é curado pelo verbo, porem a palavra não vem de fora, mas de dentro e pouco a pouco vai transformando-o assim como o seu entorno.

Como amigo, aconselha-o, faz com que mude

Enquanto os paseos nocturnos na prisão de Santiago

de ideias, faz com que atraiçoe as suas crenças, minora

de Compostela se rep etem, Da Barca e seus

seus padecimentos, suas dores e apazigua suas iras.

companheiros de cela contam lendas da cultura

Chega ao ponto em que Herbal o sente como seu

galega. No capítulo 3, temos a já conhecida lenda da

companheiro. Quando se vê em apuros, está nervoso

Santa Compaña e a história das duas irmãs: Vida e

ou passando mal, desgostoso com seus atos, espera

Morte.

ansioso por sua chegada e o recebe com alegria, porque dá paz à sua consciência. O lápis é utilizado

Esta última história, que também foi ouvida

como a presença do pintor na consciência de Herbal,

por Herbal, volta a ser lembrada no capitulo 13,

ajuda-o a sobreviver de si próprio, a reexistir,

quando ele, Herbal, sonha que a Morte vem

(reinventar, recriar a existência). O antigo guarda e

perguntar-lhe pelo acordeonista e pela Vida: “Ola,

carcereiro representa a brutalidade e a desesperança

Herbal querido. Eu son a Morte. ¿Sabes onde van o

dos tempos trágicos em que se enquadra a narração

sorrinte mozo acordeonista e a puta Vida?” (RIVAS,

e o lápis projeta-se como outro olhar para um mundo

1998, p. 78). Então, Herbal defende-se com o lápis e

diferente ao que os outros lhe atribuem.

a Morte “abre os ollos com espanto. Esváese” (RIVAS, 1998, 78). Por qué? Porque é o lápis que tem o que

A voz do pintor constitui a prova do poder

contar, foi ele que, em algum momento, disse para o

curador e transformador que a palavra possui no

autor: “Tienes que contar una historia, yo tengo una

romance de Rivas, com ela vão-se abrindo, no espírito

historia” (RIVAS, 2002).

de Herbal, portas fechadas pelo temor e pelo ódio. O guarda descobrirá que existe outra realidade, outra

Com esse momento e muitos outros presentes

forma de ver a realidade, diante de uma perspectiva

na narrativa, é possível compreender que a palavra

artística, poética.

cobra um valor especial, o verbo é a última possibilidade de fuga, de pular os muros da prisão e

No entanto a voz do pintor desatará um rodamoinho dentro da alma atormentada de Herbal.

reafirmar uma existência que tenta ser negada, de reexistir.

Este, não vai se entregar facilmente ao lado mais terno e artístico de sua personalidade, que irá

O ato de narrar, nessa situação comunicativa,

alternando os conselhos do pintor com os do Home

constitui o alimento da alma dos esquecidos e dos

de Ferro, outra voz interna, mas nascida desde o mais

derrotados. Desde o começo, o romance brinca com

profundo de um ódio acumulado durante anos de

as dicotomias tradicionais dos vencedores e dos

frustração.

vencidos, nas figuras dos franquistas e dos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1102

republicanos, respectivamente, mas à medida que

do amor. Ao mesmo tempo, Maria converte-se na

avança a narração, essas categorias vão perdendo seu

confidente de um Herbal, que, pouco a pouco, vai-se

valor original, ou ao menos vão relativizando-se.

desnudando interiormente ante essa jovem que soube

Tudo isso pode ser apreciado claramente com as

escutá-lo e apreciar o valor de seu relato. Seu nome e

figuras protagonistas: Daniel em oposição a Herbal.

seu ofício remetem-nos à personagem bíblica, Maria

O primeiro representa a derrota no militar, político

Madalena. Naquele canto esquecido da Espanha,

e social; o segundo, o triunfo da força, o valor do

Maria da Visitação acompanha Herbal no último

poder. No entanto, à proporção que a história se

trâmite de sua via crucis. Agora a Maria, uma jovem

desenrola, Daniel Da Barca é o grande triunfador, seu

ilegal de Fronteira, que conheceu o amor pela boca

êxito alcança o plano do humano, sentimental e

de Herbal, adquire uma nova função, uma vez que

intelectual, enquanto o fracasso começa a aparecer

tem uma história para contar e um lápis para escrever.

em todas as suas formas no personagem do carcereiro. Herbal, que a principio aparecia revestido com as roupas do vencedor, lentamente vai desvestindo seu traje e vai-se convertendo no verdadeiro exemplo da derrota e da frustração. Sua vida solitária, o ódio e a inveja foram carcomendo-o. Uma educação autoritária e violenta são algumas das razões de uma vida à margem da felicidade. Herbal representa, definitivamente, a outra cara do povo triunfador: é o vencedor, vencido.

Maria da Visitação é de Fronteira, ela está na linha que marca os dois territórios, o oral e o escrito. Depois de ouvir a história, ela passa a possuir o lápis, um lápis, não uma caneta, porque com ele não só pode escrever, perpetuando as histórias, como também pode apagar e escrever a sua versão. Isso deve ser considerado como uma das características de um contador de histórias: trata-se do acréscimo de elementos pessoais à narrativa, tal como afirma a conhecida expressão “quem conta um conto aumenta

Por isso, o lápis o carpinteiro veio a parar na

um ponto”. Contudo, também o contador sofre o

sua orelha, porque tal lápis funciona como símbolo

aumento de um ponto pelo conto. Em tal perspectiva,

da voz dos vencidos. Compreende-se, então, que o

tanto nossos contadores transformam as histórias que

título do romance remete à forma de expressão

contam, selecionando-as e cortando-as no momento

daqueles que estão nas margens, representa a voz dos

exato para instigar seus ouvintes, quanto eles

que não têm meios oficiais de comunicação e buscam

próprios, no ato de narrar, são transformados pelos

seu pequeno espaço para contar sua história, sua

contos, não somente pela história em si, mas também

versão dos fatos, que vão além do poder, apesar da

pelos efeitos causados no ouvinte. Efeitos que levam

cadeia e das perseguições.

à salvação: não só do enunciador, mas também do

Quando Herbal termina sua narração, chega o momento de legar o lápis a outro personagem

enunciatário, que muitas vezes pode modificar sua visão a partir do enunciado.

marginal que possa viver e contar sua própria história.

Chegamos ao fim deste percurso pelos relatos

Atendendo, mais uma vez, ao conselho do pintor, que

que funcionam como esconjuros, como exorcismos

nunca o abandonou, o guarda presenteia o lápis a

que nos distanciam da morte, do esquecimento, da

Maria da Visitação. As intervenções dela no relato de

incompreensão. O lapis do carpinteiro e o Livro das

Herbal vão-lhe outorgando uma coerência e um

mil e uma noites funcionam como antídoto contra a

sentido especial. Ela, por sua curiosidade faz

desmemoria, o egoísmo e a fria indiferença. Frente à

perguntas, ocupa os espaços de cada narração do ex-

polemica imposta sobre o rumo da narrativa atual,

guarda e trata de encaminhar a história até o tema

no marco de uma estética pós-moderna, associada à

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1103

queda dos grandes discursos, à dissolução da Historia

______. (1981): Maxismo e filosofia da linguagem.

e às utopias da Modernidade cabe pensar de que

Tradução: Michel Lahud e Yara Frateschi . São Paulo:

forma estas duas narrativas operam dentro desse

Hucitec.

contexto. Os relatos de Rivas, como ele mesmo assinala,

______. (2003): “Os gêneros do discurso.” In: Estética da criação verbal, 4ª ed. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo:

“son inventos para prolongar las mil y una noches,

Martins Fontes.

ganar noches para que no se acaben. Es darle armonía

______. (1993): Questões de literatura e de estética.

a este mundo que no la tiene” (RIVAS, 2002). O lapis

Tradução: Aurora Fornoni Bernadini et alii.São Paulo:

do carpinteiro assim como O livro das mil e uma

UNESP.

noites é uma obra reveladora de que há pequenas histórias que continuam sendo importantes para transformar a realidade, para enriquecê-la e assim poderem reexistir.

BARTHES, Roland et alii(1976): Análise estrutural da u ç ã o de Maria Zélia Barbosa Pinto. narrativa. Tr a ddu Petrópolis: Vozes. ______. (1980): Aula. Tradução: Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Cultrix.

Referências bibliográficas

______. (1970): “El discurso de la história.” In: Estructuralismo y Literatura, por Roland BARTHES.

ANÔNIMO (2005): Livro das mil e uma noites. 1ª Edição. Tradução: Mamede Mustafá Jarouche. Vols. I – Ramo Sírio.

Tradução: José Sazbón. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión.

III vols. Rio de Janeiro: Globo. BENJAMIN, Walter (1986): Magia e técnica, arte e política. — (2006): Livro das mil e uma noites. 2ª Edição. Tradução: Mamede Mustafa Jarouche. Vols. II – Ramo Sírio. III vols.

2ª Edição. Tradução: Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense.

São Paulo: Globo. CASTRO VÁZQUEZ, Isabel (2004): El Lenguaje Ecológico ______. (2007): Livro das mil e uma noites. 1ª Edição. Tradução: Mamede Mustafa Jarouche. Vols. III – Ramo

de Manuel Rivas: Retranca, Resilencia y Reexistencia. The Florida State University.

Egípcio. III vols. São Paulo: Globo. ______. (2007): Reexistencia. a obra de Manuel Rivas. Vigo: ARAUJO, José Antonio Andrade de (2010): As marcas

Xeráis.

profundas de uma negociação: uma leitura de As mil e uma noites. 14 de Fevereiro de 2001. Disponível em: . Acesso em 13 de

insignes e servidores galantes. São Paulo: Brasiliense.

JANEIRO de 2010. BAKHTIN, Mikhail (1987): “Apresentação do Problema.” In: Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento. O contexto de Rabelais. Tradução: Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Hucitec/ Brasília: Editora da UnB. ______. (2008): Estética de la creación verbal. 2ª ed. Tradução: Tatiana Bubnova. Buenos Aires: Siglo XXI / Editores Argentina.

ONG, W. J. (1998): Oralidade e cultura escrita: a tecnologia da palavra. Campinas: Papirus. RIVAS, Manuel (1998): O lapis do carpinterio. 2ª Edición. Vigo: Xeráis, 1998. ______. (2002): Entrevista feita por Carmen. JIMÉNEZ – PÉREZ. “La entrevista con Manuel Rivas.” Escribir y publicar n.27, edição: Ariel Rivadeneira. Barcelona, (Febrero de 2002): 6-10.

1104

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

TODOROV, Tzvetan (2004): As estruturas narrativas. Tradução: Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: Perspectiva. ZUMTHOR, Paul (1990): Performance, réception, lecture. Québec: Le Préambule. ______. (1993): A letra e a voz: A “literatura” medieval. Tradução: Amálio Pinheiro (Parte I) Jerusa Pires Ferreira (Parte II). São Paulo: Compahia das Letras. ______. (1997): Introdução à poesia oral São Paulo: Hucitec. ______. (1997): Tradição e esquecimento. Tradução: Jerusa Pires Ferreira e Suely Fenerich. São Paulo: Hucitec.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1105

TRADIÇÃO E MEMÓRIA: UM DIÁLOGO POSSÍVEL ENTRE CONTOS DE BORGES E CEM ANOS DE SOLIDÃO

Suziane Carla Fonseca PG-UFMG

A complexidade da obra do escritor argentino

Não necessariamente será estabelecida uma

Jorge Luis Borges somente pode ser comparada a de

relação direta (uma confrontação) entre os contos e

outros grandes autores que souberam manejar a

o romance, mas uma espécie de acercamento, às vezes

língua com tal maestria e arte e que ultrapassaram

labiríntico, no sentido de identificar como o romance

os parâmetros de uma literatura local, para se

do autor colombiano pode ser lido à luz dos contos

consagrarem definitivamente no âmbito daquilo que

de Borges, e, por sua vez, como os textos do próprio

se convencionou chamar de literatura universal.

Borges 3 podem ser mais bem compreendidos após a

Considerando-se tal amplitude, a proposta

leitura de Cem anos de solidão.

deste texto é analisar dois entre os vários aspectos

Ao pensarmos a tradição, normalmente não

que têm evidente presença na obra de Jorge Luis

podemos deixar de associá-la à passagem do tempo,

Borges, quais sejam: a tradição e a memória. O

à manutenção e recorrência de fatos, de costumes e

objetivo é verificar como um escritor da envergadura

de hábitos etc. (que se consolidam e são lembrados

de Borges trabalha (ou deixa transparecer em seus

em sua essencial repetição). É possível dizer que

textos) esses temas e quais as suas possíveis

tradição e memória se configuram como as duas faces

ressonâncias no contexto da América Latina e,

de uma moeda. Ou a face dupla de mesmo fenômeno:

especificamente, na obra Cem anos de solidão, do

a (re)tomada ou (re)utilização do passado em seu

escritor colombiano Gabriel García Márquez. Partindo do princípio de que Borges se vale da mescla entre ficção e realidade na construção de sua obra1, pode-se dizer que as relações que se estabelecem entre os contos “As ruínas circulares” e “A biblioteca de Babel”2 (ambos publicados no livro Ficções) e o principal romance de García Márquez são próprias do

recorte significativo4. Diante de tais colocações preliminares, é pertinente perguntar: como a tradição é caracterizada por Borges nesses contos? Quais as relações que se estabelecem entre uma tradição local e outra, dita universal? Como a memória se coloca nesse contexto?

diálogo possível entre distintos espaços e tempos

Em seu ensaio “El escritor argentino y la

(re)criados/encenados na literatura de um modo geral.

tradición”, Borges indica o caminho para algumas

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1106

respostas ao sustentar que a Argentina, por se

toa que este grande autor argentino consegue tornar

encontrar à margem dos grandes centros, não

a arte um espaço de elaborada criação (agindo como

responde estritamente a nenhuma tradição, mas que

um “escritor performático” 7 ) que se utiliza da

pode valer-se de elementos procedentes de diversas

experiência

tradições, elaborando mesclas e justaposições com

desnaturalização das convenções, para unir (ou

absoluta liberdade. Borges assim se explica:

transitar entre) o mundo mítico e o real.

Creo que nuestra tradición es toda la cultura occidental, y creo también que tenemos derecho a esta tradición, mayor que el que pueden tener los habitantes de una u otra nación occidental. […] Creo que los argentinos, los sudamericanos en general, estamos en una situación análoga: podemos manejar todos los temas europeos, manejarlos sin supersticiones, con una irreverencia que puede tener, y ya tiene, consecuencias afortunadas 5 . (BORGES, 1974, p. 272-273).

Interessante notar que essa proposição amplia as possibilidades de diálogo da tradição argentina com outras e diversas tradições. O que apontaria para um caráter mais complexo e rico, especialmente se considerarmos toda a “bagagem” cultural (seja do ocidente – como destaca Borges – seja do oriente) à disposição dos escritores latino-americanos de um modo geral. É exatamente neste contexto que os contos de Borges podem ser analisados. Ao trazer elementos múltiplos de cultur as distintas (as reflexões filosóficas, o fantástico, a erudição, o rigor intelectual, a investigação policial, os temas universais etc.), seus textos se projetam para “um além” que ultrapassa e enriquece o conceito restrito de tradição (defendido por muitos escritores que, na época de Borges, desejavam fechar seu círculo de influências a uns poucos temas “de cor local” 6).

perquiridora

da

ciência,

da

No conto “As ruínas circulares”, Borges se vale de um procedimento que seria retomado por outros autores 8: a temática do homem que, ao final de sua jornada, descobre que é sonhado por outro homem, uma típica “história dentro de outra história” (como propõe o recurso do misè-an-abîme). Esse procedimento também é utilizado por Gabriel García Márquez, mas a sua emergência na obra do autor colombiano não se dá sem modificações. Em Cem anos de solidão, temos a saga das sete gerações da família Buendía, que desconhecem ter toda a sua história registrada em pergaminhos antigos (escritos com base nas interpretações de Nostradamus)9. “Era a história da família, escrita pelo cigano Melquíades inclusive nos detalhes mais triviais, com cem anos de antecipação.” (Cas, 1996, p. 393) 10. A exemplo do conto borgiano (em que a tomada de consciência do mago a respeito de sua condição onírica/fictícia acontece simultaneamente com sua morte), somente no fim do romance será revelado que os pergaminhos de Melquíades guardavam a chave para a compreensão da existência dos Buendía. A decifração dos mesmos é concomitante à mais completa destruição de Macondo e de todos os seus habitantes. Como bem ilustra este trecho do último parágrafo do romance:

Mais que um falseador de realidades, Borges teve a possibilidade de romper com uma tradição estruturada em parâmetros locais e expandi-la por outros campos, não apenas literários, mas também da experiência humana. Por mais que busquemos sintetizar suas ações, sempre nos surpreendemos com o que escapa à nossa tentativa de apreensão. Não é à

Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que Aureliano Babilonia acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível desde sempre e por todo o sempre,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra. (Cas,1996, p. 394).

1107

A figura de Melquíades, uma das mais emblemáticas dessa visão cosmogônica, é bastante interessante para se pensar o poder da tradição e da

É relevante ressaltar que as duas narrativas

memória no romance do colombiano. O personagem

apresentam uma estrutura circular. No conto de

configura-se como o catalisador de outra esfera de

Borges, o templo é apresentado como um espaço

pensamento. É aquele que, por meio de aparatos

constituído de ruínas (evidenciando a já consumada

tecnológicos e de uma suposta (e depois confirmada)

ação transformadora do tempo e propondo um elo

magia, inicia os habitantes do povoado nos mistérios

direto com a memória/esquecimento e com a tradição

da vida mesmo após a sua morte.

ou interrupção dela), como está ilustrado nos seguintes trechos: “recinto circular que coroa um tigre ou um cavalo de pedra, que teve certa vez a cor do fogo e agora a da cinza.” (Rc, 2001, p. 65) e “essa arena é um templo que devoraram os incêndios antigos, que a selva palúdica profanou e cujo deus não recebe a

Aureliano Segundo reconheceu-o imediatamente, porque aquela lembrança hereditária se havia transmitido de geração em geração e tinha chegado a ele partindo da memória do seu avô. [...] Melquíades lhe falava do mundo, tentava infundirlhe a sua velha sabedoria, mas se negou a traduzir os manuscritos. (Cas, 1996, p. 180).

honra dos homens.” (Rc, 2001, p. 65-66). Ao final, o templo em ruínas sofre uma destruição ainda maior (de um modo até paradoxal): “as ruínas do santuário do deus do fogo foram destruídas pelo fogo. Numa alvorada sem pássaros, o mago viu cingir-se contra os muros o incêndio concêntrico.” (Rc, 2001, p. 72), o que serve para revelar um processo cíclico – que haveria acontecido em outro(s) tempo(s) e que talvez pudesse acontecer novamente. Em Cem anos de solidão, por outro lado, García Márquez descreve um território totalmente novo, em que os próprios objetos e seres ainda eram inominados. “O mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las se precisava apontar com o dedo”. (Cas, 1996, p. 7). O ato empreendido por José Arcadio e seus amigos (que resultou na fundação de Macondo) constitui-se como uma espécie de ritual sagrado, de instauração de uma cosmogonia. A posterior destruição do povoado fecha o ciclo de cada uma das gerações. Essa circularidade está presente mesmo na repetição dos nomes11, de fatos e gestos, do tempo e das coisas, mas sobrevém a um nada (o antes da fundação) que resulta em outro nada (o do fim sem vestígios ou ruínas).

O cigano Melquíades guarda uma aura de demiurgo, a exemplo do mago de Borges. Ele acredita que “as coisas têm vida própria [...], tudo é questão de despertar a sua alma” (Cas, 1996, p. 8). Desse modo, o personagem de García Márquez engendra o pensamento criador que, de modo sub-reptício, faz mov imentar uma poderosa rede de crenças e superstições. Sua grande lição foi despertar os Buendía par a o conteúdo enigmático dos pergaminhos. O ato de acordar também tem profunda significação simbólica no conto borgiano. O homem sonhado somente se constituirá em “carne e osso” após ser “instruído nos ritos” (Rc, 2001, p. 70) e adorar o deus Fogo (aquele que dá o verdadeiro alento). O cumprimento dessas condições especiais propicia a sua efetiva existência: “no sonho do homem que sonhava, o sonhado despertou.” (Rc, 2001, p. 70). Nesse sentido, esses personagens se tornam criadores de mundos que somente se corporificam a partir da profunda experiência dos sonhos (em Borges) e da imaginação (em Márquez). A temática da escrita e da leitura como atos que demandam determinação e paciência por parte

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1108

do escritor emergem dos textos a todo o momento.

Em seu complexo exercício literário, o cigano

No romance, os processos de escrita, leitura e

se utiliza de uma tradição que, embora já esquecida,

posterior escrutínio dos pergaminhos têm a exata

ainda guarda todo um significado essencial. Ele parte

duração de um centenário, tempo longo o bastante

do sânscrito (sua língua natal), do “código privado

para que as coisas sejam criadas, remodeladas,

do imperador Augusto” e de “códigos militares

esquecidas e finalmente destruídas.

lacedemônios” para escrever a história da família.

No caso de “As ruínas circulares”, o sonho pode ser compreendido como metáfora do ato criativo (literário) empreendido pelo personagem principal. É bom lembrar que o sonhador/escritor de Borges precisa pronunciar as “sílabas lícitas de um nome poderoso” (Rc, 2001, p. 68) para que seu sonho se concretize. A invocação de tais sílabas e a adoração de “deuses planetários” sugerem o próprio trabalho do escritor perante a tradição. Trabalho esse que

(Cas, 1996, p. 393). Além disso, Melquíades ordena “os fatos não no tempo convencional, mas concentrando tudo em um século de episódios cotidianos, de modo que todos coexistiram num mesmo instante.” (Cas, 1996, p. 393). Suas letras, que “pareciam peças de roupas postas para secar num varal”, guardam o destino de todos os Buendía, personagens/habitantes de um mundo/universo literário (ou livro/pergaminho) chamado Macondo.

inclui não só o conhecimento e o manejo de grandes

Enquanto em “As ruínas circulares” o

obras e autores, mas também a reelaboração crítica

esquecimento torna-se essencial para a sobrevivência

de suas concepções.

do homem sonhado, (para que, reitere-se, fosse

Nessa perspectiva, como nos acena o próprio Borges, a escrita é um exercício que deve ser continuado mesmo sob o risco dos descaminhos e dos erros, como bem ilustra no seguinte fragmento de seu conto: Compreendeu que o empenho de modelar a matéria coerente e vertiginosa de que se compõem os sonhos é o mais árduo que pode empreender um varão, ainda que penetre em todos os enigmas da ordem superior e da inferior: muito mais árduo que tecer uma corda de areia ou amoedar o vento sem rosto. Compreendeu que um fracasso inicial era inevitável. Jurou esquecer a enorme alucinação que o desviara no começo e procurou outro método de trabalho. Antes de exercitá-lo, dedicou um mês à reposição das forças que o delírio havia desperdiçado. (Rc, 2001, p. 68).

julgado como “um homem de carne e osso” e que nunca soubesse de seu processo de aprendizagem), a imagem de Melquíades “sentado contra uma claridade metálica e reverberante da j anela, iluminando com a sua profunda voz de órgão os territórios mais escuros da imaginação” (Cas, 1996, p. 12), é fator de uma memória indelével nas várias gerações dos Buendía. Assim, o cigano parece se transformar, ele mesmo, em um espaço de memória ao criar em torno de si uma “imagem maravilhosa, [que viria a permanecer] como uma recordação hereditár ia, a toda a sua [a de José Arcadio] descendência.” (Cas, 1996, p. 12). “A biblioteca de Babel”, por sua vez, configurase como um espaço intricado, em que o(s) livro(s)

Melquíades, assim como o mago borgiano,

torna(m)-se a metáfora para o próprio universo e

consagrava todo seu tempo ao interminável trabalho

suas multiplicidades. A infindável rede de galerias

de criação. Ele passava “horas e horas garranchando

hexagonais (uma espécie de colmeia gigantesca) que

a sua literatura enigmática nos pergaminhos que

se ligam indefinidamente e que guardam uma

trouxera consigo e que pareciam fabricados de uma

quantidade incalculável de livros é muito

matéria árida que se esfarelava como uma empada.”

representativa da verdadeira adoração que Borges tem

(Cas, 1996, p. 73).

pelo tema do labirinto. 12 Nesse emaranhado de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1109

símbolos, de letras e de papel, o ser humano é apenas

É importante considerar que o encontro de

um coadjuvante; um detalhe na imensa estrutura que

um desses “livros de apologia e profecia, que para

foi criada em tempos imemoriais e que deve

sempre vindicavam os atos de cada homem do

sobreviver à própria existência humana. “Talvez me

universo e guardavam arcanos prodigiosos para seu

enganem a velhice e o temor, mas suspeito que a espécie

futuro” (Bb, 2001, p. 96) parece quase impossível

humana – a única – está por extinguir-se e que a

devido ao incomensurável tamanho da Biblioteca.

Biblioteca perdurará: iluminada, solitária, infinita,

Enquanto metáfora para as situações fantásticas, a

perfeitamente imóvel, armada de volumes preciosos,

existência desses livros apenas reforça a ideia de que

inútil, incorruptível, secreta.” (Bb, 2001, p. 100).

a Biblioteca (o Universo) se apresenta para além das

Vale recordar que essa temática também encontra ressonância no romance de García Márquez.

modestas e falíveis forças dos homens diante dos verdadeiros mistérios.

Tomado pela loucura13 e pelo remorso de ter matado

O romance de García Márquez também

um homem, o patriarca José Arcadio também se

evidencia questões dessa ordem. Até que ponto a

perdia em quartos infinitos que, tal qual uma “galeria

memória pode ultrapassar a própria existência

de espelhos paralelos” (Cas, 1996, p. 137) permitiam

humana? Como a tradição pode ser passada adiante

seu trânsito infindável até o definitivo encontro com

ou se perder nos constantes desencontros dos

a morte: “[...] Prudencio Aguilar tocou-lhe o ombro

personagens e das situações?

num quarto intermediário, e ele ficou ali para sempre, pensando que era o quarto real.” (Cas, 1996, p. 137-138).

Partindo de um viés literário, o conto pode ser analisa do como mais um dos exercícios especulativos de Borges. Desta vez trazendo questões

A biblioteca de Borges instaura-se como o grande acervo dos homens. “Quando se proclamou que a Biblioteca abarcava todos os livros, a primeira impressão foi de extravagante felicidade. Todos os homens sentiram-se senhores de um tesouro intacto e secreto. Não havia problema pessoal ou mundial cuja eloquente solução não existisse em algum hexágono.” (Bb, 2001, p. 97). Nela se encontram os mistérios da vida e suas origens, mas também a sua

relevantes como a da existência de uma memória que se coloca como muito mais ampla (para além da existência dos livros em si) que a que se pode supor. O fato de a Biblioteca ser secreta indicia tal afirmativa, bem como a evidência de que o homem desconhece a origem das convenções e que, em decorrência disso, toda criação é uma (re)criação, como proposto por Borges.

perdição. Não há como escapar do espanto e da

Quem afinal foi o primeiro a nomear as

veneração diante dos livros, bem como da cobiça e

coisas? Que literatura é essa que se faz inaugural se o

da disputa, como atesta o seguinte excerto:

escritor nunca parte do nada, mas tem como base os séculos que lhe antecederam? Com certeza esse texto

Milhares de cobiçosos abandonaram o doce hexágono natal e precipitaram-se escadas acima, premidos pelo vão propósito de encontrar sua Vindicação. 14 Esses peregrinos disputavam nos corredores estreitos, proferiam maldições, estrangulavam-se nas escadas divinas, jogavam livros enganosos no fundo dos túneis, morriam despenhados pelos homens de regiões remotas. (Bb, 2001, p. 96).

não se configura como o local para desvelamento de tais questões, mas como lugar de apontamentos. No conto de Borges, supõe-se a existência de um livro “que seja a cifra e o compêndio perfeito de todos os demais”. (Bb, 2001, p. 98). Assim também podem ser tomados os pergaminhos de Melquíades,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1110

que se configuram como letra morta até que sejam

Referências bibliográficas

passados exatos cem anos. BORGES, Jorge Luis (2001): Ficções. Tradução de Carlos

Esses mesmos pergaminhos também podem

Nejar. Rio de Janeiro: Globo, p. 65-72; 91-100; 119-128.

ser comparados aos livros de Vindicações de Borges, pois guardam o destino do primeiro ao último dos Buendía, como escrito em sua epígrafe, “ordenada no

______. (1974): Obras Completas. Buenos Aires: Emecé Editores, p. 267-274.

tempo e no espaço dos homens” está vaticinado:”O

BORGES, Jorge Luis; GUERRERO, Margarita (2000): O

primeiro da estirpe está amarrado a uma árvore e o

livro dos seres imaginários. Tradução de Carmen Vera Cirne

último está comido pelas formigas” (Cas, 1996, p. 392).

Lima. São Paulo: Globo, p. 9-12

Seja em labirintos de palavras erigidas em santuár ios

incendiados,

em

bibliotecas

incomensuráveis ou em pergaminhos antigos, temos a memória e a tradição como instâncias que se cruzam em Borges e em García Márquez.

CARVALHAL, Tania Franco (2006): Literatura comparada. São Paulo: Ática. GARCÍA MÁRQUEZ, Gabriel (1996): Cem anos de solidão. Tradução de Eliane Zagury. 44. ed. Rio de Janeiro: Record, 394 p.

Estratégias de ficcionistas que, com suas

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles (2009):

poderosas imagens, engenham espaços de memória.

Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de

Ao retirar do centro hegemônico o foco das atenções

Janeiro: Objetiva.

e deslocar para as margens latino-americanas o poder imaginativo e a percepção de diferenciadas realidades, esses dois escritores puderam reelaborar as múltiplas vozes que estão aí construindo a base da sociedade e

MIRANDA, Wander Melo (1997): A memória de Borges. Em: MACIEL, Maria Esther; MARQUES, Reinaldo (Org.). Borges em dez textos. Rio de Janeiro: Sette Letras, p. 19-24.

que a literatura capta e traduz em distintos conteúdos

SEÑAS. Diccionario para la enseñanza de la lengua

e formas.

española para brasileños (2001): Universidad de Alcalá de Henares. Departamento de Filologia. Tradução de Eduardo Brandão, Claudia Berliner. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes. WILLIAMS, Raymond (2000): Tradiciones, instituciones y formaciones. Em: Marxismo y literatura. Tradução de Pablo di Masso. Barcelona: Edicciones Península, p. 137-142.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Notas 1

Em sua “postulação de realidades” (conforme define a professora Graciela Inés Ravetti), Borges transfigura o real por meio de uma rebuscada ficcionalização dos acontecimentos. O autor argentino embaralha as possibilidades de causalidade linear, provocando uma ruptura entre os limites do antes e do depois, do presente e do passado. Essa noção de simultaneidade de distintos tempos parece se expandir até a concretização de espaços múltiplos de convivência em que os próprios gêneros literários perdem a sua clara (?!) definição. Eneida Maria de Souza confirma tal premissa ao afirmar que Borges estabelece uma “condensação entre realidade e fantasia”. (MACIEL; MARQUES, 1997, p. 15).

2

Para a temática da tradição, me amparo nesses contos e busco respaldo teórico no texto ensaístico de Borges “El escritor argentino y la tradición”, publicado no livro Discusión.

3

Aqui não se pode deixar de pensar no conto de Borges “Kafka y sus precursores”, cuja temática é a relação múltipla que se estabelece entre os autores que vêm antes ou depois em uma escala diacrônica, e quais as consequências disso para o sistema literário e para a própria noção de tradição. De acordo com Tania Carvalhal, nesse ensaio, Borges consegue deslocar a ideia de “dívida” literária ao permitir que a “interação entre os textos” seja vista de modo totalmente diferente (por meio do deslocamento do “ângulo de observação”, da reversão da cronologia e da quebra do sistema hierárquico). O resultado é que “cada escritor cria seus precursores” (nas palavras do próprio Borges). (CARVALHAL, 2006, p. 65). O famoso ensaio “A tradição e o talento individual”, de T. S. Eliot também se aproxima dessa perspectiva ao defender que a tradição está ancorada numa “interação [dialética] entre passado e presente que permitirá esclarecer a diferença entre os dois.” (CARVALHAL, 2006, p. 62). Nesse sentido, “cada obra lê a tradição literária, prolonga-a ou rompe com ela de acordo com seu próprio alcance.” (Ibidem, p. 63). Essa “subversão da ordem anterior” relaciona-se intimamente com os conceitos de originalidade e individualidade, porque “o texto inovador é aquele que possibilita uma leitura diferente dos que o precederam e, desse modo, é capaz de revitalizar a tradição instaurada.” Portanto, “a cada passo a tradição pode ser virada do avesso e lida de trás para diante” (Ibidem, p. 63), como propõem, aliás, os exercícios teórico-ficcionais empreendidos por Jorge Luis Borges.

4

Ao partirmos de um recorte, deliberadamente escolhemos o que deve ou não ser eleito como o mais importante. Segundo Raymond Williams, a tradição é “el pasado significativo” ou “una versión del pasado que se pretende conectar con el presente y ratificar.” (WILLIAMS, 1998, p. 138).

5

“Acredito que nossa tradição é toda a cultura ocidental, e acredito também que temos direito à essa tradição, maior que o que podem ter os habitantes de uma ou de outra nação ocidental. [...] podemos manejar todos os temas europeus, manejá-los sem superstições, com uma irreverência que pode ter, e já tem, consequências afortunadas” (Tradução minha).

6

“Creo que los argentinos podemos parecernos a Mahoma, podemos creer en la posibilidad de ser argentinos sin abundar en color local” (BORGES, 1974, p. 270).

7

Ou ainda como um “criador de ficções distópicas”, como propôs a professora Graciela Ravetti em uma das aulas do Seminário de teoria da literatura e outras disciplinas – literatura latino-americana contemporânea: realismos e formas de dimensionalidade da cultura, ministrado na Faculdade de Letras da UFMG durante o segundo semestre de 2011.

8

Não que ele tenha sido o primeiro a utilizá-lo, mas interessa destacar a escolha de tal procedimento.

9

Mais um indicador de Borges de que a tradição não se constrói a partir do nada, mas do constante diálogo entre as várias tradições advindas de lugares distintos.

10 Adoto as iniciais de cada título dos contos e do romance, seguidos do ano e da página. Assim, temos: (Rc) para Ruínas circulares, (Bb) para A biblioteca de Babel, além de (Cas) para Cem anos de solidão.

1111

1112

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

11 Não é demais recordar que García Márquez traça uma trajetória que se faz cíclica até mesmo no que diz respeito aos nomes dos personagens. Entretanto, ainda que haja certa repetição, ela sempre vem acompanhada de mudanças (Aureliano, Aureliano Segundo, Aureliano Triste, Aureliano Babilonia etc). 12 É incontestável que a noção de labirinto seja fundamental na literatura de Borges. No prefácio de O livro dos seres imaginários, Sylvia Molloy afirma que esse autor “considera mais perturbadora que um homem com cabeça de touro a ideia de uma casa feita para que as pessoas se percam: o monstruoso – propõe, invertendo os termos – é o labirinto como morada, não o minotauro, seu solitário morador.” (BORGES, 2000, p. 11). 13 Vale lembrar que em Cem anos de solidão todos os personagens estão fadados a sucumbir em decorrência da solidão, da loucura e do esquecimento. 14 Borges emprega a palavra “vindicação” em um sentido distinto daquele que é registrado nos dicionários. 1 Conseguir una satisfacción por un mal o daño recibido; recuperar lo que O verbo “vindicar” significa ‘1 se ha perdido; 2 Dar pruebas que una persona no tiene culpa; defender a una persona de sospechas u ofensas.’ (SEÑAS, 2001, p. 1.299). No sentido atribuído por Borges, temos a vindicação como uma espécie de profecia, de anúncio de fatos pertencentes ao futuro.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1113

(RE)CONSTRUÇÃO DE CHICO BUARQUE: ANALISANDO A TRADUÇÃO DO PORTUGUÊS PARA O ESPANHOL EM CANÇÕES DE PROTESTO

Thais Marçal Passos Sarmento PG-Universidade de São Paulo

Em um momento histórico contemporâneo

A tradução de canção: algumas questões

em que os conceitos estão cada vez mais fragmentados, a definição de arte não passa intacta

Não somente por uma questão estética e

por toda essa transformação. Gardel (2002, p. 12)

cultural, mas também mercadológica, a música

menciona que a palavra cantada se denomina letra

popular tornou-se um fenômeno transcultural, o que

da canção e a palavra apresentada em suporte gráfico-

fez com que esse segmento demandasse um

visual denomina-se simplesmente poema. Numa

considerável volume de traduções. Segundo Kaindl:

tentativa de criar um termo adequado, pode-se criar um sintagma híbrido letra do poema, que “afirma um tipo de poesia escrita que enfrenta a pluralidade discursiva e cultural das sociedades contemporâneas” (GARDEL, 2002, p. 12). As canções se aproximam de características do fazer poético em forma, rima e ritmo (Cintrão, 2009, p. 813). A partir dos anos 60 no Brasil, por

Músicas populares são importantes produtos de mídia de massa através das quais culturas são articuladas e, portanto, comunicadas a pessoas de diferentes contextos lingüísticos, históricos e culturais. Apesar de sua presença, a música popular tem sido negligenciada nos Estudos da Tradução. E mesmo assim a influência impregnante da música popular é mais bem refletida nas numerosas traduções disponíveis, traduções estas que – muito frequentemente – não são identificadas como tal.1 (KAINDL, 2005, p. 235)

exemplo, com a migração do livro para a canção em Vinicius de Morais, a fronteira entre poesia escrita e

Por essa p erspectiva, p ercebe-se que a

poesia cantada foi “devassada por gerações de

tradução de canções é consideravelmente significativa

compositores e letristas leitores dos grandes poetas

para os Estudos da Tradução no que tange ao volume

modernos” (WISNIK, 2004, p. 216). No entanto, essa

de produção e à canção como expressão cultural e

concepção de poema-canção existe desde a

estética de uma comunidade. Embora ainda seja uma

antiguidade e ao longo dos séculos foi se perdendo,

área de estudo pouco explorada e escassamente

já que a produção poética era, na verdade, canções

discutida, a tradução de canção é um tema amplo,

que por nós foram determinadas como puramente

com desdobramentos de muitas possibilidades de

poemas tempos depois (MELLER, 2009, p. 187-188).

pesquisa e perspectivas a serem trabalhadas. Segundo

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1114

Low (2003, p. 95), a tradução de canção pode ser

p. 46 apud KAINDL, 2005, p. 237). Portanto, em se

realizada para diversas finalidades, dentre elas, a que

tratando de textos em que há uma abordagem mais

interessa a esse trabalho, a tradução de canção para

logocêntrica da tradução de canção, pode-se tecer a

ser cantada. Este tipo tem características e

hipótese de que o público a que se destina a tradução

dificuldades bem diferentes de outros tipos de

esteja inserido em uma realidade culturalmente

tradução. Por se tratar de um tipo de tradução

próxima a do texto de partida e que a identidade

subordinada, o texto da canção está diretamente

artística de certo cantor/compositor é conhecida por

sujeito a características próprias da música, como

esse público.

ritmo, melodia, compasso e outros elementos pertencentes ao universo musical (HURTADO, 2001,

Um pouco de chico, um pouco de viglietti

p. 51). Haupt (1957, p. 228 apud KAINDL,2005, p. 237) afirma que há dois tipos de traduções de canção: 1) as traduções que mudam completamente o texto original e 2) as traduções que tentam reproduzir o texto de partida e somente fazem mudanças mínimas e necessárias por questões de limitação. Os casos que se inserem no primeiro tipo de Haupt (1957, p. 228), em que há uma superposição de outra letra sobre a

Chico Buarque é um importante compositor do cenário latino americano, com repercussão não somente na música, mas também no teatro e na literatura divulgados dentro e fora do Brasil. O álbum Chico Buarque en Español, de 1982, gravado na voz de Chico Buarque, traz canções traduzidas por Daniel Viglietti, a pedido do cantor brasileiro.

melodia de uma canção estrangeira, sugerem uma

Daniel Vig lietti é um artista de grande

visão musicocentrista (CINTRÃO, 2009, p. 819).

reconhecimento no Uruguai, atuando no cenário

Gorleé (2005, p. 8) fala de duas posições possíveis na

musical uruguaio com canções que tratam,

tradução

especialmente, de temas que denunciam questões

de

canção: a

logocêntrica

e

a

musicocêntrica. O logocentrismo supõe um

sociais. Segundo Aguiar (2010, p. 114),

predomínio do sentido da palavra na tradução da letra. No musicocentrismo acontece o oposto, a abordagem é mais musical e a palavra não tem importância (GORLEÉ, 2005, p. 8). Segundo Worbs (1963, p. 46), o repertório do artista constrói sua imagem e pode se basear na expectativa de seu público (WORBS,1963, p. 46 apud KAINDL, 2005, p. 237). O teórico fala de dois motivos para manipulação das letras. O primeiro estaria diretamente ligado à questão do repertório que incorpora a canção traduzida, apresentando letras coerentes com a imagem do artista e com a

[..] em relação às influencias e identificação no que se refere à proximidade com o trabalho musical e propostas artísticas, Viglietti apontava nomes como: Carlos Molina, a Los Olimareños, a Numa Moraes, a Rodolfo da Costa; em plano uruguayo, son los que siento más cerca. En el plano lationoamericano: Violeta Parra (más la siento uma compañera guia), a Yupanqui lo siento como un antecedente fundamental. También me siento cerca de Isabel y Angel Parra, de Patrício Manns, de Payo Grondona, o B u a rrq q u ee, de l o s de Soledad Bravo, de C h i cco Bu cantant es d ue ubana cantantes dee La N Nue uevv a T Trr o v a C Cubana ubana: Silvio Rodríguez, Noel Nicola y Pablo Milanês. Y entre los europeos: José Afonso, Paco Ibañez y Joan Manuel Serrat. (BENEDETTI, 2007 Apud AGUIAR, 2010, p. 114) (Grifo nosso)

expectativa de seu público. O segundo estaria ligado à “mentalidade específica de uma nação”, de modo

Em 1973, Viglietti lança o álbum Trópicos,

que a tradução da canção popular se vê influenciada

com canções de Chico Buarque, traduzidas pelo

pelo contexto sócio-cultural receptor (WORBS,1963,

cantor uruguaio, e interpreta canções de Silvio

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1115

Rodríguez, Pablo Milanés e Noel Nicola. As canções

política não é sua única vertente (ECHEPARE &

são, em sua grande maioria, carregadas de protestos

URICH, 1985, p. 47). Chico Buarque é um cantor da

contra o governo ditatorial da época.

alma humana e dá voz à “gente humilde” em suas

A relação Brasil-Cuba no cenário musical se vê estreitada na década de 1960, pois “a história da Nova Trova, e particularmente, a do Grupo de Experimentação Sonora esbarrou na do Tropicalismo por uma feliz contingência histórica” (VILLAÇA,

canções ao relatar, por exemplo, o amor da mulher doméstica, o drama do operário, o torpor do samba, a vida da prostituta e tantas outras vozes. Sendo assim, a complexidade do torneador de palavras não pode ser contida em um rótulo.

2004, p. 39). As influências do Tropicalismo, que

Visto que ambos têm suas particularidades e

acabaram por potencializar o projeto de construção

pontos de contato, tece-se a idéia de que a tradução

de uma identidade na música cubana, foram

de canção se insere na obra de um artista para

significativas. Embora Chico não tenha participado

cumprir uma expectativa de determinado público,

do movimento da Tropicália, sua fascinação por Cuba

com determinadas influências culturais e identitárias

e suas constantes visitas ao país o tornaram “uma

de determinada comunidade.

espécie de embaixador informal do Brasil” (WERNECK, 2006, p. 93), o que lhe rendeu conexões com os novos artistas que surgiram do movimento da Nova Trova Cubana. Estabelecem-se assim relações

Reconstrução de construção e deus lhe pague

musicais entre Chico Buarque de Hollanda, Pablo Milanês e Sílvio Rodriguez. Chico Buarque e Daniel Viglietti têm pontos de afinidades que os aproximam também no que tange ao posicionamento político. Ambos se relacionam com o universo de Cuba, com os ideais sociais dos revolucionários cubanos e têm estreita relação com o movimento da Nova Trova Cubana. Embora Viglietti declare que para ele a canção é um meio de expressão de ideais e um fácil acesso para

O corpus a ser analisado neste trabalho é a canção Construcción e o fragmento de Dios le pague (que é uma continuação da canção Construcción na faixa seis do álbum Chico Buarque en español), ambas traduções de Daniel Viglietti. O uruguaio assume uma postura mais logocêntrica ao traduzir a canção de Chico e faz algumas pequenas alterações por questões das limitações impostas pelo código musical e adaptações de certos elementos culturais.

que sua mensagem de reflexão propague-se e chegue

Para entender algumas escolhas feitas pelo

ao público (AGUIAR, 2010, p. 115), Chico não se

tradutor, a serem exemplificadas a seguir, é necessário

assume como cantor de protesto, mas como alguém

levar em consideração o princípio de Pentatlon

que vive de música e que é, também, uma pessoa

cunhado por Low (2005, p. 191-192). O teórico

política. Para o artista brasileiro, o rótulo de cantor

compara a atuação do tradutor de canção com a dos

de protesto é um artifício da indústria fonográfica

pentatletas olímpicos que, ao competir em cinco

para a venda de mais produtos, ou seja, há um grande

modalidades, traçam estratégias que priorizam certas

apelo comercial por trás dessa classificação. Isso não

modalidades e não tanto outras para otimizar seu

significa que ele negue a questão social e o tom de

resultado geral. Em tradução, são cinco os critérios a

protesto em suas canções por meio de ironias e jogos

serem considerados: 1) performance (se a tradução

de palavras, mas, ao ler entrevistas com o artista, é

permite que a canção se ja bem interpretada

explícito que Chico quer deixar claro que a música

musicalmente pelo cantor); 2) sentido (se a tradução

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1116

mantém o sentido da letra original); 3) naturalidade

“mulher carpideira” (L.50) traduz-se como “Arpía” e

(se a tradução é coerente com a naturalidade da língua

as “Moscas-bicheiras a nos beijar e cubrir” (L.51) são

de chegada); 4) ritmo (se a tradução mantém a

“las moscas y besos que nos vendrán a cubrir”. Nota-

métrica musical) e 5) rima (se a tradução há rimas

se em L.51 que em português o sujeito é simples,

na língua de chegada).

enquanto na tradução em espanhol o sujeito é

Em Construcción, Daniel Viglietti conseguiu manter a estrutura de passado da letra original de

composto. Seriam estes apenas alguns exemplos que mostram o labor de traduzir canções.

Chico Buarque, como uma narrativa do dia da tragédia do operár io que morre durante seu expediente de trabalho, em pretérito indefinido do espanhol. Mas ao traduzir, por exemplo, “E cada filho seu como se fosse o único” (L.03. Anexo – Tabela 1) como “Y a cada hijo suyo cual si fuese el único” (L.03), Viglietti se vê limitado pelo código musical. Por isso, o comparativo “como”, que seria mais natural em espanhol, foi substituído por “cual si”, também usado na língua, mas menos recorrente. O mesmo acontece

Considerações finais Este

é

ainda

um

trabalho

em

desenvolvimento. Com os dados apresentados, o objetivo era expor algumas questões importantes da tradução de canção do português ao espanhol, apontando

par a

as

dificuldades

de

tal

empreendimento.

com a tradução de “cachaça de graça” por “grapa de

Daniel Viglietti, por afinidades artísticas e

gracia” (L.46) e de “Sentou pra descansar” por

políticas, assumiu o desafio de verter para o espanhol

“Sentóse a descansar” (L.09). Em espanhol, a

a mensagem que a ele lhe pareceu importante passar

expressão “grapa de gracia” soa estranho, pois não é

ao seu público e ao de Chico Buarque, em uma

uma expressão usual na língua. O mesmo se pode

abordagem tradutória que priorizou o sentido. Foi

dizer de um uso gramatical de pronome posicionado

necessário perder em certos quesitos para ganhar em

depois do verbo em “Sentóse”, pois em espanhol, via

outros. O importante, como em um torneio de

de regra, este pronome assumiria uma posição

pentatlon, é o resultado final satisfatório da obra, que

anterior ao verbo. Porém, por uma métrica musical,

teve boa aceitação por parte de seu público.

optou-se por manter na tradução forma e ritmo em detrimento da naturalidade. As imagens construidas na letra também sofreram modificações por uma questão cultural. Quando lemos que o operário “comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe” (L.10), o elemento

Referências bibliográficas AGUIAR, José Fabiano Gregory Cardozo de. (2010) “Yo vengo a cantar por aquellos que cayeron”: Poesia política, engajamento e resistência na música popular uruguaia – o

“feijão com arroz”, tipicamente brasileiro, não

cancioneiro de Daniel Viglietti 1967-1973. (Tese de

consegue expressar ao público de outra cultura um

Mestrado em História). Rio Grande do Sul, UFRS, Fac.

alimento que caracteriza algo que sempre há na mesa,

De História.

mesmo na do pobre. Viglietti muda o elemento para “pan con queso”, por uma questão de identificação do público hispano falante e pela boa percepção da

BENEDETTI,

Mario.

(2007)

Daniel

Vig liet ti:

desalanbrando. Buenos Aires: Seix Barral.

questão do operário e da pobreza. Outras imagens

CHICO BUARQUE. Coordenação de Wagner Homem.

também são adaptadas à cultura de chegada: A

Desenvolvido pelo Grupo Casa Paulistana – CPC

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1117

Informática. Site oficial que apresenta textos diversos,

HURTADO, Amparo. (2001) Traducción y traductología.

letras e músicas de Chico Buarque. Disponível em

Madrid: Cátedra.

www.chicobuarque.com.br. Acesso em 23/05/2012.

KAINDL, Klaus. (2005) The plurisemiotics of Pop Song

CINTRÃO, Heloisa Pezza. (2009) Translating under the

Translation: Words, Music, Voice and Image. Em: GORLÉE,

sign of invention: Gilberto Gil’s Song Lyric Translation.

Dinda. Song and Significance – Virtues and Vices of Vocal

Em: Meta 54:4. p. 813-832.

Translation. p. 235-261 Amsterdam: Rodopi.

ECHEPARE, Roberto e URICH, Silvia. (1985) Chico

LOW, Peter. (2003) Translating poetic songs. An attempt

Buarque. Argentina: Garay.

at a functional account of strategies. Em: Target, 15:1. p.

GARDEL, André. (2002) Aproximações e fugas: a letra do

91-110.

poema e a letra da canção popular brasileira. (Tese de

______. (2005). The pentathlon approach to translating

Doutorado em Literatura Comparada.) Rio de Janeiro,

songs. Em: GORLÉE, Dinda. Song and Significance –

UFRJ, Fac. De Letras.

Virtues and Vices of Vocal Translation. p. 185-212.

GORLÉE, Dinda. (2005) Prelude and Acknowledgements.

Amsterdam: Rodopi.

Em: GORLÉE, Dinda. Song and Significance – Virtues and

VILLAÇA, Mariana Martins. (2004) Polifonia Tropical:

Vices of Vocal Translation. P. 7-15 Amsterdam: Rodopi.

Experimentalismo e engajamento na música popular (Brasil

HAUPT, Else. (1957) St il – und sprachkundliche

e Cuba, 1967-1972). São Paulo: Humanitas FFLCH/USP.

Untersuchungen zum deutschen Schlager. Tese de PhD não

WERNECK, Humberto. (2006) Tantas Palavras. São Paulo:

publicada. University of München.

Cia das Letras.

HOLLANDA, Chico Buarque. (1982) Chico en español.

WISNIK, José Miguel. (2004) Sem receita, ensaios e canções.

(S.L). Produzido e dirigido por: Sérgio de Carvalho.

São Paulo: Publifolha.

Tradução de Daniel Viglietti. Rio de Janeiro. Polygram, p1982. 1 CD. Remasterizado em digital.

WORBS, Hans-Christoph. (1963) Der Schlager. Bestandsaufnahme – Analyse – Dokumentation. Ein Leitfaden. Bremen: Carl Schünemann.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1118 Anexos

Tabela 1. Letra original e traduzida, alinhadas por verso.

L. Construção 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41

Construcción

Chico Buarque/1971

Chico Buarque - Daniel Viglietti/1982

Amou daquela vez como se fosse a última Beijou sua mulher como se fosse a última E cada filho seu como se fosse o único E atravessou a rua com seu passo tímido Subiu a construção como se fosse máquina Ergueu no patamar quatro paredes sólidas Tijolo com tijolo num desenho mágico Seus olhos embotados de cimento e lágrima Sentou pra descansar como se fosse sábado Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago Dançou e gargalhou como se ouvisse música E tropeçou no céu como se fosse um bêbado E flutuou no ar como se fosse um pássaro E se acabou no chão feito um pacote flácido Agonizou no meio do passeio público Morreu na contramão atrapalhando o tráfego Amou daquela vez como se fosse o último Beijou sua mulher como se fosse a única E cada filho seu como se fosse o pródigo E atravessou a rua com seu passo bêbado Subiu a construção como se fosse sólido Ergueu no patamar quatro paredes mágicas Tijolo com tijolo num desenho lógico Seus olhos embotados de cimento e tráfego Sentou pra descansar como se fosse um príncipe Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo Bebeu e soluçou como se fosse máquina Dançou e gargalhou como se fosse o próximo E tropeçou no céu como se ouvisse música E flutuou no ar como se fosse sábado E se acabou no chão feito um pacote tímido Agonizou no meio do passeio náufrago Morreu na contramão atrapalhando o público Amou daquela vez como se fosse máquina Beijou sua mulher como se fosse lógico Ergueu no patamar quatro paredes flácidas Sentou pra descansar como se fosse um pássaro E flutuou no ar como se fosse um príncipe E se acabou no chão feito um pacote bêbado Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado

Amó aquella vez como si fuese última Besó a su mujer como si fuese última Y a cada hijo suyo cual si fuese el único Y atravesó la calle con su paso tímido Subió a la construcción como si fuese máquina Alzó en el balcón cuatro paredes sólidas Ladrillo con ladrillo en un diseño mágico Sus ojos embotados de cemento y lágrimas Sentóse a descansar como si fuese sábado Comió su pan con queso cual si fuese un príncipe Bebió y sollozó como si fuese un náufrago Danzó y se rió como si oyese música Y tropezó en el cielo con su paso alcohólico Y flotó por el aire cual si fuese un pájaro Y terminó en el suelo como un bulto fláccido Y agonizó en el medio del paseo público Murió a contramano entorpeciendo el tránsito Amó aquella vez como si fuese el último Besó a su mujer como si fuese única Y a cada hijo suyo cual si fuese el pródigo Y atravesó la calle con su paso alcohólico Subió a la construcción como si fuese sólida Alzó en el balcón cuatro paredes mágicas Ladrillo con ladrillo en un diseño lógico Sus ojos embotados de cemento y tránsito Sentóse a descansar como si fuese un príncipe Domió su pan con queso cual si fuese el máximo Bebió y sollozó como si fuese máquina Danzó y se rió como si fuese el próximo Y tropezó en el cielo cual si oyese música Y flotó por el aire cual si fuese sábado Y terminó en el suelo como un bulto tímido Agonizó en el medio del paseo náufrago Murió a contramano entorpeciendo el público Amó aquella vez como si fuese máquina Besó a su mujer como si fuese lógico Alzó en el balcón cuatro paredes flácidas Sentóse a descansar como si fuese un pájaro Y flotó en el aire cual si fuese un príncipe Y terminó en el suelo como un bulto alcohólico Murió a contromano entorpeciendo el sábado

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

42 43 44 45 46 47 48 49 50 51

Deus lhe pague

Dios le pague

Chico Buarque/1971 Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir Por me deixar respirar, por me deixar existir Deus lhe pague Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair Deus lhe pague Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir

Chico Buarque- Daniel Viglietti Por ese pan de comer y el suelo para dormir,

52 E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir 53 Deus lhe pague

Registro para nacer, permiso para reir, Por dejarme respirar, y por dejarme existir, dios le pague Por esa grapa de gracia que tenemos que beber, Por ese humo desgracia que tenemos que toser, Por los andamios de gente para subir y caer Dios le pague Por esa arpia que un día nos va a adular y escupir, Y por las moscas y besos que nos vendrán a cubrir, Y por la calma postrera que al fin nos va a redimir, Dios le pague

Notas 1

[Popular songs are important mass media products through which cultures are articulated and hence communicated to people of different linguistic, historical and cultural backgrounds. Notwithstanding their presence, popular songs have largely been neglected in translation studies And yet, the pervasive influence of popular songs is best reflected in the numerous translations available, translations which are – quite often – not identified as such.] Texto original.

1119

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1120

EDUCAÇÃO INTERCULTURAL E ENSINO DE E/LE

Thaísa Alves Brandão Universidade do Estado da Bahia – UNEB

1. Introdução

com o que diz (SILVA, 2006, p. 13-15) ao afirmar que a construção de identidades pode se pautar em

Observa-se de maneira recorrente, que no

antecedentes históricos que lhe sustente; isso leva à

universo educacional, há uma realidade de ensino que

reflexão sobre que motiva o único país da América

tradicionalmente, prima por apresentar a variedade

Latina, que não é falante do espanhol, primar pela

lingüística e os padrões socioculturais da Espanha

variante peninsular no ensino de E/LE. Stuart Hall1

como referencial de ensino. O motivo que justificaria

ratifica esta suposição, e diz que ao afirmar uma

esta situação é facilmente dedutível, pois remonta a

determinada identidade, busca-se legitimá-la por

fatores históricos socialmente assentados, que

referência a um suposto e autêntico passado –

atribuem aos países europeus poderio, prestígio

possivelmente glorioso, mas de qualquer forma um

social, político e econômico, constituindo

passado que parece “real”, que poderia validar a

ideologicamente uma supremacia cultural. Ressalta-

identidade reivindicada.

se também, que foi a colonização espanhola que levou “la lengua de castilla” aos países que hoje têm o espanhol como idioma oficial. Nota-se que através do traço colonizador que se estabeleceu em países que foram um dia colônia de exploração, e todas as suas consequências na contemporaneidade, que eles estão marginalizados em virtude da herança histórica de um passado de exploração econômica, política, social, e cultural.

Há de se prevê, entretanto, que na aproximação/contato com outras culturas, pode-se adotar diferentes atitudes, todavia, observa-se algumas que são bastante prototípicas e que podem explicar a primazia do espanhol peninsular como referencial de ensino. A primeira postura é a etnocêntrica através da qual, analisam-se outras culturas a partir da própria, identificando-se ou não com e la. Outra possibilidade é a relat iv ista/

Certamente, a escolha do espanhol peninsular

relativismo cultural, que propõe o conhecimento e a

como referência para o ensino de E/LE vem da

análise de outras culturas a partir dos próprios valores

identificação que professores e instituições têm com

culturais, estabelecendo a igualdade entre elas. Tal

ele; possivelmente pelo prestígio que goza um idioma

atitude se apresenta como respeitosa às outras

que por muito tempo, foi considerado a variante mais

culturas, entretanto, não as integra “Yo te respeto, te

pura e “castiza”. Poderíamos justificar essa premissa

compreendo, pero tú en tu casa y yo en la mía.” A

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1121

última possibilidade é a intercultural, através da qual

o eu e o outro é constante, as trocas culturais são

se prevê um diálogo entre culturas; aqui o encontro

permanentes e demanda que o diálogo entre culturas

entre o “eles” e o nós é a matriz da educação para a

exista, porque já não há lugar para centrismos ou

intercultur alidade. Ainda nessa perspectiva,

estereótipos. Ao observar concepções teóricas de

2

(FENNES e HAPGOOD, 1997, p. 43-44) , trazem os

identidade, trabalhadas por (HALL, 2006, p. 28), não

princípios e objetivos que devem servir para o

se pode analisar as identidades nacionais na

desenvolvimento de uma aprendizagem sob a

modernidade sem levar em consideração seus

perspectiva intercultural são:

deslocamentos,

1. Relativismo cultural: misto significa que não há hierarquias entre diferentes cultur as, a aprendizagem intercultural deve incluir no seu processo a abertura para aceitar as diferenças de pensamento e comportamento dos indivíduos pertencentes

a

outras

culturas.

Como

consequência dessa atitude está a consideração de que os valores, normas regras de comportamento, etc. de uma cultura em particular não podem e

rupturas,

fragmentações

e

descontinuidades; ou seja, na modernidade a busca de uma cultura específica e exclusivamente nacional deve ser substituída pela identificação dos usos culturalmente diferenciados de materiais comuns. No caso específico da língua espanhola, é imperioso que se desfaçam os estereótipos que atribuem às variantes hispano-americanas, seus povos e culturas algo de exotismo, neste momento, só há espaço para o inter e o multi.

não devem ser tomados como parâmetro para o julgamento ou avaliação de outra cultura. 2. Reciprocidade: esse princípio destaca quer a

2. Por uma postura pedagógica culturalmente sensível

aprendizagem intercultural não deve ser um processo em uma única via, ou seja, como o

Desde 1492, quando Colombo chegou ao

prefixo ‘inter’ sugere, um processo entre culturas,

“Novo Mundo” com intuito reconhecer e

uma aprendizagem que atravessa limites e

posteriormente, subtrair daquelas terras ouro e

fronteiras culturais.

metais preciosos, a América Latina ainda se esforça

Eles acrescentam ainda que a aprendizagem intercultural implica um maior desenvolvimento e abertura em direção a outras culturas, o que inclui a apreciação e o respeito pela diversidade cultural e a superação e o respeito pela diversidade cultural, além da superação de preconceitos cultur ais e o etnocentrismo.

para submergir e se reestruturar das consequências trazidas pela riqueza de suas terras. Com isto, não se pretende afirmar que não houve trocas culturais há de se lembrar, que inclusive, a formação da cultura latino-americana é o resultado disso. Daquela época para cá, se as identidades se tornaram tão transitórias e fluidas na modernidade, se os espaços e fronteiras são indefinidos na era global, se os processos abstratos

Na sociedade hibrida da contemporaneidade

como língua, política, dinheiro, cultura são fluxos de

que se processa com a quebra de barreiras das

interação que nos possibilitam compreender a

identidades de nação, e se constitui pela herança

dissolução da autonomia das tradições locais, como

cultural e o rompimento de barreiras também

perceber a existência da falta de interação

culturais, o ensino de língua estrangeira, que tem

sociocultural neste novo tempo? Embora exista um

como foco a comunicação, precisa ser intercultural;

processo híbrido na construção das práticas de

na sociedade da comunicação em que o contato entre

sociabilidade, que norteiam as identificações sociais,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1122

estas transformações não se processam de forma

ideológico, social e linguístico que ocupa o ensino da

incondicional e dispersa, elas estão localizadas em

variante peninsular em um país latino-americano; A

condições históricas e sociais inclusivas que nos

valorização dos países que têm a língua espanhola

possibilitam problematizar as articulações produzidas

como idioma oficial, pode acontecer, entre outras

pela era moderna para excluir ou superar as tradições

possibilidades, através da exposição respeitosa de suas

e seus elementos de representação. De acordo com

variantes linguísticas, movimentos sociais, políticos

(CANCLINI, 2006, p. 72):

e potencial econômico; essa abordagem levará ao ensino a possibilidade de reflexão e inclusive

As fronteiras rígidas estabelecidas pelos Estados Modernos se tornaram porosas. Poucas culturas podem ser agora descritas como unidades estáveis, com limites precisos baseados na ocupação de um território delimitado. Mas esta multiplicação de oportunidades para hibridar-se não implica indeterminação, nem liberdade ir restrita. A hibridação ocorre em condições históricas e sociais específicas, em meio a sistemas de produção e consumo que as vezes operam como coações, segundo se estima na vida de muitos imigrantes.

valorização das suas idiossincrasias. A aula de língua espanhola deve refletir a ideia de que o idioma que está sendo trabalhado é resultado das influências sociolinguísticas e culturais de 21 países que a têm como idioma oficial; é a exposição da unidade na diversidade, que se apresentará como ponte para diálogo entre culturas. (FENNES e HAPGOOD, 1997, p. 113-114)3

A maneira como a cultura lingüística e

apontam que as questões básicas para o planejamento

sociocultural dos países latino-americanos vêm sendo

e desenvolvimento de um projeto de aprendizagem

trabalhada, reforça a visão desrespeitosa e

intercultural são por quê, o quê, quem e como. Eles

estereotipada relacionada às variantes do espanhol

destacam ainda as ações que devem ser completadas

faladas nos países latino-americanos. Esse fato vai de

durante o trabalho de planejamento:

encontro à ideia de aldeia global estabelecida para o momento. Ratificando esse fato, (OLIVEIRA, 2007, 119) fala de uma relação “entre-culturas” na qual, deve-se adotar a perspectiva da cultura como meio de promover a integração e o respeito à diversidade dos povos, à diferença, permitindo ao aprendiz encontrar-se com a cultura sem deixar de ser ele mesmo (...). Esta preocupação é legítima à medida que

assumimos

uma

postura

pedagógica

a) definir os objetivos do projeto/ lição, b) desenvolver, selecionar ou modificar métodos ou ferramentas; c) estabelecer as etapas dos projeto/lição; d) descrever os recursos necessários para o funcionamento do projeto; e) estabelecer como o projeto/lição deve ser avaliado.

culturalmente sensível aos sujeitos participantes do processo de aprendizagem, devemos ter em conta que esta deve ser sempre uma relação dialética.

O trabalho estabelecido dentro de uma didática que prevê o diálogo entre culturas deve refletir a noção de identidade na pós-modernidade

Dentro da perspectiva da adoção de uma

para respaldar a pluralidade existente em uma

post ura pedagóg ica cultur almente sensível, é

sociedade hibrida com trocas culturais constantes

imperioso que nas aulas de E/LE :se apresente o

como a nossa; na sala de aula de E/LE é imperioso

contexto histórico em que se deu a expansão da língua

que se proponha um trabalho que privilegie o contato

espanhola nos países “hispanohablantes”, e suas

constante do aprendiz com o “mundo hispânico”, sua

consequências; essa atitude traz ao ensino, a

história, mov imentos

possibilidade reflexão sobre o papel polít ico,

peculiaridades para que ele possa estabelecer uma

culturais, sociais

e

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1123

relação dialógica com esse “novo mundo” que lhe é

MOITA LOPES, Luiz Paulo da; BASTOS, Liliana Cabral

apresentado através dos materiais didáticos e

(2002.). Identidades: recortes multi e interdisciplinares.

ferramentas pedagógicas trabalhadas em aula.

Campinas: Mercado de Letras. OLIVEIRA, Santos. Edileise Mendes. (2004): Abordagem comunicativa intercultural (ACI): uma proposta para

Referências bibliográficas

aprender e ensinar língua no diálogo de culturas. Tese de doutorado. Campinas UNICAMP.

CANCLINI, Néstor García. (2006):. Culturas. Híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade.. São Paulo:

SILVA, Tomaz Tadeu da. (2000). Identidade e diferença: A

Editora da Universidade de São Paulo.

perspectiva dos Estudos Culturais. Pertópolis – RJ: Vozes.

HALL, Stuart. (2006): A Identidade Cultural na PósModernidade. Rio de Janeiro: DP&A,.

Notas 1

Apud SILVA, 2006, p. 27-28.

2

Apud OLIVEIRA Santos, Edileise Mendes.Abordagem comunicativa intercultural (ACI): uma proposta para aprender e ensinar língua no diálogo de culturas. Tese de doutorado. Campinas UNICAMP. 2004.

3

Apud OLIVEIRA Santos, Edileise Mendes.Abordagem comunicativa intercultural (ACI): uma proposta para aprender e ensinar língua no diálogo de culturas. Tese de doutorado. Campinas UNICAMP. 2004.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1124

QUANDO AS LUZES SE ACENDEM: A CUMBIA SOB OS HOLOFOTES, EM NOITES VAZIAS, DE WASHINGTON CUCURTO

Thiago José Moraes Carvalhal PG-UFRJ Cuantas noches vacías, Cuantas horas perdidas, Un amor naufragando Y tú sólo mirando. Gilda, na letra da cumbia “Noches vacías”1 .

O livro Coisa de ne gros, do argentino

imprudente”, em português), projeta-se a construção

Washington Cucurto, pseudônimo de Santiago Vega,

de um universo particular – individual e coletivo – a

é formado por dois textos que estabelecem entre si

partir da mirada arrebatada do sujeito que

um diálogo complementar em torno da cumbia

experiencia a bailanta de maneira radical e profunda.

villera. O primeiro já faz referência direta ao universo de cumbia ao adotar o título de uma canção de grande sucesso no início dos anos de 1990, “Noites vazias”, e o segundo, que dá nome ao livro, conta a história de Washington Cucurto, um astro da cumbia que se

A narrativa breve de Washington Cucurto recupera a trajetória do desencontro amoroso da letra da canção de Gilda, e poderia ser resumido a partir de três situações em sequência: o encontro de Eugênio com sua “deusa fatal”, a “loura guarani” Cilícia; o

envolveu numa trama cheia de peripécias

desencontro e o consolo com outra mulher; o violento

“revolucionárias”, movido não pela utopia, mas por

assassinato da última, que dizia estar grávida de um

uma avassaladora paixão.

filho seu.

“Noites vazias”, narra quatro noites de uma

Contudo, essa linearidade que se pretende

maratona de sexo, álcool e dança a que se submete

para o desenvolvimento do enredo acaba por

seu narrador, Eugênio, numa viagem alucinante ao

mostrar-se artificial, já que não pode dar conta de

redor de um mesmo lugar: o melhor clube de cumbia

uma narrativa errática que dá voltas no tempo,

da periferia Buenos Aires, o Samber. Nesse percurso,

conduzindo vorazmente o leitor como um par na

enquanto rememora o relato de suas experiências

dança cumbiera, entre instâncias de vigência real ou

extáticas e as consequências violentas de sua conduta

imaginária, onde o cronológico se perde nos desvios

imprudente (para retomar a definição de Cucurto

e lacunas de um narrar atarantado, no testemunho

sobre sua escrita, sob a estética do que chama de

que vacila entre tempo passado e tempo fora da

“realismo atolondrado”, em espanhol, ou “realismo

narrativa.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1125

Como leitores, tentamos ordenar o argumento

própria trajetória de vida e o seu envolvimento com

enquanto o discurso do narrador nos faz transitar

o crime), Cucurto faz a opção de localizá-lo na esfera

entre diversos momentos da experiência esquizoide,

da autonarrativa, apagando as marcas do relato

em meio a instantes de consciência e devaneio, e entre

jurídico, e dando autonomia à personagem, de

o que foi vivido de fato e aquilo que logo se revela

maneira que o texto-fala não será o fruto do

fruto da alucinação. Seu depoimento, numa delegacia

interrogatór io, mas sim os estilhaços de uma

policial, demonstra a dificuldade que há em ater-se

subjetividade que se exterioriza através do fluxo de

ao discurso linear, como expõe o citado:

um testemunho semiautônomo do subalterno.

E agora que me trouxeram aqui para abrir o bico, na delegacia. ‘Narra tudo’, me diz o delegado. Narra, que palavra! Leva a gente até as profundezas das águas escuras da morte, das quais não se volta. Eu nunca narrei; apenas conto, e isso quando me lembro. Porque (sic) esqueço tudo, e para quê? Para que você leia tudo num segundo, para que vá virando as páginas, indiferente, sem pensar em nada... E de vez em quando detenha-se em alguma palavra curiosa; a curiosidade matou o diabo e justifica as diabruras. Alinho-as de jeito, amigo, para você descansar, relaxar e aproveitar um pouquinho (CUCURTO, 2007, p. 15).

É, no entanto, no momento fulcral da crise, no auge extático, ou, como diz Eugênio, “quando as luzes se acendem...” que se revela o ápice hedonístico no qual a existência se liberta das amarras do cotidiano, e o narrado se liberta da sequencia lógica que o depoimento do prisioneiro parece lhe impor, mas ao qual resiste pela simples incapacidade de fazêlo. É assim que:

São momentos de clímax (nar rativo, toxicológico, musical), nos quais se desenrolam as aproximações entre estados contrastivos de plenitude e falta, que se repetem ao longo da narrativa: as luzes se acendem no momento em que Cilícia aparece pela primeira vez, também quando vê a “Gorda” que mais adiante será assassinada, e também no momento em que o relato se fecha em abismo, devaneio dentro do devaneio, quando o narrador assume o papel do estranho e tem seus olhos arrancados por seu outro Eu. Enfim, as luzes se apagam quando a cumbia se cala e temos o desfecho da narrativa. Pelas noites em que perambula pelo Samber, nas quais se encenam movimentos de distensão dos limites do real e adelgaçamento das referências morais e éticas, Eugênio convulsiona em busca do preenchimento de vazios. Através deste expediente, construções subjetivas espúrias ganham espaço, no

O outro mundo surge, a gente viaja até o centro das estrelas, lá se pode permanecer nu, sem beber água ou comer, ou ter que pagar ingresso ou pedir licença... Cara, quando as luzes se acendem para você, acende-se a vida, mas não esta, de merda, a outra, que vale a pena viver, a que vive dentro de todo o mundo, fugaz, que não se deixa colher tão facilmente (CUCURTO, 2007, p. 18).

âmbito da cultura jovem da cumbia – tradicional

Apropriando-se desse cenário que as forças

Nos experimentos de autoficção de Cucurto

hegemônicas constroem para uma das poucas

encenam-se processos de hibridação importantes

possibilidades de registro da fala e da experiência do

para que possamos assimilar noções específicas

subalterno (Cf. GINZBURG, 1998, e CHALHOUB,

quanto ao papel que cumpre o paraguaio Eugênio e

2001), no relato do crime segundo o criminoso (como

as demais personagens na trama de “Noches vacías”:

forma pela qual indivíduos que se encontravam

esses sujeitos deslocados, imigrantes ou filhos de

presos no período da investigação relatam a sua

imigrantes acabam por reafirmar uma condição de

(caribenha, rur al, condicionada às temáticas preurbanas) ou villera (favelada, urbana, diaspórica) –, como distanciamento ante a um universo com regras e valores rígidos e ordenados, em quebra e em reestruturação.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1126

pertencimento ao contexto cultural da bailanta pelo

também de aquisição de voz, uma vez que o discurso

viés da identidade compartilhada, no processo de

que ativa, revela e difunde é aquele da “problemática

distinção de um meio social refratário à sua condição

social, com forte referência a cenários violentos do

inespecífica – entre ser membro da nação, argentinos,

drama urbano: delinquência, drogas, álcool, violência

ou pertencer a um subgrupo, a uma pequena nação de

policial, exclusão social e corrupção política, através

paraguaios

de uma linguagem direta sem mediação da metáfora”

expatriados

–,

com

valores

compartilhados, sim, mas estrangeiros enfim. Tal condição que reforçaria o estigma e a condição marginal da alteridade se presta, no entanto, a partir do engenho literário de Washington Cucurto, a estabelecer novas funções para essa condição pela transculturação e pelas práticas de contra-hegemonia que reforçam, aparentemente, esse lugar à margem.

(ibid.). Ainda que não che gue a explicitar a adjetivação que colocaria em cena o subgênero villero, atendo-se à vertente tradicional da cumbia, a narrativa que se revela no texto de Cucurto acaba por enfatizar, em diversos níveis e nuances, as problemáticas das tribos urbanas tradicionalmente

Reivindicando para si o papel que lhe é

associadas à cumbia villera. Poderíamos destacar o

atribuído – aquele do vândalo, do bárbaro, a-

carácter fragmentário da identidade do narrador, o

histórico, mudo, alienado e invisível – mas também

tom agressivo e irreverente da linguagem, repleta de

atribuindo a esse papel um valor positivo, que acaba

palavrões e termos obscenos. Sua escrita é villera, é

por afirmar e ressignificar esse status como sua

chorra, e como diz Eloísa Martín acerca da cumbia

condição de existência, pertencimento e visibilidade,

villera, num sentido que é possível estender ao fazer

esses sujeitos da narrativa legitimam uma nova rede

literário de Cucurto: “não ‘expressa’ nem é ‘reflexo’

de tradições antes silenciada, ora mascarada pela

da ‘realidade’ (...), mas revela e permite constituir um

ignorância do centro, ora esquecida pela

certo tipo de mundo (...) utilizando, de uma maneira

impossibilidade de emergir como componente cultural

criativa, os materiais disponíveis” (2011, p. 211).

exequível, que ganha terreno na nova narrativa de

Materiais que se revelam no processo de identificação

uma pequena nação e que, escapando da sua órbita

das personagem, paraguaios no caso de “Noites

inicial, atinge visibilidade nos meios massivos.

vazias”, mas também peruanos, boliv ianos,

É o caso do subgênero musical cumbia villera, que, a partir das mesclas e da hibridação de gêneros

dominicanos e outras “nacionalidades” suscitadas no conjunto de sua obra.

“tropicais”, no trânsito entre o rural e a periferia

Na bailanta, que habitualmente se define

urbana, é inicialmente rotulada como “cosa de negros”,

como “um conjunto de gêneros musicais e [os]

sem valor cultural. Posteriormente, acaba por ganhar

espaços onde são executados e dançados, bem como

espaço nos bailes e festas de periferia, nas rádios e

adjetiva a estética, os produtos e as pessoas que

programas populares de televisão, difundindo-se para

aderem ao mesmo” (id., p. 213), são disseminadas, a

além das fronteiras do consumo exclusivamente

partir de fora, imagens do grotesco, do humor, do

centrado em certos segmentos sociais de baixo poder

pícaro, do vulgar, do mau gosto (ELBAUM apud

aquisitivo e pequeno capital cultural. O estilo musical,

MARTÍN, 2011, p. 213)2. A partir dessas imagens, e

“a partir da introdução de fortes modificações tanto

de outras que caracterizariam a margem, o autor

a nível text ual, como musical e de imagem”

reelabora todo um conteúdo disponível e em

(CRAGNOLINI, 2006) passa a ser associado, por esses

circulação no âmbito social numa mescla de

jovens periféricos, a uma forma de identificação, mas

acatamento e enfrentamento, entre o discurso

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1127

hegemônico e o do sujeito marginal, valendo-se de

É pela via do discurso musical que o jovem

uma estratégia que parece reforçar e aceitar aquilo

marginal começa a engendrar a visibilização do

que está no âmbito do discurso do preconceito, do

cenário de exclusão, violência e delito que se

estigma e de noções preestabelecidas que supõem,

manifestam no enfrentamento das condições de vida

segundo Rossana Reguillo, “os jovens como ‘sujeitos

no contexto social do final dos anos noventa nas

inadequados’, atores da violência, da ‘degeneração ou

periferias do conurbano bonaerense. Sobre esses

perda dos valores’” (2012, p. 12), mas que “desde o

aspectos citamos:

lugar assignado e aceitado, altera não só o sentido deste lugar bem como do que ali se instaura” (LUDMER, 1985). Através de “truques do fraco”, a existência visceral do cumbiero problematiza a aceitação do lugar depreciativo imposto pelo poder dos que definem o lugar e o perfil da alteridade, numa reencenação do papel do jovem (cumbiero, criminoso, ladrão) e do lugar na margem que ele ocupa como um espaço de resistência, um espaço de reexistência. Lugar de memória, identidade e distinção frente às

Entre os adolescentes, uma das vias para processar os cenários de violência urbana é a música. Através da escuta musical, e da seleção e perpetuação de determinados padrões sonoros (música/texto) os jovens elaboram conflitos emotivos vinculados à constituição da subjetividade, e a seu pertencimento grupal (...). Esses “significantes sonoros” fazem sentido uma vez que são funcionais às necessidades, demandas e interrogações próprias do âmbito da vida cotidiana desses sujeitos e grupos, em retroalimentação com representações que circulam pelo tecido social. O acúmulo de significantes conforma então propostas estéticas grupais que intervém em diversos processos de identificação. (FRITH apud Cragnolini, 2006)3.

nar rativas da autoridade e contra o discurso essencialista, prolífico em atribuir à alteridade papéis desqualificados, indistintos e “intercambiáveis” (ACHUGAR, 2006, p. 14).

Não muito diferente do que ocorrera no Brasil e na América Latina nesse mesmo período, as políticas econômicas (aliadas às políticas demográficas das décadas anteriores, que proporcionariam um grande

É desse lugar “imaginário”, cujo ponto de

crescimento dos grupos etários jovens, bem como aos

partida encontra-se no “nada” ou no baixo

movimentos migratórios e diaspóricos em direção às

(remetendo ao baixo nas diversas acepções que

áreas metropolitanas) adotadas levaram a uma

assume o termo na teorização bakhtiniana) e cujo

concentração de jovens de famílias de baixa renda nas

destino aponta para uma existência inicialmente

áreas periféricas, com “insuficiente acesso aos serviços

fundamentada na identificação a partir do delito (o

sociais, baixos índices de educação e qualificação para

roubo, o consumo de drogas, a violência armada) e

o trabalho, uma interrupção precoce da adolescência

do refugo, que emergem identificações e

e (...) um risco maior de sofrer uma morte violenta”

representações que ganham complexidade altamente

(DELLASOPPA, 2003, p. 149), criando um contexto

produtiva quando transitam pelos bailes de cumbia

de pobreza estrutural que revelaria ter implicações

villera, ou pelas partidas de futebol, naquilo que se

no tecido social de ordens diversas, especialmente a

convencionou chamar de “cultura de la calle”

ruptura dos laços familiares e comunitários e de suas

(SARAVÍ, 2004), ou villera, e por outras formas de

tradições. Tal contexto abriria ainda espaço para a

sociabilidade da juventude à margem da cidade

contestação, por parte desses jovens, da autoridade

formal, como alternativas para a ativação de outras

das instituições e de seus aparatos ideológicos, tais

subjetividades, e outros contextos de articulação e

como a escola, a família e a polícia, ineptas enquanto

negociação nos quais se afirma a produção de valor

instâncias sup eradas e desprivile giadas como

desde a periferia, e da periferia como lugar com valor.

referências para a sociabilidade local.

1128

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Nesse outro âmbito cultural de afirmação do

Por sua vez, Michel Maffesoli alia o caráter

jovem e suas atitudes, valores partilhados e construções

hedonístico das manifestações juvenis a esta

simbólicas, expressos com violência e no balbucio do

percepção subjetivada do tempo de maneira a colocar

discurso musical, encontram-se meios de registro

como pertinentes valores caracterizados pelo aspecto

alternativo a partir de meios e táticas específicas (os já

lúdico e uma certa “anomia”, compartilhados nos

mencionados “truques do fraco”, bem como o “fazer

agrupamentos juvenis, nos quais a questão da idade

4

com” e os processos de “braconagem” , enumerados

cronológica não é referenciável para o pertencimento,

por Michel de Certeau) e estranhas aos modos

fugindo de uma relação essencialista previamente

consagrados pelo circuito hegemônico – em sua

concebida do “ser jovem”. Naquilo que chama de

tendência de homogeneizar o popular e a cultura

neotribalismo identifica a “força de atração” (2010, p.

popular –, nas quais, pela disseminação de todo um

41) que faz com que tome corpo um quadro em que

ethos e suas funções sociais, imagens, significações e

se exprime a paixão e em que “crenças comuns são

códigos de conduta, a negociação irrompe pela via da

elaboradas”.

transgressão e da apropriação dos objetos culturais com finalidades próprias, muitas vezes através do

Antonio Muñoz Carrión também atribui a

consumo, que por sua vez acaba por adquirir, também,

esses jovens a experiência da percepção temporal do

outras finalidades, “como produção ou criação”

imediato e da satisfação em relação intrínseca com a

(BURKE, 2010, p. 21), onde a “vida social das coisas”

condição grupal. Chama essa atitude de “presentismo”,

(ibid., p. 24) pode revelar os valores morais de

o que suporia “uma aposta prioritária pela vivência

indivíduos, grupos e sociedades. Segundo Peter Burke:

imediata, relegado assim, tanto o sentido derivado da

“os ‘usos, costumes, cerimônias, superstições, baladas,

repetição do passado, como o cálculo e busca de metas

provérbios, etc.’ faziam, cada um deles, parte de um todo,

no futuro”, e mais precisamente, quanto a esse tema,

expressando o espírito de uma nação” (ibid., p. 32).

expõe que nessas culturas juvenis, os sujeitos:

O consenso quanto à percepção do tempo pelo jovem, inferido na observação das práticas e valores das culturas juvenis, acolhe o que alguns teóricos sugerem como relação imediatista. A temporalidade no interior desses contextos de socialização se processa a partir de uma subjetivação da percepção do tempo, na qual, segundo Daniel Míguez, se vive “uma espécie de imediatismo,

Aprendem, na prática, as novas regras, em constante transformação, bem como as novas arbitragens do que podemos decididamente denominar um jogo, no sentido cultural do termo: jogo profundo ou universo lúdico. No novo entorno vital, os jovens descobrem dinâmicas que perfilam uma dimensão da experiência diferente da conhecida até a adolescência. A nova ordem simbólica compartilhada vai sendo internalizada pouco a pouco, a partir das práticas cotidianas que levam a cabo em seus próprios espaços (2008, p. 80).

entendido como a necessidade do disfrute repentino e ilimitado no tempo e no espaço” (2010, p. 55),

Assim, não seria arbitrário relacionar o

alimentado por condições de subsistência altamente

proceder da personagem Eugênio na narrativa a esse

excludentes associadas a fatores estruturais e a falta

estar no mundo relacionado às culturas juvenis e, em

de expectativas, nos quais se destacam a quebra de

especial, àquela dita callejera, dado que a busca pelo

“antigas estruturas laborais e familiares que haviam

prazer em cujo âmbito busca o preenchimento das

organizado a existência de maior parte da sociedade

noites vazias, e em que se vê libertado dos laços

durante décadas, ao mesmo tempo em que certas

familiares (sua mulher e seu filho em viagem ao

formas de consumo básico também se tornam

Paraguai), laborais (com a percepção da

progressivamente inalcançáveis” (id., p. 66).

superfluidade de seu trabalho como repositor de um

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1129

supermercado, posto desvalorizado, em que não é

BAKHTIN, Mikhail (1999). A cultura popular na Idade

possível identificar um “caminho de realização

Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais.

pessoal”, MÍGUEZ, 2010, p. 74), e principalmente de

4ª ed. Trad. Yara Frateschi. São Paulo, Brasília: Hucitec,

referências temporais do mundo das instituições

EdUNB.

“adultas”, “num estado de fluidez entre dois mundos” (id., p. 76). Quando o narrador desorganiza o percurso

BURKE, Peter (2010). Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras.

previsível para um sujeito adulto frente aos valores

CERTEAU, Michel De (2003). A invenção do cotidiano: 1.

convencionais da sociedade, naturalizam-se outras

artes de fazer. 9ª ed. Trad. Ephraim Ferreira Alves.

esferas de circulação de valores, o que no contexto

Petrópolis: Vozes.

da bailanta, em sua radicalização extrema pela pena “imprudente” do autor, converge para a transgressão e a emergência do reprimido pelo caminho do hedonismo sem limites, via dança, transe, sexo,

CHALHOUB, Sidney (2001). Trabalho, lar & botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da Belle Époque. 2ª ed. Campinas: Editora da Unicamp.

intoxicação e violência. Assim, o que se realiza, enfim,

CRAGNOLINI, Alejandra (2006). Articulaciones entre

é o que João Freire Filho, citando Antonio Melechi5,

violencia social, significante sonoro y subjetividad: la

enumera como uma ocupação e transformação

cumbia villera en Buenos Aires. TRANS-Re vista

“através de êxtase e viagem, representando uma

Transcultural de Música. Barcelona: Sociedad de

fantasia de liberação, uma fuga da identidade” (2007,

Etnomusicología (SlbE), n. 10, diciembre de 2006. Disponível em http://redalyc.uaemex.mx/src/inicio/

p. 49).

ArtPdfRed.jsp?iCve=82201006. Acessado em 06/07/2012.

Afinal, o que se processa é a “reabilitação do prazer”, “como uma refutação ou um escape prazenteiro da hiper-racionalização e burocratização

CUCURTO, Washington (Santiago Vega) (2006). Cosa de negros. Buenos Aires: Interzona.

da vida cotidiana” (id., p. 51). Freire Filho parece

______. (2007). Noites vazias. Em: ______. Coisa de negros.

chegar, no plano da teoria, ao que Cucurto realiza no

Trad. André Pereira da Costa. Rio de Janeiro: Rocco.

plano da ficção: àquilo que as culturas juvenis vêm construindo nos seus espaços da realidade – uma politização da diversão, pela subversão da disciplina,

DELLASOPPA, Emilio E (2003). Funk’n Rio: lazer, música, galeras, violência e a socialização da ‘onda jovem’. Em: FRAGA, Paulo Cesar Pontes & IULIANELLI, Jorge Atílio

no espaço dos bailes e eventos em que o corpo escapa

Silva (Org.). Jovens em tempo real. Rio de Janeiro: DP&A,

ao controle da estrutura social e seu descentramento

p. 148-169.

reconfigura-se no empoderamento e na recusa do estabelecido, no tempo impreciso do agora como lugar de resistência.

FREIRE FILHO, João (2007). “Divertimento e dissenso: subculturas, cenas e tribos num ‘mundo sem fronteiras’”. Em: ______. Reinvenções da resistência Juvenil: os estudos culturais e as micropolíticas do cotidiano. Rio de Janeiro:

Referências bibliográficas

Mauad X, p. 29-80. GINZBURG, Carlo (1998). O queijo e os vermes: o

ACHUGAR, Hugo (2006). Planetas sem boca: escritos

cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela

efêmeros sobre arte, cultura e literatura. Trad. Lyslei

Inquisição. Trad. Maria Betânia Amoroso. São Paulo:

Nascimento. Belo Horizonte: Editora UFMG.

Companhia das Letras.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1130

HAREL, Simon (2005). Braconagem: Um novo modo de

Pablo; VILA, Pablo, orgs. Cumbia: nación, etnia y género

apropriação do lugar?. Em: Interfaces Brasil/Canadá, n. 5,

en Latinoamérica. Buenos Aires: Gorla, Facultad de

Rio Grande: FURG/ABECAN, p. 211-229.

Periodismo de la Universidad Nacional de La Plata, p. 209-

LUDMER, Josefina (1985). Las tretas del débil. Em:

244.

GONZÁLEZ, Patricia Elena & ORTEGA, Eliana (ed.) La

MÍGUEZ, Daniel (2004). Los pibes chorros. Estigma y

sartén por el mango. Encuentro de escritoras

marginación. Buenos Aires: Capital Intelectual.

latinoamericanas. Río Piedras (Puerto Rico): Ediciones Huracán, pp. 47-54.

MUÑOZ CARRIÓN, Antonio (2008). El tiempo subjetivo de los jóvenes: hacia un régimen de la inmediatez. Em:

MAFFESOLI, Michel (2010). O tempo das tribos: o declínio

MINGOTE ADÁN, José Carlos; REQUENA y DÍEZ DE

do individualismo nas sociedades de massa. 4ª ed. Trad.

REGUILLO, Rossana (2012). Culturas juveniles: formas

Maria de Lourdes Menezes. Rio de Janeiro: Forense

políticas del desencanto. Buenos Aires: Siglo XXI.

Universitária.

SARAVÍ, Gonzalo A. (2004). Segregación urbana y espacio

MARTÍN, Eloísa (2011). La cumbia villera y el fin de la

público: los jóvenes en enclaves de pobreza estructural.

cultura del trabajo en la Argentina de los 90. Em: SEMÁN,

Revista de la CEPAL, n. 83, p. 33-48.

Notas 1

GILDA. Noches vacías. Pasito a pasito, 1994. Faixa 1, 3:12. Gilda é o nome artístico de Miriam Alejandra Bianchi, uma ex-professora que se torna cantora de cumbia argentina na primeira metade da década de 1990 e passa a ser “el ángel de la bailanta”.

2

ELBAUM, J (1994). “Los bailanteros. La fiesta urbana de la cultura popular”. In: MARGULIS, M. et al. (ed.). La cultura de la noche. La vida nocturna de los jóvenes en Buenos Aires. Buenos Aires: Espasa Hoy. p. 181-210.

3

FRITH, Simon (1989). “Towards an aesthetic of popular music”. In: LEPPERT, Richard; McCLARY, Susan (ed.). Music and society. The politics of composition, performance and reception. Cambridge: Cambridge University Press. p. 133-149.

4

Sobre o conceito de “braconagem”, ver Simon Harel (2005).

5

MELECHI, Antonio. “The ecstasy of disappearance. In: REDHEAD, Steve (ed.). Rave off: politics and deviance in contemporary youth culture. Aldershot: Avebury, 1993, p. 29-40.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1131

A TRANSITIVIDADE EM NARRATIVAS ESCRITAS POR ALUNOS BRASILEIROS APRENDIZES DE ESPANHOL

Valdecy de Oliveira Pontes UFC

Introdução

dos pretéritos perfeito e imperfeito do indicativo em Espanhol.

A transitividade, na gramática tradicional, é analisada como uma categoria discreta (transitivo x intransitivo). Por outro lado, Hopper e Thompson (1980) abordam a transitividade como um conjunto de parâmetros que compreende fatores sintáticos e semânticos. Eles concebem a noção de transitividade a partir de dez traços que, embora independentes,

Na primeira parte deste artigo, teceremos considerações teóricas sobre o tratamento escalar da transitividade; na segunda parte, apresentaremos os procedimentos metodológicos; na terceira parte, vamos expor a análise e em seguida as considerações finais.

funcionam juntos e articulados na língua, o que significa que nenhum traço sozinho é suficiente para determinar a transitividade de uma oração.

1. Transitividade

Considerando esta perspectiva, entendemos

A transitividade é um fenômeno de natureza

as categorias gramaticais como elementos difusos, isto

complexa que envolve os componentes sintático e

é, não as concebemos como categorias discretas,

semântico (Cf. GIVÓN, 2001). Logo, a transitividade

estanques e claramente definidas e delimitadas, mas

não é uma categoria discreta, é uma questão de grau.

como categorias dinâmicas, não discretas e com

Nesse sentido, um evento é caracterizado de forma

limites fluidos. A partir desta persp ect iva de

escalar no tocante a sua transitividade a partir das

escalaridade e com base nos diversos contextos

propriedades semânticas do agente, paciente e verbo

analisados, abordaremos a relação entre a

da oração analisada, que também são fornecidas em

transitividade e o uso destes pretéritos, em produções

termos de graus.

escritas por alunos universitários, futuros professores de Espanhol em formação, quando utilizam as formas

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1132

Para Hopper e T hompson (1980), a

e) volitividade: uma ação deliberada e controlada é

transitividade é uma propriedade gradual, na qual

mais transitiva que uma involuntária. Vejamos a

incidem vários parâmetros. Segundo Furtado da

diferença entre I wrote your name. Eu escrevi seu

Cunha (2008, p. 38):

nome. (+ volitiva) e I forgot your name. Eu esqueci seu nome. (– volitiva).

Hopper e Thompson associam a transitividade a uma função discursivo-comunicativa: o maior ou menor grau de transitividade de uma sentença reflete a maneira como o falante estrutura o seu discurso para atingir seus propósitos comunicativos.

f) afirmação: as afirmações são mais transitivas que as negações, pois indicam que a ação ocorreu de fato: I wrote your name. (Eu escrevi o seu nome.) g) modo: uma ação real é mais transitiva que uma

A partir dessa concepção de transitividade, e

ação que não ocorreu ou que poderia ocorrer. A

examinando o modo como as línguas codificam os

ação irreal é menos efetiva e, portanto, menos

verbos, Hopper e Thompson definem a transitividade

transitiva. Considerem-se os exemplos: I wrote

a partir de dez parâmetros que indicarão maior ou

your name. (Eu escrevi seu nome.) x I will write

menor grau de transitividade dos dados analisados.

your name. (Eu escreverei seu nome.)

Os parâmetros e exemplos propostos por Hopper e Thompson são:

h) agentividade: um sujeito mais agentivo (alto potencial de agentividade na transferência de uma

a) argumentos: a sentença é considerada de alta

ação para outro) é mais transitivo que um menos

transitividade, se tiver dois ou mais argumentos,

agentivo. Vejamos a diferença: George started me

por exemplo:

damage. # The picture started me damage.

I hugged Sally. (Eu abracei Sally.) b) cinese: diz respeito à característica do verbo de

(George me causou prejuízo) (A pintura me causou prejuízo)

agentivo

- agentivo

expressar ou não uma ação, somente as ações podem ser transferidas, os estados não. Logo, I

i) afetamento do objeto: um paciente (objeto)

hugged Sally é mais transitivo que I like Sally. (Eu

completamente mais afetado pela ação (I drank

gosto de Sally.)

the milk./ Eu bebi o leite. - mais afetado) é mais transitivo que um objeto afetado parcialmente (I

c) aspecto: uma ação télica, ou seja, completa, é mais transitiva que uma atélica, na qual a transferência da ação ocorre de forma parcial, pois não é concluída, como em I ate it up. (Eu comi.) # I am eating it. (Eu estou comendo.) d) pontualidade: uma ação pontual, ou seja, sem fase de transição entre o princípio e o seu final, é mais transitiva que uma contínua ou linear, por exemplo: kick (chuta – ação pontual) é diferente de carry (carregar – ação não-pontual.)

drank some of the milk. /Eu bebi um pouco do leite. - menos afetado). O objeto (leite) é mais afetado no primeiro caso, pois foi tomado por completo. h) individuação do objeto: um paciente (objeto) que se distingue pelas seguintes características: próprio, animado ou humano, concreto, contável, singular, referencial ou definido é mais transitivo que um paciente que apresenta características tais como: comum, inanimado, abstrato, plural, incontável, não-referencial. Por exemplo: Jerry knocked Sam down. (Jerry nocauteou a Sam.) – Sam é um objeto individuado devido aos seus

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

traços (próprio, contável, referencial, concreto, humano.) De acordo com Furtado da Cunha e Souza (2007, p. 42): No que diz respeito aos modelos de Givón e Hopper e Thompson, os pontos em comum estão representados pela descrição sintática e semântica da transitividade, pelo tratamento gradiente, escalar, desse fenômeno, pela utilização da noção de prototipicidade versus desvio, pela consideração de aspectos comunicativos (propósitos interacionais do falante e sua percepção das necessidades informativas de seu interlocutor) e cognitivos (apreensão e codificação da experiência humana) na manifestação da transitividade.

1133

Com o objetivo de coletar os dados, foram utilizadas três propostas de produção de textos narrativos, pois, a narração propicia uma maior ocorrência das formas verbais nos pretéritos perfeito e imperfeito do Indicativo em Espanhol. As propostas foram extraídas de livros didáticos direcionados para o ensino de Espanhol como Língua Estrangeira, porque os sujeitos envolvidos na pesquisa utilizaram, no decorrer de sua formação, o livro didático como um dos principais recursos na sua aprendizagem. Adotamos dois critérios para a seleção dos livros: apresentarem uma quantidade significativa de propostas de tipologia predominantemente narrativa e serem atuais – editados entre 2004 e 2009. As

Com base nos parâmetros propostos por Hopper e Thompson (1980), analisaremos a transitividade das formas dos pretéritos em narrativas

propostas são: 1) Livro didático “Pasaporte” (vol. 02- 2008, p. 46.)

escritas em Espanhol. Na próxima seção, explicitamos

Cuenta un acontecimiento sorprendente de tu

os procedimentos metodológicos utilizados para a

vida. Puede ser real o imaginario./ Conta um

realização desta pesquisa.

acontecimento surpreendente de tua vida. Pode ser real ou imaginário.

2. Metodologia

a) Conociste a alguien famoso./ Conheceste a alguém famoso.

Para a realização desta investigação, foi escolhido um grupo formado por 14 alunos do sexto

b) Estuviste en una fiesta fantástica./ Estiveste em uma festa fantástica.

semestre do Curso de Letras, habilitação em Língua Espanhola e Literaturas de Língua Espanhola da UERN – Campus Maria Elisa de Albuquerque Maia.

2) Livro didático “Español en marcha” (vol. 04- 2007, p. 82.)

Esta é a primeira turma, em formação do Curso de

c) Escribe una historia que te haya ocurrido

Letras, habilitação em Língua Espanhola e respectivas

en algunos de tus viajes./ Escreve uma

Literaturas de Língua Espanhola. A pressuposição é

história que aconteceu com você em

de que esse grupo possui um nível avançado de

algumas de suas viagens

domínio da língua espanhola, por se tratar de futuros professores dessa língua. Vale salientar ainda, que os

Dessa forma, cada aluno escreveu três

alunos não tinham nenhuma experiência prévia com

produções, totalizando, no geral, um corpus de 42

o estudo de Espanhol antes do Curso de Letras e que

produções escritas. Cabe salientar que, no processo

já cursaram 2340 horas, das 3600 que compõem o

de escritura dessas produções, foi gerada uma reflexão

currículo, composto por 80% de disciplinas de

acerca de cada tema proposto, o que auxiliou cada

Espanhol, incluindo duas disciplinas de Produção

aluno na sua produção; seguimos, assim, a

Textual em Língua Espanhola.

metodologia para o ensino da escrita em Espanhol,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1134

proposta por Alonso (2003), que trabalha a partir de uma perspectiva pragmático-discursiva, ou seja, leva

Gráfico 3: Ocorrência dos parâmetros de transitividade em dados do Imperfeito (%)

em consideração o contexto comunicativo, bem como o destinatário e o objetivo de cada produção. Vejamos, agora, a relação entre a transitividade

CADÊ OS GRÁFICOS??

e os usos dos pretéritos em textos narrativos por alunos brasileiros no contexto universitário. A continuação, teceremos considerações sobre os gráficos, com o objetivo de identificar as diferenças

3. Análise dos resultados

entre os pretéritos analisados em relação aos parâmetros utilizados para avaliar a transitividade.

Nesta seção, faremos um breve apanhado, por

Com base nos gráficos, podemos visualizar em

meio de gráficos, sobre as ocorrências dos parâmetros

quais parâmetros o pretérito perfeito simples se

de transitividade nas narrativas analisadas nesta

diferencia do imperfeito. Nesse sentido, podemos

pesquisa. Com isso, objetivamos uma melhor

afirmar que o pretérito perfeito simples apresentou

visualização do nível de transitividade nos dados. A

percentuais maiores que o imperfeito nos seguintes

partir desse intento, apresentamos, a seguir, quatro

parâmetros: número de argumentos, cinese, aspecto,

gráficos: no primeiro, consideramos os 764 dados; no

pontualidade, volitividade e agentividade. Podemos

segundo, o total de formas do pretérito perfeito

verificar percentuais mais significativos em relação

simples; no terceiro, o total de dados do pretérito

ao número de argumentos e à cinese devido ao fato

perfeito composto e por último, temos o total de

de o pretérito perfeito atuar na progressão da

formas do imperfeito.

narrativa. Portanto, há a predominância de verbos

Gráfico 1: Ocorrência dos parâmetros de transitividade em dados do Pretérito Perfeito Simples (%)

dinâmicos e os alunos, por conta disso, utilizam mais argumentos e conferem um maior g rau de agentividade a esses verbos. Em relação ao aspecto e à pontualidade, podemos verificar que, por ser um tempo com o traço mais télico, o pretérito perfeito

CADÊ OS GRÁFICOS??

simples apresenta um ponto final definido para a ação desencadeada pelo verbo. Por esta razão, apresenta, também, um alto percentual de ocorrências no parâmetro de pontualidade. No tocante à volitividade, podemos deduzir que as formas do pretérito perfeito

Gráfico 2: Ocorrência dos parâmetros de

simples são mais utilizadas, quando o falante deixa

transitividade em dados do Pretérito Perfeito

claro o propósito de sua enunciação ao seu

Composto (%)

interlocutor. No tocante à distinção entre o pretérito imperfeito e pretérito perfeito composto, podemos

CADÊ OS GRÁFICOS??

afirmar que o primeiro se diferencia do segundo, por apresentar percentuais menores em relação aos

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1135

seguintes parâmetros: número de argumentos, cinese,

enunciação, conforme foi explicitado na subseção

aspecto, pontualidade, agentividade e volitividade. No

sobre aspecto. O único parâmetro em que o pretérito

que diz respeito aos dois primeiros parâmetros, há

perfeito composto superou, em termos percentuais,

menor número de ocorrências do imperfeito, devido

o pretér ito perfeito simples foi com relação à

a ele atuar, principalmente, como pano de fundo da

volitividade, e, podemos atribuir isso ao fato de o

narrativa, temos então, o predomínio de verbos mais

tempo correspondente a este pretérito, em Português,

estáticos, utilizados na caracterização do cenário. Vale

ser pouco utilizado, então o aluno brasileiro, ao

salientar, ainda, que, por conta dessa estaticidade, os

utilizar este tempo em Espanhol, tende a deixar claro

alunos conferem a estas formas um percentual menor

para o seu interlocutor a sua intenção comunicativa.

no que se refere à agentividade. No que tange ao aspecto e à pontualidade, podemos deduzir que o imperfeito obteve percentuais menores, pois, este tempo apresenta o traço menos télico, ou seja, não apresenta um ponto final determinado para a ação iniciada pelo verbo na sentença em análise. Por último, em relação à volitividade, podemos verificar um percentual menor para as formas do imperfeito, devido ao fato de as formas do pretérito perfeito composto serem mais utilizadas pelo falante, quando ele deixa clara a sua intenção ao seu interlocutor. Com relação à diferenciação entre os pretéritos perfeitos simples e composto, verificamos que têm um comportamento muito semelhante em relação aos parâmetros de transitividade, logo, apresentam poucas diferenças percentuais em relação aos seguintes parâmetros: número de argumentos, individuação do objeto, afetamento do objeto, pontualidade e volitividade. Podemos verificar percentuais um pouco maiores por parte do pretérito perfeito simples em relação aos três primeiros parâmetros, devido ao fato de o aluno utilizar de forma recorrente este tempo correspondente em sua língua materna, no caso o Português, o que não

Com relação ao parâmetro de volitividade, obtivemos um maior percentual de ocorrências nos dados dos pretéritos perfeito simples e composto, respectivamente, 68,5% e 72,3%. No entanto, nas formas do imperfeito, a porcentagem foi bem menor, 34, 3%. A partir desse resultado, podemos deduzir que as formas dos pretéritos perfeito simples e composto são mais utilizadas pelo falante, quando este deixa claro o propósito de sua enunciação ao seu interlocutor. Todos os dados de pretérito perfeito simples revelam modalidade realis e polaridade positiva. No imperfeito e no perfeito composto, obtivemos um percentual semelhante, 99% do total. Podemos atribuir este resultado, ao fato de os autores das narrativas terem optado pela utilização de formas verbais do tipo realis, ou seja, que denotam a idéia de certeza da realização das ações expressas pelo verbo. Vale salientar ainda, que os tempos analisados, nesta pesquisa, pertencem ao modo indicativo, o ratifica a concretização das ações denotadas pelas formas verbais analisadas. Atrelado a esses fatores, temos o predomínio do uso de sentenças de caráter afirmativo.

acontece com o pretérito perfeito composto. Nesse

Nos dois últimos parâmetros (afetamento do

sentido, utiliza o pretérito perfeito simples com mais

Objeto e individuação do Objeto) obtivemos os

argumentos e com maior frequência quando se refere

menores percentuais de ocorrências nos três tempos

ao objeto da oração. No tocante à pontualidade,

analisados. Além disso, a distribuição destes fatores

podemos verificar que o aluno utiliza menos o

se dá de forma bem semelhante em todos os tempos.

pretérito perfeito composto por considerar que este

Em relação ao parâmetro de afetamento do objeto,

temp o mantém relação com o momento da

nos pretéritos perfeito simples e composto, temos

1136

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

respectivamente um percentual de 34,5% e 27,3%.

telicidade para o rece ptor da enunciação. Se o aluno

As formas do imperfeito apresentam um percentual

compreender os efeitos de sentido e as funções que

de 22, 8%. No tocante ao parâmetro de individuação

desempenham as formas verbais no que se refere à

do objeto, os pretéritos perfeito simples e composto

transitividade, ele as utilizará, em sua produção

apresentaram um percentual de 34,5% para o

escrita, de forma consciente e isso contribuirá para a

primeiro e de 29, 5% para o segundo. O imperfeito,

melhoria de seus textos em Espanhol e até mesmo,

por sua vez, apresentou um percentual de 22, 8%.

na sua própria língua materna.

4. Considerações finais

Referências bibliográficas

Com base em todos os resultados obtidos

ALONSO, María Cibele González Pellizzari (2003): La

nesta análise, podemos concluir que todos os

importancia de la escrita en la enseñanza del E/LE. In:

parâmetros, ora analisados apresentam um maior

Anuario brasileño de estudios hispánicos, p. 121-142 São

número de ocorrências nas formas dos pretéritos

Paulo: Embajada de España en Brasil – Consejería de

perfeito simples e composto, sendo o primeiro

Educación.

detentor da maior parte da configuração desses

ARAGÓN, Matilde Cerrolaza. GILI, Óscar Cerrolza (2008):

parâme tros, pois, foi bem mais utilizado nas

Pasaporte. V.2. Madrid: Edelsa.

narrativas que o segundo tempo em questão. A partir desta constatação, podemos considerar que as formas dos pretéritos perfeitos simples e composto são mais transitivas que as formas do imperfeito. Ao final de nossa análise sobre a transitividade, podemos constatar que o estudo sobre essa questão em relação aos pretéritos é bem mais

FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica; SOUZA, Maria Medianeira (2007): Transitividade e seus contextos de uso. Rio de Janeiro: Lucerna. FURTADO DA CUNHA, Maria Angélica (2008): Funcionalismo. In: Manual de Linguística, p. 159-241. São Paulo: Editora Contexto.

amplo do que apresentam as gramáticas em Espanhol.

GIVÓN, T (2001): Syntax: an introduction. Amsterdam:

Elas atribuem simplesmente o valor de existência ou

J. Benjamins.

ausência, como se fosse um traço simples de se caracterizar. Caso o professor de Espanhol, siga esta orientação, fornecerá uma concepção de aprendizado

HOPPER, P. y S. THOMPSON (1980): Transitivity in Grammar and Discourse. Language, pp. 251-299, vol. 56, n° 2.

da transitividade e dos usos dos pretéritos perfeitos e imperfeito limitada ao seu aluno, o que não ajudará

VIUDEZ, Francisco Castro. DIEZ, Ignácio Rodero (2007):

ao estudante, na hora de produzir um texto. Já que,

Español en marcha – vol. 04. 2ª Ed. Madrid: SGEL.

não compreenderá a “real” significação do que seria transitividade. Por outro lado, se concebermos o ensino dos pretéritos em estudo, a partir dos 10 parâmetros, poderemos levar o aluno a uma reflexão epilinguística, sobre o porquê de se trabalhar com o imperfeito, por exemplo, a partir de verbos estáticos e qual a importância do aspecto no que diz respeito à

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1137

O GÊNERO TEXTUAL DIGITAL BLOG: O DIÁRIO VIRTUAL ELETRÔNICO NA AQUISIÇÃO DE E/LE

Valéria Jane Siqueira Loureiro UFS

Apresentação

Neste trabalho se apresenta o projeto de pesquisa que se propõe a analisar e relatar a

O presente trabalho surge primeiramente do

experiência do uso do blog como suporte na aquisição

uso da internet na vida social moderna e do advento

de E/LE tanto dentro quanto fora de sala de aula

do gênero digital blog que se transformou em prática

assumindo o papel de suporte nas práticas

do uso da linguagem cotidiana. Sendo assim, o blog

pedagógicas que os monitores de língua espanhola

que surgiu como um diário virtual objetivando a

do CLIC2 vão criar e utilizar. As atividades que se

edição, atualização e manutenção dos textos na rede

colocarão no blog servirão como suporte para a

se transforma em um suporte didático para os

interação e a comunicação com os estudantes durante

docentes no processo de ensino/aprendizagem de E/ LE. A partir daí, desenvolvo um projeto do uso do

a semana, uma vez que as aulas presenciais só se dão aos sábados.

blog como suporte para a aquisição de E/LE para a aula presencial. A análise de como acontece à interação e a

I – A questão do texto na era digital

comunicação com os estudantes no blog quando criado e utilizado pelos monitores de língua

A partir do surgimento da Internet apareceu

espanhola do Curso de idiomas para a Comunidade

um leque de gêneros digitais: e-mail, bate-papo

(CLIC 1 ) da UFS se dá devido a trabalhar como

virtual, aulas virtuais, orkut, blog, etc., que se

formadora de futuros professores de língua espanhola

tornaram práticas de linguagem diária na vida

no curso de Letras do Departamento de Letras

moderna. O blog, como diário virtual ou eletrônico,

Estrangeiras. Além disso, o projeto faz parte da pós-

se tornou uma ferramenta muito popular entre jovens

graduação em linguística que curso na UFMG em “O

e já faz parte de sua vida cotidiana. Assim, esse novo

ensino de língua mediado por computador”.

gênero sai da internet e migra para a sala de aula,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1138

passa de diário íntimo da rede para um suporte para

imensa superposição de textos, que se pode ler na

o professor.

direção do paradigma tradicional ou na direção do

O conceito de texto tem que ser relativizado a partir dos gêneros digitais. Definitivamente não há uma única definição para conceituar texto, apesar de todas as noções compartilharem algum ponto em comum e discordarem em outros aspectos. Segundo a linguística textual, o texto é além de uma unidade linguística um evento que converge em três ações: linguísticas, cognitivas e sociais. Todas estas ações se constituem quando está sendo processado. Não

sintagma correntes par alelamente ou que se tangenciam em determinados pontos, permitindo seguir na mesma linha ou construir um novo caminho. (MACHADO, 1993, p. 64). Para Coscarelli (2002) o hipertexto digital é um documento composto por nós conectados por vários links que são unidades de informação, como textos verbais ou imagens, por exemplo, e os links são conexões entre esses nós.

possui regras de formação e não permite medir os critérios de textualidade, pois seu sentido nunca está pronto e acabado (MARCUSCHI, 1999).

II – A textualidade no blog

Costa Val (1999) afirma que um texto é mais

A forma da leitura e da produção de texto se

do que uma sequencia de enunciados concatenados,

modificou com as novas tecnologias. Coscarelli

e que sua significação é um todo, resultante de

(2002) ressalta que ato de apagar, copiar, colar,

operações lógicas, semânticas (e pragmáticas) que

recortar transforma a maneira de pensar a produção

promovem a integração entre os significados dos

de texto. O hipertexto traz conexões, links com outros

enunciados que o compõem. Já Coscarelli (2002)

textos que se conectam com outros, formando uma

afirma que a internet tem gerado muitas mudanças

rede de textos. Por isso, a questão da linearidade da

na sociedade, entre elas, o aparecimento de diversos

leitura é bastante debatida no que se refere à área de

gêneros textuais, como o chat, o hipertexto. Nesses

textos e hipertexto.

novos textos, é necessário entrar na semiótica e aceitar o movimento e a imagem como parte dele.

Durante a leitura o leitor constrói o texto de maneira linear, desenvolvendo uma est rutur a

É importante saber o que esses novos gêneros,

hierárquica com as informações que produziu na

como o hipertexto, exige do autor e do leitor. É

leitura. Porém, ainda que o leitor siga as páginas do

necessário conhecer que regras devem ser relevantes

livro, a representação que constrói do texto não é

para que os interlocutores alcancem seus objetivos

linear. Na leitura, o leitor objetiva separar as

na produção e recepção desses textos. Para Bazerman

informações relevantes, construindo uma hierarquia

(2006, p. 23), os gêneros são os ambientes onde o

dos significados, já o hipertexto cria leitores mais

sentido é construído. Eles moldam o pensamento

capacitados, uma vez que eles possuem condições de

formado e as comunicações realizadas na interação.

lidar tanto com o texto que lêem e com os autores

É a realização concreta de um complexo de dinâmicas

desses textos, já que o leitor tem a capacidade de

sociais e psicológicas. A sua observação desempenha

inferir as conexões infinitas entre os vários textos que

um papel importante na análise sobre as bases

fazem parte do hipertexto.

comunicativas da ordem social.

A importância do letramento digital para o

Por outro lado, considerando os ambientes

leitor, a habilidade de leitura e a interpretação do que

digitais, texto pode ser definido como Hipertexto:

foi lido faz com que Coscarelli (2002) afirme que

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1139

tanto o texto impresso quanto o hipertexto podem

produção linguística, falada ou escrita, de qualquer

não apresentar a linearidade. Nas duas formas de

tamanho, que possa fazer sentido numa situação de

leitura é o leitor que vai desenvolver a ordem e a

comunicação humana, em uma situação de

hierarquia das informações dessa leitura, portanto o

interlocução (COSTA VAL, 1999).

leitor é autônomo na sua leitura. No trabalho com o hipertexto, se percebe que mudanças com a inclusão das TICs provocam nos textos, nas formas de ler, na produção textos e, assim, na forma de interagir e se comunicar. Com os recursos do hipertexto, os hábitos dos leitores podem mudar. O professor pode e deve estimular, no aluno-leitor, a capacidade de desenvolver as estratégias de leitura do hipertexto. Todas essas ações são importantes para a aula de língua estrangeira, uma vez que vai estimular a leitura e a produção de textos e hipertextos. O hipertexto possui intenções comunicativas que proporciona aos leitores as condições de lidar tanto com o texto que leem, quanto com os autores desses textos (COSCARELLI, 2002). Nesse sentido, o hipertexto se diferencia do texto em relação às formas de manifestação, pois o hipertexto permite o uso de novas formas de expressão. Ribeiro (2005) pondera que as possibilidades do texto impresso e do digital são as mesmas, embora haja um aumento da velocidade, e facilidade de busca da informação e de publicação sistema de teia semelhante aos que os editoriais de jornais e revistas já utilizavam. O hipertexto permite a utilização e a combinação de recursos de multimídia como imagens e sons em seus conteúdos, permite que o usuário possa ir direto ao tema pesquisado e simultaneamente abrir outras telas

A textualização é o sentido atribuído ao texto por ouvintes ou leitores sob a perspectiva teórica de que o texto pode ser interpretado e/ou textualizado de diferentes maneiras. Portanto, podemos afirmar que a textualidade e a textualização ocorrem da mesma forma no texto impresso e no texto digital, o hipertexto. Todo hipertexto pode se textualizar, mas nem todo texto é um hipertexto, pois o hipertexto on-line se trata de “tecnologia enunciativa que viabiliza o surgimento do modo enunciação digital, uma nova forma de produzir, acessar e interpretar informações” (KOCH apud Xavier, 2007, p. 206). Por último, o hipertexto propõe a mescla de recursos semiológicos e linguísticos sob a tela do computador, que exige de seu usuário outro compor tamento

cognitivo

para

efetuar

a

compreensão, interpretação e interação com o texto. Diante de tantas possibilidades exploratórias e de tanta informação disponíveis nesse novo ambiente de interação e acesso a dados que justamente a tecnologia proporciona uma reformulação para o texto e que verificamos que o blog, a partir da sua reformulação de uso e finalidade comunicativa, migra para a sala de aula, passando de diário intimo da rede para se tornar um suporte utilizado pelos professores na aquisição de E/LE.

que os levarão a aprofundar nos conteúdos ou mudar a perspectiva de sua pesquisa. A transformação de um texto impresso em

III – Blog: descrição de um gênero digital e/ou suporte digital?

hipertexto digital consiste em reconfigurar os velhos formatos e seus processos já pragmat izados,

A facilidade para a edição, atualização e

reformular os velhos gêneros textuais como cartas

manutenção dos textos em rede foi, e são, os

para o e-mail; diários para blogs, livros para e-books,

principais atributos para o sucesso e a difusão do

etc. Da mesma forma, o conceito de textualidade sofre

blog3, chamado de ferramenta de auto-expressão. A

uma modificação na era digital. A textualidade é toda

ferramenta permite, ainda, a convivência de múltiplas

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1140

semioses, textos escritos, imagens (fotos, desenhos,

como outros gêneros digitais como o e-mail, não

animações) e som (músicas). A concepção de

permite a existência da democratização total do

funcionamento do blog era apenas uma alternativa

discurso. Para que haja a verdadeira democratização

popular para a publicação de textos, dispensando um

das idéias, além de estarem depositadas na grande rede,

conhecimento prévio de computação. O entendimento

se faz necessário que circulem e entrem na ordem do

do blog, produzido no meio digital, como pertencente

discurso (TEIXEIRA apud Marcuschi, 2004).

às tipologias dos gêneros discurso, foi objeto de discussão e ponderação por parte de alguns autores. Os blogs têm uma história própria, uma função específica e uma estrutura que os caracteriza como um gênero, embora extremamente variados nas peças textuais que albergam. Hoje são praticados em grande escala e estão fadados a se tornarem cada vez mais populares pelo enorme apelo pessoal. (MARCUSCHI, 2004, p. 61).

Vários blogs são pessoais, exprimem ideias, opiniões, pensamentos ou sentimentos do autor. Outros são resultados da colaboração de um grupo de pessoas que se reúne para atualizar um mesmo blog. Alguns blogs são voltados para a diversão, outros para o trabalho, outros, ainda, para pesquisas e há os que misturam tudo.

Os blogs podem apresentar muitos desenhos, figuras, letras “animadas”, contam com inúmeros tipos de recursos, e estão ao alcance de todos. Os temas encontrados nos blogs são tão diversos quanto o horizonte ideológico de “autores”, tudo depende da faixa etária do blogueiro e da intenção que ele teve ao criar o seu blog. Para alguns é uma forma de divertir-se e comunicar-se, para outros um suporte de trabalho e um espaço a mais para divulgações e discussões. Ressalta-se a semelhança do blog com os antigos diários de papel4, isso porque o blog apresenta como peculiaridade o fato de ser um site de caráter pessoal, no qual o blogueiro, posta diariamente mensagens, informações e textos, normalmente de

Para Marcuschi (2004, p. 15) “fato inconteste

sua autoria. Por outro lado, é comum que o blogueiro

é que a Internet e todos os gêneros a ela ligados são

estabeleça a sua rede de relacionamento, constando

eventos textuais fundamentalmente baseados na

de links remissivos, que direcionam para outros blogs

escrita”. Sendo o blog, um gênero digital ligado à

ou sites, o que o afasta da privacidade do diário

Internet e fundamentalmente baseado na escrita

tradicional.

devemos fazer algumas considerações: o que

compartilhado por ambos, blog e diário, pois o dono

caracteriza um blog, o que caracteriza um texto

do blog é o indivíduo que o cria e mantém e, portanto

postado no blog e quais as habilidades de interação

tem total liberdade de expressão, comprovada pelas

que o autor e o leitor têm que possuir e que estão

postagens diárias. No blog se devem considerar a

envolvidas nesse gênero.

condição da identidade própria e da subjetividade

O

subjetivismo

é

o

aspec to

como aspectos relevantes que levou a chamar a escrita Discursivamente, o blog se classifica como um

no blog de escrita eletrônica.

gênero digital emergente, pois o seu uso como ferramenta eficaz de comunicação é, necessariamente, ligado ao acesso à Internet e se relaciona ao lugar social em que a interação com o texto é produzida, podemos destacar a escola, família, mídia, igreja, interação comercial, interação do cotidiano, etc. (MARCUSCHI, 2004). Observa-se que o blog, assim

Resumidamente, os blogs funcionam como um diário pessoal na ordem cronológica de anotações diárias ou em tempos regulares que permanecem acessíveis a qualquer um da rede. Muitas vezes, são verdadeiros diários sobre a pessoa, sua família ou seus gostos e seus gatos e cães, atividades, sentimentos, crenças e tudo o que for conversável. (MARCUSHI, 2004, p. 61).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1141

Assim, o blog e o diário guardam semelhanças

qual se associa a ideia da mudança na maneira como

entre si. Primeiro, se aproximam pelo caráter da

as pessoas descobrem, leem e compartilham

intimidade e exposição da vida privada; segundo pelas

informações, notícias e conteúdos no ambiente Web.

barreiras que limitam o acesso ao conteúdo, pois ainda que no meio digital, o blogueiro tem total autonomia para dar consentimento ou restringir o acesso aos posts e comentários; e por fim, pela frequência, bastante regular das postagens escritas, realizadas diariamente.

O blog se inscreve no quadro das atividades de uma formação social, no quadro de uma interação comunicativa que implica o mundo social (normas, valores, regras, etc.) e o mundo subjetivo (imagem que o agente dá de si ao agir). Assim, os blogs se produzem em casa, na escola, no cybercafé ou em lanhouses. Podendo ser modificado pelo blogger, que

IV – O blog como instrumento de ensino de língua espanhola no CLIC

no caso do nosso projeto são os monitores de espanhol do CLIC que produzem as atividades para os blogs sob a minha coordenação.

O blog aporta uma serie de mudanças de

Na maioria das vezes, o emissor tem a posição

paradigmas no âmbito da sociedade que impactaram

de amigo, mesmo quando há uma relação professor-

decisivamente a condição dos diários de papel, haja

aluno, pois a linguagem e a informalidade fazem com

vista a influência dos meios de comunicação no que

que isso seja possível. Cabe ressaltar que qualquer

diz respeito à chamada privacidade. O blog transita

pessoa pode interagir num blog, desde que possua as

entre o privado e o público, pois, no meio virtual, o

habilidades e ferramentas necessárias para tal.

enunciador fala para seus enunciatários e pode

Justamente por esta facilidade de manuseio é que se

permitir a entrada de pessoas estranhas. Para

escolheu o blog como suporte a ser criado e utilizado

Schittine, as páginas de um blog possibilitam a

pelos monitores com o objetivo de proporcionar

cumplicidade com pessoas reais, entretanto, o

interação e comunicação em língua espanhola

blogueiro tem a segurança de que não vai conhecê-

durante a semana com os alunos do CLIC.

los em “carne e osso”. O blog é adaptação virtual de um refúgio que o indivíduo já havia criado anteriormente para aumentar o seu espaço privado: o “diário íntimo”. O mais interessante é que, apesar de todos os avanços técnicos, continua sendo um diário baseado na linguagem escrita. Se inclui a imagem, ainda é com uma padronização técnica e uma criatividade inferiores, e muito, à bricolage que caracteriza o diário no papel. Cabe então ao texto, e principalmente a ele, a criação do ambiente e da personalidade virtuais. (SCHITTTINE, 2004, p. 60-61).

Do ponto de vista do enunciador, os monitores, a ativ idade postada no blog pode produzir no leitor, os estudantes de E/LE, vários efeitos de acordo com o assunto em questão. Podemse provocar diversos tipos de reação e estes podem variar de acordo com quem lê, já que o conteúdo é aberto para todos os estudantes das turmas do mesmo nível. Partindo do exposto anteriormente, o projeto tem como finalidade primeira analisar e relatar a

Considera-se o blog uma nova realidade, na

interação e a comunicação entre os monitores e os

qual a tecnologia é fator determinante nas

estudantes a traves do blog quando utilizado como

transformações que ocorrem na sociedade e no

suporte no ensino/aprendizagem de E/LE fora de sala

comportamento dos indivíduos. Não é meramente

de aula. Além disso, pretendemos identificar como

por acaso que, o “blog” é um tipo de “midia social”, a

os monitores utilizam o blog para o desenvolvimento

1142

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

das habilidades linguísticas e verificar se o uso deste

espanhola do CLIC com os estudantes em um espaço

suporte é de valia pedagógica.

virtual fora do ensino presencial, fora da sala de aula,

Para alcançarmos os objetivos expostos nos baseamos em Marcuschi (2004), Koch e Elias (2007), Xavier (2007) e Coscarelli (2002), objetivando a utilização do blog como suporte que auxilie o

onde ambos, monitores e alunos, possam expor ideias, sentimentos e opiniões sobre um determinado assunto proposto em uma atividade para a prática da linguagem cotidiana em LE.

processo de aquisição de E/LE desde o ponto de vista

A idealização do projeto do uso do blog surgiu

didático. Assim, levando em consideração que o Blog

devido a ter se transformado em um recurso de

será usado para o desenvolvimento das habilidades

autoexpressão e uma ferramenta muito popular

linguísticas e da auto-expressão em espanhol, se

utilizado entre jovens na sua prática discursiva em

objetiva que os estudantes possam expor suas ideias,

língua materna. Assim sendo, a partir deste sucesso,

sentimentos e opiniões e aprendam praticando

queremos verificar si o blog sai da internet da função

através das atividades oferecidas ao longo da semana.

de “diário virtual” e migra para a sala de aula se convertendo em um suporte para o professor de ELE

Por fim, se analisa, a traves de questionários respondidos pelos monitores do CLIC, desde a sua

no tocante ao desenvolvimento das habilidades linguísticas.

prática docente como acorre à utilização do blog por eles quando passa a ser tratado como suporte na

Espera-se que a utilização do blog na aquisição

aquisição de E/LE e proporcionando a continuidade

de ELE fora de sala de aula, o transforme, cada vez

ao processo de aquisição de LE fora de sala de aula.

mais, em um suporte de interação e comunicação

Neste ponto, se acredita que o uso do blog auxilie no

como os estudantes oferecendo continuidade ao

processo de ensino/aprendizagem tanto em sala de

processo de aquisição de espanhol fora de sala de aula.

aula quanto fora, se tornando uma extensão da aula.

No projeto o blog é tratado como um suporte de monitoramento da aprendizagem dos estudantes durante a semana na modalidade a distancia. O que

V – Considerações finais

se propõe são a integração e incorporação de um ambiente virtual no processo de aquisição de língua

O projeto apresentado é incipiente que se colocará em prática no segundo semestre de 2012,

presencial como um elemento a mais a ser utilizado na prática pedagógica.

uma vez que no primeiro semestre de 2012 os monitores de espanhol passam por uma serie de oficinas de formação inicial em elaboração e avaliação

Referencias bibliográficas

de materiais didáticos. Além disso, muitos dos monitores, total de 15, estão conhecendo o blog como um suporte didático para ensinar e aprender língua estrangeira pela primeira vez, além de estudando e

BAZERMAN, Charles. Judith Chamblis Hoffnagel, Angela Paiva Dionísio (organizadoras), Judith Chamblis Hoffnagel (tradução) (2006): Gênero, agência e escrita. São Paulo: Cortez.

analisando a sua potencialidade no nível pedagógico. COSCARELLI, C. V. (Org.) (2006): Os dons do hipertexto.

A criação e a utilização do blog pelos

Em: Littera: Linguística e literatura. Pedro Leopoldo:

monitores se tratam de como pode acontecer à

Faculdade de Ciências Humanas de Pedro Leopoldo. (no

interação e a comunicação desses monitores de língua

prelo).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1143

COSCARELLI, C. V. (2002): Entre textos e hipertextos. Em:

MARCUSCHI, L. A. (1999): Linearização, cognição e

COSCARELLI C.V. (Org.). Novas tecnologias, novos textos,

referência: o desafio do hiper texto. In: Línguas,

novas formas de pensar. Belo Horizonte: Autêntica.

instrumentos linguísticos, 3. Campinas: Pontes, p. 21 46.

COSTA VAL, Maria da Graça (1999): Redação e

MARCUSCHI, L. A.; XAVIER, A. C. (2004): Hipertexto e

Textualidade. São Paulo: Martins Fontes.

gêneros digitais. Rio de Janeiro: Lucerna.

KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria (2007): Ler

RIBEIRO, Ana Elisa (Org). (2005): Os hipertextos que

e compreender: os sentidos do texto. São Paulo: Contexto.

Cristo leu. Em: Letramento Digital: aspectos sociais e

MACHADO, Arlindo (1993): Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: EDUSP.

possibilidades pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica. SCHITTINE, Denise (2004): Blog: comunicação e escrita íntima na Internet. São Paulo, Civilização Brasileira.

Notas 1

O CLIC se trata de um projeto de extensão acadêmica que tem por finalidade oferecer cursos de idiomas (espanhol, francês, inglês e italiano) para a comunidade interna e externa da Universidade Federal de Sergipe. É supervisionado e coordenado pelos docentes de língua inglesa, francesa e espanhola do Departamento de Letras Estrangeiras. Coordeno os monitores de língua espanhola do nível básico. Até o primeiro semestre de 2012 o projeto do CLIC conta com cerca de 1800 alunos e um total de 55 monitores sendo 15 de espanhol.

2

Neste projeto, além de oferta de curso de idiomas, se objetiva a formação inicial e o aperfeiçoamento da formação acadêmica no que se refere à prática docente dos estudantes do curso de graduação de Licenciatura em Letras (inglês e Português-inglês, Espanhol e Português-Espanhol e Português-francês). Assim, os monitores são estudantes selecionados a partir do 5º período para ministrarem as aulas do CLIC.

3

Blog vem da abreviação de weblog: web (tecido, teia, também usado para designar o ambiente de Internet) e log (diário de bordo). Surgiram em agosto de 1999 com a utilização do software Blogger, da empresa do norte-americano Evan Williams. Concebeu-se o software como uma alternativa popular para a publicação de textos on line, uma vez que a ferramenta dispensava o conhecimento especializado em computação.

4

Os diários de papel eram repositórios de informações acerca da vida de um determinado sujeito, mantido em lugar secreto.

1144

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

OS TRABALHADORES E O IMPASSE DO MERCOSUL SOCIAL

Valter de Almeida Freitas UNISC

O MERCOSUL social encontra-se num

MERCOSUL. A Declaração Presidencial Sociolaboral

impasse pós-aprovação da Declaração Sociolaboral

contém 24 artigos, dos quais 19 orientam os países

de 1998. A origem deste impasse remonta à

membros do MERCOSUL na aplicação dos direitos

proposição de uma Carta Social apresentada, em

sociais. Em dezembro 1998, o Conselho do Mercado

1997, pelo Ministério do Trabalho da Argentina à

Comum aprovou o documento, que não aponta na

Comissão ad hoc sobre a Dimensão Social. A iniciativa

direção de uma futura Carta Social. (FREITAS, 2009)

do governo Argentina restringia-se a defender a incorporação, na Carta Social do MERCOSUL, de alguns direitos fundamentais já existentes nas legislações sociais dos quatros países. Diante das dificuldades em fazer avançar a discussão tripartite na referida Comissão, os representantes das centrais sindicais, através da Coordenação das Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS) apresentaram uma proposta de Carta Social que preservasse e ampliasse

O objetivo principal deste trabalho é realizar uma análise sobre as razões elencadas pelos representantes das organizações dos trabalhadores do MERCOSUL para explicar as dificuldades em alterar a natureza jurídica da Declaração Presidencial Sociolaboral

e

promover

a

ampliação

e

aperfeiçoamento de suas cláusulas sociais, após 13 anos de sua aprovação.

as conquistas sociais nacionais e que fossem

A Declaração define, no seu Artigo 20, que

autoaplicáveis. Após um demorado processo de

compete à Comissão Sociolaboral, com caráter

discussão das cláusulas sociais, a Comissão ad hoc

promocional, não sancionador, “o objetivo de

sobre a Dimensão Social do MERCOSUL optou pela

fomentar e acompanhar a aplicação do instrumento.

elaboração de um documento apresentado sob a

A Comissão Sociolaboral Regional manifestar-se-á

forma jurídica de uma Declaração Presidencial

por consenso dos três setores” (Conselho do Mercado

Sociolaboral, pois ela não provocaria modificações

Comum, 1998, p. 7-8). A Declaração prevê, também,

nas legislações nacionais e não alteraria as relações

que cabe a esta Comissão a iniciativa de zelar pelo

de trabalho entre os países que compõem o

seu aperfeiçoamento através da revisão do seu texto.1

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1145

Na 13ª reunião da Comissão Sociolaboral, realizada

desregulamentação crescente da legislação social de

de 19 a 21 de maio de 2003, a delegação da Argentina

proteção ao trabalho.

alertou sobre a necessidade de realizar a revisão prevista no artigo 24 da Declaração (CRIVELLI, Ata 01/2003). Na 20ª reunião da Comissão Sociolaboral do MERCOSUL, ocorrida em 26 de novembro de 2006, a delegação sindical da Argentina manifestou a necessidade de se elaborar, em conformidade com o atual estágio de integração do bloco, uma verdadeira Carta Social do MERCOSUL (CRIVELLI, Ata 02/06)2. Finalmente, em 23 de maio de 2007, a 21ª

François Chesnais transcreveu uma entrevista concedida pelo patrão de um importante grupo europeu acerca do significado da mundialização do capital. Para este, ela é, “para seu grupo, a liberdade de implantar-se onde quiser, quando quiser, para produzir o que quiser, abastecendo-se e vendendo onde quiser, e submetendo-se o mínimo possível a restrições em matéria de direito do trabalho e de convenções sociais” (CHESNAIS, 1997, p. 22).

reunião da Comissão Regional Sociolaboral aprovou, por consenso, a necessidade de revisar a Declaração em consonância com o que estabelece o seu artigo 24 (CRIVELLI, Ata 01/07). A Seção Nacional do Uruguai apresentou na 22ª reunião da Comissão Regional Sociolaboral do MERCOSUL, ocorrida no dia 29 de novembro de 2007, uma proposta de metodologia para realizar a revisão da Declaração. Na 23ª reunião da Comissão Regional Sociolaboral realizada em 16 de maio de 2008, a Seção Nacional Brasileira apresentou uma proposta metodológica das negociações para a revisão da Declaração. Esta estabelecia que a primeira fase do processo revisional analisasse o conteúdo da Carta, que sua segunda fase se debruçasse sobre os mecanismos de seguimento e que, por último, fosse examinado o tema que provoca o dissenso na Comissão Sociolaboral tripartite: a

Este movimento de expansão seletiva do capital foi orientado para os países onde inexiste legislação social ou onde ela não é aplicada pelo governo. As realidades dos países asiáticos enquadram-se nas novas exigências do capital, pois apresentam um mercado potencial de consumo, com uma força de trabalho abundante e um salário que remunera as trabalhadoras e os trabalhadores no limite de sua sobre vivência. Nesse cenário, a mundialização encontra um terreno fértil para a produção e reprodução do capital, impondo a flexibilização e a precar ização das relações de trabalho, inclusive, nos países desenvolvidos onde os Estados ainda exercem um papel importante na promoção de políticas compensatórias que atenuam os efeitos da exploração do trabalho.

natureza jurídica do Instrumento Jurídico (CRIVELLI, Ata 01/08). A partir de 2008, as reuniões

A posição defendida por Chesnais revela ainda que

da Comissão Sociolaboral, dos Estados partes e Regional, dedicam-se à discussão sobre as alterações da Declaração. O contexto político, econômico e social de revisão da Declaração ocorre numa conjuntura mundial desfavorável aos trabalhadores, marcada

Não é a “revolução tecnológica” que está em questão, mas os motores da acumulação. Nesse caso, a questão não é a do “fim do trabalho”, mas a dos fundamentos sociais e políticos de um sistema que não cria e não distribui mais riqueza de um modo que permita o atendimento das necessidades elementares de milhões de pessoas, até mesmo de dezenas de milhões. (CHESNAIS, 1997, p. 19)

pelo aprofundamento da proposta neoliberal, pelo enfraquecimento do poder regulador dos Estados

O mesmo autor afirma que a mundialização

nacionais. Nos países do MERCOSUL, os governos

do capital produz efeitos extremamente perversos

adotam esta política liberal, que se traduz por uma

para o mundo do trabalho.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1146

Por otro lado, la muy difícil situación de los trabajadores em cualquier parte del mundo –por diferenciada que sea la misma de continente a continente e, incluso, de país a país, debido a sus anteriores trayectorias históricas– resulta de La posición de fuerza ganada por el capital, gracias a la mundialización del ejército industrial de reserva con la extensión de la liberación de los intercambios y de la inversión directa en China. (CHESNAIS, 2012, p. 3)

– Uma Carta Social deve ser integrada ao Tratado, ou

Os efeitos do processo de “mundialização do

deve, também, conter princípios norteadores dessas

exército industrial de reserva” produz uma conjuntura

favorável

ao

processo

de

desregulamentação das legislações sociais. A luta pela alteração da natureza jurídica do instrumento de regulação do livre trânsito da força de trabalho no MERCOSUL depara-se com a investida das empresas transnacionais em definir as condições de compra e venda da força de trabalho no mundo. Susan Strange aponta a dispersão do poder, característica da atual fase de internacionalização da economia, como geradora da partilha de poder entre

ser anexada a ele como Protocolo. – Ela torna-se instrumento eficaz na regulamentação das relações de trabalho quando ela incorpora, no seu texto, normas jurídicas autoaplicáveis (completas), com poder impositivo (avec le pouvoir contraignant) em nível interno e internacional, mas normas. – Uma carta social pressupõe, também, a existência de um Tribunal Supranacional para julgar as controvérsias e estabelecer jurisprudência (BARBAGELATA, p. 71-81). Após um longo período de postergação da revisão da Declaração, a Comissão Sociolaboral deu início às discussões, propondo-se a produzir alterações consensuadas no texto do instrumento jurídico de regulação do livre trânsito do trabalho.

os Estado nacionais, as empresas multinacionais e o

Cabe enfatizar que quem decide sobre as

mercado. Ela define a economia atual como uma

mudanças propostas é o Conselho Mercado Comum.

“Nova Idade Média”, que tem como característica o

A função da maioria da Comissão Sociolaboral é de

poder de gerir a coisa pública pelas “forças impessoais

tensionar ao máximo o processo de alinhamento dos

dos mercados mundiais” (STORY, 2001, p. 19).

representantes dos empresários, governos e sindicatos

No decorrer da elaboração da legislação social do MERCOSUL, os empresários e governos

para que formulem uma proposta que convirja para o consenso.

defendiam que as regras da concorrência

A metodologia de discussão apresentada pela

internacional, impostas pela mundialização da

Seção brasileira da Comissão Sociolaboral propunha

economia, condenariam as economias dos países ou

que, na primeira fase do processo revisional, fosse

dos blocos econômicos que concedessem novos

realizada “a análise das normas dispostas na DSL

direitos sociais aos trabalhadores.

considerando a possibilidade de alterações, exclusões

Antes de recuperar as questões que estão sendo analisadas pela Comissão Sociolaboral Regional para modificar o instrumento de regulação da circulação de trabalho no MERCOSUL, convém definir as premissas que balizam uma verdadeira Carta Social. Segundo Barbagelata, ela deve apresentar determinadas características:

ou ampliações dos direitos nelas contidas.” A segunda fase discutiria os mecanismos de seguimento do instrumento “considerando as possibilidades de mantê-los ou altera-los”. E por fim, a natureza jurídica do instrumento. “Serão considerados, no processo de revisão da DSL, a sua atual natureza jurídica, seu status na institucionalidade MERCOSUL e a sua denominação, podendo estes ser mantidos ou

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1147

alterados segundo determinar o consenso a ser

ata. A dinâmica da reunião não foi alterada. Foi

alcançado no processo de negociação” (CRIVELLI,

aprovada a nova redação dos artigos 23, 24 e 27; os

Acta 01/08).

artigos 22, 25 e 27 ficaram de ser rediscutidos

Na 24ª reunião da Comissão, após a definição do método de análise da revisão, os representantes do governo argentino apresentam uma proposta de alteração do sistema de seguimento (Art. 20) da Declaração. Criticam a falta de institucionalidade da Comissão de seguimento da Declaração. Na mesma reunião, os representantes do setor governamental brasileiro apresentaram uma proposta “preliminar de revisão de conteúdo normativo da Declaração Sociolaboral do MERCOSUL”. A proposta apresenta pequenas modificações de forma e conteúdo dos artigos 1 até 11 e formula, igualmente, alterações nos artigos 18, 19 e 20. Os artigos que não foram comtemplados pela proposta, exceto o artigo 15, que legisla sobre a proteção dos desempregados, representam mais uma declaração de intenções do que a possibilidade efetiva de instrumentalização dos Estados do bloco para regular o livre transito da força

posteriormente. O desfecho das discussões já está começando a ser pautado. Na nova redação, aprovada, do artigo 23 consta, no item “a”, a possibilidade de manutenção da forma jurídica de Declaração ou a sua modificação para Protocolo (CRIVELLI, Acta 01/ 12). Numa primeira apreciação sobre o processo ora em curso de revisão da Declaração, podemos recuperar a afirmação que fizemos quando da elaboração e aprovação da Declaração: O conteúdo da Carta se limita à incorporação parcial de direitos já consagrados nas legislações nacionais, porém sem harmonizá-los. As conclusões das negociações revelaram as resistências dos representantes dos governos em integrar os trabalhadores como atores co-responsáveis pelo processo de construção do MERCOSUL. A Declaração, sem o poder auto-aplicável, não reforçou a defesa dos interesses dos trabalhadores do MERCOSUL. (Freitas, 2009, p. 287)

de trabalho no MERCOSUL (CRIVELLI, Ata 02/08). A partir da explicitação do alcance das proposições dos representantes dos governos, empresários e trabalhadores em relação às alterações propostas na Declaração, as reuniões da Comissão passaram a ganhar outra dinâmica. Na 27ª reunião

O MERCOSUL é um Mercado Comum inconcluso. As listas de exceção balizam o seu comércio e os trabalhadores dos países membros têm que sujeitarem-se às imposições dos governos para exercer, legalmente, o seu direito ao trabalho fora dos seus países de nascimento.

da Comissão, ocorrida em 4 de novembro de 2009, não houve avanço nas formulações propostas pelas delegações dos governos argentino e brasileiro. Na

Referências bibliográficas

29ª reunião, realizada em 21 de outubro de 2010, não houve quórum para deliberação.

BARBAGELATA, Héctor-Hugo (1994): Características, contenido y eficacia de una eventual carta social del

Na 31ª reunião, houve quórum e foram acordadas as redações para os artigos 13, 17, 20 e 21 da Declaração. Os artigos 14, 15,16 e 19 ficaram de ser tratados em outra reunião (CRIVELLI, Ata 02/11). A 32ª reunião da Comissão ocorreu em 23 de maio de 2012, a última reunião da qual dispomos da

MERCOSUR. Una Carta Social del Mercosur? Montevideo: Relasur. CHESNAIS, François (1997): La mondialisation du capital. Paris: Syros. (Alternatives économiques). CHESNAIS, François (2012). La lucha de clases en Europa y las raíces de la crisis económica mundial. Em: Revista

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1148 Herr amienta,



49.

Disponível

em

http://

www.herramienta.com.ar/revista-herramienta-n-49/lalucha-de-clases-en-europa-y-las-raices-de-la-crisiseconomica-mundial. Acessado em 17/06/2012.

STORY, Jonathan (2001): Le système mondial de Susan onomiques, nº 2.724, p. 19-24. Strange. In: P r o b lèmes Éc Économiques, A declaração Sociolaboral do MERCOSUL. Disponível em h t t p : / / w w w. c n i . o r g . b r / p or t a l / d a t a / f i l e s / 0 0 /

FREITAS, Valter de Almeida (2009). A Circulação do

8A81818B1A49F57B011A4AB9967B60C4/

Trabalho no MERCOSUL e na União Europeia. Santa Cruz

Declara%C3%A7%C3%A3o%20S%C3%B3cio%20Laboral.pdf.

do Sul: Edunisc.

Acessado em 17/06/2012. Atas das reuniões da Comissão Sociolaboral. Doutor Erison Crivelli, representante da CUT na Comissão.

Notas 1

O artigo 24º da Declaração estabelece: “Os Estados Partes concordam que esta Declaração, tendo em vista seucaráter dinâmico e o avanço do processo de integração subregional, será objeto de revisão, decorridos dois anos de sua adoção, com base na experiência acumuladano curso de sua aplicação ou nas propostas e subsídios formulados pela ComissãoSociolaboral ou por outros agentes.

2

As cópias das Atas do processo revisional da Declaração Sociolaboral, documentos inéditos, realizado pela Comissão Sociolaboral desde 2008 foi-me gentilmente cedido pelo doutor EricsonCrivelli um dos representantes da CUT na mesma.O processo revisional não foi concluído.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1149

LA DIFICULTAD DEL USO DE LA PREPOSICIÓN EN LAS ORACIONES RELATIVAS DE E/LE

Vanessa Nogueira PG-USP

Introducción

A) Las variantes con lagunas - cuando hay una laguna en la posición original de SN-qu:

En una de nuestras clases para adultos en empresas sobre las oraciones relativas, un alumno con aproximadamente 270 horas de clase, quiso saber por

Tem as (laguna) que não estão nem aí, não é? (TARALLO, op. cit.)

qué se usaban el artículo y la preposición en las

B) Las cortadoras - cuando el SN relativizado es

oraciones relativas si solamente el relativo

objeto de una preposición - en este caso esse fulano

daría el mismo sentido a la oración.

aí - , pero están ausentes la preposición - com - y el

A partir de ese momento, comenzamos a investigar tales oraciones en las producciones - orales y escritas- de estudiantes adultos de Español como

SN, habiendo también una laguna: E um deles foi esse fulano aí, que eu nunca tive aula. (TARALLO, op. cit., p. 42)

Lengua Extranjera (ELE) como tema de nuestra maestría. En nuestra investigación nos dimos cuenta

C) Las de resumptivo - cuando no hay laguna y en su

de que usaban el ar tículo y la preposición en

lugar hay un pronombre correferente - en este caso

actividades que pedían explícitamente estas

ele - con el SN núcleo de la relativa - esse fulano aí:

construcciones, pero en un ejercicio libre de escrita, muchas veces suprimían la preposición y el artículo y en el habla, raramente las usaban. Según TARALO (1993, p. 41), se puede encontrar tres tipos de oraciones relativas en las producciones de brasileños en São Paulo:

E um deles foi esse fulano aí, que eu nunca tive aula com ele. (TARALLO, op. cit., p. 41)

En las producciones de nuestros alumnos, de estos tres tipos de relativas, algunas veces encontramos relativas cortadoras como:

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1150

1. La chica que yo hablé.

Otras veces, lo que el mismo autor l lama de resumptivo:

producciones escritas recogidas a partir de un test de oraciones de reformulación – donde los informantes tenían que usar un relativo y a veces una preposición para reformular dos oraciones y mantener su sentido

2. Mi abuela, que yo fui con ella.

– y traducciones de oraciones de relativo con preposición y artículo del E para el PB.

Ya las relativas piedpiped no habían sido encontradas en producciones libres, ya sean orales, ya sean escritas.

Las traducciones servirán para mostrarnos como el alumno ve la misma oración en su lengua

De acuerdo con LICERAS (1986, p.7), otra

materna y las reformulaciones servirán para darnos

opción para cuando los estudiantes de una segunda

un panorama sobre qué tipo de producciones realizan

lengua (L2) no dominan un tema referente a esa L2

los brasileños estudiantes de ELE en un contexto un

es la

evitación 1,

también encontrada en algunas

producciones de nuestros alumnos: 3. Hay un amigo mío que…Voy a salir con un amigo mío…

La estructura piedpiped para esta relativa sería 3a. Hay un amigo mío con quien voy a salir…

pero como le resultaría difícil al alumno realizarla, naturalmente comenzó la oración con lo que podemos pensar que sería una oración de resumptivo y la pausa nos muestra la duda del alumno con la

poco más libre. El corpus oral fue recogido a partir de prueba oral del mismo grupo con tema libre. Estas muestras servirán para comparar la realización de las relativas en actividades escritas controladas y actividades orales libres. Además del test y de las pruebas orales, los informantes respondieron también a un cuestionario sobre sus conocimientos e interacciones con la lengua española que nos servirán para formar un contexto mayor sobre su inserción en la lengua española.

estructura que iba a realizar, lo que le hizo volver hacia

Analizaremos los datos recogidos de las

atrás y reformularla, evitando la estructura de

producciones escrita y oral de esos informantes y a

relativo. Lo que ya estaba previsto por LICERAS

partir de este análisis, podremos verificar si tales

(op.cit.) cuando dijo que la evitación se manifiesta

dificultades con la preposición y el artículo están

en las estructuras con las cuales el hablante de L2 no

relacionadas con la adquisición de la lengua materna.

se siente confortable y que estas serían las menos usadas en las composiciones de los estudiantes.

Objetivo Metodología

Nuestro objetivo en este trabajo es verificar el uso de las oraciones relativas con preposición y

La investigación se hizo a partir de dos corpora: uno escrito y otro oral. El corpus escrito fue recogido de un grupo de nueve estudiantes brasileños de ELE del quinto semestre (225 horas de clase) que consta de

artículo por los estudiantes brasileños de ELE e investigar si los problemas que tienen están relacionados con sus dificultades en el uso de las oraciones relativas con preposición y artículo en PB.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

La parte escrita

1151

Los alumnos usaron la preposición , pero la mayoría no usó el artículo referente a ,

Las traducciones

aunque estaba en la oración que deberían traducir. La traducción que más nos llama la atención

Las oraciones para traducción fueron elegidas a partir de las preposiciones que deberían utilizar los

es la de un alumno con edad entre 25 y 30 años, publicista, con nivel de maestría:

informantes. Son oraciones con cuatro preposiciones distintas: , , , . El objetivo es saber si el tipo de preposición dificulta la producción.

4f. Visitou a sua avó com uma roupa azul.

El alumno parece no sentirse seguro para

En la primera oración que deberían traducir

traducir al portugués una oración relativa con

al portugués aparecía la preposición y

preposición y artículo, de esta manera, usa la

solamente tres alumnos produjeron traducciones con

evitación, o sea, evita el tema con el que tiene

la preposición y el artículo:

dificultades - relativo más pronombre y artículo.

4. El traje con el que visitó su abuela era azul. a. O terno com o qual visitou sua avó era azul. b. A roupa com a qual visitou sua avó era azul. c. O traje com o qual visitei minha avó era azul.

En la segunda oración, en la que aparecía la preposición , demostraron una menor dificultad con el artículo y la preposición. De los nueve alumnos, 5 produjeron oraciones sin artículo y 4 - una más

De estos tres alumnos, dos tenían más de 50 años, uno era profesor universitario - nivel de

que la oración anterior - produjeron oraciones con preposición y artículo:

doctorado, uno arquitecto - nivel graduación y el tercero, traductor de inglés para PB - nivel maestría. Así, podemos pensar que personas con más edad, que tuvieron una educación formal más rígida, manejan mejor estas estructuras. Lo que también nos llama la

5. La casa en la que viví hasta los 12 años era muy grande. a. A casa em que vivi até os 12 anos era muito grande. (4 muestras)

atención es que dos estaban directamente relacionados con estructuras formales: el traductor y el profesor universitario. Cinco de los alumnos restantes produjeron oraciones cortadoras en sus traducciones:

b. A casa que morei até os meus 12 anos era muito grande. c. A casa na qual vivi até os 12 anos era muito grande. (4 muestras)

Este resultado parece estar relacionado no

4d. O traje com que visitou sua avó era azul. e. A roupa com que ele visitou sua avó era azul. (4 muestras)

solamente con el tipo de preposición y el grado de

La oración 4d fue producida por un alumno

tipo de construcción de preposición y artículo, ya que

con edad entre 20 y 30 años con nivel de

en el portugués hay la contracción (em + a)

especialización y la oración 1e fue producida por

que puede haber facilitado la producción de la

alumnos con edades abajo de 50 años, niveles de

relativa.

graduación y especialización, solamente uno con maestría.

instrucción o edad de los participantes, sino con el

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1152

En la tercera oración aparecía la preposición y, en general, los alumnos no tuvieron grandes

preposiciones para verificar si las dificultades están relacionadas con cada preposición.

problemas para traducirla: 6. La mujer de la que hablábamos no era Juana. a. A mulher da qual falávamos não era Joana. (5 muestras) b. A mulher de quem falávamos não era Joana. (2 muestras) c. A mulher de que falávamos não era Joana. d. A mulher sobre que conversamos não era Joana.

La primera oración que deberían reformular era: 8. Vivo en un edificio muy antiguo. El edificio tiene un ascensor que nunca funciona.

La reformulación más común sería la que apareció en la producción de cuatro informantes:

Nuevamente los informantes directamente relacionados a la estructura formal (profesor universitario, traductor y actuario) realizaron la

8a. Vivo en un edificio que tiene un ascensor que nunca funciona.

forma piedpiped 2 de las oraciones relativas con

pero aparecieron también otras cuatro oraciones

preposición y artículo y nuevamente nos parece que

distintas:

la existencia de la contracción en portugués = de + a facilitó la realización de las traducciones de 3a. En la cuarta oración que deberían traducir aparecía la preposición y los resultados fueron bastante distintos: 7. Esta es la niña a la que le di el helado. a. Esta é a menina à qual dei o sorvete. (3 muestras) b. Esta é a menina a quem dei o sorvete. (2 muestras) c. Esta é a menina para quem dei o sorvete. (2 muestras) d. Esta é a garota que dei o sorvete.

La preposición es poco usada en PB. En la oralidad se usa la preposición y en pocos casos, en la escritura, se usa la . Debido a esto, dos informantes cambiaron la preposición para y un informante realizó una oración cortadora en 7d.

b. Vivo en un edificio muy antiguo cuyo ascensor nunca funciona. (2 muestras) c. Vivo en un edificio muy antiguo donde tiene un ascensor que nunca funciona. d. Vivo en un edificio muy antiguo en el que tiene un ascensor que nunca funciona. e. Vivo en un edificio muy antiguo el cual tiene un ascensor que nunca funciona.

Según BRUCART (1999, p.491), si el artículo aparece en la relativa, la única secuencia correcta es la que tiene preposición. A partir de esta afirmación, podemos notar que la oración 8e es agramatical, pues aparece el artículo y el relativo sin la preposición - que es reclamada por el verbo . Ya en las oraciones de 8b a 8d los informantes, por influencia del PB, se equivocaron con los verbos y , las oraciones quedaron agramaticales, pues la preposición sería, como ya fue dicho, reclamada por el verbo , no por el , que aparece en la oración.

Las reformulaciones

En la segunda oración para reformulación los informantes deberían usar una preposición requerida

En las reformulaciones los informantes

por el verbo - trabajar algún lugar.

deberían reformular dos oraciones formando una

Como las reformulaciones son actividades menos

sola y manteniendo su sentido. Las oraciones fueron

controladas que las traducciones, menos informantes

escogidas también a partir del uso de las

usaron la preposición - ya que, también se puede

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1153

pensar, no hay la contracción en español para esta

en portugués. La oración 10e quedó agramatical, aún

preposición y el artículo, como hay en PB:

en portugués. Podemos pensar que esto pasó debido al hecho de que el informante intentó construir una

9. Esta es la empresa. En esta empresa trabajo hace 10 años. a. Esta es la empresa en la que trabajo hace 10 años. (3 muestras) b. Esta es la empresa en la cual trabajo hace 10 años. c. Esta es la empresa en que trabajo hace 10 años. (3 muestras) d. Esta es la empresa a cual trabajo hace 10 años. (2 muestras)

oración más formal y por esto usó el relativo .

La parte oral Fueron

grabados

46

minutos

y

aproximadamente 30 segundos de prueba oral de los alumnos, donde deberían hablar libremente sobre una

La oración 9b, con el relativo , poco usado en portugués, fue producida por el informante traductor, que tiene una relación mayor con la lengua formal y además más edad que los otros informantes.

viñeta que les había sido presentada y solamente aparecieron diez oraciones con relativo. Resaltamos que ni todos los alumnos usaron alguna oración relativa en sus construcciones.

Ya la oración 9d nos pareció bastante interesante, ya que tanto en español como en portugués es una

La única oración relativa con artículo y

oración agramatical. Esto puede haber pasado a causa

preposición fue la realizada por el profesor

de que los testes eran escritos y por esto, pueden haber

universitario, con nivel de doctorado, o sea, con

pasado una impresión más formal a los informantes,

bastante contacto con el lenguaje formal:

que intentaron usar el relativo formal que tampoco dominan en su lengua materna - el PB. En la tercera oración que deberían reformular, podrían usar la preposición + artículo + relativo o la preposición + relativo sin el artículo, lo que pasó en más de 66% de los casos:

11. Tengo que saber cuál es la compañía de las personas con las cuales quiero hablar.

El relativo es poco usado en el portugués, ya que hay la hipercorrección de lo que son estructuras cansadamente usadas en situaciones donde el individuo quiere parecer instruido.

10. Esta es la mujer. Estoy casado con ella hace 20 años. a. Esta es la mujer con quien estoy casado hace 20 años. (3 muestras) b. Esta es la mujer con la que estoy casado hace 20 años. (3 muestras) c. Esta es la mujer con la cual estoy casado hace 20 años. d. Esta es la mujer que estoy casado hace 20 años. e. Esta es la mujer a cual estoy casado hace 20 años.

En la oración 10c, el informante - nuevamente el traductor – usó una estructura más formal para reformular las oraciones. Ya el informante publicista,

Las oraciones a seguir ya no demuestran tanta seguridad del informante en producir las oraciones relativas con preposición y artículo. 12. Unos de esos móviles que...donde puedes utilizar twitter, facebook y todo más.

El informante llegó a un momento que lo llevaría a producir una oración relativa piedpiped 12a. Unos de esos móviles en el que puedes utilizar twitter, facebook y todo más.

en 10d, nuevamente construyó una oración más informal, más relacionada con la oralidad, o sea, la

pero, después del relativo, tuvo un momento de duda

oración cortadora muy semejante a la que se usaría

– demostrado por la pausa – y la salida que encontró

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1154

para reorganizar la oración fue la evitación de la

Pudimos ver también que las oraciones

estructura con preposición y artículo, usando

piedpiped son producidas con más frecuencia y

solamente .

facilidad por informantes con un alto grado de

Los informantes produjeron también algunas oraciones sin preposición, sin ninguna dificultad, como las oraciones de 13 a 20 y oraciones: 13. Un montón de funciones que nadie utiliza 14. Pagas por un servicio que no utilizas 15. Tengo un celular muy simple que uso más. 16. El otro celular es del tipo que hace de todo. 17. Son estos que me gustan. 18. Pregunta lo que…que…que yo pienso sobre esto. 19. La ironía de la viñeta es exactamente lo que pienso también. 20. La función del celular es lo que menos interesa. Según KATO (2002), la inserción de la

educación formal o que tengan contacto con la lengua formal. Pensamos que la baja frecuencia de las relativas piedpiped en nuestras muestras está relacionada con las dificultades que tienen los brasileños con dichas oraciones en PB. Sin embargo, no es posible afirmar con seguridad que estas oraciones están influenciadas sólo por el PB o que no sean oraciones también producidas por nativos. En nuestra investigación acerca de estas estructuras, seguiremos investigando las relativas con preposición y artículo en las producciones de brasileños estudiantes de ELE y también de los nativos de E, lo que nos podrá ayudar en nuestra conclusión sobre el uso de tales estructuras.

preposición en las producciones de brasileños - en su lengua materna – está relacionada con un aprendizaje de estrategia como un todo, lo que exige del hablante un nivel más alto de conciencia lingüística adquirido a través del contacto con la escritura, o sea, en la escuela. Pero la autora también encontró un alto grado de resistencia a la preposición

Referencias bibliograficas BRUCART, José María. (1999): La estructura del sintagma Nominal: Las oraciones de relativo. Em: BOSQUE, Ignacio. & DEMONTE, Violeta. (org.): Gramática descriptiva de la lengua española, vol. I, p. 395-522. Madrid: Espasa.

en oración relativa en el lenguaje oral. KATO, Mary Aizawa, et alii (2002): As construções-Q no português brasileiro falado: perguntas, clivadas e relativas.

A modo de cierre

Em: KOCH, Ingedore Villaça (org). Gramática do Português Falado. Volume VI: Desenvolv imentos, p. 303-368.

A partir del análisis de los datos escritos y

Unicamp: Editora da Unicamp.

orales de nuestras muestras, pudimos observar que

LICERAS, Juana (1996): La adquisición de las lenguas

las oraciones con preposición y artículo ocurren con

segundas y la gramática universal. Madrid: Síntesis.

más frecuencia en las producciones escritas controladas – como las traducciones –, con menos frecuencia en las oraciones menos controladas – como

______. (1986): Linguistic Theory and Second Language acquisition – The spanish nonnative gramar of english speakers, p. 1-12. Tübingen: Gunter Narr Verlag Tübingen.

las formulaciones – y casi no ocurren en el lenguaje oral libre – como las pruebas orales.

TARALLO, Fernando (1993): Sobre a alegada origem crioula do português brasileiro: mudanças sintáticas

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

aleatórias. Em: ROBERTS, Ian & KATO, Mary (Orgs.). Português brasileiro; uma viagem diacrônica, p. 35-68. Campinas: Editora da UNICAMP.

Notas 1

SCHACHTER (1974) afirma que el individuo es consciente de sus dificultades y evita las construcciones que les parezcan difíciles.

2

Segundo Tarallo (1993), relativas piedpiped são relativas padrão.

1155

1156

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

“DAS UNHEIMLICHE”, DE FREUD, E ASÍ QUE PASEN CINCO AÑOS, LEYENDA DEL TIEMPO EN TRES ACTOS Y CINCO CUADROS, DE LORCA

Virginia de Sousa Bonfim PG-USP

O objetivo deste estudo é observar a questão

de se estudá-las para que se pudesse chegar a

do unheimlich1 na peça “Así que pasen cinco años,

vocábulos que melhor retratassem o sentido buscado

2

Leyenda del tiempo en tres actos y cinco cuadros” ,

neste artigo.

de Federico García Lorca. A justificativa é a de que, à medida que se faz a leitura da peça lorquiana, cria-se uma atmosfera de inquietude no leitor, pois ele entende a realidade da obra como lúgubre e sinistra, sensações estas que nos acompanham por toda a história. Tais sentimentos podem também ser percebidos nos símbolos, nas personagens e em seus diálogos, etc., e que conjuntamente serão tratados neste estudo. As acepções que o unheimlich admite serão consideradas quanto a sua possibilidade de uso na descrição deste ‘ambiente’. Neste artigo, foram usadas as traduções em português de “Das Unheimliche”3, cujos títulos são “O Estranho” 4 (1976) e “O Inquietante” 5 (2010).

Para que seja possível relacionar a questão do unheimlich com a peça de García Lorca, é necessário, primeiramente, que se tenha conhecimento acerca das traduções para o português deste termo. Para tanto, antes que se comece o estudo detido da peça, discutirse-á a terminologia encontrada nas duas traduções do texto freudiano usados como apoio para este estudo. O termo unheimlich é um vocábulo que, desde o princípio, gera dúvidas para uma correta e fiel tradução, uma vez que não há um equivalente exato para ele em outras línguas que não em seu próprio idioma.

Serão usadas duas traduções pois, como há um grande

Nas traduções brasileiras freudianas que

espaço de tempo entre elas, seus tradutores fizeram

apoiam este estudo, percebe-se que os tradutores

uso de diferentes terminologias quando aludem aos

tiveram dificuldades para chegar a uma solução

conceitos freudianos, e por isso viu-se a necessidade

possível e adequada para o vocábulo unheimlich, ou

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1157

melhor, para chegar a soluções que pudessem

“unheimlich é o nome de tudo que deveria ter

transpor, para a nossa língua, a ideia que o médico

permanecido... secreto e oculto mas veio à luz”.

queria transmitir.

Após as discussões acima, poder-se-ia dizer

Freud, em seu “Das Unheimliche” (1919),

que unheimliche é o antônimo de heimliche? De

pontua que “a palavra alemã unheimlich é

acordo com Freud, unheimliche não é antônimo

evidentemente o oposto de heimlich, (...) doméstico,

porque, de alguma maneira, é um tipo de heimlich, e

familiar” 6. Em um primeiro momento, poderíamos

por isso entendemos que a origem de das unheimliche

concluir que o termo unheimlich se refere a algo não

é ambígua.

familiar e estranho. Além disso, pensa-se também em algo que nos seria ‘novo’, e em consequência que também diz respeito a algo que é ‘assustador’, uma vez que não o conhecemos. Entretanto, nem tudo que não nos é familiar, que nos é ‘novo’, é ‘assustador’. E mais, Freud ainda afirma que “pode-se apenas dizer que algo novo torna-se facilmente assustador e inquietante; algumas coisas novas são assustadoras, mas certamente não todas. Algo tem de ser acrescentado ao novo e não familiar, a fim de tornálo

inquietante”7. Estudadas as duas traduções e após o

levantamento das possibilidades de tradução de heimlich, temos: “pertencente à casa, não estranho,

Após o estudo das duas traduções e de seus títulos, chegou-se ao impasse de qual término usar para se referir ao unheimlich: estranho ou inquietante. Embora ambos possam aludir a um mesmo sentimento, o uso do dicionário mostrou que o vocábulo que melhor se encaixa na sensação causada pela leitura é a de inquietação, pois ele diz respeito ao que causa desassossego. Como este estudo tem a intenção de analisar o sentimento do unheimlich na peça lorquiana, achou-se necessário a leitura de outro tema em que se vê o estranho: o fantástico na literatura, e teve-se como base o “Introdução à Literatura Fantástica”8

familiar, caro e íntimo, aconchegado; domesticado;

Em seu livro, Todorov (2010) diz que temos

confiável; alegre, sereno”, além de “oculto, mantido

o fantástico quando existe a hesitação de alguém que

às escondidas; misterioso”.

só conhece as leis naturais, face um acontecimento

É interessante notar que o termo heimlich admite duas possibilidades que não são opostas diretas, porém que são contrárias em seus

aparentemente sobrenatural; é esse limite, em que o leitor, em nosso caso, se encontra diante de uma obra: um impasse gerado entre o inexplicável e a realidade.

significados: o que não é estranho, que é familiar e

O fantástico, segundo ele, leva apenas o tempo

aconchegado e que confronta com o que é oculto,

em que há hesitação entre o leitor e a personagem e

mantido às escondidas.

se o lido é passível de ser real ou não. No final da

Mas então, o que é o unheimlich?

história, nos vemos frente a duas possibilidades de interpretação: se o leitor decide que, citando Todorov,

Na tradução “O inquietante” (SOUZA, 2010,

“se devem admitir novas leis da natureza, pelas quais

p. 337), encontram-se as acepções para o unheimlich:

o fenômeno pode ser explicado, entramos no gênero

“incômodo, que desperta angustiado receio”. Em “O

do maravilhoso” (TODOROV, 2010, p. 48). Se, por

Estranho” (1976, p. 91), o austríaco cita no artigo o

outro lado, ele opta por acreditar que “as leis da

que poderia ser uma solução para o binômio

realidade permanecem intactas e permitem explicar

heimlich/unheimlich: de acordo com Schelling,

os fenômenos descritos” (TODOROV, 2010, p. 48),

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1158

temos outro gênero: o estranho. E é neste último que

1930, e tem como temas principais o tempo, o amor

nos deteremos.

e a morte, assuntos estes tratados também na maioria

Todorov, quando trata d’o estranho, faz uma

das obras de García Lorca.

divisão entre “fantástico-estranho” e “estranho puro”.

“Así que pasen cinco años” conta com vinte e

Para ele, a primeira acepção aponta para fatos no

três personagens e está dividida em três atos, sendo

desenrolar da história que parecem sobrenaturais,

que o último se subdivide em duas cenas. Há uma

porém que no fim podem ser racionalmente

trama principal, na qual o Joven, o protagonista, passa

explicados. E o que determina as explicações

por diversas situações, nas quais vemos longos

plausíveis? Elas aparecem em dois grupos: o “real-

diálogos e discussões sobre a vida, a espera, o amor,

imaginário”, em que o que pensávamos era fruto de

frustrações, etc., até que a morte o alcança. Além desta

nossa imaginação e as explicações para isso se dão

trama principal, temos outra secundária, a do Niño e

pelo sonho, pela loucura, pelas drogas; e o grupo

o Gato já mortos, que faz parte do segundo ato. Já no

“real-ilusório”: o que aconteceu é real, mas a razão

terceiro, em um primeiro momento tem-se a

os justifica, e pode ser explicado pelo acaso, por

impressão de que saímos da história do Joven, as

fraudes, ou ilusões.

personagens e os diálogos parecem afastar-se daqueles

O outro subgênero do estranho é o “estranho puro”. Para ele, vemos nas obras acontecimentos que podemos justificar racionalmente mas que, de um

temas que lemos nos atos anteriores, porém num segundo momento, voltamos à história do Joven e presenciamos seus últimos momentos de vida.

maneira ou outra, são “incríveis, extraordinários,

O primeiro sentimento de inquietação que o

chocantes, singulares, inquietantes, insólitos, e que,

‘ambiente’ tecido por García Lorca traz se percebe já

por esta razão, provocam na personagem e no leitor

na leitura do título “Así que pasen cinco años”. A

reação semelhante àquela que os textos fantásticos

angústia, que é uma das sensações do unheimlich,

9

no tornaram familiar” . E é aqui que o das

deriva primeiramente da tentativa de entendimento

unheimliche de Freud aparece.

do seu título: a que alude? “Cinco años” é o limite

Todorov vai mais longe: para ele, o estranho se liga aos sentimentos da personagem e não a um fato ocorrido que provoca discussão quanto a sua plausibilidade. E ademais, a sensação de estranheza também vem dos temas que têm origem em tabus, o que pode explicar a inquietação causada pelas obras de García Lorca. Passaremos agora para a análise da obra. Para tratar do sentimento do unheimlich em “Así que pasen cinco años”, foram selecionados três momentos da peça em que a inquietação pudesse ser observada.

para que acontecimento? Ou quais acontecimentos? Por que “cinco años” são importantes? Quanto ao número de anos, existe alguma simbologia dentro da obra? Esse período de tempo é inquietante. Além disso, a leitura integral da obra mostra que há inúmeras referências a esse momento, o que explica sua grande importância dentro do contexto da peça. A ausência dos nomes das personagens, apesar das designações de cada um de seus papéis (Joven, Viejo, Amigo, Novia, Muchacha, etc.), também é inquietante porque é incomum, se pensamos na atualidade, encontrarmos alguma obra cujas

A peça lorquiana “Así que pasen cinco años,

personagens não têm nomes. Por não se ver qualquer

Leyenda del tiempo en tres actos y cinco cuadros”10

tipo de aprofundamento em suas características,

foi escrita no final da década de 1920 e começo da de

mesmo porque García Lorca os tipifica, isto é, os

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

classifica em tipos, é como se eles estivessem reduzidos apenas a seus papéis sociais e nada além disso.

São

apenas

figuras

caracterizadas

genericamente dentro do mundo criado pelo autor. E tal decisão do autor serve para tornar o sentimento do unheimlich mais presente porque estamos acostumados a fazer leituras de obras nas quais encontramos

as

personagens

devidamente

caracterizadas. Por exemplo, temos a figura do Jugador de Rugby que, como todos, não tem nome. Ademais, tampouco tem fala. Apenas sabemos o que faz pela descrição do narrador. Logo no começo do segundo ato, temos a aparição da Novia e do Jugador de Rugby. E então, há um diálogo e descrição da cena que poderia explicar o por quê da falta de fala do homem. A Novia e o Jugador de Rugby estão juntos na sacada de sua casa e é apenas ela que fala enquanto ele gesticula. Nesse momento, a Criada da Novia entra em cena e começam o diálogo: “CRIADA – (Entrando) ¡Ay, señorita! NOVIA - ¿Qué señorita? CRIADA – Señorita. NOVIA - ¿Qué? (Enciende la luz del techo. Una luz más azulada que la que entra por los balcones.)” 11

Na parte em que se descreve como está o cenário quando entra a criada, surge a inquietação: a “luz más azulada” indicaria que a Novia na verdade

1159

“Se oye otro trueno. La luz desciende y una luminosidad azulada de tormenta invade la escena. Los tres personajes se ocultan detrás de un biombo negro bordado con estrellas. Por la puerta de la izquierda aparece el Niño muerto con el Gato. El Niño viene vestido de blanco, de primera comunión, con una corona de rosas blancas en la cabeza. Sobre su rostro pintado de cera resaltan sus ojos y sus labios de lirio seco. Trae un cirio rizado en la mano y el gran lazo con flores de oro. El Gato es azul con dos enormes manchas rojas de sangre en el pechito blanco y gris y en la cabeza. Avanzan hacia el público. El Niño trae al gato cogido de una pata.”12

A primeira hesitação é quanto ao tema lorquiano aqui tratado, o da morte. Todorov (2010, p. 54) aponta que um dos motivos que causam a inquietação no leitor é a questão dos temas-tabu. Tabus, como sabemos, são temas cujas discussões costumam ser evitadas pela população em geral pois são alvo de opiniões contraditórias e interferem na sensibilidade das pessoas. Neste excerto, a inquietação se dá, a priori, por dois motivos: a primeira, e mais imediata, pela imagem do Niño morto trazendo o gato bastante ferido e, possivelmente, morto também. Em segundo lugar, o ambiente todo é angustiante, que é uma das sensações do unheimlich. O cenário é lúgubre, triste, e a luz “azulada de tormenta” completa o efeito que o autor quis dar ao acontecimento.

poderia estar sonhando? Porque, como se discutirá

Ademais, outro elemento que pode causar

depois, a cor azul remete ao onírico, ao sonho, e tal

inquietação no leitor é quanto as cores que aparecem

possibilidade serve como explicação para o não falar

no ambiente: há duas referências à cor azul, que a

do Jugador de Rugby: geralmente, quando se sonha,

simbologia explica que aludem ao pensamento e ao

temos como muito reais as imagens e deixa-se de lado

sonho; o preto, que no caso, simboliza o céu; e o

o diálogo, que muitas vezes pode nem acontecer. Por

branco, que é pureza, paz, calma. Todas estas cores

isso, o homem não tem fala, ele seria apenas uma

são de extrema importância, não só neste momento

projeção, uma imagem, que está ali apenas para

mas na obra por completo, porque manifestam o

escutar, gesticular e servir como interlocutor mudo

estado de espírito da situação. E detendo-nos na cor

para a Novia.

azul, ela é muito importante na obra pois uma vez

Vejamos a descrição sobre o cenário que aparece na metade do primeiro ato:

que pode ser usada para explicar a alusão ao sonho, pode-se pensar que na verdade estamos diante não

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1160

de uma realidade, mas de um sonho, o do Joven, em

Referências bibliográficas

que a realidade está em segundo plano. FREUD, Sigmund. (1976): Edição standard brasileira das

Este artigo sobre “Así que pasen cinco años,

obras psicológicas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.

Leyenda del tiempo en tres cuadros y cinco actos” teve a intenção de suscitar algumas hipóteses sobre a

______. (2010): Sigmund Freud – Obras Completas –

tentativa de interpretação da peça lorquiana.

Volume 14. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras.

Pode-se perceber que existe a possibilidade de uso do termo freudiano do unheimlich partindo da obra de García Lorca, pois é perceptível a atmosfera inquietante que nos causa a leitura da peça, que faz o

GARCÍA LORCA, Federico. (2007): Teatro: Así que pasen cinco años / Federico García Lorca; con prólogo de: Nélida Salvador y Ofelia Kovacci. Buenos Aires: Corregidor.

leitor hesitar quanto ao significado dos símbolos

TODOROV, Tzvetan. (2010): Introdução à Literatura

usados, das personagens e seus ‘nomes’ e do espaço.

Fantástica. São Paulo: Perspectiva.

Entretanto, por ser um assunto mais complexo e como este ainda é um estudo em andamento, há muito que se analisar tanto da obra como do artigo de Freud para que se possa chegar a conclusões mais palpáveis.

Notas 1

Termo aparece no célebre artigo freudiano “Das Unheimliche”, que será aqui tratado.

2

Neste artigo, o título da peça e os nomes das personagens serão referidos em seu idioma original, o espanhol, uma vez que este estudo é apenas uma das linhas de pesquisa de uma dissertação que está em andamento. Existem traduções para a peça alvo este estudo, porém optou-se pela sua não leitura para que não haja influência quando do começo da tradução que fará parte da dissertação.

3

FREUD, Sigmund. Edição standard brasileira das obras psicológicas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

4

Ibidem.

5

FREUD, Sigmund. Sigmund Freud – Obras Completas – Volume 14. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras. 2010.

6

FREUD, Sigmund. Sigmund Freud – Obras Completas – Volume 14. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 331.

7

Ibidem, pp. 331-2.

8

TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica. São Paulo: Perspectiva, 2010.

9

TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica. São Paulo: Perspectiva, 2010. p. 53.

10 GARCÍA LORCA, Federico. Teatro: Así que pasen cinco años / Federico García Lorca; con prólogo de: Nélida Salvador y Ofelia Kovacci. Buenos Aires: Corregidor, 2007.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

11 GARCÍA LORCA, Federico. Teatro: Así que pasen cinco años / Federico García Lorca; con prólogo de: Nélida Salvador y Ofelia Kovacci. Buenos Aires: Corregidor, 2007. p. 81. 12 GARCÍA LORCA, Federico. Teatro: Así que pasen cinco años / Federico García Lorca; con prólogo de: Nélida Salvador y Ofelia Kovacci. Buenos Aires: Corregidor, 2007. p. 67.

1161

1162

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

“LA ROSA DE PIEDRA”: EL CUENTO DE NUNCA ACABAR

Virginia Videira Casco PG-UFF

Lo que probablemente muchos de estos cuentos nos quieran transmitir es que la vida, la realidad, no son percibidas como una totalidad acabada y bien definida, sino de manera fragmentaria, en forma de retazos o impresiones sueltas. Porque en la vida todo es abierto, terminando y reanudándose continuamente, y la percepción moderna de lo que es la vida no descansa en historias bien articuladas, sino más bien en una acumulación discontinua de impresiones, actos aparentemente arbitrarios, vivencias confusas, difícilmente traducibles a un argumento clásico (DEL REY, 2008, p. 69)

Establecer en pocas páginas una cronología del cuento literario, y claro de su antecesor, el cuento tradicional, además de analizar en parte la obra que nos proponemos, no sería posible dado el poco tiempo que poseemos. Pero nos gustaría comenzar por citar datos concretos como: la creación anónima y transmisión colectiva, en el caso del cuento tradicional e individual cuando nos referimos al cuento literario. La estabilidad de éste último, pues se transmite con la escritura y su innovación, su variedad en contenidos temáticos y su calidad de imprevisible tanto en el desarrollo del argumento como en su culminación. Con personajes más individualizados, con cierta complejidad y una contextura más humana. Con un relato que posee un

del autor y con descripción de lugares más o menos conocidos por él. Pero claro, con tantas ventajas y riqueza de detalles el cuento literario exige que se preste una atención más demorada al mensaje, ya que además el tiempo puede articularse de una forma mucho más diversa, con saltos para at rás en la historia o anticipaciones de lo que sucederá. O de forma que el comienzo del relato se realiza empezando por su final, cuando el tiempo se presenta de forma circular, como en el caso de el cuento El Camino de Santiago, de Alejo Carpentier, o con hechos que suceden de forma invertida, como en Viaje a la semilla, también del mismo autor. E inclusive con finales abiertos.

lenguaje mucho más rico y elaborado y con nuevas

Sin contar con uno de los factores más

voces y enfoques. Con tiempos y espacios más

impor tantes de las narr aciones literarias que

concretos, en una época muchas veces próxima a la

favorecen el desarrollo de la subjetividad y de la

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1163

consciencia, dejando trasparecer así sentimientos y

sabía de memoria poemas de Rosalía de Castro, y eso

estados de ánimo.

para Rivas era señal de poesía. De ahí nace la primera

Estos y otros tantos aspectos enriquecen las potencialidades estéticas del género literario que tratamos y traen para el lector una amplitud de

relación con la lengua gallega: “ese primer amor [...] es una relación que no vale la pena romper, que se mantiene” (RIVAS)3.

expectativas a la hora de analizar y clasificar su

Hoy en día se puede apreciar en la obra

lectura. Claro que para que un cuento literario posea

rivasiana el compromiso con la realidad cultural de

una estructura que gire en torno de su desenlace el

Galicia y su construcción hasta nuestros días, lo que

propio cuentista, su creador, debe saber proporcionar

da como resultado una literatura que aborda variados

los elementos que lograrán el efecto final deseado.

temas de cuño gallego (CASTRO VÁZQUEZ, 2007,

Emilia Pardo Bazán (1851-1921), una de las más importantes cuentistas de la literatura española decía, en una crítica referida a Sienkiewicz:

p. 15-16). Después de escribir Un millón de vacas (1989), Premio de la Crítica Española, En salvaje compañía (1994), Premio de la Crítica en Galicia, ¿Qué me quieres,

Yo admiro mucho a los grandes cuentistas. El cuento pide inspiración y esa facultad de condensar que no todos poseen; el cuento es a la novela como la poesía lírica a la epopeya y al poema caudaloso, donde rara vez se sostiene encendido el fuego sagrado. El cuento es una chispa, rayito de sol…, pero en él cabe un mundo. (SIENKIEWICZ, 1901 apud PAREDES, 2004, p. 23)

Así como la escritora Pardo Bazán muchos otros autores trabajaron este género literario con maestría. Pues no se trata solo de riqueza de detalles, argumentos o técnicas. Se trata de saber emplearlos y relacionarlos para conseguir trabajar con el tiempo y el espacio.

amor? (1996), Premio Torrente Ballester y Premio Nacional de Narrativa, que contiene la conmovedora obra La lengua de las mariposas, El lápiz del carpintero (1998), Premio de la Crítica, y otras tantas obras, en 1999, edita un libro de cuentos titulado Ella, maldita alma. En los agradecimientos ya nos cuenta que el libro es en memoria de su madre, Carmiña, a quien le prometió escribir: “[...] un libro sobre las formas y los lugares del alma” (RIVAS, 1999, p. 7). El ejemplar es una recopilación de trece relatos, escritos de una forma sencilla, del punto de vista estilístico, y extremadamente simbólicos, que presentan situaciones cotidianas de amistad, amor, humor, incomunicación,

El escritor, periodista, novelista, ensayista y

muerte, soledad, entre otras características, y que, a

poeta gallego Manuel Rivas (1957), quien se destaca

través de la escrita r ivasiana, demuestran lo

además por escribir en su idioma, asume haber

extraordinario de la gente corriente. Posee como tema

comenzado con el género poético, aunque él mismo

central el alma y como temas que nacen de este

acredite que se comienza a escribir cuando se empieza

principal, fundamentales también en la obra, a

a escuchar. A través de una máquina de escribir, que

Galicia, sus gentes, sus mitos, leyendas e historia. En

le regala su padrino, Manuel Rivas piensa: “Tengo que

las actitudes y pensamientos de sus personajes, se

1

hacer poesía” (RIVAS) . Y empieza a escribir en

percibe la voluntad, aunque algunas veces de forma

gallego, que no era su lengua escolar, ni claro el

indirecta, de escudriñar en los secretos de la existencia

idioma que usaban en aquella época los medios de

humana. Como el mismo autor describe: “El título es

comunicación, pero era la lengua de la familia y

una queja contra el alma, que nos obliga a abrir los

2

también, según él: “de la calle, de la fiesta” (RIVAS) .

ojos, con lo bien que estaríamos sin preguntar nada

Además era la lengua con la cual se cantaba. Su madre

ni buscar más allá de lo que se ve” (RIVAS, s/a, s/n).

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1164

No podía faltar en esta recopilación un lugar

demuestra un punto de vista sobre sus propios

destinado a Compostela, no sólo por la relación del

conflictos vitales, visiones que cambian radicalmente

escritor con la ciudad, sino también por ser esta

a medida que la lectura avanza y estrechos lazos se

última el destino de la peregrinación que lleva a quien

establecen con otras personas y con las historias de

la realiza a lo más profundo de su ser. Además Rivas

la ciudad compostelana. El recorrido, por la mítica

ya decía:

ciudad de Santiago de Compostela (catedral, Pórtico de la Gloria, las plazas Obradoiro y Quintana,

Santiago de Compostela es una creación sorprendente. Nació de una estrella que indicaba una tumba y floreció sobre ese sepulcro. En todo caso hablamos de una obra abierta, con páginas de cronología en espiral que se solapan como pétalos de una enigmática rosa (RIVAS)4.

Es así que el séptimo relato de Ella, maldita alma se titula La rosa de piedra. Y justamente en forma de cuento se relata una historia tan antigua como la propia ciudad de Santiago.

Alameda, etc.), son escenarios en los cuales se reflexiona sobre la nostalgia, los recuerdos de situaciones vividas y las transformaciones internas de los personajes. Mireia, el primer personaje que aparece en el cuento, fue inspirada en Alfonso Armada, un amigo de Rivas, y en su Cuaderno de África. Es una fotógrafa, descrita con un tic (movimiento que realiza con la mano para apartar el aire de los ojos). En realidad, a

Es difícil intentar, y aquí no nos atrevemos a

medida que avanzamos en la lectura descubrimos que

decir “conseguir”, pues creemos que sería osadía de

Mireia regresa a España después de fotografiar la

nuestra parte, definir un cuento literario, así de viva

guerra de Ruanda y su tic se debe a intentar espantar

voz. Además de los personajes, contamos con lugares,

las moscas que abundan sobre los cadáveres. Una de

historias y situaciones que suscitan varias reflexiones.

las situaciones más dramáticas que ha vivido, en su

Pero como debemos comenzar a contar de alguna

último trabajo, creemos que fue cuando, al fotografiar

forma pues que sea por el argumento, aunque en La

una montaña de cadáveres, percibe un brazo estirado

rosa de piedra visualicemos más de uno. De alguna

que se destaca del conjunto sin vida. Su jefe, le

forma, tentaremos demostrar que todos los asuntos

recuerda que está allí para fotografiar, y no intentar

incluidos en este texto, con estrechos vínculos entre

ayudar. Y agrega:

sí, son inconmensurables. Tal vez el argumento principal de La rosa de piedra sea esa transformación del alma, no solo de los personajes sino de todo su entorno. Pues en varios

Tenemos el archivo lleno de niños hambrientos con moscas en la cara. Un brazo que pide auxilio entre un montón de muertos. Ésta sí que es buena. La de dios. De puta madre. Como una bandera de carne (RIVAS, 1999, p. 97).

pasajes el narrador describe como si todo tuviese alma, hasta la misma ciudad y catedral. Pero

Así como su jefe, un oficial de los cascos azules

volviendo a los personajes uno de los núcleos del

también le dice: “No estás aquí para eso. […] No se

argumento principal, ya que en parte nuestro título

puede enfocar con los ojos llenos de lágrimas.”

trata de un cuento que no acaba, habla de la historia

(RIVAS, 1999, p. 98). Después de ese incidente, al

de tres mujeres: una fotógrafa (Mireia), una ejecutiva

regresar a Madrid, sufre un duro impacto con la nueva

de moda (Inma) y una modelo (Kiss) que viajan a

realidad, bien diferente de la que ha vivido

Santiago de Compostela, por ciudades que forman

recientemente, en lugares como el aeropuerto

parte de la peregrinación jacobea, con la intención

madrileño, en su casa, en la cama y en la bañera, de

de realizar un reportaje de moda. Cada una de ellas

donde emerge sofocada cuando recuerda el momento

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1165

en que dispara la foto: “Soy yo, brazo, cazadora furtiva

Así, mediante descripciones, percibimos estados de

de almas.” (RIVAS, 1999, p. 98).

ánimo, visiones del mundo, inquietudes, evocaciones,

El segundo personaje femenino que aparece es Inma, una estilista de la revista Vanguard, que le

sensaciones y recuerdos que poco a poco nos desvendan a los personajes de La rosa de piedra.

propone fotografiar a la modelo Kiss, en algunos

Después de las sesiones de fotos las tres

lugares determinados del transcurso peregrino, desde

mujeres, Mireia, Inma y Kiss continúan viaje hasta

O Cebreiro hasta Santiago de Comp ostela.

llegar en Santiago de Compostela, donde surge el

Supuestamente con la intención de reflejar en el

personaje Bastián, un ciego que vende vieiras, la

trabajo final la visión de una reportera de guerra

insignia del peregrino compostelano, en la fachada de

contra el glamour. Y aunque Mireia intenta rechazar

Platerías. Él con sus puntos de vista articulará toda la

la idea de fotografiar moda acaba por ceder, con rabia,

narración. Bastián ya había aparecido en el comienzo

frente a las ironías de la vida.

del cuento, cuando el narrador define el tic de Mireia, en un diálogo “perdido” en medio de la descripción

En parte es Inma, con su estilo prepotente, quien la fuerza a aceptar el trabajo con las palabras

de la fotógrafa. Prolepsis y analepsis, recursos muy usados por el autor en el comienzo de esta obra.

“Insulta al contestador, pero no me digas que no” (RIVAS, 1999 p. 98). Y decimos en parte pues lo que

Bastián dedica parte de sus días a uno de los

determina a que Mireia acepte el trabajo es el intento

oficios más antiguos de la ciudad, el de los concheiros,

de olvidar las crudas escenas que ha vivido en Ruanda.

que se remonta al siglo XII, cuando comienzan a

Después de dos días encogida en su cama escucha una

fabricarse conchas de metal, plomo y estaño para

voz interna que le dice: “Suelta ese brazo. Déjalo caer

venderlas a los peregrinos que visitaban la ciudad

en paz. Vete a hacer un poco el tonto” (RIVAS, 1999,

jacobea. Y así como la vieira guarda historias referentes a su origen y leyendas, Bastián, quien las

p. 99).

comercializa, será el personaje que más historias Kiss, la tercera protagonista femenina, una

cuente dentro del relato como él mismo lo expresa:

modelo esclava de su estética, anoréxica y un tanto

“[...] ¡Vendo vieiras, también vendo historias!

indiferente, que parece carecer de conceptos, será uno

[...]”(RIVAS, 1999, p. 102); o cuando el narrador nos

de los personajes que más se transforme en el correr

describe los pensamientos que su amigo Omar tiene

del relato.

de él: “[...] se guía por sus ocurrencias. Sus pasos

Como dijimos resulta difícil, por cuestiones de espacio, desenvolver minuciosamente las características de cada personaje, pero queremos dejar constancia de que con las transformaciones que ellos experimentan en La rosa de piedra variando su función y carácter, así como cuando demuestran un comportamiento que no es previsible, pasan a ser más convincentes a imitación casi exacta de personas reales (DEL REY, 2008, p. 14). En el relato

siguen la grafía de un cuento” (RIVAS, 1999, p. 103). Bastián evocará a la palabra saudade como “[...] el mal más antiguo del ser humano” (RIVAS, 1999, p. 104). Le describirá a Mireia, en forma de cuento, el origen de la niebla en Santiago, en cuya historia incluirá pequeñas exposiciones sobre la catedral, los tiraboleiros y el botafumeiro enfocando el relato desde una perspectiva realista pero con sucesos y situaciones inverosímiles.

contemporáneo existe la tendencia a interiorizar el

Bastián en ocasiones expresará la sensibilidad

conflicto para trasladar la aventura al interior de los

propia del deficiente visual, que, según admite, ser

personajes, en su consciencia (DEL REY, 2008, p. 66).

ciego da derecho a ver lo que a uno le dé la gana. Los

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1166

pasajes donde nos deparamos con esta sensibilidad

Los temas expuestos y otros existentes, que aquí no

son, por ejemplo, cuando descubrirá que Mireia lo

pudimos abordar, presentan un argumento fisurado,

intenta fotografiar en la feria “¡Alto!, dice muy serio

con episodios sueltos, ligados entre si claro, que por

Bastián, como si descubriese a Mireia con un radar

algún motivo permanecen en nuestra memoria

de los sentidos. ¡Nada de fotos! [...]” (RIVAS, 1999,

después de la lectura, y esto sucede en La rosa de

p. 108). O cuando describe las mariposas coloridas

piedra. Además de que muchos significados expuestos

que su perro Sil le cazaba: “¿Cómo lo sabes?” (RIVAS,

en la obra trascienden su literalidad, o sea, expresan

1999, p. 113), le preguntaría Mireia refiriéndose a los

más de lo que dicen. Y esa es una característica

colores. Y él respondería: “Me las ponía en las manos”

rivasiana, la de colocar poesía en la prosa.

(RIVAS, 1999, p. 113).

Para finalizar creemos conveniente resaltar

Otros diversos personajes div iden una

que La rosa de piedra culmina, por decirlo de alguna

buhardilla con Bastián, en Algalia, el casco viejo de

forma, aunque no sea exactamente lo que sucede, con

la ciudad de Santiago. Omar, Manuel el gaitero, un

Bastián y Mireia sentados en los acantilados de

escultor llamado Mouzo, Don Álvaro, un loro que

Fisterra. Bastián actor, y ya no más interpretando un

habla francés y Jonás, un pez de colores que vive en

ciego y Mireia actriz, ya no más fotógrafa, observando

un orinal el cual sirve de receptáculo para la gotera

una puesta de sol, en un final sencillamente abierto a

diaria del apartamento, llueva o no.

la incertidumbre. Y retomando el mensaje de nuestro

A medida que el relato avanza el narrador también se mo difica. Los acontecimientos se muestran ya no con descripciones sino en los diálogos de cada personaje, tanto cuando el relato nos da a conocer el pensamiento de cada uno de ellos como

epígrafe concluimos que este cuento se presenta como la vida misma, con una acumulación de impresiones difíciles de explicar en un solo argumento, lo cual otorga a La rosa de piedra la característica de un cuento que nunca acaba.

también cuando nos presenta diálogos en los cuales los personajes interaccionan entre sí, con lo cual, según el crítico argentino Oscar Tacca (1926) “[...] la narración gana en vibración humana”. Y es a través de estos nuevos diálogos que vemos las transformaciones internas de los personajes de La rosa

Referências bibliográficas CASTRO VÁZQUEZ, Isabel. Reexistencia – A obra de Manuel Rivas. Vigo: Edicións Xerais de Galicia, S.A. 2007, 212 p.

de piedra. DEL REY BRIONES, Antonio. El cuento literario. Madrid:

Difícil resulta definir si estamos delante de un

Ediciones Akal, S.A., 2008, 528 p.

cuento o de una novela corta, pues vemos empleadas varias técnicas, que aunque los dos géneros utilizan, y presentan semejanzas, en este caso visualizamos

ENCINAR, Ángeles. PERCIVAL, Anthony. Cuento español contemporáneo. 6 ed. Madrid: Cátedra, 2004, 326 p.

enfoques que adquieren una forma más amplia y

PAREDES, Juan. Para una teoría del relato – las formas

diversificadora. Rivas, el autor, construye un universo

narrativas breves. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, S.

narrativo con múltiples implicaciones y posibilidades.

L., 2004, 94 p.

Y en definitiva, cuando decimos que nos es difícil definir un argumento íntegro estamos una vez más frente a un relato que no suscita un efecto unitario.

RIVAS, Manuel. Ella, maldita alma. Tradução e notas de Dolores Vilavedra. 3. ed. Madrid: ALFAGUARA, 1999, 167 p.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1167

______. Entrevista con Manuel Rivas. Consultado el 18/

______. Palabras de Manuel Rivas en la presentación del

08/2010 en http://www.rtve.es/mediateca/videos/20100

cortometraje La rosa de piedra, dirigido por Manuel

210/entrevista-manuel-rivas/689625.shtml

Palacios. Página consultada el 29/08/2012 en http://www. santiagoturismo.com/info-xeral/citas

Notas 1

Entrevista de David Cantero al escritor gallego Manuel Rivas.

2

Idem.

3

Idem.

4

Palabras de Manuel Rivas en la presentación del cortometraje La rosa de piedra, dirigido por Manuel Palacios.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1168

CASOS DE REINTERPRETAÇÃO DATIVA NA ÁREA GEOLETAL MEXICANA

Viviane Conceição Antunes Lima UFRRJ

El sistematizar y explicar el fenómeno de los pronombres átonos es, en algún sentido, un reto. (SORIANO, 1993, p. 13)

Resumo: No espanhol falado no México, há

le chavos, jueguen futbol”. Atentos à quanto em “Órale

um uso inovador que concorre com o padrão

linha de p esquisa “Processos intercultur ais

estabelecido pela norma de prestígio: a perda de

lingüísticos e identitários”, alicerçada pela Profa. Dra.

designação referencial do átono ‘le’. Neste caso, ‘le’

Consuelo Alfaro (UFRJ), destacaremos que ‘le’ traçou

não se refere especificamente a nenhum elemento do

um movimento de mudança, deslocando-se do nível

enunciado, mas é relevante a sua construção em

textual ao nível interpessoal, do escopo sintático-

termos pragmáticos. É nosso intuito mostrar que este

semântico ao pragmático.1

tipo de debilitamento pronominal é um dos casos de reinterpretação da forma dativa na área geoletal mexicana.

Orientando-nos

pela

corrente

funcionalista norte-americana, nossa hipótese

1. Clíticos de 3ª pessoa em língua espanhola: considerações descritivas

principal é de que ‘le’ se gramaticalizou, isto é, foi reanalisado em termos semântico-funcionais e passou

Ao tecer considerações a respeito do sistema

a ser recorrente no registro de sua nova atribuição

pronominal espanhol, FERNÁNDEZ- ORDÓÑEZ

pragmática. Esta nova atribuição foi fixada, é

(1993, p.2) afirma que os átonos de 3ª pessoa são as

reconhecida nos eventos comunicativos nos quais se

formas que melhor conservaram heranças do latim.

inserem os falantes mexicanos e sua função

‘Le’(s), ‘lo (s)’, ‘la(s)’, ‘lo’ correspondem às formas

prototípica – a referencial – conv ive com o

latinas ille(illis), illum (illos), illam (illas), illud. Assim

mencionado uso inovador. Evidenciamos realizações

sendo, seguindo a referida orientação, a forma le(s)

mexicanas do átono ‘le’ funcionando como marca

deveria retomar entidades em função de objeto

intensivo-pragmática e também como um sufixo

indireto nos enunciados e ‘lo (s)’, ‘la(s)’, ‘lo’ deveriam

verbal de caráter conativo. Na fala de indivíduos de

ser usados na recuperação de objetos diretos

outras áreas do mundo hispânico, a forma ‘le’ é

masculinos, femininos e neutros – respectivamente.

le prescindível tanto em “No / (...) / ya báñate/córrele le”

Em construções triactanciais ou trivalentes, quando

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1169

se faz necessário resgatar, por meio de clíticos, os

não se admite nenhuma outra palavra a não ser outro

argumentos em função acusativa e dativa, o átono

clítico, propriedade que reforça seu caráter afixal

‘se’ deveria codificar o dativo. Ex.(1): ”(...) que le

(SORIANO, 1993, p. 14). Não podemos deixar de

digan que va uno el lunes” à “que se lo digan”. 2

enfatizar que os clíticos se adéquam a uma ordem de

Analisando o comportamento dos clíticos mencionados, FERNÁNDEZ RAMÍREZ (1987, p. 22)

pessoa

e

conformam

hierarquicamente

peculiaridades também de caráter morfológico.

esclarece que os pronomes de 3ª pessoa são dêiticos

GILI GAYA (2007, p. 232-233) explica que, em

“El de tercera persona (especialmente el neutro y las

termos semânticos, os clíticos aos quais dirigimos

formas átonas concordantes) actúa en el campo

nossa atenção, são desprovidos de significado pleno,

3

sintáctico con referencia idéntica e intrínseca”. A

porque este está vinculado ao contexto linguístico em

referência idêntica remete à relação de concordância

que são utilizados. Neste ponto, consideramos mais

entre a entidade a ser recuperada e o clítico. As

apropriado o raciocínio de BENVENISTE (1995, p.

funções etimológicas dão conta desta relação, isto é,

205), porque compreende que a propriedade que

os usos conservadores. A escolha dos clíticos, a partir

merece mais atenção do item referencial não é a

desta perspectiva, deveria fundamentar-se nas

ausência de significado, mas o fato de se reportar a

diretrizes do canon latino.

uma informação que só tem validade em um contexto

Cumpre ressaltar que, de um modo geral, o

específico.

sistema pronominal da língua espanhola apresenta complexidades: i) o fato de existir uma série átona e outra tônica, bem como lexemas diferentes para as pessoas gramaticais; ii) a falta de uma distinção de

2. Casos de reinterepretação dativa no México: do uso prototípico aos casos de despronominalização

gênero uniforme; iii) a existência de formas neutras – tanto no que diz respeito ao grupo dos átonos como

Partimos do princípio de que a seleção

dos tônicos; iv) o fato de a flexão de número, tangente

pronominal não se alicerça apenas em particularidades

aos átonos de terceira pessoa, ser similar a dos nomes,

sintáticas, mas também em especificidades semântico-

em contraposição a dos de primeira e segunda pessoa

pragmáticas. Nesta perspectiva, convém reforçar que

cujos lexemas são diferentes se compararmos o

a seleção pronominal registra dados de iconicidade e

singular e o plural; v) a distinção, frágil em alguns

de subjetividade na práxis discursiva. Isto significa que

contextos, entre formas acusativas e dativas apenas

dados da relação entre os falantes e os valores que

nas formas de terceira pessoa; vi) o uso de ‘se’,

atribuem à entidade a ser recuperada, bem como a

invariável em gênero e número, como codificador

relação entre os partícipes da interação, influenciam

4

dativo . Compreendemos que os clíticos diferem dos

na escolha do item que reapresentará a entidade no discurso.

morfemas porque se coesionam ao sintagma e não a

Seguindo as diretrizes do funcionalismo

uma palavra específica, desta maneira, podem ser

norte-americano (GIVÓN (1979), HOPPER e

denominados afixos frasais ou sintagmáticos. A

THOMPSON (1980), TRAUGOTT (1989), HOPPER

propriedade adverbial lhes é garantida por formarem

(1991), TRAUGOTT e HEINE5 (1991), HOPPER e

com o verbo uma unidade acentual, tanto em posição

TRAUGOTT (2003)), entendemos que o sistema

enclítica como proclítica. Entre os clíticos e o verbo

linguístico permite rupturas e acomoda inovações,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1170

advindas das práticas sociais, do uso da língua. Neste

póng ale que / comoquiera ¿vedá? / pues / los póngale

sentido, os falantes atribuem novas funções às formas

muchachos orita / tengo dos / trabajando…”

da língua nas situações de interação das quais se inserem. Tais formas, geralmente devido a sua frequência de uso, adquirem novos sentidos e sua recorrência permite que sejam utilizadas na práxis discursiva. Acreditamos que este processo, intitulado

e) Com bases nominais, “le” encontra-se em um nível de

gramaticalização

plena,

esvaziado

semanticamente e fazendo parte do todo interjetivo.

gramaticalização, está ocorrendo com forma átona

Ex.(9): “Híjole Híjole 7 pos en realidad son muy... /

‘le’. A partir dos exemplos a seguir, vejamos algumas

distintos…”

etapas deste processo evidenciado no espanhol falado no México6:

ale 8 vieja / Ex.(10): “/ fui y le dije a mi señora ór órale ahí te van cuatrocientos pesos…”

Casos de designação referencial: a) Uso prototípico: “le” retoma entidades dativas, isto é, em função de objeto indireto. Ex.(3): “ tengo le todo”. (“le” à que decirle

usted).

Seguindo uma linha qualitativa de pesquisa, entendemos que nos casos de perda de designação le referencial de ‘le le’ (dados concernentes a (d) e (e)),

b) Caso de duplicação e de leísmo (“le” recupera

por ter sido reanalisado e descategorizado, perdeu sua

termos em função acusativa, ou seja, em função

mobilidade sintática. Em função de uma necessidade

de objeto direto). Ex.(4): “/ a veces me voy

pragmática, passou a funcionar de forma autônoma

le a una seño ‘aayudar yudarle señorr a que tiene estética ahí en

no que tange à predicação. Subjetivizado

la carretera.”

cognitivamente, este átono foi legitimado em

c) Caso de concordância objetiva: “le” se refere a entidades masculinas ou femininas no plural. le est udio / …más estudio/ a Ex.(5): “// par paraa dar darle estudio

diferentes contextos de uso e diminuiu a complexidade de sua representação, prototipicamente pronominal, em outras situações comunicativas.

mis hi jos hijos jos”. Casos de perda de designação referencial:

3. Perda de designação referencial: em busca de uma compreensão.

d) Com bases verbais, “le” funciona como um sufixo conativo que interpela o coenunciador, fazendo-

Para esta pesquisa, nos valemos do Corpus El

o movimentar-se, tomar alguma atitude.

Habla de Monterrey (ALFANO, 2003) fornecido pela

Ex.(6): “...pos ándale, regálame …aprendiste a

Universidade de Nuevo León. É impor tante

negociar”.

deixarmos claro que, nossa preocupação não se centrou na realização de um estudo sociolinguístico,

Ex.(7): “¿verdad? / embarras el pan / pones el jamón

mas de verificar, efetivamente, o comportamento do

/ y cór córrre le a la escuela / y las comidas más…”

átono ‘le le’ em ocorrências que registram perda de le

Ex. (8): “E: ¿Y todavía tiene niños chiquitos? I: Sí / todavía. E: ¿Le alcanza? I: Pues sí / porque pu’s /

designação referencial. Esta amostra soma um total de 225 dados, distribuídos em 7 entrevistas de pós-

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1171

graduados, 11 de ensino fundamental e 15 de

marcar uma certa cumplicidade com o leitor

analfabetos.

mexicano, assim dados da língua foram usados

Debruçamo-nos também na análise de 249 dados provenientes da página da Organização Editorial Mexicana, coletados no período de 26/08/ 2009 a 01/09/2009. Contudo, nossa intenção não é

também como marca identitária. Ex.(11): 345-”... Usted puede adquirirlos en la librería “El Quijote” allí en la 4ª. Avenida Norte junto a la escuela Leona Vicario. ¡lléguele! Hoy o mañana, ¡pero lléguele!”

comparar as peculiaridades das ocorrências do corpus

As construções formadas por ‘nome+le’ se

escrito com as especificidades das ocorrências do

acham mais gramalicalizadas que as formadas por

corpus oral, mas mostrar em que medida a perda

‘verbo+le’, pois, na maioria destas, ainda se pode

referencial de ‘le’ é registrada nos textos jornalísticos.

notar a força interpelativa de ‘le’ acoplado à base

As verificações apontam que os dados de perda de designação referencial são frequentes em todos os níveis de escolaridade, em menor ocorrência no discurso de pós-graduados (24%). No que tange ao discurso escrito, as realizações de perdas de designação de base nominal (‘nome+le’), só se dão em retomadas de discurso direto. Pelos resultados apresentados, concluímos que estas realizações são típicas da língua falada. Nos textos escritos, as construções do tipo ‘verbo+le’ foram recorrentes nos textos jornalísticos (64%) e não somente em retomadas de discurso direto. Percebemos, inclusive, que tal fato se deu para

semântica alicerçada pelo verbo. Ao analisar os dados e atentos a um estudo pancrônico, observamos que houve, com relação aos aspectos sintáticos do dativo argumental, uma flexibilização funcional, um movimento expressivo de extensão, uma vez que passou a ser utilizado em contextos que não condiziam com sua função prototípica. Na variante mexicana do espanhol, tal flexibilização atingiu um grau que não se percebe em outras áreas geoletais. O espanhol falado no México, no conjunto de pesquisas que analisamos, pode ser o único cujo nível de datividade tenha chegado à intensificação pragmática plena.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1172

4. Considerações finais

Bernd. (eds.). Approaches to grammaticalization. v. 1. Amsterdam: John Benjamins, p. 17-35.

Em resposta às necessidades dos usuários, itens de diferentes categorias podem mover-se ou rearranjar-se. A mudança paulatina destas formas linguísticas permite que a gramática apresente outras

______;

TRAUGOTT,

Elizabeth

C.

(2003):

Grammaticalization. Cambridge: Cambridge University Press. SORIANO, Olga F. (org.) (1993): Los pronombres átonos.

maneiras de se estabelecer.

Madrid: Taurus Universitaria.

O conceito funcionalista de gramaticalização ressalta a dinamicidade e a flexibilidade dos sistemas

TRAUGOTT, Elizabeth C; Heine, Bernd. (eds.). (1991):

linguísticos e estas ajustam o uso às suas

Approaches to grammaticalization. v.1. Amsterdam: John

reorganizações internas. As reinterpretações do átono

Benjamins, p. 17-35.

‘le’, na variante mexicana, são uma prova deste ajuste

______. (1989): On the rise of epistemic meaning: an

e da necessidade da ampliação do estudo de um dos

example of subjectification in semantic change. Language,

grandes espaços da variação sintática da Língua

65, p. 31-55.

Espanhola. 5.1. Fontes eletrônicas

5. Referências bibliográficas ALFANO, Lidia R. Corpus El habla de Monterre y. BENVENISTE, Émile (2005). Problemas de linguística

Universidade Autônoma de Nuevo León: México, 2003.

geral I. 5. ed. Campinas: Pontes.

Disponível em: . Acessado em:

FERNÁNDEZ RAMÍREZ, Salvador (1987): Gramática

22/03/2008.

española. 3.2. El pronombre. Madrid: Arco/Libros, p. 15-58. FERNÁNDEZ ORDÓÑEZ, Inés (2003): Leísmo, laísmo y GILI GAYA, Samuel (2007): Curso superior de sintaxis

loísmo. Espanha: UAM. Disponível em:. Acessado em: 15/10/2012.

York: Academic Press.

OEM en Línea - Organización Editorial Mexicana. Corpus

HOPPER, Paul (1991): On some principles of

Escrito. Disponível em: . Acessado

grammaticalization. In: TRAUGOTT, Elizabeth C; Heine,

em: 02/08/2009.

Notas 1

Dedico este trabalho aos meus orientadores de Doutorado: Profs. Drs. Maria Consuelo Alfaro Lagorio e Mário Eduardo Martelotta (in memoriam).

2

Dado proveniente do Corpus El Habla de Monterrey. Informante masculino, de 54 anos, ensino fundamental.

3

“O de terceira pessoa (especialmente o neutro e as formas átonas concordantes) atua no campo sintático, com referencia idêntica e intrínseca”.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

4

Vide exemplo apresentado na página 2.

5

Bernd Heine, assim como Tânia Kuteva, é um funcionalista europeu cujos trabalhos se valem da linha norte-americana como diretriz.

6

Dados do Corpus El Habla de Monterrey.

7

Expressão que assinala surpresa.

8

Expressão que assinala chamada de atenção.

1173

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1174

LA TRADUCCIÓN COMO PRÁCTICA SOCIAL EN EL CURSO DE SECRETARIADO EJECUTIVO

Viviane Cristina Poletto Lugli UEM

Aunque la traducción sea una de las

significantes y significados, la tarea del traductor -

actividades más antiguas realizadas por el hombre y

según Benjamin (2008, p. 26) que afirma que la

que los instrumentos de consulta utilizados para su

traducción es forma – está relacionada con la

práctica tengan sus orígenes aún en las glosas que

hermenéutica de Gadamer (apud HERMANS, 1996,

antecedieron a los diccionarios bilíngues desde hace

p. 2) que demuestra que leer es interpretar y que la

mucho, hasta hoy, con la existencia de los innúmeros

interpretación puede determinar el resultado de la

instrumentos tecnológicos que el traductor tiene a

traducción.

su favor, es visible la sensación desafiadora que siente al ponerse en contacto con textos que necesitan ser vertidos o traducidos.

Sin embargo, como afirma Certeau (1995), leer un texto es una construcción, es una producción propia que nunca toma el lugar del autor. Es a la vez

Afirmamos eso a partir de la observación de

una lectura en la oscuridad porque la mirada del

actividades de traducción realizadas con alumnos del

traductor es siempre hecha desde fuera del espacio

Curso de Secretariado Ejecutivo que hicieron su

en que se originó el texto que necesita ser traducido

pasantía en el Laboratorio de Traducción de la

para su supervivencia (BENJAMIN, 2008).

Universidad Estadual de Maringá. De ese modo, por el hecho de estar en un Tal sensación, desde nuestro punto de vista, se explica por el hecho de que al traducir, el traductor se encuentra en una situación de deuda y de conflictos por las diferencias que caracterizan las lenguas. Como afirma Derridá (2002), la traducción es differance.

entremedio lingüístico y cultural, en que su tarea se concretiza por un deslizar entre sentidos, defendemos la aplicación didáctica y metodológica propuesta por el interaccionismo sociodiscursivo, propuesto por el grupo de Ginebra (BRONCKART, 1999; DOLZ Y

Siendo la traducción un juego con el lenguaje

SCHNEUWLY, 2004) que concibe los textos como

que se manifiesta en la diferencia de relaciones entre

unidad de trabajo y los géneros como objeto de

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

enseñanza para empezar la reflexión sobre las tareas de traducción y versión de textos. En esta perspectiva de enseñanza, concebimos los géneros como herramientas que permiten al aprendiente de lengua apropiarse de las características relativamente típicas de los enunciados elegidos para el trabajo de prácticas de traducción, a lo que Bajtín (2005) denomina géneros discursivos.

1175

En el campo de la enseñanza de la traducción, estudiar el modo como el mundo social estructura el mundo objetivo es factor sine qua non, visto que las representaciones colectivas que advienen de las comunidades interpretativas ( FISH, 1992) en que los enunciadores de textos se insertan pueden ser distintas de las representaciones colectivas que tienen los usuarios de la lengua materna. Es por esta razón que la traducción se constituye una diferencia, según Derrida (2002). Son estas representaciones que

1.La teoría del interaccionismo sociodiscursivo y del género en el trabajo con la traducción El interaccionismo socio-discursivo (ISD) es un abordaje teórico y metodológico que establece un fuerte diálogo con diferentes autores de las ciencias humanas y tienen el género textual como eje sobre el cual se desarrolla el trabajo con el lenguaje. De esta forma, al trabajar con la lengua española, y en nuestro caso, con el lenguaje del otro y el nuestro – que constituye la enseñanza de la traducción – las unidades de análisis deben ser los textos, visto que los géneros de textos son instrumentos mediadores para la acción humana. Por lo tanto, al trabajar con los géneros de textos o la traducción de la forma (BENJAMIN, 2008) en el curso de Secretariado Ejecutivo, optamos por tener presente la teoría del interaccionismo

determinan las escojas lexicales y discursivas en la enunciación por medio de los géneros textuales. De ese modo, tener conocimiento sobre el funcionamiento del género, según Gamboa Belisario (2004) y Jiménez (1999) puede contribuir a la práctica de la traducción. Sin embargo, tener como base exclusivamente el conocimiento sobre el género no es suficiente para trabajar con la traducción y versión de textos, una vez que traducir no se resume en volver la mirada para la materialidad lingüística y la comunidad interpretativa. Al trabajar la traducción en el marco de interaccionismo sociodiscursivo (ISD), necesitamos desarrollar capacidades de lenguaje las cuales, según Dolz, Pasquier y Bronckart (1993) y Dolz y Schneuwly (2004), hacemos uso cuando interaccionamos en las diferentes situaciones sociales. En este sentido, el

sociodiscursivo que lleva en consideración las

alumno, al traducir un determinado género textual

conductas humanas a partir de la representación del:

necesita apropiarse de los esquemas de utilización del

a) mundo físico que, para Bronckart (1999, p. 34), se

género. Para esto, es preciso no sólo movilizar las

refiere a los parámetros del ambiente; b) mundo

representaciones sobre el medio físico (capacidad de

social, que se refiere a las modalidades convencionales

acción) de la interacción comunicat iva - que

de coop eración entre miembros del grupo y

comprendemos como contexto de la comunidad

conocimientos colectivos acumulados; c) mundo

interpretativa propuesta por Fish (1992) -; como

subjetivo, que está relacionado con las imágenes que

observar cómo es organizada la infraestructura del

cada uno de los individuos envueltos hacen de si

texto, o sea, los tipos de secuencias y tipos de discurso

propios al ponerse en contacto con el otro (habilidad,

(capacidades discursivas). Además de eso, es necesario

eficiencia, coraje, sinceridad, etc.).

obser var los mecanismos de textualización y

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1176

enunciativos - que tienen que ver con la distribución

de Traducción de la Universidad Estadual de Maringá.

de las voces y de expresión de modalizaciones y volver

El objetivo del análisis fue permitir que los alumnos

la mirada hacia la construcción de enunciados y del

se apropiaran de algunas características de los textos

léxico (capacidades lingüístico/discursivas).

que irían a traducir y demostrar que aunque los textos

Estos parámetros del trabajo con el género propuestos por el ISD resultan válidos para su aplicación a la traducción en lengua española perteneciente al ámbito del curso de secretariado ejecutivo, el cual abarca una tipología de géneros

tengan sus particularidades, la sensación de deuda (DERRIDA, apud BATALHA E PONTES, 2007) entre original y traducción siempre les persiguirá porque el traductor siempre está en una posición entrelenguas.

variada. Eso porque a través del análisis de géneros que circulan en las prácticas sociales reales podemos describir de forma sistemática y como tarea previa a

2. Análisis del género resumen en la traducción inversa

la traducción, las características típicas del género, una vez que como afirma Bajtín (2005), los géneros tienen características relativamente estables. Desde nuestro punto de vista, los géneros discursivos

(BAJTÍN,

2005)

o

textuales

(BRONCKART, 1999) son herramientas necesarias

Como argumenta Bronckart (1999), hay un architexto que puede brindar al agente productor modelos textuales elaborados sociohistoricamente. Es a partir de estos textos que el estudiante de traducción podrá iniciar su aprendizaje.

para la comprensión y aprendizaje de la traducción.

Sabiendo que la traducción es una actividad

Eso porque la comunicación verbal sólo se realiza por

compleja gobernada por principios semióticos y que

medio de estos enunciados que son tan multiformes

el rol del traductor es el de mediador entre los

como las esferas de la actividad humana, como afirma

interlocutores, empezamos nuestro análisis teniendo

Bajtín (2005). Ellos reflejan las especificidades de cada

presente las características que gobiernan la

esfera de la comunicación, no sólo por su contenido

composición del género resumen científico.

temát ico, por su estilo verbal, sino por su composición y estructuración. Por eso, cada esfera,

En primer lugar, tenemos presente la situación

sea ella la religiosa, la jurídica, la periodística, la

de producción del género. En este punto, hemos

académica, etc.; según Bajtín (2005), elabora para sus

analizado la cuestión del mundo físico que en el caso

prácticas sociales, sus tipos relativamente estables de

de los resúmenes analizados, son textos escritos por

enunciados en función de sus objetivos.

enunciadores de universidades brasileñas.

Así, centrándonos en el propósito de

En cuanto al mundo sociosubjetivo se puede

proporcionar a los alumnos el desar rollo de

decir que los enunciadores son profesores de

capacidades de lenguaje para traducir y verter textos;

enseñanza superior que ya han hecho la tesina de

y conscientes de la complejidad del trabajo de

maestría en el campo de investigación del trabajo a

traducir para alumnos principiantes, describimos

ser publicado y por eso construyen un texto

parte del resultado del proceso de análisis de

fundamentado en la exposición y fundamentación de

resúmenes de trabajos científicos, realizado para

los detalles de sus acciones.

trabajar con alumnos del curso de Secretariado Ejecutivo que hicieron la pasantía en el Laboratorio

En lo referente al dominio social al que pertenece el género, nos basamos en la clasificación

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1177

de Dolz & Schneuwly (2004), que sitúa los géneros

a) los objetivos: en los que se introduce un

como pertenecientes a una de las 5 categorías: I) La

fenómeno no contestable (El objetivo de este

cultura literaria ficcional, II) la transmisión y

estudio ha sido analizar la experiencia de mujeres

documentación de experiencias vividas, III) la

con historia de cáncer de mama);

transmisión y construcción de saberes, IV) la regulación de comportamientos y V) la discusión de problemas polémicos.

b) el método: en el que están presentes los elementos que se refieren al contexto de la acción realizada, tales como, la referencia deíctica en

La conclusión a que hemos llegado es de que

cuanto al lugar en que ha sido realizada la

el género resumen pertenece al dominio de la

investigación (ciudad del Norte de Paraná ).

transmisión y construcción de saberes porque se trata

Además de eso hay referencia en cuanto a los

de presentación de datos obtenidos sobre cuidados

sujetos de la investigación y en cuanto al tiempo

de enfermería en investigaciones realizadas con un

(Participaron del estudio, familiares de pacientes

público que es de la región del Paraná. A partir de

internados en el periodo de febrero de 2008);

estas

investigaciones,

se

han

descubier to

informaciones importantes para el área, las cuales pasarán a formar parte de los saberes construidos por el equipo de enfermería. Los pasos siguientes del análisis se refieren a las particularidades estructurales del texto que tienen que ver con las capacidades de lenguaje que necesitan desarrollar los académicos de secretariado para hacer el trabajo con este tipo de traducción. Empezamos por el aspecto tipológico del resumen: se puede afirmar que predomina el aspecto

c) el procedimiento adoptado para la realización del estudio: el enunciador informa el modo como ha realizado el estudio, según demuestra el ejemplo: (Ha sido aplicado un cuestionario, en el domicilio de las mujeres, con preguntas cerradas); d) los resultados, que son a la vez, respuestas al cuestionamiento presentado en la parte inicial del texto, o sea, en los objetivos. Estos son presentados en la tercera parte del plan textual; e) la relevancia de la investigación: aparece en la cuarta y última parte. Esta parte se refiere al

del exponer, visto que los enunciadores de estos

estadio de evaluación, según la tabla de

géneros no emiten opinión sino demuestran datos

Cristovão (2001, basada en DOLZ &

obtenidos por medio de un análisis científico y en

SCHNEUWLY, 1996). Está compuesta también

pocos resúmenes analizados se manifestó la

por la argumentación o explicación.

argumentación. De este modo, hemos conseguido obtener Teniendo presente la cuestión del aspecto

datos sobre el plan textual del género. Sin embargo,

tipológico, podemos afirmar que para que el

para que el estudiante de traducción conozca bien

enunciador o agente traductor pueda trabajar con

las características del género, es necesario estar atento

este género, es necesar io tener capacidad es

a las particularidades lingüísticas presentes en el texto

discur sivas q ue le pe rmitan t rabajar c on la

y desarrollar, por lo tanto, capacidades lingüístico/

estructura de este género.

discursivas.

Así, los resúmenes siguen un patrón y

Como ejemplo de esas particularidades,

presentan las particularidades que exponemos en la

demostraremos abajo algunos fragmentos que

secuencia. Son ellas:

demuestran la necesidad de desarrollo de capacidades

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1178

lingüístico/discursivas para traducir los mecanismos de textualización. Uno de los resúmenes analizados fue producido en lengua portuguesa del siguiente modo, en la parte del método: Trata-se de um estudo exploratório descritivo de abordagem qualitativa. Este estudo foi realizado na sala de espera do Centro de

Si tenemos en cuenta también los procedimientos universales de la traducción (VÁZQUEZ-AYORA, 1965) y no sólo la teoría del género, tenemos un caso típico de amplificación porque mientras en portugués la acción verbal se demuestra con dos palabras (foi realizado), en español se la demuestra con tres (ha sido realizado).

Terapia Semi-intensiva (CTSI) em um Hospital Público

Dichos mecanismos de textualización,

Universitário de grande porte na cidade de Curitiba.

demuestran también que la modalización lógica

Participaram do estudo, familiares de pacientes

forma parte del discurso, en el cual el enunciado se

internados no período de fevereiro de 2008. A coleta de

presenta de forma impersonal. Es un tipo de

dados foi realizada através de ent re vistas

modalización que demuestra que ni el locutor ni el

audiogravadas, e poster ior mente transcr itas e

destinatario están presentes en la enunciación porque

submetidas ao processo de análise de Minayo.

no es objetivo de este tipo de enunciación dejar

En este fragmento se puede observar que en lugar del enunciador repetir la expresión Este estudo podría ser hecha la sustitución por la conjunción “que” para dejar el lenguaje más conciso - proceso al

explícito marcas del agente productor del texto y del interlocutor, una vez que la enunciación se dirige a un público universal. De este modo, no hay marcas de interacción en el discurso.

que denominaríamos, según la propuesta del ISD,

Otra dirección a la cual el traductor necesita

empaquetamiento por encaje. Así, el fragmento sería

volver su mirada es hacia los elementos lexicales tales

escrito del siguiente modo: Se trata de un estudio

como los que exponemos a seguir y que se

exploratorio descriptivo de abordaje cualitativo que ha

presentaron en resúmenes que formaron parte de

sido realizado en la sala de espera del Centro de Terapia

nuestro corpus de análisis. Son los siguientes:

Se mintensiva (CTSI) en un Hospital Público Universitario de gran porte en la ciudad de Curitiba. Participaron del estudio, familiares de pacientes internados en el periodo de febrero de 2008. La recolección de datos ha sido realizada a través de entrevistas audiograbadas, que posteriormente han sido transcriptas y sometidas al proceso de análisis de Minayo.

a) La expresión Semi-Intensiva de un resumen en p ortugués. Esta expresión no puede ser traducida con el guión en español,, lo que significa que el aprendiente necesita tener la capacidad lingüístico/discursiva para traducir la expresión. Lo mismo pasa con la expresión palabras clave que en portugués sería palavras-

Ateniéndonos a este mismo fragmento

chave. Emplear las palabras clave forma parte de

podemos observar otro mecanismo de textualización

las reglas de composición del género resumen

que forma parte del género resumen científico: el

para publicación en revistas científicas.

uso del verbo foi realizado, el cual está en voz pasiva. Este verbo sería traducido en español por ha sido realizado y es una marca del discurso teór ico autónomo, según la clasificación de tipos de discurso de Bronckart (1999).

b) La expresión grande porte que en español, tenemos que traducirla por gran porte, o sea, se trata de un caso de apócope. Eso tiene que ver con la capacidad lingüístico/discursiva del traductor para acordarse de que en español el

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

adjetivo grande sufre apócop e cuando es acompañado por un sustantivo. c) En la descripción de la metodología empleada tenemos el uso de los verbos en pretérito perfecto simple que es otra característica del discurso teórico autónomo. d) Hay expresiones como a la atención que sufren

1179

Eso significa decir que aprender a traducir, haciendo de ese aprendizaje una práctica social es lo mismo que aprender a ver el texto como un producto a ser transformado y que para eso intervienen factores como conocimiento textual (discursivo e lingüísticodiscursivo) y conocimiento de mundo que está relacionado con la recepción del texto (mundo físico y social).

amplificación. En portugués sería: à atenção, es decir, con menos palabras que en español.

Referencias bibliográficas También es necesario observar que en cuanto al uso del porcentaje presente en resúmenes, en

BATALHA, M.C, PONTES JR, G. (2007): Tradução.

español, hay que poner artículos antes de los

S.Paulo: Vozes.

numerales, procedimiento que en portugués no BAJTÍN, MIJAIL.M. (2005): Estética de la creación

existe.

verbal.1ª.ed.1ª.reimp. Buenos Aires: Siglo XXI Editores

Estos son sólo algunos de los datos encontrados en nuestro corpus, a respecto de los cuales el traductor necesita tener cuidado al hacer traducciones. Por eso, le proponemos el desarrollo de las capacidades de lenguaje (acción, discursiva y lingüístico-discursiva) para traducir adecuadamente,

Argentina. BELISARIO, Gamboa, L. (2004): “La traducción como destreza de mediación y la construcción de uma competencia plurilingüe e pluricultural en el estudiante de ELE”, in: BUESO, Fernández; VÁZQUEZ, Fernández. Funciones comunicativas en situaciones cotidianas. Madrid:

una vez que para la publicación de resúmenes en

1999. Disponible en: . Acesado en 25 jun.2012.

palabras que no pueden ser extrapoladas y si el traductor las extrapola, puede tener problemas con

______. (2004): El texto como eje fundamental de la

su trabajo debido a la no aprobación del resumen para

comunicación discursiva y como unidad articuladora del

la publicación.

proceso traslativo. In: Memória de Máster en Enseñanza de Español como Lengua Extranjera (MEELE), capítulo VII, Universidad Antonio de Nebrij a. Disponível

Consideraciones finales

e m : < h t tp : / / w w w. e du c a c i o n . g o b. e s / d c t m / re d e l e / MaterialRedEle/Biblioteca/2004_BV_02/ 2004_BV_02_09Gamboa.pdf?documentId=0901e72b80e5bf59>.

Los ejemplos demostrados son algunos de los

Acesado en 25 jun.2012.

pocos mecanismos de textualización que deben ser observados en el proceso de la traducción. Para

BRONCKART, J. P. (1999): Atividades de linguagem, textos

hacerlo el traductor/aprendiente de español necesita

e discursos: por um interacionismo sócio-discursivo.

poner en marcha sus capacidades de lenguaje, sin embargo necesitará a cada nuevo texto desconstruirlo

Tradução de Anna Rachel Machado e Péricles Cunha. São Paulo: Educ.

para reflexionar a respecto de las diferentes

CRISTOVÃO, V. L. L. (2001): Gêneros e ensino de leitura

posibilidades de sentidos que se pueden hacer

em LE: Os modelos didáticos de gêneros na construção e

presentes en los géneros.

avaliação de manual didático. Doutorado em L. A. e

1180

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

Estudos da Linguagem, Pontíficia Universidade Católica

JIMÉNEZ, F. Suau. (1999) El género y el registro en la

de São Paulo.

traducción del discurso profesional: un enfoque funcional

DE CERTEAU, M. (1995): A Cultura no plural. São Paulo: Papirus.

aplicable a cualquier lengua de especialidad. in: ALEZA, M; FUSTER, M; LÉPINETTE, B. (eds). El contacto lingüístico en el desarrollo de las lenguas occidentales.

DERRIDA, J. (2002): Torres de Babel. Trad. de Junia

QUADERNS DE FILOLOGIA, vol. 4, Universitat de

Barreto. Belo Horizonte: UFMG.

Valencia.

DOLZ, J.; SCHNEUUWLY, B. (1999): Os Gêneros

LAJES, S. K. (2008): A tarefa do tradutor de Walter

escolares. Tradução de Glaís Sales Cordeiro. Revista

Benjamin: quatro traduções para o português. In: Branco,

Brasileira de Educação, n. 11, p. 5-16, mai/jun/jul/ago.

L.C (org). Belo Horizonte: Fale/UFMG.

DOLZ, J.; SCHNEUUWLY, B. (2004): Gêneros orais e

PASQUIER, A.; DOLZ, Joaquim. (1996): Um Decálogo

escritos na escola. Tradução de Roxane Rojo e Glaís Sales

para Ensinar a Escrever.Cultura y Educación. Tradução

Cordeiro. Campinas: Mercado de Letras.

provisória de Roxane Helena Rodrigues Rojo. Madrid: Infancia y aprendizaje, nº 2, p. 31-41.

FISH, S. (1992): Is there a text in this class? Tradução de Rafael Eugenio HOYOS-ANDRADE. Alfa, São Paulo, 36:

VÁZQUEZ-AYORA, G. (1977): Introducción a la

189-206.

Traductología. Washington: Georgetown University Press.

HERMANS, T. (1996): Translation´s other. Inaugural lecture. London: UCL.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1181

LEITURA NA INTERNET: A LEITURA LITERÁRIA NO ESPAÇO VIRTUAL

Viviane da Silva Santos PG-UERJ

O desenvolvimento da informática e das

conto, o jornal e comunicar-se com alguém via chat,

tecnologias da informação e comunicação (NTIC’s),

oral ou escrito, etc. Todas estas ações são realizadas

a Revolução Tecnológica, gerou profundas

através de softwares, programas, páginas, links. É

transformações em nossa sociedade. Estamos

pertinente observar que estas ações centram-se no

conectados por uma rede (ou por diversas), um meio

ler e escrever, na comunicação. Tais ações, quando

coletivo e interconectado, em um novo espaço e

feitas na/através da Internet, adquirem um novo

tempo advindos da Internet. No entanto, antes da

caráter interativo, ganham outros moldes e

mesma, vale ressaltar que quando falamos em

peculiaridades, exigem novos conhecimentos.

revolução tecnológica, o símbolo maior, enquanto objeto que possibilita toda esta revolução, é o computador, novos campos de estudo como a

A

Internet

é

um

dos

suportes

comunicacionais mais utilizados por todo o mundo.

informática e por fim, a Internet. Este novo espaço e

Não é por acaso que estamos na Sociedade da

tempo dizem respeito às possibilidades interacionais

Informação. Hoje em dia, quando necessitamos (e

que o computador e a Internet oferecem a partir do

não somente quando necessitamos) de uma

nosso espaço físico e tempo cronológico. (LAVID,

informação, ou queremos difundi-la, um dos meios

2005, p. 31-35) Ao sentarmos em frente ao

mais utilizados é a Internet, pela velocidade e

computador e nos conectarmos a rede, podemos

facilidade. Majoritariamente, é por meio da leitura

realizar diversas tarefas nas quais, em nossa vida

que obtemos as informações, desde o ligar o

cotidiana, exige-nos mobilidade e adequação à

computador ao navegar na Internet. O ciberespaço

cronologia que seguimos em sociedade. Como

comporta uma diversidade de gêneros digitais pelo

exemplo das tarefas realizadas frente a um

qual necessitam competências, conhecimentos das

computador com Internet, tem-se as mais comuns

normas de uso. É um espaço marcado pela escrita,

como; fazer compras, jogar, escrever um diário em

apesar das imagens e áudio ou áudio-vídeo, esta

um blog, um recado via e-mail, ler um livro, um

escrita possui peculiaridades do meio, como os links,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1182

é uma escrita hipertextual a que lemos quando

antecede a ele. Segundo Coscarelli (2007, pg. 1), o

navegamos na internet.

hipertexto não é uma novidade adv inda da

É

fato

que

as

possibilidades

de

questionamentos que a leitura no ciberespaço pode gerar são extensas, afinal, como já mencionado, lê-se desde o ligar o computador ao navegar na Internet, e

informática, mas uma forma de funcionamento da cognição humana. Assim, através do computador, o hipertexto foi explorado e mostrado de forma mais explícita.

para esta última à leitura é condição sine qua non..

De forma geral, os autores demonstram ir de

No entanto, podemos fazer um recorte e lançar mão

encontro ao argumento de Coscarelli (2007),

de um dos tópicos que pode ser observado e estudado

admitindo que o hipertexto não é exclusivo do

quando se trata de leitura e cib erespaço,

ambiente virtual, ciberespaço. Ferreira e Felippe

primeiramente pelo baixo número de estudos nesta

(2010) explicitam, por exemplo, que um leitor de um

área, e por ser a narrativa um gênero comum a toda

livro pode fazer diversas conexões à sua memória

sociedade, uma vez que a utilizamos de forma natural

através de seus índices e referências, por exemplo. Tal

em nosso dia a dia.

fato

Hoje em dia não se usa somente os livros para ler narrativas, por exemplo. O ciberespaço tornou-se um meio rápido e eficaz de encontrar o gênero, disponibilizando assim uma infinidade de textos. As nar rativas hiper textuais t razem consigo os questionamentos de sua leitura em relação à leitura em um livro, a diferenciação de suportes. Desta forma, pretende-se

neste

trabalho

confrontar

os

questionamentos acerca de como se desenvolve a



apresenta

sinal

característico

de

hipertextualidade, à medida que o autor compõe sua obra em uma estrutura linear, no entanto, o leitor pode romper esta ordem e seguir seus próprios caminhos. Assim, uma das características mais atribuídas ao hipertexto digital é a não-linearidade, evidenciados em Kirchof (2011), Magnabosco (2009) e Monteiro (2010). Além disso, a interatividade é apontada, também, como característica definidora do hipertexto, uma vez que o leitor no ciberespaço

leitura de narrativa hipertextual no ciberespaço, a fim

interage com o texto momento quando faz eleições

de verificar se há consistência de estudo nesta área

do que ler, até onde ler e como ler.

ou se há brechas para novos questionamentos. Este

Cascarelli (2007) põe em xeque o fato de a

pesquisa foi feita a partir de estudos recentes que

não-linearidade ser a característica definidora do

versam sobre leitura hipertextual e leitura de narrativa hipertextual em comparação com a leitura tradicional, entendida como a leitura de narrativas em livro ou suporte que não seja o ciberespaço. Utilizaram-se artigos publicados em revistas entre os anos de 2000 a 2012, com predominância entre 2008 a 2012.

hipertexto, uma vez que, segundo a autora, não há texto linear justamente devido aos exemplos de Ferreira e Felippe (2010), em relação ao índice, referência, etc. A autora vai além, citando marcas textuais como tamanho da fonte, formato, tópicos, polifonia e intertextualidade, etc. A definição de hipertexto, e aqui explicitamente o eletrônico,

Ciberespaço e Hipertexto digital O primeiro tópico recorrente em todos os trabalhos lidos refere-se à questão do hipertexto no ciberespaço. O hipertexto não é exclusivo deste,

midiático, digital, de acordo com as mais variadas denominações utilizadas nos artigos verificados, tendo como base a não-linearidade Tampouco

será

a

interatividade

a

característica definidora do hipertexto digital,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1183

segundo Coscarelli (2007) e Ferreira e Fellipo (2010),

compra ou um museu interativo. Gêneros estes que

uma vez que o motor da interatividade se situa entre

advém do meio impresso ou físico da realidade

a memória subjetiva do leitor e a interatividade em

externa de cada indivíduo.

relação ao objeto livro (impresso). O objeto livro aqui torna-se um símbolo de oposição ao hipertexto digital, ou seja, no ciberespaço, uma vez que se caracteriza como texto impresso. Livros como “Jogos de Amarelinha” de Cortázar, e “Se um viajante numa noite de inverno” de Ítalo Calvino, são os mais citados nos artigos para exemplificar este caráter interativo e a aproximação com o hipertexto digital.

O avanço tecnológico permitiu que tais gêneros se adaptassem a esta nova realidade social de forma que novos gêneros surgiram e/ou forma adaptados ao ciberespaço. No entanto, alguns gêneros não acompanharam o boom tecnológico, como a literatura, por exemplo. É fácil encontrar através de buscas e palavras chaves textos literários de autores renomados, no entanto, quando se trata de uma

Estas prime iras características não são

literatura eminentemente hipertextual (hipertexto

definidoras em total do hipertexto digital, entretanto,

digital), as obras com maior relevância, em

não se pode renegá-las como uma não característica,

quantidade e estética, se restringem as poesias.

elas ajudam a moldar o que chamamos de hipertexto

Levando em conta que o foco desta pesquisa é a

digital. Dentre os artigos, a característica definidora

narrativa, poderíamos pensar na hiperfição, ou

do hipertexto digital, e o que pode diferenciá-lo do

narrativa hipertextual.

hipertexto impresso, são os links. Em seu artigo, Douglas (2010), apoiado no teórico da mídia John Stalin, defende de que é o link o caráter definidor. Outros autores corroboram com o argumento de D ouglas quando descrevem os links como sinalizadores

gráficos

(FURTADO;

2010),

instrumentos interpretativos (MONTEIRO, 2010). É através do link que um leitor faz escolhas a que caminhos percorrerem no ciberespaço. O leitor faz, através dele, associações e conecta os nós, ou lacunas,

Em seu artigo, Rösing e Rettenmeier (2008) apontam para a estag nação do narrativa hiperficcional, uma vez que, depois do boom entre 1994 e 2000, há uma certa dificuldade em encontrar textos do gênero. Devido a isso, leva-se em contra a análise da narrativa, hiperfição, que está disponível no ciberespaço e suas características. Não há a pretensão de atribuir ou analisar o valor estético, enquanto literatura canônica.

entre as informações. A partir do exposto, o hipertexto digital caracteriza-se por possibilitar associações e conexões

Leitura de narrativa hiperficional e leitura impressa

entre informações através de links, sendo assim multisequencial. Além disso, caracterizam-se pela não-

Levando-se em conta as características do

linearidade, interatividade e hipermedialidade, uma

ciberespaço e do hipertexto, não é difícil pensar que

vez que se encontra no ciberespaço.

os recursos tecnológicos disponíveis facilitem, ou dificultem a leitura no ciberespaço. De fato, Novaes (2011) e Monteiro (2010) corroboram para este

Ciberespaço e hiperficção

pensamento quando expõe que o hipertexto oferece vantagem e eficiência ao navegador no ciberespaço,

O ciberespaço é constituído por hipertextos

principalmente nos processos que envolvem leitura.

de diversos gêneros, do jornal eletrônico ao site de

Por sua vez, Magnabosco (2009) defende que pelo

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1184

caráter maleável e pela diversidade de leituras

hipertextual mostra que a leitura no ambiente impresso

possíveis, o hipertexto pode causar transtornos a

é um pouco diferente no ambiente digital, conforme já

compreensão, além disso, requer uma bagagem de

se havia previsto (NOVAES, 2011, pg. 4197). A autora

conhecimentos específico do ambiente virtual.

baseia-se no fato de a maioria dos informantes

O ciberespaço requer um conhecimento específico e adequado para ser utilizado de maneira mais produtiva e eficaz de acordo com os objetivos de seu uso. Tanto a facilidade, agilidade e eficácia se fazem presente na leitura do hipertexto, quanto à dificuldade e a dispersão. Acredita-se que é necessário um nível de letramento para que o hipertexto seja compreendido eficazmente. O letramento digital pode, e deve ser uma área de pesquisa que trará muitas implicações e conceitos importantes para esta área de estudo. No entanto, há um questionamento que envolve um debate cujo foco deste trabalho se volta e aparece nos artigos lidos. Há neles uma afirmação de que a leitura de hipertexto no ciberespaço tem um caráter distinto da leitura no meio impresso. Esta afirmação é extremamente importante uma vez que traz mais um conceito de leitura ao campo dos estudos da linguagem. Porém, as justificativas para esta afirmação tomam base somente no argumento de que, por ser o hipertexto digital inovador, no que diz respeito ao ambiente em que se encontra, e por exigir do leitor novos conhecimentos no campo tecnológico, de gêneros, etc., a leitura do mesmo é, por consequência, diferente. Monteiro (2010, pg. 8), por exemplo, afirma que a partir do hipertexto não se torna necessário que o leitor siga essa ordem tradicional do livro, pois o hipertexto proporciona uma leitura diferente em que o leitor pode navegar da maneira que desejar. Entretanto, não há nenhuma fundamentação teórica ou prática que sustente esta afirmação. O mesmo ocorre quando Novaes (2011), em seu trabalho, se propôs a analisar a diferença na compreensão de um mesmo texto em suportes diferentes, desta forma, ao concluir sua pesquisa chega a seguinte conclusão: a comparação das versões no suporte impresso ou no

obtiverem um maior número de acertos nas questões propostas, quando lidos em hipertexto digital. O argumento baseia-se no fato de ser o hipertexto mais dinâmico, com maior possibilidade de caminhos a ser seguido, uma mobilidade em rede. Segundo Ferreira e Felippe (2010, pg. 24): A diferença entre o hipertexto-livro e o hipertexto no ciberespaço está no fato de que no ciberespaço o elemento velocidade faz toda a diferença, a conexão é em tempo real, imediata, permitindo passar de uma referência a outra, sendo a conexão imediatamente disponível – dependendo do caso a conexão sim, mas não o “contato” com o(s) sujeitos(s) produtor(es), o que só ocorre excepcionalmente. Em relação ao livro, esta conexão exige uma vinculação com o corpo, além da memória e da subjetividade “presente”. Exige a busca em outros livros pela referência, o trabalho físico de se ausentar de perto do livro para interagir com um outro. Utilizando o computador é possível passar de uma referência a outra, de servidor a servidor, de país a país com um simples click do mouse, em um universo de informações navegável de forma instantânea e reversível.

Dessa forma, fica claro que o “novo modo de ler” na verdade são diferenças que o novo suporte de leitura e escritura implica para o ato de leitura. Não há, comprovadamente, entre os artigos citados um novo modo de ler voltado ao hipertexto digital. Entretanto, se estes artigos não sustentam a afirmativa de que a leitura do hipertexto digital é diferente do texto impresso, os argumentos de que esta leitura não possui nenhuma distinção também estão embasados. Coscarelli (2007) é categórica ao afirmar que não há novidade na leitura hipertextual uma vez que não há texto linear, tanto impresso quanto digital, devido a presença dos títulos, referências, conectores, etc., em ambos. Além disso, segundo a autora, não há leitura linear, pois: Ao lidar com o texto o leitor precisa considerar esses elementos e ativar outras leituras outros

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

conhecimentos, precisa relacionar proposições de partes diferentes do texto e de textos diferentes, precisa ir e voltar no texto, deve considerar seus objetivos de leitura e monitorar a construção de sentido, entre muitas operações que nada têm de linear e que são cruciais para a efetivação da leitura. Por isso, acreditamos, como grande parte dos teóricos da linguagem e da cognição, que não há leitura linear. COSCARELLI, 2007, pg. 2.

Assim, não haverá distinção entre leitura impressa e leitura hipertextual, pois o hipertexto não apresentará elementos desconhecidos ao leitor e não o exigirão habilidades muito específicas a não ser o básico de navegação no ciberespaço. No entanto, a autora atribui a esta constatação o caráter hipotético e deixa explícito em sua conclusão que carece de pesquisas sobre a leitura de hipertextos digitais e os diferentes gêneros envolvidos, já que existe, nestes textos, recursos de navegação não encontrados nos textos impressos. Outros autores como Bellei (2010) e Coelho 92010) apontam para uma variação da leitura, evitando o termo mudança. Esta variação ocorre devido aos recursos que o ciberespaço oferece, bem como o hipertexto.

1185

devido ao fato de, na análise de dados, serem os caminhos e os links seguidos pelo leitor um dos elementos mais pertinentes para desvendar os pormenores da leitura hipertextual. Vale ressaltar que o número de obras hiperficionais no ciberespaço é pequeno se relacionada às expectativas que geraram a revolução tecnológica em relação à circulação de literatura/narrativas eminentemente hipertextuais no ambiente virtual. No entanto, a hiperficção será o gênero a ser pesquisado uma vez está formada sobre a tipologia textual que faz parte da vida cotidiana do indivíduo. Dessa forma, estão familiarizados à forma em que se constrói uma narrativa, e influenciados pela cultura do livro impresso. Confrontar estas realidades será um passo importante para a compreensão da leitura hipertextual. Por fim, notou-se que há explícito nos artigos afirmações que diferenciam o ler em ambiente impresso e no ciberespaço. Porém, esta questão não está suficientemente fundamentada para que se assuma enquanto uma verdade. Como Coscarelli sugere é preciso que se desenvolvam mais pesquisas. Por tudo isso, justifica-se a proposta de pesquisar os pormenores da leitura hipertextual

Conclusão

comparada com a impressa devido à não sustentação pratico/teórica da posição de que há diferença, ou

Pode-se constatar que há questionamentos de

não, entre leitura hipertextual e impressa. Além disso,

diferentes naturezas quando se trata do assunto

a necessidade de mais pesquisas na área, uma vez que

hipertexto, leitura e hiperficção. Os conceitos de

se constatou certa dificuldade em encontrar artigos

hipertexto digital vão de encontro ao fato de que em

que versem sobre o tema proposto.

ambiente impresso, ou seja, em obras impressas também pode haver hipertextualidade, estas com as mesmas características do hipertexto digital, tal como

Referências bibliográficas

o caracterizam, não linear, multimodal, dinâmico, etc. Para diferenciá-lo, buscou-se uma característica

BELLEI, Sérgio Luiz Prado. Literatura e(m) hipertexto. Em:

inerente como os links, responsáveis pelas conexões

Letras hoje. v-45, n. 2, p. 56-61. Porto Alegre, 2010.

e caminhos trilhados pelo leitor. Assim, a visão de

Disponível em: http://revistaseletronicas. pucrs.br/ojs/

hipertexto a qual se pretende seguir vai de encontro

index. php/fale/article/viewFile/7526/5396 Acessado em:

com a que atribui ao link sua característica definidora,

11/06/2012.

1186

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

COELHO, Ana Carolina Sampaio. La literacidad eletrônica

MAGNABOSCO, Gislaine Gracia. Hipertexto e gêneros

y el hipertexto: los caminhos de la literatura digital. Em:

digitais: modificações no ler e escrever? Em: Conjectura, v-

Logos 32 Comunicação e Audivisual, nº 1, 2010. Disponível

14, n. 2, p. 49-63, Caxias do Sul, 2009. Disponível em:

em: http://www. uruguayeduca.edu.uy /Portal.Base/Web/

http://www.ucs. br/etc/revistas/index. php/conjectura /

VerContenido. aspx?ID=212996. Acessado em: 11/06/2012.

article/view File/14/13 Acessado em: 11/06/2012.

COSCARELLI, Carla Viana. Leitura, literatura e

MONTEIRO, Angélica Araújo de. Viagem por trilhas: A

hipertextualidade. Em: Veredas de Rosa III. Belo Horizonte:

leitura Hipertextual. Em: Revista Literis, n° 5, 2010.

CESPUC, 2007. Disponível em: http://www.letras.

disponível em: http://r evistaliter. dominiotemporario

ufmg.br/carlacoscarelli/publicacoes/GRosa.pdf. Acessado

.com / doc/VIAGEMPORTRILHASANGELICA.pdf.

em: 11/06/2012.

Acessado em: 11/06/2012.

DOUGLAS, J. Yellowlees. Tradução SÉRGIO BELLEI.

NOVAES, Tatiani Daiana de. Leitura no suporte impresso e

Lacunas, mapas e percepção: o que os leitores de hipertextos

digital: avaliação de compreensão. Em: Anais do VII

(não) fazem. Em: Letras de Hoje, v-45, n. 2, p. 17-30, Porto

Congresso Internacional da Abralin, p. 4191-4200,

Alegre, 2010. Disponível em: http://revistaseletronicas.

Curitiba, 2011. Disponível em: http://www. abralin.org /

pucrs.br/ojs/index. php/fale/article/view/7524/5394.

abralin11_ cdrom/artigos/ Tatiani_de_Novaes.pdf.

Acessado em: 11/06/2012.

Acessado em: 11/06/2012.

FERREIRA, Rogério de Souza Sérgio. FELIPPE, Maria Alice

RÖSING, Tânia. RETTENMAIER, Miguel. Leitura e

Sena. Discursos e suportes literários informatizados

hipertexto: a lição da literatura infanti-juvenil. Em: Letras

atribuem a autor e leitor novos papéis? Em: IPOTESI, v-14,

de Hoje, v-43, n. 2, p. 36-39, Porto Alegre, 2008. Disponível

n. 1, p. 21-30, Juiz de Fora, 2010. Acessado em: 11/06/2012.

em: http:// revistaseletronicas. pucrs.br/ojs/index. php/

FELIPPE, Maria Alice Sena. Leitura e Internet: o leitor

fale/article /view /4751/3580. Acessado em: 11/06/2012.

imerso em bytes. Em: Hipertextus, n. 4, 2010. Disponível

SILVA, Antônio Carlos Braga. A literatura na era digital.

em: http://www.hipertextus.net/volume4/Mara-Alice-

Em: XII Congresso Internacional da ABRALIC, 2011.

Sena-FELIPE.pdf. Acessado em: 11/06/2012.

disponível em: http://www.abralic.org.br/anais /cong2011/

FURTADO, José Afonso. Hipertexto revisted. Em: Letras de Hoje, v-45, n. 2, p. 31-55, Porto alegre, 2010. Disponível em: http:// revistaseletronicas. pucrs.br/ojs/index. php/ fale/article/view/7525/5395. Acessado em: 11/06/2012. KIRCHOF, Edgar Roberto. Narrativa e Hipertexto. Em: III ENALLI, pg. 97-103 Disponível em: http://www.feevale.br/ Comum/midias/4ad29d8d-33a1-4138-8bef03888abd48dd/24642.pdf. Acessado em: 11/06/2012. LAVID, Julia. Las nuevas tecnologías y su impacto en la educación y las humanidades.Lenguaje y nuevas tecnologías; nuevas perspectivas, métodos y herramientas para el lingüista del siglo XXI. 1. ed. Madrid: Cátedra, 2005. p. 31-58.

AnaisOnline/resumos/TC1118-1.pdf . Acessado em: 11/06/ 2012.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1187

EL BRASIL INTELECTUAL, DE GARCÍA MÉROU, UNA MIRADA ARGENTINA SOBRE LA FORMACIÓN DE LA LITERATURA BRASILEÑA

Weslei R. Cândido UEM

El argentino Martín García Mérou (1862 – 1905) fue poeta, novelista y ensayista en lo que se refiere a su labor literaria. Pero su carrera empezó con la diplomacia, cuando él viajó por varios países, incluso el Brasil. Su libro El Brasil Intelectual (1900) es resultado de su experiencia en tierras brasileñas. Siempre animado por la idea de la amistad entre los dos países, Mérou dio a las letras sudamericanas su contribución, pues él creía faltar contacto entre las

[…] con una vieja deuda de gratitud contraída durante mi(su) permanencia en Río de Janeiro. La hospitalidad brasilera, cuyo esplendor y cuyas delicadezas usted (Julio A. Roca) recuerda siempre con tan justa satisfacción, me impone cuando menos el deber de mostrar a los amigos que supieron hacerme grata mi estadía en el seno de aquella sociedad, que nada de lo que les concierne me ha sido indiferente y que, al trazar esta notas e impresiones literarias, he querido sobre todo transmitir a mis compatriotas algunas de las manifestaciones de su mentalidad tan brillante y tan cultivada. (MÉROU, 1900, p. 06).

literaturas producidas en esta región del continente americano, siendo la literatura producida en el Brasil

Además de la amistad que tiene por los

la menos conocida de los pueblos de lengua española.

brasileños, Mérou considera la mentalidad de los letrados como “brillante” y “cultivada”, por ello ésta

Mérou consideraba que su función como

merece el estudio y la contemplación por parte de

diplomático del gobierno argentino no era sólo

sus compatriotas, así lo deja explícito que hay el

estudiar la política, la economía y el desarrollo social

interés de compartir con otros argentinos lo que es

del Brasil, sino también su formación intelectual, lo

producido en Brasil en términos literarios por lo que

que él hizo en los cortos intervalos que tuvo de sus

él lama de un g rupo selecto de publicistas

tareas políticas.

distinguidos.

El libro con las notas e impresiones literarias

Mérou afirma que de todas las literaturas

sobre el Brasil se publicó, de acuerdo con García

sudamericanas la menos conocida por los argentinos

Mérou, por cumplir:

es la literatura brasileña, pues todos los días, por lo menos, llega un libro de México, Perú, Venezuela o

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1188

Colombia, venciendo la incomunicación intelectual,

“Eduardo Prado,C Coelho Neto, Raul Pompeia,

pero del país vecino no hay noticias de lo que se

Affonso Celso, Lucio de Mendonça, Raymundo

produjo entre los autores brasileños. Esta situación

Correa, Olavo Bilac, Aluizio Acevedo, Medeiros y

es agravada una vez que los libros que llegan a

Albuquerque, Rodrigo Octav io, João Ribeiro,

Argentina ocupan “la necrópolis de las bibliotecas

Fontoura Xavier[…]” (MÉROU, 1900, p. 3). Lo que

públicas”, donde nadie las visita.

espanta al autor en cuestión es justamente el hecho

En un reto a los lectores argentinos, Mérou se pregunta si alguno de ellos conoce a escritores como Rui Barbosa, Joaquim Nabuco, José Carlos Rodrigues, José de Alencar, Machado de Assis, Silvio Romero, José Veríssimo, Carlos Laet o Araripe Júnior. Esta pequeña lista que asoma de pronto en las primeras páginas de El Brasil Intelectual, demuestra quienes serían los grandes nombres de la cultura brasileña en 1900.

de que haya tantos escritores brasileños y tan poco conocimiento de los argentinos de los mismos, pues cree que estos autores tienen mucho a contribuir a la intelectualidad argentina, pues ve a los dos países como naciones hermanas. Por cierto, que, en este momento, está practicando el arte de la diplomacia y acercando a las dos naciones no sólo por el lado político, sino también por la literatura exaltando la necesidad que los argentinos tienen que leer los brasileños.

Y la lista no termina con estos escritores hay

El argumento de Mérou es bien sencillo. Los

muchos más que el representante del gobierno

dos países participaron de los movimientos de

argentino elige como los grandes “intelectuales”

independencia de las naciones americanas, por lo

brasileños, pero antes compara a María, de Jorge

tanto, están conectados por un contexto histórico

Isaacs a Inocência, de Visconde de Taunay, senãlando

común que las une más que a otras naciones del

como las literaturas de lengua española pueden

continente: “Nuestra historia política está en contacto

dialogar con la literatura brasileña: “¿Cuántos de los

con la suya, desde la época colonial. Hemos cruzado

apasionados de María, sospechan que existen en el

nuest ras armas en guerras g loriosas, hemos

Brasil una dulce hermana de la heroína de Isaacs,

favorecido juntos el nacimiento de otras

aquella hermosa Inocência ha referido en una historia

nacionalidades […]”. (MÉROU, 1900, p. 3).

encantadora el vizconde de Taunay…?” (MÉROU, 1900, p. 3).

De ahí que para el diplomático argentino la ignorancia literaria que hay entre Brasil y Argentina

Mismo señalando esta filiación de las dos

sea indisculpable, cómo dos países tan próximos en

novelas y sus semejanzas temáticas, lo que el

proyectos políticos y quizás literarios pueden

diplomático quiere a todo el tiempo es llamar la

ignorarse mutuamente sobre la producción artística

atención para esta ausencia de diálogos entre los

de sus países. Así, propone que haya estudios que

autores del continente americano, dejando a limpio

acerquen los dos países que pueden ser no sólo

la situación de desconocimiento que hay entre la

hermanos

intelectualidad sudamericana de obras hermanas que

intelectualidades, el diálogo traería más beneficios

pueden construir un proyecto de americanidad.

que pérdidas para las dos culturas.

de

armas,

pero

también

de

De pronto sigue la lista de los autores

Además, uno de los cuestionamientos de

brasileños que para Mérou son distinguidos y

García Mérou es muy común a los escritores

refinados poetas y eminentes escritores como:

brasileños, ¿será que tenemos una cultura propia, ya

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1189

producimos literatura o aún somos imitadores de los

Aún el diplomático y crítico argentino sugiere

extranjeros? Esta pregunta es una forma retórica de

que los brasileños debían encabezar la lista de los

demostrar que sí tenemos una cultura y esta puede

vates precursores con el nombre de Camoens, pues

ayudarse, desde que haya estudios de literatura que

como la literatura brasileña en sus inicios es un

señalen los proyectos comunes de producción de

“retoño del tronco portugués” el poeta de Los Lusíadas

literatura en Sudamérica.

es tanto de un lado cuanto de otro, así como lo son

Otra preocupación común entre argentinos y brasileños es el hecho de que somos una cultura joven y por tanto nos había faltado el tiempo para construir

Durão, Basilio da Gama, Caldas, los Alvarengas y Claudio Manuel da Costa, habiendo en sus poesías ecos lejanos de la literatura portuguesa.

una epopeya digna de un pasado propio: “También

Lector confieso de Araripe Júnior, Mérou

nos ha faltado a nosotros ese tiempo, y esperamos

comparte con los lectores argentinos, a quien dirige

todavía el artista inspirado que perpetúe en el verso,

su obra, el concepto de “obnubilación brasílica” al

los cortos accidentes de nuestra ingenua epopeya.”

interpretar como el extranjero (europeo) se siente

(MÉROU, 1900, p. 5). Seguramente, Mérou había

delante de la naturaleza americana, delante de su

leído a José de Alencar y su intento de construir una

extensión e infinitud que llena a los ojos de los

epopeya brasileña que contara el pasado indígena

viajeros que pasan por las tierras brasileñas. De

grandiosamente, de la misma manera que debe

acuerdo con el argentino el concepto de

haberse enterado del fracaso del novelista y su cambio

“obnubilación”: “Consiste […] en la transformación

radical para un plan que sólo lo cumplió por medio

porque pasaban los colonos atravesando el Atlántico

de tres novelas. Este defecto no estaba solamente en

y en su posterior adaptación al medio físico y al

el lado brasileño, sino en todas las naciones

ambiente primitivo”. (MÉROU, 1900, p. 7). Esta

sudamericanas que aguardaban aún en 1900, fecha

naturaleza americana embriaga a los colonos

de publicación del libro, el gran poeta que metrificase

volviéndoles casi salvajes como los indígenas con

nuestro pasado común.

quienes entran en contacto, adoptando las ideas y

Haciendo una cita indirecta a Fernandes Pinheiro habla de la necesidad de una literatura propia en Brasil, pues en la época de la colonización no había entre los brasileños rasgos de originalidad,

hasta mismo costumbres y brutalidades de los autóctonos. Este contacto entre los pueblos tiene su lado negativo:

siendo que: “Así en lo que respecta al Brasil, su literatura colonial no es sino un vivo retoño del tronco portugués […].” (MÉROU, 1900, p. 5). Con esto Mérou va presentando la literatura brasileña a los lectores argentinos, por medio de la lectura que él mismo ha hecho de los primeros historiadores de la literatura brasileña, lo que demuestra todo el esfuerzo de este argentino en comprender el proceso de formación de la literatura brasileña por medio de sus propios autores, valorando lo que él llama de intelectualidad brasileña.

La influencia de nuevas gentes, la facilidad del contacto con los pueblos del viejo mundo, las corrientes inmigratorias, que se difunden en todos los ámbitos del país, y que luchan sin tregua por el sometimiento de la naturaleza, son otras tantas causas que en el Brasil concurren para que la acción del medio se debilite, en detrimento de la originalidad individual. Consecuencia de estos hechos, es el espíritu de imitación que estraga la cultura intelectual de aquella nación[…]. (MÉROU, 1900, p. 7).

El creciente contacto con nuevas culturas y con las “acciones del medio”, o sea, la naturaleza

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1190

grandiosa que está alrededor de los intelectuales, los

Sobre el influjo de la cultura francesa en los

lleva a una exagerada imitación del entorno natural,

primeros años de formación de la literatura brasileña,

lo que molesta el desarrollo de una cultura intelectual

Mérou afirma:

en Brasil, esto conlleva un retraso en este pueblo que hay que ser superado. En situación semejante a de los intelectuales brasileños se encuentran los de la República del Norte, así los llama Mérou, pues buscaron en los extranjeros inspiración para componer sus obras de arte, buscaron la reglas, las fuentes y la sanción de su arte en el viejo mundo, intentando alcanzar un fallo

También en el Brasil, la inmensa mayoría de los libros, delatan una especie de infiltración del espíritu de los maestros extranjeros. Los que aspiran a poseer una literatura aborigen y un arte indígena, se sublevan contra este sometimiento del espíritu y claman por una “independencia moral”, como complemento de la independencia política. ¿Pueden aspirar a ella nuestros vecinos y jactarse de poseer un “espíritu brasilero”, cuando no tienen todavía una nacionalidad formada y homogénea, y una verdadera etnografía moral?... (MÉROU, 1900, p. 8).

positivo para sus producciones en los ar tistas europeos, pues la ambición de los colonos era tener

Aquí la crítica se centra en los autores que

una producción artística que estuviera de hombros

defienden una literatura aborigen y el arte indígena

con la cultura de los franceses a quiénes tanto

como una forma de independencia literaria que

admiraron los primeros escritores americanos.

complementa la independencia política, y llama la atención sobre esta trampa, que para Mérou es

Se percibe que Mérou es un americanista, no analiza la formación de la literatura brasileña aislada de todo el continente, sino que la compara con la producción artística de Argentina, con quién exalta la hermandad con Brasil, y también con la literatura producida por los estadounidenses que aun buscaban en el viejo mundo la aprobación para sus primeros ensayos en el campo de la literatura. Esta visión continental de Mérou ayuda a comprender el proceso de formación de las literaturas en las jóvenes repúblicas americanas, pues explícita procesos semejantes de apropiación de la cultura ajena y también de su aprobación frente a una literatura más vieja y ya respetada en la Europa. Muchos años más tarde el crítico brasileño Antonio

innegable que todavía hay una “infiltración del espíritu de los maestros extranjeros” en los libros de los autores brasileños y para él es muy temprano para decir que los brasileños ya están libres de los influjos extranjeros. De ahí que hace algunos cuestionamientos, pues cree que una nación que todavía no tiene una nacionalidad formada proyectar la afirmación de un arte propio es una soberbia que aún no se justifica. Se percibe que para el argentino la afirmación de los autores de la joven nación brasileña es osada para el momento en que estaban, pues todavía la nacionalidad estaba en proceso de consolidación, así como para los argentinos y los estadounidenses que también delataban en sus obras la presencia del pensamiento europeo en la constitución de las mismas.

Candido (1975) plasmará este conflicto inicial de la literatura brasileña como el choque entre el “local” y

García Mérou, basado en las ideas de Joseph

el universal y más adelante el crítico peruano Cornejo

Texte, es un defensor de los diálogos entre las culturas,

Polar (2000) lo definirá como el choque entre el

y son éstos que enriquecen a los pueblos, el

“propio” y el “ajeno”. Esto demuestra que la visión

desplazamiento de las ideas de sus orígenes añaden un

continental de Mérou es muy moderna para su época,

nuevo aliento a ellas, convirtiéndolas en formas de

una vez que el diplomático escribió su libro a fines

construcción de nuevas literaturas y nuevas culturas.

del siglo XIX y lo publicó en el año de 1900.

El entrecruzamiento de ideas favorece la formación

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1191

de un pensamiento más amplio, pues en este proceso

Brasil ahora es una más, y así compar tir sus

de entrecruzamientos las ideas se transforman. Así

producciones con otros países americanos como la

estudiar los diálogos entre los países vecinos es una

Argentina, encerrando la ausencia de diálogo entre

forma de enriquecer la cultura del continente, no se

los dos países, lo que aumentaría el alcance de las

justifica para él que los autores brasileños ambicionen

ideas de los distinguidos poetas y publicistas que dijo

la originalidad, siendo que pueden ganar más con los

Mérou haber tenido contacto en el tiempo que llevó

contactos, participando de una creación más amplia

viviendo en Brasil.

que es de la creación de una cultura americana.

Al fin y al cabo se puede decir que Mérou,

Para Mérou no “hay literatura cuya historia

con sus técnicas de un buen diplomático, es un

se encierre en los límites de su país de origen.” (1900,

propagandista de la literatura brasileña en su país,

p. 9). Entonces la literatura brasileña tampoco puede

analizando el proceso de formación de esta literatura

encerrarse en sus fronteras anhelando una

en comparación con las demás producciones

originalidad que no existió ni en la literatura europea.

americanas, buscando una visión continental del

Para el diplomático argentino en Europa hacía unos

proceso de formación de la literatura brasileña en el

ocho siglos que había un fuerte entrecruzamiento de

contexto de inauguración de las nuevas repúblicas en

ideas, produciendo lo que él llamó de “cambio” y

el continente americano, señalando como este

“comercio” de ideas: los alemanes alimentándose de

proceso de consolidación literaria pasa también por

las ideas francesas, los ingleses de los alemanes y los

el proceso de afirmación de las políticas de creación

españoles de los italianos, de forma que no hay

de las naciones en América.

originalidad ni entre los padrinos literarios en que buscaban apoyo los escritores americanos de una forma general. García Mérou, quizás por su afán diplomático, defiende la idea que la literatura brasileña ganaría mucho más en establecer diálogos con los países

Referencias bibliográficas GARCÍA MÉROU, Martín. El Brasil Intelect ual. Impresiones y notas literarias. Buenos Aires: Félix Lajouane Editor, 1900.

vecinos de su continente, como la Argentina, y más lejos con los Estados Unidos, y que debería sacar

CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira.

ventajas de la relación con su ex metrópolis, al revés

5 ed. Belo Horizonte – MG: Ed. Itatiaia; São Paulo: EDUSP,

de buscar una originalidad que la aislaría de todas

1975.

las demás culturas.

POLAR, Antonio Cornejo. Organização Mario J. Valdés.

Por ello, no se debería negar los influjos, antes sí, aceptarlos como una forma de enriquecimiento mutuo, aprovechando me jor estos cambios y comercios de ideas entre las naciones, de las cuales

Trad. Ilka Valle de Carvalho. O Condor Voa. Literatura e Cultura Latino-Americanas. Belo Horizonte – MG: Editora da UFMG, 2000.

1192

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

SOBRE A ESCRITURA PICTURAL DE ALEJANDRO XUL SOLAR1

Yara Augusto PG-UFMG

Pintor, escribidor y pocas cosas más. (XUL SOLAR, 2005, p. 132)

Do passado caligráfico que me vejo obrigado a lhes supor, as palavras conservaram sua derivação do desenho e seu estado de coisa desenhada: de modo que devo lê-las superpostas a si próprias; são palavras desenhando palavras. (...) Texto em imagem. (FOUCAULT, 1989, p. 25)

Autor de uma das obras mais significativas e

reflete-se na heterogeneidade de sua produção,

intrincadas da modernidade argentina e da arte

executada a partir de vários campos artísticos, e no

latino-americana do século XX, Alejandro Xul Solar

caráter híbrido das obras intersemióticas por ele

(1887-1963) foi um criador inveterado, interessado

realizadas.

por diversas artes, disciplinas e mecanismos de significação. No interstício entre as artes, desenvolveu uma produção instigante, que investiga as potencialidades expressivas inerentes à aproximação entre distintos sistemas semióticos. Nascido na Argentina e filho de imigrantes, Xul Solar foi, por princípio, alguém que vivenciou a soma de culturas e tradições distintas que se inscreviam no país durante o processo de modernização. Essa condição de artista formado em uma cultura de mescla, expressão cunhada por Beatriz Sarlo (1988, p. 15) para definir a cultura argentina, tensionada entre os resquícios da cultura rural criolla - o elemento autóctone - e as aspirações de modernidade e vanguarda europeias,

Na Europa do início do século XX, destino de jovens artistas e intelectuais latino-americanos que desejam complementar sua formação, Xul Solar estabelece contato com as vanguardas e suas inovadoras propostas e técnicas ar tísticas. E entusiasma-se com a pretensão de recriar toda uma tradição por um viés moderno, com o objetivo de instaurar uma nova arte. Movido pelo ímpeto de renovação estética, Xul Solar formula o neocriollo, língua artificial de aspiração utópica, composta, inicialmente, por vocábulos do espanhol, português e inglês, e concebida com a intenção de expressar toda sorte de significados. Mais tarde, elabora também um conjunto de sistemas gráficos de linguagem a serem

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1193

utilizados em pintura. Criações linguísticas

percurso de inserção da escritura na pintura de Xul

amplamente empregadas em seus trabalhos artísticos,

Solar consiste em uma gradação, em que textos e

e que constituem componentes relevantes de um

imagens se combinam em uma mescla que, ao longo

projeto estético, baseado, sobretudo, em pintura e

do processo evolutivo de criação, adquire diversas

escritura. Na obra do artista, os jogos poéticos entre

configurações, até alcançar o indissociável. Diante

texto e imagem constituem um modo estimulante de

disso, os trabalhos pictóricos do artista puderam ser

conformar sentidos.

elencados em quatro categorias fundamentais, a

A abordagem das implicações escriturais e plásticas da instauração do inter-relacionamento entre texto e imagem na produção do artista segue,

saber: a pintura legendada, a pintura verbal, as grafías, ditas herméticas, e, finalmente, as grafías plastiútiles ou pensinformas.

no entanto, ainda pouco explorada. Sob tal

Toda a nossa experiência da pintura comporta

perspectiva, este estudo analisa o diálogo estabelecido

um considerável componente verbal, já que os

entre as artes do visual e do verbal, a partir do

quadros jamais são vistos sozinhos, como uma visão

processo de inserção da escritura na obra plástica de

pura, mas, como observa Michel Butor (1969, p. 8),

Ale jandro Xul Solar. Segundo uma leitura

encontram-se imersos em um universo de

transdisciplinar da obra de Xul Solar, inquiriu-se a

comentários de crítica de arte, catálogos, resenhas,

evolução do trabalho do artista em seu processo

convites e etc. Diante disso, constatamos que as

progressivo de imbricação das artes da imagem e do

pinturas são socialmente determinadas por discursos

texto. Ao investigar as diversas nuances conformadas

verbais externos às obras, como aqueles que

pelo contato entre texto e imagem, buscou-se,

conformam os títulos atribuídos aos trabalhos

sobretudo, teorizar a respeito da poética visual

artísticos. Essa relação entre as obras de arte e os

resultante do trabalho artístico desenvolv ido

enunciados verbais se intensifica, especialmente,

enquanto escritur a pictural. E desse modo,

quando as palavras adentram a pintura. Apesar de a

desenvolver uma apreciação das obras selecionadas,

datação dos quadros de Xul Solar não ser estritamente

devidamente situadas em seu contexto de produção,

precisa, podemos demarcar que a incorporação da

no que concerne à plasticidade e à legibilidade destas,

escritura em sua pintura tem início entre os anos de

a partir da inserção, justaposição, ou fusão entre texto

1916 e 1918 aproximadamente, a partir do transporte

e imagem. Para tanto, foram selecionadas pinturas,

dos títulos dos trabalhos do exterior para a

em aquarela e têmpera, que se apresentam como

interioridade das obras. Com a inserção dos títulos

obras emblemát icas das distintas expressões

próximos ao espaço de composição pictórico, estes

estabelecidas na relação de aproximação entre texto

passam a constituir parte inerente das criações, e a

e imagem.

contribuir mais diretamente para a produção de

A premente busca por uma arte compósita faz

sentido dos trabalhos.

com que a produção pictórica de Xul Solar constitua

Como obra emblemática do período, temos

uma trajetória criativa de confluências entre escritura

El sol herido (“O sol ferido”, 1918), cuja representação

e pintura. Nesse sentido, Xul Solar parece

tematiza o sol como uma divindade que trava um

compreender que entre os atos de escrever e de pintar

combate com um guerreiro indígena, em uma possível

existe um elemento primordialmente comum - o

alusão às narrativas mesoamericanas da era pré-

traço - produto do gesto gráfico, do ato de marcar

colombiana, como o mito fundador El Fechador del

um suporte, de uma impressão. Verificou-se que o

Sol, da cultura mixteca. Na pintura dos códices,

1194

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

segundo observa Santos Zuzunegui (2007, p. 104),

recepção, os títulos representam, por sua vez, certa

os mixtecas criaram técnicas de registro gráfico que,

ancoragem de sentido para o entendimento das

ao fazerem o verbal e o visual convergirem em

imagens. A leitura dos títulos dispostos diretamente

figurações simbólicas, encenam um duplo nível de

sobre a obra gera uma espécie de afirmação destes,

leitura para as obras. Na produção de Xul Solar, em

tendo em vista que condiciona ainda mais o receptor

que temos a representação imagética justaposta a um

a interpretar a pintura consoante ao elemento verbal

texto, existe uma referenciação entre código visual e

do que quando há uma textualidade externa ao objeto

verbal, que se manifesta, sob outra ordem, na esfera

artístico. Nesse aspecto, a inserção textual

da recepção, pois quem observa a pintura, lê o texto,

corresponde a um mecanismo de endosso do

e aquele que observa o texto, busca ler a pintura. Se

conteúdo comunicado, que se apresenta, por

na obra do artista, o processamento dos dois códigos

conseguinte, duplamente expresso na obra, na

não se dá de modo concomitante, como na pintura/

representação imagética e no enunciado da legenda.

escritura mixteca, mas de maneira subsequente, em

Isso somente ocorre, uma vez que os títulos

outra temporalidade, ainda sim, os dois códigos são

interpostos junto às obras de Xul Solar mantêm, de

lidos de modo intrinsecamente relacionado.

modo geral, uma evidente conexão com a cena

A obra El sol herido consiste em uma pintura

pintada.

em aquarela sobre papel, montada sobre cartão, em

Posteriormente, com o adensamento do

um encaixe de suportes. Nesse espaço híbrido, que se

projeto de reinvenção linguística aventado por Xul

insinua como pintura nos traços delineados e

Solar, a aproximação entre distintos fazeres criativos

também dá a ver o suporte – e sua exterioridade –

emerge como um movimento consequente e natural.

irrompe a inserção de uma inscrição textual. É como

Signos, palavras e pequenos textos alcançam, por

se fosse delimitado um núcleo, onde estão situadas

conseguinte, o interior das pinturas de Xul Solar,

as imagens, e a obra se diluísse em relação à periferia

inserindo-se completamente na superfície pictórica,

do quadro, onde surge o texto. Redigida em caligrafia

como constituintes da representação, harmonizados

tímida e bem cuidada, a inscrição é composta pelo

com o arranjo de formas do quadro. Desse modo,

título da obra em inglês (The wounded sun) e em

texto e imagem se coadunam para gerar os devidos

francês (Le soleil blessé), em uma mostra do interesse

efeitos de sentido a serem suscitados pela composição

linguístico e do desejo do pintor de dialogar com

pictural. Mario Gradowczyk (1994, p. 50), grande

diferentes culturas, juntamente com a assinatura do

estudioso da obra de Xul Solar, denomina a tal

artista. Em tais pinturas, as imagens precedem os

elaboração pictural, que introduz textos curtos

textos no esquema de representação e o escritural,

redigidos em neocriollo rudimentar, relativamente

como legenda, existe em relação direta com a cena

legível, aos quadros, de pintura verbal. Nana Watzin

pintada, pois pressupõe o imagético.

(1923), obra que representa em pintura o mito

A localização periférica, a objetividade e o pequeno tamanho da fonte das inscrições são características que conferem o atributo de legenda à escr itura, o que, entretanto, não diminui a abrangência dos textos veiculados. Podemos perceber que, se na esfera da produção, o texto se alinha à imagem e se origina a partir dela, na perspectiva da

cosmogônico asteca de criação do sol e da lua, é representativa desse modo pictural. Na pintura verbal, mescla heterogênea de signos e figuras, temos uma associação de elementos de sistemas semióticos diversos, que são discerníveis ao olhar do receptor, pois não há imbricação, mas uma bem elaborada concatenação entre sistemas de significação.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1195

Ao adentrar a superfície pictórica, a escritura

da escritura na elaboração da cena. Nesse sentido, ao

é valorizada em seu caráter expressivo e visual, na

adentrar o quadro, a escritura impacta as figurações

qualidade de letrismo ou grafismo, combinando-se

representadas e contribui para a concatenação de

às figurações pintadas. Nas criações do período,

sentidos no trabalho plástico que, na dinâmica entre

temos, portanto, uma expressão mais acentuada da

texto e imagem, constrói-se como narrativa imagética.

articulação entre verbal e icônico do que na pintura legendada. As palavras, signos e expressões presentes na pintura constituem fragmentos indiciais, potências de significação, ou ainda “ideogramas”, no dizer de Alfredo Rubione (1987, p. 89), pois como signos linguísticos cunhados na imagem, exigem que o receptor descubra as pistas neles abrigadas e depreenda sentidos. É preciso relacioná-las entre si, bem como também às figurações imagéticas do quadro, para avançar na busca pelas correlações de sentido entre os elementos da pintura, assim como na elaboração do significado do quadro. Tensionado entre textos e imagens, que partilham o mesmo espaço, integrados em um único conjunto, o receptor é provocado e tem de lidar com dois códigos na busca pela construção de sentido da obra.

A partir de 1935, Xul Solar realiza os quadros pertencentes à série Todo Escrito (Tudo Escrito), que constituem a primeira produção de grafías do artista. Diante de tais pinturas, o receptor não mais oscila entre as imagens e os elementos verbais, pois a sua atenção se detém nos traços, signos e intervalos que delineiam a plasticidade de um grafar bastante pessoal. Nos quadros desse ciclo, a exemplo de Grafía Antica (1939), a escritura, tornada imagem, governa o espaço pictórico e emerge como o motivo focal da representação, ao conformar grafismos que salientam o gesto escritural. As grafias, surgidas da intersecção entre grafito e grafema, têm a sua materialidade visual salientada, e são indicativas de um percurso da mão, do ato de marcar, corromper um suporte. Nessas pinturas, emaranhados de grafismos se superpõem e

Na cena ritual retratada em Nana Watzin, a

dissolvem, em camadas e tramas textuais, construídas

escritura, enquanto consubstanciadora de aspirações

por meio das transparências e veladuras da técnica

e votos cerimoniais, tanto se refere às figuras pintadas,

de têmpera sobre papel. Com tais obras, Xul Solar

enaltecendo e referendando-lhes o sentido, quanto

confere um novo patamar para o diálogo entre texto

se apresenta como objeto de culto, espécie de insólito

e imagem instaurado em sua produção artística, que

personagem materializado pelo rito. Estruturada em

se torna ainda mais vívido, tendo em vista que ele

enunciados breves e fragmentos textuais distribuídos

promove a conjunção entre os gestos de escrever e de

pelo quadro, a escritura é fabulada a partir da mescla

pintar na produção de seus trabalhos.

de diferentes línguas, composta por letras, signos e palavras em espanhol, em português e no idioma asteca nahuatl, constituintes significativos do novo idioma. O texto se espalha pelo suporte e envolve as figuras representadas, nomeando-as, operando como saudações e gerando alusões. Algumas deidades, como Xolotl e Tlazolteoltl, que não se encontram diretamente representadas na obra por meio de figurações, são invocadas a compor a pintura, por meio da inscrição do nome dos referidos deuses na superfície pictural, o que ressalta a atuação essencial

Fundados na dualidade verbal/ icônico, os quadros da série sugerem grafismos elaborados de acordo com algum sistema simplificado de linguagem. Como nos informa Patrícia Artundo (2005, p. 28), Xul Solar, inclusive, dispunha de manuais de taquigrafia segundo as metodologias de Francisco P. Martí e de Isaac Pitman. Como escrituras de artista, as grafías de Xul Solar configuram, entretanto, inscrições particularizadas, de significação não partilhada, visíveis, porém não legíveis, uma vez que não possuem uma chave léxica que opere como um guia para a

1196

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

decifração e interpretação de seu conteúdo. Tal

que constituem o auge do processo de imbricação entre

experimentação gráfica convertida em código fechado

pintura e escritura no percurso artístico de Xul Solar.

faz sobrevir o significante em seu estrato visual,

A suposta prevalência icônica das representações, que

sugerindo-nos uma mística da escritura, em que a

sugerem pinturas abstratas ou o exercício de um

necessidade de comunicar cede ao desejo de compor

grafismo livre, dissimula o arcabouço simbólico, o

um enigma por meio da língua. A ilegibilidade dos

conteúdo verbal, subjacente nessas pinturas. Nas obras,

conteúdos cifrados no texto soa bastante provocativa,

constrói-se uma escritura de destacada plasticidade,

já que vai de encontro à celebrada função

por meio dos signos representados, que conformam

comunicativa da linguagem, de caráter fundamental

um texto, cuja significação atravessa e ultrapassa o

para os linguistas. Diante da ausência de uma

quadro, ao fundar-se a partir de um novo código

apreensão imediata de significados no contato com a

expressivo, que inscreve uma gramática visual própria.

escritura, o que se ressalta é uma característica

O artista concebeu suas “formas pensamento” como a

intrínseca a todas as escrituras: a inexistência de um

integração de textos, de sua autoria ou apropriações,

sentido imanente e fixo, de uma interpretação una,

com as formas geométricas ou pictóricas que os

correta e definitiva a ser depreendida dos textos. Nessa

representariam, visando a promover uma nova

perspectiva, como afirma Derrida (2009, p. 410), “a

comunicação visual.

ausência de significado transcendental amplia indefinidamente o campo e o jogo da significação.”

Xul Solar experimentou e perseguiu os mecanismos de uma criação artística que produzisse

Grafía Antica, como nos sugere seu título,

a correspondência entre escritura e pintura, para

alude-nos a uma escritura anterior, tendo em vista

somente alcançá-lo ao final da vida, com a criação

que antica, do latim antîcus/ antîquus remete àquilo

de complexos sistemas de notações, segundo os quais

que “existe previamente”, que é “antigo”. Em um recuo

seus quadros eram elaborados. Para tanto,

no tempo, ao evocar formas primitivas de marcação,

desenvolveu diversos alfabetos silábico-morfológicos,

como as proto-escritas, os grafismos presentes no

cujos signos ao se combinarem, geravam uma singular

quadro parecem sugerir um retorno às origens da

escritura por meio da construção pictural dos

escrita,m sua composição,y Xul Solar, rafia, segundo

trabalhos. Na produção dessas pinturas, Xul Solar

os sistemas de às inscrições primevas traçadas pela

elegia um texto a ser traduzido para o mecanismo de

mão do homem, gravadas na argila e na rocha,

codificação fabulado por ele e, a seguir, transportava

pintadas nas paredes das cavernas. Em contraposição

a estruturação gráfica resultante desse processo

às teorias que asseveram que a linguagem oral seria a

tradutório para superfície do quadro, concedendo-

base fundadora da escrita, a partir da transcrição da

lhe tratamento artístico. As representações eram

fala, emergem estudos recentes que argumentam em

elaboradas pelo artista por meio da concatenação de

favor de uma origem icônica da escrita. Xul Solar

grafismos pertencentes a um ou mais sistemas de

parece corroborar tal proposição, ao compor

grafías plastiútiles. A partir desse modo de pintura/

grafismos, que constituem marcas e rastros de um

escritura, constituía-se uma representação pictórica

processo escritural, singular e impenetrável,

de um simbolismo velado, que expõe um texto cifrado

suportado por seu caráter estético.

nas formas e cores da pintura.

A primeira série de grafías parece ter se

Nas obras, o enunciado textual, anteriormente

constituído como um estudo para as grafías

presente na pintura verbal de Xul Solar, torna-se

plastiútiles, obras realizadas ao final da década de 50,

imbricado com o estrato visual do significante,

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1197

intensamente explorado nas primeiras grafías, ditas

antes, como poesia visual. Conforme afirma Leo Hoek

herméticas. Os quadros recebiam ainda inscrições,

(2006, p. 185), a escritura na poesia visual “é encarada

que traduzem o enunciado verbal codificado nas

como imagem: o texto que é normalmente

pinturas para a língua neocriollo. Esses textos se

instrumento de codificação linguística torna-se

encontram inseridos, geralmente, na parte inferior

[também], aqui, objeto de outro tipo de codificação:

das obras, como na pintura legendada. Diante disso,

a icônica.” As pinturas de pensiformas, no entanto,

como assevera Gradowczyk (1994, p. 205), podemos

diferenciam-se das primeiras grafías, pois estabelecem

concluir que tais obras constituem uma espécie de

um estimulante jogo expressivo com o significante,

somatória do que já realizara Xul Solar no decorrer

sem, contudo, privarem-se de conservar um

de sua produção.

significado inerente às formas representadas. Em

Dentre algumas das pinturas de pensiformas mais conhecidas, temos a série de trabalhos criados a partir do adágio “Pax, Worke, Love”. Com a intervenção de Xul Solar, a estrutura originalmente binária do dito, que embalou o movimento beatnik e a geração hippie, é convertida em triádica, a partir da

outros termos, as pensiformas se alinham ao conceito de poesia visual, uma vez que se concretizam a partir de

uma

constituição

artística

sincrética,

intersemiótica, estabelecida a partir de uma estrutura formal que faz texto e imagem convergirem em uma escritura pictural.

interposição da palavra trabalho - compreendida

No p ercurso que v isamos empreender,

como esforço laboral - ao aforismo. Nas obras, o título

procuramos demonstrar como a produção pictórica

referencia o texto representado na pintura das grafias

de Xul Solar conforma uma espécie de continuum de

plastiútiles, “Paz, Trabalho e Amor”, por meio dos

aproximação entre as artes do texto e da imagem.

signos conformados no referido texto, e

Acompanhamos o surgimento de uma escritura

artisticamente elaborados. Xul Solar costumava

incipiente, espécie de legenda do quadro que,

representar um mesmo tema ou texto em várias

posteriormente, avança para a superfície pictural e

pinturas, elaboradas segundo diferentes sistemas

converte o trabalho em pintura verbal. Nos dois

gráficos de linguagem, como no caso do referido

primeiros momentos de sua produção, as inscrições

aforismo, que originou quadros feitos a partir dos

eram utilizadas como endosso e esclarecimento da

alfabetos de grafias cursivo, silábico, vegetal e etc. Se

imagem pintada, referendando-lhe os conteúdos. As

isso gerava a variação formal das representações, por

pinturas verbais também traziam à cena, por meio

meio de distintas sintaxes textuais, usos de luz e cores,

da escritura, simbologias com o valor de figuração,

composições de formas etc., determinava, por outra

assim como fomentavam a estrutura de narrativa

parte, um atrelamento semântico entre os distintos

imagética dos quadros. Posteriormente, com as

quadros provindos de um mesmo texto.

primeiras grafías, que valorizam o caráter icônico da

Nas grafías plastiútiles, assim como nas

escritura, signos e grafismos, ao se tornarem imagens,

primeiras grafías de codificação fechada, temos

como motivo de representação, constituem um modo

trabalhos que se constituem a partir da imbricação

de poesia visual. Emerge uma textualidade pictórica

entre sistemas semióticos, uma vez que pintura e

de código fechado e caráter enigmático, que nos alude

escritura coincidem, tornando-se indissociáveis, de

ao gesto inaugural da escrita, não compreendido

modo a compor signos e grafismos de proeminente

como o registro de uma fala, mas o traço operado

plasticidade. Em ambas séries de pinturas, surge um

pela mão. E finalmente, com as pensiformas, temos a

mecanismo de construção pictural que se conforma,

criação de um original mecanismo de pintura-

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

1198

escritura, que reúne proporcionalmente, iconicidade

PINACOTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Xul Solar:

e simbolicidade, imbricando os diferentes sistemas

visões e revelações. Buenos Aires/ São Paulo: MALBA/

semióticos na feitura de uma poesia visual, que se faz

Pinacoteca de São Paulo, p. 21-33.

um original modo de escritura pictural. Na trajetória artística que realiza, movido pela

BUTOR, Michel (1969): Les mots dans la peinture. Genebra: Skira.

incessante busca por um mecanismo de pintura/

DERRIDA, Jacques (2009): A escritura e a diferença. São

escr itura, que produzisse uma espécie de

Paulo: Perspectiva.

metaliguagem plástica, uma poética do traço, o artista concebe uma diversificada produção pictórica. Percebemos que, após transitar entre a prevalência

FOUCAULT, Michel (1989): Isto não é um cachimbo. São Paulo: Paz e Terra.

do caráter linguístico/ verbal do texto, das pinturas

GRADOWCZYK, Mario (1994): Alejandro Xul Solar.

legendada e verbal, e a supremacia da iconicidade do

Buenos Aires: Ediciones Alba; Fundação Bunge y Born.

escrito, das primeiras grafías, o artista opta por uma mediação e direciona a sua produção pictórica final, as pensiformas, a uma posição dita intermediária, que conjuga escritura e pintura, de maneira equilibrada. Ao reunir o verbal e o visual, o poético e o plástico,

HOEK, Leo (2006): A tranposição intersemiótica: por uma classificação pragmática. Em: ARBEX, Márcia. Poéticas do visível: ensaios sobre escrita e imagem.Belo Horizonte: Programa de pós-graduação em Letras: Estudos Literários, Universidade Federal de Minas Gerais.

em uma arte de comunicação, Xul Solar alcança, enfim, a criação de imagens artísticas que se fazem

SARLO, Beatriz (1988): Una modernidad periférica: Buenos

um modo de escritura pictural, e que podem ser

Aires 1920 y 1930. Buenos Aires: Ediciones Nueva Visión.

compreendidas como uma poética do “texto em

XUL SOLAR, Alejandro(2005): Autómatas en la história

imagem.

chica. Em: Alejandro Xul Solar. Entrevistas, artículos y textos inéditos. Organização e prólogo de Patricia M. Artundo. Buenos Aires: Corregidor, p. 132-145.

Referências bibliográficas ZUZUNEGUI, Santos (2007): El período de la imagen ARTUNDO, Pat ricia (2005): Papéis de tr abalho. Introdução a uma exposição retrospectiva de Xul Solar. Em: MUSEO DEL ARTE LATINOAMERICANO;

única. Em: Pensar la imagen. 6. ed. Madrid: Ediciones Cátedra, p. 104.

ATAS DO VII CONGRESSO BRASILEIRO DE HISPANISTAS

ANEXOS

FIG.2: Xul Solar. Nana Watzin. 1923. Têmpera sobre papel. 23,5 x 31,5 cm. Fonte: GRADOWCZYK, 1994, p.85. FIG.1: Xul Solar. El sol herido. 1918. Aquarela sobre papel. 25 x 21 cm. Fonte: GRADOWCZYK, 1994, p.36.

FIG.3: Xul Solar. Grafía Antica. 1939. Têmpera sobre papel. 35 x 55 cm. Fonte: GRADOWCZYK, 1994, p.208.

FIG.4: Xul Solar. Pax, Worke, Love. 1961. Têmpera sobre papel. 16,4 x 22 cm. Sistema cursivo. Fonte: Museu Xul Solar. Disponível em:

Notas 1

Este estudo apresenta alguns dos resultados de pesquisa discutidos na dissertação Por uma escritura pictural: texto e imagem na arte de Alejandro Xul Solar (2011), orientada pela Profª Vera Casa Nova, no âmbito do Programa de pós-graduação em Letras: Estudos Literários da FALE/UFMG.

1199

Lihat lebih banyak...

Comentarios

Copyright © 2017 DATOSPDF Inc.