La cooperación Sur-Sur. Argentina y Brasil: dos interpretaciones diferentes

August 16, 2017 | Autor: Gisela Pereyra Doval | Categoría: Argentina, Política Exterior Brasileña, Cooperación Sur-Sur
Share Embed


Descripción

1 ANO I Rio de Janeiro Jan | Jun 2010

Relações Internacionais na UERJ: um tributo à memória

O

lançamento da revista Mural Internacional consolida o lugar assumido pelo Programa de Pósgraduação em Relações Internacionais da UERJ no cenário acadêmico. Mais do que isso, reafirma a vocação da instituição para o debate sobre as questões internacionais, em uma conjuntura na qual a ordem internacional mostra-se impactada por uma história que se torna cada vez mais veloz. A UERJ, nesse contexto, vive tempos de proposições e resgates. As proposições tornaram-se vitoriosas com a criação do Mestrado em RI e da revista Mural Internacional, graças ao empenho de professores como Miriam Saraiva, Mônica Lessa e Williams Gonçalves. Os resgates falam de uma história que remonta há, pelo menos, três décadas e que ficaria esquecida no passado não fosse a sensibilidade dos editores da revista que agora chega aos leitores. Visto sob a ótica de um movimento de maior duração, a criação do PPGRI representa o ponto de chegada de um longo e árduo caminho, marcado por impulsos e retrações, encontros e desencontros e, mais do que tudo, por equívocos políticos, ideológicos e administrativos. Traçar a trajetória descrita por este movimento mostra-

se um desafio maior quando quem o faz protagonizou muitos dos processos descritos: do oferecimento da disciplina “Relações Internacionais” para turmas de História e Ciências Sociais, nos hoje já longínquos anos 1970, à direção de unidade voltada para o debate de questões brasileiras e internacionais. Considerando-se as conjunturas principais nas quais se deu a emergência das relações internacionais no universo acadêmico brasileiro: os anos 1870 (no contexto da Guerra Fria, de sua irradiação na América Latina e da consolidação da idéia de uma Europa integrada) e a década final do século XX (quando a Globalização e o “choque de civilizações” intensificaram os debates acadêmicos sobre o cenário internacional), podemos dizer que a UERJ nunca se furtou à ação propositiva e aos esforços destinados a garantir visibilidade das relações internacionais no cenário acadêmico. Nos anos 1970, o esforço concentrou-se no oferecimento de disciplinas de RI em currículos dos cursos oferecidos na área das ciências humanas. Em 1986, por impulso partido da própria reitoria, foi criado o Instituto Superior de Estudos Brasileiros e Relações Internacionais (ISEBI), após profundas discussões e disputas travadas no âmbito do Conselho Universitário, que

SUMÁRIO 4|

BRICs - Cooperação em comércio e indústria. Um ponto de vista do lado brasileiro

20 |

José Botafogo Gonçalves

7|

La cooperación Sur-Sur de Brasil: ¿Instrumento de política Exterior y/o Manifestación de Solidaridad Internacional?

La cooperación Sur-Sur. Argentina y Brasil: dos interpretaciones diferentes María Gisela Pereyra Doval

Bruno Ayllon Pino e Iara Costa Leite

Who still cares about the English School, and why? Gian Luca Gardini

Sobre a Neutralidade Irlandesa e o Tratado de Lisboa

A Globalização cultural e os desafios para uma governança global democrática

A diplomacia brasileira e as visões sobre a inserção externa do Brasil: institucionalistas pragmáticos x autonomistas

Laura C. Ferreira Pereira

Rafael R. Ioris

Miriam Gomes Saraiva

45 | 33 |

12 |

40 |

demonstraram, desde o início, as relações conturbadas que afetariam a nova unidade e o quadro de contestação permanente que levaria à sua extinção, cerca de um ano apenas após sua criação. Malgrados os problemas existentes, porém, o ISEBI conseguiu reunir uma equipe interdisciplinar de altíssimo gabarito e grande capacidade de realização. Esta equipe incluía professores como Antonio Carlos Peixoto, Emir Sader, Isabel Picalunga (já falecida), Moniz Bandeira (que, posteriormente, prestou concurso para a UNB), Maria Helena Moreira Alves (hoje no Chile), Marcos Arruda, Renée Dreyfuss (já falecido), Williams Gonçalves e outros. Como realizações do grupo, contaram-se ciclos memoráveis de palestras abertas à comunidade, voltadas para o debate de temas cruciais da política internacional de época, e a criação de dois cursos de especialização: um em Relações Internacionais (sob a coordenação do prof. Antonio Carlos Peixoto) e outro em Estudos Comparados da América Latina (coordenado pela Prof. Maria Helena Moreira Alves). O processo de seleção para os cursos do ISEBI foi aberto ainda no ano de 1987, com início previsto para 1988, e a procura por eles demonstrou que a UERJ trilhava um caminho profícuo. No entanto, a extinção da Unidade impediu a continuidade na oferta de vagas para os cursos referidos, que ficaram sob a responsabilidade direta da direção do Centro de Ciências Sociais, até a certificação dos alunos. Muitos professores migraram para outras instituições, levando com eles reflexões acumuladas e a experiência de um trabalho desenvolvido em um rico ambiente de trocas. No caso específico do Curso de Especialização em Relações Internacionais, graças à sensibilização do departamento de História, ele pode renascer, em 1990, como Curso de Especialização em História das Relações Internacionais. Em vinte anos de existência, o curso não só formou centenas de alunos como garantiu um lugar de referência na área, apesar de sua circunscrição à área da História. Por outro lado, transformou-se em base sólida para a criação do Programa de PósGraduação em História Política, que contemplou, como uma de suas linhas de pesquisa, as Relações Internacionais. A partir dos diálogos travados entre História

Política e Relações Internacionais criou-se a massa crítica necessária para que pudesse ser criado um novo programa em nível de mestrado: o Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI), que tornou as frustrações do passado sentimentos esquecidos. Neste ano de 2010, quando o PPGRI incorpora a segunda turma de mestrandos e lança sua revista, cabe dizer, a partir de imagem criada por Guimarães Rosa, que o real, se dispôs para nós na caminhada; razão mais do que suficiente para que a UERJ reivindique um espaço de reconhecimento no campo das relações internacionais. A proposta está lançada e o desafio há muito já foi aceito. Lená Medeiros de Menezes Professora do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em Relações Intrenacionais, Sub-Reitora de Graduação da UERJ.

Ano I, nº 1. Janeiro-junho de 2010

Mural Internacional é a revista eletrônica semestral do Programa de PósGraduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Seu objetivo é debater temas relevantes das Relações Internacionais em sua totalidade como a política internacional, políticas externas, economia política internacional, processos de integração regional, instituições internacionais, processos migratórios internacionais, relações culturais internacionais, discussões teóricas e/ou metodológicas e temas da atualidade de terminados países ou regiões. As opiniões expressas nos artigos são de responsabilidade de seus respectivos autores. Seu download é gratuito, a partir do site www.ppgri.uerj.br. © 2010 • Todos os direitos são reservados ao PPGRI/UERJ. Visite o site www.ppgri.uerj.br, em Publicações, aonde há mais informações sobre a revista e sobre suas normas para publicação. Editora - Mônica Leite Lessa Editora Adjunto - Miriam Gomes Saraiva Comitê Científico: Alexis Toríbio Dantas Antonio Carlos Peixoto Cláudio de Carvalho Silveira Erica Simone Almeida Resende Hugo Rogelio Suppo Lená Medeiros de Menezes Williams da Silva Gonçalves Projeto Gráfico e Webdesign: Alessandra Herrero | Conecte Design. Correspondência: Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524, 9no.Andar, bloco F, sala 9037. Rio de Janeiro RJ Cep.22071-030 Brasil Tel. 55 21 23340678 / 55 21 96065754 E.mail: [email protected]

44

||

Mural Internacional Mural Internacional Ano I, nº 1 Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010 Jan | Jun 2010

BRICs Cooperação em comércio e indústria. Um ponto de vista do lado brasileiro José Botafogo Gonçalves Presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais

D

esde o início dos anos 60, quando o processo de industrialização acelerada foi entusiasticamente adotado pela sociedade brasileira, o país tentou definir a si próprio como um global trader e também como um global player.

Navegadores franceses, holandeses, ingleses, frenquentavam nosso litoral apenas como traficantes ou corsários. Todos os vizinhos brasileiros na América do Sul eram considerados inimigos potenciais, na medida em que seus territórios eram controlados por Espanha, França, Holanda; todos inimigos de Cinquenta anos mais tarde, o Brasil está começando Portugal, a Espanha, em particular. a ser considerado uma potência emergente pela Esse quadro de isolamento foi fundamental para comunidade internacional e pelas suas próprias automodelar, dentro da colônia portuguesa, um sentimenridades diplomáticas. Paradoxalmente, o caminho to de nação, que fala o mesmo idioma, lida com um que o Brasil percorreu rumo à indústria e ao comér- dominador estrangeiro (Portugal) e mantém a popucio internacional deu-se no contexto de uma trajetó- lação afastada dos inimigos hispânicos. ria isolacionista surpreendente, na qual regras internacionais obrigatórias ou cooperação internacional “Vizinhos” é dificilmente uma palavra apropriada, voluntária sofreram objeções ou foram relutante- uma vez que o Brasil encontra-se separado dessas regiões por uma densa floresta tropical, por rios mente implementadas. gigantescos ou pela Cordilheira dos Andes. Para entender essa contradição, algumas consideraEm 1808, quando toda a monarquia portuguesa ções históricas e geográficas são necessárias. desembarcou no Rio, escapando da invasão do exérA história do Brasil começa em 1500, quando os cito napoleônico, o Brasil, literalmente do dia para a navegadores portugueses desembarcaram nas costas noite, modificou seu status político de colônia à do sul do Oceano Atlântico. Até 1808, o Brasil foi metrópole do império português. Nesse momento o uma colônia portuguesa, no mais absoluto sentido país ainda não era um Estado, mas se sentia quase como uma nação. da palavra. Comércio e indústria - esta somente quando permitida por Portugal - foram desenvolvi- Embora o destino formal das exportações brasileiras dos exclusivamente com Lisboa. Os portos brasilei- fosse Portugal, de fato os bens brasileiros eram reexportados para países europeus e, mais tarde, para ros eram fechados a todas as demais nações.

5

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

os Estados Unidos da América.

A esta altura, podemos especular sobre possíveis áreas de cooperaDe que tipo de bens se tratava? ção entre os países que compõem “Commodities” agrícolas, e ouro e os Bric’s em um futuro próximo, diamantes no século XVIII. tanto no campo do comércio Algumas conclusões podem ser quanto no da indústria. traçadas a partir desse breve pano Levando em conta a história brade fundo histórico e geográfico: sileira, as ambições culturais a) O Brasil, desde 1500, tem sido nacionalistas, o comércio global e um exportador sucedido e compe- a performance global do país, titivo de commodities agrícolas, e podemos esperar, no contexto de continuará nessa posição nos pró- um possível diálogo entre os quaximos anos; tro países participantes do grupo, b) O Brasil está se tornando um uma mistura variável e complexa exportador bem sucedido de bens de cooperação, competição, conindustriais (manufaturados e frontação e negociação no campo semimanufaturados), e seu cres- da agricultura, barreiras não-taricente mercado interno proporcio- fárias de comércio, políticas de na uma razoável produção em investimentos, direitos de proprieescala; ainda o crescimento dos dade intelectual e serviços transinvestimentos logísticos melhora nacionais. a competitividade dos bens brasiComo foi mencionado anteriorleiros e sua distância em relação mente, o Brasil desenvolveu seu aos mercados dos países do Atlântico Norte e de potências próprio pacote de políticas em um quase completo isolamento em asiáticas (Japão, China, Índia); relação a seus parceiros naturais. c) A expansão do comércio indus- Embora o Brasil seja um membro trial internacional é um fenômeno fundador das instituições de muito recente (tem em torno de 10 Bretton Woods, o Ministério de anos) e requer esforços gigantes- Relações Exteriores (Itamaraty) cos do governo e do setor privado, sempre usou o fórum de Bretton com vistas a manter ou a aumen- Woods para apresentar justificatitar a atual taxa de crescimento vas visando ao não-cumprimento desse tipo de exportação; das decisões liberais adotadas d) Atualmente, ninguém pode particularmente nos caso de políafirmar em qual direção o Brasil ticas comerciais. Os argumentos concentrará seus esforços na pro- foram normalmente baseados em moção da cooperação internacio- considerações de balanço de nal no comércio e na indústria, pagamentos ou nas necessidades embora haja evidências empíricas de se projetar uma “indústria nasmostrando que o mercado da cente” ou de se prover “tratamenAmérica do Sul crescerá em to diferenciado” para os países importância relativa ou absoluta menos desenvolvidos. Nesta área na esfera do comércio exterior. específica, a cooperação com a

diplomacia indiana vem sendo contínua e proveitosa. Este não foi o caso em relação à Rússia (União Soviética) ou à China, uma vez que ambos excluíram a si próprios da lista de países capitalistas. Por razões políticas, a cooperação entre Brasil e Rússia (União Soviética) ou entre Brasil e China foi inexistente ou operou sob severo escrutínio das autoridades dos países envolvidos. Nas últimas duas décadas, os Brics experimentaram grandes mudanças. O Brasil, desde 1990, vem abrindo rapidamente sua economia para países estrangeiros e, pela primeira vez na história, está liderando na América do Sul um ambicioso projeto de integração regional através das instituições do Mercosul, da união aduaneira e do livre comércio. Rússia, Índia e China, com diferentes propósitos e ênfases, estão interconectando suas economias àquelas de parceiros próximos e distantes, e também ao grupo dos Brics, conforme podemos ver nas estatísticas do comércio internacional. Em suma, a história de cooperação entre os quatro países que formam o BRIC é pobre e pouco significante para prover linhas mestras para o futuro. A boa notícia é que esses países estão mostrando habilidade para quebrar restrições seculares de seu próprio subdesenvolvimento e estão se apresentando no cenário internacional como emergentes por serem grandes e novos, e não por serem grandes e velhos.

6

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

A melhor indicação da nova situação do Brasil vem ironicamente da mais antiga atividade econômica desde o tempo colonial, que é a agricultura. O Brasil, junto com os parceiros e associados do Mercosul, possui o maior reservatório de água, de fontes de energia renováveis e não-renováveis, de terra arável e de exposição ao sol. Ao contrário de práticas antigas, hoje os produtores agrícolas brasileiros têm a sua disposição a mais moderna tecnologia existente para lavouras tropicais, práticas ecológicas e sustentáveis no longo prazo. O Brasil está se tornando o maior fornecedor mundial de proteína vegetal e animal. China e Índia estão se tornando grandes consumidores deste tipo de alimentos. É possível uma cooperação entre os Brics nessa área? A resposta é simples. Sim, a cooperação é possível, mas, probabilisticamente falando, atravessaremos inicialmente campos de confronta-

ção e de negociação antes de atingirmos o estágio de cooperação. Na medida em que o comércio internacional é hoje medido mais por valor agregado do que por apenas volume, os exportadores e importadores de commodities vão lutar para aumentar a porção de valor agregado incorporado nos bens agrícolas dentro de suas fronteiras políticas ou econômicas.

mundo desenvolvido. Os Brics têm surpreendido o mundo com o crescente papel de suas próprias companhias transnacionais, que já influenciam políticas públicas com vistas a promover seus objetivos econômicos.

Como conclusão, os Brics são quatro grandes animais diferentes que estão entrando juntos no cenário do século XXI, não apenas por serem Por outro lado, no campo dos bio- grandes, mas sim porque estão combustíveis e de outras fontes de mostrando a habilidade de usar energia renováveis, a cooperação seus tamanhos para modificar e entre os Brics é possível e de inte- modernizar a si mesmos. Inovação resse mútuo. é o conceito que pode consolidar os BRICs no futuro. No caso de questões relacionadas a investimentos e a comércio, a Enquanto isso, testemunharemos cooperação entre companhias pri- episódios de confrontação, de vadas será uma força dinâmica negociação e de cooperação em que se moverá mais rapidamente proporções que somente post facto do que políticas governamentais. seremos capazes de determinar. As companhias transnacionais ou multinacionais não são mais um privilégio do quadro industrial do

7

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

Who still cares about the English School, and why? Gian Luca Gardini Professor de Relações Internacionais e Vice-Diretor do European Research Institute da University of Bath

I

f it is true that definitional problems are always present in International Relations Theory, the English School is an evident example. Its boundaries are contested, its core arguments defined as heterogeneous by its proponents and inconsistent by its critics. Yet, the English School has its own identity. This is often reflected in the organisation and conceptualization of many IR textbooks that devote specific chapters to the School.1 In spite of being considered a defeated approach by the IR mainstream, the English School still plays an important role in IR Theory, precisely because of its eclectic and multi-faceted contribution to the discipline. A useful first step to discover who may be interested in the English School is to have a look at the website of the English School set up by Barry Buzan and currently hosted by the University of Leeds.2 The list of contributors to the discussions held within the School is so long and varied that it provides a good 1. See for instance: Jackson and Sorensen (2007); Sterling-Folker (2006);Dunne, Kurki and Smith (2007); Burchill, Devetak, Linklater, Paterson, Reus-Smit and True (2001). 2.http://www.polis.leeds.ac.uk/research/international-relations security/english-school/ • (last accessed 20/2/2010).

indication of why the School deserves attention: it has something to say about almost all the fundamental issues and debates in IR. Therefore, rationalism (another definition of the English School) should raise the interest, among others, of: • those who are in favour of methodological pluralism; • those looking for a plausible alternative to the divide idealism/realism; • those who pursue normative approaches to IR; • those who place the human being and cultural issues at the core of the IR research agenda; This paper is structured in four sections according to these areas of interest. Methodological pluralism On the question of method, two questions have characterised the rationalist approach. The first concerns its wide pluralism. The second was essentially defined by the polemic engagement of Hedley Bull, probably the most prominent among the English School scholars, in the debate between traditionalists and behaviouralists. Regarding pluralism, critics have often dismissed the approach of the English School as non-scientific and they have charged it

8

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

with inconclusiveness and vagueness. Instead, Buzan argues that the English School offers a method for studying international politics that deserves more attention than it has usually received. Its proponents assert the validity and the under-utilization of this “historicist, constructivist, and methodologically pluralist” (Buzan 2001, 472) approach to International Relations Theory. Buzan is right in calling for more attention to a comprehensive approach to IR. He advocates a method that may be useful to tackle several, if not all, the most important theoretical and substantial challenges of international politics and the validity of which is not just limited to a few theoretical debates. To attain this goal, the English School makes use of a multi-level (of analysis) approach, and the historicist focus reflects as much a legacy of the origins of the School as its own enduring identity. IR is considered a humanistic discipline. It is therefore an appropriate field for historical and normative analysis. As Hollis and Smith would express the point, International Relations is a question of understanding rather than explaining (Hollis and Smith 1991). The pluralist aspect is witness to the openness of the School to approaches other than its own, thus enlarging the scope of its agenda. On the quarrel between traditionalists and behaviouralist, Bull substantially reproduced and developed the historicist argument, stressing that IR is not an

exercise in statistics and quantitative methods but rather a deep historical knowledge coupled with thorough conceptualisation of international politics. Bull observed that history may not be sufficient to understand international relations but cannot be overlooked for at least four reasons (Bull 1972; 1995). First, certain political situations are not merely illustrations of general patterns but genuinely singular events. Second, any international situation is located in time and to understand it the scholar must place it within a sequence of events. Third, the quality, techniques and canons of judgment of diplomatic history as a discipline are often less obscure and controversial than those of theoretical studies. Fourth, history itself is the primary material for the social sciences, which have themselves a history and emerge within a defined historical context. Furthermore, Bull defended the composite approach of the English School asserting that IR is not a single discipline but draws from other disciplines, such as history, political theory and international law. The critics of the English School have never been entirely convinced by these arguments and maintained the idea that rationalism founded its presuppositions on a poor and imprecise methodology. Overall, in spite of the value of methodological pluralism, indeterminacy in method has always been one of the weaknesses of the English School approach to IR.

Beyond the divide between realism and idealism: the concept of international society The English School largely drew from, and shared elements of both idealism and realism, trying to combine them in an original synthesis. The key contribution to this purpose remains the concept of international society and the role of both interests and values to explain international cooperation. Rationalism, along with realism, recognizes the great importance of power and the pre-eminence of states in the international arena. Nonetheless, it denies the view of international politics as a state of nature without norms. Drawing largely from Grotius, the English School argues that power and law are both present in the international context. The principal differences of the School from idealism and realism are reflected in the conceptualisation of international society. This is a fundamental definition to understand both the rationalist peculiarity as compared to other stances in IR and the originality of its positions in current debates within the discipline. International society is a norm-governed form of association, where norms emerge only as a requirement for cooperation. Unlike idealism, here international norms do not involve common projects or identities. This means that accepted norms do not go beyond what is required for social coexistence. The international society then performs the important role of providing the anarchi-

9

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

cal international system with order. Rationalism recognizes the essential anarchical nature of the international context, but suggests that institutions and practices, such as diplomacy and international law, contribute to the maintenance of the international order, understood as pattern of international activities that sustain basic goals.

bination of both common interests and values (bull 1977), an anticipation of a constructivist approach to international relations. Such a conceptualisation of the international society poses a good number of challenges to IR theorizing, the implications of which will be dealt with in the next two sections.

How does the English School move forward and explain the formation of international institutions? It is at this stage that values come into play. International organisations are the result of both common interests and values. If international co-existence facilitates, and is underpinned by, rules governing cooperation, international organisations are based on interests, consent and a rudimental form of justice understood as an expression of the prevailing values in the international society. Common interests are the basis for any international joint effort. Consent is expressed by states to develop institutions promoting those norms that help maintain cooperation and co-existence. Justice in this case means that the same rules apply to everybody, it is a basic commutative (based on rules) form of justice. The innovative character of the English School is to be found in the com-

A normative approach to the study of international relations and International Relations Theory

3. Herbert Butterfield, letter to Martin Wight in 1958, quoted in Adam Watson, The British Committee for the Theory of International Politics: www.polis.leeds.ac.uk/assets /files/research/english-school/watson98.pdf (last accessed 20/2/2010). 4. For the application of the concept to Argentine-Brazilian relations see Gardini (2010, 178-179).

A broadly normative approach to International Theory is one of the most interesting aspects of the English School. Normative concerns as applied to the definition of the international society represent both one of the most challenging suggestions of rationalism and one of its typically tortuous and some times inconclusive paths. The purpose of the English School was ‘not to study diplomatic history in the usual sense, nor to discuss current problems, but to identify the basic assumptions that lie behind diplomatic activity, the reasons why a country conducts a certain foreign policy, the ethical premises of international conflict…’.3 This early statement by Butterfield expresses the explicitly normative commitment of the English School scholars. The departure from realism is evident in that realism conceived of morality and international politics as absolutely distinct spheres.

three fruitful developments. First, the attention to the determinants of foreign policy completed the detachment from the realist/neorealist paradigm. While neorealism conceived of the system structure as dominant over the units, the English School attributes a significant role to units (especially to the most powerful ones) in shaping the international society. As Buzan suggested, this makes the English School thinking close to Wendt’s constructivism in that ‘anarchy is what states make of it’ (Wendt) 1992). This is not the only point of contact between Wendt and the English School. In fact the latter seems also to anticipate that the units’ perception of one another is a major determinant in their interactions. This is what Lars Cederman defined as ‘strategic tag’, which perfectly applies to understand for instance the evolution of Argentine-Brazilian relations since the late 1970s Cederman 2001).4

Secondly, the attention devoted to the units invariably calls for the consideration of cultural factors as determinants for international relations. Rationalist scholars maintain that states become so involved in the international system that they transform it into a society. This transformation takes place on the basis of accepted norms and institutions. Now, the problem is: on what grounds are these norms internationally accepted? Do states share a comThe application of a normative mon culture that makes them perspective to the concept of inclined to accept the same international society resulted in norms? The answer to this ques-

10

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

tion is relevant to another important IR divide: the one between cosmopolitans and communitarians. In fact, if the values underlying international norms were preexisting state interaction, the English School position would shift towards cosmopolitanism. If the values were the result of the interaction, the perspective would be rather a communitarian one. Thirdly, concerns with ethics directly relate to the tension between order and justice. Hedley Bull recognised that conflicting goals can co-exist within the international society obliging states to make a choice between the two competing principles. He also moved a step forward noting that the concept of justice itself may be subject to different interpretations. However, justice may also be understood in a minimalist way as the principle that the same rules apply to everybody (commutative, or rule-based justice as opposed to distributive or goods-related justice). Yet this would only move the crucial point a bit further: who decides about the ‘common’ rules and their desirable acceptance? This seems to lead to a cultural relativism very close to communitarianism. None the less, Bull regains immediately a media via, typical of the English School, by referring to the international society order as a prerequisite for a desirable humanity order, thus implying the generalised acceptance of order as an indispensable value to attain basic goals such as survival and co-existence.

The centrality of the human factor and cultural issues Bull’s work on the interplay of cultural factors and political behaviour, both defined in normative terms, opened the way to fruitful contemporary studies. This added to the already rich and varied range of research that rationalism has directly or indirectly originated. The traditional interest of the English School for ethic and humanistic studies, including international law, is now part of the current IR mainstream. Issues such as human rights, humanitarian intervention, regional integration, world governance, identity and religious revival are firmly on the agenda of international politics. In recent years interesting contributions have appeared on the unresolved question about the relations between the international society and the different cultures co-existing within it. Chris Brown’s research to test whether the concept of international society proves satisfactory in a world where the majority of states are non-European has not been fully conclusive. In fact, both the proposed explanations (the “universal appeal” and the “Europe of mind”) are far from unproblematic (Brown 1995). Looking at topical events in world politics, the purported split of the world into a “zone of peace” and “zones of turmoil” appears far more convincing (Singer and Wildavsky 1993). Another interesting link exists between the English School and critical theorists. While the two approaches share a basic starting

point on cultural relativism broadly understood, they differ in their analysis of consequences and implications. On the one hand, rationalism has developed this argument towards a prospective clash of civilisations, further discussed and elaborated by Huntington (1993); on the other, Critical Theory has followed the way leading to the equation of morality and politics, thus constituting a radical challenge to the epistemic foundation of the traditional paradigms. In any case the centrality to international politics of the human being, its ideas, values and beliefs as well as of its community and time is an enduring legacy of the English School. It should be the task of the foreign policy analyst to understand not the world as it is or was, but as seen and perceived by the key actors given their temporal, social and political circumstances. Conclusion Last but not least, a final reason, and perhaps not a negligible one, to look with sympathy at the English School is that it represents a genuinely non-American current of thought in International Relations Theory. This pluralism of views can only be beneficial to a discipline too often characterized by parochialism and almost dogmatic crusades. This is even more important in an increasingly open, fluid, and multi-polar world characterised by the growing relevance of non-Western powers, issues and perspectives. Furthermore, despite its name and its essentially British roots, the

11

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

English School tries to spread to, and gather contribu- Bull, Hedley (1977), The Anarchical Society, New tions from all over the world. Continental European York, Columbia University Press. scholars are more and more active within the School and its echo has gained disciples as far as China. Burchill, Scott; Devetak, Richard; Linklater, Andrew; Paterson, Matthew; Reus-Smit, Christian; Despite some areas of uncertainty and some theoretTrue, Jaqui (2001), Theories of International ical vagueness, the English School has proven to be Relations, New York, Palgrave. the most credible challenger to overcome the divide realism vs. idealism and to temper the claims to novelty of social constructivism. The English School Buzan, Barry (2001) ‘The English School: An defends a pluralist and comprehensive approach to underexploited resource in IR’, Review of International Relations. The concept of international International Studies, 27, p.471–488. society still generates academic interest and explains a good number of things in the contemporary inter- Cederman, Lars E. (2001) ‘Modeling the national order. The English School normative Democratic Peace as a Kantian Selection Process’, approach has raised interesting points and brought Journal of Conflict Resolution 45:4, p.470-502. about significant questions on culture and identity and their relation with politics and morality. Not Dunne, Tim; Kurki, Milja; Smith, Steve (2007), despite of, but precisely because of its eclecticism, International Relations Theories. Discipline and the English School has at least partially addressed Diversity. New York, Oxford University Press. most of the topical issues on the agenda of contemporary IR Theory. Rationalism appears far from Gardini, Gian Luca (2010) The Origins of being defeated. On the contrary, favourable condi- Mercosur, New York, Palgrave. tions in the international political and academic environment present it with a unique opportunity to Hollis, Martin & Smith, Steve (1991) Explaining raise its profile and gain credibility not only on both and Understanding International Relations, New sides of the Atlantic but far more broadly. For all these York, Oxford University Press. reasons, the English School deserves attention and interest. Furthermore, as a Cambridge-educated Samuel P. Huntington (1993) ‘The Clash of scholar I do believe that it would be desirable that also Civilizations?’, Foreign Affairs 72:3 (summer), p.22-49. IR scholarship in Cambridge concede more room to rationalism. The British Committee for the Theory of International Politics, which generated the English Jackson, Robert & Sorensen, Georg (2007) School, was born and flourished in Cambridge, that Introduction to International Relations. Theories and Approaches, New York, Oxford University Press. academic establishment should make a flag of it. References

Max Singer and Aaron Wildavsky (1993) The Real Brown, Chris (1995) ‘International Theory and World Order. Zones of peace/zones of turmoil, International Society: The viability of the middle way’, London, Chatham House Publishers. Review of International Studies 21:2 (April), p.183-196. Sterling-Folker, Jennifer (Ed.) (2006) Making Sense Bull, Hedley (1972) ‘The Theory of International of International Relations Theory, Boulder and Politics, 1919-1969’, in B.Porter (Ed.), The London, Lynne Rienner. Aberysthwyth Papers: International Politics, 19191969, London, Oxford University Press, p. 30-50. Wendt, Alexander (1992) ‘Anarchy is What States Reprinted in 1995 in James Der Derian (Ed.), Make of it: The social construction of power politics’, International Theory. Critical Investigations, International Organization 46 (spring), p.391-425. Basingstoke and London, McMillan, p.181-211.

12

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

Sobre a Neutralidade Irlandesa e o Tratado de Lisboa Laura C. Ferreira Pereira Professora da Universidade do Minho, Departamento de Relações Internacionais e Administração Pública.

A

Irlanda aderiu à então Comunidade Europeia (CE) em 1973, no quadro do primeiro alargamento da história desta organização internacional sui generis. Nessa altura, a política externa e de segurança do país já estava impregnada por uma tradição e experiência de neutralidade militar alimentada, desde a sua origem, por um sentimento anti-britânico e intrinsecamente ligada à luta pela conquista e manutenção da independência face ao Reino Unido. A entrada para o Concerto Comunitário foi acompanhada de abertura política relativamente a um futuro projeto no domínio da segurança e defesa. No entanto, quando o Tratado de Maastricht, assinado em 1992, consagrou a existência de uma Política Externa e de Segurança Comum (Pesc) as autoridades irlandesas invocaram a especifi1. Para um estudo mais detalhado sobre a neutralidade austríaca, finlandesa e sueca, ver Ferreira-Pereira (2007, p.69-98).

cidade da política externa e de segurança nacional para obter uma garantia legal que salvaguardou o estatuto militarmente neutral do país. Essa garantia ficaria plasmada nos sucessivos Tratados da União Europeia (UE) - no Tratado de Maastricht, no Tratado de Amsterdã e no Tratado de Nice. Ainda assim, no caso deste último, a garantia existente foi considerada insuficiente por uma opinião pública desconfiada dos planos europeus, que rejeitou o Tratado de Nice num referendo que teve lugar em 2001. Os líderes políticos irlandeses só conseguiram reverter esse resultado mediante o reforço de garantias de salvaguarda da neutralidade militar. A história repetir-se-ia, por razões similares, em 2009, quando o Tratado de Lisboa só foi aprovado num segundo referendo, depois das autoridades de Dublin terem recebido, da parte dos líderes europeus, garantias legais que iam ao encontro da preocupação dos irlandeses com o futuro da neutralidade militar,

num contexto de crescente desenvolvimento da componente de segurança e defesa da UE. Remontando às origens da neutralidade da Irlanda, este artigo procura dilucidar o nexo entre o ‘Não’ irlandês e o Tratado de Lisboa, no âmbito do referendo nacional realizado em junho de 2008, e a tradição de neutralidade militar que tem pautado a política externa e de segurança desse Estado, constituindo também um elemento intrínseco da identidade nacional irlandesa. A Neutralidade Militar Irlandesa: Gênese e Evolução À semelhança do que sucedeu com outros Estados, tais como a Áustria, a Suécia e a Finlândia,1 a emergência da neutralidade irlandesa resultou de uma combinação de condicionantes geográficas e históricas. No caso em apreço, a adoção de uma postura neutral foi determinada pela proximidade geográfica relativamente ao Reino Unido e, sobretudo, pela história de dominação britânica do país.

13

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

Assim, a neutralidade não pode ser divorciada da luta anti-colonial da Irlanda (Sharp 1990, 13), da sua aspiração à independência concebida em termos de formulação e implementação de uma política externa autônoma. Logo no início da Primeira Guerra Mundial, os revolucionários irlandeses que pleiteavam pela independência nacional começaram a perceber a neutralidade como um instrumento para pôr término ao domínio colonial britânico. Num plano mais imediatista e pragmático, quando o conflito mundial irrompeu, o estatuto de neutralidade foi advogado para evitar o envolvimento da Irlanda nas hostilidades ao lado do Reino Unido. Foi nesse contexto que nasceu a Liga da Neutralidade Irlandesa, a qual veio militar por uma posição neutral do país na guerra entre o Reino Unido e a Alemanha. De fato, o processo político conducente à independência foi acompanhado pela expectativa relativamente à adoção de um estatuto de neutralidade militar. Não surpreende, portanto, a existência de uma íntima ligação entre o nacionalismo irlandês e a neutralidade, algo que tornou consensual a atribuição da ‘paternidade’ da neutralidade da Irlanda a Eamon de Valera – o líder da revolução irlandesa. Em 1921, no rescaldo do primeiro conflito mundial, o Reino Unido encetou negociações com representantes irlandeses que conduziriam à assinatura do Tratado Anglo-Irlandês, em dezembro desse ano. Ao abrigo desse acordo, Londres anuiu conceder a independência a 26 dos 32 coun-

ties irlandeses. No entanto, a proposta de um estatuto de neutralidade para a Irlanda foi rejeitada pelos negociadores britânicos (Fanning 1996, 138). No entendimento dos irlandeses, a recusa do Reino Unido em aceitar a independência dos remanescentes 6 counties que se situavam no nordeste do país e formavam a Irlanda do Norte, bem como em reconhecer à Irlanda o direito de se declarar neutral (no caso de uma guerra iniciada pelo Reino Unido) representava uma significativa limitação à prossecução de uma política externa independente. Ademais, a existência de fato de um Estado Irlandês Livre era negada pelos próprios termos dos Acordos de 1921, na exata medida em que eles estatuíam a manutenção de um vínculo de união entre a Irlanda e a Commonwealth, ao mesmo tempo que atribuíam ao governo britânico o direito de utilizar três portos no país: Berehaven e Queenstown/Cobh situados no sudoeste, e Lough Swilly no noroeste. Face a tais constrangimentos políticos, territoriais, militares e estratégicos, a neutralidade permaneceu um desiderato na mente e nos corações dos nacionalistas irlandeses. Os anos de 1922 e 1923 foram marcados por uma guerra civil entre a facção pró-Tratado e um grupo de revolucionários liderados por Eamon de Valera que era totalmente contrário ao Acordo de 1921. A facção que se posicionou a favor deste último venceu a guerra, mantendo-se à frente do governo até 1932, altura em que o partido Fianna Fail, liderado por Eamon de Valera, conquistou o poder na sequência de eleições gerais.

A primeira grande consecução alcançada pelo governo de Eamon de Valera prendeu-se com a proclamação da Constituição de 1937 que redesenhou o relacionamento entre a Irlanda e o Reino Unido, e converteu o Estado Irlandês Livre na República (independente) da Irlanda. Um ano depois, nas vésperas da eclosão da Segunda Guerra Mundial, o último obstáculo à neutralidade irlandesa foi removido quando Londres devolveu os portos de Berehaven, Cobh e Lough Swilly ao governo irlandês, no quadro de um importante acordo de defesa bilateral. Tal como afirmou Patrick Keatinge (1984, 17), o Acordo de 1938 marcou o momento, a partir do qual a neutralidade tornar-se-ia uma política oficial do Estado irlandês e um valor político. Nesse contexto fundamentalmente novo, Eamon de Valera, reiterando as ideias defendidas no início da década de 20, advogou na sua retórica política o apego da Irlanda a uma política de neutralidade caracterizada pela não participação direta ou indireta numa guerra em que o Reino Unido estivesse envolvido, dado que neste cenário o território irlandês poderia vir a ser utilizado para atacar o seu vizinho. Por conseguinte, desde a sua origem, a neutralidade nunca foi interpretada como um fim em si mesmo, mas como um meio de garantir a independência nacional, traduzida no não envolvimento em guerras disputadas pelo Reino Unido. Essa postura consubstanciava, igualmente, uma resposta à recusa do governo britâ-

14

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

nico em fazer concessões com respeito à Irlanda do Norte. Finalmente, a neutralidade foi considerada instrumental para sustentar uma política de boa vizinhança com o Reino Unido porquanto a primeira incorporava a garantia de que nenhum governo irlandês permitiria que o território nacional fosse utilizado como base militar para perpetrar um ataque contra o seu vizinho (idem, 8 e 202). A posição neutral adotada pela Irlanda durante a Segunda Guerra Mundial foi um reflexo da soberania alcançada com o fim da presença militar britânica. Apesar de se encontrar protegido pela sua localização geográfica, que o manteve afastado dos principais teatros de guerra que se multiplicaram na Europa continental, o país esteve, por várias vezes, sob a ameaça de ser invadido pelos exércitos alemães como parte da estratégia de Berlim para atacar o Reino Unido. Surgiu, igualmente, a possibilidade de a Irlanda recuperar os 6 counties sob a dominação britânica, caso o país aceitasse entrar no conflito como aliado do Reino Unido. O Estado irlandês não abdicou da sua postura neutral, apesar de o Governo ter desconsiderado algumas das regras de neutralidade vigentes em tempo de guerra, designadamente, por conceder assistência militar e informação secreta aos 2. Para mais detalhes sobre a evolução histórica da neutralidade irlandesa, ver Keatinge (1984, 10-32). 3. Para mais detalhes, ver Fanning (1996, 140-141; 203).

Estados Unidos e ao Reino Unido. A adoção de uma neutralidade de tipo colaborante foi, na verdade, percebida como indispensável à proteção do território irlandês contra um eventual ataque alemão.2 Na Primavera de 1949, após a saída da Commonwealth, a Irlanda foi convidada a integrar a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). A resposta foi negativa, sendo que a justificação para isso não residiu, exclusivamente, na tradição de neutralidade ou, por outras palavras, no fato de a organização em causa ser uma aliança políticomilitar e sob a lei internacional a Irlanda estar inibida de ingressar nas suas fileiras. Uma importante parte da justificação política contra a participação do país na Otan prendeu-se com a circunstância de o Reino Unido ser um Estadomembro dessa organização e uma eventual adesão poder ser interpretada como a aceitação da divisão do país (imposta por Londres) e o subsequente abandono da ambição relativamente à concretização de uma ‘Irlanda Unida’ (Sharp 1990, 8).3

Por outro lado, na perspectiva dos líderes irlandeses, a identificação do país com os valores partilhados pelas democracias ocidentais, bem como com o ‘mundo industrializado ocidental’ era inequívoca. Consequentemente, no plano do discurso oficial, a neutralidade nunca foi considerada incompatível com a adesão à CE que não era uma aliança militar, nem desempenhava qualquer papel na esfera militar. Entre o ano de 1964 e o ano de 1973 (em que a Irlanda aderiu à CE), foram numerosas as declarações produzidas pelos líderes políticos sublinhando a ideia de que a neutralidade militar não era contrária à vocação comunitária do país, mesmo se o projeto europeu, futuramente, viesse a integrar uma componente de segurança e defesa (Sharp, 1990, 143). A assunção de que a participação no Concerto Comunitário era conciliável com a prossecução de uma política de neutralidade ativa, em tempo de paz, não foi exclusiva do governo de Sean Lemass (desde 1959, sucessor de Eamon de Valera no cargo de Taoiseach ou PrimeiroMinistro). Antes, tal entendimento veio a ser partilhado por outras forças políticas, com a exceção do Partido Trabalhista. A circunstância de o consenso em torno daquele entendimento permear o espectro partidário contribuiu para o retumbante ‘Sim’ (83%) à adesão da Irlanda à CE, por ocasião do referendo realizado em 1972.

As autoridades irlandesas preconizaram, de modo consistente, uma interpretação minimalista da neutralidade, no sentido de que esta foi sempre circunscrita à sua quintessência militar, nunca tendo ficado associada a qualquer dimensão político-ideológica ou econômica. O entendimento da neutralidade em termos estritamente militares redundava tão-só na recusa de participação em alianças militares. A entrada da Irlanda na CE e,

15

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

posteriormente, a decisão tomada pelas autoridades irlandesas de integrar o Grupo dos Nove,4 em detrimento do Grupo dos (países) Neutrais e Não-Alinhados (conhecido por N+N)5 no seio da Conferência sobre a Segurança e Cooperação na Europa (CSCE) suscitou, em alguns círculos internacionais, uma forte impressão de ambiguidade relativamente à genuinidade do estatuto neutral daquele Estado. Porém, tal estatuto podia ser sempre atestado pelas autoridade de Dublin com base no fato indesmentível de o país não pertencer a qualquer aliança militar.

objeção de princípio à codificação, no articulado do Ato Único Europeu, da Cooperação Política Europeia (CPE)6 que foi considerada uma consequência natural da evolução do processo de construção europeia. É interessante notar que, nesse período, e durante a guerra das Malvinas, o recuo de Dublin relativamente ao seu apoio inicial à imposição de sanções econômicas contra a Argentina, no contexto da CPE, e a sua recusa em apoiar a incursão militar britânica nas Malvinas constituiu uma sintomática manifestação de vitalidade da tradição de neutralidade militar.7

Nos anos 80, a elite política irlandesa não apresentou qualquer A posição neutral da Irlanda nunca se revestiu de um cariz constitucional,8 tendo a sua 4. Este ‘Grupo dos Nove’ era composto emergência derivado de uma pelos Estados-membros da então CE: França, Alemanha, Itália, Bélgica, Holanda, opção política unilateral e pragLuxemburgo, Reino Unido, Irlanda e mática, como parte de uma estraDinamarca. tégia dirigida a pôr o fim ao dik5. Este grupo era formado pelos seguintes tat britânico (Fanning 1996, países: Áustria, Chipre, Finlândia, 137). Com efeito, tal como afirLiechtenstein, Malta, São Marino, Suécia, mou Ronan Fanning, a neutraliSuíça e Jugoslávia. dade converteu-se no “timbre da 6. A CPE foi estabelecida no início da décaindependência, no sinal da honra da de 70, apresentando-se essencialmente patriótica intimamente ligado à como um fórum de discussão sobre matérias percepção coletiva da identidade de política externa à margem da então CE. nacional irlandesa” (idem, 10). 7. Para mais detalhes sobre as mudanças de Ademais, com a passagem do posição da Irlanda, no seio da CPE, durante tempo e a experiência acumulaa guerra das Malvinas, ver Sharp (1990, 218232). da, essa postura gerou no seio da opinião pública irlandesa uma 8. A neutralidade militar não constava do consistente aversão ao envolviarticulado da Constituição de 1937. mento do país num qualquer 9. Esta seção resultou de uma revisão, atualesquema de caráter militar, algo ização e extensão das considerações que que contribuiu para a consolidativemos o ensejo de articular, originalmente, ção de um ethos pacifista. na obra já citada de Ferreira-Pereira (2007, 478-482). 10. Ver Tratado da União Europeia, Luxemburgo, Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 1992.

Durante as décadas de 70 e 80, a experiência da Irlanda, na sua condição de membro da CE e participante da CPE, demonstrou que o processo de integração não excluía, automaticamente, a neutralidade militar. Antes, tornou patente de que forma o não envolvimento em estruturas de defesa coletiva podia ser conciliado com a participação no aprofundamento da Europa Comunitária, apesar desta última ser constituída, majoritariamente, por Estados-membros da OTAN. A ‘Euroforia’ que caracterizou o início dos anos 90 e estimulou a assinatura do Tratado de Maastricht e o subsequente nascimento da UE, não afectou a posição da Irlanda. No âmbito da Pesc, formalmente estabelecida por esse novo acordo, ficou consagrada a chamada ‘cláusula irlandesa’, segundo a qual o desenvolvimento de uma política externa e de segurança comum, não “afetará o caráter específico da política de segurança e de defesa de determinados Estados-membros” (Artigo J.4.4 do Título V).10 Ora, a introdução dessa provisão legal, em particular, e o cariz intergovernamental da Pesc, em geral, vieram acautelar o tradicional modus vivendi irlandês.

Esse modus vivendi que designamos por ‘neutralidade integrada’, ao permitir a concatenação entre uma participação construtiva no processo de integração europeia e a recusa de assunção de obrigações de assistência mútua, estava em harmonia com a política de A ‘Neutralidade Integrada’ da neutralidade irlandesa. Em 1995, Irlanda: De Modus Vivendi a sem prejuízo dessa política, o país Precedente Comunitário9 aceitou tornar-se observador da

16

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

União da Europa Ocidental (UEO). Esse estatuto foi originalmente inventado para acomodar, por um lado, a ‘neutralidade integrada’ da Irlanda e, por outro lado, a posição excepcional da Dinamarca, na sua (tripla) qualidade de membro da Otan, de país não-signatário do Tratado de Bruxelas Modificado de 195411 e de um Estado que usufruía de ‘opt out’ em todas as decisões com implicações no domínio da defesa.12 Apesar de ter sido forjada para acautelar a especificidade da política externa irlandesa, a ‘neutralidade integrada’ mostrou ser aplicável às circunstâncias dos Estados militarmente neutrais que, no início da década de 90, apresentaram os respectivos pedidos de adesão à UE. Estamos 11 O Tratado de Bruxelas Modificado de 1954 fundou a UEO. 12. O ‘opt out’ dinamarquês representou umas das respostas de Bruxelas ao resultado negativo do referendo sobre a ratificação do Tratado de Maastricht, realizado naquele país em Junho de 1992. Esse expediente (conhecido por ‘compromisso de Edimburgo’) ficou formalmente estabelecido no âmbito do Conselho Europeu de Edimburgo realizado, sob a presidência britânica da UE, em 11 e 12 de Dezembro de 1992. 13. Esta cláusula ficou plasmada no parágrafo 1, do artigo J.7 do Tratado de Amsterdã e no artigo17º, parágrafo 1, do Tratado de Nice. Cf. Tratado de Amesterdão, Luxemburgo, Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 1997; e Tratado de Nice, Luxemburgo, Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, 2001. 14. Ver. National Declaration by Ireland, 21 June 2002, disponível em http://www.foreignaffairs.irlgov.ie/home/index.aspx?id=26264. Consultada em 9 de Novembro de 2009. Tradução da Autora.

falando da Áustria, da Finlândia e da Suécia que tencionavam participar na construção de uma União Econômica e Política sem alterar, estruturalmente, os fundamentos das suas políticas de segurança e defesa, também elas enraizadas numa tradição mais ou menos longa de neutralidade militar. Portanto, para as autoridades de Viena, Helsinque e Estocolmo o precedente irlandês afigurou-se como uma garantia de que existiam condições para salvaguardar as idiossincrasias inerentes às políticas de segurança nacionais e defender, de forma criativa, a conjugação entre a neutralidade militar e uma participação ativa na dinâmica integrativa. É digno de nota neste ponto da discussão que a progressiva consolidação da PESC, alcançada sob o impulso dos diferentes exercícios político-jurídicos que conduziram à assinatura do Tratado de Amsterdã e do Tratado de Nice, em 1997 e 2001, respectivamente, nunca veio a alterar a essência da ‘cláusula irlandesa’.13 Esta última, porém, provou ser insuficiente para apaziguar os receios da opinião pública irlandesa sobre uma eventual militarização da UE, suscitados pela introdução de uma dimensão de segurança e defesa sob a égide da Política Europeia de Segurança e Defesa (Pesd). Isso ficou manifesto quando o Tratado de Nice foi rejeitado pelos irlandeses no referendo realizado em Junho de 2001, sendo que este resultado só seria ultrapassado no ano seguinte, no contexto de um segundo acto referendário. Isto aconteceu depois das autoridades irlandesas terem con-

quistado a concordância dos líderes europeus com o teor de dois documentos-chave, ambos garantindo a continuidade da neutralidade militar, que ficaram associados ao ato de ratificação do Tratado de Nice pela Irlanda. O primeiro desses documentos foi a Declaração Nacional sobre a Neutralidade Militar, emitida por Dublin em 21 de Junho de 2002, que reiterou que a participação do país na PESC “não prejudica a sua política de neutralidade militar tradicional”, em nome da qual a Irlanda “não está vinculada a qualquer compromisso de defesa mútua”, nem “faz parte integrante de quaisquer planos para desenvolver um exército europeu”. O articulado estatuiu ainda que “a participação dos contingentes das Forças Armadas Irlandesas em operações internacionais, incluindo aquelas levadas a cabo sob a política europeia de segurança e defesa requer a) a autorização da operação pelo Conselho de Segurança ou pela Assembléia Geral das Nações Unidas, b) o acordo do governo irlandês e c) a aprovação do Dáil Éireann, de acordo com a lei irlandesa”.14 O segundo documento-chave foi a Declaração do Conselho Europeu de Sevilha de Junho de 2002 sobre a política de neutralidade irlandesa, no qual ficou reconhecido que o Tratado de Nice “não impõe quaisquer compromissos de defesa mútua de caráter vinculativo. Nem o desenvolvimento da capacidade da União para levar a cabo tarefas humanitárias e de gestão de crises envolve o estabelecimento

17

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

conheceu uma pausa com a assinatura do Tratado de Lisboa, em Em 2004, cerca de dez anos dezembro de 2007, sob a depois de ter salvaguardado a Presidência portuguesa da UE. posição da Áustria, da Suécia e da Finlândia, a ‘cláusula irlandesa’ Dizemos pausa e não término porpermitiu aos mini-Estados medi- que ainda se sentiam os ecos dos terrânicos, Malta e Chipre,16 festejos da vitória diplomática encontrarem um espaço para con- consubstanciada na assinatura do vocar a sua experiência nacional Tratado de Lisboa quando, no dia de neutralidade militar, em caso 12 de junho de 2008, 53,4% dos irlandeses se pronunciou contra de necessidade. aquele texto legal numa expressiO Referendo Negativo Irlandês va participação de 51,13%.17 ao Tratado de Lisboa e a Nessa altura, foi transversal a conNeutralidade Militar: Que Nexo? clusão de que se estava assistindo Depois de os referendos negativos uma réplica do que tinha sucedido francês e holandês, realizados em 2001, quando a consulta popudurante a Primavera de 2005, lar na Irlanda recaiu sobre o terem ditado o fim do processo de Tratado de Nice. Além disso, ratificação do Tratado Constitu- depois do trauma político causado cional da UE (aprovado no ano pelo fracasso do Tratado anterior), a UE entrou num força- Constitucional, o ‘Não’ irlandês do ‘período de reflexão’ - para fez pairar a ameaça de uma União muitos um eufemismo para retra- novamente órfã de um texto funtar a crise de identidade que se damental condizente com a nova e abateu sobre o projeto europeu. inescapável realidade: uma Essa fase, que redundou num Europa Comunitária formada por impasse institucional com uma 27 Estados-membros, sob a intenUnião ‘a 25’ a ser pautada por sa pressão da globalização e dos regras concebidas para um quadro intrincados desafios securitários político-institucional ‘a 15’, suscitados pelo fim da Guerra Fria e pelo contexto pós-11 de setembro de 2001. 15. Ver. Declaration of the European Council, de um exército europeu.”15

21 June 2002, disponível em, http://www.eu 2004.ie/home/index.aspx?id=26265. Consultada a 9 de Novembro de 2009. Tradução da Autora. 16. Estes Estados integraram o ‘quinto alargamento’ da UE, oficializado a 1 de maio de 2004, que resultou na entrada de dez novos membros: Chipre, Estônia, Eslováquia, Eslovênia, Hungria, Letônia, Lituânia, Malta, Polônia e República Tcheca. 17. Le Figaro, 14 de Junho de 2008. 18. Ver Tratado de Lisboa, Jornal Oficial da União Europeia, 115 C, 9 de maio de 2008 (edição em língua portuguesa).

A complexidade causal inerente ao referendo negativo irlandês ao Tratado de Lisboa não permite falar de uma causa prima originária dos 53,4% contra o novo acordo europeu. No entanto, existe evidência empírica sobre uma das razões para o episódio que mergulhou a UE num novo período de incerteza: a ideia, geradora de medo, de que a entrada em vigor do Tratado de Lisboa abriria

caminho à criação de um exército europeu que, para além de convocar a participação obrigatória dos jovens irlandeses, poria termo à tão estimada tradição de neutralidade militar. É verdade que, em junho de 2008, o número de missões já levadas a cabo pela UE em distintos quadrantes geográficos (i.e. nos Bálcãs, na África e na Ásia), o estabelecimento de uma Agência Europeia de Defesa e a apresentação do reforço da Pesd como uma das prioridades da presidência francesa do Conselho da UE podiam ser apresentados por alguns observadores como sinais de uma gradual militarização da UE. Todavia, também é verdade que essa ideia não tinha qualquer correspondência real com aquilo que tinha ficado codificado no Tratado de Lisboa. Isto porque o articulado deste acordo não modificou, no essencial, o que tinha ficado consagrado no Tratado de Nice, estipulando que a evolução da agora denominada Política Comum de Segurança e Defesa (PCSD), como parte integral da PESC, deveria respeitar o caráter específico das políticas de segurança e defesa de certos Estados-membros (Artigo 42º, parágrafos 2 e 7).18 O medo que o Tratado de Lisboa acabaria por, sub-repticiamente, dotar a UE de um exército europeu, que se desenvolveu sobretudo junto da faixa feminina da opinião pública irlandesa, não passou disso mesmo, de um medo ou f.e.a.r. no sentido de encerrar uma ‘falsa expectativa aparentemente real’, enraizada num déficit de informação que os governantes e

18

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

líderes partidários irlandeses favoráveis ao Tratado de Lisboa não conseguiram colmatar. Em rigor, essa expectativa não tinha qualquer respaldo naquilo que a letra do Tratado de Lisboa viria a plasmar no âmbito da PCSD. Tal como os resultados da consulta popular vieram confirmar, o desconhecimento da realidade dos fatos tornou-se um terreno fértil para o adensamento da desconfiança dos irlandeses sobre ao planos europeus (em curso) no domínio da segurança e defesa, e as suas repercussões negativas sobre a neutralidade militar do país.

garantias legais que as autoridades nacionais conseguiram obter junto dos seus homólogos europeus, tendo em vista a proteção da soberania nacional em matérias tão cruciais como a neutralidade militar, o aborto e as leis fiscais20. Sobre a política de neutralidade militar, Dublin produziu uma nova declaração unilateral que deveria ficar associada aos instrumentos de ratificação do Tratado de Lisboa. Tal declaração foi fruto de uma revisão e atualização do conteúdo da Declaração Nacional sobre a Neutralidade Militar de 21 de Junho de 2002 (já aludida), à luz do novo quadro de segurança e No dia 2 de outubro de 2009, o defesa criado pela PCSD.21 Tratado de Lisboa foi objeto de um segundo referendo na Irlanda Conclusões que, desta vez, foi coroado com um resultado claramente positivo: Conhecida pela sua umbilical liga67,1% a favor e 32,9% contra o ção histórica à luta pela independênnovo pacto europeu.19 Sob o pano cia, assim como pelo seu recorte de fundo de uma severa recessão ambíguo, a neutralidade irlandesa econômica, o Governo prometeu ganhou tradução numa objetiva emprego e recuperação econômi- determinação de não participação ca e os irlandeses acreditaram. em alianças militares, a qual condiEstes confiaram, igualmente, nas cionou a estratégia dos decisores políticos irlandeses em matéria de política externa. Essa postura mili19. Ver. Financial Times, 5 de outubro 2009. tarmente neutral teve também implicações no seio da Europa 20. Estas garantias ficaram plasmadas no Comunitária desde a criação da Anexo 1 das Conclusões da Presidência do Conselho Europeu de Bruxelas, realizado em Pesc, no âmbito do Tratado de 18 e 19 de Junho de 2009, sob o título ‘Decisão Maastricht, até a recente codificação dos Chefes de Estado e de Governo dos 27 Ver da PCSD, no articulado do Tratado Estados da UE, reunidos em Conselho de Lisboa. Isso ficou bem patente Europeu, sobre as preocupações do povo irlandês sobre o Tratado de Lisboa.’ Disponível em, não só na introdução da ‘cláusula http://www.consilium.europa.eu/ueDocs/cms_ irlandesa’, na moldura legal da Pesc, Data/docs/pressdata/en/ec/108622.pdf, consul- em 1992, mas também na inclusão tado em 9 de novembro de 2009. da mesma em todos os Tratados da 21. Esta declaração unilateral intitulada UE revistos e aprovados até ao ‘Declaração Nacional da Irlanda’ (‘National momento atual. Essa disposição Declaration by Ireland’) ficou inscrita no Anexo criou um ‘modus vivendi’, sob a 3 das Conclusões da Presidência do Conselho égide do qual floresceu a percepção Europeu de Bruxelas de junho de 2009.

de que a neutralidade militar era conciliável com uma participação construtiva no processo de integração europeia. Isto verificou-se, especialmente, no seguimento da adesão da Áustria, de Finlândia e da Suécia à UE, em 1995. Após 1992 e, particularmente, sob o impacto do referendo negativo do Tratado de Nice, a neutralidade militar tornou-se uma questão incontornável na estratégia europeia da Irlanda perante a evidência empírica indiciando um forte apego e identificação emocional da população a essa postura tradicional. Na realidade, a população irlandesa nunca deixou amortecer a necessidade de salvaguardar esse aspecto imbuído de valor políticoidentitário e securitário, sobretudo sempre que percebeu que o mesmo não tinha sido devidamente acautelado no quadro das negociações diplomáticas realizadas em sede das instituições comunitárias. Foi assim em 2001 e em 2008 quando os irlandeses disseram ‘Não’ ao Tratado de Nice e ao Tratado de Lisboa, respectivamente, forçando os seus altos representantes a obterem garantias legais em ordem à manutenção da neutralidade militar. Aos olhos dos irlandeses, essas garantias tornaram-se cada vez mais prementes ao passo que se intensificava a percepção de um crescendo de atividade(s) no domínio da segurança e defesa, conforme atestado pelo número missões (militares e civis) da UE no Mundo, bem como pela criação da Agência Europeia de Defesa, de entre outros desenvolvimentos no quadro da PCSD.

19

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

Para o ‘Sim’ irlandês ao Tratado de Lisboa no referendo nacional realizado no dia 2 de outubro de 2009, concorreram os votos daqueles que confiaram que a neutralidade militar da irlandesa não seria afetada com a entrada em vigor do novo tratado. Essa confiança conquistada pelo governo de Dublin através do recurso a mais uma declaração unilateral, re-validando o comprometimento do país com uma postura militarmente neutral, patenteia o continuado peso das especificidades nacionais na definição do enquadramento legal da PCSD - algo que, por sua vez, evidencia o caráter intergovernamental dessa política e contém o potencial de vir confrontar a UE com renovadas dificuldades em futuros momentos referendários. Referências

da Presidência do Conselho Europeu de Bruxelas, 18 e 19/jun. Declaration of the European Council, 21 June 2002, h t t p : / / w w w. e u 2 0 0 4 . i e / h o m e / i n d e x . a s p x ? i d =26265.Consultadaa 9/nov./2009. Fanning, Ronan ‘Neutrality, Identity and Security: The Example of Ireland’, in W.Bauwens et al (Eds.), Small States and the Security Challenge in the New Europe, Londres, Brassey’s, p. 137-149. Ferreira-Pereira Laura C. (2007) Os Estados Militarmente Não-Aliados na Nova Arquitectura de Segurança Europeia, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, março. (Série Textos Universi-tários de Ciências Sociais e Humanas FCG/FCT).

Conselho das Comunidades Europeias (2001) Tratado de Nice, Luxemburgo, Serviço das Keatinge, Patrick (1984) Irish Neutrality in the 1980s, Dublin, Institute of Public Administration. Publicações Oficiais das Comuni-dades Europeias.

Conselho das Comunidades Europeias (1997) National Declaration by Ireland (21 June 2002), disTratado de Amesterdão, Luxemburgo, Servi-ço das ponível em http://www.foreignaffairs.irlgov.ie Publicações Oficiais das Comunidades Europeias. /home/index.aspx?id=26264 Consultada a 9 de novembro de 2009. Conselho das Comunidades Europeias (1992) Tratado da União Europeia, Luxemburgo, Serviço Sharp, Paul (1990) Irish Foreign Policy and the European das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias. Community, Dartmouth, Aldershot. Tratado de Lisboa (2008) Jornal Oficial da União Europeia, Conselho Europeu de Bruxelas (2009) Conclusões 115 C, 9 de maio (edição em língua portuguesa).

20

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

La cooperación Sur-Sur de Brasil: ¿Instrumento de política exterior y/o manifestación de solidaridad internacional? Bruno Ayllón Pino Pesquisador associado do Instituto Universitario de Desarrollo y Cooperación. Universidad Complutense de Madrid

Iara Costa Leite Doutoranda em Ciência Política no Instituto Universitario de Pesquisas de Río de Janeiro (Iuperj)

T

reinta años después de la adopción del Plan de Acción de Buenos Aires (Paba) de ladeelaborainta años después de la adopción del yPlan Acción ción del concepto de Cooperación Técnica de Buenos Aires (Paba) y de la elaboración del conentre en Desarrollo Técnica (CTPD), Brasil ha conceptoPaíses de Cooperación entre se Países en vertido en uno de los agentes más activos de la llamaDesarrollo (CTPD), Brasil se ha convertido en uno da Sur-Sur El discurso así de Cooperación los agentes más(CSS). activos de laoficial, llamada como la doctrina producida por especialistas y por los Cooperación Sur–Sur (CSS). El discurso oficial, así informes de organizaciones destacan como la doctrina producidainternacionales, por especialistas y por que el país ni es ni tiene pretensión de convertirse en los informes de organizaciones internacionales, desun gran donante financieros en la tacan que el paísdenirecursos es ni tiene pretensión demateria. converLa gran contribución brasileña, según ellos, sería tirse en un gran donante de recursos financieros enlala transferencia de soluciones innovadoras el desamateria. La gran contribución brasileña,para según ellos, rrollo en una amplia gama de sectores y el compromisería la transferencia de soluciones innovadoras para so con nuevas en modalidades de gama cooperación que invoel desarrollo una amplia de sectores y el lucran a donantes tradicionales países del Norte y compromiso con nuevas modalidades de cooperaorganizaciones internacionales - u otros países en ción que involucran a donantes tradicionales – países desarrollo a favor de terceros, como es el caso de las del Norte y organizaciones internacionales – u otros iniciativas surgidas ena elfavor ámbito Foro de Diálogo países en desarrollo de del terceros, como es el India-Brasil-Sudáfrica (Ibas). caso de las iniciativas surgidas en el ámbito del Foro 1. Ver: http://aliceweb.desenvolvimento.gov.br/ El aumento

de la participación de países en desarrollo en las exportaciones brasileñas no tiene como causa única la voluntad política del actual gobierno, siendo también explicada, por ejemplo, por la expansión china, por el proteccionismo de los países desarrollados y por deficiencias de Brasil en relación a mercados más competitivos (Sennes et al., 2006).

El objetivo de este artículo es trazar un perfil histórico y actual sobre la CSS brasileña, señalando sus contribuciones y desafíos. El eje sur-sur en la política exterior del gobierno Lula: consideraciones generales En su búsqueda de mayores niveles de autonomía en la esfera internacional y por su activismo en favor del desarrollo, el gobierno Lula ha dado prioridad a las relaciones de Brasil con otros países del Sur. La formación del G-20 y del Ibas, la aproximación con países africanos y árabes y el empeño a favor de la revitalización del Mercado Común del Sur (Mercosur) y de la integración suramericana están entre los desdoblamientos prácticos de la política exterior ejecutada a partir de 2003, apuntando un énfasis renovado en la CSS (Lima y Hirst, 2006; Oliveira, 2005). La aproximación a los países en desarrollo puede ser también comprobada, por ejemplo, en los números de las exportaciones brasileñas y en los destinos de los viajes internacionales realizados por el presidente Lula. En 2005, por primera vez en la historia, el conjunto de países de América del Sur, Asia y África superó a la Unión Europea y Estados Unidos en lo que se refiere al destino de las exportaciones brasileñas (Sennes et al, 2006). El total de los países en desarrollo1 recibió casi el 52 por ciento de las expor-

21

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

taciones brasileñas en 2008, frente aproximadamente el 41,4 por ciento en 2003. En lo que se refiere a los viajes internacionales del presidente Lula, más del 70 por ciento tuvieron como destino a países en desarrollo.2

Algunos estudiosos de la política exterior brasileña señalan todavía una conexión entre el estrechamiento de lazos con los países en desarrollo y la búsqueda de apoyos para la candidatura brasileña a un puesto permanente en el Consejo de Seguridad de las Naciones Unidas (Lima y Hirst, 2006; Vigevani y Cepaluni, 2007). Otras cuestiones estratégicas, como los esfuerzos para diseminar la producción mundial de biocombustibles y la tecnología brasileña en el área, además de la venta de insumos, máquinas y equipamientos producidos por empresas nacionales, también parecen constituir explicaciones importantes para la CSS ejecutada por el gobierno Lula. Así, las iniciativas de ayuda exterior no parecen restringirse a su ámbito propio, sino que configuran un instrumento de política exterior en la medida que se incluyen objetivos estratégicos para una mayor inserción internacional, política y económica de Brasil.

La elección del eje sur-sur como ámbito prioritario de la política exterior del gobierno Lula presenta la solidaridad como la principal motivación de las iniciativas llevadas a cabo. No obstante, representantes y agencias del gobierno brasileño exponen otros propósitos además de la promoción del desarrollo económico y de la justicia social en los países más pobres, relativos a cuestiones políticas (la CSS como medio para promover la multipolaridad, la democracia y la paz, la potenciación de la capacidad de negociación de Brasil, de América del Sur y de las demás regiones en desarrollo en la arena multilateral) y económicas (la CSS como medio para expandir el comercio y la presencia brasileña en el mercado internacional) (Amorim, 2003, 2004 y 2005; Guimarães, 2003; Lula da Silva, Algunos autores críticos ven en la 2003 y 2007a; MRE, 2007a). actual aproximación brasileña a otros países en desarrollo un reflejo de motivaciones solidarias con 2. Estadísticas elaboradas con base en fines antiimperialistas conectadas MRE (2007b). al Partido de los Trabajadores 3. Ver Barbosa (2006) y Lisboa (2006). (PT), calificando la política extePara algunos, tal aproximación sería irre- rior de Lula de ideológica, sesgaalista, dado el bajo potencial consumidor da y anacrónica.3 De hecho, no de los países más pobres y la competición hay como negar que el estrechapor mercados entre países en desarrollo miento de lazos con otros países (Caetano, 2005; Sardenberg, 2005; Ayllón y Viola, 2006). Para otros, lo criti- en desarrollo busque la constitucable es el alegado carácter inédito de las ción de una plataforma de política iniciativas diplomáticas del actual gobier- exterior querida por el PT desde no (Ricupero, 2005; Magnoli, 2003). su fundación.

La CSS, sin embargo, tuvo que ser reinterpretada frente a nuevos escenarios. El fin de la guerra fría y la aceleración del proceso de globalización, por un lado, imposibilitaron que la reanudación de la fractura Norte-Sur tuviera cómo reflejo un eventual alejamiento de los países ricos, particularmente de los Estados Unidos (EEUU). Por otro lado, la aproximación a otros países en desarrollo ganó fuertes dosis de pragmatismo después de los atentados del 11 de septiembre, del unilateralismo norteamericano y de la “securitización” de la agenda internacional. Esas nuevas restricciones estructurales no habían pasado desapercibidas durante el gobierno de Fernando Henrique Cardoso, que al final de su segundo mandato (1999-2002) inició una “corrección de rutas”, estableciendo coaliciones con otros países en desarrollo, como India y Sudáfrica (Oliveira, 2005). Al mismo tiempo que responde a dinámicas coyunturales, en el ámbito nacional e internacional, el compromiso brasileño en la CSS no es un fenómeno reciente. Ya en la década de los años setenta, Brasil comenzaba a diferenciarse de otros países del Sur en términos de desarrollo económico, pasando de receptor a prestador de CTI en un contexto de movilización intensa de los países del Tercer Mundo a favor de iniciativas de cooperación de corte no asistencialista y eficaces en la promoción de su desarrollo.

22

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

Principios, directrices y propósitos de la CSS brasileña “La cooperación internacional brasileña [...] se basa en los principios de solidaridad y corresponsabilidad, no teniendo fines comerciales o lucrativos. Es desligada y procura siempre actuar de acuerdo con las prioridades de los países socios, mediante transferencia del conocimiento sin cualquier imposición” (Moreira 2005, 2). “Al ofrecer oportunidades de cooperación, Brasil no busca el lucro o la ganancia comercial. Tampoco hay ‘condicionalidades’ involucradas. Buscamos hacer realidad una visión nueva de las relaciones entre los países en desarrollo inspirada en la comunión de intereses y en la ayuda mutua.” (Amorim, 2006).

Según el discurso oficial, la cooperación de Brasil con otros países en desarrollo, inspirada en la filosofía de la “asociación para el desarrollo”, se sustenta en dos principios: solidaridad y corresponsabilidad. El principio de solidaridad presenta tres facetas: las bases no comerciales y no lucrativas de las acciones conducidas; la ausencia de condicionalidades; y la identidad entre las partes, que serviría de base para acciones pautadas por el interés común, en detrimento de iniciativas orienta4. Se trata de la llamada “Ejecución

Nacional de Proyectos”, instrumento aprobado por la Asamblea General de la ONU, en 1989, para regir los programas de cooperación técnica implementados en asociación con organismos de la ONU (ABC, 2005b).

das por intereses egoístas. El principio de corresponsabilidad señala el carácter no asistencialista y no parternalista de las acciones conducidas. Incorpora la idea de autonomía por la vía del fortalecimiento institucional, de la apropiación o dominio (ownership) y de la responsabilidad (accountability) de los beneficiarios sobre los programas implementados.4 Se nota, por lo tanto, que los principios que rigen la CSS brasileña se refieren a los mismos aspectos normativos que guían la CTI recibida. La única novedad, de ningún modo trivial, está en el aspecto de la identidad, que se refiere a compartir una serie de características y desafíos entre los países del Sur, lo que aumenta las oportunidades de éxito en la transferencia de soluciones para el desarrollo, y la idea de que Brasil, por compartir con sus socios un pasado colonial y periférico y por haber sufrido injerencias de todo tipo a lo largo de su historia, no cometerá los mismos errores de los países del Norte en sus relaciones con los países del Sur, es decir, no actuará según intereses egoístas de corto plazo, ni dejará de respetar la soberanía de los socios. El siguiente discurso del presidente Lula, dirigido a embajadores africanos por ocasión del Día de África, ilustra bien esa lógica: “Puedo deciros que Brasil puede hacer mucho más de lo que ha hecho. Creo que la primera fase difícil, que fue la fase del prejuicio, ya la hemos superado. ‘¿El qué va a hacer en África el Presidente Lula? ’ ‘¿Por qué

tantos viajes a África? ’ ‘¿El qué pueden comercializar los africanos?’ ‘¿Por qué el Presidente Lula no va a Europa, no va a Japón, no va a China? ’ Porqué durante el siglo pasado se construyó la mentalidad de que debíamos tener una relación de subordinación con las economías ricas, y no una relación política, cultural, comercial, industrial con los países pobres, para que Brasil les pudiese pasar aquello que fue el aprendizaje acumulado en nuestros 500 años de historia”. […] ¿Y que país del mundo, entonces, podría tener esa vocación de aproximarse de África más que Brasil? Ninguno. Inclusive porque Brasil no tiene vocación imperialista. Brasil no quiere tener vocación hegemónica. Brasil quiere tener vocación de asociación, construir juntos aquello que debe ser construído” (Lula da Silva, 2007b).

Analizando el discurso sobre la CSS brasileña, se observa que el corolario central de la “asociación para el desarrollo” se refiere al postulado de que el objetivo primordial de la la cooperación prestada sería promover el desarrollo socio-económico de los beneficiarios. Aunque parezca un objetivo solidario y desinteresado, contiene un aspecto político fundamental, que se refiere al modelo de sociedad que Brasil desea promover. Un segundo aspecto político está vinculado a los intereses de la parte prestadora de la cooperación, que no se resumen, de ninguna forma, a objetivos instrumentales establecidos por un Estado supuestamente racional y

23

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

monolítico. La aproximación con los países africanos responde a demandas de los más variados sectores nacionales brasileños, por ejemplo, dirigentes del Partido de los Trabajadores (PT) que predican, desde la fundación del partido, la necesidad de una “diplomacia solidaria”, el interés de los empresarios o de sectores nacionales vinculados a la promoción de la igualdad racial, etc. En lo que se refiere a los “intereses de Estado”, los documentos y discursos oficiales subrayan que la CSS constituye un importante instrumento de política exterior para: “proyectar una imagen moderna del país”, “consolidar un papel de destaque en el ámbito regional e internacional” (ABC 2005b, 1) y “asegurar la presencia positiva y creciente en países y regiones de interés primordial”.5 Específicamente, las acciones de CTPD conducidas en el ámbito de

5. Ver: http://www.abc.gov.br/abc/

coordenacoesCGPDIntroducao.asp 6. Las demás directrices son: “apoyar pro-

yectos vinculados, sobretodo a programas y prioridades nacionales de desarrollo de los países receptores; canalizar los esfuerzos de la CTPD a los proyectos de mayor repercusión y ámbito de influencia, con efecto multiplicador pero intenso; privilegiar proyectos con mayor alcance de resultados; apoyar, siempre que sea posible, proyectos con contrapartida nacional y/o con participación efectiva de instituciones socias; establecer asociaciones preferentemente con instituciones genuinamente nacionales”. 7. Ver: http://www.abc.gov.br/abc/

coordenacoesCGPDIntroducao.asp

la ABC son regidas por directrices y prioridades establecidas por el actual gobierno. La primera de las directrices establecidas en 2004, es “dar prioridad a programas de cooperación técnica que favorezcan la intensificación de las relaciones de Brasil con sus socios en desarrollo, principalmente con los países de interés prioritario para la política exterior brasileña”.6 En cuanto a las prioridades de la CTPD en el actual gobierno han sido definidas como respuesta a los compromisos asumidos en viajes del Presidente de la República y del Canciller, debiendo orientarse geográficamente a los países de América del Sur, Haití, países de África, en especial los de lengua portuguesa, y Timor Oriental, los demás países de América Latina y Caribe y el apoyo a la Comunidad de Países de Lengua Portuguesa (CPLP). Se afirma también el necesario incremento de las iniciativas de cooperación triangular con países desarrollados (a través de sus respectivas agencias) y organismos internacionales.7

co de seguridad nacional. Ningún país puede sentirse seguro al lado de vecinos descontentos. Por esta razón debemos estimular medidas destinadas a la integración de Suramérica y desanimar iniciativas, nuestras y de nuestros socios, que puedan constituir amenazas a este anhelado objetivo” (Pereira da Fonseca, 2008: 67).

En efecto, la mayor parte de los recursos de la CSS brasileña que tiene a los vecinos suramericanos como destino está concentrada en Paraguay (28,30 por ciento) y en Bolivia (17,14 por ciento) (MRE, 2007a) países que, al mismo tiempo en que necesitan de más recursos exteriores por presentar menor grado de desarrollo relativo, abrigan a una amplia comunidad de brasileños y poseen acuerdos de suministro de energía con Brasil. Los gobiernos de estos países han amenazado con perjudicar los intereses brasileños en el caso de que no haya una mayor equidad en la distribución de los beneficios de las relaciones bilaterales. Siendo así, la cooperación brasileña con Bolivia y Paraguay desempeña la función de evitar una rupEn su discurso de toma de pose- tura que lleve a la expulsión de los sión en 2003, Lula afirmó que “la emigrantes brasileños, por un lado gran prioridad de la política exte- y a la privación de importantes rior durante el Gobierno sería la fuentes energéticas, por otro. construcción de una América del Sur políticamente estable, próspe- Hay que señalar que, si bien el ra y unida, con base en ideales discurso oficial destaca la prioridemocráticos y de justicia social” dad de América del Sur en la polí(Lula da Silva, 2003). Ese discur- tica exterior brasileña, eso no se so es reproducido por los docu- refleja en el perfil de la cooperamentos y voces oficiales de la ción prestada por el país. África CSS brasileña. Según el ex-direc- concentra la mayor parte de los tor de la ABC, Luiz Henrique recursos de la cooperación brasiPereira da Fonseca, tal prioriza- leña (más del 52 por ciento inverción refleja “un objetivo estratégi- tidos en 125 proyectos), mientras

24

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

que América del Sur aparece en segundo lugar (119 proyectos y el 18,36 por ciento de los recursos). El país que recibe el mayor volumen de recursos es Haití. Podemos formular varias hipótesis sobre los propósitos actuales de la CSS brasileña en base al cruzamiento de los números referentes a proyectos y acciones y de aspectos más amplios de la política exterior durante el gobierno Lula. La concentración en países africanos, por ejemplo, desempeña no sólo la función moral de res8. Ese objetivo también integraría el con-

junto de los propósitos brasileños en la cooperación prestada a países de América Central, donde más del 13 por ciento de los recursos invertidos por Brasil son destinados al sector de la energía (MRE, 2007a). 9. Ese objetivo también integraría el con-

junto de los propósitos brasileños en la cooperación prestada a países de América Central, donde más del 13 por ciento de los recursos invertidos por Brasil son destinados al sector de la energía (MRE, 2007a). 10. En palabras del presidente Lula: “Veo

en el programa de biocombustibles la gran posibilidad de atender al mundo desarrollado con energía renovable, energía limpia, energía generadora de millones de empleos. Servir y atender al mundo desarrollado que, obligatoriamente, tendrá que contribuir a la descontaminación del planeta” (Lula da Silva, 2007b).

catar “deudas históricas por su valiosa contribución a lo que es hoy día la multiétnica nación brasileña” (Pereira da Fonseca 2008, 67).8 También guarda relación con intereses económicos de Brasil, como los vinculados a la expansión de la producción mundial de biocombustibles.9 Al mismo tiempo en que la asociación en esta área tiene gran potencial de contribuir a una mayor inserción económica internacional de los países africanos10 también puede generar una serie de ganancias importantes para el desarrollo de Brasil, que no transferiría sólo tecnología, sino que vendería las máquinas, insumos, equipamientos y unidades vinculadas a la producción de biodiesel y etanol. Algunos analistas señalan también que la cooperación de Brasil con África sucede en un contexto de competición, con China e India, por mercados y recursos naturales del continente, destacadamente sus fuentes energéticas.11 El principal indicador de la relevancia económica de los países africanos para los negocios brasileños sería el aumento espectacular de la corriente comercial entre Brasil y África, que prácticamente se quintuplicó entre 2003 y 2008 (pasando de poco más de 6.000 millones de dólares a casi 30.000 millones).12

Aunque no hayan sido divulgados datos oficiales sobre las inversio(s/d) y Schläger (2007). nes brasileñas en África, el hecho es que, con el apoyo del actual 12. Informaciones disponibles en la web del Ministerio de Desarrollo, Industria y gobierno, las empresas brasileñas del sector de la energía (Petrobrás), Comercio Exterior. Ver: http://www.de senvolvimento.gov.br/sitio/interna/inter- construcción (Odebrecht, Andrade na.php?area=5&menu=1817&refr=576 Gutierrez, Camargo Corrêa) y 11. Ver, por ejemplo, Visentini y Pereira

minería (Vale do Rio Doce), entre otras, han pasado a invertir cada vez más en el continente y en otras regiones en desarrollo. El protagonismo de la cooperación brasileña en la cualificación profesional en otros países en desarrollo puede contribuir aún más a la ampliación de esas inversiones en el futuro, con la formación de recursos humanos locales. Finalmente, la cooperación con los países africanos y con otros países del Sur guarda relación con la búsqueda de apoyos para que Brasil ocupe eventualmente un puesto permanente en el Consejo de Seguridad de la ONU. Es también esa búsqueda la que pauta la priorización, en la práctica, de Haití como destino de la mayor suma de los recursos de la cooperación brasileña. La idea no es sólo recolectar el apoyo de los beneficiarios, sino particularmente el de los países del Norte, de los cuáles Brasil espera un reconocimiento por sus contribuciones al mantenimiento de la paz por la vía del estímulo al desarrollo de los países afectados por conflictos civiles, y no por la vía de operaciones restringidas al ámbito militar. En el discurso oficial, la promoción del país a la condición de global player es tratada como parte de iniciativas más generales a favor de la democratización de las relaciones internacionales, de forma que el Sur tenga mayor poder de decisión en las instancias decisorias globales y consiga reunir los esfuerzos necesarios para avanzar en su desarrollo. Sin embargo, no hay como negar que,

25

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

además de buscar la realización de los intereses comunes de desarrollo, Brasil intenta promover una imagen de prestigio al ofrecer asistencia a países de menor desarrollo relativo.

ción brasileña, como instrumento de la política exterior, desempeña tres funciones adicionales: la preservación de los intereses del país, la competición por mercados y la obtención de prestigio.

Por lo tanto, a pesar de que la CSS brasileña se funda en la filosofía de la asociación para el desarrollo y en los principios de solidaridad y corresponsabilidad, los propósitos vinculados a ella no se resumen, de manera exclusiva, al objetivo de contribuir al desarrollo de los países beneficiados. En resumen, como vimos, la coopera-

Contribuciones brasileña

de

la

CSS

(6,41 por ciento); medio ambiente (4,29 por ciento); energía (3,72 por ciento); administración (1,36 por ciento); deportes (2,11 por ciento); planificación urbana (1,97 por ciento); cultura (0,97 por ciento); defensa civil (0,91 por ciento); otros (5,25 por ciento) (MRE, 2007a).

El hecho de que Brasil, así como los donantes tradicionales y otros donantes emergentes, busque realizar intereses nacionales al prestar asistencia técnica, no debe hacernos olvidar las contribuciones del país a la práctica de la CSS en general. Destacamos tres de ellas: la transferencia de buenas prácticas en varios sectores; la participación de múltiples actores, tanto en el ámbito nacional como en el internacional; y el compromiso en acciones regionales, interregionales y multilaterales a favor del desarrollo.

14. Ver: http://www.senai.br/br/institucio-

Buenas prácticas

13. Los siguientes sectores son: legislativo

nal/snai_coo.aspx. 15. La institución más activa en la cooperación brasileña en salud es la Fundación Osvaldo Cruz (Fiocruz), creada en 1900 para combatir los grandes problemas de salud pública en Brasil. A lo largo de su historia, la Fiocruz, hoy vinculada al Ministerio de Salud, se volvió un centro de conocimiento de la realidad brasileña y de valorización de la medicina experimental. Actualmente, abriga actividades que incluyen el desarrollo de investigaciones, la prestación de servicios hospitalarios y ambulatorios de referencia en salud; fabricación de vacunas, medicamentos, reactivos y kits de diagnóstico; la enseñanza y la formación de recursos humanos; la información y la comunicación en salud, ciencia y tecnología; el control de la calidad de productos y servicios; y la implementación de programas sociales. Ver: http://www.fiocruz.br/ cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?tpl=home

Según el discurso oficial, la CSS brasileña no se basa en amplias donaciones de recursos monetarios, sino en la transferencia de un conjunto de conocimientos técnicos y de soluciones que tuvieron impacto positivo sobre el desarrollo brasileño y que pueden ser replicadas en países con desafíos semejantes. Datos del año 2007 indican que las áreas que reciben la mayor parte de los recursos brasileños destinados a la CTPD son: cualificación profesional (22,40 por ciento); salud pública (18,79 por ciento); agropecuaria (14,86 por ciento); educación (10,23 por ciento); y desarrollo social (6,70

por ciento) (MRE, 2007a).13 En el sector de la calificación profesional, el gobierno brasileño actúa en asociación con un conjunto de instituciones nacionales, con un papel destacado para el Servicio Nacional de Aprendizaje Industrial (Senai), que participa en la implementación de proyectos de reestructuración de sistemas de educación profesional y de centros de formación profesional en Angola, Cabo Verde, Colombia, Guinea-Bissau, Paraguay y Timor Oriental.14 En el área de la salud pública, las iniciativas de cooperación conducidas por la ABC en asociación con el Ministerio de Salud engloban acciones que van desde el combate a enfermedades (como el Sida y la malaria) a la asistencia técnica en materia de gestión de hospitales e implantación de sistemas únicos de salud.15 El ejemplo más citado es el programa de combate y prevención al Sida, que obtuvo gran éxito en países africanos y latinoamericanos, donde Brasil financia proyectos piloto para la capacitación de recursos humanos en el manejo clínico y en la logística de distribución de medicamentos retrovirales, además de proporcionar asistencia técnica y donar medicinas (ABC, 2005b). Las acciones en materia agropecuaria abarcan desde la transferencia de tecnologías para la producción de biocombustibles y alimentos en zonas tropicales a la organización de las cadenas productivas agrícolas nacionales. El agente central de la CSS brasileña

26

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

en este sector es la Empresa Brasileña de Investigación Agropecuaria (Embrapa), que posee acuerdos bilaterales de cooperación técnica con casi 50 países en cuatro continentes (Exmann, 2008) y ejecuta el 65 por ciento de 16. La Embrapa desarrolló um trabajo pionero en el “cerrado”, un ecosistema de Brasil, al elaborar una mezcla de fósforo y cal que transformó una región considerada inutilizable durante siglos en el cinturón verde brasileño. La emergencia del “cerrado” fue considerada “una de las mayores conquistas de la ciencia de la agricultura del siglo XX”. En 2006, dos científicos brasileños vinculados a la Embrapa recibieron el World Food Prize (Rohter, 2007). Creada en 1973 como empresa pública de derecho privado, la Embrapa fue concebida para desarrollar tecnologías y elevar la producción agrícola en Brasil. En tres décadas, la institución, con el apoyo de la cooperación recibida, se hizo líder mundial en investigaciones sobre agricultura tropical, contribuyendo a la transformación de Brasil en una potencia agrícola. La empresa desarrolló, por ejemplo, 40 variedades tropicales de soja, un cultivo de regiones templadas y cuyo ranking mundial de exportación es actualmente liderado por Brasil. La Embrapa también está enfocando sus actividades de investigación en el área de la bioenergía, habiendo identificado 30 tipos de plantas de las cuáles puede derivar combustibles. Ver: http://www.embrapa.br/ 17. La apertura de la oficina de la Embrapa en África y de la oficina en Venezuela representó el inicio de un modelo diferente de actuación internacional de la empresa, cuyo objetivo central dejó de ser el cambio tecnológico, dada la hegemonía brasileña en el área, cediendo espacio a la cooperación de cuño “humanitario” y conectada al agronegocio (Agencia Estado, 2008; Izique, 2008). 18. Informaciones detalladas en la web de la ONG: http://www.vivario.org.br/

los proyectos de la ABC en el área de agricultura tropical (Embrapa, 2009).16 En virtud del aumento de las demandas por sus servicios, la empresa instaló oficinas en Ghana en 2006 (Embrapa-África) y en Venezuela, en 2008, como embrión de la futura EmbrapaAmérica Latina.17 En educación, cabe destacar las acciones conjuntas reflejadas en los programas brasileños “Alfabetización Solidaria” y “Bolsa Escuela” en los países de lengua portuguesa. Con proyectos como el “Alfabetización Solidaria” en Cabo Verde y Santo Tomé y Príncipe y “Alfabetización Comunitaria” en Timor Oriental, además del “Programa de Alfabetización de Jóvenes y Adultos” en Mozambique, Brasil contribuye a la instalación de clases y grupos de alfabetización, la capacitación de profesores y coordinadores locales y la elaboración y modernización de materiales didácticos. En el ámbito del desarrollo social, el empeño del actual gobierno brasileño en rescatar el papel del Estado en la materia, asociándola al desarrollo económico, resultó en acciones nacionales en diversos temas (Seguridad alimentaria y nutricional, Derecho a la Alimentación, Agricultura Familiar, Reforma Agraria, Pesca Artesanal y diálogo con la Sociedad Civil), que pasaron a integrar el conjunto de las iniciativas de cooperación de Brasil con otros países en desarrollo (ABC, 2007a). Programas como “Hambre Cero” y “Bolsa Familia” ganaron reconocimiento internacional y se convirtieron en referencia en la elaboración de pro-

gramas similares en otros países. Participación de múltiples actores Además de actuar en varios sectores, la CSS prestada por Brasil moviliza una diversidad de socios nacionales e internacionales. Se estima que más de 120 instituciones nacionales, entre ministerios, secretarías, fundaciones, universidades, centros de investigación, empresas y organizaciones no gubernamentales estén involucradas actualmente en las iniciativas oficiales brasileñas de CTPD. Los principales socios nacionales son, en este momento, el Senai, la Embrapa y la Fundación Oswaldo Cruz (Fiocruz). La inclusión de sectores vinculados a la sociedad civil en la formulación y conducción de proyectos de cooperación internacional es particularmente importante al señalar una tendencia de descentralización en la política exterior brasileña, tradicionalmente criticada por la falta de participación social. La sociedad civil brasileña es convocada no sólo para participar en proyectos elaborados en la esfera estrictamente gubernamental. Muchas veces las buenas prácticas surgen en el ámbito de iniciativas sociales que, una vez alcanzan el éxito, pueden pasar a ser replicadas en otros países por la vía de la asociación entre gobiernos y la entidad responsable de las iniciativas. Es el caso, por ejemplo, de la organización no gubernamental Alfabetización Solidaria, que participa en proyectos mencionados en la sección anterior y Viva Río, que realiza actualmente una serie de acciones en Haití.18

27

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

Una novedad llamativa en este panorama es la creciente participación de las universidades brasileñas y de las instituciones que configuran su sistema nacional de investigación científica en diferentes proyectos de cooperación internacional.19 Este papel ha sido reconocido por el gobierno 19. Ejemplos de esta nueva realidad son los proyectos con participación de las agencias Capes (Coordinadora de Perfeccionamiento del Personal de Educación Superior) y del CNPq (Consejo Nacional de Investigación) o el envio de profesores, investigadores y técnicos de las Universidades de San Carlos, Federal de Viçosa, Brasilia, Sudeste de Bahía, Federal Rural de Río de Janeiro, Federal de Santa María y Gama Filho, entre otras, a proyectos ejecutados en Guinea – Bissau, Mozambique, Haití, Bolivia, Timor Oriental, Honduras o Namibia. (MRE, 2007a) 20. Palabras del ex-director de la ABC, embajador Pereira da Fonseca, en el simposio “El papel de las Universidades brasileñas en la política exterior en el ámbito de la cooperación técnica”, Brasilia, Asesoria de Comunicación de la UNB, 15 de junio de 2007. 21. En breve, se establecerán asociaciones con: los EEUU, para la lucha contra la malaria en Santo Tomé y Príncipe y para la modernización del sistema legislativo de Guinea-Bissau; Francia, para la cooperación agrícola en África, especialmente en Mozambique y en Camerún; con Italia, país con el cual ya fue firmado un Memorando de Entendimento para la realización de actividades en terceros países; con Noruega, en beneficio de Angola y Guinea - Bissau (Pereira da Fonseca, 2008); y con Alemania, cuyo ministerio para la Cooperación Económica y el Desarrollo (BMZ) clasificó a Brasil como país-ancla, demostrando interés en aprovechar la importancia regional del país como catalizador de nuevas iniciativas de cooperación. (Schläger, 2007).

brasileño que interpreta la actuación universitaria “como un gran apoyo al desarrollo de la cooperación internacional” y como un instrumento para “ampliar la visibilidad brasileña en el exterior y diseminar los conocimientos e innovaciones desarrollados en el país” en actividades como la educación de adultos, la implantación de universidades públicas, la definición de los sistemas de educación superior, la formación y la capacitación técnica o la transferencia de ciencia y tecnología (Pereira da Fonseca, 2007).20 La CSS brasileña también está involucrando, cada vez más, a organizaciones internacionales y agencias de cooperación de países industrializados, lo que hace de Brasil uno de los grandes protagonistas de la llamada cooperación triangular. La asociación con donantes tradicionales fue una forma que el país encontró de sortear la escasez de recursos nacionales y de acompañar el aumento de las demandas hacia la cooperación brasileña (ABC, 2005b), al mismo tiempo que representa “el reconocimiento explícito de la excelencia y de la efectividad operacional de la cooperación técnica prestada por la ABC” (Pereira da Fonseca, 2008:73).

Fondo de Población de las Naciones Unidas (FNUAP), en el combate a la violencia contra las mujeres, el Banco Mundial (programas de merienda escolar y manejo de residuos sólidos) y la Organización Internacional del Trabajo (OIT) para el combate al trabajo infantil (ABC, 2006; Pereira da Fonseca, 2008).21 Haití, antes del devastador terremoto de enero de 2010, fue el escenario para el desarrollo de la más reciente de las modalidades de cooperación, la que involucra a dos o más países en desarrollo en beneficio de un tercero. Es el caso, por ejemplo, de la asociación entre Brasil y Argentina en el proyecto de construcción de cisternas para la producción de hortalizas y otros cultivos; y del proyecto “Colecta de Residuos Sólidos: una herramienta para reducir la violencia y los conflictos en CarrefourFeuilles”, cuya primera fase fue financiada por el Fondo IBAS para el Alivio del Hambre y de la Pobreza y recibió el premio de Naciones Unidas como mejor iniciativa de CSS en 2006.

El Fondo Ibas, creado en 2004, ya financió otras dos acciones: la fase I del proyecto “Desarrollo de la Agricultura y de la Pecuaria en Guinea-Bissau (3/2005-6/2007)”, La modalidad triangular de coo- que, según el PNUD, ayudó a peración está adquiriendo rele- mejorar la dieta de la población vancia en Haití, donde Brasil se local al introducir semillas adaptaha asociado con Canadá (inmuni- das a la estación lluviosa; y el prozación), España (recuperación yecto de Rehabilitación del Puesto ambiental y promoción del desa- Sanitario de Covoada (isla de San rrollo agroforestal sostenible), el Nicolás, Cabo Verde), que reformó

28

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

la unidad básica de salud de la Además, el gobierno brasileño destina recursos financieros para comunidad.22 instituciones regionales y multilaCompromiso en iniciativas terales de cooperación, que se regionales, interregionales y invierten en una amplia gama de multilaterales esfuerzos de desarrollo. Es el caso, por ejemplo, del ya mencioAunque en escala reducida, la nado Fondo IBAS para el cual CTPD brasileña también viene India, Brasil y Sudáfrica se comdestinando recursos y asistencia prometieron a destinar, indivitécnica para el fortalecimiento de dualmente, un millón de dólares instituciones regionales y multilapor año,24 y del Fondo de terales integradas por países en Convergencia Estructural del desarrollo. En el ámbito del Mercosur (Focem), creado en Mercosur, la ABC coordina y 2006 para disminuir las asimetrías financia, por ejemplo, un proyecentre los Estados miembros. El to, ejecutado en asociación entre gobierno brasileño aportó el 70 el MRE y la Secretaría General por ciento de los 250 millones de del bloque de integración, que dólares del fondo, el cual benefitiene por objetivo elaborar diagcia, prioritariamente, la ejecución nósticos sobre el proceso de intede proyectos en Paraguay y gración productiva del Mercosur Uruguay (Vaz, 2008). (MRE, 2007a).23 La CSS brasileña también está participando en el El compromiso en iniciativas proyecto de “Fortalecimiento del que sobrepasen el ámbito estricSecretariado Ejecutivo de la tamente bilateral, tales como la CPLP”, que concentra esfuerzos cooperación triangular trilateral, en la reestructuración del sistema regional, interregional y multilade informática, en la complemen- teral, es señalado en la literatura tación de los servicios de comuni- sobre la ayuda exterior como cación social y en la organización fundamental para minimizar los del sistema de archivos del órgano intereses cortoplacistas de los de la comunidad (ABC, 2005c). donantes, para priorizar el desarrollo de los beneficiarios y garantizar la sostenibilidad de la 22. Ver: http://www.mre.gov.br/index. php?option=com_content&task=view&i cooperación.25 d=2003&Itemid=1564.

En el caso de Brasil, este último 23. Un panorama y evaluación de la coo- aspecto adquiere una relevancia peración técnica y económica brasileña particular. Según destaca Vaz, las en el ámbito de la integración mercosureacciones brasileñas de cooperaña y sudamericana en Vaz (2008). ción técnica con los vecinos sudamericanos, por ejemplo, “reflejan 24. Ver: http://www.mre.gov.br/index. php?option=com_content&task=view&i en gran medida, impulsos y d=2003&Itemid=1564. demandas provenientes de una activa diplomacia presidencial y 25. Ver, por exemplo, Kaul et al (1999). ministerial en la región que es

practicada por los gobiernos brasileños, destacadamente a partir del año 2000 y sensiblemente intensificada desde 2003. Es fruto también de la ampliación de las agendas promovida por medio de las comisiones bilaterales, a partir de la inducción de la diplomacia presidencial y ministerial” (Vaz, 2008: 26). Según el autor, “ese mismo proceso de oferta de cooperación asociada particularmente a los encuentros presidenciales sucede también en relación a otros países en desarrollo” (Vaz, 2008:26). Es decir, aunque Brasil sea reconocido internacionalmente como uno de los grandes protagonistas de la CSS en la actualidad, por los motivos ya expuestos, se puede decir que, 40 años después del surgimiento de las primeras iniciativas de prestación de asistencia técnica, el país aún no posee una política consolidada de cooperación con otros países del Sur. Consideraciones Finales El empeño de Brasil en transferir técnicas accesibles y eficaces en la promoción del desarrollo a otros países del Sur, sin tener por finalidad el lucro o el establecimiento de condiciones, constituye, según voces oficiales y de muchos analistas, una importante contribución del país a la CSS en general. De forma diferente a los principales donantes emergentes, como China e India, Brasil no estaría guiado por intereses políticos y económicos de corto plazo, y si por la realización de intereses comunes a favor del desarrollo,

29

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

sin que eso implique la reproducción de la brecha Norte-Sur y del tercermundismo característico de la guerra fría. En efecto, el compromiso creciente de donantes tradicionales en la CTPD brasileña señala una búsqueda de soluciones pragmáticas para el desarrollo socioeconómico de los países de renta baja, al mismo tiempo que constituye un indicador del compromiso más amplio con el multilateralismo. No obstante, como Estado de tradición periférica en el sistema internacional, Brasil aún parece esconder, de propósito o no, visiones anacrónicas en relación a aspectos prácticos y normativos más amplios de la llamada cooperación para el desarrollo. Eso queda claro, en primer lugar, cuando observamos que su diplomacia insiste en tratar a la CSS como sinónimo de CTPD, reproduciendo una especie de trauma 26. Órgano del gobierno federal brasileño

es uno de los mayores bancos de fomento del mundo. El BNDES fue fundado en 1952 y, actualmente, es “el principal instrumento de financiación de largo plazo para la realización de inversiones en todos los segmentos de la economía brasileña”. Una de sus áreas de actuación es la “Exportación e Inserción Internacional”. El BNDES ha financiado, entre otras, la expansión de la capacidad de transporte de gaseoductos en Argentina, las centrales hidroeléctricas de San Francisco, en Ecuador, y de la Vueltosa, en Venezuela, así como la ampliación de los metros de Santiago y Caracas; Ver: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bn des/bndes_pt. 27. Ver: http://www.fazenda.gov.br/sain/ temas/proex.asp.

tercermundista en relación a la cooperación orientada a la formación de infraestructuras y al estímulo de intercambios comerciales, la cuál quedó asociada, en las décadas de 60 y 70, al asistencialismo de los países del Norte. Sin embargo, eso no significa que el gobierno brasileño no esté comprometido en iniciativas de cooperación financiera en materia de infraestructura y comercio. El Banco Nacional de Desarrollo Económico y Social (BNDES),26 por ejemplo, posee una cartera de inversiones en América del Sur que suma 15.600 millones de dólares según los datos más recientes divulgados por la prensa (Leo, 2009). La gran cuestión es que, al contrario de la CTPD brasileña, la cooperación conducida por el BNDES, así como otras iniciativas, como el Programa de Crédito a la Exportación (Proex),27 es de corte reembolsable y demanda la adhesión de los beneficiarios a varias condicionalidades, siendo la primera de ellas la obligatoriedad de que los recursos sean utilizados para comprar bienes y contratar servicios de empresas brasileñas. En segundo lugar, Brasil, al contrario de donantes tradicionales y de otros grandes donantes emergentes, rechaza contabilizar en sus informes sobre CSS iniciativas humanitarias y de perdón o alivio (por la vía de la disminución de los tipos de interés) de las deudas de países de renta baja, que serían formas de ayuda asistenciales y no promoverían, de hecho, el desarrollo de los beneficiarios.

Nuevamente, eso no significa que el país no actúe activamente en esas materias. Por ejemplo, Brasil perdonó, íntegramente o en parte, las deudas de varios países africanos y latinoamericanos, como Bolivia, Cabo Verde, Cuba, Gabón, GuineaBissau, Mauritania, Mozambique, Nicaragua, Nigeria o Tanzania. Hasta el año 2006, el total de descuentos concedidos por Brasil a países pobres altamente endeudados y a otros países en desarrollo sumaron la cifra de más de 1.250 millones de dólares (Presidencia de la República, 2007). En tercer lugar, desde el ámbito académico algunos autores reclaman la necesidad de que, en la medida en la que se convierta cada vez más en país fuente de ayuda para el desarrollo, Brasil participe en los foros de coordinación en el seno del CAD donde tiene estatus de observador (Landau 2008, 113). Sin embargo, existen algunas dudas sobre la aceptación del papel coordinador del CAD/OCDE por parte del actual gobierno brasileño. En efecto, el seguimiento realizado de la participación de Brasil en el Foro de Alto Nivel sobre la Eficacia de la Ayuda, en septiembre de 2008, en Accra, mostró una postura agresiva y crítica de la diplomacia brasileña frente al proceso y, más aún, frente a la Declaración de París (John de Sousa, 2008). La postura oficial en relación a la agenda de eficacia es que la CTPD practicada por Brasil constituye un “acto soberano de solidaridad, [...] no debe someterse a reglas que se destinan a países donantes, en el ámbito de

30

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

la asistencia Norte-Sur, como las constantes en la Declaración de París”, tal y como afirmó el ex-director de la ABC. Sin embargo, el diplomático reconoce que Brasil estimula la aplicación de esos principios (apropiación, responsabilidad, etc.) que no son exclusivos de los países del CAD/OCDE y que han sido defendidos en documentos de la ONU (Pereira da Fonseca 2008, 76).

ses que, como Brasil, ofrecen cooperación internacional: la demostración práctica de que un país democrático y en desarrollo puede ayudar a promover la mejoría sostenible de las condiciones socioeconómicas de los países más pobres. La restricción de la CSS, sea a la mera cuestión de la solidaridad entre países del Sur, sea a los aprendizajes mutuos en el ámbito estrictamente técnico, obstaculiza el complejo proceso de intercambios que también atiende a Creemos, no obstante, que antes de estar referida a intereses nacionales de los países en desarrollo ofeuna cuestión de soberanía, la resistencia de Brasil en rentes de cooperación, sin que eso implique necesano aceptar las directrices del CAD se explica por la riamente asistencialismo o distribución desigual de dispersión institucional de las iniciativas de coopera- las ganancias de la cooperación. ción actualmente ejecutadas por el país y por la ausencia de un sistema unificado de contabilidad de La realización de esos intercambios es importante los recursos financieros dedicados a la CSS. Los porque resulta decisiva para la continuidad de las propios gestores de la cooperación brasileña tienen prácticas de la CSS y, en el largo plazo, puede contridificultades en cuantificar el monto de los recursos buir a que iniciativas hoy difusas y puntuales puedan movilizados por las iniciativas de cooperación técni- eventualmente evolucionar hacia la formación de ca y científica. Según Vaz: “Eso se asocia a una estructuras más duraderas de cooperación que tengan característica estructural del aparato gubernamental como objetivo central promover el desarrollo. brasileño que es un grado de autonomía relativamente alto por parte de las instancias ministeriales, con- Referencias jugado a espacios y mecanismos limitados y muchas ABC, Agência Brasileira de Cooperação (2005a) veces informales de coordinación, lo que resulta en Diretrizes para o Desenvolvimento da Cooperação dificultades de acompañamiento y dirección de Técnica Internacional Multilateral e Bilateral, fev. esfuerzos” (Vaz 2008, 29). Disponible en:http://www.abc.gov.br/noticias/ En este punto debe señalarse que el desconocimien- banco_noticias.asp?id_Localizacao=3 to del montante de recursos dedicados a la CSS ___ (2005b) ‘O que é a ABC?`, Via ABC, jul. representa un factor limitador para el gobierno brasi- Disponible en: http://www.abc.gov.br/noticias/banco leño, obstaculizando el reconocimiento de la contri- _noticias.asp?id_Localizacao=3 bución de Brasil al desarrollo internacional y dismi- ___ (2005c) ‘A cooperação com os países de língua nuyendo los niveles de transparencia y de rendición portuguesa`, Via ABC, out. Disponible en: de cuentas, muy bajos en este momento. Definir con http://www.abc.gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id claridad el volumen de los recursos que los países _Localizacao=3 del Sur dedican a CSS es imprescindible para el esta- ___ (2005d) ‘Cooperação Técnica Brasileira no Haiti`, blecimiento de comparaciones internacionales de Via ABC, dez. Disponible em: http://www.abc esfuerzos solidarios que, posiblemente, sonrojen a .gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3 muchos países del Norte. ___ (2005e) ‘Timor-Leste: Cooperação para o desenvolSi el país consigue tener éxito en la elaboración de vimento`, Via ABC, nov. Disponible en: http://www. una política de Estado en materia de CSS, que no se abc.gov.br/noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3 limite a la visión del ministerio de Exteriores sino ___ (2006) ‘Cooperação Técnica com Países que incluya otras burocracias ministeriales, regiona- Desenvolvidos. Instrumento de desenvolvimento les y locales, y que cuente con el apoyo de la socie- nacional e de impulso à Cooperação Sul-Sul`, Via dad civil, habrá hecho entonces una contribución ABC, mar. Disponible en: http://www.abc.gov.br/ aún mayor, que servirá de ejemplo a los demás paí- noticias/banco_noticias.asp?id_Localizacao=3

31

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

___ (2007a) ‘Desenvolvimento social: um tema da cooperação técnica brasileira`, Via ABC, jul. Disponible en: http://www.abc.gov.br/noticias/ banco_noticias.asp?id_Localizacao=3 Agência Estado (2008) ‘PAC da EMBRAPA vai elevar investimento em pesquisa`, Entrevista com o presidente da EMBRAPA, Sílvio Crestana. 18 feb. Disponible en: http://www.peabirus.com.br/redes/ form/post?pub_id=11051 Amoriam, Celso (2006) ‘A cooperação como instrumento da política externa brasileira`, Via ABC. jun. Disponible en: http://www.abc.gov.br/noticias/banco _noticias.asp?id_Localizacao=3 ________ (2005) Política Externa do Governo Lula: os dois primeiros anos. Análise de Conjuntura OPSA, n.4, mar. Disponible en: http://observatorio.iuperj.br/ artigos_resenhas/Artigo%20Celso%20Amorim.pdf ________ (2004) ‘Conceitos e estratégias da diplomacia do Governo Lula`, Revista DEP, n.1, v.1, oct/dic. ________ (2003) Discurso proferido por ocasião da Transmissão do Cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores. Brasília, 1 ene. Disponible en: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/dis cursos/discurso_detalhe3.asp?ID_DISCURSO=2032 AyllAyllon, Bruno & Viola, Eduardo (2006) Lula y el déficit de realismo estratégico en política exterior’`, Política Exterior n.133, sep./oct. p.123-134. Barbosa, Rubens Antonio (2006) ‘Diplomacia em tempos de mudanza’`, 11/abr. Disponible en: http://www.rbarbosaconsult.com.br/artigo_diplomacia _em_tempos_de_mudanca.asp Caetano, José R. (2005) ‘Um país cada vez mais isolado`, Exame, 4/oct. Disponible en: http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0853/economia/m0078172.html Cervo, Amado L. (1994) ‘Socializando o desenvolvimento; uma história da cooperação técnica internacional do Brasil`, Revista Brasileira de Política Internacional v.37 n.1, p. 37-63. DCI (2007). ‘Brasil implantará agrovila na Nigéria para etanol e biodiesel`. DCI, 24/ mai. Disponible en: http://brasilbio.blogspot.com/2007/05/brasil-implantar-agrovila-na-nigria.html Embrapa (2009) Atuação da Embrapa no exterior é condecorada pelo Itamaraty` . 13/ mai. Disponible en: http://www.embrapa.br/imprensa/noticias/2009/maio/

2a-semana/atuacao-da-embrapa-no-exterior-e-condecorada-pelo-itamaraty/?searchterm=65% Exmann, Fernando (2008) Especial: Atuação da EMBRAPA vira instrumento de política externa’`, Reuters, 10/jul. Disponible en: http://www.estadao. com.br/nacional/not_nac203862,0.htm Guimarães, Samuel Pinheiro (2003) Discurso proferido por ocasião da transmissão do cargo de secretário-geral das Relações Exteriores. Brasília, 9/ene. Disponible en: http://www.mre.gov.br/index.php? Itemid=64&id=19&option=com_ content&task=view HLC, High-Level Committee on the Review of Technical Cooperation among Developing Countries (2005) ‘Brazil`. Diponible en: http://tcdc.undp.org/ HLCdocs/HLC14_brazil.pdf Izique, Claudia (2008) ‘O PAC da EMBRAPA`, Revista Fapesp, 1/feb. Disponible en: http://www.embrapa. br/destaques_imagem/Revista_Fapesp-Fev2008.pdf John de Sousa, (2008) ‘Brasil en Accra: una apuesta firme por la cooperación Sur – Sur’`, Fride/Foro AOD. Disponible en: http://www.foroaod.org Kaul, Inge; Grnberg, Isabelle; Stern, Marc A. (1999) Global Public Goods: International cooperation in the 21st century. New York, Oxford: Oxford University Press. Landau, G. (2008) O Brasil e a cooperação internacional para o desenvolvimento’`, Revista de Economia e Relaçoes Internacionais nº 12 vol.6, São Paulo, p.103-116. Leo, Sergio (2009) ‘Carteira do BNDES na América do Sul soma US$ 15,6 bilhões`, Valor Econômico, 27/ago. Lima, Maria Regina Soares de & HIRST, Mônica (2006) ‘Brazil as an intermediate state and regional power: action, choice and responsibilities`,International Affairs v.82 n.1, p. 21-40. Lisboa, José da Silva (2006) ‘Populismo diplomático`, Instituto Millenium. Disponible en: http://silvalisboa.blogspot.com/2006/04/02-populismo-diplomtico.html Lula da Silva, Luiz Inácio (2007a) ‘Discurso de posse na Cerimônia de Compromisso Constitucional perante o Congresso Nacional`. Brasília, 1/ene. Disponible en:http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/ discursos/discurso_detalhe3.asp?ID_DISCURSO=3010 ___ (2007b) ‘Discurso por ocasião de audiência com embaixadores africanos.` Dia da África. Brasília, 25/.mai. Disponible en: http://www.mre.gov.br/portu-

32

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

gues/politica_externa/discursos/discurso_detalhe3.as p?ID_DISCURSO=3127 ___ (2003) ‘Discurso na Sessão de Posse no Congresso Nacional`, Brasília, 1/ene. Disponible en: http://www.mre.gov.br/portugues/politica_externa/dis cursos/discurso_detalhe3.asp?ID_DISCURSO=2029 Magnoli, Demétrio (2003) Política externa de Lula segue a cartilha de Rio Branco’`, Folha de S. Paulo, 19/ene. Moreira, Lauro Barbosa da Silva (2005) ‘A ABC e a Cooperação Internacional. Palavra do Diretor. O que é a ABC`, Via ABC, jul. MRE, Ministerio de Relaciones Exteriores de Brasil (2007a) South-south cooperation activities carried out by Brazil. Under Secretariat General for Cooperation and Trade Promotion. jul. Disponible en: http://www.funag.gov.br/biblioteca-digital/ultimoslancamentos ___ (2007b) Cronologia da política externa do governo Lula (2002-2006), Brasília, Funag. Disponible en: http://www.funag.gov.br/biblioteca-digital/temasinternacionais OECD (2009) Development Co-operation report 2009, Paris, OCDE. Oliveira, Marcelo Fernandes de (2005) ‘Alianças e coalizões internacionais do governo Lula: o Ibas e o G-20`, Revista Brasileira de Política Internacional n.8 v.2, p. 55-69. Disponible en: http://www.scielo.br/ pdf/rbpi/v48n2/a03v48n2.pdf Pereira da Fonseca, Luiz H. (2008) ‘La visión de Brasil sobre la cooperación internacional`, Revista Española de Desarrollo y Cooperación n.22, p 63-77. ___ (2007) Palabras en el simposio “El papel de las Universidades brasileñas en la política exterior en el ámbito de la cooperación técnica”, Brasilia, Asesoria de Comunicación de la UNB, 15/jun. Presidência da República (2007) ‘Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Relatório Nacional de Acompanhamento`, Set. Disponible en: http://www.ipea. gov.br/sites/000/2/download/TerceiroRelatorioNacio

nalODM.pdf Ricupero, Rubens (2005) ‘Fim do Consenso?`, Folha de S. Paulo, 12/jun. Rother, Larry (2007) Scientists are making Brazil’s savannah bloom’`, The New York Times, oct./2. Disponible en: http://www.nytimes.com/2007/10/02 /science/02tropic.html Sardenberg, Carlos Alberto (2005) ‘As más alianças de Lula`, Exame 19/may. Disponible en: http://portalexame.abril.com.br/degustacao/secure/degustacao.d o? COD_RECURSO=211&URL_RETORNO= http://portalexame.abril.uol.com.br/economia/m0044 101.html Schläger, Catrina (2007) ‘New powers for global change? Challenges for international development cooperation: the case of Brazil`, Dialogue on Globalization. Briefing Papers, FES, Berlim. Sennes, Ricardo; BARBOSA, Alexandre de Freitas; GUIMARÃES, Débora Miura (2006) ‘Padrões de inserção externa da economia brasileira e o papel da integração sul-americana`, Análise de Conjuntura n.3, OPSA mar. Disponible en: http://observatorio.iuperj.br/ artigos_resenhas/padroes_de_insercao_externa .pdf Valler Filho, Wladimir (2007) O Brasil e a crise haitiana: a cooperação técnica como instrumento de solidariedade e de ação diplomática, Brasília, Funag. Vaz, Alcides Costa (2008) ‘A cooperação brasileira na América do Sul: evolução, características e condicionantes`, Breves Cindes n.8, mai. Vigevani, Tullo & Cepaluni, Gabriel (2007) ‘A Política Externa de Lula da Silva: A Estratégia da Autonomia pela Diversificação`, Contexto Internacional v.29 n.2, jul/dic, p. 273-375. Disponible en: http://www.scielo.br/pdf/rbpi/v48n2/ a03v48n2.pdf Visentini, Paulo G. Fernandes & PEREIRA, Analúcia Danilevicz (s/d). ‘A política africana do governo Lula`, NERINT. Disponible en: http://www6.ufrgs.br/ nerint/php/artigos.php?idp=1&lang=br

33

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

A globalização cultural e os desafios para uma governança global democrática Rafael R. Ioris Professor Assistente da Universidade de Denver

Q

Qualquer avaliação suficientemente atenta sobre ualquer avaliação suficientemente atentao mundo sobre de hoje teria que o fatoemde o mundo de levar hoje em teriaconta que levar que vivemos umdecontexto global conta em o fato que vivemos emcrescentemenum contexto te interconectado no qual distintos grupos socioculglobal crescentemente interconectado no qual distinturais são socioculturais colocados emsão contato de maneira intensa tos grupos colocados em contato de e acelerada. Efetivamente, base em processo maneira intensa e acelerada.com Efetivamente, com basede integração queeconômica se intensificou a partir em processoeconômica de integração que se intensi-do pós-Segunda Guerra, o processo deoGlobalização ficou a partir do pós-Segunda Guerra, processo de atualmente em curso vem a integração Globalização atualmente em suscitando curso vem suscitando a crescente das realidades criando situaintegração crescente das locais, realidades locais,uma criando ção de interdependência em escala mundial. Essa uma situação de interdependência em escala mundial. tendência, contudo, ocorreocorre por meio de uma Essa tendência, contudo, por meio de lógica uma complexa em queem dinâmicas contraditórias atuam. lógica complexa que dinâmicas contraditórias Há, porHá, umpor lado, reconhecimento da unidade atuam. um olado, o reconhecimento da unida-do todo, numanuma espécie de “compreensão/compressão” de do todo, espécie de “compreensão/compresdo mundo; e, por outro, passam a existir são” do mundo; e, por outro, passam a existirprocessos procesde diferenciação de identidade culturais, civis,civis, polísos de diferenciação de identidade culturais, ticas, nosnos quais paraaa políticas, quaisnovos novoseixos eixosde de orientação orientação para políticaseseconstituem. constituem. ação política

forma, procura-se também compreender melhor como seria possível promover padrões mais harmônicos de convivência multicultural dado que os mais variados grupos humanos se encontram nos dias de hoje, cada vez mais, em uma nova, acelerada e potencialmente conflitiva dinâmica de interações em uma escala nunca antes vista. A Globalização, as Relações Internacionais e a Reflexão sobre o Contato Intercultural

É necessário que iniciemos reiterando a noção de que tomamos o fenômeno da Globalização com fenômeno que possui uma natureza multidimensional e complexa. Embora suas origens possam ser localizadas na formação de uma visão de mundo integrada que passa a existir no início do século XVI, é a partir da segunda metade do século XX que dinâmicas globais – tais como o controle nuclear, a problemática ambiental, e o movimento de descoloNesse novo cenário, uma reflexão sobre os impactos nização – passam a ser consideradas como um eixo principais do fenômeno da Globalização na dinâmi- central para os direcionamentos políticos, em um ca de interação entre as múltiplas realidades cultu- processo que poderia ser definido como uma “tomarais atualmente existentes coloca-se como um esfor- da de consciência da realidade global” (Robertson ço heurístico necessário. O presente texto visa apre- 1992, 8). Instaurado por uma materialidade econômisentar apontamentos preliminares sobre como a ca e tecnológica que redefinem as estruturas da produquestão do contato intercultural tem evoluído na tra- ção e do consumo, e que teve como principais atores dição teórica de Relações Internacionais. Da mesma as corporações transnacionais, é a partir dos anos 1970

34

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

que, de um modo ainda mais concreto, passa a existir uma nova lógica econômica em escala global.

parte, aos poderes regulatórios nacionais e internacionais impostos por órgãos interestatais criados para esse fim – tais como o O processo produtivo já não mais Gatt e o Fundo Monetário se organizaria então dentro das Internacional. fronteiras nacionais e a acumulação econômica se dá cada vez Tantas e tão profundas transformais com base nos avanços tecno- maçõe acabariam por se refletir lógicos e em reestruturações pelas mais diversas sociedades gerenciais. Aumenta o grau de atualmente existentes no globo, volatilidade do capital financeiro em um processo que tem conduzie há um aumento significativo e do a alterações nas percepções e uma ampliação do comércio mun- concepções usadas para interpredial. Da mesma forma, como tar o mundo (Rosenau 1990). De resultado da combinação de revo- fato, impulsionada pela transnaluções tecnológicas (microeletrô- cionalização da produção e do nica, robótica, biotecnologia) e consumo, pela volatilização das administrativas (qualidade total e finanças, pela atribuição de um reengenharia), as corporações, o papel maior para os atores transcapital e a tecnologia desconec- nacionais, pela aceleração das tecnológicas, a tam-se crescentemente de suas inovações origens nacionais. Ocorre ainda Globalização acabaria por aproum progressivo aumento nos flu- fundar a lógica de integração das xos de Investimentos Estrangeiros realidades sociais locais, o que, Diretos, e, pelo menos em termos por sua vez, conduz a desterritotendenciais, um processo de rializações das referências cultuhomogeneização dos padrões de rais tradicionais e à construção de uma concepção da integração culconsumo globais. tural do mundo, ou MundialiÉ nessa linha de reflexão que zação (Ortiz 1994). podemos perceber um interessante contraste na da evolução do Contudo, apesar de todas as transcapitalismo internacional. Até formações advindas da intensifimeados do século XX, as intera- cação de um verdadeiro processo ções socioeconômicas poderiam de ‘encolhimento’ do mundo ser entendidas como ocorrendo, (possibilitado por inovações nos em linhas gerais, por meio de flu- meios de comunicação e transporxos de comércio, produção, con- te), é importante apontar que a sumo e investimento colocados tendência à universalização de sob a regulação dos Estados. Por valores e padrões de existência sua vez, no contexto de uma reali- tem sido uma meta do projeto dade definida como globalizada, a Ocidental desde o início da Era lógica produtiva passa a ser orga- Moderna. Efetivamente, estabelenizada em uma cadeia transfron- cida com o propósito de pôr um teiriça, que escapa, em grande fim definitivo à Guerra dos Trinta

Anos (1618-1648), percebida por seus contemporâneos como a mais devastadora das guerras religiosas até então, a Paz de Westphalia é considerada, segunda a tradição teórica das Relações Internacionais, como fundadora do Moderno Sistema de Estados. Esse sistema possibilitou a existência de um novo fundamento substantivo para as interações políticas intersocietárias por meio de uma lógica descentralizadora. Em termos analíticos, a Ordem Westphaliana fez da ausência de uma autoridade central mundial a noção de base de um novo sistema de ordenação política que operaria por meio dos Estados territoriais, definidos como entidades autônomas, formalmente iguais, possuidoras de prerrogativas e direitos. A ordem interestatal se fundamentaria, por sua vez, no raciocínio de que entidades portadoras de uma igualdade formal apresentariam comportamentos definidos pelo respeito mútuo, e que, portanto, não se envolveriam em interações conflituosas, mas, alternativamente, iriam se dedicar a assuntos concernentes prioritariamente à realização de seus valores culturais específicos dentro da esfera territorial de cada sociedade estatal. Da mesma forma que o próprio Sistema de Estados, a reflexão teórica em Relações Internacionais também é fruto da modernidade, fundada, mais especificamente, em dois projetos de mundo originalmente formulados nos século XVII e XVIII. De um lado estaria o Projeto Realista ou de ‘Balança de Poder’, traduzi-

35

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

do na Ordem Westphaliana de 1648, que postula a existência de um equilíbrio autoregulável no sistema de relações interestatais que influenciaria o comportamento de todos os Estados participantes. De outro lado, o Projeto Idealista ou Institucionalista, de origens localizadas, de maneira central, nos textos de Abbé de San-Pierre e Immanuel Kant, que postula a necessidade e possibilidade de construção da paz internacional por meio de acordos e instituições firmadas, de maneira preferencial, entre Repúblicas - ou democracias, na terminologia atual (Ruggie 1993). De modo similar, e apesar de suas divergências, tanto os autores Realistas quanto Liberais – sejam eles clássicos ou seus defensores mais recentes, como os Pluralistas, e assim como vertentes mais estruturais como os Marxistas têm, todos, defendido o expansionismo de determinadas posições de mundo, ditas universais, frente a entendimentos localmente constituídos.

mesma forma, o raciocínio fundacional da disciplina de Relações Internacionais manifestou historicamente pretensões universalistas e teve dificuldade em tratar da questão da diferença ou especificidade cultural (Brown 1995).

É importante ressaltar que, intrínseca à lógica operacional fundante do projeto da Modernidade Ocidental, está uma suposição de verdade –que se tem demonstrado questionável em termos teóricos e práticos– que assume que a evolução histórica européia representaria um caminho necessário que todas as sociedades humanas deveriam percorrer rumo a um progresso linearmente entendido como positivo e necessário. Da

A importância crescente de elementos de natureza ideacional é, contudo, o aspecto que define de modo mais central o fenômeno da Globalização no que se refere à sua dimensão cultural. Percebe-se nesse processo a constituição de duas tendências dialeticamente opostas. Por um lado, existem processos rápidos e crescentes de formação de uma ‘agenda comum global’ de assuntos ou interesses amplamente aceitos em todo o globo. Tais temas de interesse amplo atualmente se referem às questões do patrimônio comum da

1. Ver Barber (1995), Juergensmeyer (1993), e Gurr e Harff (1994).

Ironicamente, ao longo do seu próprio processo histórico, para além da questão de poder formal dos Estados (sua soberania), o Svistema Westphaliano incorporou a categoria de Nação como foco de identificação das lealdades dos indivíduos circunscritos em cada Estado específico. Para além da formalidade do caráter soberano de cada Estado, a lógica westphaliana passa, a partir do século XIX a operar por meio de uma matriz de base nacional, que opera de tal modo que as relações de poder de base territorial passam a estar ancoradas em referenciais particulares, tais como identidade étnica, língua, tradição e outros supostos atributos de uma mesma nacionalidade.

humanidade, do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável, da liberdade de expressão, da democracia, da autodeterminação dos grupos culturais, etc. Esses temas, dada sua própria natureza de universalidade e alta dispersão global nos mais variados contextos locais, constituem a base da edificação do que poderia, talvez no futuro, ser chamado de uma ‘Cultura Global Comum’ (Featherstone 1995). Por outro lado, devido a desafios, medos e reações por parte de grupos culturais específicos quanto à questão da disseminação de padrões e modelos globais de existência, ocorre um processo de autoafirmação dos modos locais de vida, o qual, na maioria das vezes, tem conduzido a conflitos ou a isolamentos intercivilizacionais.1 Sabemos que o contato cultural sempre esteve presente na formulação que, historicamente, cada cultura definiu de si mesma em oposição a outras culturas. Afinal, a noção de identidade só faz sentido e opera sempre de modo relacional. A realidade da Globalização, contudo, envolve uma dinâmica de universalização de particularismos, valorizando realidades identitárias específicas, e, ao mesmo tempo, a intensificação da noção de que o mundo é um lugar comum (Ouer Global Neighborhood, 1995). Esse processo se caracteriza ainda pelo desenraizamento de aspectos culturais de origem particular e seu novo enraizamento numa outra realidade cultural, em que atributos novos seriam (re)combinados em uma escala ampliada.

36

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

A possibilidade de recombinação de aspectos culturais específicos que passam a constituir uma nova realidade cultural tem sido considerada de perto por diversos autores que a definem como um fenômeno de hibridização cultural (Appadural 1994 e Pietrese 1995). Ocorre, portanto, a articulação constante entre a criação da universalidade e da particularidade, como expressaria bem o conceito de ‘glocalization’ – que expressa a idéia da localização das dinâmicas globais ao mesmo tempo em que se globalizam especificidades locais. O caso do micromarketing seria paradigmático desse aspecto da Globalização pois dentro de suas linhas de atuação, consumidores de localidades específicas são ‘criados’ por anúncios de origem globalizada que são reorientados para o mercado local - como exemplo poderíamos ter a criação do Big Mac vegetariano pela rede de lanchonetes MacDonald’s na Índia. Dados novos desafios apresentados pela dinâmica histórica da Globalização, surge a necessidade de meios institucionais de comunicação e convívio intercultural. Nessa tomada de consciência de que o mundo é um lugar comum e de que o aumento dos contatos torna-se inevitável, temos que estabelecer maiores níveis entre os diferentes eixos de atuação política que, progressivamente, perpassam a realidade jurídica do Estado Nacional moderno. Necessitamos também reformular nossas práticas de investigação de um modo interdisciplinar a fim de que possamos tomar o mundo

como um todo integrado uma vez que a tradição da teoria social tomou como seu foco principal a sociedade nacional ou um grupo sociocultural específico – tradição essa que, nos dias de hoje, se tornaria um empecilho epistemológico uma vez que já não é mais possível estabelecermos claramente a distinção entre global e local, doméstico e global.

meio de crescentes fluxos de significados, pessoas e mercadorias. Esses fluxos produziriam tanto homogeneidade quanto desordem cultural, fortalecimento de identidades locais e intensificação de culturas transnacionais (third cultures). Efetivamente, a pluralidade de respostas fornecidas por diferentes sociedades ao projeto social moderno implica que concebamos a existência de múltiplas Felizmente, diversas análises a modernidades – sempre no plural respeito de tais tendências têm – cujas dinâmicas de interação sido propostas. Santos (1997), por dentro do contexto de um mundo exemplo, aponta para a necessida- globalizado não parecem capazes de de estudos e definições do de, até o presente momento, elifenômeno da Globalização a par- minar tal pluralidade (Hannerz tir de um ponto de vista mais sen- 1994). sível às dimensões socioculturais distintas dos diversos grupos De modo similar, a possibilidade sociais envolvidos. Criticando o de efetivação de uma cultura fato da supremacia das definições comumente partilhada, como meio do fenômeno de Gobalização que de eliminação dos conflitos interassumem uma inspiração econo- culturais, tampouco parece ser micista, o autor aponta para a algo provável. A realidade simbónecessidade de que se concebam lica atualmente existente que tem ‘globalizações’ no plural, como recebido a atribuição de ‘cultural processos por meio dos quais global’ – fruto da suposta univer“determinada condição ou entida- salização de alguns padrões de de local consegue estender sua consumo de base norte-americana influência a todo o globo e, ao – não seria, de fato, nada mais do fazê-lo, desenvolve a capacidade que uma miscelânea de motivos de designar como local uma outra folclóricos desterritorializados por condição social” (idem, 107). razões mercadológicas específicas, e, portanto, incapazes de criar O fenômeno da Globalização não verdadeiros vínculos culturais de deve, pois, ser tomado como pro- sociabilidade (Smith 1994). motor de uma espécie de homogeneização cultural ou da eventual Globalização Cultural e os constituição de uma cultura única. Desafios para a Governança Se há alguma cultura global atual- Global mente em formação, esta estaria se efetivando no entrelaçamento Impulsionada pela transnacionalicomplexo e multidimensional zação da produção e do consumo, entre múltiplas culturas locais por pela volatilidade crescente dos

37

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

fluxos financeiros, pela atribuição de um papel maior para os atores transnacionais, pela aceleração das inovações tecnológicas e por uma espécie de encolhimento do globo (dadas às inovações nos meios de comunicação e transporte), o processo de Globalização aprofunda a lógica de integração das realidades sociais locais, o que, por sua vez, vem conduzindo a desterritorializações das referências culturais tradicionais e à construção de uma percepção da integração cultural do mundo. Ao mesmo tempo, contudo, vem crescendo também a necessidade de manifestação daquilo que é específico a cada um, seja esse um indivíduo, seja um grupo cultural específico.

constitui como resultado, indesejável para muitos, de novas formas, dinâmicas, níveis e intensidade de inter-relacionamentos sociais entre múltiplos agrupamentos humanos. Por um lado, percebemos que uma das mais fortes características da contemporaneidade é a disseminação de um repertório de símbolos e objetos esvaziados de seus conteúdos particulares, mas compartilhados em escala global, no qual o universo do consumo passa a assumir uma função de integração social como lugar privilegiado de uma diminuída noção de cidadania. Por outro lado, devido aos desafios, medos e reações por parte de grupos culturais específicos quanto à questão da disseminação de No que se refere aos seus aspectos padrões e modelos globais de exisculturais, a Globalização apresen- tência, ocorre um processo de ta, concomitantemente, dinâmicas autoafirmação dos modos locais de integração como de fragmenta- de vida, que, na maioria das vezes, ção, de inclusão como de exclu- tem conduzido a conflitos ou a são, de universalização de isolamentos intercivilizacionais. padrões de comportamentos como de diferenciação de referenciais e Uma nova realidade sociopolítica valores de vida. Conforme vimos, que em nível global pudesse ser o resultado político mais visível constituída como minimamente que a Globalização cultural viria ordenada, estável e justa –e não trazer, com as tendências atual- em um choque de civilizações mente em curso, seria o aumento (Huntington, 1996)– envolveria a do nível de conflitos entre grupos partilha de uma série de normas e de origens culturais distintas pos- códigos de conduta para a interatos em um contato aproximado e ção mútua nos processos deliberaacelerado num mundo comprimi- tivos das políticas públicas globais do sob si mesmo. Acirramento de por parte de todos os atores polítichoques interculturais, este, sim, cos relevantes. Da mesma, forma, parece ser o cenário mais prová- arranjos institucionais capazes de vel da dinâmica de interação ace- estabelecer maiores níveis de coolerada dada pela nova realidade peração no sistema global requeglobalizada por meio de uma lógi- rem também a existência de norca essencialmente mercadológica. mas e princípios definidores dos Mais do que fruto do destino, o comportamentos aceitáveis por fenômeno da Globalização se todos. Tais arranjos tendem a ser

mais duradouros quando tomam em consideração as múltiplas agendas das várias partes envolvidas. Em outras palavras, a permanência dos arranjos e acordos de cooperação multilaterais dependerá de que esses provenham de uma negociação equilibrada entre todas as partes envolvidas. No contexto de uma realidade definida por crescentes níveis de interação em escala global entre os mais variados grupos sociais humanos, a democracia somente poderá se efetivar como resultado da complexa interação entre instituições sociais, econômicas e políticas nos mais variados de poder. O Estado é ainda um personagem central dessas estruturas e interações, mas não mais o único. A presente multiplicação de atores políticos (seja em escala local, nacional, seja transnacional), aliada à crescente percepção dos limites institucionais das estruturas formais da democracia liberal, exige, pois, a formulação de novos arranjos político-institucionais que atendam às diferentes demandas e interesses, por parte de distintos grupos socioculturais, dentro das múltiplas esferas de interação política de um mundo cada vez mais interconectado. De modo efetivo, a promoção de interações intersocietárias que possam ser definidas como harmônicas dentro do atual contexto da Globalização passa cada vez mais pela reformulação das estruturas de coordenação das dinâmicas sociopolíticas globais, de modo a serem capazes de demonstrar aos múltiplos agentes

38

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

envolvidos nos processos de tomada de decisão que seus interesses, valores e demandas sociais são tidos como relevantes e serão, possivelmente, atendidos. Uma estrutura de governabilidade global que seja viável – devendo, portanto, ser de matriz democrática – teria que se centrar na negociação política como alternativa à guerra, portanto, em formas alternativas de prevenção de conflito, na tolerância e na não discriminação de grupos sociais por razões de alteridade. Tais arranjos e lógica teriam, também, que ser capazes de garantir a manutenção da diversidade cultural dos diferentes grupos humanos, operando por meio de agências de coordenação política em múltiplos níveis: subnacional, nacional, regional, supranacional ou transnacional. Somente uma lógica de governança global percebida como resultando de contínuos processos de acomodação de interesses sociais distintos, e envolvendo instituições formais e informais (construção de valores comuns via promoção do diálogo intercultural) de atuação poderá vir a ser viável, efetiva e duradoura. Melhores níveis de entendimento das motivações de cada parte envolvida em projetos de natureza global poderiam reduzir o temor que diversos grupos sociais manifestam com respeito a várias dinâmicas constitutivas do fenômeno da Globalização. E são exatamente maiores níveis de entendimento mútuo das motivações de cada grupo cultural que poderiam ser vislumbradas, pelo menos em tese, como resultado da ampliação das esferas de coordenação e deliberação política em escala global, assim como do fortalecimento dos canais de comunicação intercultural por meio dos quais diversos atores sociais manifestam seus projetos e valores de vida. A existência de interações pacíficas entre grupos culturais distintos numa escala ampla é, pois, possível e desejável como projeto político que, no entanto, deve ser visto como parte de uma ampla série de esforços que buscam o estabelecimento de, não somente padrões de coexistência entre grupos sociais de origem cultural distinta, mas também de mecanismos capazes de fazer com que cada grupo se identifique como parte integrante de um todo que partilha um destino comum. Dentro do ambiente criado por um mundo cada vez mais integrado, mas que até o momento manifesta uma lógica motivadora da ação política de inspiração economi-

cista (competitiva e de mercado), a formulação de um projeto comum parece inviável. No entanto, um mundo que se integra e apresenta dúvidas e ameaças é a mesma realidade que oferece, provavelmente pela primeira vez na história humana, a possibilidade de estabelecimento de contato e comunicação entre virtualmente todos os membros da espécie humana. A tecnologia de comunicação global se encontra já disponível. Caberia, ainda, contudo, que cada grupo cultural, assim como cada indivíduo, assumisse seu futuro como parte de um destino comum que apresenta (assim como os riscos e custos da não execução de tal cenário) as potencialidades da construção de um destino mais pacífico e recompensador do que jamais antes visto. Referências Appadural, Arjun (1994) ´Disjun-ção e diferença na economia cultural global`, in M.Featherstone (ed.), Cultura Global: Nacionalismo, Globalização e Modernidade. Pe-tropólis, Vozes. Barber, Benjamin (1995) Jihad vs. McWorld,, New York, Balentine Books. Brown, Chris (1995). ´The International Realtions Theory and the Idea of World Community`, in Booth & Smith, International Relations Theory Today. University Park, Pennsylvania State University, p.90-109. Featherstone, M; Lash, S.; Robertson, R. (ed.) (1995) Global Modernities. London,SAGE. Gurr, Ted R. & Harff, Barbara (1994) Ethnic Conflict in World Politics. Boulder, Westview Press. Hannerz, Ulf (1994) ´Cosmopolitas e Locais na Cultura Global`, in M.Featherstone (ed.), Cultura Global: Nacionalismo, Globaliza-ção e Modernidade. Petropólis: Vozes. Huntington, Samuel P. (1996) The Clash of Civilizations and the Remaking of the World Order, New York, Simon &Schuster. Juergensmeyer, Mark (1993) The New Cold War? Religious Nationa-lism Confronts the Secular State, Berkeley, University of California Press.

39

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

Ortiz, Renato (1994) Mundialização e Cultura. São Politics: a Theory of Change and Continuity. Paulo, Brasiliense. Princeton, University Press. Our Global Neighborhood the Report of the Ruggie, John (1993) ´Territoriality and Beyond: Commission on Global Governance (1995). Oxford, Problematizing Modernity in International Oxford University Press. Relations`, International Organization vol. 47, n. 1. Pieterse, Jan N (1995) ´Globalization as Hybridization`, Santos, Boaventura de S (1997) ´Uma Concepção in M.Featherstone;, S.Lash; R. Robertson, R. (ed), Multicultural de Direitos Humanos`, Lua Nova, n. 39. Global Modernities. London, SAGE.. Smith, Anthony (1994. `Para uma Cultura Global`, Robertson, Roland (1992) Globalization: Social in M.Featherstone (ed.), Cultura Global: Theory and Global Culture. London, SAGE. Nacionalismo, Globalização e Modernidade, Petrópolis, Vozes. Rosenau, James (1990) Turbulence in World

40

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

La cooperación Sur-Sur. Argentina y Brasil: dos interpretaciones diferentes María Gisela Pereyra Doval Doutoranda do Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas/Argentina. Professora da Facultad de Ciencia Política y Relaciones Internacionales/Unviersidad Nacional de Rosario.

A

Actualmente, la cooperación Sur-Sur se torna un ctualmente, la cooperación Sur-Sur se torna tema central en la agenda de los países en desarrollo. un tema central en la agenda de los países en A travésdesarrollo. de ella seAbusca entre travésladeinteracción ella se busca la nuesintetros países con vistas apaíses subsanar, con recursos proracción entre nuestros con vistas a subsanar, pios,recursos muchos propios, problemas comunes, en contraposición con muchos problemas comunes, aenlacontraposición cooperación clásica (Norte-Sur) clásica que nos(Norteha traía la cooperación do más dolores de cabezas que soluciones. Si Sur) que nos ha traído más dolores de cabezas bien que los ejemplosSi de bien cooperación Sur-Surdea nivel internasoluciones. los ejemplos cooperación cional siempre han arrojado los mejores Sur-Surnoa nivel internacional no siempre han resultaarrojados, como veremos en éste artículo, cuando fue insdo los mejores resultados, como veremos en éste trumentalizada de manera sistemática y continua, artículo, cuando fue instrumentalizada de manera este tipo de cooperación ha demostrado ser un mecasistemática y continua, este tipo de cooperación ha nismo útil para reducir la vulnerabilidad de nuestros demostrado ser un mecanismo útil para reducir la países frente a los factores internacionales adversos. vulnerabilidad de nuestros países frente a los factores internacionales adversos. A fin de evitar que la historia se repita, los países en desarrollo están viendo la necesidad de construir alianzas más poderosas y compartir las habilidades necesarias para participar y negociar de manera más efectiva en los procesos multilaterales para que sus propios intereses no sigan relegándose. Como plan1. La primera agrupaba a los países capitalistas (Primer Mundo),

los países socialistas (Segundo), y los países en desarrollo (Tercer Mundo), la segunda teoría plantea que Estados Unidos y la Unión Soviética son el Primer Mundo, los países industrializados de Europa Occidental, Japón, Australia y Canadá son el Segundo Mundo, y los países en desarrollo el Tercer Mundo. Como se observa en las dos el Tercer Mundo es el mismo.

tea Yiping Zhou (2002), la cooperación Sur-Sur ya no es simplemente una opción, ahora es un imperativo, si de verdad se pretende que el Sur sobreviva a las turbulencias de la globalización. Por esto, debido a la importancia que este tema reviste no sólo para los gobiernos, sino también para las sociedades nuestros países, en este trabajo nos proponemos echar un poco de luz sobre la temática. De esta forma, veremos qué es el Sur, las distintas interpretaciones o modos/modelos de cooperación Sur-Sur, y finalmente, las características que adopta en Argentina y Brasil. El imaginario social del Sur Tanto económica como geográficamente, el hemisferio Norte en realidad incluye a muchos países subdesarrollados, y en el hemisferio Sur, forzosamente, hay que contar a algunos países desarrollados. Por lo tanto, la línea del ecuador que separa territorialmente el Norte del Sur no es el límite real entre los dos hemisferios (Borja 2002). A pesar de sus imprecisiones, la clasificación que separa al Norte del Sur ha tomado fuerza por el eclipse de otras: la que agrupaba a los países del Primero, Segundo y Tercer Mundo (agrupada en cuanto al eje Este-Oeste) y también de la teoría de los tres mundos,1 ambas planteadas en función de su desarrollo económico. Sin embargo, la distinción

41

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

entre las dos esferas no es sólo económica. La expansión a escala planetaria de una sola civilización en la que se conjugaban la misión cristiana y la búsqueda capitalista de mercados y de materias primas, conjuntamente con la hegemonización de un único tipo de conocimiento,2 son procesos que se produjeron en todos los países del llamado Sur. La misión religiosa y el desprecio por todo lo que, desde una concepción eurocéntrica del progreso, sólo se puede considerar inferior y destinado a desaparecer, se ha conjugado para disminuir e incluso borrar la heterogeneidad cultural de los países del Sur a favor de una creciente homogeneidad universal.

sí en dimensión territorial, población, recursos naturales, grados de desarrollo económico, cultura y regímenes políticos, aunque todos comparten la marginación de los beneficios de la prosperidad y del progreso (Borja, 2002). A pesar de esta heterogeneidad, puede hablarse de un imaginario social del Sur. Según Taylor (2004), un imaginario social no es un conjunto de ideas; es más bien lo que hace posible las prácticas de una sociedad, al darles un sentido. Es el modo en que un grupo de personas imaginan su existencia social, el tipo de relaciones que mantienen unas con otras, el tipo de cosas que ocurren entre ellas, las expectativas que se cumplen habitualmente y las imágenes e ideas normativas más profundas que subyacen a estas expectativas. A su vez, en esta concepción colectiva que hace posibles las prácticas comunes subyace un sentimiento ampliamente compartido de legitimidad.

No estamos ante una desigualdad pasajera de carácter técnico-económico, sino que se trata de una división mucho más profunda cuyo análisis debe incluir las esferas de lo político, lo militar, el conocimiento, etc. Es la división que durante el siglo XIX, y posteriormente, se nombraba en los términos de la dualidad civilización/barbarie, desarrollo/subdesa- Taylor (2004) plantea que nuestra rrollo, dominación/dependencia, idea de lo que estamos haciendo (sin la cual no estaríamos realimetrópolis/periferia, entre otros. zando este acto) cobra sentido en Los países del Norte, que tienen el marco de una comprensión más como eje a los siete de mayor desa- amplia de la situación: cuál es la rrollo industrial –congregados en relación que mantenemos entre el G-7-, se resisten a todo cambio nosotros –en este caso los países que pueda poner en riesgo su hege- del Sur-, así como con el poder. monía; actúan en un frente común Esto abre, a su vez, perspectivas a pesar de sus discrepancias inter- más amplias respecto al lugar que nas. Los del Sur tienen mucha ocupamos en el espacio y en el menos homogeneidad, y su unidad tiempo: nuestra relación con otros se ve resquebrajada con frecuen- pueblos y naciones, y también cia; son países muy disímiles entre nuestra relación con la historia, el relato de cómo hemos llegado a ser lo que somos, etc. 2. Al respecto véase Lechini (2009).

Por todo esto, y a pesar de la heterogeneidad mencionada anteriormente, también existen patrones históricos y actuales comunes entre los países del Sur, lo que permite hablar de un imaginario social del Sur. En primer lugar, la situación del Sur no es una de retraso en términos de algún parámetro objetivo o con respecto al nivel de la situación del Norte, sino que el carácter socio-cultural del Sur responde en un alto grado a la presión ejercida por el Norte. Sumado a esto, el estado de cosas logrado por el Norte se debe en buena medida a su explotación del Sur. Con el fin de la Guerra Fría ha quedado en evidencia la confrontación entre un pequeño grupo de países desarrollados, prósperos y dominantes, y el amplio sector periférico del planeta compuesto por los países atrasados y dependientes de África, Asia y América Latina, en los que viven el 75% de la población mundial. Sin embargo, y puesto que detrás de un imaginario social existe la idea de un orden moral -a través de la cual se concibe la vida, y que puede, o no, estar ligada al statu quo-, tenemos que retrotraernos a los años de la Guerra Fría para encontrar la primera expresión internacional por parte de los países del Sur de su imaginario. Básicamente, nos referimos a la Conferencia de Bandung de 1955, y la posterior conformación del Movimiento de Países No Alineados (Noal) en 1961, en donde los países del Sur, a pesar de su heterogeneidad, supieron alinearse en una tercera posición conjugando sus elementos en

42

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

común para intentar modificar el orden moral preexistente. Basado en los Principios de Coexistencia Pacífica de Bandung -preservar las independencias nacionales frente a las dos superpotencias, no pertenecer a ningún bloque militar, rechazar el establecimiento de bases militares extranjeras, defender el derecho de los pueblos a la autodeterminación y la independencia y luchar por un desarme completo y general, entre otros-, los objetivos políticos del Noal en la década del sesenta fueron cumplidos, pudiendo, en esta instancia, actuar en consecuencia de su imaginario social, al punto de poder modificar el orden moral existente vigente desde el siglo anterior; nos estamos refiriendo a la descolonización de un importante grupo de estados afroasiáticos. El Noal ha contribuido de forma innegable al triunfo de la lucha por la independencia nacional y la descolonización, lo que le permitió mantener un importante prestigio diplomático. Sin embargo, hay que reconocer que, según el imaginario del Sur, deja mucho que desear en cuanto al tema de los derechos humanos y la democracia, no en vano gran parte de sus miembros han sido dictaduras que conculcaban esos principios.

situación poco ha cambiado, y la no violencia contra la mujer, la no brecha entre países ricos y pobres discriminación de las minorías raciales, el derecho a los recursos se amplía aún más. naturales y a las condiciones Cabe agregar que no sólo en el mínimas de salubridad, el derecho NOAL pueden observarse deman- a trabajar y al trabajo en condiciodas e ideas del imaginario social nes de justicia, el derecho a la tiedel Sur. Existen otros grupos de rra, la lucha por la erradicación de países que también lo representan, la pobreza y de enfermedades como la Cepal, el G-77, distintos como el VIH Sida, la lucha en organismos y grupos de presión contra de la militarización y la tanto gubernamentales como no guerra, entre miles de otras problegubernamentales –G-20, Nama- máticas que representan las condi11, los movimientos antiglobali- ciones de vida de los pueblos de zación, entre otros-. múltiples países asiáticos, africaAsimismo, no se puede dejar de nos y latinoamericanos. A pesar de mencionar aquellos movimientos la diversidad de las demandas, sociales representantes de distin- podemos establecer, una serie de tas porciones de la sociedad civil temas comunes a la mayoría de los o aquellos que los engloban como reclamos que se encuentran prelos Foros Sociales. Este movi- sentes en los encuentros. Todos miento promueve la construcción estos foros se manifiestan en cony consolidación de un nuevo tra de la mundialización del neolimodelo de globalización como bearlismo y del libre comercio mecanismo de resistencia a los manipulado por los centros de impactos económicos, culturales y poder, a través de los organismos políticos que, en este tiempo, se internacionales financieros y han visto profundizados por dicho comerciales. Como podemos proceso. El movimiento social observar las demandas por parte internacional, que empieza a de los países del Sur son amplias y tomar fuerza para finales de la variadas. Sin embargo, existe una década del noventa, es la principal idea clara del imaginario social del expresión de resistencia al modelo Sur basado en las mismas.

El caso del objetivo económico (década del setenta) es distinto. A pesar de la presión de éstos y del G-77 en el seno de la Unctad, producto de las cuales surgió la Declaración sobre el Establecimiento de un Nuevo Orden Económico Internacional, aprobada por la Asamblea General de las Naciones Unidas en 1974, la

Con respecto a la definición, o alcances de la cooperación Sur-Sur existen básicamente dos grandes interpretaciones. La primera es más abarcativa, o tiene un alcance más general; la segunda es más acotada y se considera más técnica.

dominante de gestión de desigualdades (Adelantado, Noguera y Rambla, 2000) resultante de la confluencia de los procesos de evolución del estado de bienestar y de la globalización contemporánea. Hay también que tener en cuenta que son movimientos reivindicatorios de diferentes demandas que provienen de diversos orígenes y realidades nacionales. Grupos de todas partes del planeta, que defienden la ecología, la identidad de los pueblos, la

Cooperación Sur-Sur. Distintas formas de interpretación

Lechini (2009) considera a la cooperación Sur-Sur como una “cooperación esencialmente política

43

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

que apunta a reforzar las relaciones bilaterales y/o formar coaliciones en los foros multilaterales, para obtener mayor poder de negociación conjunto. Se basa en el supuesto que es posible crear una conciencia cooperativa que les permita a los países del Sur afrontar sus problemas comunes, a través del reforzamiento de su capacidad de negociación con el Norte y de la adquisición de mayores márgenes de maniobra internacional” (ídem, 99-100). Es decir, se ve a la cooperación SurSur básicamente como a una respuesta de la confrontación NorteSur. Mediante la cooperación, los países del Sur sumarían fuerzas y estarían más capacitados para responder a las trabas impuestas por los países del Norte. La segunda interpretación de la cooperación Sur-Sur es mucho más acotada, es de resultados inmediatos, y se basa en dos dimensiones: la dimensión técnica y la económica. Según el Informe Iberoamericano de Cooperación Sur-Sur (2008, 16), la cooperación técnica entre países en desarrollo (CTPD) “se refiere a todo aquel proceso por el cual dos países en desarrollo adquieren capacidades individuales o colectivas a través de intercambios cooperativos en conocimiento, cualificación, recursos y know how tecnológico”. Al mismo tiempo, la cooperación económica entre países en desarrollo (CEPD) “se refiere fundamentalmente a la cooperación que se establece en los ámbitos del comercio y las finanzas”. Como podemos observar, la primera interpretación de la cooperación Sur-Sur abarca a la segunda

interpretación. De hecho en Lechini (2009) específicamente se mencionan la CTPD y la CEPD. Es decir, algunos autores encierran a la cooperación Sur-Sur netamente como de intercambios mutuos en lo referido a lo económico o tecnológico, mientras que otros la consideran un proceso mucho más amplio que tiene que ver con la sumatoria de fuerzas para lograr resultados –quizás a plazos más largos- en todas las esferas estatales. Argentina y Brasil Brasil y Argentina son dos países considerados del Sur. A pesar de ser bastante homogéneos en cuanto a diversos aspectos, algunas diferencias entre ellos de acuerdo con los avatares internacionales y sus respuestas ante los mismos hacen que Brasil se destaque internacionalmente de una forma que Argentina sólo podría desear hacerlo. Excede a este trabajo analizar los motivos por los cuales esto es así, sin embargo, valga resaltar la discontinuidad de la política exterior argentina en contraste con la coherencia y continuidad de la brasileña. Este escenario no tiene una única justificación, podría derivarse tanto de la diplomacia presidencialista de Argentina versus la univocidad y la autonomía decisoria de Itamaraty, como de la continuidad de la tradición política proveniente del Imperio versus la ruptura absoluta con el orden político colonial, como así también de la lectura más realista que realizó el Barão do Rio Branco en cuanto al giro norteamericano de Brasil y que contrasta con la afiliación Argentina a Gran Bretaña hasta el

fin de la Segunda Guerra Mundial, sin que ninguna de estas causas sean excluyentes o exhaustivas con respecto a encontrar razones. Por otra parte, la dependencia irrestricta del centro de referencia, en el caso argentino, contrasta notablemente con la opción norteamericana, en el caso brasileño. En el primero es notable el alineamiento a-valorativo y poco instrumental –tanto con Gran Bretaña como con Estados Unidos-, lo que llevó a la Argentina a una obediencia y fidelidad sin cuestionamientos que no pocas veces la perjudicó más que ayudarla. En el segundo caso, el alineamiento fue una opción entre varias y la decisión de seguir al centro fue tomada con arreglo más a intereses nacionales que a valores poco beneficiosos para el país. Estos pocos motivos podrían explicar porqué mientras Brasil buscó –y consiguió- alianzas con otros países del Sur, Argentina quedó varios años estancada con arreglos más convenientes al centro de referencia del país que a la propia Argentina. También podrían explicar el cambio en la percepción de paradigmas en cuanto al multilateralismo y la cooperación Sur-Sur. Según Biato (2007, 17), históricamente, Argentina y Brasil, como el resto de América Latina, entendió el multilateralismo con otros países del Sur en un sentido defensivo, como una forma de evitar la injerencia de los países desarrollados y conservar cierta autonomía. Sin embargo, con el fin de la Guerra Fría –y, en algunos casos, anteriormente- Brasil incluyó iniciativas propias de inserción interna-

44

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

cional que podrían calificarse de ofensivas, en el sentido de actuar independientemente en lugar de reaccionar ante las acciones de terceros países. De esta forma, el nuevo paradigma conlleva iniciativas orientadas a mejorar la gobernabilidad global, desde las coaliciones con países como Sudáfrica, China e India, hasta los esfuerzos por reformar el Consejo de Seguridad de la ONU, o lograr que las naciones industriales eliminen los subsidios agrícolas en la OMC. Lamentablemente, Argentina sigue actuando en consecuencia de las acciones de terceros estados (incluido Brasil), el país sigue hoy un derrotero en política externa que la muestra sorprendida por los acontecimientos y reacciona lenta y a destiempo para la defensa de los intereses nacionales (Pereyra Mele, 2008).

Frente a esto, la cooperación Sur-Sur es una de las pocas herramientas con las que cuentan los países periféricos para alcanzar sus metas tanto económicas como políticas, las cuales redundarán a favor de sus objetivos sociales.

Reflexiones Finales

ADELANTADO, José; NOGUERA, José y RAMBLA, Xavier (2000) ´El Marco de Análisis: Las Relaciones Complejas entre Estructura Social y Políticas Sociales´, in Adelantado, J. (ed.) Cambios en el Estado de Bienestar. Políticas Sociales y Desigualdades en España, Barcelona, Icaria-UAB. BORJA, Rodrigo (2002) ´La Cumbre del Sur`, presentado en la XII Cumbre Iberoamericana de Jefes de Estado y de Gobiern, República Dominicana. Disponible en http://www.cumbresiberoamericanas. com/principal.php?p=323. BIATO, Marcel Fortuna (2007) ´¿Qué está haciendo Brasil por la gobernabilidad global? Desafíos del multilateralismo afirmativo`, Nueva Sociedad 210, jul.ago. Disponible en: www.nuso.org. LECHINI, Gladys (2009) ´Argentina y Brasil en la cooperación Sur-Sur`, en Lechini, G., Gonçalves, W. & Klagsbrunn, V. (comp.), Argentina y Brasil. Venciendo preconceptos. Las variadas aristas de una relación estratégica. Rio de Janeiro: Ed. Revan, 2009. PEREYRA MELE, Carlos (2008) ´Argentina: la política exterior, una deuda pendiente`. Disponible en http://www.redescristianas.net/2008/. STEINBERG, Federico (2008) ´El impacto de las potencias emergentes en la economía mundial`, ARI n.4, Real Instituto Elcano. Disponible en http://www.realinstitutoelcano.org. TAYLOR, Charles (2004) Modern Social Imaginary, Durham y Londres, Duke Univeristy Press. YIPING Zhou (2002), “Ampliando los puentes de la cooperación Sur-Sur”, en Los nuevos paradigmas de la Cooperación Internacional, Edición Nº 64, SELA.

Los países subdesarrollados en general, y América Latina, en particular, se han caracterizado tradicionalmente por su marginalización en la escena internacional. Primero bajo la colonización y, desde las independencias, bajo la creciente dominación de los países industrializados, los estados y las sociedades latinoamericanas han buscado su manera de insertarse en el mundo. Esta inserción se ha planteado desde distintas vertientes, ya fuera a través de fuertes vínculos con potencias europeas (por ejemplo, el caso argentino con Gran Bretaña), ya fuera convirtiéndose en imperio con un monarca de origen europeo (Brasil) o aspirando a una unión de la América Española fundamentada en las ideas bolivarianas. Independientemente del camino adoptado, el conjunto de estados constató, a lo largo de la Guerra Fría, su subordinación a la política exterior de las superpotencias y planteó la necesidad de formular y adoptar políticas propias de desarrollo en las que se enfatizaba el concepto de autonomía frente a la tradicional sensación de dependencia respecto a otros actores internacionales. Posteriormente, con el advenimiento de la pos Guerra Fría, la justificación para aplicar las políticas económicas emanadas del Consenso de Washington también fue la inserción de nuestros países en la nueva arena internacional. Dado que estas políticas no sólo no fueron exitosas, sino que profundizaron la situación de dependencia, la conmemoración de los bicentenarios de las independencias latinoamericanas, nos obliga a repensar y analizar las vías de inserción de estas sociedades.

Brasil, mediante determinadas asociaciones estratégicas (Ibsa, Bric´s, G-4, etc.), no se ha quedado atrás cuando se trata de sacar ventaja a nivel internacional y, de esta forma, poder cumplir y dotar de sentido a su interés nacional. Argentina, desde una visión un poco pesimista, ni siquiera tiene un interés nacional definido y, definitivamente, entiende a la cooperación Sur-Sur en sentido restringido. Referencias

45

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

A diplomacia brasileira e as visões sobre a inserção externa do Brasil: institucionalistas pragmáticos x autonomistas1 Miriam Gomes Saraiva Professora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

A

A política externa brasileira é grossoé grosso modo marcada pela política externa brasileira modo mar-

continuidade. A continuidade. predominância  por  muitos  anos cada pela A predominância por de  um muitos paradigma  em  um  conjunto  de anos debaseado  um paradigma baseado em um crenças caracterizou historicamente a tendência à conjunto de crenças caracterizou historicamente a convergência  de  pensamentos  o  interior  do tendência à convergência de pensamentos o interior Ministério  de de Relações  do Ministério RelaçõesExteriores  Exteriores(Itamaraty). (Itamaraty). Segundo Tullo Vigevani et al (2008) a posição do Segundo Vigevani et al (2008) a posição do Brasil Brasil  afrente  a  diferentes  temas  à frente diferentes temas deve serdeve  vistaser  à vista  luz de luz  de  constitutivos fatores  constitutivos  política  externa, fatores da políticada  externa, enraizados enraizados na sociedade e no estado brasileiros: a na sociedade e no estado brasileiros: a autonomia e o autonomia e o universalismo. Neste caso, o univeruniversalismo. Neste caso, o universalismo corressalismoàcorresponde à ideia de estar manponde ideia de estar aberto para aberto manterpara relações ter relações todosindependentemente os países, independentemente com todos oscom países, de localizade localização tipo ou de opção regimeeconômica. ou opção ção geográfica, geográfica, tipo de regime econômica. Significa uma independência de comporSignifica uma independência de comportamento em tamentoàem relaçãohegemônica à potência hegemônica pode ser relação potência e pode ser evinculado vinculado ao comportamento “global A ao comportamento de “global de player”. A player”. autonomia é definida como de a margem manobra éautonomia definida como a margem manobradeque o país que onas país temrelações nas suascom relações com demaise Estados tem suas demais Estados em sua e em suanaatuação política internacional. atuação políticanainternacional. Subjacente à idéia de universalismo e autonomia está uma crença histórica na sociedade brasileira e entre os formuladores da política externa: desde o 1. Este artigo foi elaborado para a Fundación Real Instituto Elcano/Espanha

início do século XX que podem ser identificados alusões em discursos ao destino de grandeza do Brasil, por diferentes motivos. Acredita-se que o Brasil deve ocupar um lugar especial no cenário internacional em termos político-estratégicos. O Barão do Rio Branco apontava para as “similaridades” entre o Brasil e os Estados Unidos em termos de território, base étnica, diversidade cultural, e por estarem em meio a países hispânicos. Em 1926 e em 1945 a governo brasileiro pleiteou um assento permanente no Conselho de Segurança da Liga das Nações/Nações Unidas. No início dos anos 70, Araújo Castro (1972), ex-chanceler e embaixador brasileiro na ONU, afirmava que “poucos países no mundo detêm as possibilidades de irradiação diplomática do Brasil” e “nenhum país escapa a seu destino e, feliz ou infelizmente, o Brasil está condenado à grandeza”. Com a eleição de Lula da Silva, este tema retorna à pauta de debates sobre política externa. Estas crenças perpassam a sociedade brasileira em termos mais gerais, mas podem ser mais claramente identificadas na corporação diplomática. A forte presença histórica do Itamaraty no arranjo institucional brasileiro vis a vis a política exterior, junto com seu poder de burocracia especializada, contribuiu para a concentração da formulação da política externa e para um comportamento mais estável pautado por

46

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

padrões normativos. Este concentração torna a política externa menos vulnerável a ingerências diretas da política doméstica. No entanto, quando se busca examinar com mais atenção o que se esconde por detrás do discurso de continuidade, pode-se encontrar diferenças de prioridades e estratégias de implementação da política externa. As crenças orientam a formulação de comportamentos baseados em premissas realistas, definidas a partir da estratégia de desenvolvimento nacional e de determinados cálculos dos formuladores de política externa que variam de acordo com a visão política e percepção destes formuladores do que seriam interesses nacionais, conjuntura internacional e outras variáveis mais específicas. E, mais recentemente, atores da política em termos gerais vêm demonstrando interesses e visões próprias sobre a inserção internacional do país. A partir dos anos 90, segundo Lima (2000), na medida em que a agenda de política externa foi ganhando espaço nos marcos das políticas públicas e tornando-se objeto de interesse de diferentes setores da sociedade, o monopólio do Itamaraty na formulação de políticas e do que seria apresentado como “interesses nacionais” do país foi perdendo progressivamente sua centralidade. A abertura da economia contribuiu para a politização da política externa em função da distribuição desigual de seus custos e ganhos, enquanto a consolidação democrática fomentou debates e preferências sobre temas da

agenda internacional na sociedade. Estes dois processos desafiaram a formulação tradicional de política externa e abriram espaços para a consolidação de correntes de pensamento diferenciadas – e identificadas com setores políticos distintos- dentro do próprio Itamaraty. A  chegada  de  Collor  de  Mello  à presidência  trouxe  à  arena  do processo  decisório  de  política externa  uma  corrente  liberal, minoritária  no  Itamaraty,  mas seu  impeachment reduziu  suas influências  até  os  dias  atuais. Esta  corrente  propunha  que a diplomacia brasileira abandonasse o discurso terceiro-mundista e privilegiasse basicamente as relações com países do “Primeiro Mundo” como caminho para vir a fazer parte dele (deixando de lado um pouco os princípios normativos já citados). No entanto, mesmo durante o governo de Collor, a tradução destas idéias em ações externas foi limitada. A tradição do Itamaraty teve um peso importante no sentido da continuidade. Independentemente do reforço do grupo liberal, na gestão de Collor houve uma crise de paradigma de política externa que  pôs  em xeque os padrões de comporta‐ mento  então  adotados,  que levou  à  divisão  no  interior  da Chancelaria  em  basicamente duas  correntes  de  pensamento –aqui  definidas  como  autono‐ mistas e institucionalistas prag‐ máticos‐  com  visões  diferentes sobretudo sobre as estratégias e prioridades  de  comportamento e que influenciam a formulação

e aplicação da política externa.  Em  termos  econômicos,  apesar da  exaustão  do  modelo  de industrialização  baseado  na substituição  de  importações, seu  êxito  para  o  crescimento econômico  brasileiro  propor‐ cionou  o  desenvolvimento  de setores  desenvolvimentistas fortes  e  estáveis.  Gerou  uma estrutura industrial complexa e diversificada.  Assim  o  pensa‐ mento  plenamente  liberal  que inaugurou  os  anos  90  não  teve êxito  após  o  impeachment de Collor, e foi substituído por um equilíbrio  que  se  perpetua desde  então:  um  pensamento mais  favorável  à  abertura econômica  embora  sem  abrir mão  da  política  industrializante adotada  no  período  desenvolvi‐ mentista, e um pensamento mais tradicional, nacionalista e desen‐ volvimentista  que  defende  o desenvolvimento  baseado  na ampliação  de  setores  de infraestrutura e de uma projeção industrial no exterior.  Os institucionalistas pragmáticos Os institucionalistas pragmáticos compõem uma corrente de pensamento e ação no Itamaraty que se fortaleceu e consolidou durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, na gestão do chanceler Luiz Felipe Lampreia. No campo econômico, são favoráveis a um processo de “liberalização condicionada” e em no espectro partidário encontram identidade principalmente no PSDB mas também DEM. Este grupo é chamado por alguns autores de forma imprecisa de “liberais”.

47

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

Sem abrir mão das visões de mundo da política externa brasileira de autonomia, universalismo e destino de grandeza, os institucionalistas pragmáticos priorizam o apoio do Brasil aos regimes internacionais em vigência, desde uma estratégica pragmática. Esta postura, porém, não significa uma aliança a priori com países industrializados mas sim a identificação da regulamentação das relações internacionais como um cenário favorável ao desenvolvimento econômico brasileiro uma vez que as regras do jogo devem ser seguidas por todos os países incluindo os mais ricos. O papel que o país pode assumir em cenários de geometria variável deve ser, ao mesmo tempo, de apoio a regimes e valores internacionais, e de crítica no que diz respeito às diversas distorções que ocorrem na ordem internacional levadas a cabo muitas vezes pelas próprias potências (Vigevani et al 2003) . Dentro desta perspectiva, a diplomacia buscou um comportamento ativo nos foros multilaterais caracterizado pela expressão “global player” e manteve, nos marcos das Nações Unidas, a candidatura brasileira a um assento permanente no Conselho de Segurança. Optou pela adesão a regimes internacionais já estabelecidos na área de segurança internacional. Esta corrente defende também a ideia de uma inserção internacional do país a partir de uma nova visão dos conceitos de soberania e autonomia, aonde os valores globais devem ser defendidos por todos. No início do governo de Cardoso, com o fortalecimento da corrente institucionalista pragmá-

tica, a inflexão mais relevante da política externa foi a adoção do conceito de “soberania compartilhada”, diferente do conceito clássico de soberania. Esta visão identificava um mundo marcado por um “concerto” de países com discurso homogêneo em defesa de valores universais, junto com a tendência à formação de regimes para garanti-los. Segundo o Embaixador Gelson Fonseca (1999), uma das condições da manutenção deste “concerto” seria a importância da adaptabilidade da liderança norte-americana às demandas das potências e, em segunda instância, dos países menores. Este cenário abriria espaços para o Brasil -numa busca de mecanismos para ampliar sua capacidade de atuação internacional- adotar uma posição que não significasse nem alinhamento aos Estados Unidos e nem postura de free rider. Isto significou também uma modificação no conceito de autonomia: a idéia da “autonomia pela integração” se firmou, em detrimento da autonomia buscada anteriormente visando à distância ou a autossuficiência. Como terceiro traço importante, os institucionalistas pragmáticos defendem a construção de uma liderança brasileira na América do Sul, mas com moderação e com base nas idéias de estabilidade democrática e desenvolvimento de infraestrutura. Na região, porém, a aplicação da idéia de soberania compartilhada não ocorreu; durante o governo de Cardoso, a diplomacia brasileira não buscou superar dentro do continente os limites do que

entende por soberania nacional. Ao contrário, buscou sempre evitar que um arranjo de integração viesse a obstacularizar o comportamento brasileiro vis a vis outros parceiros externos e sua projeção no cenário internacional. Na esfera regional a idéia de autonomia aparece com mais força. No segundo mandato de Cardoso os países da América do Sul foram identificados mais claramente como parceiros importantes para o fortalecimento da atuação brasileira como global player – a consolidação de um processo de integração regional fortaleceria a posição negociadora do Brasil em diferentes foros multilaterais. A diplomacia iniciou uma modesta revisão do comportamento tradicional brasileiro frente à região pautado pela idéia da não-intervenção. A partir de uma perspectiva de apoio aos regimes e valores internacionais, o governo brasileiro buscou construir sua liderança na área a partir do binômio segurança e estabilidade democrática, estabelecendo vínculos fortes com os países vizinhos e atuando como mediador em situações de crise quando chamado para tal. Segundo Villa (2004) a aceitação da ideia da democracia como valor universal contribuiu para que a diplomacia brasileira estabelecesse um consenso em torno da vinculação entre democracia, integração regional e perspectivas de desenvolvimento. Em 2000 foi dado início à construção da Comunidade Sulamericana de Nações com base nas duas idéias defendidas pelos institucionalis-

48

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

tas pragmáticos: preservação da democracia, e incentivo à integração econômica e de infraestrutura da região (que se materializou na formação da Iirsa).

ra à crise vivida pelo governo paraguaio, em 1996, e na criação posterior da Cláusula Democrática. Mas, no que diz respeito às iniciativas brasileiras em relação a terceiros Estados no campo polítiNo que diz respeito ao Mercosul, co, é visto como importante a preos institucionalistas pragmáticos servação da autonomia brasileira identificavam-no com um instru- no campo de política externa. mento para aumentar os ganhos do país em termos econômicos dando Por fim, um item não menos imporprioridade para a integração tante em função de sua continuidacomercial. Mas estabeleceu-se no de: a postura frente aos Estados interior do Itamaraty uma conver- Unidos. Durante o governo de gência com os autonomistas em Itamar Franco a diplomacia brasitorno de sua evolução que defen- leira havia feito um movimento dia um modelo baseado em uma para “desdramatizar” as relações. união aduaneira incompleta, no Na perspectiva dos institucionalisnão-aprofundamento da integra- tas pragmáticos isto significou conção política e no baixo perfil insti- centrá-las em torno de divergências tucional. Em seu ponto de vista, o tanto em temas da organização do bloco atuaria como um reforço comércio internacional e do protepara a inserção internacional do cionismo dos países desenvolvidos Brasil, sem os condicionamentos quanto em temas relacionados ao próprios de um mercado comum processo de integração do contiou de traços supranacionais. Com nente americano, mas sem enfrenesta perspectiva, a integração tamentos e mantendo um baixo comercial assumiu um papel perfil brasileiro. A perspectiva da importante nos marcos do regiona- construção de uma liderança brasilismo aberto e a institucionaliza- leira no continente sulamericano ção do bloco não era vista como complexifica por si as relações com necessária limitando-se a quando a potência hegemônica da região potencializasse a sua capacidade fazendo com que não haja alianças de produzir benefícios econômi- de médio ou longo prazo em temas cos. Esta visão oscilou entre, nos regionais. Neste cenário, a prioridapiores momentos, a defesa de uma de brasileira em termos de integraárea de livre comércio e, em ção foi com o Mercosul e foram outros, em uma aceitação de uma sendo colocados obstáculos ao desenvolvimento das negociações união aduaneira incompleta. para formação da Área de Livre Na dimensão política, o Mercosul Comércio das Américas (Alca). foi visto como um instrumento de reforço da capacidade negociado- Em termos gerais, para esta corra brasileira, proporcionando-lhe rente e durante o período de um maior peso na arena interna- Cardoso, as crenças na autonomia, cional e houve uma clara preocu- no universalismo e no destino de pação com a defesa da democra- grandeza foram tratadas com cia em seus Estados membros que menos vigor, e maior relevância se materializou na reação brasilei- foi dada ao pragmatismo. No final

do mandato, os defensores de um perfil mais autonomista de política externa criticaram a preferência dos institucionalistas pragmáticos por ações mais moderadas dentro dos marcos do quadro institucional internacional como melhor alternativa para garantir o êxito de objetivos de longo prazo. Os autonomistas A segunda corrente da diplomacia é aqui chamada de autonomista (embora seja também conhecida como nacionalista). Em termos econômicos, os autonomistas são mais ligados à perspectiva desenvolvimentista e, em termos políticos, são ligados a grupos mais nacionalistas que, embora não sejam originários do PT, estabeleceram uma interação importante com o governo do presidente Lula. Diferentemente dos institucionalistas pragmáticos, dão maior destaque para as crenças sobre a autonomia, o universalismo e, acima de tudo, o fortalecimento da presença brasileira na política internacional. A corrente autonomista ascendeu aos cargos de destaque dentro da diplomacia brasileira e consolidou-se como grupo com o mandato de Lula nas figuras do chanceler Celso Amorim e do secretáriogeral Samuel Pinheiro Guimarães. Seu primeiro traço - e mais marcante - é a defesa de uma projeção mais autônoma e ativa do Brasil na política internacional. A convicção demonstrada pelos regimes internacionais é menor, dando destaque para um comportamento mais ativo com vistas a modificálos em favor dos países do Sul ou

49

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

em benefício próprio. A diplomacia do governo Lula caracterizouse pelo esforço articulado visando tornar o país uma liderança regional e incrementar a sua ascensão para a posição de potência global. Dentro desta perspectiva, defendem uma reforma institucional das Nações Unidas que abra espaços para que o país ocupe um assento permanente no Conselho de Segurança. Como credenciais para a candidatura brasileira, optaram por defender aspectos mais distributivos do comércio internacional e problemas de fome e pobreza que afetariam a estabilidade internacional (o combate ao terrorismo não foi assumido como prioridade). A partir da crise econômica de 2008 e da consequente instabilidade da ordem internacional, o Itamaraty dos autonomistas vem buscando aproveitar todos os espaços abertos pela classificação do Brasil como um dos Brics e tem participado de forma proativa de foros multilaterais como o G7 (como convidado), o Grupo dos 22 e as negociações relativas ao meio ambiente. O ativismo no sentido de maior presença internacional cresceu de forma significativa.

nal”, “população”, “produto interno bruto”, “recursos naturais”-e com interesse no reordenamento do sistema internacional. Documento do Itamaraty de 1994, da primeira gestão de Celso Amorim, dizia que “países que não estão integrados estruturalmente a áreas mais amplas, que vêem na globalização a possibilidade de realizar sua condição de potência e de não serem levados a optar por um esquema de associação periférica a uma das três grandes áreas [...] são os candidatos naturais a ter lugar de destaque na nova ordem mundial” (citado por Barros 1994).

Com vistas a este objetivo, a diplomacia brasileira liderada pelos autonomistas atuou ativamente na defesa da perspectiva brasileira nas negociações realizadas na OMC através de ação conjunta com outros países em desenvolvimento. O primeiro G-20, formado por países como Índia, China e África do Sul, tornou-se um fórum importante de atuação da diplomacia brasileira logrando condicionar os avanços das negociações da OMC. Além da idéia de formar parcerias para modificar a ordem internacional, esta cooperação se baseia no intercâmbio tecnológico e na não-intervenção nos assuntos internos dos parNo marcos de um comportamento ceiros (a defesa do regime democráreformista da ordem internacio- tico mais presente durante o período nal, os autonomistas têm preocu- de Cardoso nesta esfera não é relevante). Como iniciativa importante, pações mais de caráter políticofoi criado o Fórum de Diálogo Ibsa estratégico em relação ao embate (Índia, Brasil e África do Sul). Norte/Sul e buscam uma aproximação com outros países conside- No que diz respeito aos Estados rados emergentes que teriam Unidos, a percepção tem alguma características comuns com o semelhança com a dos institucioBrasil: -“dimensões continentais”, nalistas pragmáticos, porém com “reconhecida importância regio- um viés mais competitivo no que

diz respeito à configuração do poder na América do Sul. Em termos gerais o governo brasileiro vem atuando, como no governo anterior, de forma autônoma no que diz respeito aos problemas do continente sulamericano. Não há coincidência de opiniões quanto à forma de tratar estes temas e não se coloca a possibilidade de se construir uma atuação articulada. Por outro lado, não há enfrentamentos. A opção é por manter baixo perfil em termos políticos no que se refere a áreas de divergências. Seguem os desacordos em relação às regras do comércio internacional e as negociações da Alca, se no governo anterior foram obstacularizadas, com o governo Lula foram encerradas como fracasso para o projeto norteamericano. Como diferença, a participação mais autônoma do Brasil na política internacional e os impulsos reformistas da ordem internacional criam novas áreas de atrito entre os dois países. Em relação à América do Sul os autonomistas defendem um projeto claramente estruturado com vistas à construção da liderança do Brasil na região, e recebem influência de pensadores de cunho nacionalista que identificam o Brasil como o país mais importante “ao sul do Equador” e capaz de influenciar os demais por ter atributos especiais como população, geografia e economia. Assim, o processo de integração sob a liderança brasileira é considerado prioritário e paralelo à trajetória de ascensão do país na política internacional; é identificado como o caminho para melhor inserção internacional e que possibilitaria a

50

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

realização do potencial brasileiro e da formação de um bloco capaz de exercer influência internacional. Com este objetivo, a diplomacia de Lula buscou dar um novo impulso à construção de uma liderança com padrões de soft power. Recuperou em parte os princípios da não-intervenção e incluiu em sua agenda um projeto articulando principalmente os processos de cooperação e integração regional às perspectivas de desenvolvimento nacional. Para este grupo a Unasul vem sendo o principal canal de ação multilateral do Brasil na região. Por um lado, tem um caráter estritamente intergovernamental e de institucionalidade muito baixa, o que garante a margem de autonomia brasileira frente a seus parceiros na organização e em suas relações com países fora da região. Por outro lado, é um mecanismo importante através do qual a diplomacia brasileira vem atuando com vistas a construir posições comuns com os países vizinhos frente a situações de crise, e buscando sempre ocupar o papel principal em seu interior. Os autonomistas, defensores do pensamento desenvolvimentista, identificam a integração como um instrumento de acesso a mercados externos, e como elemento capaz de abrir novas perspectivas para a projeção das indústrias brasileiras no exterior. Progressivamente, vêm também aceitando a perspectiva do Brasil exercer o papel de paymaster na região, bancando alguns dos custos de um processo de integração. O BNDES começou, neste governo, a financiar

obras de infraestrutura em outros países sulamericanos, embora conduzidas por empresas brasileiras. A cooperação ao desenvolvimento em alguns setores começa a ser implementada com países vizinhos – neste caso, trata-se da cooperação como instrumento de política externa.

conomia. A percepção formulada pelos autonomistas prioriza uma ampliação do bloco através da entrada de novos Estados ou da formação da Unasul. O Mercosul é visto como um instrumento capaz de proporcionar ao Brasil um melhor posicionamento regional, assim como atuar na esfera comercial abrindo caminho para a O papel de paymaster e este tipo formação de uma área de livre de cooperação com países vizi- comércio na região. Mas, atualnhos são temas que provocam mente, o caráter comercialista que resistências internas. A dívida marcou o Tratado de Assunção é social e os desequilíbrios regio- considerado já ultrapassado. nais do país são argumentos para os opositores. Mas, na prática, Em termos gerais, o reflexo desta atualmente o debate já se tornou corrente na política externa resulpúblico e já existe uma associação tou no convívio entre autonomia, entre liderança brasileira e os cus- ampliação da presença internaciotos de sua construção por parte de nal e busca de situações favoráveis membros do executivo e políticos ao desenvolvimento nacional a parde diferentes partidos. tir de um padrão proativo, que equilibrou crenças com pragmatismo. O comando brasileiro das Forças de Paz da ONU no Haiti atende a O Partido dos Trabalhadores e dois objetivos. Por um lado, é uma a percepção de política externa iniciativa para consolidar a liderança brasileira na região, aglutinando Por fim, e de forma lateral, desenparceiros sulamericanos sobre sua volveu-se um grupo de caráter liderança, marcando presença na mais ideológico com poucos vínregião e exercendo o papel de pay- culos históricos com a diplomamaster arcando com alguns custos. cia, mas que, durante o governo Por outro lado, visa aumentar o Lula, estabeleceu um diálogo peso do país no cenário internacio- importante com o Itamaraty e nal. Neste caso, o Brasil lidera uma exerceu alguma influência em força de imposição de paz, o que decisões de política externa significa uma revisão dos preceitos (sobretudo em relação a temas tradicionais de uma política exter- sulamericanos). Sua origem está em acadêmicos e lideranças polína não-intervencionista. ticas que, durante o governo Lula, Em relação ao Mercosul, a visão conseguiram espaços de atuação. autonomista coincide com algu- Diferentemente da tradição de mas idéias dos institucionalistas concentração na formulação de pragmáticos: a defesa da baixa política externa, o presidente Lula institucionalidade e a manutenção convocou a Marco Aurélio da autonomia brasileira nos cam- Garcia, então secretário de pos de política externa e macroe- Relações Internacionais do PT,

51

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

para prestar-lhe assessoria. Chegando já ao final do mandato, o partido apresentou uma proposta de montar um “conselho” de política externa composto por ONGs e movimentos sociais em geral. Trata-se de uma visão mais difusa que perpassa diferentes níveis do aparato governamental.

Conclusão Embora não seja desenvolvido neste artigo, a ascensão do Brasil neste novo, multipolar e fragmentado cenário internacional que se organizou pós 11setembro e após a crise de 2008, e a eleição de governos antiliberais na América do Sul, foram elementos que influenciaram as percepções dos autonomistas e que podem ainda trazer novidades nos marcos do pensamento institucionalista pragmático. O peso próprio do Itamaraty e o fato de ser uma corporação forte contribuem para que haja um núcleo comum entre as duas correntes, assim como colaboram para uma continuidade mesmo na mudança. Mas a consolidação do regime democrático, os efeitos da globalização e a própria ascensão do Brasil no cenário internacional tendem a trazer cada vez mais os temas internacionais para a agenda doméstica dos políticos, da imprensa e da sociedade civil em geral. Esta propagação dos debates de política externa no país terá certamente um impacto sobre a formulação de comportamentos e as visões de política externa e percepções da política internacional no interior da diplomacia brasileira abrindo espaço para visões mais diferenciadas e influenciadas mais fortemente pela política.

Esta visão é em sua origem orientada basicamente para o processo de integração com países da América do Sul e com o Mercosul. Propõe um aprofundamento do processo de integração em termos políticos e sociais a partir da crença na existência de uma identidade própria da região. Dentro desta perspectiva, apóia as iniciativas de governos antiliberais e refundadores da região e propõe algum tipo de solidariedade difusa com os países do continente. Defende um compromisso brasileiro de arcar com os custos da integração regional. Segundo Garcia, “Não queremos que o país seja uma ilha de prosperidade em meio a um mundo de miseráveis. Temos que ajudá-los sim. Essa é uma visão pragmática” (citado por Dieguez, 2009). Esta posição teve influência sobre os autonomistas do Itamaraty convergindo no sentido de um comportamento brasileiro mais proativo na cooperação com os países vizinhos, e na aceitação das diferentes opções políticas que se abrem na região. Esta convergência ressalta a idéia de autonomia da política externa do país e cria obstáculos para que o gover- Referências no brasileiro atue como elemento ordenador da polí- Araújo Castro, J.A. de (1972) ‘O congelamento do Poder Mundial`, Revista Brasileira de Estudos tica na região dentro de moldes liberais. Políticos n.33, Belo Horizonte, UFMG, jan. p.7-30. Em relação ao Mercosul são favoráveis à institucionalização e ao aprofundamento do processo de inte- Barros, Sebastião do R. (1994) O Brasil e a Rússia, gração em termos políticos e sociais: a entrada em in G.Fonseca Júnior & S.H. Nabuco de Castro (eds), vigor do Protocolo de Olivos, a formação do Temas de Política Externa II – volume 2. Brasília, Parlamento do Mercosul e a criação do Focem são FUNAG/Editora Paz e Terra. resultantes desta perspectiva. Mas convergem com os autonomistas ao identificarem o regionalismo Dieguez, Consuelo (2009) ‘O Formulador Emotivo`, aberto que deu base para o Tratado de Assunção Piauí, n.30, março, p.20-24. como superado. Fonseca Jr, G. (1999) ‘Anotações sobre as condições do Este grupo não pertence aos quadros do Itamaraty e sistema internacional no limiar do século XIX: a dispode ser passageiro, mas teve alguma influência tribuição dos pólos de poder e a inserção internacional do durante o governo na composição da política exter- Brasil`, in G.Dupas e T.Vigevani (eds.), O Brasil e as na brasileira do período. E pode significar um novas dimensões da segurança internacional, São Paulo, primeiro movimento importante de reflexões sobre Alfa-Omega/Fapesp, p.17-42. política externa que se situa no espectro da política Lima, Maria Regina S.de (2000) Instituições fora da corporação diplomática.

52

|

Mural Internacional Ano I, nº 1 Jan | Jun 2010

Democráticas e Política Exterior. Contexto Internacional regional para o Brasil: universalismo, soberania e vol.22 n.2. Rio de Janeiro, jul./dez, p.265-303. percepção das elites, Revista Brasileira de Política Internacional Ano 51 n.1, p.5-27. Vigevani, Tullo; Oliveira, Marcelo F.; Cintra, R. (2003) A política externa do governo Cardoso: um Villa, Rafael D. (2004) ‘Brasil: política externa e a exercício de autonomia pela integração. Tempo agenda democrática na América do Sul`, Trabalho Social, n. 20, nov. p.31-61. apresentado no 4to. Encontro Nacional da ABCP, Rio de Janeiro, PUC-Rio, 21-24/jul. Vigevani, Tullo.; Favaron, G.de M.; Ramanzini Jr, H.e Correia, R.A (2008) O papel da integração

DEF

Lihat lebih banyak...

Comentarios

Copyright © 2017 DATOSPDF Inc.