Koyré e a epistemologia histórica de Kuhn e Feyerabend. In: Mauro Lúcio Leitão Condé, Marlon Salomon. (Org.). Alexandre Koyré : História e Filosofia das Ciências. 1ed.Belo Horizonte: Fino Traço, 2015, v. 1, p. 203-235.

June 28, 2017 | Autor: Luiz Abrahão | Categoría: Alexandre Koyré, Paul K. Feyerabend, Thomas S. Kuhn, Koyré
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Alexandre Koyré:

História e Filosofia das Ciências

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cip-Brasil. Catalogação na Publicação | Sindicato Nacional dos Editores de Livros, rj A369 Alexandre Koyré : História e Filosofia das Ciências / organização Mauro Lúcio Leitão Condé, Marlon Salomon. - 1. ed. - Belo Horizonte, MG : Fino Traço, 2015. 292 p. ; 23 cm. (Scientia ; 27) Inclui índice ISBN 978-85-8054-260-8 1. Koyré, Alexandre, 1892-1964. 2. Ciências - História. 3. Ciências - Filosofia. I. Condé, Mauro Lúcio Leitão. II. Salomon, Marlon. III. Série. 15-25660 CDD: 501 CDU: 501

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Koyré e a “epistemologia histórica” de Kuhn e Feyerabend Luiz Henrique de Lacerda Abrahão – CEFET- MG

A tese da dívida intelectual Conforme opinião amplamente aceita, a obra do historiador franco-russo Alexandre Koyré (1892-1964)1 exerceu um papel capital na formação da filosofia histórica da ciência (Laugier, 2002, 964-965, 984-986). Esse “novo” enfoque se caracterizaria, basicamente, por dois movimentos simultâneos: (1) a renúncia da análise estritamente formal do conteúdo lógico das ideias científicas e (2) a inserção de estudos históricos atinentes à dinâmica dos processos de formulação, comparação e aceitação das hipóteses (Suppes, 1974: 119-232; Rheinberger, 2010:52-56). Manuais introdutórios, coletâneas de artigos, ensaios críticos, estudos especializados etc. reproduzem essa leitura orientada para a centralidade da contribuição koyreniana na reforma da filosofia da ciência. Um caso paradigmático de tal perspectiva – cujo conteúdo específico raramente é definido – consta no volume editado por Jacob (1980): Em torno do final da década de 1950, e, especialmente, no curso dos anos 1960, um ar de revolta contra o empirismo irrompeu na filosofia das ciências anglo-americana. Tal reação […] se define, em primeiro lugar, por uma retomada do interesse pela história (quando não pela sociologia) das ciências. Contrariamente ao que procedeu na França, 1. Murdoch (1965), Herivel (1965) e Gillispie (2007) resumem a obra e a biografia de Koyré.

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até 1945, a história e a filosofia das ciências, na Inglaterra e nos Estados Unidos, eram duas disciplinas bastante separadas. Paul Feyerabend, Norwood Russell Hanson (falecido em um desastre de avião, que ele mesmo pilotava), Thomas Kuhn, Imre Lakatos (finado em 1974) e Stephen Toulmin se orientaram na direção da nova historiografia de Alexandre Koyré e Herbert Butterfield (Jacob, 1980:40).

Assim, propaga-se no senso comum filosófico a didática impressão de que as propostas de Thomas Kuhn e Paul Feyerabend carregariam, de forma inequívoca e homogênea, uma ‘dívida intelectual’ 2 com a historiografia da ciência de Koyré.3 Indubitavelmente, vários trabalhos de Kuhn confirmam a perspectiva em foco, a qual também foi esmiuçada por especialistas como Hoyningen-Huene (1993) e Friedman (2003). Entretanto, a atribuição do legado koyréano a Feyerabend é mais problemática, não obstante ser presumida por Preston (1997) e outros intérpretes do corpus feyerabendiano. Nesse horizonte, pretendemos realizar uma leitura crítica da referida tese da dívida intelectual. Para tanto, em primeiro lugar, catalogamos elementos textuais que assinalam tais traços da herança de Kuhn e Feyerabend com o historiador russo; em seguida, exploramos a ideia segundo a qual as ideias de Koyré e Feyerabend convergem na recusa de reconstruções empiristas da Revolução Científica. Esse trajeto nos permitirá, de resto, apreciar mais atentamente o ajuste teórico das leituras habituais sobre o impacto da obra de Koyré na guinada historicista dos estudos contemporâneos sobre a ciência (Moulines, 2006:24-25).

Kuhn leitor de Koyré A influência intelectual de Koyré em Kuhn é inequívoca e onipresente, sendo, ademais, amplamente reconhecida por especialistas no corpus kuhniano. Os trabalhos de Koyré são referidos pelo menos uma dezena de vezes no A Revolução Copernicana (Kuhn, 1990 [1957]: 304-308). Nesse livro, o 2. A ideia subjacente à tese da dívida intelectual consta em Palma (2008:121). 3. Para uma comparação das propostas filosóficas de Kuhn e Feyerabend, ver Abrahão (2013) e Abrahão (2014a), bem como os capítulos 1 a 3 de Hoyningen-Huene, incluídos em Abrahão (2014b).

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historiador franco-russo surge como uma referência essencial para diversos tópicos ligados ao desenvolvimento da ciência moderna.4 No “Prefácio” do A Estrutura das Revoluções Científicas (1962), Kuhn comentou que, por três anos, ocupou um posto de pesquisador em Harvard. Durante esse “período de liberdade,” o pensador estadunidense teria se dedicado a estudar a “História da Ciência propriamente dita”. Quanto a isso, ele esclareceu: “Continuei a estudar especialmente escritos de Alexandre Koyré” (Kuhn, [1962] 2001:10). Kuhn relata que a obra koyreniana mais impactante naquele contexto foi Estudos Galileanos (Kuhn, [1962] 2001:10, n. 1). Em seguida, expressa que os escritos de Koyré seriam o “melhor exemplo” da “revolução historiográfica no estudo da ciência” que pretendeu atribuir às ideias científicas do passado “o máximo de coerência interna e a maior adequação possível à natureza” (Kuhn, [1962] 2001:21-22). Koyré reaparece no A Estrutura das Revoluções Científicas quando são abordados os seguintes assuntos: (i) as “normas legítimas para a ciência” sugeridas pelas “Mecânicas de Galileu e Newton” (Kuhn, [1962] 2001: 73); (ii) os “elementos medievais presentes no pensamento de Galileu” (Kuhn, [1962] 2001:95); (iii) a importância do “neoplatonismo” na gênese da “atenção de Galileu para a forma circular do movimento” (Kuhn, [1962] 2001:158); e (iv) a teoria cinética de Aristóteles (Kuhn, [1962] 2001:160 n. 15). Então, no livro kuhniano de 1962, o historiador franco-russo desponta como fonte para episódios da história da ciência moderna, como inspiração metodológica e como expoente da “nova historiografia” da ciência. Mas a controversa noção de que mudanças revolucionárias na ciência seriam análogas a transformações nas “cosmovisões”5 também parece remontar a Koyré. O trecho abaixo permite vislumbrar a conexão entre a tese da “constituição de mundos” e a “nova” historiografia da ciência: 4. Por exemplo: 1) a “transmissão de ideias escolásticas aos primeiros fundadores da ciência moderna”; 2) a “atitude de Platão para com a matemática” e “os efeitos dessa atitude, na sua forma neoplatônica, sobre a ciência”; 3) o A Revolução das Órbitas Celestes, de Copérnico; 4) as “ideias copernicanas e pré-copernicanas acerca da infinidade do universo”; 5) os “problemas físicos apresentados aos físicos terrestres pela teoria copernicana”; 6) a “mecânica celeste de Kepler”; 7) o “sistema de Borelli”; 8) o “trabalho de Robert Hooke” e sua “relação com Newton”; e 9) o “atomismo de Newton” e a “subestrutura metafísica dos Principia”. 5. “[…] após uma revolução, os cientistas trabalham em um mundo diferente” (Kuhn, [1962] 2001:171).

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O historiador da ciência que examinar as pesquisas do passado a partir da perspectiva da historiografia contemporânea pode sentir-se tentado a proclamar que, quando mudam os paradigmas, muda com eles o próprio mundo. Guiados por um novo paradigma, os cientistas adotam novos instrumentos e orientam seu olhar em novas direções. E o que é ainda mais importante: durante as revoluções, os cientistas veem coisas novas e diferentes quando, empregando instrumentos familiares, olham para os mesmos pontos já examinados anteriormente (Kuhn, [1962] 2001:145).6

Koyré também é mencionado muitas vezes na compilação kuhniana A Tensão Essencial (1977). O autor alude aos trabalhos do historiador quando trata: (i) do experimento do plano inclinado de Galileu (Kuhn, [1979] 2009:229, n. 23); (ii) do uso galileano dos trabalhos de Arquimedes (Kuhn, [1979] 2009:251, n. 54); e (iii) da atitude dos astrônomos setecentista em relação aos dados quantitativos de registros celestes (Kuhn, [1979] 2009:12, n. 260). Contudo, destacamos as passagens nas quais Kuhn reconhece, explicitamente, seus débitos intelectuais com o autor dos Estudos Galileanos (Kuhn, [1979] 2009:12, n. 3). Kuhn menciona que, segundo Koyré, as “novidades essenciais da ciência do século XVII só se compreenderiam se a ciência medieval fosse primeiramente explorada nos seus próprios termos e, depois, como a base de onde a ‘nova ciência’ brotou” (Kuhn, [1979] 2009:139). Essa seria uma das bases da ideia de que a “transformação das ciências clássicas durante a Revolução Científica atribui-se mais adequadamente a novas maneiras de olhar os velhos fenômenos do que a uma série de descobertas experimentais não previstas” (Kuhn, [1979] 2009:73). Ao mesmo tempo, Kuhn seguia as considerações históricas de Koyré acerca da “astronomia e a mecânica de 6. Ver Hoyningen-Huene (2014:76-80) para uma excelente análise dessa ideia. Kuhn desenvolveu a tese da “constituição de mundos” no capítulo IX do A Estrutura das Revoluções Científicas. Nesse capítulo, a obra de Koyré é mencionada duas vezes, ambas relativas aos Estudos Galileanos. Todavia, a passagem kuhniana que afirma que “os cientistas veem coisas novas e diferentes” nos remete, imediatamente, ao capítulo IV da obra Do Mundo Fechado ao Universo Infinito. Discutindo os usos de Galileu para o telescópio, Koyré afirmou que o cientista teria revelado “coisas que nenhum olho humano jamais havia visto, e nenhum intelecto jamais havia concebido” (Koyré, 1957: 90; Koyré, [1957] 2006: 81). A proximidade de tais ideias e expressões de Kuhn e Koyré é aceitável porque o livro de Koyré foi citado por Kuhn ([1962] 2001:73, n 6).

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Newton” (Kuhn, [1979] 2009:142). Todas essas influências levaram Kuhn a considerar Koyré como seu “maître” (Kuhn, [1979] 2009:46). Um último conjunto de referências a Koyré no Tensão Essencial engloba certos traços dessa “nova historiografia” da ciência koyreniana. Kuhn aponta que os estudos de Koyré tornariam a ciência uma “empresa histórica completa” (Kuhn, [1979] 2009:183). A propósito, o filósofo estadunidense destaca que os “homens que mais fizeram para estabelecer a florescente tradição contemporânea da história da ciência […] eram filósofos, antes de se terem voltado para a história das ideias científicas” (Kuhn, [1979] 2009:34). Kuhn compreende essa singularidade partindo do fato dos “novos” historiadores da ciência terem se formado em “escolas continentais”, onde a “divisão entre história e filosofia não é, sem dúvida, tão profunda como no mundo de língua inglesa” (Kuhn, [1979] 2009:168). Portanto, de forma geral, Koyré legitimaria uma compreensão “das ciências individuais” voltada para “o desenvolvimento científico das ideias extracientíficas” (Kuhn, [1979] 2009:58). A despeito dos antagonismos entre as abordagens “institucionais e socioeconômicas” do conhecimento, o pensador franco-russo minimizaria, na opinião kuhniana, “a importância dos aspectos não intelectuais da cultura para os desenvolvimentos históricos que consideram” (Kuhn, [1979] 2009:140). Kuhn voltou a comentar sobre a influência de Koyré em seu pensamento na entrevista biográfica concedida em 1995, incluída na obra póstuma O Caminho desde A Estrutura ([2000] (2006). O entrevistado revelou que o estilo historiográfico praticado por ele aspirava “ler os textos e entrar na mente” dos cientistas do passado (Kuhn, [2000] (2006): 334). A inspiração para esse modo “restrito e peculiar” de analisar a ciência seria, exatamente, Koyré. O autor de A Estrutura das Revoluções Científicas revela que leu os Estudos Galileanos de Koyré “por sugestão de Bernard Cohen” e salienta que o livro koyréano o estimulou a “descobrir quais haviam sido as crenças anteriores” à revolução científica do século XVII. Assim, Kuhn atribuiu ao trabalho de Koyré uma inovadora maneira de conceber a história das ideias científicas: “Mas que você pudesse fazer isso [análise histórica dos conceitos] com a ciência não tinha exatamente me ocorrido, e era isso o que Koyré, em certo sentido, me mostrava”. Kuhn conclui rememorando a favorável acolhida de Koyré relativamente ao livro kuhniano de 1962, sobretudo quan207

to à aproximação entre as “histórias interna e externa da ciência, que no passado estiveram muito separadas”. Entretanto, Kuhn sublinha que, apesar disso, ambos não estreitaram os laços: “não foram as interações pessoais que fizeram diferença” (Kuhn, [2000] (2006):346). Os livros de Kuhn mencionados confirmam a centralidade da obra de Koyré na construção do pensamento de Kuhn.7 No entanto, Kuhn também resenhou obras de Koyré;8 publicou um importante ensaio na coletânea dedicada a Koyré;9 e redigiu o ensaio-resenha intitulado “Alexandre Koyré & the History of Science: On an Intellectual Revolution”. Nesse breve escrito, de 1970, discutiu as mudanças nos estudos historiográficos sobre a ciência tendo como ensejo a coletânea Metaphysics and Measurement (1968), de Koyré.10 O impacto da obra koyreniana na historiografia da ciência se expressaria, em linhas gerais, em um olhar alternativo à dicotomia entre “história das ideias científicas” e “história social da ciência”. Conforme Kuhn, Koyré realizava exegese de fontes primárias, mas tais pesquisas não buscavam por trechos que pudessem “provar” conteúdos “verdadeiros” das teorias. O “empreendimento” koyréano era, segundo Kuhn, “mais problemático” (Kuhn, 1970:69). A compreensão adequada das ideias científicas exigiria circunscrever os conteúdos científicos em seu contexto histórico. Então, o entendimento de uma dada teoria precisaria de um estudo dos “predecessores, contemporâneos e sucessores” da ideia. O ensaio kuhniano insiste, ainda, que a “nova historiografia” abolia descrições gerais do desenvolvimento científico, apostando em estudos “restritos a um período particular”. Mas o ensaio-resenha em questão comporta, por fim, reservas quanto à perspectiva de Koyré. Kuhn destacou que o historiador “tinha pouca simpatia pelos estudiosos os quais almejam explicar o desenvolvimento científico em termos sociais”. E arrematou: “É possível que a ênfase estrita nas ideias tenha sido 7. Não detectamos referências a Koyré em Black-Body Theory and the Quantum Discontinuity: 1894-1912, de 1978. 8. Por exemplo, em 1958, Kuhn resenhou de Koyré: “A Documentary History of the Problem of Fall from Kepler to Newton; de motu gravium naturaliter cadentium in hypothesi terrae motae” e Do Mundo Fechado ao Universo Infinito. 9. “Uma Função para as Experiências Mentais”, de 1964, publicado em L’aventure de l’espirit – Mélanges Alexandre Koyré (Kuhn, [1979] 2009, 277; ver também Kuhn, [2000] 2006, 390). 10. Trata-se de uma coletânea de seis artigos – publicados, respectivamente, em 1943 (caps. I e II), 1960 (cap. III) 1953 (cap. IV), 1955 (cap. V) e 1956 (cap. VI) – que tem a “revolução científica” como temática.

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o pré-requisito para a transformação historiográfica induzida pela obra de Koyré, mas, não obstante, é uma limitação dela”. Trechos e referências espalhadas pelo corpus kuhniano ratificam a tese da dívida intelectual de Kuhn com Koyré. Mas a herança koyreniana do autor de A Estrutura das Revoluções Científicas também foi explorada em pesquisas especializadas. Por exemplo, Hoyningen-Huene (1993) sugere que a ligação de Kuhn com a historiografia de Koyré “remonta ao neokantismo” (Hoyningen-Huene, 1993: xviii). Kuhn consideraria Koyré o “mais importante” representante da “historiografia da ciência do início dos anos 1920 e 1930”, cujas origens estariam no “historicismo do século XIX” (Hoyningen-Huene, 1993:18). Entretanto, a mais expressiva influência koyreniana envolveria um tema metodológico e filosófico específico: a hermenêutica. O comentador aponta que uma “reconstrução historicamente acurada de um sistema conceitual antigo” demanda um considerável “esforço por parte do historiador” (Hoyningen-Huene, 1993:21). O trabalho historiográfico consistiria, portanto, em esmiuçar obras originais “de maneira hermenêutica”. Por sua parte, Kuhn endossaria essa perspectiva ao aceitar estes pressupostos hermenêuticos: (1) um texto é passível de diversas interpretações; (2) nem todas as interpretações possuem igual valor; (3) “maior plausibilidade e coerência” consiste no critério para avaliar interpretações alternativas; (4) o texto mais antigo é o que está mais próximo da melhor interpretação para o leitor moderno; e (5) o aprimoramento da interpretação envolve definir as passagens textuais que parecem mais errôneas, implausíveis e absurdas. Diante disso, HoyningenHuene explica que a visão kuhniana teria se acercado de tais diretrizes metodológicas como meio de entender adequadamente a filosofia natural aristotélica: “Kuhn (re) descobriu a hermenêutica para a história da ciência em 1947, estudando a Física de Aristóteles”. Assim, a herança koyreniana de Kuhn remontaria à aquisição das orientações metodológicas necessárias para proceder um estudo acurado de bibliografias primárias: “Kuhn primeiro encontrou a hermenêutica prioritariamente no trabalho de Alexandre Koyré” (Hoyningen-Huene, 1993:21). De forma similar, Friedman (2003) recorda que os escritos koyréanos auxiliaram Kuhn na recusa do modelo acumulativista de avanço do conhecimento (Friedman, 2003:29). Essa rejeição do cumulativismo situaria Kuhn na “tradição iniciada por Koyré, em seus estudos sobre 209

Galileu publicados inicialmente em 1939 – uma tradição que estabeleceu a história da ciência como uma disciplina autônoma no período imediatamente pós-guerra”. Para o autor do A Estrutura das Revoluções Científicas, o afastamento em relação à crença no progresso contínuo e linear da ciência remontaria à historiografia do século XIX. Dentre outras características, a nova atitude historiográfica primava por um “estudo genético” (fomentado por epistemólogos neokantianos, como Meyerson, a quem Koyré dedicou seus Estudos Galileanos) de conceitos científicos. Destarte, reencontramos a impressão segundo a qual a ideia kuhniana de “reconstrução histórica” das ideias científicas procederia, prioritariamente, de Koyré (Friedman, 2003:30).

Feyerabend leitor de Koyré A presença de Koyré no corpus de Feyerabend também é bastante expressiva, contudo, a relevância e a penetração dela permanecem indeterminadas. O autor de Estudos Galileanos não é mencionado em obras fundamentais de Feyerabend, tais como: Adeus à Razão (1987), Three Dialogues on Knowledge (1991), Matando o Tempo (1996), A Conquista da Abundância (1999) ou The Tyranny of Science (2011). O austríaco também não aludiu a Koyré em qualquer das cartas enviadas a Imre Lakatos – entre 1968 e 1974 (Motterlini, 1999); ou na correspondência com Kuhn – entre 1958 e 1964 (Hoyningen-Huene, 1995, 2006). De forma similar, nenhum dos seminais artigos feyerabendianos publicados nas décadas de 1950 e 1960 mencionam Koyré.11 Aparentemente, o austríaco citou textualmente somente uma única passagem de Koyré – e, ainda assim, em uma obra publicada postumamente. No sexto capítulo da compilação de estudos historiográficos intitulada Naturphilosophie (redigidos entre 1971 e 1976), Feyerabend analisa problemas do mecanicismo nas visões de Newton, Leibniz e Mach, com ênfase na divergência leibniziana com a ideia newtoniana da necessidade de uma “intervenção divina” para 11. Por exemplo: “An Attempt at a Realistic Interpretation of Experience” (1958), “On the Interpretation of Scientific Theories” (1960), “Das Problem der Existenz theoretischer Entitäten” (1960), “Explanation, Reduction and Empiricism” (1962), “Problems of Microphysics” (1962), “How to Be a Good Empiricist” (1963), “Realism and Instrumentalism: Commensts on the Logic of Factual Support” (1964), “Reply to Criticism. Comments on Smart, Sellars, and Putnam” (1965), “On the Improvement of the Sciences and Arts, and the Possible Identity of the Two” (1967), “On a Recent Critique of Complementarity: Part I/II” (1968-1969) ou “Outline of a Pluralistic Theory of Knowledge and Action” (1969).

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o movimento do cosmos. Nesse contexto, Feyerabend cita a seguinte passagem de Koyré (retirada da versão alemã de Do Mundo Fechado ao Universo Infinito, lançada em 1964): O deus de Newton age no mundo como o Deus bíblico nos primeiros seis dias da Criação e esta ação é necessária para manter o cosmos. Mas o Deus de Leibniz e de Descartes é ‘o Deus bíblico no sábado, o Deus que terminou sua obra e a quem ela parece boa, mais ainda, o melhor de todos os mundos possíveis’ (Koyré, 1957: 217) (Feyerabend, 2009a:307).12

As demais alusões a Koyré nas páginas feyerabendianas trazem, basicamente, indicações bibliográficas. Em 1970, no artigo “Classical Empiricism”, Feyerabend remeteu aos Newtonian Studies (1966:269), de Koyré. O contexto da referência é a discussão acerca da origem e da influência metodológica da Regra IV (“Hypotheses non fingo”) da filosofia natural de Newton (Feyerabend, 1981b: 42). Exatamente a mesma referência consta no artigo “On the limited validity of Methodological Rules”, de 1972 (Feyerabend, 1999: 139). Nesse instrutivo trabalho, Feyerabend menciona também o livro Metaphysics and Measurement (1968:89 e segs), de Koyré. Ao considerar o contexto geral do ‘caso Galileu’, indica o capítulo IV “An Experiment in Measurement”, de 1953. No livro de 1978, A Ciência em uma Sociedade Livre, Feyerabend se referiu a Do Mundo Fechado ao Universo Infinito (também na edição alemã de 1964), ao debater a influência da religião na física de Newton: “A Bíblia ainda desempenhava um papel importante para Newton, que usou tanto a obra em si quanto a palavra divina para explorar os planos de Deus” (Feyerabend, 2011:57, n. 26). Todavia, quando voltamos nossa atenção para a obra mais conhecida de Feyerabend, o polêmico Contra o Método, o cenário adquire contornos mais complexos. Na primeira edição do livro, de 1975, existem, fundamentalmente, quatro referências à obra de Koyré – todas em notas de 12. A passagem no original inglês difere parcialmente da citada por Feyerabend: “[…] o Deus de Leibniz não é o Senhor newtoniano que cria o mundo conforme quer e permanece agindo nele como fez o Deus bíblico nos seis primeiros dias da Criação. Seguindo nessa analogia: Ele é o Deus bíblico no Sabá, o Deus que concluiu os trabalhos e os julgou bons, ou seja, o melhor dos mundos possíveis, e quem, portanto, não mais age sobre ele, ou nele, mas unicamente conserva e preserva a existência do mundo” (Koyré, 1957: 240-241; ver tradução da edição brasileira em Koyré, [1957] 2006: 212-213).

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rodapé. A primeira (capítulo VII) retorna ao Metaphysics and Measurement para discutir o tema do suporte factual do geocentrismo. Feyerabend usou essa obra para destacar que “o problema não se presta facilmente a uma solução experimental. Experimentos foram feitos, mas ficaram longe de ser concludentes” (Feyerabend, [1975] 1977:137, n. 19). A segunda (capítulo VIII) envolve a análise dos argumentos dinâmicos contrapostos à ideia do movimento da Terra. O austríaco lança mão dos Estudos Galileanos como fonte para “um exame das reações diante das dificuldades físicas oferecidas pelo movimento da Terra” (Feyerabend, [1975] 1977:148). A terceira (capítulo XII) repete essa mesma indicação (Feyerabend, [1975] 1977: 251, n. 12). Aqui, o autor de Contra o Método entende que as considerações de Koyré sobre Galileu mostram como a “propaganda é fundamental” para “despertar o interesse” da comunidade científica em relação a ideias carentes de um “estreito ajustamento ao empírico” (Feyerabend, [1975] 1977:241-242). Por fim, a quarta (capítulo XVII) concerne a uma discussão sobre a teoria do impetus, sobretudo quanto à questão da existência de uma causa para o movimento inercial (Feyerabend, [1975] 1977: 434, n. 136). Para fundamentar sua leitura, Feyerabend retoma o primeiro texto dos Newtonian Studies (“The Significance of the Newtonian Synthesis”), a respeito da formulação newtoniana para a primeira lei do movimento: A transformação do conceito de movimento, substituindo o conceito empírico pelo conceito matemático hipostasiado, é inevitável, quando temos de submeter o movimento ao número para lidar com ele matematicamente, para construir uma física matemática. Mas isso não basta. Inversamente, a própria matemática tem de ser transformada; haver conseguido essa transformação foi o mérito imorredouro de Newton. As entidades matemáticas têm de ser, em certo sentido, aproximadas da física, submetidas ao movimento e vistas não em seu ‘ser’, mas em seu ‘devir’ ou em seu ‘fluxo’ (Koyré, 2002: 89; Koyré, 1965: 10).

Apenas duas dessas referências a Koyré (especificamente, aquelas incluídas nos capítulos VII e XII da edição de 1975 do livro) permanecerão nas reedições (em 1988 e 1993) do Contra o Método. Com efeito, esses comentá-

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rios – adicionalmente a passagens incidentais que citam Koyré13 – impedem uma admissão inadvertida daquela tese da dívida intelectual de Feyerabend com Koyré. Preston (1997) tentou preencher essa lacuna interpretativa.14 Segundo ele, “Feyerabend é considerado como um dos membros da nova escola de filósofos historiadores da ciência que floresceu após a derrocada do Positivismo Lógico” (Preston, 1997: 6). A história usual indicaria que, entre 1920 e 1950, as reflexões epistemológicas teriam sido dominadas por uma abordagem analítica. Os componentes do Círculo de Viena e da escola de Karl Popper entenderiam a atividade científica como “produtos intelectuais” cujo desenvolvimento poderia ser racionalmente reconstruído logicamente. A leitura prestoniana sublinha que a tradição analítica predominou até meados do século XX, quando a “nova escola de historiadores” teria “renovado os estudos históricos da ciência”. A transformação da historiografia da ciência remontaria, em primeiro plano, aos estudos de P. Duhem; e, posteriormente, às abordagens de A. Koyré, H. Butterfield e V. Ronchi. O principal impacto epistemológico dessa mudança, porém, ocorreria somente após a aparição de um “novo grupo” de filósofos interessados em uma “imagem mais acurada da ciência”. Naturalmente, Kuhn e Feyerabend seriam expoentes daquele novo grupo. Contudo, o comentador reconhece: “no que concerne a Feyerabend, isso é, ao menos em parte, um mito”. Afinal, a gênese da carreira de Feyerabend (nos anos 1950) traria uma investigação detalhada dos fundamentos da mecânica quântica. A reputação de Feyerabend como um daqueles filósofos-historiadores teria, pois, uma origem específica: “algumas observações que ele [Feyerabend] fez, em seus escritos iniciais, foram, originalmente, extraídas ou inspiradas por historiadores que, efetivamente, 13. “A propósito posso citar a opinião de Alexandre Koyré. Em conjunto com outros historiadores da ciência como Burtt, Kuhn e Sabra, Koyré sustenta que a ciência e a lógica não coincidem, em absoluto, quando as coisas são consideradas sob a ótica histórica” (Feyerabend, 2012: 77). 14. Dissakè (1999:28,50) escreveu que Feyerabend utilizou das “lições fornecidas pela história da ciência contemporânea” para erigir suas propostas epistemológicas. Assim, Koyré seria um dos “mais representativos” historiadores da ciência a influenciar o autor de Contra o Método. Por sua parte, Silva (1998: 221, 226) recorreu à obra de Koyré para reconstruir as considerações históricas que, em 1962, Feyerabend elaborou em favor da incomensurabilidade de teorias. Em Abrahão (2009) também seguimos essa questionável linha expositiva, que, no entanto, traz vantagens didáticas.

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foram membros da nova escola” (Preston, 1997:7). A opinião prestoniana sinaliza que “apenas gradualmente, em partes, e mesmo tardiamente em sua carreira, Feyerabend se tornou um genuíno filósofo ‘histórico’ da ciência”. Ademais, conforme assevera o excerto abaixo, o estudioso considera que o próprio uso feyerabendiano da expressão ‘revolução científica’ seria (i) idêntico ao presente em Kuhn e (ii) procederia diretamente da perspectiva historiográfica de Koyré, para quem uma mudança científica significa uma reconstrução de padrões científicos: Feyerabend tomou esse termo [‘revolução científica’] dos novos historiadores da ciência. O termo foi originalmente aplicado a um evento singular, ‘a’ revolução científica (localizada por Koyré no século dezessete, por Butterfield no período de 1300 a 1800). Kuhn explicitamente ampliou o conceito, aplicando-o a eventos diferentes na história da ciência. Para ele e Feyerabend, uma revolução científica é um evento no qual antigos padrões de pensamento são totalmente derrubados e a atividade intelectual é reconstruída a partir de seus fundamentos. Para tais filósofos, tais eventos são os mais importantes na história do pensamento (Preston, 1997: 51).

Em 1957, Kuhn lançou o estudo histórico A Revolução Copernicana.15 Em alguma medida, tal título já o conectava à tradição historiográfica voltada para descontinuidades categoriais e rupturas conceituais/explicativas na história das ideias (Kragh, 1987:16-19).16 Naturalmente, na composição do livro de 1962 – e mesmo em trabalhos posteriores –, Kuhn empregou diversos textos historiográficos de Koyré.17 Como vimos, Feyerabend também 15. Já em 1947, Kuhn havia entrado em contato com o conceito de “revolução científica” como um modo de descrever mudanças científicas (Kuhn, [1979] 2009: 15). Posteriormente, o preceito de mudanças científicas “revolucionárias” se converteu em uma das teses basilares do livro kuhniano de 1962, quando afima: “após uma revolução, os cientistas trabalham em um mundo diferente” (Kuhn, [1962] 2001: 171). 16. Kuhn também utilizou historiadores de orientação “continuísta”, como A. C. Crombie (Augustine to Galileo, 1952), G. Sarton (Introduction to History of Sciences, 1927-47; A History of Science: Ancient Science Through the Golden Age of Greece, 1952; Ancient Science and Modern Civilization, 1954) ou P. Duhem (Le Système du monde, 1913-54). Ver Kuhn ([1957] 1990: 301-303). 17. Temos em vista estes textos: “Galileu and Plato” (1943), “Galileu and the Scientific Revolution of the Seventeenth Centure” (1943), “Some General Aspects of Physics in the

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estava plenamente familiarizado com os trabalhos de Koyré.18 No entanto, tal congruência bibliográfica não justifica presumir uma coincidência das perspectivas historiográficas de Kuhn e Feyerabend. Incontestavelmente, o autor de Contra o Método conhecia de perto a visão ‘revolucionária’ do desenvolvimento científico (Feyerabend, 1981a: 182, n. 14, 318, n. 53, 324, n. 66). Também sabemos que ele utilizou as expressões ‘revolução científica’ e ‘Revolução Copernicana’ em seus escritos.19 Entretanto, nas páginas feyerabendianas, elas aparecem, com frequência, precedidas pela atenuadora fórmula “a assim chamada…” ou grafadas entre aspas (por exemplo, a “Revolução Copernicana”) (ver Feyerabend, [1993] 2007: 80, n.20, 120, n.2, 201, 206). O austríaco também expressava profundas reservas com relação às derivações mais radicais das narrativas revolucionárias do avanço científico (ver Feyerabend, 1981b. cap. VIII; Hoyningen-Huene 2014a). Assim, em 1991, ele colocou em discussão – em um dos seus diálogos filosóficos – a tese (kuhniana) segundo a qual as “passagens entre diversas formas de pensamento revolucionam os critérios, os princípios e tudo o mais” (Feyerabend, 2001: 29).20 Partindo exatamente do episódio da revolução copernicana, o personagem Charles – que encarnaria algumas das opiniões feyerabendiaMiddle Ages” (1948), “Le vide et l’espace infini au XIV siècle”, “The Significance of the Newtonian Synthesis” (1950) e “La gravitation universelle, de Kepler à Newton” (1951), além dos clássicos Estudos Galileanos (1939) e Do Mundo Fechado ao Universo Infinito (1957). Tais escritos de Koyré se repetem em outras obras kuhnianas. Por exemplo: (a) Estudos Galileanos: no “Prefácio”, 10, n. 1; cap. VI, 95, n. 2 – que cita, adicionalmente, o “A Documentary History of the Problem of Fall from Kepler to Newton” (1955); e cap. IX, 159, n. 15, 17 de A Estrutura das Revoluções Científicas; “Prefácio” n. 3, cap. III, 73, n. 16; cap. VIII, 229, n. 23; cap. VIII, 251, n. 54 – onde também cita “An Experiment in Measurement” (1953) –, em A Tensão Essencial; ou (b) Do Mundo Fechado ao Universo Infinito: no cap. IV, 73, n. 6 do A Estrutura das Revoluções Científicas. 18. A exemplo dos livros koyréanos de 1939 e 1953, o artigo sobre a síntese newtoniana e “An Experiment in Measurement” (1953). 19. “Um passo decisivo no desenvolvimento da ciência foi a chamada revolução científica dos séculos dezesseis e dezessete” (Feyerabend 1999: 119; Feyerabend, 1981b: 220-225; ver também Feyerabend, 1999: 127, 194, 196, 206); ou: “Muitas diferentes personalidades, profissões e grupos guiados por crenças diferentes e sujeitos a restrições diferentes contribuíram para o processo do que agora está sendo descrito, um tanto sumariamente, como a ‘Revolução Copernicana’” (Feyerabend, [1993] 2007: 194; ver também páginas 19, 37, 71, 204, 292). 20. Sobre a “filosofia da conversão” subjacente a certas concepções historiográficas revolucionárias, ver Kuhn ([1962] 2001:191). Uma resposta feyerabendiana mais elaborada a essa perspectiva pode ser encontrada em Feyerabend ([1999] 2006: 352), discutida em Abrahão (2013: 178-179).

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nas – anunciou: “Não houve, aqui, uma mudança completa do ‘sistema’ […] Não, as coisas não podem ser tão simples” (Feyerabend, 2001:29-30; ver também Feyerabend, [1999] 2006:351-353). Por isso, diferentemente de Kuhn, vemos que Feyerabend não endossou todas as implicações de uma visão revolucionária da história da ciência à la Koyré. Inclusive porque Feyerabend jamais aspirou ser um historiador da ciência (ver HoyningenHuene, 2006:619, 622).21 Em vez disso, ele buscava por exemplos históricos como uma forma de “dar lastro” à defesa da tese filosófica da inexistência de “padrões e elementos estruturais para todas as atividades científicas”. O suporte factual não conseguiria, por si, estabelecer a posição epistemológica, mas somente torná-la “plausível” (Feyerabend, [1993] 2007:20). Preston (1997) exprimiu que algumas ideias feyerabendianas foram “extraídas ou inspiradas” na nova escola de filósofos historiadores da ciência vinculada a Koyré. Essa filiação acarretaria um distanciamento da abordagem analítica da filosofia da ciência típica do Positivismo Lógico. Primeiro, o comentador não oferece evidências textuais que suportem tal interpretação. Segundo, a lista de historiadores da ciência citados por Feyerabend é mais extensa do que a apresentada pelo estudioso: além de P. Duhem, A. Koyré, H. Butterfield e V. Ronchi, o autor de Contra o Método recorreu bastante às pesquisas de M. Clagett, I. B. Cohen, R. S. Westfall, M. Jammer, I. Sabra, S. F. Mason, M. Panofsky e outros (Feyerabend, 1999:94-96; Feyerabend, 2009b: 109; Feyerabend, [1993] 2007:51; Feyerabend, 1996:148; Feyerabend, 1981b:40-41). Terceiro, e mais importante, não é consensual a leitura segundo a qual as ideias feyerabendianas foram “extraídas ou inspiradas” de uma tradição que emergiu após a “derrocada do Positivismo Lógico”. Em contraposição a isso, Stadler (2006) se empenhou em reconstruir as raízes austríacas da obra feyerabendiana. Nessa mesma direção, destacamos que umas das referências fundamentais de Feyerabend sobre a própria Revolução Científica advém do cerne do Empirismo Lógico: o matemático, físico e filósofo vienense Philipp Frank (Feyerabend, [1993] 2007:343-344; Feyerabend, [1978] 2011:139; Feyerabend, 1996:110-111; ver também Stadler, 2001:631-636; Stadler, 2008:15). Então, a origem das considerações históricas feyeraben21. Aqui, partilhamos da opinião expressa por Victor Gijsbers.

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dianas sobre a defesa galileana do sistema de Copérnico não remontaria a Koyré, mas à lição histórica aprendida, ainda nos anos 1950, com aquele membro do Círculo de Viena: [Philipp Frank] elaborou uma exposição da ‘revolução copernicana’ que, apesar de simplista e linear, defrontava grande parte das concepções usuais. Frank argumentou que a dinâmica de Aristóteles estava mais próxima à experiência do que a (sempre incompleta) ‘dinâmica’ de Galileu; discutiu os argumentos físicos que se podiam oferecer a favor da imobilidade da Terra e nos deixou com o problema de conciliar Copérnico com a experiência. Tudo isso nos parece, hoje, muito trivial, mas não devemos esquecer que, no entanto, até pouco tempo, se renegava Aristóteles e se louvava Galileu sem que se conhecessem profundamente as conquistas de nenhum desses pensadores, e devemos ter claro que a revolução copernicana ainda carece de uma exposição satisfatória. Naquele tempo, minha única reação foi de espanto. A lição de Frank se impôs muito lentamente (Feyerabend, 2009b: 133).

Dois Críticos da concepção empirista Os apontamentos das seções acima evidenciaram elementos da dívida intelectual de Kuhn com Koyré, bem como mostraram que o débito de Feyerabend com o autor dos Estudos Galileanos permanece rodeado por incompreensões. No geral, tais constatações ajudam a enfraquecer o alcance do pressuposto relativo à centralidade e similaridade da obra de Koyré nas propostas de Kuhn e Feyerabend. Contudo, percebemos a existência de vínculos entre os trabalhos de Koyré e Feyerabend.22 A original e, ao mesmo tempo, textualmente defensável alternativa interpretativa que aventamos recupera a leitura de ambos acerca das contribuições de Galileu para a Revolução Científica do século XVII. Reconhecido o papel da lição frankiana na compreensão feyerabendiana sobre o tema, indicamos que a historiografia de Koyré ocupa um lugar destacado na visão do austríaco quanto à relação entre as inconsistências empíricas da nova dinâmica de 22. Fuller (2005: 107-108) e Finnochiaro (2010) também analisaram as ideias de Koyré e Feyerabend.

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Galileu e a fundação da ciência moderna.23 Revisitando as principais menções a Koyré no corpus feyerabendiano – sobretudo as incluídas no Contra o Método –, localizamos o historiador franco-russo como base para duas importantes teses historiográficas adotadas por Feyerabend: 1.

A discussão sobre a justificação da ciência moderna não foi rematada com o recurso a experimentos que atestaram a validade das novas ideias.24 2. Galileu empregou táticas publicitárias (‘propaganda’) no intuito de enfraquecer obstáculos (psicológicos e conceituais) antepostos à astronomia copernicana.25 23. Uma descrição introdutória da leitura de Philipp Frank sobre a revolução copernicana pode ser encontrada no capítulo XIII da obra Modern Science and Its Philosophy (1949). Esse capítulo, no entanto, corresponde ao artigo “The Philosophic Meaning of the Copernican Revolution” que Frank publicou em 1944. Frank defende que existem dois critérios fundamentais de cientificidade: “adequação aos fatos” e “adequação a princípios filosóficos”. Ele afirma que o desenvolvimento da ciência moderna consiste em um esforço por alcançar uma teoria unificada desses princípios, mas aponta a falha em cumprir essa tarefa. Nesse sentido, a “revolução copernicana” não seria mais do que um “primeiro passo” no sentido de uma “serie de revoluções as quais tiveram seu ponto máximo” no estabelecimento de uma “ordem democrática do Universo no qual todos os corpos celestes ocupam uma porção igual” (Frank, 1944: 386). Vale ressaltar, no entanto, que no texto “Influence of Philosophic Trends on the Formulation of Scientific Theories” o próprio Koyré discutiu diretamente com Frank acerca da questão da validação das teorias científicas, tema que Frank havia abordado, em dezembro de 1953, na conferência “Validation of Scientific Theories” no encontro anual da American Association for the Advancement of Science, Boston, Massachusetts (ver Stadler, 2001: 635). Os respectivos textos de Koyré e Frank foram originalmente publicados nas edições da revista The Scientific Monthly (1954/1955), e, em seguida, foram compilados no volume The Validation of Scientific Theories, editado por Frank. O empirista lógico discorda da opinião segundo a qual a aceitação de teorias deve seguir o critério do “acordo das teorias com os fatos”. Segundo ele: “Nunca ocorreu que todas as conclusões extraídas de uma teoria científica concordaram com todos os fatos observáveis” (Frank, 1956:8). Frank assinala a existência de outros parâmetros de avaliação de teorias, entretanto, aponta que o estabelecimento dos limites desses parâmetros epistêmicos envolve uma “escolha” que coloca os cientistas “para além dos limites da ciência física” (Frank, 1956:9). Enfim, Frank considera que a “efetiva aceitação de teorias pelos humanos sempre esteve comprimida entre o uso tecnológico e social da ciência” (Frank, 1956:16). Essa tensão seria o “fator determinante na história da ciência como atividade humana”. Por sua parte, Koyré (1956:192) concorda com Frank quanto à ideia de que a aceitação de teorias não se reduz a considerações de “valor técnico”, envolvendo “uma série de outros fatores”. Contudo, o historiador franco-russo considera que a visão frankiana negligencia a relevância do “escopo filosófico das teorias conflitantes”. Por sua parte, Koyré argumenta que esse elemento filosófico exerce uma função central no “desenvolvimento” científico. 24. Feyerabend se baseia no ensaio “Uma Experiência de Medida” (1953). 25. Feyerabend se baseia no livro Estudos Galileanos (caps. 3-4, volume I). Nossa exposição parte de ideias similares concentradas em Koyré (1953).

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A) Duas teses historiográficas de Koyré A primeira tese historiográfica contesta a visão empirista segundo a qual a “essência e a estrutura” da ciência moderna residem no “caráter empírico e concreto” (Koyré, 1953:222). Tal perspectiva afirma que a pesquisa baseada na “observação e na experiência” refutaria dogmas (científicos e filosóficos) da tradição pré-copernicana. De um lado, Koyré reconhece que uma “considerável fecundidade da experiência e da observação direta” levou ao incremento do “número de ‘fatos’” disponíveis. Mas, por outro lado, defende que a “mera acumulação de um certo número de fatos” não caracteriza plenamente a ciência moderna. O historiador baseia essa crítica na ideia de que os fatos em questão “precisam ser ordenados, interpretados, explicados”. O estabelecimento de uma ciência exigiria, pois, a disposição das experiências no interior de um sistema explicativo: “o conhecimento dos fatos se torna uma ciência apenas quando é submetido a um tratamento teórico”. Koyré também aponta que “a observação e a experiência” tiveram uma “reduzida participação na edificação da ciência moderna”. Ele pondera que a observação e a experiência do senso comum foram, pelo contrário, “obstáculos” para a nova ciência. Então, o elemento que teria promovido a “revolução espiritual” do século XVII seria a experimentação: “O empirismo da ciência moderna não reside na experiência; ele é experimental”. Nesse caso, deparamo-nos com a distinção conceitual entre experiência e experimento. O primeiro conceito corresponderia às “observações do senso comum, rudimentares”; o segundo traria a demanda pela “elaboração de uma teoria”. O “experimento” precisaria de uma “pergunta feita à natureza” a partir de uma “linguagem na qual é formulada”: “A experimentação consiste em um processo teleológico cujo fim é definido pela teoria”. A partir disso, Koyré acrescenta que o “padrão de pensamento” típico da ciência moderna é matemático. A ciência moderna introduziria uma profunda transformação nos padrões epistêmicos e, por conseguinte, nos quadros conceituais da ciência: o “sistema de conceitos flexíveis e semiqualitativos” do senso comum e do pensamento aristotélico é substituído pela busca de “acurácia quantitativa” em um “Universo de medida e de precisão” (Koyré, 1953:223). Porém, essa mudança levaria a uma “situação paradoxal” no nascimento da ciência moderna: aspira-se a precisão matemática como princípio da expe219

rimentação científica, contudo, os “meios instrumentais” para se aproximar dos fatos evidenciavam apenas uma validade bastante aproximada, grosseira e imperfeita. Os percussores da ciência moderna tinham “conhecimento das leis matemáticas exatas”, entretanto, enfrentavam a “impossibilidade de aplicá-las” (Koyré, 1953: 233). Koyré conclui, então, que a aceitação das “novas ideias” científicas dos séculos XVII, e sua correspondente transformação no “sistema de pensamento”, não seria um mero efeito do recurso a “experimentos”. A segunda tese historiográfica concorda com essa leitura ao afiançar que o caminho até a emergência da ciência moderna foi “longo” e atravessado por várias “dificuldades” (Koyré, 1943: 333). Koyré menciona uma luta “sem tréguas” travada com o objetivo de suplantar obstáculos de diversos tipos, não apenas empíricos. Os “instrumentos e ferramentas” necessários para superá-los foram forjados apenas “lenta e progressivamente”. Consoante à máxima koyreniana: “A ciência moderna não surgiu perfeita e completa”. Segundo Koyré, essa “longa e arrebatadora história” da revolução científica do século XVII envolveu, em larga medida, a introdução e a fundamentação da noção de movimento inercial. O historiador da ciência relembra que a física aristotélica é “não matemática”, mas baseada na “percepção sensível” (Koyré, 1943:338). Os “dados da experiência comum” não poderiam, então, ser compreendidos por uma simples “abstração geométrica”. O “domínio eterno das figuras e dos números” não explicaria o “processo de mudança”. Ele mostra que Aristóteles concebia o processo de movimento como oposto ao estado de repouso. Logo, toda mudança se orientaria para a imobilidade, e apenas uma “violência” externa tiraria o corpo de seu estado “natural” de repouso. Por conseguinte, o “processo de mudança” não poderia se prolongar “espontânea e automaticamente” (Koyré, 1943:339). Todo movimento precisaria de uma causa externa para ocorrer e, uma vez desfeito esse contato com o motor, o objeto voltaria ao estado de repouso.26 Vemos de que modo, na reconstrução koyreniana, a física aristotélica conceberia um “tipo de movimento que é postulado pelo princípio da inércia” como algo “absolu26. Para uma visão geral de tais traços da teoria do movimento de Aristóteles, consultar os seguintes trechos da Física: IV, 8, 215a 15-20; VII, 4, 241b 24; VIII, 4, 255b 30; VIII, 4, 266a 5.

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tamente impossível e até mesmo contraditório”. Koyré salienta também que as objeções pré-copernicanas à hipótese do movimento da Terra partiam de princípios aristotélicos arraigados no senso comum.27 O historiador franco-russo acrescenta que somente a “consumada habilidade” de Galileu teria forças para contornar as críticas filosóficas e físicas ao modelo heliocêntrico. Especificamente, os “inimigos poderosos” do cientista italiano foram a autoridade de Aristóteles, a tradição medieval e o senso comum. A propósito, Koyré resume: “É inútil, por exemplo, apresentar provas a intelectos inaptos a apreciar o valor delas” (Koyré, 1943:345). Galileu teria buscado “educar” os anticopernicanos, mas o processo de formação de uma “nova mentalidade” científica não seria um processo espontâneo: “É preciso avançar lentamente, um passo por vez” (Koyré, 1943:346). Por isso, Galileu “discutiu e rediscutiu velhos e novos argumentos”, tentou apresentá-los “de diversas maneiras”. Além disso, Galileu “multiplicou os exemplos” e inventou situações “inusitadas e mais persuasivas” do que as disponíveis à época. Koyré insiste que somente com procedimentos desse tipo Galileu lograria êxito em tornar plausível uma ideia aparentemente “paradoxal” e “incomum”. Isso mostra que, ao invés de justificar a “nova ciência” seguindo a “percepção dos sentidos”, Galileu se empenhou em “pensar” a questão do movimento do planeta. Portanto, Koyré reforça a tese de que a base da ciência moderna não estaria na experiência. A defesa galileana do “princípio da relatividade física do movimento” não faria “qualquer apelo à experiência”. Para Galileu, resume Koyré, a “boa física é feita a priori” (Koyré, 1943:347). Galileu recuperaria a premissa epistemológica platônica segundo a qual o conhecimento das coisas verdadeiras residiria “em nossa alma”. E essa filiação sustentaria filosoficamente a admissão de provas “pura e estritamente” numéricas para questões concretas e físicas, o que aponta como a fundação da “nova física” não teria envolvido uma refutação do “mundo qualitativo da percepção”.

27. O Argumento da Torre afirma que objetos em queda em direção ao solo de um planeta em rotação são projetados no sentido oposto ao do movimento do planeta. Porém, como observamos um deslocamento perpendicular em direção ao centro da Terra, logo a tese da mobilidade do planeta se mostraria incorreta.

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B) Galileu “embusteiro” No Contra o Método, Feyerabend discute o exemplo de Galileu como “ilustração concreta” de uma tese epistemológica: a prática científica violou e deve violar regras metodológicas universais (Feyerabend, [1993] 2007:90; Feyerabend, [1978] 2011:19).28 Prioritariamente, o austríaco debate o caso pretendendo criticar o ditame metodológico empirista segundo o qual a experiência (a “adequação aos fatos”) determina a seleção entre teorias concorrentes. Em linhas gerais, o austríaco analisa como o cientista italiano teria “desarmado” o famoso Argumento da Torre e, assim, contornado a incompatibilidade entre o modelo cosmológico heliocêntrico e a explicação tradicional da cadência dos corpos: “Sugiro que o que Galileu fez foi permitir que teorias refutadas se apoiassem mutuamente; que ele construiu dessa maneira uma nova concepção de mundo” (Feyerabend, [1993] 2007:175). Feyerabend considera que o passo inicial de Galileu consiste na tentativa de revelar e substituir os pressupostos semânticos incorporados ao “conteúdo sensorial da observação” impregnado na mentalidade científica e popular da época. Aos olhos de Galileu, a interpretação natural tradicional relativa à queda dos corpos era correta em termos perceptuais, mas não habilitava uma desqualificação da hipótese da mobilidade da Terra. Feyerabend explica que, nesse caso, “o enunciado sugerido pela impressão é examinado, e consideram-se outros enunciados em seu lugar. A natureza da impressão não é alterada em nada por esse procedimento” (Feyerabend, [1993] 2007: 92). Mas essa crítica dos “componentes conceituais” associados a um núcleo sensorial exigia “examinar a validade daquelas interpretações” estreitamente “ligadas às aparências”, além de apreciar o caráter “composto” do movimento (Feyerabend, [1993] 2007:94). Assim, o cientista italiano distinguiu entre: 28. Restringimos nossa exposição aos capítulos VI a XI da terceira edição do Contra o Método, os quais diferem dos respectivos capítulos da edição de 1975. Note-se que Feyerabend dedica ao menos oito capítulos do livro (no total de vinte capítulos) para discutir o que genericamente pode ser chamado de “caso Galileu”. Tomando como referência a 3ª edição inglesa do Contra o Método, o autor redige sobre o tema cerca de 84 páginas, acompanhadas de 181 notas de rodapé. Mas Feyerabend também discutiu as contribuições de Galileu para a revolução copernicana em outros trabalhos: A Ciência em uma Sociedade Livre (Parte I, seção 5), Adeus à Razão (cap. IX), The Tyranny of Science (cap. II) “Machamer on Galileo” (1974), “Galileo’s Observations” (1980), “Galileo as a Scientist” (1981) e “Der Galileiprozess – einige unzeitgemässe Betrachtungen” (1983).

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(i) o perceptível movimento relativo de queda vertical em direção ao centro da Terra (expresso pelo princípio de relatividade do movimento) e (ii) o imperceptível movimento absoluto compartilhado pela Terra, a torre, a pedra, o observador etc. Tal separação galileana entre o caráter relativo e o caráter absoluto do movimento pressupõe, contudo, uma diferença entre a compreensão tradicional do fenômeno e o próprio fenômeno. “Movimento aparente e movimento real nem sempre são identificados”, diz Feyerabend ([1993] 2007: 96). Isso implicaria, de fato, em uma nova interpretação natural para a queda dos graves: Se uma interpretação natural causa dificuldades para uma concepção atraente, e se sua eliminação remove a concepção do domínio da observação, então o único procedimento aceitável é utilizar outras interpretações e ver o que acontece. A interpretação que Galileu recoloca os sentidos em sua posição de instrumentos de exploração, mas apenas com respeito à realidade do movimento relativo […] O primeiro passo de Galileu, em seu exame conjunto da doutrina copernicana e de uma interpretação natural familiar, mas oculta, consiste, portanto, em substituir esta última por uma interpretação diferente. Em outras palavras, ele introduz uma nova linguagem observacional (Feyerabend, [1993] 2007: 99-100).

Galileu teria tentado validar a noção de movimento compartilhado elaborando duas ideias: (1) o pressuposto epistemológico – o movimento compartilhado é sempre conhecido, mesmo que não percebido; e (2) o princípio dinâmico – objetos conservam o movimento se não houver intervenção que cause o repouso. Então, para legitimar a tese do movimento rotacional da Terra, Galileu buscou tanto formular como conjugar duas noções carentes de suporte experimental: o princípio de relatividade do movimento e o princípio da inércia circular – o qual estabeleceria que um objeto que se move ao redor do centro da Terra com velocidade angular em uma esfera livre de atrito continuará a mover-se para sempre com essa mesma velocidade angular (Feyerabend, [1993] 2007:113-114). Entretanto, postulação de movimentos parabólicos imperceptíveis e movimentos circulares perpétuos é ad hoc e independente de qualquer teoria factualmente embasada. “A ‘experiência’, 223

isto é, a totalidade de todos os fatos de todos os domínios, não é capaz de forçar-nos a realizar a mudança que Galileu deseja introduzir”, comenta Feyerabend ([1993] 2007:111). E complementa: “É uma sugestão nova e ousada, envolvendo um enorme salto de imaginação” (Feyerabend, [1993] 2007:115). Então, o Contra o Método insiste que a fundamentação da ciência galileana não derivou de “experiências”, mas de “sofisticadas especulações” (Feyerabend, [1993] 2007:117). A substituição galilena das interpretações naturais teria lançado mão de ideias “absurdas e contra indutivas” (Feyerabend, [1993] 2007:103). Nesse caso, Galileu não teria utilizado de demonstrações e argumentos para justificar as novas ideias científicas. Feyerabend encerra: “Galileu usa propaganda. Usa truques psicológicos, além de quaisquer razões intelectuais que tenha a oferecer. Esses truques são muito bem sucedidos: conduzem-no à vitória”. O autor do Contra o Método avalia que Galileu empregou expedientes retóricos (analogias, experimentos de pensamento, esboços de desenhos etc.) para “enfraquecer velhos hábitos” (Feyerabend, [1993] 2007:119). “Essa é a essência do artifício de Galileu”, ele afirma ([1993] 2007:107). O paradigmático exemplo do objeto em queda do alto do mastro de um navio funcionaria, exatamente, nesse sentido, isto é, oferece uma analogia que possibilita a introdução da nova base empírica para o antigo argumento contrário à ideia de mobilidade da Terra: “[Galileu] nem aponta fatos novos que oferecem apoio indutivo à ideia da Terra em movimento, nem menciona nenhuma observação que refutaria o ponto de vista geocêntrico”. Feyerabend conclui deste modo essa etapa de sua leitura sobre as estratégias de Galileu referentes aos pressupostos semânticos incorporados à visão tradicional da cadência dos corpos: “Uma experiência que parcialmente contradiz a ideia do movimento da Terra é transformada em uma experiência que a confirma, pelo menos no que diz respeito às ‘coisas terrestres’. Isso é o que realmente acontece” (Feyerabend, [1993] 2007:110). A “nova espécie de experiência” inventada por Galileu envolveria um nível de especulação (e de “ingredientes metafísicos”) muito superior ao contido na experiência segundo aristotélicos e o senso comum (Feyerabend, [1993] 2007:116). Portanto, a propaganda seria indispensável para tornar aceitáveis as novas ideias, e tais procedimentos retóricos seriam parte da racionalidade dos processos que 224

produzem grandes mudanças conceituais: “o ‘embuste’ de Galileu era necessário para um entendimento apropriado da nova cosmologia” (Feyerabend, [1993] 2007:117, n. 22). Uma parte adicional da leitura feyerabendiana sobre Galileu concerne à produção e ao uso do telescópio (e a crítica na confiabilidade dos sentidos ordinários): “O telescópio elimina o conflito ‘ainda mais evidente’ entre as mudanças no brilho aparente de Marte e Vênus, tal como predito com base no esquema copernicano e tal como visto a olho nu” (Feyerabend, [1993] 2007:124). Feyerabend esclarece que o recurso àquele “sentido superior” suscitava disputas quanto à credibilidade da percepção artificial no entendimento de fenômenos astronômicos. Assim, destaca que, no início do século XVII, o telescópio ainda não contava com uma sólida fundamentação teórica: “há sérias dúvidas quanto ao conhecimento de Galileu daquelas partes da óptica física de sua época” (Feyerabend, [1993] 2007:125). Isso indica que o uso científico do perspicillum requeria a formulação de ciências auxiliares à óptica que estavam indisponíveis quando Galileu divulgou suas novidades celestes (satélites de Júpiter, fases de Vênus, manchas solares, irregularidades no solo da superfície da Lua): “O êxito terrestre do telescópio estava, portanto, assegurado. Sua aplicação às estrelas, contudo, era uma questão inteiramente distinta” (Feyerabend, [1993] 2007: 128). Enquanto instrumento de observação celeste, a luneta telescópica e seus resultados também não eram consensuais, afinal, aristotélicos adotavam uma distinção entre os materiais e as leis dos corpos celestes e terrestres: Só uma nova teoria da visão, contendo tanto hipóteses a respeito do comportamento da luz no telescópio quanto hipóteses a respeito da reação do olho em circunstancias excepcionais, poderia ter feito uma ponte sobre o golfo entre o céu e a Terra, que era, e ainda é, um tal fato óbvio na física e na observação astronômica (Feyerabend, [1993] 2007: 132). Galileu tinha apenas conhecimento superficial da teoria óptica de sua época. Seu telescópio forneceu resultados surpreendentes na Terra, e tais resultados foram devidamente elogiados. Era-se de esperar dificuldades no que concerne ao céu, como agora sabemos. E as dificuldades 225

sem demora surgiram: o telescópio produziu fenômenos espúrios e contraditórios, e alguns de seus resultados podiam ser refutados por um simples olhar desarmado. Apenas uma nova teoria da visão telescópica podia trazer ordem ao caos (que pode ter sido ainda maior, em virtude dos diferentes fenômenos vistos na época mesmo a olho nu) e separar aparência de realidade (Feyerabend, [1993] 2007: 148).

O Contra o Método esclarece que Galileu alterou pressupostos teóricos da física aristotélica relacionados à queda dos corpos, além de ter modificado a própria noção de “movimento”: “o procedimento de Galileu reduz drasticamente o conteúdo da dinâmica […] Assim uma teoria empírica muito abrangente é substituída por uma teoria restrita acrescida de uma metafísica do movimento” (Feyerabend, [1993] 2007: 120). Feyerabend também considera que o recuso galileano ao telescópio como instrumento científico estava cercado por dificuldades: “o telescópio produz fenômenos estranhos e novos, alguns dos quais podem ser revelados como ilusórios” (Feyerabend, [1993] 2007:153). As observações telescópicas convergentes com a doutrina de Copérnico – como o brilho dos planetas – careciam de base teórica. Contudo, as dificuldades (empíricas, técnicas e filosóficas) da hipótese heliocêntrica não impediram Galileu de adotar e espalhar o copernicanismo. Táticas retóricas e publicitárias ajudaram-no a “criar interesse” pelo novo sistema: “o estilo, a elegância de expressão, a simplicidade de apresentação, a tensão de trama narrativa e a sedução do conteúdo tornam-se aspectos importantes do nosso conhecimento” (Feyerabend, [1993] 2007:171). Em termos diretos: “a propaganda é essencial”. Assim, a aposta galileana na capacidade da faculdade Razão em reconfigurar o veredicto da experiência emerge como um traço fundamental do enfrentamento das inconsistências entre as explicações dos fenômenos físicos e astronômicos. E Feyerabend utiliza tal episódio como forma de evidenciar a improcedência da ideia acumulacionista que estabelece a prioridade da experiência como critério de escolha teórica e a adequação factual como ditame para o progresso científico. Pelo contrário, o nascimento da Scienza Nuova demonstra a relevância metodológica de procedimentos “contraindutivos”, jogadas publicitárias e de atitudes oportunistas:

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O leitor compreenderá que um estudo pormenorizado de fenômenos históricos como esse cria dificuldades consideráveis para a concepção de que a transição da cosmologia pré-copernicana para aquela do século XVII constitui na substituição de teorias refutadas por conjecturas mais gerais que explicavam as instâncias refutadoras, faziam novas predições e eram corroboradas por observações realizadas com o fito de testar essas novas predições.29

Considerações finais A obra de Koyré desponta como uma das referências indispensáveis dos estudos historiográficos voltados para rupturas nas “estruturas de pensamento” (Stump, 2001:244). Consoante essa perspectiva, o avanço do conhecimento não englobaria um acúmulo gradual e contínuo de dados factuais. Assim, o historiador considera que uma genuína reorientação científica acarreta profundas viradas teóricas, produzindo, em certos casos, trocas de “visões de mundo” (Elkana, 1987:138). Koyré aprofundou tal ponto de vista ao estudar em pormenor diversos elementos relacionados ao nascimento da ciência moderna. Em particular, frisou que a adesão ao copernicanismo implicou, em larga medida, uma vagarosa renúncia de premissas essenciais do sistema filosófico de Aristóteles – cuja teoria do movimento foi posteriormente alterada, de forma ad hoc, pela noção medieval de impetus – em favor de uma nova metafísica do movimento inercial: Quanto a mim, tentei em meu livro Estudos Galileanos definir os modelos estruturais da antiga e da nova concepção de mundo, e determinar as 29. Na década de 1980, Feyerabend adicionou a tais reflexões epistemológicas uma discussão sobre as consequências éticas e sociais da defesa galileana da doutrina copernicana. O austríaco afirmou: (1) que a autoridade da Igreja não diferia das instituições científicas atuais; e (2) que os julgamentos de Galileu (em 1613, por ensinar a veracidade do heliocentrismo; em 1633, por descumprir a proibição de difundir o copernicanismo) foram um evento comum para o século XVII – e acrescentou que Galileu teria inclusive recebido “um tratamento bastante suave, apesar de suas mentiras e tentativas de trapacear” (Feyerabend, [1993] 2007:183). A polêmica ficou por conta da defesa feyerabendiana da atitude da Igreja frente ao objetivo galileano de transformar a cosmologia: “a Igreja fez a coisa certa: as ciências não têm a última palavra em assuntos humanos, incluindo aí o conhecimento” (Feyerabend, [1993] 2007: 184). Para detalhes, ver McMullin, 2008; Santos Terra, 2008; Hickey, 2009.

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mudanças acarretadas pela revolução do século XVII. Essas mudanças me pareciam ser redutíveis a duas ações fundamentais e estreitamente relacionadas entre si, que caracterizei como a destruição do cosmos e a geometrização do espaço, ou seja, (a) a substituição da concepção do mundo como um todo bem definido e ordenado, no qual a estrutura espacial materializava uma hierarquia de perfeição e valor, por um universo indefinido ou mesmo infinito, não mais unido por subordinação natural, mas unificado apenas pela identidade de seus componentes supremos e básicos; e (b) pela substituição da concepção aristotélica do espaço, um conjunto diferenciado de lugares intramundanos, pela concepção de geometria euclidiana – uma extensão essencialmente infinita e homogênea –, a partir de então considerada como idêntica ao espaço real do mundo. A mudança espiritual que descrevi não ocorreu, naturalmente, em uma mutação súbita (Koyré, [1957] 2006: 2).

Os seminais escritos “filosófico-históricos” que Kuhn e Feyerabend publicaram em 1962 discutem exatamente aquele episódio histórico (ver Kuhn, [1962] 2001:155; Feyerabend, 1981a: 62-69).30 Então, à primeira vista, esse fato poderia alimentar a crença de que uma das mais profícuas teses daqueles dois filósofos da ciência – a saber: a incomensurabilidade de teorias – evidenciaria o conteúdo da “lição” de Koyré para a filosofia “histórica” da ciência. É indiscutível que o percurso de Kuhn até a incomensurabilidade espelha esse encontro (semanticamente mediado pelas ideias historiográficas de Koyré) com a Física de Aristóteles (Kuhn, 2007: 27). Mas o caminho de Feyerabend até sua formulação de uma imagem não acumulativista do avanço científico não dependeu minimamente de estudos históricos (Feyerabend, 2006:286-288; Oberheim 2005; Abrahão, 2009): “Ao contrário de Kuhn, minha pesquisa começou de certos problemas na área [conceitual] e referindo-se apenas a teorias” (Feyerabend, [1978] 2011:83). Por mais que a teoria revolucionária da ciência de Kuhn siga pressupostos oriundos da historiografia da ciência francesa (como 30. Importa lembrar que o historiador da ciência que Kuhn e Feyerabend acompanham nessa discussão foi um discípulo de Koyré, o historiador norte americano Marshall Clagett (The Science of Mechanics in the Middle Ages, 1959). Ver Kuhn ([1962] 2001:155, n. 12) e Feyerabend (1981a:62).

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Émile Meyerson, Anneliese Maier, Hélène Metzger e, claro, Alexandre Koyré),31 esse quadro não encontra respaldo nas páginas feyerabendianas. Portanto, divergimos da genérica referente à dívida intelectual daqueles autores com a produção koyréana. De forma resumida, notamos que a herança koyréana de Kuhn parece incluir pelo menos três elementos principais: (i) informações históricas gerais sobre o surgimento e estrutura da Revolução Copernicana; (ii) a inspiração para uma “nova metodologia” de estudo histórico de ideias científicas; e (iii) o alicerce teórico para a elaboração da tese da “constituição dos mundos”. Porém, ainda que Feyerabend também se aproxime do pensador franco-russo quanto ao elemento (i), não há evidências dos tópicos (ii) e (iii) no corpus feyerabendiano. Nesse horizonte, objetamos também a influente leitura de Preston (1997). Contudo, propusemos uma aproximação das posições de Koyré e Feyerabend partindo da influência – declarada no Contra o Método e em outros escritos – de duas teses historiográficas koyrenianas: (1) “dificuldades técnicas” dos “instrumentos de precisão” impedem a explicação do surgimento da ciência moderna como consequência de descobertas empíricas derivadas de experimentos científicos; e (2) Galileu empregou táticas “publicitárias” para contornar as “dificuldades teóricas (conceituais) e psicológicas” levantadas contra o copernicanismo (Koyré, 1953: 223).32 Críticos assinalam exageros nas leituras de Koyré e Feyerabend sobre as contribuições do cientista italiano para a ciência moderna (Naylor, 1989; Stengers, 2002:130; Machamer, 1974; Achinstein, 2000:37). Não obstante, o Galileu “platônico” e o Galileu “embusteiro” convergem enquanto tentativas de desqualificar reconstruções empiristas da estrutura e do desenvolvimento científico.33 Concluindo: (a) Koyré e Feyerabend (e também Kuhn) argumentam que mudanças científicas genuínas ocasionam guinadas cosmológicas – logo, 31. Essa influência francesa foi reconhecida por Kuhn: “Com efeito, o vínculo com a França sempre foi muito importante para mim, não precisamente pela filosofia, mas pela história, e o personagem que me foi mais próximo foi sem dúvida o historiador Alexandre Koyré” (Borradori, 2003:216). 32. Ver também a excelente análise de Butts (1978). 33. É importante lembrar que, diferentemente da historiografia de Koyré, todo o olhar feyerabendiano para a história da revolução científica do século XVII almejava um objetivo metodológico e epistemológico definido: validar historicamente a concepção pluralista do conhecimento baseada nos princípios de proliferação de teorias e de métodos (para detalhes, ver Oberheim, 2006:250).

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tais modificações teóricas demandam prioritariamente esforços argumentativos, retóricos e propagandísticos para desarmar hábitos mentais arraigados; (b) Koyré e Feyerabend (e também Kuhn) insistem que revoluções científicas não são trajetos ininterruptos marcados por acréscimos observacionais, mas longos processos de mutação lexical e ontológica; e (c) Koyré e Feyerabend (e também Kuhn) renunciam à descrição positivista do avanço da ciência enquanto um processo de reorganização dos dados factuais, abraçando, por seu turno, a ideia de que variações gnosiológicas operam uma consequente transformação “espiritual”. Enfim, todos eles buscam desconstruir idealizações empiristas acerca do papel crucial de experiências ou de descobertas observacionais no avanço científico. Contudo, é questionável considerar que a historiografia de Koyré influenciou as ideias de Feyerabend com a mesma profundidade que influenciou o pensamento de Kuhn. Com efeito, as didáticas reconstruções impressas em manuais introdutórios, coletâneas de artigos, ensaios críticos, estudos especializados etc. simplificam – porque homogeneízam – o conteúdo substantivo da dívida intelectual de Kuhn e Feyerabend com o autor do magistral Do Mundo Fechado ao Universo Infinito; e, ademais, impedem uma apreciação adequada da própria herança da historiografia de Koyré na denominada “guinada historicista” dos estudos contemporâneos sobre a ciência.

Agradecimentos Ao Prof. Olímpio Pimenta (UFOP), pela introdução à leitura dos escritos de Koyré, Kuhn e Feyerabend; à Profa. Patrícia Kauark (UFMG), por suscitar as reflexões que originaram este trabalho; e ao Prof. Mauro Condé (UFMG), pelo convite para colaborar com esta coletânea.

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