José Asunción Flores: Poema Sinfônico \"Ñanderuvusú\". Análise interpretativa e importância histórica

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Descripción

NICOLÁS RAMÍREZ SALABERRY

JOSÉ ASUNCIÓN FLORES: POEMA SINFÔNICO “ÑANDERUVUSÚ”. ANÁLISE INTERPRETATIVA E IMPORTÂNCIA HISTÓRICA.

Trabalho apresentado ao Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, formulado sob a orientação do Professor Titular Marco Antonio da Silva Ramos, para a Conclusão de Curso de bacharelado em música com habilitação em Regência.

CMU-ECA-USP São Paulo, 2013

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AGRADECIMENTOS

Agradecimento especial aos meus familiares: minha mãe Celsa, meu pai Carlos Jorge, minha avó Maria Lina; minhas irmãs: Liz Helena, Ana Laura, Angélica; meus irmãos: Jorge Augusto e Derlis Miguel, minha madrasta Rita de Cássia e meu tio-avô Eliodoro (in memoriam). A Isabel Olmedo e Família, Victor Villagra e Família, Patricia Borja, Liz Sanchez, Antonio e Bartyra Lourenço. Aos queridos colegas: Bruno Sanches, Bruno Menegatti, Giovanni Matarazzo, Migue Diaz, Isaac Terceros, Rodrigo Báez e Denis Hallai. Aos amigos mascarados e nus: Adriane Lopes, Felipe Fraga, Moises Ameno, Rafael Tosta, Gabriel Gaier e Klaus Wernet . A Luciana Beloli. Aos amigos: Anderson Chizzolini, Luan Franco, Roberto Yoneta e Hanon Guy Lima Rossi. Agradecimento especial a Celso Bazán (in memoriam), a Escola de Música “Maestro Herminio Gimenez” e todos os queridos colegas desta instituição. Agradecimentos sinceros a Luis Szarán, Gilberto Rivarola e Diego Sanchez Haase. Aos Professores Aristides Recalde, Rigoberto Vidaurre, Ñeca González, Gabriel Graziani, Mikiko Uno, Yumi Watanabe e Miguel Angel Gilardi. A Marcus Siqueira, Fábio Bartoloni, Elly De Vries, Marcelo Fernandes e Evandro Higa. Aos Professores do Departamento de Música: Edelton Gloeden, Francisco Campos, Adriana Lopes, Ivan Vilela, Ricardo Ballestero, Pedro Paulo Salles, Paulo de Tarso, Branda Lacerda, Rogério Costa, Fernando Iazzetta, Sérgio Cascapera e Ronaldo Miranda. A toda a equipe do Comunicantus: Laboratório Coral com a direção dos Professores Marco Antonio da Silva Ramos e Susana Cecilia Igayara. A Edilena Colombo, Luciana del Sole e todos os funcionários do CMU. Aos Professores do curso de regência: Marco Antonio da Silva Ramos, Sergio Assumpção, Gil Jardim, e especialmente a Aylton Escobar que apontou belos novos caminhos e confirmou outros.

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RESUMO O tema deste Trabalho de Conclusão de Curso é a Guarânia Sinfônica Ñanderuvusú do compositor paraguaio José Asunción Flores (Assunção, 1904 - Buenos Aires, 1972). A peça está escrita originalmente em Guarani e traduzida posteriormente ao idioma Russo. O primeiro capítulo aborda o contexto histórico-social, apontando a cultura Guarani précolonial, passa pela colonização e redução dos guaranis nas Missões da Companhia de Jesus, com a posterior expulsão dos Jesuítas em 1767. Assim também, a independência do Paraguai com Gaspar Rodriguez de Francia e os Lopez, até chegar à guerra da Tríplice Aliança entre 1865 e 1870. Posteriormente, é descrito o ambiente sociocultural em que crescera José Asunción Flores. O segundo capítulo apresenta um perfil biográfico do compositor, tratado de maneira cronológica, aponta principalmente sua formação e produção artística. Assim também, cita os diferentes artistas e intelectuais que contribuem para suas composições e concepções ideológicas. O contexto histórico-social se mostra determinante na sua carreira e, assim observa os anos de grande sucesso e reconhecimento em Buenos Aires, os constantes exílios políticos como conseqüência das ditaduras no Paraguai, e as apresentações e gravações dos poemas sinfônicos em Buenos Aires e União Soviética. O terceiro capítulo trata sobre a análise da peça. A metodologia utilizada para abordar a análise é o “Referencial de Análise de Obras Corais”, incluída na Tese de Livre Docência do Professor Titular Marco Antônio da Silva Ramos; focando principalmente os aspectos referentes à relação texto-música.

PALAVRAS-CHAVE José Asunción Flores; Guarânia Sinfônica; Ñanderuvusú; Paraguai.

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SUMÁRIO

Abreviaturas

p. 5

Lista de Figuras

p. 6

Lista de Tabela

p. 7

Lista de exemplos musicais

p. 8

Introdução

p. 9

Capitulo 1: Universo Cultural Guarani

p. 11

Capitulo 2: Aspectos Biográficos de José Asunción Flores

p. 16

Capitulo 3: Análise do Poema Sinfônico “Ñanderuvusú”

p. 21

Conclusão:

P. 50

Bibliografia:

P. 51

Apêndice: entrevista a Gilberto Rivarola

P. 53

Anexos: Partitura editada e Partitura manuscrita da obra “Ñanderuvusú”

P. 58

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ABREVIATURAS

Comp.

-

Compasso.

Ex.

-

Exemplo.

Fig.

-

Figura.

Tab.

-

Tabela

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Lista de Figuras

Fig. 1

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O compositor José Asunción Flores.

Fig. 2

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O compositor José Asunción Flores.

Fig. 3

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José Asunción Flores com Pavel Gruschko (esq.) e Yuri Aranovich (dir.) no estúdio de gravação. Moscou, 1969.

Fig. 4

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Capa da partitura “Ñanderuvusú” de J. A. Flores, edição russa de 1970.

Fig. 5

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Capa da partitura “Ñanderuvusú”, edição manuscrita com texto em Guarani e anotações em Russo.

Fig. 6

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Primeira página da partitura “Ñanderuvusú”, edição manuscrita com texto em Guarani e anotações em Russo.

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Lista de Tabela

Tab. 1

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Divisão da obra “Ñanderuvusú” em seções.

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Lista de Exemplos Musicais

Ex. 1

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O texto “Ñanderuvusú” atrelado às ideias rítmico-melódicas.

Ex. 2

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Tema rítmico-melódico Coral.

Ex. 3

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Solo do Piccolo, oitavado pelo Fagote. Trecho que dará origem ao tema rítmicomelódico Coral do Adágio do comp. 27.

Ex. 4

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Terceira célula rítmico-melódica com o texto “Jha ne”, que dará origem às suas variações.

Ex. 6

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Página 46 da partitura “Ñanderuvusú”. Edição russa, 1970.

Ex. 7

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Adensamento da massa coral – orquestral. Página 53. Edição manuscrita.

Ex. 8

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Notas agudas sustentadas com o texto “Tupa eyú”, colocada em maior evidencia pelo silencio orquestral. Página 55 da edição manuscrita.

Ex. 9

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Compassos finais em ff da obra “Ñanderuvusú”. Página 63 da edição manuscrita.

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INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende resgatar e valorizar o legado composicional do paraguaio José Asunción Flores (1904-1972), denominado criador do gênero musical “Guarânia”, através do seu poema sinfônico “Ñanderuvusú” (Nosso Pai Grande). A fonética do texto tem como base a pronuncia paraguaia – por consequente castelhana – do idioma Guarani. O argumento desta obra aborda a origem do universo guarani, próprio da região do Paraguai, sul da Bolívia, nordeste da Argentina, sudeste e centro-oeste do Brasil. A importância desta obra está na síntese e expressão da identidade cultural – com forte influência europeia e indígena – de uma região para além das fronteiras políticas, dialogando com os anseios de consolidação e autoafirmação da cultura da América-Latina dentro do universo musical mundial. José Asunción Flores nasce no Paraguai no começo do século XX. Este país do cone sul das Américas tem como idioma oficial o Guarani, junto com o Castelhano. A proposta do compositor, com este poema sinfônico, foi apresentar a gênese da cosmologia guarani, buscando assim resgatar uma identidade regional do povo paraguaio dentro da América Latina. A edição da partitura musical assim como a gravação desta obra por uma Orquestra Sinfônica e Coro de Moscou é possivelmente devido ao contato que ele manteve com intelectuais e músicos deste país, assim como sua afinidade com os ideais das Repúblicas Socialistas. Assim, recebe vários convites para visitar a União Soviética, fazendo várias apresentações de suas obras, sendo posteriormente chamado para supervisar as gravações de suas peças sob a regência do maestro Yuri Aranovich. Embora existam textos significativos sobre a biografia de Flores, o mesmo não é verdade no que se refere às edições de partituras dos poemas sinfônicos (que chegam a 12) e muito menos uma análise musical aprofundada dessas obras. Chama a atenção a forte identificação do povo paraguaio com as composições de José A. Flores, na medida em que ele conseguiu plasmar em música os anseios, símbolos e imaginário da região supra-citada.

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Sabe-se que José Asunción Flores admirava os compositores alemães Richard Wagner e Ludwig van Beethoven, o compositor francês Claude Debussy, compositores argentinos como Alberto Ginastera e Gilardo Gilardi, assim como o compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos; e que tudo isso influenciava em certa medida as suas composições. Falar de José Asunción Flores é como falar de um personagem fictício de uma novela do realismo mágico do escritor colombiano Gabriel Garcia Marquez. Encontramos sucessos quase impossíveis, que ocorrem com frequência na América Latina. Talvez um personagem popularmente conhecido como o do filme “Forest Gump” (produzido nos EUA em 1994) permita uma comparação mais contemporânea; ou o filme de produção brasileira “As Aventuras de Agamenon, o Repórter” (2012) em que o personagem principal é protagonista em vários momentos históricos do Brasil. A primeira metade do século XX é marcada por grandes acontecimentos dramáticos dentro das políticas e da sociedade global (Primeira Guerra Mundial, Revolução Russa, Segunda Guerra Mundial, Guerra Fria, entre outros); todos esses fatos históricos permeiam a vida do compositor. Assim, seu profundo comprometimento com as questões sociais e políticas do seu país e do mundo lhe vale longos e penosos anos de exílio em Buenos Aires. O pretendido nesta monografia é apontar caminhos que ajudem a compreender melhor os processos composicionais, assim como os temas de ordem social, político, cultural e musical abordados por José Asunción Flores. Como base da análise musical da obra, é utilizado o referencial Silva Ramos de Análise de Obras Corais. O referencial conduz o olhar do intérprete aos diferentes aspectos da obra quanto aos 4 parâmetros do som, quanto ao uso do silêncio, quanto ao comportamento formal e quanto à relação texto-música, que, no caso, priorizamos.

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Capítulo 1

Universo Cultural Guarani

O aspecto histórico do desenvolvimento cultural do Paraguai teve suas origens na ancestral nação Guarani, povo que possuía e ainda possui suas próprias concepções filosóficas, religiosas, culturais e musicais. A fala ou o ñe’e representava um dos valores mais importantes para a consolidação da sociedade, já que também significava a própria alma. Viviam em tavas, espaço protegido da invasão de animais ferozes onde moravam várias famílias em ocas, contavam com um pátio interno para as principais atividades cotidianas: trabalhos domésticos, espaço onde brincavam as crianças e ocorriam os rituais religiosos. Como a maioria dos povos das Américas pré-coloniais, os guaranis dedicavam-se à caça, à coleta de alimentos e ao cultivo de grãos, principalmente o milho para a sobrevivência. Durante a colonização européia, grande parte dos antigos habitantes foram dizimados e os sobreviventes sofreram forte aculturação e escravidão. Mais tarde as ordens religiosas – Jesuítas, Franciscanos, Mercedários, entre outros – realizaram uma sistemática catequização e utilizavam a mão de obra indígena para a produção de seus recursos; por outro lado, nas reduções e igrejas, garantia-se certa proteção aos aborígenes contra os caçadores e escravagistas europeus. Os colonizadores não demoraram muito para perceberem que através da música os aborígenes ficavam encantados e mais dóceis. Os originários habitantes associavam a música a uma manifestação divina; assim, com essa visão, na medida em que os colonizadores criavam e produziam todos esses sons maravilhosos, eles mesmos não poderiam representar perigo real para os indígenas. Na região compreendida hoje entre as fronteiras do Paraguai, Argentina e Brasil, foram fundados os 30 povos das missões da Companhia de Jesus. Foi desenvolvido um trabalho musical e artístico intenso; assim, eram reproduzidas principalmente as músicas do estilo barroco das metrópoles européias. Os indígenas mostravam excepcionais habilidades no canto, na execução de instrumentos musicais, na própria fabricação dos instrumentos e os mais avançados chegavam a compor obras para os ofícios religiosos.

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Se bem toda essa produção artística recebia a admiração e reconhecimento dos europeus, a manifestação cultural originária dos indígenas ficava cada vez mais esquecida, porém continuava sobrevivendo na essência de cada descendente. Em 1767 ocorreu o enfrentamento conhecido como a “Guerra Guarani”. Por ordem do Marques de Pombal, todas as reduções jesuíticas deveriam ser expulsas das Américas. Os motivos foram vários, entre eles a necessidade de expansão dos territórios da coroa portuguesa, a busca incessante de ouro, o controle econômico da região que se encontrava em franca expansão, e a necessidade de mão de obra escrava qualificada, já que nas reduções jesuíticas os indígenas possuíam diversos conhecimentos técnicos e ofícios. Apesar da expulsão, toda essa experiência musical e artística durante as missões jesuíticas certamente influenciaram profundamente a visão cultural e artística dos indígenas. Em 14 de maio de 1811, o Paraguai conquista sua independência da coroa espanhola, tendo um papel decisivo o Dr. Gaspar Rodriguez de Francia – teólogo e advogado paraguaio formado na universidade de Córdoba –. Poucos anos depois, e em meio de vários conflitos com a coroa espanhola e com Buenos Aires que pretendia anexar o Paraguai a uma de suas províncias, a Junta de Gobierno de Assunção vota pela eleição do Dr. Gaspar Rodriguez de Francia como máximo representante do Paraguai, convertendo-se em Ditador temporário por três anos, e seguidamente como Ditador Perpétuo do Paraguai. Neste período o país sofre um bloqueio econômico de Buenos Aires e é obrigado a estimular fortemente sua economia interna, atingindo um grande desenvolvimento econômico e social; se afirma como país independente, prioriza a educação básica, estimula a indústria de artesanato e a produção agrícola diversificada nas chácaras de pequenos produtores e nas terras estatais chamadas Estancias de la Patria. Por outro lado, essas medidas tiveram uma forte oposição dos antigos latifundiários, do clero e de países vizinhos. O pesquisador e músico paraguaio Arturo Pereira (1925 - 1995) afirma que neste período o Paraguai começa a contar com importantes recursos destinados para o desenvolvimento musical do país. Depois do falecimento do Dr. Gaspar Rodriguez de Francia em 1840, seu sucessor Carlos Antonio Lopez investe fortemente na modernização do país, vários estudantes recebem bolsas nas

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universidades da França e Inglaterra. Especialistas ingleses são contratados para a construção de ferrovias; é desenvolvido o sistema telegráfico, fundição de ferro, construção de navios, entre outros. São habituais as festas de salão nas casas mais abastadas de Assunção. Francisco Solano Lopez, filho de Carlos Antonio, se casa com a irlandesa Elisa Linch, que introduz várias danças européias e adquire pianos para os eventos. Até então, o Paraguai não conta com músicos e compositores altamente capacitados, porém começa a mostrar claros sinais de uma efervescência artística. Contrapondo com essa época de crescimento econômico e cultural, talvez se possa dimensionar o impacto do repentino declínio com a guerra, já que em 1869, nos momentos finais da guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, o exército aliado invade a cidade de Assunção, totalmente destruída. O historiador paraguaio Juan E. O´Leary escreve: “Como se sabe, Assunção foi saqueada. Os chefes e oficiais inimigos mandaram roubar metodicamente, tudo quanto tivesse algum valor na abandonada capital. Nada se respeitou, nem os cemitérios. Até as tumbas foram profanadas, buscando o botim até nos ossos dos mortos. O famoso Barão da Passagem encheu seus barcos com pianos e móveis finos, enquanto outros mais modestos se contentavam com qualquer coisa, levando os mármores, as portas, e até as batentes dos melhores prédios. Durante meses uma esquadra de modernos piratas não descansou na tarefa de levar ao Plata o fruto da rapina”

Paraguay: de la independência a la dominación Imperialista 1811-1870. Apud: Guerra Vilaboy 1984: 165. Apud: Juan E. O´Leary. El libro de los héroes. Páginas históricas de la guerra del Paraguay. Libreria la Madrid, Asunción, 1922: 281.

Em 1864, e depois de muitos conflitos regionais, o exército do Paraguai com o presidente Francisco Solano Lopez decide cruzar a fronteira para defender o aliado Uruguai do presidente Bernardo P. Berro que estava sendo atacado pelo Brasil com o tácito apoio da Argentina. O Paraguai, impossibilitado de atravessar a fronteira com a Argentina para defender o Uruguai, invade os portos imperiais do rio Paraguai e os territórios em litígio com o Brasil, assim também a província de Corrientes (Argentina). Isso seria o estopim para que em 1º de maio de 1865, e com o apoio econômico da Inglaterra, seja assinado o Tratado da Tríplice Aliança entre Argentina, Brasil e Uruguai que declarava a guerra incondicional ao Paraguai. Com inferioridade em armas e soldados, o Paraguai

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resiste em seu território por cinco anos até que em 1º de março de 1870, a guerra termina com a morte do presidente Francisco Solano Lopez em Cerro Cora. A população antes da guerra era estimada em 1 milhão de habitantes; sobreviveram 200.000 mil pessoas, metade delas mulheres, 86.000 crianças e 30.000 homens, a maioria deles idosos. O Paraguai nunca mais pode se recuperar totalmente, contraindo assim sua primeira dívida externa em toda a sua história, com a Inglaterra. No final do século XIX, aumenta em grande escala os latifúndios. As principais indústrias são estrangeiras, principalmente companhias inglesas; os camponeses deixam de serem proprietários de suas terras e a estrutura econômica nacional é totalmente modificada. No começo do século XX, o Paraguai conta com uma forte migração de profissionais estrangeiros, entre eles vários músicos italianos que fundam a Banda de Polícia da Capital de Assunção. Um dos mais destacados é Nicolino Pellegrini, qualificado maestro italiano que executa concertos para violoncelo e desenvolve uma intensa atividade docente. Salvador Dentice, fundador também da Banda de Polícia e posteriormente diretor desta instituição. Ambos são importantes professores de José Asunción Flores. Sobre o surgimento quase espontâneo de importantes músicos paraguaios no começo do século XX, o compositor e destacado regente da Orquesta Sinfônica de Asunción (OSCA), Luis Szaran aponta: “La creación musical en el Paraguay, nada tiene en común con otras naciones, ni por sus antecedentes ni por su carácter. Nació súbitamente, en pleno siglo xx, luego de un proceso, cuyas huellas puede hurgar la historia, pero cuyos frutos aparecieron de pronto, cómo si no tuviera antecedentes. Al primer siglo, a partir de la Independencia, observamos un todo homogéneo, sin cumbres que pudieran registrar algún fenómeno en particular. Pasadas las dos primeras décadas, del siglo xx, se produce una eclosión magistral que se inicia con Agustín Barrios (Mangoré), creador e intérprete quien parece surgir de la nada, José Asunción Flores, formado en el ámbito de la Banda de la Policía y otros, igualmente notables, todos juntos, al unísono y al mismo tiempo: Mauricio Cardozo Ocampo, Darío Gómez Serrato, Félix Fernández, Emilio Bigi, Carlos Lara Barreiro, Herminio Giménez y tantos más. Para el observador objetivo, el caso es raro y desconcierta a primera vista; produciendo asombro la velocidad del crecimiento y sobre todo, por las cualidades excelentes y distintivas, que son comunes a las obras de ésta generación. La conciencia, más o menos clara de un sentimiento nacional, arranca justamente con Barrios, quien dedica a esta tendencia un reducido porcentaje de su producción, orientado fundamentalmente a

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su instrumento: la guitarra. Se define y fortalece con Flores, cuyo liderazgo a su vez, logra despertar la conciencia y la sensibilidad de sus contemporáneos. A partir de entonces y hasta bien entrada la década de 1970, no se conocerá otra forma de expresión musical..”

Luis Szarán. Nacionalismo y universalidad en la obra de Flores. Artigo publicado em 04/09/2007.

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Capitulo 2

Aspectos Biográficos – José Asunción Flores

José Asunción Flores nasce em 27 de agosto de 1904. Filho de Magdalena Flores e Juan Volta, é reconhecido somente pela mãe. Vive sua infância em situação de vulnerabilidade na Chacarita (região periférica de Assunção, situada às margens do Rio Paraguai). Em 1917, ingressa como aprendiz na Banda de la Policia da Capital e inicia o estudo do trombone. São seus professores: Nicolino Pelegrini, Salvador Déntice, Mariano Godoy, Eugenio Campanini e José Villalba. Mais adiante estuda violino com Carlos Esculies e Leopoldo Centurión. Na constante busca dentro do universo cultural, estabelece uma correta escrita do ritmo da música paraguaia em 6/8; assim, e para demonstrar sua pesquisa, realiza um arranjo da polca paraguaia de Rogelio Recalde chamada Maerá pa reikuaasé (Por que queres saber?) e sob a supervisão de Nicolino Pelegrini, ensaia esta peça com a Banda de la Policia , já com a correta escrita em 6/8. Todos esses esforços representam uma importante base para que em 1925, José Asunción Flores criasse sua primeira Guarânia “Jejui”, estreada por um prestigiado trio internacional integrado por Alfredo Kamprad (violino), Erik Piezunka (violoncello) e Alfredo Brandt (piano). Na mesma estréia da peça estava presente o então Presidente do Paraguai Eligio Ayala, que se referiu à nova música que acabara de ouvir com vários elogios. Entre 1926-1927 compõe “Arribeño Resay” (Lágrimas do Ribeirinho), “Nde Ratypykua” (Tuas Covinhas), “Ka`aty” (Erval), “Obrerito” (Operário), “Punta Karapame Serrato Ndive” (Em Punta Karapa com Serrato) e “Ñasaindype” (À Luz da Lua). Em 1929, José A. Flores conhece o renomado poeta Manuel Ortiz Guerrero e iniciam uma profícua produção. Textos de Manuel Ortiz Guerrero, músicas de José Asunción Flores: “Paraguaype” (A Assunção), “Pananmbí Verá” (Borboleta Brilhante), “Yvaga Hovy” (Céu Azul), “Kerasy” (Insonia), “Nde Rendape Aju” (Venho Até Você), “Ta Alabami Che Amape” (Louvor a Minha Amada), “Buenos Aires: Salud!” e “India”. Em 24 de janeiro de 1944, por Decreto Executivo do Paraguai, a Guarânia “India” é declarada canção Nacional do Paraguai. Esta mesma obra ganha grande popularidade na Argentina na década de

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30. A música “India” chega ao Brasil e recebe versões em português a partir da década de 40 com a dupla Cascatinha e Inhana, Irmãs Castro e Nhó Pai e Nhá Fia, que obtiveram grande sucesso (Polca paraguaia, guarânia e chamamé. Higa 2010: 30). Na década de 1970, a cantora Gal Costa grava e reapresenta a guarânia “India”, trazendo novamente esta música ao ambiente do gosto popular brasileiro. A versão mais divulgada no idioma português é de José Fortuna, que realiza adaptações poéticas livres do texto; por outro lado, existe outra versão do cantor e compositor Taiguara; esta adaptação para o português é mais literal em relação ao texto original de Manuel Ortiz Guerrero. Na sua primeira juventude, J. A. Flores participa de movimentos culturais e intelectuais resgatando a soberania do seu país. Essa visão leva-o a alistar-se como soldado na guerra entre o Paraguai e a Bolívia (1932-1935). No campo de batalha e próximo a definhar por falta de suprimentos e água na região semidesértica do Chaco, compreende que essa guerra não faz sentido, principalmente por representar interesses de duas poderosas empresas petrolíferas estrangeiras. Em 1933, viaja a Buenos Aires para gravar suas obras e continuar seus estudos musicais. Funda a Orquestra Ortiz Guerrero, em homenagem ao amigo recentemente falecido. Afilia-se ao Partido Comunista Paraguayo, cujos líderes principais estavam exilados em Buenos Aires.

Inicia suas

composições sinfônicas com “Pyhare pyte” (Na Alta Noite) para Orquestra Sinfônica, coro duplo e solistas; em homenagem a Ortiz Guerrero. Em 1936, retorna ao Paraguai a pedido do governo provisório de Rafael Franco. Com o decreto 511 (30/03/1936), art.5º, José Asunción Flores é nomeado Diretor do Conjunto Orquestal Folklórico Guarani e da Escuela de Enseñanza Primaria. Este governo é destituído em 1937, assim, José A. Flores volta ao exílio em Buenos Aires. Em Buenos Aires entra em contato com vários artistas e intelectuais paraguaios como Francisco Alvarenga, Félix Pérez Cardozo, Hermínio Gimenez, Mauricio Cardozo Ocampo, Eladio Martinez, Emilio Vaesken, Augusto Roa Bastos, Cayo Sila Godoy, Elvio Romero; assim também artistas e intelectuais argentinos e estrangeiros. Realiza numerosas apresentações musicais com a Agrupación Folklórica Guarani. Em 1940, recebe uma bolsa de estudos em Buenos Aires, outorgada pelo governo paraguaio. Compõe um novo poema sinfônico sobre a gênese guarani “Ñanderuvusú” (Nosso Pai Grande). Com o

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médico e poeta Carlos Federico Abente realiza a obra “Ñemity” (Cultivar). Em 1944 continua com os trabalhos sinfônicos de “Pyhare Pyte” e inicia “Guyra Hu” (Sabiá) e “Mburikao” (nome de um arroio assunceno). Assiste aulas com os maestros Gilardo Gilardi e Rodolfo Kubi; e esporadicamente com Alberto Ginastera. Em 1946, na chamada primavera democrática com o governo de Higinio Morínigo, José Asunción Flores retorna ao Paraguai e realiza uma série de concertos em Assunção e diversas cidades do interior. É o compositor mais popular do país. Um ano depois desata a guerra civil de 47’. José A. Flores volta novamente a Buenos Aires e forma uma comissão de Direitos Humanos para assistir aos exilados paraguaios. Torna-se amigo de Pablo Neruda, Rafael Alberti, Nicolás Guillén, Miguel Angel Asturias, entre outros. Em 1950, participa da fundação do Conselho Mundial da Paz e é eleito membro permanente representando o Paraguai. Nesses encontros conhece Madame Curie, Jean Paul Sartre, Pablo Picasso, entre outros. Realiza sua primeira viagem à União Soviética e entra em contato com artistas, músicos, operários e estudantes desse país. Em 1953 compõe o poema sinfônico coral “Maria de la Paz” com versos de Elvio Romero, em homenagem à Paz Mundial e em memória do holocausto em Hiroshima. Em 1958, viaja ao Brasil (Goiás) onde participa de um evento com Jorge Amado, Pablo Neruda, entre outros. Estabelece amizade com Alberto Ginastera, Atahualpa Yupanqui, Osvaldo Pugliese, Ariel Ramírez, Ben Molar e José Bragato. Em 9 de novembro de 1954, é interpretada a guarânia sinfônica Pyharé Pyté e o ballet sinfônico-coral Ñanderuvusú, no teatro Politeama de Buenos Aires. É o primeiro grande ciclo sinfônico auspiciado pela Asociación de Artistas Paraguayos, Centro de Estudiantes Paraguayos, Centro Manuel Ortiz Guerrero e Centro Gaspar Rodriguez de Francia. Em 1961, estreia Maria De La Paz no teatro El Circulo (cidade de Rosário), organizado pelo Club Asunción de Residentes Paraguayos, com a ajuda do Centro Paraguayo. Em 1967, viaja à União Soviética para gravar María De La Paz (com letra do poeta paraguaio Elvio Romero) e Ñanderuvusú. Em 1969, é convidado novamente à União Soviética para supervisar as gravações de seus poemas sinfônicos Guyra Hu, Pyhare Pyte, India, Nde Rendape Aju, Ñemity, Mburikao, com a

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Orquestra Sinfônica e Coro Unido da Radio e TV de Moscou, contando com a regência do Maestro Yuri Aranovich. Em 1971, ainda no exílio em Buenos Aires, impossibilitado de retornar ao seu país e debilitado fisicamente por causa da sua doença, escreve suas memórias. Em 16 de maio de 1972 falece em Buenos Aires à consequência de uma cardiopatia aguda e o Mal de Chagas. Nos funerais assistem artistas, amigos, músicos e um público multitudinário. Em 1991, na recente democracia e através da Comisión de Repatriación, seus restos são repatriados ao Paraguai com honras oficiais e a presença de milhares de admiradores. No Ciclo de Abonos da temporada de 1990, sob a regência de Luis Szarán, a Orquesta Sinfónica de la Ciudad de Asunción (OSCA), junto com o Coral Hispanoamericano e Coral Polifonico de Asunción, realizam a estréia no Paraguai das obras sinfônicas de José Asunción Flores no teatro do Centro Paraguayo-Japonés. As obras apresentadas são Pyharé Pyté, Guyra Hú, Nde Rendape Aju e Maria de la Paz. Entre as homenagens póstumas em memória de José Asunción Flores, e todo o seu legado para a cultura do Paraguai, podemos destacar a Sala de Concertos do Banco Central do Paraguai “José Asunción Flores”. O Museu “José Asunción Flores” em Punta Karapá - Chacarita, situado na mesma casa onde nascera o compositor. O Anfiteatro “José Asunción Flores”, inaugurado em 1992 na cidade de San Bernardino (hoje fora de funcionamento), entre outros.

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Fig. 1 - José Asunción Flores.

Fig. 2 - José Asunción Flores.

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Capitulo 3

Análise da obra “Ñanderuvusú”

Aspectos Gerais A Guarânia Sinfônica “Ñanderuvusú”, para Coral e Orquestra Sinfônica, é composta entre 1940-1950, por José Asunción Flores. Esta obra inserida dentro do ciclo de Poemas Sinfônicos do compositor é idealizada com um ballet, e inspirada na história da origem e cosmologia Guarani. A estréia da obra é realizada em 9 de novembro de 1954 no Teatro Politeama de Buenos Aires. A elaboração do argumento da peça surge depois de várias pesquisas de José A. Flores com um grupo de amigos; entre eles Carlos Federico Abente, Cayo Sila Godoy, Augusto Roa Bastos. Em artigo publicado no livro de Pecci 2004, Carlos F. Abente, aponta: “...Cuando él iba a escribir “Ñanderuvusu”, Roa, a través su pariente el monseñor Roa, podía conseguir las cosas que el clero tenia. El génesis en guaraní, por ejemplo, que nosotros lo leimos mimeografado de Nimuendaju Unkel. Él lo escribia en alemán y del alemán se tradujo al portugués y del portugués al castellano y era un lío bárbaro, eran cosas mimeografadas. En esa época todo era a mimeógrafo. Era una lectura difícil, pero lo leía traduciéndolo Roa y lo acompañábamos con Flores, pues él era el que quería saber y él que tenía que ilustrarse. Y yo mamando eso de yapa en realidad, pero era mi pasión.”

Un himno para el labriego. Entrevista a Carlos Abente, publicado no livro “Tributo a Flores” de Antonio V. PECCI (Editorial Servilibro, 2004) pp, 16.

No mesmo artigo, e em relação ao texto da peça “Ñemity” (Cultivar) – escrito pelo próprio Carlos Abente, com música de Jose A. Flores – Carlos Abente expõe a maneira em que Flores pensava o idioma guarani em relação à música que ele criava: “...Él ajustaba la música, por eso tiene esa característica “Ñemity”. Él tenía la virtud de ajustar la música a la letra. Tenía la virtud de adaptar el sonido de las palabras, diría yo, a la música. Así es que era comentado. Todo lo que yo escribía era comentado con él. Porque era muy exigente. Y pedía

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cambios cuando no le gustaba, decía: “Péa ndachegustapái, che la ha´eséa tal cosa, péa la che aipotáva” [“Essa parte não me agrada. O que eu quero dizer é tal coisa, isso é o que eu quero”]. Él decía: “El guaraní es un lenguaje que utiliza muchos monosílabos. Y cada letra, que a veces es una palabra en guaraní, tiene una música, y eso es lo que yo quiero”. Y eso es lo que hizo. Ese ritmo y ese ajuste se reflejan en su música, pues él era un virtuoso, un maestro.”

Un himno para el labriego. Entrevista a Carlos Abente, publicado no livro “Tributo a Flores” de Antonio V. PECCI (Editorial Servilibro, 2004) pp, 14.

Em uma carta escrita pelo próprio José Asunción Flores desde Moscou – 10 de fevereiro de 1969 – para seu amigo Marcelino Gamarra e esposa Justina (que se encontravam em Buenos Aires), Flores aponta acontecimentos importantes relacionados ao processo de gravação e elaboração dos argumentos utilizados em seus poemas sinfônicos: “Bien, compañero Marcelino, pasando a otras cosas, te diré que el asunto de la grabación camina bien, pero a pasitos muy lentos. Son gajes del oficio, como se dice vulgarmente. Son ocho poemas que pensamos grabar y eso, naturalmente, insume mayor cantidad de tiempo, de trabajo, y de arreglos. La grabación, lógico, se encarece. Recuerdo cuando grabé Maria de la Paz, tuve que estar aqui vários meses. Como te digo, ahora se trata de várias partituras, y como es natural, hay que quemar más leña por una mayor cantidad de comida. Y hablando de María de la Paz, lo estan pasando mucho por rádio. Lo pasan con el argumento que lo escribí aquí ultimamente. El guión lo leí yo para grabarlo. La transmisión se hace primero leyendo el argumento y después la música. La hora en que se transmite para América Latina no la sé con exactitud; sí que en Moscú la pasan a las tres de la mañana. Voy a enterarme bien como son los asuntos de la hora demás. Por otra parte, te diré solo ahora me vienen ganas de escribir los argumentos de mis guaranias. Por ejemplo, tengo escrito y terminado el argumento de Pyharé pyté, y muy claro y listo de Ñanderuvusú.”

Publicado no libro de Armando ALMADA ROCHE. José Asunción Flores. Compañero del Alma, Compañero. Buenos Aires: Ediciones El Pez Del Pez, 2004, pp. 166-167.

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Nesta carta podemos compreender melhor, não só a reconhecida criação artística do compositor tanto para os músicos soviéticos como para a América Latina, se não também a sua maneira de conversar coloquialmente sobre seus anseios e constante busca artística. José Asunción Flores, em 1936, visita a tribo indígena Maccá. É muito provável que essa experiência tenha influenciado fortemente na concepção da obra Ñanderuvusú. Assim, encontramos a descrição dessa experiência pelo próprio José Asunción Flores: “Encontré en el Chaco una valiosa herencia nacional, tesores del folklore de nuestro pueblo, materia prima rica y vívida que el artista debe captar y transformar gracias a su facultad creadora. Asimismo aprendí las lecciones más fecundas, la experiencia decantada en el alma de esos seres mas olvidados y menospreciados. Escuché muchas histórias, narraciones, mil creencias heredadas...Me deslumbraron las extraordinárias facultades de los Maccá: la maestría en el manejo de las flautas, las maracas, el violín monocorde. Cuando se escucha su música se percibe nítidamente que es una melodía de salud, acendrada y limpia. Es allí donde há quedado prisionero el acento autóctono con tal vigor que ha impreso el sello de sus particularidades a la música importada.”

Mais adiante se refere à dança e ao ritual dos Maccá: “Los indios acostumbraban a danzar a la luz de la luna para templar el coraje y vencer a los “espíritus malignos”. Es un espectáculo fascinante. Yo miraba con gran atención ese accionar de tipo mágico-religioso y sentía el placer de lo que estaba viendo”.

Publicado no libro de Armando ALMADA ROCHE. José Asunción Flores. Compañero del Alma, Compañero. Buenos Aires: Ediciones El Pez Del Pez, 2004, pp. 236-237.

A obra está dentro da época em que José A. Flores estuda orquestração com os maestros Gilardo Gilardi e Rodolfo Kubi. Nesses anos é freqüente ele assistir, nas salas de concertos do Teatro Colón de Buenos Aires, as obras sinfônicas de Beethoven, os dramas musicais de Wagner, com os mais destacados regentes da época: Leonard Bernstein, Herbert von Karajan, Erich Kleiber, entre outros. Já em anos anteriores rege a orquestra “Folkórica Guarani”, e a orquestra “Ortiz Guerrero”. Todas essas atividades artísticas, assim como as percepções e influencias dos compositores clássicos e contemporâneos significam o momento mais fecundo na produção artística de José Asunción Flores.

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O antropólogo paraguaio Guillermo Sequeira descreve de maneira quase poética a força inspiradora e as possíveis influências recebidas por José Asunción Flores. No artigo “La insurgência por la música y el amor. Instrucciones de uso para la vida” de G. Sequeira, publicado no livro “Tributo a Flores” de Antonio V. PECCI (Editorial Servilibro, 2004), é apontado: “...La canción popular urbana fue Flores quien la inventó, en una asombrosa experiencia de un “ralentando” musical, con un “Para qué querés saber ?” [Nome original em guarani: Maerãpa Reicuaasé]; y para concluir en su nominación femenina : Guarania! El fraseo vocal de la guarania, presta y se engalana con el “bel canto napolitano”. Su influencia nunca referida será capital para el surgimiento de la forma Guarania! (Un Enrico Caruso parece surgir de catacumbas, introducciéndo su “Che gelida manina” de La Bohême. “O sole mio”, “Santa Lucia”, rememoran el hilo conductor sobre el cual se sostiene el discurso musical de la Guarania). La complicidad se hace presente en esa refractación imaginativa en vaivenes, entre poesía-música o música-poesía…”

Mais adiante, relaciona as músicas de José Asunción Flores, desde a Música Clássica, passando pelos românticos europeus, até as influências de representações sacramentais de tradição jesuítica: “La transformación de su factura musical, Flores lo obtiene, bebiendo en las fuentes de la música alemana. El romanticismo de Beethoven!, en el desarrollo de la forma sinfónica son fuertes justificativos, para entender, como diría Román Roland, “de protegerse siempre bajo el sol de Beethoven”. La música lírica italiana con Verdi y el bel canto napolitano referido más arriba son para el Maestro, referencias primeras en su trama musical. Los grandes afluentes musicales de Flores, se alimentan en el recodo de las aguas francesas. Marcha de mano en mano con Debussy; por su esencia musical, por su anticonformismo musical y las magias de su exotísmo…También la música rusa y el ballet ruso se muestran como fuentes importantes para el Maestro. Intuyo que la música de Borodine (1833-1887), entra con una gran potencia y fuerzas poéticas en la proyección de sus Guaranias Sinfónicas. Los “Cuadros de Exposición” de Mussorgski (1839-1881), en su metodología discursiva, parece tener impacto en la paleta colorida de Flores. Ni que decir Tchaikovski (1840-1893), con el posicionamiento de los cobres, -rememora con fuerza su sensibilidad a las masas sonoras de las bandas-, y se expresa como recurso orquestal, el procedimiento en acordes de los trombones a vara. El lenguaje musical de Flores va de par con la sucesión de imágenes, es casi, diría, yo, un músico de gran cultura plástica y visual. El descubrimiento de Tchaikovski, denota fuertemente sus influencias por sus figuras

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interpuestas entre ballet-música. El repertorio se basamenta también en una asociación casi operática, sinfónica y coral, -ésta última, inspirada en las expresiones vocales de viejas representaciones sacramentales de tradición jesuítica- (los planus-cantus guaraníticos). El discurrir de su obra se exhibe así, en su totalidad, la música de Flores, con expresividad, con personalidad, ante nuestra percepción y sensibilidades. Un tema nunca desarrollado sobre las influencias del Gran Maestro, lo constituye el “Poema Sinfónico”, a lo que sencillamente Flores lo llama: Guarania Sinfónica, merece también una explicación. El Poema Sinfónico es creado por Franz Liszt e ilustrado por él, como un género musical original. Esta forma, designa una obra orquestal determinada por su concepción y su estructura, bajo la fuerte inspiración de un argumento externo, de orden poético, descriptivo, legendario, y hasta filosófico…Recordemos sus “Pyhare Pyte”, “Nderendape aju”, o “Ka’áty”, por nombrar sólo algunas obras, todas las demás grandes obras sinfónicas de Flores, navegan en ese mismo barco referencial. El poema sinfónico, Flores lo rescata como metodología creativa, pues ése recurso le ayuda, finalmente, englobar todo, todo aquello que está permitido imaginar, tanto en su fundamento inspirador como en su estructura propia.”

Guillermo Sequera assinala a referência dos poemas sinfônicos de Jose A. Flores à denominação Guarânia Sinfônica. Isso demonstra a constante busca do compositor por novos meios expressivos para elaborar sua música, adaptando ao seu universo. Na publicação do compositor e regente paraguaio Luis Szarán, José A. Flores desenvolve gradualmente seus conhecimentos musicais até se constituir num pioneiro dentro dos Poemas Sinfônicos sobre argumentos locais e universais: “...En los años siguientes, décadas del 30 y 40, ya en el motivador ambiente musical de Buenos Aires, incorpora en sus conocimientos las teorías elementales de la armonía y la orquestación. De esa época datan algunas de sus primeras composiciones de corte popular, pero ya orientadas hacia lo sinfónico. Accede a nuevos recursos con la armonía avanzada, el contrapunto y las formas musicales, replanteando parte de aquella primera fase creativa, donde se aprecia más inspiración natural, pura, y menos recursos técnicos, llevando estas antiguas melodías a los campos de la variación y las formas mayores. Allí encontramos gran parte de ése material en forma de poema sinfónico. Finalmente, las décadas de los 50 y 60 son testigos del máximo potencial en dicho campo; son los años de María de la Paz, Pyharé Pyté y Ñanderuvusú. Hallamos recursos técnicos derivados del impresionismo francés, con sus quintas aumentadas, politonalismo y exuberante despliegue rítmico, a la

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manera de sus contemporáneos latinoamericanos Hêitor -Villa Lobos, Carlos Chávez, Silvestre Revueltas y Alberto Ginastera. Si bien la formación de Flores escapó a los cánones del academicismo, tuvo la extraordinaria virtud de la búsqueda eterna (tengo apuntes de al menos seis intentos diferentes de escrituración de su obra Mburikaó). Fue un pionero en el campo del poema sinfónico sobre argumentos locales y universales, así como la integración de grandes masas corales…”

Luis Szarán. Flores, músico genial. Artigo publicado no livro “Flores, el Exílio y la Glória” de Armando ALMADA ROCHE (Editorial Arandura, 2006) pp, 227.

Em relação às edições da partitura da guarânia sinfônica “Ñanderuvusú”, existem duas: uma partitura manuscrita com a versão do texto original em Guarani e uma tradução secundária – a modo de guia para ensaio – no idioma Russo. Observa-se indicações e anotações do próprio compositor, assim também como do regente paraguaio Luis Szarán, que apresenta a peça na década de 90. A capa da partitura está traduzida ao idioma Russo, assim, é muito provável que ela tenha sido utilizada durante as gravações de 1969 em Moscou, com o Coral Unido e a Orquestra Sinfônica da Rádio e TV Soviética, sob a regência de Yuri Aranovich. Posteriormente, outra edição impressa datada em dezembro de 1970 pela editora russa “Kompozitor Soviético”, com a versão russa de Pavel Grushko. Nesta edição é incluída também outra Guarânia do próprio José Asunción Flores entitulada “Nde Rendape Ayú” (Venho Até Você), texto original do poeta paraguaio Manuel Ortiz Guerrero, aqui traduzida ao russo também por P. Grushko.

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Fig. 3 - José Asunción Flores com Pavel Gruschko (esq.) e Yuri Aranovich (dir.) no estúdio de gravação. Moscou, 1969.

Luis Szarán, regente da Orquesta Sinfônica de Asunción (OSCA), na década de 1990, realiza a estréia no Paraguai da obra “Ñanderuvusu”, contando com a partitura manuscrita e a partitura impressa como resultado de suas pesquisas pioneiras. A obra contou com uma nova apresentação para o público paraguaio dentro do Festival de Música Contemporánea 2011 de Uninorte (Universidad del Norte), sob a regência de Diego Sanchez Haase, com a Orquesta de la Universidad Del Norte. Em contato pessoal via correio eletrônico, Sanchez Haase menciona que o texto da obra foi apresentado no idioma espanhol, sendo traduzido a

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partir da edição russa (com texto no próprio idioma russo). Um dado muito importante é a apresentação desta obra como fora concebida originalmente, com um ballet; assim, a coreografia foi encarregada ao artista cubano Manuel Perez, com base no argumento escrito pelo próprio José Asunción Flores, cedido por Gilberto Rivarola. Em entrevista realizada a Gilberto Rivarola em Janeiro de 2013, por Nicolás Salaberry, (presente no Apêndice desta mesma monografia), são comentadas as circunstancias que envolveram a estreia da obra “Ñanderuvusú” em Buenos Aires e em Moscou. “[Ñanderuvusú] Se ejecutó instrumentalmente en Moscú, en la sala de grabaciones. Allá en Buenos Aires yo llegué a ver en un teatro pequeño, y ahí una bailarina solista hizo una coreografía, pero después nadie más se animó a hacer.(…)”

Estas afirmações de Gilberto Rivarola deixam uma grande curiosidade sobre os aspectos artísticos envolvidos nesta apresentação coreográfica da obra “Ñanderuvusú” (talvez a primeira), realizada por uma bailarina solista cujo nome, no momento da entrevista, não foi possível recuperar.

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Fig. 4 - Capa da partitura “Ñanderuvusú” de J. A. Flores, edição russa de 1970.

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Fig. 5 - Capa da partitura “Ñanderuvusú”, edição manuscrita com texto em Guarani e anotações em Russo.

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Fig. 6 - Primeira página da partitura “Ñanderuvusú”, edição manuscrita com texto em Guarani e anotações em Russo.

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Aspectos Musicais

Na versão Russa, a obra dura 10 minutos e 40 segundos. A Orquestração Sinfônica conta com partes para Flautin, Flauta, 2 Oboés, 2 Clarinetes (Bb), 2 Fagotes, 3 Trompas (F), 2 Trompetes (Bb), 2 Trombones, Tímpano, Percussão (pratos, caixa, bumbo, tam tam, vibrafone, maracas), Harpa, Violino I e II, Violas I e II, Violoncelo, Contrabaixo, Coro SATB e Piano. Os andamentos indicados na introdução oscilam entre o Lento e Allegro (um a quatro compassos cada). Sonoridade com harmônicos nos violinos e gestos fortíssimos (quase que estalos) com clarinetes, trombones, violas, violoncelos e vozes; este trecho é caracterizado por contraposição de compassos calmos e leves com compassos enérgicos. O Lento evoca a sonoridade do Mainumby (flauta indígena), no compasso 9. Assim, se estabelece o tema melódico no modo menor antigo, com as flautas e fagote. Evoca uma sonoridade de cantochão, remetendo a um estado de contemplação, isso entrecortado com passagens vigorosas, fugazes e rítmicas em 4/8 (Allegro) dos trombones, cordas (violas e violoncellos), clarinetes, percussão, harpa e vozes graves. A obra apresenta padrões estruturais rítmico-melódicos, por exemplo, a presença de escalas ascendentes nos sopros – muitas vezes por tons inteiros – nos momento de modulações ou passagens de uma seção para outra. As regiões harmônicas da harpa (volatas a partir do compasso 11) estão definidas também pela escala de tons inteiros a partir de Fá. Os sopros polarizam para as notas complementares da escala de tons inteiros, agora iniciando a partir de Fá # – na passagem para a Seção A da Exposição, compasso 35 – produzindo assim acordes aumentados (Bb+, C+, D+). Dissonâncias com acordes aumentados e diminutos, assim como escalas ascendentes por tons inteiros e volatas realizado pela Harpa, se contrapõem ao Adagio que representa um dos momentos mais calmos da peça (compasso 27). Esse contraste permeia a introdução, até a entrada do coral em uníssono dentro de um intervalo de quinta justa (evocação do tema do Mainumby, semelhante a uma oração) é respondido pelos sopros em p, dentro da escala ascendente de tons inteiros. São apresentados assim os elementos fundantes da peça.

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Seguidamente no Andantino do compasso 37, entramos na Seção A, tema com características marcadas e rítmicas em 3/4, novamente gestos sonoros das vozes masculinas como interjeições ou chamados cintilantes quase espásmicos, evocando uma espécie de mantra com a frase “jhane”. Por outro lado, se bem as vozes estão predominantemente dentro do campo harmônico de Fá menor (polarizando em outros momentos para a dominante menor: Cm), observa-se a superposição de tonalidades a partir do compasso 41, caracterizadas pelas cordas, sopros, piano e harpa (Ex. C7 e Bb7). Caminha assim para uma grande sonoridade e massa orquestral com um forte caráter rítmico-ostinato de dança quase ritual. No compasso 104, se mantêm o caráter, porém agora em 3/8 e com andamento em Allegro. No Desenvolvimento (compasso 160), depois da grande pausa, vem o Adagio em 3/2, com caráter reflexivo e solene, passando novamente por oscilações entre o andamento Allegro e Lento, para voltar ao caráter rítmico de dança em 3/8, Allegro, no compasso 176. Neste ponto, o uníssono das vozes masculinas estão em contraponto com as notas sustentadas das vozes femininas, agora passando por um filtro orquestral e vocal, utilizando aumentações e notas sustentadas no coro e violinos I e II. No compasso 231, as madeiras realizam uma ponte sonora, fazendo uma citação do caráter rítmicomelódico apresentado anteriormente pelo solo de tenor do compasso 167. Passando por um processo de agregações da massa coral e orquestral, e depois de um crescendo constante até um ff, chega o ápice da peça no compasso 311, caracterizado pelo tutti orquestral, vertiginosas escalas cromáticas ascendentes, notas sustentadas e marcada polirritmia. No molto ritardando do compasso 311, talvez o ponto mais dramático da peça, atingi-se o andamento Lento, com notas sustentadas na região aguda e repetida por três vezes, realizado somente por tenores e sopranos. Depois de atingir as notas sustentadas (comp. 313 ao comp. 316), observa-se um perfil melódico descendente das vozes que caracteriza a Transição (comp. 317 ao comp. 340) , seguido de um caráter rítmico na percussão em 3/8 com gestos orquestrais. Assim também, entram as vozes graves sustentadas por fagote, violoncello e contrabaixo. A partir do seguinte andamento Lento do compasso 341, o compositor recapitula alguns motivos rítmico-melódico abordados anteriormente, ou seja, a introdução da Exposição como trechos

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do Desenvolvimento. Nos compassos finais, e com notas agudas sustentadas por sopranos e tenores na palavra Tupa (Deus), atingi-se à maneira de Coda o andante sostenuto em ff, permeado por dramáticos e expressivos silêncios, até chegar ao final com toda a massa orquestral.

Aspectos Estruturais

A Exposição (Compasso 1 - 159) pode-se dividir em Introdução, Seção A e Seção B.

Introdução da Exposição (Compasso 1 - 36):

Seção A da Exposição (compasso 37 - 103):

Seção B da Exposição: Allegro (compassos 104 - 159)

Desenvolvimento (160 - 316) pode-se dividir em Introdução, Seção 1 e Seção 2.

Introdução do Desenvolvimento (compasso 160 - 166)

Seção 1 do Desenvolvimento (compasso 167 - 230 ).

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Seção 2 do Desenvolvimento (compasso 231 - 316).

Transição (317 - 340).

Reexposição breve (341-352).

Coda (353 - 358).

Exposição

Desenvolvimento

Transição

Reexposição

Coda

breve Introdução E.

Introdução D. (160-

(1-36)

166)

Seção A (37-103)

Seção 1 (167-230)

Seção B (104-

Seção 2 (231-316)

317 - 340

341 – 352

159)

Tab. 1 - Divisão da obra “Ñanderuvusú” em seções.

353 - 358

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Aspectos Referentes à Relação Texto-Música

O texto original está em Guarani onde: Ñanderuvusú

(Nosso Pai Grande)

Tupa eyú

(Deus venha)

Jhane jhane ia

(sons onomatopaicos, interjeições)

No idioma guarani, a palavra Ñanderuvusu é a junção de três outras palavras, sendo elas: Ñande, que significa em português “nosso”; “ru”, que significa progenitor; “vusu”, que é uma variação da palavra “guasu”, que significa grande. Cabe ressaltar que no guarani existem duas maneiras de se referir à primeira pessoa do plural, a primeira que é o “ñande” que inclui o interlocutor; e por outro lado o “ore” que exclui o interlocutor. Dessa maneira, o caráter coletivo da palavra “ñande” é mais universal. Seguidamente a frase “Tupa eyú”, onde “Tupa”, significa Deus, e “eyú”, significa venha. O texto da peça Ñanderuvusú pode ser estruturado em três partes, a primeira corresponde à introdução, onde se apresentam as principais células rítmico-melódicas, estabelecendo assim, um claro contato com o texto. Aqui, o texto usado é “Ñanderuvuzu” (edição manuscrita), a sílaba “Ñan” é feita como levare em semicolcheia, seguida de acentuação no tempo forte na sílaba “de-ru-vu” em quiálteras de semicolcheias, para fechar essa primeira célula com a semicolcheia em “zu”. No contratempo do segundo tempo (compasso 2), aparece a segunda célula rítmica em uma única nota, quase que falada, com o texto “Ñanderu”; assim, “Ñan-de” é feita no contratempo em fusas para atingir no próximo tempo forte a sílaba “ru”. Tal célula é repetida por mais quatro vezes e existe uma variação rítmica por espelhamento no último tempo do terceiro compasso (duas fusas e uma semicolcheia), adaptando o ritmo à cadência do texto “ru-vu-zu”.

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Ex. 1 – O texto “Ñanderuvusú” atrelado às ideias rítmico-melódicas.

Dessa maneira, mostra-se já o caráter em ostinato, remetendo à idéia de ritual ou dança indígena. Na nova aparição dessa célula rítmico-melódica, no compasso 8, essa adaptação não é necessária já que a sílaba “ru” esta na cabeça do compasso 9 (Lento), momento em que o Piccolo e Fagote ganham maior evidência. Assim, pode-se assinalar que, esse caráter rítmico-melódico enérgico, alterna com passagens suaves no andamento Lento. No compasso 15 – ainda fazendo referencia à primeira célula rítmico-melódica – além dos tenores e barítonos, surge por primeira vez os sopranos e altos, dobrando a parte orquestral; porém, a realização da célula rítmica em ostinato permanece ainda nos naipes masculinos. No Adágio do compasso 27, entra o coral à capella, em uníssono e naipes em uma oitava. Encontramos o segundo tema rítmico melódico, apresentando por primeira vez o texto “Tupa eyú” que significa em português “Deus venha”. O caráter agora é calmo, quase que uma oração no modo litúrgico eólio. A melodia esta dentro das cinco primeiras notas da escala de Fa menor. Predominam saltos em quinta justas, terças menores e segundas, assim também melismas na mesma sílaba “e”.

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Ex. 2 – Tema rítmico-melódico Coral.

O tema melódico coral no Adágio do compasso 27, tem sua origem no trecho instrumental apresentado pelo solo do Piccolo e Fagote (comp. 5 ao comp. 14).

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Ex. 3 – Solo do Piccolo, oitavado pelo Fagote. Trecho inicial que dará origem ao tema rítmicomelódico Coral do Adágio do comp. 27.

Em relação ao texto e ao perfil melódico das vozes corais, pode-se afirmar que o comportamento harmônico da obra tem ligação com o conteúdo semântico do texto na medida em que predomina o campo harmônico de fá menor. Por outro lado, quando surge uma nota fora do campo harmônico, está nota está totalmente atrelada ao texto. Ex. Quando aparece o texto “Ñanderuvuzu”, é o momento em que surge a nota Lá natural – antes bemolisada - (Compassos 2, 8, 11, 15, 21, 342, 346). No Andantino do compasso 37, o tempo se estabelece principalmente em 3/4, caracterizado por um ritmo recorrente associado ao texto “jha ne” que remete ao ritual de dança indígena; contribuem para isso os ostinatos rítmico-melódicos da percussão, cordas e madeiras. Existem algumas variações na marcação de tempos em trechos de transição, porém predomina o ritmo ternário até o final da Exposição. Neste ponto, aparece a terceira célula rítmico-melódica vocal no naipe de tenor e barítono (compasso 39), apoiada inicialmente pela Trompa e em compassos consecutivos também pelo Trombone. O texto “jha ne” não possui um significado aparente no idioma Guarani, porém conseguese associar às primeiras duas sílabas da palavra “Ñanderuvuzu”. Mais à frente encontram-se variantes dessa mesma palavra, às vezes como repetição de sílabas: “jha jhane”, “jhane jha”; outras variações

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como: “jhan jha ia”, “jha ne ia”, “jhan jhia”. Assim, pode-se afirmar que se trata principalmente de sons onomatopaicos, ou até uma interjeição de exortação ao Deus Tupa. No próprio manuscrito existe uma anotação para o compasso 39 enfatizando: “No muy bien pronunciada(s) las letras” (Não muito bem pronunciadas as letras). Dessa maneira, no tratamento timbrístico existe a intenção de comentário ao texto, na medida em que os sons onomatopaicos da palavra “jha ne” remetem aos cantos ritualísticos indígenas. A célula rítmica apresenta duas colcheias, sendo a segunda colcheia ligada a uma mínima (compasso 39, 43, 46 e 48), seguida de variações com acentos deslocados e síncopas.

Ex. 4 – Terceira célula rítmico-melódica com o texto “Jha ne”, que dará origem às suas variações.

As variações de intensidade não obedecem estritamente às sugestões do texto; assim, o mesmo texto que se apresenta em pp, em seções diferentes aparecem em ff, como é o caso da frase “Tupa eyú”, na introdução (compasso 27) está em pp, e na Reexposição (compasso 350) em ff. A partir do compasso 50, casa de ensaio 6; começa a aparecer combinações dos elementos apresentados anteriormente; assim, sopranos e mezzo-sopranos realizam variações em oitavas sobre o segundo tema rítmico-melódico; fazendo contraponto com barítonos e tenores que estão em uníssono (variação da terceira célula rítmica).

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Do compasso 79 ao 101, encontramos o momento de maior independência das vozes, onde o compositor, através da imitação, apresenta o segundo tema começando em diferentes alturas, mas mantendo os intervalos ascendentes: sopranos (sib - fá), tenor (dó - sol) e mezzo-sopranos (fá - dó), enquanto os barítonos realizam as variações do terceiro tema rítmico melódico (caráter mais marcado, acentos deslocados e síncopas com o texto “jha ne”). Assim, o texto está atrelado às ideias que originam o contraponto em toda a obra. Esse aspecto mais dançado do barítono faz caracterizar o Allegro do compasso 104. Agora, a textura das vozes predominantemente homofônicas apresenta o naipe de soprano e tenor em intervalo de oitava; o mezzo-soprano canta as mesmas notas de tenor ou soprano, porém por movimento contrário. No compasso 112 cantam todos em uníssonos e oitavas, encaminhando assim para a retomada da primeira célula rítmico-melódica do texto “Ñanderuvuzu”. No compasso 132, o naipe de soprano canta, à maneira de citação, o segundo tema rítmico-melódico, sendo que o naipe de tenor responde com a mesma citação uma quarta justa abaixo. Mantendo o tempo em 3/8, a orquestra toda caminha para uma grande pausa (compasso 159). As pausas, aumentação das figuras, pizzicatos e filtro orquestral coral, concluem a Exposição. No Adagio do compasso 160, começa o Desenvolvimento. O solo do clarinete é respondido pelos instrumentos médio – graves: violas, violoncello, fagote e piano na região grave, abrangendo três oitavas. Este trecho possui elementos do segundo tema rítmico-melódico da introdução (Lento, compasso 9), adquirindo um caráter grave. No Allegro do compasso 167, a célula rítmica (em 3/8) cantada pelo solo de tenor, que permeará grande parte do Desenvolvimento, se caracteriza pela semicolcheia, colcheia pontuada e colcheia com apojatura.

Ex. 5 – Célula rítmico-melódica (variação), originada a partir da Terceira célula rítmicomelódica.

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Embora ganhe um destaque mais evidente neste ponto, esta mesma célula aparece na variação da terceira célula rítmico-melódica no barítono, tenor e a terceira trompa desde o compasso 64, em diante (colcheia, colcheia ligada a semínima, colcheia). A partir do compasso 104, esta mesma célula está presente na orquestra toda. Mais adiante, tenores e barítonos cantam em uníssono (compasso 176) com caráter enérgico, seguidamente sopranos e mezzo-sopranos em oitavas realizam um contraponto com o naipe masculino (compasso 190), até chegar às notas sustentadas realizadas por todos os naipes vocais. Depois de um filtro vocal e orquestral, sopranos cantam notas sustentadas, dobradas pela trompa solo. Depois de um silêncio total, e valendo-se de duas notas (Dó b – Si b) por salto de oitava nas violas, chegamos ao momento de destaque das madeiras, como um intermezzo dançado, leve e descontraído (compasso 231).

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Ex. 6 - Página 46 da partitura Ñanderuvusú. Edição russa, 1970.

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Com essa mesma célula rítmica e texto “jhane jhia” entra primeiramente o tenor, acompanhado pelas violas e percussão. Como um crescendo instrumental entra o violoncelo (em pizzicatto) e em resposta ou conseqüente, no compasso 259 entram oboés, fagote, trompetes e trombones com surdina e violinos. Dessa maneira, com a entrada também dos clarinetes, trompas e contrabaixo (compasso 263), a orquestra e piano estão em maior evidência junto às vozes homofônicas (sopranos e tenor em oitava). Maior adensamento coral orquestral, com participação de todos os naipes vocais; soprano e tenor em oitava (quinto grau do acorde de Fá menor), mezzo-soprano com a terça menor do acorde, e barítonos cantando por cromatismos descendentes desde a fundamental até a quinta do acorde (compasso 277278). A partir do compasso 288, se acentua a polifonia marcada pelas 3 colcheias e suas subdivisões (contrabaixo, violoncelo, violas e trompas) contra 2 colcheias pontuadas e subdivisões (clarinetes e violinos, trombones e trompetes, flauta e piccolo). Considerando as vozes, pode-se assinalar o ápice da obra a partir do compasso 305 ao 312, chegando ao máximo da sua dramaticidade nas notas agudas sustentadas em oitavas, realizada pelo tenor e soprano nos compassos 313-316, cujo texto em guarani “Tupa eyú” que significa “Deus venha”, ganha mais ênfase ao ser repetido por duas vezes.

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Ex. 7 - Adensamento da massa coral – orquestral. Página 53. Edição manuscrita.

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Ex. 8 - Notas agudas sustentadas com o texto “Tupa eyú”, colocada em maior evidência pelo silêncio orquestral. Página 55 da edição manuscrita.

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A transição pode compreender entre os compassos 317-340. No compasso 341 observa-se a retomada das idéias inicias da introdução, passando pela primeira célula rítmica “Ñanderuvuzu”, a segunda célula rítmico-melódica (Lento, compassos 345 e 346) e a retomada de elementos do trecho final do desenvolvimento (notas sustentadas dos tenores e sopranos nos compasso 350 ao 352) com o texto “Tupa eyú”, repetindo agora a palavra “eyú”, ou seja “venha”. A Coda final, em fortíssimo (Andante sostenuto, compasso 353), é cantada em uníssono (soprano e mezzo) e oitava (tenor e barítono) na região grave com o texto “Ñande ru”, repetido por três vezes. Depois de uma última atuação solo do tenor, a massa coral canta o texto “eyú”, finalizando com o fortíssimo orquestral.

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Ex. 9 - Compassos finais em ff da obra “Ñanderuvusú”. Página 63 da edição manuscrita.

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Com tudo o que foi referido, pode-se afirmar que a estrutura da obra mantém forte contato com a estrutura do texto, e que a repetição de trechos musicais (ostinatos rítmico-melódico nas vozes e instrumentos, pêndulos harmônicos, notas sustentadas e repetidas) corresponde com a repetição do texto. Por outro lado, o uso dos silêncios corais e orquestrais estão completamente inseridos dentro do texto em quanto tal, com a exceção do texto onomatopaico “jha ne jhia”, que por enfatizar o caráter rítmico e dançado da obra, tornou possível liberdade maior na construção das diferentes palavras em diferentes sílabas.

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CONCLUSÃO

Com este trabalho podemos concluir que a obra “Ñanderuvusú” de José Asunción Flores – com texto original no idioma Guarani e argumento baseado na origem e cosmologia desta mesma cultura – ganha uma importância maior ao fazer parte do resgate cultural, musical e sinfônico, das obras produzidas na América-Latina durante a primeira e segunda metade do século XX. Por outro lado, para compreender melhor como surge à figura emblemática de José Asunción Flores é necessário desenvolver uma pesquisa mais minuciosa sobre o contexto histórico-social do compositor. Assim também, torna-se importante conhecer em maior profundidade as possíveis motivações e processos expressivos para a realização do seu fazer artístico. Dessa maneira, a pesquisa dos materiais musicais: diferentes edições da partitura (manuscrita e impressa), registros fonográficos históricos da obra, diversas biografias, relatos dos próprios amigos do compositor e as homenagens outorgadas; tudo isso demonstra que existe um interesse latente e crescente sobre a vida e as obras do compositor José Asunción Flores.

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APÊNDICE Entrevista de Gilberto Rivarola concedida a Nicolás Salaberry (Janeiro de 2013, Assunção – Paraguai ) Gilberto Rivarola é Presidente do Ateneo Cultural “José Asunción Flores”. Em Buenos Aires, por volta de 1948, conhece e se torna grande amigo de José A. Flores. Até hoje, realiza uma intensa atividade para divulgar o trabalho do compositor paraguaio.

Gilberto Rivarola: Está Schostakovich, está Prokofiev, Khachaturian, [Kavaletski], (…), una série de diez o doce músicos que firmaban el pergamino. Bueno, ese pergamino desapareció, lo tenia en su casa cuando vivía en Ramón Mejía, después se mudó al centro. Y cuando llegué, desapareció, alguien lo habrá llevado verdad?. Entonces, la Radio Moscú necesitaba una cortina musical para la versión de América Latina. Necesitaba una música de compositores Latino-americanos. Nicolás Salaberry: El Gallito Cantor? Gilberto Rivarola: [Asintiendo con la cabeza] Y le pidió a la sociedad de compositores…(Que dirigía entonces Schostakovich, le pidió que recomendase algo, alguna composición, y ahí recomendaron Gallito Cantor ). Y Gallito Cantor fue durante 30 años cortina musical de Radio Moscú. Después no solo eso. Imagínense ustedes lo difícil que es llegar a esos lugares. Por ejemplo, grabar con la Orquesta Bolshoi de Radio Moscú. Maria de la Paz se grabó en vivo con la Orquesta Bolshoi de Radio Moscú. Resulta que el Partido Comunista Soviético estaba, unos cuantos años, haciendo su Congreso Nacional y asistían países de todo el mundo, delegaciones de todo el mundo, en el 59’. Y tenían la costumbre de hacer el agasajo a las delegaciones extranjeras con un concierto en el teatro Bolshoi. Esa era una especie de costumbre del Partido Comunista Soviético. Bueno, y ese año, como Flores estaba allá, continuamente fue invitado como músico. No fue invitado por el Partido Comunista, ni enviado por el Partido Comunista Paraguayo; él fue invitado por los músicos soviéticos. Ese año él estaba ensayando Maria De La Paz y otras canciones, entonces la orquesta sinfónica del teatro Bolshoi puso en su repertorio Maria de la Paz, para homenajear a las delegaciones extranjeras. Ahí se gravó en vivo Maria de la Paz que está aca [apuntando al CD recopilado por el Ateneo Cultural José Asunción Flores], y el

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trajo la cinta en el 59, y se hicieron grabaciones particulares y se mandaron de contrabando al Paraguay. Acá estaba totalmente prohibido la circulación de eso. (…). Se peleaban la gente por los discos. Después, en el 69, ya hizo una selección, una colección de sus Guaranias Sinfónicas como Pyhare Pyte, Ñanderuvusu, Maria de la Paz, Ahendú nde Sapukai. Bueno, todo eso se gravó en el 67’ y él trajo en la Argentina la Cinta, a mi me dio una cinta. A los amigos que más quería repartió la Cinta, y la hija Juanita hizo una grabación de Pyhare Pyte que dura cuarenta minutos. Es una belleza. Una gran pintura (…) esa composición. Cuarenta minutos [de música] y tan joven. Y Maria de la Paz también. Él militaba en el Consejo Mundial de la Paz. Fue uno de los fundadores con Picasso, Pedro Curie, (…), Pablo Neruda, Jorge Amado. Jorge amado en sus memorias dedica todo un capítulo a él; le quería muchísimo, bueno todo el mundo le quería. [ En este momento, Gilberto Rivarola ofrece, como regalo al entrevistador Nicolás Salaberry, el CD con las grabaciones de los poemas sinfónicos de José A. Flores, recopilados por el Ateneo José Asunción Flores]. Bueno entonces yo te voy a dar acá, esté es el primer volumen. Guyrahu también es una composición de una belleza incomparable. India, orquestada ya en el campo sinfónico. Ka’aty, Nde rendape ajú, una belleza. Ñemity, es un clásico prácticamente: en este disco está. Bueno, este retrato está hecha por un pintor misionero [Gil Alegre Núñez] que estudió las misiones jesuíticas en Roma por 10 años. Y él me hizo los tres retratos, para cada volumen. Este es en la época su madurez [Volumen I], esta cuando era joven [Volumen II] y esta cuando estaba enfermo [Volumen III]. Bueno, Gallito Cantor no es lo que él gravó [refiriéndose a la selección de esta música como cortina musical de la Radio Moscú para América Latina]. Él no sabía que le iban a pedir para que autorice a Gallito Cantor como cortina musical...En un Congreso [de Paz] de Varsovia, la sociedad de músicos le invitó para visitar Moscú, la primera vez. Le mandaron los pasajes de avión; canceló su vuelo por mal tiempo. Y se fue de tren desde Varsovia hasta Moscú. Llegó allá y se alojó en el Hotel de invitados, y al día siguiente viene un personaje y le invita para ir a…Le lleva, directo al local del Teatro, y se abre la entrada, abren una cortina y aparece ahí una Orquesta Sinfónica, todo ya preparado. En el atril las partituras de Gallito Cantor. “…Maestro, esta es una sorpresa que le ofrecemos, porque queremos que la música Gallito Cantor sea la cortina musical de Radio Moscú…”. Esto era en la época de la Orquesta Ortiz Guerrero [Orquesta dirigida por José Asunción Flores en Buenos Aires], en el ’55, ‘56.

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Después Nde Ratypycuá también. Y yo puse esto, esta es la segunda edición también, yo puse esto porque no se difundía porque son muy largas y no da para difundir en radio. Al leer también como anzuelo verdad. Nde Ratypycuá, Buenos Aires Salud!, Musiqueada che Amape: todo esto [grabado] con la Orquesta Ortiz Guerrero; y el último Pyharé Pyte. Tiene tres movimientos, un prólogo y un epílogo.

Nicolás S.: dedicado a Ortiz Guerrero? Gilberto Rivarola: Si. En realidad, esta obra fue inspirada en la historia del Paraguay, desde la conquista hasta la guerra del Chaco, con la muerte de Ortiz Guerrero. Y le dedica a Ortiz Guerrero. Una belleza. En el Volumen III cuando ya estaba enfermo. Aquí esta Kerasy, que es en la época de Ortiz Guerrero, esta nunca se grabó. Se grabó en el ’57, creo que por una Orquesta Sinfónica del Profesorado Orquestal de Buenos Aires. Ahendú Nde Sapucay, es una composición de ritmo kyre’y. Paraguay [texto] de Ortiz Guerrero, Mburicaó, es una belleza, modificó totalmente lo que era para piano. (…). Después viene Ñanderuvusú, de acuerdo muchos músicos, conocedores talentosos como por ejemplo Sila Godoy dice que Ñanderuvusú es la obra cumbre de Flores, después acá él introduce compases que tienen que ver con la música moderna; donde demuestra su conocimiento técnico de la música. Bueno, y después Che Pycasumi, (…). Este se grabó también en el año ’35, pero se perdió la grabación porque la fábrica Odeón de disco comenzó en el ‘35 grabando en discos de pasta de 78 revoluciones. Y después cuando aparecieron los discos de vinilo, la empresa Odeón hizo una edición de dos volúmenes con las músicas grabadas en pasta, y después se incendió. Se agotó enseguida y se incendió el local y se perdió uno de los volúmenes donde estaba Che Pycasumi. Bueno, Che Pycasumi estaba en un disco de pasta. Luis Szarán estando en Buenos Aires hace muchos años, encontró en un lugar que se dedicaba a la venta de discos viejos, y se metió ahí a curiosear, y encontró ahí el disco de Che Pycasumi, y otras mas también que no se conocían. Y estando en un estudio en Buenos Aires le sacó todos los ruidos y pasó a un casset, y ese caset me regaló a mí. Después de mucho tiempo, cuando hice la revisión me fui a un estudio que había acá, pasé ahí porque había un poco de ruido, bastante ruido había sobre todo en la segunda parte. La primera parte donde estaba Che Pycasumi no tanto. Me

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limpiaron un poquito pero no me limpiaron bien. Después cuando fui a hacer la revisión de esta misma grabación, me fui a un estudio (…) y ahí si me sacaron totalmente, y es con la Orquesta Ortiz Guerrero. Canta Eladio Martínez y hay un dúo Martínez-Cardozo. Eladio Martínez y Cardozo Ocampos formaron un dúo en aquel tiempo, un dúo muy famoso allá en Buenos Aires, y grabaron también con Flores, entonces acá está como solista Eladio Martínez y hay una parte con el dúo Martínez-Cardozo.

Nicolás Salaberry: sobre Ñanderuvusú, se hizo alguna vez con ballet? Porque se sabe que Flores quería hacer con Coro, Orquesta y un Ballet.

Gilberto Rivarola: este es un Ballet Sinfónico Coral. Nicolás Salaberry: se llegó a hacer eso? Gilberto Rivarola: Se ejecutó instrumentalmente en Moscú, en la sala de grabaciones. Allá en Buenos Aires yo llegué a ver en un teatro pequeño, y ahí una bailarina solista hizo una coreografía, pero después nadie más se animó a hacer. Y no hace mucho, Diego Sanchez Haase, Director de la Orquesta Sinfónica de la Universidad del Norte, me pidió la partitura y le dí. En ese tiempo el director del ballet era un cubano, un maestro cubano que estaba residiendo acá, y le interesó al [director] cubano para hacer la coreografía, y se puso a trabajar. Y antes de terminar la coreografía recibió una oferta del Brasil para ir a trabajar allá, y fue a trabajar allá una temporada y volvió otra vez. Y el año pasado, o ante pasado creo, me dijo Diego Sanchez, “…él está trabajando a todo trapo [mucho ahínco] y vamos a presentar eso, en muy poco tiempo ya vamos a poner en escena la coreografía del cubano…”. Y efectivamente se estrenó en el Gran Teatro del Banco Central que ahora se llama “José Asunción Flores”, gracias al trabajo del Ateneo Cultural José Asunción Flores y el directorio del Banco Central prácticamente. Yo estuve presente, estuve con Antonio Pecci []. Ellos tenían un tríptico del ballet y no se animó a escribir la crítica. Entonces Pecci me pidió a mí que escribiera la crítica [de la presentación], y yo conozco toda la história, tengo mucho conocimiento. Yo viví 34 años en Buenos Aires en el exílio y durante 20 años yo asistia en el teatro Colón permanentemente durante los ciclos de abono en las presentaciones wagnerianas, en los conciertos y he visto grandes directores como Erich

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Kleiber, Karajan y otros más, y estaba capacitado y escribí; hice un gran esfuerzo e hice la crítica y me felicitó Sanchez Haase (…). NS: y donde se publicó? GR: En ABC [color]. NS: y si yo quiero tener esa crítica en que libro puede estar? GR: Yo tengo el recorte, tengo que buscar; por eso digo, con tiempo nosotros tenemos que…yo te puedo dar muchísimo materiales. Yo he pronunciado mas de cien conferencias sobre Asunción Flores, en universidades, colegios, en teatros. También gravamos en dos volúmenes las obras de Herminio Giménez, sus obras sinfónicas y en el otro las [obras] populares. Tengo muchos materiales que te pueden servir para tu Tesis, pero tenemos que hacer con tiempo. NS: exclusivamente, Ñanderuvusú quiero focar para mi trabajo; me gustaría hacer eso allá en São Paulo, me gustaría el recorte y la partitura también para tener una fuente. []. GR: creo que tengo las partituras, tengo que buscar. Me mudé hace dos años aca. Vivia en la calle España, viví como 15 años allá. Los materiales están todos esparcidos y no tuve tiempo hasta hoy de recoger. Pero de a poquito voy… NS: Le agradezco mucho. [en este momento, Gilberto Rivarola escribe un recibo de donación, relacionado al CD que acaba de regalar a Nicolas Salaberry]. [Así también, Gilberto Rivarola comenta que nació en Itá, misma ciudad donde el entrevistador Nicolás Salaberry y su Madre Celsa Ramírez tienen residencia hace 20 años. Después de esta sorpresa, naturalmente se habla sobre el Profesor Celso Bazán (fallecido recientemente aquejado por una enfermedad crónica), fundador y director de la escuela de Música Maestro Herminio Giménez, institución de auto-gestión que se destaca en el País por brindar formación musical y artística a niños y jóvenes, principalmente los de escasos recursos. Con dicho profesor, Gilberto Rivarola comenta haber trabajado en el 2005. ]

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ANEXOS

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