Jorge Luis Borges e Gonzalo Torrente de Ballester: Ficção e Crítica entre Labirintos.

Share Embed


Descripción

ARTIGO NÃO PUBLICADO: FAVOR NÃO CITAR

Jorge Luis Borges e Gonzalo Torrente de Ballester: ficção e crítica entre labirintos. *Edson J. D. de Sousa1 “Algo entiendo de laberintos: no en vano soy bisnieto de aquel Ts'ui Pên, que fue gobernador de Yunnan y que renunció al poder temporal para escribir una novela que fuera todavía más populosa que el Hung Lu Meng y para edificar un laberinto en el que se perdieran todos los hombres.” Jorge Luis Borges “No un lío, sino todo un laberinto. El laberinto es la razón que se ríe de sí misma y desarrolla las posibilidades de oscuridad que su naturaleza le permite. A primera vista, claro. Si ustedes lo observan bien, mi Laberinto de Tubos no abandona en un solo momento de su trayecto el principio matemático. Quiere decir que el genio no está al alcance de todas las conciencias.” Gonzalo Torrente Ballester

Jorge Luis Borges (1899-1986) depositou no truque e na falsificação a verdadeira e única dignidade da literatura (MONEGAL, 1997, p.55); por isso o golpe, por isso a burla com poemas, com contos, com ensaios, associando-os e combinando-os, à primeira vista, gratuitamente, como um divertimento. O jogo literário empreendido é um lance do portenho prestidigitador, o Abre-te Sésamo! com que introduz e nos desencaminha pelo falsificado, adulterado, mentiroso, enganador, equívoco. Com “El jardín de senderos que se bifurcan”, o escritor argentino nos coloca frente a frente ao caráter profundamente labiríntico de toda ficção e assenta, com o simulacro, sua crítica à ideia da literatura como transparência que libera outra coisa (RICARDOU apud MONEGAL, 1997, p. 23-24). A obra borgiana, de forma incisiva, é sempre testemunha da infatigável circularidade que a define. O escritor argentino tornou-se reconhecido universalmente por contos e ensaios, em que sobressai uma intrincada trama de caráter ficcional, repleta de citações (nem sempre) apócrifas, fragmentos, alusões mitológicas, referências históricas, filosóficas, 1

Acadêmico do Curso de Direito da Universidade de Brasília (UnB), Ex-Membro Bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET-Dir UNB). Contato: [email protected]

ARTIGO NÃO PUBLICADO: FAVOR NÃO CITAR literárias e teológicas. Borges escreveu sobre escritores imaginários, fundamentando-se em dados históricos falsificados, recorrendo a arquivos inexistentes; esmerou-se em desfazer as fronteiras (rígidas) entre o sonho e a realidade, entre a crítica e a fantasia, multiplicando as fantasmagorias com que estabeleceu a natureza labiríntica e metaficcional de toda a literatura – tornando onipresente seu Deus do Labirinto (Ibidem, p. 23-24) na literatura espanhola mais recente. De fato, o conhecimento da obra de Borges estruturou-se, com o tempo, como verdadeiro hipertexto, múltiplo e interligado, de leituras e diálogos transatlânticos para os escritores/críticos espanhóis contemporâneos. Cada vez de forma mais intensa, os problemas e temas retirados do arcabouço compartilhado da própria tradição cultural ocidental, de forma geral, mas refundados e deslocados pelas contribuições do escritor argentino, definiram um campo cultural habitual absorto em jogos e referências cruzadas – um universo literário em que o que se lê e o que se escreve é, sempre, desde a obra borgiana (MORA, 2010, p.268-269). Los autores como Borges son conscientes de que la cultura es una red, un sistema complejo en el que los nodos no son las naciones ni las geografías, ni siquiera los movimientos estéticos, sino las ideas. Cuando las ideas son realmente importantes se comunican e interpenetran, se enriquecen y denotan unas a otras por encima de las barreras lingüísticas, sociales, antropológicas, e incluso temporales (Ibidem, p.285).

Adotou-se, assim, e de forma mais específica, dentre o enorme périplo possível dos que tiveram contato com os textos borgianos, a obra Fragmentos de apocalipsis (1977), do crítico e romancista espanhol Gonzalo Torrente Ballester (1910-1999), usando-a como ensejo ao exame mais amplo e mais irrestrito da recepção, de seus efeitos e desdobramentos, e da intertextualidade que estabelece ao projetar relatos à semelhança de Dédalo. No romance supracitado, não só o leitor, mas também personagens e o próprio narrador, explicitamente encontram-se à beira de desvendar a origem do enredo policialesco e labiríntico dum escritor que se converte, ao desembaraçar ante seus interlocutores os mecanismos narrativos com que construiu a trama, em “maestro de las pistas que se bifurcam (OREJAS, 2003, p. 288)”. “¿Insinúa que están luchando nuestras personalidades?” “Lo que se dilucida, le respondí, es si yo le inventé a usted o usted me inventó a mí. Me parece una cuestión estúpida, porque yo no le he inventado, ni nadie como usted ha pasado jamás por mi imaginación, aunque ahora mismo esté usted en ella.” “O usted en la mía. Me inclino a creer que es más exacto”. “Admito, como posibilidad remota, que usted me esté inventando, pero admita que al mismo tiempo yo lo estoy pensando a

ARTIGO NÃO PUBLICADO: FAVOR NÃO CITAR usted”. “¿Y qué se infiere?” “Que ha habido un error, o, si usted lo prefiere, una interferencia”. “Me resulta difícil explicarlo, pero, si admite que lo he imaginado, la cosa queda clara. Usted es un personaje de mi novela.” “¿De la suya?” “Sí, de esa que yo le he dictado desde el principio al fin. Puedo contársela de pe a pa, si lo desea”. Intervino Lénutchka, con voz acalorada, pero firme: “Le puedo asegurar, profesor, que la novela la ha escrito él. Soy testigo”. “Es que usted, Lénutchka, es también invención mía.” (TORRENTE BALLESTER, 1977, p. 211).

Naturalmente, estamos ante o conhecido – e supracitado – relato borgiano El jardín de los senderos que se bifurcan (1944). Neste relato se nos fala de Ts’ui Pên, personagem que abandona tudo para escrever um livro e construir um labirinto. “El libro es un acervo indeciso de borradores contradictorios (BORGES, 2007, p. 106)” e “nadie pensó que libro y laberinto eran un solo objeto (Ibidem, p. 107)”. Trata-se, ademais, do livro único, cíclico, que acaba contendo o relato que supostamente o emoldura: “en todas las ficciones, cada vez que un hombre se enfrenta com distintas alternativas, opta por una y elimina las otras; en la del casi inextricable Tsʼui Pên, opta —simultáneamente— por todas. Crea, así, diversos porvenires, diversos tiempos, que también proliferan y se bifurcan (Ibidem, p. 108-109)”. Nesse estado de coisas, não se deve estranhar a conclusão: “El jardín de senderos que se bifurcan era la novela caótica (Ibidem, p. 108)”. Assim, a vigência da obra borgiana, tanto no que se refere à temática quanto no que diz respeito às estratégias discursivas empregadas (o estabelecimento de um pacto narrativo com o leitor a partir da revelação gradativa da verdadeira identidade das personagens ocultas por máscaras, a ironia, o perspectivismo, o espaço narrativo labiríntico e sua circularidade) se verifica de forma estruturante na ficção/crítica de Torrente Ballester, que é tomada aqui como paradigma possível da recepção da obra de Borges na literatura espanhola contemporânea. Imaginé también una obra platónica, hereditaria, transmitida de padre a hijo, en la que cada nuevo individuo agregara un capítulo o corrigiera con piadoso cuidado la página de sus mayores (Ibidem, p. 108).

Para melhor indicar sob quais modos ocorre o diálogo entre as duas obras, a pesquisa toma como referencial, num primeiro momento, os estudos da Escola de Constança, em que o interesse principal, expresso nas obras de Hans Robert Jauss, Wolfgang Iser e Karlheinz Stierle, passa a ser, fundamentalmente, a leitura e os vínculos entre texto e leitor (JOUVE, 2002, p. 14). A partir do conceito horizonte de expectativa, extraído à teoria de da experiência hermenêutica e identificado com o horizonte de

ARTIGO NÃO PUBLICADO: FAVOR NÃO CITAR perguntas2 de Hans-Georg Gadamer, os dois últimos mapeiam as relações dialógicas entre a recepção imediata do texto e sua transmissão ao longo do tempo, ou entre sua significação e a organização de suas estruturas internas (STIERLE, 1979). Desse modo, para a análise da experiência do leitor ou da sociedade de leitores de um tempo histórico determinado, necessita-se diferenciar e estabelecer a comunicação entre os dois polos da relação texto e leitor, isto é, entre o efeito, como momento condicionado pelo texto, e a recepção, como o momento condicionado pelo destinatário, para a realização do sentido como duplo horizonte3 – o interno ao literário, implicado pela obra, e o mundivivencial, trazido com o leitor de cada sociedade. No triângulo formado pelo autor, a obra e o público, este último não é de forma alguma um elemento passivo, que reagiria em cadeia, mas antes uma fonte de energia que contribui para fazer a própria história (da literatura). A vida da obra na história não é pensável sem a participação activa daqueles a quem se dirige. É a sua interpretação que faz entrar a obra na continuidade de um horizonte dinâmico de experiência, na qual se opera a permanente passagem de uma recepção simples a um comportamento crítico, de uma recepção passiva a uma recepção ativa, e das normas estéticas reconhecidas a uma produção nova (JAUSS, 1993, p. 57).

De mais a mais, considerando a opção de estudo, nesta pesquisa, pelas obras de Jorge Luis Borges e Gonzalo Torrente Ballester, é importante acrescentar à análise compreensões sobre o fenômeno literário desenvolvidas pela narratologia de Gerard Gennette, que examinou, por meio da noção de intertextualidade (ou trans-textualidade), o complexo de relações que ligam certos textos literários a outros (GENNETTE, 2010). Para Genette, o objeto da poética não é propriamente o texto, mas, sim, “o conjunto das categorias gerais ou transcendentes – tipos de discurso, modos de enunciação, gêneros literários, etc. – do qual se destaca cada texto singular (Ibidem, p. 11)” ou, dito sobre outros termos, “tudo que o coloca em relação, manifesta ou secreta, com outros textos (Ibidem, p. 11)”. De maneira sucinta, o teórico francês elenca em seus “A situação hermenêutica, certamente, limita as possibilidades de ver, mas a sua adequada elaboração permite a obtenção do horizonte de pergunta correto para as questões que se colocam frente à tradição. Horizonte, desse modo, é o âmbito de visão que abarca e encerra tudo o que é visível a partir de determinado ponto, não sendo fechado, pois se desloca à medida que nos movemos. Esse deslocamento significa ascensão a uma universalidade superior: quem ganha um horizonte aprende a ver mais além do próximo (HERINGER JÚNIOR, 2013, p. 05).” 2

3

Para Gadamer a compreensão, que se realiza mediante um diálogo hermenêutico, implica fundir o horizonte do intérprete com o horizonte daquele que é interpretado, e do inter-relacionamento do horizonte próprio do intérprete com o alheio nasce um novo. Na fusão de horizontes se dá “a plenitude da conversa, na qual ganha expressão uma coisa que não é só de interesse meu ou do meu autor, mas de interesse geral (GADAMER, 1997, p.404).”

ARTIGO NÃO PUBLICADO: FAVOR NÃO CITAR Palimpsestos cinco tipos de relações transtextuais, a saber, intertextualidade, paratexto, metatextualidade, hipertextualidade e arquitextualidade, com que detalhamos, abaixo, a quarta espécie. A hipertextualidade, que se assemelha às definições de intertextualidade, de forma geral, trata, no entanto, de relações mais íntimas entre textos ou de associações mais evidentes que certamente não escapam ao leitor atento. Gerard Gennette, de modo sucinto, entende por hipertextualidade toda relação que une um texto B (hipertexto) a um texto anterior A (hipotexto) que não na forma de mero comentário (Ibidem, p. 16), como evidente para os casos das obras de Borges e Torrente Ballester, em interação sob circunstâncias equivalentes ao palimpsesto. Um palimpsesto é um pergaminho cuja primeira inscrição foi raspada para se traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la por transparência, o antigo sob o novo. Assim, no sentido figurado, entenderemos por palimpsestos (mais literalmente: hipertextos) todas as obras derivadas de uma obra anterior, por transformação ou por imitação. Dessa literatura de segunda mão, que se escreve através de leitura, o lugar e a ação no campo literário geralmente, e lamentavelmente, não são reconhecidos. Tentamos aqui explorar esse território. Um texto pode sempre ler um outro, e assim por diante, até o fim dos textos (Ibidem, p. 05).

À vista disso, o caráter auto-referencial da literatura contemporânea espanhola, exemplificada pela reverberação das preocupações centrais de Jorge Luis Borges – aqui explanadas, de forma preliminar, em seu conto El jardín de los senderos que se bifurcan (hipotexto) – na obra de Torrente Ballester em evidência, Fragmentos de apocalipsis (hipertexto), orientam a possibilidade, franqueável à meta-literatura, de se entender de que forma, sob quais estratégias e com quais expedientes, a tradição literária é incessantemente retomada e reavaliada a partir de suas leituras hodiernas. Cotejar a maneira como a obra crítica e poética de Borges aproxima-se e distancia-se da apropriação realizada pelos textos de Ballester, assim como de toda uma linhagem de escritores castelhanos que com ele dialogaram, é refletir, primordial e necessariamente, sobre as formas pelas quais a literatura contemporânea compreende, submete-se e refuta a história literária. Por conseguinte, acerca dos romances espanhóis do pós-guerra, entre eles, Fragmentos de apocalipsis, menciona-se rasgo distintivo quanto a expor ou explicar o processo criador da obra literária, de maneira que o leitor presencie não somente o narrado, mas também os recursos e artifícios narrativos; que contemple, na obra literária, a representação de como pôde ser escrita.

ARTIGO NÃO PUBLICADO: FAVOR NÃO CITAR Alguna de las notas definitorias del nuevo tipo de narrativa que se cultiva en España trás la caída del realismo social y la pausa que lo siguió están ya en este libro de Torrente: la novela roza los limites Del ensayo, los personagens se aproximan más a la literatura que a la vida, el narrador se introduce en el terreno diegético, el argumento se eleva a consideraciones de carácter abstracto...(BARRERO apud OREJAS, 2003, p. 277)

Fragmentos de apocalipsis é prolongada meditação, entre lúcida e alucinada, sobre o processo de criação literária, com seus truques, armadilhas e problemas. Constitui o romance, de fato, dissertação quanto às possibilidades do diálogo – finalmente frustrado, nas palavras do autor – entre ficção, crítica e teoria. Mediante o diário de um escritor, em que há apontamentos quanto à gênese de um romance, Torrente Ballester explora as diversas vias alternativas quando da estruturação de uma obra ficcional, por meio de personagens e incidentes que rechaçam, ou mesmo forçam o abandono, de alguns dos caminhos com que o narrador constrói o relato; à vista disso, Fragmentos de apocalipsis é a narração labiríntica dos senderos que a circunscrevem. Además, no hacen lo que yo quiero, sino lo que les da la gana. Ahora mismo se me han puesto a bailar, un gigantesco baile en una pista gigantesca, todos con todas, isotopos, parámetros, jóvenes, viejos, hombres, mujeres, curas, paisanos, putas, monjas, muchachitas que andan a la que cae, vírgenes prudentes, profesores sapientísimos, peones analfabetos, aristócratas, villanos, listos, tontos y medianos (TORRENTE BALLESTER, 1977, p. 23-24).

Distinguem-se, fundamentalmente, três tramas em Fragmentos de apocalipsis. Primeiro, a que constitui o diário de trabalho, depois, as chamadas narrações (cf. 57, 111, 188, 222, 275, 331) e, por fim, as sequências proféticas (cf. 83, 164, 237, 310, 369). Em síntese, e excluindo-se as permanentes intervenções e as várias digressões fantásticas e humorísticas que integram o relato, o argumento da primeira trama nos conta sobre a empresa supostamente frustrada do narrador em escrever um romance, com a segunda concentrando sua atenção ao utópico e antiapocalíptico empenho de um grupo de anarquistas, que por meio de uma viagem ao passado, planeja salvar o mundo e modificar o atual presente e, para o terceiro caso, temos acesso à lendária vingança do Rei Olaf, provocada por derrota sofrida mil anos antes em Villasanta de la Estrella, quando da tentativa frustrada de rapto da bela Esclaramunda. Apesar da diferenciação externa por títulos e datas, o autor nos confunde ao introduzir, constantemente e sem prévio aviso, transições de uma trama a outra e de um nível de ficção a outro. Frequentemente, o leitor apenas se dá conta quando se percebe

ARTIGO NÃO PUBLICADO: FAVOR NÃO CITAR num ambiente distinto, com que é notória a índole fragmentária do relato (OREJAS, 2003, p. 280). Enquanto as primeiras duas histórias, grosso modo, se devem principalmente ao mesmo narrador, a terceira se nos apresenta como intertexto fictício narrado por Don Justo Samaniego, com a particularidade de que as figuras, espaços e tempos das partes do relato se entrecruzam continuamente. Para esta última, dada sua natureza de prenúncio, o tempo, narrado forçosamente no futuro, coincide no último capítulo com o tempo das outras narrativas ao cumprir-se a profecia da vingança de Rei Olaf que encerra o romance. Fragmentos remite al carácter parcial de cada uno de los retazos de invención que conforman esta novela que, de hecho, en un momento determinado aparece metaforizada con la idea de una manta tejida mediante distintos retales; apocalipsis, por su parte, significa destrucción, aniquilación final o posible del texto en la página en blanco, pero también, exhibición, puesta al descubierto. No otra cosa está haciendo Torrente Ballester en esta novela, cuyo argumento, es su propia construcción. Y este es su juego: envolver al lector en una ilusión argumental para írsela destruyendo a cada paso mostrándole su tramoya imaginaria; hacer que crea y deje de creer; que sienta el vértigo de percibir como real un conjunto de palabras cuyo carácter ficticio no se le oculta en ningún momento. Juguemos, entonces: ya conocemos la primera regla, y la primera advertencia: “cuidado con todo lo que diga el narrador, porque ni siquiera él existe” (CASTELLS, 1998, p. 647)

Resta evidente, dessa forma, o caráter autorreflexivo, autorreferente e autoficcional com que o romance de Torrente Ballester remete a si mesmo, não apenas por intermédio de sinais ou marcas textuais, mas convertendo-se em speculum, desdobrando-se por meio de novos relatos em segundo grau, postos em conexão com o núcleo principal do relato, que se projeta ou reflete neles (Ibidem, 2003, p. 286). Todos los modos encubiertos de autorreflexión narrativa – establecidos por la presencia de géneros novelísticos paradigmáticos – están presentes en Fragmentos: la novela de detectives (...), modelo de la pesquisa hermenéutica en que consiste toda lectura; lo fantástico, paradigma de lo “fictício” y así de la esencia de la novela; el relato erótico (...), alegoría de la seducción del lector a que todo texto aspira; y, por último, la narración lúdica, paradigma máximo para Torrente de la creación novelística y de su recreación por el lector (LOUREIRO apud OREJAS, 2003, p. 286-287).

O uso de procedimentos metaficcionais em Fragmentos de Apocalipsis produz um tipo de relato que combina o emprego de formas experimentais com recursos fantásticos e humorísticos, jogos intertextuais e frequentes reflexões sobre o próprio ato criador, numa obra que dialoga com o ideário borgiano ao propor uma construção autoral que supõem tanto o continuo jogo com a linguagem quanto à exploração dos limites do mundo novelesco.

ARTIGO NÃO PUBLICADO: FAVOR NÃO CITAR Nada de lo que escribo ni de lo que he escrito tiene que ver con la realidad. Su espacio es mi imaginación, su tiempo el de mis pulsos. Si con ciertas palabras intento configurar imágenes de hombres, es por seguir la costumbre, pero que nadie lo tome en serio (TORRENTE BALLESTER, 1977, p. 13).

Ainda, como no escritor portenho, o romance de Torrente Ballester incorpora à trama bom número de citações, explícitas ou implícitas, menções, frases cunhadas, alusões a outros textos ou parodias, com que seu narrador é transmutado num borgiano “maestro de las pistas que se bifurcam”; com materiais alheios, Gonzalo Torrente Ballester parodia estilos ou gêneros, unificando elementos muito distintos entre si sob a marca de seu próprio estilo (OREJAS, 2003, p. 289). “!Como si no estuviera demostrado ya que nadie inventa nada, lo que se dice nada, ni las palabras, ni las figuras, ni los acontecimientos (TORRENTE BALLESTER, 1977, p. 14-15).” Fragmentos de Apocalipsis trata-se, portanto, de uma obra metaficcional em que sua estrutura geral assenta-se, precisamente, no relato de como se escreve uma história, com que o ato narrativo passa a constituir-se em matéria narrada. Para tanto, exploramse os aspectos formais do texto, pondo-se, assim, os códigos do realismo narrativo em questão, enquanto chama-se a atenção do leitor para seu caráter de obra fictícia por intermédio da exibição das diversas estratégias que o autor usa na criação literária. Si yo fuera de carne y hueso, y la torre de piedra, podría cansarme, y resbalar, y hasta romperme la crisma. Pero la torre y yo no somos más que palabras. Sús, y arriba. Voy repitiendo: piedra, escaleras, yo. Es como una operación mágica, y de ella resulta que subo las escaleras (Ibidem, p. 15).

À vista disso, conclui-se que o texto em analise é um romance inteiramente construído sobre a chave de uma ficcionalidade nunca velada e exibida de contínuo em primeiro plano, preponderando em relação ao plano da história narrada; todos os aspectos

da

literatura

metaficcional



autoconsciência,

auto-reflexividade,

ficcionalidade e hipertextualidade – estão presentes numa obra que constitui, propriamente, uma teoria da literatura e um autêntico catálogo/repertório de procedimentos metaficcionais (OREJAS, 2003, p. 282). Com Jorge Luis Borges e Gonzalo Torrente Ballester, ficção e crítica, da confabulação entre os dois, cosem o caminho de volta ao labirinto. Las viejas de mi tierra, en otros tiempos, obraban con retazos, mantas multicolores que llaman farrapeiras, como tejidas de harapos que eran. Eso, harapos, es lo mío, harapos que fueron telas suntuosas y brillantes, rasgadas ahora y hasta podridas antes de alcanzar forma. Cuelgan o se amontonan, si entán inertes; y si las mueve un viento y las alumbra la luz, ellas solas se organizan en grupos caprichosos,

ARTIGO NÃO PUBLICADO: FAVOR NÃO CITAR fuera de cualquier lógica y de cualquier razón (TORRENTE BALLESTER, 1977, p. 14).

Referências Bibliográficas BORGES, Jorge Luis. Ficciones. Buenos Aires: Emecé Editores, 2007. CASTELLS, Isabel. La novela como juego: Cervantes y Torrente Ballester. Actas del Tercer Congreso Internacional de la Asociación de Cervantistas / coord. por Antonio Pablo Bernat Vistarini, 1998, ISBN 84-7632-3905, págs. 643-653. Disponível em: http://cvc.cervantes.es/literatura/cervantistas/congresos/cg_III/cg_III_61.pdf GADAMER, Hans-Georg. Verdade e Método – Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Trad. Flávio Paulo Meurer. 3.ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. GENETTE, Gérard. Palimpsestos: a literatura de segunda mão. Trad. Cibele Braga et al. Belo horizonte: Edições Viva Voz, 2010. HERINGER JÚNIOR, Bruno. A hermenêutica filosófica de Gadamer: tradição, linguagem e compreensão. Revista da Faculdade de Direito da FMP – 2013, n. 8, p. 9-23. Disponível em: http://www.fmp.com.br/revistas/index.php/FMPRevista/article/download/3/3. JAUSS, Hans Robert et al. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Trad. Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979. JAUSS, Hans Robert. A literatura como provocação. Lisboa: Vega, 1993. JOUVE, Vincent. A leitura. Trad. Brigitte Hervot. São Paulo: Editora UNESP, 2002. MONEGAL, Emir Rodrígues. Borges, uma poética da leitura. São Paulo: Perspectiva, 1980. MONEGAL, Emir Rodríguez (comp.). Jorge Luis Borges – Ficcionario. 2ª Ed. México: Fondo de Cultura Económica, 1997. MORA, Vicente Luis. Hacia una lectura transatlántica de Borges: el aleph en el espejo y el espejo como aleph en la literatura española. In: ORTEGA, Julio (org.). Nuevos hispanismos interdisciplinarios y transatlánticos. Madrid: Iberoamericana, 2010. OREJAS, Francisco G. La metaficción em la novela española contemporánea – Entre 1975 y el fin de siglo. Madrid: Arco/Libros, 2003. STIERLE, Karlheinz. Que significa a recepção dos textos ficcionais. In: JAUSS, Hans Robert et al. A literatura e o leitor: textos de estética da recepção. Trad. Luiz Costa Lima. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

ARTIGO NÃO PUBLICADO: FAVOR NÃO CITAR TORRENTE BALLESTER, Gonzalo. Fragmentos de Apocalipsis. Barcelona: Destino, 1977.

Lihat lebih banyak...

Comentarios

Copyright © 2017 DATOSPDF Inc.