Influência Social da Internet

July 25, 2017 | Autor: Tomás Goldstein | Categoría: Media Studies, Social Sciences, Digital Media, Democratic Participant Media Theory, Digital Era
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Descripción

Influência Social da Internet Tomás Goldstein Lisboa, Janeiro 2014

Fonte: Mídias Sociais: cinco pontos de influência, 2013

0 Dinâmicas Sociais da Internet, MCCTI-CP ISCTE-IUL

Índice

Introdução ....................................................................................................................................2 Internet, Poder e Sociedade ..........................................................................................................3 Impacto da Internet na Política .....................................................................................................7 Implicações democráticas: Democracia na era digital ................................................................11 Conclusão ...................................................................................................................................13 Bibliografia ................................................................................................................................15

Fonte: Cartoonstock, “Kevin: King of the Social Influencers. “

1 Dinâmicas Sociais da Internet, MCCTI-CP ISCTE-IUL

Introdução "The Internet is becoming the town square of the global village of tomorrow" - Bill Gates

Numa sociedade híper-mediatizada como aquela em que vivemos tornou-se inevitável o estudo da influência dos media nas atitudes e comportamentos, nas relações interpessoais e nas escolhas. Sendo a Internet uma arma poderosíssima, não só de disseminação da informação ou dos conteúdos, mas também da construção dos mesmos, importa perceber o papel que aquela desempenha e refletir sobre a influência social que pode alcançar. Ao longo do artigo procurar-se-á compreender a abrangência, a capacidade, a força, o uso da Internet numa perspetiva da Psicologia Social – Uma ciência que estuda não a sociedade (sociologia) ou o indivíduo (psicologia), mas sim o indivíduo em contexto. Partindo do pressuposto que o indivíduo é indissociável do mundo que o rodeia, a ideia é tentar entender a origem online de determinados comportamentos e atitudes sociais, sempre na crença de que muitas das ações individuais ou grupais são fruto de informação, tendências e conteúdos disseminados na Internet. Os meios de comunicação social, especialmente a televisão e a Internet moldam e definem os comportamentos e padrões sociais. Hoje em dia fala-se em greves e manifestações cuja adesão se deve às redes sociais, em políticos eleitos no facebook, em social media revolutions. Também a Política não pode deixar de ser incluída nesta reflexão, sendo que a influência da Internet pode atingir a participação política, o comportamento eleitoral ou até movimentos sociais. A dimensão política insere-se, inevitavelmente, nesta investigação que pretende estudar as dinâmicas sociais que a Internet produz, incita, cultiva. O que acontece à Democracia na era digital? Quais as possíveis melhorias ao regime democrático que podem ser imputadas à Internet? Apesar da noção positivista, é mister ultrapassar a antiga ideia da Internet que a reduz a uma espécie de salvação, um espaço repleto de oportunidades, ondo todos têm voz, onde a democracia alcança o seu auge. Sem, por outro lado, nos cingirmos a lógicas conservadoras de aversão e crítica, convém ter em conta que não se trata apenas de uma dimensão positiva - generalizadamente aceite - mas sim de uma tecnologia que, inevitavelmente, tem igualmente um potencial negativo. 2 Dinâmicas Sociais da Internet, MCCTI-CP ISCTE-IUL

Desde o surgimento da ARPANET em 1969, passando pela alteração para Internet nos anos 80 e princípio dos anos 90, muito foi especulado sobre aquilo em que se tornaria, sendo certo que as exaltações superavam claramente o ceticismo e a dúvida. Exaltando ou criticando, são inegáveis as alterações sociais (e não só) que dela resultaram: novas formas de ver, pensar, trabalhar, comunicar.

Internet, Poder e Sociedade Apesar de (na sua fase inicial) a Internet ter sido muitas vezes dissociada da vida quotidiana e do dia-a-dia, consideremos que, pelo menos para quem tem acesso à Internet (não ignorando portanto o facto de, por exemplo, apenas cerca de 50% da população portuguesa possuir essa tecnologia) esta torna-se parte de quem somos. Muita (quando não toda) da atividade desenvolvida diariamente realiza-se online, o que consequentemente potencia uma exposição considerável ao mundo digital. Muitos dos artigos e trabalhos efetuados sobre a Internet, na sua maioria evocando as implicações que lhe estão associadas, remontam ao início do novo milénio, especialmente ao ano de 2001. Foi um ano em que, após uma expansão acelerada e um total deslumbramento pela Internet, se deu início a uma fase mais ponderativa, quando não mesmo pessimista, e de reflexão sobre os possíveis malefícios, ou seja, passou a considerar-se a existência de uma dimensão negativa (Cardoso, 2003: 9-12). Já foi explicado inicialmente que não é intenção deste artigo fazer uma espécie de prós e contras da Internet, mas sim averiguar o seu poder, a sua influência social, no sentido da formatação de comportamentos sociais, de definição da agenda pública e política e questões subjacentes já mencionadas. A ideia de poder dos media não surge com a Internet, contudo, esta constitui um meio de comunicação de massas com poder acrescido pela sua ação e disseminação instantânea dos seus conteúdos e, como diz Manuel Castells, "por ser o produto de quem a utiliza" (Castells, 2001 citado por Cardoso, 2003:13). Assim sendo, ela insere-se no motivo de estudo do poder da comunicação, mais especificamente do poder dos meios. O surgimento dos meios de comunicação de massas deu origem à comunicação como objeto de estudo científico, deixando de ser vista apenas como um ato humano, uma vez que se compreendeu que os aspetos comunicativos massificados podiam provocar alterações na sociedade. A comunicação pode ser vista como um (dos) motor(es) da evolução social, no sentido em que cada vez que é inventada uma nova 3 Dinâmicas Sociais da Internet, MCCTI-CP ISCTE-IUL

forma de comunicar, ocorre uma evolução do ponto de vista civilizacional. Segundo Manuel Castells, sociólogo espanhol, a comunicação de massas, "a comunicação que potencialmente alcança o todo da sociedade, é moldada e gerida pelas relações de poder, ancoradas no negócio dos media e na política do Estado. O poder da comunicação está no coração da estrutura e da dinâmica da sociedade" (M. Castells, 2009:3). Posto isto, a realidade onde nós pensamos viver ou que nós pensamos existir é, na verdade, uma realidade mediada: uma realidade construída pelos media, nomeadamente a Internet. Falamos em realidade mediada porque os meios (de comunicação) nos permitem ter acesso a realidades e vivê-las sem estar realmente lá, isto é, vivemo-las à distância, através da rádio, da televisão, do jornal, da Internet. As nossas experiências do social são fabricadas e moldadas pelos meios, que nos dão acesso a informações e realidades que desconheceríamos se não fossem mediadas. Esta lógica traz-nos a ideia de representação do Outro, que é realizada através destes meios: vamos construindo uma ideia sobre o que se passa num lugar distante, sendo certo que essa ideia é construída a partir dos meios, pelo que estamos confinados à visão transmitida pelos mass media, muito embora hoje em dia seja mais fácil ter acesso a eventos distantes (nomeadamente pela facilidade em comunicar com alguém local ou que esteja nesse lugar). Consideremos também a lógica de socialização ou o papel socializador que os mass media desempenham na sociedade. Montero (1993) e McQuail (1987) consideram que a forma como os media interferem na sociedade (e vice-versa) os torna agentes de socialização, quer ao nível da família, quer da escola, da educação, entre outros. Sociologicamente falando, os meios de comunicação entram logo no processo de socialização primária e depois continuam a fazer parte de todo o processo de socialização que nunca termina, acompanhando os indivíduos no seu processo de construção de identidade. As teorias da socialização, a par com a de representação do Outro, baseiam-se na ideia de conferir aos media um papel de sustentar o satus quo, não no sentido mais drástico da Escola de Frankfurt que os vê como meros manipuladores, mas - sem dizer que se trata de um processo consciente - que existe pelo menos uma "influência subtil" (Montero, 1993). Mesmo considerando que atualmente um espetador de televisão pode escolher, consoante o seu gosto, o tipo de programas que quer ver, esses "gostos" foram eles próprios manipulados (partindo do princípio que os media participam no processo de socialização e de construção da nossa identidade) e portanto são influenciados pelo que foi transmitido nos meios de comunicação social que, inevitavelmente, têm também um papel na construção dos nossos gostos. E a Internet 4 Dinâmicas Sociais da Internet, MCCTI-CP ISCTE-IUL

não só faz parte destes meios como, atualmente, se tornou no seu principal representante. Após uma fase inicial em que era exclusiva de académicos ou representantes do governo, a net multiplicou-se, penetrou nas vidas de todos aqueles que têm acesso a ela e tornou-se omnipresente, sendo frequentemente considerada um meio ubíquo, estando em casa, na escola, no trabalho (nas férias, etc.) (Weiser, 2001: 723). Apesar de o papel socializador, assim como o fabrico das experiências sociais e o poder da comunicação serem associados a todos os media, a Internet tem sido cada vez mais merecedora de destaque. Para além de todas as facilidades que trouxe em termos de comércio e compras online, divulgação instantânea de informação e consequente disseminação a partir de um simples clique, a Internet é um espaço de interação social. Desde as primeiras salas de chat como o Terravista, até ao surgimento dos blogues e posteriormente à evolução de diversas redes sociais, cada vez há uma maior exposição pessoal. Os utilizadores acabam por fazer uso desta tecnologia para tudo o que lhes convém e ela acabou por ser geradora de uma revolução na comunicação e no "comportamento interpessoal" (Weiser, 2001: 724). A internet pode ser vista como um microcosmos dos diversos grupos sociais existentes no mundo virtual ou, por outro lado, como criadora, ela-mesma, desses grupos, ou seja, é capaz de associar pessoas com interesses comuns. Na Internet, os grupos são unidos em torno de atividade partilhada e incentivados a trabalhar com informação, assim como a comunicar sobre os interesses e prioridades que todos partilham (Rimskii, 2011: 93). Mesmo que na vida “real” essas pessoas não combinem encontros fisicamente, o que partilham é um envolvimento ativo na Internet. Desta forma, são mantidas interações e relações entre indivíduos que podem nunca se encontrar fisicamente, constituindo grupos sociais virtuais onde, segundo Rimskii " (…) a comunicação é criada e mantida apenas por meio de tecnologia e redes de computador que, com o propósito de possibilitar os utilizadores a receber informação, imitam as sensações e experiências que lhes são familiares para a perceção do mundo material. O ambiente virtual da Internet influencia primeiramente a visão e audição dos utilizadores" (2001). A lógica de interação social leva à necessidade de recuperar a ideia promovida pela Psicologia Social de que não basta olhar o indivíduo para tentar percebê-lo, não basta tentar analisar a sua mente através dos seus comportamentos. Ele é influenciado pelo contexto em que se insere, pelos outros, pelos media e pela Internet. Mesmo considerando um indivíduo livre suficiente para decidir qual a sua ideologia, qual a sua 5 Dinâmicas Sociais da Internet, MCCTI-CP ISCTE-IUL

opinião sobre determinado assunto, a verdade é que ele apenas poderá pensar sobre aquilo a que tem acesso. E, apesar da maior mobilidade existente na atualidade, a maioria das pessoas não tem oportunidade de estar em todo o lado à procura de informações ou acontecimentos importantes, estando fortemente dependente e confinada àquilo que os media e a Internet lhes dão acesso. As opiniões individuais são, dificilmente, originais, porque partem de uma construção mediática e porque são formadas a partir de outras, resultando em grande medida daquilo que foi disseminado pelos media, que se tornou viral no youtube ou no facebook. O evento ou facto real que, seja por que razão for, não consegue entrar na agenda mediática ou chegar a número significativo de pessoas na web, é como se não tivesse acontecido, não é mais real. E os media têm esse poder de definir o que se torna facto ou realidade social: definem a agenda. A Internet tem de facto um poder de influência social enorme. Segundo Silverstone (e terminando este capítulo como começámos - focando o poder), "no final é sempre o Poder. O poder que os media têm para criar agendas. O poder que têm para as destruir. O poder para influenciar e mudar o processo político. O poder de focar, de informar. O poder de enganar. O poder de mudar a balança do poder: entre Estado e Cidadão; entre País e País; entre Produtor e Consumidor (...)" (Silverstone, 1999 citado por Cardoso, 2003:40). Acontece que a Internet apresenta um poder muito específico, na medida em que não se trata apenas de um poder unilateral que consegue criar/destruir agendas, influenciar, manipular, entre outros, mas um poder atribuído também aos utilizadores que, unindo-se precisamente em torno de grupos sociais, nomeadamente de cariz político, podem (tentar) alterar o estado de coisas. A Internet permite a participação e a intervenção mais diretas dos cidadãos? Pelo menos é certo que possibilita a sua agregação com a partilha de um objetivo muito específico (greves, mobilizações, revoluções, apelos, entre outros). Atualmente estamos perante uma situação em que aquilo que se torna viral ou que é suficientemente falado na Internet, ganha lugar na Televisão e é divulgado pelos órgãos de comunicação social "tradicionais" ou "antigos", seja qual for o tipo de conteúdo de que se trate. Por um lado isto indicia o poder desta nova tecnologia, uma vez que a Televisão se vê obrigada a reportar o que nela se passa para que não fique "para trás". Por outro lado, parece que os "velhos media", como a Televisão, mantiveram um estatuto importante e mais credível, mais seletivo, no sentido em que aquilo que obtiver suficiente importância para que a TV lhe dê atenção, poderá entrar na sua agenda, como se de um upgrade se tratasse. 6 Dinâmicas Sociais da Internet, MCCTI-CP ISCTE-IUL

Mas, afinal, como atua todo este poder da Internet na política, no envolvimento dos cidadãos na mesma e na sociedade civil, na participação eleitoral?

Impacto da Internet na Política

A Internet veio, inevitavelmente, alterar o papel dos chamados old media, como a Televisão, pelo menos no que toca às audiências, utilização como fonte de informação (política) e confiança no meio. Analisando os dados obtidos em 2008 sobre a fonte de informação mais utilizada pelos cidadãos para as campanhas eleitorais presidenciais nos Estados Unidos, percebe-se claramente a penetração social que a Internet alcançou na última década: houve um aumento de 23% no número de americanos que afirmou ter utilizado a Internet como primeira fonte de notícias relativas à campanha presidencial entre as eleições de 2004 e as de 2008 (Pew, 2008, citado por Gurevitch, Coleman e Blumler, 2009:167). Apesar de a televisão ser o meio que, por larga vantagem, continuar a ter mais respostas (72% dos inquiridos), a Internet teve um aumento de 10% em 2004 para 33% em 2008, como se pode ver na tabela seguinte, retirada do estudo Pew em 2008. Tabela 1. Notícias da campanha eleitoral: Boom da Internet em 2008 (em %)

Fonte: Pew, 2008, citado por Gurevitch, Coleman e Blumler, 2009:167

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Importa ainda referir que a soma das percentagens ultrapassa os 100% porque foram permitidas respostas múltiplas. A Internet é uma tecnologia de comunicação que não apresenta custos elevados e que permite aos utilizadores uma interação com os media, a geração de conteúdo próprio e constitui também redes alternativas de disseminação de informação, o que põe em causa o monopólio que pertencia a editores e emissores (Gurevitch, Coleman e Blumler, 2009:167). Isto potencia um aumento da participação dos cidadãos na sociedade e na política, uma vez que, apesar da discutível definição sobre o que é participar e envolverse social e politicamente, é inegável que os cidadãos são mais facilmente emissores e recetores de mensagens, tendo acesso a mais informação que circula, em massa, na web. Por um lado, “mais informação” não significa imperativamente “melhor informação” e, por outro, cidadãos mais bem informados não tem de significar mais participação. Não obstante, o público ganhou, através dos new media (Internet) uma oportunidade para ser mais interventivo e poder mais facilmente fazer parte da discussão pública e política. O utilizador desta tecnologia pode, facilmente, associar-se a grupos com um interesse comum para produzir inputs e pressões ao sistema político, organizando manifestações, recolhendo assinaturas para petições, entre outros – inputs esses que podem ou não, a posteriori, ter algum resultado concreto. Os próprios agentes e atores políticos já percecionaram a capacidade da Internet, as suas potencialidades e a necessidade de – para transmitir uma mensagem – ter não só lugar no espaço mediático, mas, ser ativo na Internet. Para um candidato político cumprir o seu objetivo de chegar a uma posição de poder, terá de conseguir disseminar a sua mensagem pelo máximo número de eleitores e tentar que estes a entendam da forma que ele deseja. E a Internet permite, por um lado, que não haja um mediador real (entre o candidato e eleitor) que podia ser um obstáculo à mensagem (como por vezes acontece na televisão através de decisões editorias em determinado sentido) e, por outro lado, que se torne rapidamente viral devido às características desta tecnologia e das redes sociais que nela operam. Mas, qual é, afinal, o impacto da Internet na participação política? Como vimos, a Internet possui de facto características que estimulam a participação, no sentido em que permite a criação de espaços, onde é possível deliberar e discutir sobre questões que sejam do interesse do grupo reunido em torno de dado assunto. Simultaneamente, reduz os custos e facilita o contacto com agentes políticos, o que representa uma clara vantagem face aos meios de comunicação tradicionais. 8 Dinâmicas Sociais da Internet, MCCTI-CP ISCTE-IUL

Contactar com políticos, assinar uma petição e fazer doações são algumas das formas de envolvimento na política que são potenciadas pela Internet (Borge, Cardenal e Malpica, 2012:1). Por outro lado, importa relembrar que existem posições contrárias, ou seja, para as quais a Internet não só não aumenta, como também diminui a participação dos cidadãos, na medida em que impossibilita a criação de capital social ao substituir as relações interpessoais e porque é utilizada maioritariamente para entretenimento. Ainda assim, Borge, Cardenal e Malpica (2012) destacam dois tipos de teorias que acreditam no efeito positivo da Internet na participação. Por um lado, existem defensores da ideia que ela apenas intensifica a participação daqueles que já são participativos, não sendo capaz de mobilizar gente nova que até então não participava (Pippa Norris, 2001; Bimber, 2001), por outro lado, existe também a crença de que o impacto positivo da Internet na participação vai para além disso. Para estes últimos, a tecnologia em causa consegue mesmo captar novos indivíduos para a participação. A realidade é que a Internet gerou um enorme debate sobre os seus possíveis efeitos no que concerne a participação. Como já foi referido, a Internet reduz os custos de estar informado porque multiplica o volume de informação a circular e permite o acesso a fontes diversas, contudo, tal não significa que ela reduza os custos de processamento de informação, que até podem ser mais elevados por haver várias fontes. "É dizer que, apesar de a Internet aumentar as opções de informação, isto não se traduz necessariamente em mais conhecimento político e/ou em participação" (Bimber, 2001; Anduiza, Gallego e Jorba, 2009 citados por Borge, Cardenal e Malpica, 2012:738). Lançando a bola novamente para o lado mais otimista, o facto é que se trata de um meio interativo que facilita o contacto interpessoal e a comunicação entre um e muitos ou entre muitos e muitos, permitindo mais facilmente a formação posterior de grupos, fora do mundo virtual. De modo a tentar alcançar um consenso, utilizemos um trabalho de investigação realizado por três autoras espanholas (Rosa Borge, Ana Sofía Cardenal e Claudia Malpica, 2012) sob o tema "O impacto da Internet na participação política: revendo o papel do interesse político" que produziu resultados interessantes para a discussão em causa. O estudo baseou-se num questionário aplicado pelo CIS (Centro de Investigaciones Sociológicas) em 2007. As investigadoras partiram de duas hipóteses: “H1: O uso da Internet não fará desaparecer o efeito principal da motivação [ou interesse político] sobre a participação, mas ‘possuir habilidades com Internet’ terá um efeito positivo na participação, independentemente da motivação.”

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“H2: Além do efeito positivo que ‘ter habilidades com a Internet’ provocará na participação online, navegar sem objetivo fixo pela Internet e ser contactado pela Internet aumentará a probabilidade de participação online.” Apresentando, sucintamente, as conclusões alcançadas – através de regressões múltiplas e logísticas – comecemos pela primeira hipótese, que foi confirmada pelas autoras. De facto, o número de atividades participativas aumenta quando existe um aumento combinado da motivação/interesse político e de habilidades com a Internet, sendo que estas últimas reforçam o efeito do interesse político sobre a participação. Ao mesmo tempo, o interesse e as habilidades influem separadamente no número de atividades participativas realizadas. Posto isto, possuir habilidades com a Internet não leva ao desaparecimento do efeito do interesse político sobre a participação, mas, desencadeia um efeito direto sobre a participação, independentemente do interesse. Este indicador revela o impacto substancial da Internet no envolvimento político, que permite ir mais além do que o mero reforço da participação daqueles que já participam. Existem novos participantes que, como consequência, estão a iniciar-se em atividades online (Borge, Cardenal e Malpica, 2012:743). Relativamente à segunda hipótese, esta também se confirma. Navegar pela internet, ainda que sem nenhum objetivo concreto, ou ser contactado via e-mail, influenciam positivamente a participação política. Os utilizadores frequentes na Net estão muito tempo online e por isso mesmo estão mais expostos a estímulos de participação, nomeadamente a uma petição inesperada. Previamente à ou durante a viragem para o novo milénio, já Richard Davis punha em causa a visão meramente otimista relativamente aos impactos da Internet, afirmando que esta apenas "é vista como um veículo para educar indivíduos, estimular a participação dos cidadãos, medir a opinião pública, facilitar o acesso dos cidadãos aos governantes, oferecer um fórum público, simplificar o registo do voto e ainda facilitar o próprio voto" (Davis, 1999:20 citado por John Newhagen). Davis relembra que não podemos deixar de lado o facto de estas afirmações positivas e de "felicidade extravagante", assumirem "algo bastante invulgar – mudanças dramáticas no comportamento humano) " (1999). Para o bem ou para o mal, a Internet provocou e provoca alterações nas dinâmicas sociais, nos indivíduos e nas relações com eles. Com tudo o que (de negativo) isso implica, é uma tecnologia que promove a divulgação de informação, a comunicação, a interação que, mesmo começando por serem virtuais, se podem, rapidamente ou não, tornar físicas.

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Implicações democráticas: Democracia na era digital Quando estudamos um meio que provoca alterações nos comportamentos dos indivíduos, na sociedade e na política, não podemos deixar de referir, ainda que nos reste pouco espaço, as eventuais implicações que a Internet terá na democracia. E se considerámos que aumenta minimamente ou que, pelo menos, incentiva a um maior envolvimento e participação, nem que seja porque a mobilização online é mais rápida e mais barata, isto tem ou devia ter um impacto na democracia: melhorar a sua qualidade. Apesar de a Internet ser mais utilizada para fins de entretenimento do que políticos, o que serve de argumento à lógica dos mais céticos que defendem não haver evidência de um aumento de atividade política com a Internet, são inegáveis as potencialidades da mobilização online e de engajamento em mais ativismo (Debbie Rodan, 2011:454). Mesmo não nos cingindo apenas ao sentido político de democracia, rapidamente concordamos que esta tecnologia oferece uma panóplia de serviços que estão inevitavelmente ligados à democracia, como sejam os blogues em que cada um é livre de expressar a sua opinião, as cartas (e-mails) que podem escrever, seja a que destinatário for, expressando gratidão ou críticas, ter acesso a assuntos que estão em cima da mesa, também no plano político, perceber a discussão de uma política mesmo antes desta ser implementada, redes sociais online, participar em sítios online de pessoas consideradas importante (Ex.: políticos). A Internet é, maioritariamente, um meio de utilizadores ativos, já que, sem eles, não poderia existir ou ter expressão suficiente na sociedade. A esses, é-lhes dada oportunidade de escolherem a página que querem visitar que, por sua vez, abre a porta ou, em linguagem web falando, a janela para muitas outras páginas que resultarão de escolhas feitas por eles, consoante os interesses e motivações, em clicar ou não nos assuntos que vão surgindo. Depois existe ainda a possibilidade de, em tempo real, partilhar com outros utilizadores aquilo que encontrámos e, portanto, estamos perante um meio que encoraja e apoia uma disposição mais ativa para a comunicação do que os meios tradicionais (Blumler e Gurevitch, 2001:2). Ao contrário destes meios que se balizam por limites de tempo e por outras pessoas (especialistas) a falarem sobre os assuntos (políticos), a Internet permite o envolvimento de grandes números de utilizadores, sem filtros de peritos, possibilitando uma expressão maior e uma troca de experiências e opiniões em dado assunto. Segundo Blumler e Gurevitch "pode ser um meio para engajar de forma mais abrangente (...) no diálogo cívico" (2001). Além disso, 11 Dinâmicas Sociais da Internet, MCCTI-CP ISCTE-IUL

a Internet possui mecanismos de “troca interativa”, o que resulta numa maior igualdade entre utilizadores e numa maior “simetria do poder comunicativo (…)” (Schultz, 2000, citado por Blumler e Gurevitch, 2001). Esta igualdade é um valor que contribui para a melhoria do regime democrático e um sistema de comunicações democrático privilegia, segundo Hacker (1996), a interatividade sobre a conectividade. Reunindo os argumentos apresentados, estamos perante uma tecnologia responsável por mudanças sociais, mesmo que não de fundo, no sentido em que é permitido aos cidadãos (utilizadores) um contato direto, uma comunicação sem intermediários entre eles e os políticos. E caso haja algum resultado expressivo desta interação ou um qualquer evento que se torne viral, a Internet tem a capacidade de influenciar a agenda dos meios tradicionais, obrigando-os a transmitir aquilo que sucedeu ou está a suceder na web. Antes de terminar, olhemos para um conjunto de características da Internet que contribuem (pelo menos teoricamente) para o efeito democratizador: custo (baixo), volume (elevado), direccionalidade, velocidade, targeting e convergência (StromerGalley, 2000:41). Alegadamente, todas estas características combinadas contribuem para um ambiente de democracia forte e consolidada, através duma comunicação livre entre políticos e cidadãos. O volume de informação é de facto um marco desta tecnologia que possibilita aos seus utilizadores a consulta de informação através de múltiplas formas, facilitando que se possa aceder a conteúdos ou notícias que ainda não tenha sido possível aceder doutras formas: " Se os cidadãos não viram anúncios de campanha, podem visitar os sítios de Internet de um candidato, ler sobre as posições do candidato e ver um anúncio político através de vídeo [streaming] na Internet" StromerGalley, 2000:56). A possibilidade de targeting permite que se faculte informação a um público-alvo específico, àqueles que a procuram e a desejam. Todo este conjunto de particularidades da Internet é responsável por lhe atribuir a ideia de espaço onde é oferecida aos cidadãos uma quantidade e uma riqueza de informação que estes não conseguem adquirir noutros locais. Informação essa, que está à sua disposição e que os utilizadores podem controlar e decifrar de acordo com os seus próprios propósitos ou objetivos (Stromer-Galley, 2000:56). É-lhes dada a chance de se afastarem do filtro criado pelos jornalistas e de poderem investigar eles próprios a fonte primária, podendo ser eles mesmos a moldar a mensagem e os seus efeitos. Stromer-Galley considera que o que torna a tecnologia em questão tão amiga de uma democracia forte é o aumento da velocidade de comunicação, juntamente com a natureza bidirecional da rede que, por um lado, permite o contacto e a deliberação "horizontal" entre cidadãos e, por outro, 12 Dinâmicas Sociais da Internet, MCCTI-CP ISCTE-IUL

também a "vertical", i.e., entre candidatos e as elites políticas (2000). Em relação à particularidade da "direccionalidade" resultante da Internet, é verdade que, como já foi referido, potencia a capacidade dos cidadãos de fazer inputs ao sistema, podendo "participar" na conceção das políticas, ao lhes ser possível expressar a sua opinião (sondagens) e também o seu feedback (por exemplo através de e-mail enviado a candidatos). Analisando todos os argumentos e especialmente as características concretas enumeradas, podemos dizer que, caso fossem – ou quando são – aplicadas de maneira certa e da forma que é explicitado na teoria, as particularidades da Internet poderão constituir uma contribuição para a democracia na vida quotidiana. "A complexidade surge no uso real que é dado à tecnologia. Se os candidatos políticos não se abrem para deliberação usando a Internet ou oferecem informação detalhado, então há um obstáculo. Se é colocada pressão nos candidatos pelos cidadãos para que usem esta tecnologia para mais inputs ao processo político, então possivelmente, ao longo do tempo os candidatos vão ceder. Esta é a essência de democracia forte" Stromer-Galley, 2000:57)

Conclusão A Internet tem um poder potencial. A Internet pode provocar alterações ao indivíduo, à sociedade, às interações entre cidadãos, à política, ao regime democrático. A Internet é inevitavelmente uma ferramenta, quando não o motor, da influência social. Esta tecnologia, não tão recente como se pensa é, pelo menos, uma arma que influencia e permite influenciar, é produtora e consumidora de conteúdos, é disseminadora de informação. É um meio para atingir um fim e é um fim em si mesmo. É uma das maiores revoluções sociais do século XX. Seja no comportamento individual e interpessoal, seja nas alterações à comunicação entre cidadãos ditos ordinários e celebridades ou até políticos, nas facilidades potenciais no que concerne a ouvir e ser ouvido, fazer chegar a sua voz a algum lado, criar grupos e mobilizar um grande número de pessoas, não podemos ficar indiferentes ao surgimento da Internet. Mais ou menos críticos, mais ou menos otimistas e mais ou menos frequentadores assíduos, é quase universal a aceitação da premissa de que este novo meio de comunicação de massas, sem ter matado os anteriores, apresenta um conjunto de características inovadoras e peculiares. Juntando vantagens e 13 Dinâmicas Sociais da Internet, MCCTI-CP ISCTE-IUL

desvantagens, oportunidades e riscos, é um meio revelador. A Internet é também sintomática da era global que o mundo atravessa, da aproximação e interrelacionamentos entre cidadãos de todo o mundo que outrora era impensável. Sem sequer abandonar a sua própria cama, é permitido a um utilizador ter acesso a informações, a acontecimentos e a realidades do outro lado do mundo. Consegue estar perto, estando longe. E consegue contactar e comunicar com indivíduos e grupos que de outra forma jamais conheceria. Com todos os perigos (de falta de verdade, rigor e transparência da informação, privacidade, segurança, entre outros) que acarreta, com os riscos de segurança que inevitavelmente lhe estão associados, a Internet resulta numa transformação das dinâmicas sociais. O seu impacto ao nível da política é também alvo de estudo. O potencial de poder transformar o fluxo de informação entre eleitores e eleitos, dar espaço para um contacto mais direto entre eles e permitir um maior envolvimento na política, é uma realidade da Internet: seja pelo volume de informação que faz circular, seja por alertar para assuntos e questões importantes, muitas vezes ignorados nos meios mais tradicionais. Além disso, nestes meios, a informação não é bidirecional, salvo raras exceções em que há espaço para o telespetador telefonar ou ser entrevistado na rua, pelo que a plataforma da web é muito mais revolucionária. É uma ferramenta que possibilita uma participação da sociedade civil, por exemplo, através de eventos para manifestações de rua, convocatórias de protestos ou petições assinadas online. Não esquecendo que a grande razão de uso desta tecnologia se prende com questões de lazer e entretenimento, ela gera cidadãos mais interventivos, como prova o estudo de Borge, Cardenal e Maplica (2012), em que cidadãos utilizadores da Internet se mostraram cidadãos mais participativos. Os mecanismos que a Internet contempla mostraram ter também um potencial democratizador, na medida em que (se usados corretamente) parecem possibilitar o progressivo desaparecimento da comunicação hierárquica, permitindo aos cidadãos serem também eles próprios condutores do processo político, convidando à participação. Apesar de todas as suas qualidades e capacidades de trazer novas interações sociais, acesso a informação e comunicação, permanece imperativo não nos deslumbrarmos com estas potencialidades e levar sempre em consideração os problemas resultantes do surgimento e utilização desta tecnologia, lutando sempre por uma Internet mais segura.

14 Dinâmicas Sociais da Internet, MCCTI-CP ISCTE-IUL

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