Igreja de Santa Maria Maior – A Sé de Lisboa entre os séculos XII e XV

Share Embed


Descripción

Igreja de Santa Maria Maior – A Sé de Lisboa entre os séculos XII e XV José Alexandre Milheiro

As sucessivas recomposições, alterações de uso, reconstruções e a implícita reutilização de materiais, transformam a monumentalidade de alguns edifícios num roteiro vivo da evolução do pensamento e da acção do homem, materializando este na pedra o pulsar da sociedade em que se insere, e o homem do início do século XII, vive esmagado sob o poder divino1. Poucas edificações no território nacional serão tão emblemáticas como a Igreja de Santa Maria Maior nessa perspectiva de proporcionar uma sequência cénica do progresso da arquitectura e da escultura, e de toda a iconografia subjacente a cada época. A Sé de Lisboa é de facto uma construção paradigmática, uma inesgotável fonte de informações, vítima de cataclismos naturais, e da vontade de transformar e ultrapassar possibilidades através de novos modelos arquitectónicos, foi sendo constantemente objecto de reconstruções, enxertos, restauros e adaptações que, independentemente de juízos de carácter estético, enriqueceram a sua história2. O arranque das obras deu-se por volta do ano 1150, pouco depois da conquista da cidade aos muçulmanos por D. Afonso Henriques, no contexto da construção das grandes catedrais românicas ibéricas de monumentalidade até então desconhecida no culto hispânico-cristão. É um período de restauração das dioceses e de reformulação do quadro religioso, as Sés materializaram também uma afirmação militar e política. A implantação do românico faz-se por importação dos modelos construtivos de França, complexos e dispendiosos planos de obra fariam erguer, em meia centúria, os maiores edifícios construídos no então jovem território português. A igreja de Santa Maria Maior é situada pelo historiador Mário Tavares Chicó3 no caminho de transição entre as Sés de Coimbra e Évora, de facto, o traçado da obra assume uma continuidade estilística e estrutural, por demais evidente na volumetria e massa e estrutural do edifício. Um mestre de presumível origem normanda chamado de Roberto4, “Magistro Roberto de Lisbona” terá conduzido as duas obras em simultâneo durante um determinado período, já que a construção da Sé de Coimbra terá decorrido entre 1139 e 1162. 1

DUBY, Georges, “O tempo das Catedrais”, Editorial Estampa, Lisboa, 1979, p.65; SUMMAVIELLE, Elísio, “Igreja de Santa Maria Maior – Sé de Lisboa”, Instituto Português do Património Cultural. Ed. Teorema, Lisboa, 1986, p.5; 3 SUMMAVIELLE, Elísio, “Igreja de Santa Maria Maior – Sé de Lisboa”, Instituto Português do Património Cultural. Ed. Teorema, Lisboa, 1986, p.6; 4 PEREIRA, Paulo, “Arte Portuguesa – História Essencial”, Temas e Debates, Lisboa, 2014, p.238; 2

1

Alguns historiadores receiam agrupar a Sé de Lisboa no conjunto das igrejas românicas do país5, pelo facto de ter sido construída numa época em que o gótico já se encontrava em franca expansão por toda a europa. É um caminho que o presente ensaio não vai seguir, considerando-se que os elementos góticos foram introduzidos naturalmente nas sucessivas alterações. A Sé românica poderá ter sido erigida, sobre o local onde se encontrava a mesquita maior de Lisboa, embora não seja uma teoria consensual, que por sua vez teria adaptado uma igreja paleocristã de tipo visigótico, mas os elementos que apontam nesse sentido podem não passar de prévias reutilizações6. A Sé é um edifício de raiz, a ter existido uma mesquita no local, ela teria sido completamente arrasada. A fachada principal é constituída, à semelhança da Sé de Coimbra, por um corpo central flanqueado por duas torres amuralhadas de secção quadrada e faces lisas. É uma edificação densa, de aspecto fortificado, com um nártex profundo onde se rasga o portal de entrada. Contrariamente à Sé de Coimbra, que possui um janelão-portal que simboliza a Jerusalém celeste, o corpo central apresenta uma rosácea, restaurada a partir dos vestígios encontrados numa parede do trifório7. Os capitéis de decoração figurativa encaixam no tipo de escultura evocativa românica, num quadro simbólico em que a “Porta do Céu” cada vez mais solicita uma decoração encarada como lição visual. O traçado em cruz latina é composto por três naves de seis tramos, sobre estas, e ao longo do transepto, corre uma extensa galeria cujas arcadas românicas se estendem ao longo de toda a nave central. A torre de dois andares sobre o cruzeiro, do século XIV, que aparece nas representações iconográficas mais antigas, foi destruída pelo terramoto de 1755. No reinado de Afonso IV a remodelação da Sé ganha um ímpeto renovado, é promovida a construção da nova abside, na qual foi introduzida um deambulatório gótico com nove capelas radiais, comemorando a grande vitória militar da batalha do Salado. É da mesma época o magnífico túmulo com estátua jacente de D. Lopo Fernandes Pacheco, prestigiado cavaleiro e herói do Salado, a tumulária corporiza uma das expressões artísticas mais notáveis do gótico português, e neste caso particular, estamos perante um dos mais representativos e ricos exemplos dessa escultura. A charola circundando o altar-mor é penetrada pela luz de amplos janelões ogivais, onde para além do túmulo já referido se destaca a arca tumular de uma infanta, e o túmulo jacente de Bartolomeu de Joanes. A obra de Afonso IV tem o propósito de servir de panteão do próprio rei, e de sua mulher D. Beatriz, em testamento determinou o seu enterramento no coro. 5

SILVÉRIO, Sofia, “Arqueologia da arquitectura – contributo para o estudo da Sé de Lisboa”, Dissertação de Mestrado, Universidade Nova, Lisboa, 2014. Disponível em: http://hdl.handle.net/10362/13753, p.18; 6 SUMMAVIELLE, Elísio, “Igreja de Santa Maria Maior – Sé de Lisboa”, Instituto Português do Património Cultural. Ed. Teorema, Lisboa, 1986, p.6; 7 Idem p.14;

2

Entre os séculos XII e XV é possível assistir na Sé de Lisboa a uma transição entre o românico

e

transformação

o de

gótico, espaços

uma na

proporção e na luminosidade, alterações que continuam a ser um desafio para os investigadores pela falta de documentação coeva que esclareça

interrogações

que

teimam em persistir. Dada a natureza deste trabalho não é possível, por falta de espaço, elencar pormenorizadamente as sucessivas fases de reconstrução ocorridas no período em apreço, assim optou-se por inserir uma reconstituição conjectural (Figura 1),

da

António

autoria do

do

arquitecto

Couto8,

que

exemplifica e esquematiza de forma clara a complexidade das modificações ao longo do tempo. Figura 1 – Reconstituições conjecturais, Arquitecto António do Couto, in Lisboa Antiga, Vol. V, pp.23, 25, 27.

Bibliografia: DUBY, Georges, “O tempo das Catedrais”, Editorial Estampa, Lisboa, 1979; PEREIRA, Paulo, “Arte Portuguesa – História Essencial”, Temas e Debates, Lisboa, 2014; GOMBRICH, E.H, “A História da Arte”, Ed. Público, Lisboa. 2005; SILVÉRIO, Sofia, “Arqueologia da arquitectura – contributo para o estudo da Sé de Lisboa”, Dissertação de Mestrado, Universidade Nova, Lisboa, 2014. Disponível em: http://hdl.handle.net/10362/13753; SUMMAVIELLE, Elísio, “Igreja de Santa Maria Maior – Sé de Lisboa”, Instituto Português do Património Cultural. Ed. Teorema, Lisboa, 1986.

8

SUMMAVIELLE, Elísio, “Igreja de Santa Maria Maior – Sé de Lisboa”, Instituto Português do Património Cultural. Ed. Teorema, Lisboa, 1986, p.8.

3

Lihat lebih banyak...

Comentarios

Copyright © 2017 DATOSPDF Inc.