História do Direito Internacional

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Historia do Direito ... Authored by Tatiana Waisberg 6.0" x 9.0" (15.24 x 22.86 cm) Color on White paper 138 pages ISBN-13: 9781523463541 ISBN-10: 1523463546 Please carefully review your Digital Proof download for formatting, grammar, and design issues that may need to be corrected. We recommend that you review your book three times, with each time focusing on a different aspect.

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HISTÓRIA DO DIREITO INTERNACIONAL

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HISTÓRIA DO DIREITO INTERNACIONAL _______________________________________ UMA BREVE INTRODUÇÃO ILUSTRADA

TATIANA WAISBERG

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TATIANA WAISBERG Professora de Direito Internacional na Escola Superior Dom Helder Camará Mestre em Direito Internacional – PUC-MG e Universidade de Tel Aviv, Israel

© Tatiana Waisberg 2016 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9610/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito do autor, poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Projeto Gráfico

HISTÓRIA DO DIREITO INTERNACIONAL

Nimrod Etsion Koren

Belo Horizonte 2016

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1.4 Idade Média e Renascimento

Sumário

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1.4.1 As Cidades Italianas e o monopólio do Comércio Internacional medieval

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1.4.1Ligas e Feiras do Comércio

27

2. DIREITO INTERNACIONAL MODERNO 2.1 A Era do Descobrimento e os Precursores do DI

Apresentação

12

1. ANTIGUIDADE

30 33

2.2 A Paz de Vestefália (1648)

34

3. O DI NO SÉCULO XIX

36

3.1 A Independência dos Estados Americanos

38

13

1.1 Primeiros Tratados Internacionais

14 3.1.1 Conflitos Territoriais e Golpes de Estado

1.1.1 Tratado de Mesilim (2550 A.C.) 1.1.2 Tratado de Kadesh (1259 A.C.)

15 3.2 Congresso de Viena (1815)

40

3.3 Direito Internacional Humanitário

43

16

1.2 Rotas de Comércio e Alianças Militares, Politicas e 17 Econômicas 1.2.1 Relações diplomáticas entre o Império Persa eas cidades-estados gregas

3.3.1O Comitê Internacional da Cruz Vermelha 19

1.2.3 Os Papiros de Zenon (260 - 239 A.C.)

21 22

1.3.1 Jus Gentium e Jus Pelegrinus

22

1.3.2Mare Nostrum

22

46

3.4 Instituições de Cooperação Internacional 4. O DI NO SÉCULOXX

1.2.2 Ligas de Estados: alianças militares, cooperação 20 econômica e condição jurídica dos estrangeiros

1.3 A Pax Romana e o Jus Fetiale

39

48 50

4.1 A Conferência de Paz de Versalhes (1919) 4.1.1Sociedade das Nações

53 55

4.1.1.1 Sistema do Mandato

59

4.1.1.2 Autodeterminação nacional

64

4.1.1.3 Culpa Coletiva

65

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4.1.1.4 A OIT e os Direitos Sociais

68

4.4.4.1 Tribunal Internacional Criminal da 69

Ex-Iugoslávia (ICTY)

4.2.1 Declaração de Londres (1941)

70

4.4.4.2 Tribunal Internacional Criminal para

4.2.2 Carta do Atlântico (1941)

71

Ruanda (ICTR)

4.2.3 Declaração das Nações Unidas (1942)

73

4.2 ONU

4.2.4 Conferência de Moscou (1943)

75

97

101

4.4.4.3O Tratado de Roma e o Tribunal Penal Internacional 4.5 Direitos Internacional dos Direitos Humanos

102

105

4.2.5 Conferência de Tehrân (1943)

75

4.2.6 Conferência de Dumbarton Oaks (1944)

77

4.2.7 Conferência de Yalta (1945)

78

4.2.8 Conferência de São Francisco (1945)

80

5. DESAFIOS PARA O SÉCULOXXI

111

4.2.9 Conferência de Potsdam (1945)

81

5.1 Cúpula do Milênio e Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável

115

4.3 Instituições do Comércio Internacional 4.3.1FMI & Banco Mundial - Conferência de Bretton Woods (1944)

82

4.5.1 Tratados de Direitos Humanos no Sistema da ONU 4.5.1.1 Conselho de Direitos Humanos da ONU

5.2 Direito Ambiental Internacional

83

4.3.2 GATT & OMC - Conferência de Havana (1947-8) e Acordo de Marrakesh (1995)

85

4.4 Direito Penal Internacional

86

108

110

116

5.2.1 Protocolo de Quioto

117

5.2.2 COP21

119

5.3 A Guerra contra o Terror 5.4 A Primavera Árabe

120 124

4.4.1 Tribunal de Crimes de Guerra de Leipzig (1921)88 4.4.2 Tribunal Militar Internacional de Nuremberg 4.4.3 Tribunal Militar do Extremo Oriente

6. CONCLUSÕES

131

7. BIBILIOGRAFIA

134

90 93

4.4.4 A Justiça Criminal Internacional após a Guerra Fria 95

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Apresentação

Capítulo 1 ______________________ O desenvolvimento histórico do Direito Internacional é eminentemente eurocêntrico, e traça suas origens nos berços da civilização ocidental, inicialmente na mesopotâmia, onde há registro dos primeiros tratados celebrados entre duas entidades soberanas. Durante o período de hegemonia da civilização grega helenística, é possível encontrar as origens de arranjos institucionais sofisticados, incluindo alianças militares, politicas e econômicas entre cidades-estados gregas e suas colônias. O estudo de subdisciplinas do DIP moderno, assim, remete, em muitos casos, à antiguidade, auxiliando na compreensão da essência de muitos institutos contemporâneos. Este livro apresenta uma retrospectiva histórica do Direito Internacional, desde 2550 A.C. até os dias atuais. A seleção e apresentação dos temas é apresentada sob perspectiva linear, com ênfase em tópicos que ilustram as origens das principais regras que informam a sistematização do Direito Internacional. Esta abordagem não se limita aos institutos do Direito Internacional Público tradicional, incluindo também o desenvolvimento do comércio internacional, disciplina estudada no âmbito do Direito Internacional Econômico. A utilização de imagens e referência a textos fundadores de subdisciplinas do Direito Internacional, mais do que uma revisão geral da história desde ramo do Direito, é um convite à reflexão.

Antiguidade

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Antiguidade

1.1 Primeiros Tratados Internacionais Os exemplos de contatos entre diferentes culturas durante a antiguidade são escassos, e a maioria das sociedades antigas era xenófoba, e, geralmente, a lei religiosa vedava o contato com os estrangeiros1. Além disso, a escassez de recursos também pouco contribuía para o florescimento de relações comerciais entre diferentes povos. Esta dinâmica é interrompida com a ascensão das cidades-estados da Grécia clássica, revelando diversos arranjos institucionais multilaterais, incluindo a cooperação econômica e militar, proporcionando condições benéficas para a hegemonia da civilização helênica por vários séculos2. Tal prática é interrompida à medida que o Império Romano passa a dominar as cidades-estados gregas, suplantada por um modelo de 1

Na Índia antiga, segundo as Leis de Manú, o estrangeiro era considerado um animal, pária ou sudra. Sempre associado à ideia de inimigo. No Egito apenas as populações ribeirinhas do Nilo eram consideradas puras. Excepcionalmente, os persas e hebreus reconheciam concessões de direitos à estrangeiros em decorrência de interesses comerciais. Tatiana Waisberg. Manual de Direito Internacional Privado. São Paulo:LTr, 2013, p. 48 2

"É preciso observar que a era da Grécia clássica, que durou algumas centenas de anos a partir do século VI A.C., teve uma importância extraordinária para o pensamento europeu. A mentalidade crítica e racional, o questionamento e a análise constantes do homem e da natureza, bem como o gosto pela discussão e pelo debate, disseminaramse em toda a Europa e no mundo mediterrâneo por obra do Império Romano, que adotou a cultura helênica por inteiro, e penetraram na consciência ocidental no Renascimento. Entretanto, a atenção dos gregos se limitava às competitivas cidadesestados e colônias helênicas. Os povos de origens diferentes eram bárbaros indignos de qualquer convívio." Malcolm N. Shaw. Direito Internacional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 14

uniformização ditado por Roma, regendo as relações entre os romanos e os estrangeiros, bem como propugnando o principio da liberdade dos mares. O controle do mar mediterrâneo domina a relação entre a Europa, a África e o Oriente Médio, constituindo justamente o ponto de transição entre a Pax Romana e o sistema feudalista, a partir da ascensão do Islã. A perda do controle do mediterrâneo, por parte dos europeus, sinaliza o inicio de uma longa era de isolamento entre ocidente e oriente, estendendo-se até o renascimento europeu, e, sobretudo até a era dos descobrimentos, iniciada em 1492. Neste mesmo período, ocorre também a transição de poder no oriente, a partir da tomada de Constantinopla pelos Otomanos em 1453. Nos próximos itens, são apresentados aspectos pontuais relativos à evolução de institutos diversos do Direito Internacional durante a antiguidade e a idade média. 1.1.1 Tratado de Mesilim (2550 A.C.) Os primeiros registros de tratados bilaterais remetem ao "Tratado de Mesilim", celebrado entre os reinos de Umma e Lagash, cidadesestados sumérias, situadas na mesopotâmia. O acordo, inscrito em uma pedra, em forma de cone, delimita as fronteiras entre as duas cidades em 2550 A.C.O texto do Tratado de Mesilim inclui disposições relativas ao acordo de delimitação de fronteiras, incluindo referencias a recursos hídricos compartilhados, e a indicação de canal construídono Rio Tigre e

Tratado de Mesilim, Museu do Louvre, Paris.

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compartilhado pelas duas cidades. Além disso, há indicação de regras relativas à proteção de lugares sagrados, bem como regras relativas à proteção de soldados em tempo de guerra3. 1.1.2 Tratado de Kadesh (1259 A.C.) O Tratado de Kadesh celebra a paz entre egípcios e hititas em 1259 A.C., e estabelece uma aliança militar entre os reinos de Ramsés II e Hatulisi III, havendo sido inscrito originalmente emprata, a inscrição em pedra era encontrada em diversos locais. A ampla divulgação deste acordo em seu tempo tornou provavelmente possível a preservação de duas versões, a hitita ea egípcia, indicando a existênciade arranjos institucionais encontrados no Direito Internacional contemporâneo4, incluindo disposições relativas à extradição deperseguidos políticos

Tratado de Kadesh, Museu Arqueológico de Istambul.

O acordo de aliança militar estabelecea obrigação de cooperar nocombate aos inimigos 5 , incorporando o principio da assistência recíproca, fundamento da legitima defesa coletiva no Direito Internacional contemporâneo. 1.2 Rotas de Comércio e Alianças Militares, Politicas eEconômicas As rotas de comércio do mundo antigo interligavam Ásia, Oriente Médio, África e Europa, através de impérios, desenvolvendo-se em condições propícias ao florescimento do comércio. A rota da seda desenvolvida pela dinastia Han a partir do ano 206 A.C., conectava o comércio da China e da Índia ao Oriente Médio, monopolizado pelo sistema grego, no auge do helenismo.

no exílio. No acordo de paz, os dois reinos se comprometem a manter relações de irmandade que devem ser preservadas pelas gerações seguintes, sem prazo determinado. Rota da Seda na Antiguidade

3

O conteúdo integral do texto pode ser acessado em inglês no site . 4 "Or if any great man shall flee from the land of Kheta, [and he shall come to] Usermare-Setepnere, the great ruler of Egypt, (from) either a town or a district, or [any region of] those belonging to the land of Kheta, and they shall come to RamsesMeriamon, the great ruler of Egypt, then Usermare-Setepnere, the great ruler of Egypt, shall not receive them, (but) Ramses-Meriamon, the great ruler of Egypt, shall cause them to be brought to the great chief of Kheta. They shall not be settled." O texto da versão egipcia e da hitita pode ser acessado em inglês no site

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"If another enemy come against the lands of Usermare-Setepnere (Ramses II), the great ruler of Egypt, and he shall send to the great chief of Kheta, saying; "Come with me as reinforcement against him," the great chief of Kheta shall [come], and the great chief of Kheta shall slay his enemy. But if it be not the desire of the great chief of Kheta to come, be shall send his infantry and his chariotry, and shall slay his enemy."O texto da versão egipcia e da hitita pode seracessadoeminglês no site

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A partir desde período, há diversos registros de acordos de alianças entre cidades-estados, acordos de comércio, incluindo adoção de politica monetária comum 6 , bem como regras referentes às imunidades diplomáticas e direitos dos prisioneiros de guerra. Tais acordos ostentam semelhança com institutos e princípios afetos ao Direito Internacional moderno, e em muitos casos, tais sistemáticas, representam as origens de subdisciplinas deste ramo do direito. Nos itens seguintes, é apresentada uma breve análise dos principais elementos deste período na perspectiva atual, incluindo, sobretudo as origens do Direito Internacional Econômico, do Direito da Guerra, do Direito Humanitário e do Principio da Liberdade dos Mares.

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1.2.1 Relações diplomáticas entre o Império Persa e as cidades-estados gregas Durante o período clássico, relatado por Heródoto, referente às sucessivas guerras promovidas pelos persas com o objetivo de conquistar as cidades-estados gregas do período clássico, é possível identificar a possível origem dos costumes diplomáticos. As relações diplomáticas nem sempre eram produtivas e Heródoto aponta o fracasso da missão diplomática, com o envio de embaixadores em 507 A.C., demandando uma aliança protetiva do Rei Darius I da Pérsia, fortalecendo a oposição a Esparta, como parte de uma série de eventos que culminaram na invasão da Grécia continental, liderada pelo exercito e marinha da Pérsia7.

Batalha de Salamis (480 A.C.) 6

Na China o sistema monetário comum foi introduzido pela Dinastia Zhou (1047 - 771 A.C.), durante este período foi também introduzido o sistema feudal, bem como avanços na agricultura e no desenvolvimento de armas de fogo. Posteriormente, a Dinastia Han (206 A.C. - 220 D.C.) inicia a época de ouro da história chinesa, estruturando a Rota da Seda que possibilitou o comércio entre a China, a Índia e o Oriente Médio.

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O relato completo deste episódio encontra-se disponível no site

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1.2.2 Ligas de Estados: alianças militares, cooperação econômica e condição jurídica dos estrangeiros Na antiguidade grega clássica, e no período helenístico, é possível identificar diversos arranjos institucionais de caráter internacional, semelhantes aos tratados de aliança militar, tratados de cooperação econômica, bem como disposições relativas a imunidades diplomáticas e proteção de locais religiosos8. Há também diversas regras sobre o tratamento de prisioneiros de guerra, regras relativas à neutralidade, necessidade de declarar a guerra, bem como regras relativas à extradição de perseguidos políticos, anistias e arbitragem. A Liga de Delos, formada em 478 A.C., inicialmente destinou-se a. criação de uma aliança militar entre Estados gregos para resistir aos persas, bem como garantir a liberdade do mar egeu, ameaçado por piratas. Durante o período posterior às guerras Grecopersas, a liga do Peloponeso é criada por Esparta, em oposição à Liga de Delos.Ambas revelam práticas militarese comerciais que podemserMapa das potencias dominantes nas guerras Greco-persas (509-479 A.C.)

a arranjos institucionais contemporâneos, tais comoo MercadoComum Europeu e a OTAN. Atenas, liderança militar, politicaeeconômica, ditavam as regrasda politicamonetária comuns às cidades-estados membros da Liga de Delos, enquanto Esparta liderava as decisões da Liga do Peloponeso. Estes dois arranjos, incialmente resultado das guerras travadas com os Persas, sobretudo o exercito de Ciro e Xerxes, incorporam a experiênciado conflito anterior. Posteriormente, as ligas de

Tetradrachma, moeda cunhada por Atenas, comum aos Estados membros da Liga de Delos.

Delos e do Peloponeso arrumem caráter eminentemente militar, constituindo as duas alianças da Guerra do Peloponeso (431 A.C.), antecedendo o início da era helenística, marcando a perda do poder das cidades Estadas daGrécia, e o avançodestamesmaculturaatravés das conquistasdeAlexandre, ggdgg o Grande (336 - 323 A.C.) 9.

1.2.3 Os Papiros de Zenon (260 - 239 A.C.) Descoberto em 1915 por camponeses egípcios, revela detalhes sobre a estrutura e funcionamento da economia do período helenista. Zenon, secretário particular de Apolônio, o ministro da fazenda de Ptolomeu III, relata em cerca de 2000 cartas diversos aspectos relacionados à administração de bens imóveis,

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Em Atenas, por exemplo, era vedado aos estrangeiros exercer direitos fundamentais, tais como direitos de família, propriedade e comércio. Os estrangeiros domiciliados eram classificados como metecos e isóteles, e possuíam certos direitos civis e políticos, sob autorização da Assembleia popular. Havia também a figura do Próxeno, espécie de cônsul, responsável pelos estrangeiros, e a Polemarca , juízes especializados para guerra e relações com inimigo. Além disso, eram celebrados tratados entre cidadesestados versando aplicação de lei uniforme e de lei estrangeira. Tatiana Waisberg. Manual de Direito Internacional Privado. São Paulo:LTr, 2013, p. 48

9

A Guerra do Peloponeso, narrada pelo historiador Tucídides, em sua época, revela racional semelhante à chamada "Politica de Estado", teoria que domina as relações internacionais. As causas e teorias desta guerra, contando com amplo debate público, e sofisticado aparato institucional e legal remetem a paralelos traçados com conflitos modernos, a exemplo da discussão relativa às causas da Primeira Guerra Mundial. Para discussão Joseph Nye Jr. Understanding International Conflicts: an Introduction to Theory and History. 6ed New York: Longman, 2007, p. 12-20

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e aspectos relacionados ao comércio internacional, incluindo referencia a medidas tarifárias e seus efeitos cambiários10. 1.3 A Pax Romana e o Jus Fetiale O Império Romano substitui o sistema de equilíbrio de poder das cidades-estados gregas, impondo as regras de Roma aos territórios sujeitos ao controle romano. Neste contexto, não há espaço para acordos de paz e alianças militares, mas sim a subordinação das populações conquistadas ao poder de Roma. Ainda assim, adeptos ao sistema formalista, os romanos desenvolveram o chamado jus fetiale, determinando as regras para a declaração da guerra e os termos para a posterior conciliação. 1.3.1 Jus Gentium e Jus Pelegrinus No que se refere aos direitos civis da vasta população do Império Romano, é desenvolvido uma vasta legislação regulamentando diversos aspectos do direito privado, incluindo jurisdição especial para decidir disputas envolvendo romanos e estrangeiros. Além do jus pelegrinus, delimitando as relações entre romanos e estrangeiros, o jus gentium regulamentava as relações privadas entre as populações não romanas sob o controle central de Roma. 1.3.2 Mare Nostrum Diferente da experiência das cidades-estados gregas, que recorriam a mecanismos de cooperação, a exemplo da Liga de

10

Accounting in the Zenon Papyri.Elizabeth Grier. Classical Philology. Vol. 27, No. 3 (Jul., 1932), pp. 222-231

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Delos para garantir a liberdade de navegação no mar Egeu, à liberdade do mar mediterrâneo foi conquistada pelo Império Romano através das guerras Púnicas (264 - 146 A.C.). Durante este período, os romanos conquistaram a Sicília, derrotaram o exército de Hannibal, e por fim, promoveram a destruição total de Cartago, exterminando a população cartaginense, incendiando os edifícios, e por fim, despejando gigantescas quantidades de sal sobre o território da capital do império cartaginense. A vitória romana sobre Cartago sinaliza o inicio do chamado "Mare Nostrum", isto é, o monopólio romano do mar mediterrâneo. Posteriormente, o principio da liberdade dos mares, torna-se central no desenvolvimento do direito internacional moderno, defendido por Hugo Grotius, considerado um dos fundadores da disciplina, no clássico "Mare Liberum", defendendo a liberdade dos mares como principio universal que regre o Direito Internacional. O "Mare Nostrum" romano permitiu o comércio entre Europa e África, interligandoestes dois continentes ao oriente médioe à rota da seda.Este sistemapermanece uaté a dg ascensão do Islã, e a subsequente conquista de territórios do norte da África, e mesmo parte do território Europeu, incluindo a península Ibérica e os Balcãs.

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No contexto da intervenção da OTAN na Líbia, e o consequente fluxo de imigrantes, incluindoinúmeros naufrágios, a Itália, em outubro de 2013,lançou a Área do Mare Nostrum romano (117 D.C.) "operaçãomarefggfg nostrum", resgatando o termo utilizado pelos romanos para se referir à liberdade do mar mediterrâneo, para resgatar imigrantes no mar mediterrâneo, e combater a crescente onda de imigração proveniente do norte da África. A operação durou um ano, e foi substituída por um novo arranjo, incluindo maior participação da União Europeia, passando o controle para a "Frontex", agência da União Europeia destinada a resguardar as fronteiras externas, com o objetivo de reprimir a imigração ilegal, o tráfico de pessoas e o terrorismo11.

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consolida, o principio da territorialidade regula as relações privadas nos limites do feudo, sinalizando o surgimento do conceito moderno de soberania, associado ao principio da integridade territorial e ao principio da não intervenção. Tais características, embora essências ao conceito moderno de soberania, não se mostraram suficientes para desencadear o desenvolvimento de sistemas de alianças políticas, militares e econômicas, pois a escassez de recursos tornava remota a possibilidade de relações internacionais férteis.

1.4 Idade Média e Renascimento O fim da liberdade do mar mediterrâneo, resultado a expansão dos califados islâmicos, juntamente com as sucessivas invasões bárbaras, suplantaram o sistema de comércio que conectava a Europa à África e ao Oriente. O feudalismo gradualmente afasta o ordenamento jurídico romano, incorporando, inicialmente, o sistema da personalidade, coexistindo diferentes sistemas jurídicos em um mesmo espaço. À medida que o feudalismo se 11

ECRE.MareNostrum to End - New Frontex Operation will not ensure rescue of immigrants in international waters. European Council on Refugees and Exiles. ECRE Weekly Bulletin of 10 October 2014.

A vida no campo no feudalismo.

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1.4.1 As Cidades Italianas e o monopólio do Comércio Internacional medieval As cidades italianas de Veneza, Gênova e Pisa diferente do resto da Europa, continuaram a manter relações com o oriente, sobretudo Veneza que permaneceu ligada a Constantinopla, eusufruiu da posição estratégica duranteas cruzadas. 12 Assim, ascidades italianas detinham o monopólio do comércio das especiarias comercializadas durante as Cruzadasque seiniciaram com mais intensidade no século XI.Interessante notar que estas especiarias eram vendidas a preçosmuito altos na Península Ibérica, onde se iniciou a busca pornovas rotas para alcançar as Índias.13

Rotas de Comércio ligando as cidades de Genova e Veneza aos mercados europeus e árabes

12

O historiador Leo Huberman aponta que "As cidades comerciais italianas encaravam as Cruzadas como uma oportunidade de obter vantagens comerciais. Assim é que a Terceira Cruzada teve por objetivo não a reconquista da Terra Santa, mas a aquisição de vantagens comerciais para as cidades italianas." Leo Huberman. História da Riqueza do Homem. 21 ed: Rio de Janeiro, LTC, 1986. p. 21 13 Bueno, Eduardo. Brasil: terra a vista, a Aventura ilustrada do descobrimento. LPM. 2009. Guaracy, Thales. A Conquista do Brasil: 1500-1600. Planeta do Brasil. 2015.

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A rivalidade e o contato comercial entre estas cidades do norte da Itália desencadeou a busca por soluções jurídicas para conflitos interespaciais, sendo precursoras no desenvolvimento do Direito Internacional Privado Moderno, sobretudo nos séculos XI e XII. Os glosadores e pós-glosadores, neste período, buscaram na legislação do Império Romano soluções para conflitos comerciais. Posteriormente, o jurista italiano Bartolo (1314-1357), pode ser considerado um dos fundadores do Direito Internacional Privado moderno ao determinar regras de soluções para soluções de conflitos intertemporais até hoje utilizadas14. 1.4.1.1 Ligas e Feiras do Comércio Nos séculos XIII e XIV, inicia-se o reflorescimento do comércio internacional entre cidades da Europa central, e os bens produzidos em diversas partes eram levados a feiras que eram realizadas em cidades da França, Bélgica, Alemanha, interligando as rotas do mar báltico aos Alpes. A feira de Champanhe, por exemplo, uma das mais importantes deste período, era praticamente permanente, pois havia sucessivas feiras. Segundo o historiador Leo Huberman "Além de convidar os mercadores de todas as partes para participar das feiras, o regulamento do Champanhe lhe oferece salvo conduto para ir e voltar. Com frequência, também, os mercadores que dirigiam as feiras ficavam isentos dos penosos impostos e direitos de pedágio,

14

A lex loci delicti, lei do local do delito, a distinção entre direitos reiais e pessoais para responsabilidade civil, regras contratuais, lex loci celebrationis e lex loci solucionis, referentes ao local de celebração e cumprmento do contrato são exemplos de regras propostas por Bártolo. Além disso, a origem da noção de ordem pública também é atribuída a este jurista. A ideia de estatutos de caráter odioso, nesse sentido, é considerada a origem da teoria da ordem pública.

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normalmente exigidos pelos senhores feudais durante a viagem."15

criaramtambém um sistema legal e um exercito particular para promover proteção reciproca.

Rede de cidades europeias pertencentes à Liga Hanseática Feira de Saint Germain (1670), França.

A crescente circulação de moeda levou os comerciantes a buscarem meios para movimentar maiores quantia de dinheiro, resultando na criação do sistema bancário, incluindo os títulos de créditos, muito importantes para o funcionamento deste comércio. Além disso, os comerciantes buscaram garantir maior previsibilidade e segurança nas relações comerciais promovendo a criação de ligas comerciais. A Liga Hanseática, por exemplo, foi criada para proteger os interesses econômicos de seus membros, bem como estipular privilégios diplomáticos. As cidades pertencentes à Liga Hanseática, no Mar Báltico e do Norte, criaram também um sistema legal e um exercito particular para promover proteção reciproca. Norte

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Tatiana Waisberg. Manual de Direito Internacional Privado. São Paulo:LTr, 2013, p.

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Capítulo 2 ______________________

Direito Internacional Moderno

Direito Internacional Moderno

O Direito Internacional moderno identifica-se com a noção de soberania estatal, associada à ideia de Estados nacionais autônomos. Embora parte da Doutrina sinalize a celebração da Paz de Vestefália em 1648 como o inicio do reconhecimento dasoberania reciproca dos Estados europeus que celebram o Tratado que encerra as guerras religiosas no continente, este entendimento não é consensual. A construção da soberania moderna, produto da criação do Estado nacional moderno, anterior à Paz de Vestefália, encontra-se inerente ao processo de formação e legitimação do Direito Internacional moderno. O reflorescimento do comercio internacional no continente Europeu, e a necessidade de garantir a ordem e a estabilidade, neste sentido, resulta na criação de Estados absolutistas, juntamente com a estruturação do sistema mercantilista. Este sistema econômico, inicialmente destinado a garantir as relações comerciais entre Estados europeus, torna-se crucial para tornar possível o comércio ultramar subsequente ao descobrimento da América, conectando o comércio Europeu à África e Ásia. Durante a era dos descobrimentos, teólogos e juristas espanhóis,

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e posteriormente, holandeses e ingleses, formulação os primeiros conceitos do Direito Internacional moderno.

Selo comemorativo dos 500 anos de Descobrimento da América

2.1 A Era do Descobrimento e os Precursores do DI A descoberta da América e a perspectiva de ocupação do novo mundo motivaram os primeiros doutrinadores do Direito, teólogos e canonistas espanhóisjesuítas, a formular as noções elementares deste ramo do pensamento jurídico. Francisco deVitória (1480 - 1546) 16 e Francisco Suarez (1548 - 1617) 17 são geralmente, considerados, pela doutrina, os precursores do Direito Internacional moderno, abordando aspectos relacionados a valores universais, com fundamento no direito natural, relacionados ao chamado "direitos das gentes". Todavia, as obras destes pensadores foram objeto de censura na mesma época, relegadas ao index proibido pela Igreja Católica. Durante o século XVI, auge da era do descobrimento, doutrinadores de potencias rivais a Espanha e Portugal, iniciaram 16

O teólogo e jurista espanhol da Escola de Salamanca, conhecido por suas obras sobre o direito da guerra, legitimando a ocupação da américa espanhol e catequisação dos indígenas, teve suas obras inscridas no index de livros proibidos. Outras obras do autor incluem De potestatecivili, 1528; Del Homicidio, 1530; De matrimonio, 1531;De potestateecclesiae I e II, 1532; De Indis, 1532; De Jure belli Hispanorum in barbaros, 1532.; De potestatepapae et concilii, 1534; RelectionesTheologicae, 1557;Summa sacramentorumEcclesiae, 1561. 17

Franciso Suarez, teólogo e jurista da Escola de Salamanca, escreveu sobre diversos temas. Considerado filosofo da tradição tomasiana, desenvolveu teorias sobre a guerra justa, embora critico da escravidão das populações indígenas. Doyle, John P. “Francisco Suárez on the Law of Nations”, in Religion and International Law, Mark Janis and Carolyn Evans (eds), The Hague: MartinusNijhoff, 1999. pp. 103–144.

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a teorização do Direito Internacional, abordando princípios gerais do direito, legitimados através do direito natural. Hugo Grotius (1583 - 1645), neste sentido, é considerado o fundador do Direito Internacional moderno, abordando temas como a liberdade dos mares e a guerra em suas obras. A teoria da guerra justa de Grotius apresenta argumentos normativos, históricos e teológicos para justificar a legalidade da guerra. Sob o aspecto normativo, três sistemas jurídicos concorrentes - a lei da natureza, o direito das gentes, e a lei divina18.

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Espanha e a Holanda, e resultaram no reconhecimento formal e reciproco da independência dos Estados envolvidos, incluindo também o Reino da França, o Império da Suécia e as cidades imperiais livres, na atual Suíça e Alemanha19.

Tratado de Munster (1648)

O Direito da Guerra e da Paz, Hugo Grotius (1625).

2.2 A Paz de Vestefália (1648) A Paz de Vestefália refere-se aos tratados multilaterais celebrados entre maio e outubro de 1648 nas cidades de Vestefália, Osnabruck e Munster. Tais acordos encerraram a Guerra dos Trinta Anos (1618 -1648) entre as potencias Sacro Império Romano e a Guerra dos Oito Anos (1568 - 1648) entre a 18

Hugo Grotius. Stanford Encyclopedia of Philosophy.

19

A revista Economist, recentemente, comparou a guerra dos 30 anos aos conflitos atuais no Oriente Médio. A guerra entre Católicos e Protestantes na Europa, entre 1618 e 1648, comparada a cisão entre sunitas e xiitas no Islã, resultou no enfraquecimento da Alemanha, no primeiro momento, mas não evitou a deflagração de conflitos posteriores. Economist.What happened in the Thirty Years War? Jan 17th 2016.

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Capítulo 3

O DI no Século XIX

______________________ O DI no Século XIX Durante ao período que corresponde ao sistema mercantilista, incluindo a colonização da América, a intensificação do comércio de escravos da África e especiarias, e outros artigos de luxo, provenientes da Ásia, os Estados europeus avançaram no desenvolvimento de mecanismos para viabilizar uma ampla rede de relações comerciais, politicas e militares. Este processo de construção de instituições, normas e mecanismos destinados a gerenciar a produção e distribuição dos recursos explorados pelos europeus, influenciado pelo resgate de ideias helenísticas, associado à consolidação dos Estados europeus, assume novas dimensões à medidaque o sistema mercantilista é substituído pelo sistema imperialista. A revolução industrial, iniciada na Inglaterra, Batalha do Avaí, 11 de dezembro de 1868. Obra de Pedro Américo sobre um dos últimos de repercutiu-se episódios da Guerra do Paraguai. forma dramática em

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todo o continente Europeu, e nas relações destes com outros modelos de civilização. A revolução dos meios de produção afeta as relações sociais, politicas e econômicas, gerando conflitos entre Estados, conflitos de classes, e movimentos de independência na América. Este curto período, se comparado à antiguidade e idade média, produz inovações tecnológicas e conflitos sociais sem precedentes, avançando o ritmo das mudanças de maneira radical20.

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A independência do Haiti, liderada por escravos no contexto da revolução francesa, e com demandas relacionadas à racional das guerras napoleônicas. Os habitantes desta colônia francesa no Caribe, ao tomarem conhecimento dos ideais revolucionários da igualdade, liberdade e fraternidade, rebelaram-se contra a metrópole francesa em 1791, a chamada "Revolta de São Domingos", também conhecida como "Revolta dos Escravos", alcançando independência após uma violenta guerra, em 1804.

3.1 A Independência dos Estados Americanos No continente Americano, os ideais da revolução francesa geram instabilidade, revoltas, e guerras de independência. A independência dos Estados Unidos, em 1776, ainda no século XVIIIinaugura o discurso de descolonização dos Estados Americanos, ainda que posteriormente, contribua para a manutenção das regras internacionais colonialistas21.

20

As teorias criticas do Direito Internacional, sobretudo relacionadas a abordagens pós-colonialistas, estabelecem relação entre o processo civilizatório institucionalizado do século 19 e a ordem internacional contemporânea. Anghie, Antony. Imperialism, Sovereignty, and the Making of International Law.Cambridge University Press.2004; Simpson, Gerry.Great Powers and Outlaw States. Unequal Sovereigns in the International Legal Order .Cambridge University Press. 2004. Koskenniemi, M. The Gentle Civilizer of Nations: The Rise and Fall of International Law 1870-1960. Cambridge University Press. 2001.

21

No Caso Palmas, Estados Unidos e Holanda recorreram à Corte Permanente de Arbitragem com o objetivo de solucionar litigio referente a disputa territorial da Ilha de Palmas, também conhecida como PulauMuangas, situada na Indonésia, atualmente. A ilha de Palmas foi cedida aos Estados Unidos em 1898 pela Espanha, no Tratado de Paris. Em 1906, os Estados Unidos descobrem que a Holanda também alegava ser soberana. Assim, os Estados Unidos, justificando que o título de descobrimento da Espanha lhe conferia a propriedade da Ilha de Palmas como parte integrante de seu território, em consenso com a Holanda, recorreu à jurisdição da Corte Permanente de Arbitragem. Em 1928, o arbitro Max Huber, renomado jurista suíço, emitiu seu julgamento, decidindo que o titulo de descobrimento, dissociado da continuidade e do exercício da soberania sobre o território descoberto, não possuía efeitos jurídicos. Assim, considerando a presença continua e o exercício da soberania holandesa na Ilha de Palmas, a Corte conferiu a soberania à Holanda. Tatiana Waisberg. Do

Revolta de São Domingos, Haiti (1804).

3.1.1 Conflitos Territoriais e Golpes de Estado No século XIX, conhecido sob a perspectiva das relações internacionais como o século do concerto de Viena, apontado como arranjo europeu que garante a estabilidade no continente Europeu entre 1815 e 1914, na América a situação era bem diferente. Diversos Estados alcançaram a independência das metrópoles europeias, envolvidos em conflitos territoriais regionais. A Guerra do Paraguai (1864 - 1870), a Guerra do Reconhecimento de Estado e de Governo no Direito Internacional: considerações sobre a evolução do tema na jurisprudência e prática internacional. Meridiano 47 (UnB), v. 12, p. 18-24, 2011.

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Pacífico (1879 - 1883), bem como o a guerra entre Estados Unidos e México (1846 - 1848), e a posterior guerra civil norteamericana (1861 - 1865), ilustram exemplos de conflitos armados travados no século XIX entre Estados independentes. Não obstante, a tendência eurocêntrica do Direito Internacional que tende a reduzir a importância dos precedentes estabelecidos nestes conflitos, no caso da guerra da secessão nos Estados Unidos, é possível apontar o surgimento da primeira codificação do direito da guerra, o Código Lieber (1863)22. Por outro lado, a instabilidade dos governos na maioria dos países do continente, resultou na criação de costume regional relacionado ao asilo politico, e ao reconhecimento de governos.

hegemonia das monarquias no continente. Este concerto europeu objetivou não somente restabelecer as fronteiras anteriores às guerras napoleônicas, mas, sobretudo criar condições para a estabilidade regional, aderindo aos princípios da ordem europeia anterior à Revolução Francesa. Embora este período seja considerado por alguns teóricos das relações internacionais como bem sucedido equilíbrio de poder que se estenderam até o início da Primeira Guerra Mundial, diversas guerras foi travado entre as potências europeias, incluindo o conflito entre França e Prússia, em 1870, bem como diversos conflitos na América, África e Ásia.

Napoleão Bonaparte na campanha do Egito (1798 - 1801) Código Lieber (1863) - Francis Lieber (dir.), Presidente Abraham Lincoln (esq.)

3.2 Congresso de Viena (1815) O Congresso de Viena reuniu os embaixadores dos Estados Europeus entre setembro de 1814 e julho de 1815 destinado a estabelecer as bases para a paz no continente, e restaurar a 22

O Código Lieber, de 24 de abril de 1863, também denominado "Instrução do Governo para os exércitos dos Estados Unidos no Campo de batalha", ordem geral n. 100, de iniciativa do Presidente Abraham Lincoln destinada a regulamentar as leis da guerra. As principais seções referem-se à lei marcial, a jurisdição militar e o tratamento de espiões, delatores e prisioneiros de guerra.

Além disso, os ideais republicanos da revolução francesas, associado ao contexto do imperialismo, e desagregação do Império Otomano, levaram a reações complexas nas relações entre ocidente e oriente. Enquanto na África, as doutrinas de superioridade racional eram implantadas por europeus para justificar a expropriação dos nativos de suas terras, e a escravização dos mesmos, na Europa a imposição da emancipação dos direitos civis no leste europeu produziu tensões crescentes, sobretudo associadas à ideia de

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autodeterminação nacional 23 . Tais tensões revelaram-se altamente aniquiladoras em diversas partes do globo, ainda presentes em conflitos contemporâneos. A superioridade militar das potencias europeias, produto da revolução industrial, a reforma das instituições civis e militares, produziu modelos de produção e dominação que foram rapidamente reproduzidos por novos Estados na América, através de reformas no Império Otomano24, e na Ásia, acirrando os conflitos na Ásia. O imperialismo europeu alcançou o auge no chamado "equilíbrio de poder", de maneira que o êxito do "conceito europeu" (1815 - 1914) não reflete a crescente rivalidade e a disputa territorial entre os Estados nacionais. Este sistema não oferece tampouco mecanismos institucionais, além da arbitragem internacional, para dirimir conflitos internacionais. Não obstante, alguns princípios de relevo no Direito Internacional contemporâneo foram desenvolvidos na segunda

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metade do século XIX. Acriaçãoecodificaçãode princípios e regras do Direito Internacional Humanitário, neste sentido, podem ser consideradas um dos maiores avanços deste período, incluindo a criação da Cruz Vermelha.

Charge sobre a Conferência de Berlin de 1884-5, conhecida como "Partilha da África”.

3.3 Direito Internacional Humanitário 23

O efeito produzido pela emancipação dos judeus na Prússia, no entendimento de Hannah Arendt, revela contornos das relações sociais que alcança o ápice no holocausto. "O ponto realmente crucial da história social dos judeus alemães não chegou no ano da derrota prussiana em 1806, mas dois anos mais tarde, quando em 1808, o governo promulgou a lei municipal que outorgava aos judeus completos direitos cívicos, embora não políticos." (p. 82), ao descrever os impactos desses decretos de emancipação e a consequente revogação conclui "Junto com o anterior idílio seria recuperado, em qualquer país em qualquer outra época. Nunca mais qualquer grupo social aceitou os judeus com a mente e o coração abertos. Poderia ser amável com os judeus, porque lhe aprazia ser ousado e corajoso, ou porque desejava protestar contra a manutenção de concidadãos como párias. Mas, mesmo que tivessem deixado de ser párias políticos e civis, os judeus continuavam sendo párias sociais." (p.84). Hannah Arendt. Origens do Totalitarismo: antissemitismo, imperialismo, totalitarismo. São Paulo. Cia das Letras, 1989. 24 Nos domínios do Império Otomano os efeitos da ideologia da Aliança Francesa também lançaram as bases para tensões ainda dominantes em diversos conflitos no Oriente Médio. Por um lado, a reforma das instituições Otomanas, incluindo o período do Tanzimat, com a adoção da emancipação dos direitos civis e o principio da igualdade, rompendo com a identidade fragmentada anterior, gerou resistência por parte dos setores conservadores, considerado a causa de perseguições e massacres de cristãos da Síria e do Líbano. Para informações detalhadas Eugene Rogan. The Arabs: a history. 2 ed: Penguin, 2012.

As Convenções de Haia de 1899 e 1907 foram os primeiros tratados multilaterais a endereçar o direito humanitário, regulamentando as condutas das partes em conflitos armados25. A Convenção de Haia de 1899 resultou na adoção de três tratados e três declarações adicionais, incluindo a criação de uma Corte Permanente de Arbitragem26. A Convenção sobre as Leis e Costumes da Guerra Terrestre, Haia II, estabelece regras para o tratamento de prisioneiros de guerra, proíbe o uso de gases venenosos, vedando também o saque de cidades e o bombardeio indiscriminado de cidades. A Convenção de Haia III 25

O conteúdo dos tratados de direito internacional humanitário, iniciados com a adoção da Declaração de Paris (1856) encontra-se disponível em inglês no site . 26 Convenção para a Solução Pacífica de Controvérsias Internacionais (1899)

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incorpora os Princípios da Convenção de Genebra de 1864 a guerra marítima, incluindo a proteção de navios hospitais27. Tais limites destinados a coibir a pratica da punição coletiva como tática de guerra informa a construção das regras do direito humanitário, incorporados posteriormente pelas Convenções de Genebra (1949).

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representado pelo então Ministro das Relações Exteriores, o jurista Rui Barbosa, marca a atuação do novo governo republicado nas relações internacionais, geralmente alinhados aos Estados Unidos·. Todavia, vale notar a posição do Brasil, contrária a adoção da Convenção de Haia II sobre o Limite do Emprego da Força para a Cobrança de Dividas Contratuais29: "Outro tema debatido na Conferência foi exposto pela representação argentina. Era a defesa da proibição do uso das armas para a cobrança de dívidas de Estados − que ficou conhecida como Doutrina Drago, nome de um dos delegados argentinos, já ministro de Relações Exteriores do país. Rui Barbosa tomou uma posição contrária, pois entendia que só havia uma garantia para manter a soberania de nações ainda em ascensão: a demonstração de sua estabilidade, de sua capacidade de honrar seus compromissos, coisa que o Brasil fazia. Havia também na posição brasileira o temor de que a Argentina consolidasse uma liderança entre os Estados latino-americanos. Na Conferência, ficou decidido que o uso da força nesses casos só seria legítimo após processo de arbitragem e descumprimento dos termos da decisão arbitral."30

Máscaras para proteção contra gases tóxicos, muito utilizados na Primeira Guerra Mundial.

A Segunda Conferencia de Haia, em 1907 1 , introduz treze tratados, estabelecendo regras mais claras para as Convençõesde Haia de 1899, incluindo diversas disposições relativasàguerranaval 28 . A participação do Estado brasileiro, 27

A Primeira Convenção de Genebra de 1864 para a melhoria das Condições dos Feridos em exércitos terrestres inaugura à série de tratados internacionais que definem as bases para regulamentar à proteção das vítimas dos conflitos armados. Esta convenção coincide com a criação da Cruz Vermelha, primeira associação civil destinada a oferecer assistência humanitária para os feridos em campo de batalha. 28

Convenções de Haia (1907) I: Convenção sobre a Solução Pacífica de Disputas Internacionais; II: Convenção sobre a Limitação do Emprego da Força para a Cobrança de Dividas Contratuais; III: Convenção sobre o Início das Hostilidades. IV: Convenção sobre os Costumes da Guerra Terrestre; V: Convenção sobre os Direitos e Deveres dos Poderes Neutros e Pessoas na Guerra Terrestre; VI: Convenção sobre a Posição Legal dos Navios Comerciais no Inicio das Hostilidades; VII: Convenção sobre a Conversão do Navio Comercial em Navio de Guerra. VIII: Convenção sobre a Disposição de Minas

Submarinas de Contato Automático; IX: Convenção sobre o Bombardeio de Forças Navais em Tempo de Guerra; X: Convenção para a Adaptação da Guerra Marítima aos Princípios da Convenção de Genebra; XI: Convenção sobre Certas Restrições relativas ao Exercício do Direito de Captura na Guerra Naval; XII: Convenção sobre os Direitos e Deveres dos Poderes Neutros na Guerra Naval; XIII: Declaração proibindo o Lançamento de Projéteis e Explosivos de Balões. 29 HagueII: Convenção sobre a Limitação do Emprego da Força para a Cobrança de Dividas Contratuais 30

Christiane Laidler de Souza. Nossa águia em Haia:Há 100 anos ocorria a Segunda Conferência da Paz, na qual Rui Barbosa foi um incansável defensor da igualdade de soberania entre as nações. Revista de História. 19.9.2007

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O principio da distinção entres alvos civis e militares, relaciona-se diretamente à proibição de armas químicas, iniciado em decorrência do amplo uso de gases tóxicos nas guerras francoprussianas. As declarações da Convenção de Haia introduzem disposições específicas relacionadas à utilização de gases asfixiantes, projeteis e explosivos lançados de balões, bem como o uso de projéteis modificados para causar danos excessivos. As inovações da indústria química no campo de guerra, iniciadas na segunda metade do século XIX, e amplamente utilizadas pelos exércitos europeus, assim, podem ser consideradas a principal causa para a mobilização internacional, e adoção de normas internacionais para limitar e mesmo proibir a utilização destes armamentos. Não obstante, os conflitos do século XX revelam o desenvolvimento de armas com alto potencial destrutivo, incluindo as armas nucleares.

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conflito armado. A idealização de um exército de enfermeiros, incluindo a criação de locais protegidos para acomodar os soldados feridos, resultou da proposta de Jean-Henri Dunant, comerciante suíço que presenciou a Batalha de Solferino em 24 de junho de 1859, ocasião em que cerca de quarenta mil soldados foram mortos no campo de guerra em um só dia. Verificando a ausência de médicos e enfermeiros para prestar assistência aos feridos, Dunant buscou apoio junto à população civil local. A experiência resulta no livro "Lembranças de Solferino", e é considerado como um manifesto a favor da criação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), reunido pela primeira vez em Genebra em fevereiro de 1863, resultando também na adoção da primeira Convenção de Genebra em agosto de 1864.

O Balão dirigível Zeppelin, amplamente utilizado pela Alemanha na Primeira Guerra Mundial.

3.3.1O Comitê Internacional da Cruz Vermelha O desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário conta também com a criação de um movimento internacional destinado a garantir a proteção e assistência às vítimas do

Fundadores do Comitê Internacional Comitê Internacional da Cruz Vermelha (1863)

A Convenção estabelece obrigações formais a serem cumpridas pelos Estados em tempo de guerra, incluindo a obrigação de

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prestar assistência aos soldados feridos, sem distinção, e introduziu o emblema uniformizado para serviços médicos e a cruz vermelha com fundo branco. O papel inicial do CICV foi, sobretudo, coordenar as sociedades nacionais da Cruz Vermelha, criadas na maioria dos Estados Europeus duranteesteperíodo 31. Gradualmente, o CICV expandiu suasatividades, tornando-se mais envolvida no campo de operações, bem como participando em negociações de paz devido ao papel de neutralidade.

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1875, instituições intergovernamentais destinadas a facilitar o comércio internacional inauguram os primeiros arranjos institucional multilaterais de cooperação de caráter universal.

3.4 Instituições de Cooperação Internacional A origem das organizações internacionais modernas entendidas como processo de institucionalização de entidades intergovernamentais destinadas a promover a cooperação em diversas áreas também remonta ao século 19. No Congresso de Viena, os representantes de 216 delegações articularam a promoção de princípios e instituições destinadas à reconstrução da Europa após as guerras napoleônicas. O estabelecimento da comissão de vigilância da navegação do rio Reno, com fundamento nos artigos 108 a 116 do Ato Final de Viena, neste sentido inaugura a primeira organização internacional moderna, destinada a combater a pirataria e garantir a liberdade de navegação em rios internacionais32. Na segunda metade do século 19, a Comissão do Rio Danúbio, de 1856, estabelece a cooperação para garantir a liberdade de navegação no rio Danúbio. O estabelecimento da União Internacional dos Telégrafos (ITU), em 1874, e do Escritório Internacional de Medidas e Pesos, de 31

Para mais informações sobre a criação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha 32 Barth, Volker: International Organizations and Congresses, in: European History Online (EGO), published by the Leibniz Institute of European History (IEG),.2011

Logo comemorativo dos 150 anos da União Internacional dos Telégrafos

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O DI no Século XX

Capítulo 4 ______________________ O DI no Século XX

As respostas multilaterais e institucionais às duas grandes guerras mundiais, principais conflitos do século XX, definem os principais contornos do Direito Internacional contemporâneo. O fim do concerto de Viena ocorre com a deflagração da Primeira Guerra Mundial33, iniciando-se um processo de transição de dois grandes impérios, o Austro-Húngaro e o Otomano, com a consequente fragmentação destes territórios. A criação de novos Estados independentes no leste europeu, juntamente com a manutenção da ordem imperialista na África, Oriente Médio e Ásia, agrega elementos conflitais que podem ser associados à eclosão da Segunda Guerra Mundial. Dentre os princípios de Direito Internacional articulados no Congresso de Versalhes e adotados pelo sistema da Sociedade das Nações, o principio da autodeterminação nacional pode ser considerado um dos mais avançados, e ao mesmo tempo, até os dias de hoje altamente controvertido. Por outro lado, o principio da culpa coletiva, adotado no Tratado de Versalhes (1919) para atribuir a responsabilidade por todo e 33

A série de documentários da BBC, Documentary The Great War (2015), sobre a Primeira Guerra Mundial, com imagens reais, em 26 capítulos é uma boa sugestão para aprofundar mais no tema. O conteúdo encontra-se disponível no site

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qualquer dano causado na Primeira Guerra Mundial à Alemanha, foi afastado, e substituído pelo principio da individualização do crime internacional, lançando as bases para o desenvolvimento do Direito Internacional Penal. O Direito Internacional Humanitário também contribui para esta evolução, de maneira que há relação entre a violação de determinadas obrigações dos Estados nos conflitos armados e a prática crimes de guerra. O fracasso da adoção do principio da culpa coletiva também influenciou a criação de instituições internacionais do comércio, tais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, com o objetivo de evitar o revanchismo e a desvalorização de moedas que caracterizou o período entre guerras. Do ponto de vista institucional, é possível sinalizar ao menos três momentos nas relações que definem o rumo da evolução das normas internacionais através da possibilidade de consenso, ou polarização. O primeiro momento, entre o fim da Primeira Guerra Mundial e a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), introduz o primeiro arranjo institucional destinado a prevenir e reprimir conflitos internacionais, a Sociedade das Nações. Neste período, vale notar, também surgem arranjos institucionais duradouros, a exemplo da Organização Internacional do Trabalho, e da jurisdição internacional permanente. No segundo momento, a criação da ONU e das instituições econômicas internacionais inaugura uma nova ordem internacional que passa logo a ser ditada pelo conflito entre capitalismo e comunismo no contexto da guerra fria. Durante este período, os direitos humanos passam a ocupar posição de destaque na disciplina, resultando na adoção de diversos tratados multilaterais que reconhecem direitos civis, políticos, sociais, econômicos, culturais, bem como direitos das mulheres, crianças e pessoas com deficiência. No terceiro

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momento, a transição dos países do bloco comunista para a economia de mercado inicia uma nova fase nas instituições do comercio internacional e na prática do Conselho de Segurança da ONU. O consenso dos membros permanentes do Conselho de Segurança, até então paralisado por vetos dos Estados Unidos e União Soviética, torna possível a adoção da resolução 678 (1990), iniciando a prática de autorização de intervenções militares lícitas nos termos do capítulo VII da Carta da ONU34. A intervenção da OTAN no conflito da ex-Iugoslávia, bem como as transições democráticas na América do Sul, por outro lado, reascende o debate acerca da justiça criminal internacional. Outros temas de relevo também são avançados nas últimas décadas do século XX, incluindo o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (1968), e a Conferência de Estocolmo (1972), que inaugura as rodadas de conferências destinadas à adoção de tratados de direito internacional ambiental. 4.1A Conferência de Paz de Versalhes (1919) A Conferência de Paz de Versalhes35 encerra a Primeira Guerra Mundial com a adoção de uma série de acordos multilaterais,

34

A resolução do Conselho de Segurança 678 (1990) autoriza os Estados membros da ONU a utilizar "todos os meios necessários " para manter e implementar a resolução 660 (1990) e todas as resoluções subsequentes e restaurar a paz e segurança internacional na região. Esta linguagem, utilizada na Operação Tempestade do Deserto para garantir a legalidade da intervenção militar no Iraque, posteriormente tornou-se recorrente nas autorizações do uso da força com base no capítulo VII da Carta da ONU. Frederic L. Kirgis. The Legal Background on the Use of Force to Induce Iraq to Comply with Security Council Resolutions.ASIL Insights vol. 2, iss. 1, 23, Nov., 1997 35

Na Conferência de Paz participaram os Estados - Estados Unidos da América, Bélgica, Bolívia, Brasil, Império Britânico, Canadá, Austrália, África do Sul, Nova Zelândia, Índia, China, Cuba, Equador, França, Grécia, Guatemala, Haiti, Hedjaz, Honduras, Itália,

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dentre eles o Tratado de Versalhes (1919) que atribui a culpa e consequente obrigação de reparação, a Alemanha e seus aliados. Os tratados de Saint-Germain (1919), Neuilly (1919), Trianon (1920) e de Sèvres (1920), redefiniram as fronteiras da Áustria, Bulgária, Hungria, e Turquia36, respectivamente. A primeira parte do Tratado de Versalhes, não obstante, estabelece a Sociedade das Nações, organização destinada a solucionar disputas internacionais. A Parte XIII do Tratado de Versalhes, por sua vez, cria a Organização Internacional do Trabalho com o objetivo de regulamentar as horas e limites de dias de trabalho, introduzir proteções trabalhistas a crianças e mulheres, reconhecer a liberdade de associação e os direitos de associações e entidades de classes de trabalhadores37.

4.1.1Sociedade das Nações A Sociedade das Nações, também conhecida como Liga das Nações, estabelece a primeira organização internacional destinada à manutenção da paz mundial38. De certa forma, o sistema de segurança coletiva pode ser considerado uma readaptação do equilíbrio de poder do Concerto de Viena, influenciado pela obra de Kant, A Paz Perpétua, de 1795, e os quatorzes pontos idealizados pelo Presidente Woodrow Wilson, dos Estados Unidos 39 . A proposta do presidente norteamericano, embora rejeitada pelos aliados europeus e vetada pelo Congresso dos Estados Unidos, introduz princípios relacionados à diplomacia internacionais posteriormente

38

O documentário LeagueofNations, da BBC People'sCentury (2011), é uma boa sugestão para aprofundar o tema. Disponível no site 39

Representantes dos Estados reunidos na Conferência de Paz de Versalhes (1919)

Japão, Libéria, Nicarágua, Panamá, Peru, Polônia, Portugal, Romênia, Estado Sérvio – Croata – Esloveno, Sião, Tcheco. Eslováquia, Uruguai. 36 O Tratado de Sèvres (1920) foi substituído pelo Tratado de Lausanne (1923), em decorrência da mudança de regime otomano para o regime turco, com a consequente adoção de regras mais brandas. 37 Tratado de Versalhes, Parte XIII, preâmbulo e artigo 388.

"1.º Pactos abertos (acordos) de paz a serem alcançados abertamente, sem acordos secretos; 2.º Livre navegação absoluta, além das águas territoriais, tanto na guerra como na paz, exceto quanto à liberdade de navegação fosse cessada, em parte ou no seu todo, por execução de pactos internacionais; 3.º Remoção de todas as barreiras económicas e estabelecimento de igualdade de condições de comércio entre todas as nações consentâneas à paz e à sua manutenção; 4.º Redução das armas nacionais ao mínimo necessário à segurança interna; 5.º Ajustes livres imparciais e abertos às reivindicações das colónias; 6.º Evacuação das tropas alemãs da Rússia, e respeito pela independência da Rússia; 7.º Evacuação das tropas alemãs da Bélgica; 8.º Evacuação das tropas alemãs da França, inclusive da contestada região da Alsácia-Lorena; 9.º Reajuste das fronteiras italianas dentro de linhas nacionais claramente reconhecíveis; 10.º Autogoverno limitado para o povo austro-húngaro; 11.º Evacuação das tropas alemãs dos Balcãs e independência para o povo balcânico; 12.º Independência para a Turquia e autogoverno limitado para as outras nacionalidades até então vivendo sob o Império Otomano; 13.º Independência para a Polónia; 14.º Formação de uma associação geral de nações, sob pactos específicos com o propósito de fornecer garantias mútuas de independência política e integridade territorial, tanto para os Estados grandes como para os pequenos." Folha Online. Conheça o tratado de paz de 14 pontos proposto por Woodrow Wilson. 11.11.2008 Disponível no site

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incorporados pela ordem internacional da ONU40. Não obstante, o sistema de segurança coletiva e o principio do desarmamento, no sistema da Sociedade das Nações, não incluem mecanismos compulsórios de implementação, subordinados apenas aos métodos de solução pacifica de conflitos, tais como negociação e arbitragem.

Comissão do Desarmamento, Comissão Internacional da Cooperação Intelectual, Diretório Permanente Central do Ópio, a Comissão dos Refugiados e a Comissão da Escravidão. A Organização Internacional do Trabalho e a Organização Internacional da Saúde foram as únicas agências incorporadas pela ONU. A Corte Internacional de Justiça Permanente foi substituída pela Corte Internacional de Justiça, principal órgão judiciário da ONU.

Charge criticando a ausência de participação dos Estados Unidos na Sociedade das Nações

A estrutura institucional, também semelhante à da ONU, incluía o Secretariado Permanente, a Assembleia e o Conselho. A Corte Permanente de Justiça Internacional destinou-se a solucionar os litígios entre Estados membros, mostrando-se inadequado para o recurso da força como instrumento de política internacional. Além disso, diversas comissões e agências especializadas integraram o sistema da Sociedade das Nações, incluindo a 40

A influência dos Estados Unidos na redação da Carta da Sociedade das Nações, apesar de nunca ter se tornado membro desta Organização inclui até mesmo referência à Doutrina Monroe, no artigo 21, destacado como exemplo de acordos de cooperação internacional válidos.

Estrutura da Sociedade das Nações, Secretariado (centro), Assembleia, Corte, Conselho, OIT e Comissões (saúde, drogas, refugiados, mulheres, escravidão, minorias e mandato).

O fracasso da Sociedade das Nações, geralmenteassociado à ineficiência dos arranjosinstitucionais para conteras agressões da Itália na Abissínia, e do Japãona Manchúria, alémdorearmamento da Alemanha, ofusca a ampla atuação desta Organização em ao Menos duas áreas relacionadas à transição dos impérios Austro-Húngaro e Otomano. O sistema do

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mandato introduz linguagem eminentemente colonialista, ainda latente no discurso das potências ocidentais. O mandato das potencias aliadas europeias, justificado como imperativo civilizatório, definiu fronteiras na África, Ásia e Oriente Médio, territórios subordinados ao controle e ideologia imperialista, com reflexos em conflitos contemporâneos, a exemplo das guerras na Síria e no Iraque. Por outro lado, em relação ao leste europeu o principio da autodeterminação nacional, durante o período, destinou-se a legitimar a emancipação de territórios antes subordinados ao controle da Áustria e da Alemanha. A coordenação e interferência na transição destes territórios, juntamente com o principio da culpa coletiva da Alemanha, produto dos Tratados de Versalhes, produziu efeito oposto ao pretendido, acirrando o revanchismo e a corrida armamentista da Alemanha nazista.

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4.1.1.1 Sistema do Mandato O legado imperialista da era do equilíbrio de poder, também conhecida como Concerto de Viena, marcou o discurso adotado pela Carta da Sociedade das Nações para legitimar a transferência de poder nas áreas ocupadas pelo Império Otomano até 1918. Além disso, o sistema de classes de Estados, segundo o estágio civilizatório de cada sociedade em questão, introduziu um regime especial para legitimar o imperialismo na África e Ásia, nos termos do artigo 22: "Os princípios seguintes aplicam-se às colônias e territórios que, em consequência da guerra, cessaram de estar sob a soberania dos Estados que precedentemente os governavam e são habitados por povos ainda incapazes de se dirigirem por si próprios nas condições particularmente difíceis do mundo moderno. O bem-estar e o desenvolvimento desses povos formam uma missão sagrada de civilização, e convém incorporar no presente Pacto garantias para o cumprimento dessa missão."41 O sistema de Mandato dos Estados europeus, considerado o melhor método para confiar a tutela desses povos às nações desenvolvidas, é justificado "em razão de seus recursos, de sua experiência ou de sua posição geográfica". O Mandato não é uniforme, de maneira que seu caráter "deve ser diferente conforme o grau de desenvolvimento do povo, a situação geográfica do território, suas condições econômicas e todas as outras circunstâncias análogas".

Charge da década de trinta criticando a ausência de legitimidade da Sociedade das Nações

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Texto integral disponível no site

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"Certas comunidades que outrora pertenciam ao Império Otomano, atingiram tal grau de desenvolvimento que sua existência como nações independentes pode ser reconhecida provisoriamente, com a condição que os conselhos e o auxílio de um mandatário guiem sua administração até o momento em que forem capazes de se conduzirem sozinhas. Os desejos dessas comunidades devem ser tomados em primeiro lugar em consideração para escolha do mandatário."

Imagem retratando a contribuição francesa paraa civilização e paz no Marrocos (1914)

As três classes de mandato são criadas em alusão a contextos distintos, o primeiro, denominadoA, refere-se aos territórios que pertenciam ao Império Otomano,e incluivirtualmente todo o Oriente Médio42, com exceção da Pérsia:

42

O Acordo secreto de Sykes-Picot (1916) entre a França e o Reino Unido estabelecem as esferas de controle nos territórios do Oriente Médio. Ao Reino Unido foi conferido o controle dos territórios correspondentesàJordânia e ao Iraque, enquanto a França

Mandato britânico e francês no Oriente Médio (1923)

A segunda classe, denominada B, englobava parte do território africano: "O grau de desenvolvimento em que se encontram outros povos, especialmente os da África Central, exige que o mandatário assuma o governo do ficou encarregada do controle do sudeste da Turquia, da Síria, do Líbano e do norte do Iraque. As duas potências ficaram livres para definir as fronteiras dentro daquelas áreas. Texto integral disponível em inglês no site

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território em condições que, com a proibição de abusos, tais como o tráfico de escravos, o comércio de armas e álcool, garantam a liberdade de consciência e de religião, sem outras restrições, além das que pode impor a manutenção da ordem pública e dos bons costumes, e a interdição de estabelecer fortificações, bases militares ou navais e de dar aos indígenas instrução militar, a não ser para a polícia ou a defesa do território, e assegurem aos outros membros da Sociedade condições do igualdade para trocas e comércio."

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integrante de seu território, sob-reserva das garantias previstas acima no interesse da população indígena". Os mecanismos de fiscalização e controle da execução do Mandato incluíam relatórios anuais, a serem examinados pelo Conselho da Sociedade das Nações. Na prática, os territórios do Oriente Médio sofreram intensa modificação, incluindo o reconhecimento da independência do Egito, da Jordânia, do Iraque e da Arábia Saudita. O Mandato da Palestina, destinado a promover a independência deste território, conferido ao Reino Unido, palco dos conflitos entre Israelenses e Palestinos, também pertencia a esta categoria. No Egito, a construção do canal de Suez (1859-1869), financiado por capital francês, também é um legado do imperialismo no século XIX, levando à subordinação do Egito "independente" ao controle dos exércitos dos Estados titulares da dívida. Na América, situação semelhante ocorreu com a construção do Canal do Panamá (1904-1914), financiado pelos Estados Unidos, que passou a exercer a soberania neste local, administrado pelos norte-americanos até 1999.

Mandatos dos Estados Europeus na África

E, por fim, a classe C, incluía os territórios mais remotos no oeste da África e ilhas na Ásia: "Enfim, há territórios como o sudoeste africano e certas ilhas do Pacífico austral, que, em razão da fraca densidade de sua população, de sua superfície restrita, de seu afastamento dos centros de civilização, de sua contiguidade geográfica com o território do mandatário ou de outras circunstâncias, não poderiam ser mais bem administrados do que pelas próprias leis do mandatário, como parte

Convite para a Exposição comemorativa da inauguração Canal do Panamá em São Francisco (1915)

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4.1.1.2 Autodeterminação nacional No continente europeu, a transição de parte dos territórios do Império Austro-húngaro e Otomano resultou na criação de novos Estados independentes. O principio da autodeterminação nacional, parte integrante do Tratado de Versalhes, também se destinou a redesenhar o território da Alemanha, resultando na anulação do Tratado de Brest-Litovsky com a anexação alemã dos Estados Bálticos e parte da Ucrânia, antes pertencentes à Rússia. Outros tratados adotados na Conferência de Paz de Versalhes também modificaram o território europeu com fundamento no principio da autodeterminação nacional. O Tratado de SaintGermain (1919) modifica o território da Áustria e reconhece a independência da Tchecoslováquia, Polônia e Hungria, bem como da Iugoslávia, incluindo os reinos da Sérvia, Croácia e Eslovênia.

O tratado também inclui disposições relativas à condução de plebiscitos, bem como o dever de compensação, nunca arbitrada por a Áustria decretou falência, e não cumpriu qualquer obrigação de reparação.O Tratado de Trianon (1920) modifica do território da Hungria e reconhece a independência da Polônia, Tchecoslováquia, Iugoslávia e Romênia. Semelhante ao Tratado de Saint-Germain, refere-se às áreas vinculadas à Hungria, com reprodução das regras relativas ao principio da autodeterminação e a obrigação de reparação. A Hungria, assim como a Áustria, decretou falência. 4.1.1.3 Culpa Coletiva Dentre as disposições do Tratado de Versalhes (1919), a cláusula da culpa coletiva dos alemães pela guerra e por todas as perdas e danos dos aliados43 destaca-se como uma das principais causas do revanchismo da Alemanha. O acordo de paz de Versalhes, além de considerar a Alemanha culpada por iniciar a agressão armada, determinou o retorno de territórios da Alasca e da Lorena44, conquistados na guerra franco-prussiana, bem como a cessão do território de Sarre, à França. As colônias da Alemanha na África foram transferidas para o controle dos aliados45. Outra regra imposta foi a criação de uma área livre na cidade de Dantzig, sob a administração da Sociedade das Nações 46 . Adicional às cláusulas punitivas, o Tratado de Versalhes também determinou que a Alemanha estava impedida de possuir forças aéreas e navais47, limitando o alistamento no exército terrestre, não mais compulsório, e com número de voluntários limitado48. 43

Artigo 231 Artigo 51 45 Artigo 119 46 Artigo 102 47 Artigo 198 48 Artigo 160 44

Mapa do Leste Europeu após o Tratado de Saint-Germain (1919) e de Trianon (1920)

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A fabricação de armamentos alemães embora não proibida, passa a subordinar-se a aprovação dos Aliados49.

Charge ilustrando os "termos da paz" de Versalhes (1919)

Na prática, o Acordo de Paz não produziu os efeitos desejados, mesmo à época da Conferência, revelando a ausência de consenso entre os Aliados: "Curiosamente, o Tratado de Versalhes desagradou igualmente vencidos, vencedores e observadores neutros. Para os especialistas independentes, o documento, punitivo em excesso, teria se distanciado demais da aclamada proposta de catorze pontos do presidente Woodrow Wilson, que fundamentou o armistício. Para os franceses, porém, todo o castigo ainda foi pequeno. O Tratado de Versalhes não atendeu por completo a sede de vingança dos gauleses, que sofreram a invasão alemã em seu território, vitimando mais de 400.000 civis. Clemenceau, por exemplo, queria que a província do Reno, de indústria historicamente pujante, fosse 49

Artigo 168

retirada da Alemanha para evitar um novo fortalecimento do país. Wilson e o primeiro-ministro britânico David Lloyd George vetaram a proposta, determinando, em contrapartida, uma ocupação militar aliada na região durante 15 anos. Mesmo com o veto às exigências de Clemenceau (a quem apelidou de “Napoleão” e “Jesus Cristo”), Lloyd George achou a carta em demasiado pesada – suas exigências poderiam, ao invés de apaziguar a Alemanha, incitá-la ainda mais contra os aliados. E é esse o único ponto que parece ter se tornado unanimidade em Versalhes."50 A ascensão do governo nazista na Alemanha, a grave crise econômica mundial dos anos 30, e, sobretudo a eclosão da Segunda Guerra Mundial tornaram evidente o fracasso do sistema da Sociedade das Nações como mecanismo de segurança coletiva.

Charge ilustrando a militarização da Alemanha nazista e a reação frágil dos Aliados 50

Veja na História. A Paz em Termos. Junho, 1919
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