Glossário Chinês ou ABA-TE

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GLOSSÁRIO

CHINÊS OU

ABA-TE Boi, Junio, Marucs

Boi: Boi, Bon of Ox, Ox Axe, Obelix, Faustão, Boiadeiro, comment vous voulez... Marucs (nascido em Telaviv, 1989) é terrorista sem atentados, coadjuvante dono da bola, conhecido como revoltadinho Juniokio acredita que somente ele é real e os outros são criações de sua mente. Nasceu em 10.820 a.C. na Atlântida, em Heferonapolitae.

INFORME – Um glossário começaria a partir do momento em que deixasse de dar o sentido das palavras para fornecer a indicação de suas ocupações e tarefas. Assim, Informe não é somente um adjetivo com determinado sentido, mas um termo que serve para desclassificar, exigindo, genericamente, que cada coisa tenha sua forma. O que se designa não repousa em nenhum sentido elevado, e se faz esmagar, em toda parte, como uma aranha ou uma minhoca. Seria preciso, de fato, para os acadêmicos ficarem contentes, que o universo tomasse forma. A filosofia inteira não tem outro objetivo: trata-se de dar uma casaca ao que existe, uma sobrecasaca matemática. Em contrapartida, afirmar que o universo não se assemelha a nada, e que ele é realmente informe equivale a dizer que o universo é algo como uma aranha ou um escarro. (George Bataille, Documents 7, 1929)

PORTAS – Suspeitavas que portas seriam aberturas presentes em um espaço fechado qualquer? Esse é o consenso: o de que as portas são o recorte arquitetônico que permite o acesso a uma área restrita. Entretanto, as portas são um tipo de filtro que restringe as modalidades em um fluxo de acesso. Portas se colocam como bons objetos das entradas e saídas; porém, os fluxos de acesso são infinitos, e não dependem do estatuto das portas para serem concebidos. Entre os fluxos de acesso restringidos pelo estatuto das portas, há: a demolição das paredes, os teleportes, os túneis, o vazamento por espaços subatômicos, a destruição de telhados etc. Portas podem ser trancadas; nesses casos, uma porta é munida de uma segunda porta, constituída por um orifício menor, cujo complemento é chamado chave. A chave, como complemento da subporta, restringe ainda mais o fluxo de acesso. Quando se fala em chave, fala-se em portas e fala-se em espaços fechados. A questão “que tipos de portas as chaves da Doutrina Secreta abririam?” precisa ser substituída por “como acessar as salas da Doutrina Secreta sem fazer uso das portas?”. Huxley acessou o infinito abrindo as portas da percepção, mas o Edugair obteve acesso à sala guardada por essas portas destruindo as paredes, teleportando-se, cavando túneis, vazando subatômico e destruindo telhados. POSOLOGIA – 1. Ramo da medicina que comprova cientificamente que manga com leite faz mal. No entanto, como é de conhecimento dos xamãs e dos misturadores de séries heterogêneas, o mal é preciso tempe-

rar, não rejeitá-lo; considerando sempre que o “xamã combate o mal com a imagem do mal”, e que temperar é um ato divinatório, uma mancia, não comporta qualquer hipótese de quantificação. 2. Ciência das causas impossíveis, que parte da identificação do não-idêntico e do rebatimento entre passado e futuro para determinar a dose de uma droga a ser administrada. Tal identificação e rebatimento desconsideram a possibilidade de comportamento desviante ou imprevisível dos reagentes, propagando, assim, uma vivência achatada e uniformizante do mundo. Nesse sentido, posologia está relacionada à noção de causalidade linear: determinada quantia de uma substância causa determinado efeito hoje e certamente vai causar o mesmo efeito amanhã. Isso está baseado apenas no hábito, como ensinou David Hume. É habitual que as pedras caiam, mas nada me garante que isso acontecerá sempre infalivelmente (pode ser que um belo dia Deus dê asas às pedras); a ninguém é habitual a morte, mas é uma certeza quase infalível que morreremos (pois Deus não dá asas às pedras). Posologia, nessa acepção, pode sempre condicionar a cura ou a morte, imprevisivelmente. 3. Em sentido figurado, é o fundamento do atual conceito de escolarização, considerando que essa pressupõe que, aos alunos de uma mesma faixa etária, devem ser administrados os mesmos ensinamentos e numa mesma velocidade. 4. Também chamada de “receita de bolo”, quando aplicada à criação e à arte, a posologia tem efeito esterilizante, como o sal, e realiza o esvaziamento das possibilidades disruptivas, desviantes. 5. Em sentido genérico, é relativa ao princípio da incerteza de Heisenberg:

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68 quando o médico olha pra você e não está muito certo do que você tem, pois as doenças ora se comportam como onda, ora como partícula. Mas, posologicamente, ele sempre prescreve “Amoxilina e Dipirona, duas vezes ao dia”. CAJAMAR-SP – Em Cajamar não há mar. De modo geral, é possível dizer também que não há relevante produção de cajá, embora seja provável que se encontre um ou outro por lá. Cajamar foi fundada em fevereiro de 1959, tem cerca de 150 mil habitantes e 131 mil quilômetros quadrados. Tem dois distritos anexados: Jordanésia e Polvilho. Jordanésia me lembra o Rio Jordão, que me lembra Israel, o povo judeu e, por fim, a circuncisão. Polvilho me lembra biscoito de polvilho, que me lembra de “biscoito, biscoitinho e biscoitão”, e, novamente, chegamos ao papai-piru. (Biscoito me lembra coito duplo, também). Mas nada disso importa, o que realmente me interessa é que em Cajamar vive uma moça casada de uns trinta e poucos anos que se diz looner. Ela trabalha no RH de uma empresa de médio porte, não possui filhos, tem um casamento tradicional, mas se diz looner. Só que de um tipo bem específico de looner. Ora, looner é o nome que se dá a um tipo muito restrito de fetiche, que trata da tara por bexigas e balões. Looners normalmente se excitam vendo balões, tocando balões, estourando balões, roçando sua genitália em balões. Mas essa moça de Cajamar se excita apenas de um modo: assistindo alguém enchendo balões. Sua calcinha encharca, ela goza só de ver.

REBUCETEIO – 1. Uma dimensão mais carnal do conceito de ritornelo, de Gilles Deleuze. Assim como cada retorno é marcado pela diferença na repetição, ou seja, pelas intensidades de velocidades e potências expressivas, ele ocorre também na cópula ou coito-químico (ritornelo de bocetas ou em bocetas). 2. O primeiro devir é o devir-mulher, ou seja, todo devir passa antes pelo devir-mulher. Boceto, ou buceteio, é um escorregar por uma fronteira, é permitir-se a contaminação, é deixar de ser. Mas todo buceteio é, na verdade, um rebuceteio, pois em todo momento estamos deslizando por linhas de fuga. 3. O sexo em sua dimensão maior, sem preconceito. O rebuceteio é um rebu: em sua fase preparatória, torna-se um laboratório psicotécnico; toma como referência, em sequência, a teoria do teatro do espontâneo, oriundo de Viena (1921); por fim, cada performer traz seus elementos, sua essência. PARMÊNIDES – Poeta-cantador nascido em Jaboatão dos Guararapés, Pernambuco, era descendente de antigos navegantes eleatas que chegaram ao Brasil junto com a invasão holandesa. Parmênides foi um cantador de muita ciência, mas dizem que ouvia vozes, cantava o que dizia ter ouvido de uma deusa. Essa tal deusa disse a ele muitas coisas sobre a Verdade (alethea, não-esquecimento): disse, por exemplo, que “o ser é e o não-ser não é” (princípio de identidade), que ser-pensar-dizer são faces de uma mesma moeda multifacetada (lógos), e disse, ainda: o ser é uno, incriado, imutável, imóvel, o que fez Parmênides ser considerado, por alguns, como o fundador

da metafísica. O mais interessante, porém, pode ser apontado em uma característica de sua cosmologia. No âmbito do humano, finito, múltiplo, inacessível à Verdade do Ser, onde tudo é doxa (opinião ou fala no inframundo do esquecimento), Parmênides concebeu essa cosmogonia em que, sensatamente, relaciona o feminino ao lado da luz, do fogo e do calor, enquanto associa o masculino à noite, à água e ao frio, ao contrário do que é usual encontrar-se nas cosmologias tradicionais. Ademais, é comum os anais da história fazerem a oposição entre Parmênides de Jaboatão e Heráclito de Muribeca: dizem que se enfrentaram em tremendos desafios cantados no sertão de Pernambuco. Se, por um lado, a oposição entre eles faz sentido, na medida em que o cantador de Jaboatão é imobilista e o de Muribeca é fluxista, por outro, essa oposição parece não ser tão ferrenha quando lemos o fragmento 6 de Parmênides: “nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos”, que faz pensar logo no famoso lema de Heráclito, que diz ser impossível se banhar duas vezes no mesmo rio. O mineiro cristão Murilo Mendes, por sua vez, cantou assim: “Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonho / Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio/ Nem ama duas vezes a mesma mulher. // Deus de onde tudo deriva / E a circulação e o movimento infinito. // Ainda não estamos habituados com o mundo / Nascer é muito comprido.” EDUGAÍSMO – 1. Dissonância social impossível de ser medida ou transposta para critérios quantitativos. 2. Ismo asso-

ciado ao verbo edugair. 3. Ismo associado ao substantivo próprio Edugair. 4. Invasão enquanto acontecimento. A invasão pura invade tanto o público quanto o privado; aquele que edugai, invade visualmente, invade nos sons, nas palavras, nos cheiros, nos espaços, invade todos os campos em que há um recipiente ou um vazio. No edugaísmo, dois corpos podem ocupar o mesmo lugar no espaço: se o corpo que sofre a invasão tentar manter sua posição, ele coexistirá com o corpo edugaisante em um mesmo ponto do espaço. A ficção do Big Bang descreve o edugaismo da matéria sobre o espaço. A loucura é uma forma de edugaísmo que invade a civilização; aquele que edugai o faz tentando obter counterspell com fireball. O edugair é raio, raio, raio, raio. Depois choque, choque, choque, choque. Depois bola de fogo, bola de fogo, bola de fogo, bola de fogo. Depois esfera de raios, esfera de raios, esfera de raios, esfera de raios. Obviamente, o edugair incomoda, pois ele não existe para habitar os Estados; ao invés de habitar, ele invade – mas não invade para possuir, invade apenas para invadir. O edugaismo é a invasão enquanto acontecimento, invasão sem território; o Império Romano nunca edugaiu a Europa; nem Portugal edugaiu o Brasil, pois esses invadiram para estabelecer domínios, enquanto o edugaísmo é a invasão para existir. O humor edugai o bom senso; o zueiro edugai a reunião; a Arte edugai a Cultura e o cavalo edugai o tabuleiro. O cavalo é a peça mais imprevisível, portanto mais potente, do tabuleiro. 5. Cavalo do tabuleiro de xadrez.

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70 FOSFORESCÊNCIA – 1. Conceito que marca o fim do subjetivismo superando as ideias de eu, pessoa, sujeito ou ser. Para Gilles Deleuze, todos os erros das teorias do conhecimento (epistemologia) são conceber o sujeito e o objeto como entidades contemporâneas, ou seja, que coexistem no mesmo tempo. A ideia de fosforescência implica na constatação de que o sujeito só se constitui a partir da aniquilação do objeto: “se outrem é o mundo possível, eu sou o mundo passado”. Os objetos existem no presente real do acontecimento, o rebotalho, a pregnância, a ressonância, a sucata dos objetos constituem o eu no presente do passado. Não havendo contemporaneidade de existência entre o sujeito e o objeto, “a consciência deixa de ser a uma luz sobre os objetos para se tornar uma pura fosforescência das coisas em si” (DELEUZE, Lógica do Sentido, 2011, p. 320-321). 2. Luminescência que persiste por um intervalo de tempo superior a 10-8 segundos, após a remoção da fonte de excitação (Google, 2016).

ser preservada. O dogma da vida sagrada choca-se violentamente com a boa morte. A eutanásia não tem a ver apenas com os dilemas morais do médico que desliga o aparelho que mantém o paciente vivo. Pouco tem a ver com isso, no fim das contas: morrer entubado não é um exemplo ilustrativo de uma boa morte. O eutanasiano, ou entusiasta da eutanásia, é aquele que sabe qual é a sua boa morte. Eu sei que, dentre todas as formas possíveis de morrer, eu gostaria de ser ceifado em um dia bonito, quando estiver no fim da meiaidade, andando pelas ruas de minha cidade, sentindo na pele o sol das 16h, aquele sol amarelinho, que, quando bate na copa da árvore, faz o verde ficar verdinho, faz o vento ficar morninho e dá uma preguiça danada das coisas… nessa preguiça boa, daria até preguiça de viver. E, então, vem o tiro certeiro – não vi quem disparou, e pouco importa. Meu algoz está perdoado, ele me deu a boa morte, o fim mais belo para a bela existência que construí em mim até esse dia.

EUTANÁSIA – A boa morte. A eutanásia é uma palavra pesada por não ser aceita, no senso comum, a ideia de uma boa morte. Estes são tempos em que a morte, enquanto gesto de corte, é tida como atributo indesejável, numa falsa dicotomia em oposição com a vida. O grande pecado é desejar, para si, uma finitude bela. A vida, envolta no sagrado, precisaria ser preservada a qualquer custo: vida com peles pútridas, com vermes comendo a carne, vida com lepra, vida tetraplégica. Não porque é boa ou desejável, e sim porque TEM que

♯ (sustenido) – 1. Símbolo de notação da música ocidental moderna que indica alteração ou acidente na escala, determinando que a altura da nota seja elevada em um semitom. Opõe-se ao (bemol), que determina a diminuição em um semitom. É grafado com as paralelas horizontais levemente inclinadas para não se confundir com as linhas da partitura. Nessas, podem ser encontrados na armadura da clave, indicando o tonalidade da música, ou ao lado de uma nota em um compasso, indicando que o acidente daquela nota deve se man-

tido até o final do compasso: o acidente pode ser anulado com um (bequadro) no mesmo compasso e não vale para a mesma nota em outras oitavas. 1.1. O bequadro também é um acidente, e, quando aparece na partitura, determina a anulação do acidente indicado anteriormente. 1.1.2. O encenador russo Vsevolod Meyerhold, na sua técnica atoral denominada Biomecânica, conceitua a respeito do znak otkaza (ao pé da letra: sinal de recusa), que está diretamente relacionado ao bequadro (em russo, bequadro também é dito znak otkaza). Tal técnica consiste num movimento rápido na direção inversa ao movimento da ação principal: o ator vira a cabeça brevemente para o lado esquerdo antes de se voltar para o direito, produz um recuo antes de avançar... Como uma espécie de

modulação, essa técnica tem a finalidade de enfatizar o movimento, sublinhar uma situação, reforçar a expressividade 2. Conceitualmente, o sustenido e os outros acidentes nos mostram que os sistemas simbólicos formais e as linguagens tentam abarcar fenômenos, relações e objetos, tal como uma mão tenta agarrar um punhado de areia, mas sempre o fazem precariamente. É possível trazer algo entre os dedos, mas há sempre uma parcela, um resto imprevisível que escorre entre eles. O sustenido é como uma pele que se tenta fazer crescer entre os dedos do sistema formal de notação, à semelhança dos pés de pato. Toda linguagem, seja formal ou linguística, produz distorções, acidentes e achatamento dos fenômenos: “não existe linguagem sem engano.” (Ítalo Calvino)

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