Frithjof Schuon e a atualidade da Filosofia Perene

Frithjof Schuon e a atualidade da Filosofia Perene



Em Raízes da Condição Humana, Frithjof Schuon joga luz sobre o labirinto
do pensamento contemporâneo, tanto moderno como pós-moderno, tanto
secular como teológico. E mostra como muitos de seus impasses derivam de
questões mal colocadas. Neste emaranhado de problemas aparentemente sem
solução, uma das inteligências mais agudas do Ocidente apresenta mapas
de orientação e vias de saída.
Raízes da Condição Humana expõe ideias que vão além daquilo que estamos
habituados a considerar como "realidade" – elas transcendem o plano da
economia e da política, sem certamente descartar estas duas esferas, que
hoje são encaradas na prática como constituindo a totalidade do real.
Para Frithjof Schuon, por mais relevantes que a política e a economia
possam ser em seu próprio plano, o homem leva em si capacidades que as
superam e apontam para a possibilidade de ele conhecer tudo o que é
cognoscível, ou seja, o real em si e a verdade total. Estamos aqui
naquele domínio que Platão considerava estar além do material, ou seja,
a ''meta-física''.

A metafísica é aqui vista como a "ciência das ciências", o alfa e o
ômega do conhecimento humano. E que outra coisa não é senão a dimensão
teórica da Filosofia Perene, escola de pensamento que remonta à época
renascentista e que, já no século XX, Aldous Huxley popularizou com o
seu The Perennial Philosophy. Em nossos dias, a impactante obra de
Frithjof Schuon constitui a referência central da Filosofia Perene; ela
sustenta a "unidade transcendente das religiões" – título de seu
primeiro livro, que mereceu de T. S. Eliot o seguinte comentário: "É a
obra mais impressionante que conheço sobre as tradições do Ocidente e do
Oriente".

O livro foca em conceitos perenes e universais, mas nem por isso deixa
de mostrar suas aplicações às condições concretas de hoje. De fato, se
as formulações metafísicas podem parecer abstratas, Schuon mostra que
elas têm relação direta com nossas ideias e práticas, e que estão na
raiz da condição humana de que o livro trata.

Raízes da Condição Humana também oferece ao leitor a possibilidade de um
contato original com a sabedoria e as dimensões mais universais das
grandes tradições, com observações iluminadoras sobre o Budismo, o
Hinduísmo, o Islã e o Cristianismo. A tese de Schuon sendo em suma a dos
cabalistas: "Mais vale divulgar a sabedoria do que vê-la esquecida."

Como a última das grandes revelações históricas, o Islã tradicional e
espiritual – e não o moderno fundamentalismo extremista --, constitui
para nosso autor uma espécie de''síntese'' das religiões: "O enigma de
sua expansão fulgurante está no fato de que deu uma forma religiosa ao
que é a substância de toda religião. Na superfície do Islã, encontramos
traços da mentalidade beduína, os quais evidentemente não têm nada de
universal (...) . Toda a metafísica está contida no Testemunho de Fé,
que é o pivô do Islã" (p. 102).

Não obstante a convergência de fundo das tradições religiosas com a
Filosofia Perene, há certamente diferenças entre 'perenialistas' e
'religiosos'. Os primeiros têm em conta a natureza objetiva das coisas e
a verdade total, enquanto os segundos filtram e adaptam tais dados a
oportunidades humanas particulares. Se a Sophia Perennis encara o
patrimônio tradicional como positivo e necessário ao equilíbrio social,
as autoridades religiosas convencionais, por seu turno, sentem
"incômodo" com a universalidade perenialista, por conta do exclusivismo
e formalismo inerente ao seu dogmatismo.

Mais recente dos livros de Schuon publicados em português, há que se
mencionar, para concluir, a rigorosa e meticulosa tradução de Alberto V.
Queiroz, cujo trabalho paciente e distante dos holofotes de versão dos
textos do mestre perenialista merece reconhecimento.


Raízes da Condição Humana – Frithjof Schuon
Editora Kalon, 2014 – 145 páginas – R$ 32,00
Tradução de Alberto V. Queiroz,
com a colaboração de Liana Becker Queiroz.




Por Mateus Soares de Azevedo.
Mestre em História das Religiões pela USP e autor de Homens de um Livro
Só (Best Seller, 2010); A Inteligência da Fé (Record, 2006) e Ocultismo
e Religião em Freud, Jung e Eliade (Ibrasa, 2011), entre outros livros.