Fichamento do livro \"Mundos do Trabalho\", de Eric Hobsbawm - \"Prefácio\" e \"História Operária e Ideologia\"

June 7, 2017 | Autor: Alexandre Silva | Categoría: Marxism, Social History, Eric Hobsbawm, Historia Social
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Descripción

HOBSBAWM, Eric. Mundos do Trabalho. 6ed. São Paulo: Paz e Terra, 2015.

PREFÁCIO
"Este é mais um volume de estudos sobre História do trabalho. Ele sucede, após longo intervalo, a coletânea publicada pela primeira vez em 1964 sob o título Trabalhadores". p. 11.
"O tema principal desses estudos é a formação e evolução das classes trabalhadoras no período entre o fim do século XVIII e meados do século XX, bem como a relação entre a situação em que tais classes se encontraram na sociedade e a 'consciência', os modos de vida e os movimentos que elas geraram". p. 11.
"A História de qualquer classe não pode ser escrita se isolarmos de outras classes, dos Estados, instituições e ideias que fornecem sua estrutura, de sua herança histórica e, obviamente, das transformações das economias que requerem o trabalho assalariado industrial e que, portanto, criam e transformam as classes que o executam". p.11.
"Não é mais verdadeiro afirmar que 'tem havido comparativamente poucos trabalhos sobre a classe operária como tal (em oposição a trabalhos sobre organizações e movimentos operários)'. Ao contrário, todos os aspectos das classes trabalhadoras floresceram mais do que nunca, tanto na Grã-Bretanha quanto em outros países. Mais do que isso. Foram produzidos inúmeros trabalhos históricos de grande importância (...). Os últimos vinte anos foram sem dúvida uma era de ouro para a história operária". p. 13.

CAP 1. HISTÓRIA OPERÁRIA E IDEOLOGIA.
I
"A História operária floresce hoje, na maioria dos países, como nunca, ao menos quantitativamente. No que diz respeito à qualidade, é difícil avaliar o presente em relação ao passado, e muitos de nós não nos sentiríamos vem entrando no ringue com, digamos, Beatrice e Sidney Webb ou Gustav Mayer, mas felizmente não somos obrigados a enfrenta-los face a face, já que podemos nos apoiar em seus ombros". p. 15.
"A expansão da história operária como campo de estudo tem predominantemente – mas de nenhum modo inteiramente – assumido a forma de sua transformação em uma área acadêmica". p. 15
"Historiadores da classe operária, assim, situam-se num ponto de encontro entre os estudos acadêmicos e a política, entre compromissos de ordem prática e compreensão teórica, entre interpretar o mundo e transformá-lo". p. 15
"(...) a história operária é por tradição um tema altamente politizado, e durante muito tempo foi feita em grande parte fora das universidades". P. 15.
"A maior parte dos historiadores da classe operária, quer fossem ou viessem a se tornar acadêmicos ou não originou-se de dentro, ou de áreas próximas dos movimentos operários. Inicialmente uma grande parte desses historiadores de fato não tinham ligação acadêmica, mesmo quando sua formação e erudição eram impecáveis (...). Vale lembrar que até mesmo em 1963 apareceu em nosso campo um trabalho não universitário de peso – A Formação da Classe Operária Inglesa, de E. P. Thompson -, pois Thompson o produziu enquanto era professor de educação e adultos do movimento operário, tendo se tornado professor universitários somente após sua publicação". p.16
"É óbvio que a grande maioria desses historiadores é, mesmo hoje, composta de membros ou simpatizantes do movimento operário, representando uma ou outra das tendências políticas ou ideológicas desse movimento. A maior exceção consiste na historiografia dos partidos comunistas e dos movimentos operários do Terceiro Mundo, que gerou uma enorme quantidade de pesquisas anticomunistas, em sua maioria realizadas ou financiadas pelos Estados Unidos, do período da Guerra Fria em diante. Mas nós somos na maioria ao mesmo tempo acadêmicos e de esquerda". P.16
"A História operária 'de dentro do movimento', e, em grande medida, fora das universidades, tendeu a apresentar certas características. Em primeiro lugar, ela revelou a tendência a de identificar 'classes operárias' com 'movimento operário', ou mesmo com organizações, ideologias ou partidos políticos. A história operária tendeu, portanto, a identificar-se com a história dos movimentos operários, se não até com a história da ideologia desses movimentos". p. 17
A consequência deste tipo de análise histórica é a negligência da história das classes trabalhadoras, uma vez que eram apresentadas em estudo apenas suas organizações, assim como a invizibilização das bases em relação aos líderes, dada as exageradas considerações feitas à estes últimos. Esta observação se produz ao Hobsbawm analisar a historiografia operária italiana, cuja qual "(...) conservou essa característica em grau acentuado, e até certo ponto ainda a mantém". p. 17.
"Em segundo lugar (...), a história operária de dentro do movimento tendeu a ser tanto um pouco arqueológica quanto preocupada em atribuir aos movimentos operários a importância que ninguém mais parecia conceder a eles. As duas atitudes são compreensíveis, e a segunda foi justificada. Pois se aqueles que vivem em Ipswich (na Inglaterra ou em Massachussets) não podem compreender por que gente de fora não considera todos os fatos sobre sua cidade tão fascinantes quanto eles julgam, é inegável que a história ortodoxa não prestou atenção suficiente aos movimentos operários, e muito menos à classe operária. Além disso, dois resultados de certo modo indesejáveis se seguiram a esta atitude: 1) Ela conduziu a uma deficiência para distinguir o relativamente importante do relativamente corriqueiro. Por exemplo, a Liga Socialista britânica da década de 1880 foi uma organização pequena e efêmera, entre outras pequenas, porém mais permanente, e praticamente não merece o grande peso acadêmico que tem sido dado a ela. (...) Mas, como estava associada a Engels, William Morris e outras figuras proeminentes, foi dada a ela uma atenção histórica fora das proporção de sua importância. (...) A historiografia dos movimentos operários está repleta de monografias sobre tipos de organização com as quais todos tivemos alguma experiência – pequenas facções que nunca ultrapassam esse nível, grupos, jornais ou o que quer que seja que viva e morra dentro de uma década, sem jamais exercer um papel maior". (...) 2) Ela levou a um certo autoisolamento da história dos movimentos operários com relação ao resto da história, o que por sinal torna mais fácil misturar indiscriminadamente o importante com o corriqueiro. A título de exemplo, parece claro que na década de 1880 os observadores burgueses britânicos dos novos movimentos socialistas estavam bem mais preocupados com Karl Marx e seus seguidores (...) do que com os anarquistas. Estes observadores estavam enganados, embora não muito; pois se não havia nenhum movimento anarquista de expressão naquele tempo, tampouco havia um movimento marxista significativo. Mas se devemos considerar o movimento operário no cenário das lutas de classe, em uma relação bilateral, ou no cenário nacional mais amplo da história nacional, não podemos trata-lo como se atuasse isoladamente. Em resumo, a história clássica do movimento operário tendeu a produzir uma versão exotérica da história. p. 17-19.
"Em terceiro lugar (...), a história clássica do movimento operário tendeu a produzir tanto um modelo como uma versão oficial da história, nacional ou internacional, que variou desde uma ortodoxia informal, mas não muito flexível, até uma ortodoxia formal e altamente inflexível". p. 19
"Não precisamos nos deter muito nas versões mais formais e inflexíveis, embora elas sejam de importância decisiva para historiadores em alguns países socialistas - e o elemento político nas interpretações históricas relacionadas a determinados partidos ou organizações não deve ser subestimado, mesmo quando ele não reflete o juízo político, mas os preconceitos, as memórias pessoais ou a autodefesa de líderes específicos". p.19
"Eu mesmo assinalei há muito tempo que o 'modelo' tradicional de desenvolvimento do movimento operário era uma seleção (parcialmente viciada) de fatos, que classificava alguns como centrais e marginalizava outros, ou os excluía. Ainda hoje os estudantes tendem a escolher seus temas de pesquisa em história dos movimentos operários entre aqueles aceitos e de acordo com a periodização aceita (...)". p. 19.
"Não estou afirmando que a ortodoxia esteja completamente errada. Se ela não refletisse em boa medida o que realmente aconteceu, dificilmente teria se estabelecido. Trata-se, todavia, de uma elaboração historicamente construída". p. 19-20.
"(...) a historiografia tradicional dos movimentos operários era técnica e metodologicamente bastante ortodoxa. Ela produziu uma grande quantidade de narrativas tradicionais e história institucional; apenas seu objeto era pouco usual". p. 20.
"Não faço essas observações com a intenção de diminuir a intenção de um valor de um trabalho realmente de primeira classe e que de fato marcou época, mas apenas para realçar a diferença entre um e outro tipo de história operária". p. 21
II
"O caráter acadêmico cada vez mais acentuado da história operária corrigiu algumas das tendências da história tradicional operária, ao passo que as mudanças da conjuntura política na esquerda corrigiu outras". p. 21.
"Mitos históricos tradicionais estão hoje mais fracos em muitos movimentos operários, e consequentemente, são defendidos com menos compromisso emocional, exceto quando ainda estão na memória dos vivos – como os anos de 1930 ainda estão". p. 21
"(...) a mudança na situação dos movimentos organizados tendeu a ampliar as perspectivas dos historiadores do movimento operário. Eles estão cada vez mais preocupados com as bases tanto quanto com os líderes, tanto com os não sindicalizados, quanto com os sindicalizados, com o "trabalhador conservador" tanto quanto com o trabalhador radical ou revolucionário – em resumo, mais com a classe do que com o movimento ou com o partido". p. 21-22.
"Não obstante, a força que desenvolveu a história operária em grande parte continuou a ser política: A radicalização de gerações de estudantes e (no devido tempo) a dos professores universitários jovens, nos anos 60". p. 22
"(...) a radicalização produziu uma safra substancial de novos historiadores do movimento operário, cujo interesse no assunto basicamente advém de compromissos políticos, embora sua competência como pesquisadores possa ser maior, bem como seu campo de ação, de certo modo, mais amplo". P. 22
"Mergulhar no passado em busca de exemplos inspiradores de luta, ou coisa parecida, é escrever a história ecleticamente às avessas. Não é uma boa maneira de se escrever a história". P. 22
"(...) é importante recuperar o que pudermos sobre o modo como os trabalhadores pobres viviam, agiam e pensavam (...)". p. 22
"Se não formularmos primeiro questões e pesquisarmos o material à luz dessas questões, corremos o risco de produzir meramente uma versão arqueológica esquerdizante, trabalho que é equivalente ao dos diletantes folcloristas". P. 22
"Ele tem um valor político evidente, especialmente quando o material é daqueles que atraem o público não acadêmico. Recuperar o passado esquecido, memorável ou inspirador é uma tarefa perfeita para historiadores". P. 23
III
"Os perigos que se oferecem ao historiador dos movimentos operários compromissado com a esquerda são diferentes daqueles que afligem o técnico acadêmico. (...) Já se escreveu o suficiente sobre a ideologia implícita – que se faz às vezes explícita – em certas escolas das ciências sociais (...), bem como certos termos como 'integração' e 'modernização'". P. 26
"Como todos os ramos da história, a história operária ampliou enormemente tanto seu campo de ação quanto seu método, em parte através de uma extensão de seu âmbito, a partir de uma história mais restrita, de ordem política, ideológica, ou mesmo econômica, para uma história social em seu sentido mais amplo; em parte através da consequente necessidade de explorar fontes inteiramente novas por meio de técnicas apropriadas e em geral inovadoras; e em parte através do contato com as ciências sociais das quais se apropriou livremente. Isto não significa que os métodos tradicionais estejam esgotados (...). (Em países sem uma tradição séria de história operária, ou onde o tema foi fortemente mitificado, o campo de ação ainda é enorme, mesmo para o historiador mais convencional e tradicional)". P. 26-27
"(...) grande parte da história operária – em especial a história social da classe operária – precisa utilizar novos métodos e técnicas (...). Tais técnicas exercem três tentações. A primeira é a de se tornarem mais fim em si mesmas do que instrumentos. A segunda é a de enxergar o valor dos dados aos quais as novas técnicas podem ser aplicadas e desprezar aqueles a que elas não se aplicam (...). A terceira tentação é ignorar as ambiguidades e as dificuldades conceituais dos dados". P. 27-28.
"A aplicação de novos conceitos, em geral emprestados das ciências sociais, é igualmente perigosa, se não está claro em nossa mente o que estamos tentando descobrir ou explicar" (...) O perigo é ainda maior porque (...) a natureza da profissão acadêmica é tal que estimula a originalidade e o modismo". P. 29
"A história operária é parte da história da sociedade, ou melhor, a história de certas sociedades que possuem características específicas em comum". P. 30
"A história operária é um assunto multifacetado, embora os níveis de realidade ou de análises formem um todo (...) Não podemos abstrair um ou mais níveis dos demais (exceto com o propósito de conveniência temporária), nem praticar excessivo reducionismo. O nível político de análise simplesmente não pode ser subordinado ao nível socioeconômico". P. 30
"Alguns aspectos do nosso tema são qualificáveis, outros não, pelo menos em termos comparativos. O problema da história operária (...) está em como combinar diferentes tipos de qualificação com enunciados qualitativos".
"Essas observações são razoavelmente banais, mas talvez haja lugar de vez em quando para uma reafirmação de trivialidades, pois elas são facilmente esquecidas". P. 31
"A história operária, como todas as ciências sociais, preocupa-se tanto em mudar quanto em interpretar o mundo". P. 31
"(...) duas coisas devem ser ditas sobre a relação entre interpretar e transformar o mundo. Primeiro, que a interpretação deve ser objetivamente válida, quer nos seja conveniente ou não, ou melhor, deve ser comunicável a qualquer um (...). Em segundo lugar, (...) devemos saber o que desejamos dizer com transformar o mundo. Alguns historiadores do movimento operário, tentaram mudar o mundo de forma nociva (...)". p. 31-32
"Não é fácil detectarmos os perigos análogos em nossas próprias interpretações. Todavia, eles existem, mesmo que obscurecidos pelas nossas próprias inclinações e pelas operações autônomas do mecanismo acadêmico no qual estamos envolvidos". P. 33
"Para muitos de nós o objetivo final de nosso trabalho é criar um mundo no qual os trabalhadores possam fazer sua própria vida e sua própria história, ao invés de recebê-las prontas de terceiros, mesmo dos acadêmicos". P. 33

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