Fichamento - Artigo: “A emergência dos ‘remanescentes’: notas para o diálogo entre indígenas e quilombolas”.

June 15, 2017 | Autor: A. Filas Licnerski | Categoría: Indigenous Studies, Antropología y Sociología Jurídica, Antropologia Jurídica, Antropologia
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Descripción

1. Obra (artigo) em Fichamento:
ARRUTI, José Maurício Andion. "A emergência dos 'remanescentes': notas para o diálogo entre indígenas e quilombolas". Em: Mana. Rio de Janeiro: UFRJ, vol. 3, n. 2, outubro de 1997, p. 7-38.
2. Resumo da obra e comentários:
Introdução
No inicio do texto, o autor, José Maurício Andion Arruti, busca fazer uma introdução ao tema que abordará ao longo de seu artigo objeto deste fichamento, bem como a contextualização do assunto e quais serão suas perspectivas teóricas a serem utilizadas. Desse modo, Arruti explica que o objeto de seu artigo é a reflexão sobre as "comunidades remanescentes de quilombos" (populações tradicionais), as quais refere-se o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitória. Segundo o autor, essas seriam criações sociais, surgidas através do imaginário sociológico, vontade política, desejos e criações jurídicas. Assim, Arruti pretende analisá-las através do conceito das categorias sociais, sob a perspectiva dos "direitos insurgentes", que teriam feito as populações tradicionais ganharem espaço (p. 7). Para alcançar esse objetivo, o autor esclarece que o artigo não se baseia em leituras sistemáticas da bibliografia que aborda o tema, mas sim que também envolverá dados de campo, com o objetivo de completar lacunas existentes nos trabalhos sobre o tema. Assim, José Maurício afirma que fará sua análise procurando utilizar as relações existentes entre as populações indígenas e negras (p. 8).
Raça e etnia: apontamentos sobre uma mitologia savante
Na segunda parte de seu artigo, Arruti traça uma espécie de cosmologia nacional. Segundo o autor, surgiu uma produção por parte da intelectualidade social brasileira, a partir dos anos 30, que constituiu espécies de planos de representações sobre o índio e o negro no Brasil. Tais construções resultaram em denominações, formas de controle estatal e social, bem como, modos diferentes de tratar o outro, o diferente, os "[...] indivíduos não-brancos, incivilizados, inferiores em termos mentais e culturais, que, no entanto, precisavam ser assimilados ou absorvidos pela nação brasileira." (p. 9).
Esses planos de representações formam dois núcleos que podem ser traduzidos em esquemas diretos e limitados de transmutações (que o autor denomina de mitologia savante de mutações sócio-étnico-raciais). Assim, eles se compõem da seguinte maneira: um plano cuja representação sucessiva era composta pelo índio, pelo caboclo e pelo civilizado e outro que era constituído pelo negro, pelo mulato e pelo branco. Desse modo, objetivava-se transmutar o não-branco em um processo que era, ao mesmo tempo, de limpeza e de proteção de contaminação: o índio era alteridade valorizada pelo exotismo, objeto de contaminação e precisava ser preservado, já o negro, era desvalorizado em sua forma aparente, agente de contaminação (p. 10).
Ambos, nessa ideia de identidade da sociedade brasileira, funcionavam como ponto de partida, do qual o caboclo e o mulato eram uma espécie de trânsito para um lugar comum, em que a diversidade seria diluída no povo brasileiro. Arruti, por fim, afirma que essa diferente forma de estudar esses campos (a cosmologia) pode ser útil, uma vez que comunidades rurais negras ganham o status de unidades culturais e sociais; e, uma vez que as comunidades indígenas recentes ganham visibilidade política e acadêmica (p. 11).
Índios e negros heterodoxos
Na terceira parte de seu artigo, Arruti inicia afirmando que essas duas novas formas de estudar e enxergar os estudos étnicos e raciais (citadas no último parágrafo) levaram, na época, a uma subversão de posturas e procedimentos que antes eram tidos como certos dentro de seus campos de estudos. Dessa forma, novos campos de análise foram abertos. Devido à isso, Arruti busca apresentar um resumo do que compreende como "[...] movimento convergente dessas heterodoxias nos campos de estudos étnicos e raciais brasileiros" (p. 12). Assim, Arruti busca uma aproximação entre os estudos étnicos e raciais, especialmente a partir dos estudos das comunidades indígenas do nordeste, mostrando o quanto é relevante analisar as minúcias das relações que se davam no momento pós-emancipação.
Sobre os estudos étnicos, Arruti afirma que, anteriormente, os estudiosos estavam presos ao "[...] diagnóstico básico do iminente desaparecimento, da decadência cultural e da desagregação social." (p. 12). No entanto, após um ressurgimento de grupos indígenas no nordeste (nos anos 70, 80 e 90), isso mudou, e a literatura antropológica passou a inverter sua perspectiva sobre o desaparecimento dos indígenas. Já sobre o campo de estudos raciais, Arruti salienta que a mudança surgiu de maneira diferente: a partir da década de 70. Primeiramente, a partir de uma série de estudos interligados – que utilizaram o conceito de etnicidade – na USP, que começaram a enxergar a característica principal das comunidades como negras, não mais como rurais. E, em um segundo momento, com o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitória, que passa a "reconhecer às 'comunidades remanescentes de quilombos' o direito sobre as terras que ocupam" (p. 13). Com isso, os estudos sobre as comunidades negras rurais passou converger, em partes, com os estudos sobre os indígenas, abandonando a noção de culturalismo (p. 14).
Rearranjos classificatórios
Na quarta parte de seu artigo, Arruti afirma que as unidades de descrição de negros e indígenas respondem às necessidades de criação de unidades genéricas, de intervenção e controle social, com uma grande redução de suas alteridades. Há uma plasticidade dessas categorias (p. 14). Para comprovar isso, o autor dá exemplos práticos de comunidades em que a distinção entre negros e índios não é tão clara e objetiva – tão genérica. A dicotomia índios/negros pode tem um aspecto arbitrário (p. 16). Arruti afirma que essas populações foram sendo classificadas não pela observação de suas características intrínsecas, mas sim "segundo os interesses e instrumentos de dominação disponíveis" (p. 17). Segundo o autor, os exemplos demonstrados por ele mostram que há um problema antigo – e pertinente: acreditar que o que está na documentação histórico corresponde às mesmas coisas da realidade. Segundo Arruti, há flutuações semânticas, há brechas (p. 19).
De retornos e encruzilhadas
Na quinta parte de seu artigo, o autor aborda a utilização do termo "remanescentes", sendo uma das partes mais importantes e completas do artigo. Arruti inicia afirmando que o fenômeno que ocorreu na época de surgimento e resgate de comunidades remanescentes indígenas e das comunidades remanescentes de quilombos, correpondeu a criação de novos sujeitos políticos, de novas unidades de ação social. Isso, segundo o autor, torna ainda maior a comparação entre as duas comunidades citadas. Segundo o autor, a utilização do termo-chave "remanescentes", para ambas as comunidades, demonstra que houve uma mudança na classificação das mesmas, bem como as colocam em uma mesma posição perante os órgãos públicos e perante o senso comum acadêmico (p. 20). Assim, posteriormente, Arruti explica o uso do termo para cada uma das duas comunidades.
Para os grupos indígenas do nordeste, o uso do vocabulário "remanescentes" tornou possível a inclusão daquelas pessoas no "código de direitos código de direitos instituído através do status jurídico de índios (decreto nº 5484/1928), mas sem deixar de reconhecer neles uma queda em relação ao modelo original (p. 21). Já as comunidades negras, ao serem identificadas como "remanescentes", passaram a ser reconhecidas como símbolo de uma identidade, de uma cultura, de um modelo de luta e militância. Desse modo, o uso desse termo, tanto para negros, quanto para índios, implicou na possibilidade desses ocuparem um novo lugar na relação com as outras parcelas da população, na política local, no seu próprio imaginário, entre outros. Levou a um reconhecimento, para ambas as comunidades, de um valor cultural absolutamente novo que, "por ter origem em um outro quadro de referências (a tal cosmologia nacional, savante)", era até então desconhecido deles mesmos – sendo esse, para o autor, o ponto fundamental (p. 22). Por fim, o autor conclui que a utilização da identidade de remanescentes por uma coletividade é a produção de uma realiade. Eles passam a se identificar como tais, recriando elementos da memória e traços culturais do passado (p. 23).
Comunidades Emergentes
Em seu último tópico, Arruti aborda que tendo em vista esse processo de autoconstituição dos grupos como sociais e culturais diferenciados (a etnogênese), é a sua problematização que demonstra relevância na análise da aproximação entre as "comunidades remanescentes de quilombos" e a "etnicidade" (p. 24). Contudo, o autor esclarece que estudar sobre as comunidades rurais vinculadas aos quilombos não deve ser uma busca por "pequenas áfricas" no Brasil, mas sim que a análise deve recair sobre a organização desses grupos, sobre a regulação de quem faz ou não parte dos mesmos, sobre a suas relações internas e externas (p. 26). Posteriormente, o autor afirma que trabalhos sobre a etnogênese, dos anos 70, passaram a identificar os grupos indígenas do nordeste não mais como remanescentes, mas como emergentes. Emergentes no sentido de uma situação de descoberta de direitos e de uma recuperação da identidade índigena (p. 27).
Assim, Arruti ressalta, ainda, que os grupos étnicos não são perseverados ou preservados, mas sim criados. O reconhecimento dos remanescentes não deve ficar no plano de questões de raça, não só na etnicidade, mas sim etnogênese, da produção de novos sujeitos políticos (p. 27). Segundo o autor, a luta que levou ao uso do termo remanescentes para os negros levou a uma nova relação com o passado, a uma reapropriação de velhos modelos para novos fins, a uma recuperação de elementos substantivos de identidade aos processos de emergência (p. 28).
O autor finaliza seu artigo abordando que o reconhecimento como "remanescente" por essas comunidades se mostra como um aliado importante para garantir suas terras e seu papel político (p. 29). Para ele, é importante reconhecer a constutividade dessas comunidades, percebê-los como emergentes (p. 30).


O autor refere-se ao seguinte artigo: "Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos." Posteriormente, o artigo foi regulamentado pelo Decreto nº 4.887, de 2003.



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