Estilística Cibernética

August 24, 2017 | Autor: João Paulo Hergesel | Categoría: Languages and Linguistics, Stylistics, Enunciation, Expressivity
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Descripción

Guaratinguetá, 2013

Editora Penalux K. S. A. S. – MEI Rua Marechal Floriano, 39 – Centro Guaratinguetá, SP | Cep.: 12500-260

Edição | França & Gorj Capa e Diagramação | Ricardo A. O. Paixão

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária Responsável Aline Alves de Almeida CRB 6/2684

H545E

HERGESEL, JOÃO PAULO - 1992 ESTILÍSTICA CIBERNÉTICA / JOÃO PAULO HERGESEL. GUARATINGUETÁ, SP: PENALUX, 2013. 152 P. : 23 CM. ISBN 978.85.66266.20-7 1. EDUCAÇÃO. I. TÍTULO. CDD: 370

Todos os direitos reservados. A reprodução de qualquer parte desta obra só é permitida mediante autorização expressa do autor e da Editora Penalux. [email protected] www.editorapenalux.com.br

SUMÁRIO Uma rápida introdução à estilística deste livro....................................11

1. A conceituação estilística da linguagem ciberjuvenil......................19 1.1. Expressividade e suas possíveis definições...............................19 1.2. A estilística ballyana e suas derivações......................................21 1.3. Surge uma nova estilística: a estilística da enunciação............ 27 1.4. A presença da estilística no espaço cibernético.......................31 1.5. A estilística como amiga (ou inimiga) dos adolescentes......... 35

2. As revoluções tecnolinguísticas.........................................................39 2.1. Do ruído australopiteco à cutucada (...)....................................40 2.2. A estilística da enunciação: o Purgatório da expressão.......... 42 2.3. O Facebook como diário do contemporâneo..........................49

3. Os queridíssimos aspectos estilísticos convencionais....................51 3.1. Estilema: este lema.......................................................................51 3.2. Que figuram as figuras?...............................................................54 3.3. Vício, para que te quero?.............................................................85 3.4. Em virtude do bom estilo.........................................................106 3.5. As (dis)funções de linguagem...................................................108 3.6. A breve constituição estilística.................................................114

4. Os emergentes aspectos estilísticos cibernéticos..........................123 4.1. As abrev........................................................................................123 4.2. A pontuação!!!!! e a falta dela....................................................126 4.3. Os alongameeeeeeeeentos e as MAIÚSCULAS....................128 4.4. Os emoticons :-).........................................................................129 4.5. Hashtags: #umcasoexcepcional...............................................132 4.6. Análise dos aspectos estilísticos cibernéticos.........................132

Apenas para concluir.............................................................................137

REFERÊNCIAS....................................................................................139

GLOSSÁRIO.........................................................................................149

JOÃO PAULO HERGESEL com orientação do professor doutor Luiz Fernando Gomes

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Uma rápida int�odução à estilística deste livro Este trabalho deriva de uma monografia de conclusão de curso, a qual pode ser dividida em três etapas que duraram um ano e meio de pesquisas: (i) a criação do projeto, equivalente ao período de um semestre; (ii) a discussão teórica, fundamentada no semestre seguinte; (iii) a coleta e a análise de dados, bem como as considerações finais, a serem concluídas no terceiro e último semestre destinado a este trabalho. O primeiro passo, destinado apenas à criação e revisão do projeto de pesquisa, ganhou espaço entre agosto e dezembro de 2011, no quarto período do curso de Letras: Habilitação em Português e Inglês, da Universidade de Sorocaba (Uniso), como atividade do componente curricular Prática de Pesquisa I, ministrado pelo professor doutor Luiz Fernando Gomes. O projeto de pesquisa consistiu em determinar: (a) Tema — a escolha do tema para este trabalho deu-se devido a duas curiosas ideias: a primeira é a de que a estilística, como ciência da linguagem, é apresentada de forma bastante fragmentada na educação básica, embora seja feito uso dela a todo instante, e a segunda é a de que, com a evolução da linguagem pelos meios tecnológicos, é possível estabelecer uma nova abordagem do conceito estilístico, utilizada, ainda que inconscientemente, pelos usuários de redes sociais. (b) Título — a definição do título deste trabalho (“Estilística cibernética e expressividade adolescente: um estudo de atualização de status no Facebook” — aqui, publicada sem o subtítulo) foi uma tentativa de abranger 11

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os assuntos mais focados no decorrer da pesquisa, a fim de apresentar, de uma maneira sintética, os elementos que são estudados nesta pesquisa e, assim, localizar melhor o possível leitor. (c) Palavras-chave — as palavras-chave escolhidas para esta pesquisa visam a representar os principais tópicos abordados. Sendo assim, temos: “Expressividade”, que é o ato de exteriorizar pensamentos, por meio de qualquer método comunicativo; “Estilística”, que é a ciência responsável por estudar o estilo; “Enunciação”, que corresponde ao produto gerado na comunicação entre um emissor e um receptor; e, por último, “Linguagem e Tecnologia”, dado que o espaço selecionado para a pesquisa é um site de relacionamentos. (b) Apresentação — como forma de introduzir as ideias do trabalho, abordamos, primeiramente, o fato de que a estilística é uma ciência distinta da gramática, embora possam caminhar juntas para a compreensão de um discurso. Também mostramos que, entre os muitos meios em que a escrita está presente, uma delas — que se destaca no mundo contemporâneo — é o site de relacionamentos, que se torna o espaço da pesquisa. (c) Objetivo — a principal proposta da pesquisa é detectar traços estilísticos na escrita adolescente na internet, para que possamos compreender quais são os recursos utilizados pelo público juvenil e, consequentemente, como podemos conceituar uma estilística cibernética na escrita coloquial. (d) Justificativa — tudo teve início no contato com um artigo elaborado pela pesquisadora Maria Cláudia Martins Parente, no qual é apontado que os jovens têm dificuldade em aprender o conceito didático da estilística, principalmente pelos nomes peculiares das figuras de linguagem. Porém, como a estilística é uma ciência essencial para a compreensão alguns fenômenos linguísticos, visto que promove uma melhor interpretação semiótica dos elementos verbais (ou visuais), consideramos fundamental o seu estudo, sobretudo, no contexto juvenil. 12

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(e) Questões de Pesquisa — a hipótese de que é possível conceituar uma estilística do meio cibernético foi o primeiro passo para definir a principal questão de pesquisa. A partir dessa consideração, o trabalho procurou identificar, generalizadamente, como os adolescentes fazem uso dos recursos estilísticos da linguagem na escrita coloquial da internet, por meio de uma análise que abrange desde os aspectos convencionais como os exclusivamente cibernéticos. (f) Referencial Teórico — o estudo começou em Ferdinand Saussure, que criou o termo Estilística durante análises sobre das distinções entre língua e fala. Partindo daí, utilizamos, para a fundamentação de uma pesquisa nessa área, o contato com as teorias de Charles Bally, considerado o pai da “ciência da expressão” e de seus seguidores e especialistas no ramo, como Pierre Guiraud, Manuel Rodrigues Lapa, Henry Suhamy, José Lemos Monteiro e Nilce Sant’Anna Martins — dando um destaque maior a esses dois últimos mencionados. Desta forma, um dos maiores focos deste livro é a relação entre os adolescentes e a estilística da língua portuguesa. O segundo passo, exclusivo para a discussão e fundamentação teórica com base em autores e estudiosos do tema, ocorreu durante os meses de fevereiro e julho de 2012, no quinto período da graduação, durante o componente curricular Prática de Pesquisa II, ministrado pelo mesmo professor do semestre anterior. A fundamentação teórica consistiu em apresentar os conceitos e pontos de vistas sobre: (a) Expressividade — o ato de exprimir os sentimentos, pensamentos e outros aspectos internos, por meio de qualquer método comunicativo verbal, visual ou verbo-visual (com base na dissertação de mestrado de Consuelo da Piedade Bernardo Ferreira: A expressividade no sociodrama, de 2010). (b) Estilística — a ciência que estuda o estilo individual, tanto na oralidade, como na escrita, como na representação por imagens, ou em qualquer outra for13

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ma de expressão possível, propondo uma melhor análise do fenômeno linguístico (com base nos estudos iniciais de Charles Bally: Traité de stylistique française, de 1909). (c) Enunciação — a relação de comunicação entre um falante e um ouvinte, entre um remetente e um destinatário, entre um emissor e um receptor, e que resulta em um enunciado (com base na compilação entre as opiniões de Émile Benveniste e Oswald Ducrot feita por Leci Barbisan: O conceito de enunciação em Benveniste e Ducrot, de 2006). (d) Estilo na internet — os detalhes que diferenciam uma escrita na internet de uma escrita fora desse meio, como elementos de uso exclusivo das redes sociais e de programas de mensagem instantânea (com base no livro de Maria Teresa de Assunção Ferreira e Sérgio Roberto Costa: Leitura e escrita de adolescentes na internet e na escola, de 2006). (e) Relação entre a estilística e os adolescentes — uma discussão sobre a (falta de) intimidade dos adolescentes para com a estilística ou até mesmo um conhecimento implícito a respeito da tal (com base em uma pesquisa de campo feita numa escola de ensino médio, conforme amostrada no capítulo 1). (f) Evoluções linguísticas — os três principais processos pelos quais a linguagem passou: o surgimento da escrita, a fundamentação da gramática e a digitalização textual ou a hipertextualização (com base nos estudos de Sylvain Auroux: A Revolução Tecnológica da Gramatização, de 1992, e de Luiz Fernando Gomes: Hipertextos Multimodais, de 2007). (g) Estilística da Enunciação — a área responsável por analisar a estilística exclusivamente nos enunciados, levando em consideração o enunciador e o contexto em que ele se apresenta (com base no livro de Nilce Sant’Anna Martins: Introdução à estilística: a expressividade na língua portuguesa, de 1989). (h) Facebook — a rede social criada na década de 2000, com o intuito de reunir estudantes universitários, mas que chamou a atenção de usuários do 14

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mundo todo e que já conta com mais de novecentos milhões de perfis (com base no livro de Raquel Recuero: Redes sociais na internet, 2009). (i) Estilema — o menor traço particular de um ser, seja um bordão da fala, um gesto ou um elemento visual, isto é, um elemento que caracteriza a pessoa, mesmo que ela não esteja presente nem seja mencionada (com base no artigo da pesquisadora Maria Cláudia Martins Parente: O domínio da estilística, de 2008). (j) Figuras de Linguagem — as ferramentas que zelam pela poeticidade da linguagem e que podem ser constituídas na morfologia, na sintaxe, na fonética ou na semântica, mas que são mais bem divididas em tropos, figuras de repetição e de amplificação, figuras de construção, figuras de retórica, elipses e figuras de pensamento (com base no livro de Henri Suhamy: As figuras de estilo). (k) Vícios de Linguagem — os desvios da estética, que ao invés de agradar, soam grosseiros para o leitor; podem ser causados por um descuido da fonologia ou da morfossintaxe (com base na abordagem de Luiz Antonio Sacconi, no livro Nossa gramática: teoria e prática, de 1994). (l) Propriedades do Estilo — os pontos altos de um texto, especialmente verbal, que resultam em uma produção harmoniosa, tanto pela escrita como pela sonoridade (com base nos estudos de José Lemos Monteiro, em A estilística, de 1991, e no artigo de Eduardo Pinheiro, em Qualidades e defeitos da linguagem, disponível em formato digital). (m) Funções de Linguagem — os elementos necessários para a comunicação, representando o remetente, o destinatário, o contexto, a mensagem, o canal de contato e o código (com base na teoria proposta por Roman Jakobson, em 1963, e comentada por Martine Joly, no livro Introdução à análise da imagem, de 1996). (n) Leis da Estética — os recursos fundamentais não só para se chegar à beleza literária e conduzir uma boa narrativa, como também para serem tran15

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quilamente aplicados à linguística (com base na teoria explanada por Tzvetan Todorov, no livro As estruturas narrativas, de 2006). (o) Abreviaturas — a forma rápida e simplificada de representar as palavras, seja pela inicial de cada sílaba, pelas letras mais marcantes ou por alguma característica sonora (com base nas pesquisas de Carla Jeanny Fusca e Viviane Vomeiro Luiz Sobrinho, em Abreviaturas na internet: aspectos gráficos, fonético-fonológicos e morfológicos no registro da coda silábica, de 2010). (p) Pontuação — o sinal gráfico utilizado, quando na internet e com estilo livre, em repetitividade ou em ausência, para dar entonação ao que está sendo enunciado (com base nos estudos de Rodrigo Moura Lima de Aragão: Descrição e análise dos usos linguísticos de diferentes ambientes da Internet e sua relação com o suporte, de 2006). (q) Alongamentos — uma marca da oralidade, representada pela repetição de alguma vogal, que geralmente está localizada na sílaba tônica da palavra, como forma de enfatizar a ideia (com base no artigo de Ana Paula. M. S. Pereira e de Mirtes Zoe da Silva Moura: A produção discursiva nas salas de bate-papo, de 2006). (r) Maiúsculas — outra marca de oralidade, representada pela colocação de uma ou mais palavras em caixa-alta, com o objetivo de ampliar o tom, simbolizar a elevação da voz (também com base no artigo de Ana Paula. M. S. Pereira e de Mirtes Zoe da Silva Moura: A produção discursiva nas salas de bate-papo, de 2006). (s) Emoticons — os recursos digitais semióticos de linguagem, formados por sinais gráficos e/ou letras aleatórias, que servem para simular sentimentos, aproximação e gestos físicos durante um bate-papo (com base no artigo de Audrey Danielle Beserra de Brito: O discurso da afetividade e a linguagem dos emoticons, de 2008). 16

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(t) Hashtags — uma palavra-chave iniciada pelo símbolo de jogo-davelha, usada especialmente no tuíter, facilitando a localização no sistema de busca, já que cria automaticamente um hiperlink (com base no texto de José Santos, O que é a hashtag do Twitter?, de 2009). O terceiro passo, dedicado à análise de dados coletados em perfis do site de relacionamentos Facebook, sucedeu-se entre os meses de agosto e novembro de 2012, destinando o mês de dezembro apenas para a apresentação e aprovação do trabalho frente à banca examinadora. Essa última parte do procedimento, desenvolvida no componente Prática de Pesquisa III, também ministrado pelo professor que orientou esta pesquisa desde o início: doutor Luiz Fernando Gomes, por se tratar de uma análise especifica, não é apresentada neste livro, evitando que este desvie dos objetivos a que se propõe. Por fim, tornamos a informar que este livro originou-se de um trabalho de conclusão de curso para a graduação em Letras: Português/Inglês, na Universidade de Sorocaba (Uniso), sendo aprovado em 05 de dezembro de 2012 e recomendada a publicação pela banca examinadora.

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1. A conceituação estilística da linguagem ciberjuvenil Quando falamos em expressividade, referindo-nos à língua portuguesa, direcionamos o pensamento à Estilística, ou seja, o estudo do estilo. Essa conceituação nos permite chamarmos esse ramo linguístico de Ciência da Expressão. Portanto, a Estilística, originária do alemão Stilistik e do francês stylistique, passa a ser considerada a ciência que estuda os recursos da linguagem e seus efeitos expressivos. Para o pioneiro desta ciência, “a estilística estuda os fatos expressivos da linguagem organizada de acordo com seu conteúdo emocional, quer dizer, a expressão dos fatos da sensibilidade por meio da linguagem e a ação dos fatos da linguagem sobre a sensibilidade”1. (BALLY, 1909, p. 16). Em outras palavras, o estilo está presente na particularidade de cada falante. Assim, procuramos apresentar, neste primeiro capítulo, as definições de expressividade, enunciação, linguagem e tecnologia, a fim de conceituarmos o que chamamos de estilística cibernética e, assim, ampliarmos o estudo dessa ciência tão interessante para o ponto de vista linguístico.

1.1. Ex�ressividade e suas possíveis definições Neste item, procuramos esclarecer, primeiramente, o significado de expressividade. Ao analisar o termo pelo ponto de vista mórfico, o que chama a atenção é a presença do sufixo -idade, representador de substantivos abstratos formados por meio de adjetivo; expressividade seria, portanto, a qualidade de ser 1

Tradução livre do francês.

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expressivo. Entretanto, se recorreremos ao dicionário, a acepção mais aceita que encontramos é a que se refere à intensidade e à força de expressão. Em sua dissertação de mestrado sobre expressividade no sociodrama, Consuelo Ferreira (2010, p. 21) diz que “a expressividade se manifesta em todas as partes do indivíduo na forma como anda, pensa, fala, escreve, olha e também no produto fruto da criação humana, sendo uma variável de conceito amplo e de utilização em diversos campos”. A amplitude na definição de Ferreira é um pouco mais limitada em outros autores. Rendal (apud GOMES, 2008, p. 01; FERREIRA, 2010, p. 20), por exemplo, foca-se na transmissão que é feita de forma clara e com espontaneidade, ao defini-la como a “capacidade que todo o existente tem para transmitir os diferentes estímulos, sentimentos, ideias, desejos... com clareza e de uma maneira criativa.” Nils (apud GOMES, 2008, p. 01; FERREIRA, 2010, p. 21), por outro lado, enxerga a expressividade como sinônimo de manifestação e a centraliza com mais ênfase no contexto verbal, ao argumentar que “é a forma como manifestas algo [...] quanto maior vocabulário e competência linguística tiveres, mais facilmente conseguirás expressar-te e terás por sua vez uma maior expressividade [...]”. Uma forma ainda mais refinada do significado de expressividade encontra-se em Telmo (apud GOMES, 2008; FERREIRA, 2010), que a define como a destreza de escolher as palavras certas na hora de se pronunciar, seja numa conversa cotidiana ou numa tentativa de persuasão. Em outras palavras, a expressividade “passa pelo traquejo e habilidade de conseguir dizer determinadas coisas […] posso ‘dosear’ a expressividade tendo em conta para aquilo que a quero utilizar, desde convencer alguém como até num simples diálogo.” (TELMO apud GOMES, 2008, p. 01; FERREIRA, 2010, p. 21). Há autores, inclusive, que não veem distinção entre o conceito de expressividade e expressão. Como defensores dessa teoria, podemos encontrar Salzer 20

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(apud GOMES, 2008), que analisa sob o ponto de vista da comunicação e define expressão como “toda a emissão consciente ou não de sinais e mensagens.” (p. 01). E também Brikman (apud GOMES, 2008), que diz que “expressar algo tem vários significados na relação com o corpo, com a emoção, com a sensibilidade e com a capacidade de dar e receber.” (p. 01). Consentimos, após esse levantamento bibliográfico, que expressividade compreende o sentido de expressar-se, e expressão, por sua vez, é qualquer forma de contato que há entre o interior do indivíduo e sua interação com o mundo exterior. Pode ocorrer tanto de forma verbal (por meio de palavras) como de maneira não verbal (com movimentos corporais e ilustrações). Com relação à expressão verbal, é possível verificá-la não só na oralidade como também na escrita. Câmara Jr. (1977), sobre esse aspecto, afirma que “na linguagem escrita, a satisfação de tão natural exigência se carreia toda para as frases em si mesmas, e impõe com especial ênfase essa maneira sutil de utilizar os elementos gerais da língua”. (p. 54). E acrescenta que isso é feito conforme o “um sentimento pessoal, para dar ao conjunto o cunho estético que se chama ‘estilo’. Assim, o problema do estilo assume aí uma importância muito maior do que na exposição oral” (p. 54). Partindo desse fechamento, enfocamos a importância de analisar a expressividade escrita por meio da ciência da expressão, ou melhor, da estilística.

1.2. A estilística ballyana e suas derivações Conhecemos hoje dois grandes pesquisadores que deram início às abordagens estilísticas: Charles Bally e Leo Spitzer. Este segundo foi o precursor da chamada estilística literária, também conhecida como estilística idealista (referente à filosofia idealista de Croce e Vossler), estilística psicoló-

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gica (cujo alvo é a psicologia do escritor) ou estilística genética (levando em consideração o aprofundamento à origem do texto). Ela é vista como a ponte que liga a filosofia à literatura e é utilizada como ciência de análise de obras literárias, seus respectivos autores e períodos literários. (MARTINS, 1989). Esta pesquisa, no entanto, não tem compromisso com a literatura, e sim com a linguística. Por isso, tomamos como base a estilística da língua, estilística descritiva ou estilística expressiva, defendida por Bally, no início do século XX, em seu Tratado de Estilística Francesa. Vejamos, agora, algumas concepções dessa ciência, por autores que seguem a linha ballyana: Nilce Sant’Anna Martins (1989) não tem uma tese própria, mas se baseia em estudos já existentes para fundamentar sua teoria. Para isso, ela apresenta ideias de diferentes autores, faz bastantes argumentações a esse respeito e, por fim, consegue enquadrar a estilística — dentre as outras conclusões tiradas no decorrer do livro — como um complemento à sociolinguística, chegando a compará-la diretamente com a linguística.

Estilística é uma das disciplinas voltadas para os fenômenos da linguagem, tendo por objeto o estilo. [...] A Linguística é a disciplina acadêmica que estuda cientificamente a linguagem, e a Estilística é uma parte dessa disciplina que estuda certos aspectos da variação linguística. (MARTINS, 1989, p. 1;6).

O linguista francês Pierre Guiraud (1970), um os nomes mais respeitados no estudo da estilística, trata-a como uma ciência de retórica da contemporaneidade, visto que faz uma análise muitas vezes crítica do estilo individual. Ainda ressalta que a estilística tem a função de definir e justificar as minúcias de um enunciado e a escolha, por parte do enunciador, de determinados elementos expressivos.

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A estilística, em sua dupla forma, é uma retórica moderna, é uma ciência da expressão e uma crítica dos estilos individuais; mas essa definição só se destaca lentamente, e a nova ciência do estilo só vagarosamente reconhece seu objeto, seus alvos e seus métodos. [...] A tarefa mais urgente da estilística é a de definir seu objeto, sua natureza, seus fins e seus métodos, começando pela própria noção de estilo. [...] O estilo é o aspecto do enunciado que resulta da escolha dos meios de expressão determinada pela natureza e as intenções do indivíduo que fala ou escreve. (GUIRAUD, 1970, p. 9-10).

Já o brasileiro José Lemos Monteiro (1991), assim como a patrícia Nilce Sant’Anna Martins (1989) vê a possibilidade de considerar a estilística como algo semelhante à sociolinguística, visto que defende que ela é de caráter descritivo. Porém, ele limita a estilística dentro do contexto linguístico, classificando-a como ciência responsável apenas por estudar a estrutura, sem ultrapassar as barreiras da linguística. Estilística da expressão [...] estuda as relações da forma com o conteúdo, não ultrapassando a linguagem, o fato linguístico em si mesmo. A estilística da expressão (representada sobretudo por Charles Bally) considera as estruturas e seu funcionamento dentro do sistema linguístico, sendo, pois, descritiva. (MONTEIRO, 1991, p. 11).

José Mattoso Câmara Jr. (1953) é mais flexível e determina três funções para a estilística: (i) dar características a uma personalidade partindo do estudo da linguagem; (ii) separar os traços do sistema linguístico e, por meio da dissolução dessa coletividade, localizar a individualidade; (iii) fazer uma análise interpretativa dos fatores expressivos da língua. Mas é essa terceira discriminação que mais se aproxima dos estudos ballyanos.

A estilística defronta-se com três tarefas: [...] 3) concatenar e interpretar os dados expressivos, [...] que se integram nos traços da língua e fazem da linguagem esse conjunto complexo e amplo de enérgeia psíquica. [...] Com a

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terceira, enfim, encontramos a concepção de Charles Bally, e com ele amplicamos o âmbito da linguística num neosaussurianismo cheio de sugestões fecundas. (CÂMARA JR, 1953, p. 26-27).

O português Manuel Rodrigues Lapa (1998) não conceitua, topicamente, o que é a estilística, mas expõe o objetivo do uso dos recursos estilísticos no discurso. Ressalta, assim, que, durante um enunciado, há palavras que denotam mais importâncias que outras, visto que são as responsáveis por transpassar uma ideia ou um sentimento e produzir imagens mais potentes no interlocutor.

Se observarmos o papel que as diferentes palavras desempenham no discurso, logo verificamos que umas são mais importantes do que as outras. São as principais portadoras da ideia ou do sentimento, traduzem a realidade com mais viveza, despertam enfim imagens mais fortes. (LAPA, 1998, p. 1).

A pesquisadora Maria Cláudia Martins Parente (2008) faz uma explicação resumida e esclarecedora do que pensa a respeito da ciência estilística, apresentando-a como responsável por provocar emoção. Também evidencia que o estilo é particular de cada indivíduo e que, por meio dele, podemos compreender o contexto cultural em que ele está inserido.

Estilística é a disciplina que estuda a expressividade duma língua e sua capacidade de emocionar mediante o estilo. Esse estilo, por sua vez, é o objeto de estudo da retórica antiga. Ele define-se não somente como uma maneira de escrever, mas também, como a maneira de escrever própria de um escritor, de uma escola artística, de um gênero, de uma época, de uma cultura. (PARENTE, 2008, p. 90).

Já para o gramático Evanildo Bechara (2009), a estilística é uma parte da linguística paralela à gramática. Assim como a gramática, ela pode ser divi24

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dida em quatro partes: fonética, morfologia, sintaxe e semântica. No entanto, a função da estilística é identificar o contexto psíquico e apelativo do enunciado. Estilística é a parte dos estudos da linguagem que se preocupa com o estilo. [...] Entende-se por estilo o conjunto de processos que fazem da língua representativa um meio de exteriorização psíquica e apelo. [...] O estudo da Estilística abarca, semelhante à Gramática, todos os domínios do idioma. [...] Teremos assim os seguintes campos da Estilística: fônica, morfológica, sintática e semântica. (BECHARA, 2009, p. 615-6).

Também apresentamos a visão de Juliana dos Santos Barbosa (s/d), que compreende a estilística como sendo um elo responsável por unir língua, pensamento e locutor, bem como de fazer uso de recursos de expressão. Também a estilística que estuda as intenções dos falantes. Estilística, como a entendemos contemporaneamente, tem o conteúdo da expressão ligado ao desenvolvimento da linguística moderna, nas relações entre língua, pensamento e locutor, envolvendo as figuras de linguagem, formas de construção textual e seus aspectos fonéticos, sintáticos e semânticos; os gêneros e as intenções dos falantes. (BARBOSA, s/d, p. 1).

O americano J. P. Thorne (1976), no entanto, considera a estilística uma palavra que é aplicada a vários tipos de análise linguística. Ainda ressalta que todo estudo gramatical refletirá no contexto estilístico, ou seja, a Estilística está presa à Gramática e sofrerá ligeiras (ou intensas) modificações, mesmo que o foco seja unicamente gramatical. O nome “Estilística” é aplicado a muitos tipos de estudos. O único aspecto que esses estudos têm em comum é que implicam, de uma maneira ou de outra, uma análise de estrutura linguística de textos. [...] Qualquer progresso dos estudos gramaticais irá provavelmente ter alguma influência, portanto, na Estilística. (THORNE, 1976, p. 179).

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Seguindo esse mesmo ponto de vista, encontramos Laura Wright e Jonathan Hope (1996), cujo livro, logo na primeira página, contém uma dedicatória em memória à Thorne (1933-1988). Os autores não apresentam uma definição do que pensam a respeito da estilística, mas apresentam um livro com várias dicas de “introdução à análise estilística”. E garantem que “o livro também serve como uma introdução prática ao básico da gramática descritiva, desde orações até estrutura textual”2. (WRIGHT; HOPE, 1996, p. xiii). No glossário do livro de artigos linguísticos organizado pelo americano John Lyons (1976)3, encontramos o adjetivo “estilístico”, como aquilo “que diz respeito a ‘estilo’. Diferenças linguísticas que são atribuídas a estilo mais que propriamente ao significado (significado cognitivo) ou dialeto são amiúde consideradas questões de variação estilística.” (LYONS, 1976, p. 309). Por fim, outro ponto de vista é o do pesquisador Peter Verdonk (2002), professor emérito de estilística na Universidade de Amsterdã e autor de um dos livros da série Oxford Introductions to Language Study4, que apresenta uma definição resumida do que seria estilística e, logo em seguida, relata a discórdia que sempre há entre os teóricos devido ao objetivo desta ciência. Então, estilística, o estudo do estilo, pode ser definida como a análise da expressão distintiva em uma língua e a descrição desse propósito e efeito. Como tais análises e descrições devem ser feitas e como o relacionamento entre elas deve estar estabilizado são questões das quais pesquisadores na área da estilística, ou estilísticos, não entram num acordo, mas essa definição geral atenderá nosso propósito no momento.5 (VERDONK, 2002, p. 4).

Após a exposição do ponto de vista desses pensadores, enfatizamos que, embora possamos mencionar os supracitados autores e outros de 2 3 4 5

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Tradução livre do inglês. Trata-se do livro Novos horizontes em linguística, publicado no Brasil pela Editora Cultrix. Trata-se de uma série de livros, editados pela Universidade Oxford, voltados a novas pesquisas a respeito do estudo formal da linguagem. Tradução livre do inglês.

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suma importância no decorrer deste trabalho, tomaremos como principais obras os estudos de Martins (1989) e Monteiro (1991), pesquisadores brasileiros contemporâneos que reuniram um valioso dossiê sobre estilística em suas obras. Além de esses estudos serem recentes e, por isso, aproximarem-se do tema deste trabalho, a compilação de ambos faz uma grande abordagem a diversos aspectos estilísticos que serão necessários para a elaboração desta pesquisa. Essas definições, inclusive, nos permitem concluir que a estilística é a ciência responsável por identificar o estilo particular de cada um, ou seja, a forma como cada indivíduo se comunica, quais as facilidades e as dificuldades na expressão. Serve para dar entonação, para enfatizar algo ou atenuá-lo quando necessário; para se expressar com requinte ou ser totalmente escrachado, dependendo do contexto. A estilística não é tão liberal como a sociolinguística, que ressalta a qualidade de todos os tipos de discurso, nem tão limitada quanto a gramática normativa, que impõe uma forma fixa de construção do pensamento; sua função é explanar a respeito do que esses dois outros ramos não consegue justificar com precisão. Por fim, é sabido que a estilística está em coatividade com outras ciências, subdividindo-se em: retórica, poética, semiótica, estatística, gerativa, entre outras. Nosso foco, entretanto, como mencionado anteriormente, é a enunciação.

1.3. Surge uma nova estilística: a estilística da enunciação Sabemos que a enunciação é o objeto da comunicação verbal, independente de envolver oralidade ou escrita; a enunciação ocorre no momento em que determinado indivíduo (falante/emissor/locutor) coloca sua língua em funcionamento para que alguma coisa seja expressa a outro indivíduo (ouvin-

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te/receptor/interlocutor). O produto gerado pela enunciação é uma série de palavras, geralmente com sentido construído, que recebe o nome de enunciado. (MARTINS, 1989). Para Émile Benveniste, há dois planos de enunciação. Uma delas é a enunciação histórica, na qual “admitem-se (em formas de terceira pessoa): o aoristo, o imperfeito, o mais-que-perfeito e o prospectivo; excluem-se: o presente, o perfeito, o futuro (simples e composto)”. (BENVENISTE, 1976, p. 270). A outra é a enunciação de discurso, em que “admitem-se todos os tempos em todas as formas; exclui-se o aoristo (simples e composto)” (p. 270). Do ponto de vista de Oswald Ducrot, “dizer que uma série linguística produzida por um locutor constitui um enunciado, equivale a dizer, em primeiro lugar, que este locutor, ao produzi-la, apresentou-se assumindo a responsabilidade da tal”. (DUCROT, 1984, p. 135). Ainda explica que “[...] o enunciado é uma série efetivamente realizada, ou seja, uma ocorrência particular de entidades linguísticas” (p.135). Para exemplificar o que declara a respeito do assunto, Ducrot usa o seguinte exemplo: “Sua carta me surpreendeu.” Ao nos depararmos com tal expressão, podemos supor que a surpresa estava no texto da carta (enunciado) ou no fato de que o autor da carta não escreve com frequência (enunciação). (DUCROT, 1984). Encontrar até que ponto as teorias de Benveniste e Ducrot se cruzam e em que momento elas se repelem é tarefa de Leci Barbisan (2006):

A Teoria Enunciativa de Émile Benveniste, partindo de conceitos saussurianos, não rejeita a distinção entre língua e discurso, ao contrário, as associa, pois, ao situar o sujeito como centro de referência, busca explicar como o aparelho formal da enunciação marca a subjetividade na estrutura da língua. A noção de enunciação é, para Benveniste, centrada no sujeito, que, ao se apropriar do aparelho formal da língua, enuncia sua posição de sujeito, marcando-se como eu, instaurando o tu e o ele em seu discurso. A Teoria de Benveniste focaliza, pois, o sujeito, suas marcas no discurso. Já a Teoria da Argumentação na Língua propõe não um sujeito da linguagem, mas um eu

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locutor produtor de discurso para um tu interlocutor. Nessa relação, o locutor marca sua posição, em seu discurso, argumentando em relação ao que está sendo dito. Da construção da argumentação participam não só os elementos verbais explícitos dirigidos ao interlocutor, mas igualmente outros discursos apresentados implicitamente em relação aos quais o locutor toma diferentes atitudes. Essa teoria focaliza, então, a construção da argumentação como modo de enunciação do locutor. Esse modo de enunciação está presente já no sistema da língua, o que se mostra no léxico, nos performativos, na delocutividade. A argumentação transforma as coisas em justificativas de nossas necessidades, desejos ou intenções. (BARBISAN, 2006, p. 34).

Sintetizando as palavras de Barbisan (2006), temos: na teoria de Benveniste, o foco no sujeito, no enunciador; na teoria de Ducrot, o foco na argumentação, no enunciado. Como o que nos interessa, no momento, não é a visão analítico-discursiva, mas a estilística a respeito da enunciação, buscamos uma nova definição — a todoroviana —, que estabelece uma relação de tríplice (locutor > receptor > referente) e, portanto, torna-se a teoria da qual vamos nos ocupar.

No Dicionário das ciências da linguagem, Tzvetan Todorov distingue duas Estilísticas: a do enunciado, que se ocupa do aspecto verbal, suas particularidades fônicas, morfológicas, semânticas, sintáticas; e a da enunciação, que se ocupa da relação entre protagonistas do discurso: locutor, receptor, referente. (MARTINS, 1989, p. 189).

Assim, quando fazemos uma abordagem unicamente daquilo que é expresso, utilizamos a estilística do enunciado; porém, se levarmos também em consideração o envolvimento do locutor, tomando por base o mesmo enunciado, entramos no campo da estilística da enunciação. Ainda para Martins (1989, p. 217-218), “nem tudo que o emissor diz está explícito no seu discurso. [...] O estudo do implícito é, portanto, assunto de considerável interesse da Estilística da enunciação”. Bakhtin (1997, p. 287) estabelece uma diferenciação também na relação entre gramática e estilística da enunciação, ao argumentar que “a gramática 29

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e a estilística se juntam e se separam em qualquer fato linguístico concreto que, encarado do ponto de vista da língua, é um fato gramatical, encarado do ponto de vista do enunciado individual, é um fato estilístico”. Para frisar a importância da estilística na análise da enunciação, Bakhtin ainda conclui: “Mesmo a seleção que o locutor efetua de uma forma gramatical já é um ato estilístico”. (BAKHTIN, 1997, p. 287). O interessante do enunciado é que ele pode se encontrar tanto na forma objetiva como na forma subjetiva. (MARTINS, 1989). Essa subjetividade pode estar explicita ou implícita. Ao nos basearmos nos exemplos sugeridos por Martins (1989), salientamos que dizer, por exemplo, “Adriana Lisboa é a autora mais festejada da literatura contemporânea” é se expressar com um subjetivismo implícito, enquanto dizer “Eu considero Adriana Lisboa a autora mais festejada da literatura contemporânea” representa o modo explícito do subjetivismo do enunciado6. Por outro lado, se a expressão fosse “Adriana Lisboa é considerada a autora mais festejada da literatura contemporânea”, o enunciado levaria a crer que o locutor não compartilha a mesma opinião, não quer assumi-la ou, quiçá, julga que sua opinião não refletirá no caso — um enunciado quase objetivo é criado; entretanto, apenas por se tratar de um enunciado de julgamento, o emissor participa, ainda que de relance, da afirmação. Todavia, se o enunciado fosse “Adriana Lisboa é brasileira, nascida no Rio de Janeiro e autora do livro Azul-corvo”, o enunciado seria visivelmente objetivo, visto que são informações que podem ser comprovadas documentalmente. A única subjetividade presente estaria no fato de o locutor ter optado por fazer uso de tal enunciado, no momento de sua enunciação. No decorrer deste trabalho, abordaremos melhor e ampliaremos nossa pesquisa no conceito de objetividade/subjetividade do enunciado, ao fazermos 6

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Cf. subitem 3.3 (funções de linguagem) para compreender melhor o contexto de objetividade/subjetividade dum enunciado.

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uso inclusive da estilística funcional, bem como apresentaremos e exemplificaremos, com tantas ferramentas nos forem disponíveis, os recursos exclusivos da estilística da enunciação e os demais aspectos estilísticos convencionais e da linguagem cibernética. Nosso intuito, acima de tudo, é deixar uma pequena contribuição ao estudo dessa ciência, uma vez que “as teorias em elaboração ainda estão pouco claras e precisas, mas o campo de estudo parece ser bem promissor”. (MARTINS, 1989, p. 218).

1.4. A presença da estilística no espaço ciber�ético Não é de hoje que os aspectos estilísticos são analisados. Na História Antiga, quando ainda não havia um ramo científico determinado unicamente para o estudo dos recursos da retórica e dos poemas homéricos, a estética da linguagem já era de interesse de alguns pensadores. Com o tempo, o interesse aumentou e, hoje, a Estilística ocupa um espaço significante no campo das pesquisas linguísticas — tanto nos escritos arcaicos como na fala contemporânea. (MARTINS, 1989). Por falar em linguagem, esta tem, por si, um conceito muito amplo. Diferente do que muitos pensam, não é sinônimo de língua. A língua é apenas uma das formas como a linguagem pode ser proferida, mas é necessário ficar claro que a capacidade linguística é também aplicada a outros métodos de comunicação, como as placas de trânsito ou até mesmo o som dos animais. (PERINI, 2010). Uma abordagem mais complexa do sentido de linguagem, bem como a da função da língua, pode ser encontrada no seguinte trecho:

A linguagem é uma das faculdades cognitivas mais flexíveis e plásticas que são adaptáveis às mais diversas mudanças de comportamento além de res-

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ponsáveis pela disseminação das constantes transformações sociais, políticas, culturais geradas pela criatividade do ser humano. As inúmeras modificações nas formas e possibilidades de utilização da linguagem em geral e da língua, em particular, são reflexos incontestáveis das mudanças tecnológicas emergentes no mundo [...] (MARCUSCHI, 2005, p. 7).

Notamos que Marcuschi (2005) sugere que a linguagem — e também a língua, como parte da linguagem — é reflexo do desenvolvimento tecnológico no mundo. Eis a primeira amostra de que linguagem e tecnologia caminham unidas. Portanto, também é necessário lembrar que “a palavra tecnologia sugere objetos. Coisas complexas e feitas de átomos. Locomotivas a vapor, telefones, computadores, substâncias químicas e chips de silício”. (KELLY, 2007, p. 1). Por outro lado, não podemos nos esquecer de que, no século XXI, a conceituação de tecnologia é ainda mais ampla e “hoje, o termo tecnologia sugere softwares, engenharia genética, realidade virtual, banda larga, formas de vigilância e inteligência artificial”. (KELLY, 2007, p. 1). Compreendemos, até aqui, portanto, a ligação que há entre linguagem e tecnologia. Agora, vejamos como a estilística, em seu posto de disciplina linguística, acompanhou essa evolução. Na internet, por exemplo, assim como nas mensagens de texto produzidas em aparelhos de telefone celular, prevalece um estilo peculiar: o da abreviação generalizada das palavras. Isso ocorre, especialmente, pela praticidade que há ao escrever de forma simplificada e também pela economia de tempo na digitação. Não obstante, esse estilo também é uma a tentativa de reprodução da linguagem oral: a conversa realizada na internet, tanto em salas virtuais de bate-papo como em programas de mensagens instantâneas, é uma representação do diálogo informal que falante e ouvinte teriam um com o outro, se não estivessem distantes. (FREITAS; COSTA, 2009). Em entrevista concedida à revista Veja7, Maria Teresa Freitas (2009) relata que esse recurso linguístico de abreviação, no entanto, é menos comum 7

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Entrevista em meio eletrônico. Endereço disponível na página de referências.

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em tecnologias internéticas assíncronas, ou seja, quando a informação é transmitida em intervalos irregulares, permitindo, assim, uma melhor preparação do texto. É o caso dos e-mails, das postagens em blogs, das discussões em fóruns e dos recados deixados em perfis de redes sociais, mecanismo de comunicação que se assemelha à tradicional troca de cartas. Antes do surgimento da internet, contudo, já era possível notar essa forma de encurtamento de palavras, por meio dos telegramas. Assim como o celular, o valor do telegrama é computado pelo número de caracteres utilizados ao redigi-lo e, muitas vezes, optamos por cortar algumas letras ou substituir alguns morfemas justamente pela vantagem financeira. O que diferenciava, todavia, era que, no telegrama, mantinha-se o estilo culto de linguagem, respeitando, sempre que possível, o padrão ortográfico da língua. Diferente do que muitos pensam, esse estilo de linguagem não dificulta a compreensão por parte do receptor, exceto se este não dominar o contexto linguístico no qual o emissor está envolvido. Algumas abreviações são facilmente compreendidas, como vc (você), dps (depois), gnt (gente); mas há outras, geralmente importadas de outros idiomas, que acabam não sendo entendidas por todos os falantes: btw (a propósito), brb (já volto), lol (gargalhada). Além das abreviações, podemos classificar como objeto de possível rejeição a ortografia particular criada para a comunicação virtual. O uso de x no lugar de ch ou a substituição de ss por ç, por exemplo, pode causar estranhamento a quem não está acostumado com essa escrita simplificada, por representar erros gramaticais; entretanto, como esse desvio gramatical faz sentido, não pode ser considerado erro estilístico. Muito comum na estilística cibernética, além das abreviações e das substituições por aproximação fonética, é a ausência de sinais gráficos. Oxítonas, por exemplo, costumam ser identificadas pela letra h, presente após a 33

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sílaba, ou pela aparição do sufixo -aum: eh, soh, entaum. Quanto às paroxítonas e proparoxítonas, estas se tornam, na maioria dos casos, livres de acentuação. Outra peculiaridade bastante interessante é a aglutinação de letras e algarismos (ou símbolos matemáticos) para a formação de palavras, o que gera uma espécie de léxico alfanumérico. Esse recurso não é tão frequente quanto aos descritos anteriormente, mas é uma das maneiras existentes de simplificar a linguagem na internet. Temos como exemplos que atendem a esse caso: v6 (vocês), 9dade (novidade), t+ (até mais), s2 (amar, coração). Um elemento que também pode ser considerado estilístico na linguagem cibernética é o sistema de representação de emoções. Felicidade, tristeza, surpresa e demais sentimentos são apresentados com os chamados emoticons, isto é, junção de sinais de pontuação para formar uma espécie de rosto que demonstre a emoção do enunciador. Gritos, no entanto, são representados por texto em caixa-alta acompanhado (ou não) de pontos de interrogação e exclamação em excesso: SÉRIO????? SOCORRO!!!!!. Além de todos esses recursos estilísticos promulgados e expandidos com o uso da internet, em especial das redes sociais virtuais, ainda é possível identificar na linguagem cibernética os recursos estilísticos mais comuns: figuras, funções, vícios, estilemas, efeitos de sentido e demais fatores que zelam pela estética da expressividade. Portanto, a língua não se acidente, mas torna-se ainda mais viva com a presença do estilo internético. Para finalizar esse pensamento, no qual introduzimos as questões estilísticas no meio cibernético e apoiamos o estudo da estilística nesse meio, queremos mostrar concórdia ao importante raciocínio de que “a linguagem cibernética é usada como prática identitária para solicitar voz e mostrar o posicionamento do sujeito fluido e oprimido por políticas”. (CABRAL, 2011, p. 6). Contudo, mesmo sabendo que é possível encontrar riqueza estilística nos enunciados da internet e que os jovens são os principais responsáveis por 34

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essa (em definição) estilística cibernética, fica a dúvida: será que a estilística, com todas as suas vantagens, já é uma disciplina de conhecimento dos adolescentes?

1.5. A estilística como amiga (ou inimiga) dos adolescentes Pesquisas com o intuito de averiguar a relação amor-ódio que há entre os adolescentes e a estilística já foram aplicadas por outros autores. Um dos resultados recentes foi mais voltado para o ódio do que para o amor:

De acordo com a pesquisa de campo realizada numa Escola da rede Estadual, observa-se que a estranha nomenclatura das figuras de linguagem assusta quem procura estudá-las. Como se não bastasse, ainda são aplicadas a linguagens que os alunos não conhecem; tampouco dominam, na verdade, remotas à realidade discente. (PARENTE, 2008, p. 97).

Outra pesquisa, ainda mais interessante, inserida como dica de flexibilização na revista Nova Escola apontou que “o aluno com deficiência intelectual pode ter dificuldades em identificar os traços estilísticos do autor. Autistas, por exemplo, costumam ter dificuldades para compreender palavras que expressam sentimentos, assim como alguns adjetivos”. (CLETO, s/d, p. 1). Com base nessa ideia, realizamos uma pesquisa de campo com trinta e cinco jovens com idades entre 14 e 17 anos, estudantes do 1.º ano de ensino médio de uma escola pública, no município de Alumínio, interior do estado de São Paulo8. Não nos focamos, no entanto, em procurar entender qual a reação dos alunos perante a nomenclatura das figuras de linguagem, e sim na capacidade de desenvolvimento estilístico implícito em cada um. 8 A instituição em questão é a Escola Estadual Honorina Rios de Carvalho Mello, localizada na Rua Floriano Vieira, n.º 125, Jardim Progresso.

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Para que fosse possível colher bons resultados, foram apresentadas as seguintes questões, que deveriam ser respondidas de maneira pessoal, de forma dissertativa, sem limite mínimo ou máximo de linhas, com o fim de que os adolescentes se sentissem confortáveis com os questionamentos9: 1. Você sabe o que é estilística? 2. Você já ouviu falar em “figuras de linguagem”? 3. Você pensa nas palavras mais adequadas quando vai escrever? 4. O jeito que você escreve é único ou você geralmente se baseia em algo que leu/ouviu? 5. Você acredita que a impressão (de humor, de revolta, de sentimento) da pessoa que lê o que você escreveu é a mesma que você tem quando escreve? O que pudemos reparar na expressividade dos alunos, enquanto respondiam às questões, era que a maioria demonstrava insegurança pelo possível desconhecimento do assunto e que balbuciavam, entre si, uma provável relação entre a palavra estilística e o mundo da moda. Após analisadas as respostas, concluímos que apenas uma aluna mostrou ciência a respeito do termo “estilística” e acrescentou seu possível significado — “disciplina linguística que estuda os recursos afetivo-expressivos da língua” —, enquanto os outros trinta e quatro alunos relataram desconhecer a palavra. Entretanto, quinze desses alunos que responderam negativamente à primeira questão surpreenderam ao afirmar que conhecem o significado de “figuras de linguagem”. Um deles ainda acrescentou: “estudei no ano passado”. A aluna que havia respondido positivamente à primeira questão, repetiu o ato nesta segunda. E os outros dezenove alunos confessaram desconhecer tal recurso. 9 A pesquisa foi realizada em 02 de maio de 2012, no período vespertino, durante as aulas de língua portuguesa, em parceria da Profª. Antônia Marta Arruda Rosa.

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Quanto à terceira questão, apenas uma aluna respondeu com “não”. Seis jovens optaram por depende/às vezes, alegando que “em redes sociais escrevemos de uma forma e na escola escrevemos do jeito correto” ou com argumentos semelhantes. A grande maioria, formada por vinte e oito alunos, disse pensar nas palavras antes de escrevê-las e, como justificou um: “para sair uma bela escrita”. Sobre o fato da escrita particular, as respostas foram equilibradas: onze alunos afirmaram ter seu jeito único de escrever, enquanto onze disseram se basear em algo que leram: “Me baseio em livros das sagas Crepúsculo e Jogos Vorazes.” (sic). Treze, levando em consideração as respostas fornecidas, demonstraram não terem entendido o sentido da pergunta. Por fim, quando questionados sobre a transmissão de emoção por meio das palavras, notamos novamente o equilíbrio: quinze afirmaram que sim, é possível, enquanto quinze alegaram que não acreditam que possa ocorrer. Cinco escolheram “depende” como resposta e uma ainda acrescentou que “as vezes que escrevemos que estamos bravos no facebook, tem pessoas que acha engraçado e até curti” (sic). O que pudemos constatar com essa pesquisa foi que: (i) os adolescente mostraram já ter estudado noções de estilística em sala de aula, principalmente com relação às figuras de linguagem, mas não conhecem por esse termo; (ii) mesmo em um mundo onde prevalece a agilidade e a cultura do imediatismo, os adolescentes mostraram se preocupar com as palavras que escolhem na hora da escrita; (iii) todos definitivamente fazem uso da estilística da enunciação, embora não saibam desse fato. Após essa rápida e abrangente abertura, buscamos, nos próximos capítulos deste trabalho, adentrar melhor os conceitos aqui apresentados, bem como abordar maiores explicações a respeito de determinadas definições.

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2. As revoluções tecnolinguísticas A Linguística é a ciência responsável por estudar a linguagem humana, e disso não há objeções. O que gera discussão, de fato, é qual seria a definição mais precisa de linguagem. Podemos redigir centenas (e por que não milhares) de páginas sobre esse assunto, reunindo argumentos e ponto de vista de inúmeros estudiosos do assunto, mas a conclusão será sempre questionada pelos próximos que vierem a dissertar desse respeito. O melhor a se fazer, portanto, para estabelecermos um esclarecimento mínimo e darmos continuidade a este trabalho, é fazermos uso da conceituação mais básica, ou melhor, generalizada desse termo: a linguagem é a habilidade comunicativa que se desenvolve apoiando-se nos aspectos sociais, políticos e culturais. (MARCUSCHI, 2005). Desse ponto de vista, é possível subentender que, conforme a linguagem se molda no indivíduo, este vai acrescenta-lhe seu estilo particular. Todo pensamento, toda verbalização, toda manifestação linguística e, portanto, todo enunciado apresenta um estilo. Para analisar esse estilo e tirar qualquer tipo de conclusão, dispomos de uma série de elementos tanto de caráter enunciativos como de aspectos convencionais. Tais recursos estilísticos estão presentes desde o menor tipo de comunicação oral até uma postagem num site de relacionamentos. Veremos, neste capítulo, como a linguagem evoluiu, desde a pré-história até os dias atuais, retomaremos a discussão sobre estilística da enunciação e 39

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ampliaremos o ponto de vista a respeito da estilística cibernética, destacando o Facebook como a rede social mais utilizada.

2.1. Do ruído aust�alopiteco à cutucada do site de relacionamento Voltamos, aqui, a falar de linguagem. Desta vez, porém, não buscaremos localizar sua melhor definição e devanear sobre os mais diversos conceitos já propostos por diferentes autores. Nosso objetivo, agora, é apresentar quais suas principais características, como ela se divide e de que maneira fazemos uso dela. Também apresentaremos uma breve linha do tempo para expor desde sua forma mais primitiva até o contexto mais atual. Quando falamos em dividir a linguagem, logo pensamos em separá-la conforme sua tipologia mais abrangente: o modo verbal e o modo não verbal. Sabemos que “o primeiro organiza-se com base na linguagem duplamente articulada, que forma a língua, e o segundo envolve sentidos variados, como os visuais, auditivos, cinestésicos, olfativos e gustativos”. (GOMES, 2007, p. 50). Ao fazer um texto, um escritor usa a linguagem verbal. Um pintor costuma utilizar a linguagem não verbal, pois raramente usa palavras para criar um quadro, recorrendo mais a recursos relacionados à imagem. Já um ilustrador, quando cria uma charge com ilustração e legenda, emprega as duas linguagens: a verbal e a não verbal. (SARMENTO; TUFANO, 2004, p. 330).

Em resumo, relatamos que a linguagem verbal é toda aquela dita por meio de palavras, tanto na forma oral como na forma escrita, e que pode figurar tanto nas páginas de um valioso livro como até mesmo no cós de uma cueca. Já a linguagem não verbal é aquela feita sem intermédio da palavra, ou seja, por meio de gestos, ilustrações ou sonoridade. Encaixa-se nesse consenso desde o mais repentino bocejo até uma pintura de Van Gogh. 40

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Sylvain Auroux (1992 apud MARTINS, 2011) apresenta o termo tecnolinguística e o caracteriza com três grandes evoluções na linguagem: a primeira é a grafematização (o surgimento da escrita), que propôs reflexões sobre a linguagem; a segunda é a gramatização (a fundamentação da gramática e a alteração na relação de poder das línguas naturais), que contribui para o envolvimento entre diversas culturas; e a terceira é a digitalização da linguagem. A terceira manifestação tecnolinguística, que Auroux (1992) chama de digitalização, Gomes (2011) prefere definir como hipertextualização. Diferente do documento digitalizado, o hipertexto tem caráter totalmente virtual e seu elemento mais importante é a presença de links — que podem ser palavras, imagens, ícones, etc. e são capazes de remeter o leitor a outros textos. Antes de estudarmos a linguagem cibernética, no entanto, é necessário apresentarmos o conceito do prefixo ciber. Derivado do grego Kubernetes e designa a arte do controle, a pilotagem, o governo. Com o tempo, o prefixo ciber ganhou novas colocações: ciberespaço, cibereconomia, ciberliteratura... e todas estão inclusas na chamada cibercultura. No contexto de cibercultura, entretanto, o prefixo ciber não tem o significado de governo, domínio, e sim o de relação com a vida social, destinando a tudo aquilo que é eletrônico. Dessa forma, a linguagem cibernética compreende os diversos tipos de linguagem que compõem o espaço tecnológico, quer dizer, a informática. Para Martins (2011), a linguagem digital não se foca na relação sintaxe-espaço, ou seja, a construção do enunciado não tem mais em vista o lugar em que ela se passa, como vinha sido feito até então; ela focaliza a relação semântica-tempo, isto é, o sentido que o enunciado pode produzir no momento, já que a internet permite a comunicação instantânea e caráter universal. Nas palavras do autor: 41

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[...] a digitalização da linguagem, cuja principal característica seria a entropia e a consequente reticularização do significante linguístico, evidenciada pela emergência de relações de dependência constituídas predominantemente por fatores semântico-temporais (mais do que pela proximidade sintático -espacial), com repercussões sobre os usos e as práticas de reflexão sobre a linguagem. (MARTINS, 2011, p. 1).

Como percebemos, a oralidade foi complementada pela escrita que, por sua vez, foi acrescida de digitalização. Mesmo assim, não podemos considerar que cada etapa da tecnolingística seja uma era. Elas se fortalecem entre si e se mesclam, conceituando um avanço linguístico no século XXI. Nas palavras de Ferreira e Costa (2009):

[...] podemos dizer que oralidade, escrita e impressão não são eras, não correspondem de forma simples a épocas determinadas. As três, a cada instante e a cada lugar, se manifestam presentes e se misturam agora ao último polo, a informática, surgida no final do milênio. (FREITAS; COSTA, 2009, p. 17).

Finalizamos, assim, nossa pequena contribuição para a compreensão da linguagem humana, pincelando e fundamentando informações históricas e consensuais a respeito dessa faculdade cognitiva tão complexa. Passamos, agora, ao estudo da análise e compreensão do estilo de enunciados.

2.2. A estilística da enunciação: o Purgatório da ex�ressão Até o presente momento, neste trabalho, o que pudemos notar das definições de estilística foram as divergências entre os autores: enquanto alguns a tratam com exclusividade para o estudo da afetividade no idioma, outros querem aproximá-la da gramática descritiva. A verdade é que se torna realmente difícil conceituá-la com exatidão, visto que, ao mesmo tempo em que ela é 42

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uma ciência única, traz semelhanças e, em certos pontos, baseia-se em outras subáreas da linguística. Se é total e exclusivamente aplicada na língua, torna-se Gramática; se na fala, torna-se Sociolinguística. Se focada na produção, torna-se Linguística Textual; se na compreensão, torna-se Linguística Cognitiva. Se empreendida no dia a dia, torna-se Pragmática; se aplicada no aprofundamento do cotidiano, torna-se Semiótica. Se utilizada nos argumentos, torna-se Retórica; se nos detalhes, torna-se Estética. Comparamos, portanto, a Estilística com a linha tênue que faz a ligação entre esses ramos, em especial nos dois primeiros mencionados. Podemos inclusive nos basear na trilogia de Dante Alighieri e, em tom de Divina Comédia, dizer que: a Gramática, como condena qualquer enunciado que foge à regra, seria o Inferno; a Sociolinguística, como salva tudo o que foge às regras gramaticais, seria o Paraíso; e a Estilística, que admite certos desvios, mas questiona determinadas construções, seria o Purgatório. Mesmo como Purgatório, o espaço de análise da Estilística é bem amplo. Parente (2008), por exemplo, com base nos estudos de Monteiro (2005), consegue enumerar nove vertentes dessa ciência: (i) estilística retórica; (ii) estilística descritiva; (iii) estilística idealista; (iv) estilística estrutural; (v) estilística gerativa; (vi) estilística poética; (vii) estilística semiótica; (viii) estilística estatística; (ix) estilística discursiva. A estilística retórica, fundamentada na Retórica, ciência surgida na Antiguidade, visa dois recursos: o de analisar linguisticamente textos que seriam, a princípio, de caráter unicamente literário e o de transformar em função retórica textos que, aparentemente, trazem apenas a função poética10. A estilística descritiva é a mais convencional, que busca justificar os efeitos emotivos na linguagem, bem como o uso da linguagem para representar a emotividade. 10

Cf. função poética no item Funções de linguagem (3.5).

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A estilística idealista, que toma como base as ideias de estética de Benedetto Croce, trata o ser humano como a chave do conhecimento e, consequentemente, faz uma abordagem sistemática da poesia. A estilística estrutural se prende aos processos objetivos, tendo em vista a interferência do leitor e buscando fazer uso de fatos “marcados”, responsáveis por provocar surpresa e admiração. A estilística gerativa trabalha em conjunto com a gramática. Ela é responsável por analisar o enunciado de forma mais profunda, ou seja, localizar o que está implícito em um discurso superficial, constituindo, assim, uma nova lógica semântica. Para isso, são levadas em consideração as questões de gramaticalidade e agramaticalidade, aceitabilidade e não aceitabilidade. A estilística poética busca os recursos estilísticos para analisar a expressividade literária. Diferente da estilística retórica, que analisa a complexidade da produção textual, a poética se foca na beleza da construção, geralmente estabelecida pela acústica, pela articulação, pela semântica ou simplesmente pela escolha de palavras adequadas. A estilística semiótica se distingue da poética pelo fato de transcender os limites do verso e da prosa e localizar signos que não podem ser notados à primeira vista. A estilística estatística “recorre a métodos quantitativos no estudo do vocabulário de um autor ou de uma escola literária, a fim de chegar às palavras-chave”. (MOLITERNO, 2007, p. 31). Por fim, a estilística discursiva baseia-se na ideia de Bufon, de que “o estilo é o homem”, e se define em “um conjunto de textos ao qual subjaz o efeito de identidade obtido pelo exame da recorrência de um modo de dizer”. (DISCINI, 2007, p. 203). Martins (1989), no entanto, apresenta outros três tipos de estilística: a estilística funcional (relativa aos elementos básicos da comunicação), a estilística morfológica (relacionada à formação de palavras) e a estilística da enunciação. Esta última, como apresentada no primeiro capítulo11, trata dos aspectos verbais do 11

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Cf. item 1.3: Surge uma nova estilística: a estilística da enunciação.

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enunciado e da relação entre enunciador e interlocutor e pode ser averiguada tanto na linguística como na literatura. Bahktin (1997) descreve como a estilística pode contribuir para a análise de um enunciado:

A estilística [...], para determinar o estilo de um enunciado, leva em conta unicamente os seguintes fatores: o sistema da língua, o objeto do sentido e a pessoa do locutor com seu juízo de valor a respeito desse objeto. A escolha dos recursos linguísticos, de acordo com a concepção estilística habitual, efetua-se a partir de considerações acerca do objeto do sentido e da expressividade. É com base nesses aspectos que se determina um estilo, tanto um estilo da língua, quanto o estilo de um movimento ou o estilo individual. Assim temos, de um lado, o locutor com sua visão do mundo, seu juízo de valor e suas emoções, e, do outro, o objeto do seu discurso e o sistema da língua (os recursos linguísticos) — a partir daí se definirão o enunciado, seu estilo e sua composição. Tal é a concepção que reina absoluta.” (BAKHTIN, 1997, p. 316-7).

Assim, é possível afirmar que, para analisar estilisticamente uma enunciação, é preciso levar em conta tanto os recursos linguísticos presentes no enunciado como a visão de mundo por parte do enunciador. Ainda em Bakhtin (1997), “uma análise estilística que queira englobar todos os aspectos do estilo deve obrigatoriamente analisar o todo do enunciado e, obrigatoriamente, analisá-lo dentro da cadeia da comunicação verbal de que o enunciado é apenas um elo inalienável.” (BAKHTIN, 1997, p. 327). Além dos aspectos estilísticos convencionais12, Martins (1989) enumera alguns recursos que são exclusivos da — e essenciais para a — análise enunciativo-estilística: verbos de elocução (ou verbos dicendi); estilo direto (ou discurso direto); estilo indireto (ou discurso indireto); discurso indireto livre (ou discurso velado, ou direto impropriamente dito, ou discurso vivido); formas de tratamento; tratamento nominal; expressões substitutivas; vocativo. 12

Cf. capítulo 3: Os queridíssimos aspectos estilísticos convencionais.

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Os verbos de elocução, também chamados verbos dicendi, são os responsáveis por indicar a fala de alguém: falar, dizer, replicar, indagar, expressar, etc. Podemos encontrar exemplos desse recurso em diálogos literários, como: “— Boa noite, disse a serpente. / — Em que planeta me encontro? perguntou o principezinho.”13 Percebemos que os verbos disse e perguntou apenas indicam que a fala foi proferida pelo personagem e auxiliam na compreensão do enunciado. O estilo direto, também chamado discurso direto, é caracterizado por diálogos expressos pelo próprio personagem, sem intermédio do narrador. É o famoso “dois pontos, pula linha, parágrafo, travessão” do ensino básico. Vejamos o seguinte exemplo: O principezinho sentou-se numa pedra e ergueu os olhos para o céu: — As estrelas são todas iluminadas... Não será para que cada um possa um dia encontrar a sua? Olha o meu planeta: está justamente em cima de nós... Mas como está longe!14

Notamos, nesse fragmento, que o narrador faz a descrição do personagem, contando que este se encontra sentado em uma pedra e está levantando o olhar em direção ao céu. A fala que se segue, no entanto, é alocada ao próprio personagem — e a indicação é feita por intermédio dos dois pontos e o travessão na linha seguinte. Dessa forma, conceitua-se o estilo direto. Já o estilo indireto, também chamado discurso indireto, é semelhante, porém a fala do personagem fica implícita na narração. O narrador assume o posicionamento e acrescenta o ponto de vista do personagem em sua própria enunciação, como em: “Aí meu irmão fechou a cara e disse que não adiantava conversar comigo porque eu nunca dizia a verdade.”15 Aqui, o enunciador inclui a fala do irmão em seu próprio discurso, ou seja, de modo indireto. 13 14 15

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Excerto do livro O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry. Excerto do livro O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry. Excerto do livro A bolsa amarela, de Lygia Bojunga.

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Há também o discurso indireto livre, conhecido também por discurso velado, direto impropriamente dito e discurso vivido. Este tipo de discurso apresenta maior complexidade, visto que engloba tanto o discurso direto como o indireto em sua construção. Em outras palavras, a fala do personagem fica presente no discurso do enunciador, sem que haja indicação para isso. É como uma linha de fluxo de pensamento, o que muitas vezes dificulta discernir qual é a fala do narrador e qual é a fala do personagem. Tomemos como exemplo a narrativa de Dyonelio Machado: “A menina perambulava pela sala irritada e zangada. Eu não gosto disso! E parecia que ninguém a ouvia.” (WEISZ; BOAINAIN, 2010, p. 1). Percebemos, nesse exemplo, a presença do discurso direto (Não gosto disso — disse a menina em tom zangado) e do discurso indireto (A menina disse em tom zangado que não gostava daquilo). Ambos estão mesclados em uma só ideia, introduzida no discurso do narrador, gerando o discurso indireto livre. Outro recurso que a estilística da enunciação é responsável por notar são as formas de tratamento. Podemos conceituá-las como “formas substantivas de tratamento indireto de 2.ª pessoa que levam o verbo para a 3.ª pessoa”. (BECHARA, 2009, p. 165). São palavras como você (familiar), o senhor (cerimonioso), além das reverências que temos para com as pessoas, partindo dos atributos que possuem ou do posto que ocupam. Dessa forma, temos: Vossa Alteza (V. A.), para príncipes e duques; Vossa Eminência (V. E.), para cardeais; Vossa Excelência (V. Ex.ª), para pessoas de alta categoria; Vossa Magnificência, para reitores de universidade; Vossa Majestade (V. M.), para reis e imperadores; Vossa Mercê (V. M.cê), para pessoas de tratamento cerimonioso; Vossa Onipotência, para Deus; Vossa Reverendíssima (V. Rev.ma), para sacerdotes; e Vossa Senhoria (V. S.ª), para demais pessoas de cerimônia.

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Aproveitamos e enumeramos as observações feitas por Bechara (2009): 1.ª) Emprega-se Vossa Alteza (e demais) quando 2.ª pessoa, isto é, em relação a quem falamos; emprega-se Sua Alteza (e demais) quando 3.ª pessoa, isto é, em relação à de quem falamos. 2.ª) Usa-se Dom, abreviadamente D., junto ao nome próprio: D. Afonso, D. Henrique, D. Eugênio; às vezes aparece em autores junto a nome de família, mas esta prática deve ser evitada por contrariar a tradição da língua. Usa-se ainda D. junto a outro título: D. Prior, D. Abade, etc. 3.ª) Você, use usado familiarmente, é a redução da forma de reverência Vossa Mercê. Caindo o pronome vós em desuso, só usado nas orações e estilo solene, emprega-se vocês como o plural de tu. 4.ª) O substantivo gente, precedido do artigo a e em referência a um grupo de pessoas em que se inclui a quem fala, ou a esta sozinha, passa a pronome e se emprega fora da linguagem cerimoniosa. Em ambos os casos o verbo fica na 3.ª pessoa do singular [...]. 5.ª) Ainda continuam vivos em Portugal vós, vosso. (BECHARA, 2009, p. 166).

Na mesma linha das formas de tratamento, também há o tratamento nominal. São termos que substituem a 2.ª pessoa, como o senhor, o doutor, a amiga e afins. Temos, também, as expressões substitutivas em 1.ª pessoa. De uma maneira bem simples, elas são caracterizadas pela substituição de uma palavra por uma expressão que a represente. Em outras palavras, é como usar: este que lhe fala, este seu amigo, o papai aqui, entre outros, em vez de eu. Outro recurso é o vocativo, um termo que se caracteriza por chamar o próximo. Assim, o vocativo é um termo independente, sem ligação sintática com o restante da oração. (TUFANO; SARMENTO, 2004). Vejamos o exemplo a seguir, em que a palavra vovó só tem relação de chamamento: “— Vovó, por que é que o cachorro tem quatro pernas?”16 Por fim, a estilística da enunciação considera não só as características próprias do enunciado, mas também os demais aspectos estilísticos, estes já 16

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Excerto do livro Marcelo, Marmelo, Martelo, de Ruth Rocha.

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convencionais e constantemente estudados, como as figuras, os vícios, as funções, as leis e demais recursos que trataremos mais adiante.

2.3. O Facebook como diário do contemporâneo Uma rede social é composta por dois elementos: atores e suas conexões. Os atores são as pessoas ou instituições ou grupos (os “nós da rede”), enquanto as conexões são as interações ou entre essas pessoas. (WASSERMAN; FAUST, 1994; DEGENNE e FORSE, 1999 apud RECUERO, 2009). Para Recuero (2009, p. 24), as redes sociais são “uma metáfora para observar os padrões de conexão de um grupo social, a partir das conexões estabelecidas entre os diversos atores”. Lançada em 2004, uma das redes sociais de maior utilização na internet é o Facebook. Criado pelo norte-americano Mark Zuckerberg, enquanto aluno da Harvard, com o nome original de thefacebook, o site tinha como ideia inicial reunir jovens que estavam saindo do ensino secundário e adentrando a universidade. A intenção era facilitar o relacionamento social de jovens que, geralmente, mudam de cidade e são obrigados a iniciar um novo estilo de vida. No início, o Facebook era livre apenas para estudantes de Harvard e, posteriormente, foi aberto para escolas secundárias. (BOYD e ELLISON, 2007 apud RECUERO, 2009). Em resumo, é um site formado por comunidades e perfis, nos quais é possível habilitar módulos de aplicativos personalizados (ferramentas, jogos, etc.), de um modo mais privado do que outros sites de redes sociais, dado que apenas usuários podem visualizar perfis alheios. Segundo a Revista Veja, até abril de 2012, o Facebook havia superado a marca de 900 milhões de usuários, sendo 5% apenas de brasileiros17, e, em maio do mesmo ano, a empresa entrou para a bolsa de valores de Nova Iorque18. 17 Do artigo Facebook tem 900 milhões de usuários; 5% são brasileiros. Revista Veja. Disponível em: . Acesso em: 21 mai. 2012. 18 Do artigo Facebook celebra entrada na Bolsa ao estilo ‘hacker’. Revista Veja. Disponível em: . Acesso em: 21 mai. 2012.

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3. Os queridíssimos aspectos estilísticos convencionais Já dizia Bechara (2009) que “a Estilística é o passo mais decisivo, no estudo de uma língua, para a educação do sentimento estético e manifestação da competência expressiva”. Para atingirmos esse nível expressivo, no entanto, é necessário fazer uso de recursos de linguagem que são estudados pela ciência estilística. Neste capítulo, enumeramos os diversos aspectos estilísticos já consagrados pelos diversos estudos a seu respeito: estilemas, figuras de linguagem, vícios de linguagem, propriedades do estilo, funções de linguagem e leis da estética. Definimos brevemente conceito de cada recurso, bem como de seus subelementos, e exemplificamos, a partir daqui, com enunciados coletados no Facebook — site de relacionamentos no qual este trabalho se foca.

3.1. Estilema: este lema Dentre os recursos estilísticos mais comuns, encontramos o estilema. São muitas as maneiras de explanar acerca do assunto: enquanto alguns autores o tratam como recurso unicamente literário, ou seja, uma marca pessoal do autor (CEIA, 2010), outros o consideram como elemento subjetivo da linguagem, isto é, a afinidade eufemística ou hiperbólica com a língua (GIUSTI, 1991). Aqui, tomamos como mais adequado o argumento de Parente (2008). Segundo a autora, o estilema é, na verdade, uma idiossincrasia, ou seja, uma ca51

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racterística particular de determinada pessoa. O estilema pode aparecer tanto na escrita como na oralidade — neste último caso, enquadram-se os conhecidos bordões de televisão. Para a literatura, o estilema pode ser percebido por uma série de elementos: a forma como os autores utilizam as figuras de linguagem; a escolha por determinadas palavras; a caracterização física e psíquica (e consequentemente única) de algum personagem; a construção de diálogos marcantes; e os outros aspectos característicos do estilo (criação de neologismos, desvios propositais da norma-padrão da língua; adjetivação propícia; linguajar pessoal, etc.). Já para a linguística, os estilemas são apresentados em diferentes formatos: por intermédio da palavra, da imagem, do som e até mesmo do gesto. Todo tipo de linguagem tem sua maneira de se particularizar em determinados aspectos e, portanto, ocasionar na criação de estilemas. Vejamos, como exemplo para esta afirmação, algumas atualizações de status que fazem uso desse recurso:

Exemplo de estilema verbal.

Aqui, o enunciador fez uso do estilema “Para nossa alegria” como se fosse uma interjeição representativa de satisfação. Trata-se de um bordão que ficou famoso por meio de um vídeo da internet, em que uma família se reúne para cantar uma música gospel e um dos membros (o filho) berra o verso “Para nossa alegria”, comprometendo o ritmo da canção. O vídeo recebeu milhões de acessos nos primeiros dias em que ficou no ar e a citação “Para nossa alegria”, marca particular do garoto que pronunciou a frase, tornou-se nacionalmente repetida.

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Exemplo de estilema verbal.

Nesse segundo exemplo, notamos o estilema “Salve, salve!” como forma de interjeição de saudação. A dupla utilização do verbo “salvar” no imperativo é marca pessoal do apresentador Pedro Bial que, logo no início de seu programa, dá boas-vindas aos telespectadores de tal forma. Observemos, agora, por meio de fotos de perfis cadastrados no mesmo site de relacionamentos, como o estilema é capaz de aparecer no texto visual.

Exemplo de estilema visual.

Ronnie James Dio. Imagem da internet.

Neste primeiro exemplo, vemos como a garota faz uso do “chifrinhos do rock”, um sinal feito com os dedos que se originou de um show de Ronnie James Dio e, portanto, consagrou-se marca registrada não apenas do cantor como também do gênero musical em questão.

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Exemplo de estilema visual.

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Cartaz da série Glee. Imagem da internet.

Neste segundo exemplo, o rapaz se fotografa com o sinal da letra L, feito com as mãos, próximo à fronte. Essa característica é um estilema da série norte-americana de televisão Glee, em que os personagens usam esse recurso para designar o termo loser, ou seja, perdedor, fracassado — ou lesado, como alguns tradutores preferem utilizar para não descaracterizar o gesto. Além desses, também há o estilema do som — é impossível ouvir a melodia Tara’s Theme, por exemplo, sem se lembrar da cena do filme E o vento levou... ou, mais atualmente, do encontro casual entre o Professor Girafales e a Dona Florinda, no seriado Chaves — e o estilema do gesto — como o moonwalk, passo de dança que é a característica mais marcante do saudoso cantor norte-americano Michael Jackson.

3.2. Que figuram as figuras? As figuras de linguagem ou figuras de estilo, também chamadas metáboles (MONTEIRO, 1991), são os recursos estilísticos de maior interesse para o estudo desta ciência. Sua função é a de avivar a linguagem, já que elas servem para enfatizar, atenuar, ironizar ou simplesmente embelezar a expressão.

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Monteiro (1991) divide as metáboles em dois planos: plano da expressão e plano do conteúdo. No plano da expressão, encontram-se os metaplasmos (nível de morfologia e fonologia) e as metataxes (nível de sintaxe); no plano do conteúdo, encaixam-se os metassememas (nível de semântica) e os metalogismos (nível da lógica). Os metaplasmos são “as alterações ou desvios que incidem na forma das palavras, em sua constituição sonora [...] num nível morfofonológico” (MONTEIRO, 1991, p. 29). Assim, temos a aférese (supressão de fonema ou sílaba no início da palavra), a síncope (queda de fonema no meio do vocábulo), a apócope (supressão no fim da palavra), a prótese (aumento de fonema no início da palavra), a epêntese (acréscimo de fonema no meio do vocábulo) e o paragoge (aumento de fonema no fim da palavra). As metataxes são “desvios que afetam a estrutura sintática” (MONTEIRO, 1991, p. 38). Isso dificulta a diferenciação entre esse recurso proposital e os desvios gramaticais ocasionais, como as quebras das regras de concordância, de regência ou de construção. O valor da expressividade, no entanto, está no desvio a essas regras, e é isso que o legitima. Neste contexto, encaixariam a anáfora, o mesoteleuto, o poliptoto e figuras afins19. Os metassememas são considerados “uma figura que substitui um semema por outro, isto é, que modifica os conjuntos de semas do grau zero” (MONTEIRO, 1991, p. 41). Enquadram-se neste aspecto a sinédoque, a metáfora e o oximoro20. Os metalogismos são figuras que “rompem com os aspectos lógicos do discurso” (MONTEIRO, 1991, p. 43). Esse recurso vai de encontro ao que se espera da linguagem denotativa: coerência, concatenação entre as ideias. Assim, podemos classificar como metalogismos a hipérbole, a antítese, o eufemismo, a ironia e o paradoxo21. 19 20 21

Serão abordadas mais adiante. Idem. Idem.

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Essa divisão de Monteiro (1991), entretanto, não é a mais comum entre os estudiosos. Muitos optam pela divisão em três grandes grupos: figuras de palavras, figuras de construção e figuras de pensamento (CEGALLA, 2005, p. 614). Há alguns autores, ainda, que separam os grupos conforme a própria gramática: fônica, morfológica, sintática e semântica (BECHARA, 2009, p. 618). Para este trabalho, no entanto, utilizamos os estudos de Suhamy (s/d) e Ribeiro (s/d), que são os mais completos e detalhados com relação às figuras de linguagem. Dessa forma, dividimos as figuras em seis grandes grupos: os tropos, as figuras de repetição e de amplificação, as figuras de construção, as figuras de retórica, as elipses e as figuras de pensamento. Os tropos são figuras que transformam a significação das palavras, ou seja, a transfiguração da linguagem faz com que a expressão passe a pertencer ao sentido conotativo, também chamado sentido figurado. Listamos as figuras que fazem parte deste grupo, em ordem alfabética: • abstração: é a substituição de um substantivo concreto pela sua representação abstrata. Ex.: transparência gelatinosa (em vez de gelatina), leveza líquida e incolor (em vez de água), sapiência humana (em vez de professor). • alegoria: é a criação de uma narrativa totalmente ilusória, sem relação visível com a realidade, porém com uma ligação geralmente moralista. Ex.: as fábulas e apólogos, que costumam contar histórias de animais e objetos com características de seres humanos e que, normalmente, trazem alguma lição de moral. • antonomásia: é a substituição de um substantivo próprio pela qualidade que mais o identifica ou a atribuição desse nome para designar características semelhantes. Ex: o dono do baú (em vez de Sílvio Santos), a rainha dos baixinhos (em vez de Xuxa), a deusa do pop (em vez de Madonna), pintou um Picasso (em vez de quadro que se assemelha a uma obra de arte).

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• catacrese: é o chamado erro consagrado. São as palavras que perdem sua significação real e se emprestam para designar um novo sentido. Ex.: o braço do sofá (braço é uma parte do corpo humano e não tem ligação com o móvel estofado); a maçã do rosto (maçã é uma fruta e não tem relação com a face); o rapaz enfezado (enfezado é o adjetivo para designar aquele que está obstruído por fezes e não tem relação com o mau humor). • circunlóquio: é a inclusão de várias informações supérfluas para se chegar ao objetivo do enunciado, em vez de ir direto ao foco. Ex.: Eu falava àquele cuja presença se dá irremediavelmente em todos os momentos da minha vida e está sempre disposto a ouvir meus mais profundos problemas e prestar aconselhamentos carinhosos quando necessário. (em vez de meu melhor amigo). Muitos autores já consideram essa figura como um vício. • comparação: é a relação que se estabelece entre dois elementos ou entre duas características de um mesmo elemento, necessitando de conectivos para fazer a ligação. Ex.: Os contos são curtos como as crônicas; mas um livro de contos é tão grosso quanto um livro de romance. Geralmente é dividida em comparação simples e comparação por símile22. • dissonância: é a alteração no uso do tempo verbal, geralmente o imperfeito ocupa o lugar do perfeito, para indicar aproximação, prolongamento temporal ou outra característica afim. Ex.: nascia em 25 de julho (em vez de nasceu), ontem fazia sol (em vez de fez), falava comigo em outro idioma (em vez de falou). • emblema: é a característica (geralmente visual) que se atribui a certa função, a determinado órgão ou a algum indivíduo em especial, sendo de conhecimento de um grupo, uma região ou uma nação exclusiva. Ex.: O leão está multando aqueles que entregaram a declaração de imposto de renda atrasado. (em vez de Receita Federal). 22

Ver símile.

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• enálage: é a atribuição de uma nova classe morfológica imprópria para a palavra. Ex.: morrer o assustava (em vez de a morte — verbo no lugar de substantivo), levou um fora da namorada (em vez de uma recusa — advérbio no lugar de substantivo), isso é tão uau! (em vez de incrível — interjeição no lugar de adjetivo). • etimologismo: é a utilização de uma palavra em seu sentido de origem. Ex.: escreveu com estilo (com sentido de “punção ou estilete que servia para escrever em tabuinhas, antes da época do papel e da pena de ganso”23), a aula foi uma suruba (com sentido de boa24). • glossema: é a utilização de um termo menos conhecido, pouco comum para a comunicação informal. É uma catacrese invertida. Ex.: osso zigomático (em vez de maçã do rosto), golfo (em vez de braço de mar), enrustido (em vez de tímido). • hendiadine ou hendiadis: é a substituição de uma subordinação por uma coordenação ou um complemento. Ex.: fez a lição para boa nota (em vez de fez a lição, a fim de obter uma boa nota). • hipálage: é a adjetivação de um elemento próximo para designar a característica de outro. Ex.: o aroma quente do bolo (em vez de o aroma do bolo quente), o beijo chuvoso da noite (em vez de o beijo da noite chuvosa). • imagem: é a ilustração de algo na imaginação do leitor por meio de um elemento secundário. Ex.: os fios de cabelo louros, raios de sol que iluminavam minhas noites; a pele macia e clara, fofa neve que enfeitava minha paisagem; os olhos castanho-claros, amêndoas raras que davam sabor à minha vida. • implicação: é a adjetivação imprópria utilizada em lugar do complemento nominal. Ex.: estante livresca (em vez de estante de livros), capa televisiva (em vez de capa de televisão), mesa telefônica (em vez de mesa de telefone). Esta figura pode ser considerada, dependendo do ponto de vista, como um vício de linguagem. 23 24

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Segundo Pierre Guiraud. Ver Referências. Segundo Ozias Alves Jr. Ver Referências.

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• litote ou litotes: é a afirmação feita por meio de negação. Ex.: até que não estava ruim (em vez de estava bom), isso é uma coisa não correta (em vez de é errada), não rimos pouco (em vez de rimos muito). • metáfora: é a associação de duas ideias, resultando em uma imagem, sem a presença de um elemento conectivo. “Mais profunda que a Imagem, a Metáfora não tem por mérito somente projetar uma representação mental, mas também estimular o nível de interpretação do que está sendo expresso.” (HERGESEL, 2011, p. 60). Ex.: “Christine, grisalha, sucumbiu ao naufrágio de si mesma; Charles ficou petrificado até que o sumiço das ondas calasse seu coração.”25 • metalepse: é a afirmação feita por meio de negação com o objetivo de ser educado ou não querer desagradar. Ex.: não precisa falar tão baixo (em vez de fale mais alto), não quero incomodar mais (em vez de vou embora), não precisa mais continuar aqui (em vez de saia daqui). • metonímia: é a substituição de um elemento por algo que o caracteriza, geralmente por meio de contiguidade. Ex.: o cabelo branco merece ser respeitado (em vez de idoso), lerei uma Cecília Meireles (em vez de um livro de Cecília Meireles), ele tem um bom coração (em vez de bons predicados). • mito: é a narrativa alegórica na qual se acredita, ou seja, a invenção que se torna realidade sob certos pontos de vista. Ex.: o Mito da Caverna (inicialmente Alegoria da Caverna), de Platão, em que três homens habitavam a mesma caverna e não tinham conhecimento do mundo afora. Quando um deles se aventurou, saiu e viu a luz, foi assassinado após contar sua experiência, visto que seus colegas o consideraram louco. • nuance: é o emprego da 3.ª pessoa (geralmente um “título” que caracterize o indivíduo) para se referir à 2.ª pessoa. Ex.: o que a madama deseja? (em vez de você), a professora já deu muitas aulas hoje? (em vez de você), o doutor tem como dar um atestado? (em vez de você). 25

Excerto do conto Charles e Christine, de João Paulo Hergesel.

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• parábola: é a narrativa fictícia com caráter realista, geralmente com fundo moral religioso, normalmente encontrado na bíblia ou em livros derivados dela. Ex.: a Parábola do Semeador, do Evangelho de São João, em que um semeador espalha suas sementes por três terrenos: um entre pedras, um entre espinhos e um em terra fértil. A semestre não brota no pedroso; brota, mas morre, no espinhoso; e brota tranquilamente no terreno fértil. • patético: é a descrição de um tempo irreal, sem concordância lógica com o enunciado. Ex.: nasci amanhã (o verbo nascer, na primeira pessoa, obriga o pretérito), faça isso para ontem (a ordem não pode ser cumprida com retrocesso do tempo), agora já morri (o verbo morrer, na primeira pessoa, soa estranho no passado, principalmente quando combinado com um advérbio indicador de momento presente). • perífrase: é a designação descritiva que substitui uma palavra, sem que esse recurso seja realmente necessário. Ex.: a Cidade Maravilhosa (em vez de Rio de Janeiro), o Romeu e Julieta português (em vez de Amor de perdição), a grande luz que ilumina a manhã (em vez de sol). • pronominação: é a designação descritiva que substitui uma palavra, focandose especialmente no contexto mitológico ou legendário. Ex.: a Dama de Ferro (em vez de Idade Média), uma Esfinge (em vez de pessoa enigmática), uma Fênix (em vez de coisa rara). • prosopopeia ou personificação ou animismo: é a atribuição de características, estado e ações humanas para animais e objetos. Ex.: a Lua tocou o mar; as folhas beijaram o solo; a agulha cutucou o tecido; a manhã sorriu para os que acordaram cedo. • provérbio: é uma sentença ilusória ou realista, geralmente com fundo moral, de forma condensada e popularmente conhecida. Ex.: quem cochicha, o rabo espicha (incentivando o ato de parar de fazer fofocas); mais vale um pássaro 60

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na mão do que dois voando (apresentando os perigos da ganância); quem não tem cão caça com/como gato (mostrando que é preciso encontrar uma solução para quando se perde o apoio). • silepse: é a discordância de pessoa, gênero ou número, a fim de aprimorar a compreensão do enunciado. Ex.: todos os seres humanos somos imprevisíveis (em vez de são — o fato de usar a 1.ª pessoa do plural inclui o enunciador entre os “seres humanos”), a gente é fraco (em vez de é fraca — a presença do masculino generaliza o enunciado e inclui ambos os gêneros em “a gente”). • símbolo: é a representação (visual ou verbal) que se atribui a certo elemento e se consagra universalmente. Ex.: a cruz (para representar a igreja), a pomba (para representar a paz), a espada (para representar as forças armadas). • simbolismo: é a representação (visual ou verbal) que se atribui a certo elemento e, embora não seja oficial, já foi consagrado pelo uso. Ex.: lâmpada sobre a cabeça (para representar uma ideia), a escuridão (para representar o medo), as vestes escuras (para representar a morte e o luto). • símile: é a comparação entre dois elementos distintos e de naturezas diferentes, mas com aspectos similares. Ex.: seus dentes são como pérolas (dentes são partes do corpo humano; pérolas são pedras preciosas — mas ambos são brancos e brilhantes); sua voz é como veludo (voz é uma capacidade linguística do humano; veludo é um tipo de tecido — mas ambos são macios e aconchegantes). • sinédoque: é a substituição de um termo por outro, prevalecendo a ideia de “a parte pelo todo” e de “o todo pela parte”. Ex.: o bumbum arrebitado pousou no meu sofá (em vez de a pessoa com o bumbum arrebitado — a parte pelo todo), o Brasil está em festa (em vez de algumas pessoas no Brasil — o todo pela parte). • sinestesia: é a mistura entre os cinco sentidos (visão, audição, tato, olfato, paladar). Ex.: o cheiro da música (mesclando olfato e audição), a carícia da miragem (mesclando tato e visão), o sabor da brisa (mesclando paladar com tato). 61

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• sobrenome: é a substituição de um termo por um nome pessoal ou alcunha universalmente conhecida. Ex.: a terra do Tio Sam (em vez de Estados Unidos), o país de Camões (em vez de Portugal), o pomo de Adão (em vez de proeminência laríngea ou gogó). • zoomorfismo ou zoomorfização ou animalização: é a atribuição de característica, estado ou ações de animais irracionais ao comportamento humano. Ex.: a professora relinchou com os alunos; o rapaz levou um coice da namorada; ele ficou miando de dor; os grunhidos do velho mal-humorado.

Exemplo de silepse.

Salvo o desvio lexical na palavra dormir, que foi grafada como “durmir”, é possível perceber um caso de silepse na atualização de status recortada acima. “Segunda” é um substantivo feminino, no entanto, o adjetivo utilizado para descrevê-la ficou no masculino: “puxado”. Isso ocorreu pelo fato de que a descrição foi destinada ao dia (substantivo masculino), e não à “segunda” em si. As figuras de repetição e de amplificação são aquelas que não alteram o sentido das palavras nem dos sintagmas, diferenciando-se dos tropos. Mesmo assim, são responsáveis por metamorfosear a língua, por tratá-la como um material sonoro ou visual do qual é possível extrair efeitos expressivos. Listamos as figuras de repetição e de amplificação, em ordem alfabética: • aliteração: é a repetição próxima do mesmo fonema inicial. Ex.: o papai pediu para poupar (repetição do fonema [p]), três tigres tristes (repetição dos fonemas [t] e [r]), vejo vossos véus voando com o vento (repetição do fonema [v]). 62

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• anadiplose: é a repetição de um termo que se encontra no final de um verso/oração no início do verso/oração seguinte. Ex.: disse que sabia, sabia mesmo (a primeira oração é finalizada com o verbo sabia, e a segunda se inicia com o mesmo verbo). • anáfora: é a repetição de um termo no início de cada verso/oração. Ex.: fez um café, fez um bolo, fez um chá de camomila, fez uma bela recepção (todas as orações do período são iniciadas pelo verbo fez). • antanaclese: é a repetição da mesma palavra, porém com outro significado. Ex.: A imagem da tevê não reflete a imagem pessoal da atriz (no primeiro caso, imagem tem sentido de reprodução visual; no segundo, de conceito moral). • antepífora: é a repetição de um conjunto de palavras ou frases, em determinados momentos do enunciado, geralmente em textos poéticos. Ex.: “Ai, meu pai! Falta pouco... Ai, meu pai! Será que vão descobrir? Ai, meu pai!” Na poesia, também é chamado de refrão. • anticlímax: é a sequência de elementos, em caráter regressivo, como se, a cada termo, a intensidade do elemento decaísse. Ex.: acertou tudo... noventa por cento... metade... quase nada! (os números são menores, conforme sua aparição). • apofonia: é a repetição de vocábulos sonoramente similares, sem que possam ser considerados rima ou se encaixem nos conceitos de aliteração e assonância. Ex.: façamos uma pausa por causa da náusea; vomito palmito mal frito, maldito! • apóstrofe ou invocação: é a interrupção súbita feita em um momento inesperado. Ex.: “O cachorro andava tranquilamente quando... Caramba! Não viu o buraco.” • associação: é a repetição de uma ideia por meio de um aposto explicativo supérfluo para o enunciado. Ex.: o cachorro, animal quadrúpede doméstico, andava tranquilamente (há a explicação de o que é um cachorro, sem haja tal necessidade). 63

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• assonância: é a repetição dos sons vocálicos ao longo do verso/oração, sem que isso possa ser classificado como aliteração ou homeoteleuto. Ex.: o plim da minha pia é de água fria (há a repetição do fonema [i] e, posteriormente, da junção fonética [îa]). • batologia: é a repetição da ideia com finalidade de alcançar um aspecto rítmico. Ex.: o senhorzinho está vivo e ativo (as palavras vivo e ativo, nesse contexto, tem praticamente o mesmo significado, mas se encontram juntas para causar uma sonoridade mais bela na expressão). • calembur: é a repetição de sons semelhantes e que muitas vezes gera dificuldade na pronúncia. É uma figura que aparece muito nos trava línguas. Ex.: três pratos de trigo para três tigres tristes; casa suja, chão sujo. • clímax: é a sequência de elementos em caráter progressivo, como se, a cada termo, a intensidade do elemento amplificasse. Ex.: quero conhecer Taubaté... São Paulo... Brasil... a América... o mundo! (os territórios vão aumentando, conforme sua enumeração). • dador ético: é a utilização de um pronome pessoal oblíquo no lugar de um pronome adjetivo possessivo, a fim de amplificar a pessoa, e não o objeto. Ex.: vejam-me este sorriso (em vez de vejam este meu sorriso). • diáfora: é a repetição da mesma palavra, porém uma com sentido denotativo e outra com sentido conotativo. Ex.: ele é a cabeça da equipe, por isso está com a cabeça doendo (a primeira aparição de cabeça tem o sentido de chefe: conotativo; a segunda tem sentido de parte do corpo humano: denotativo). • enumeração ou seriação ou conglomeração: é a sequência de elementos, de forma simples. Ex.: na feira tinha maçã, banana, melão, abacate, cenoura; plantou uma rosa, um cravo, uma dália, um crisântemo, um lírio; comeu peixe, carne, frango, porco.

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• epanadiplose ou ciclo: é a repetição de um termo que está no início de um verso/oração no fim do verso/oração seguinte. Ex.: a estilística é a ciência que estuda o estilo e, por isso, chama-se estilística. • epanáfora: repetição da palavra em diferente contexto. Ex.: o osso que o cachorro roeu não era um osso do rapaz que foi enterrado na semana passada (o sentido da palavra osso é o mesmo, porém utilizado em situações diferentes). • epanalepse: é a repetição de um termo no início e o fim do verso/oração. Ex.: “traição é traição, romance é romance, amor é amor e um lance é um lance”26 (nas quatro orações do período, ocorre uma epanalepse). • epanode: é a repetição incansável de uma palavra ou uma expressão. Ex.: tinha café puro, café com leite, café cappuccino, achocolatado com café, bolo de café, café descafeinado e aroma de café em quase tudo. • epânodo: é a separação de dois termos que antes apareciam juntos. Ex.: veneramos o Sol e a Lua — o Sol que aquece nossa manhã, e a Lua que ilumina nossa noite. • epífora ou epístrofe: é a repetição de um termo no fim de cada verso/oração. Ex.: nasceu cachorro, cresceu cachorro, viveu cachorro e morreu cachorro (há a repetição da palavra cachorro em todo final de oração). • epizeuxe ou palilogia ou reduplicação: é a repetição da palavra, na mesma sequência. Ex.: ele martelou, martelou, martelou, até que o prego entrou; ficou muito, muito, muito feliz com sua chegada. • eufuísmo: é a utilização de palavras próximas com sons parecidos, mas que tem sentidos opostos. Ex.: sinto o gosto do mel e o desgosto do fel. • expelação: é a utilização de termos considerados supérfluos, mas gramaticalmente aceitos dentro da oração. Ex.: o que é que é isso? (em vez de o que é isso?), o que é que a baiana tem? (em vez de o que a baiana tem?). 26

Excerto da música Um pente é um pente, do grupo de funk Os Hawaianos.

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• gradação: é a sequência de ações, de forma simplificada. Ex.: ficou na frente da porta, deu três batidas, virou a maçaneta, abriu vagarosamente e entrou na casa; o ser humano nasce, cresce, reproduz-se e morre. • hipozeuxe ou subnecção: é a repetição intercalada da construção sintática, sem caráter sonoro. Ex.: “O gato é preto, mas não traz azar; a calça é velha, porém ainda tem charme.” (há quatro orações no período: a primeira formada por artigo, substantivo, verbo e adjetivo; a segunda é composta por conjunção, advérbio, verbo e substantivo; a terceira segue o mesmo esquema da primeira, e a quarta segue o padrão da segunda). • homeoteleuto ou homeoteleutes ou homeotelêuton: é a repetição da mesma sonoridade no final das palavras de um mesmo verso/oração. Ex.: eu aumento, acrescento, apimento, mas não invento (há a repetição do sufixo –ento). • justaposição: é o agrupamento de diversos termos de igual extensão e pertencentes à mesma categoria semântica. Ex.: os atletas ganharam medalha de bronze, taça de prata, troféu de ouro. • lugar-comum27: é a credibilidade de uma opinião, isto é, uma sentença subjetiva que é tida como verdadeira. Ex.: o sol é o astro-rei; Pelé é o melhor jogador de futebol brasileiro; quem muito abaixa mostra a bunda. • mesoteleuto: é a aparição de um determinado termo mencionado no início de um verso e que se repete e no meio e no fim do mesmo verso. Ex.: amor! para falar sobre as minúcias do amor, só o próprio amor. • palissada ou paliçada ou lapalissada ou lapaliçada: é uma afirmação tão evidente que se torna ridícula. Ex.: estava vivo antes de morrer; nasceu no Brasil e era brasileiro; abriu os olhos quando acordou.

27 A figura de linguagem lugar-comum assemelha-se ao vício de linguagem lugar-comum, visto que apresentam os mesmos aspectos. A diferença concentra-se no fato de que o lugar-comum (figura) é usado com efeito proposital ou faz uso de expressões pouco banais — diferentemente do lugar-comum (vício) em que as expressões já são desgastadas e não trazem novidade.

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• paralelismo: é a repetição da palavra, do som, da forma ou da sintaxe, de forma intercalada. Ex.: dê-me um beijo de princesa, que quero muito, e dou-te um bolo de cereja, que amas tanto (há quatro orações no período: a primeira formada por verbo, pronome, artigo, substantivo e locução adjetiva; a segunda comporta por conjunção, verbo, advérbio; a terceira repete a construção morfológica da primeira, e a quarta repete a segunda). • paradiástole: é a repetição da mesma sintaxe, mesmo ritmo e mesmo comprimento. Ex.: o pato é mudo, o rato é miúdo, o gato é tudo (há, nas três frases, a sequência: artigo, substantivo, verbo e adjetivo; também há rima e métrica entre as palavras). • paráfrase: é a repetição do que foi dito, mas com outras palavras. Ex.: meu progenitor faturou o prêmio máximo na loteria, ou seja, meu pai ganhou na megassena. • paronomásia ou annominatio ou paraquese: é a utilização de palavras próximas com sons parecidos, mas com sentidos diferentes. Ex.: a freira foi à feira; o sabiá sabia assobiar; mamãe, eu quero mamar. • perissologia: é a repetição de uma mesma ideia, de maneira supérflua, para reforçar o que está sendo expresso. Ex.: vi com os meus próprios olhos; é preciso andar com suas próprias pernas; está um breu escuro. • pleonasmo: é a repetição de uma mesma ideia ou apresentação do óbvio, para enfatizar ou ironizar o que está sendo expresso. Ex.: meus dentes mastigaram a refeição; calcei a chuteira no pé; ouvi um grito tão alto. • poliptote ou poliptoto ou derivação: é a repetição de palavras com o mesmo radical. Ex.: pegue a banana na bananeira; sonhou um sonho tão bem sonhado; o comilão comeu toda a comida. • polissíndeto ou multiligação: é a repetição de determinada conjunção na sentença. Ex.: acordei, e levantei, e tomei banho, e vesti uma roupa bonita (há a repetição da conjunção coordenativa aditiva e). 67

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• rima: é a repetição do som no meio ou final de dois versos/orações. Ex.: batatinha quando nasce espalha a rama pelo chão, menininha quando dorme põe a mão do coração (há a repetição das terminações –inha e –ão). • símploque ou símploce ou complexão: é a repetição da palavra no início e no fim de cada verso/oração. Ex.: sempre que penso em você, sempre que sonho com você, sempre que grito por você (há a repetição de sempre, no início das orações, e de você, no fim). • tautologia: é a repetição do que foi dito, mas com palavras que não ajudam a clarear o sentido. Ex.: ingerimos diclofenaco, quer dizer, um antipirético, ou melhor, um redutor de interleucina (em vez de dizer tomei um anti-inflamatório). • truísmo: é uma afirmação que não contém nada além do evidente e já banalizado. Ex.: o português é um idioma; os pés têm cinco dedos; galinha bota ovo.

Exemplo de epizeuxe e paradiástole.

No exemplo acima, notamos um caso de epizeuxe. O que nos chama atenção é que essa epizeuxe não se dá por repetição de uma palavra, mas sim de um termo: “sonho meu”. Isso revela que há também uma repetição de construção e, portanto, uma paradiástole: substantivo e pronome sendo mencionados de maneira duplicada. Esse fato de dizer o que foi dito anteriormente, da mesma maneira, gera um sentido de ênfase da ideia.

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As figuras de construção são uma intersecção das figuras de repetição e de amplificação. Diferem-se, no entanto, pois, “enquanto as repetições criam estruturas abertas, evolutivas, em movimento, as figuras que procuram esculpir a frase resultam em formas fechadas, involutivas, cujo estatismo é compensado pela conquista de uma dimensão espacial” (SUHAMY, s/d, p. 89). Listamos as figuras de construção, em ordem alfabética: • anástrofe: é uma inversão sintática pouco impactante. Ex.: a flor, da semente, brotou (em vez de a flor brotou da semente); a batata, debaixo da terra, cresceu (em vez de a batata cresceu debaixo da terra). • anteiságoge: é a comparação de um objeto com aquilo que ele não é, ao invés de compará-lo com aquilo que ele é. Ex.: um travesseiro nada tem a ver com um copo de água (os elementos x [travesseiro] e y [copo de água] não têm qualquer relação entre si). • cláusula ou cursus: é uma conclusão no verso/oração ou na estrofe/parágrafo ou no texto, que apresenta características poéticas. Ex.: “Entrou por uma porta. Saiu pela outra. Quem quiser que conte outra” (conclusão muito utilizada em contação de histórias). • dissimetria ou assimetria: é o desenvolvimento desequilibrado do verso/ oração. Ex.: ele pediu a pizza para não dividi-la com os amigos (em vez de algo como ele pediu a pizza, mas não pretende dividi-la com os amigos). • hipérbato: é a inversão sintática bastante impactante com o objetivo de atingir a poeticidade. Ex.: ouviram do Ipiranga as margens plácidas de um povo heroico o brado retumbante (em vez de as margens plácidas do Ipiranga ouviram o brado retumbante de um povo heroico). • histéron protéron ou histeriologia: é a inversão que afeta a ordem lógica ou cronológica dos fatos. Ex.: entrou em casa e chegou logo depois (pela ordem lógica, o correto é chegar para depois entrar). 69

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• inversão: é a inversão sintática, geralmente entre sujeito e predicado, sem afetar o entendimento. Ex.: nasceu o bebê (em vez de o bebê nasceu), voaram os pássaros (em vez de os pássaros voaram). • oximoro ou oximoron ou oxímoro ou antilogia: é a união de dois termos teoricamente incompatíveis. Ex.: corrida lenta; grito sussurrado; gigante baixinho. • prolepse ou antecipação ou hipóbole: é a manobra pela qual se contesta as objeções que são possíveis de prever. Ex.: levantarei desta maca agora... a anestesia já perdeu o efeito e eu já me sinto melhor. • quiasmo: é a inversão sintática em ABBA ou ABCCBA. Ex.: o menino viu o mar, o mar viu o menino (o elemento A [o menino], o elemento B [viu] e o elemento C [o mar] se formam uma representação de cruz). • reversão ou antimetábole: é a inversão sintática em ABBA com alteração do sentido. Ex.: “O rei dos vinhos, o vinho dos reis”28 (na primeira frase, a vinícola é vista como a mais importante; na segunda frase, o produto é visto como nobre). • ritmo: é o arranjo repetitivo das sílabas. Ex.: “Goiabada de banana, bananada de goiaba, goiabada de marmelo”29. • sínquise: é a construção frásica feita com inversão, hipérbato e anástrofe, que chega a obscurecer o sentido. Ex.: Um gato tinha Anita que de arranhar gostava (em vez de Anita tinha um gato gostava de arranhar). • tmese: é a utilização da mesóclise sem necessidade para tal, a não ser a produção de um efeito expressivo. Ex.: com relação às mesóclises, evitá-las -ei quando possível. • trocadilho ou jogo de palavras: é a utilização de palavras, abusando do seu sentido ambíguo. Ex.: “Suítes a partir de R$12,00 — ótimo para quem está 28 29

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Anúncio publicitário. Tema de abertura da série infantil Sítio do pica-pau amarelo.

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duro!”30 (propaganda de motel — o adjetivo duro ganha dois sentidos: o de economicamente falido [relacionando com o valor do aluguel do quarto] e o de ereto [relacionando com o órgão sexual masculino]). As figuras de retórica consistem em um grupo que apresenta dois importantes aspectos: “tudo que realça da acumulação e da descrição sugestiva” e “tudo o que tem um acento expressivo, teatral ou interiorizado” (SUMAHY, s/d, p. 107). Listamos as figuras de retórica, em ordem alfabética: • acumulação: é a construção de várias imagens provocadas por elementos que são propositalmente evocados. Ex.: Juro, estrela por estrela do céu, grão de areia por grão de areia do deserto, gota por gota do oceano, que tenho razão. • aposição: é a transformação, por meio de recursos gramaticais, de uma palavra em figura poética, quando aproximada da apóstrofe. Ex.: “Oh, pompa redondamente brilhante, amiga celeste de cintilação pública, aquece o coração do meu semelhante, deixa-me ouvir a voz que tomará conta de minha república. Acolhe a minha súplica!”31 • conglobação: é o acúmulo de argumentos ou até mesmo de figuras de linguagem, na tentativa de exemplificar minuciosamente o que está sendo dito. Ex.: “É bastante inquietante constatar que cada vez que a natureza dá a um ser, que parece inteligente, o instinto social, ao amplificar, ao organizar a vida em comum, que tem como ponto de partida a família [...]” (MAETERLINCK apud SUHAMY, s/d, p. 111). • disfemismo: é o fato de tornar ainda mais cruel uma situação já desgraçada, que poderia facilmente ser atenuada. Ex.: virou churrasquinho (em vez de morreu queimado); está na pança de uma baleia (em vez de seu barco naufragou).

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Anúncio publicitário. Excerto do conto Vera Verona, de João Paulo Hergesel.

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• epífrase ou epifonema: é enunciado exclamativo com o qual é possível finalizar um discurso. Ex.: “E tenho dito!”; “Que assim seja!”; “Sem mais a declarar”. • epíteto homérico: é o adjetivo composto responsável por dar ao texto um estilo literário. Ex.: tinha olhos castanho-púrpura. • epitocrasma ou epitocrasmo: é a enumeração excessiva de elementos em série, caracterizando um ritmo insistente e irregular. Ex.: aquele rapaz é louro, alto, atlético, trabalhador, respeitoso, humilde, simpático, honesto, fiel, culto, sorridente, amigável e inexistente. • eufemismo: é a capacidade de amenizar uma triste realidade. Ex.: está ao lado de Nosso Senhor Jesus Cristo, sendo rodeado por anjos de Deus (em vez morreu); está mais fofinha (em vez de engordou). • expolição ou expoliação: é a enumeração de diversos argumentos, resultando em uma leitura cansativa do enunciado. Ex.: acredite em mim, eu não diria isso se não fosse para seu bem, ouça o que estou falando, você vai me agradecer depois, confie nas minhas palavras. • harmonismo: é a combinação de sonoridades escolhidas, casadas, moduladas, com intenções sugestivas. Ex.: o cavalo galopou, tropeçou, desandou, capotou e se empacotou (é perceptível como o trote do cavalo fica notável na oração, quando dita em voz alta). • hipérbole ou auxese: é o exagero de uma determinada situação. Ex.: atravesso o país de joelhos só para estar ao seu lado; corri a mais de mil por hora para alcançar você; comi tanto que acho que vou explodir. • hipocorismo: é um artifício morfológico por meio do qual é possível demonstrar carinho ao utilizar diminutivos ou apelidos aparentemente depreciativos. Ex.: como eu amo esse meu gordinho (o adjetivo gordinho se trans-

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formou em manifestação de afeto); deixe de ser bobinho (o adjetivo bobinho ganha um sentido de companheirismo). • hipotipose ou enargia: é a descrição que não busca apenas identificar o objeto por meio da linguagem, mas também do processo de criação de imagem no leitor. Ex.: o cobertor felpudo e quentinho era macio, uma verdadeira nuvem. • interrogação ou pergunta de retórica: é a pergunta da qual não pretende obter ou dar qualquer resposta. Ex.: você acha isso bonito?; com quantos paus se faz uma canoa?; não tem vergonha na cara? • mitologismo: é a descrição por meio da substituição de determinada palavra por aquilo que a mitologia propunha. Ex.: recebeu a visita do Cupido (em vez de está apaixonado); Marte atacou novamente no Oriente Médio (em vez de guerra). • onomatopeia: é o uso de palavras para representar um som, da maneira mais aproximada possível, seja ele produzido por uma pessoa, um animal ou um objeto, seja inventado. Ex.: o trim do telefone acordou a jovem; pelo pocotó, sabia que o príncipe estava chegando; fez um splash ao cair na água. • parembola ou parembole: é uma espécie de corte no pensamento para indicar uma ação ou estado, assemelhando-se a rubricas teatrais. Ex.: olhei para a barata e — arrepiei — ela já estava morta. • parêntese ou parêntesis: é a inclusão de uma ideia, sem relação aparente com o contexto do enunciado, mas que busca acrescentar uma nova visão do enunciador. Ex.: toda vez que como peixe (por falar nisso, o preço da tilápia subiu), eu me sinto mais inteligente. • protosopopeia: é a invocação de uma ideia abstrata, de uma coisa ou um animal. Ex.: venha, poesia, fazer com que eu fique mais encantado.

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• sermocinação: é a invocação de um ser ausente, inexistente ou fictício. Ex.: ei, pessoa que mora dentro de mim, tome uma decisão. • subjeção: é a utilização de uma oração interrogativa onde poderia ser utilizada uma subordinada. Ex.: a peça, quando vai começar? (em vez de ninguém sabia quando a peça iria começar). • tapinose: é um tipo de sátira utilizado para exprimir uma ideia pejorativa sem que haja comprometimento por parte dos interlocutores. Ex.: ele não deve frequentar o grupo de etílicos anônimos (em vez de ele é um viciado em álcool).

Exemplo de onomatopeia.

Percebemos, nessa atualização de status, que o enunciador quis exprimir ojeriza, repulsa ou nojo a respeito de algo ou alguém que preferiu não identificar. Mesmo assim é possível identificar o sentimento, que é representado por uma palavra inventada: argh. Esse é um caso de onomatopeia, visto que argh é a tentativa de reproduzir, de forma mais realista possível, o som que uma pessoa emite quando está com nojo de alguma coisa. As elipses são figuras que sustentam a economia e a conivência, podendo substituir a articulação gramatical por uma ligação menos impactante e mais etérea, visto que se apoia na cumplicidade do receptor. Listamos as elipses, em ordem alfabética: • alusão: é a utilização de um verso/oração que exige o conhecimento do ouvinte para compreensão do que está enunciado. Ex.: aquela senhora 74

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já está se tornando Matusalém (é necessário levar em consideração que Matusalém é o personagem bíblico que morreu com mais anos de idade: viveu 969 anos). • anacoluto ou anocoluto: é a aparição de um novo verso/oração que desfoca o sentido do verso/oração principal. Ex.: a lua, quantos são os enamorados que a miram suspirosos, estava brilhante aquela noite. • anantapodotom: é a expressão de dois elementos, sendo que apenas o primeiro é exprimido inteiramente. Ex.: Ou você leva em consideração meus conselhos, ou pior para você (a segunda oração, “pior para você”, deixa implícito que haverá consequências). • apócope: é a supressão de um fonema ou sílaba no fim da palavra: mui (em vez de muito), facim (em vez de facinho). • assíndeto: é uma seriação de elementos, sem uso de conectivo. Ex.: Foi, voltou, foi de novo, ficou cansado. • braquilogia: é a redução de uma sentença ou uma palavra, mantendo seu sentido original. Ex.: a foto do auto ficou mara (em vez de a fotografia do automóvel ficou maravilhosa). • elipse: é a não utilização de elementos que deveriam estar presentes no enunciado. Ex.: a cada um o que é seu (em vez de a cada um deve-se dar o que é seu). • parataxe ou disjunção: é a colocação de uma série de palavras, suprindo o máximo possível os elementos de ligação. Ex.: Giovanni, tímido, envergonhado, poucos amigos, dificuldade de comunicação (em vez de Giovanni é tímido e envergonhado, tem poucos amigos e apresenta dificuldade de comunicação). • rotura ou ab-rupção ou aposiopese: é o termo interrompido por um silêncio e continuado por uma digressão. Ex.: toda vez que escurecia... quando escurecia, o sono vinha tão violento! 75

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• zeugma ou zeugme ou ligação: é o termo que participa de dois enunciados, mas está expresso em apenas um deles. Ex.: o gato era preto, o cachorro, branco (há a supressão do verbo era, na segunda frase). As figuras de pensamento têm uma definição bastante discutida pelos autores, mas prevalece a ideia de elas “desenvolvem-se num maior espaço e não dependem de processos formais e semânticos precisos” (SUHAMY, s/d, p. 139). Listamos as figuras de pensamento, em ordem alfabética: • aforismo: é a citação com preceito moral que se tronou consagrada. Ex.: seria cômico, se não fosse trágico; o que seria do pobre vaga-lume, sem a noite escura?; o sonho é o pensamento em férias. • antiparástase: é a argumentação por meio da qual se tenta reverter a parte mais frágil do discurso em seu favor. Ex.: viemos pedir mais verbas para a construção do prédio, mas não pense que é só porque queremos, é porque precisamos. • antítese: é a aproximação de termos opostos. Ex.: meu cabelo é claro, mas os olhos são escuros; meu vestido é branco, e meus sapatos são pretos; a mãe é gordona, mas a filha é magrinha. • antorismo: é a réplica que retoma de modo áspero as falas de um adversário. Ex.: você disse que não gosta de mexericas, disse bem, VOCÊ não gosta delas, então, não inclua os demais nessa sua fala. • apodioxis ou apodioxe: é a rejeição de um argumento, para evitar a discussão. Ex.: quer dizer que, no seu ponto de vista, o camelo tem três patas? Mas o meu é deficiente e tem quatro. • aporia ou dúvida: é a fase do discurso durante a qual se coloca algo em dúvida. Ex.: paguei oitenta reais... ou foram noventa?... só neste livro técnico. 76

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• associação: é a inclusão de si como destinatário, com a finalidade de generalizar o comentário ou atenuar a autocrítica. Ex.: particularmente, pensamos que isso não condiz com nossa realidade. • asteísmo ou ateísmo: é o fato de fazer um elogio, utilizando palavras comumente utilizadas para críticas. Ex.: o seu livro é um atentado terrorista ao meu sono (ou seja, o enredo é tão bom que o leitor mal consegue dormir por querer continuar lendo). • concessão ou paramologia: é a percepção de que os argumentos contrários estão bem fundamentados, a ponto de saber desacordá-los, se necessário, de forma cabível. Ex.: já que, na sua opinião, o arroz está ruim, o feijão está queimado e o bife está duro, por que insiste em almoçar aqui? • contrafissão ou contrafisão: é o aconselhamento feito ao usar palavras que querem significar o sentido oposto. Ex.: fique aqui e morra solitário! (em vez de saia daqui para conhecer gente nova). • comunicação: é a persuasão mais eficaz possível contra (ou a) quem se fala. Ex.: você nunca saberá o bem que isso lhe fará, se não quiser usá-lo. • correção: é o ato de retomar o que acabou de ser dito, com o propósito de corrigir ou explicar melhor o enunciado. Ex.: ele era um homem velho, ou melhor, o homem mais velho que já conheci. • deliberação: é o momento em que uma discussão começa a se resolver. Ex.: como você conseguiu justificar todos os erros, acreditarei que o que fez foi de forma ingênua e perdoarei suas atitudes. • deprecação: é a situação em que o assunto trágico ou calamitoso é desviado por meio de uma oração ou outra forma de invocação a seres divinos. Ex.: o carro bateu tão severamente, que Nossa Senhora proteja os passageiros!

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• diasirme: é a capacidade de utilizar as palavras, querendo dizer o sentido oposto, mas de maneira que, proposital ou ocasionalmente, torna-se grosseira. Ex.: que linda sua cara de bunda! (para dizer que a cara não está linda). • imprecação: é o ato de rogar uma praga ou exprimir um desejo de vingança ou um desabafo de raiva. Ex.: quero que seu intestino vire uma cobra e engula seus órgãos internos. • ironia: é a pretensão de sugerir o oposto daquilo que se diz com as palavras. Ex.: é tão inteligente que foi salvar um arquivo e excluiu todo o resto (diz-se que foi inteligente, ao invés de dizer ignorante). • optação: é o desejo expresso de forma encantada, em especial desenvolvida de modo lírico. Ex.: sim salabim, fique amável para mim! • paradoxo: é a aproximação de duas ideias antagônicas para um mesmo elemento. Ex.: “é ferida que dói e não se sente [...] é dor que desatina sem doer” (versos extraídos do soneto de Camões). • pariponoïan ou pariponoian: é a fuga exacerbada da lógica, embora com caráter gramaticalmente aceito pela língua. Ex.: macacos de mesas amarelas dançam encadernados nas quintas-feiras de Marte. • parrésia ou licença: é a fala irrestrita, uma disparada de ideias, sem preocupação com os termos utilizados. Ex.: Você entra aqui, do nada, e se diz professor, mas fica aí, parado, e, tipo, não põe ordem nessa sala! • permissão ou epitropo ou epítrope: é a provocação que se faz com o intuito de que o destinatário mantenha a vilania e a obscenidade. Ex.: Isso! Mostre a ele quem é que manda aqui. • precaução: é a interrupção que se faz com a intenção de limitar o assunto discorrido. Ex.: quanto à minha virgindade, isso é outra história.

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• preterição ou pretermissão: é o uso da negação de um assunto para discorrer exatamente a respeito do tal. Ex.: não é nossa intenção falar sobre este candidato a vereador, que tanto fez pela nossa cidade, autorizando verbas, criando projetos e buscando melhorias para o povo e para o meio ambiente em que vivemos. • queleuasmo ou cleuasmo ou autocategorema ou prospoiesa ou prospolese: é a confissão feita com a intenção de defender uma ideia ou um ponto de vista. Ex.: se eu não quebrasse a janela, não havia como salvar o bebê (há a confissão da quebra da janela, mas ela se justifica pelo salvamento de uma vida alheia). • rejeição: é o ato de evitar um assunto para retomá-lo a seguir. Ex.: não quero falar o que sinto para ela... ainda a amo totalmente. • retroação ou epanartose: é a retomada naquilo que acabou de ser dito, de forma irônica, com o propósito de contradizer o primeiro argumento. Ex.: você é uma boa pessoa, só que ainda não conheci esse seu lado. • sincorese: é o contra-argumento feito de forma irônica, após postos de vistas bem elaborados. Ex.: dado que o meliante assaltou um banco, furtou uma Kombi e infringiu as leis de trânsito, notamos os benefícios que ele trará à comunidade, se continuar em liberdade.

Exemplo de ironia.

É evidente que a palavra lindo, neste caso, não foi utilizada em seu sentido original, de algo belo e encantador, mas sim em sentido irônico. A ironia torna-se perceptível no enunciado devido ao que se segue após o adjetivo, que é uma expressão de revolta (um desconforto ocasionado pela lentidão no carregamento do site de relacionamentos) por parte do enunciador. 79

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Além dessas figuras, Todorov (2006) ainda defende a existência do corretivo. Esta, por sua vez, é a figura presente quando não é possível localizar figuras de linguagem em um enunciado. Notemos, como método para frisar a função e o uso das figuras de linguagem, de que forma elas se mostram presentes nas atualizações de status abaixo:

Exemplo de enumeração, reticências, interrogação, onomatopeia, elipse.

A enumeração ocorre na primeira frase, com a colocação de vários elementos de forma justaposta — “MC, Subway, Pizza hut...” —, para indicar os vários lugares por onde o enunciador passou. É seguido de reticências, pois tem como propósito mostrar que há outros estabelecimentos incluídos nesta lista, aumentando, assim, o foco na quantidade, que passou a ser incomensurável. Há uma interrogação, utilizada como questionamento pessoal — “Aonde vamos parar desse jeito??” — com o objetivo de provocar uma autorreflexão a respeito das ações que têm sido feitas. Segue-se de uma onomatopeia — “huahuahuha” — que expressa um riso estrambótico e, por fim, de uma elipse em “Muitas aventuras de brasileiros!!”, que omite um verbo ou outro elemento de apresentação (como São muitas...; Ocorrem muitas...; Vivemos muitas...; etc.)

Exemplo de reticências.

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O uso das reticências, ao final do enunciado, não tem o propósito de indicar outras ideias, e sim o de propor uma reflexão nos interlocutores e controlar o ritmo pausado da sentença. Funciona também como artifício para dizer o que gostaria de dizer, sem utilizar as palavras mais objetivas para isso.

Exemplo de zeugma.

No último período — “Vamos ver quantos estão!!!” — é notável o uso do zeugma, após o verbo de ligação, da palavra “online”, conforme apresentada no período anterior, o que permite, portanto, sua omissão.

Exemplo de homeoteleuto, paradoxo, elipse e interrogação.

Há, no primeiro período, um exemplo de homeoteleuto, pois as palavras despedi (1.ª oração) e aqui (2.ª oração) contêm a mesma assonância final e provoca uma rima interna (possivelmente proposital) no enunciado. Também é um caso de paradoxo, visto que o verbo despedir(-se) tem como significado o ato de ir embora e o “tô aqui” indica que o enunciador desistiu da atitude anunciada. Ainda na primeira oração, notamos a elipse do pronome reflexivo me, visto que, quando o verbo despedir assume caráter intransitivo, a presença do pro-

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nome é gramaticalmente obrigatória (mas sua omissão é estilisticamente aceita, dependendo do contexto). Outra elipse ocorre no segundo período — “Quem nunca né?” —, em que um elemento conclusivo (Quem nunca fez isso, né?) não é expresso, mas fica subentendido. Por fim, o período se encerra com uma interrogação que não tem caráter de questionamento, e sim de afirmação: usa-se a pergunta retórica para afirmar que, de fato, todo mundo (ou pelo menos todos os interlocutores) já passou por uma situação semelhante à apresentada pelo enunciador.

Exemplo de antítese, truísmo e onomatopeia.

Salva a contração do verbo imagine (“magine”), o desvio ortográfico nos verbos amam e odeiam (“amão” e “odeião”) e a falta de pontuação, notamos a presença de uma antítese, um truísmo e, para finalizar, uma onomatopeia. A antítese fica presente nos verbos recém-mencionados (amar/odiar), enquanto o truísmo fica a encargo da expressão “quem dera”, já banalizada. A onomatopeia é, por sua vez, a representação do riso com a repetição gráfica do fonema [k].

Exemplo de hipérbole e metonímia.

Vemos, neste enunciado, um exemplo de hipérbole na palavra “overdose” e um exemplo de metonímia (o personagem pela obra) em “Calvin”. O uso da hipérbole justifica-se no desejo exacerbado do enunciador no objeto desejado, e o 82

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uso da metonímia facilita e generaliza a obra escolhida (qualquer livro/quadrinhos com o personagem Calvin).

Exemplo de litotes.

Em vez de afirmar a opinião de que palhaços são chatos, o enunciador faz uso do litotes, negando que palhaços são legais e provocando o mesmo significado, mas com atenuação da expressão.

Exemplo de prosopopeia, símbolo e homeoteleuto.

O enunciado se inicia com uma prosopopeia, destinando ações e características humanas ao coração, que é um órgão do corpo humano. O uso desta prosopopeia justifica-se pelo símbolo que é gerado: o coração é uma analogia ao amor, ao sentimento fraterno-conjugal que o enunciador sente por outrem. Nesse meio, podemos notar também um homeoteleuto, com a combinação rítmica entre cansado e torturado.

Exemplo de comparação e provérbio.

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Notamos, aqui, uma comparação simples, provocada por oração subordinada adverbial comparativa: “[...] caminham por aí como se fossem velhos sábios”. Também identificamos um provérbio, também considerado ditado popular, em “pisam em ovos”.

Exemplo de ironia.

O enunciado completo é um sarcasmo, que resulta na figura de linguagem conhecida como ironia. A segunda oração (na qual se apresentam os desejos do enunciador — que são, por sua vez, coisas almejadas pela maioria das pessoas) contradiz, em certo aspecto, o que é dito na primeira (de não querer muito da vida).

Exemplo de sinédoque e protosopopeia.

Percebemos neste exemplo como a sinédoque e a protosopopeia podem se unir para interferir na estilística de um enunciado. A sinédoque (o todo pela parte) presente na palavra “Face” indica que o enunciado é dirigido a todos os usuários do Facebook. Isso faz com que a invocação se destine a um ser abstrato e inanimado (uma rede social virtual) e provoca uma protosopopeia.

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Exemplo de expelação.

O uso de “Como é que é” em vez de simplesmente “Como é” gera o que é conhecido como expelação. Não há erro gramatical, nem fator linguístico que seja contra tal construção sintática; no entanto, a escolha pela extensão em vez do simplismo representa unicamente uma unidade estilística.

3.3. Vício, para que te quero? Após apresentarmos as figuras de linguagem, responsáveis por realçar a beleza na mensagem emitida, vimos explanar a respeito dos vícios (ou desvios) de linguagem, que representam o oposto, ou seja, as inadequações sofridas pela língua tanto na pronúncia como na escrita. São, portanto, um dos maiores encontros entre a estilística e a gramática normativa. Para Monteiro (1991, p. 162), “há um padrão linguístico a ser observado. Se alguém deseja escrever, deve seguir essa norma [...] Existem regras de organização frasal que precisam ser respeitadas, para que o texto possa ser considerado correto”. Sacconi (1994) conceitua os vícios de linguagem como sendo os “desvios das normas gramaticais” (p. 477) e discorre mais amplamente sobre o assunto. O primeiro vício de linguagem enumerado por Sacconi (1994) é o barbarismo. É considerado barbarismo tudo que se refere ao erro na formação da palavra, seja do ponto de vista ortográfico, lexical ou semântico. Para esclarecer melhor esse vício, o autor classifica o barbarismo em quatro tipos, os quais recebem diferentes nomes.

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O barbarismo ortoépico ou cacoépia consiste no erro cometido devido à pronúncia viciosa. É o caso de inserir pontuação onde não existe ou alterar letras conforme a variação linguística. Alguns exemplos de cacoépia muito comuns são: côco (circunflexo inadequado sobre a sílaba tônica), galfo (substituição do r por l), carça (substituição de l por r), trabisseiro (substituição de ve por bi). O barbarismo prosódico ou silabada consiste na alteração indevida do acento tônico da palavra, constituindo em erro de pronúncia ou grafia. Eis os exemplos de silabada mais comuns: rúbrica (onde deveria ser rubrica), récorde (onde deveria ser recorde), Nóbel (onde deveria ser Nobel). O barbarismo gráfico/flexional ou cacografia ou cacografismo consiste no erro de ortografia, de modo geral. Compreende empregar letras com fonemas semelhantes por desconhecimento ou descuido. Alguns exemplos comuns de cacografia são: geito (em vez de jeito), beringela (em vez de berinjela), excessão (em vez de exceção). O barbarismo semântico ou deslize consiste na utilização de um termo com sentido diferente do real ou na substituição de uma expressão aproximada, por semelhança no entendimento ou por consagração popular. Alguns exemplos com os quais nos deparamos cotidianamente são: valeu apenas (em vez de valeu a pena), cuspido e escarrado (em vez de esculpido em carrara). Além desses quatro tipos de barbarismo propostos por Sacconi (1994), também podemos listar outros dois: o barbarismo morfológico e o barbarismo mórfico. (BASTOS, 2003). O barbarismo morfológico ocorre quando há erro de concordância quanto à classe de palavras, podendo ser no gênero do artigo, no número do substantivo, na flexão do verbo, etc. Alguns exemplos mais comuns são: o alface (em vez de a alface), tinha pego (em vez de tinha pegado), cidadões (em vez de cidadãos), entreteu (em vez de entreteve). O barbarismo mórfico diz respeito à estrutura da palavra, ou seja, o desvio da linguagem se encontra no afixo. Assim, isso ocorre quando o sufixo ou o prefixou 86

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é inserido por comodidade, sem atenção às regras da língua. É o caso de rível (em vez de risível), jornalteca (em vez de hemeroteca), inusual (em vez de não usual ou fora de uso). Vejamos, no contexto cibernético, como o barbarismo se apresenta:

Exemplo de barbarismo gráfico.

Notamos, aqui, um caso de cacografia, visto que a locução “com certeza” é grafada como uma palavra única: concerteza e, por isso, se torna um erro de ortografia. Esse desvio ortográfico, cometido por descuido ou mesmo desconhecimento da norma correta, acarreta no afeamento da expressividade do enunciador.

Exemplo de barbarismo semântico.

Aqui, percebemos um caso de deslize, já que a locução “a gente” é grafada como palavra única: agente e, por isso, ganha um novo sentido. Em vez de se referir à primeira pessoa do plural, o enunciador fez menção ao funcionário de uma agência ou à pessoa responsável por colher informações alheias. Outro vício de linguagem que muitos consideram como uma derivação do barbarismo é o estrangeirismo. Esse vício consiste no uso de palavras (estrangeirismo morfológico) ou expressões (estrangeirismo sintático) importadas de outros idiomas, sendo que há um termo correspondente na língua portuguesa. No

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caso de estrangeirismos aportuguesados, estes deixam de ser considerados vícios de linguagem, desde que não exista outro vocábulo pelo qual possam ser substituídos. Sacconi divide os estrangeirismos em seis diferentes tipos. O galicismo ou francesismo corresponde aos termos provindos da língua francesa: ballet (em vez de balé); champagne (em vez de champanha), toilette (em vez de banheiro — neste caso, por existir referência na língua portuguesa, o aportuguesamento “toalete” também é considerado estrangeirismo), entrega a domicílio (em vez de entrega em domicílio — o uso da preposição “a” e característico do francês). A própria indústria fonográfica brasileira induziu um forte exemplo de galicismo ao lançar na mídia o grupo musical feminino Rouge, em vez de adequar à grafia portuguesa ruge. O uso constante dos galicismos pode ser justificado pelo fato de Brasil e França terem mantido estreitas relações culturais no passado. O anglicismo diz respeito às palavras e locuções emprestadas da língua inglesa: basket (em vez de basquete), hot dog (em vez de cachorro-quente), open bar (em vez de bebida grátis). As emissoras de televisão consagram o uso de anglicismo ao disseminar expressões como reality show (em vez de exibição com abordagem realística) e ao nomear seus programas como Big Brother (em vez de grande irmão) ou suas novelas como Dancin’ Days (em vez de dias dançantes). O germanismo é conferido aos vocábulos e expressões originárias da língua alemã: blitz (em vez de abordagem policial), chimia (em vez de geleia), chucrute (em vez de repolho em conserva). A indústria petrolífera propagou um grande germanismo no Brasil ao batizar o óleo provindo do petróleo de diesel (em vez de gasóleo, forma adotada pelos demais países lusófonos). O italianismo é a nomenclatura dada às inserções no idioma que se derivam da língua italiana: regata (em vez de camiseta sem mangas), cascata (em vez de cachoeira), à capela (em vez de sem acompanhamento), repetir de ano (em vez de repetir o ano — a utilização da preposição “de” é característica do italiano). 88

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Os restaurantes e supermercados festejam a gastronomia italiana com italianismos, ao utilizar mozzarella (em vez de muçarela), parmegiana (em vez de com queijo parmesão). Chamamos latinismo o uso de termos que provêm da língua latina: curriculum (em vez currículo), superávit (em vez de lucro elevado), status (em vez de prestígio, renome ou, com a inovação tecnológica, condição momentânea). A ciência, o direito e até mesmo a linguagem acadêmica faz uso constante de latinismo, em casos como habeas corpus (em vez de liberdade provisória), apud (em vez de em) e sic (em vez de exatamente assim). Para finalizar a linha de pensamento sacconiana, temos também o espanholismo, também chamado castelhanismo, que correspondem às expressões e vocábulos trazidos da língua espanhola: escombro (em vez de destroço), arriba (em vez de acima), papi (em vez de papai). Na fala popular, é comum verificarmos diminutivos formados pelo sufixo “–ito”, característica própria do espanhol, como em bonequito, pequenito, Mariquita. As telenovelas latinas são responsáveis por boa parte dos castelhanismos que conhecemos, como Pícara (em vez de ardilosa) ou Chiquititas (em vez de garotinhas). Além desses seis tipos de estrangeirismos, podemos tranquilamente ressaltar outros casos. (BASTOS, 2003). Os termos provindos de línguas indígenas, por exemplo, são classificados como indianismo ou tupinismo, sendo este último exclusivo da língua tupi-guarani. É o caso de mirim (em vez de infantil), iara (em vez de sereia), boitatá (em vez de fogo-fátuo). A presença de indianismos em nomes de cidades é notável, como Sorocaba (em vez de terra rasgada), Itu (em vez de cachoeira) e Votorantim (em vez de grande espuma branca). O eslavismo trata de todas as palavras e expressões de origem eslava, ou seja, das línguas polaca, tcheca, eslovaca, búlgara, croata, eslovena, serva, russa e ucraniana. É o caso de matrioshka (em vez de boneca russa), step (em vez de estepe), magiar (em vez de húngaro). 89

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Já o arabismo invoca o emprego de vocábulos e locuções importadas da língua árabe: esfiha (em vez de esfirra), safira (em vez de masturbação — no caso da pedra preciosa, safira deixa de ser considerado um estrangeirismo, visto que não há termo correspondente na língua portuguesa), Inshallah (em vez de se Deus quiser), abra-te, sésamo (em vez de saia do caminho). O hebraísmo consiste na entrada de expressões nascidas na língua hebraica: shalom (em vez de paz). É muito comum em expressões bíblicas que foram popularizadas: amém (em vez de assim seja), setenta vezes sete (em vez de infinito), cidade das quarenta torres (em vez de local repleto de prédios). O grecismo ou helenismo compreende todo tipo de linguagem verbal originário da Grécia: cavalo de troia (em vez de inimigo ou, na linguagem cibernética, vírus de computador), kyrie (em vez de invocação), edípico (em vez de enigmático — se o termo estiver se referindo ao indivíduo portador de complexo de Édipo, este deixa de ser um estrangeirismo, visto que a psicologia já adotou a terminologia como científica para descrever o transtorno no qual o filho/a se apaixona pelo progenitor/a). O americanismo, por sua vez, aborda todos os termos com sentido etimológico nas línguas nativas da América, ou seja, mapuche, maia, náuatle, aruaque, tehuelches, entre outros: maraca (em vez de chocalho), caribe (em vez de caraíba), chirimoia (em vez de atemoia). Cabe, aqui, apontar de maneira informal que, este último exemplo, muito possivelmente, nos remete ao famoso episódio da série mexicana Chaves — o dia em que o Seu Madruga aparece na vila com uma muda de chirimoia32. O orientalismo abrange os estrangeirismos provindos dos idiomas de origem oriental, ou seja, japonês, mandarim, coreano, cantonês, tailandês, hindi, entre outros. São exemplos quotidianos: yin-yang (em vez de equilíbrio), karaoke (em vez de caraoquê), lámen (em vez de macarrão instantâneo). Nas artes marciais, 32 Segundo informações da internet, o episódio foi gravado em 1973, pela Televisa. A referência do americanismo é quanto à dublagem brasileira, exibida pelo SBT nos anos seguintes.

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podemos constatar muitos exemplos de orientalismo, como karate (em vez de caratê), judo (em vez de judô), jujutsu (em vez de jiu-jítsu), wushu (em vez de kung fu). Por fim, temos o africanismo, que une todos os possíveis estrangeirismos surgidos em línguas africanas, isto é, os mais de mil idiomas que podem ser classificados nesse contexto. Há diversas palavras e expressões africanas que usamos, mesmo sem perceber. A maioria, no entanto, já foi consagrada pelo uso e por não conter palavra semelhante no português. Alguns exemplos que podem ser considerados africanismos são: cachaça (em vez de aguardente), fuxico (em vez de intriga), quitute (em vez de aperitivo), quimbembe (em vez de cabana). O estrangeirismo, todavia, deixa de ser visto como vício quando ele assume o propósito de zelar pela estética do verbo. Um exemplo é o uso já consagrado da palavra “galocha” (do francês galoche) em vez da versão portuguesa anidropodoteca; como seu uso visa ao embelezamento da frase, não configura um caso de galicismo. Observemos, agora, como a língua estrangeira influencia nosso idioma, tomando por base alguns exemplos de estrangeirismo localizados em enunciados presentes nas atualizações de status de Facebook de alguns usuários.

Exemplo de anglicismo.

A palavra “SINCE”, originária da língua inglesa, foi utilizada no lugar da tradução aconselhada: desde. Não existe um motivo aparente para que ocorresse essa substituição, a não ser o possível charme que a sonoridade do anglicismo é capaz de provocar no leitor da sentença. É percebível, inclusive, que a palavra se encontra grafa em caixa-alta, destacando-se das demais. 91

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Exemplo de arabismo.

A palavra “Kibe”, aperitivo típico da culinária árabe, aparece grafado como termo estrangeiro — conforme a pronúncia da língua árabe ‫ﺓﺏﻙ‬ [‘kibbeh] — mesmo existindo o aportuguesamento da palavra: quibe. As razões mais prováveis desse arabismo são o desconhecimento pelo termo em português ou até mesmo a economia de letras que agiliza o processo de digitação.

Exemplo de castelhanismo.

O exemplo acima foi realmente colhido de um perfil brasileiro com dados em língua portuguesa; no entanto, nesta atualização de status, podemos verificar a presença do castelhanismo, tanto na palavra “Adiós” como na expressão “Adiós Amigos”. O único motivo aparente da escolha do enunciador pelo estrangeirismo é a de optar por uma forma não casual de se despedir dos amigos virtuais. Depois de todos esses subgrupos de estrangeirismos, ainda temos um vício de linguagem semelhante, denominado idiotismo ou idiomatismo. Esse corresponde aos estrangeirismos que não têm tradução equivalente no idioma e que, por isso, precisam ser adaptados. Um caso muito comum de idiotismo da língua portuguesa é a palavra saudade. Por não existir em outros idiomas, ela dificulta o trabalho dos tradutores e precisa ser substituída por algo similar, geralmente sentir falta. 92

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A revista Mundo Estranho33, certa vez, enumerou alguns exemplos de idiotismos que nos parece semanticamente instigantes. Mencionamos alguns: mamihlapinatapei, em fueguino, corresponde ao “o olhar de desejo mútuo em que ambas as partes sabem o que querem, mas não dão o primeiro passo”; koro, em japonês, expressa “o medo histérico de que o próprio pênis esteja encolhendo para dentro do corpo”; ilunga, em tshiluba, é o nome dado a “alguém capaz de perdoar uma ofensa pela primeira vez, de tolerá-la uma segunda vez, mas nunca uma terceira”. Consideramos idiotismo as expressões que deveriam sofrer essa adaptação, mas que, por descuido, não a sofrem. É o caso de poser un lapin, do francês, que ao pé da letra seria “colocar um coelho” e tem o sentido de se ausentar de um compromisso sem se justificar previamente (podendo ser substituído por dar o bolo); e também do conhecido how do you do?, do inglês, que em uma tradução denotativa significaria “como você faz?”, embora a semântica da interrogativa seja questionar sobre o estado de espírito (permitindo a associação com a expressão similar como você está?). Excetuando, por ora, os casos de presença de línguas estrangeiras e tendo como foco apenas a construção da língua portuguesa, podemos identificar outro vício de linguagem bastante comum: o solecismo. Segundo Sacconi (1994), este seria “qualquer desvio que se comete contra a sintaxe” (p. 477). Assim, é possível encontrarmos solecismos de concordância, de regência e de colocação. O solecismo de concordância refere-se à má conjugação verbal, isto é, concordar pessoa do singular com algum verbo no plural. Ocorre comumente na fala coloquial, em exemplos como “a gente viu e contamos” (em vez de a gente viu e contou), “pessoal, andem!” (em vez de pessoal, ande!), “foi eu quem fez isso” (em vez de fui eu quem fez isso). 33 Matéria intitulada “Quais as palavras mais loucas que a gente não tem?”, de Luana Villac. Publicação da Editora Abril. Texto eletrônico. Disponível em: Acesso em: 16 abr. 2012.

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O solecismo de regência aborda os desvios gramaticais ocorridos tanto na regência verbal como na nominal, muitas vezes ocasionados por falta ou excesso de preposição ou uso do pronome inadequado. Alguns exemplos muito comuns são: “obedeça as regras” (em vez de obedeça às regras), “eu lhe amo” (em vez de eu o amo/eu a amo), “fomos na cantina” (em vez de fomos à cantina), “o Pato Donald namora com a Margarida” (em vez de o Pato Donald namora a Margarida). O solecismo de colocação diz respeito à posição equivocada do pronome, ou seja, quando o pessoal oblíquo inicia uma oração, quando há ênclise após conjunção ou advérbio de negação, entre outros casos semelhantes. Eis alguns casos: “não ouviu-me” (em vez de não me ouviu), “me dá um real” (em vez de dá-me um real), “entregarei-o amanhã” (em vez de entregá-lo-ei ou eu o entregarei amanhã).

Exemplo de solecismo de colocação e de concordância.

A primeira oração, no imperativo, inicia-se com um solecismo, tanto de colocação como de concordância: “Se enxerga”. O desvio de colocação está no uso de um pronome pessoal átono do caso oblíquo iniciando um período, enquanto o desvio de concordância está no fato de utilizar um pronome de 3.ª pessoa com um verbo conjugado em 2.ª pessoa. As alternativas possíveis para correção do erro são Enxerga-te ou Enxergue-se. Não só a morfologia e a sintaxe, como também a fonética pode sofrer vícios de linguagem. Para Sacconi (1994, p. 479), “qualquer sequência silábica intervocabular que provoque som desagradável” é chamada cacofonia. A cacofonia pode ser dividida em seis tipos de desvios.

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O cacófato é, numa locução formada geralmente por duas palavras, a aglutinação da última sílaba da primeira palavra com a primeira sílaba da palavra seguinte, gerando uma sonoridade curiosa ou até mesmo obscena. Exemplo: “uma mão na boca dela” (que soa como mamão e cadela), “esse menino malcriado me jogou no chão” (que soa como mijo), “alma minha” (que soa como maminha). O eco é, sobretudo, a repetição incômoda de uma mesma terminação em uma determinada sequência de palavras. Sacconi (1994) exemplifica esse vício com a seguinte sentença: “Vicente já não sente dores de dente tão frequentemente como antigamente, quando estava no Oriente, na casa de um parente doente.” (p. 479). Notamos, aqui, a repetição constante e desagradável do sufixo ente. Em alguns casos, como na poesia, o eco deixa de ser um vício e assume o posto de rima, figura de linguagem fundamental para a construção de uma estrofe harmoniosa. Em outros casos, ainda na prosa, o eco é visivelmente forçado e cumpre a função de virtude — nesse caso, ele passa a ser considerado um homeoteleuto ou homeotelêuton, como no ditado popular “Deus ajuda quem cedo madruga”. O parequema é a proximidade de sons consonantais, sejam eles iguais ou semelhantes. É a versão defeituosa da aliteração. Ele pode aparecer em exemplos curtos, como “queijo quente” (repetição do fonema [q]), “nana, neném” (repetição do fonema [n]) ou em sentenças mais longas, como “Professores profissionais precisam proceder preciosamente” (repetição dos fonemas [p] e [r]). Ainda neste último exemplo, podemos identificar, também, a repetição do fonema [s], o que é considerado um caso de colisão. A colisão ocorre quando o parequema for composto de sons sibilantes. Eis um exemplo de colisão em longo prazo: “Sei que cinco sapos sempre saltam sobre a sombra dessa cerca”. O hiato, assim como o parequema e a colisão, ocorre com a aproximação de sons iguais ou semelhantes. O que os diferencia é que o hiato é exclusivo das vogais: “olhe o ovo” (repetição do fonema [o]), “Alda ama bananada” (repeti95

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ção do fonema [a]). Vale lembrar, aqui, que, para a gramática, é chamado hiato o encontro vocálico entre vogal + vogal (diferente do ditongo e do tritongo, que são formados com ajuda das semivogais). Para finalizar o pensamento a respeito das cacofonias, consideramos interessante mencionar o parecer de Sacconi (1994) a respeito de tal vício: “Muitas vezes não é possível fugir a certas cacofonias. Por isso, a ânsia de encontrá-las caracteriza pecado maior que elas próprias.” (p. 479). Vejamos, agora, alguns exemplos de cacofonias, colhidos do site de relacionamentos em estudo:

Exemplo de homeoteleuto.

Nesse exemplo, notamos repetição da sonoridade, gerada pelo sufixo -ético, no fim dos adjetivos próximos: “Patético, caquético”. Essa construção, se feita de forma inconsciente, é responsável pela aparição de um eco. No entanto, a impressão que temos é de que o enunciador queria provocar essa rima, ou seja, a repetição do som foi proposital. Assim, constatamos, aqui, a presença do homeoteleuto.

Exemplo de parequema e cacófato.

A princípio, o vício presente nesse exemplo passa despercebido; porém, se observarmos mais atentamente, localizamos um parequema, ocasio96

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nado pela repetição dos fonemas nasais [m] e [ñ] em proximidade: minha maninha. Além disso, é possível identificarmos, também, a presença de um cacófato, na união entre as palavras “com minha”, que soa como o diminutivo da palavra coma. Outro vício de linguagem é a ambiguidade ou anfibologia, que, como o próprio nome prevê, trata-se do sentido ambíguo que uma determinada expressão pode provocar, podendo ser comparada a um anfíbio, que não se sabe se vive mais na terra ou na água. Ocorre ambiguidade em casos como: “Secretário da Educação pediu aumento de salário para os professores” (dando a entender tanto que o aumento viria do governo e seria destinado aos professores, o que seria mais lógico, como que o aumento sairia do bolso dos professores e viria em benefício próprio). Um exemplo que pode ser verificado em uma manchete de jornal foi algo semelhante a este: Show de banda internacional em São Paulo é cancelado por causa da neve. O duplo sentido está na capacidade de a sentença poder ser interpretada como informando que nevava em no território paulistano (o que seria um absurdo meteorológico) quando, na verdade, o objetivo era comunicar que a tempestade de neve, no país de origem da banda, impediu o voo ao Brasil.

Exemplo de ambiguidade.

A ambiguidade é provocada devido ao mau uso da última palavra, que pode ser interpretada com sentido de interjeição (o mais provável), extravasando a emoção do enunciador com o fato de amar alguém, mas também pode ser

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compreendida com o sentido de vocativo (menos provável), no qual o enunciador declararia seu amor ao elemento mencionado. O preciosismo, também chamado de perífrase, rebuscamento ou prolixidade, é identificado quando ocorre exagero de palavras rebuscadas, com o fim de tornar o vocabulário mais requintado, quando, na verdade, prejudica a naturalidade da expressão. Sacconi (1994) lista um dos exemplos de preciosismo a seguinte sentença: “O equóreo elemento erguia bem alto as altas ondas” (p. 479), em vez de O mar estava agitado. Outros exemplos interessantes abordados por Sacconi (1994, p. 479) são: “Na pretérita centúria, meu progenitor presenciou o acasalamento do astro-rei com a rainha da noite” (em vez de No século passado, meu avô presenciou o eclipse solar) e “Baixar a inflação? Isso é colóquio flácido para acalentar bovino” (em vez de Isso é conversa fiada para boi dormir). O arcaísmo é o uso de palavras que já não fazem parte do vocabulário atual, ou seja, vocábulos antigos que foram extintos por algum motivo ou caíram em desuso e, portanto, não pertencem mais ao idioma. São exemplos evidentes de arcaísmo: hum (em vez de um), flôr (em vez de flor), sòmente (em vez de somente), pharmácia (em vez de farmácia), estória (em vez de história). Em contrapartida, o neologismo é exatamente o oposto. Consideramos neologismos todas as palavras “novas”, inventadas, que passam a fazer parte do idioma. Em alguns casos, não podemos considerar o neologismo como vício de linguagem, pois sua função é compreensível, como em “dedetizar” (em vez de aplicar DDT), “surfar” (em vez de praticar surfe), “camelódromo” (em vez de lugar onde os camelôs executam suas vendas). Os neologismos podem ser divididos em: extrínseco ou estrangeiro; intrínseco ou vernáculo; científico ou técnico; e literário ou artístico. (BASTOS, s/d). O neologismo extrínseco ou neologismo estrangeiro são os termos formados por palavras vindas de outros idiomas: deletar (que deriva do inglês delete e tem o mesmo sentido de excluir, remover, descartar), abajur (que deriva do francês abat-jour e tem o mes98

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mo sentido de luminária), futebol (que deriva do inglês football e substitui o não usual ludopédio). Em outras palavras, o neologismo extrínseco corresponde ao estrangeirismo que já foi aceito dentro do idioma. O neologismo intrínseco ou neologismo vernáculo são os termos formados por palavras oriundas do próprio idioma. Ele pode ser subdividido em popular, completo e incompleto. Entende-se por neologismo popular o termo que ganha novo sentido para atender à necessidade de expressão: embuchar (que abandona o sentido de “colocar bucha” e passa a significar engravidar), mané (que foi criado unicamente para designar a pessoa tola e negligente em relação às coisas e até a si mesmo. Já por neologismo completo, compreendemos os vocábulos criados que são novidades tanto na forma como no sentido: microfone (que é a junção do prefixo micro com a forma reduzida de fonética, para designar o aparelho responsável pela ampliação de sons), sambódromo (que é a união da palavra samba com o sufixo –ódromo, para representar o lugar destinado aos eventos relacionados ao ritmo musical, como o carnaval). Em contraponto, a respeito de neologismo incompleto, enumeramos os termos que são novidades apenas na significação, visto que já possuem grafia reconhecida no idioma: maquiavélico (que primeiramente era um adjetivo exclusivo a tudo que se referia a Nicolau Maquiavel e, atualmente, tem sentido de astucioso, doloso), gozo (que tempos atrás se referia exclusivamente ao deleite, à diversão, à graça, mas passou o mesmo sentido de prazer sexual). O neologismo científico ou neologismo técnico são as nomenclaturas criadas para se adequar às novas ciências e podem ser consideradas linguagem química, eletrodinâmica, telegráfica, aviária, entre outras. O neologismo científico pode ser formado por afixos ou derivar de siglas: aeromoça (que une o prefixo aero- à palavra moça, para designar a comissária de bordo), laser (que deriva da sigla LASER, cujo significado é Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation — amplificação de luz gerada pela emissão estimulada de radiação). 99

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O neologismo literário ou neologismo artístico corresponde à criação de novos termos ou atribuição de novos significados a termos já existentes, mas com fins unicamente literários ou artísticos. Isso não impede, no entanto, de o uso se consagrar entre os falantes do idioma. Um exemplo de neologismo literário é lalande, palavra criada por Clarice Lispector, em Perto do Coração Selvagem, que “é como lágrimas de anjo (...) é uma espécie de narcisinho (...) é também mar de madrugada, quando nenhum olhar ainda viu a praia, quando o sol ainda não nasceu”. Há neologismos, no entanto, que são considerados inaceitáveis, pelo menos do ponto de vista gramatical, principalmente em palavras que mesclam algum idioma estrangeiro com o nosso. É o caso de showmício (mistura de show com comício), overdose (mistura de over com dose). Para Sacconi (1994), esse tipo de neologismo é uma prática “própria de gente sem nenhuma escolaridade e responsabilidade, é absolutamente imperdoável e deve ser repelida com veemência, sobretudo pelas pessoas de bom senso” (p. 477). Agora, verifiquemos como os usuários do Facebook fazem uso desse vício de linguagem.

Exemplo de neologismo popular.

Grosso modo, “brisando” é a verbalização, na forma nominal do gerúndio, do substantivo brisa. Para analisar a formação e o uso desse neologismo, primeiro temos que conceituar o que seria o verbo “brisar”. Partindo do ponto de que brisa é vento de pouca intensidade, “brisar” seria o mesmo que ventar fracamente. No entanto, a atualização de status, por ser algo pessoal e subjetivo, torna implícito que, no contexto, o termo não corresponde à variação climática, e sim ao estado do locutor. 100

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Como os demais verbos indicadores de fenômenos da natureza, quando eles são conjugados com a intenção de se referir a um sujeito animado, ocorre uma conotação, uma vez que é improvável que alguém consiga chover, ventar ou nevar de forma denotativa. No caso em questão, portanto, “brisar” se refere ao estado psicológico do enunciador e, sobretudo, tem como significado mais próximo sentir-se como uma brisa, ou então, estar sossegado, leve, calmo, tênue, como uma brisa. Dessa forma, podemos concluir que, ao fazer uso de tal neologismo popular, o locutor revela seu estado psicológico momentâneo e mostra-se sem atividades no momento. Também precisamos constar que a novidade do verbo “brisar” é constantemente utilizada entre o público jovem, por se tratar de um jargão e, consequentemente, também se enquadrar no conceito de plebeísmo34.

Exemplo de neologismo intrínseco.

Neste enunciado, presenciamos dois neologismos que se consagraram com o uso. O primeiro caso é a palavra simbora, formada por vamos e embora (a sonoridade da última sílaba da primeira palavra aglutinou com a palavra seguinte). Outro caso é a palavra facul, que se trata de uma derivação imprópria do termo faculdade. O plebeísmo ou vulgarismo corresponde ao uso de vocabulário vulgar em contexto formal. Exemplos de plebeísmo podem ser gírias, jargões, palavrões ou qualquer outro elemento fútil da linguagem exclusivamente coloquial. Podemos enumerar como casos de plebeísmo: “treco” (em vez de objeto), “abacaxi” (em vez de coisa difícil), “o cara se mijou” (em vez de o rapaz riu exageradamente). 34

Cf., ainda neste subitem, o conceito de plebeísmo.

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Podemos também enumerar outros dois tipos de plebeísmo: o plebeísmo fonético e o plebeísmo morfossintático. Como exemplo do plebeísmo fonético, temos a queda do r final dos verbos no infinitivo (“fala”, “escrevê”, “sorrí” — em vez de falar, escrever, sorrir); a vocalização do l precedido por vogal (“cau”, “méu”, “barriu” — em vez de cal, mel, barril); a monotongação inapropriada de ditongos (“estóra”, “lôro”, “pêxe” — em vez de estoura, loura, peixe); a introdução de uma vogal para desfazer um encontro consonantal (“opição”, “adevogado”, “helicópitero” — em vez de opção, advogado, helicóptero). Como exemplo de plebeísmo morfossintático, temos a simplificação inadequada das flexões verbais e/ou nominais (“os cara”, “três xícara”, “eles pegou” — em vez de os caras, três xícaras, eles pegaram); a colocação de um pronome pessoal de caso reto no lugar de um oblíquo (“amo ela”, “fiz para tu”, “deixa eu” — em vez de amo-a, fiz para ti, deixa-me). Vale ressaltar que é importante não confundir o plebeísmo morfossintático com o solecismo: o plebeísmo é presente no nível de linguagem popular, enquanto o solecismo pode ser encontrado no nível médio ou até mesmo avançado de linguagem.

Exemplo de plebeísmo fonético.

O plebeísmo propriamente dito (o que também é denominado vulgarismo) pode ser encontrado apenas na palavra idiotas. Mas existem dois casos de plebeísmos fonéticos no enunciado: discuti (em vez de discutir) e ropa (em vez de roupa). Isso ocorre devido à oralidade, que permite a queda do r final em infinitivos, bem como a monotongação do fonema [ow]. 102

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Exemplo de plebeísmo.

Neste outro exemplo, fica perceptível dois casos de plebeísmos propriamente ditos, em palavras que já são consideradas palavrões ou termos chulos pela sociedade. Na ânsia de expressar a revolta pelo erro que cometeu, o enunciador fez o desabafo utilizando o termo puta que pariu e cagada, em vez de evitar tais vícios e buscar expressões equivalentes na língua. A redundância, também chamada tautologia ou pleonasmo vicioso ou perissologia, é a repetição da mesma ideia, fazendo uso de palavras distintas. Ou seja, é caracterizada pela presença de palavras supérfluas na frase. As redundâncias mais comuns são: subir para cima (o ato de subir já deixa claro que é para cima), descer para baixo (o ato de descer deixa claro que é para cima), entrar para dentro (o ato de entrar deixa claro que é para dentro) e expressões similares. Além de todos esses vícios observados por Sacconi (1994), podemos enumerar também a obscuridade, que seria a construção de uma sentença de forma que o sentido fique obscuro, ininteligível. (CEGALLA, 2005). Geralmente a obscuridade é ocasionada quando há a aproximação de muitos vícios de linguagem no mesmo pensamento. Tentamos representá-la no seguinte exemplo: “Haviam dois homens de chapéis autos.” É possível notar, no exemplo criado, um solecismo de concordância (“haviam”, em vez de havia), dois cacófatos (“haviam dois”, que soa como aviando e “de chapéis”, que soa como deixa), um barbarismo morfológico (“chapéis”, em vez de chapéus), um deslize (“autos” não tem o mesmo sentido de “altos”) e, por fim, uma redundância (é difícil saber se altos são os chapéus ou os homens), que é a maior responsável pela obscuridade da oração. 103

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Exemplo de obscuridade.

A obscuridade, no caso, ocorre mais pela falta de pontuação e pela repetição indevida da preposição com. Assim, fica complicado definir se o enunciador quis dizer que a amizade entre duas pessoas não deve ser comparada a um relacionamento amoroso, ou se há duas pessoas com amizades distintas, ou se o namoro é pré-determinado. Também é difícil compreender se as expressões finais, em especial blz, indica uma qualidade para o comentário feito, ou se serve como uma indireta para algum interlocutor, ou se foi apenas uma forma que o enunciador encontrou de se encerrar. O provincianismo caracteriza-se pelo uso de termos que são conhecidos somente em partes do país ou adotados unicamente por algumas comunidades. (LOBATO, 2009). É o caso de nhô (em vez de senhor), usado no interior; tata (em vez de irmã mais velha), usado em São Paulo; bergamota (em vez de tangerina), usado em Porto Alegre; vina (em vez de salsicha), usado em Curitiba.

Exemplo de provincianismo.

O provincianismo pode ser notado, sobretudo, pela palavra ó. No sulsudeste brasileiro, a palavra ó tem equivalência a “olhe”, “veja”, “note”, diferente do que ocorre em outras regiões brasileiras ou lusófonas, que conhecem esta palavra apenas como um elemento de evocação (ó, meu pai!).

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Outro exemplo de vício de linguagem bastante comum é o lugar-comum, também chamado clichê ou chavão ou frase feita ou estereótipo. (CEIA, s/d). Tratase, aqui, da expressão que, de tão cotidiana, tornou-se banal. É uma das maiores fraquezas do estilo e recebe o nome de metáfora morta. Há quem determine a diferença entre clichê e frase feita, sendo esta uma sentença pronta e aquela uma mera locução, mas não observamos nenhum estudo a respeito do caso. Os lugares-comuns mais constantes são os ditados e expressões populares. Os maiores exemplo de lugares-comuns estão nos títulos de novelas: cobras e lagartos (quando se diz, tem sentido de falar mal de algo ou alguém); caras e bocas (quando se faz, tem sentido de expressar-se de forma nada discreta); morde e assopra (tem sentido de ofender e, logo em seguida, agradar). São termos metafóricos já desgastados e que, por esse motivo, é possível compreender o significado inclusive fora do contexto. Ainda há o gerundismo, o vício de linguagem mais recente e mais utilizado, principalmente pelos funcionários da área de teleatendimento. Caracterizase pelo uso do gerúndio, no tempo futuro, sem sua necessidade. (LEME, s/d; CABRAL, s/d). Expressões como: vou estar fazendo, em vez de farei (futuro sintético) ou vou fazer (futuro analítico); vou estar retornando, em vez de retornarei (f. s.) ou vou retornar (f. a.). Por fim, queremos destacar que, para alguns linguistas, como Siegfried J. Schmidt (1978 apud MONTEIRO, 1991), os vícios de linguagem só se tornam um problema se provocar um ruído de comunicação. Em outras palavras, “desde que um enunciado cumpra uma função comunicativa eficaz, embora apresente desvios, poderá ser perfeitamente aceitável”. E ainda ressalta que “os adeptos da estilística linguística argumentam que a aceitabilidade de uma frase é um fenômeno contextual, sendo determinada apenas na medida em que se leva em conta a situação comunicativa” (p. 162).

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3.4. Em vir�ude do bom estilo... Em oposição aos vícios de linguagem, temos as propriedades (ou virtudes) do estilo, também conhecidas como qualidades da linguagem. São virtudes linguísticas que devemos preservar na hora de nos expressarmos. Para Monteiro (1991, p. 161), “um bom desempenho linguístico é [...] o alicerce de quem se expressa bem”. Pinheiro (1999) enumera dez qualidades e enfoca que elas “devem ser cultivadas e respeitadas de maneira que o estilo não perca a vivacidade e o colorido precisos para interessar e atrair o leitor”. A pureza é a boa relação entre linguagem e língua, ou seja, é preciso fazer uso unicamente dos vocábulos presentes no idioma em questão, bem como manter a harmonia na elaboração de frases e orações, visando as regras sintáticas. Opõe-se ao estrangeirismo e ao idiotismo. Pinheiro finaliza afirmando que “a pureza da linguagem é uma qualidade primordial e indispensável para conservarmos intacto o maior legado que recebemos de nossos antepassados”. A correção deriva-se desse mesmo contexto e defende que as normas vigentes no que diz respeito ao uso da ortografia, da morfologia e da sintaxe devem ser observadas. Cegalla (2005) acrescenta que essa qualidade pode ser identificada quando não há vícios de linguagem presentes de caráter gráfico (solecismos, barbarismos, plebeísmos) no enunciado e acrescenta que “a correção gramatical não deve ser considerada um tabu (...) a excessiva preocupação com ‘o que se não deve dizer’ garroteia a ideia e abafa a espontaneidade”. A clareza pode ser interpretada como a manifestação do pensamento de forma límpida. Opondo-se à obscuridade e à redundância, a clareza reflete a transparência do raciocínio e facilita o entendimento daquilo que é expresso. Para atender a essa qualidade, é necessário evitar termos desconhecidos, parênteses muito extensos, expressões regionalistas, entre outros aspectos que possam dificultar o entendimento. A eufonia é a qualidade que contrapõe à cacofonia e se resume produ106

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ção de uma sonoridade agradável gerada pela boa combinação de fonemas. Sua presença é constante em poemas, letras de música, prosa poética e outros textos líricos em que predomina o uso da melodia na leitura. Com as mesmas características, temos a harmonia, denominada o elemento musical do enunciado. A escolha e colocação de palavras que se acordam entre si é fundamental para gerar ritmo, melodia e equilíbrio na frase. Para alcançar essa virtude, é necessário evitar vocábulos que soam asperamente. A precisão limita o enunciado a algo sem superfluidades, nem redundâncias, e defende que é essencial buscar a palavra certa para a ideia que se deseja exprimir. O excesso de adjetivação, a repetição de sinônimos, os circunlóquios e outras características de preciosismo devem ser evitados. Nesse mesmo aspecto, há a propriedade, que é a sequência de termos exatos para expressar um determinado conceito. Dessa forma, essa qualidade exclui as frases-feitas, os termos vagos, o duplo sentido e outros recursos que possam desmerecer a qualidade do enunciado. A conveniência é a adaptação do estilo, levando em consideração tempo, espaço e pessoa. É necessário manter o equilíbrio entre momento e expressão. Assim, deve-se evitar a informalidade com autoridades, a comicidade em assuntos sérios, a brincadeira em situações lamentáveis, a vulgaridade para discussões requintadas. A dignidade preza o pudor da expressão verbal, ou seja, defende que as palavras devem ser polidas e rejeita o plebeísmo e a vulgaridade. Além dos termos xucros e de outros aspectos da linguagem chula, também é necessário evitar o preciosismo e a delicadeza exacerbada. Cegalla (2005) se refere a essa qualidade como nobreza. Por fim, a ordem também é uma qualidade de estilo. Nesse sentido, prevalece a boa emenda lógica das ideias, a boa coesão entre os argumentos do enunciado, de forma natural e bem clara. O enunciador precisa ter consciência de exatidão daquilo que está criando e expondo. Além dessas qualidades, Cegalla (2005) defende outras quatro. A conci107

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são é a capacidade de utilizar o menor número de vocábulos possível na hora de criação do enunciado, é “dizer muito em poucas palavras” (p. 637). Dessa forma, essa qualidade torna-se o oposto da prolixidade. A naturalidade mostra que a elaboração da escrita deve acontecer de forma fluída, sem elementos que provem o excesso de preocupação por parte do enunciador. Em outras palavras, é deixar a fala “simples e espontânea, sem que se note o esforço da arte e a preocupação do estilo” (p. 637). Contrasta-se com o rebuscamento. Já a originalidade é a manifestação da “visão pessoal do mundo e das coisas” (p. 637), pois busca preservar o subjetivismo, o íntimo do autor e do falante, sem que este precise se espelhar em algo que já foi dito ou defendido por outrem. É a qualidade de favorece a expressão em sua forma original, única. Por último, há o colorido, também chamado elegância, que seria a união de todas essas qualidades, ou melhor, o conjunto de diversos artifícios que prezam pelo bom estilo. Nas palavras de Cegalla (2005), este último aspecto estilístico é descrito como o “acabamento ideal e o toque da perfeição” (p. 637).

3.5. As (dis)funções de linguagem Uma característica fundamental para análise de um enunciado é a relação que ele tem como mensagem: desde aquele que a produz àquele que a recebe. O recurso estilístico que trata desta característica é chamado funções de linguagem e pertence ao estudo da estilística funcional. Em seu Ensaio de Linguística Geral, Jakobson (1963 apud JOLY, 1996) disserta que todo tipo de mensagem é produzido por alguém e para alguém e ressalta que “a linguagem deve ser estudada em toda a variedade de suas funções” (p. 55). Assim, elaborou um esquema teórico do que chama de “fatores inalienáveis”, que são os seis elementos básicos da comunicação: emissário (ou remetente), destinatário, contexto, mensagem, contato (ou canal) e código. 108

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Resumidamente, o emissário é o responsável pela produção e envio da mensagem; o destinatário é aquele que a recebe ou apenas para quem a mensagem é direcionada; o contexto é o assunto abordado; a mensagem é o texto em si; o contato é o meio físico que existe entre emissário e destinatário por onde a mensagem será veiculada; e o código é o sistema sígnico utilizado para a elaboração da mensagem. A próxima explanação de Jakobson (1963 apud JOLY, 1996) é a de que cada um desses elementos dá origem a uma função linguística diferente. Ou seja, dependendo da ênfase que é dada na mensagem (e considerando, aqui, que mensagem é todo o tipo de enunciado), podemos encontrar uma função de linguagem se destacando nesse meio. A função referencial, denotativa ou cognitiva, por exemplo, tem como foco o contexto; é uma das funções mais comuns, embora, com uma leitura mais atenta, seja possível definir outras funções implícitas junto a ela. A respeito disso, o próprio autor afirma que “nenhuma mensagem consegue ser absolutamente denotativa, mesmo se pretender isso, como a linguagem jornalística ou científica”. Coletamos, como exemplo de função referencial, o seguinte enunciado:

Exemplo de função referencial.

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Esse enunciado foca-se no que realmente deve ser transmitido: o informe de que haverá um evento acadêmico na universidade, destinado aos alunos da graduação de Letras. Com exceção da última linha, em que notamos o envolvimento do enunciador na comunicação, o texto atende à proposta da função referencial: o conteúdo é o objeto de concentração da mensagem. A função emotiva ou expressiva, por sua vez, é centrada no emissor e, portanto, torna-se subjetiva. A intenção do enunciador é transmitir seus sentimentos, seu ponto de vista a respeito de determinada realidade. Vejamos, portanto, no enunciado abaixo, como essa função é apresentada.

Exemplo de função emotiva.

Nesse enunciado, verificamos, a princípio, o uso da primeira pessoa, destacado pelo verbo que inicia a sentença: “Preciso”. Logo em seguida, notamos que há um desabafo por parte do emissor — evitar a timidez — e, concomitantemente, um desejo que está sendo revelado — o fato de querer conhecer novas pessoas. Podemos, ainda, considerar a visão de “legais” como algo particular do enunciador. Assim, constatamos que a mensagem se enquadra na função emotiva: relacionada ao emissário. Em seguida, temos a função apelativa ou conativa, e é assim chamada por derivar do latim conatio, que significa esforço ou tentativa. Foca-se no destinatário da mensagem e faz uso de imperativos ou interrogações para envolver o interlocutor naquilo que é enunciado. O objetivo principal é convencer ou influenciar na decisão do receptor, por meio de ordens, convites, sugestões, questionamentos, apelos... Observemos o que ocorre no enunciado abaixo: 110

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Exemplo de função conativa.

Muito provavelmente tenha sido um recado automático, postado no perfil do usuário por intermédio de algum mecanismo presente no site da empresa divulgada, mas é essencial para localizarmos várias manifestações da função apelativa. Primeiro, o uso da segunda pessoa aproxima o destinatário. Em seguida, a interrogação é responsável por provocar o alerta em quem lê e induzir a continuar explorando a mensagem. Depois, a explicação que faz uso do adjetivo “maior” para engrandecer o objeto da divulgação. Então, há o posicionamento da primeira pessoa e, novamente, a menção à segunda pessoa, para atrair ainda mais o leitor. Por fim, o uso do imperativo “participe” e da afirmação de que o destinatário se sentirá satisfeito com o serviço divulgado. Sem mais aprofundamento, consideramos que a presença da função conativa é facilmente notada na sentença analisada. Temos também a função fática, caracterizada por se referir ao contato. É uma simples forma de fazer com que o enunciador estabeleça um contato ou verifique se a mensagem é transmitida normalmente. Em outras palavras, não existe, na função fática, algo profundo a ser discutido; é apenas uma linguagem para realizar algum tipo de teste. Vejamos o exemplo coletado:

Exemplo de função fática.

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Como podemos perceber, não existe uma mensagem rica em detalhes sendo transmitida. O enunciador apenas desejou um boa-noite aos seus amigos virtuais, como forma de estabelecer um contato: foi a forma encontrada para comunicar que se encontrava on-line ou para informar que estava prestes a se desconectar. Pelo fato de ser um fragmento de conversa, aparentemente sem informação, o enunciado pode ser tranquilamente denominado como exemplo de função fática. Outra função de linguagem é a função poética, que “trabalha sobre a própria mensagem, manipulando seu lado palpável e perceptível, como as sonoridades ou o ritmo, no caso da língua.” Em outras palavras, é a transformação da informação em poesia. A função poética tem como foco a mensagem em si e trabalha para que ela se torne um texto com o máximo de elegância a quem a recebe. Notemos o que ocorre no enunciado a seguir:

Exemplo de função poética.

O enunciador, neste caso, poderia apenas ter dito simplesmente que se sente iludido e solitário, mas preferiu aperfeiçoar e fez uso da linguagem conotativa por meio de duas metáforas — “castelo de areia” e “deserto de uma ilusão” — para atingir o que podemos chamar de beleza lexical. Embora não tenha rimas ou ritmo, a sentença se encaixa no conceito de função poética devido ao grau de poeticidade presente na citação. A função metalinguística é, sobretudo, a visão do código por ele mesmo, ou seja, faz uso de um determinado recurso para explicar sua função. Na literatura, 112

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verificamos mais facilmente a presença dessa função em poemas que falam a respeito da língua portuguesa: a língua falando dela mesma. Para demonstrar a utilização dessa função no contexto linguístico, vejamos o enunciado abaixo:

Exemplo de função metalinguística.

A informação transmitida no status em evidência é um exemplo de código falando por si mesmo: o enunciador fez uso do próprio site de relacionamentos para comunicar que estava se ausentando do sistema, além de acrescentar que a irmã se conectaria no lugar. Em outras palavras, usou um dos recursos da internet para explicar o que aconteceria com o uso da internet em sua casa. Por causa dessa camada sobre camada, dizemos que, no enunciado, encontramos um exemplo de função metalinguística. Outros teóricos defendem diferentes teorias a respeito das funções de linguagem. Ogden e Richards (1976 apud MONTEIRO) listam, a saber: a) simbolização da referência; b) expressão de atitude para com o ouvinte; c) expressão de atitude para com o referente; d) promoção dos efeitos pretendidos; e) apoio de referência. Já Karl Bühler (apud PENNA, 1970; MONTEIRO, 1991) opta por enumerá-las em: a) representativa; b) apelativa; c) exteriorização psíquica — que posteriormente se intitularam: a) função simbólica; b) função de sintoma; c) função de sinal. Nesse mesmo aspecto, Irving M. Copi (apud PENNA, 1970; MONTEIRO, 1991) apresentou as mesmas funções, substituindo os nomes: a) função informativa; b) função expressiva; c) função diretiva. Em contraponto, Halliday 113

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(1976 apud MONTEIRO, 1991) formulou uma tese diferente e conceituou que as funções básicas são: a) ideacional, relacionada à experiência que o falante tem com o mundo real e seu mundo interior; b) interpessoal, para manter contato entre duas ou mais pessoas; c) textual, em que o ouvinte é capaz de distinguir um texto a partir de um conjunto de frases aleatórias. Um estudo que realmente chama atenção é o de Martinet (1968 apud MONTEIRO, 1991), em que, dentre as funções de linguagens defendidas, há menções a respeito da função críptica, que corresponde ao vulgarismo, e da função mágica, que é exclusiva de seitas e rituais. Tais teorias, no entanto, não serão abordadas neste trabalho, nem receberão explanações mais aprofundadas visto que optamos por dar exclusividade à visão jakobsoniana do assunto. Por fim, concluímos que todo enunciado tem relação com os elementos da comunicação, e estes, por sua vez, se unem às funções de linguagem, que enfatizam algum dos respectivos elementos de acordo com o objetivo do enunciador — ou até mesmo por expressões inconscientes.

3.6. A breve constituição estilística Em seu ensaio sobre narrativa primordial, Todorov (As estruturas narrativas, 2006) apresenta seis características estilísticas como sendo essenciais para a produção de uma narrativa. São as denominadas leis da estética. Embora o contexto proposto para a atuação delas seja o literário, podemos trazê-las também para o contexto linguístico. A lei da verossimilhança defende que “todas as ações de uma personagem devem concordar numa verossimilhança psicológica” (TODOROV, 2006, p. 106), ou seja, as atitudes, os pensamentos e as demais características de um personagem precisam ser semelhantes aos das pessoas reais, para que o leitor pos114

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sa enxergá-lo como crível. No contexto linguístico da expressividade, vemos que isso se aplica na questão da coerência/incoerência, isto é, o enunciado não pode fugir daquilo que está ao alcance do enunciador. Vejamos um exemplo de enunciado que foge a essa lei:

Exemplo de desvio da lei da verossimilhança.

Como podemos perceber, no caso acima há a chamada incoerência com a realidade — e, portanto, falta de verossimilhança. O enunciador direciona sua mensagem aos dentes (seres inanimados) e agradece pela dor (algo incômodo). Obviamente, há ironia nesta sentença; mesmo assim, reconhecemos que a lei da verossimilhança não é atingida. Já neste caso abaixo, notamos o uso:

Exemplo de lei da verossimilhança.

Diferente do exemplo anterior, neste enunciado, notamos as marcas da verossimilhança: o enunciador relata que, depois de um jogo de futebol, foram (provavelmente ele e os amigos) passear no shopping — este descrito pelo próprio nome-fantasia. Assim, enfatizamos que a lei da verossimilhança, na expressividade, ocorre quando o enunciador faz menção ao que pode ser considerado real. 115

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A lei da unidade dos estilos é metaforizada com a ideia que “o rasteiro e o sublime não põem misturar-se”, ou seja, é inadequado, no momento da redação, mesclar duas visões totalmente opostas ou juntar diferentes níveis de linguagem, misturando o vocabulário popular com o técnico, por exemplo. Na linguística, isso ela pode ser aplicada da mesma maneira: a linha de raciocínio precisa ser contínua e os níveis de linguagem devem ser respeitados. Vejamos a enunciação a seguir:

Exemplo de desvio da lei da unidade dos estilos.

O desvio dessa lei é percebido nos dois casos mencionados. Primeiro, a linha de raciocínio é desobedecida: a enunciação se inicia com a alegria da viagem que foi realizada e se encerra com o tédio que isso está provocando. Além disso, o estilo de linguagem é mesclado: a introdução é feita com um nível médio de linguagem, salvo o erro de digitação, mas a conclusão é feita em nível popular, com uso inclusive de plebeísmo. Comparemos esse enunciado com o seguinte:

Exemplo de lei da unidade dos estilos.

Aqui, notamos como a linha de raciocínio se mantém do início ao fim e como o estilo de linguagem não se altera: está sempre no nível médio. Por fim, compreendemos que a lei da unidade dos estilos é obedecida sempre que o enun116

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ciador segue o mesmo padrão, tanto na forma como permite a interpretação quanto no recurso utilizado para a escrita. A lei da prioridade do sério é a constatação de que “toda versão cômica de uma narrativa acompanha, temporalmente, sua versão séria”, isto é, o humor precisa ser o menos escrachado possível, de preferência com uma pincelada de seriedade. No contexto linguístico, interpretamos isso como a forma de se expressar comicamente sem que isso se torne apelativo. O enunciado abaixo ignora esse conceito:

Exemplo de desvio da lei da prioridade do sério.

A frase pode até ser considerada engraçada e provocar o sentimento de riso no leitor, mas consideramos que: (a) é apelativa, pois altera a grafia de uma palavra pela sua homônima homófona, a fim de conseguir criar o efeito cômico; (b) é humilhante, visto que se trata de uma tentativa de conversa para atrair o público feminino e, consequentemente, pode denegrir a imagem do destinatário, se levada em consideração a metáfora malfeita; (c) não há sequer um fragmento de seriedade omisso, resultando apenas em um humor escrachado e sem fundamento. Em contraponto, vejamos um exemplo de humor inteligente:

Exemplo de lei da prioridade do sério.

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Sem apelação, sem vocabulário precário e sem humilhação alheia. O enunciador da citação acima conseguiu atingir o humor por meio de um comentário ironicamente inteligente. Além disso, há inclusive uma questão ideológica em jogo: de que a melhor maneira de atingir a felicidade é doando-se aos demais. Portanto, constatamos que a lei da prioridade do sério é atingida sempre que, na tentativa de fazer humor, ele é criado com certo fundo de seriedade. A lei da não contradição conceitua que “se uma incompatibilidade referencial resulta da justaposição de duas passagens, pelo menos uma das duas é inautêntica”, quer dizer, é inadequado iniciar uma história em que o personagem seja pai e, no final, mencionar que ele nunca teve filhos. Na linguística isso se aplica na relação argumentação/contra-argumentação, isto é, o enunciador não deve se contradizer, afirmando e depois negando, por exemplo, na mesma sentença. Para esclarecer, vejamos o exemplo a seguir:

Exemplo de desvio da lei da não contradição.

Neste caso, temos como primeiro argumento o desabafo “Cansei dessa tecnologia.” (sic) e, como contra-argumento, o sorriso representado por dois pontos mais o sinal de parêntese. Essa construção gera confusão, visto que, ao mesmo tempo em que se diz farta da tecnologia, expressa um rosto feliz, causando uma ideia oposta. O que ainda é mais contraditório é o fato de reclamar da tecnologia em um meio tecnológico. Vejamos outro enunciado:

Exemplo de lei da não contradição.

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Vemos, neste enunciado, que os argumentos se encaixam. Como primeiro argumento, temos a consequência: “Quando Acabar a pascoa vou ter de ficar por um ano de regime” (sic), como segundo argumento, a causa: “acho que comi chocolate demais esse ano”, e, como terceiro argumento, a expressão de chateação, representada pelo sinal de igual seguido da barra. Os argumentos dialogam entre si seguem e, em nenhum momento, se contradizem. Assim, consentimos que a lei da não contradição é respeitada quando os argumentos são condizentes. A lei da não repetição, por sua vez, garante que “num texto autêntico, não há repetições”, portanto, por mais difícil que seja imaginar um texto sem esse recurso, muitas repetições de cena acaba excluindo sua riqueza estilística. Na linguística, o desvio dessa lei ocorre quando o enunciador diz novamente o que já foi expresso. Vejamos o enunciado abaixo:

Exemplo de desvio da lei da não repetição.

Esse exemplo nos mostra que a lei da não repetição foi desviada, visto que a mesma informação — da ingressão em uma universidade federal — é mencionada duas vezes: (i) “agora oficialmente matriculado na UTFPR”; (ii) “sou universitário, e de uma facul federal ainda!”. Agora, vejamos um exemplo em que a lei é atendida:

Exemplo de lei da não repetição.

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As informações não são as mesmas. A primeira — o cansaço ocasionado pela leitura — revela o cansado do enunciador, enquanto a segunda — assistir aulas a distância é cansativo — justifica o sentimento. As duas informações se unem, complementando uma à outra. Basicamente, a lei da não repetição é esta: evitar mencionar o mesmo fato duas ou mais vezes, posto que não haja necessidade para isso. A lei antidigressiva, a última das leis abordadas, pode ser resumida na concepção de que “toda digressão da ação principal é acrescentada posteriormente (...) Essa digressão (...) é pouco útil à marcha da ação principal”, ou seja, o retrocesso cronológico, como finalidade de justificar alguma situação, detalhando-a ou explanando sobre ela, compromete a cadência do texto. No contexto linguístico, o desvio dessa lei acontece em momentos de retomada do que já foi dito, a fim de explicar melhor. Vejamos o exemplo:

Exemplo de desvio da lei antidigressiva.

Partindo para a análise deste enunciado, verificamos que a digressão ocorre em dois momentos: na descrição da noite, após ter sido dada a informação de que esta havia sido “maravilhosa”; e na reação que a amiga sentirá quando for ao lugar mencionado, já após o convite feito à amiga e da descrição feita anteriormente. Em outras palavras, o objetivo principal da mensagem é transmitir quão boa havia sido a noite e convidar a amiga para realizar o mesmo passeio; entretanto, há digressões na tentativa de descrever o que se passou na noite e 120

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qual será o provável sentimento da pessoa convidada para alguma oportunidade de o passeio se repetir. Observemos, portanto, o próximo exemplo:

Exemplo de lei antidigressiva.

A informação foi passada sem rodeios e, principalmente, sem digressões. O enunciador apresentou uma ideia e a justificou logo em seguida, respeitando a cronologia e sem voltar ao que foi dito para tentar explicar melhor. Assim, a lei antidigressiva privilegia o progresso comunicativo, ou seja, defende que é inadequado fazer uso das marcas de enunciação que visam ampliar as informações a respeito do que já foi comunicado, bem como retomar o que foi transmitido anteriormente. Por fim, concluímos que as leis da estética, recurso estilístico defendido por Tzvetan Todorov (2006) e que é essencial para uma boa narrativa, também podem ser examinadas pelo olhar linguístico. Os discorrimentos acima, com conceitos adaptados e exemplos fundamentados nas ideias previamente apresentadas, justificam que essas leis da estética têm, sim, um riquíssimo valor para o estudo da ciência da expressão.

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4. Os emergentes aspectos estilísticos ciber�éticos Enfim, chegamos ao foco da nossa fundamentação teórica: a conceituação dos aspectos estilísticos exclusivos da escrita cibernética. Aqui, podemos olhar com mais afinco para as abreviaturas, a pontuação, as alterações gráficas e os emoticons. “Para que as abreviaturas, a ausência ou o excesso de pontuação e os emoticons (‘carinhas’) deixem de ser repudiados é preciso considerar o gênero de discurso no qual essa prática de escrita emerge.” (FUSCA, 2008, p. 3).

4.1. As abrev. Em primeiro lugar, é preciso esclarecer a diferença entre abreviação e abreviatura. Segundo Vilarinho (s/d, p. 1), abreviação “é conhecida também como forma reduzida da palavra e compreende na redução da palavra até um limite, de modo que não haja prejuízo ao entendimento” e abreviatura “é a representação de uma palavra através de suas sílabas (geralmente iniciais) ou de letras”. Assim, portanto, entendemos que microcomputador pessoal, por exemplo, tem a palavra micro como abreviação e pc como abreviatura. Outros exemplos são fotografia, que tem foto como abreviação e ft como abreviatura, e apartamento, que tem apê como abreviação e apto como abreviatura. Aqui, daremos preferência ao estudo das abreviaturas, que são formadas e utilizadas a todo instante na linguagem cibernética.

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As abreviaturas são uma forma de economizar tempo na escrita digital, para que, assim, a comunicação possa se aproximar da oralidade (FREITAS; COSTA, 2009; TOSINI, s/d). As abreviaturas encontradas em enunciados da internet podem ser divididas em quatro grupos (FUSCA; SOBRINHO, 2010; FUSCA, 2008): (i) registro gráfico do primeiro grafema de cada sílaba; (ii) modo de enunciação oral/falado; (iii) simplificação de dígrafos ou simplificação da grafia; (iv) empréstimo linguístico. O registro gráfico do primeiro grafema de cada sílaba compreende as abreviaturas formadas pela manutenção apenas das primeiras letras de cada sílaba gramatical: vc (em vez de você), tb (em vez de também), qq (em vez de qualquer), pq (em vez de porque), kd (em vez de cadê). Neste último caso, “as duas sílabas que constituem o vocábulo foram substituídas por duas consoantes com nome idêntico ao som da sílaba toda” (FUSCA, 2008, p. 12). O modo de enunciação oral/falado consiste em transcrever o máximo possível a maneira como se fala: taum (em vez de estão — ocorre inclusive a nasalidade da última sílaba), ond (em vez de onde — para se aproximar do dialeto [õnʒ]), comu (em vez de comunidade — há na verdade uma abreviação). A simplificação de dígrafos ou simplificação da grafia é a forma de simplificar a escrita por meio de alterações na ortografia, geralmente por letras cuja sonoridade é semelhante ou idêntica: aki (em vez de aqui), axo (em vez de acho), xau (em vez de tchau). Neste último exemplo, “ocorre o apagamento da consoante ‘t’, já que o escrevente reconhece que a sequência ‘tx’ é ortograficamente estranha, no que se refere à composição das sílabas em português”. (FUSCA, 2008, p. 17). O empréstimo linguístico ou unicamente empréstimo é a criação de uma abreviatura tomando como base um vocábulo de idioma estrangeiro: add (em vez de adicionar — derivado do verbo “to add”), btw (em vez de a propósito — derivado da expressão “by the way”), pls (em vez de por favor — derivado da palavra “please”). Com o uso de vocábulos em outros idiomas, “o escrevente 124

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demonstra sua forte vinculação com práticas letradas/escritas, uma vez que domina a grafia do vocábulo de origem estrangeira, bem como seu correspondente em português” (FUSCA, 2008, p. 19). Por fim, entendemos que a abreviatura “é resultado da consideração de aspectos importantes do contexto de produção dos discursos”. E ainda que, mesmo inconscientemente, o enunciador “parece reconhecer a importância do outro na ‘conversação’, por esse motivo, ao abreviar, o faz de maneira que a compreensão do enunciado não fique comprometida”. (FUSCA, 2008, p. 12).

Exemplo de abreviatura (registro gráfico do primeiro grafema de cada sílaba).

Notamos, neste exemplo, como a palavra “beijos” foi abreviada (bjx), destacando apenas o grafema inicial de cada sílaba, ou seja, b e j. Para pluralizar, o enunciador optou por usar o x, em vez de s, visto o fonema [ch] parece soar mais charmosamente do que o fonema [s].

Exemplo de abreviatura (modo de enunciação oral/falado).

Aqui, podemos perceber como a abreviatura se dá devido ao modo de enunciação oral/falado, ou seja, a palavra “gente”, que soa como jent, e a palavra “vocês” (ou coloquialmente “cês”), que soa como o número 6. Além disso, também é perceptível a abreviação da palavra “está”, no vocábulo tá. 125

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4.2. A pontuação!!!!! e a falta dela

A pontuação serve como ênfase para o que está sendo dito. Para Pereira e Moura (2009, p. 74), “recursos como ponto de interrogação, de exclamação e reticências são utilizados, em excesso, pelos papeadores, com o objetivo de dar à escrita a entonação da própria fala”. Essa não é uma novidade trazida com a internet, visto que alguns escritores já usaram este artifício em diálogos, com o fim de reproduzir a entonação da fala dos personagens. Entre as pontuações em excesso mais comuns na internet, prevalecem as interrogações, as exclamações e as reticências. Nas palavras de Aragão (2006, p. 142), “a repetição de sinais apresentou-se como uma forma de se dar ênfase àquilo que foi digitado”. Temos vários exemplos: uma indagação (no caso do ponto de interrogação), uma manifestação de alegria, raiva, dor ou uma advertência (ponto de exclamação), uma hesitação (reticências). Vírgulas, pontos e vírgulas, travessões, parênteses e pontos finais são exemplos de pontuações que comumente ficam esquecidas na linguagem cibernética. Podemos enumerar três aspectos que motivam a ausência desses sinais (ARAGÃO, 2006): (i) o contexto da língua; (ii) a economia de movimentos no teclado; (iii) a menor reflexão necessária para a formulação de frases. Quanto ao contexto da língua, entendemos que, embora a comunicação seja feita a distância, a troca de informações precisa ser realizada de forma rápida e concisa. Também é notável a diferença de quando há uma afirmação, quando há uma surpresa e quando há um questionamento, visto que a leitura na tela do computador, no caso da linguagem cibernética, é feita superficialmente e a interpretação torna-se primária. Já quanto à economia de movimentos no teclado e a menor reflexão necessária para a formulação de frases, compreendemos que prevalece a velocidade na digitação, visto que a ausência dessa rapidez pode provocar uma interrupção no diálogo ou no pensamento daquilo que deve ser expresso. A 126

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realidade é que, na escrita cibernética, principalmente nos casos de mensagens instantâneas, a comunicação é veloz e qualquer caractere dispensado é um ganho para a espontaneidade.

Exemplo de excesso de pontuação.

Neste exemplo, notamos o excesso de pontos de exclamação para finalizar cada um dos períodos. Assim, a relação de ordem, certeza ou afirmação decisiva, demarcada pelo sinal exclamativo, ganha ainda mais ênfase ao ser triplicado. A regra, basicamente, é: quanto mais pontuação se coloca, maior é a intensidade provocada.

Exemplo de falta de pontuação.

Aqui, em contradição, há a falta de pontuação, principalmente no primeiro período do enunciado. Não existe nenhum sinal gráfico que separe a primeira ideia (quem pode entrar na emissora) com a segunda ideia (a extensão 127

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da lista negra). Isso pode ocorrer por três motivos: (i) desconhecimento da gramática por parte do enunciador; (ii) desatenção na hora da produção escrita; (iii) despreocupação com as normas cultas, visto que o enunciado foi feito para circular no espaço cibernético.

4.3. Os alongameeeeeeeeentos e as MAIÚSCULAS “Um outro recurso muito utilizado pelos papeadores, com o objetivo de acentuar valorativamente o enunciado, dotando essa escrita de marcas da oralidade, são os alongamentos vocálicos, utilizados como função paralinguística.” (PEREIRA; MOURA, 2009, p. 75). Assim, compreendemos que os alongamentos são mais um recurso estilístico que acompanha a linguagem verbal, mesmo não tendo necessariamente esse aspecto. “As letras maiúsculas (garrafais) também são utilizadas como marcadores de entonação. Tanto podem enfatizar uma palavra, marcando a importância dela no enunciado, quanto podem representar o grito.” (PEREIRA; MOURA, 2009, p. 75). Assim, sabemos que a utilização das maiúsculas equivale à elevação da voz, na linguagem oral.

Exemplo de alongamento de vogais e de maiúsculas.

Neste exemplo, notamos tanto o alongamento da vogal é, como a presença de todo o enunciado em letras maiúsculas — mais usualmente chamadas 128

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texto em caixa-alta. O alongamento serve para estender a ideia do tédio, dando a possibilidade de quantificar um substantivo abstrato. A presença da caixa-alta tem como função ampliar o desabafo, assemelhando-o a um grito.

4.4. Os emoticons :-) Durante qualquer tipo de comunicação, as pessoas sempre preservaram a gesticulação. (BRITO, 2008). A expressão verbal torna-se mais crível e envolvente quando utilizamos, em concomitância, a expressão facial e corporal. Assim, quando a comunicação via computadores foi criada, houve a necessidade de criar também um recurso que representasse a emoção do enunciador. Surgiu, então, o emoticon. Criado em 1982, por Scott Fahlman, professor-pesquisador da Universidade de Carnegie Mellon, na Pensilvânia, o emoticon surgiu com os dois mais famosos smileys (o rostinho feliz e o rostinho triste): :-) e :-( — que são representados, somente, por dois pontos, um hífen e um parêntese. A nomenclatura foi resultado da contração de emotion (emoção) e icon (ícone), ou seja, o ícone que representa emoção. Emoticons “são recursos digitais semióticos de linguagem que servem para simular emoções, afetividade e gestos físicos durante uma interação em um ambiente virtual ou não” (ARAÚJO apud JANSEN, 2012, p. 1). Em outras palavras, são as “carinhas” criadas com a junção de diferentes caracteres e que são veiculadas, principalmente, em conversas e enunciados do espaço cibernético. Para a linguística, os emoticons entram no que chamamos de mitografia, a parte simbólica da linguagem verbal, em especial no campo da pictografia, ou seja, dos desenhos figurativos. Para Todorov e Ducrot (1982 apud BRITO, 2008, p. 3), “mitografia é um sistema em que anotação gráfica se refere à linguagem 129

(verbal), mas forma uma relação simbólica independente”. E ainda é possível ressaltar que “a parte mais importante da mitografia é formada pela pictografia: isto é, desenhos figurativos, utilizados com uma função de comunicação”. Em síntese, a importância dos emoticons para a estilística é justamente esta: a expressividade por meio de elementos figurativos, a afetividade do enunciador por meio de uma representação visual (ainda que com elementos propícios da linguagem verbal: os caracteres) daquilo que deseja expressar. Podemos enumerar como os emoticons mais comuns da escrita cibernética: :-) ou =)



estou feliz, sorrindo.

:-D ou =D



estou muito feliz, com sorriso amplo.

;-) ou xD



estou piscando ou consentindo.

:-( ou =(



estou triste, chorando.

:-O ou =O



estou surpreso, admirado.

:-/ ou =/



estou aborrecido, chateado.

ò.ó



estou bravo, irritado.

8-) ou 8D



estou aproveitando o momento.

:-P ou =P



estou jocoso, mostrando a língua.

. Acesso em: 29 abr. 2012. FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Linguagem de Internet e celular. Revista Veja, mar. 2009. Entrevista. Disponível em: . Acesso em: 11 abr. 2012. __________; COSTA, Sérgio Roberto (Org.). Leitura e escrita de adolescentes na internet e na escola. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. FUSCA, Carla Jeanny. O processo de abreviação em salas de bate-papo: regularidades e fatores que condicionam seu uso. Disponível em: . Acesso em: 30 mai. 2012.

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GLOSSÁRIO Aglutinação: fusão de duas ou mais palavras. Agramaticalidade: resultado do não cumprimento das regras gramaticais. Amplicar: aprofundar, dilatar. Aoristo: ação verbal inexistente nas línguas modernas; é responsável pela não determinação do tempo ou por sua imprecisão, assemelhando-se a um pretérito indefinido, indeterminado. Australopiteco: primata antecessor da espécie humana. Ballyano: referente aos estudos do linguista francês Charles Bally. Ciberjuvenil: relacionado ao público juvenil no espaço cibernético (internet). Cinestésico: relativo ao contato físico, táctil. Cutucada: aplicativo do Facebook utilizado para chamar a atenção de algum usuário. Delocutividade: emprego de signos travestidos de palavras. Dicendi: verbo que indica uma fala ou uma citação. Enérgeia: funcionamento, atividade, ato ou utilização. Entropia: algo grau de desordem. Equóreo: relativo ou pertencente ao mar. Eufemístico: relativo ao eufemismo, atenuante. Fueguino: dialeto chileno. Hiperbólico: relativo à hipérbole, exagerado. Hipertextualização: característica linguística presente no cenário digital que

permite o acesso a outros textos por meio de links. Identitário: relativo à identidade (de uma pessoa, de um grupo, etc.). Idiossincrasia: caraterística particular de um ser. Internético: relativo à internet. Intersecção: encontro, cruzamento, mescla. Involutivo: diz-se daquilo que é fixo, que não pode evoluir. Morfofonológico: relativo à morfologia e à fonologia. Oxítono: diz-se do vocábulo cuja última sílaba é tônica. Neosaussurianismo: estudos contemporâneos baseados nas ideias do linguista inglês Ferdinand de Saussure. Paralinguística: parte da linguística que estuda os elementos não verbais que acompanham a comunicação verbal. Paroxítono: diz-se do vocábulo cuja penúltima sílaba é tônica. Perfeito: no caso, trata-se do tempo verbal conhecido como pretérito perfeito. Proparoxítono: diz-se do vocábulo cuja antepenúltima sílaba é tônica. Prospectivo: tempo verbal mais conhecido como futuro do pretérito. Reticularização: fragmentação. Saussuriano: relativo aos estudos do linguista francês Ferdinand de Saussure. Sociodrama: método de intervenção terapêutica e/ou pedagógica voltada à mudança de comportamentos dentro do grupo (casais, família, grupos escolares, empresariais, etc.). Subelemento: que está em posição inferior ao elemento. Tecnolinguístico: relativo à evolução (ou modificação marcante) da língua por meio de alguma tecnologia emergente. Todoroviana: relativo aos estudos do filósofo e linguista búlgaro Tzvetan Todorov. Tshiluba: dialeto do Congo.

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Março de 2013.

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