Estado de Direito e Codificação do Direito Internacional State of Law and Codification of International Law

June 12, 2017 | Autor: Margareth Leister | Categoría: International Law, Public International Law, International trade law, Codification, Codificación
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Estado de Direito e Codificação do Direito Internacional
State of Law and Codification of International Law
Margareth Anne Leister

RESUMO: O presente trabalho aborda a questão da codificação do Direito Internacional. Inicia apresentando distinção entre codificação e desenvolvimento progressivo, para colocar a questão: a codificação do direito internacional é necessária? Após, a partir da tentativa de consolidação e codificação das regras, usos e costumes no Direito Internacional, analisa o resultado das unificações.
Palavras-chave: Codificação; Direito Internacional, Lex Mercatoria
ABSTRACT: This paper addresses the issues of codification of international law. After, a presentation of the developments in international law to ask the question: is codification necessary? International trade has a set of rules, practices and customs since the ancient times, created by the actors of international trade, applied and regulated by themselves, which is currently the object of attempts to consolidate and codificate private institutions, whose main goal is to unify international trade.
Keywords: Codification, International Law, Lex Mercatoria.

Introdução

A codificação é um fenômeno constante da evolução jurídica, e consiste na reunião orgânica de todas as normas vigentes em um único corpo. Movimentos de recodificação de vários ramos do Direito no Brasil são facilmente identificados, tendo já sido concluídos o Código Civil, o Código de Processo Civil e alterações no Código de Processo Penal, estando a reforma do Código Penal em trâmite legislativo. Nos países que se filiam à tradição romano-germânica, o desenvolvimento do Direito foi mediante a codificação, utilizando-se se a técnica de codificação fechada da lei. O sistema jurídico brasileiro é codificado desde as Ordenações reais. Já no âmbito internacional, a codificação de uma área utiliza a técnica da codificação aberta das normas, admitindo a textura aberta, o que nos leva a questionar se a codificação é a melhor solução para a organização dos comandos normativos que determinam comportamentos no comércio internacional. Em ciência, codificação é o processo analítico pelos quais os conceitos são identificados e desenvolvidos em relação a suas propriedades e dimensões.
A questão posta é: como categorizar o Direito do Comércio Internacional, ramo do Direito que tem eficácia e estabilidade independentemente do sistema jurídico a que esteja legalmente conectado, à ausência de ordem jurídica? Para responder a esta questão, examinaremos as mudanças substanciais do direito internacional público que afetam o comércio; os processos de codificação, seu uso no Direito Internacional e a nova lex mercatória.
A codificação

O costume moderno muitas vezes representa o desenvolvimento progressivo do Direito. Codificação e desenvolvimento progressivo são coisas distintas. O desenvolvimento progressivo do Direito se dá com o surgimento de novas problemáticas que influenciam as manifestações de poder decisório por parte dos Estados. Dadas as circunstâncias, a regulação deve ser suave e abrangente – para sua aceitação por uma gama de Estados, construindo-se um regime jurídico progressivo ou a construção progressiva de novo regime jurídico (NASSER: 2005: 98). Exemplificando, a regulamentação do comércio internacional foi modificada na Rodada Uruguai, do GATT, com a criação da OMC, alargando o escopo do GATT, quer em número de participantes, quer por sua forma institucional, quer pelas matérias de que trata. Aqui, trata-se de desenvolvimento progressivo do direito e da prática do GATT (LAFER, 1998: 09). Já a codificação, em sentido inverso, consolida uma regulação rígida.
Internamente, a codificação sempre foi efetivada por legisladores. No Direito Internacional, contudo, a codificação dos séculos XVIII e XIX foram obra de indivíduos cujos projetos foram a consolidação e a harmonização da norma dos ditos povos civilizados.
Os mecanismos contemporâneos de codificação abrangem áreas específicas do Direito Internacional Público e Privado, e do Direito do Comércio Internacional. A natureza dos instrumentos utilizados para a codificação transmuta-se na atualidade - de tratados e convenções internacionais à utilização de estruturas normativas brandas ou "softs". O paradoxo está no fato de o primado da lei e a codificação terem se fundado como instrumentos para unificar o Direito, e sua consequente centralização nas mãos do Estado, consolidado como único produtor da norma jurídica.
Os códigos são criados e encerrados sob o formato de lei. São grandes leis, mais que ferramentas de organização legislativa, com vocação para abranger amplamente determinado ramo do Direito. A codificação fechada em lei tende a engessar a atualização e organização das normas contidas nos códigos e a contribuir para a formação de indesejável legislação extravagante. Como colocou Norberto Flacht (2000).
"[...] se, ao longo da história do direito, as fontes jamais tiveram paridade, sendo o direito estruturado em níveis hierárquicos diferenciados, submetido às usuais oscilações, a exacerbação da prevalência da lei provoca uma nova concepção da validade das normas, fundada na idéia de 'delegação', em detrimento de uma validade material, conteudística. "
A matéria codificada, por vezes, tem função meramente organizacional. No Direito Internacional o produto da codificação não é norma, mas repositório. Assim, as normas de determinada matéria, regularmente adotadas por sujeitos de direito internacional, poderiam, para fins apenas organizacionais, ocupar diferentes títulos e capítulos do código, de acordo com a melhor classificação de seus assuntos. Para João Grandino Rodas e Gustavo F. C. Mônaco (2007: 38),
Em que pese a maior utilização do método codificador para atingir a unificação jurídica do Estado, forçoso é convir que tal método só possa ser empregado como etapa de um processo maior, iniciado pela harmonização dos costumes divergentes, passando pela compilação ou consolidação e redução a termo dos costumes e das ordenações escritas locais.
Esse trabalho classificatório do conteúdo normativo de uma norma internacional é de natureza administrativa e não legislativa, podendo ser atribuído a órgãos diretivos das organizações internacionais. Pedro Barbas Homem (2001: 190) afirma que
"[...] a codificação do direito privado constitui uma condição para a realização do projeto liberal. Cada um dos códigos projectados corresponde ao desenvolvimento normativo de direitos naturais e liberdades em concreto: o Código Civil tutela a propriedade; o Código Penal a liberdade e o direito à segurança. "
Em tempos de rápidas mudanças sociais, econômicas e jurídicas,
"[...] o direito internacional é chamado para lidar com problemas cada vez mais complexos em vista do aumento do dinamismo da vida internacional. Isso aumenta o âmbito da ação das normas de direito internacional e faz com que projeção e planejamento sejam algumas das mais importantes tarefas do direito internacional" (LUKASHUK I.I., apud ABASHIDZE e SOLNTSEV, 2014).
Resta determinar, seguindo Marotta Rangel (1995), a problemática da codificação 1) quem codifica?; 2) o que se codifica?; 3) como se codifica?

Da codificação do Direito Internacional

Como afirmado anteriormente (LEISTER, 2005: 276), uma das concepções correntes é de que o Direito é a aplicação imparcial, por uma autoridade posta, de regras preestabelecidas na solução de um conflito. No sistema internacional o Direito é estabelecido e invocado no pluralismo característico, consequência da coexistência de diversos Estados formalmente constituídos. Já o Direito Internacional lança seu fundamento de validade em normas que são criadas, principalmente, por Estados que expressam o seu consentimento mediante atos solenes firmados em espaços públicos.
Todavia, a jurisdição dos negócios internacionais entre entes privados se dá, em última instância, num espaço institucionalizado público, no qual a razão do discurso político-jurídicos adquire potencial de plena realização, legitimando os órgãos jurisdicionais internacionais tais como o Órgão de Solução de Controvérsias da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do Fundo Monetário Internacional (FMI). As controvérsias podem se apresentar em termos comerciais, financeiros e econômicos, bem como na questão da gestão de recursos naturais, soberania estatal e políticas ambientalistas. Em alguns destes ramos a codificação vem sendo tentada (LEISTER, 1995: 489).
O Direito Internacional caracteriza-se pela "verticalização" dos temas, vale dizer, aprofundamento não sistêmico no regramento de condutas. Diversos capítulos do Direito Internacional já foram codificados: relações diplomáticas e consulares, Direito dos Tratados, Direito do Mar. E os avanços da codificação permanecem atuantes, sendo que a maior parte dos campos do direito internacional tem sido codificada. Cassese (2005: 168) alerta para os seguintes efeitos da codificação dos costumes: efeito meramente declaratório na codificação de costume preexistente; efeito cristalizador, decorrente da maturação de um costume; e efeito gerador, trazendo à efetividade norma contida em tratado em consolidação.
No âmbito da OEA, o processo de CIDIP é instrumento para a codificação e harmonização do Direito Internacional Privado. Atualmente, há um monopólio da Comissão sobre a codificação e desenvolvimento progressivo do direito internacional nas Nações Unidas (ABASHIDZE; SOLNTSEV: 2014).
O Acordo Constitutivo da Organização Mundial do Comércio instaura procedimentos que constituem obrigações internacionais assumidas mediante um tratado e o uso destas normas é obrigatório por parte dos Estados e de seus jurisdicionados (LEISTER, 2005: 277). Na OMC, o sistema de solução de controvérsias adotado é unificado. Todas as regras e práticas prévias estão incorporadas neste sistema integrado de solução de controvérsias, com vistas a trazer segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de comércio (OSC, 3:2) A OMC, nas palavras de Luiz Olavo Baptista (PRADO; SANTANA, 2013: 18), "foi o evento mais importante da história do Direito Internacional. Pela primeira vez tem-se um 'Código Comercial' que se aplica a todos os países".
Quando as relações comerciais adquirem uma dada complexidade, e é difícil estabelecer qual a norma aplicável, surge a necessidade de sistematizar o corpo de normas, eliminando as normas que caíram em desuso e que são contraditórias entre si. O comércio economicamente eficiente requer confiança de seus atores no cumprimento dos contratos. Para tanto, providenciou-se a institucionalização do direito privado numa autoridade objetiva, em geral tribunais arbitrais.
O estabelecimento e funcionamento da OMC, por exemplo, demonstra a codificação do corpus do costume internacional relacionado ao comércio – o que significa a regulamentação formal dos investimentos, dos direitos de propriedade imaterial, do fluxo de capitais – com a obrigatoriedade dada pelos tratados instituidores e a executoriedade dada por órgão próprio da instituição (LEISTER, 2005: 278).
De se destacar os Princípios relativos aos Contratos Comerciais Internacionais, publicados em 1994, com revisões em 2004 e 2010. Luiz Olavo Baptista (1996: 27) entende que os Princípios relativos aos Contratos Comerciais Internacionais (PICC – UNIDROIT 2010) são considerados tentativas de unificação legislativa mediante codificação privada. Aplica-se a mesma lógica para os Princípios de Direito Contratual Europeu (PECL), gestados pela Comissão Lando, e mutuamente influenciados pela CISG - Convenção Internacional sobre Comércio de Bens, de 1980.
A posição de BARON (1999) é de que os Princípios relativos aos Contratos Comerciais Internacionais (PICC – UNIDROIT 2010) e os Princípios de Direito Contratual Europeu (PECL) dão apoio à tese que sustenta a existência da Lex Mercatoria, em razão de a sua metodologia assegurar maior previsibilidade e estabilidade, mediante um sistema sem origem estatal, coerente e conciso.
Ainda, temos os princípios Translex, consubstanciados numa coleção sistemática dos princípios e regras de direito comercial transnacional disponíveis online, pretendendo ser a nova Lex Mercatoria. São utilizados por árbitros e peritos nas arbitragens internacionais, e na redação de contratos. São elencados mais de 130 princípios, v.g. pacta sunt servanda, venire contra factum proprium, dever de mitigar danos e compensação por expropriação.

Da Lex Mercatoria

Já a partir da metade do século VI, os monarcas visigodos se mostram mais centralizadores, e passam a defender um projeto de unidade político-territorial na Hispania Visigoda (LEISTER, 2014: 87). Temos a Lex Romana Wisigothorum, também conhecida como "Breviarium de Alarici Reges", que foi aplicada aos súditos romanos; e o Codex Euricianus revisus, tentativa de unificação do tratamento jurídico dos súditos do Império Romano, que revogou as leis romanas, reconheceu/proibiu/baniu costumes, e aboliu a velha tradição de coexistência de diferentes leis para romanos e visigodos.
O Codex Euricianus foi a primeira obra de compilação de leis consuetudinárias dos visigodos, reafirmando os costumes da nação visigoda (LEISTER, 2014: 100). Posteriormente, o processo de transformação do costume em lei durante o século XVI foi incentivado pelos poderes imperiais. Glitz (2012) aponta com são vários os trabalhos de compilação dos costumes levados a cabo na França central (pays de coutumes), atual Bélgica, Suíça, países da península escandinava, Alemanha e Espanha. Para GLITZ (2012: 83), há um duplo movimento de acomodação política: a romanização e a compilação e homologação do costume.
A elaboração de princípios e regras relativas às transações mercantis e suas formalizações encontram-se no tratado "Consuetudo Vel Lex Mercatoria", publicado em 1622, por Gerard Malynes; e Johannes Marquardus em seu livro "Tractatus político-juridicus de iure mercatorum et commerciorum", publicado em 1662 (Donahue, 2004)
As principais características da Lex Mercatoria foram, a) originária de fontes outras que não legislador instituído, e b) consistiu num sistema de princípios e regras razoavelmente coerente. Conforme Dalhuisen (2006 :132), as fontes permanecem tão obscuras que nova lex mercatoria ainda não pode funcionar como um sistema jurídico pleno.
A antiga Lex Mercatoria desapareceu durante o século XIX, ao passo que a ideia de Estado-nação e soberania passou a prevalecer sobre o conceito de um direito comercial independente. Todavia, grande parte de seu conteúdo passou a constar nos principais códigos europeus de direito comercial, como o Código de Comércio francês ou o Handelsgesetzbuch alemão.
Conforme Guido Soares (2002: 85-6), a atividade de codificação das normas costumeiras internacionais é tendência do Direito Internacional Público, sendo a Organização das Nações Unidas a responsável pelas codificações relevantes (Relações Diplomáticas e Relações Consulares, Direito dos Tratados, Missões Espaciais, Estatuto do Tribunal Penal Internacional, Utilização dos cursos d'água, Lençóis freáticos transfronteiriços, projeto sobre Responsabilização dos Estados).
Vários fenômenos contribuem para a evolução gradual de um sistema de princípios jurídicos transnacionais: a crescente mobilidade de pessoas, capitais, mercadorias, informação e comunicação; o incremento da regulamentação não-governamental, por organismos como a Câmara de Comércio Internacional (ICC); o uso contratos-tipo e cláusulas padrão, e os processos de codificação; o processo de tomada de decisões de tribunais arbitrais internacionais. A harmonização legislativa moderna toma a forma de "transplantes" de leis, pela exportação de conceitos e de normas legais, das nações industrializadas para as economias emergentes.
A codificação formal da lex mercatoria, dado o elevado grau de informalidade e flexibilidade dos negócios internacionais, pode ser uma atividade complexa e dinâmica. Conforme Dalhuisen (2006: 133), a nova lex mercatoria detém natureza dinâmica, muitas vezes expressa em práticas que podem mudar rapidamente, se lógica de negócios ou as forças de mercado assim o exigir.
Assim, no contexto do direito do comércio internacional, "codificação" não significa legislação formal emanada por poder legiferante, tal qual o modelo positivista de regulamentação. Uma compilação de princípios legais retira sua força persuasiva pela adoção pelos agentes do comércio internacional.
Conforme Abashidze e Solntsev (2014), "o século XXI já criou um enorme banco de dado dos tratados, e hoje há mais um questionamento de fortificação de sua implementação a nível nacional; identificação do direito habitual internacional e o desenvolvimento do direito "leve", ao invés da criação de um tudo novo e de novos tratados internacionais".
Por outra vertente, a fonte legítima de manifestação da soberania popular é a Lei, consoante a tendência centralizadora do poder político que redunda no monopólio estatal do poder de criar normas de eficácia jurídica e de aplicá-las (LEISTER, 2005:83). A consequência é a deslegitimação das outras fontes de produção de normas jurídicas, sendo a legalidade o ápice da estrutura do ordenamento jurídico. Vale dizer, a lex mercatoria é externa ao sistema e subordinada à Lei, tendo adquirido uma natureza desvinculada dos Estados
A codificação poderia fornecer unidade e coerência a todo o sistema legislativo, facilitando o conhecimento adequado do sistema jurídico e, portanto, sua aplicação. Por outro lado, pode levar à estagnação da legislação, apartando-a da realidade comercial.
A positivação do direito pode propiciar a certeza e a segurança da comunidade, repisando o positivismo jurídico e a almejada codificação, numa busca infindável pela univocidade, de forma a garantir a segurança jurídica. Por esta razão, a tendência à univocidade se desvela na normogênese e na atividade quotidiana dos operadores jurídicos, de forma explícita ou subliminar (LEISTER, 2005: 286). Por vezes normas são introduzidas mediante alterações parciais, representando a quebra da sistematização e da coerência do sistema jurídico.

A regulamentação do comércio

A nova Lex Mercatoria foi redescoberta na década de 1960 por Berthold Goldman, Clive Schmitthoff e outros, a partir da padronização das cláusulas contratuais de venda e compra e dos contratos de transporte marítimo.
Na esteira de ALPA (apud Glitz, 2012: 176), a ocorrência de harmonização contratual internacional é verificável pela criação de um "Direito europeu" dos contratos; pelo projeto de um Código europeu dos Contratos; e pela adoção dos Princípios relativos aos Contratos Comerciais Internacionais - PICC.
Os esforços no sentido de formalizar formas contratuais universalmente aceitas são muitos, vários com sucesso e utilizados pelos operadores do comércio internacional, tais como os INCOTERMS e demais compilações de usos e costumes comerciais pela Câmara do Comércio Internacional – CCI - regras uniformes sobre o crédito documentário, cláusulas hardship e force majeure, convenção arbitral; as regras probatórias da International Bar Association (IA-A); as normas de arbitragem da International Bar Association (IBA) acerca do comportamento ético dos árbitros e produção de provas; bem como a sugestão de padronização legislativa pelas "lei-modelo" e os "legal guides" publicados pela Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional – UNCITRAL, tais como as que regem as compras governamentais, a arbitragem, a insolvência transnacional e o comércio eletrônico. Em sentido contrário, ABASHIDZE e SOLNTSEV (2014): Outro argumento em favor do fim da era da codificação do direito internacional é o fato do crescimento sem precedentes do direito "leve" em diversos ramos do direito internacional.
O século XX foi o século da globalização – não o único, conceito jurídico-econômico ocidental com conotações significativas. A globalização tem causa e consequência na convergência mundial de valores econômicos e políticos.
É interessante notar que os negócios internacionais se assemelham aos negócios domésticos, porque as operações são as mesmas num e noutro – à exceção de que as regras do jogo no âmbito internacional mudam constantemente, acompanhando as modificações políticas e culturais. Desde a Lei Helms-Burton, de 1996, nota-se a substituição da regulamentação estatal pela internacional, a requerimento do mercado - que adotou o modelo jurídico ocidental para a regência dos negócios internacionais. E ainda as exigências de organizações internacionais governamentais, impondo um determinado regime legal como condição para a transferência de fundos. Estes regimes legais garantiriam o crescimento econômico e bem-estar social – o que não se verifica.

Conclusão

Como vimos, o Direito do comércio internacional adotou a sistematização requerida por seus agentes: Estados adotaram convenções, tribunais arbitrais aplicaram a lex mercatória, foram fixadas regras de solução de litígios, culminando com a instalação do Órgão de Solução de Conflitos da Organização Mundial do Comércio e com Princípios relativos aos Contratos Comerciais Internacionais (PICC).
O Direito do Comércio Internacional é um ramo do Direito que tem eficácia e estabilidade independentemente de um sistema jurídico estatal subjacente, sustentando-se no desenvolvimento progressivo e na codificação. Conforme surgem novas problemáticas, é construído um regime jurídico progressivo (lex mercatoria) ou uma regulação rígida (codificação). Estes mecanismos contemporâneos de codificação abrangem o Direito do Comércio Internacional, verificando-se a passagem de tratados e convenções internacionais à utilização de estruturas normativas brandas ou "softs". A codificação fechada em norma estatal ou intraestatal positivada tende a engessar a atualização.
A matéria codificada, por vezes, tem função meramente organizacional e procedimental, como o Órgão de Solução de Conflitos da Organização Mundial do Comércio. No Direito do comércio internacional, o produto da codificação não é norma, mas repositório.
Ficou determinado que quem codifica são os agentes – comerciantes, árbitros, Câmara de Comércio Internacional (ICC) – e órgãos especializados de organizações internacionais governamentais. Codifica-se temas verticalizados tangenciais ao comércio em si, tais como relações diplomáticas e consulares, Direito dos Tratados, Direito do Mar. Encontram-se codificados os Princípios relativos aos Contratos Comerciais Internacionais (PICC) e os Princípios de Direito Contratual Europeu (PECL).
Ficou estabelecido que a codificação não significa legislação formal emanada por poder legiferante, tal qual o modelo positivista de regulamentação. Ainda que não adequada , a atividade de codificação das normas costumeiras internacionais é tendência do Direito Internacional. A positivação do direito propiciaria a certeza e a segurança da comunidade, em busca da univocidade, de forma a garantir a segurança jurídica.
Os esforços no sentido de formalizar formas contratuais universalmente aceitas são muitos, como os INCOTERMS e demais compilações de usos e costumes comerciais pela Câmara do Comércio Internacional - CCI, "lei-modelo", "legal guides" publicados UNCITRAL.
O direito estatuído pelos mercadores permanece regendo as relações comerciais internacionais, ainda que requeiram a segurança de sua executoriedade pelas autoridades estatuídas.

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