Entrevista Prof. William Summerhill Por Jorge Felix1
(Publicada pelo jornal Valor Econômico, em setembro de 2008)
Resultado de mais de 20 anos de pesquisa, o trabalho de William Summerhill, professor da Universidade da Califórnia-Los Angeles (UCLA), sobre as ferrovias brasileiras tornou-se um clássico para a análise do desenvolvimento econômico. Summerhill foi o único a se embrenhar em arquivo morto do prédio do Ministério da Fazenda, no centro do Rio, para levantar dados para sua tese. Em visita ao Brasil, a convite da USP, o brasilianista, de 45 anos, comentou em excelente português, as lições da história econômica para este momento da economia brasileira. Nesta entrevista, defendeu mais concorrência bancária e criticou a criação de uma estatal para exploração do pré-sal: “É um passo para trás”. Valor – Qual a lição que a História Econômica pode dar neste momento de discussão sobre o pré-sal? WS – Não existe uma história única. Na África observamos um surto econômico com a descoberta de um recurso natural ou com a valorização rápida no mercado internacional de um recurso determinado. A resposta foi o caos político em alguns lugares. Mas isso é a África. Nos Estados Unidos, no início do século 20, houve uma súbita expansão da produção de petróleo. Não criou uma “maldição de recursos naturais”. Na Holanda e em vários outros países, quando descobriram jazidas, não afetou a estabilidade democrática. Isso indica que o problema não é a tão falada “maldição”. Mas a intersecção da descoberta com as instituições políticas. Acredito que a democracia no Brasil resiste a qualquer tipo de resultado que vimos no caso dos diamantes da África. Valor – No Império, D. Pedro I gastou grande quantidade de ouro em guerras contra a Argentina. Como o Brasil poderia usar melhor seus recursos naturais?
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Doutorando em Sociologia (PUC-SP/bolsista CAPES), mestre em Economia Política e professor da PUC-SP e FESP-SP
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WS - Talvez não exista um modelo ideal. Mas o modelo da Petrobrás é quase ideal. Uma estatal, hoje muito eficiente, permitindo concorrência. É como se ensina na sala de aula: quando você tem empresas, a situação competitiva levará à eficiência. Mexer neste modelo cria uma certa preocupação. Quais são as alternativas? Olhando para a América Latina, você tem a Pemex, que sofre de baixa produtividade porque não permite concorrência na exploração e refino. Estatal pura. Lá a Gasolina não é barata, a Pemex criou ainda uma máquina de empregos para fins políticos. Pior é o caso da Venezuela. A produção vem caindo. Não há investimento. Está usando os recursos para os programas sociais, tudo bem, mas são programas políticos. Valor – A criação de uma estatal para evitar, como disse o presidente Lula, que “seis empresas estrangeiras” dominem a exploração destes recursos é recomendável? WS – Acho um passo para trás. Há maneiras de garantir que empresas tanto estrangeiras como nacionais não estabeleçam monopólio. É o modelo da Petrobrás, com bastante concorrência, mesmo sem as “seis empresas”. Criar um monopólio, possivelmente duplicando a dívida pública, creio que vá custar muito. Em vez de pendurar a conta no investidor vai pendurar a conta no contribuinte. Deixará o Estado sem recursos para investir em áreas sociais e abrirá um grande espaço para interferências políticas de todas as ordens. Até mesmo corrupção. E não distribui oportunidades sociais. Quero dizer que esse problema existe em todas as democracias. Não é bom entregar para a classe política mais recursos para comprar apoio político e uma estatal como esta corre esse risco. Enfraquece a democracia e a questão hoje na América Latina é a qualidade da democracia. Valor – Neste modelo, acredita, como afirmam alguns analistas, que significaria o enfraquecimento da Petrobrás? WS – Sim. Seria, de certa forma, um calote. Embora temos que ver se os acionistas da Petrobrás algum dia receberam do governo a promessa de que nunca haveria um outro modelo de exploração de petróleo no país. Um dos cenários que os investidores imaginaram, certamente, foi que a empresa seria proprietária de novas reservas. Valor – E voltando às lições da história... WS – No Segundo Império um dos modelos adotados foi dar um subsídio ao investidor em estrada de ferro. Em alguns casos, mesmo assim, não se obteve sucesso. O governo, então, construiu. O maior exemplo foi a Estrada de Ferro D. Pedro II. Esse modelo teve um
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impacto econômico muito grande em função do rápido avanço da tecnologia, da redução do custo de transporte e da geração de um benefício econômico enorme para a economia brasileira. Mesmo sendo estatal. Hoje em dia é diferente. O avanço tecnológico é mais lento. É passo a passo. Não é súbito. As estatais que cresceram depois da Segunda Guerra Mundial tiveram um custo econômico maior do que o benefício. Valor – Na busca do desenvolvimento econômico, quais são os erros crônicos do Brasil? WS – O primeiro é empregar o Estado para resolver problemas sem estabelecer restrições que garantam que mercados que estão funcionando não serão destruídos. Existem áreas onde o mercado não funciona bem. Neste caso, existe papel para o Estado. Mas não significa que o Estado deva entrar dominando tudo e começar a mexer com outros mercados. Outra questão é a ausência de uma filosofia administrativa focada em descobrir como fazer para formar pessoal qualificado e liberar, incentivar esse capital humano para inovar, em vez de assumir um paternalismo. Valor – Como avalia as instituições no Brasil de hoje? WS - O que o Brasil precisava, desde o século 19, era uma reforma econômica que estabelecesse de uma maneira transparente as regras econômicas. Isso hoje tomaria a forma de uma “segunda geração” de reformas. Na década de 1990, foi difícil, ocorreu no nível macroeconômico. Agora faltam reformas imprescindíveis, como a fiscal e a trabalhista. O Brasil pegou a onda das commodities, está “mandando bem”, exportando muito. Isso ajudou com a inflação e a taxa de juros. O problema é o que vai acontecer quando esta onda passar. O que precisa é fazer um mercado mais eficiente. Essas reformas construiriam uma plataforma mais alta, para quando passasse esta onda, o Brasil pousasse em outro nível. Há o risco de que ele aterrize no mesmo lugar. Valor – Qual o papel e o tamanho ideal do Estado em seu ponto de vista? WS – Não posso dizer que o Estado tenha que ter tamanho 10 ou 9. Cada contexto tem suas características. O Estado deveria se preocupar com a atração de investimento. Não só investimento como captação externa, mas dentro de casa também. Um Estado que incentiva a Educação. Neste ponto, o Bolsa Família tem um potencial. A formação de capital humano é emergencial no Brasil. É importante para a economia e para a redução da desigualdade social. Outra coisa que o Brasil fez errado no passado. Quando investiu pesadamente na
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Educação foi em desequilíbrio. Investiu em programas de alta tecnologia – como se tivesse na mente um modelo de liderança de algum setor - e negligenciou a educação básica. Valor – Criou mais desigualdade mesmo investindo. WS - Claro. Nos Estados Unidos, historicamente, isso foi resolvido com um sufrágio maior. Já no início do século 19. O que o eleitor exigia era boa escola. É isso que o eleitor tem que exigir do Estado. O que as pessoas queriam era oportunidade para educar seus filhos. Tudo foi resultado de pressões da democracia. Foi escolha do povo ter o governo desempenhando aquele papel. Valor – Só a Educação talvez não explique a desigualdade. WS – No século 19, o Brasil e os Estados Unidos eram parecidos, neste aspecto da desigualdade. Alguns lugares nos Estados Unidos tinham escravidão e desigualdade grande. Mesmo em algumas áreas sem escravidão havia desigualdade. Se isso é verdade, a desigualdade é um produto do século 20. Os economistas americanos chamam o século 20 de o “século do capital humano”. A Educação passou a ser o determinante do retorno alto. O Brasil chegou ao século 20 sem ter um programa de educação pública básica eficiente. Estragou o doce. Agora está correndo atrás. Outra fonte é a escravidão, sem dúvida. Tem também a falta de integração de mercados: o fato de o Brasil ser retardatário na implantação de ferrovias. Valor – Qual a culpa do nosso processo industrial nesta desigualdade? WS – Favoreceu muito uma parcela. Especialmente a política de Vargas. O chamado “capitalismo brasileiro” foi populista. Criou industria. A curto prazo foi melhor para acelerar a taxa de industrialização. Mas criou uma aristocracia de mão-de-obra. O Estado privilegiou determinados trabalhadores. Já tinha lá o sindicato para eles, não sem ligação com o governo. Mas isso não se auto-financia. Alguém teve que pagar essa conta. Pagou aquele que sofre com a inflação ou com a falta de recursos públicos que deveriam ter sido aplicados na Educação. Se o governo tivesse conseguido desenvolver um setor, muito avançado, que depois iria se auto-sustentar, muito bem. Não houve sequer um protecionismo estratégico para depois pular pra frente. A Era Vargas durou muito. E provocou desigualdade. Valor – Qual foi o papel da formação do mercado de capitais neste processo?
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WS – Os economistas têm uma idéia de que mercado de capitais eficiente ajuda a diminuir a desigualdade. O problema aqui é a ineficiência do mercado de capitais. Não é culpa de bancos. É culpa do sistema de direito de propriedade. Nos Estados Unidos, houve excesso no mercado imobiliário. Mas tem que haver o direito de retomar de quem não pagar para poder provocar oferta. Isso tem um impacto forte para todo mundo, não só para o rico, mas para quem tenha talento. Muita gente desconfia dos lucros dos bancos no Brasil. São altos. Um pouco mais de concorrência ajudaria. Seria bom ter mais bancos.
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