Entrevista com Peter Lloyd-Sherlock sobre envelhecimento populacional

July 23, 2017 | Autor: Jorge Felix | Categoría: Sociologia, Politicas Publicas, Idosos, Envelhecimento demográfico, Evelhecimento Populacional
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Entrevista com Peter Lloyd-Sherlock sobre envelhecimento populacional Publicada pelo jornal Valor Econômico, em 2008. Por Jorge Félix1

O envelhecimento populacional muitas vezes interpretado como uma escolha entre avós e netos. Principalmente nos países em desenvolvimento, onde vive a maioria da população idosa do planeta, a tendência é encarar o fenômeno como uma obrigatória quebra do pacto intergeracional. Há mais de uma década pesquisando esta dinâmica demográfica no mundo subdesenvolvido, o professor inglês Peter Lloyd-Sherlock, desmente essa máxima. Para ele, a escolha, na verdade, é se as políticas públicas irão atender aqueles mais privilegiados ou os pobres, que podem ser as maiores vítimas numa sociedade envelhecida. Um dos autores mais citados por pesquisadores brasileiros e atualmente assessor do gabinete do secretáriogeral da ONU sobre o tema, Sherlock, nesta entrevista ao Valor, afirma que o Brasil está envelhecimento bem graças a seu sistema de seguridade social, criado pela Constituição de 1988, e ataca a posição do Banco Mundial no tema, considerada por ele “uma vergonha”. Valor – O fenômeno do envelhecimento populacional está sendo percebido como consequência do desenvolvimento econômico ou como uma barreira? Lloyd – O envelhecimento populacional representa um desafio para o desenvolvimento. Ele pode se tornar um estorvo. Mas isso depende de como este fenômeno será administrado. Historicamente, o Brasil tem sofrido com má administração, sistema previdenciário ineficiente. Isso foi mais produto da dinâmica de políticas corporativistas do que da mudança populacional. O mesmo pode, com certeza, ser dito do sistema de saúde. Se a saúde e a previdência tivessem sido geridas com mais eficácia, o suposto “fardo” dos idosos poderia ser apenas uma fração daquilo que é hoje. Valor – Como esta dinâmica deve ser entendida? Lloyd - Você não pode considerar o envelhecimento populacional como um fenômeno isolado. Ele tem que ser entendido no amplo contexto da transição da fecundidade. Rápida redução desta taxa significa uma queda na taxa de crescimento do total da população, o que é geralmente compreendido como uma boa coisa para a performance econômica do Brasil. Por exemplo, reduções no número de crianças liberam mais recursos para investimentos produtivos. Valor – Por que o envelhecimento populacional, então, quase sempre é visto como uma crise? Lloyd – Porque existem várias visões sobre o idoso. Eles são vistos como altamente dependentes (economicamente e em outros áreas) e improdutivos. A velhice é associada com uma inevitável baixa qualidade de vida. Essas visões são simplistas. A terceira idade pode ser muito variada. Elas também ignoram a importante contribuição que muitos idosos, especialmente os de cerca de 60 anos, continuam a fazer ou ter, o potencial deles, basta que a sociedade lhes ofereça oportunidades. Valor – Para um país em processo de envelhecimento surge obrigatoriamente uma escolha, em termos de políticas públicas, entre o bem-estar dos avós ou dos netos? 1

Doutorando em Ciências Sociais (PUC-SP/bolsista Capes), mestre em Economia Política e professor da PUC-SP e FESP-SP. [email protected]

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Lloyd – Não tem que ser uma escolha. Para a família, os idosos (especialmente as mulheres) fazem muito para o sustento das gerações mais novas. Em termos de políticas públicas, eu não acho que isso signifique olhar para os recursos públicos como um trade off entre, digamos, educação e Bolsa Família de um lado, e saúde e previdência de outro. Tudo é importante para manutenção de uma sociedade saudável e decente. Em vez disso, penso que existem escolhas e conflitos de interesse entre aqueles brasileiros que podem dar-se ao luxo de ter uma saúde decente e planos de aposentadoria privados e enviar seus filhos para escolas privadas e aqueles que não podem, independentemente de quão jovens ou idosos eles são. Valor – Como analisa a posição dos organismos multilaterais, como ONU e Banco Mundial? Lloyd – O Banco Mundial tem estado, quase exclusivamente, preocupado com o financiamento dos sistemas de previdência. Ele não está envolvido com outras questões, como saúde, economia ou relações sociais e mercado de trabalho dos idosos. Ou seja, há um engajamento limitado no Plano de Ação Internacional de Madrid, que estabeleceu as diretrizes para o envelhecimento populacional, em 2002. Isso é um vergonha, embora o Banco Mundial seja muito ativo em outros aspectos da política de saúde. Por exemplo, publicou recentemente um relatório sobre doenças crônicas, mas não fez praticamente nenhuma referência aos idosos. Mesmo assim, o principal argumento do relatório é que os sistemas públicos não estarão aptos para enfrentar o crescimento das doenças crônicas e muito mais deve ser feito para ampliar a presença do setor privado. Pessoalmente, eu acho isso uma perigosa recomendação, dado as várias falhas do setor privado de saúde em países como o Brasil. Valor – O Brasil está atualizado com as orientações do Plano de Madrid? Lloyd – Totalmente , o Banco Mundial é muito crítico ao sistema de seguridade social do Brasil como um todo, em termos de sua ineficácia, retrocesso e duvidosa sustentabilidade. No entanto, eu não estou convencido que isso seja suficiente para viabilizar uma reforma. A política previdenciária do Banco Mundial evoluiu nos últimos 15 anos, mas ainda é principalmente baseada em promover a privatização e esquemas de contribuição definida. A performance de esquemas como estes na América Latina, além de ser irregular, não consiste em uma panacéia para todos os problemas da seguridade social do Brasil. O Banco Mundial está também colocando mais ênfase sobre a previdência não-contributiva para os mais pobres, como parte de um portfolio de políticas para focar as transferências de renda em diferentes grupos. De maneira geral, é uma boa coisa. Claro, esses programas já estão muito desenvolvidos no Brasil. Valor – Existe a possibilidade de o envelhecimento populacional tornar-se mais um fator de aumento da desigualdade no Brasil? Lloyd – Graças ao extenso sistema de pensões não-contributivas do Brasil (benefício de prestação continuada da assistência social e lei orgânica da assistência social), a renda dos mais pobres não é mais baixa para os idosos do que para a população em geral. Enquanto esses programas existirem, o envelhecimento populacional não deve ser associado com aumento da pobreza. Diante disso, no entanto, eu creio que é importante termos uma visão mais ampla sobre a pobreza do apenas com base na renda per capita. Por exemplo, alguns idosos podem estar abaixo da linha da pobreza, mas podem ainda encontrar grande dificuldade para ter acesso a medicamento fundamental devido a problemas com o sistema de saúde público.

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Valor – Ou seja, a pobreza pode aumentar independentemente da renda porque o idoso terá mais gastos básicos. Lloyd – Recentemente falei com vários idosos no Brasil que não estavam na linha da pobreza, tecnicamente, mas não tinham acesso a medicamentos básicos para hipertensão. O crescimento no sistema privado de saúde é um fator que amplia a heterogeneidade entre os idosos. Há aqueles que desfrutam de boa assistência de saúde e aqueles que estão excluídos. Em termos de desigualdade, é bem conhecido que o sistema de seguridade social no Brasil tem um tremendo impacto sobre a melhoria da distribuição de renda. O prejudicial para a população idosa são problemas permanentes no sistema de contribuição. Assim, as pensões não-contributivas exercem um papel importante. Valor – Os brasileiros estão envelhecendo melhor do que outros povos latinoamericanos? Lloyd – Em geral, sim. Em parte porque muitos têm razoável acesso aos serviços de saúde durante suas vidas, ao menos comparados com vários outros países da região. Os idosos brasileiros de hoje foram beneficiados por programas governamentais para aquisição de domicílios, sobretudo de baixa renda, e têm casa própria. Esse é um importante patrimônio, oferece seguridade na velhice (embora isso possa também trazer conflitos familiares). O mais importante, porém, é que a maior parte dos idosos hoje tem acesso à previdência, que paga razoável soma de benefícios. Por outro lado, muitos idosos são crescentemente afetados (direta ou indiretamente) pelo aumento dos níveis de violência e outros problemas associados com a exclusão social, especialmente nos bairros pobres urbanos. Valor – Um de seus estudos afirma que “o debate político sobre o envelhecimento tem estado impregnado por generalizações, estereótipos e mitos”. Quais são eles? Lloyd – O mito-chave no âmbito internacional é que o envelhecimento populacional é principalmente um fenômeno das economias industriais desenvolvidas. De fato, a grande maioria das pessoas com 60 anos ou mais vive nas regiões em desenvolvimento. Um outro mito é que a fase idosa pode ser definida em termos simples (apenas como aqueles de 60 anos ou mais) e que experiências de vida mais velha são bastante similares. Na realidade, isso é uma bobagem. Por exemplo, é provável que uma pessoa de 61 anos tenha muito mais em comum com uma de, digamos, 49 do que com uma de 80. Valor – Uma das mais populares afirmativas é que o envelhecimento populacional significa aumento de gastos na saúde. Isso é verdade? Lloyd – Basicamente, não. Custos de cuidado com a saúde são mais fortemente influenciados por vários outros fatores, como o desenvolvimento de novas (e usualmente mais caras) tecnologias e como os sistemas de saúde estão organizados. Os Estados Unidos gastam um percentual do PIB três vezes maior em saúde do que o Reino Unido, embora tenham um percentual de idosos menor na população. As condições de saúde dos idosos americanos não é notadamente melhor do que a dos britânicos, na verdade, está longe de ser equivalente. O principal fator de aumento dos custos de saúde nos Estados Unidos é a grande presença dos HMOs (health maintenance organization, os seguros privados que as empresas são obrigadas a oferecer a empregados). Na minha opinião, o Brasil tem visto uma massiva expansão desse setor nos anos recentes. Isso faz muito mais pressão para inflacionar os custos do sistema de saúde do que o envelhecimento populacional. Valor – Um outro ainda é sobre os sistemas de previdência. Quais têm sido os resultados das soluções adotadas até agora para reduzir o impacto do envelhecimento populacional?

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Lloyd - Primeiro, acredito que o sistema brasileiro tem sido muito positivo para os idosos e um excelente uso dos recursos públicos. Ampliar a idade de aposentadoria é uma solução potencial, especialmente se o mercado de trabalho pode absorver os trabalhadores extras. Eu não vejo exemplos como os da Inglaterra e Chile bons para o Brasil. Tem ocorrido muitos problemas com os sistemas privados em termos de mercado e de cobertura. Valor – Mas o debate do envelhecimento populacional não está concentrado demais nos sistemas de previdência e saúde? Não existe um risco de esquecer outras questões importantes? Lloyd – Correto. Previdência e Saúde importam muito, mas existem várias outrasquestões para levar em conta. Em particular, é preciso preocupar-se mais com as relações sociais dos idosos. Isso inclui relações familiares e provisão para cuidados de longo prazo. Os governos podem fazer várias coisas para ajudar as famílias a prover cuidados e auxiliar os idosos, mas isso parece estar fora da prioridade pública no Brasil, como em toda a América Latina. Por exemplo, é preciso ter uma regulamentação cuidadosa das instituições de longa permanência. As relações sociais dos idosos devem também aproximar os domicílios. Muitos idosos permanecem praticamente presos em suas próprias casas, amargando isolamento, solidão, baixa estima e um alto grau de dependência. Muito precisa ser feito para ajudar as pessoas a manterem uma rede social quando envelhecem. Transporte público acessível, melhora na segurança e um programa mais desenvolvido de centros de convivência com atividades poderia ajudar nisso. Valor – O sr. fez pesquisas em bairros pobres de São Paulo. Nesta faixa da população, os recursos da pensão do idoso têm grande peso na renda familiar. Este é um bom papel para o idoso? Quais as conseqüências? Lloyd – A resposta para isso não é simples. Existe um trade-off entre oferecer uma renda que atenda as necessidades pessoais dos idosos e difundir benefícios entre o maior número de domicílios. Além disso, existe boatos de que os idosos são forçados a dar o dinheiro deles para parentes. Isso está relacionado à questão maior de abusos contra idosos, a qual não esta sendo bem tratada no Brasil. Valor - Como os idosos de baixa renda gastam o dinheiro deles? Lloyd – Durante anos, entrevistei idosos de bairros pobres em São Paulo, Rio de Janeiro e Ilhéus. Recentemente, eu também conversei com idosos da área rural de Ilhéus. A experiência deles pode não ser muito representativa dos idosos em geral. As prioridades são muito variadas. Nos domicílios onde há crianças, elas geralmente são a prioridade. Medicamentos e comida são o mais importante. Em alguns casos, eles usam o dinheiro da pensão para melhorias na casa. Valor – As empresas estão percebendo a dinâmica populacional e preparando-se para uma nova estrutura na população ativa? Lloyd – Grandes corporações estão preocupadas com algum compromisso que podem ter com esquemas previdenciários de benefício definido. Alguns estão preocupadas com o aumento da regulação sobre discriminação por idade. Mas reter trabalhadores de 60 ou 65 anos pode ser um custo alto para as empresas brasileiras no futuro. Quanto mais antigos os empregados, a tendência é terem salários mais altos.

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