Entrevista com Judicäel Perroy

June 20, 2017 | Autor: Pedro Rodrigues | Categoría: Music, Classical Guitar, Violão, Guitarra Clasica
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Descripción

Entrrevista a Judicaël Pe erroy  Por Pedro Rod drigues    C –  Go ostava  que  fa alasse  um  po ouco  sobre  o  seu  início  na a  guitarra,  os  seus  Revistta  Guitarra  Clássica  princiipais professorres e os princiipais ensinamentos que retirou de cada u um deles.   erroy ‐  Comecei a estuda ar guitarra qu uando   Judicaël Pe

tinha  7  anos  mas  inicialmentee  queria  esstudar  acordeão  por  razões  que  não  sei  bem  expliccar.  O  m  pouco  dee  guitarra  como  meu  pai  tocava  um a esclarecido  no o  que  amador,  mas  um  amador  a música  clássica.  E  foi  portanto  ele e  que  respeita  a  me  impulssionou  a  esttudar  guitarrra  e  me  insccreveu  no conservvatório do centro de Parris. Apesar d de não  estar  particularmente  motivado  n nos  primeiro os  seis  a coisa  acontecceu  e  con nsegui  meses,  alguma  perceber  perfeitamen nte  como  tudo  funcionava  na  É algo  que  não  sei  exp plicar  muito o  bem  guitarra.  É  como  aco onteceu  maas  consegui  tocar  todas  as  músicas do livro em leitura à primeira vista. E te er esta  capacidade  indiccava  que  era  e bastantee  dotado  para  a  guitarra. Na alturra tinha um  professor m mediano, que e aliás não to ocava guitarra clássica, o o meu  etente e foi ffalar com Ro oberto Aussel após  pai procurou um novo professsor, alguém mais compe oncerto. E os primeiros eestudos a sério começaraam aos 9 ano os pois estud dei com ele e e com  um co Delia  Estrada  durante  d doiss  anos.  Co omo  era  ne ecessário  qu ue  tivesse  um  diplom ma  do  c Raymon nd  Gratien  que  q foi  o  meeu  professorr  mais  conseervatório,  esstudei  posteeriormente  com  importante pois eestudei com ele entre oss 11 e os 15 anos. Foi com ele igualm mente que fizz mais  progrressos.   Após  bastantes  hesitações  decidi,  verd dadeiramentte,  fazer  da  guitarra  a  minha  pro ofissão  nte  pois  quando  era  mais  novo,  fui  bastante  exxposto  quando  tinha  20‐21  anos.  Heesitei  bastan havia muitass crianças pro odígio  (no seentido em que em Françça, na altura que era maiis novo não h em  guitarra)  g e  to odas  as  pesssoas  pensavaam  que  eu  iria  obrigato oriamente  seer  guitarristaa  e  eu  não ttinha tantas certezas assim. E tudo issto foi bastan nte pesado ee só decidi reealmente ap pós ter  parad do durante o os 17 e os 19 9 anos. E só aapós ter reto omado aos 2 20 anos é qu ue tomei a de ecisão  de  me  m tornar  profissional  p e  fui  paraa  a  École  Normale  N dee  Musique  e  para  o  CNSM  C (Consservatoire National de M Musique de  Paris) onde  estudei com m Alberto Po once. Este pe eríodo  Guita arra Clássica   

 

 

de  aulas  correu  de  modo  relativamente  difícil  pois  tive  dificuldade  em  ajustar‐me  às  aulas.  Tinha  um  imenso  respeito  por Ponce  enquanto  professor,  alguém  que  é  muito  dedicado  aos  seus alunos mas aquilo que me queria ensinar não se adequava de todo a mim e foram aulas  muito difíceis. Após este período de estudo, fiz poucos concursos, fiz o GFA em 1997 e a partir  desse momento comecei a ter bastantes concertos o que também motivou que fizesse poucos  concursos  em  comparação  com  muitas  pessoas. Devo  ter  feito  7  concursos  tendo  começado  em concursos internacionais aos 14 anos. Nessa idade ganhei o segundo prémio, pois aos 14  anos  já  tinha  as  mesmas  capacidades  técnicas  que  actualmente  possuo.  Musicalmente  diferente como seria de esperar mas tecnicamente era bastante semelhante ao que sou hoje.   RGC – Em entrevistas mais antigas, refere frequentemente o piano como instrumento de referência. Que  outros músicos considera que influenciaram a sua maneira de pensar a música?  JP  ‐  Quando  era  mais  novo  nunca  ouvi  outra  música  sem  ser  a  erudita  e  até  aos  13‐14  anos  ouvi  unicamente música para guitarra clássica. A partir dos 14 anos comecei a ouvir outras coisas, comecei  com as cassetes que existiam em casa dos meus pais e consistiam em Polonaises de Chopin tocadas por  Maurizio Pollini e obras de Granados interpretadas por Alicia de Larocha. Fui de certo modo influenciado  pelo meu pai que ouvia bastantes vezes os Impromptus de Schubert por Brendel e assim fiquei também  eu imerso nesta música.   Na  altura  em  que  parei  de  estudar  guitarra,  por  coincidência,  fui  ver  um  concerto  do  pianista  Nikita  Magaloff que estava a fazer a integral de Chopin e partir desse momento comecei a ouvir cada vez mais  este  instrumento.  No  que  respeita  aos  intérpretes  não  diria  que  me  influenciaram,  mas  sim  que  marcaram, pois não tenho a pretensão de dizer que tenho a influência de tais músicos na maneira como  toco. Muito especificamente, existem quatro: Pollini que devo ter visto em concerto pelo menos umas  vinte vezes; Brendel que vi igualmente em diversas ocasiões; Richter que vi apenas uma vez em 1995 e  finalmente Rudolf Serkin que conheci através dos seus discos de Beethoven. Após ter ganho o concurso  Bartoli, a primeira coisa que fiz foi comprar a integral das sonatas de Beethoven.   RGC – E o que admira mais em cada um desses músicos?   JP – É bastante difícil definir. Evidentemente, após alguma reflexão chegamos à conclusão que existe um  ponto comum: a ausência de compromisso perante o repertório há muito estandardizado, algo que o  piano  permite  com  alguma  facilidade  pois  o  seu  repertório  é  de  facto  enorme.  E  cada  um  desses  músicos tem as suas características: destaco em Brendel a maneira como cada interpretação é estudada  e  aprofundada,  mesmo  que  tenha  gravado  várias  vezes  as  mesmas  obras,  cada  gravação  apresenta  sempre novidade e frescura e é algo que acho admirável, tal como o facto de ser alguém que escreveu  bastante  sobre  a  música,  análise,  interpretação  e  a  sua  profissão.  Em  Richter,  que  é  o  meu  pianista  favorito,  admiro  as  suas  escolhas  radicais.  Tem  uma  quantidade  de  repertório  alucinante,  maior  que  qualquer  outro  pianista.  O  facto  de  tomar  riscos  em  concerto  e  há  mais  do  que  essa  ausência  de  compromisso: quando o vi ao vivo, tocava no escuro e com alguém ao lado que lhe virava as páginas. 

Guitarra Clássica   

 

 

 

Não  víamos  as  mãos  e  como  não  as  víamos,  tínhamos  a  capacidade  de  ouvir  muito  melhor.  Para  ele  havia  esta  necessidade  de  concentração  na  audição  por  parte  do  público.  Em  Pollini  salientaria  a  perfeição  técnica  mas  esta  perfeição  não  é  um  objectivo  em  si,  como  se  nota  nos  concertos  onde  sentimos  uma  urgência  em  comunicar.  Sinto,  no  entanto,  que  acabo  por  ter  uma  maior  ligação  com  Brendel.   RGC – Quais os factores que o motivam a escolher determinadas obras e qual o seu método de estudo e  aproximação às peças?   JP – É um método muito lento e está a tornar‐se cada vez mais lento (o que é um pouco inquietante). Há  muitas obras que gosto muito e à medida que as vou trabalhando dou‐me conta que "não, não é isto  que quero fazer". Como agora não tenho de fazer concursos, não tenho imposições. Há imensas obras  que  gosto  de  ouvir  e  que  gostaria  de  tocar,  mas  uma  vez  que  para  tocar  bem  as  peças  preciso  de  as  trabalhar muito, eu tenho de gostar muito delas o que acaba por limitar a minha escolha. Por exemplo,  a sonata de Tedesco, é uma peça que gosto muito e que trabalho frequentemente com os meus alunos.  Já a comecei a estudar 3‐4 vezes porque tinha evidentemente vontade mas de cada vez que a estudava  perdia o interesse pela obra.   Como  sou  alguém  bastante  ocupado  com  concertos  e  aulas,  preciso  de  uma  enorme  motivação  para  encetar  o  estudo  de  uma  obra  nova.  Por  exemplo,  um  amigo  transcreveu  a  partita  de  Bach  (Tristan  Manoukian – Partita nº2) e essa obra sim, tive uma grande vontade de estudar pois era algo que gostava  mesmo muito. Uma peça que comecei por tocar e depois deixei, seja por achar que não era capaz de a  tocar bem ou porque não tinha inspiração suficiente, foi a Introdução e Capricho de Regondi. Portanto,  o mais importante agora é considerar que as obras valem realmente a pena.   RGC – E foi esse o critério para o novo disco que irá sair brevemente editado pela Naxos?   JP – Os dois discos anteriores a solo foram discos com programa tipo recital, diversas obras sem uma  verdadeira ligação entre elas. O próximo disco, com obras de Bach, não surgiu com esse propósito de ter  uma coerência temática porque é algo que já foi feito. Não reivindico o facto de tocar bem Bach, não  tenho essa pretensão, aliás quando me pedem para falar da música de Bach sinto‐me completamente  incapaz de o fazer. Mas, é uma música que sempre esteve comigo e sem me dar conta apercebo‐me que  quando  tinha  16  anos,  bastante  isolado  a  nível  guitarrístico,  já  tocava  duas  suites  (uma  para  alaúde,  outra para violoncelo e a Chaconne).   A  vontade  de  tocar  a  música  de  Bach  esteve  portanto  sempre  presente  e  para  este  novo  disco,  esta  escolha, muito pessoal, foi aceite pela Naxos especialmente graças à Partita nº2. A suite BWV 997 foi a  primeira peça de Bach que estudei seriamente, aprendi‐a quando tinha 13 anos. Para este trabalho tive  de  a  reaprender  após  um  hiato  de  mais  de  20  anos  e  evidentemente  surgiram  muitas  alterações  tal  como  o  grau  de  exigência  e  trabalho  que  se  modificou  substancialmente.  É  sobretudo  um  projecto  pessoal e tal fará com que toque bastante Bach, não sendo no entanto uma reivindicação, é obviamente 

Guitarra Clássica   

 

 

 

um dos grandes compositores de sempre e o prazer que retiro das suas obras é suficiente para justificar  esta escolha.   RGC  –  Em  outros  artigos  seus  menciona  frequentemente  a  música  de  Bach  e  a  problemática  que  dela  surge. Nomeadamente o Prelúdio, Fuga & Allegro BWV 998.   JP  –  Sim,  comecei  a  tocar  essa  obra  há  cerca  de  4  anos.  De  vez  em  quando  retiro‐a  do  repertório  e  depois volto a tocá‐la e isso é algo que acontece com alguma frequência. Não sei porque tal acontece,  pois tenho a sensação que a trabalhei bem e tenho a obra tecnicamente bem dominada. Há no entanto  sempre algo que não me agrada e acho que esse é um problema que acontece com muitas pessoas, não  apenas  em  Bach  mas  em  toda  a  música  (talvez  particularmente  evidente  em  Bach).  Há  um  equilíbrio  hiper‐complicado entre o rigor e a vertente mais lírica e podemos sempre pensar na frase "tocar Bach  como Chopin e Chopin como Bach" pois Chopin é um compositor muito clássico, longe da imagem ultra‐ romântica que temos actualmente.   A música de Bach, por seu lado, tem muita sensualidade e penso que esse equilíbrio é realmente difícil  de atingir. Convém dizer que estudei parcamente as disciplinas de análise e contraponto e a capacidade  de  análise  que  possuo  surgiu  de  modo  instintivo.  Desenvolveu‐se  muito  com  a  audição  de  discos  e  a  verdade  é  que  aprendemos  muito  de  análise  e  solfejo  ao  ouvir.  É  muito  difícil  fazer  a  ligação  entre  aquilo  que  estudamos  e  o  que  tocamos  e  parece‐me  urgente  a  necessidade  de  criar  a  disciplina  de  "estudos de interpretação". Por exemplo, analisar boas interpretações e ver quais os pontos que fazem  com  que  gravação  X  ou  Y  se  destaque  das  outras.  Tal  permitiria  uma  ligação  entre  a  análise  e  a  interpretação  e  é  algo  sobre  o  qual  tenho  vindo  a  pensar  recentemente  e  faço‐o  regularmente  com  alunos, ouvindo diferentes versões da mesma obra. Em França, e em mais países, temos a análise de um  lado e o instrumento de outro e estes dois nunca estão conectados e é frequente ver pessoas que são  muito  boas  em  análise  e  que  quando  tocam  fazem  erros  típicos  de  pessoas  que  não  têm  uma  boa  capacidade de análise.   RGC  –  É  curioso  notar  como  existe  muitas  vezes  uma  sobrecarga  de  disciplinas  teóricas  sem  uma  verdadeira aplicação prática na disciplina principal.   JP  –  É  um  facto.  E  consideremos  ainda  o  facto  de  muitas  vezes  os  guitarristas  trabalharem  paralelamente  ao  curso,  todos  estes  elementos  que  "roubam"  tempo  são  flagrantes  sobretudo  nesta  altura  em  que  surgem  guitarristas  muito  bons  cada  vez  mais  novos.  Tenho  alunos  que  tiveram  muito  sucesso por volta dos seus 20 anos e por outro lado tenho outros alunos que são muito bons também  mas  que  com  23‐24  anos  têm  a  impressão  de  já  estarem  completamente  ultrapassados  e  "velhos".  É  algo  que  compreendo  mas  não  deixo  de  achar  absurdo  pois  quando  alguém  toca  bem,  simplesmente  toca bem seja qual for a sua idade e aos 23‐24 anos temos uma vida inteira para continuar a evoluir.  Contudo, estes alunos têm a impressão de estar atrasados porque com esta idade não ganharam o GFA  por exemplo.   É preciso notar que nem todas as pessoas que tocam bem vão ganhar este tipo de concurso e é por isso  que é importante desenvolver outros caminhos. Para além disso, o facto de ganhar concursos ou fazer 

Guitarra Clássica   

 

 

 

conceertos não garaante que uma pessoa contin nue a evoluir musicalmentee. Há imensass pessoas que fazem  muito os concertos p por ano e tem mos sempre a noção que algo dentro deelas já morreu u. O essenciall passa  por deesenvolver o interesse e a ssua maneira d de se exprimirr através da m música.   RGC –– Dessa consta ante procura d de desenvolvimento surge o o duo com Jérrémy Jouve?  JP – SSim, é muito  importante reeferir isso.  Co onheci Jérémyy quando ele  tinha 19 ano os e eu teria 2 25. Na  alturaa  já  tocava  muitíssimo  m bem m  e  tornámo‐nos  amigos  antes  de  term mos  decidido  fazer  o  duo..  Certa  alturaa  tive  vontade  de  fazer  música  m de  câm mara,  por  um ma  necessidad de  de  pesquiisa,  para  não o  estar  sempre a viajar sozzinho e por vo ontade de parrtilha musical.. Evidentemen nte, não é fáccil encontrar aalguém  com  quem  nos  entendamos  e  e que  simultaneamente  gostemos  g com mo  instrumen ntista,  alguém m  que  mutuamente.   estimule a criatividade musical m E assim propus a Jérémy que fizzéssemos estee duo, algum  tempo antes de ele ganhaar o GFA. Ape esar de  eu serr mais velho, ele tinha basttante mais experiência que e eu a nível daa música de cââmara, uma vez que  tive apenas raras eexperiências n neste campo.  Temos uma  maneira semeelhante de veer a música, m mesmo  se exiistem diferençças consideráveis entre nós, por exemplo o Jérémy, o ouve imensos estilos de mú úsica e  impro ovisa  bem,  musicalmente  aberto  (fez  música  m indianaa)  enquanto  eu,  faço  exclusivamente  música  m clássicca e ouço excclusivamente m música clássicca. Não foi um ma decisão minha o facto d de ouvir apenaas este  génerro musical, maas foi este gén nero que me m motivou e que e presentemeente desperta interesse.   Ao  níível  do  repeertório  a  solo o  temos  tam mbém  as  nosssas  diferençças,  Jérémy  ttem  um  pro ograma  actualmente dedicaado à música espanhola e aacaba de gravvar uma parte da integral de Rodrigo e Rodrigo  é um  compositor q que não se enquadra nos m meus gostos e que não toco o. Assim, somos muito dife erentes  em deeterminados aaspectos mass existe uma u uniformidade  de opiniões ssobre a músicca e mesmo quando  não teemos a mesm ma opinião con nseguimos sem mpre compree ender a escolh ha do outro.   RGC –– Quais são oss próximos pro ojectos do vossso duo?    JP –  Existe o projeecto de gravar um disco co om música de e compositorees franceses.  Tristan Mano oukian,  que  fez  a  traanscrição  de  Bach,  transccreveu  recentemen nte 



Suiite 

Bergamasque. 

Teremos  César  C Franckk  (francês  à  à sua  maneira…)  e uma transcrição de Rave el. Será  mos para a Naxxos.  uma gravaçção que farem      

Guita arra Clássica   

 

 

RGC  –  A  sociologia  é  uma  das  suas  grandes  paixões.  Sente  que  a  situação  de  crise  económica  tem  paralelo com uma crise cultural?   JP  –  É  muito  difícil  comparar  as  histórias  das  diversas  culturas.  É  certo  que  há  cerca  de  uma/duas  centenas de anos, a cultura pertencia a 0,1% da população. Existe actualmente o fenómeno da cultura  de massa mas simultaneamente temos sempre tendência a pensar que no passado era bastante melhor.  O que tenho a certeza é que quando dou aulas a alunos jovens, que estão a começar a estudar guitarra,  parece‐me sempre milagroso como estes jovens de 10‐11 se interessam por música erudita uma vez que  esta é muito pouco valorizada. É algo que me impressiona sempre, como se a necessidade de cultura do  Homem, não pudesse ser apagada, independentemente da necessidade, da crise, do desemprego ou da  necessidade de fazer mais dinheiro.   Como disse, durante algum tempo imaginei a minha vida sem música, mas penso que a vida sem Arte,  sem  cultura,  ficaria  desprovida  de  sentido.  Sobra  certamente  o  Amor  mas  falta‐lhe  uma  vertente  espiritual  (e  não  sou  crente)  que  apenas  a  Arte  poderá  dar.  Acredito  que  a  mais  forte  espiritualidade  reside na cultura e é algo vital. Se nos contentarmos meramente com comida, dormir e por aí fora, se  perdermos a componente cultural da nossa existência não seremos diferentes dos animais. O Amor, é  difícil saber o que é, existem definições complicadas mas muitos animais vivem em casal para sempre e  isso acaba por ser amor também. Ao fim ao cabo, a Cultura é uma produção exclusivamente do Homem  e é uma necessidade, infelizmente pouco valorizada no momento presente.  RGC  –  Enquanto  professor  (e  um  dos  professores  mais  pretendidos  actualmente)  o  que  procura  especificamente nos seus futuros alunos?   JP  –  É  complicado  de  definir.  Tenho  a  sorte  de,  desde há 9‐10  anos,  ter  alunos  muito  bons  à  partida.  Quer  isto  dizer  que  chegam  com  um  nível  já  muito  alto  o  que  como  é  evidente,  torna  mais  fácil  o  trabalho futuro. Actualmente, tenho também a sorte de poder escolher e é um pouco difícil de dizer o  que motiva a selecção. Mas, gosto que os valores que tenho na vida musical sejam semelhantes aos dos  futuros alunos. Se um aluno quer apenas ser muito famoso e tocar coisas de um gosto duvidoso aí tenho  a  certeza  de  não  querer  trabalhar  com  ele.  Procuro  alguém  que  seja  realmente  dedicado  à  Arte,  que  tenha  necessidade  da  Música  para  se  exprimir,  que  tenha  necessidade  de  viver  a  Música  que  seja  relativamente similar à minha.   Depois deste período de aulas, cada um terá o seu próprio percurso e vejo isso nos alunos que tenho  pois  todos  fazem  percursos  incrivelmente  diferentes,  e  dentro  desses  percursos,  vejo  que  a  minha  influência é relativamente fraca o que é muito bom, pois o percurso deve pertencer exclusivamente às  pessoas.  Poderão  ser  pessoas  com  objectivos  comuns:  melhorar  ou  trabalhar  determinados  aspectos  mas no fundo ficarão sempre eles mesmos.  RGC – E quais são aqueles que considera como os seus principais ensinamentos?  

Guitarra Clássica   

 

 

 

JP  –  Fico  muito  contente  se  sentir  que  os  alunos  são  felizes  enquanto  estão  a  fazer  música  ou  que  eventualmente  vão  continuar  a  fazer  música  durante  muito  tempo,  sempre  com  esta  felicidade  presente. Tal felicidade poderá tomar formas diferentes pois nem todos serão concertistas, como por  exemplo  Gabriel  [Bianco]  ou Florian  [Larousse],  mas  se  todos  chegarem  a  esta  relação  positiva  com  a  música,  seja  com  um  concerto  por  ano  ou  por  ser  um  professor  entusiasta  que  faz  com  que  os  seus  alunos gostem de música, ou músicos de ensembles maiores. Em resumo, quando as pessoas estão vivas  no que respeita a música, posso dizer que cumpri a minha missão quanto ao que deveria acrescentar à  vida de cada um dos alunos. É preciso compreender que não tenho espaço para todos os alunos mas há  espaço para que cada aluno encontre o seu caminho.   Durante  um  curso  que  leccionei  inserido  num  festival  e  cursos  de  outros  instrumentos,  havia  muitos  violinistas  entre  15  e  18  anos,  mais  novos  que  os  guitarristas,  que  queriam  estudar  exclusivamente  concertos.  Durante  esse  curso,  foi‐lhes  pedido  que  fizessem  música  de  câmara  com  outros  instrumentos,  algo  que  não  tinham  muita  vontade,  de  tal  modo  que  sabotaram  o  concerto  final  e  tocaram mal de propósito. Apercebi‐me que dentro destes 300‐400 alunos que estudavam unicamente  concertos, apenas um número restrito irá realmente tocar ao longo da sua vida estas obras e é pena que  não desenvolvam outros aspectos para além deste. E é isso que gostava de expandir no trabalho com os  meus alunos, que possam gostar de música de câmara, que possam gostar de ensinar, que possam estar  vivos  com  a  Música.  Evidentemente,  sinto‐me  muito  feliz  com  o  facto  de  ensinar  e  sinto  que  há  uma  comunicação e retorno maior durante as aulas do que por exemplo durante um concerto, onde toda a  gente diz que foi muito bem no final, onde não é possível saber exactamente o que as pessoas pensam,  que  é  algo  que  acho  meio  frustrante:  perceber  que  há  pessoas  que  gostam  dos  concertos  por  razões  absurdas  como  tocar  rápido.  Durante  as  aulas  temos  a  noção  do  que  a  pessoa  ouviu  e  compreendeu  pois houve um verdadeiro intercâmbio de comunicação.  RGC – Como utilizador frequente das novas tecnologias de comunicação, quais as principais vantagens e  desvantagens que destaca deste enorme mundo?   JP – No campo da música, há imensas possibilidades. Se, eu fiz poucos concursos e nunca parti para o  estrangeiro para estudar, tal se deve ao facto de na minha altura ser bastante mais complicado e caro  viajar.  Nesse  sentido  é  de  invejar  a  comunicação  possível  actualmente,  comunicação  entre  alunos  e  comunicação também possível com determinados professores. Tenho alunos de diversos países graças a  este  poder  de  correspondência.  Do  mesmo  modo,  determinados  aspectos  mais  pueris,  como  por  exemplo a questão do ataque à esquerda vs ataque à direita, desapareceram pois as pessoas viajaram  muito e consequentemente evoluíram.   Enquanto cada um estava isolado no seu canto ou país, referíamo‐nos a escolas de uma pessoa, "Escola  Lagoya",  "Escola  Carlevaro",  "Escola  Ponce"  e  por  aí  fora.  A  partir  do  momento  em  que  viajamos  apercebemo‐nos  que  há  coisas  interessantes  um  pouco  por  todo  o  lado  e  isso  foi  muito  positivo.  Naturalmente, o verdadeiro problema coloca‐se na indústria discográfica, mesmo que tal não afecte do  mesmo modo os músicos clássicos que não são os principais motivos de venda das editoras. Ao gravar 

Guitarra Clássica   

 

 

 

para a Naxos, fiquei muito contente naturalmente mas pensei que foi muito bom gravar para eles antes  que  deixassem  de  fazer  discos.  Os  1500  discos  que  comprei,  perfazem  uma  bela  soma  mas  se  os  comprasse actualmente seria muito mais barato. E este desconto dos preços é demonstrativo da perda  de valores que damos à música. Comprei uma integral de piano, 100 discos por 90 euros, e cada disco é  realmente  incrível.  É  fantástica  esta  possibilidade  mas  ao  mesmo  tempo  é  perigoso  pois  podemos  pensar:  "Por  quê  comprar  um  disco  a  15  euros  quando  posso  comprar  100  a  um  euro  cada?"  A  globalização faz com existam muitos guitarristas que estejam constantemente em tournée mas de igual  modo  faz  com  que  muito  poucos  sejam  realmente  conhecidos,  não  só  em  guitarra  mas  em  todos  os  instrumentos.  O  que  torna  impossível  que  exista  um  novo  Karajan,  Rostropovich,  etc,  pessoas  que  se  tornam conhecidas apenas pela música.   Actualmente,  existe  uma  razão  paralela  à  música  para  que  os  intérpretes  sejam  conhecidos.  Por  exemplo,  Lang‐Lang  é  um  representante  do  novo  poderio  asiático,  Helène  Grimaud  apoia  os  lobos,  e  cada  um  tem  algo  que  para  além  da  música  faz  com  que  tenha  destaque  através  do  media.  Antes  existiam pessoas como Horowitz, Rubinstein, Rampal, Lagoya, que eram muito conhecidos unicamente  por aquilo que faziam musicalmente.   RGC – Mas é preciso considerar a força que o marketing tem…   JP  –  Sem  dúvida  que  há  um  marketing  muito  forte.  Li  recentemente  uma  entrevista  de  uma  pianista  chinesa que ganhou diversos concursos e nesta entrevista falou de Lang‐Lang e menciona como muitas  histórias  em  torno  deste  pianista  não  correspondem  propriamente  à  verdade.  É  verdade  que  o  marketing joga uma carta muito importante mas não deixo de o constatar sem sentir alguma pena. É  óptimo  que  se  queira  dar  cultura  a  todas  as  pessoas  mas  observo  que  em  vez  de  levarmos,  ou  levantarmos o nível cultural das pessoas, estamos constantemente a baixar o nível da cultura para que  corresponda à média das pessoas.   É  algo  que  não  posso  fazer  na  minha  vida.  Vivo  confortavelmente,  tenho  os  alunos  que  quero,  os  concertos, portanto não tenho razões para me deixar controlar por um determinado marketing. Estou  num  contexto  onde  uma  vez  que  não  morro  de  fome,  não  tenho  razões  para  fazer  coisas  que  não  correspondem com a minha forma de ser. Naturalmente, é preciso pensar que nem todas as pessoas se  encontram  nesta  situação,  que  cada  um  de  nós  tem  os  seus  próprios  motivos,  e  a  verdade  é  que  infelizmente  pode  ser  muito  lucrativo.  Certas  pessoas  fazem  certas coisas  para  serem  conhecidas,  é  a  sua escolha. Se vivemos correctamente não há grandes razões para criticar.   RGC  –  No  entanto  a  escolha  que  uma  pessoa  faz  no  sentido  de  querer  mais  ou  menos  mediatismo  e  exposição acaba por influenciar a sua maneira de pensar a música.  

Guitarra Clássica   

 

 

 

JP – Claro. Peensemos no m músico erudito o mais  conhecido,  c peenso  que  pod demos  dizer  que  q foi  Pavarotti. Algguém que já eera muito conh hecido  como  c cantor  de  ópera  ee  que  mais  para  p a  frente se torn f nou ainda maiis conhecido aa fazer  esses eventos e s de nível fracco. Ele afirmavva que  se divertia a f s fazer esses co oncertos, portanto é  um  u direito  seeu,  mas  se  no os  perguntarm mos  se  este tipo de c e concertos levaava mais gente e a ver  e  e ouvir  óperaa,  acabo  por  não  ter  a  cerrteza  e  não  n estou  co onvencido  qu ue  as  pessoaas  que  compravam o c os bilhetes paara ver "Pavarrotti  &  Friends" fosseem comprar b bilhetes para  ópera.  Tal sucede igu T ualmente com m o violinista  André  Rieu,  R que  háá  uns  anos  atrás  foi,  so ozinho,  re esponsável  po or  20%  das  vendas  de  música  m eruditta em França.. As pessoas q que compram m estes  discoss  não  vão  depois  ver  conccertos  ao  vivo o  de  formaçõ ões  eruditas.  Por  muito  qu ue  se  diga  qu ue  trás  novoss  públicos  à  música  m clássicca,  tal  não  é  verdade.  v Que em  trouxe  as  pessoas  à  música  foi  Bern nstein,  atravéés dos seus programas de ttelevisão, Gleenn Gould e outros grandess comunicado ores. É preciso o notar  que m muitas vezes o o músico clásssico quer guarrdar qualquerr coisa de mággico à sua volta como se trratasse  de  um m  mundo  heermeticamente  fechado.  Estive  recen ntemente  num m  cruzeiro  ee  algumas  pessoas  disserram‐me  que  para  músico  clássico  era  muito  simpáático  e  achavva  isso  algo  iimpressionante.  Há  portanto essa noçãão transmitida pela televisão de que o  músico clássicco é um génio, incompree endido,  torturrado, etc. etc. quando na reealidade são p pessoas que têm talento e sensibilidade mas sobretud do que  trabalham e que accima de tudo  são pessoas n normais. Mass muitos gostaam de transm mitir esta imaggem de  magiaa à semelhançça do que aco ontece por exeemplo com oss cientistas: teemos sempre  presente a id deia do  cientista louco de ccabelos espetaados quando são sobretudo trabalhadorres incansáveiis.  RGC –– Qual a sua im mpressão sobre a vida mussical portuguesa?   JP – D Devo dizer qu ue conheço m muito mal apesar de ter visitado algumas vezes Portu ugal. Como to odas as  pesso oas,  conheço  a  pianista  Maaria  João  Pirees.  No  que  re espeita  a  guitaarra,  é  um  po ouco  mais  diffícil  de  falar,  evidentemen nte  conheço‐te  a  ti  e  tivee  a  possibilid dade  de  conh hecer  músico os  portuguese es  que  estudaram em França. Recordo  que a primeiira vez que esstive em Portugal, no festival de Sernan ncelhe,  assisti a um concerrto de guitarra portuguesa  e este concerto teve muitto mais públicco que qualqu uer um  dos  outros  o concerttos  de  guitarrra,  tinha  iguaalmente  um  público  p bastante  mais  joveem  e  um  ambiente  mais ccaloroso. Estaa relação próxxima com a m música de caráácter mais tradicional/popu ular foi algo que me  marco ou bastante pois tem um accolhimento qu ue não vemoss em todos os países.

Guita arra Clássica   

 

 

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