Entrevista com Ístvan Jacsó

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Entrevista com o Prof. Ístvan Jacsó publicada no jornal Valor Econômico em 2007. Jorge Felix Em sua sala, na Universidade de São Paulo (USP), o professor Ístvan Jancsó passa boa parte do dia pensando o Brasil. Atualmente, coordena um grupo de pesquisa com mais de 50 acadêmicos dedicados ao estudo do país, ligado ao Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) - que dirigiu até junho - e patrocinado pela Fapesp. O trabalho já rendeu dois livros “Brasil, a formação do Estado e da Nação” e “Indústria do Brasil, história e historiografia”, ambos organizados por ele e editados pela Hucitec. Com o olhar privilegiado de quem está debruçado sobre as investigações dos problemas brasileiros, Jancsó vê com ceticismo o ambiente político e a eleição deste ano. Seu diagnóstico é desalentador: a política nunca esteve tão pobre e o debate está restrito às questões tecnocráticas. “Não há referência de um desenho do futuro desejável para a Nação”, afirma. Em sua opinião, PT e PSDB pouco divergem, o PSOL cumpre a função de “alto-falante” de nossas mazelas e há um espaço ainda a ser preenchido. “Esse país precisa de uma coisa que nunca tevê que é um consistente partido de direita”, diz nesta entrevista ao Valor. Valor - A que devemos esse empobrecimento do debate político? Jancsó – Os dois grandes agrupamentos, ou seja, de Luís Inácio Lula da Silva e de Geraldo Alckmin, estão reduzindo a questão do futuro do país à tecnicalidade de gestão. Isso é de uma pobreza absolutamente franciscana. Isso poderia ser um debate entre acionistas de uma empresa. Afinal, qual é a alternativa de gestão mais eficaz? Mas estamos falando do futuro de um país. Não há referência de um desenho do futuro desejável para a Nação brasileira. É isso que eu chamo de pauperização da política. O futuro nunca é discutido. Valor – Mesmo os partidos que se dizem de esquerda ou centro-esquerda, disputam apenas para ver quem administra melhor o capitalismo? Jancsó – O capitalismo é considerado como um pressuposto. Na verdade, isso não seria um mal desde que existisse um processo de aperfeiçoamento da Nação e não do capitalismo. Em primeiro lugar, essa coisa de aperfeiçoamento do capitalismo no Brasil, como eixo de qualquer discussão, é uma bobagem. Você só pode efetivamente influir sobre o comportamento de variáveis que você domina. Eu não acredito que o peso do Brasil no cenário do capitalismo mundial tenha uma escala que lhe permita interferir sobre o comportamento das variáveis determinantes do capitalismo. Por

outro lado, na medida em que o capitalismo brasileiro é subordinado ao comportamento dos vetores determinantes da evolução disso que é definido alhures e não internamente, a questão nacional se coloca na definição do tipo de sociedade que nós podemos construir internamente no contexto da evolução do capitalismo mundial. Ou globalização. Valor - O sr. acredita que esse empobrecimento do debate se deve a um despreparo dos políticos ou a uma emergência em tratar dos temas factuais, como a corrupção, por exemplo, ou a questão econômica ? Jancsó – Eu conheço gente da melhor qualidade e tenho o maior respeito pela integridade pessoal e intelectual que está em torno do Lula. E o mesmo por gente que é do PSDB. E também no PSOL. Por que estou dizendo isso? Porque o problema não é moral. No meu modo de ver, o problema é político. E me dói. Primeiro porque o que diz respeito à nação, me dói. Segundo pela amizade que tenho por essas pessoas, que estão atoladas, com enorme dedicação e melhor das intenções, em projetos emasculados. As pessoas se deixaram prender naquilo que é acessório da política que é a eficácia da gestão. Eu parto do princípio que honestidade é pressuposto. A questão da corrupção é uma patologia grave. Porque essa gente chega lá, eu falo de ladrão que pode virar político, é uma questão a ser resolvida. Mas quando o debate político é aético, ou seja, aquilo que deve ser discutido não é discutido, vale tudo, liberou geral. A falta de substância vira um caldo de cultura da permissividade mais absoluta. É preciso definir prioridades e a prioridade não é tecnicalidade de governo. Valor – Como definir prioridades num país com tantas demandas sociais e alto grau de corrupção? Jancsó – As prioridades são definidas em cima de um ordenamento dos problemas que afligem a Nação. Quando não existem prioridades, quando o que é irrelevante vale a mesma coisa, é difícil. Basta ver as entrevistas dos candidatos e ver quanto tempo falam de coisas periféricas e secundárias e quanto tempo é dedicado às questões de fundo. As pessoas podem ficar surpresas porque muitas vezes nada é dedicado a questões de fundo e cem por cento do tempo é para questiúnculas que talvez ajudem a vender jornal ou permitam algum chiste de entrevistador de televisão. Isso faz com que o eleitor que assiste à televisão ache que cem por cento dos problemas estão na área de gestão e não na discussão do futuro. Valor – O debate sobre os programas sociais estão incluídos aí também? Jancsó – Primeiro, achar que programa social é dar dinheiro ou que dar dinheiro é distribuição de renda é uma coisa muito complicada. Antes de mais nada, é bom dizer que não consigo ver gente com fome sem me sentir

motivado a lhe dar alguma coisa. Ainda que saiba que é pura caridade. Nos tempos em que as meninas ditas de boa família estudavam em colégio de freira, nós que éramos aprendiz de esquerda achávamos muito reacionário aquela coisa das madres superioras de desenvolverem ação social para levarem roupa e comida para o que elas chamavam meus pobrezinhos. Mas elas não chamavam isso de programa social, chamavam de caridade. E elas estavam certas. Colocar como projeto de governo a perpetuação desse assistencialismo é complicado. É uma variante informatizada do que sempre existiu. Só que no âmbito da política eram aqueles chefes políticos que distribuíam empregos de salário mínimo. É a mesma coisa. Valor – É difícil fiscalizar. Jancsó - Politicamente nada mudou. Programa social envolve, no plano operacional, condições de acesso ao emprego. No plano psico-social, é o emprego que suprime a dependência. A pessoa que tem emprego pode ter as opções de sua vida. Cria-se uma sociedade de gente de chapéu na mão. Mas corta e não dá mais? Como? Como vai tirar o que já foi dado porque quem dá é o Estado e o Estado não tem o direito de trapacear. Criou-se um beco sem saída. Todo mundo foi envolvido por esta grande trapaça que são esses programas sociais que é um capitulo importante da degradação da política no país. Valor – Estamos então condenados a, de um lado, políticos preocupados apenas com a tecnicalidade da gestão e, de outro, os corruptos? Jancsó – Tem gente da melhor honorabilidade no Congresso. Deve ter muita gente que repugna todo este processo de ladroagem, no PFL, no PMDB, no PT, no PSDB, no PSOL. Existe gente com vocação para meliante em todos os agrupamentos. Mas o problema é que a política deixou de ser democrática e o ofício da política passou a ser uma coisa estamental. Lá em cima, o topo dos três poderes e depois as esferas federal, estaduais e municipais com os seus sub-estamentos. Mas todos são comunicantes. Quem não tem acesso a isso? O cidadão. Ele tem que ter acesso por algum canal controlado por eles. O cara para aprender a política tem que ser assessor, filho de algum deputado. Esse estamento é restrito, mas é amigo, sai para beber junto e tal. De repente, a permissividade passa a ser elemento lubrificador de todo o sistema. Por exemplo, os mensaleiros foram absolvidos por gente de todos os partidos. Então há gente da mais elevada estatura moral, mas existe uma cultura política que reproduz aquela teoria econômica clássica de que a moeda podre expulsa a moeda boa. O bom político é expulso dessa cultura pela má política. E a tendência é reforçar a vigência da má política em detrimento da boa porque as grandes questões é que permitem saber quem

são aqueles que têm consistência política. Saber quem pode discutir o futuro do país. Ou quem está preocupado com as tecnicalidades da montagem de um orçamento. Valor – A novidade desta eleição é o PSOL. Como o sr. analisa esta opção? Jancsó – O PSOL é um fenômeno que poderia ter ocorrido em vários momentos do PT. Mas faltava alguma coisa. Teve o rompimento da Luiza Erundina, da Maria Luiza Fontenelle... Valor – Teve o colégio eleitoral. Jancsó - ...exatamente. De repente, alguma coisa mudou. Por quê? Porque o PT passou a ser um partido de massa à semelhança dos outros. Não tem mais aquele militante que você tinha antes. Aqueles que têm uma nostalgia daquele modo de fazer política se agruparam no PSOL. O PSOL é novo nesta conjuntura, não é novo na história do país. Eu acho extremamente salutar que alguém diga o que a Heloisa Helena se permite dizer. Não consigo ver o futuro do PSOL, nem que ele substitua o PT. Não podemos esquecer que o PT teve uma implantação de base que é de uma consistência extraordinária. Aquele cara que é da escola, da sociedade de amigos de bairro, do sindicato, que tomou porrada da polícia e tem hoje em torno de 50 e poucos anos fez isso em nome do PT e ele é o PT naqueles lugares e vai continuar a ser. Ele não vai mudar a camiseta de vermelho para azul. Isso existe no país inteiro. Foi a grande novidade anunciada pelo PT, um partido que seja um partido e não um agrupamento de oligarquia. Essa gente ainda é PT. O PSOL para ser alguma coisa como o PT precisaria preencher esse espaço. Mas o PSOL é mais jovem. Valor – Qual o espaço de crescimento do PSOL? Jancsó – Ainda é limitado. Mas o PSOL hoje, conjunturalmente, é muito bem vindo porque se permite dizer coisas enquanto o pessoal do PT só pode dizer obviedades e banalidades. Valor – Por outro lado também empresta à campanha aquele discurso do PT de antigamente que é fácil baixar juros, que é fácil garantir três refeições diárias para todo mundo etc. Jancsó – Ninguém pula a sua sombra. Heloisa Helena cresceu no PT e cresceu em cima dessa escola. Os quadros do PSOL são egressos do PT e a história foi a mesma. O que diferencia? Existe algum outro diferenciador além da estridência? Sim. Ainda que seja no discurso, o PSOL fala em prioridades! O PSOL não pode ter um programa de governo coerente, não

teve sequer tempo de maturação como partido. Não sabem o que querem fazer do PSOL como saber o que querem fazer do país. Valor – Então o PSOL tem uma função eleitoral, mas não é alternativa de poder. Jancsó – Não é justo cobrar do PSOL mais do que ele é possível de fazer que é ser o alto-falante da divulgação das patologias do nosso sistema político. Não é alternativa de poder. Mas é um vetor das alternativas postas. Valor – Como o senhor vê a possibilidade de muitos políticos mensaleiros ou sanguessugas serem eleitos? Jancsó – É mais provável que os caras do PT voltem do que esses meliantes despinguelados aí em PTB e tal. Por quê? Se me disserem que gente que ficou presa comigo, que fiz reunião clandestina é ladrão, eu vou ter uma certa dificuldade em acreditar. Aquele cara do PT que na origem era sindicalista, professor e saía com todo mundo para discutir sem ter dinheiro para comprar um apito, formava uma irmandade, ele virou deputado mas o outro continua lá na base. Eles ainda se comunicam porque o PT é obra deles e tem um valor. Isso faz com que as pessoas tenham enorme identidade, o PT é parte visceral da identidade delas. Se o cara volta lá e chora e come uma pizza como fazia antigamente, o outro vota. Claro. Valor – O senhor acredita que esse elemento emocional ainda conta ou é porque o PT é governo? Jancsó – Sim, estou dando esse exemplo, mas o PT tem uma máquina poderosa. Domina instrumentos de estado. O PT é hoje uma mescla do que há de mais bonito e o que há de mais perverso. Mas é um partido. Ao contrário, por exemplo, do PTB. É um ajuntamento. O cara lá dança e ninguém mais se lembra que teve um deputado com esse nome. Mas esses do PT que são expressão de uma capilaridade que vai até em baixo, essa capilaridade não foi suprimida. Valor – O eleitor, entre os candidatos mais posicionados na pesquisa, está mesmo escolhendo entre seis e meia dúzia? Jancsó – Sim e isso trabalha a favor de quem está no poder. O PSDB deixou de ser uma alternativa de esquerda e não teve a coragem de ser uma alternativa de direita. Eu acho que tanto quanto um partido consistente de esquerda, esse país precisa de uma coisa que nunca tevê que é um consistente partido de direita. De centro-direita. Claro que não estou falando de extremismos. A partir do momento em que a UDN deixou de ser a UDN e

virou um grupo golpista nunca mais tivemos um partido realmente de direita. Valor – O senhor não vê o PFL neste papel? Jancsó – O PFL é um bastardo da ditadura. Não é um partido. Ainda que no PFL exista gente de boa qualidade pessoal. Existem políticos competentes e honestos no PFL. Você vê nas figuras emblemáticas do PFL e você vai ver que é gente incapaz de pensar em termos de modernidade. Ainda que manejam as tecnicalidades com muita eficiência. Os caras sabem lidar com bancos, com consultoras, com telecomunicações, mas assim como um imbecil informatizado continua sendo rigorosamente um imbecil, um político que sabe operar tecnicalidades sofisticadas do universo do capital isso não o transforma num político que seja capaz de olhar o futuro.

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