Entre duas Maneiras de Adorar a Deus. Os Reduzidos em Portugal no século XVII, Lisboa, Edições Colibri, Instituto de Estudos de Literatura Tradicional, 2010, pp. 132. ISBN 978-989-689-065-0.

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ENTRE DUAS MANEIRAS DE ADORAR A DEUS OS REDUZIDOS EM PORTUGAL NO SÉCULO XVII

Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

ENTRE DUAS MANEIRAS DE ADORAR A DEUS OS REDUZIDOS EM PORTUGAL NO SÉCULO XVII

Edições Colibri

Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Publicação

BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond, 1965-

Entre duas maneiras de adorar a Deus : os reduzidos em Portugal no século XVII. – (A IELTsar se vai ao longe ; 32) ISBN 978-989-689-065-0 CDU 94(469)”16” 316 27-67

Título: Entre duas Maneiras de Adorar a Deus: Os Reduzidos em Portugal no Século XVII Autora: Isabel M. R. Mendes Drumond Braga Edição: Edições Colibri/Instituto de Estudos de Literatura Tradicional Depósito legal n.º 320 622/10

Lisboa, Março de 201

“Nam tornes por detras pois he fraqueza desistir se da cousa começada” Camões, Os Lusíadas, I, 40

IELTsando ... pela 32.ª vez ____________________________

Neste livro de Isabel M. R. Mendes Drumond Braga aborda-se a problemática dos reduzidos em Portugal no século XVII. Explica a autora: “Reduzir-se significava deixar a fé inicial – luteranismo, calvinismo, anglicanismo, judaísmo, islamismo ou qualquer outra – e aceitar como verdadeira a fé católica. Para isso realizava-se um processo de redução, constituído por um ou vários depoimentos da pessoa que se pretendia reduzir, a qual, em regra, ia acompanhada por um elemento do clero secular ou regular que a tinha instruído e conduzido à Mesa do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição. Sob juramento, o que se pretendia reduzir informava o inquisidor do seu nome, filiação, idade, situação matrimonial, estatuto sócio-profissional, naturalidade e motivos pelos quais tinha decidido reduzir-se. A par destes elementos, presentes na maioria dos casos, encontram-se ainda informações acerca dos motivos que tinham levado estas pessoas a deslocarem-se e a fixarem-se em Portugal, bem como há quanto tempo e em que local moravam. No caso de o indivíduo não falar português, havia um intérprete, frequentemente um religioso da mesma nacionalidade do que se pretendia reduzir. O indivíduo ainda costumava informar em que “seita” tinha sido educado, passando posteriormente a afirmar ter sido doutrinado por certo religioso, ao mesmo tempo que declarava abjurar os erros que até então tinha professado e acreditar nos dogmas católicos e nos ensinamentos da Igreja em geral. O inquisidor recomendava prudência no contacto com hereges e mandava o indivíduo acabar a sua doutrinação com o religioso que o tinha instruído, devendo, posteriormente, apresentar uma declaração do mesmo atestando que tinha sido confessado e absolvido dos erros anteriores. Completava-se, assim, o processo de redução, que implicava o abandono da crença anterior e a adopção de uma nova, o catolicismo. Em circunstâncias especiais, tais como doença, participação em guerra, falta de meios, etc. a redução poderia ser feita por delegação e, consequentemente, fora das sedes dos tribunais. Qualquer pessoa que vivia um processo de redução conhecera e praticara, em regra, actos próprios de duas religiões. Em alguns casos, embora numericamente pouco significativos, o conhecimento e a vivência religiosa chegou a três crenças diferentes. Esta-

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mos, assim, sempre perante indivíduos que conheceram e praticaram diferentes maneiras de adorar a Deus.” * Tem sido assim, entre IELTsadores e IELTistas. O nosso empenho persiste em desenvolver e amplificar projectos de investigação e divulgação a nível do espaço lusófono e transnacional, em contextos inter- e multiculturais, publicando edições em diversas línguas ou em edições bilingues, tanto para adultos-grandes como para pequenos-leitores, redimensionando tamanhos e distâncias. Espreite os sites: www.ielt.org; www.grandepequeno.com; www.memoriamedia.net; www.invernocommascaras.ielt.org e encontrará, entre muitos outros projectos e actividades, esta colecção inventada a partir do conhecido provérbio sobre quem anda mais ou menos devagar, caminhando para mais ou menos longe: “a IELTsar se vai ao longe”. Não andamos devagar... mas depressa também não. IELTsamos, isto é: saltamos, experimentamos, dançamos e praticamos (no sentido antigo da palavra adágio > ad agendum, para praticar) sobre patrimónios trazidos connosco e apelidados – por outros – de tradicionais. E, a propósito, volto a citar, pela 32ª vez, não um nobre estudioso destas matérias, mas Miguel quando tinha oito anos, ao jantar (pertinente, como sabemos, a associação de grandes e pequenos nesta colecção): – A tradição está a ser apagada. Tem de ser reescrita. E continuou: – Reescrito quer dizer: foi feito, foi escrito. Tem de se lembrar e fazer de novo. Reescritar é quando a tradição está a ser apagada, a desaparecer... Na expressão feliz de Fernando Alves, jornalista da T.S.F., em conversa comigo pelo telefone: – Vocês gostam de virar a tradição para diante! Não respondi...: – Estamos a reescritá-la!... ...porque o meu filho ainda não me tinha ensinado essa palavra, “reescritar”.

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– E também gostamos de a virar do avesso!, respondi sim, impulsivamente. De facto, reescritar, virar para diante ou do avesso corresponderá a “IELTsar” e a “ir ao longe”. Atestada essa viragem do avesso quando, volto a referir, Helena Vaz Duarte trata, no nº 8 desta colecção, a recorrência proverbial na obra de José Saramago, hábil desvirtuador da clássica sabedoria tradicional em favor de um saber actual, crítico e mordaz. Paralelamente a esta publicação para adultos-leitores, publica-se um nº 9, um livro pequeno para pequenos (e alguns grandes…), Provérbios Repenteados por 3ZA ÈME, ilustrado por Emílio Remelhe, com uma apresentação de José António Gomes e publicada por Edições Eterogémeas/ IELT. Virada do avesso a colecção de provérbios – repenteados ora por Saramago, ora por 3ZA ÈME? No nº 25, quantas “múltiplas vozes” se agregaram a Camponeses, Cultura e Revolução. Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA (1974-1975) de Sónia Vespeira de Almeida? Vozes mais novas, por exemplo… no nº 26, A Boneca Palmira escrita por Matilde Rosa Araújo e ilustrada por Gémeo Luís, em que uma Boneca, uma Almofada e um Espanador se desapegam de uma casa cheia de pó e reposteiros “(um pesadelo de veludo a tapar o Sol, a Noite e o Dia)” e descobrem que, na ousadia do voo, longe da gaiola, reconquistando liberdades remotas… “Afinal, os três tinham voz”. Há-de ser de espantar a nossa continuada vontade de publicar nesta colecção de IELTsadores (salteadores de perdidas arcas? violadores de matérias dadas por sérias e consagradas? ou conversadores hábeis e atentos?) um livro sobre a violência no futebol e a centralidade da cultura popular guardando dentro de si um cartaz para grandes que sabem continuar pequenos, composto por Gémeo Luís sobre um texto de Luísa Rebelo (Uma bola verdadeira), publicado enquanto nº 4 de uma colecção cujo nº 5 se intitula: Meia Bola escrito por Manuela Barros Ferreira e ilustrado por gente da escola do Gémeo Luís, livro com histórias sobre bolas para crianças jogarem e adultos reflectirem... Porque não juntar numa mesma colecção livros para adultos estudiosos e para crianças interessadas em folhear publicações… e assim ir aprendendo? Um especial nº 13, intitulado justamente … AbeCê de las historias, parece corresponder a este saudável convívio entre línguas, saberes e sabedorias de todas as etapas do cultivo/cultivado/cultura. Nesta linha de trabalho, reunimos livros e CDs festejando esse casamento com o n.º 3, as Estórias do Sul escritas e contadas por Teresa Rita Lopes e com o n.º 10: “E a fala se fez canto” de Teresa Rita Lopes e Rui Moura, uma compondo e lendo, outro musicando e cantando.

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É que – repito pela 32ª vez – a tradição vive connosco, discretamente, sem se dar por ela: desde os nossos nomes àquilo que comemos, desde o nosso vestido aos restos que deixamos para trás na nossa vida. Restos? E tudo o resto... será literatura? Ou comida? Alimento? “Quem não IELTisca, não petisca”, sugere-me Manuela Parreira da Silva, poeta destas andanças. Petiscamos publicando trabalhos sobre a alimentação nas sociedades tradicionais e sobre os contos nelas saboreados. Respigaremos outros restos nos gestos quotidianos e na arte contemporânea. Muitas obras publicadas – inseridas em projectos como Cantos, contos e que mais (faixa azul), Tradição e Modernidade (a vermelho), Falas da Terra (verde, claro!), Os Respigadores e a Respigadora (a roxo ou violeta?), Práticas da Cultura (a amarelo) – realizadas por especialistas de diversas áreas do saber, visam revitalizar e revalorizar culturas populares, silenciadas e silenciosas, culturas que, nas palavras do sociólogo João Teixeira Lopes, “se autocensuram por vergonha cultural”. Na nossa experiência de campo ora deparámos com a interiorização de um interdito, ora insistentemente com a impressão de “sem-valia”. – Mas que anda você a fazer estudando estas coisas? Isto interessa a alguém? Convenhamos. Interessou sobremaneira à política cultural do Estado Novo a recuperação destas matérias referenciadas então como suporte da identidade nacional, na sua feição tão pitoresca quanto imperialista. Palavras como folclore e etnografia ficaram doravante contaminadas. Mas sobrevive o interesse mais ou menos caseiro, recentemente também académico, pelo estudo dessa “densidade” (o termo é de Jorge Dias em 1957) do elemento popular em “todos os indivíduos de uma nação, sejam camponeses ou pastores, comerciantes, militares, advogados ou professores”. Naturalmente que a densidade do tradicional varia segundo a classe social, mas é só uma questão de densidade e nunca de limites.1 De facto, tanto o desconhecimento quanto o aproveitamento (rimando, não por acaso, um com o outro) do manancial imenso da tradição popular portuguesa tem causado irrecuperáveis lesões no património nacional, não apenas em termos materiais mas também em termos sociais e culturais. Urge, por isso, um trabalho sistemático de investigação sobre essas fontes. De notar que, há já mais de vinte anos, Alan Dundes da Universidade de Califórnia, em Berkeley, sem dúvida um dos maiores folcloristas mundiais, recebeu com efusivo aplauso um dos então poucos estudos consagrados à 1

Jorge Dias, “Etnologia, Etnografia, Volkskunde e Folclore”, separata de Douro Litoral – Boletim da Comissão Litoral de Etnografia e História, oitava série, I-II. Porto, 1957.

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obra de Leite de Vasconcellos. Mais recentemente, o historiador José Mattoso insistiu publicamente na importância do estudo das “modalidades concretas através das quais se exprime a mentalidade popular”2 de forma a poder-se finalmente “medir o seu significado, descobrir o seu funcionamento, enfim, reconstituir as estruturas mentais em que elas se inserem.” E adianta o historiador referindo-se a este tipo de pesquisa: Esta é, pois, uma daquelas investigações em ciências humanas que podem ser mais úteis aos historiadores porque lhes dá um fio condutor para se poderem mover no frondoso campo da cultura popular. As palavras de Isabel Meireles (em Freud e Maquiavel, T.S.F., inícios de 2003) ao definir uma “estratégia europeia” para Portugal, sublinham a urgência de reforçar a “auto-estima e identidade cultural portuguesa” dignificando o país “pobre e pequeno”, o “país em diminutivo” (Alexandre O’ Neill) através desta dimensão patrimonial historicamente preterida e através da valorização da reserva tradicional de saberes. “Estamos todos com saudades de Portugal; saudade de nos reencontrarmos com Portugal”, afirma Carlos Magno, alguns programas depois, a propósito do número da revista Egoísta dedicado justamente a Portugal. Esta questão que todos temos connosco mesmos (Alexandre O’Neill) não nos atola, a nós-IELTistas, no lamaçal da engonhice mas impele-nos a agir de forma a humildemente ir compensando (talvez sanando) traços da “fragilidade identitária” do país. Carlos Amaral Dias dá o exemplo: a celebração do dia de S. Valentim a 14 de Fevereiro em detrimento dos dias 12 e 13 de Junho, festejos de Santo António, o casamenteiro. Nós acrescentaríamos muitos outros exemplos desde a música à gastronomia, essa saciada e sadiamente recuperada e dignificada – hoje em dia, graças a pessoas como, por exemplo, José Alberto Ferreira, director artístico e programador do Festival Escrita na Paisagem, dedicado em 2006 a comer/ cheirar/ agricultura. Consideremos também o trabalho de recolha e exposição de contos e cantos tradicionais, histórias de vida, celebrações, tudo em torno do património imaterial ancestral e contemporâneo, disponibilizado em www.memoriamedia.net – assistindo à generosa e descontraída dádiva de gente vivendo longe dos faróis que encandeiam e ofuscam, à tradição exposta através de meios inesperados, isto é, na rede (não de pesca nem de qualquer forma de captura) recentemente chamada Internet. Acreditamos na fórmula que nos enforma: less is more (François Dagognet). Não ‘betonizamos’ o património, temo-lo em consideração, avaliando a fertilidade desse resto. Interessa-nos sobremaneira aquilo a 2

Prefácio de José Mattoso a Olhos, Coração e Mãos no Cancioneiro Popular Português de Ana Paula Guimarães. Lisboa, Círculo de Leitores, 1992, p. 9.

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que o antropólogo Mesquitela Lima chamou “a antropologia do trivial”. E o trivial bate-nos diariamente à porta. Arredemos de vez a cultura de depressão nacional pois, como afirma Carlos Amaral Dias, “a cultura é o copo onde se põe o vinho dos afectos”. Leiamos o poema de Manoel de Barros em Retrato do Artista quando Coisa (1998): Aprendo com abelhas mais do que com aeroplanos. É um olhar para baixo que eu nasci tendo. É um olhar para o ser menor, para o insignificante que eu me criei tendo. O ser que na sociedade é chutado como uma barata – cresce de importância para o meu olho. Ainda não entendi por que herdei esse olhar para baixo. Sempre imagino que venha de ancestralidades machucadas. Fui criado no mato e aprendi a gostar das coisinhas do chão – antes que das coisas celestiais. Pessoas parecidas de abandono me comovem: tanto quanto as soberbas coisas ínfimas. Recordemos ainda aqueles versos do seu Livro sobre Nada (1998): É no ínfimo que eu vejo a exuberância. IELTsaremos, pois assim, apreciando as “coisinhas do chão”, considerando as formigas exuberantes e convivendo com gigantones na nossa praça (já viu como nos descobrimos a gostar de reflectir sobre escalas e tamanhos, distâncias e diferenças em www.grandepequeno.com?). Reescritemos pelo caminho, tentando caminhar para uma distância que será o nosso longe, o que está mais perto. O “ser menor”. O elemento “ínfimo” no qual não estamos habituados a reparar. Repararemos a falta de não ter reparado antes. Ieltsaremos. Iremos de longe. Como se o longe nos arrancasse à banalidade do próximo. Ana Paula Guimarães 24 de Dezembro de 2010

ÍNDICE __________

Nota de Abertura ....................................................................................... 17 Introdução .................................................................................................. 19

I – A Geografia Religiosa da Europa no século XVII .............................. 25 O tempo das guerras de religião ou o tempo das confissões. Heresia enquanto sinónimo de sublevação contra o Rei. A necessidade de coexistência e convivência entre católicos e protestantes. Os tratados entre Portugal e alguns Reinos europeus após 1640. Panorama da situação religiosa europeia.

II – Os Perfis dos Reduzidos ..................................................................... 33 1. Quantos são e quem são os reduzidos? ................................................. 33 Quantos reduzidos? Reduzidos por sexo e por idade. Tempo entre a chegada a Portugal e a concretização do processo de redução. Situação matrimonial dos reduzidos. Reduções de diversos membros de uma família. A proveniência dos candidatos à redução. Os locais de acolhimento dos reduzidos. O estatuto sócio-económico dos reduzidos. Os motivos da vinda para Portugal: procura de oportunidades de trabalho, aprendizagem da língua portuguesa, prática do catolicismo, procura de familiares, situações um tanto ao acaso e outros motivos.

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2. Percursos de Vidas ................................................................................. 56 A anterior religião dos candidatos a reduzidos. Redução e antigas minorias étnico religiosas residentes em Portugal. Os reduzidos filhos de casais em que cada progenitor professara uma religião diferente. Redução de católicos? Motivações para a redução dos protestantes: contactos com católicos leigos, influência do clero, observação das cerimónias e rituais do culto católico, inspiração divina, leitura de obras de doutrina, menosprezo pela diversidade de grupos protestantes, influência familiar, doença, casamento e perigos diversos. O ritmo das reduções. O papel do clero estrangeiro.

Balanço Final ............................................................................................ 113 Fontes e Bibliografia ................................................................................ Fontes Manuscritas .................................................................................... Fontes Impressas ........................................................................................ Dicionários, Inventários, Repertórios e outras Obras de Referência ......... Estudos .......................................................................................................

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Apêndice Documental .............................................................................. 129

ÍNDICE DE QUADROS, GRÁFICOS E MAPAS __________________________

Quadro 1 – As Fontes e os Dados que Proporcionam .............................. 22 Quadro 2 – Nomes Adulterados dos Reduzidos ...................................... 23 Gráfico 1 – Reduzidos por Sexo .............................................................. 34 Gráfico 2 – Reduzidos por Grupos Etários .............................................. 35 Quadro 3 – Situação Matrimonial dos Reduzidos ................................... 36 Gráfico 3 – Situação Matrimonial dos Reduzidos ................................... 36 Mapa 1

– Locais de Origem dos Reduzidos ......................................... 38

Gráfico 4 – Locais de Origem dos Reduzidos ......................................... 39 Mapa 2

– Locais de Residência dos Reduzidos em Portugal Continental ....................................................... 42

Gráfico 5 – Estatuto Sócio-Profissional dos Reduzidos ........................... 49 Quadro 4 – Reduzidos cujos Pais professaram Religiões Diferentes ...... 67 Gráfico 6 – Motivos das Reduções dos Protestantes ................................ 75 Gráfico 7 – Processos de Redução por Anos ........................................... 98 Quadro 5 – Sacerdotes que mais Candidatos à Redução acompanharam .................................................................... 100 Quadro 6 – Reduções fora das Sedes dos Tribunais do Santo Ofício .... 104

NOTA DE ABERTURA ________________________

O texto que agora surge sob a forma de livro constituiu a lição de síntese apresentada às provas de habilitação ao título de Agregado no 4.º grupo de História, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no dia 4 de Janeiro de 2006. Passados quase cinco anos torna-se acessível aos leitores, integrando uma das colecções do Instituto de Estudos de Literatura Tradicional da Universidade Nova de Lisboa, graças ao amável convite da Colega Professora Doutora Inês de Ornellas e Castro, a quem reconhecidamente agradeço. Antes da realização das provas, a temática foi apresentada a alunos de pós graduação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense (Niterói – Rio de Janeiro). O debate então estabelecido foi frutuoso e gratificante, a futura lição fora testada com êxito. As provas foram requeridas a 17 de Dezembro de 2004 e prestadas a 3 e 4 de Janeiro de 2006. Mesmo com a serenidade que o tempo sempre trás, eis algo que dispensa comentários mas que não deve ser omitido. De facto, sem memória perde-se o rumo. Não obstante, importa lembrar com muito afecto e gratidão os que, ao longo de todo o processo, apoiaram o meu propósito de prestar provas, os Senhores Professores Catedráticos da área de História Moderna da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Professora Doutora Maria do Rosário de Sampaio Themudo Barata de Azevedo Cruz e Professor Doutor António Augusto Marques de Almeida. A lição de síntese, que agora se apresenta com ligeiras actualizações, foi arguida pela Senhora Reitora da Universidade Aberta, Professora Doutora Maria José Pimenta Ferro Tavares, a quem agradeço diversas sugestões que, naturalmente, beneficiaram a versão que agora vem a público. Por fim, com enorme afecto, recordo o apoio incondicional do meu Marido e penitencio-me por ter omitido que iria prestar provas de agregação a pessoas a quem quis poupar, incluindo a minha Mãe e a minha Irmã. A compreensão das minhas razões valeu-me o generoso abraço. Lisboa, Outubro de 2010

INTRODUÇÃO _________________

1. Reduzidos. O que são? Quem são? Quantos são? Porque empreenderam tal percurso? Qual o balanço da opção tomada? Estas algumas das perguntas que, cremos, perpassam pela mente dos que são confrontados com esta realidade e às quais pretendemos dar resposta ao longo deste texto. Comecemos, desde já, por explicar que reduzir-se significava deixar a fé inicial – luteranismo, calvinismo, anglicanismo, judaísmo, islamismo ou qualquer outra – e aceitar como verdadeira a fé católica. Era o que Bluteau definiu como colocar alguém no bom caminho, concretamente levar as ovelhas perdidas a integrar o rebanho de Cristo1. Para isso realizava-se um processo de redução2, constituído por um ou vários depoimentos da pessoa que se pretendia reduzir, a qual, em regra, ia acompanhada por um elemento do clero secular ou regular que a tinha instruído e conduzido à Mesa do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição. Sob juramento3, o que se pretendia 1

Raphael Bluteau, Vocabulario Portuguez & Latino […], vol. 7, Lisboa, Officina de Pascoal da Sylva, 1720, p. 180. Preferimos utilizar a palavra reduzido à palavra convertido, vulgarmente relacionada com os cristãos novos, para evitar dúvidas e, sobretudo, porque era a palavra então utilizada quer no Santo Ofício quer na literatura em prosa e em verso do século XVII. A título de exemplo, refira-se o texto de Pedro de Azevedo Tojal (16..-1742), Carlos Redusido: Poema Heroico, Lisboa, Oficina de António Pedroso Galram, 1716, relativo à redução do protestante Carlos II de Inglaterra; ou as críticas ao confisco de bens dos cristãos novos feitas por Manuel Fernades Vila Real (1608-1652): “Quando o vassalo conhece que procuram reduzi-lo tirando-lhe a fazenda, julga que aquela acção procede mais de avareza que de caridade.” Manuel Fernandes de Vila Real, Epítome Genealógico do Eminentíssimo Cardeal Duque de Richelieu e Discursos Políticos sobre algumas Acções de sua Vida, biografia, tradução e notas de António Borges Coelho, Lisboa, Caminho, 2005, p. 114. A primeira edição é de 1641. 2 Ao longo deste texto, entenderemos processo não como os autos que correm em juízo mas sim como o conjunto dos papéis relativos a um assunto, em concreto, aos actos que levaram à redução. 3 De notar que, no caso do judeu Isac de Campos, o primeiro depoimento foi prestado depois de ter jurado sob o Talmud e o segundo, igual ao primeiro, após o mesmo se ter baptizado, sobre as Sagradas Escrituras. Cf. Lisboa, Arquivo Nacional da Torre do Tombo (A.N.T.T.), Inquisição de Évora, liv. 562, fols 453-478. No caso dos muçulmanos, nenhum jurou sob o Alcorão.

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reduzir informava o inquisidor do seu nome, filiação, idade, situação matrimonial, estatuto sócio-profissional, naturalidade e motivos pelos quais tinha decidido reduzir-se. A par destes elementos, presentes na maioria dos casos, encontram-se ainda informações acerca dos motivos que tinham levado estas pessoas a deslocarem-se e a fixarem-se em Portugal, bem como há quanto tempo e em que local moravam. No caso de o indivíduo não falar português, havia um intérprete, frequentemente um religioso da mesma nacionalidade do que se pretendia reduzir. Quando estávamos perante menores de 25 anos, era nomeado um curador, normalmente o alcaide do cárcere, o porteiro da Mesa, ou outro qualquer funcionário do Santo Ofício. O indivíduo ainda costumava informar em que “seita” tinha sido educado, passando posteriormente a afirmar ter sido doutrinado por certo religioso, ao mesmo tempo que declarava abjurar os erros que até então tinha professado e acreditar nos dogmas católicos e nos ensinamentos da Igreja em geral. O inquisidor recomendava prudência no contacto com hereges e mandava o indivíduo acabar a sua doutrinação com o religioso que o tinha instruído, devendo, posteriormente, apresentar uma declaração do mesmo atestando que tinha sido confessado e absolvido dos erros anteriores. Completava-se, assim, o processo de redução, que implicava o abandono da crença anterior e a adopção de uma nova, o catolicismo4. Em circunstâncias especiais, tais como doença, participação em guerra, falta de meios, etc. a redução poderia ser feita por delegação e, consequentemente, fora das sedes dos tribunais. Qualquer pessoa que vivia um processo de redução conhecera e praticara, em regra, actos próprios de duas religiões. Em alguns casos, embora numericamente pouco significativos, o conhecimento e a vivência religiosa chegou a três crenças diferentes. Estamos, assim, sempre perante indivíduos que conheceram e praticaram diferentes maneiras de adorar a Deus.

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Os reduzidos de origem protestante já tinham sido baptizados. Como a Igreja católica considerava válidos esses baptismos outorgados pelas diferentes Igrejas protestantes não se repetia o sacramento. Contudo, nos registos paroquiais portugueses aparecem baptismos de pessoas que já tinham sido baptizadas. Nestes casos estamos perante actos de rebaptismo sub conditione, cujo objectivo seria dar carácter visível e proselitista ao sacramento, enquanto rito legal e social de agregação à Igreja católica. Tal é o entendimento expresso por Maria Isabel Rodrigues Ferreira, Geraldo J. A. Coelho Dias, “Baptismo de Protestantes e Proselitismo Católico no Porto Setecentista”, Humanística e Teologia, tomo 6, fasc. 2, Porto, 1985, p. 200; Geraldo J. Amadeu Coelho Dias, Maria Isabel Rodrigues Ferreira, “Ingleses no Porto Setecentista e Proselitismo Católico”, Actas do Colóquio Comemorativo do Tratado de Windsor, Porto, Faculdade de Letras, Instituto de Estudos Ingleses, 1988, p. 256.

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2. Ao escolhermos como tema de investigação os reduzidos, assunto que raramente tem interessado os investigadores5, e que cruza a história religiosa com a história social, deparámo-nos com a necessidade de estabelecer delimitações cronológicas para tornar viável o estudo dos mesmos, uma vez que a documentação conservada sobre este fenómeno começou em 16416 e terminou em 1820. Se o início nos foi apresentado sem grande hesitação, pois escolhemos começar o estudo pelos primeiros registos que encontrámos, já o final resultou da necessidade de recolher um número suficientemente significativo de informações, as quais deveriam ser, simultaneamente, passíveis de serem tratadas sem problemas de maior. O facto de termos estudado a actuação do Santo Ofício da Inquisição sobre os estrangeiros residentes em Portugal até 1700, também pesou na decisão de escolher essa data como termo, uma vez que esses dados permitem verificar quantos dos que optaram por se tornar católicos tiveram, posteriormente, problemas com o Tribunal do Santo Ofício, o que não deixa de ser importante, pois permite avaliar até que ponto se tratou

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Os únicos trabalhos portugueses sobre esta temática, com base nas fontes inquisitoriais, são: Paulo Drumond Braga, A Inquisição nos Açores, Ponta Delgada, Instituto Cultural de Ponta Delgada, 1997, pp. 129-137; Idem, “Alemães na Lisboa Seicentista. As Conversões ao Catolicismo”, Akten der V. Deutsch-Portugiesischen Arbeitsgespräche / Actas do V Congresso Luso-Alemão, Köln, Lisboa, Zentrum Portugiesischsprachige Welt, Universität zu Köln, Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 2000, pp. 421-433; Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, “Uma Estranha Diáspora rumo a Portugal: Judeus e Cristãos-Novos reduzidos à Fé Católica no século XVII”, Sefarad, ano 62, fasc. 2, Madrid, 2002, pp. 259-274; Idem, “Corso e Redução de Muçulmanos no século XVII”, Hommage à l’Ecole d’ Oviedo d’ Etudes Aljamiado (Dédié au Fondateur Álvaro Galmés de Fuentes), direcção de Emérite Abdeljelil Temimi, Zaghouan, Fondation Temimi pour la Recherche Scientifique et l’ Information, 2003, pp. 291-297. Para outros espaços, cf. Francisco Fajardo Spinola, Las Conversiones de Protestantes en Canárias. Siglos XVII y XVIII, Las Palmas de Gran Canaria, Cabido Insular de Gran Canaria, 1996 (este trabalho refere-se apenas a reduzidos de origem protestante); Ricarda Matheus, “Mobilität und Konversion. Überlegungen aus römischer Perspektive”, Quellen und Forschungen aus Italienischen Archiven und Bibliotheken, vol. 85, Roma, 2005, pp. 173-213. Sobre reduzidos com base nos registos paroquiais, cf. Maria Isabel Rodrigues Ferreira, Geraldo J. A. Coelho Dias, “Baptismo de Protestantes e Proselitismo Católico no Porto Setecentista”, Humanística e Teologia, tomo 6, fasc. 2, Porto, 1985, pp. 199-222; Geraldo J. Amadeu Coelho Dias, Maria Isabel Rodrigues Ferreira, “Ingleses no Porto Setecentista e Proselitismo Católico”, Actas do Colóquio Comemorativo do Tratado de Windsor, Porto, Faculdade de Letras, Instituto de Estudos Ingleses, 1988, pp. 251-273. 6 Referimo-nos à documentação guardada de forma sistemática pois, anteriormente, também se realizaram algumas reduções.

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de uma decisão acertada em termos de estratégia pessoal de integração na sociedade portuguesa de então. Apresentemos as fontes que estiveram na base deste estudo. Entre 1641 e 1700, recolhemos 988 processos de redução, compilados em nove códices factícios. Isto é, atendendo a que para cada redução eram produzidos diversos papéis por pessoa, a junção dos mesmos num processo e a sua posterior guarda, nem sempre de forma rigorosa em termos de ordenação cronológica, deram origem a livros algo desorganizados e, pontualmente, com casos repetidos, os quais, evidentemente, não foram objecto de contagem dupla. Estes documentos estão distribuídos de forma extremamente desigual pelos tribunais de Lisboa, Évora e Coimbra e mesmo dentro de cada um dos livros de cada tribunal. Por outro lado, a documentação conservada não teve início em simultâneo nos três tribunais. Os processos de redução mais antigos que chegaram até nós pertencem ao tribunal de Lisboa e têm início em 1641, seguem-se os do tribunal de Coimbra, datados de 1656 e, por fim, os de Évora, que remontaram a 1662, havendo apenas um documento de 1641. Quadro 1 – As Fontes e os Dados que proporcionaram Fonte

Número de fólios

Inq. de Lisboa, liv. 708 Inq. de Lisboa, liv. 709 Inq. de Lisboa, liv. 710 Inq. de Lisboa, liv. 711

442 391 449 504

Inq. de Lisboa, liv. 712 Inq. de Lisboa, liv. 713 Inq. de Lisboa, liv. 714 Inq. de Lisboa, liv. 715 Inq. de Lisboa, liv. 716 *

354 414 344 398 418

Inq. de Évora, liv. 562*

727

Inq. de Coimbra, liv. 744

302

Inq. de Coimbra, liv. 613 Inq. de Coimbra, liv. 614* Total

212 562 –

* Contém documentos do século XVIII.

Datas contempladas

1641-1652, 1662, 1664 1653-1659 1659-1668 1662-1663, 1668-1672, 1682 1673-1676 1676-1684 1684-1689 1689-1697 1693-1700 1641, 1662-1671, 1673, 1676-1679, 1682-1684, 1686, 1688-1690, 1692-1693, 1698-1699 1656, 1659, 1664-1672, 1676-1678, 1680-1686 1686-1695, 1697-1699 1700 –

Total de Processos

100 74 99 78 72 129 89 75 41 152

51 33 5 988

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Face a esta documentação, nem toda ela com os mesmos dados, optámos por estudar as pessoas, caracterizando-as sociologicamente (sexo, idade, situação matrimonial, estatuto sócio-profissional, naturalidade, residência em Portugal), sem esquecer as motivações, quando apresentadas, quer para estarem a viver no país quer, sobretudo, para se reduzirem. O papel que alguns dos elementos do clero tanto português como, sobretudo, estrangeiro tiveram junto de conterrâneos ou de falantes da mesma comunidade linguística ou de comunidades afins, não pôde ser omitido, dado que as acções que desenvolveram foram imprescindíveis para o êxito das reduções. Todos estes aspectos só se tornam suficientemente claros se tivermos como pano de fundo a situação religiosa dos países de origem dos reduzidos e a própria situação de Portugal pós 1640, no contexto político das guerras da Restauração, quando houve necessidade de estabelecer tratados com diversos Reinos europeus e de reconhecer a liberdade da prática de diferentes religiões por parte dos estrangeiros, embora em situações muito específicas, não obstante algumas medidas começarem a ser esboçadas antes da assinatura dos referidos tratados, como veremos em seguida. Queremos ainda chamar a atenção para o facto de termos mantido a antropomínia tal como aparece nas fontes, uma vez que se tornou impossível proceder à reconstituição dos nomes e, sobretudo, dos apelidos dos estrangeiros, uma vez que a maioria aparece traduzida e deturpada. Nomes e apelidos eram escritos tal como os Portugueses pensavam ter ouvido e até como os estrangeiros informavam os inquisidores da maneira como os Portugueses os designavam quando tinham dificuldade em pronunciar nomes mais invulgares. Alguns estrangeiros também entenderem que a redução era o momento oportuno para mudar de nome. Esta nossa opção, já antes assumida, quando estudámos os Estrangeiros e a Inquisição7, parece-nos a mais acertada, dentro das limitações referidas, e apoia-se nas próprias fontes. Senão vejamos, tendo em conta apenas os depoimentos de alguns reduzidos, que indicaram duas versões dos seus nomes: Quadro 2 – Nomes Adulterados dos Reduzidos Nome pretensamente correcto

Alberto Timerman Ana Bearde André Hodi8

Nome como era conhecido

Alberto Henriques Ana Barbosa André Silva

Local de Origem

Dinamarca Inglaterra Inglaterra

Fonte*

L 714, 157 L 713, 171 L710, 266

7

Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Os Estrangeiros e a Inquisição Portuguesa (séculos XVI-XVII), Lisboa, Hugin, 2002, p. 11.

8

Na fonte pode ler-se “que he o mesmo que Silva”.

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24 Nome pretensamente correcto

Nome como era conhecido

Arnao de Cunhal David Fresnot Diogo Sumithis Eggeline Haberlanes Gedean de Labat Isabel Thonson Isac Nicolau James Wookoy João Bearde João Rolans Margeri Duarte Melchisideo Briten Nicolau Esteves Paula Crapuli Pedro Marral Thomas Sumus Wilhelm don Monte Llancko

Manuel de Cunhal9 Francisco da Silva10 Diogo Joaquim Duarte Hale Julião de Labat11 Anabela Bedinger Sebastião da Costa Diogo Uqlue João Barbosa João Tobias Guiomar Duarte Manuel Agostinho da Graça12 Cristina de São Francisco13 Pedro da Cruz Thomas da Costa Guilherme de Monte Branco

Local de Origem

Alemanha França Alemanha Alemanha França Inglaterra Holanda Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Alemanha Dinamarca Irlanda Inglaterra Alemanha

Fonte*

L 708, 270 C 613, 157 L 714, 214 L 709, 357 L 713, 134 L 715, 58 L 710, 222 L 715, 38 L 713, 172 L 715, 374 L 715, 1 L 709, 193 L 710, 131 L 715, 115 L 714, 240 L 715, 268 L 711, 352

* As letras C, E e L referem-se, respectivamente, a Inquisição de Coimbra, Évora e Lisboa. O primeiro número respeita ao do livro e o segundo ao do primeiro fólio do processo de redução.

Como se pode ver pelo quadro acima, muito raramente aparece o nome correcto do candidato à redução. Na primeira coluna a tradução de nomes como Anne, Elisabeth, John ou Peter foi uma constante, enquanto a adulteração de quase todos os restantes e dos apelidos não deixa margem para dúvidas. A segunda coluna, onde nos aparecem os que mudaram de nome ou os que informaram como eram conhecidos, revela-nos, mais uma vez, as dificuldades de chegarmos à onomástica original. Refira-se ainda que esta multiplicidade onomástica poderia funcionar como uma maneira de escamotear e confundir as autoridades nacionais e estrangeiras. 9

Mudou de nome. Sobre os que mudavam de nome quando se reduziam, cf. Maria Isabel Rodrigues Ferreira, Geraldo J. A. Coelho Dias, “Baptismo de Protestantes […]”, p. 213; Geraldo J. Amadeu Coelho Dias, Maria Isabel Rodrigues Ferreira, “Ingleses no Porto Setecentista […]”, p. 258. 10 Mudou de nome. 11 Na fonte pode ler-se “por corrussam de vocabulo lhe chamão Jullião sendo que o proprio nome he Gedeam”. 12 Mudou de nome. 13 Mudou de nome.

I A GEOGRAFIA RELIGIOSA DA EUROPA NO SÉCULO XVII _________________________________

O tempo das guerras de religião ou o tempo das confissões. Heresia enquanto sinónimo de sublevação contra o Rei. A necessidade de coexistência e convivência entre católicos e protestantes. Os tratados entre Portugal e alguns Reinos europeus após 1640. Panorama da situação religiosa europeia.

No século XVI, a Europa assistiu à divisão religiosa do Sacro Império Romano Germânico entre católicos e luteranos: os países nórdicos optaram, apesar de alguns sobressaltos, pela reforma de tonalidade luterana; a França oscilou entre o catolicismo e o protestantismo, o que deu origem a oito guerras religiosas; a Inglaterra encontrou o seu caminho com Isabel I, parte dos Países Baixos lutaram pela vitória do calvinismo, tal como alguns dos cantões suíços. Isto é, o século XVI apareceu como um período muito conturbado do ponto de vista religioso, conhecendo o final do conceito de Cristandade (do ponto de vista da unidade cristã romana) e assistindo a uma nova geografia religiosa, com implicações também a nível político, um pouco por toda a Europa. Esta época conhecida como a das guerras de religião, ou o tempo das confissões1, perturbou de forma profunda as diferentes monarquias, transformando a crise religiosa em crise de construção do Estado Moderno, na medida em que, em termos de relações internacionais, predominaram os interesses religiosos, ao mesmo tempo que as confissões dissidentes da religião do soberano fugiram à lealdade e à soberania dinástica para poderem fazer alianças com Estados nos quais a religião fosse a mesma. Considerava-se, deste modo, que a heresia era uma sublevação contra o Rei e 1

Sobre estes conceitos, cf. Agostino Borromeo, “Felipe II y el Absolutismo Confesional”, Felipe II un Monarca y su Época. La Monarquia Hispanica, [s.l.], Sociedad Estatal para la Conmemoración de los Centenarios de Felipe II y Carlos V, 1988, pp. 185-195.

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colocava-se em prática a máxima segundo a qual a unidade dos Estados requeria a unidade religiosa. O século de Quinhentos, intensamente marcado pelas lutas religiosas, só para o final começou a conhecer alguma estabilização a esse nível. Isto é, se não houve uma situação pacífica e clara numa boa parte dos Reinos europeus, também não foi possível aceitar as diferenças religiosas e conviver pacificamente com as mesmas, apesar de a ideia de tolerância já ter sido expressa, por exemplo, por parte de alguns humanistas. Nestas circunstâncias, nenhum monarca europeu pensava aceitar súbditos de outros Reinos que tivessem uma opção religiosa diferente. As perseguições e o proselitismo foram uma constante quer por parte dos católicos quer por parte dos protestantes. No século XVII, com a clarificação da situação religiosa da maior parte dos Reinos europeus, o que não significou o final definitivo dos problemas e dos conflitos, houve lugar para a negociação das condições dos súbditos católicos nos Reinos protestantes e dos súbditos protestantes nos Reinos católicos. Portugal, após 1640, aproveitou a guerra da Restauração para negociar o reconhecimento da sua independência com as forças hostis a Filipe IV e para, no âmbito dos tratados assinados com os diversos Reinos, negociar e precisar a liberdade de consciência dos súbditos dos dois lados2. Isto é, no século XVII, parcial ou totalmente estabilizada a opção religiosa de cada, estavam reunidas as condições para chamar a atenção face à dificuldade dos súbditos católicos em países protestantes e dos súbditos protestantes em países católicos3. O triunfo de uma Europa divi2

Por razões de natureza diferente, nomeadamente comerciais, Castela já tinha tido a mesma atitude, em 1604. Cf. Jaime Contreras, El Santo Oficio de la Inquisición de Galicia. Poder, Sociedad y Cultura, Madrid, Akal, 1982, pp. 620-627; William Monter, La Otra Inquisición. La Inquisición Española en la Corona de Aragón, Navarra, el País Vasco y Sicilia, tradução de Felipe Alcantara, Barcelona, Critica, 1992, pp. 290-297; Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], pp. 15-22. Este tipo de atitude foi posteriormente renovado nos tratados de 1630, 1665 e 1667. Cf. Antonio Domínguez Ortiz, “Los Extranjeros en la Vida Española durante el siglo XVII”, Los Extranjeros en la Vida Española durante el siglo XVII y otros Articulos, edição dirigida por León Carlos Álvarez Santaló, Sevilha, Diputación de Sevilha, 1996, pp. 114-116; Juan Reglá, “Spain and her Empire”, The New Cambridge Modern History, vol. 5, (The Ascendancy of France. 1648-1688), direcção de F. L. Carsten, Cambridge, Cambridge University Press, 1961, pp. 374-375. 3 A 9 de Dezembro de 1609, Filipe III, em carta dirigida ao bispo inquisidor geral D. Pedro de Castilho entendeu: “em quanto ao que toca aos ditos estrangeiros hei por bem que em conformidade do que resolvi em Valladolid façais proceder pelo Santo Oficio contra os que nesse reino cometerem crime de heresia ou metendo no reino livros proibidos. Porém fá-lo-eis amoestar primeiro na forma que esta assen-

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dida do ponto de vista religioso impunha a aceitação de novas regras de conduta para satisfazer necessidades diversas de ordem prática, nomeadamente a circulação de pessoas e a transacção de bens. Retenha-se, contudo, que a recorrente animosidade face aos estrangeiros, mormente em relação aos protestantes, era uma realidade bastante vincada no Portugal seiscentista. Numa lembrança anónima do período filipino, consequentemente anterior a 1640, foram feitas diversas recomendações no sentido de limitar a acção dos estrangeiros, em especial dos Ingleses, o grupo numericamente mais significativo e, talvez também o mais activo, pelo menos no entendimento do autor da referida lembrança. No documento fez-se referência à existência de tabernas inglesas onde se atentava contra a fé católica, o que era mau em si e podia contagiar os Portugueses; à necessidade de obrigar os estrangeiros que se quisessem casar em Portugal a reduzirem-se primeiro à fé católica, à conveniência de todos os oficiais e do cônsul serem católicos e termina-se recordando que estas ideias não são diferentes da prática inglesa face aos católicos em Inglaterra. Na resposta à lembrança, as opiniões foram de molde a dar razão às sugestões enunciadas, precisando, inclusivamente alguns aspectos4.

Após a Restauração, pela primeira vez Portugal aceitou oficialmente a liberdade de consciência, o exercício da religião dentro das casas e embarcações e a posse de livros protestantes por parte dos estrangeiros não católicos, que tinham nascido em territórios reformados. Concretamente, em 1641, através do tratado com a Suécia5 e da trégua estabeleci-

tado para que fiquem mais convencidos e o procedimento do Santo Oficio mais justificado”. O monarca começava a revelar alguma prudência. O mesmo se pode afirmar em relação ao que escreveu numa carta datada de 30 de Maio de 1616, dirigida aos deputados do Conselho Geral do Santo Ofício da Inquisição, na qual se pode ler: “Vi a vossa carta por que me destes contas das culpas que há de Hugo Lé cônsul dos ingleses nessa cidade e das razões porque deixastes de proceder até agora contra ele. E pareceu-me agradecer-vos muito (como o faço) a boa consideração com que vos houvestes nesta matéria e encomendar-vos que não passeis adiante sem outra ordem minha, fazendo porem ter particular tento e vigilância nele para saber se continua no mesmo procedimento e mo avisardes logo”. Cf. Isaías da Rosa Pereira, A Inquisição em Portugal. Séculos XVI-XVII. Período Filipino, Lisboa, Vega, 1992, pp. 51 e 84, respectivamente. 4 Lisboa, A.N.T.T., Conselho Geral do Santo Ofício, liv. 214, fols 28-29v. Veja-se apêndice documental. 5 Moses Bensabat Amzalak, A Primeira Embaixada enviada pelo Rei D. João IV à Dinamarca e à Suécia. Notas e Documentos, Lisboa, [s.n.], 1930, p. 67.

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da com os Países Baixos6 e, em 1642 e 1654, através dos tratados com a Inglaterra7. A França, onde se vivia uma situação ímpar no panorama político de então, com a coexistência entre católicos e huguenotes apesar de os monarcas serem católicos, não se preocupou com tal problema. O Sacro Império, aliado da monarquia de Filipe IV, não só não estabeleceu qualquer acordo com Portugal, como ainda dificultou a situação portuguesa no contexto europeu. Consequentemente, a questão nem se chegou a colocar. Porém, tendeu-se a ter o mesmo tratamento face a todos os súbditos estrangeiros independentemente do local de origem. No século XVII, a geografia religiosa da Europa era uma realidade difícil de imaginar cem anos antes. Se não vejamos. Em Inglaterra, os sucessores de Isabel I, Jaime I (1603-1625) e Carlos I (1625-1648) mantiveram o anglicanismo como religião oficial do Reino, conscientes de que tal atitude ajudaria a consolidar o absolutismo. Não estiveram, contudo, ausentes manifestações de catolicismo e de presbiterianismo, o mesmo é dizer, uma interpretação do calvinismo que não aceitava a predestinação. A guerra civil de 1642-1649 teve, além da faceta política, uma vertente religiosa, opondo anglicanos e católicos, de um lado, a presbiterianos, do outro. A Restauração (1660) repôs o anglicanismo e após a rápida passagem de um Rei católico – Jaime II (1685-1688) deposto pelo genro, o holandês e futuro Guilherme III, através da Glorious Revolution, de 1688 – a Inglaterra retomou o caminho iniciado por Henrique VIII e consolidado por Isabel I. Em 1689, o Toleration Act dava liberdade religiosa a todas as tendências existentes dentro do protestantismo, mas não incluia os católicos que, em 1701, pelo Act of Settlement, foram excluídos para sempre da sucessão da Coroa8. Na Escócia, Jaime VI – da Escócia e I de Inglaterra – e Carlos I tentaram destruir o presbiterianismo e substitui-lo pelo anglicanismo. Porém, os seguidores de John Knox (1505-1572) eram numerosos e os monarcas nunca lograram alcançar êxito. Com a Restauração (1660), a religião oficial inglesa foi imposta com grande violência. Estes anos ficaram conhecidos como the killing time. A revolução de 1688 e a posterior união ofi6

Edgar Prestage, As Relações Diplomáticas de Portugal com a França, a Inglaterra e a Holanda de 1640 a 1668, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1928, p. 201. 7 José de Almada, A Aliança Inglesa, vol. 1, Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa, 1946, pp. 9-57; Eduardo Brazão, Uma Velha Aliança, Lisboa, [s.n.], 1955. 8 Jean Delumeau, La Reforma, tradução de José Termes, Barcelona, Labor, 1985, pp. 158-162; Diarmaid MacCulloch, Reformation. Europe’House Divided. 1490-1700, Londres, Penguin Group, 2003, pp. 382-393. Sobre a vivência do anglicanismo, cf. Norman Jones, The English Reformation. Religion and Cultural Adaptation, Oxford, Blackwell, 2002.

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cial dos Reinos de Inglaterra e da Escócia (1707) significaram a derrota final do presbiterianismo9. Na Irlanda, foi incrementada uma política de implantação do anglicanismo e da cultura e dos hábitos ingleses, com a ocupação de terras por colonos vindos da Grã-Bretanha, desde que o Parlamento de Dublin aceitou Henrique VIII como Rei (1541). Em 1592, com Isabel I, fundou-se a primeira universidade irlandesa, o Trinity College. A luta contra a Inglaterra tinha uma vertente política e uma outra religiosa, isto é, a luta dos católicos em maioria, contra os protestantes em minoria. Sucederam-se diversas revoltas durante o século XVI. Com os Stuarts, houve uma maior tolerância religiosa e a Igreja católica pôde desenvolver a sua acção no sentido tridentino e contra-reformista10. Paralelamente, a Igreja da Irlanda foi-se estruturando e procurando, sem grande sucesso, afirmar-se junto das populações11. Aproveitando os problemas políticos ingleses, os Irlandeses revoltaram-se mais uma vez, nos anos de 1641-1649. Foi a revolta de Ulster, duramente reprimida por Crommwell. Seguiu-se o Act of Settlement (1652), que impôs a morte ou a deportação a muitos católicos, o confisco de bens e a concessão de novas plantations a favor dos Ingleses. Em 1688, a Irlanda apoiou o destronado Rei inglês Jaime II, mas a derrota deste em 1690, e a dos próprios Irlandeses, um ano depois, frustraram as novas expectativas e abriram caminho a um novo período de repressão, com as famosas Penal Laws (1695-1701), que impediram os católicos de comprar terras e de desempenhar funções públicas12. No Império, a paz de Augsburg, de 1555, repartiu o território entre luteranos e católicos, seguindo o princípio cujus regio, hujus religio. A partir de então, os súbditos tinham que abraçar a fé dos seus senhores ter9

Jean Delumeau, La Reforma […], pp. 79-81, 158-162; Euan Cameron, The European Reformation, Oxford, Clarendon Press, 1995, pp. 289-291; J. D. Mackie, A History of Scotland, 2.ª edição, Londres, Penguin, 1991, pp. 136-186; Diarmaid, MacCulloch, Reformation […], pp. 378-382. Sobre a vivência da religião e da cultura, cf. Margo Todd, The Culture of Protestantism in Early Modern Scotland, New Havan, Londres, Yale University Press, 2002. 10 Alison Forrestal, Catholic Synods in Ireland 1600-1690, Dublin, Four Courts Press, 1998. 11 Alan Ford, The Protestant Reformation in Ireland. 1590-1641, 2.ª edição Dublin, Four Courts Press, 1997, p. 225; S. J. Connollly, Religion, Law and Power. The Making of Protestant Ireland 1660-1760, 2.ª edição, Oxford, Clarendon Press, 1995; Diarmaid MacCulloch, Reformation […], pp. 394-399. 12 John O’ Beirne Ranelagh, A Short History of Ireland, 2.ª edição revista e actualizada, Cambridge, Cambridge University Press, 1999, pp. 43-86; Penry Williams, The Latter Tudors. England 1547-1603 (=The New Oxford History of England), Oxford, Clarendon Press, 1995, pp. 78-82, 111-113, 265-270, passim.

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ritoriais, conservando o direito de emigrar em caso de dissidência. Este direito apenas ficava limitado pela chamada reserva eclesiástica, segundo a qual os príncipes bispos, no caso de mudarem de religião, terem de o fazer a título pessoal, abandonando a jurisdição temporal. Dois terços do Império tinham abraçado o luteranismo. Admitiu-se, assim, a coexistência da fé católica com o luteranismo, excluindo anabaptistas, seguidores de Zwingli e de Calvino. Contudo, durante o século XVII, a interpretação do que ficara estabelecido pela paz de Augsburg não foi coincidente entre o Imperador e alguns dos seus senhores, caso por exemplo do da Boémia, que assistiu e reagiu à diminuição das liberdades religiosas em 1609, o que conduziu à defenestração de Praga, em 1618. A guerra dos Trinta Anos (1618-1648) permitirá reequacionar a situação no Império. O conflito, inicialmente religioso, entre os príncipes protestantes do Império e o imperador Fernando II acabou por degenerar para o campo político e para o plano europeu alargado, devido à intervenção da França e da Suécia que vislumbraram uma oportunidade de enfraquecer o poder dos Habsburg. Pelos tratados de Westfalien, de 1648, confirmou-se a paz de Augsburg, estendeu-se o benefício da liberdade religiosa aos calvinistas alemães e estabeleceu-se a igualdade absoluta entre católicos e protestantes na Dieta e no Colégio dos Eleitores, o que motivou a condenação de Inocêncio X, através da bula Zelo Domus13. Nos Países Baixos, os problemas iniciados no século XVI tiveram continuidade na centúria seguinte. A guerra dos Oitenta Anos (1568-1648) significou um conflito entre católicos e protestantes, iniciado com Filipe II e terminado com o tratado de Münster, de 164814. Vejamos, alguns passos mais marcantes, deste conflito. A paz de 1578, Religionsvre, concebida para por termo às guerras e às dissidências entre católicos e calvinistas, com o estabelecimento da igualdade entre ambos e com a atribuição da liberdade de culto, não foi suficiente. Os católicos organizaram-se através da união de Arras e os calvinistas da de Utrecht, base das Províncias Unidas, em 1579. Em 1581, os confederados calvinistas, na Haia, proclamaram a rebelião contra Filipe II e constituíram a República 13

14

Sobre a reforma no Império e sobre a Guerra dos Trinta Anos, cf. Georges Pagès, La Guerre de Trente Ans. 1618-1648, Paris, Payot, 1991; Geoffrey Parker, La Guerra dei Trent’Anni, tradução do inglês, Milão, Vita e Pensiero, 1994; Jean Delumeau, La Reforma […], pp. 139-144; C. Scott Dixon, The Reformation in Germany, Oxford, Blacwell, 2002; David El Kenz, Claire Gantet, Guerres et Paix de Religion en Europe 16e-17e siècles, Paris, Armand Colin, 2003, pp. 121-132. Sobre a influência das ideias de Melanchthon no Império, cf. Diarmaid MacCulloch, Reformation […], pp. 353-358. Sobre as de Zwingi, cf. Bruce Gordon, The Swiss Reformation, Manchester, Manchester University Press, 2002, pp. 283-299. Trata-se de um dos tratados de Westfalen.

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das Províncias Unidas. Em 1598, ficaram criados os dois Estados: Países Baixos espanhóis autónomos e Províncias Unidas independentes, mas as lutas continuaram. A autonomia era condicional. Os arquiduques Alberto e Isabel Clara Eugénia, genro e filha de Filipe II, preocuparam-se em facilitar a aplicação das directrizes tridentinas, multiplicando seminários e colégios jesuítas nos Países Baixos. Em 1609, foi assinada a Trégua dos Doze Anos (1609-1621), que reconheceu de facto a independência das Províncias Unidas. Com o início da Guerra dos Trinta Anos (1618), Filipe IV mandou invadir a república, em 1622. As negociações que se seguiram fracassaram. Em 1648, a independência do Estado calvinista holandês era uma realidade definitiva. O catolicismo triunfara nos Países Baixos meridionais e o calvinismo nas Províncias Unidas15. A França, após oito guerras religiosas, terminadas com o édito de Nantes (1598) – revogado, em 1685, pelo de Fontaineblue, devido à fragilidade daquele a par de conflitos e guerras localizadas – conseguiu obter para os seus súbditos protestantes a liberdade de culto e de consciência16, nos locais onde já existia e em casa dos huguenotes, excepto em Paris ou onde estivesse a Corte. Estava-se no reinado de Henrique IV (1589-1610), que herdara o trono de França na qualidade de descendente de Luís XI, após a morte de todos os filhos de Henrique II e Catarina de Médicis. Henrique, já antes rei de Navarra, era protestante. Ao herdar a Coroa de França, Reino que conhecia um levantamento geral, recorreu à ajuda de protestantes holandeses, alemães e ingleses, para apoiar a sua causa. O Papa excomungou-o e a Liga abriu Paris às tropas de Alexandre Farnésio, enviado da Flandres por Filipe II, em 1590. Em 1593, deu-se a abjuração de Henrique IV, na basílica de Saint Denis e, no ano seguinte, a coroação em Chartres, seguida, em 1595, pela reconciliação com o Papa. Os ânimos serenaram com o referido édito de Nantes, três anos depois, uma vez que o documento reconhecia a existência legal, pelo menos em teoria, do protestantismo. Foi um instrumento de pacificação, um pacto entre o monarca e a antiga minoria da qual ele antes fizera parte17. As circunstâncias específicas da conjuntura política religiosa francesas permiti15

16

17

Jean Delumeau, La Reforma […], pp. 132-139; Aline Goosens, Les Inquisitions Modernes dans les Pays-Bas Méridionaux. 1520-1633, tomo 1, Bruxelas, Université de Bruxelles, 1997; Georges-Henry Dumont, Histoire de la Belgique, nova edição revista e aumentada, Bruxelas, Le Cri, 1997, pp. 222-258, 280-300; David El Kenz, Claire Gantet, Guerres et Paix de Religion […], pp. 103-119. Sobre as pretensões dos huguenotes, cf. Jeanine Garrisson, L’ Edit de Nantes. Chronique d’une Paix Attendue, Paris, Fayard, 1998, pp. 193-213, 287-294. François Bayrout, Ils Portaient l’Echarpe Blanche. L’Aventure des Premiers Réformés des Guerres de Religion à l’ Edit de Nantes. De la Révocation à la Révolution, Paris, Bernard Grasset, 1998, pp. 331-351.

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ram, pela primeira vez, a existência de duas fés, uma lei, um rei. Pelo menos em teoria, era o fim da intolerância que teológica e politicamente articuladas e apoiadas nos fundamentos da Igreja, tinham feito da fé do fiel a condição necessária da submissão do sujeito, isto é, todo o indivíduo que pusesse em causa a autoridade eclesiástica era definido como um rebelde político em potência.

II OS PERFIS DOS REDUZIDOS _______________________________

1. Quantos são e quem são os reduzidos? Quantos reduzidos? Reduzidos por sexo e por idade. Tempo entre a chegada a Portugal e a concretização do processo de redução. Situação matrimonial dos reduzidos. Reduções de diversos membros de uma família. A proveniência dos candidatos à redução. Os locais de acolhimento dos reduzidos. O estatuto sócio-económico dos reduzidos. Os motivos da vinda para Portugal: procura de oportunidades de trabalho, aprendizagem da língua portuguesa, prática do catolicismo, procura de familiares, situações um tanto ao acaso e outros motivos.

Caracterizemos o grupo em estudo constituído por 988 reduzidos. A presença esmagadora de elementos do sexo masculino é claramente visível1, uma vez que temos 872 homens e 116 mulheres, isto é, 88% e 12% do total, respectivamente. As questões conhecidas, afectas à mobilidade masculina para o período Moderno, o predominante “homens que partem mulheres que ficam”, não é de modo algum desmentido por estes dados, mas sim confirmado, o que pode ser relacionado com a mobilidade social de uma Europa a viver uma crise religiosa. As idades destas pessoas merecem alguma reflexão. 466 (411 homens e 55 mulheres) dos 988 reduzidos, isto é, 47,2%, eram menores de 25 anos. Se tivermos em conta apenas os que indicaram a idade, a percentagem aumenta. Isto é, uma vez que apenas 857 pessoas (761 homens e 96 mulheres) forneceram tal informação, nesse universo o total dos menores atingiu 54,4%. O grupo etário melhor representado foi o dos 21 aos 25 anos, seguindo-se o dos 26 aos 30. Posteriormente, e próximo do valor do último, temos os que tinham entre 16 e 20 anos. Com algum

1

O mesmo se pode observar no arquipélago das Canárias, onde, no século XVII, os reduzidos do sexo masculino representaram 94% do total. Cf. Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], pp. 29.

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Gráfico 1 – Reduzidos por Sexo Mulheres 12%

Homens 88%

significado aparecem-nos ainda os indivíduos entre os 10 e os 15 anos. Os maiores de 31 anos foram apenas 208 pessoas e, mesmo assim, com mais de 50 anos apenas se encontraram 12 indivíduos, todos do sexo masculino. Os reduzidos mais idosos, dos 61 aos 72 anos, foram apenas três. Se destes números relativos à totalidade do grupo em estudo, isolarmos o conjunto feminino não chegamos a conclusões díspares. Os dados globais não escondem realidades diferenciadas para os dois sexos. Se os homens, que predominam, estiveram mais representados no grupo etário dos 21 aos 25 anos, o mesmo aconteceu às mulheres, cujas idades ficaram compreendidas entre os 10 e os 50 anos. 20 não forneceram informação a esse respeito. Das restantes podemos afirmar que oito tinham entre 10 e 15 anos, 18 estavam entre os 16 e os 20 anos, 29 entre 21 e 25 anos, 17 entre os 26 e os 30 anos, 10 estavam no grupo etário dos 31 aos 35, oito no dos 36 aos 40 anos, enquanto as restantes seis tinham idades compreendidas entre os 41 e os 50 anos. Em síntese, quase metade do total dos 988 reduzidos eram menores, tendo necessitado de curador, chegando, consequentemente, jovens a Portugal e mudando de religião, por motivos que adiante explicitaremos. A juventude do grupo não é negligenciável como o não é o tempo que estas pessoas demoraram a deixar os seus anteriores credos. Se bem que as fontes não forneçam muitas informações a este respeito – apenas temos 369 dados, para um total de 988 indivíduos – sabemos que 186 pessoas levaram a efeito o processo de redução no primeiro ano de permanência em Portugal e que 50 delas não esperaram sequer um mês. Até dois anos foi o tempo necessário a 56. Mais de dois até cinco anos foram necessários a 75 indivíduos. A partir dos cinco até aos 34 anos registam-se relativamente poucos casos, nomeadamente, entre cinco e 10 anos foram detectados 29 reduções e de 11 a 20 anos apenas 12. Dos 21 aos 30

Entre duas Maneiras de Adorar a Deus

35

Gráfico 2 – Reduzidos por Grupos Etários

200 150 100

Sem indicação

71 a 75

66 a 70

61 a 65

56 a 60

51 a 55

46 a 50

41 a 45

36 a 40

31 a 35

26 a 30

21 a 25

0

16 a 20

50

10 a 15

Número de Reduzidos

250

Grupos Etários Homens

Mulheres

anos contaram-se 10 ocorrências e, para períodos mais longos, um único caso. Isto é, chegava-se jovem e, por regra, não se demorava muito tempo a mudar de credo. Não esqueçamos que muitos reduzidos necessitaram de curador, por serem menores, e de intérprete, por não dominarem a língua portuguesa. No caso particular das mulheres sabe-se que 74 não indicaram há quanto tempo residiam em Portugal. As restantes 42, menos de metade, disseram que estavam no Reino entre um mês e 11 anos. Isto é, até um ano, residiram em Portugal 25 destas mulheres, de mais de um ano a cinco anos, o número baixou para 15, de cinco a 10 anos apenas uma e mais de 10 anos, uma outra. Ou seja, a redução feminina fazia-se preferencialmente ao fim de pouco tempo de permanência, tal como a masculina. A análise da situação matrimonial dos reduzidos mostra-nos o predomínio dos solteiros, 549 pessoas, ou seja 55%, facto que se pode relacionar com a juventude de muitos dos que se reduziam, seguindo-se os casados, em número de 86, os quais representaram 9%, e, posteriormente, os viúvos, apenas 28, isto é, 3% do total. Contudo, não há informação para 325 pessoas, as quais representaram 33%, uma percentagem não negligenciável. Se pensarmos apenas no grupo feminino, podemos afirmar que 47 mulheres eram solteiras, 33 casadas, 15 viúvas e que 21 não forneceram informação sobre a situação em que se encontravam. A ordem antes enunciada: casado, solteiro, viúvo é semelhante para homens e mulheres embora as percentagens sejam diferentes. No caso dos homens a percen-

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36

Quadro 3 – Situação Matrimonial dos Reduzidos Homens

Mulheres

Situação Matrimonial Números Números Percentagens Percentagens Absolutos Absolutos Solteiros 502 57,5 47 40,5 Casados 53 6 33 28,4 Viúvos 13 1,5 15 13 Sem Informação 304 35 21 18,1 Total 872 100 116 100

tagem de solteiros, casados e viúvos é de, respectivamente, 57,5%, 6% e 1,5%, enquanto no grupo feminino, as percentagens para as mesmas realidades foram, correlativamente, de 40,5%, 28,4% e 13%. Entre as pessoas que não deram informação, temos 35% de homens e 18,1% de mulheres. Gráfico 3 – Situação Matrimonial dos Reduzidos Sem Informação 33%

Solteiros 55% Viuvos 3% Casados 9%

Alguns casais, cujos dois cônjuges residiam em Portugal, empreenderam a redução em simultâneo. Outras vezes a situação abrangeu pais e filhos, irmãos e até senhores e servidores. Havia que manter a estrutura e a coesão religiosa da família, num espaço em que só o catolicismo era verdadeiramente bem aceite. A 11 de Setembro de 1658, reduziram-se os ingleses Joana Helis e João Jansen, moradores em Lisboa, a São Paulo, onde possuíam uma casa de pasto. Estavam em Portugal apenas há um mês2. Anos depois, outro casal inglês reduziu-se a 28 de Março de 1664. Desta feita,

2

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 340-342, 344-346v.

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37

foram Maria Nilar e Diogo Nilton3. Entre 18 de Dezembro de 1681 e 24 de Março de 1682, reduziram-se os alemães Diogo Sumithis, ou Diogo Joaquim, a sua filha Maria e a sua mulher Ângela. O facto desta família morar em casa do padre alemão João Engeler, de Colónia, terá ajudado4. Em Maio de 1686, reduziram-se os irmãos David Godofroi e Jacques Godofroi, calvinistas franceses de La Rochelle, residentes em Lisboa, onde se dedicavam ao comércio5. Nesse mesmo mês, um caixeiro de Jacques, António Maningaio, tomou a mesma atitude6. No mesmo ano, mas no mês de Outubro, foi a vez do casal constituído pela dinamarquesa Ana João e pelo holandês Cristiano Pendis, moradores na Horta (Faial), passarem ao catolicismo7. A 18 de Março de 1690, deu-se a redução da inglesa Eholmelei, que faleceu pouco depois. Porém, o marido seguiu-lhe os passos e reduziu-se a 10 de Abril8. Em Julho de 1694, outro casal tomou a mesma opção. Desta feita, os calvinistas holandeses Luís da Cruz e Aleta Vanderbruck, naturais de Amsterdam e residentes em Lisboa, onde tinham uma casa de pasto9. Em Agosto do mesmo ano de 1694, a inglesa Isabel Bonita, moradora em Lisboa, em casa de Guilherme da Costa, criado do Rei, reduziu-se10. Dias depois, a ama e o marido da ama de Isabel Bonita também se reduziram. Isto é, o casal constituído pelos ingleses Isabel Semus e Thomas Semus, ou da Costa, empreenderam os processos de redução, ela em Agosto, ele em Janeiro do ano seguinte11.

De onde eram oriundas estas pessoas que se deslocavam a Portugal e se reduziam à fé católica? Cremos que vale a pena esmiuçar esta realidade tendo como pano de fundo áreas geográficas. Neste ponto importa tecer algumas considerações, lembrando que as realidades políticas e religiosas do período em estudo implicaram uma instabilidade nas fronteiras de diversos Reinos europeus. Territórios que sofreram anexações ou que se desmembraram foram uma constante por toda a Europa. A existência de espaços como o Sacro Império Romano Germânico, o nasci3

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 218-219v, 220-221v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 210, 212, 214-216, 286-287. 5 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 104-105 e 110-112. 6 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 116-117. 7 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 176-177, 215-216. 8 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 613, fols 59, 83-87. 9 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 210-212, 214-219 10 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 223-225. 11 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 228-230, 268-270. 4

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38

mento dos Países Baixos, o agrupamento de diversos Reinos sob a mesma monarquia, a existência de cidades independentes ou a tardia unificação da Itália, implicam a necessidade de ponderar as correctas designações destes povos e espaços. Por comodidade de exposição, quer no texto quer nos quadros e gráficos, utilizam-se as designações genéricas, tais como Alemães, Dinamarqueses, Escoceses, Flamengos, Franceses, Holandeses, Ingleses, Irlandeses, Italianos, Suecos, Suíços, etc., mesmo sabendo que em alguns casos, em particular nos dos súbditos do Império e da Península Itálica, tais designações são abusivas. O grupo mais significativo de reduzidos é natural de Inglaterra. Só estas pessoas representaram 42,2% do total. Se lhe juntarmos os Escoceses e os Irlandeses – 2,6% e 3,7% respectivamente – obteremos a expressiva percentagem de 48,5%, quase metade do total12. Em segundo lugar, e a uma distância considerável, aparecem os súbditos do Sacro Império que representam 24,2%. Com percentagens muito inferiores perfilam-se os Mapa 1 – Locais de Origem dos Reduzidos Noruega 3 26

Suécia

Escócia

21

Dinamarca

Irlanda

23 37

Inglaterra

Holanda

427 86

Flandres

Império

8

246

79

França

Suiça

16

1

Portugal

3

Castela Itália 3

1

Grécia

12

No arquipélago das Canárias, durante o século XVII, também predominaram os súbditos da Grã-Bretanha, com 90 das 121 reduções. Cf. Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], p. 29.

Entre duas Maneiras de Adorar a Deus

39

Holandeses, 8,7%; os Franceses, 8,0%; os Dinamarqueses, 2,3%; os Suecos, 2,1% e os Suíços, com 1,6%. Todos os restantes, nomeadamente Marroquinos, Gregos e Tunisinos representaram, cada um, menos de 1%. De notar ainda a presença de Portugueses do continente e ainda de Cabo Verde e do Brasil, além de Castelhanos e Italianos. No grupo das mulheres, a origem geográfica não foi tão variada, quanto a dos homens. Predominaram as naturais de Inglaterra, em número de 63, seguiram-se as da Holanda, apenas 19; e as da Alemanha, 15. Os restantes espaços europeus ficaram bastante menos representados: oito mulheres eram naturais da Irlanda, seis da Dinamarca, enquanto as restantes nasceram em Castela, França, Grécia, Suécia e algures na Península Ibérica, neste caso uma mulher em cada um destes espaços. Gráfico 4 – Locais de Origem dos Reduzidos 450

Número de Reduzidos

400 350 300 250 200 150 100 50

In gl at er Im ra pé H rio ol an d Fr a an ç Irl a an Es da D cóci in am a ar c Su a éc ia Su i ç Fl a an d N res or ue g Ca a ste Po la rtu ga l Itá lia D es Ou co tro nh s ec id os

0

Locais de Origem Homens

Mulheres

Em muitos casos, os candidatos à redução davam conta mais precisa do seu local de nascimento, indicando as cidades de onde eram oriundos ou as que ficavam próximas do local onde tinham nascido. Em diversos processos, não foi possível identificar alguns topónimos, atendendo à maneira como foram escritos pelos Portugueses. Algumas constantes são, contudo, de salientar, nomeadamente a cidade de Hamburgo, berço de 160 reduzidos13. A avaliar pelo movimento portuário português, esta

13

Como já tinha notado Paulo Drumond Braga, “Alemães na Lisboa Seiscentista […]”, p. 422.

40

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cidade era um espaço privilegiado em termos de comércio com Portugal14, nenhuma outra cidade europeia ficou tão representada. No espaço do Sacro Império citem-se ainda Lübeck, Frankfurt e Bremen e, com apenas um caso cada, Amberg, Augsburg, Berlim, Brandenburg, Braubach, Braunschweig, Brieg, Celle, Darmstadat, Hambach, Hanau, Hanweiler, Heiligenstadt, Hesel, Kassel, Köln, Königsberg, Lichtental, Lockstedt, Mauthausen, Nimburg, Nürnberg, Oberaden, Oldenburg, Ossen, Rheda, Rostock, Saarbrücken, Stade e Wittenberg15. Ou seja, cidades da actual Alemanha, da Aústria e da Polónia. Na Inglaterra, o destaque incidiu na capital, London, e em Bristol, Plymouth, Norwich, Essex, Canterbury, Gloucester, York, Oxford, Cambridge, Cardiff e ainda na designação genérica da região de Northumberland. Com menor representatividade, citem-se ainda, de entre outras, as cidades de Attelborough, Belfort, Brae, Brigg, Brixham, Dover, Kent, Lancaster, Leith, Portlethen, Preston, Reigate, Stromness, Williton, Wool e Yarmouth. Sem esquecer os Escoceses, nomeadamente de Aberdeen e Ardvasar, a par de outras localidades não identificáveis16. A actual república da Irlanda ficou representada por Dublin, Cork, Galway, Lembrinch, de entre outras cidades. Na Suíça salientou-se Genève, enquanto na Noruega, Bergen e Kristian14

15

16

Sobre este aspecto, cf. Virgínia Rau, “Subsídios para o Estudo do Movimento dos Portos de Faro e Lisboa durante o século XVII”, Anais da Academia Portuguesa da História, 2.ª série, vol. 2, Lisboa, 1954, pp. 228, 241, 248; Cândido dos Santos, “Para a História do Comércio Português. Movimento de Saída de Barcos pela Barra do Douro de 1681 a 1705 e de 1777 a 1801”, Boletim Cultural da Câmara Municipal do Porto, 2.ª série, vol. 2, Porto, 1984, pp. 123-237; João José Alves Dias, “Subsídios para o Estudo do Movimento da Barra do Douro no século XVII”, Ensaios de História Moderna, Lisboa, Presença, 1988, pp. 177-195; Idem, “Beitrage zum Studium der Seefahrt und des Handels zwischen Deutschland und dem Gebiet der Douro-Mündung im 17. Jahrhundert”, Aufsätze zur Portugiesischen Kulturgeschichte, vol. 20, Münster, 1988-1992, pp. 142-155; Maria de Fátima Dias Antunes dos Reis, “Um Livro de ‘Visitas’ a Naus Estrangeiras. Exemplo de Viana do Castelo (1635-1651)”, Inquisição. Comunicações apresentadas ao 1.º Congresso Luso-Brasileiro, coordenação de Maria Helena Carvalho dos Santos, vol. 1, Lisboa, Sociedade Portuguesa de Estudos do Século XVIII, Universitária Editora, 1989, pp. 724 e 732. Refira-se ainda que Hamburgo foi a cidade de onde saiu a maior parte dos Alemães processados entre 1536 e 1700. Cf. Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Os Estrangeiros e a Inquisição Portuguesa […], p. 104. A maior parte destas cidades já fora identificada. Cf. Paulo Drumond Braga, “Alemães na Lisboa Seiscentista […]”, p. 423. Veja-se a situação semelhante estudada por Maria Isabel Rodrigues Ferreira, Geraldo J. A. Coelho Dias, “Baptismo de Protestantes […]”, p. 209; Geraldo J. Amadeu Coelho Dias, Maria Isabel Rodrigues Ferreira, “Ingleses no Porto Setecentista […]”, p. 258.

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sand, foram as cidades mais representadas. Na Dinamarca, Kóbenhavn e na Suécia Stockholm, destacaram-se. Na Holanda, a liderança foi para Amsterdam, seguindo-se Rotterdam e ‘s-Gravenhage (Haia), a par de outras cidades menores, com apenas um reduzido, com a Zelândia. A maior parte dos Franceses eram naturais, por ordem decrescente, de La Rochelle, Bordeaux, Paris, Amiens, Grenoble, Montauban e Ypres (actualmente pertencente à Bélgica). Com um representante cada, muitas outras terras, como por exemplo, Angoulême, Arles, Bergerac, Calais, Nantes, Oléron, Orléans, Rouen e Vichy. A fixação destes homens e mulheres no território nacional foi bastante díspar. 146 pessoas não indicaram onde moravam. Lisboa monopolizou totalmente as atenções ao ser local de residência de 537 reduzidos. Era o centro do Reino e do Império. Da cidade partiam e à cidade chegavam a maior parte dos que procuravam integrar-se no mundo dos negócios nacionais e ultramarinos e nas actividades artesanais. Todas as restantes cidades e vilas do Reino, mesmo Évora e Coimbra, sedes de tribunais do Santo Ofício, ficaram representadas de forma parca, com 22 e nove casos, respectivamente17. A presença significativa de várias localidades alentejanas liga-se à conjuntura política da segunda metade do século XVII, nomeadamente as guerras da Restauração (1640-1668) e a presença de inúmeros soldados estrangeiros em território nacional18, especialmente no Sul do país, bem como ao dinamismo de diversos sacerdotes junto dos soldados ingleses. Recordemos que após 1640, a diplomacia portuguesa procurou que a Inglaterra reconhecesse a independência de Portugal, tentando recuperar a antiga aliada. Após um primeiro tratado assinado em 1642, a conjuntura política inglesa deixou de ser favorável às pretensões portuguesas com a deposição de Carlos I e a subida ao poder de Cromwell, em 1649. Mais tarde, com Carlos II, cujo reinado se iniciou em 1660, um segundo tratado, assinado no ano seguinte, significou o retomar das boas relações entre os dois países. Estabeleceu-se o casamento do monarca inglês com a infanta D. Catarina, filha de D. João IV, a aquisição de armas, a compra 17

18

Compare-se com o que se passou no caso dos estrangeiros processados entre 1536 e 1700. Cf. Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Os Estrangeiros e a Inquisição […], p. 105. D. João IV começou por exigir que a contratação de combatentes estrangeiros só abrangesse católicos. Porém, a situação implicou o abandono da pretensão. Sobre a contratação de militares estrangeiros e sobre as suas carreiras, cf. Jorge Penim de Freitas, O Combatente durante a Guerra da Restauração. Vivência e Comportamento dos Militares ao Serviço da Coroa Portuguesa, Lisboa, Prefácio, 2007, pp. 61-96, 250-252, passim.

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Mapa 2 – Locais de Residência dos Reduzidos em Portugal Continental

Bragança

Ponte de Lima

1

1

3

Viana da Foz do Lima

1

Porto

58

Matosinhos 1 Vila Nova de Gaia

Aveiro 5

Covilhã

Coimbra

11

Penamacor

9

Figueira da Foz

1

2

Idanha-a-Nova 1

Abrantes 1

Crato

Santarém

49

1

1

1 Arronches

Avis 1

Bucelas Alhandra 1

1

Cascais Lisboa 1

24

537

Oeiras

Sousel

Estremoz 2 1Borba Vimieiro

1

5

Évora

Setúbal

22

14

Alcáçovas 3

Grândola 1

Beja 5

Serpa 2

Vila Nova de Portimão 1 1

Sagres

Portalegre

2

Lagos

5

Faro

Elvas 3

Vila Viçosa

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até 2500 cavalos, o alistamento até 12000 soldados (um terço na Escócia, outro em Inglaterra e o outro na Irlanda) e o fretamento até 24 navios19. Não raras vezes, os soldados referiram, entre as motivações para estarem em Portugal, o socorro inglês nas guerras da Restauração. Alguns Franceses também chegaram a Portugal para participar no conflito, embora mais tarde. Aparecem-nos ainda soldados de outras nacionalidades. Vejamos alguns casos. Por exemplo, o escocês Thomas Anan, reduzido em 1642, declarou que “militava nas guerras deste reyno”20. No início do ano seguinte, Bernardo Vandervelt, holandês, explicou que viera servir D. João IV, em companhia de Tristão de Mendonça, numa companhia de cavalos21. No mesmo ano de 1643, o sueco Paulo Pedro, ao reduzir-se, explicou que nuns editais de D. Jorge de Mascarenhas, vice-rei do Brasil (1640-1641), se pôde ler que se “darião pagas aos que se passassem aos Portuguezes, elle declarante em companhia de outros poucos se foi pera a Bahia onde esteve ano e meyo seguindo sempre a ceita de Lutero”22. A 22 de Novembro de 1660, o irlandês Patrício Mateo, filho de católicos e órfão aos 8 ou 9 anos, reduziu-se. Tinha-se dirigido a Portugal depois 19

20 21 22

Edgar Prestage, As Relações Diplomáticas de Portugal com a França, Inglaterra e Holanda de 1640 a 1668, tradução de Amadeu Ferraz de Carvalho, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1928, pp. 104-189; Idem, “The Treaties of 1642, 1654 and 1661”, Chapters in Anglo-Portuguese Relations, direcção de Edgar Prestage, Westport, Connecticut, Greenwood Press, 1971, pp. 130-151; Eduardo Brazão, Uma Velha Aliança, Lisboa, [s.n.], 1955, pp. 84-134; Idem, A Diplomacia Portuguesa nos séculos XVII e XVIII, vol. 1, (1640-1700), Lisboa, Editorial Resistência, 1979, pp. 46-51, 125-132; Theresa M. Schedel de Castello Branco, Vida de Francisco Mello Torres, 1.º Conde da Ponte – Marquês de Sande, Soldado e Diplomata da Restauração (1620-1667), Lisboa, [s.n.], 1971, pp. 359-438. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 36-37v Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 46-47v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 64-65v. Sobre as lutas no Brasil, no tempo da Restauração, cf. Joaquim Veríssimo Serrão, Do Brasil Filipino ao Brasil de 1640, São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1968; Idem, O Tempo dos Filipes em Portugal e no Brasil (1580-1668), Lisboa, Colibri, 1994; Jacques Marcadé, “O Quadro Internacional e Imperial”, O Império Luso-Brasileiro 1620-1750, coordenação de Frédéric Mauro (= Nova História da Expansão Portuguesa, vol. 7, direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques), Lisboa, Estampa, 1991, pp. 17-90; Evaldo Cabral de Mello, O Negócio do Brasil. Portugal, os Países Baixos e o Nordeste (1641-1669), 2.ª edição, Rio de Janeiro, Topbooks, 1998; Klaas Ratelband, Os Holandeses no Brasil e na Costa Africana. Angola, Kongo e São Tomé (1600-1650), tradução de Tjerk Hageneijer, revisão crítica, prefácio, apontamento biográfico, notas acrescentadas e índice onomástico de Carlos Pacheco, Lisboa, Vega, 2003.

44

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de ver “a occasião prezente da gente que se ajuntava pera vir servir na guerra neste reyno”23. A 18 de Junho de 1661, o calvinista francês Jacob Cardel, declarou ter chegado a Portugal há oito dias “com animo de servir na guerra”24. Ricardo Calveroth, reduzido em 1662, afirmou que viera por causa “do socorro que agora veio de Inglaterra”25. Afirmações semelhantes foram feitas por Duarte Nols26 e por Duarte Feren, no mesmo ano27. 1663, não apresentou novidades nesta matéria. João Belajuse, também inglês, soldado e capitão de cavalos, esclareceu os inquisidores que chegara a este Reino “com occasião do socorro que de la veo para a guerra”28. Alexandre Macul, reduzido em 1664, homem que disse não ter ofício, explicou que “succedeo depois fazer-se gente de guerra em Escócia pera passar a este reyno e elle declarante se acomodou com o mestre de campo Dom Diogo Arceli inglês de nação”29. Rogero Molinaz, inglês, reduzido também em 1664, viera “com occasião de se assentar por soldado para servir na guerra deste reyno”30. O mesmo declarou o seu conterrâneo Jorge Holmen, que abandonou o anglicanismo em 166531. Por seu lado, em 1666, o calvinista francês João Baptista embarcou pressionado pela mãe, juntamente com os outros soldados que “vieram para o socorro do reino”32. Entre esses soldados conta-se Jerónimo Jerne, que terá vindo de livre vontade e que se reduzira no mesmo ano33. E os exemplos poderiam continuar.

O pequeno núcleo de 11 pessoas reduzidas em 1677, na Covilhã, deve ser relacionado com uma outra realidade, desta feita a conjuntura económica do primeiro surto industrial34. Não esqueçamos que, alguns 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 78-80v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 109-111. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 23-26v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 164-166v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 167-168v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 175-177. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 206-208v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 238-240. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 302-303v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 308-310v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 334-335v. Os registos paroquiais de Santa Maria da Covilhã dão conta do reduzido Mateus (que se baptizou em 1677) e do reduzido Mateus da Cruz (que se casou em 1668). Cf. Luís Fernando de Carvalho Dias, Os Lanifícios na Política Económica do Conde da Ericeira, Lisboa, [s.n.], 1954, p. 130.

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anos após a Restauração, Portugal viveu um primeiro arranque de industrialização impulsionado pelo marquês de Fronteira, D. João de Mascarenhas e pelo conde da Ericeira, D. Luís de Meneses. Esta nova orientação económica, claramente mercantilista, traduziu-se num investimento da Coroa nas indústrias, visando o aumento da produção nacional. Tal orientação foi coadjuvada com as medidas tradicionais de proibição das importações de produtos de luxo, lembremos a pragmática de 1677, e de exportação de ouro e prata. Os objectivos a atingir radicavam no desejo de produzir em quantidade suficiente para satisfazer o mercado nacional, especialmente de têxteis, e assim melhorar a balança comercial. Para melhorar a produção procedeu-se à contratação de artífices especializados no estrangeiro, nomeadamente em França, Inglaterra e em diversos estados italianos35. Fora do espaço continental, referência para os arquipélagos da Madeira, com 11 reduzidos, e dos Açores, com 44. A saber: Terceira, 18; Faial, 14; São Miguel, 11 e Flores, um36. No Brasil, concretamente no Rio de Janeiro, viveram seis reduzidos. Mais uma vez, as actividades comerciais dos que viviam nos arquipélagos foram aspectos que pesaram, nomeadamente as trocas entre os arquipélagos da Madeira e dos Açores com a Inglaterra, a Alemanha, a França e a Flandres, devido ao comércio em especial do açúcar, do vinho e das plantas tintureiras37. 35

36

37

Jorge Borges de Macedo, Problemas de História da Indústria Portuguesa no século XVIII, 2.ª edição, Lisboa, Querco, 1982, pp. 19-58; Carl A. Hanson, Economia e Sociedade no Portugal Barroco (1668-1703), tradução de Maria Helena Garcia, Lisboa, Dom Quixote, 1986, pp. 179-203; José Vicente Serrão, “O Quadro Económico. Configurações Estruturais e Tendências de Evolução”, O Antigo Regime, coordenação de António Manuel Hespanha (= História de Portugal, direcção de José Mattoso, vol, 4), Lisboa, Estampa, 1993, pp. 89-97; Manuel Ferreira Rodrigues, “Política Industrial e Indústria no Antigo Regime”, História da Industria Portuguesa da Idade Média aos nossos Dias, Mem Martins, Europa-América, Associação Industrial Portuense, 1999, pp. 144-157; Avelino de Freitas de Meneses, “A Transformação”, Portugal da Paz da Restauração ao Ouro do Brasil, coordenação de Avelino de Freitas de Meneses (= Nova História de Portugal, direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques, vol. 7), Lisboa, Presença, 2001, pp. 282-293; Ana Maria Homem Leal de Faria, Duarte Ribeiro de Macedo. Um Diplomata Moderno (1618-1680), Lisboa, Ministério dos Negócios Estrangeiros, 2005, pp. 325-327 e 377-390. Sobre os reduzidos açorianos, cf. Paulo Drumond Braga, A Inquisição nos Açores […], pp. 129-137. Sobre o comércio dos arquipélagos com a Europa, cf. Julião Soares de Azevedo, “Notas e Documentos sobre o comércio de La Rochelle com a Ilha Terceira no século XVII”, Boletim do Instituto Histórico da Ilha Terceira, vol. 6, Angra do Heroísmo, 1948, pp. 1-23; Idem, “Os Açores e o Comércio do Norte no final do

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Uma análise mais fina da situação de Lisboa, local de residência de 537 reduzidos, permite-nos identificar diversas zonas da cidade como locais de fixação preferencial dos estrangeiros. Efectivamente, se muitos se limitam a indicar apenas a capital, outros mais minuciosos deram conta da rua ou beco onde residiam ou até em casa de quem. Neste último caso contam-se casas de figuras da realeza, de nobres, cônsules e diversos outros portugueses e estrangeiros. Aparecem-nos dois reduzidos que viviam em casa da rainha de Inglaterra, D. Catarina de Bragança, e outros dois na casa do infante D. Pedro, futuro D. Pedro II. Entre as casas nobres foram indicadas as dos condes da Atalaia, D. Luís Manuel de Távora38, da Ericeira, nomeadamente D. Fernando de Meneses e D. Luís de Meneses39, da condessa de Penaguião, D. Luísa Maria de Faro40, do conde da Ponte, D. Garcia de Melo e Torres41, do conde de São Vicente, D. Miguel Carlos de Távora42, bem como as casas dos marqueses de Cascais, D. Álvaro Pires de Castro43, de Marialva, D. Pedro António de Meneses44 e de Minas, D. António Luís de Sousa45 e do duque do Cadaval, D. Nuno Álvares Pereira de Melo46. Outros reduzidos referiram as casas do cônsul dos ingleses, do cônsul dos franceses, de Francisco Guterres, familiar do

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século XVII”, Boletim do Arquivo Distrital de Angra do Heroísmo, vol. 2, n.º 4-5, Angra do Heroísmo, 1952-1953, pp. 28-41; Maria Olímpia da Rocha Gil, O Arquipélago dos Açores no século XVII. Aspectos Sócio-Económicos (1575-1675), Castelo Branco, [Edição da Autora], 1979; Hermann Kellenbenz, “Relações Comerciais da Madeira e dos Açores com Alemanha e Escandinávia”, Actas do II Colóquio Internacional de História da Madeira, Funchal, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1990, pp. 99-113; José Manuel Azevedo e Silva, A Madeira e a Construção do Mundo Atlântico (séculos XV-XVII), vol. 1, Funchal, Secretaria Regional de Turismo e Cultura, Centro de Estudos de História do Atlântico, 1995, pp. 361-451; José Damião Rodrigues, “De Mercadores a Terratenentes: Percursos Ingleses nos Açores (séculos XVII-XVIII)”, Ler História, n.º 31, Lisboa, 1996, pp. 41-68. Nobreza de Portugal e do Brasil, direcção, coordenação e compilação de Afonso Eduardo Martins Zuquete, [3.ª edição], vol. 2, Lisboa, Edições Zairol, 2000, p. 330. Nobreza de Portugal […], vol. 2, pp. 559-560. Nobreza de Portugal […], vol. 3, p. 113. Nobreza de Portugal […], vol. 3, p. 155. Nobreza de Portugal […], vol. 3, p. 356. Nobreza de Portugal […], vol. 2, p. 495. Nobreza de Portugal […], vol. 2, p. 722. Nobreza de Portugal […], vol. 2, p. 743. Nobreza de Portugal […], vol. 2, p. 459.

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Santo Ofício; de Guilherme da Costa, criado de D. Pedro II; de Lourenço Ximenes, de Luís de Saldanha, de um mercador católico inglês, do antigo governador da ilha de S. Miguel, isto é, D. Manuel Luís Baltazar da Câmara; do coronel João Esteves, do desembargador Valentim Gregório de Resende, da fidalga francesa Ana Bergel, de Jacob Egas, de Manuel Galvão, de Conrado Bequer, homens de negócios; de Cristóvão Fernandes, contratador; de António Mendes da Vidigueira, mercador de fitas; de Francisco da Serra, mercador; de Francisco Gonçalves Henriques, contratador; de António Caldeira, mercador de baetas, holandês; de Guilherme Juvenez, francês e refinador de açúcar; do secretário da guerra, de Matias de Sousa, mercador; de Henrique Brois, mercador alemão, de Estêvão de Azevedo, mercador; de Belchior Lamberto, homem de negócios; de Guilherme Bastoch, mercador de pregos, de João Baptista, mercador; do padre Bento Veloso e do padre Manuel Gonçalves, que vivia junto a São Roque, sem esquecer os muitos que habitavam em casas de parentes. Isto sem contar os que estavam presos ou hospitalizados, uma vez que prisões e hospitais não eram locais de residência, a não ser temporária e involuntária. No caso dos reduzidos que indicaram as ruas, becos travessas, zonas ou freguesias de forma genérica, podemos verificar que as freguesias de São Paulo (29 nos Remolares, 17 no Corpo Santo, 14 na rua de Cima, sete no Beco do Cais da Rocha, sete na Boa Vista, quatro no Beco das Tábuas, dois no beco da Carvalha, dois no beco do Açúcar, e ainda um no beco do Barão, no beco Novo, no Poço dos Negros, nas Portas do Pó, na rua Direita e 20 sem indicarem a rua), de São Julião (17 na rua Nova, seis na rua das Esteiras, quatro na Arca do Ouro e um na rua dos Mercadores, na rua dos Ourives do Ouro, no arco dos Barretes, na calçada de São Francisco, na travessa de São Julião, na rua das Fangas da Farinha, na rua do Selvagem e nove sem indicarem a rua), e de São Nicolau (dez na rua do Lagar do Sebo, três na rua dos Escudeiros, três na rua dos Douradores, dois nas Pedras Negras, um na rua da Cutelaria, na rua das Mudas, junto do largo da Vitória e três sem indicarem a rua) foram as mais concorridas. Menos significativa foi a presença de reduzidos nas freguesias de Santa Maria Madalena (três na rua da Confeitaria, dois na rua das Carniçarias, um na rua dos Ourives da Prata, no Pelourinho Velho, junto à Misericórdia e um outro sem indicação precisa), de Santa Maria Maior (dois na rua das Canastras, dois na rua dos Cónegos, um na rua das Cruzes da Sé e um junto da Sé), de Santa Catarina (dois na rua das Caldeiras, um na rua dos Ferreiros, outro junto do convento dos Capuchinhos ou Barbadinhos Franceses e outro na rua da Esperança), de São Mamede (um na rua de São Mamede e outro no Terreiro do Ximenes), de São Cristóvão (quatro na rua das Flores), do Santíssimo Sacramento (dois na

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rua das Porta de Santa Catarina, um no Chiado e outro na rua da Oliveira), de Nossa Senhora dos Mártires (com três reduzidos na Corte Real), de Nossa Senhora da Conceição (três na rua da Mata Porcos), de Nossa Senhora das Mercês (um na rua de São Boaventura, no Bairro Alto e junto ao Colégio de São Pedro e de São Paulo), de Nossa Senhora dos Mártires (dois na rua do Ferregial), de São João da Praça (um na rua de São João da Praça e outro ao Chafariz de El Rei), de São José (rua de São José), da Encarnação (um na rua do Alecrim), de Santa Justa (um no Rossio), de Nossa Senhora da Ajuda (um em Belém), de Nossa Senhora dos Anjos (um na rua Direita do Boi Formoso), de Nossa Senhora da Pena (um junto ao colégio de Santo Antão), de Nossa Senhora do Socorro (um na rua dos Vinagres), e de Santos (um na rua de Santa Ana). Não obstante, não podemos deixar de ter em conta que, o que acima explicitámos deverá funcionar como indicador e poderá não estar totalmente correcto, uma vez que diversas ruas se dividiam por mais do que uma freguesia, caso da rua Nova, que pertencia às freguesias de São Julião, Nossa Senhora da Conceição e Santa Maria Madalena, por exemplo47. Para fora de Lisboa, este tipo de informações é muito lacunar. Três reduzidos, residentes em Angra, indicaram em casa de quem viviam, nomeadamente, um na do cónego Manuel Ferreira de Melo e dois na do mestre-escola e comissário do Santo Ofício, Dr. Francisco Correia da Costa. Em Bucelas, vivia um outro reduzido, concretamente em casa do conde de Miranda do Corvo, isto é, D. Diogo Lopes de Sousa48. Em Coimbra, foi declarada a casa do livreiro Simão Rodrigues de Almeida e em Évora a do conde de Óbidos, ou seja D. Vasco Mascarenhas49. Uma quinta em Oeiras, pertença de certo alemão chamado João Henrico, era habitada por um candidato à redução. No Porto ficaram indicadas as zonas de Massarelos, Miragaia e Reboleira e a rua das Flores. Em Setúbal foram dadas a conhecer como locais de residência de reduzidos a rua do Postigo da Alfândega e a rua Nova e, em concreto, a casa do comissário do Santo Ofício. Por fim, em Viana identificaram-se as casas do comissário do Santo Ofício e do padre João Engeler.

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Sobre a toponímia de Lisboa, cf. Itinerário Lisbonense ou Directorio Geral de todas as Ruas, Travessas, Becos, Calçadas, Praças, etc. que se comprehendem no Recinto da Cidade de Lisboa, 3.ª edição, Lisboa, Tipografia Rollandiana, 1824; Lisboa na segunda Metade do século XVIII (Plantas e Descrições das suas Freguesias), recolha e índices por Francisco Santana, [Lisboa], [Câmara Municipal], [s.d.]. Nobreza de Portugal […], vol. 2, p. 748. Nobreza de Portugal […], vol. 3, p. 61.

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O estatuto sócio económico dos reduzidos é, como seria de esperar, diversificado. Se bem que 457 pessoas o não indiquem – 109 mulheres e 348 homens – números que representam 47% do total, algumas observações podem ser feitas em relação aos restantes dados de modo a valorizar a informação. Nota-se uma total ausência de pessoas do sector agrícola e, em contrapartida, um peso significativo dos sectores marítimo, com 140 homens; militar, com 131, e comercial, com 110 indivíduos; e, a certa distância, os restantes, nomeadamente os sectores artesanal, com 78 pessoas, médico, com 13; e administrativo, com apenas cinco. Pessoas sem ofício ou com outros ofícios não foram muito significativas, pois atingiram apenas 22 e 32 casos, respectivamente, o que, na totalidade, representou 5%. Gráfico 5 – Estatuto Sócio-Profissional dos Reduzidos

Outros 3%

Sem Ofício 2%

Sector Médico 1% Sector Administrativo 1%

Sector Artesanal 8%

Desconhecido 47% Sector Comercial 11%

Sector Militar 13%

Sector Marítimo 14%

No sector marítimo predominaram os marinheiros, havendo também, em pequeno número e por ordem decrescente, pilotos, capitães, mestres e contra-mestres de navios. Entre os militares, os soldados quase monopolizaram o grupo, mesmo assim registaram-se ainda algumas funções militares mais específicas, tais como artilheiros, condestáveis, alferes e outros. As profissões ligadas ao comércio compreenderam mercadores, homens de negócio, caixeiros e lojistas diversos. Bastante mais diversificada foi a lista dos artesãos, uma vez que compreendeu, por ordem decrescente, ourives do ouro e da prata, carpinteiros, sapateiros, cozinheiros, pintores, refinadores de açúcar, tecelães, vidraceiros, relojoeiros, etc.50. Nestes números e percentagens chame-se a atenção para o facto de mareantes e militares representarem 27% dos reduzidos cujo estatuto se 50

No arquipélago das Canárias, predominaram os mercadores, seguindo-se os mareantes. Cf. Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], p. 35.

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conhece. Isto é, estamos perante dois grupos cuja maioria dos elementos não teria vindo para ficar. O que desde logo nos permite perguntar porquê e para quê se terão reduzido? Uma mera estratégia de integração na sociedade portuguesa durante o tempo de permanência? Cremos que a resposta pode ser afirmativa, uma vez que, em particular a maioria dos soldados reduziu-se antes de 1668. As mesmas interrogações têm, forçosamente, menos cabimento se nos referirmos aos comerciantes e, sobretudo, aos artesãos, uma vez que no sector comercial temos muitos mercadores que não sabemos se estão fixos ou não, a par de muitos outros com tendas e outros estabelecimentos abertos. Algumas palavras para o estatuto sócio-profissional das mulheres, o qual foi quase sempre omitido. Apenas sete indicaram a profissão que desempenhavam: ama, criada, engomadeira, estalajadeira, operária, servidora de D. Catarina de Bragança, rainha viúva da Grã-Bretanha, e uma última que fazia costura e rendas. Neste aspecto, qualquer comparação com os dados acerca do sexo masculino torna-se inútil. Em alguns casos, os reduzidos explicaram os motivos que os tinham levado a deixar os seus Reinos de origem e a estabelecerem-se em Portugal. Torna-se, desde logo, muito claro que os indivíduos ligados às actividades bélicas e os mareantes chegaram, respectivamente, em resultado das suas participações na Guerra da Restauração e no comércio entre Portugal e os restantes Reinos europeus. Muitos destes tornaram estas realidades muito claras mas muitos outros omitiram-nas. Interessa-nos, pois, analisar as restantes e diversificadas situações, que nem sequer são especialmente numerosas porque poucos foram os que precisaram a motivação para terem chegado a Portugal. A procura de oportunidades de trabalho motivou alguns estrangeiros que posteriormente se reduziram. O inglês Percel Dovil reduziu-se em 1648 e afirmou ter chegado a Portugal para assistir o secretário do embaixador da Grã-Bretanha51. O sueco João da Costa chegou a Portugal com José Pinto Pereira, que fora embaixador em Estocolmo52. Reduziu-se em 165353. João Bernardo, francês, chegou na armada que acompanhou o embaixador de França e reduziu-se em 165754. Marga51

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Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 129-131. Trata-se da embaixada de Sir Henry Compton. Sobre a mesma, cf. Edgar Prestage, As Relações Diplomáticas […], pp. 120-122. Sobre esta missão, cf. Eduardo Brazão, A Diplomacia Portuguesa nos séculos XVII e XVIII, vol. 1, (1640-1700), Lisboa, Resistência, 1979, pp. 110-112. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 20-22v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 254-258. Trata-se da embai-

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rida Grandias, calvinista holandesa, foi bastante clara no seu depoimento prestado em 1659, ao afirmar que viera “em companhia de Cornélia Guilherme para effeito de ambas aqui porem casa de ensinar a fazer rendas e costura”55. O inglês Roberto Eduardo, reduzido em 1659, limitou-se a afirmar que “passou a este reyno em companhia de hum ingres mestre de um navio em ordem a ganhar sua vida”56. Gaspar da Cruz e Campo, alemão, reduziu-se em 1661 e declarou que ficara em Portugal “por occasião de lhe parecer a terra conveniente para viver”57. A holandesa Cornélia, que se reduziu em 1664, afirmou ter vindo em companhia do conde de Miranda58. O holandês João Abraão, ao deixar o calvinismo em 1684, declarou que viera “buscando sua vida”59. O inglês Diogo de Anção optou pelo catolicismo em 1689 e declarou ter-se instalado em Portugal para “vir a ganhar sua vida”60. No ano seguinte, o holandês João Tapia apontou como motivo da sua presença em Portugal a vontade de aprender o ofício de pintor61. O alemão João David instalou-se para aprender o ofício de ourives do ouro e reduziu-se em 169862. Diversos reduzidos afirmaram que se tinham dirigido a Portugal para aprenderem a língua portuguesa e os negócios63. Assim aconteceu, por exemplo, com João Mosle, inglês, que se reduzira em 166164, com os alemães Bernardo Friz, remetido pela mãe e reduzido em 166565; Nicolau Esteves, em 167066; Cornélio Vetgen, que deixou o luteranismo em

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xada do cavaleiro de Jant (1655). Sobre a mesma, cf. Edgar Prestage, As Relações Diplomáticas […], pp. 49-62. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 15-17. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 19-21. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 105-107. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 256-264. O conde de Miranda, D. Henrique de Sousa de Tavares foi embaixador na Holanda em 1659-1661 e em 1661-1663. Sobre estas duas embaixadas, cf. Edgar Prestage, As Relações Diplomáticas […], pp. 246-252. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 429-436. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 613, fols 45-47. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 613, fols 98-106. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 65-69. Sobre esta matéria, cf. Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Os Estrangeiros e a Inquisição […], pp. 106-107. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 123-125. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 31-35v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 131-135.

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167767; Henrique Martins, em 1685, o qual acrescentou que viera a mando dos pais68; e ainda com o inglês Henrique Xutre, reduzido em 168969 e com o sueco Elias Torns, que se reduziu em 170070. Entre os que afirmaram ter escolhido Portugal como destino de acolhimento contam-se alguns que alegaram tê-lo feito por motivos religiosos. Assim aconteceu com o inglês Henrique Honiruil, em 166971 e com o escocês Alexandre Chelmans, no ano seguinte72. A inglesa Joana Rodes, em 1673, afirmou ter fugido de casa dos pais e ter-se embarcado com outras mulheres porque aqueles não a deixavam ser católica73. Leonor Guenth, inglesa, reduziu-se em 1691 e explicou que viera “por ocasião das guerras entre o príncipe de Orange e o rei Jacob”74. Como o marido era católico e não quis servir o príncipe contra o Rei, fixaram-se em Portugal75. Em 1694, reduziu-se o inglês João Bronfil, que afirmou ter vindo a Portugal expressamente para esse efeito76. O mesmo aconteceu com o francês Francisco Martel77. Por seu lado, em 1699, o inglês Jorge Matias Aliver, declarou ter escolhido Lisboa para viver como católico78. A procura de familiares também ficou documentada. Por exemplo, o francês Daniel Amberes, saiu de Castela para se juntar a um tio que vivia no Porto. Reduziu-se em 166779. O suíço António Rodrigues 67 68 69 70 71 72 73 74

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Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 152-154. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 265-270. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 313-316. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 197-201. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 59-62. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 151-155. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 712, fols 106-108v. Trata-se da guerra entre Jaime II de Inglaterra e Guilherme de Orange, futuro Guilherme III, seu genro e sucessor. O primeiro foi deposto em 1688, após ter tentado que a Inglaterra voltasse ao catolicismo. Efectivamente, o monarca era católico e baptizara o seu herdeiro segundo o rito católico, o que levou o Parlamento a solicitar a ajuda do futuro Guilherme III, holandês e protestante, casado com Maria, uma filha do monarca. Este movimento ficou conhecido como a Glorious Revolution. Cf. Julian Hoppit, A Land of Liberty? England 1689-1727 (= The New Oxford History of England. 1689-1727, direcção de J. M. Roberts), Oxford, Clarendon Press, 2000, pp. 1-50. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 97-99. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 173-175. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 204-208. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 89-93. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 59-63v.

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deixou o calvinismo em 1685, depois de se ter fixado em Portugal, onde chegara para se encontrar com o filho, quando já estava viúvo80. A inglesa Isabel Espens também saiu da sua terra para ver um filho que tinha em Lisboa e acabou por se reduzir em 169181. Situações algo por acaso também foram dadas a conhecer. Por exemplo, em 1650, os ingleses Henrique Faceper e Thomas Drudi e o irlandês Ferdinando, eram soldados que tinham vindo em companhia do príncipe Rupert, que estava no Tejo, e que aproveitaram a oportunidade para se reduzirem82. Dois anos depois, reduziu-se Eduard Eliot que chegara na companhia dos príncipes da Boémia, isto é, o referido Roberto e

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Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 744, fols 257-261. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 54-56. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 228-230, 244-245v, 276-289v. Sobre este episódio esclareça-se que, durante a ditadura de Cromwell (1649-1660) os príncipes Rupert (1619-1682) e Maurice (1620-1652), conhecidos como príncipes Palatinos ou da Boémia, vencidos na luta contra o Parlamento, decidiram continuar essa mesma luta no mar, visando repor a legitimidade monárquica dos filhos de Carlos I. Para isso, os príncipes organizaram uma poderosa esquadra, apoderando-se de diversos navios ingleses, dedicando-se ao corso. O almirante Blake foi encarregado de os perseguir e capturar. Quando a frota estava no Tejo, em 1650, deu-se o encontro. Os príncipes refugiaram-se no porto de Lisboa. Blake solicitou a entrega dos príncipes ou a autorização para ele mesmo os prender. Perante a negativa de D. João IV, o almirante inglês começou a capturar navios portugueses enquanto o Rei de Portugal mandou prender os mercadores ingleses residentes na capital. O incidente acabou com a saída dos príncipes do Tejo, por ordem de D. João IV, os quais acabaram por ser presos em Gibraltar. Recorde-se que os príncipes Rupert e Maurice eram os filhos do deposto Rei da Boémia, Frederico V, derrotado na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), concretamente em 1620, na batalha da Montanha Branca. O Rei casara-se, em 1613, com Isabel (1596-1662), filha de Jaime I de Inglaterra e tivera, além dos referidos, Sofia (1630-1714), a qual foi mulher de Ernesto Augusto, eleitor de Hanover e mãe de Jorge I, rei de Inglaterra. Sobre os príncipes, cf. Charles Harding Firth, “Rupert, Prince”, The Dictionary of National Biography, direcção de Leslie Stephen e Sidney Lee, vol. 17, Oxford, Oxford University Press, 1998, pp. 405-417; Godfrey Noel Richardson, “Maurice, Prince”, Ibidem, vol. 13, pp. 95-97. Sobre a conjuntura inglesa deste período, cf. Anthony Upton, “La Politica”, Historia de Europa Oxford. El Siglo XVII, direcção de Joseph Bergin, tradução de Antonio Desmonts, Barcelona, Crítica, 2002, pp. 104-108. Sobre a passagem dos príncipes por Portugal, cf. Conde da Ericeira, História de Portugal Restaurado, nova edição anotada e prefaciada por António Álvaro Dória, vol. 2, Porto, Civilização, 1945, pp. 340-348; Edgar Prestage, As Relações Diplomáticas de Portugal […], pp. 123-130; Alguns Documentos da Biblioteca da Ajuda sôbre a Restauração, apresentados e anotados por Eduardo Brazão, Lisboa, Editorial Império, 1940, pp. 60-68; Eduardo Brazão, A Diplomacia Portuguesa […], vol. 1, pp. 101-103.

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seu irmão Maurício83. Em 1653, o holandês João Heures permaneceu em Lisboa porque o navio em que viera fora vendido84. Anos depois, em 1656, Melchisideo Briter, inglês, explicou que ficara “por o capitão da não Providencia em que vinha lhe dar algumas pancadas fogio pera terra e se recolheu em casa do marquês de Cascais”85. No mesmo ano, um outro inglês, João Filipe, queixou-se de idêntico tratamento: “sahio de Inglaterra em Janeiro passado em hua fragata de guerra que veio as costas de Espanha da qual se sahio por duvidas que teve com seu amo havera hum mês”86. Em 1658, Guilherme João chegou a Lisboa numa armada inglesa, então “o mandarão a terra a buscar alguas cousas necessárias pera seu officio e sucedeo estando elle em terra sahir pella barra fora o navio em que elle vinha embarcado e assim ficou nesta cidade”87. No ano seguinte, a permanência do inglês Edmundo Dorem parece ter sido desejada e não fruto do acaso: “deixando a companhia do ditto navio se ficou nesta cidade”88. O francês Miguel do Prado, que servia o exército de Castela, fora aprisionado na batalha do Ameixial (1663) e reduzira-se em 166889. O suíço Abraham Vitel foi cativo na batalha de Montes Claros (1665), tendo-se reduzido nesse mesmo ano em Lisboa90. O mesmo aconteceu ao alemão Sebastião Vestermayer que se reduziu no ano seguinte, quando vivia em Coimbra91. Maria Palma, inglesa, desejava ir para a Terra Nova. Contudo, uma tempestade fê-la arribar a Portugal, onde acabou por ficar e se reduzir em 166892. O suíço Isac Dupolet fugiu de um navio em Cádiz pelo mau trato que lhe davam, tendo optado por se fixar em Portugal, reduzindo-se em 168693. Nesse mesmo ano, o francês Eli Bremon, indo das Canárias para França num navio que começou a meter água, saiu em Faro e acabou por se fixar94. Ainda em 1686, o suíço Samuel de Carrei e Salles, que andara 83 84 85

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Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 435-437. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 30-32. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 193-197. Sobre os desertores de embarcações, cf. Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], pp. 54-70. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 200-202. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 309-311. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 11-13. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 271-275. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv.710, fols 304-306v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 36-39v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 64-66v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 439-443v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 562, fols 445-451.

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num navio de La Rochelle que se perdera na costa asturiana, foi levado a passar a Braga e a Coimbra, onde se reduziu95. Anos depois, em 1690, o inglês Guilherme Carmel afirmou que viera num navio e fugira96. Em 1693, o naufrágio na Galiza do alemão Paulo Henrique Leitman levou-o a passar a Portugal97. No ano seguinte, foi a vez de outro alemão, Nicolau Cabal, declarar ter sido abandonado nas Berlengas após uma acção de corso e aprisionado pelos franceses98 Um leque de diferentes motivos também pode ser referido. Por exemplo, o suíço David de Carrera tinha interesses turísticos pois, em 1682, afirmou que chegara a Portugal “movido da curiosidade de ver terras”99. O suíço Moisés Jacob justificou a sua passagem por Portugal quando abandonou o calvinismo em 1683, alegando que ia “passando em romaria a Santiago da Galiza”100. Fica-nos a dúvida porquê e para quê teria um calvinista empreendido uma romaria a um dos mais significativos santuários católicos e teria optado por se reduzir em Coimbra. Um francês, Daniel Lambert, fugiu de Castela, onde era soldado e acolheu-se em Portugal, reduzindo-se em 1667101. Também um suíço fugiu, desta feita do exército francês, e fixou-se em Portugal tendo sido assistido por D. Rafael Bluteau, em 1693102. Diferente foi o caso do alemão Guilherme Breit, que acompanhou a rainha D. Maria Sofia de Neuburg, quando esta veio para Portugal, em 1687, o qual acabou por ir ficando e por se reduzir em 1688103.

Em síntese, a procura de oportunidades de trabalho, a vontade e a necessidade de aprender a língua portuguesa para, posteriormente, se dedicarem ao comércio, a possibilidade de praticarem o catolicismo, a vontade de reunirem a família, os aprisionamentos de protestantes a combater no exército castelhano durante a Guerra da Restauração, a fuga a amos pouco generosos, os naufrágios e o desejo de conhecer novos espaços foram as motivações apontadas para a fixação em Portugal por parte de alguns estrangeiros que decidiram reduzir-se.

95

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 296-301. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 613, fols 57-58, 90-94. 97 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 613, fols 149-154v. 98 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 613, fols 161-167. 99 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 417-424. 100 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 228-234. 101 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 394-395v. 102 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 161-165v. 103 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 233-235. 96

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2. Percursos de Vidas A anterior religião dos candidatos a reduzidos. Redução e antigas minorias étnico religiosas residentes em Portugal. Os reduzidos filhos de casais em que cada progenitor professara uma religião diferente. Redução de católicos? Motivações para a redução dos protestantes: contactos com católicos leigos, influência do clero, observação das cerimónias e rituais do culto católico, inspiração divina, leitura de obras de doutrina, menosprezo pela diversidade de grupos protestantes, influência familiar, doença, casamento e perigos diversos. O ritmo das reduções. O papel do clero estrangeiro.

Quando alguém se reduzia, passava a ser crente de uma religião diferente da que até então tinha professado. Se este era o princípio básico, também houve excepções, como veremos. Dos que indicaram a religião em que antes tinham sido criados pelos seus pais ou outros familiares, contam-se, pelo menos, 390 anglicanos, 307 luteranos, 112 calvinistas, sete seguidores da lei de Moisés e quatro do Islão, a par de um anabaptista e um presbiteriano. 46 pessoas afirmaram que cada um dos seus progenitores seguia uma crença diferente e 29 afirmaram-se católicas. Analisemos estes dados. A presença significativa de anglicanos explica-se pelo predomínio de elementos provenientes de Inglaterra, enquanto o número de luteranos não pode ser desligado do peso numérico dos indivíduos do mundo alemão. Contudo, em caso algum, poderá ser feita uma leitura apressada da realidade. Isto é, um determinado número de Ingleses não é sinónimo do mesmo número de anglicanos, ou um certo número de Holandeses não equivale ao mesmo número de calvinistas, etc. A maioria não evitava as excepções. Daí, encontrarmos Ingleses católicos, luteranos e calvinistas; Alemães calvinistas, Holandeses e Franceses luteranos, apesar das limitações que sofriam, em termos legais, nos seus próprios locais de origem. Prestemos atenção aos elementos das minorias e, simultaneamente, aos que estiveram pouco representados neste grupo104. Se são conhecidos os caminhos que a comunidade judaica e cristã-nova percorreu em Portugal105, também é verdade que são quase ignorados os casos dos que, tendo empreendido a diáspora, acabaram por regressar, abandonando a sua fé 104

105

Esta temática já foi por nós abordada. Cf. Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, “Uma Estranha Diáspora […]” e Idem, “Corso e Redução de Muçulmanos […]”. Cf. Maria José Pimenta Ferro Tavares, Judaísmo e Inquisição. Estudos, Lisboa, Presença, 1987; Idem, Los Judíos en Portugal, tradução de Mario Merlino, Madrid, Mapfre, 1992.

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inicial. Não nos referimos especialmente aos que, tendo partido, voltaram devido a actividades comerciais ou a uma vontade irreprimível de doutrinar e reavivar a fé dos que tinham ficado, atitude de funestas consequências, mas aos que, aparentemente, de livre e espontânea vontade, regressaram ou se dirigiram pela primeira vez a terras de seus antepassados e se reduziram à fé católica, durante o século XVII. Cabe em primeiro lugar perguntar porque razão uns quantos descendentes de cristãos-novos peninsulares deixaram as suas terras de nascimento ou acolhimento para rumar a um país onde existia uma instituição como o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, cuja fama era conhecida por toda a Europa. Ou seja, quem arriscou? Porque o fez? E qual a representatividade do fenómeno? Entre 1662 e 1699, uma mulher e seis homens dirigiram-se aos tribunais de Lisboa e Évora relatando as suas vivências. Eram quatro judeus e três cristãos-novos. Na primeira situação estamos perante descendentes de sefarditas que nasceram durante a diáspora dos seus pais em Amsterdam, Hamburgo, Nice (ducado de Sabóia) e Pernambuco (Brasil), neste caso sob domínio holandês, ou seja entre 1630 e 1654. Na segunda situação, temos crianças nascidas em Jaén, Sevilha e algures na Península Ibérica e, por isso mesmo, baptizadas; as quais acompanharam os seus pais para zonas de maior tolerância religiosa106. Saliente-se a juventude deste pequeno grupo, cujas idades estão compreendidas entre os 16 e os 27 anos: um com 16, dois com 18 e os restantes com 21, 23, 24 e 27 anos. Daí também não ser de estranhar que todos fossem solteiros, excepto a única mulher do grupo, que contava 18 anos. Apenas três homens se referiram às suas actividades. Um era mercador, o outro apresentou-se como sem ofício, vivendo de “sua agencia” e um terceiro era rabi, em Amsterdam, facto que não revelou de imediato. Antes de chegarem a Portugal, estas pessoas estavam estabelecidas em diversas partes da Europa, acusando a diversidade de locais atingidos pelos que tinham empreendido a diáspora. Neste sentido, dois residiam em Amsterdam, dois em Livorno, um em Esmirna, um em Hamburgo e um outro em Nice, independentemente de já terem realizado diversos percursos. Por exemplo, um viveu em Pernambuco antes de se fixar em Amsterdam, outros percorreram a França, a Turquia e o Egipto. Os candidatos a reduzidos apareceram perante os inquisidores de livre vontade, afirmando desejarem receber o baptismo ou passarem efectivamente a viver como católicos, no caso dos que já possuíam aquele 106

Sobre esta realidade, cf. Maria José Ferro Tavares, “O Padre António Vieira, os Judeus e os Cristãos-Novos”, Em Louvor da Linguagem – Homenagem a Maria Leonor Carvalhão Buescu, Lisboa, Colibri, 2003, p. 419; Idem, A Diáspora dos Judeus Sefarditas. Séculos XVI-XVIII, Lisboa, Universidade Aberta, 2004.

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sacramento. Um foi acompanhado pelo capitão do pataxo que o trouxera107 e outro pelo dominicano frei Manuel Leitão que o tinha doutrinado108. Todos foram entregues a religiosos que os catequizaram, confessaram e absolveram para se concluir o processo de redução. Antes, contudo, evidenciaram as motivações, pelo menos aparentes, para os seus actos e relataram algumas das suas vivências judaicas, a par das vicissitudes das viagens rumo a Portugal. Em 1662, o judeu Isac de Montesinos, natural de Pernambuco, de 23 anos, conseguiu escapar aos pais, residentes em Amsterdam. Segundo o seu depoimento, logrou cobrar umas patacas, durante uma ausência paterna, e embarcar-se. Antes da partida do navio esteve escondido “para não ser achado pelos judeos que o fizerão buscar com muito cuidado”109. Não tinha dinheiro suficiente para a viagem, mas apresentou-se ao capitão do navio, declarou o seu intento, e até se mostrou disponível para entregar a roupa que envergava. Ao chegar a Lisboa devia 60 florins, ou seja 24 patacas de oito reais110. Referiu ainda que tivera disputas com os irmãos e que os pais conheciam o seu interesse pelo cristianismo daí “lhe não consentião que tivesse dinheiro com [que] podesse por em execução os seus intentos”111. Em 1682, temos a redução de Samuel Brazilis, judeu de Nice (Sabóia). Este jovem de 16 anos fugiu a remo atrás de um pataxo capitaneado por Roberto Loby, o qual contou aos inquisidores que, vindo do ducado de Sabóia, “meia legoa ao mar e com bastante vento que trazia ao pataxo em navegação seguida vio que hum barco que sahira do mesmo porto o vinha seguindo e que vindo a remos e remava hua so pessoa e o navio na forma referida sem amainar vella algua o barco e bradou o ditto pataxo que difficultozamente poderia abordar hua galle bem equipada e perguntando elle capitão ao remeiro do barco o que queria lhe disse que entregar-lhe a Samuel Brazilai hebreo de nação”112. Anos mais tarde, em 1688, Isac de Campos, judeu nascido em Hamburgo, de 18 anos de idade, cujos pais – Jacob de Campos, mercador e Raquel da Serra – eram naturais de Coimbra; contou que os mesmos diziam “que se auzentarão deste reino com temor de serem 107 108 109 110 111 112

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 713, fols 349-353. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 712, fols 1-9. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 127-130. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 127-130. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 127-130. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 713, fols 349-353.

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prezos pello Santo Officio” e acrescentou que se embarcara em Hamburgo rumo a Ayamonte “por haver fugido a seus pais com animo de bautizar-se”113. Procurou realizar o seu intento na Andaluzia. Como lhe disseram que se tinha que dirigir à Inquisição de Sevilha, a qual ficava a 26 léguas de Ayamonte, foi aconselhado por Portugueses a deslocar-se a Faro que distava apenas nove léguas. Naquela cidade, esteve em casa do bispo D. Simão da Gama, durante 15 dias, seguindo depois para Évora, a sede do tribunal mais próximo114. Mais aparatosa parece ter sido a viagem de Jacob Rodrigues ou Jacob Reis da Costa, rabi de Amsterdam, que talvez tenha vindo para reavivar a fé da comunidade cristã-nova portuguesa, mas que acabou por se reduzir, eventualmente para não cair nas malhas do Santo Ofício. Este homem começou por afirmar ter naufragado no estreito de Gibraltar, quando vinha a bordo de um navio mercantil que se perdera. Morreram 48 pessoas e salvaram-se 72. No seu caso, o recurso a uma bóia improvisada foi responsável por não se ter afogado, já que conseguiu meter-se “em hua pipa que sahio no porto de Gibraltar”. Aí tomou um barco português que o terá conduzido ao Algarve. Percorreu diversas terras do Alentejo, dirigindo-se ao hospital de Beja, onde procurou um seu irmão, Jácome Moisés, que há seis anos ali tinha ficado internado, em resultado de ter sofrido um naufrágio durante a guerra da liga de Augsburgo ou do Palatinado (1688-1697), atendendo às datas115. Segundo Jacob, a sua intenção era “se recolherem ambos pera sua terra”. No hospital tomou conhecimento da morte do irmão e, sem apresentar qualquer razão, disse ter decidido reduzir-se. Foi então encaminhado para casa de um comissário do Santo Ofício116.

Entre os motivos que foram aduzidos para a passagem à prática do cristianismo ressaltam os contactos com os católicos – leigos ou religiosos – algures na Europa. A procura de familiares e as leituras de textos sagrados também foram evidenciadas. Num único caso, a redução aparece como uma eventual forma de escapar a severas punições do Santo Ofício, já que não é plausível que um rabi recém chegado a Portugal (situação que o próprio começou por ocultar) desejasse tornar-se católico sem qualquer fortíssimo motivo. Parece, pois, poder colocar-se a hipótese de estarmos perante uma tentativa de escapar a um castigo significativo, nomeadamente o rela-

113 114 115

116

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 453-478. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 453-478. Trata-se de uma guerra, dirigida pela Inglaterra, que opôs quase toda a Europa contra a França. Visava travar o expansionismo de Luís XIV, que acabou derrotado. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 537-550v.

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xamento ao braço secular, por parte de um indivíduo que se dedicaria ao proselitismo judaico e que, ao ser objecto de suspeita, tenha optado pela única via que lhe evitaria problemas até sair do Reino117. Isac de Montesinos declarou que “nasceo na judaysmo e nelle foi criado e instruido por seus pays e sendo de idade de oito dias foi circuncidado e despois que se começou a entender observou sempre as cerimonias da ley de Moyses e despois que os olandeses forão lançados de Pernambuco o levarão seus pays para Olanda e de dous annos a esta parte por meio da lição da sagrada escritura e de hua Biblia de um religioso da ordem de São Francisco que havia em casa de seu pay entendeo que hia errado para a salvação de sua alma em crer na ley de Moyses e viver no judaismo”118. Diferente foi a motivação da cristã-nova Isabel ou Rosa Mendes Malin, de 18 anos, natural da Península Ibérica e moradora em Livorno, para onde fora com 13 meses de idade. Esta jovem, educada pelos tios, professou publicamente o judaísmo, confessou a prática de todas as cerimónias judaicas e viajou com o marido em busca do Messias: “forão a Alexandria, Ismirna e ao Grão Cairo com ocazião da nova que houve de que era vindo o Messias e em todas estas partes se tratarão sempre por judeos”119. Viajou também em França e, em Bordéus, encontrou um antigo criado do pai, o qual lhe disse que aquele vivia em Portugal. Essa terá sido a motivação para esta mulher se dirigir a terras lusas, onde efectivamente encontrou o seu progenitor que a motivou à redução, informando-a que ela e o marido “não hião bem encaminhados porque a ley de Moyses era ja extinta e que so na ley de Christo Senhor nosso havia salvação”120. Evidenciando já o contacto com elementos do clero, traduzidos de forma inequívoca no tipo de discurso, o cristão-novo João Nunes, de 24 anos, natural de Jaén, morador em Esmirna e então fixado em Lisboa, na rua das Mudas, afirmou que há três anos, alumiado pelo Espírito Santo, fugira à sua mãe e dirigira-se a Marselha, daí a Castela e posteriormente a Portugal. Só tinha tido conhecimento do cristianismo pouco de antes de partir, já que, com dois anos, fora levado pelos pais de Jaén para Esmirna e aí aprendera a lei de Moisés na escola de Isac, que frequentara até aos 15 anos121. 117

118 119 120 121

Tal é o caso de Jacob Rodrigues ou Jacob Reis da Costa. Cf. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 537-550v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 127-130. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 63-67. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 63-67. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 712, fols 1-9.

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Diogo Fernandes Silva, cristão-novo, de 21 anos, mercador, natural de Sevilha e morador em Lisboa, em 1675, referiu que havia um ano, que o contacto com um sacerdote em Livorno lhe alterara a vida. Tendo tomado conhecimento com o padre mestre José dos Anjos, religioso de São João Evangelista, que vinha de Roma com destino a Portugal “praticou com elle sobre a ley catholica romana e lhe declarou que tinha grande vontade de se reduzir a ella e sahir-se daquella cidade e companhia de seus pays”122. Para Samuel Brasilis as motivações para a fuga foram explicadas aos inquisidores, evidenciando mais uma vez o contacto com católicos, desta feita leigos: “ter visto aos moços do seu tempo que erão catholicos e seus condiscipulos na escola seguirem a ley de Christo Senhor Nosso entendeo que era a unica e verdadeira para a salvação das almas”123, daí dirigir-se a Portugal para se baptizar e seguir o catolicismo. Contacto com católicos também foi salientado por Isac de Campos, que declarara desejar tornar-se católico há ano e meio. Desta feita, tornou-se claro o aliciamento de um leigo, quando o jovem tinha cerca de 16 anos: “costumava elle declarante ir a caza do ditto espanhol e este lhe dava confizes e doces e depois de ter com elle mais confiança lhe disse que quando moresse havia ir direito ao inferno porque vivia na cegueira da ley de Moyses cuja ley ja não era boa e estavão esperando pello Messias que ja tinha vindo”124. O seu intento, de receber o baptismo, foi conseguido, a 5 de Setembro de 1688, através do Doutor Manuel de Oliveira Pinto, provisor do arcebispado, na sé de Évora.

Este grupo de judeus e cristãos-novos não deixou de referir diversas práticas judaicas, desde a procura do Messias à circuncisão, passando por festas como a Páscoa das Cabanas. A frequência das sinagogas, a guarda dos sábados e o consumo de pão ázimo também não foram esquecidos. Se Isabel viajou com o marido em busca do Messias125, Isac de Campos contou que fora circuncidado pelo rabi da sinagoga de Hamburgo126, enquanto Jacob Rodrigues ou Jacob Reis da Costa especificou as várias maneiras de se proceder à circuncisão: “vem a casa do pay do menino que aonde sircunsidar hum dos rabinos da sinagoga se 122 123 124 125 126

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 712, fols 258-262. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 713, fols 349-353. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 453-478. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 63-67. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 453-478.

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querem da pessoa que esta deputada para ser padrinho tem o menino nas mãos e esta assentada em hua cadeira e sobre os joelhos tem hua almofada sobre a qual poem o menino que haonde sircunsidar [ou] pondo uma cadeira e assentando nella o pay do menino a qual esta sobre hua meza do rabino com hua tanas de prata pega na pelle do perpuçio e com hum canivete corta a pelle do mesmo perpuçio e deita-lhe huns pos com que estanca logo o sangue e as gotas que caem as toma em hua toalha”127. Na noite da véspera da circuncisão, consoante as possibilidades das famílias, era dada uma festa ou servido um banquete. Por seu lado, João Nunes salientou o seu quotidiano enquanto judeu: “todas as manhas hia ás sinagogas em companhia dos mais que também andavão na escola que todos erão judeus sem serem bautizados e o ditto seu mestre e nella dizião as orações que se costumão dizer que são sessenta em numero e que os dittos seus pais tambem hião ás sinagogas e guardavão a ley de Moises e fazião suas cerimonias como era a guarda dos sabbados, paschoas das cabanas e pão asmo e outras e elle confitente fazia o mesmo”128. Diogo Fernandes Silva contou que era filho dos cristãos-novos Diogo Fernandes Silva ou David Fernandes e Raquel Fernandes, com os aqueles tinha ido para Livorno, quando contava apenas um ano. Aí passaram todos a praticar abertamente o judaísmo, religião na qual os pais se mantinham. Ele fora circuncidado e frequentava as sinagogas na companhia dos progenitores: “indo com os dittos seus pays as sinagogas e rezando as orações da ditta ley que estão em hum livro sendo que nunca foi muito observante dellas pela qual rezão tinha alguns disgostos com seus pays”129.

Aos inquisidores interessava saber o que faziam os cristãos-novos depois de sairem de Portugal. Assim, não deixavam escapar a oportunidade de obterem notícias sobre determinadas pessoas e situações. Aceitavam-se denúncias ou informações sobre práticas judaizantes ou outras130, ao mesmo tempo que se procuravam saber de qualquer fonte, incluindo os candidatos a reduzidos, algumas notícias que permitissem descobrir ou incriminar os que tinham saído e que, eventualmente, poderiam regressar.

127 128 129 130

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 537-550v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 712, fols 1-9. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 712, fols 258-262. Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Os Estrangeiros e a Inquisição […], pp. 108-120, passim.

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João Nunes referiu três castelhanos que frequentavam a sinagoga de Esmirna: Isac Calvo, Isac Sereno e Jacob Dias, todos casados131. Diogo Fernandes Silva interrogado sobre a presença de cristãos-novos que praticavam o judaísmo, em Livorno, respondeu “não se alguns dos judeos que continuão pubricos profitentes da ley de Moyses nas sinagogas são baptisados ou não nem outosi tem noticias de seus nomes mas que os que tem por judeus porem que os mais delles fallão portugues e castelhano”132. Por seu lado, Isac de Campos referiu-se também a Moisés Coriel, seu primo, também conhecido por Jerónimo Nunes da Costa, nome que utilizava quando “se cartea com Portugal”. Este homem era correspondente do rei D. Pedro II, em Hamburgo, onde, de entre outras actividades, mandava fazer navios. Segundo o mesmo depoimento, Jerónimo Nunes da Costa chegou a usar luto pela morte da rainha de Portugal, D. Maria Francisca Isabel de Sabóia (falecida em 1683), nas suas palavras “trouxe do por ella”133. Estas informações, de 1688, interessaram de tal modo os inquisidores que, em 1699, ao contactarem com Jacob Rodrigues ou Jacob Reis da Costa, judeu de Amsterdam, não se esquecerem de perguntar de conhecia o referido Jerónimo Nunes da Costa ou Moisés Coriel, ao que o reduzido respondeu afirmativamente, acrescentando que o mesmo falecera havia cerca de dois anos134.

Neste universo, menor peso tiveram os muçulmanos. Apenas encontrámos quatro reduzidos, três homens e uma mulher, cujos processos de redução decorreram nos Tribunais do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa e de Coimbra, nos anos de 1661, 1668, 1692 e 1695. As idades destas pessoas eram, à data da redução, 44 e 60 anos, não tendo os outros dois fornecido indicação. O estado matrimonial compreendeu dois casados e dois solteiros. Quanto ao estatuto sócio-profissional, temos um escravo, dos restantes nada sabemos. No que se refere à origem geográfica, contamos com dois Gregos e dois oriundos do Norte de África. Os processos de redução destas pessoas não são particularmente ricos em informações sobre os motivos que estiveram na base das suas atitudes, nem tão pouco sobre vivências islâmicas, quer em Portugal quer nas suas terras de origem. Um aspecto, aparece, mesmo assim, bem destacado, ou seja, o corso de que foram vítimas e, em alguns casos, os percursos empreendidos no regresso ao mundo católico. 131 132 133 134

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 712, fols 1-9. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 712, fols 258-262. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 453-478. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 537-550v.

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O vaivém de alguns destes reduzidos é também algo que ressalta. Temos, por exemplo, um muçulmano aprisionado por Castelhanos que se tornou católico, voltou a ser aprisionado, desta feita por muçulmanos que o julgaram cristão, fugiu e acabou por se reduzir não obstante já ter sido católico. Vicente Afonso de la Pax, natural do Norte de África, em 1661, dirigiu-se sozinho ao tribunal, onde declarou que sendo menino de três anos fora cativado pelos Castelhanos de Orão, com a sua família. Remetido à Andaluzia, onde fora vendido em Málaga a Andrés de Graca de Almendra, “o qual o foi instruindo nos misterios da nossa fee e lhe ensinou as orações da Igreja e depois de ser de idade de sete annos o mandou bautizar na igreja de Santiago de Malaga no que elle confitente consentio e folgou muito que o baptisassem porque com a creação que lhe deu o dito seu senhor estava muy inclenado a ley de Christo Senhor Nosso”135. Por morte do dono, Vicente ficou livre. Cometeu, entretanto, certo delito que não especificou, o qual lhe valeu ser degredado para as obras da muralha, “molestado com aquele trabalho”, decidiu fugir para “terra de mouros”. Segundo o depoimento prestado junto dos inquisidores, a intenção era livrar-se do degredo e voltar para terras de cristãos. Dirigiu-se ao Norte de África e aí foi conhecido como filho de mouros, devido a um sinal que tinha na testa. Viveu em Tetuão, durante nove meses, sem frequentar as mesquitas. Envergava, contudo, vestuário muçulmano, o alquicé, isto é, uma capa. Em Tetuão tratou de regressar à Europa. Primeiro tentou embarcar num navio francês, mas foi impedido pelo capitão, que receou os muçulmanos. Frustrada esta tentativa, iniciou o caminho terrestre para Ceuta, mas encontrou mouros no caminho, tendo que se desviar do seu objectivo. Posteriormente, mudou de rumo encontrando trinitários castelhanos que resgatavam cativos. Pediu, então, para os acompanhar, no que, mais uma vez, não foi bem sucedido, pois os religiosos não se atreveram. Foi, no entanto, aconselhado por estes a dirigir-se a Tânger. Desta vez a iniciativa foi coroada de êxito. Naquela praça, ficou em casa do conde de Vimioso e, em sua companhia, chegou a Portugal136.

Situação peculiar é a dos que, nascendo de pais católicos, tornam-se muçulmanos e só voltaram ao catolicismo após terem sido aprisionados e contactado com sacerdotes e vivido problemas específicos, como uma doença grave. 135 136

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 114-116. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 114-116.

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Em 1668, o grego Morato, de 60 anos, natural da Grécia, de filiação católica, dirigiu-se ao Santo Ofício de Lisboa acompanhado pelo padre Luís da Silva, que assistia em casa do duque de Cadaval, de quem Morato era escravo. Segundo o seu depoimento, era filho de cristãos mas, aos quatro anos fora levado ao Grão-Turco “em satisfação do tributo que lhe costumão pagar os gregos”. A partir de então, abraçou o islamismo. Há 28 anos, vindo num navio de Argel, fora cativo pelos Holandeses no mar e vendido para Lisboa. Em Portugal mantivera-se muçulmano até que, “ultimamente por occazião de huma grave doença que teve o tocou Nosso Senhor de sua graça para se haver de reduzir a ley de Christo”137.

Filhos de mouriscos bem integrados no Islão podiam ver as suas vidas tomarem um rumo muito diferenciado se fossem objecto de cativeiro por parte de cristãos. Após a destabilização, era possível, em certos casos, uma reorganização e uma opção clara entre dois mundos. Francisco António, filho de mouriscos, natural de uma terra próxima de Tetuão, foi aprisionado enquanto pescava. Os seus captores, de Menorca, levaram-no a Málaga, onde o venderam a D. Diogo Lobo Martín. Por morte deste, foi vendido para Córdova, onde esteve muitos anos, conseguindo, por fim, resgatar-se. Já após ser um homem livre, decidiu mudar de religião, fazendo-se baptizar. Posteriormente, casou-se com uma sua conterrânea, também já católica. O casal passou a Sevilha e a uma terra próxima de Málaga, onde trabalhava numa horta. Um dia toda a família foi cativa e levada a Tetuão, após um ataque àquela zona: “na dita paraje lançarão gente em terra e na dita sidade de Tutuão foi vendido ele e mulher e filhos como escravos christãos que elles erão tidos e avidos por tais e vendo que não tinham nenhum remedio pera seu Livramento e inspirado de sua mãe santissima pos em execução a dita fuga pera [Ceuta]138. Apresentou-se, em Lisboa, em 1692.

Mas havia ainda aqueles que, vítimas do corso em crianças, pouco sabiam de si próprios, da sua filiação, das suas origens. As suas vidas acabavam por ser fruto de circunstâncias que, em muitos casos, lhes eram alheias, decorrendo em resultado de conjunturas em que as suas vontades eram o elo mais fraco na cadeia de forças que as fazia movimentar.

137 138

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 1-5. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 123-124.

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Em 1695, aparece-nos o último caso. Trata-se da grega Maria de São Pedro, que pouco sabia de si própria. Natural da Grécia, criada em Bristol, moradora em Matosinhos e reduzida no Porto, esta mulher fora cativada pelos Turcos e vendida a Ingleses, presumivelmente enquanto criança, pois desconhecia a sua filiação. Os inquisidores mandaram-na baptizar sub conditione, já que ela não tinha a certeza se havia ou não recebido aquele sacramento139.

Fenómeno muito residual, como acabámos de verificar, a redução de muçulmanos, na segunda metade do século XVII, torna evidente duas realidades. A primeira refere-se ao facto de estas pessoas, não obstante as expulsões de mouros e mouriscos, terem vivido algum tempo em Portugal como seguidores do Islão sem serem, por isso, objecto de nenhum procedimento especial. Tal como outras fontes já nos tinham mostrado, a presença de muçulmanos ou descendentes de muçulmanos após a expulsão de Filipe III foi uma realidade. Efectivamente, a expulsão não tinha conseguido irradiar totalmente este grupo, esporadicamente reforçado com os que chegavam voluntariamente ou devido a algum acto de corso140. A segunda realidade, na qual vale a pena insistir, liga-se ao facto de, em todas estas histórias pessoais, haver uma constante: o corso. Efectivamente, neste pequeno grupo, detecta-se corso castelhano sobre terras do Norte de África e sobre embarcações piscatórias actuantes na mesma zona, corso holandês face a um navio de Argel e corso turco sobre as ilhas gregas. A redução aparece, neste contexto, como um meio de integração para os que, de algum modo, se tinham afastado do catolicismo. Um acto voluntário de eventual prevenção de problemas que pudessem aparecer. As motivações não seriam, contudo, as mesmas para todos. Não são comparáveis as vivências de quem foi afastada dos progenitores desde muito cedo e criada por Ingleses, as de quem fugiu de forma consciente do Islão para voltar à Europa, ou as de quem vivia e servia há muito em 139

140

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 613, fols 172-180. Sobre os baptismos nestas circunstâncias, cf. Maria Isabel Rodrigues Ferreira, Geraldo J. A. Coelho Dias, “Baptismo de Protestantes […]”, p. 200; Geraldo J. Amadeu Coelho Dias, Maria Isabel Rodrigues Ferreira, “Ingleses no Porto Setecentista […]”, p. 256 e Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], pp. 223-228. Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Mouriscos e Cristãos no Portugal Quinhentista. Duas Culturas e duas Concepções Religiosas em Choque, Lisboa, Hugin, 1999; Idem, “Portugal e os Mouriscos de Espanha nos Séculos XVI e XVII”, La Politica y los Moriscos en la Época de los Austria. Actas del Encuentro, Sevilla la Nueva, Fundación del Sur, Ediciones Especiales, 1999, pp. 231-247.

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casa de católicos, convivendo com sacerdotes que não perdiam oportunidades para tentar encaminhar almas que entendiam andar perdidas. Não esqueçamos os que tiveram cada um dos seus progenitores seguidores de uma religião diferente141. Estas 43 pessoas (24 Ingleses, seis Holandeses, quatro Irlandeses, quatro Franceses, dois Suíços, um Escocês, um Flamengo e um Sueco) foram, desde cedo, marcadas pela divisão de crenças, vivendo entre duas opções e seguindo à força uma delas. Caso único, neste contexto, foi o do inglês João Lourenço, que afirmou não ter sido baptizado142. Reflexo das guerras religiosas do passado e da divisão religiosa da Europa, alguns casais eram compostos por católicos e protestantes. Tal foi notado, por exemplo, por Tomás Pinheiro da Veiga que, em 1605, escreveu a respeito de certos Ingleses que observara: “Eu fallei com alguns e certo que he huma confuzão a em que vivem, que nem elles se entendem; e assim o Pay he de huma seita e a May de outra e os filhos de outra. Hum destes me contou que conhecera em Flandres hum filho de hum D. Manoel, filho do Snr. D. Antonio, e que os filhos eram catholicos e as filhas hereges como a may”143. Tenhamos em conta que em alguns países protestantes houve impedimentos legais ou punições – como perda de bens – para estes casamentos mistos, mas que os mesmos sempre se foram celebrando144. Quadro 4 – Reduzidos cujos Pais professaram Religiões diferentes Data

Nome

1641 1642 1643 1643 1648 1653 1655 1657 1658 1659

Ricardo André Benjamim Faon João Fruiet Jorge Nabel Percel Dovil Henrique Croque Estêvão da Costa Roberto Rolim Nicolau Esteven Roberto Baquier

141

142 143

144

Nacionalidade

Inglês Sueco Inglês Inglês Inglês Inglês Francês Inglês Inglês Inglês

Pai

Católico Católico Anglicano Católico Anglicano Anglicano Católico Católico Católico Católico

Mãe

Calvinista Luterana Católica Anglicana Católica Católica Calvinista Anglicana Luterana Presbiteria-

Fonte*

L 708, 1 L 708, 28 L 708, 43 L 708, 60 L 708, 129 L 709, 42 L 709, 108 L 709, 248 L 709, 307 L 710, 24

Sobre esta realidade nas ilhas Canárias, cf. Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], pp. 166-169. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 713, fols 168-169. Tomé Pinheiro da Veiga, Fastigimia, reprodução em fac-símile da edição de 1911 da Biblioteca Pública Municipal do Porto, prefácio de Maria de Lurdes Belchior, Lisboa, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1988, p. 150. Sobre esta temática, cf. Merry E. Wiesner-Hanks, Cristianismo y Sexualidad en la Edad Moderna. La Regulación del Deseo, la Reforma de la Pratica, tradução de Mónica Rubio Fernández, Madrid, Siglo XXI, 2001, p. 72.

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Nacionalidade

Data

Nome

1661 1662 1662 1662 1662 1663 1663 1663 1666 1666 1667 1667 1667 1667 1668 1669 1672 1672 1681 1686 1686 1688 1691 1691 1693 1694 1694 1697

Ricardo Genins Guilherme Michel Duarte Nols João Pastor João Gerard António Bretol Samuel Jonas David Meredi Tomás Right André Esaneser João Chinely Jacob Vandervuga Páscoa Fotra Henrique Domes Maria Pama Alexandre Latur João Henrique Luís Guilherme Castelmaior Tomás Bulte Margarida Benit Maria Benfield Carlos Filipe Guilherme Cloch Guilherme Maxene Ana Michel João Arman José Carvo Tomás Greams

Inglês Escocês Inglês Inglês Irlandês Holandês Inglês Inglês Inglês Suíço Holandês Holandês Inglesa Suíço Inglesa Francês Francês Inglês Inglês Irlandesa Irlandesa Inglês Holandês Inglesa Inglesa Flamengo Inglês Irlandês

1699 1700 1700 1700

Maria Huden João Roque Pedro Jacob Bautista Guilherme Justi

Inglesa Francês Holandês Holandês

Pai

Católico Calvinista Anglicano Católico Católico Católico Anglicano Católico Católico Católico Calvinista Calvinista Anglicano Calvinista Católico Calvinista Católico Luterano Anglicano Protestante Protestante Anglicano Católico Católico Católico Católico Anglicano Protestante145 Calvinista Católico Católico Católico

Mãe

Fonte*

na Anglicana Católica Católica Anabaptista Protestante Calvinista Católica Anglicana Anglicana Calvinista Católica a) Católica Católica Anglicana Católica Calvinista Católica Católica Católica Católica Católica Calvinista Anglicana Anglicana Protestante Católica Católica

L 710, 128 L 710, 171 L 710, 164 L 710, 162 E 562, 312 L 710, 191 L 710, 179 L 710, 202 E 562, 224 L 710, 352 L 710, 360 L 710, 390 L 710, 380 E 562, 255 C 744, 64 L 711, 80 L 711, 421 L 711, 425 L 713, 382 L 714, 151 L 714, 126 L 714, 281 L 715, 105 C 613, 113 L 716, 167 L 715, 283 L 715, 113 L 716, 15

Católica Anglicana Luterana Calvinista

L 716, 83 L 716, 161 L 716, 155 L 716, 185

* As letras C, E e L referem-se, respectivamente, a Inquisição de Coimbra, Évora e Lisboa. O primeiro número respeita ao do livro e o segundo ao do primeiro fólio do processo de redução. a) Indica certa seita não identificada.

As explicações e os comentários aduzidos pelos reduzidos acerca do facto de pai e mãe praticarem uma religião diferente, merecem alguma reflexão. Por exemplo, o francês Alexandre Latur explicou que a mãe

145

Trata-se do padrasto.

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católica e o pai calvinista, “quando casarão foi com comcerto que os filhos machos seguirião a seita do pay e as fêmeas a da may”146. No mesmo sentido foram as palavras da inglesa Ana Michel147. Contudo, ao analisarmos o quadro verificamos que tais considerandos nem sempre se concretizaram. Das seis mulheres em causa quatro tiveram mães católicas e duas mães protestantes. Mas todas seguiram o protestantismo e não apenas duas. No caso dos 37 homens, a situação é a seguinte: 21 tiveram pais católicos e mães protestantes, e apenas 16 conheceram uma vivência inversa, mas todos acabaram por seguir alguma das formas de protestantismo. Um deles, o inglês João Gerard alegou que o pai católico morrera quando ele tinha apenas dois anos148. Por vezes as situações vividas por estas pessoas enquanto crianças não foram isentas de dificuldades e de destabilizações diversas. Por exemplo, o holandês João Chinely comentou que “seu pay o instroio na heresia de Calvino que sempre observou supposto que sendo minino quando hia a escola em que tinha por mestre hum catolico romano lhe ensinou alguas orações da igreja catholica”149. Por seu lado, António Bretol, de 16 anos, filho de um católico e de uma calvinista, confessou ter vindo com o pai, para Portugal, o qual o levara aos padres capuchinhos franceses que o instruíram. Ao fim de um mês tinha-se reduzido150. Nos casais divididos do ponto de vista religioso foram comuns algumas advertências aos filhos no sentido de aqueles seguirem certa religião ou adoptarem outra. A irlandesa Margarida Benit confessou que já tinha alguma instrução católica dada pela mãe quando chegou a Portugal, onde se reduziu151. Carlos Filipe, um inglês de 14 anos, filho de anglicano e de católica, confessou que fora aprendendo os rudimentos da religião católica mas que receava o pai152. Benjamim Faon, sueco, filho de católico e de luterana, explicitou que o pai o tinha aconselhado a sair da Suécia para ser católico153. Por seu lado, o pai do francês João Roche, antes de falecer, incentivou-o a tornar-se católico154. Preocupação inversa ficou patente nas palavras do pai do inglês Samuel Jonas, educado como 146 147 148 149 150 151 152 153 154

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 80-84. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 167-171. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 312-320. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 360-362. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 191-192v Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 151-153. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 281-283. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 28-29v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 161-165.

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anglicano, o qual, pouco antes de morrer, “lhe encomendou muito se não apartase da dita seita antes a seguisse sempre”155. As dificuldades e os perigos das minorias também não foram escamoteados. Em 1668, a inglesa Maria Pama recordou que seu pai “por ser catholico não era muito estimado entre os protestantes e por hum delles fora morto”156. Menos dramática, mas também difícil era a situação do pai do flamengo João Arman, o qual, em 1694, vivia ocultamente para não ser molestado pelos protestantes157. Por último, recordemos as 29 pessoas que se disseram católicas, mas que se apresentaram à redução. Neste grupo temos 12 Ingleses, 10 Irlandeses, dois Alemães, dois Escoceses, um Holandês, um Português e um Suíço. Se antes explicámos que reduzir-se significava deixar a fé inicial e adoptar uma nova, no nosso contexto o catolicismo, como se explicam estes casos, em que católicos reclamaram tornar-se católicos? Realisticamente estamos perante um grupo de pessoas que, se bem que oriundas de pais católicos, em algum momento das suas vidas, ainda em crianças, ficaram órfãos e acabaram por adoptar alguma forma de protestantismo, por influência dos familiares que os criaram, embora se tenham apresentado aos inquisidores não como anglicanos, luteranos, calvinistas ou outros mas como seguidores de Roma, devido à fé inicial em que tinham começado a ser educados. É interessante notar que, se estivéssemos no século XVI, antes de haver processos de redução recorrentes, antes de certos acordos estabelecidos entre Portugal e diversos países protestantes, nos quais se estabeleceu a liberdade religiosa sob certas condições já explicadas, estas pessoas seriam objecto de processos inquisitoriais, cujo resultado, na melhor das hipóteses, seria uma simples reconciliação. Não esqueçamos que o protestantismo era um dos crimes maiores julgados pelo Santo Ofício158. Como o contexto político e religioso era agora outro, a estas pessoas foram exigidos procedimentos em tudo semelhantes aos dos restantes reduzidos. Nem todos os processos de redução nos fornecem informações acerca da vivência destas pessoas, tais foram os casos dos que se refe-

155 156 157 158

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 179-181. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 64-66. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 283-284. Cf. Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Os Estrangeiros e a Inquisição […], pp. 219-262. Veja-se também Idem, “Os Irlandeses e a Inquisição Portuguesa (séculos XVI-XVIII)”, Revista de la Inquisición, vol. 10, Madrid, 2001, p. 176.

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riram ao suíço Cristiano Guier, reduzido em 1666159, ao inglês Henrique Janson que se tornou de novo católico em 1662160 e ao irlandês Alberto Geraldim, que retomou o catolicismo em 1699161. Em outros casos, sabemos que a filiação dos reduzidos era de católicos mas que tinham sido criados por protestantes, embora desconheçamos a razão. Assim aconteceu com o irlandês Pedro Leilés, que se apresentou em 1644162 e da inglesa Isabel Esler, reduzida em 1650163. Contudo, a maioria referiu a orfandade como a causa directa do abandono da fé dos seguidores de Roma. Tais foram os casos do inglês Andrés Galfe, reduzido em 1649164, do seu conterrâneo Thomas Sander, que ficara a cargo de uma tia, e que se reduziu em 1656. Este explicou que perdera o pai e que a tia o proibira de falar com a mãe e “quando com ella fallava lhe dizia a ditta sua may que seguisse a ley dos catholicos romanos e não a seita dos protestantes”165. Também a irlandesa Margarida Cher, filha de católicos, ficou órfã cedo e foi criada por protestantes, segundo confessou em 1658166, o mesmo acontecendo aos seus conterrâneos Patrício Mateo, que se dirigiu à Inquisição de Lisboa, dois anos mais tarde167 e Guilherme Lou, reduzido em 1661168. Situação semelhante foi vivida, e relatada em 1662, pelo escocês Jorge Vittus, que ficara órfão aos seis anos169, pela inglesa Maria Nilar, criada por uma tia herege e reduzida em 1664170 e pelo inglês Ricardo Hodoll, de novo católico no mesmo ano171. Ainda no mesmo ano de 1664, o inglês Rogero Molinaz confessou ter sido criado como anglicano após a morte do pai, quando a mãe se casou com um “herege”172. Pela mesma data, um outro inglês, Guilherme Alen, confessou que os pais eram católicos, mas que fora criado por luteranos, acrescentando que, 159 160 161 162 163 164 165 166 167 168 169 170 171 172

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 350-351. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 43-45. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 532-535. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 89-91. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 308-310v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 166-168. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 204-206. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 336-338. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 78-80v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 100-102v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 33-40. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 218-219v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 86-88. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 238-240.

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ao chegar a Lisboa “lembrando-se como muitas vezes lhe sucedia de que seus pais erão catholicos romanos se resolveo a quere-lo ser tambem e para esse effeito deu noticia a dous soldados ingreses catholicos pedindo-lhe que lhe buscassem hum religioso que o fosse para tratar com elle sobre materias da sua alma e estes lhe enculcarão o padre frey Alberto de Londres”173. Menos pormenores nos foram dados a conhecer pelo alemão Sebastião Vestermayer, órfão aos 4 anos e reduzido em 1666174, pelo escocês Alexandro Chelmans, que retomou a religião dos seus progenitores em 1670175, pelo inglês João Bofil, órfão aos 10 anos e criado pelos tios, segundo declarou em 1694176 e pela irlandesa Eleonora Martins, órfã aos 7 anos e reduzida em 1700177. Em outros casos, as saídas de casa de alguns rapazes, para começarem a aprender uma profissão, quando ainda eram muito jovens, também esteve na origem da mudança de credo. Assim aconteceu com o irlandês Guilherme Macprien, que deixara a Irlanda e fora para Inglaterra servir um anglicano que o ameaçou se não deixasse o catolicismo, segundo depoimento de 1641178. Caso sui generis foi o de João Maximiliano, alemão, filho de católicos da Alta Alemanha, os quais ao passarem à Baixa Alemanha optaram por se tornarem luteranos, o mesmo fazendo aquele, que então contava dois anos e, consequentemente fora educado como luterano. Ao chegar a Portugal, com 22 anos, resolveu voltar ao catolicismo, embora tenha sido dissuadido por diversos estrangeiros luteranos. Acabou por concretizar o seu intento em 1653179. Situações diferentes e propícias a configurar processos inquisitoriais foram as vividas pelo inglês Ambrósio Eduardo que, apesar de se ter criado como católico, tornou-se protestante por influência de parentes e amigos, acabando por se arrepender “lendo elle declarante pella escritura nella achou alguas couzas que lhe mostrarão que hia errado em seguir a ceita dos protestantes”180. Reduziu-se em 1643, pela mão de frei Domingos do Rosário. O irlandês Ferdinando também abandonou o catolicismo em Inglaterra ao contactar com anglicanos, alegando ter receio de ser maltratado se dissesse ser católico, mas 173 174 175 176 177 178 179 180

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 246-248v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols. 36-39v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 151-155. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 173-175. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 614, fols 17-22. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 349-353. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 15-19. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 40-42.

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acabou por regressar à religião inicial em 1650181. Seis anos depois foi a vez de Guilherme Croft, inglês, se ter apresentado como candidato à redução. Contudo, já se tinha reduzido em San Lucar. O regresso forçado a Inglaterra levou-o de novo ao anglicanismo e, ao chegar a Portugal, reduziu-se pela segunda vez. No seu depoimento podem ler-se partes da trajectória deste homem: “havera ano e meyo em que el rey de Castella por occasião das guerras mandou sahir aos ingreses de suas terras”, em Inglaterra não ousou afirmar-se como católico “sem perigo de sua vida e lhe tomarem sua fazenda”, então frequentou as prédicas dos protestantes e, em Londres, foi à missa em casa do embaixador de Castela”182. “Nicolau Saulo, irlandês, afirmou só ter passado a ser “herege” por ter sido pressionado pelos Ingleses de quem dependia. Reduziu-se em Lisboa, em 1658183. Ricardo Calveroth, inglês, reduzido em 1662 afirmou que “sendo de quatorze annos de idade e tendo já alguma noticia de nossa sancta fe catholica por serem seus paes professores della deixou a casa dos dittos seus paes e tendo trato e amizade com um herege protestante se foi afeiçoando a esta seita e a seguio”184. Diferente foi a vivência do holandês João Janson, que ao contactar com Holandeses luteranos nas Índias de Castela, mudou de religião. Em Portugal arrependeu-se e voltou a ser oficialmente católico em 1691185. Caso sui generis foi o da irlandesa Isabel de Uvalle. Reduziu-se em 1696, arrependeu-se, pois servia numa casa de pasto de anglicanos, situada aos Remolares (Lisboa). O motivo deste passo atrás fora o facto dos Ingleses “mofarem della e a injuriarem porque ella declarante se tinha feito catholica romana”. Redu-

181 182

183 184 185

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 276-289v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 208-209v. Os Ingleses foram expulsos de Espanha e viram os seus bens confiscados em 1656, em resultado da anexação da Jamaica pela Inglaterra. Exceptuaram-se os católicos e os partidários da dinastia Stuart, o que se explica pelo facto de os apoiantes da dinastia derrubada por Cromwell se terem exilado e a Espanha estar contra o novo regime político inglês. Esta situação foi temporária, uma vez que o regresso ao trono dos Stuart, em 1660, com Carlos II, repôs a normalidade nas relações anglo-espanholas. Cf. Antonio Domínguez Ortiz, “Los Extranjeros en la Vida Española durante el siglo XVII”, Los Extranjeros […], pp. 115-116. Sobre o contexto político da anexação da Jamaica, cf. Manuel Fernández Álvarez, “El Fracaso de la Hegemonia Española en Europa”, Historia de España, fundada por Ramón Ménendez Pidal, dirigida por José María Jover Zamora, tomo 25 (La España de Felipe IV), Madrid, Espasa Calpe, 1982, p. 772. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 290-297v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 562, fols 23-26v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 613, fols 118-122.

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ziu-se de novo em 1698186. Dois anos depois, deu-se a redução do irlandês Abraão Rush, que aos 14 anos “pera poder conservar alguns bens entre os hereges daquelle reino viveo no exterior como elles”187. Já Francisco da Costa, português, aparece-nos como um simples renegado. Filho de católicos do Porto, ao fazer uma torna viagem do Brasil foi aprisionado e levado a Argel, onde o seu dono o terá pressionado a renegar “lhe fes maos tratamentos e lhe disse que o havia de mandar pera Constantinopla e lhe davão pera isso quinhentas e sessenta patacas donde nunca poderia ser resgatado”. Entendeu que a melhor opção seria renegar. Foi circuncidado e durante três anos envergou trajes de mouro e foi conhecido como Ali. Andando a corso, ao fazer aguada em frente ao porto de Toulon, “meia legoa distante da terra se lançou huma noite ao mar e foi Nosso Senhor servido que chegase nadando a praya donde o levarãoa hum lazareto em que esteve onze dias”. Confessou-se com o bispo, abjurou com os mercedários, dos quais recebeu um comprovativo que apresentou em Lisboa, onde se reduziu188. Em todos estes casos seria de esperar a instauração de processos inquisitoriais e não de processos de redução, ainda que os réus pudessem ter sido reconciliados e ter recebido apenas penas espirituais. A conjuntura política da Restauração terá levado à necessidade de tratar muito bem os estrangeiros, em particular os Ingleses, cujo apoio militar era de ter em conta, e de aproveitar ao máximo as potencialidades de homens aptos para a guerra e para outras actividades, em especial quando os crimes perpetrados não tinham sido dos mais graves, havendo sérias atenuantes, como o facto de se terem apresentado à redução.

Se aos 988 reduzidos descontarmos 29 católicos, sete judeus e cristãos-novos e quatro muçulmanos, restam-nos 948 protestantes. De entre estes, 546, ou seja 57,6% ao levarem a efeito os seus processos de redução explicitaram os motivos pelos quais abraçaram o catolicismo. Ao olharmos para este gráfico importa lermos os números com algum cuidado. Quer isto dizer que agrupámos os motivos de acordo com as declarações dos candidatos à redução. Isto é, se os contactos com católicos leigos, portugueses ou estrangeiros é superior à influência do clero, não podemos deixar de realçar que o impacto das cerimónias do culto e a 186 187 188

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 41-45v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 614, fols 1-7. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 744, fols 198-202. Sobre os renegados, cf. Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Entre a Cristandade e o Islão (séculos XV-XVII). Cativos e Renegados nas Franjas de duas Sociedades em Confronto, Ceuta, Instituto de Estudios Ceutíes, 1998.

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Gráfico 6 – Motivos das Reduções dos Protestantes

inspiração divina resultam, directamente, mais das acções dos elementos da Igreja e dos seus tipos de discursos, do que das acções dos leigos. Ou seja, neste contexto, o comportamento do clero – palavras e actos relacionados ou não com os candidatos à redução – representou 53% das motivações expressas para abraçar o catolicismo. Saliente-se também a leitura de obras diversas, quer de controvérsia quer, sobretudo, de doutrinação, o que nos leva à questão da alfabetização de uma parte destes indivíduos, geralmente entendida como numericamente mais significativa nos países protestantes do que nos católicos189. Menos expressivos foram aspectos 189

Sobre a alfabetização e a leitura dos textos sagrados a nível europeu, neste período, cf. Patrice Veit, “L’Eglise à la Maison. La Dévotion Privée Luthérienne dans l’Allemagne du XVIIe siècle”, Homo Religiosus. Autour de Jean Delumeau, [Paris], Fayard, 1997, pp. 92-98; Paul Saenger, “Rezar com a Boca e Rezar com o Coração. Os Livros de Horas: do Manuscrito ao Texto Impresso”, As Utilizações do Objecto Impresso, coordenação de Roger Chartier, tradução de Ida Boavida, Lisboa, Difel, 1998, pp. 191-226; Raymond Gillrspie, “Reading the Bible in seventeenth century Ireland”, The Experience of Reading: Irish Historical Perspectives, direcção de Bernadette Cunningham e Máire Kennedy, Dublin, Rare Books Group of the Library Association of Ireland, Economic and Social History Society of Ireland, 1999, pp. 10-38; Julian Hoppit, A Land of Liberty? England 1689-1727 (= The New Oxford History of England. 1689-1727, direcção de J. M. Roberts), Oxford, Clarendon Press, 2000, pp. 173-182; Peter Burke, Historia Social del Conocimiento. De Gutenberg a Diderot, tradução de Isidro Árias, Barcelona, Paidós, 2002; Joroen Salman, “Information, Education et Distraction dans les Almanachs Hollandais au XVIIe siècle”, Les Lectures du Peuple en Europe et dans les Amériques du XVIIe au XXe siècles, direcção de Hans-Jürgen Lüsebrink, York-Gothart Mix, Jean-Yves Mollier e Patrícia Sorel, Saint-Quentin-en-Yvelines, Complexe, 2003, pp. 49-56.

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como a diversidade de seitas entre os protestantes, as influências e as pressões familiares, a doença, a necessidade de se tornar católico para contrair matrimónio, ou os votos feitos em momentos de perigo, sem esquecer os que apontaram mais do que um motivo. Numa Europa dividida do ponto de vista religioso, os contactos entre católicos e protestantes eram uma realidade, embora nem sempre isenta de conflitos. Como já vimos, no século XVII, a aceitação das diferenças teve como base mais a necessidade prática de conviver e negociar do que a aceitação real dessas mesmas diferenças. Disso se convenceram os Estados e os praticantes dos diferentes credos. Contudo, cada grupo tentava, sempre que possível, conquistar elementos do outro. Nestas circunstâncias, as relações dos protestantes com os católicos leigos da sua nacionalidade ou de outra e com os reduzidos, no seu país de origem, ou mais frequentemente no estrangeiro, motivaram muitos à redução. 110 indivíduos indicaram esses contactos como a motivação para a mudança de credo. Uma parte dos estrangeiros que alegaram ter sido motivados pelo contacto directo com os católicos, nomeadamente pelas conversas que com eles mantiveram, para se reduzirem, acrescentou que esse trato se deu com pessoas da sua nacionalidade, outros referiram os próprios Portugueses. No primeiro grupo encontram-se, por exemplo, o inglês Roberto Baquier, o qual falara “com Daniel Morante irlandez de nação catholico romano o qual lhe falou alguas cousas de nossa sancta fe catholica com que lhe ficou tendo algua affeição”190. Reduziu-se em 1659. O flamengo Mateus Beraman, reduziu-se no ano seguinte motivado pelas conversas que mantivera com diversos estrangeiros na cidade de Lisboa191. Nesse mesmo ano, o anglicano Hugo João, morador em Lisboa, em casa de um inglês católico “pello que na ditta casa vio”, decidiu tornar-se católico192. Em 1662, a redução de João Luftan terá ficado a dever-se ao contacto com católicos em Inglaterra e na Escócia, “parecendo-lhe bem o modo com que procedião e as cousas da ditta religião”193. Por seu lado, o soldado inglês Thomas Burleizon “dando-lhe noticia outros companheiros soldados de alguas cousas da religião catholica se resolveo a deixar seos erros”. Reduziu-se em 1663194. No ano seguinte, a influência de diversos Ingleses convertidos ao catolicismo foram responsáveis pela redução do soldado inglês 190 191 192 193 194

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 24-26v Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 44-45v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 96-98. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 68-71. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 81-81v.

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Ricardo Crasuel, o qual ainda acrescentou que “depois que veio a este reyno lhe foy sempre melhor o meo de viver dos catholicos assim pela devação com que tratavão o culto divino como pela conformidade da sua religião”195. Em 1664, o inglês Ricardo Hodoll foi mais lacónico, limitando-se a afirmar que o contacto com católicos irlandeses o fizera reduzir-se196. O mesmo argumento foi utilizado, em 1672, pelo irlandês Thomas de Talbot197. João Daviste, reduziu-se em Lisboa, em 1696, depois de ter sido convencido por um francês, quando vivera em Londres198. Isabel Bond, inglesa, abandonara a sua crença inicial persuadida por ingleses católicos, em 1697199. O mesmo aconteceu, em 1700, com o holandês Guilherme Justi. Este era aprendiz de cirurgião, vivia em casa do seu mestre, um inglês católico, que lhe ensinou os rudimentos da fé e acabou por se reduzir200. No segundo grupo temos, de entre outros, o inglês Henrique Grandy, reduzido em 1641, confessou que tomara tal decisão depois de ter andado pelas Índias de Castela e ter contactado com católicos “pello que ally lhe disserão se começou a affeiçoar a religião catholica”201. Um seu conterrâneo, Francisco Crée falou e disputou com católicos em Inglaterra, Itália e Espanha, acabou convencido e reduziu-se, em Lisboa, em 1643202. O inglês Andrés Galfe, reduzido em 1649, especificou ter servido o rei Católico, isto é, Filipe IV, e ter contactado com católicos203. Um seu conterrâneo, Thomas Luxitan, filho de um ministro anglicano, deixou a sua religião em 1660 “pella residência e assistência que tem feito nesta cidade e o comercio que teve com os catolicos romanos della e modo de vida que lhes vio guardar o fes duvidar se seria boa a sua ceyta que seguia e esta duvida o moveo a disputar as materias della com alguns catholicos romanos”204. No mesmo ano, outro Inglês, depois de ter falado com católicos portugueses “e pello que lhes ouvio acerca della [religião] se affeiçoou a nossa santa fe catholica romana vendo a uniformidade e a união della”205. 195 196 197 198 199 200 201 202 203 204 205

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 120-123. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 86-88. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 391-394. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 356-360. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 378-380. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 185-189. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 20-21v Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 62-63v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 166-168. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 74-76. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 92-94.

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Semelhante foi a posição da inglesa Leonor Hils que, em 1663, declarou: “pella continuação e trato que tem com os catholicos romanos conheceo ser nossa sancta fe catholica a boa e verdadeira”206. Por seu lado, o inglês Samuel Parsons, que deixou o anglicanismo em 1697, alegou o contacto com católico em vários países207. Muitos outros estrangeiros referiram os contactos com os católicos portugueses sem acrescentarem pormenores significativos.

A intervenção do clero apresenta-se de forma directa e indirecta, como já explicitámos. No caso dos reduzidos que justificaram o abandono da sua antiga crença devido à inspiração divina, traduzida em expressões como iluminados pelo Espírito Santo, pelo Santíssimo Sacramento ou por Deus, ou ainda através de visões e sonhos reveladores diversos, estamos perante uma argumentação muito estereotipada que denota, de forma inequívoca, o contacto com a religião católica e, sobretudo, com o discurso do clero católico. Neste grupo encontram-se 110 pessoas. Foram recorrentes expressões como reduzira-se “alumiado pelo espirito santo”208, “movido do espirito santo”209, “inspirado pelo espirito santo”210, por “inspiração divina”211, “pela graça divina”212, “alumiado de Nosso Senhor”213, “tocado pela graça de Nosso Senhor”214 ou ainda “inspirado por Deus”215. Menos frequentes foram outras explicações mais elaboradas. Por exemplo, o holandês David Janson, reduzido em 1653, confessou que “alguas vezes teve impulsos interiores pelos quais se persuadia que podia a religião catholica romana ser a melhor”216. O inglês Carlos Fenuith, reduzido no mesmo ano, alegou ter sonhado que o tio o incitava a tornar-se católico”217. Um seu conterrâneo, Henrique Honiruil, deixara a antiga crença ainda em Ingla206 207 208 209 210 211 212 213 214 215 216 217

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 193-194v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 1-2v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 200-202. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 266-269, 287-289. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 713, fols 25-26v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 307-311. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 744, fols 1-7. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 143-147. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 12-14. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 713, fols 94-96. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 61-63. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 46-48v.

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terra, “movido de huma inspiração divina se começou a affeiçoar a ella [religião católica] de tal sorte que nunca mais quis tornar às predicas dos protestantes”218 Reduziu-se em Lisboa, em 1669. O francês João da Cruz, no mesmo ano, no caminho para Odivelas, teve uma visão: “vendo no caminho hua crus se lhe afigurou que a dita cruz se lhe levantava muito alta o que lhe causou grande temor de sorte que esteve algum tempo parado sem se atrever a continuar o caminho por diante”219. Outro francês, reduzido em 1670, teve um sonho que considerou revelador: “haverá hum anno que estando na cama durmindo se lhe representou que ouvia hua voz que lhe disia a fe catholica romana he a milhor e logo então a quis abraçar”. Passou um ano e novo sonho decidiu-o a reduzir-se: “estando tambem deitado na cama de noite dormindo via duas molheres muito Formosas e a primeira que entrava em casa disia que era a seita de Calvino e entrando logo a outra disse que era a fe catholica romana e acabando de dizer isto desapareceu logo a outra que disia ser a seita de Calvino”220. Pior visão terá tido o holandês Bruno Drust, reduzido em 1671. Estando doente “se lhe representou […] diante dos olhos corporaes hua visão horrenda de demonios que em figuras feissimas o ameaçavão com o inferno falando-lhe em lingua olandeza clara e distintamente os quais demonios se lhe representarão huns em figuras de negros muito feios grandes huns e pequenos outros, outros em figuras de bogios e monos outros em forma de homens brancos mas summamente feyos e cheyos de cabelos assy pella cabeça como pellas barbas hum dos quais que tinha esta forma antecedente e so se differençava dos outros em não ter pés alguns antes parecia tellos cortados pellos joelhos esta elle declarante lembrado firmemente dizer-lhe que se desemganasse por quanto era seu e que o havia de levar pera o inferno porquanto elle declarante lhe havia dado hum escrito em que se obrigava a ser seo”221. Bem diferente foi o depoimento do calvinista francês Isaías da Cruz, o qual se reduziu em 1673 e afirmou: “tendo hum naufrágio no mar chamou pella virgem do Rosário sem ter della conhecimento nem noticia por nomeação e vendo-se de improvizo livre de perigos prometeu de se fazer christão”222. O alemão Rodrigo Prope, reduziu-se em 1681, após ter tido uma visão: “estando hua noite na cama se lhe afigurou que via hum anjo não sabe especificar a forma o qual o persua-

218 219 220 221 222

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 59-63. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 44-46. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 114-118. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 91-100v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 365-375.

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dia que hia errado e que se reconciliasse na igreja catholica”223. Benjamim Sidoy, inglês, deixou a sua fé inicial, em 1687, após uma visão em que lhe aparecera uma luz de lâmpada que crescia, uma grande claridade e uma imagem da Virgem orando a Cristo224. No ano seguinte, foi a vez de outro inglês referir uma outra visão: uma mulher e uma luz, uma imagem de Cristo crucificado com uma mulher que na sua frente se prostrara com as mãos levantadas225.

A exuberância das cerimónias do culto, a decoração das igrejas, as pregações exaltadas, as procissões espectáculo, enfim o espírito barroco e a vivência do catolicismo após o Concílio de Trento foram de molde quer a escandalizar os estrangeiros que visitavam Portugal226 quer a fascinar outros e a convertê-los227. Realisticamente, pela positiva ou pela negativa, ninguém ficava indiferente aos actos públicos de culto e até à vivência da caridade e da misericórdia, por exemplo. Nestas circunstâncias não será extraordinário que 106 estrangeiros tenham decidido reduzir-se em virtude do que viram e ouviram e, como a maioria afirmou, se tenham afeiçoado à religião católica. Os exemplos, muito abundantes, têm necessariamente que se circunscrever a uma escolha que represente o que de mais significativo se afirmou. Vejamos, assim, alguns depoimentos. Em 1642, a holandesa Marganta Hintes declarou que se reduzira “por ver a perfeição com que vivem os christãos”228. No mesmo ano, o alemão João Tagler declarou que se decidira a reduzir na Quaresma passada: “vendo o culto divino das egrejas e veneração que se dava ao Santissimo Sacra223 224 225 226

227

228

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 183-185. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 227-229. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 613, fols 25-29. Sobre o particular das procissões cf. Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, “Entre o Sagrado e o Profano: as Procissões em Portugal no século XVIII segundo alguns relatos de estrangeiros”, A Festa. Comunicações apresentadas ao VIII Congresso Internacional, coordenação de Maria Helena Carvalho dos Santos, vol. 2, Lisboa, Sociedade Portuguesa de Estudos do século XVIII, Universitária Editora, 1992, pp. 455-468. Sobre a religiosidade nesta época, cf. Paulo Drumond Braga, “Igreja, Igrejas e Culto”, Portugal da Paz da Restauração ao Ouro do Brasil, coordenação de Avelino de Freitas de Meneses (=Nova História de Portugal, direcção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques), vol. 7, Lisboa, Presença, 2001, pp. 90-125. Sobre este aspecto, nas ilhas Canárias, cf. Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], pp. 133-141. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 24-25.

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mento e a majestade com que se levava aos enfermos”229. Pedro Custan, dinamarquês, deixara o luteranismo, em 1653, pois “lhe pareceo melhor e mais a propósito pera a salvação da alma o modo com que vivem os mesmos [Portugueses]230“. João Filipe, inglês, optara pelo catolicismo em 1656 pois “alguas cousas que na sagrada scriptura se ordenavão que não havião na seita dos protestantes como era a cruz dizendo-se na sagrada scriptura quem quiser seguir a Christo tome sua cruz”231. O depoimento da irlandesa Joana Reson, datado de 1660, foi mais completo: “comessou aa ouvir alguas cousas da fee romana e affeisoar-se a ella ditando-lhe em seu interior o spirito que a seguisse e particularmente indo pelo Natal a Igreja que os religiosos de São Domingos tem nesta cidade nas Fangas da Farinha se affeisoou ainda mais vendo o ornato da Igreja e concursso da gente e devassão”232. No mesmo ano, reduziu-se o inglês Jorge Pedro, preso no Limoeiro. Então justificou que por ser pobre e “não ter ninguém que na ditta prisão o sustentasse vendo que outras pessoas que estão na mesma prisão portugueses de nação o sustentavão e lhe davão do que tinhão parecendo-lhe bem aquella obra de caridade que elles usavão lhe alumiou Deus Nosso Senhor o entendimento pera reconhecer nossa santa fe catholica por verdadeira”233. Em 1664, foi a vez de Francisco Mahi, irlandês, se reduzir “por ver nella [Lisboa] e em outras terras de catholicos os costumes e modos de vida que tem”234. O inglês David Tamblexan, decidiu tornar-se católico, em 1665, ao “ver que o modo e trato delles era semelhante ao que antigamente havia em Inglaterra de que teve noticia pelos vastigios de alguns conventos e igrejas e cousas que ainda la se vem”235. Dois anos depois, durante a redução do inglês Roberto Toquer, aquele fez referência a uma viagem que fizera da Índia para Lisboa. A bordo vinham Franciscanos e Agostinhos. Ao ver as devoções que aqueles tinham “se começou a comover e a affeiçoar a religião catholica romana”236. Em 1667, uma castelhana protestante, que vivera em Inglaterra, ao recordar, em Lisboa, a religião dos seus antepassados e “vendo os templos que nella ha e as despesas que se fazem no culto divino recorrendo pella memoria que tambem na sua 229 230 231 232 233 234 235 236

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 38-39v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 7-11v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 200-202. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 35-37v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 86-88. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 250-251v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 298-301v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 322-324.

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terra havia templos semelhantes a estes”, decidiu reduzir-se237. O comportamento específico dos membros do colégio de São Pedro e de São Paulo terá sido o responsável directo pela redução do inglês Francisco Friman, em 1672238. Por seu lado, a holandesa Catarina Meindrichs deixou o luteranismo, em 1673, “vendo os templos e a perfeição e conserto delles”239. Argumentação muito semelhante foi aduzida, no ano seguinte, pela inglesa Ana Jansoens, que declarou ter-se afeiçoado ao catolicismo “por ver o conserto das igrejas e officios divinos”240. Os sermões também impressionaram alguns estrangeiros, o que pressupunha o entendimento da língua portuguesa ou apenas o deslumbramento pelo espectáculo da oratória barroca241. Por exemplo, João Inácio, escocês, em 1675, declarou que um sermão de frei António das Chagas, pregado na igreja da Misericórdia de Cascais o “persuadio notavelmente”242. Afonso Uteison, inglês, em 1677, confessou que “havera dous mezes pouco mais ou menos que movido das pregações que ouvia nesta corte e o aceo com que via tratar o culto divino”, se decidira à redução243. O alemão Diogo Sumithis, reduzido em 1681, salientou o modo como se venerava o santíssimo sacramento da eucaristia244, enquanto o seu conterrâneo João Martim Heinz salientou a “fermozura da igreja catholica”245. Por seu lado, no ano seguinte, o holandês Rodrigo Vercovan “movido do zello com que no reyno de Castella e Portugal se serve a Deos Nosso Senhor e administrão os sacramentos da sancta Igreja”, optou por deixar a sua antiga religião246. O mesmo fez o inglês Carlos Lany, também em 1682, depois 237 238 239 240 241

242

243 244 245 246

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 408-410v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 417-419v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 712, fols 65-67. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 712, fols 152-154. Sobre a oratória do século XVII, cf. João Francisco Marques, A Parenética Portuguesa e a Restauração (1640-1668), 2 vols, Porto, Instituto Nacional de Investigação Científica, 1989; Margarida Vieira Mendes, A Oratória Barroca de Vieira, Lisboa, Caminho, 1989. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv.712, fols 295-296v. Sobre as pregações de frei António das Chagas, cf. Maria de Lourdes Belchior Pontes, Frei António das Chagas. Um Homem e um Estilo do século XVII, Lisboa, Centro de Estudos Filológicos, 1953; Fernando Castelo Branco, “A Lisboa de Bento Coelho”, Bento Coelho e a Cultura do seu Tempo. 1620-1708, Lisboa, Ministério da Cultura, Instituto Português do Património Arquitectónico, 1998, p. 128. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 713, fols 104-105. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 214-216. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 713, fols 376-377. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 713, fols 288-290.

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de ter visitado as igrejas “onde advertio a decência e decoro com que se fazem os officios divinos entendeo que só a fee catholica romana era a boa”247. Diferente foi a motivação do luterano alemão Henrique Martins, reduzido em 1685. Assistiu à morte de uma pessoa e viu “a piedade catholica com que alguas pessoas religiosamente lhe assistião e a ver expiar com um curcifixo nas mãos e todos os mais actos de catholicos que tinham feito”248. O inglês Diogo de Anção, que se tornou católico em 1689, realçou como motivação principal para o seu acto o facto de “entrar nos templos sagrados muitas vezes e ver a grandeza com que nelles se tratava o culto divino e ministros da Igreja”249. Afim foi a explicação do irlandês Esmondo Francês, aduzida em 1694: “por se edificar muito nestes annos que viveo nesta ilha [São Miguel] do culto divino e da grande veneração dos templos e grande piedade e christandade que tem visto”250. Menos consistente foram as argumentações do alemão Guilherme Breit, que em 1688 considerou que se reduzia pois “a santa fee catholica era seguida pelo Emperador, rei de Portugal, e mais reis e príncipes da terra”251 e a do jovem sueco de 13 anos Elias Torns, dada em 1700. Isto é, “a innumeravel gente que a segue”252. A vivência do catolicismo fora de Portugal também impressionou alguns. O alemão João Paulo Serafim, que servira o infante D. Duarte, irmão de D. João IV, que combatia na Guerra dos Trinta Anos ao lado do Imperador, confessou que decidira reduzir-se ao ouvir os capelães do infante253. O inglês Abel Det declarou, em 1660, que “indo a Itália haveria tres annos e vendo o modo de viver dos catholicos romanos culto divino e suas cerimonias logo teve impulsos e desejos grandes de se converter a nossa santa fe catholica por lhe parecer bem”254. Em 1662, o escocês Alberto Ricardo Hay reduziu-se depois de em Londres ter assistido a cerimónias católicas em casa do embaixador de Castela: “foi hum dia assistir aos officios divinos e pregação na capela do embaixador del rey de Castela e pello que ali vio e ouvio na pregação se resolveo a deixar a ceita dos protestantes”255. No ano de 1665, 247 248 249 250 251 252 253 254 255

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 502-504. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 744, fols 265-270. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 613, fols 45-47. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 254-261v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 233-235. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 197-201. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 351-354v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 70-73. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 155-161v.

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o francês João Costi, abandonou o calvinismo porque entendeu que “os calvinistas não tinham igreja e eram enterrados como bestas vendo os muitos milagres que há na igreja catholica romana particularmente depois que passou a Hespanha aonde militou e foi soldado”256. Em 1689, o alemão Joaquim Coster declarou-se particularmente motivado devido aos sermões que ouvira na Flandres257. As cerimónias presenciadas em diversas cidades da monarquia espanhola também impressionaram o inglês Samuel Lourenço, em 1698, pelo que vira em Alicante258 e um seu conterrâneo, reduzido em 1699, pelo que assistira em Cádiz259.

Os que apontaram a influência de membros do clero, através de conversas, como a motivação directa e decisiva para as suas conversões ao catolicismo foram em número de 76. Alguns destes estrangeiros referiram religiosos nacionais e estrangeiros, com destaque para os membros do colégio de São Pedro e São Paulo, fundado em 1622, que constituiu o núcleo dos Inglesinhos de Lisboa260. Estes contactos com o clero católico, nem sempre tiveram início em Portugal. Em diversos países europeus, no Brasil nas Índias de Castela e até durante as viagens marítimas, as conversas entre estrangeiros e membros do clero católico foram significativas e tiveram impacto nas mentes destes reduzidos. Alguns exemplos ajudam a perceber a receptividade das palavras dos membros do clero católicos sobre os protestantes. O inglês Thomas Plomer fez uma viagem com um teólogo, de nome Onofre Eliseu, do colégio de São Pedro e de São Paulo. As conversas a bordo, “dando-lhe boas razões”, foram de molde a convencê-lo. Reduziu-se em 1650, dois meses após ter chegado a Lisboa261. O alemão Miguel Leby

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Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 279-281v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 321-331. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 73-75. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 81-82v. Para o caso do arquipélago das Canárias, cf. Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], pp. 128-131. História dos Mosteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa na qual se dá Notícia da Fundação e Fundadores das Instituições Religiosas, Igrejas, Capelas e Irmandades desta Cidade, tomo 2, Lisboa, Câmara Municipal de Lisboa, 1950, pp. 105-107; Michael E. Williams, “Os Inglesinhos de Lisboa”, Actas do Colóquio comemorativo do VI Centenário do Tratado de Windsor, Porto, Faculdade de Letras do Porto, Instituto de Estudos Ingleses, 1988, pp. 241-249. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 296-298v.

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deixou o luteranismo em 1658, devido às pregações dos Jesuítas262. No ano seguinte, reduziu-se o inglês Edmundo Dorem, que morava “junto do convento de Santa Brísida das freyras ingrezinhas263 e assi pelo comercio que com elle teve [o patrão um inglês católico] como pela communicação com a madre Sor Maria freyra no mesmo convento ingreza de nação começou a desejar ser catholico romano”264. A calvinista holandesa Cornélia Guilherme, reduziu-se em 1660, motivada pelas conversas com um jesuíta holandês na sua terra, o qual “por lhe dizer muitas coussas sobre os particulares de nossa sancta fe catholica logo teve impulsos e se commoveo interiormente para a seguir”265, só em Lisboa pôde concretizar a intenção. Também o calvinista francês Jacob Cardel decidira reduzir-se, ainda em França, depois de algumas conversas com sacerdotes. O processo concretizou-se em 1661266. Diferente foi o caso da inglesa Ângela Tisbore, que deixou o anglicanismo no mesmo ano. Morava numa casa frequentada por católicos e aí assistia “às praticas que os dittos religiosos tem com a dita sua ama e por occazião dos argumentos e razões que lhes tem ouvido a moveo Deos Nosso Senhor em seu coração a desejar se reduzir”267. Ainda em 1661, outra redução com motivações afins. Desta feita, tratou-se do inglês João Buerges, o qual “desembarcando em terra por occasião de predicar com os padres ingreses do Collegio de São Pedro e São Paulo e de lhes ouvir dar boas rezões e fundamentos”268. Mais complexa foi a argumentação do inglês João Brener, reduzido em 1662. Filho de anglicanos, começou por ler livros de controvérsias entre católicos e protestantes, quando ainda vivia em Inglaterra. Posteriormente, “depois de estar nesta cidade [Lisboa] communicava com elle interprete [Doutor Tomás Gorkeno, reitor do colégio inglês] a duvida em que estava e escreveo em hum papel todas as que tinha para não seguir nossa santa fe catholica romana nem se apartar da seita dos protestantes que seguia ao qual papel elle interprete respondeo satisfazendo a todas as duvidas mostrando as verdades catholicas com 262 263

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Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 331-334. O convento de Santa Brígida do Mocambo ou das Inglesinhas foi fundado em 1651. Cf. História dos Mosteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa […], tomo 2, pp. 391-403; Francisco Santana, “Inglesinhas (Convento das)”, Dicionário da História de Lisboa, direcção de Francisco Santana e Eduardo Sucena, Lisboa, Carlos Quintas & Associados, 1994, pp. 466-467. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 11-13. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv 710, fols 62-65. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 109-111. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 132-134. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 138-140.

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as quais ficou satisfeito e se resolveo em se reduzir”269. Maria Palma, inglesa, reduzida em 1668, confessou ter sido instada a deixar a sua antiga fé por um cónego da sé de Lamego, o Doutor Tadeu Carlos de Carvalho, um irlandês que se naturalizara270. No mesmo ano, um outro inglês também se reduziu depois de ter tomado amizade com um franciscano do Porto, frei Domingos de Santo António, que o aconselhara271. Por seu lado, o francês Pedro de Manhe foi sendo ensinado por um dominicano da Bretanha, enquando lhe fazia a barba272. Já o inglês Diogo, afirmou, em 1676, que em Inglaterra “assistio com os padres da capella da raynha da Gram Bretanha os quaes o affeiçoarão a nossa sancta fe catholica”273. O colégio de São Patrício dos Irlandeses, fundado em 1592274, também acolheu diversos estrangeiros que acabaram por se reduzir. Tal foi, por exemplo, o caso do irlandês Guilherme Aden, em 1690275. Por seu turno, o holandês João Valério, ao ir a Argel buscar cativos resgatados, contactou com frei João de Santa Maria durante a viagem e acabou doutrinado. Em Lisboa, reduziu-se, em 1695276.

A leitura de obras, quer católicas quer protestantes, de doutrinação ou de controvérsia, foi responsável pela mudança de credo de pelo menos 37 pessoas, sem esquecer as que à leitura de livros acrescentaram outros motivos277. Este grupo de estrangeiros nem sempre citou os títulos das obras em causa e, quando o fez, raramente conseguimos a identificação precisa. Contudo, merece destaque, a obra de Inácio de Loyla intitulada Exercícios Espirituais, cuja primeira edição apareceu em 1526. Note-se também que, em alguns casos, obras que se destinavam a fazer a apologia do protestantismo acabaram por levar algumas pessoas a tornarem-se católicas.

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275 276 277

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 151-153. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 64-66v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 67-71v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 395-399. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 713, fols 47-48v. Sobre este colégio, cf. História dos Mosteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa […], tomo 2, pp. 95-102; M. Gonçalves da Costa, Fontes Inéditas Portuguesas para a História da Irlanda, Braga, [s.n.], 1981, pp. 27-28 e 71-128. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 23-25v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 293-295. Sobre o papel das leituras na opção de se tornar católico, cf. Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], pp. 218-221.

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Alguns exemplos mais interessantes ajudam a compreender o percurso mental destas pessoas. Em 1643, a escocesa Ester Domaellon revelou que decidira reduzir-se “lendo per alguns livros de sua religião e vendo que nelles se permittião diversas ceitas e vendo tambem que na fe catholica se não permittião observâncias de algua ceita entendeo ser a fee catholica romana melhor”278. O inglês Diogo Guia, que vivera em Málaga algum tempo, e só não se reduzira “por não ter ahi comodidade”; em Inglaterra “achou hum livro que fes o reitor de Duay (sic) que reprovava a ceyta de Calvino e vindo lendo por elle na embarcação se acabou de resolver”, isto em 1657279. No mesmo ano, também se reduziu o inglês Roberto Haugins, o qual justificou a sua opção afirmando que “posto que de dous annos que duvida ser a seita dos protestantes boa para a salvação da alma lendo hum livro que se intitula Papista feito Protestante cujo intento he dar as razões que os protestantes tiverão para se apartarem da obediência da igreja romana as quaes lhe parecem muy frívolas e de pouca consideração”280. Ainda em 1657, o holandês Nicolau Jacobo esclareceu que o seu amo Gregório Dias “lhe mandou comprar uma cartilha do mestre Ignacio e lendo elle declarante por ella lhe pareceo bem”281, enquanto Joana Andrea, também holandesa, recebeu de um jesuíta flamengo “hum livrinho em lingoa flamenga que contem a doutrina e artigos da mesma fe”282. Em 1658, o inglês João Malore, confessou ter decidido reduzir-se depois de “ler varios livros catholicos particularmente de controversias que o alumiarão e satisfiserão de sorte que entendeo e assentou consigo que so a fe catholica romana era a verdadeira”283. No ano seguinte, Roberto Eduardo, inglês, declarou que “por saber bem a lingua latina e ler alguas vezes pella suma de sancto Thomas veyo a ter duvida na verdade da sua ceyta dos protestantes discursando consigo que aquella Igreja que he a mais antigua he infalível e verdadeira porque sendo a universal lhe não podia faltar a assistência do spirito sancto e que sendo a sua ceyta mais moderna que a Igreja Catholica Romana he certo que lhe faltava a assistencia do spirito sancto”284. A redução, em 1661, do inglês João Dorne ficou a dever-se e “se confirmou pela lição de hum livro que se intitula Ovelha Perdida que compos hum inglês

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Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 72-73v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 216-220. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 221-225. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 226-230. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 238-242. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 363-369v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 19-21.

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chamado Thomas Bea no qual livro mostra as razões e fundamentos que ouvera para se reduzir”285. Dois anos depois, outro inglês, Samuel Jonas, abandonou o anglicanismo depois de ter lido “hua cartilha pera por ella aprender a doutrina christa e mysterios de nossa sancta fe”286. O alemão Jorge Frederiche Habrich, que se reduziu em 1666, salientou ter lido diversos livros, em especial a “cartilha de mestre Inácio”287. Leituras diversificadas foram as do inglês João Charavento, que abandonou o anglicanismo em 1667. No seu depoimento pode ler-se: “lia livros assy dos que pertenciam ao seu scisma como da Igreja catholica e nestes achou razoens e fundamentos para largar o scisma que seguia”288. Por seu lado, o alemão Baltazar Tornai, reduzido em 1670 alegou que um seu conterrâneo católico lhe mostrou um “livro de devações e exercicios em que se deve ocupar hum christão”, o que o levou a abraçar o catolicismo289. Bastante longo foi o discurso de justificação do suíço David de Carrera, que se reduziu em 1682 e que teve em conta o percurso religioso e político de Henrique IV de França290. Aí pode ler-se: “pegou em hum livro e achou ser a vida de Henrique quarto rey de França e comessou a ler a repugnancia que ouve em o aceitarem por rey por seguir a ceyta de Calvino e não ser catholico e como o dito Henrique fes ajuntar os doutos e perittos na ditta ceyta de Calvino e lhe perguntou se podia elle Henrique salvar-se na ley catholica romana que lhe era necessario aceytar pera ser rey de França e que a junta dos doutos lhe respondeo que tambem se podia salvar deixando a ceyta de Calvino e fazendo-se catholico romano porem fazendo boas obras e vivendo bem e que tambem fes ajuntar os letrados do colegio de Cerbona (sic) e universidade de Paris aos quais perguntou se podia salvar-se vivendo na ceyta de Calvino e respondeo a junta dos catholicos que não”291. Bastante mais sucinto foi o depoimento do inglês Ricardo Palado, em 1683. Reduzira-se “com a lição de hum livrinho que se intitula Doutrina Christã impresso nesta cidade 285 286 287 288 289 290

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Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 119-121. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 179-181. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 50-54v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 56-58v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 147-149. Sobre o percurso político e religioso de Henrique IV, cf. Thierry Wanegffelen, Ni Rome ni Genève. Des Fidèles entre deux Chaires en France au XVIe siécle, Paris, Honoré Champion, 1997, pp. 397-450; Jacques Marseille, Nouvelle Histoire de la France, Paris, Perrin, 1999, pp. 480-500; David El Kenz, Claire Gantet, Guerres et Paix de Religion en Europe aux 16e-17e siècles, Paris, Armand Colin, 2003, pp. 81-101. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 417-424.

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no anno de 1673”292. O alemão Geraldo Vensevull, que deixou o luteranismo em 1685, citou a Cartilha da Doutrina Cristã293. Por seu lado, a inglesa Margarida Lingar, que se reduzira em 1695, deu conta de uma leitura que teve um efeito contrário ao que o autor do texto desejaria: “lendo hum livro de hereges contra a relligião catholica lhe pareceo ser odio mais que verdade o que contra ella se affirmava”294. Algumas hagiografias foram responsáveis pela redução, em 1696, da calvinista inglesa Helena Tanchines295, enquanto o holandês João Guilherme deu o mesmo passo em 1700, “por cauza de ler huns livros catholicos romanos escritos em o edioma da sua lingua muitas couzas tocantes a religião catholica romana se afeiçoou muito”296.

A influência ou a pressão de parentes católicos e a ideia de aderir à religião dos antepassados levaram alguns protestantes à redução. Neste grupo encontrámos 27 pessoas. Contudo, os seus depoimentos não foram muito pormenorizados. Vejamos alguns casos mais expressivos. Em 1641, o inglês João Sex referiu que se reduzira “por lhe remorder sua consciencia acerca da ceita luterana”297. Idêntica alegação avançou o irlandês Guilherme Loc, em 1649298. Em 1642, o sueco Benjamin Faon tomou igual atitude devido aos conselhos que recebera do pai, um católico, antes de deixar o seu Reino299. O mesmo aconteceu, em 1700, ao francês João Roche300. Em 1661, o inglês João Davis alegou pressões familiares dos tios301 e em 1694, a inglesa Isabel Semus recordou a influência do cunhado302. Por seu lado, em 1664, um seu conterrâneo, Guilherme Alen, referiu que ao chegar a Lisboa “lembrando-se como muitas vezes lhe sucedia de que seus pais erão catholicos romanos se resolveo a quere-lo ser tambem e para esse efeito deu noticia a dois solda-

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Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 713, fols 362-364. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 272-277v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 297-299. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 366-367v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 191-195. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 16-17v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 160-162v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 28-28v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 161-165. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 361-363. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 228-230.

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dos ingleses catholicos pedindo-lhe que lhe buscassem hum religioso”303. O escocês Alexandro Chelmans, reduzido em 1670, recordou que a sua família era de católicos e que ele “sempre lhe teve inclinação”304. Seis anos depois, deu-se a redução do alemão João Gaspar por influência de um irmão que vivia em Lisboa305. Em 1685, a adopção do catolicismo pelo suíço António Rodrigues ficou a dever-se ao filho que era católico e vivia em Portugal306. A redução da inglesa Leonor Guerth, em 1691, ficou a dever-se ao marido, um inglês católico307. Outros reduzidos foram mais lacónicos referindo a existência de parentes católicos como o fundamento das suas decisões no sentido de abraçarem o catolicismo. Tais foram os casos do holandês João Dreques, em 1692308; da inglesa Anna Michel, no ano seguinte309; de Penélope Jornith, também inglesa, em 1694310 e de Joana Seachel, conterrânea da anterior, no ano seguinte311. Diferente foi a perspectiva de José Holgan, um inglês reduzido em 1657, que afirmou “poucos dias depois de estar no mar sentio en sy interiormente hum medo de haver assistido as predicas dos hereges”312.

O facto de não haver dissidências entre os católicos que se mantiveram fiéis a Roma durante a Reforma e de haver diversos grupos protestantes, os quais lutaram entre si e contra os católicos foram motivos aduzidos por 27 estrangeiros que se reduziram, alguns dos quais não se esqueceram que o catolicismo era anterior ao protestantismo, o que, no seu entender, era motivo de primazia na opção religiosa. A título de exemplo, vejamos alguns casos. Em 1644, no depoimento do inglês Roberto Micer pode ler-se que começara a duvidar se ia pelo bom caminho quando viu “que os hereges tendo a mesma religião e crença se matão huns aos outros e pello contrario se amão huns

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Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 246-248v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 151-155. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 385-393. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 257-261. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 97-99. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 137-138v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 167-171. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 613, fols 168-171. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 289-291v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 232-235v.

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aos outros tratandosse com charidade os catholicos”313. Anos mais tarde, em 1651, outro inglês, João Wade, ao converter-se afirmou que o fazia “despois que neste reino via e entendia que todos os moradores delle vivem em huma so lei e fazem huas mesmas ceremonias e rezão as mesmas orações”314. Em 1660, um anglicano de nome Diogo Valceo tornou-se católico “por rezão natural de ver que na sua pátria há tanta variedade de ceytas seguindo cada hum a que lhe parece sem terem regra ou forma certa e pelo contrario a ley catholica romana ser hua so e universal a todos os catholicos romanos veyo a conheser e alcansar que ella era so a boa firme e verdadeira e isto o moveo a desejar a fazerse catholico romano”315. No ano seguinte, outro inglês Ricardo Genins, declarou que “haverá dez ou doze annos que foi movido interiormente a estranhar e aborrecer a ditta sua seita vendo como na mesma casa onde vivia moravão pessoas de cinco ou seis seitas entre as quais de ordinário havia grande confusão”316. Em 1666, o francês Jerónimo Jerne declarou que ao ver que em Portugal não se seguia o calvinismo, entendeu que “este não deveria ser boa [seita] porque para haver de ser boa havia de ser observada em toda a parte geralmente”317. Um último exemplo. Em 1698, o francês Carlos Janier alegou ter-se reduzido “considerando no pouco fundamento em que os hereges pertinazmente persistem nas suas ceitas e vendo a soltura com que vivem em seus costumes”318.

A doença e os ferimentos resultantes dos combates levaram diversos estrangeiros, assistidos por membros do clero, a deixarem a sua fé inicial e a abraçarem o cristianismo. Neste caso temos 13 pessoas. Nem sempre os reduzidos forneceram pormenores acerca dos acontecimentos vividos. Vejamos, contudo, alguns depoimentos. Em 1662, o soldado inglês Ricardo Calveroth declarou que “hachando-se nesta cidade [Évora] doente no hospital della ouvindo falar na religião catholica chegou a entender que ella era verdadeira”319. No mesmo local e no mesmo ano, Marcos Holeman, também inglês, afirmou que “adoecendo nesta cidade foi levado ao hospital della aonde 313 314 315 316 317 318 319

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 74-76v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 708, fols 337-339. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 33-34v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 128-131. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 334-335v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 47-50. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 23-26v.

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reparando na charidade com que era curado e em outros bons termos dos portugueses catholicos e dos padres da companhia que no ditto hospital assistião e no que estes lhe dizzião por meio dos lingoas [isto é, intérpretes] que no mesmo hospital assistião começou a duvidar da verdade da sua religião”320. Depoimento afim, também de 1662, foi o do inglês, João Brich: “adoecendo nesta cidade [Évora] foy levado ao hospital della aonde vendo-se doente e vendo a assistência que no dito hospital se lhe fazia e alguas amoestações que se lhe fizerão achando-se ja convalecido da primeira doença se resolveo a deixar os erros da ceita dos protestantes em que os seus pais o havião ensinado”321. Em 1663, foi a vez de David Meredi, inglês, se reduzir. O motivo que o levou a deixar o anglicanismo foi encontrado quando se encontrava internado: “por ocasião de hua doença que lhe deu foi levado ao hospital Real desta cidade [Lisboa] onde assistião huns religiosos de São Francisco para confessar os enfermos e hum delles assistio a elle declarante fallando sobre ser catholico romano lhe declarou que o desejava ser pelo que ja tinha ouvido a outras pessoas e em particular aos padres ingleses do collegio de São Pedro e de São Paulo desta cidade”322. Morato, um grego, reduzido em 1668, explicou que “ultimamente por occazião de huma grave doença que teve o tocou Nosso Senhor de sua graça para se haver de reduzir a ley de Christo”323. Referência ainda para os feridos em combate durante as guerras da Restauração, que aproveitaram a oportunidade para mudarem de credo. Tal aconteceu com o inglês Manuel Rosbonos, tratado no hospital de Vila Viçosa e reduzido em 1664324, com o alemão Janarme Rida, reduzido no ano seguinte325 e com o calvinista francês Jácome Gorsan, ferido na batalha de Montes Claros e em outras anteriores, o qual comentou que tinha reparado que “huns seus camaradas que tinha 320 321 322 323 324

325

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 63-65. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 26-30. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 202-204. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 1-5. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 108-108v. Sobre o tratamento dos soldados, cf. Maria Marta Lobo de Araújo, Dar aos Pobres e Emprestar a Deus: as Misericórdias de Vila Viçosa e Ponte de Lima (séculos XVI-XVIII), [s.l.], Santas Casas da Misericórdia de Vila Viçosa e Ponte de Lima, 2000, pp. 199-204; Idem, “O Tratamento de Militares no Hospital Real do Espírito Santo da Misericórdia de Vila Viçosa, no Contexto das Guerras Napoleónicas”, separata de Actas do Colóquio Internacional Saúde e Bem Estar, [s.l.], 2002, pp. 335-356. Ambos os trabalhos com informações que ultrapassam inclusivamente o nosso âmbito cronológico. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 194-195.

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catholicos não saíam nunca feridos”, os quais lhe tinham dito que se encomendavam a Deus326.

O estabelecimento de diversos estrangeiros em Portugal e o desejo de constituírem família, quer com Portugueses quer com estrangeiros, levou alguns a deixarem a sua religião inicial e a tornarem-se católicos para assim se casarem, de acordo com as regras do Reino de acolhimento, uma vez que os pares escolhidos eram católicos. A redução com vista a contrair matrimónio foi salientada por seis homens e uma mulher. Assim aconteceu com o holandês Rodrigo João, reduzido em 1657327; com o dinamarquês Jansan, em 1661, o qual explicou que desejava “cazar com hua molher aleman catholica romana e tratar com ella e com outros estrangeiros sobre os parteculares de nossa sancta fee catholica”328; com o inglês Mateus Godin, em 1665329, com um seu conterrâneo, que em 1676 estava preso na prisão do Tronco (Lisboa), mas que ao sair pretendia casar330; com o alemão Pedro Vever, em 1688, que apesar de a mãe lhe ter recomendado que não abandonasse o luteranismo, ia casar com uma alemã católica à qual tinha prometido fazer-se católico e “debaixo das ditas promessas a deflorou”331; com a holandesa Clara Sumant, em 1697, antes de se casar com um seu conterrâneo332 e com o escocês Thomas Rodlen, no mesmo ano333.

Perigos diversos também levaram alguns estrangeiros à redução. Neste grupo temos sete pessoas, que de algum modo acreditaram que o catolicismo era o caminho a seguir depois de terem vivido diversas situações desagradáveis, tais como roubos, naufrágios e perseguições. Vejamos algumas situações. O inglês João Cambere, condestável de artilharia, reduzido em 1672, explicou que optara por se tornar 326

327 328 329 330 331 332 333

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 190-192. Sobre a redução de soldados, cf. Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], pp. 84-92. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 278-280v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 148-149v Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 292-296. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 712, fols 336-337v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 613, fols 31-41. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 386-387v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 613, fols 193-196.

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católico depois de uma viagem muito atribulada: “se encontrou com quatro naos de mouros de malavares no golfo de Percia as quais o renderão e tomarão a sua nao da qual fugio em o batel”. Conseguiu alcançar Messina “aonde cobrou hua letra que seu pay lhe havia mandado de mil pataquas com as quais se refez de vestidos e cavallo e chegando ao condado da Catalunha huns bandoleiros o roubarão deixando-o sem cabedal nenhum”, face ao exposto entendeu que era castigo por não ser católico e reduziu-se334. Paulo Breidon, alemão, reduziu-se, em 1677, depois de ter passado uma situação de perigo no mar durante a qual fez voto de se tornar católico335. O francês Eli Bermon, numa viagem entre as Canárias e França sobreviveu a um naufrágio. 15 dias depois de chegar a Faro estava a reduzir-se em Évora, no ano de 1686336. Nesse mesmo ano, mas em Coimbra, foi a fez do suíço Samuel de Carrei e Salles tomar a mesma atitude, igualmente após um naufrágio provocado por uma enorme tempestade, nas costas das Astúrias337. O luterano Nicolau Tanzano, norueguês, piloto de uma nau, viu-se perseguido por três naus de mouros. Então “fez voto se Deos ho livrasse delles de se fazer catholico romano”. Três anos depois destes acontecimentos, isto é, em 1698, cumpriu a promessa338. Em 1700, foi a vez Jácomo Manuel se reduzir, depois de ter sobrevivido a uma tempestade. Também vez voto de se converter e cumprio-o339. Bem diferente foi o caso do negociante francês Jacques Godofroi que declarou, em 1686, ter-se reduzido devido a uma notificação feita pelo embaixador de França, a mando de Luís XIV340. Desconhecem-se os interesses ocultos da monarquia francesa neste caso.

Há ainda lugar para os que, ao reduzirem-se, apontaram mais do que um motivo para os seus actos. Neste grupo contam-se 25 pessoas. Três motivos foram alegados por 13 pessoas, quatro apenas por duas, enquanto as restantes explicitaram apenas dois. Expressando quatro motivos apareceu-nos Daniel Flexeman, inglês, tornado católico em 1660, o qual justificou a sua opção “pella comunicação que nelle [Portugal] teve com os catholicos e conformi334 335 336 337 338 339 340

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 107-112v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 713, fols 149-150. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 445-451. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 296-301. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 55-59. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 716, fols 209-211. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 110-112.

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dade que tem na religião catholica romana e a variedade e confusão de seitas em Inglaterra junto com a variedade que os prezos que estão na prizão do Lemoeiro onde elle actualmente tambem esta preso lhe fazem obrigados de ver sua pobreza e não ter com que se sustentar”341. Por seu lado, o alemão Henrique Voltres, reduzido em 1672, explicitou que: a) “considerando que seus avos todos forão catholicos romanos e que estes (ainda na openião dos lutheranos) se salvarão”, b) “via no norte a diversidade que se seguia de seitas e veyo a entender por esta resão que não devião ellas ter muito fundamento”, c) leitura de livros e d) fascínio pelo culto divino, a melhor atitude a tomar seria tornar-se católico342. Três razões foram aduzidas por Leonel Anderson, inglês, reduzido em 1655, o qual esclareceu que “comesou a estudar latim e leu alguns livros catholicos modernos e vendo a variedade das ceytas que havia em Inglaterra e que a fee catholica era huma so comesou a duvidar de serem boas as ditas ceytas”343. O dinamarquês João Nordefelus, reduzido em 1664, recordou as igrejas católicas, as conversas com católicos doutos e o aparato das cerimónias religiosas344. Francisco Rendufe, inglês, em 1668, referiu a veneração com que se tratava o divino, o fascínio pelas pregações e ainda “por ler na scriptura sagrada as palavras que Deos dissera a São Pedro que erão Pasce oues meas (sic) e outras que mostravão ser o summo Pontifice seu verdadeiro sucessor”345. Em 1674, a inglesa Ana Futural declarou que se reduzira por inspiração do Espírito Santo e “por ver fazer alguns catholicos romanos penitencias exteriores e lhe parecer a sua vida mais conforme à dos apóstolos pelo que tinha lido na scriptura de que tem lição”346. O alemão João Martins, em 1682, salientou que a sua mudança de credo se ficara a dever ao facto de “cotejar os ritos catholicos com os luteranos e ler huns e outros livros e achar que Lutero foy hum e que muitos dizião o contrario”347. Outros foram mais sintéticos e referiram a observação do culto católico, a inspiração divina e as advertências dos já convertidos, caso do inglês Samuel Joel, reduzido em 1664348; as idas às igrejas para 341 342 343 344 345 346 347 348

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 90-91v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 409-410. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 157-162 Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 214-216. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 32-33v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 712, fols 132-133v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 288-289. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 124-127v.

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ouvir pregar, a iluminação divina e a influência de um religioso francês, tal foi o depoimento do francês Miguel do Prado, em 1668349; a leitura de livros, a observação do culto e a frequência das igrejas, como se pode ler no depoimento do inglês Duarte Murcote, prestado em 1676350; a leitura de livros, as conversas com católicos e a inspiração pelo espírito santo, como entendeu o inglês Francisco Piquer que se reduziu em 1679351; a observação das igrejas dos católicos, as pregações e o facto do catolicismo ser mais antigo do que o protestantismo, motivaram o inglês Ricardo Pardo, que concretizou a redução em 1682352; a existência de 37 seitas protestantes, o contacto com ingleses católicos e a leitura de livros católicos, constam do depoimento do inglês Jorge Bech, prestado em 1684353; a influência do Santíssimo Sacramento, o concurso do culto divino e a veneração às igrejas levaram o dinamarquês Mateus João, a reduzir-se em 1684354 e, finalmente, a frequência das igrejas, a observação das cerimónias e a leitura de livros, foram adiantados pelo inglês Thomas Eden, em 1695355. Dois motivos diferentes foram aduzidos por muitos outros: contacto com portugueses católicos e leitura de livros católicos, foram apresentados como causas para a redução do holandês Jodias Dunquer, que viveu em Pernambuco (Brasil) e se reduziu em Lisboa, em 1653356. O inglês João Mosle, que se tornou católico em 1661, declarou que vivendo em Cambridge com alguns católicos “se afeiçoou e inclinou a sua ley e fe catholica movido interiormente por mercê de Deos nosso Senhor de ver a grande variedade e inquietação que havia entre os outros hereges de varias ceitas com o que tambem lhe veio a parecer que elles hião errados”357. O escocês Guilherme Michel, reduzido em 1662, salientou a comunicação com católicos e a variedade de seitas hereges358. O inglês Pedro Frota, em depoimento prestado em 1667, recordou que “com occazião de hua doença que nella teve e tambem de considerar a variedade das seitas que ha entre os seus naturais de Inglaterra e conformida-

349 350 351 352 353 354 355 356 357 358

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 271-275. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 126-132. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Évora, liv. 562, fols 410-414. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 290-291. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 249-255. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 3-4. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 715, fols 285-287. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 3-5. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 123-125v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 171-173.

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de de nossa sancta fe”, decidira reduzir-se359. O alemão Jácome Sebastião, reduzido no mesmo ano, referiu os contactos com os católicos e a leitura de livros em latim360. Um seu conterrâneo, que abraçou o catolicismo em 1671, afirmou que “considerando no que via obrar aos catolicos”, viu que estava errado. Uma doença grave conduziu-o à redução361. Três anos depois foi a vez do inglês Guilherme de Mas se reduzir, recordando que o fizera devido aos contactos com os Portugueses e à observação do culto divino362. Em 1676, o holandês Pedro Nicolau lembrou as motivações, embora as mesmas sejam pouco consistentes: inspiração do Espírito Santo e por lhe parecer melhor a fé católica363. O mesmo não se pode afirmar acerca do inglês Samuel Palmer, reduzido também em 1676, que alegou a leitura de livros católicos e as conversas com católicos364. Motivos afins, isto é, a leitura de livros e a audição de sermões, na Flandres, fizeram com que o alemão Joaquim Coster se reduzisse em 1689365.

O ritmo das reduções é bastante desigual. Como vimos inicialmente, se bem que o nosso estudo abranja os anos de 1641 a 1700, só o Tribunal do Santo Ofício de Lisboa, guardou documentação para os anos quarenta. Os primeiros processos de redução conhecidos para Coimbra datam de 1656 e para Évora ainda são mais tardios, isto é, 1662, não obstante a existência de um único documento de 1641. Como se viu, nestes dois tribunais, os dados que chegaram até nós não foram sistemáticos. Independentemente de se terem eventualmente perdido processos de reduzidos, o que é válido para qualquer data e para qualquer tribunal, torna-se evidente que a década de sessenta foi particularmente rica em reduções, especialmente de soldados, um contingente muito significativo. Esses processos, muitíssimo numerosos no tribunal de Évora, revelaram que se realizaram reduções em massa, não só devido ao seu número mas também pelo pouco cuidado com que se registaram as características daqueles homens. Ou seja, a maior parte dos documentos sem informações pormenorizadas foi produzida neste contexto. As restantes variações não têm uma leitura óbvia, os contactos entre estrangeiros recém-chegados e

359 360 361 362 363 364 365

Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 376-378. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fols 402-406. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 177-182. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 113-118. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 713, fols 7-8v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, liv. 744, fols 134-137. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 321-331.

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estrangeiros já reduzidos, o dinamismo de alguns homens do clero, a influência de certas comunidades de acolhimento podem explicar as variações registadas. Gráfico 7 – Processos de Redução por Anos 90

Número de Processos de Redução

80 70 60 50 40 30 20 10

16 41 16 44 16 47 16 50 16 53 16 56 16 59 16 62 16 65 16 68 16 71 16 74 16 77 16 80 16 83 16 86 16 89 16 92 16 95 16 98

0

Anos

O papel do clero estrangeiro nas reduções é extremamente activo. Bem mais próximos dos naturais dos diversos Reinos europeus do que os Portugueses, devido ao facto de dominarem as mesmas línguas, os sacerdotes estrangeiros, especialmente Alemães, Ingleses, Irlandeses e Franceses, foram os que mais indivíduos acompanharam ao Santo Ofício para se iniciarem os processos de redução366. Mesmo assim, pontualmente, houve dificuldades. Por exemplo, na redução de Baltazar Vogtel, o intérprete Adrião Debrun, alfaiate e soldado, declarou: “posto que não entendeo bem a lingoa do supplicante Baltazar Voghel porque eu estive morador na Framdes e o supplicante fala alemão alto que he muito differente. Contudo do que pude entender achei nelle muito arrependimento dos erros passados e muito fervor com que abraça a nossa sancta fe catholica”367. Esta situação recorda-nos que, em alguns casos, nomeadamente em 22, houve intérpretes leigos. Apesar das lacunas de diversos processos, mormente os de Évora, podemos verificar que, entre os elementos do clero que estiveram ligados a estes procedimentos, contaram-se nomes famosos como frei Domingos do Rosário, o padre Bartolomeu do Quental e D. Rafael Bluteau responsáveis por 23, duas e uma reduções, respectivamente, entre 1641 e 1700. 366

367

Sobre esta realidade, cf. Maria Isabel Rodrigues Ferreira, Geraldo J. A. Coelho Dias, “Baptismo de Protestantes […]”, p. 211; Geraldo J. Amadeu Coelho Dias, Maria Isabel Rodrigues Ferreira, “Ingleses no Porto Setecentista […]”, pp. 260-261. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 709, fols 183-189.

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Frei Domingos do Rosário ou Daniel O’Deil (1595-1662), dominicano, nasceu no condado de Kerry, na Irlanda. Depois de ter professado e vivido alguns anos em Castela, dirigiu-se a Portugal onde, em 1634, fundou e foi reitor do colégio dominicano do Corpo Santo, em Lisboa. Serviu a monarquia de Filipe IV, nomeadamente a vice-rei duquesa de Mântua. Este facto em nada o impediu de manter excelentes relações com a dinastia de Bragança. Foi inclusivamente confessor da rainha D. Luísa de Gusmão. Frei Domingos do Rosário, durante o reinado de D. João IV, foi enviado a França, mas as suas missões não tiveram sucesso. Antes, já tinha ido a Inglaterra e à Irlanda ao serviço de Portugal, no último caso sob pretexto de alistar soldados para a guerra. Chegou a ser nomeado bispo de Coimbra, mas faleceu pouco depois368. Bartolomeu do Quental (1627-1698), presbítero secular e fundador da congregação do Oratório de São Filipe de Néri em Portugal (1668), nasceu em São Miguel (Açores) e fez a sua formação em Évora e em Coimbra. Em 1654, foi nomeado por D. João IV capelão, confessor e pregador da casa real. Recusou a nomeação para confessor de D. Pedro II e a indicação para bispo de Lamego, aceitando ser deputado da Junta das Missões. A sua actividade de missionário, desenvolvida entre 1658 e 1667, embora com intermitências, teve como palco a arquidiocese de Lisboa. Destacou-se como pregador, como autor de sermões e livros de meditação. Em 1744, foi-lhe concedido o título de venerável, mas nunca chegou a beato nem a santo, apesar de algumas insistências durante o século XIX, mesmo após a extinção da congregação369. D. Rafael Bluteau (1638-1734), clérigo teatino, religioso da divina providência ou caetano, nasceu em Inglaterra apesar de ser oriundo de uma família francesa. Viveu em Portugal 56 anos, a maioria dos quais nas Cortes de D. Pedro II e de D. João V. Ficou conhecido, sobretudo, 368

369

Edgar Prestage, Frei Domingos do Rosário. Diplomata e Político (1595-1662), Coimbra, Imprensa da Universidade, 1926. António Coimbra Martins, “Quental, Bartolomeu do (1626-1698)”, Dicionário de História de Portugal, 2.ª edição, vol. 5, Porto, Figueirinhas, 1981, pp. 218-220. Sobre a acção de fundador da congregação do Oratório, cf. Eugénio dos Santos, O Oratório no Norte de Portugal. Contribuição para o Estudo da História Religiosa e Social, Porto, Instituto Nacional de Investigação Científica, Centro de História da Universidade do Porto, 1982, pp. 15-36 passim. Sobre a acção de pregador, cf. Maria Lucília Gonçalves Pires, “O Padre Bartolomeu do Quental, Pregador da Capela Real”, Espiritualidade e Corte em Portugal (séculos XVI a XVIII), Porto, Instituto de Cultura Portuguesa, 1993, pp. 155-170. A epistolografia e diversas notas biográficas podem ser vistas in Lettres du Père Bartolomeu do Quental a la Congregation de l’ Oratoire de Braga (29-9-1685 – 22-11-1698), leitura, introdução e notas de Jean Girodon, Paris, Fundação Calouste Gulbenkian, Centro Cultural Português, 1973.

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pela sua actividade de lexicógrafo, devido à importantíssima obra que publicou, o Vocabulario Portuguez e Latino, cujos 10 tomos foram aparecendo entre 1712 e 1728. Contudo, a sua actividade enquanto homem de religião e de letras foi bastante mais diversificada. Recordemos que foi membro de diversas academias, pregador, qualificador do Santo Ofício, esteve sempre ao serviço da causa francesa contra a facção espanhola, o que durante a guerra da Sucessão de Espanha (1702-1713) lhe causou sérios dissabores, e esteve ainda ligado ao movimento de renovação cultural e económica contemporâneo do chamado primeiro surto industrial português370.

Bem mais significativo do que a presença de homens intrinsecamente ligados à cultura e à política portuguesas, é o facto de oito elementos do clero serem responsáveis por 262 reduções, ou seja 26,5%, isto é, mais de um quarto do total das mesmas. Note-se, contudo, que estes números pecam por defeito pois, pelo menos no caso do padre Jorge Gelarte, é possível que tenha levado mais candidatos à redução ao Santo Ofício de Évora, uma vez que muitos documentos arquivados por aquele Tribunal estão incompletos mas têm o mesmo teor e as mesmas datas e os indivíduos eram quase todos soldados moradores nos mesmos locais. Tenha-se presente que em 322 processos de redução desconhecemos o nome do elemento do clero responsável pelo acompanhamento do candidato. Não esqueçamos que, esporadicamente, diversas pessoas apresentaram-se sozinhas ou acompanhadas por leigos. Ao investigarmos quem tinha acompanhado 10 ou mais candidatos ao Tribunal do Santo Ofício deparámo-nos com os seguintes resultados: Quadro 5 – Sacerdotes que mais Candidatos à Redução acompanharam Sacerdote

Nacionalidade

Fr. Patrício de S. Tomás P. João Guilherme P. João Holland Fr. João de Santa Brígida Fr. Domingos do Rosário P. João Engeler

Irlandês Inglês

Fr. Rodolfo de S. Tomás P. Jorge Gelarte

Irlandês Inglês

370

Inglês Irlandês Alemão

Ordem Religiosa

Dominicano

Dominicano Hábito de São Pedro Dominicano Jesuíta

Número de Reduzidos que acompanhou

12 13 13 20 23 47 52 82

Tribunal onde actuou

Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Lisboa Coimbra Lisboa Évora Lisboa

Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, “D. Rafael Bluteau na Corte Portuguesa (1668-1734)”, Cultura, Religião e Quotidiano. Portugal século XVIII, Lisboa, Hugin, 2005, pp. 7-82.

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De notar que, no caso dos padres Jorge Gelarte371 e João Engeler, a actuação de ambos divide-se por dois Tribunais. O primeiro actuou em Évora e em Lisboa e o segundo em Lisboa e Coimbra. Entre os que estiveram mais activos contam-se falantes da língua inglesa, como vimos a comunidade mais representada neste estudo. À parte destes não podemos esquecer também alguns elementos do clero francês, nomeadamente os capuchinhos frei Cirilo, frei Cláudio de Vitré, frei Felisberto de Guerandia, frei Hilário de Saint-Malô, frei João Honorato, frei Paulo de Saint-Malô, de entre outros. Os jesuítas portugueses também estiveram presentes, como por exemplo os padres Baltazar de Campos, Diogo de Areda, Francisco Machado, Luís Tavares, Manuel de Andrade e Miguel Nunes. Ou seja, a par do clero secular, a Ordem de São Domingos372 e a Companhia de Jesus373 tiveram uma presença bastante constante nos processos de redução. Recorde-se que remonta ao século XVI, a ligação concreta e institucional dos Jesuítas às conversões. Desde 1579, quando o cardeal rei D. Henrique fundou o colégio dos Catecúmenos em Lisboa, concretamente, na rua dos Calafates, foram os Jesuítas que ficaram responsáveis pelo mesmo. O colégio foi pensado para ajudar a realizar as conversões dos mouros da Berberia que chegavam a Portugal. Contudo, abriu as portas a outros indivíduos não católicos374. 371

372

373

374

Sobre o padre jesuíta Jorge Gelarte (1631-1721), professor de Matemática no colégio de Lisboa, cf. Francisco Rodrigues, História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal, tomo 3, vol. 1, Porto, Livraria Apostolado da Imprensa, 1944, pp. 194-195. Sobre a Ordem de São Domingos no século XVII, cf. Fr. Lucas de Santa Catarina, Quarta Parte da História de São Domingos, 3.ª edição, vols 5-6, Lisboa, Tipografia do Panorama, 1866. Veja-se também a síntese de Raul de Almeida Rolo, “Dominicanos”, Dicionário de História Religiosa de Portugal, direcção de Carlos Moreira Azevedo, [vol. 2], Lisboa, Círculo de Leitores, Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos de História Religiosa, 2000, pp. 82-88. Sobre os Jesuítas no século XVII, cf. Baltazar Teles, Chronica da Companhia de Iesu da Província de Portugal […], 2 tomos, Lisboa, Paulo Crasbeeck, 1645-1647; Francisco Rodrigues, História da Companhia de Jesus […], tomo 3, vols 1-2. Veja-se também uma síntese de Nuno da Silva Gonçalves, “Jesuítas (Companhia de Jesus)”, Dicionário de História Religiosa de Portugal, direcção de Carlos Moreira Azevedo, [vol. 3], Lisboa, Círculo de Leitores, Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos de História Religiosa, 2001, pp. 21-31. Sobre o Colégio dos Catecúmenos, cf. Baltazar Teles, Chronica da Companhia de Iesu da Província de Portugal […], tomo 2, Lisboa, Paulo Crasbeeck, 1647, pp. 182-183; História dos Mosteiros, Conventos e Casas Religiosas de Lisboa […], tomo 1, pp. 322-324; José Silvestre Ribeiro, Historia dos Estabelecimentos Scientificos Litterarios e Artísticos de Portugal nos successivos Reinados da

102

Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

Baltazar Teles, na crónica seiscentista que escreveu, considerou “he obra desta casa [São Roque], & em especial da sancta industria do Padre Pedro da Fonseca a casa dos Cathecumenos, aonde se recolhem, sustentam, cathechisam, & bautizam os que das seytas dos Turcos, Mouros, & Iudeus, se querem converter a nossa sancta Fé; que foy obra de grande gloria de Deos pelos muytos que naquella casa, com admiráveis successos alcançàram, por meyo dos Padres de Sam Roque, o caminho da salvaçam detestando seus erros & abraçandose com a verdade Catholica”375.

Filipe III aumentou o sustento para os recém convertidos, por alvará de 8 de Junho de 1604376 mas uma carta régia de 28 de Fevereiro de 1605 ditou a extinção da casa alegando ter sido informado “que de se dar a todos estes novos convertidos renda de minha fazenda, alem de ser gasto grande, é causa de não servirem, nem procurarem ganhar sua vida e andarem ociosos, cometendo desordens, como a experiência tem mostrado que os mais deles vivem inquietamente – e que, quando D. António, que foi prior do Crato, veio sobre esta cidade com exército inglês, se passaram quase todos a ele – e que em tempo dos reis passados não houve nunca neste reino casa de catecúmenos e que se introduziu de novo nesta cidade, governando o senhor arquiduque Alberto, hei por meu serviço, por todos os ditos efeitos, que a dita casa se extinga”377. Pouco depois, a 16 de Setembro do mesmo ano, voltou atrás e pediu informações detalhadas

375

376

377

Monarquia, Lisboa, Tipografia da Academia das Ciências de Lisboa, 1873, tomo 1, pp. 100-101, tomo 3, pp. 117-124; Júlio de Castilho, Lisboa Antiga. Primeira Parte O Bairro Alto, Lisboa, Livraria de A. M. Pereira Editor, 1879, p. 246; Luís Pastor de Macedo, Lisboa de Lés a Lés. Subsídio para a História das Vias Públicas da Cidade, vol. 3, Lisboa, Câmara Municipal, 1942, pp. 85-88; Herculano Cachinho,”Colégio dos Catecúmenos”, Dicionário da História de Lisboa, direcção de de Francisco Santana e Eduardo Sucena, Lisboa, Carlos Quintas & Associados, 1994, p. 290. Mais recentemente, surgiu o artigo de José Alberto Rodrigues da Silva Tavim, “Educating the Infidels within: some Remarks on the College of the Cathecumens of Lisbon (XVI-XVII centuries)”, Annali della Scuola Normale Superiore di Pisa. Classe di Lettere e Filosofia, série 5, n.º 1-2, Pisa, 2009, pp. 445-472. Baltazar Teles, Chronica da Companhia de Iesu da Província de Portugal […], tomo 2, pp. 182-183. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza, compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva, [anos de 1603-1612], Lisboa, Imprensa de J. J. A. Silva, 1854, p. 83. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza, [anos de 1603-1612], p. 107.

Entre duas Maneiras de Adorar a Deus

103

sobre a despesa anual do colégio378. A 4 de Março de 1608, uma carta régia dava conta de que a falta de um regimento implicava que o colégio sofresse “detrimento”379. Finalmente, o regimento da Casa dos Catecúmenos ficou estabelecido a 10 de Agosto de 1608. Nele se explicitaram os direitos e deveres do superintendente, do reitor, do mestre dos catecúmenos, do escrivão, do pensionista, do porteiro, do médico, do barbeiro e dos oficiais da casa em geral, bem como dos catecúmenos. Ou seja, ficaram delineadas as regras e estabelecido o conjunto das pessoas que deveriam servir no estabelecimento380. Vale a pena chamar a atenção para alguns aspectos deste regimento. No capítulo relativo ao superintendente fez-se saber que aquele procuraria que os oficiais tratassem bem os catecúmenos, caso contrário deveria castigá-los. O reitor, um cristão velho, deveria ensinar a doutrina aos catecúmenos e levá-los ou mandá-los levar aos sermões da igreja de São Roque, a mais próxima da casa. Deveria ainda providenciar que os catecúmenos enquanto estivessem em casa, três a quatro meses após o baptismo, conseguissem obter trabalho ou aprender ofício. O mestre deveria ser um jesuíta, ao qual caberia a tarefa de catequizar e ajudar o reitor nas suas funções. O porcionista teria de administrar os quatro vintens relativos a cada um dos catecúmenos, nomeadamente para o vestuário, calçado, limpeza da casa, utensílios (pratos, objectos de cozinha e lenha) e alimentação (na qual entrava azeite, vinagre, uma arrátel e uma quarta de carne ou de peixe, um vintém de pão, fruta e um quartilho de vinho ao jantar e outro à ceia, no caso dos homens). Os oficiais foram advertidos que não poderiam insultar os catecúmenos, nomeadamente chamando-lhes “mouros, nem perros, nem outros nomes injuriosos, nem deles se servirem”. Por fim, os catecúmenos deveriam envergar umas vestes brancas de pano da Índia quando fossem baptizados, poderiam ficar na casa três a quatro meses após terem recebido o sacramento para serem bem instruídos e obterem trabalho e, após terem deixado o colégio, deveriam assistir à doutrina ministrada pelos jesuítas de São Roque, durante um ano381. Curiosamente, os reduzidos seiscentistas que estudámos nunca referiram este colégio, ao contrário do que aconteceu com os seus congéneres do século XVIII.

378 379 380

381

Collecção Chronologica da Legislação Portugueza, [anos de 1603-1612], p. 141. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza, [anos de 1603-1612], p. 217. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza, [anos de 1603-1612], pp. 225-228. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza, [anos de 1603-1612], pp. 225-228.

Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

104

Na esmagadora maioria dos casos, os estrangeiros dirigiam-se às sedes dos tribunais do Santo Ofício para se reduzirem. Contudo, houve excepções. Nos arquipélagos da Madeira e dos Açores, na cidade do Porto e em diversas localidades sob jurisdição de qualquer um dos tribunais houve pessoas que se conseguiram reduzir sem fazerem uma viagem ao continente ou, dentro do Reino, a uma cidade relativamente distante do seu local de residência. Nestas circunstâncias a redução era feita por delegação, em algum convento ou no paço episcopal, em casa de funcionários do Santo Oficio e, mais raramente, nas casas das próprias pessoas ou a bordo de embarcações. Nestes casos, por vezes, os processos de redução apresentam-se bastante incompletos. Recorde-se, a propósito, que os poderes para efectuar a redução terminavam com a conclusão do acto, renovando-se sempre que necessário. Assim se compreende que, em 1635, os Jesuítas das ilhas da Madeira, de São Miguel e da Terceira tenham solicitado licença para reduzirem estrangeiros, pois havia muitos naquelas regiões insulares, e entre os Jesuítas havia também diversos estrangeiros que serviam de intérpretes382. Quadro 6 – Reduções fora das Sedes dos Tribunais do Santo Ofício Data

Nome

1645 Richart Gerves 1650 Duarte Toplas 1653 Catarina Capela 1655 Estêvão da Costa

Local

1657 Henrique Philipe

Inglaterra Inglaterra Holanda França Alemanha

Pollens 1658 Agda de Borem

Holanda

382

383

384

385 386

Estatuto

Mercador

Redução

Fonte*

Madeira Lisboa Setúbal Lisboa Setúbal

Residência

Madeira ***383 No hospital384 Setúbal *** No hospital385 Setúbal***

L 708, 103

Penamacor

Penamacor386

L 709, 317

L 708, 246 L 712, 121 L 709, 108 L 709, 210

Maria do Carmo Jasmins Dias Farinha, “A Madeira nos Arquivos da Inquisição”, Colóquio Internacional de História da Madeira. Actas, vol. 1, Funchal, Governo Regional da Madeira, Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Emigração, Direcção Regional dos Assuntos Culturais, 1989, p. 695. Segundo o padre jesuíta António de Barros, reitor do colégio da Companhia de Jesus, a redução foi feita na ilha “querendo-lhe facilitar os meios de sua salvação e escuzar os trabalhos e despesas que faria se houvesse de vir ante nos e o risco que sua pessoa corria na passagem do mar”. Segundo o padre João Parry, do colégio dos Ingleses, Duarte Toplas foi reduzido no hospital, pois “os dias passados viera a esta meza dar conta como nesta cidade no hospital de todos os santos estava gravemente enfermo havia alguns dias este moço que agora aqui se apresenta e que indo elle a ve-lo e achando-o desta sorte lhe perguntara se queria reduzir-se a nossa sancta fe e respondendo-lhe o ditto ingles que isso he o que desejava e por cauza de seu achaque não tinha procurado reduzir-se”. A redução foi feita pelo capuchinho francês, frei Felisberto. Foi reduzida pelo capucho da piedade, frei António de Esposende.

Entre duas Maneiras de Adorar a Deus Data

Nome

Local

Estatuto

Residência

Redução

Fonte*

Prisão do Limoeiro Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Santarém387 Santarém388 Vila Viçosa Portalegre**** Portalegre**** Vila Viçosa Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre****

L 710, 86

E 562, 164 E 562, 174 E 562, 146 E 562, 164

Portalegre Portalegre

Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre **** Portalegre**** Portalegre****

Soldado Soldado Soldado

Portalegre Portalegre Vila Viçosa

Portalegre**** E 562, 162 Portalegre**** E 562, 140 E 562, 214 Vila Viçosa

Soldado Soldado

Portalegre Avis Portalegre Vila Viçosa Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Vila Viçosa Portalegre

Portalegre**** Avis389 Portalegre**** Vila Viçosa Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Vila Viçosa Portalegre****

1660 Jorge Pedro

Inglaterra

Marinheiro

Lisboa

1665 1665 1665 1665

Inglaterra Inglaterra Alemanha França França Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra

Soldado Soldado Soldado

Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Alferes

Portalegre Portalegre Portalegre Santarém Santarém Vila Viçosa Portalegre Portalegre Vila Viçosa Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre

Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra

Soldado Soldado Soldado Soldado

Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre

Inglaterra Inglaterra

Soldado Soldado

Inglaterra Escócia Inglaterra Inglaterra França Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Suiça

1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665

387

388

389

António Grim Carlos Scott Cristóvão Hambli Daniel Crauman Daniel Crauman Daniel Flevel Diogo Madox Diogo Pharp Duarte Baptista Duarte Chester Edmundo Joner Geles Prat Gernes Genin Guilherme Abad Guilherme Archson Guilherme Bean Guilherme Claq Guilherme Gouet Guilherme Honbles Guilherme Laes Guilherme Larquins Guilherme Pincher Guilherme Utrit Henrique Chamberlim Henrique Toribay Jacques Vidu Joana Uldon João Alexandre João Anter João Belle João David João Harinton João Heller João Jeobe

105

Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado

E 562, 138 E 562, 168 E 562, 192 L 710, 283 L 711, 283 E 562, 214 E 562, 180 E 562, 160 E 562, 214 E 562, 154 E 562, 154 E 562, 172 E 562, 182 E 562, 162 E 562, 136

E 562, 172 E 562, 142

E 562, 158 E 562, 204 E 562, 152 E 562, 216 E 562, 166 E 562, 144 E 562, 178 E 562, 184 E 562, 216 E 562, 138

Na sua própria casa porque estava doente e em perigo de vida. Foi reduzido pelo padre jesuíta Manuel Fernandes. Na sua própria casa porque estava doente e em perigo de vida. A redução esteve a cargo do padre jesuíta Manuel Fernandes. No Convento de São Bento.

Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

106 Data 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1665 1666 1666 1666 1666 1666 1666 1666 1666 1666 1666 1666 1666 1667 1667

390 391

Nome

João Olecon João Pomrroy João Sbillson João Sercid João Stemp John Robbrill Jorge Vurel José Breson José Vacostel Miguel Moura Ricardo Aor Ricardo Debe Ricardo Guiot Robert Cardim Roberto Duning Roberto Inglês Roberto Rezon Rogério Linga Roperto Red Simão Ridel Simon Bdaumont Thomas Arbor Thomas Bichon Thomas Devinton Thomas Jorque Thomas Pedros Thomas Persons Thomas Vihechison André Persan Benjamim Rossó Diego Daniel Gilberto Herli Henrique Morle João Colli João de Deus João Forman Jonatley Boter Thomas Furti Thomas Rey Thomas Right George Ogill Girardo Cox

Local

Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Escócia Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Escócia Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Alemanha

Estatuto

Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado Soldado

Na sua própria casa porque estava enfermo. No Convento de Nossa Senhora da Serra.

Redução

Fonte*

Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Vila Viçosa Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Vila Viçosa Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre Portalegre

Residência

Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Vila Viçosa Portalegre**** Portalegre**** Portalegre390 Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Vila Viçosa Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre**** Portalegre****

E 562, 144 E 562, 144 E 562, 178 E 562, 196 E 562, 156 E 562, 188 E 562, 150 E 562, 186 E 562, 186

Vila Viçosa Alcáçovas Portalegre Vila Viçosa Vila Viçosa Vila Viçosa Vila Viçosa Portalegre Vila Viçosa Vila Viçosa Vila Viçosa Vila Viçosa Elvas Serpa

Vila Viçosa Alcáçovas391 Portalegre**** Vila Viçosa Vila Viçosa Vila Viçosa Vila Viçosa Portalegre**** Vila Viçosa Vila Viçosa Vila Viçosa Vila Viçosa Elvas Serpa

E 562, 218 E 562, 238 E 562, 234 E 562, 224 E 562, 218 E 562, 236 E 562, 236 E 562, 148 E 562, 226 E 562, 236 E 562, 218 E 562, 224 E 562, 243 E 562, 247

E 562, 156 E 562, 142 E 562, 158 E 562, 165 E 562, 166 E 562, 176 E 562, 166 E 562, 144 E 562, 138 E 562, 160 E 562, 144 E 562, 178 E 562, 214 E 562, 142 E 562, 174 E 562, 148 E 562, 146 E 562, 170 E 562, 150

Entre duas Maneiras de Adorar a Deus Data

Nome

1667 1667 1668 1668 1668

Jacques Badet Thomas Anderson Guilherme Roagg Isabel Siman João António Darex Manuel Saura Maria Palma Ricardo Bragg Bento Moller

1668 1668 1668 1669

Local

Estatuto

França Flandres Inglaterra Inglaterra França

Soldado Soldado Soldado

Irlanda Inglaterra Inglaterra Alemanha

Soldado

Soldado

Soldado

1669 Guilherme Craquer Inglaterra 1669 Isabel Molato 1669 Isabel Vehir 1669 João Camberland

Inglaterra Inglaterra Inglaterra

1669 1669 1669 1670

Escócia Inglaterra Escócia Holanda

João Libra Mateus Ferreira Roberto Roam Gabriel Touriz

1670 João Lis 1671 Ambrósio Fixa 1671 Clemente Gosnila 1671 Diogo Storne 1671 Duarte Deidique

Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra

1671 Henrique Juequen

Alemanha

1671 João Nathuay 1673 Richardt

Inglaterra Inglaterra

Residência

E 562, 249 E 562, 241 E 562, 279 E 562, 277 E 562, 270

Estremoz Viana Vila Viçosa Vila Nova de Portimão Faro

Estremoz Viana392 Vila Viçosa Vila Nova de Portimão393 Prisão de Sagres Faial *** Porto394 Ponta Delgada395 Vila Viçosa Faial *** Faial *** Prisão do Tronco Vila Viçosa396 Horta *** Funchal Angra Prisão do Tronco Beja397

E 562, 263 C 744, 64

Horta *** Ponta Delgada

L 711, 379 L 712, 96

Prisão do Tronco Porto **

L 712, 234

Marinheiro

Vila Viçosa Horta Funchal Angra Lisboa Beja

1674 Rogel Bentim

Inglaterra

Piloto

Horta Ponta Delgada Lisboa

1676 Duarte Murcote

Inglaterra

Mercador e

Porto

392 393 394

395 396

397

Fonte*

Vimieiro Serpa Alcáçovas Elvas Sousel

Soldado Mercador Mercador Mareante

Hachenson

Redução

Vimieiro Serpa Alcáçovas Elvas Sousel

Faial Porto Ponta Delgada Vila Viçosa Faial Faial Lisboa

Criado de Mercador

107

E 562, 284 E 562, 293 E 562, 296 L 711, 86 C 744, 72 L 711, 104 E 562, 288 L 711, 86 L 711, 86 L 711, 110 E 562, 309 L 711, 375 L 711, 398 L 711, 403 L 711, 163 E 562, 329

C 744, 126

Em casa do comissário do Santo Ofício. “porque se acha tam pobre que não tem com que fazer jornada”. Não se deslocou a Coimbra porque estava doente de “huas suffocações uterinas que tem”. No Convento de São Francisco de Ponta Delgada. No hospital, porque corria risco de vida. A redução ficou a cargo do padre jesuíta Paulo Mendes. No Convento de Santo António.

Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

108 Data

Nome

Local

Estatuto

1676 João Lourenço

Inglaterra

Cônsul Carpinteiro

1678 Filipe Cararte

Inglaterra

Marinheiro

1678 1678 1678 1679

Fradique Requel Henrique Vitingan Thomas Roo Francisco Piquerim 1680 João Rottesley

Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra Inglaterra

1681 1681 1681 1681 1681 1682

Alemanha Holanda Inglaterra Alemanha Alemanha Alemanha Alemanha Inglaterra Alemanha Alemanha França Dinamarca Alemanha Inglaterra Suécia França

1682 1682 1685 1685 1686 1686 1686 1686 1686 1686

Diogo Sumithis Jerónimo Soliens Maria Riser Maria Sumir Rodrigo Prope Ângela Sumithis João Martins Ricardo Pardo Geraldo Vensevull Henrique Martins Abraão Laborde Alberto Timerman Ana Franciana Armando Pilitron Cornélio Bernardes David Godofroi

1686 Francisco Eyton 1686 Isabel Torem 1686 Jacques Godofroi

Inglaterra Inglaterra França

1686 João Llindes

Inglaterra

Mercador Mercador Contratador Homem de Negócios Batefolha Caixeiro

Caixeiro

Sem Ofício Mercador Cirurgião Caixeiro

Marinheiro Homem de Negócios Marinheiro Homem de Negócios Marinheiro

Residência

Redução

Fonte* L 712, 336

Lagos Porto Porto Coimbra Porto

Prisão do Tronco Prisão do Tronco Faro Porto ** Porto ** Évora398 Porto **

Porto Porto Porto Porto Porto Porto Porto Porto Porto Porto Setúbal Funchal Setúbal Funchal Porto Lisboa

Porto ** Porto ** Porto ** Porto ** Porto ** Porto399 Porto ** Porto ** Porto ** Porto ** Setúbal Funchal*** Setúbal400 Funchal*** Porto ** Lisboa401

C 744, 214 C 744, 178 C 744, 193 C 744, 286 C 744, 183 C 744, 210

Funchal Angra Lisboa

Funchal*** Angra Lisboa402

L 714, 154 L 714, 183 L 714, 110

Porto

Porto **

C 613, 13

Lisboa Lisboa

L 713, 181 E 562, 401 C 744, 168 C 744, 161 E562, 410 C 744, 187

C 744, 288 C 744, 290 C 744, 272 C 744, 265 L 714, 75 L714, 157 L 714, 72 L 714, 160 C 613, 7 L 714, 104

398

O reduzido afirmou morar em Coimbra e reduzir-se em Évora, por “lá estar”.

399

Em casa do padre secular alemão João Engeler, na rua do Vale das Pegas.

400

Na sua própria casa. A redução foi feita pelo comissário do Santo Ofício.

401

Na sua própria casa. A redução foi feita pelo deputado do Santo Ofício, frei Vicente se São Tomás. O candidato à redução afirmou que só ainda não se reduzira por “pejo natural de não ir a Inquisição”.

402

Na sua própria casa. A redução foi feita pelo prior de São Domingos, frei Vicente de São Tomás.

Entre duas Maneiras de Adorar a Deus Data

Nome

Local

Estatuto

Residência

109 Redução

Fonte*

Angra Lisboa

Angra403 Lisboa404

Porto Horta Idanha-a-Nova Porto

C 613, 18 Porto ** L 714, 299 Horta405 Castelo Branco L 714, 275

1689 Bernardo

Irlanda Dinamarca Condestável de uma Nau França Inglaterra Mercador França Tocador de Trombete França Tendeiro

do Vale 1689 Nicolau Martins

Alemanha

Lisboa

1690 André Martin 1690 Eholmelei 1690 Guilherme Carmel

Suécia Inglaterra Inglaterra

1690 Jacob Inillgrove

Inglaterra

1690 Pedro Noble 1692 Cristina de São

Inglaterra Dinamarca

1686 Maria Benfield 1687 André Lourenço 1687 João Brussel 1688 João Deves 1688 Pedro Nonuco

Homem de Negócios

Criado do Capitão Mareante

Francisco 1693 Jácome Henrique 1694 Esmondo Francês

Holanda Irlanda

1695 David Evanel 1695 Maria de São

Inglaterra Grécia

Pedro 1695 Pedro Leonardo

Flandres

1696 Rogério Bond

Inglaterra

1697 Froes

Alemanha

1697 Isabel Bond 1697 Thomas Rodlen 1698 Pedro Steim

Inglaterra Escócia Alemanha

403 404 405 406

407 408 409

Mercador e Cônsul Cônsul

L 714, 125 L 714, 230

Porto**

C 613, 49

Prisão do Limoeiro Setúbal Porto ** Porto **

L 714, 319

Porto **

C 613, 67

Porto ** Ponta Delgada*** Beja406 Ponta Delgada*** Horta407 Porto **

C 613, 83 L 715, 115

Ponta Delgada*** Prisão do Tronco Ponte Ponte de de Lima Lima408 Lisboa Lisboa409 Porto Porto ** Vila Nova de Faro Portimão

L 715, 329

Setúbal Porto Porto Figueira da Foz Porto Ponta Delgada Beja Ponta Delgada Horta Matosinhos

Aprendiz de Ponta Pintor Delgada Marinheiro Lisboa

L 715, 34 C 613, 59 C 613, 57

E 562, 502 L715, 254 L 715, 337 C 613, 172

L 715, 348 C 613, 181 L 715, 378 C 613, 193 E 562, 520

Em casa do cónego Manuel Ferreira de Melo. A bordo da nau. Na sua própria casa porque estava acamado e doente. No hospital porque corria risco de vida. A redução ficou a cargo do padre secular Luís de Góis. Na sua própria casa porque estava gravemente enfermo. No Convento de Santo António. Na sua própria casa porque estava “doente de cama e com perigo de vida”.

Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

110 Data

Nome

1698 Salomão Rosquim 1698 Tomás Gates 1700 Abraão Rush 1700 João Gipston

Local

França Inglaterra Irlanda Inglaterra

Estatuto

Piloto Marinheiro

Residência

Bragança Porto Porto Porto

Redução

Bragança Porto ** Porto410 Porto411

Fonte* C 613, 206 C 613, 201 C 614, 1 C 614, 17

*As letras C, E e L referem-se, respectivamente, a Inquisição de Coimbra, Évora e Lisboa. O primeiro número respeita ao do livro e o segundo ao do primeiro fólio do processo de redução. ** No Paço Episcopal. *** No Colégio da Companhia de Jesus. **** Em casa do comissário do Santo Ofício

Note-se também que, em alguns casos, determinadas pessoas residiam na sede de um dos tribunais mas as reduções ocorreram nas suas próprias casas, por estarem doentes e em perigo de vida ou até por estarem presas, o que, naturalmente, as impedia de se deslocarem à Mesa412. Caso único parece ter sido o de quem alegou não poder deslocar-se de Vila Nova de Portimão a Évora por não ter meios monetários para empreender a jornada. A presença de elementos do clero junto de enfermos e presos evidencia, mais uma vez, a vitalidade e o interesse demonstrados pelos elementos do clero face aos estrangeiros praticantes de outras religiões que não o catolicismo. A prisão levou diversos indivíduos, assistidos por membros do clero, a reflectirem e a reduzirem-se. Alguns fizeram mesmo a redução nos calabouços, como se vê pelo quadro. Destaque-se o caso do holandês Gabriel Touriz, em 1670, que acrescentou “sem que o mova a isso a esperança de por este meyo alcançar liberdade”. Recorde-se que estava detido por “se haver levantado com o navio”413. Dois anos depois, foi a vez do dinamarquês Cristiano Lourenço afirmar que, na prisão, o padre jesuíta Miguel Leite o convencera. Neste caso, a redução foi feita a bordo de um navio ao largo de Lisboa414. Em 1689, o alemão Nicolau Martins, preso no Limoeiro, explicou que se queria reduzir “vendosse angustiado com os trabalhos que o perseguião”415. 410 411 412

413 414 415

No Convento de São Domingos. Na sacristia da sé. Sobre a redução de presos e doentes, cf. Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], pp. 44-54 e 70-84. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 119-120v. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 711, fols 460-462. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 714, fols 319-321.

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O mesmo se pode afirmar em relação às reduções de soldados, em especial Ingleses vindos após o tratado de 1661, que assistiam em diversas localidades alentejanas, tais como por exemplo Portalegre e Vila Viçosa, visitadas com proveito pelo padre jesuíta Jorge Gelarte. Em resumo, a redução fora das sedes dos tribunais abrangeu 164 pessoas, as quais representam 16,6% do total.

BALANÇO FINAL _____________________

Parece ser tempo de responder a algumas das interrogações que levantámos inicialmente. Nomeadamente qual o balanço da opção tomada pelos estrangeiros, especialmente protestantes, que se reduziram. Isto é, analisados os números, as situações e as motivações, mesmo tendo em conta que alguns fizeram uso de um discurso algo estereotipado, comprometido1 e já bastante marcado pelo contacto com o clero católico, falta-nos explicar qual o significado real do acto de redução para tantos estrangeiros. Entendemos que, em primeiro lugar, a redução não teve o mesmo significado para todos. Seguramente, alguém que se dirigiu a Portugal para viver catolicamente, a acreditarmos nos depoimentos prestados, não poderá ser comparado àquele que chegou um tanto por acaso e acabou por ficar e por abraçar o catolicismo. Entre estes dois extremos há lugar para muitos matizes. Cremos que, para a maioria das pessoas, a redução deve ser entendida como uma estratégia pessoal de integração na sociedade portuguesa. O desconhecimento da vida dos reduzidos após a sua passagem a católicos impede-nos uma abordagem mais profunda. Contudo, parece claro que, mesmo para os que não pretendiam passar o resto das suas vidas em terri1

Nem sempre é fácil nem possível desmontar o discurso dos candidatos à redução. Um exemplo, de 1735, não deixa de ser esclarecedor. O irlandês João Ford, reduzido em 1731 e processado em 1735, teve duas versões bastante diferentes acerca dos motivos pelos quais se tinha reduzido. Na primeira data referiu que tinha tido “hum sonho em que se lhe representou hum paíz estranho em que ouvia hua inexplicável armonia de sinos e musicas o que lhe ficou tão impresso na fantasia que nunca lhe esqueceo athe que achando-se com meyos se transportou para o porto desta cidade [Lisboa] aonde afirma que tem visto e reconhecido o objecto genuíno do seu sonho”. No processo, a sua versão foi bem mais realista: “se fingio herege protestante sendo verdadeiro catholico romano para cujo fingimento o obrigou a muita pobreza em que estava e a necessidade grande que padecia tendo para si que pela piedade deste reyno seria mais favorecido como reduzido a nossa santa fe e não como catholico veterano não sendo o dito fingimento em desprezo da fé catholica e dos sacramentos da Igreja ainda que se baptizou subcondicione pela conveniência de hum vestido que se lhe deu como he costume pelo collegio dos cathecumenos”. Cf. Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, “Os Irlandeses e a Inquisição Portuguesa […]”, p. 185. Sobre o colégio dos Catecúmenos, cf. supra.

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tório português, caso de muitos soldados e mareantes, os quais não esqueçamos, marcaram uma presença significativa, a adopção da religião do Reino de acolhimento poderia significar a diminuição das desconfianças que sempre se faziam sentir face aos estrangeiros e, ainda por cima, “hereges”, no entendimento dos Portugueses. Beneficiar da ajuda assistencial, ter acesso a casas de católicos de forma mais aberta, suscitar menos antipatias2, ascender a cargos e dignidades podem e devem ter pesado na decisão de muitos dos que se reduziram, sobretudo entre os que possuíam uma personalidade influenciável. Não esqueçamos a acção proselitista do clero, sempre atento e sempre eficaz, no que entendia ser a sua missão de salvar almas, bem como as pressões mais ou menos evidentes de outros estrangeiros católicos3 e até mesmo de Portugueses leigos4 que acabaram por ter impacto em pessoas que ficaram fascinadas pelas cerimónias e ritos dos católicos, bem mais exuberantes e teatrais do que as discretas celebrações dos protestantes. O próprio peso das leituras, sobretudo de textos de doutrinação, acabou por completar o quadro. Contudo, não se exclui a hipótese, bastante credível, de muitos dos que regressaram aos seus países de origem voltarem à fé inicial, caso por exemplo dos soldados, mareantes e até alguns mercadores, tanto mais que informações pontuais apontam neste sentido, embora se desconheça, em absoluto, a representatividade deste fenómeno5. 2

O Estado, ao definir o estrangeiro por um estatuto jurídico, estabelecia os direitos que lhe eram reconhecidos e os que lhe eram recusados, não obstante a concessão de cartas de naturalização e de determinados privilégios específicos para os súbditos de certa nação ou até a outorga de mercês a título particular. De qualquer modo, a condição de estrangeiro era sensível à conjuntura política do momento. Sobre estes aspectos, cf. N. Coulet, “La Malédition de Babel”, Histoire des Etrangers et de l’Immigration en France, direcção de Yves Lequien, Paris, Larousse, 1992, pp. 175-179. Repare-se que no regimento da Casa dos Catecúmenos se chamava a atenção aos oficiais para aqueles não insultarem os indíviduos não baptizados. Cf. supra. Por outro lado, a outorga de privilégios às comunidades estrangeiras – prática medieval – é bastante importante. Contudo, no caso dos Castelhanos, só a 13 de Novembro de 1691, se entendeu que lhe deveriam ser guardados os privilégios e em tudo proceder como face aos Franceses e aos Ingleses. Eram as feridas das guerras da Restauração que finalmente cicatrizavam. Cf. Collecção Chronologica da Legislação Portugueza, [1675-1700], p. 267. 3 Sobre este assunto no arquipélago das Canárias, cf. Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], p. 108. 4 Sobre a influência dos católicos residentes nas ilhas Canárias sobre os reduzidos, cf. Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], pp. 141-151. 5 Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], p. 273; Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Os Estrangeiros e a Inquisição […], p. 76.

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Até que ponto é que numa sociedade como a portuguesa, na qual a heresia era punida pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, pôde tal instituição ter funcionado como um factor de peso que teria levado tanta gente à redução? Sobre este aspecto, cremos poder reiterar, o que já antes justificadamente defendemos6. Isto é, após a assinatura dos tratados entre Portugal e diversos Reinos europeus durante a guerra da Restauração, a ameaça de prender protestantes esbateu-se. Aceitou-se, como já vimos, a prática do protestantismo em certas circunstâncias, o que não obstou a que um estrangeiro católico não acabasse preso e penitenciado pelo Santo Ofício que, além do protestantismo, também conhecia os chamados delitos menores, como por exemplo a bigamia, a magia, as proposições, o pecado nefando de sodomia, e outros, sem esquecer a reincidência no protestantismo por parte dos que o tinham abandonado. Por outro lado, no que se refere ao protestantismo, em concreto, sabe-se que no século XVII, foram processados 68 protestantes, a maioria antes de 1640. Efectivamente, entre 1640 e 1700 contaram-se apenas 217, o que se explica pela existência dos referidos acordos, pela necessidade de apoio internacional na luta contra Espanha e, consequentemente, na opção deliberada de uma menor vigilância e um menor rigor na actuação dos tribunais, evitando-se molestar estrangeiros, necessários a Portugal quer do ponto de vista militar quer diplomático quer ainda financeiro. Daí que esta opção não tenha excluído os súbditos do Império, apoiantes de Filipe IV, nem os de França cujos contactos estabelecidos não asseguraram a liberdade de consciência para os súbditos daquele território. Neste contexto, não podemos ainda esquecer que o período pós Restauração, até cerca de 1660, foi uma fase baixa de repressão, em termos gerais, cuja tendência se inverteu de seguida8. Isto é, a actuação do Santo Ofício face aos estrangeiros não foi diferente da preconizada para como os naturais, pelo menos até 1681. À primeira vista, a ideia algo simplista, de que um estrangeiro protestante não seria importunado pelo Santo Ofício, devido aos referidos tratados, poderia constituir uma excelente comodidade e um factor de incentivo ao estabelecimento de trocas comerciais e à fixação no Reino. Logo, aquele não necessitaria de se reduzir para conduzir a sua vida de acordo com o respeito pela lei e as suas convicções. Contudo, atendendo 6

Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Os Estrangeiros e a Inquisição […], pp.366-367. 7 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga, Os Estrangeiros e a Inquisição […], pp. 243 e 366. 8 Joaquim Romero Magalhães, “La Inquisicion Portuguesa: Intento de Periodización”, Revista de la Inquisicion, vol. 2, Madrid, 1992, p. 84.

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a que qualquer opção deve ser ponderada, e vistas antes as vantagens da redução, interroguemo-nos sobre as desvantagens, as quais também pesariam no prato da balança de tantas pessoas. Reduzir-se ao catolicismo poderia revelar-se problemático, uma vez que suscitaria uma eventual desconfiança por parte dos conterrâneos protestantes9, ao mesmo tempo que implicava a imediata sujeição à alçada do Tribunal do Santo Ofício, com a possibilidade de ser preso e sujeito ao confisco de bens, no caso de voltar ao protestantismo. Mas reduzir-se, também poderia ser uma estratégia, a última carta disponível para jogar, sobretudo quando se ficava em poder do Santo Ofício, em resultado de ter praticado algum outro crime. A redução poderia ser uma maneira de rapidamente sair dos cárceres e de se integrar de forma mais estável na sociedade portuguesa. Não esqueçamos que, no início do século XVII, se equacionou se um estrangeiro protestante devidamente instruído na fé católica e solicitado a converter-se ao catolicismo poderia ser considerado herege e pertinaz em caso de recusa. O parecer do inquisidor de Coimbra, Dr. João Álvares Brandão (nomeado em 1603) é claro: todos os estrangeiros baptizados estão sujeitos ao Tribunal do Santo Ofício e se prevaricarem depois de devidamente instruídos devem ser considerados pertinazes10. Ponderadas as vantagens e as desvantagens, se um estrangeiro pretendia viver de forma permanente em Portugal, ter acesso a cargos e dignidades e ser socialmente bem aceite, tinha todo o interesse em optar pelo catolicismo, acabando com os estigmas da diferença, da suspeição e da desconfiança11. Assim terão pensado, de forma mais ou menos profunda, pelo menos 988 pessoas, entre 1641 e 1700, mesmo que também pen9

Vejam-se os casos específicos analisados por Francisco Fajardo Spínola, Las Conversiones de Protestantes […], pp. 116-121. 10 Lisboa, A.N.T.T., Conselho Geral do Santo Ofício, liv. 214, fol. 215. 11 Note-se, contudo, que a integração poderia não ser total. Por exemplo, nos processos de habilitação para familiares do Santo Ofício encontram-se casos em que os reduzidos habilitandos oriundos de diversos Reinos europeus foram recusdados por serem “dos novamente convertidos”: António Conrado Beker (1697), Francisco Paulo do Barral (1699), Guilherme de Mas (1689), João da Costa Paes (1693) e José de Andrade de Vasconcelos (1690 e 1693). Cf. Lisboa, A.N.T.T., Conselho Geral do Santo Ofício, liv. 36. Como sempre ocorreram excepções. Tal foi o caso do reduzido inglês Samuel Palmer, morador no Porto, bisneto via materna de um familiar do Santo Ofício, que conseguiu apesar da diversidade de opiniões. Uma das que era positiva entendeu: “com cujo exemplo os mais ingleses moradores neste reino que não são catholicos se reduzirão vendo quanto V. Ilm.ª honra os estrangeiros”. Cf. António Baião, “Graves Irregularidades no Recrutamento de Oficiais do Santo Ofício”, Episódios Dramáticos da Inquisição Portuguesa, 3.ª edição, vol. 3, Lisboa, Seara Nova, 1973, pp. 180-188.

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sassem que um eventual regresso ao Reino de origem poderia implicar voltar à religião inicial, o que, para a maioria das pessoas, não causava qualquer problema de consciência. Era a adaptação interesseira às circunstâncias e a procura de viver bem, ou pelo menos o melhor possível. A redução destas 988 pessoas não significou a “salvação de 988 almas”, como o clero poderá ter imaginado.

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APÊNDICE DOCUMENTAL _____________________________

Doc. 1 – [século XVII, antes de 1640, Lisboa] – Lembrança anónima e resposta à mesma assinada por Manuel Álvares Tavares1 e António Dias Cardoso2 sobre as limitações que deveriam ser colocadas às acções dos Ingleses. Lisboa, A.N.T.T., Conselho Geral do Santo Ofício, liv. 214, fols 28-29v. Porque nas tavernas e outros lugares desta terra onde os hereges se agasalham e apousentam ou tem suas camas em conversaçam com os outros ingreses fazem muitas insolencias e falam blasfemão livremente contra nossa santa fe e as cerimonias della e porque muitos portugueses la chegão em converçasam com elles os quais os mesmos ingreses (os quais andam aprendendo a lingoa portuguesa cada dia mais e mais e não são como os framengos pacificos e quietos) não deixão de falar liberalmente e descobrir seus desgostos contra nossa sancta fe que com o tempo pode causar evidente perigo e corrupçam nesta cidade e reino de Portugal como ja fezerão em outras terras por este inconveniente he necessario por algum remedio e usar de algua prevençam ou embargo e resistencia. A qual primeiramente he que a camara de Lisboa mande que nenhum estrangeiro solteiro tenha taverna pera dar de comer e beber a outros ou casas em que os agasalhem nem lhes aluguem camas a qualquer estrangeiro que for. E que a Santa Inquisiçam ou o Senhor Arcebispo mande que qualquer pessoa estrangeira que quiser casar nesta cidade […]3 quer seia com estrangeira ou qualquer outra primeiramente faça profissam da nossa santa fe e que se obriga a ella o que he necessario pera que recebam o santo sacramento do matrimonio catholicamente. E destes dous pontos se segue que nenhum casado se atrevera a permitir as ditas insolencias em suas casas ou se tal cousa for provada contra elles então a Inquisiçam podera proceder contra elles e castigalos. Convem tambem que a Santa Inquisiçam e o Senhor Viso Rei alcancem de Sua Magestade que mande fazer lei que todos os officiais deste reino 1

Manuel Álvares Tavares foi nomeado inquisidor de Lisboa em 1593 e conselheiro deputado em 1610. 2 António Dias Cardoso foi nomeado inquisidor de Lisboa em 1602 e conselheiro deputado em 1610. 3 Lacuna do suporte.

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sejam catholicos e que façam profissam de nossa santa fe a rezão disto he porque os mercadores ingreses ja tiverão hua consulta nesta cidade pera elles escolherem hum consul entre elles e escrever a seu rei de Inglaterra e aos demais mercadores de Londres pera procurarem suas cartas pera o rei de Hespanha pera esse effeito que os mesmos mercadores (pois que as mercancias são suas e per que costumavão faze lo assi em outras terras e lugares onde elles tinhão trato) podem elleger hum official que se chama consul dos ingreses entre elles em Londres e emvialo com seu poder a Lisboa o que he grandissimo perjuizo pera este reino e catholicos ingreses desta cidade que sempre hão de ter este consul por cabeça dos hereges e acreditado na cidade e com os melhores della como procurador da sua naçam e sempre contra os ditos catholicos. Finalmente neste terceiro ponto não fazemos nos outra cousa se não o mesmo que fazem os ingreses em Inglaterra que ja assentarão suas leis de não permittir em nenhuma maneira os nossos catholicos por officiaes entre si por onde fazem todos seus officiaes jurar que o rei he cabeça da Igreja como professam da sua fe. E porque pellos cânones da Igreja todos os hereges perdem seus privillegios que teverão entre os catholicos não sei como os ingreses que já são hereges podem agora gozar de seus privilegios antigos que são grandes e muitos que tiverão aqui em Portugal quando erão catholicos e bons christãos. Respondendo em particular a estas lembranças em que Vossa Senhoria manda demos nosso parecer. Primeiramente nos parece cousa mui importante atalhar aos inconvenientes que se podem seguir de os ingreses terem tavernas ao longo do mar e darem cama e aguasalharem os hereges da mesma nação pella comunicação que pode aver e mais cousas de sua secta e perigo de preverterem alguns catholicos que alli se podem achar. E nos parece que a camara desta cidade deve mandar geralmente que nenhum ingres de nação solteiro ou casado possa ter taverna nem estalagem nem dar camas em a freguesia de São Paulo4 e ao longo do mar porque os ditos ingreses por serem suspeitos ainda que vejão fazer ou dizer em sua casa coussas contra a fe não ão de denunciar dellas assi pello proveito que disso lhe vem como por não descobrirem os de sua nação e os não verem prender e castiguar e não ficarem em ódio com elles e com o rey de Inglaterra. E dissimulando estes males dahi se pode seguir grande corrupção na fee e tambem porque suposto que lho consintão não he possível aver quem denuncie delles por não quererem admittir em sua casa mais que gente ingresa e por estas rezões nos parece que as pessoas que ouverem de exercitar estes officios de vendeiros, estalegedeiros e dar camas sejão portugueses christãos velhos

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Como vimos no texto, a freguesia de São Paulo, em Lisboa, é uma das que mais estrangeiros albergava.

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porque estes não consentirão que ajão em suas casas erros contra a fe e avendo os denunciarão delles e podem ajudar a vigiar os hereges e dar ordem aos familiares pera a mesma vigia e os taes hereges não ousarão a descobrir nem comunicar suas heresias. No que toca aos ingreses que ouverem de casar nesta cidade parece que o arcebispo de Lisboa deve mandar que todo o estrangeiro ingres que ouver de casar faça primeiro profissão da fe pellas rezões que se apontam5. Tambem nos parece que os cônsules que Sua Magestade ha de nomear sejão catholicos e sendo hereges não convem que tenhão jurisdição sobre os catholicos nem gozem dos privilegios concedidos aos ingreses catholicos pois são hereges6. Nosso Senhor guarde a Illustrissima Pessoa de Vossa Senhoria Manuel Alvarez Tavares Antonio Dias Cardoso

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Recorde-se que diversas pessoas indicaram como motivo para a redução o casamento. Este foi um assunto polémico. Contudo, os cônsules eram protestantes, não obstante alguns se reduzirem. No período abrangido pelo nosso estudo foram detectados quatro casos: os dos ingleses Mateus Godim, em 1665; Duarte Murcote, em 1676; David Evanel, em 1695 e o do irlandês Esmondo Francês, em 1694. Cf., respectivamente, Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Lisboa, liv. 710, fol. 292; Inquisição de Coimbra, liv. 744, fol. 126; Inquisição de Lisboa, liv. 715, fol. 337 e liv. 715, fol. 254.

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