Empirical Analysis of Commercial Contracts

July 21, 2017 | Autor: Olívia Bonan Costa | Categoría: Empirical Legal Research, Commercial Law, Commercial Contracts
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Descripción

Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica1 Beatriz Tsunouchi Pagy, Luisa Lopes Soares de Souza e Olívia Bonan Costa2

Resumo

Abstract

Por meio do método etnográfico, o trabalho Through the ethnographic method, this discute os arranjos comerciais através da work aims to discuss business arrangements análise de contratos empresariais. Em suma, by analyzing commercial contracts. In nosso objetivo é compreender como short, our purpose is the comprehension of ocorrem as relações da empresa com seus how works the relationship between parceiros, quais os tipos de contratos commercial partners, which types of celebrados e quais fatores são levados em contracts the parts enter into, and which consideração quando da celebração de um features are considered when parts reach an contrato.

agreement. Palavras-chave

Contratos

Empresariais;

Cooperativa; Etnografia.

Keywords Empresa; Commercial Contracts; Firm; Enterprise; Cooperative; Ethnography.

Artigo elaborado para a disciplina “Fundamentos dos Contratos Empresariais”, do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob orientação da Prof. Titular Paula Andrea Forgioni. 2 Graduandas em Direito pela Universidade de São Paulo. 1

Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

1. Introdução ao tema As obrigações foram unificadas no novo Código Civil, esvaziando, dessa forma, o Código Comercial. Tal esvaziamento já foi diversas vezes criticado por trazer inúmeras dificuldades à aplicação adequada dos dispositivos. Mesmo que trate de matéria comum ao direito civil, o direito comercial é um direito especial, por funcionar em uma lógica própria, com uma interpretação única e não unificável, conforme ensina Tullio Ascarelli.3

O direito dos comerciantes é muito mais dinâmico que o direito privado comum. Ele surge da interação constante do comércio, que acompanha – e fomenta – os avanços tecnológicos, trazendo de suas experiências novas estruturas e soluções inovadoras para a sociedade.

Esse avanço vanguardista do direito comercial é tão positivo para a sociedade como um todo que acaba contagiando outras áreas do direito4. Ele inspirou e continua inspirando a reforma das normas gerais de direito privado, trazendo mudanças ao Código Civil brasileiro para que os princípios de direito comercial se expandissem a todas relações obrigacionais. O maior exemplo disto é a normatização do princípio da boa-fé objetiva, tão antiga ao direito comercial.

Estas reformas, ao se dirigirem a outros tipos de relações obrigacionais nem sempre são positivas, pois tende-se a não fazer remissão à lógica peculiar do direito comercial. A homogeneização das obrigações desconsidera a influência de situações desbalanceadas, como as consumeristas, ou situações de menor complexidade que as empresariais. Isso acaba contaminando a formulação das normas gerais, que passam regulamentar indevidamente as relações empresariais. Diversas lacunas são abertas na legislação, colocando totalmente nas mãos do jurista remendar as normas unificadas através de uma interpretação adequada dos contratos e negócios jurídicos praticados pelas empresas.

Por outro lado, a consolidação do que já era praxe para os negócios empresariais traz maior segurança para suas transações a corporificar os princípios da mercancia. No entanto, relembrando-se do posicionamento da escola histórica5 a respeito da codificação dos usos e

FORGIONI, Paula. A interpretação dos negócios empresariais no novo código civil brasileiro. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 130, abril/junho 2013, p. 7. 4 FORGIONI, Paula. A interpretação dos negócios empresariais no novo código civil brasileiro. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 130, abril/junho 2013, p. 8. 5 SAVIGNY, Friedrich Carl von. Of the vocation of our age for legislation and jurisprudence. Disponível em: http://books.google.com.br/books/about/Of_the_vocation_of_our_age_for_legislati.html?id=JvukCY8Rbz 0C&redir_esc=y (acesso em: 10/11/2014). 3

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costumes, pode acabar sendo um entrave às transações e um embate à realidade e estagnando aquela dinâmica tão benéfica.

Mas atualmente já se entende que, inclusive do ponto de vista comercial, essa oposição não se sustenta. Outros preceitos, além do interesse particular dos contratantes, são levados em consideração ao normatizar o direito comercial e regular seus contratos. Prepondera uma visão mais realista, especialmente quanto às externalidades produzidas pelos contratos empresariais, pois assim como nas ciências naturais nada é puro e perfeito em suas interações, nas ciências sociais um fenômeno reverbera em outros. No caso das relações comerciais, além de ter seus princípios assimilados por outros ramos e por influenciarem de maneira intensa as bases institucionais do mercado, criando-o e reinventando-o, elas atingem a sociedade em geral, e, especialmente, os consumidores.

O principal instrumento de atuação prática do direito comercial é o contrato empresarial. Por tanto, eles devem ser controlados pelas regras do direito e pela jurisprudência. O direito não acompanha rápido as mudanças e demandas sociais, não sendo tão eficiente para a criação de contratos típicos, mas deve impor uma moldura para conformar as relações empresariais e assim proteger preceitos fundamentais de todos os participantes do mercado, e não apenas dos contratantes.

Por isso, ao mesmo tempo em que se freia e reprime práticas extremamente liberais e predatórias, o caráter aberto dos contratos é saudável, para dar espaço à inventividade dos comerciantes, em um processo de reinvenção criativa do mercado concorrencial.6 A falta de regularização e de limites não é desejável nem para os próprios comerciantes. Os costumes e regras mínimas de conduta salvaguardam seu crédito e protegem seus direitos no caso de existirem conflitos e litígios entre contratantes.

A falta da boa conduta de um acaba por contaminar toda a rede de negócios que se espalha pelo mercado. Sendo assim, o fluxo de relações deve ser filtrado pelo direito, que protege essa importante fonte de desenvolvimento através da manutenção da função econômica esperada dos contratos e negócios comerciais.

Trata-se de um equilíbrio tênue: de um lado, respeita-se a lógica de atuação própria dos negócios comerciais, dando espaço para seu desenvolvimento, e, por outro lado, podase atitudes prejudiciais. Como um jardim, não pode nem sufocar o mercado com excessos de cuidado, nem deixar espaço demais para que qualquer atitude prejudicial se reproduza dentro dele. SHUMPETER, Joseph. Capitalism, Socialism, and Democracy. 1942, p. 81-86. Disponível em http://digamo.free.fr/capisoc.pdf (acesso em 10/11/2014). 6

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Assim, o presente estudo empírico pretende analisar as relações e contratos empresariais a partir de seu epicentro formador: as empresas e suas interações práticas como criadoras de direito. Qual seu posicionamento diante do direito e das regulamentações a que estão submetidas? Qual sua relação com seus parceiros comerciais e qual a influência e função das normas jurídicas no fluxo econômico para as empresas? Essas são algumas das perguntas a serem respondidas através da análise cuidadosa das entrevistas, realizadas em outubro de 2014, com empresários de diversos ramos.

2. Metodologia: a abordagem etnográfica a) A abordagem etnográfica:

O método etnográfico pode ser entendido como o conjunto de técnicas e de procedimentos de coletas de dados associados à prática do trabalho de campo a partir de uma convivência mais ou menos prolongada do(a) pesquisador(a) junto ao grupo social a ser estudado.

Assim, além de realizar as entrevistas com funcionários das empresas escolhidas, buscamos conhecer as instalações, a rotina, os funcionários e toda a documentação a nosso alcance, para que a análise a ser apresentada a seguir fosse o mais completa possível.

Tendo em mente que a profissão jurídica é voltada eminentemente para as questões práticas, a abordagem etnográfica na pesquisa em direito mostra-se altamente eficiente para compreender como os institutos jurídicos são aplicados no dia-a-dia. A etnografia consegue, pois, nos mostrar o funcionamento de certo instituto e, dessa forma, seu real núcleo e significado.

Segundo Paula Miraglia (2005), à lei somam-se outros mecanismos de efetivação de autoridade e imposição da regra: “podemos dizer que o controle se dá pela via legal, mas também por uma série de outros reguladores sociais que atuam em esferas de poder alternativas àquelas gerenciadas pelo Estado, ligados, por exemplo, a noções como valor, tradição, hierarquia, legitimidade e obediência” (p. 81).

Os contratos empresariais são um objeto interessante para se compreender que as normas estritamente jurídicas não são o único instituto que comporta “juridicidade”. A prática empresarial, por estar amplamente baseada em usos e princípios, como a boa-fé, é

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

terreno fértil para a explicitação da simbologia do direito. Observaremos, com a análise atenta da experiência de campo, que os contratos empresariais envolvem, além das formas estritamente jurídicas, valores próprios.

Ademais, a abordagem etnográfica permite-nos apontar a interpretação jurídica dos fatos apresentados pelos entrevistadores e também a nossa própria percepção dos dados coletados, de forma a proporcionar, a) para o avaliador dessa atividade, a dimensão de nosso aprendizado da disciplina, e, b) para nós mesmas, uma reflexão atenta sobre todos os temas apresentados em sala de aula.

b) A seleção das instituições:

Para a seleção das empresas, levamos em consideração, em primeiro lugar, a localização dessas instituições e sua importância local. Por isso, escolhemos duas instituições que possuem altíssima importância na região centro-oeste do Estado de São Paulo, por seu porte, pela importância econômica das atividades que realizam e pelos empregos que geram para a cidade de Itápolis7, onde estão localizadas.

A primeira instituição é a empresa Indústria de Transformadores Itaipu Ltda., que atuação há 27 anos no segmento elétrico, sendo referência nacional na fabricação de transformadores de potência. Possui um amplo portfólio de produtos de distribuição, força e especiais8 que atendem com excelência os mercados privados e também de concessionárias de energia elétrica em todo o Brasil, América Latina e África.

A segunda instituição é a Cooperativa dos Agropecuaristas Solidários de Itápolis, cooperativa9 com cerca de 350 cooperados que produzem em pequenas e médias propriedades no Estado de São Paulo. Formada no ano 2000, a cooperativa funciona como uma organização guarda-chuva para empreendedores que produzem frutas e produtos derivados de frutas que são interessantes e competitivos em termos sociais e qualitativos. Os produtos da Coagrosol são orgânicos e produzidos em bases comerciais justas, sendo tais Itápolis é um município de pequeno porte (40 mil habitantes, segundo o Censo do IBGE de 2010) localizada no centro-oeste do Estado de São Paulo, distante em 350 km da capital. O município caracteriza-se nacionalmente pela vasta produção agrícola. Em 2005, contava com 8.500.000 pés de citrus (na época, a maior produção do mundo). Por causa da entrada da produção de cana-de-açúcar na região, atualmente sua produção de citrus gira em torno de 6.300.000. Atualmente, é o 24ª em área plantada de cana-de-açúcar. 8 Mais informações sobre os produtos em: http://www.itaiputransformadores.com.br/site/produtos.php (acesso em 27/10/2014). 9 Cooperativa é uma associação de pessoas com interesses comuns, economicamente organizada de forma democrática, isto é, contando com a participação livre de todos e respeitando direitos e deveres de cada um de seus cooperados, aos quais presta serviços, sem fins lucrativos. As Sociedades Cooperativas estão reguladas pela Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que instituiu a Política Nacional de Cooperativismo (Fonte: http://www.portaldecontabilidade.com.br/tematicas/cooperativas.htm - acesso em 27/10/2014). 7

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

produtos certificados por organismos internacionalmente reconhecidos. A cooperativa também organiza projetos sociais para combater a desnutrição infantil e oferece cursos noturnos para ensinar crianças e adultos a ler, escrever e usar computadores10.

c) A elaboração do roteiro de entrevista:

Dentro da metodologia etnográfica, tendo em vista as determinações dadas para a confecção do trabalho, a técnica de coleta de dados foi a entrevista11, e, de forma subsidiária, a análise de documentos apresentados pelos entrevistados.

Para a elaboração das questões que compõem o nosso roteiro de entrevistas, utilizamos como base o memorial concedido pela Prof. Paula Andrea Forgioni. De início, a) checamos a disponibilidade de nossos entrevistados (ou seja, quanto, em média, a entrevista poderia durar), e b) pesquisamos sobre as empresas em seus endereços eletrônicos. A partir dessas informações, adaptamos o roteiro proposto conforme a disponibilidade do entrevistador e as atividades da empresa. Por fim, estabelecemos uma escala de prioridade das questões, sendo que foram consideradas as mais importantes – e, por isso, imprescindíveis – as seguintes questões: 1, 2, 3, 4, 6, 7, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15. O roteiro final, divido em três partes segundo a temática das questões, segue abaixo12:

Assunto I – Concorrência, atuação e relações comerciais:

1) 2) 3) 4)

Descreva a concorrência que a empresa enfrenta no setor em que atua. A atuação da empresa no mercado é livre ou é formatada por outra? Como a empresa escoa sua produção? Como obtém seus insumos? Como a empresa seleciona seus parceiros comerciais? Procura informações sobre sua reputação? A boa reputação é importante? Em quais circunstâncias?

Assunto II – Contratos empresariais: Fonte: http://todafruta.com.br/portal/icNoticiaAberta.asp?idNoticia=17790 (acesso em 27/10/2014). Para a realização plena da etnografia, o essencial é a realização da técnica de observação participante, através da qual o pesquisador vivencia um longo período na localidade que pretende analisar. Para mais informações sobre a técnica: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092007000100012 (acesso em 27/10/2014). 12 Ressaltamos que, para todas as questões técnicas e/ou jurídicas apresentados no roteiro, foram dadas explicações básicas ao entrevistado, para que ele pudesse compreender a questão em sua totalidade e, assim, obtivéssemos uma resposta completa. Ademais, em todas situações possíveis, pedimos exemplos das situações descritas pelo entrevistado. Em ambas as entrevistas, não foi possível realizar todas as perguntas previstas no roteiro. Devido à limitação de tempo de nossos entrevistados, buscamos agrupar certas perguntas em uma mesma questão. 10

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

5) Na opinião do entrevistado, qual a importância das relações externas (os contratos) para o sucesso da empresa?

6) Quais os tipos de contrato que a empresa mantém com seus fornecedores? E com seus distribuidores? 7) Esses contratos são escritos ou não? São de longo prazo ou de curto prazo? São contratos relacionais13? 8) Em quais situações a empresa opta pela celebração de contratos escritos? 9) A empresa possui advogado interno? Em que momento a consultoria jurídica é envolvida nos contratos? 10) Qual é o procedimento da empresa quando da elaboração de um contrato escrito? Contrata-se um advogado externo? 11) Como a empresa costuma conduzir suas negociações? Como age diante de cláusulas que podem gerar desgaste? Quem realiza as negociações? 12) A empresa considera os custos de transação14 na celebração de contratos? Em que medida?

Assunto III – Execução do contrato e disputas:

13) Durante a execução dos contratos, a empresa consulta o instrumento assinado? Por quê? 14) Em que medida a empresa respeita normas não escritas com seus parceiros comerciais? 15) Quando surgem disputas com os parceiros comerciais, como a empresa age? Tenta negociar? Parte para o Judiciário? 16) A empresa já deixou de litigar com um parceiro para manter o bom relacionamento comercial? 17) A empresa já se arrependeu de algum contrato que celebrou? Como agiu?

3. Entrevistas: transcrição e análise



Entrevista nº 115:

Nessa nota de rodapé e na seguinte, constam a conceituação que demos aos entrevistados sobre contratos relacionais e custos de transação, respectivamente. Contratos relacionais são contratos que representam as relações jurídicas complexas de longa duração, típicas da sociedade atual moderna e globalizada, importando em dependência. Por exemplo: contratos de conta corrente com instituições financeiras, contratos de cartão de crédito, planos de saúde, previdência privada. Todos eles têm em comum o fato de, apesar de em sua maioria, durarem não mais do que um ano de contrato, são renovados automaticamente ano a ano, aparentando serem perpétuos. 14 A teoria dos custos de transação procura compreender por que as firmas são responsáveis pela própria produção de bens e serviços ou optam por sua terceirização. Os custos de transação são os custos totais associados a uma transação, executando-se o mínimo preço possível do produto. A análise de transações visa obter eficiência na gestão dessas transações ou, em outras palavras, visa à minimização dos custos de transação. As transações e os custos, em se recorrer ao mercado, são exatamente os principais determinantes da forma de organização das empresas produtoras de bens ou serviços. 15 Entrevista realizada em 27/10/2014. 13

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a) Dados sobre a empresa e o(a) entrevistado(a):

Empresa:

Nome empresarial: Indústria de Transformadores Itaipu Limitada16; Nome fantasia: Itaipu; Porte da empresa: Porte médio; Tipo societário: Sociedade limitada; Número de empregados: 400 empregados; Faturamento aproximado: 144 milhões de reais (no ano de 2013); Setor de atuação: Setor elétrico; Localidade: A matriz está localizada em Itápolis – SP e uma filial localiza-se em São José do Rio Pardo – SP; 9) Descrição breve de suas atividades: A empresa fabrica transformadores elétricos, atendendo ao mercado das concessionárias de energia elétrica e ao mercado dos agentes privados, como, por exemplo, a Petrobrás e a Odebrecht. 1) 2) 3) 4) 5) 6) 7) 8)

Foto 1 – Pavilhão da Itaipu Ltda.

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Para mais informações sobre a empresa, consultar: http://www.itaiputransformadores.com.br.

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

Foto 2 – Pavilhão da Itaipu Ltda.

Entrevistado(a)17:

1) Nome do entrevistado(a): Reno Barroso Bezerra; 2) Cargo na empresa: Diretor comercial; 3) Endereço: Av. Sérgio Abdul Nour, 2106, Distrito Industrial II, Itápolis – SP, 14900-000; 4) Telefone(s): 16 3263 9410 e 16 9761 2201; 5) E-mail: [email protected]; 6) Experiência profissional em geral: Graduado em Engenharia Elétrica, com Pósgraduação em Engenharia de Produção e MBA em Controladoria. Sua experiência profissional deu-se toda na área do setor elétrico, com foco na produção de mediadores elétricos e transformadores elétricos. 7) Experiência no setor: Trabalha há 27 anos no setor elétrico. 8) Experiência na empresa: Há 10 anos entrou na empresa Itaipu, já como sócio.

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Consta, em anexo, a autorização de uso de imagem, som da voz e dados concedidos pelo(a) entrevistado(a).

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Foto 3 – O entrevistado, Reno Barroso Pereira, e a entrevistadora, Olívia Bonan Costa

Foto 4 – Cartão profissional do entrevistado

b) Transcrição e análise18:

P1) Descreva a concorrência que a empresa enfrenta no setor em que atua. Para a análise das entrevistas, observamos alguns parâmetros: a) descrição da teia contratual da empresa; b) percepção dos contratos que celebra, incluindo os seguintes tópicos: b.1) o estilo de negociação da empresa; b.2) a importância das regras escritas e das regras não escritas para a empresa; b.3) a consideração dos custos de transação (e os esforços para minimizá-los) pela empresa. 18

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

Nossa concorrência depende basicamente do mercado no qual estamos atuando. Nós temos uma gama de produtos muito grande, então o que acontece é o seguinte: na linha de distribuição, que vai até 300 kVA – isso por norma brasileira – nós temos um grupo de concorrentes. De 500 kVA até 20.000 kVA, até onde a gente vai também, é um outro grupo de concorrentes, que inclui também esses do primeiro grupo19.

Esse quadro da esquerda [sobre a Foto 5 abaixo] é um tipo de mercado de distribuição, de 5 kVA até 500 kVA e nós temos esses concorrentes. Estamos aqui, no mercado nacional, com 24%. Temos como principais concorrentes a ITB (24%), a TRAEL (13%) e a Romagnole (24%). A WEG (4%), a Toshiba (2%) e a ABB (5%), uma multinacional de Blumenau, são pequenas concorrentes. No “outros”, temos umas cem empresas. Quando passamos para dados maiores, de 750 kVA para 40 kVA, aí o quadro muda. A Itaipu, nessa situação, mantém apenas 8% do mercado.

Foto 5 – Gráficos que mostram o ambiente competitivo no âmbito da distribuição (imagem concedida por Reno Barroso Bezerra)

P2) A atuação da empresa no mercado é livre ou é formatada por outra?

O que constar em colchetes são apontamentos nossos e o que estiver com grifos em vermelho são frases que considerados importantes para o objetivo do trabalho. As respostas dos entrevistados são seguidas das análises cabíveis. 19

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Não existe nenhuma empresa que é dona da Itaipu. Nós somos donos de outra empresa, a AMT Produtos Elétricos SA, de capital fechado20. Essa empresa faz partes e peças para a Itaipu, sendo que está estabelecida em Aparecida do Taboado, no Mato Grosso do Sul.

P3) Como a empresa escoa sua produção? Como obtém seus insumos?

Veja bem, os insumos nós compramos no Brasil e no exterior. Nós importamos bastante. Ano passado nós importamos pouco em comparação com anos anteriores. Ano passado importamos no valor de 4,5 milhões de dólares. Em 2012, foram quase 12 milhões de dólares. Esse ano estamos importando muito pouco, até por conta da questão cambial. Falando nisso, hoje subiu mais de 4%. Está mais de R$ 2,50 [o dólar].

Em suma, compramos tanto no mercado nacional quanto no mercado exterior. Isso [importar] era algo, antes de entrar aqui, que o pessoal tinha medo. Eu já possuía alguma experiência com importação e começamos a mexer com isso. E realmente tem vantagens em comprar lá fora. Preço principalmente. Conseguese boas condições de preço em material no qual há valor agregado maior.

Compramos muito na China, na Índia, nos Estados Unidos, na Europa. Não temos um parceiro estrangeiro principal, é bastante variável. Grande parte dessas importações é aço-silício, que é um insumo básico no nosso setor, que é o chamado “aço elétrico”. É o aço utilizado no núcleo dos transformadores. Então isso aí vem muito da Coreia [do Sul] – de uma usina chamado “Posco”, que é a maior usina de aço elétrico do mundo. Na Europa, nós compramos da Polônia, e da ThyssenKrupp, que é alemã, mas a compramos de uma usina que eles têm na França. Compramos também nos Estados Unidos.

O nosso produto é um produto extremamente normatizado. Ele tem norma e especificação técnica para tudo. Essa norma brasileira, que é regida pelas NBRs21, tornou-se, no início de 2012, mandatária. Ela é compulsória. Deixou de ser uma mera orientação para ser compulsória. Isso aconteceu através de uma Portaria Interministerial. Três Ministérios juntaram-se – o Ministério de Minas e Energia, o Ministério de Indústria e Comércio e o Ministério da Casa Civil – e assinaram essa portaria. A partir de então, tornouse obrigatória. Nela, incluiu-se entre outras coisas, o índice de eficiência energética.

http://www.amt.ind.br/. Normas Técnicas (conhecidas por NBRs) são documentos estabelecidos por consenso e aprovados por um organismo reconhecido, que fornece, para um uso comum e repetitivo, regras, diretrizes ou características para os produtos ou processos, e cuja observância não é obrigatória. Elas podem estabelecer requisitos de qualidade, de desempenho, de segurança (seja no fornecimento de algo, no seu uso ou mesmo na sua destinação final), como também podem estabelecer procedimentos, padronizar formas, dimensões, tipos, usos, fixar classificações ou terminologias e glossários, símbolos, marcação ou etiquetagem, embalagem, definir a maneira de medir ou determinar as características, como os métodos de ensaio (definição da ABNT). As normas técnicas são emitidas no Brasil pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) (Fonte: http://www.sonataengenharia.com.br/noticias-e-informacoes/diferenca-entre-norma-tecnica-nbr-e-normaregulamentadora-nr/ - acesso em 27/10/2014). 20 21

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

Por ser um produto muito normatizado, ou seja, não se pode fugir das coisas. Eu costumo dizer que quem fabrica transformador de distribuição não vende transformador de distribuição. Na realidade, revendemos commodities. Então se nós não comprarmos muito bem [ponderando menor preço e qualidade do produto], nós não conseguimos ganhar dinheiro. É igual à situação de um supermercado: você ganha na compra e não na venda. Os meus clientes conhecem muito bem minha estrutura de custo, é um produto que tem mais de cem anos, é um produto que quando o cliente da concessionária, por exemplo, me liga – e concessionárias representam 85% do nosso faturamento – ele diz assim: “eu quero comprar o transformador x, y, z e com isso, isso e isso”. Ou seja, é algo totalmente especificado. Não é uma situação na qual vamos oferecer alguma vantagem a ele. Argumento de qualidade não existe. Para meu cliente, o que conta é o preço. Você perde uma concorrência de 50 milhões de reais por mil reais de diferença.

No entanto, entendo que essa normatização não nos atrapalha. Ela acabou com a “picaretagem”. Você tem que cumprir o que está escrito, sob pena de estar fora. Antes você não era obrigado a cumprir, era uma orientação. Basicamente, quem tem profissionalização e conhecimento de área sai na frente.

Na venda [no escoamento da produção], 99% é mercado interno, nos market shares22 [da Foto 5 acima], e muito pouco de exportação. A questão da exportação é uma questão muito particular da Itaipu. A gente decidiu só atuar na exportação em projetos que tenham começo, meio e fim. Por exemplo, não vamos para um país para fazer um atendimento de contrato anual, que um modo de contratação comum no nosso setor. Por que não vamos dessa forma? Porque o mercado brasileiro lá fora é muito mal visto exatamente porque quando o mercado nacional está ruim, todo mundo dirige-se para fora, entra nessas situações de fornecimento anual. Porém, se melhorou um pouquinho no mercado interno, as empresas voltam e largam os clientes lá fora “falando sozinhos”. Isso é uma condição de sobrevivência muitas vezes. Não é que o brasileiro é “picareta”. Estamos lá, vendendo a “preço de banana” e então o mercado reage aqui no Brasil. É claro que você volta [para o mercado interno]! Porém, temos um lema dentro da Itaipu: “preferimos perder uma venda a perder um cliente”. Nós preferimos deixar de vender e ter uma oportunidade de vender lá na frente do que o parceiro nunca mais comprar de nós. Quando vamos para o exterior, é para fazer contratos spot 23. Uma compra e uma entrega e pronto.

Apesar de comprarem no Brasil, percebe-se certa preferência pela importação pelo maior cuidado em detalhar este processo durante a entrevista. A importação mostra-se como algo com reputação já consolidada. Como se a qualidade do exterior não precisasse de uma pesquisa profunda para que se contrate.

22 Market

share é o percentual das vendas de um determinado mercado que pertence a uma empresa em particular durante certo período de tempo. 23 Sendo “spot” a palavra que designa “imediato” ou “instantâneo”, o contrato spot é o tipo de contrato que não vincula para outras relações, ou seja, possui um caráter pontual. Os negócios são realizados à vista e entrega imediata.

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

Quando o entrevistado diz que a empresa não possui “um parceiro estrangeiro principal, é bastante variável”, percebemos que o principal fator que influencia a escolha desta empresa é o preço, por isso a variabilidade de parceiros. Observa-se a grande quantidade de oferta do produto no mercado internacional, por ser um produto básico no setor. Por ser produto essencial para a infraestrutura das cidades em geral, acaba por ter um padrão próprio de qualidade.

Ao dizer que “argumento de qualidade não existe. Para meu cliente, o que conta é o preço”, o entrevistado nos mostra que preço é o maior fator de influência de escolha nesse setor. Não apenas para o empresário fabricante, que compra a matéria-prima, mas para os outros empresários que realizam a negociação. A explicação do fenômeno é o próprio caráter normatizado do setor. Ou seja, a influência do direito no setor limitando a autonomia privada e diminuindo os fatores de risco e imprevisibilidade. Tal normatização não é positiva para o empresário oportunista em suas negociações, mas é altamente positiva para a sociedade em geral. Ademais, a normatização de um setor, por mais que o limite, tem reflexos positivos para aqueles que já possuem expertise na área e que já se encontram consolidados no mercado, pois reduz os custos de transação no quesito qualidade à praticamente zero.

“O mercado brasileiro lá fora é muito mal visto” significa, ao nosso ver, a falta de respeito pelos princípios da nova Lex Mercatoria pelas empresas brasileiras. Por mais que internamente não se entenda tal comportamento como má-fé, a falta de vinculação, do ponto de vista do exterior, gera impactos negativos na reputação das empresas brasileiras.

“Isso é uma condição de sobrevivência muitas vezes. Não é que o brasileiro é ‘picareta’. Estamos lá, vendendo a ‘preço de banana’ e então o mercado reage aqui no Brasil. É claro que você volta [para o mercado interno]!” Nesse trecho, observa-se que o abandono dos contratos seria uma questão de sobrevivência das próprias empresas. Ou seja, elas se submetem ao único contrato que conseguem no exterior, se vinculando como parte hipossuficiente. Porém, por essa interpretação o direito não poderia punir a empresa brasileira que inadimple o contrato. Dependeria muito da interpretação do julgador, e por isso há receio de empresas estrangeiras contratarem empresas brasileiras. Há falta de previsibilidade do cumprimento fiel do contrato, tanto pela instabilidade do mercado interno, quanto pela reputação das empresas e a cultura nacional de falta de cumprimento, quanto pela dúvida de eventual interpretação feita pelo juiz.

Em seguida, o entrevistado conta-nos que o lema da empresa é “preferimos perder uma venda a perder um cliente”. Nota-se uma preocupação grande da Itaipu em preservar sua reputação e sua rede de contratações no mercado externo, diferindo das outras empresas do setor. Essa é uma opção dentro do mercado competitivo. Provavelmente a Itaipu pode adotar tal posicionamento por ser uma grande empresa já consolidada e estável, não se sujeitando às ondulações do mercado nacional.

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

Por outro lado, a Itaipu apenas realizada contratos spot no exterior. Dessa forma, ao mesmo tempo em que a Itaipu opta por manter sua reputação, ela não se vincula a longo prazo com seus clientes estrangeiros, já que contratos pontuais dificilmente terão grandes complicações futuras. A complexidade do contrato é menor, e por isso há mais segurança em fechar o negócio. As empresas contratantes não se comprometem a uma obrigação que possa ser descumprida futuramente, como um contrato anual típico desse mercado. Isso aumenta um pouco os custos de transação, por ser um fornecimento único, mas ao mesmo tempo preserva as empresas da insegurança futura, mantendo suas reputações íntegras.

P4) Como a empresa seleciona seus parceiros comerciais? Procura informações sobre sua reputação? A boa reputação é importante? Em quais circunstâncias?

Existem duas formas. Novamente é uma situação de segmentação do mercado. No mercado de concessionárias, não há como escolher. Nesse mercado, existem as concessionárias privatizadas e as conhecemos de mercado. E temos também aquelas “federalizadas” e até algumas estatais. Por exemplo, CPFL, Eletropaulo, Elektro, Bandeirante, Rede, que são concessionárias do Estado de São Paulo. Todas elas são privatizadas. Todas elas são empresas de renome. Algumas têm seus problemas, outras não. A regra é, na verdade, imposta por eles. São contratos que vêm prontos. Na maioria dos casos, não é possível alterar muitas cláusulas. Ou você entra no jogo ou não entra. As compras agora deixaram de ser compras spot, passaram a ser compras anuais e bianuais e já existem empresas comprando para o período de três anos. Então, está se tornando basicamente um casamento.

Já o mercado de concessionárias estatais, é tudo pela Lei 8.666/199324, que rege as licitações. E também tem a Lei dos Pregões25. Nessas situações você também tem que “entrar no jogo”. Não há muito o que possa ser feito.

Na parte privada, por sua vez, nós temos um procedimento de crédito e um cadastro relativamente rigoroso. Quando eu entrei aqui, nós tínhamos um índice de inadimplência da ordem de 8%. Atualmente a inadimplência gira em torno de 0,5%. São algumas regras básicas que instituímos para a concessão de crédito: compra até 20 mil, nós agimos de determinada maneira; compras acima de 20 mil, nós agimos de outra maneira. Precisa ter balanço. A primeira compra precisa ter, no mínimo, 50% antecipado. Fazemos também verificação de SERASA etc. Mas acontece muitas vezes de dizermos “não vamos vender”.

Nós temos um contrato de três anos, um contrato de dois anos e os outros são anuais. E tem muitas vendas spot também. Assim, existem várias modalidades na venda. Na compra, nós não temos contratos de longo prazo. Sempre é de quantidade determinada. Por exemplo: “vamos comprar mil toneladas de silício lá 24 25

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10520.htm.

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

na Coreia do Sul”. Outro exemplo é com um fabricante do aço e do silício: quando nós compramos dele, não existe um contrato [escrito], mas nós fazemos previsões trimestrais e vamos renovando essas previsões.

Nessa resposta, observamos que a empresa não está em posição de dependência econômica de seus contratantes. Ela mostra-se como uma empresa estável em mesmo nível que a outra parte, em uma típica relação empresarial. Assim, apesar da regularização base de qualquer contrato nesse setor, não se faz necessária ou justificada a intervenção jurídica na resolução de eventuais litígios que favoreça qualquer parte inadimplente. Pois tal intervenção se enquadraria como uma trava às relações econômicas, por retirar a “álea normal” dos negócios comerciais.

Verifica-se ainda a falta de preocupação da empresa em suas contratações e grande confiança que deposita na regulação do sistema. Por um lado, ao contratar com empresas estatais estaduais, os contratos são de adesão, prontos nos moldes pré-determinados pelo sistema, a empresa limita-se a aceitar seus termos ou recusar o negócio. Não há discussões ou necessidade de definir minúcias. A finalidade do contrato, sua função econômica, já está bem clara nesse mercado, e totalmente regulada por padrões de qualidade e normas de adimplência. Por outro lado, ao contratar com particulares, os usos e costumes do mercado mostram-se nítidos. Não é necessário escrever um contrato, porque a conduta dos agentes é tão consolidada no mercado que os contratos de compra e venda de matéria-prima, mesmo que sejam de médio prazo, são definidos sem formalidades.

P5) Quais os tipos de contrato que a empresa mantém com seus fornecedores? E com seus distribuidores?

São contratos de venda e também contratos com pessoas jurídicas. Contratos com empresas de propaganda e marketing, contrato com revista do setor elétrico, contrato com os nossos advogados, contratos com consultorias fiscais e tributárias, que fazem auditorias. São contratos muitos variados, na verdade.

P6) Esses contratos são escritos ou não? São de longo prazo ou de curto prazo? São contratos relacionais? Em quais situações a empresa opta pela celebração de contratos escritos?

De alguma maneira tem que haver uma formalização. No entanto, nem sempre são escritos. A formalização é sempre escrita, podendo ser desde um contrato formal com cláusulas até um pedido de compra. Geralmente os contratos formalizados, com cláusulas, são realizados com as concessionárias.

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

Nesse trecho, verifica-se a necessidade de formalização para a contratação com a empresa, porém apenas para os contratos de fornecimento com concessionárias. É interessante notar que é na rede de contratos que podemos observar todo o funcionamento de uma empresa. Comprova-se, pois, a teoria de que as empresas modernas são formatadas por sua rede contratual. A existência de sua atividade principal depende fundamentalmente de todos os outros contratos que são firmados por ela.

P7) A empresa possui advogado interno? Em que momento a consultoria jurídica é envolvida nos contratos?

Normalmente, para os contratos ditos “formais”, a minuta já vem pronta. Nós analisamos a minuta, apontamos aquilo que diz respeito ao fornecimento da negociação comercial e a parte jurídica nós enviamos para nossos advogados. Eles analisam o que faz sentido e o que não faz, o que é “leonino” e o que não é. Apontam também os riscos e, então, cabe à diretoria aceitar ou não tais riscos.

Não temos um setor jurídico dentro da Itaipu, são advogados de fora. Contratamos de um escritório daqui de Itápolis e de um escritório em Campinas.

A análise pelos advogados ocorre apenas durante a contratação em si. Não participam da elaboração de contratos, pois como se nota no setor, não há muito espaço para tanto, e aonde há, os contratos são informais. Mas se percebe a importância dada aos advogados, uma vez que o sócio menciona que em toda a contratação há uma análise jurídica a ser feita, inclusive para verificar a equidade dos termos a serem assinados. A falta de setor jurídico dentro da Itaipu é uma opção estratégica da empresa.

P8) Como a empresa costuma conduzir suas negociações? Como age diante de cláusulas que podem gerar desgaste? Quem realiza as negociações?

A intenção sempre é negociar, mitigar os riscos. No entanto, é difícil conseguir mitigar esses riscos. Tanto que está ocorrendo uma movimentação a nível de associação, na ABINEE26, a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica. Essa Associação não integra só quem fabrica transformadores, mas também aqueles que fabricam medidores, reatores, de geladeiras. Tudo o que pode ser englobado por “eletroeletrônico”. Na verdade, o que tem acontecido é que as corporações têm proposto contratos absurdos, inteiramente “leoninos”, vias de mão única. Ou seja, segurança total para o comprador e risco total para o vendedor. Para mim, não existe isso. Eu tinha um chefe que dizia o seguinte: “para você atravessar o rio, é preciso botar o pé na lama”. Não é possível fazer um negócio com 104% de certeza. Em qualquer negociação existe um risco, seja para um lado ou para o outro. O problema é que eles estão querendo terceirizar esse 26

http://www.abinee.org.br/.

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

risco. Mesmo com essas cláusulas que geram desgaste para a empresa, a Itaipu, em alguns casos, celebra o contrato mesmo assim. Ou você fica sem contrato.

Os contratos são feitos para proteger a empresa do fornecedor que não cumpre as obrigações. Por exemplo, consta neles [nos contratos]: “exigência de multa de 200% caso não haja entrega do produto”. Nós vamos entregar o produto, nós queremos e precisamos faturar. Ou, por exemplo, pede-se “uma garantia de 5 anos”. Nós observamos qual é nosso índice de problema com o cliente. É em torno de 0,1%? Então vamos aceitar. Não é o normal, mas aceitamos. Então você mede os riscos em função dessas coisas.

O que vem acontecendo muito é postergação de pagamento. As concessionárias vêm sofrendo muito com a política energética estabelecida pelo Governo Federal. Antes, os contratos que as concessionárias pagam antes com 30 dias. Atualmente, os contratos estão vindo com cláusulas de 60, 90 dias. Ou você tem “bala na agulha” para financiar seu cliente ou então não vai vender.

Através do trecho “mesmo com essas cláusulas que geram desgaste para a empresa, a Itaipu, em alguns casos, celebra o contrato mesmo assim”, observa-se, ao contrário do que se verificava anteriormente quanto à possibilidade de negar contratos (resposta nº 4), por conta de uma mudança que vem ocorrendo na estrutura do mercado, que a empresa tem-se visto obrigada a contratar mesmo com a previsão de cláusulas totalmente desfavoráveis a ela, como a determinação de multas caríssimas no caso de falta de comprometimento e longos prazos de garantia. Verifica-se que no setor os contratantes vêm tentando transferir totalmente o risco para seus parceiros. Como se tratam de contratantes de maior porte, a Itaipu não tem muita opção a não ser aderir aos seus contratos.

Ademais, por se tratar de um setor estratégico para o governo e de grande interesse social, a empresa além de se submeter a normas e regulações jurídicas do mercado, sofre com mudanças nas políticas públicas governamentais. Assim, apesar da segurança jurídica dada pelas normas reguladoras de qualidade que favorecem as empresas estabelecidas, as mudanças de políticas do governo prejudicam a entrada de novas empresas e também as empresas sem reserva de recursos para aguentar a demora de pagamento da contraprestação.

P9) A empresa considera os custos de transação na celebração de contratos? Em que medida?

Vou falar sobre terceirização de produtos e serviços. Não acreditamos na terceirização de produtos. Não consigo conceber que se tenha uma fábrica, em determinado setor, temos um maquinário, e então deixamos tal maquinário em comodato com um terceiro e ele vai fazer mais barato do que eu. Não há a possibilidade. Só se formos muito incompetentes e acredito que não somos. Não consigo compreender a terceirização e até quarteirização de empresas e setores. Na minha vida profissional, todas as experiências

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

que tive em outras empresas e nas quais fui contra a terceirização, a empresa não “se deu bem” depois. A conta não fecha. Só existem duas opções: ou você é muito incompetente no que você faz e o terceirizado consegue fazer melhor que você, ou – e foi o que aconteceu na outra empresa – o terceirizado entra no primeiro ano com um preço mais barato e no segundo ano ele quer “tirar a diferença” e começa a fazer “operação tartaruga”, ou seja, tenta te pressionar através do atraso.

Já em relação à terceirização de serviços, não há como não realizá-las. Ainda mais quando se trata de serviços especializados. Na importação, por exemplo, é preciso ter serviço com um despachante aduaneiro. Por que ter um setor de despacho aduaneiro dentro da sua empresa? Mesmo com os 12 milhões de dólares de importação que tivemos em 2012, não há justificativa para manter um setor como esse dentro da empresa. Advogado é um outro caso de terceirização. Não temos demanda para ter, por exemplo, três ou quatro advogados dentro da empresa.

Já basta o que o Governo nos obriga a ter, como, por exemplo, o setor de contabilidade. Há dez anos atrás, a contabilidade da Itaipu era terceirizada. Hoje temos duas pessoas na contabilidade, duas pessoas na escrita fiscal, duas no faturamento e duas empresas de consultoria tributária. Isso tudo porque todo dia é uma obrigação acessória nova, um imposto novo, uma contribuição nova.

Sem falar que a Itaipu é credora do Estado [de São Paulo] e credora da Federação e por isso temos fiscalização da empresa dia sim, dia não. O ICMS no Estado de São Paulo é incentivado para bem de capital, então pagamos 12 na venda mesmo vendendo para São Paulo. Compramos muita coisa no Estado de São Paulo com 18, em Minas com 12, no Rio de Janeiro com 12 e acaba vendendo aqui com 12 no máximo e vende para o Nordeste e Norte com 7. O Estado, assim, acaba devendo ICMS para nós. E na Federação, a mesma coisa ocorre. Nosso IPI é alíquota de 0%. Dessa forma, tudo o que entra de IPI vira crédito. Federal é mais fácil, porque como pagamos imposto de renda, é possível compensar. Mas de qualquer maneira eles vêm fazer a fiscalização, para checar se estamos apurando os créditos corretamente.

Em resumo, além da parte jurídica, terceirizamos também a parte de auditoria, da parte ergonômica, já que é extremamente especializada. Contrata-se um especialista em fisiologia, para ver o posicionamento do funcionário e estudo dos movimentos. E também questões pontuais: CETESB27e bombeiro.

Nessa resposta, mostra-se a clara preferência do sócio pela internalização do máximo de serviços quanto possível na área de produção. Para ele, os custos de transação não compensam que partes da produção sejam comprometidas pela falta de comprometimento dos terceirizados, já que não há controle da eficiência da produção.

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http://www.cetesb.sp.gov.br/.

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

Por outro lado, a terceirização de serviços é essencial para a empresa, por falta de demanda – ou seja, pouca utilização de tais serviços. No entanto, por conta da instabilidade de políticas governamentais, novamente, a empresa foi obrigada a tomar medidas de adequação. Um setor de contabilidade foi criado por conta das mudanças tributárias constantes – que geram obrigações acessórias diariamente –, além da frequente fiscalização do governo.

P10) Quando surgem disputas com os parceiros comerciais, como a empresa age? Tenta negociar? Parte para o Judiciário?

No mercado privado, eventualmente o parceiro deixa de pagar e aí mandamos para ao advogado e vamos “para a briga”. Porém, sempre que litigamos judicialmente, nós litigamos como autores do processo judicial.

Também como uma característica peculiar desse setor, vemos que não há tentativa de negociação no caso de inadimplência do contrato com particulares. Não há o receio por negociações futuras. Os contratos não são de longa duração, não tendo desdobramentos para o futuro. Assim, a empresa fica mais segura de pleitear no Judiciário para obter sua contraprestação devida.

P11) A empresa já deixou de litigar com um parceiro para manter o bom relacionamento comercial?

Via de regra, quando acontece problemas, é cliente novo. Com os parceiros de longa data existe uma confiança maior.

Nessa parte, há referência aos custos de transação dirimidos por conta da experiência passada da empresa com os clientes. Não ocorrem problemas de relacionamento pois um já conhece a forma de atuação do outro – o relacionamento já está estabelecido e bem resolvido. Clientes novos, por outro lado, mostram-se menos confiáveis, e tendem a gerar conflitos.

O sócio não respondeu à questão quanto a deixar de litigar em prol de um bom relacionamento. Porém, em sua resposta anterior, ao falar de relacionamentos estrangeiros, a preocupação da empresa com seus relacionamentos futuros aparece com clareza. Ela não opta por deixar de litigar em prol da remuneração devida, mas opta por deixar de descumprir o contrato mesmo que haja oferta mais vantajosa. Assim fica transparente a valorização dada ao princípio do pacta sund servanda da Itaipu. Mesmo que leve desvantagem na negociação, ela busca o cumprimento fiel dos contratos, seja por si mesma, seja pelos clientes.

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

P12) Durante a execução dos contratos, a empresa consulta o instrumento assinado? Por quê?

Sempre estamos olhando as cláusulas, até porque os contratos com concessionárias são contratos de longo prazo – no mínimo, um ano – e são contratos que levam em consideração uma fórmula paramétrica de reajuste de preço. Ou seja, o preço está indexado à uma fórmula e essa fórmula leva em consideração as commodities – aço, cobre, petróleo, mão-de-obra, entre outros – e se esses parâmetros mudam, os preços podem mudar, tanto para cima quanto para baixo. Então é uma coisa pela qual nós temos que olhar o contrato a todo momento. Por um reajusta mensalmente, o outro reajusta trimestralmente, o outro só reajusta de se tiver, por exemplo, se houver variação maior que 2%, um outro ainda reajusta sem se preocupar com gatilho. Principalmente essa cláusula de preços que estamos olhando sempre.

As outras cláusulas são sempre muito comuns e dentro do usual. As cláusulas de entrega, as cláusulas de multa contratual. Essas últimas são acionadas quando não há entrega. Nosso índice de atendimento no prazo é maior que 98%, ou seja, é algo que não nos preocupamos muito.

A principal preocupação da empresa em relação aos contratos escritos é a cláusula de reajuste do preço, que varia de acordo com o contrato de longa duração realizado om concessionária. Ou seja, ela se preocupa com a remuneração que receberá pelos seus serviços.

As demais cláusulas estão dentro do padrão costumeiro do mercado e tais não variam, bem como a maior parte dos contratos no setor. Dessa forma, não há remissão a elas durante a execução do contrato. É algo já consolidado, sem necessidade de consulta. Nota-se que há aqui uma aproximação com os contratos com particulares, que sequer são escritos. Em suma, a empresa não necessita verificar as obrigações e condições descritas, por conta da solidez da função econômica daqueles contratos.



Entrevista nº 228:

a) Dados sobre a empresa e o(a) entrevistado(a):

Empresa:

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Entrevista realizada em 28/10/2014.

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1) Nome empresarial: Cooperativa dos Agropecuaristas Solidários de Itápolis29; 2) Nome fantasia: Coagrosol; 3) Porte da empresa: Porte pequeno; 4) Tipo jurídico: Sociedade cooperativa (regida pelo Lei 5.764/1971); 5) Número de empregados: 10 empregados; 6) Número de cooperados: 360 cooperados; 7) Faturamento aproximado: 21 milhões de reais (no ano de 2013); 8) Setor de atuação: Indústria e comércio de produtos da agricultura; 9) Localidade: A sede encontra-se em Itápolis – SP; 10) Descrição breve de suas atividades: Processamento de frutas, vendas para exportação e vendas no varejo (suco “Direto da Fruta”).

Foto 6 – Sede da Coagrosol

Para mais informações, consultar os seguintes endereços: http://www.coagrosol.com.br/; http://www.oxfammagasinsdumonde.be/partner/coagrosol/; http://www.oeko-fair.de/index.php/cat/1022/title/Orangensaft%3A_Coagrosol_in_Brasilien; http://www.altereco.com/filieres/coop/18.Coagrosol-jus-et-desserts-de-fruits.html; http://www.ethiquable.coop/fiche-producteur/coagrosol-commerce-equitable-bresil-orange; http://www.oikocredit.coop/what-we-do/partners/partner-detail/11336/coagrosol-cooperativa-dosagropecuaristas-solidarios-de-itapolis. 29

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

Foto 7 – Pavilhão da Coagrosol

Foto 8 – Folder da Coagrosol

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Entrevistado(a)30:

1) 2) 3) 4) 5) 6)

Nome do entrevistado(a): Reginaldo Vicentim; Cargo na empresa: Vice-presidente e diretor comercial; Endereço: Av. São Paulo, 169, Distrito Industrial III, Itápolis – SP, 14900-000 Telefone(s): 16 3263 9393 E-mail: [email protected] Experiência profissional em geral: Formado em Administração de Empresas (FACITA) em 2003 e MBA em Marketing (FGV). Já foi dono de uma empresa de fertilizantes. 7) Experiência na empresa: Trabalha na Cooperativa há 12 anos. Iniciou como gerente comercial do setor de produtos orgânicos, em seguida assumiu toda a seção comercial e começou a fazer parte da diretoria da Cooperativa (primeiro como Tesoureiro e atualmente como Vice-Presidente). É o responsável por toda a área comercial e pela gestão dos projetos da Coagrosol.

Foto 9 – Cartão profissional do entrevistado

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Consta, em anexo, a autorização de uso de imagem, som da voz e dados concedidos pelo(a) entrevistado(a).

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

Foto 10 – O entrevistado, Reginaldo Vicentim, e a entrevistadora, Olívia Bonan Costa

b) Transcrição e análise:

P1) Descreva a concorrência que a empresa enfrenta no setor em que atua.

Temos concorrência basicamente com outras indústrias de suco, tanto na exportação como no mercado interno. Nós procuramos nos diferenciar com certificações e com produtos diferenciados. Como não temos um poder de barganha para entrar no mercado, já que somos relativamente pequenos, o nosso esforço está em nos diferenciar dos demais atores e concorrentes para ganhar nosso espaço.

Sobre as certificações, primeiramente temos as certificações para produtos orgânicos e isso agrega valor ao produto, o que o torna diferente perante ao consumidor. Um consumidor mais instruído, que sabe o que está buscando, até tendo em vista sua saúde, vai buscar esse tipo de produto. É um produto que você encontra com menos quantidade no mercado – há menos oferta dele. Em segundo lugar, temos uma certificação social, o Comércio Justo, que envolve os atores da cadeia produtiva, ou seja, quem está produzindo. Nesse sentido, também há uma diferenciação, buscando um consumidor mais orientado, mais instruído, que busca um produto diferenciado no mercado, um produto que tem uma história por trás dele. O produto de Comércio Justo não se limita ao produto em si. Não vendemos apenas o produto, mas como ele foi produzido, por quem ele foi produzido, em quais condições foi produzido. Essa é a diferença e o mercado, mais e mais, busca esse tipo de produto.

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Quem concede atualmente o selo de certificação orgânica é o Ministério da Agricultura. Virou lei no Brasil, regulamentou-se e agora quem dita as regras de como é feito o produto orgânico e em quais condições é o Ministério da Agricultura. O selo de Comércio Justo, por sua vez, é dado por uma série de organizações certificadoras e nós somos certificados por uma organização internacional, a FLO (Fairtrade Labelling Organizations)31. Nesse âmbito, existe também uma regulamentação que vêm sendo criada para definir o que é comércio justo dentro do Brasil.

O poder de barganha nesse setor é definido pelo tamanho e influência da empresa no mercado. Empresas pequenas têm dificuldade de se estabelecer e procuram diferenciais para atrair consumidores para seus produtos, uma vez que o mercado nesse setor é muito amplo, tendo grande quantidade de agentes concorrendo.

O diferencial é regulamentado por selos de qualidade, como o de certificação orgânica concedido pelo Ministério da Agricultura e o selo Fair Trade fornecido por determinadas organizações.

Dessa forma, dentro deste mercado com diversos consumidores, a opção da empresa foi se especializar para um tipo específico de consumidor, ou seja, de limitar seu público alvo e consequentemente o seu mercado. Assim, ela garante um espaço mínimo no mercado, evitando grandes concorrentes por optar por uma área com menos oferta do produto.

Os selos servem como um sinalizador do diferencial aplicado – um chamariz importante para o produto da empresa. A dificuldade de garantir a qualidade do produto seria difícil sem a regulação, por isso, observa-se que tal regulação (os selos, em especial) surge como algo positivo, que apesar de conformar a empresa a seus moldes, estimula o consumo do produto por fomentar a confiança do consumidor.

P2) Como a empresa escoa sua produção? Como obtém seus insumos?

Os insumos hoje se resumem à matéria-prima que vem dos cooperados, basicamente. Nós organizamos essa produção, para que ela seja enviada para as fábricas de processamento, que são todas terceirizadas. Essas fábricas transformam a matéria-prima, as frutas, em sucos de diferentes formas e embalagens. E, depois disso, nós buscamos mercado para esses sucos.

31

Para mais informações: http://www.fairtrade.net/.

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

O papel dos profissionais da cooperativa é, em suma, organizar a produção dos cooperados, transformá-la, para agregar-lhe valor, e, escoá-la no mercado, até a porta do cliente se necessário. Para essa última tarefa, contratamos especialistas em logística se necessário. Os sucos podem ter diferentes formas: congelado, em tambor, granel – como as grandes indústrias utilizam – e também na forma de produto pronto para o consumo, que é o “Direto da Fruta”, na embalagem Tetra Pak.

Foto 11 – Folder de propaganda de produto da Coagrosol

Foto 12 – Folder sobre os produtos produzidos pela Coagrosol

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

P3) Quais os tipos de contrato que a empresa mantém com seus fornecedores? E com seus distribuidores? Esses contratos são escritos ou não?

Os contratos são de diferentes naturezas. Quando falamos de insumos que vão compor o produto, por exemplo, embalagens, transporte, nós não fazemos contratos dessas coisas. Mas, em outra via, toda a matéria-prima dos cooperados é contratada formalmente [ou seja, são escritos] no início da safra, e, toda a venda do suco, seja para exportação ou seja para o mercado interno, é feita por meio de contratos. Temos também contratos com prestadores de serviços: contadores, advogados, assistência técnica de informática. Basicamente, relações de médio e longo prazo estão todas sob contratos.

Foto 12 – Folder da Coagrosol

Nota-se que, mesmo em uma empresa plenamente formalizada, com produção sistemática e organizada, parte dos contratos não é formal. A preferência por uma burocratização dos contratos é feita com base do quanto aquilo afetaria a produção da empresa. No caso de relações de curta duração, a empresa opta por não investir em contratos

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

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formais, enquanto que nos de longa duração há maior rigor e a transcrição dos termos para o papel é fundamental, como os contratos de matéria-prima e de prestação de serviços.

Contratos de insumos secundários, que compõe o produto final mas não são integrantes do que é fabricado diretamente pela indústria do setor – no caso, o suco –, não têm contratos escritos.

Já insumos que envolvem matéria-prima são contratados formalmente dos cooperados logo no início da safra. Entendemos que isso ocorre pela necessidade de maior estabilidade nesse caso, já que o objeto social da empresa ficaria gravemente comprometido no caso de uma interrupção abrupta do fornecimento.

A venda dos produtos também é formalizada, tanto para o mercado interno quanto para o externo. Essa opção foge à regra geral de formalização da empresa, porque tais contratos de curta duração são fundamentais para o rendimento da empresa, e não poderiam ser realizados de forma displicente, apesar de não serem de longa ou média duração.

P4) Esses contratos são de longo prazo ou de curto prazo? São contratos relacionais?

De longo prazo, temos os contratos com os prestadores de serviços, que, em geral, vão sendo sempre renovados. Com as fábricas, por exemplo, que processam o suco, fazemos um contrato para uma safra, e esse contrato pode ser renovado. Ou fazemos um aditamento ou o próprio contrato já prevê em alguma cláusula que, se não houver a manifestação contrária das partes, ele será prorrogado automaticamente.

Sobre parceiras de longa data, a Cooperativa possui mais parceiros de longa data no exterior. A Alter Eco, a Fair Organic, a Oxfam32, que são empresas importadoras. Essas empresas importam nosso produto para que seja vendido na Europa.

P5) Em quais situações a empresa opta pela celebração de contratos escritos?

Os contratos escritos são realizados em situações nas quais temos um nível de complexidade da operação e um nível de importância financeira. Na situação de aquisição de materiais que são secundários à atividade – são importantes, mas compõem o produto, não sendo o principal produto ou elemento de uma negociação – nós não contratamos. Para mais informações: http://www.alterecofoods.com/. 32

http://fair-organic-products.biz/,

http://www.oxfam.org/

e

Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

Já na produção de suco por 3 ou 6 meses, teremos um prestador de serviço que receberá a nossa fruta e transformando-a em suco, e esse prestador de serviço tem a posse do nosso produto, manipulando esse produto e devolvendo um produto de qualidade. Então, a obrigação dele está toda descrita em um contrato: o que ele vai fazer, em que condições ele vai nos devolver o produto e quanto tudo isso vai custar.

Assim, em situações complexas, se nós não possuirmos um contrato, ficamos vulneráveis. Se não houver um contrato, ele pode me devolver um produto A, B ou C, a condição de pagamento não foi estabelecida e isso gera um problema maior ainda para ele que é o prestador de serviço. Dessa forma, quando envolve complexidade e importância financeira o contrato entra em jogo.

Pela estrutura de pequeno porte da cooperativa, ela terceiriza a própria manipulação de seus produtos, gerando o produto final comercializável. Por conta dessa grande dependência na produção, o contrato precisa ser escrito, para tentar remediar o estado de vulnerabilidade gerado pela dependência da empresa.

P6) Qual é o procedimento da empresa quando da elaboração de um contrato escrito? Contrata-se um advogado externo ou a empresa possui advogado interno? Em que momento a consultoria jurídica é envolvida nos contratos?

As negociações contratuais são feitas por mim e quem redige os contratos é o advogado, prestador de serviço, contratado por nós. Temos um corpo jurídico a nossa disposição, nós os pagamos mensalmente e tudo o que é contrato que fazemos, nós passamos para eles.

Normalmente, eu passo uma minuta, que eu desenvolvo ou que o cliente já tem, que diz o formato da negociação comercialmente falando, e, assim, os advogados analisarão juridicamente o contrato, vão pensar se o que consta na minuta está dentro da lei e de que forma, apontar os riscos envolvidos naquele contrato e farão as adaptações.

Depois disso, nós voltamos a discutir comercialmente com o parceiro. É uma negociação contínua, na verdade. Até com o jurídico, porque o jurídico às vezes pede coisas que o cliente – ou o advogado dele – não aceita. É sempre uma negociação para se chegar a um contrato. Sempre o cliente vai querer o máximo de proteção para ele e eu vou querer o máximo de proteção para mim, mas isso é sempre conflitante.

A empresa parece ter uma gama de contratações muito variada. Cada negociação parece ter suas próprias peculiaridades, e por isso precisa de uma assessoria jurídica mais constante.

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

O conhecimento das normas e leis específicas é essencial para o fechamento do contrato. Assim, a parte prática de comercialização é feita sem os advogados, que apenas ao final da negociação indicam os maiores riscos ao redigir, adaptar e interpretar os contratos.

Assim não parece que há uma negociação única que conte com a participação dos advogados juntamente com os empresários. A que tudo indica, as negociações são intermitentes, mas sempre com remissão aos advogados.

Por fim, o trecho “é importante deixar claro que isso [existência de cláusulas que tragam desgaste] sempre ocorre e em muitas situações nós concluímos que não é conveniente contratar. Às vezes isso [não contratar] é prejudicial para a empresa, então, nesse caso, entra muita negociação e estratégia comercial”, mostra-nos o caráter oportunista dos empreendedores. Por mais que o contrato seja realizado porque ambos acreditam aferirem maiores vantagens com o negócio do que sem ele, um sempre busca vincular o outro e transferir a ele o máximo possível de riscos, pretendendo livre de responsabilidades. A paridade das partes nas negociações fica bem evidenciada pela demora das negociações, com inúmeros debates acerca das cláusulas contratuais, e, em nenhum momento, impostas por apenas um dos lados.

P7) Como a empresa costuma conduzir suas negociações? Como age diante de cláusulas que podem gerar desgaste? Quem realiza as negociações?

Diante dessas cláusulas que podem gerar desgaste, o que nos cabe é a negociação. Para aceitar essas cláusulas que podem gerar desgaste, nós precisamos medir o risco que elas nos oferecem e isso é muito subjetivo. Para medir esse risco, é preciso olhar para todo um contexto no qual nós estamos inseridos, analisar o quanto a aquele contexto tem importância financeira para a empresa e o quanto aquele risco nos expõe, perante à empresa ou perante o mercado.

É importante deixar claro que isso [existência de cláusulas que tragam desgaste] sempre ocorre e em muitas situações nós concluímos que não é conveniente contratar. Às vezes isso [não contratar] é prejudicial para a empresa, então, nesse caso, entra muita negociação e estratégia comercial, porque estamos ali com um impasse com a empresa e temos que criar uma alternativa diferente da que nós temos para poder adaptar aquela situação.

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Contratos empresariais: uma abordagem etnográfica

O espaço negocial da empresa é muito amplo. Ela tem grande liberdade diante de suas próprias estratégias de mercado para escolher com quem negociar e se deve levar a contratação adiante.

São diversos fatores que influenciam em sua decisão, mas, mesmo sendo uma cooperativa de pequeno porte, a dependência econômica não parece estar tão fortemente presente em suas transações. Nesse sentido, quando a não contratação afeta a “saúde financeira” da empresa é que se busca a adaptação e mudança estratégica. Os relacionamentos de longo prazo e a reputação mercantil mostram-se grande fatores de influência do comportamento empresarial, tendente ao adimplemento de contratos.

P8) Como a empresa seleciona seus parceiros comerciais? Procura informações sobre sua reputação? A boa reputação é importante? Em quais circunstâncias?

Na exportação, existe até uma modalidade que se chama “seguro de crédito”. O seguro de crédito funciona como um seguro de carro ou um seguro de vida. A seguradora faz uma avaliação financeira do cliente que apresento para ela – ou seja, a seguradora avalia como esse cliente está no mercado - e, dependendo da situação dele no mercado, a seguradora estabelece um limite de vendas que posso fazer com esse cliente. Dentro desse limite, se o cliente não me pagar, a seguradora paga.

Por exemplo, eu falo para seguradora “eu vou vender 500 mil dólares para esse cliente”, ela avalia o pedido e me diz “eu garanto apenas 200 mil dólares para esse cliente”. Se eu quiser vender 500, eu posso vender, porém eu estou correndo um risco de 300 mil dólares. A seguradora cobra um percentual por tal avaliação e por essa garantia. Depois da crise financeira de 2008, nós passamos a adotar esse modelo de seguro de crédito, nas situações nas quais não há pagamento antecipado ou pagamento à vista. Quando um cliente nos pede um prazo, temos o seguro de crédito que vai nos dar a garantia.

A análise da seguradora já é um parâmetro para nos sabermos em que situação a empresa está. Aliás, em muitas vezes, o retorno da seguradora é zero: “esse cliente tem zero de limite de crédito conosco”, a seguradora nos informa. A seguradora nos diz: “nós não garantimos nem um centavo. Se você vender, o risco é todo seu”. Então, obviamente nós não poderemos vender, porque estamos expostos a não pagamento.

Sempre que vamos fazer um contrato, em especial com um cliente novo, existe essa preocupação, essa análise, utilizando-se ferramentas que estão hoje disponíveis no mercado. No mercado interno, por exemplo, nós consultamos SERASA, SPC e outros, que possuem a função de demonstram o nível de credibilidade do suposto cliente.

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Além da boa reputação do cliente, temos também outros fatores a serem considerados. Esses outros fatores dizem respeito a questões comerciais mesmo. Especificação de produto, por exemplo. Muitas vezes o cliente quer um produto em uma forma inviável para nós fazermos. Uma produção específica, uma qualidade específica. Preço e negociação também são fatores importantes.

Os avanços tecnológicos no setor financeiro é um importante instrumento nas negociações. Especialmente para as exportações, ter um banco de dados sistematizado com as informações sobre reputação das empresas diminui consideravelmente os custos de transação da contratação, poupando as empresas de terem que fazer um grande levantamento de dados dos seus potenciais parceiros, ao mesmo tempo em que protege o crédito das empresas através dos serviços de seguro.

Principalmente com novos clientes, caso não seja possível a realização de um seguro para a transação, a Coagrosol não realiza a transação. Há grande confiabilidade na análise de dados de seguradoras e de outras entidades reguladoras, que se tornaram ferramentas essenciais para a proteção do crédito das empresas.

Além disso, a Coagrosol não se arrisca a assumir negócios que se distanciem muito de seu ramo, como certos formatos e especificações dos produtos. Isso é, pois, um fator determinante para que se firme um novo contrato, bem como o preço e a negociação.

P9) A empresa considera os custos de transação na celebração de contratos? Em que medida?

A parte administrativa é difícil de ser terceirizada, por óbvio. Então, terceirizamos tudo o que podemos, por causa do nosso tamanho. Ainda não temos uma escala que nos permita ter determinados profissionais de forma exclusiva. Terceirizados os advogados e a parte contábil, por exemplo.

A estrutura da empresa mostra-se como fator impositivo para suas escolhas quanto a terceirização ou não de setores da produção. A falta de recursos não permite que a Coagrosol possa optar por internalizar certos processos. Tal situação torna-a mais suscetível a flutuações de eficiência, por ter menor controle da produção de cada setor. Mas, como já esclarecido, estes problemas são contornados por cláusulas claras em contratos formalizados quando há maior relevância financeira naquele setor.

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Interessante observar que não existe um setor jurídico exclusivo, apesar de os advogados exercerem papel fundamental e cotidiano nas negociações da empresa.

P10) Durante a execução dos contratos, a empresa consulta o instrumento assinado? Por quê?

Sim, nós consultamos os contratos realizados, e esse é um papel que realizamos em conjunto com o setor jurídico. Temos que constatar em que condições a gente estabeleceu nesse contrato e o que podemos reivindicar nesse contrato. De repente, nós nos damos conta no meio da negociação que surgiu alguma coisa que não foi prevista no contrato. O contrato nada mais é que a tentativa de prever coisas que podem dar errado e nos garantir nessas situações. No entanto, é impossível prever tudo.

Enquanto está tudo bem, nós não ficamos olhando para o contrato. Mas, vamos supor, acontece uma determinada situação que a outra empresa não está aceitando. Logicamente vamos olhar para o contrato e muitas vezes lembrar que isso existe em contrato. Às vezes, quem faz o contrato não repassa para as empresas, que estão executando o serviço no dia, e acaba ocorrendo falhas de comunicação. O contrato é bom para isso: para manter sempre aquilo que foi combinado de início.

Vale chamar atenção para a consciência da empresa quanto ao papel do contrato e de sua inevitável incompletude. O contrato é um instrumento para a resolução de futuras controvérsias entre os contratantes. Ele é um retrato do contexto em que as partes negociaram, capturando a vontade de ambas e garantindo certos direitos, servindo como meio de prova para eventuais reivindicações.

O entrevistado observa que, no dia-a-dia da execução, não há necessidade de remeter ao contrato. O contrato vai servir então como um lembrete, uma forma de fixar direitos e deveres às partes e que não pode ser modificado ao bel prazer de uma delas, não fazendo tolerar desvios de conduta que seriam dificilmente controláveis na falta de um instrumento formal que as lembrasse das disposições iniciais.

Outro ponto interessante são problemas decorrentes da falta de comunicação entre quem redige o contrato e quem o executa. Como o contrato é escrito pela diretoria da cooperativa e adaptado posteriormente pelo setor jurídico, pode ser que o objeto contratual não fique claro para aqueles que não participam da negociação. A incompletude natural dos contratos, somada à falta de repasse de seus redatores, pode prejudicar os resultados finais da produção.

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P11) Em que medida a empresa respeita normas não escritas com seus parceiros comerciais?

Sim. Nós procuramos usar o bom senso para tudo, na verdade. E isso você adquire através de experiência, lidando com o mercado. O bom contrato é aquele que você não usa. Então, é sempre bom manter uma relação respeitosa com os fornecedores, com os clientes, para que, assim, você consiga ter uma parceira de longo prazo. Se você, a qualquer momento, está se desgastando ou querendo executar contrato, você acaba não sobrevivendo no mercado. Às vezes, apesar de você possuir um contrato, existem coisas que não estão previstas nele e, nessas situações, é preciso utilizar o bom senso. Pode ser, claro, que não exista bom senso do outro lado e, então, você é obrigado a tomar medidas.

Com o passar dos anos, você vai selecionando com quem você se relaciona e, a partir disso, existem empresas que você prefere deixar de lado, porque com elas, com ou sem contrato, você tem problemas. O contrato não garante que você terá sucesso em uma parceira. Mais do que o contrato, o que vale é a pessoa com quem você está lidando. É isso que, de fato, faz a diferença. O contrato é um instrumento necessário para formalizar aquilo, para que, no momento em que você ou a outra pessoa faltem, você tenha segurança. Quando você já tem uma carteira de relacionamentos selecionada, você não usa os contratos.

O trecho mostra-nos que as empresas devem agir diligentemente, segundo a boa-fé. Parâmetros de “bom comportamento” apenas são adquiridos com o passar dos anos, através da experiência naquele mercado específico.

A empresa deve buscar sempre manter uma boa reputação e adimplir as obrigações que assumiu, porque assim assegura sua vida no mercado. Não é a falta de previsões no contrato que leva à sua execução ou arbitramento. Quando existe uma lacuna, a solução deve ser inferida através do bom senso. O bom senso pode ser entendido também como a interpretação pelo “espírito do contrato”, sem ter a necessidade de abrir novas negociações e discutir com o parceiro.

Em seguida, o trecho “o bom contrato é aquele que você não usa. Então, é sempre bom manter uma relação respeitosa com os fornecedores, com os clientes, para que, assim, você consiga ter uma parceira de longo prazo” ensina-nos que contrato é mais uma garantia para eventuais – e obviamente não desejados – atritos entre os contratantes.

Boa-fé e reciprocidade embasam um bom relacionamento. A falta de transparência e sincronia das partes acaba por quebrar as expectativas de uma delas, que tende a executar o contrato. A confiança nas normas não escritas do mercado, naquilo que não está formalizado no contrato, é de enorme importância.

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Além disso, a empresa dispensa burocratizações quando há confiança e experiências passadas positivas com seus parceiros. O custo de transação nesse caso torna-se tão baixo, por já se conhecerem, que a garantia do contrato é desnecessária. A segurança de que seu crédito está garantido é tão grande que a empresa corta os gastos da elaboração de novo contrato escrito.

P12) Quando surgem disputas com os parceiros comerciais, como a empresa age? Tenta negociar? Parte para o Judiciário?

Depende bastante da situação. Temos casos, tanto de produtores [cooperados] quanto de clientes, nos quais tivemos problemas e, então, acionamos o Judiciário.

Observa-se, pois, que a empresa não fica paralisada e receosa de acionar o judiciário quando há problemas com seus clientes ou parceiros.

P13) A empresa já deixou de litigar com um parceiro para manter o bom relacionamento comercial?

É muito relativo. Depende do que está envolvido. Depende do tanto de prejuízo que a situação pode trazer para nós. Se você tem uma situação que representa pouco perto do relacionamento que existe, você pode, obviamente, ignorar. Mas se aquilo representa uma perda considerável, você tem que acionar. Até porque é um pouco contraditório: se você tem uma parceira, mas, ao mesmo tempo, você está tendo prejuízo, então não é bem uma parceria.

A garantia de um bom relacionamento comercial e a garantia de uma relação equânime são colocadas na balança para definir qual a atitude será tomada no caso de um atrito.

A reciprocidade desempenha um papel psicológico importantíssimo para que a Coagrosol mantenha sua parceria. Se uma atitude da outra parte é constantemente prejudicial à empresa, há uma quebra da expectativa quanto ao próprio âmago do que é uma relação de cooperação. O tamanho dessa quebra, ou seja, a relevância dentro do quadro geral, é um dos fatores determinantes para a reação da empresa. Se aquela quebra tiver pouco impacto, não há litigância, mas se o prejuízo for grande, a empresa não teme buscar seus direitos com a execução do contrato perante o Poder Judiciário.

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4. Conclusões finais A leitura cuidadosa das entrevistas torna possível a extração de uma série de considerações quanto à dinâmica dos diferentes mercados e ao posicionamento individual de cada empresa em face ao seu setor do mercado. Diversos fatores influenciam em cada um desses pontos, e a partir de uma comparação que filtre as minúcias individuais, pode-se alcançar o que seria a lógica empresarial coletiva dos contratos empresariais.

Primeiramente, a estrutura das duas empresas analisadas é bastante distinta. A primeira empresa, Itaipu, tem porte médio dentro do setor de transformadores elétricos enquanto a segunda empresa, Coagrosol, tem porte pequeno dentro do setor de comércio de produtos agrícolas. Essas informações são fundamentais para definir qual será orientação de cada empresa e suas decisões perante o mercado.

Quanto ao papel do direito nas negociações, para os dois setores sua incidência desempenha um papel importante, apesar de diferenciado. Ao contrário do que se poderia imaginar, ambas enxergam a regulamentação como algo positivo, que, de alguma forma, protege e facilita suas atividades. No setor elétrico, a normatização é intensa e todas as relações e comercializações são regidas por regras claras e fixas que conformam a atividade, enquanto que, no setor de comercialização agrícola, as normas aparecem como acessórias, na forma de selos de qualidade, que atestam e comprovam a qualidade do produto vendido de forma a gerar um estímulo à sua compra. Isso inclusive leva a pequenas empresas como a Coagrosol e também empresas iniciantes a terem maior facilidade de adentrarem no mercado.

Como desdobramento, tem-se a forma de negociação dos contratos empresariais orientada pelas regras. Para a primeira empresa, não há muito espaço para a negociação dos termos e cláusulas do contrato. Nesse caso, a assessoria jurídica ocorre apenas na análise prévia à assinatura do contrato. O papel dos advogados parece muito limitado, tornando-a muito menos constante. Isso leva a empresa inclusive a acreditar que reservar um setor exclusivamente para a área jurídica seria um desperdício de recursos.

É claro que ela também realiza outros tipos de contratos relacionados a seu objeto social principal, inclusive de cunho internacional, que não se submetem ao processo licitatório do governo. Porém estes contratos não são o foco principal da empresa, que não expõe muitos detalhes com relação a eles. Mesmo nestes contratos diferenciados, as cláusulas principais são sempre as mesmas, e o que se modifica são algumas previsões relacionadas às formas de pagamento e garantias.

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Diferente da primeira, a segunda empresa possui negociações mais constantes e flexíveis. A falta de normas jurídicas setoriais faz com que os contratos não tenham forma pré-definida. Cada transação será, então, adaptada às necessidades e às condições da outra parte do contrato. As contratações variadas são mais constantes, levando à maior presença do corpo jurídico nas negociações, que opinam quanto às cláusulas e distribuição do risco entre as partes. No entanto, por conta do tamanho reduzido da empresa, ela muitas vezes submete-se a cláusulas desfavoráveis. Porque, apesar seu poder de barganha ser maior em relação à Itaipu pela falta de normatização, fica limitada pelo seu tamanho reduzido e falta de independência financeira. Pelo mesmo motivo a empresa não consegue manter um setor jurídico exclusivo. Este serviço, apesar de muito mais utilizado, acaba sendo terceirizado pela falta de recursos, mas aparentemente não existe nenhum problema decorrente dessa situação.

Em ambos os casos, a falta de setores jurídicos nas empresas não deixa de ser uma estratégia empresarial. Mesmo com maior potencial econômico, não parece ser tão comum a existência de um repartimento exclusivo para os advogados, mas seria necessária maior investigação para que esta hipótese seja comprovada.

Os diferenciais das empresas também são afetados pela maior ou menor regulação do direito. Para a Coagrosol, ter um diferencial em relação às demais empresas é fundamental para se manter no mercado. O principal contrato com que ela lida é diretamente relacionado com a demanda dos consumidores, levando a uma valorização dos atributos únicos do produto. Já para a Itaipu, o diferencial não tem importância alguma, pois o que define o sucesso da empresa é o seu preço e grau de adimplência. A regulamentação em âmbito internacional impõe um padrão de qualidade a todos os agentes do mercado fornecedores daquele produto, e por tanto não há ponderações dos contratantes guiadas por suas preferências subjetivas, tanto para a venda de matérias primas quanto para a comercialização dos produtos prontos.

Um outro aspecto que chama atenção é o fato de ambas as empresas, mesmo com diferença substantiva em suas dimensões, manterem relacionamentos internacionais. Todavia, o posicionamento delas é, de certa maneira, oposto. A Itaipu lida com a importação como um foco de negócios voltados para a compra de matéria prima de países variados. Para a exportação ela busca sempre realizar contratos pontuais, mas, por manter sua reputação idônea, ela é novamente procurada pelos outros comerciantes e os contratos são repetidos.

Já a Coagrosol procura a importação para a venda dos produtos processados, pois ela mesma produz sua matéria-prima nacionalmente. A competitividade no setor da Coagrosol é alta e é necessário conquistar, a todo momento, o público consumidor.

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Outro ponto de semelhança é que ambas as empresas realizam contratos informais, ou seja, não escritos. A regra geral que se infere é que a complexidade da transação será ponto crucial para a transcrição do contrato ao papel, bem como o nível de influência do contrato na linha de produção da empresa. Destaca-se a característica do tempo de duração do contrato para a definição de sua complexidade e influência, sendo que quando maior a sobrevida do contrato, maior é a tendência de formalizá-lo.

Ainda assim, esta é a regra geral, e um contrato spot, de curta duração, será formalizado se impactar significativamente a saúde financeira da empresa. Para as duas, os contratos de venda de seus produtos em que há altos custos envolvidos são formalizados.

Quanto à terceirização, boa parte dos serviços de ambas acabam aderindo a esta estrutura. A Coagrosol mantém um número mais elevado de contratos desse tipo, e tem uma política mais adepta à terceirização inclusive de partes de sua produção. Em contrapartida, a Itaipu é claramente contrária a externalizar partes de sua produção, pois o controle de certos serviços terceirizados é mais difícil e isso pode repercutir em seu resultado final.

Conclui-se que o tamanho da empresa influencia fortemente em sua estratégia comercial quanto aos custos de transação nesse caso, porque a falta de recursos e estrutura para a internalização de setores leva a contratação de outras empresas. O que se faz, nesse caso, é um contrato muito mais minucioso e detalhado que defina com a maior precisão possível as condições de prestação daquele serviço.

Ainda sobre os custos de transação, um fato interessante dos relatos é que as inovações tecnológicas do mercado têm diminuído muito o trabalho das empresas em procurar informações sobre suas contrapartes. Assim como a normatização, as novas tecnologias deixam as empresas muito mais à vontade para contratar. Os mecanismos utilizados são principalmente os seguros e os bancos de dados de empresas ou do governo quanto à reputação das empresas. Por outro lado, o que se percebe das entrevistas é que a desconfiança quanto a novos parceiros continua existindo e são estes novos relacionamentos os maiores causadores de atrito. Enquanto que os relacionamentos mais antigos não geram problemas, pois já são conhecidas as formas de atuação e funcionamento da outra parte, dispensando inclusive as burocracias dos contratos escritos.

Todavia, mesmo com toda essa aparente liberdade de contratação dos acordos entre sociedades, uma peculiaridade é que em ambos os casos não há liberdade de escolha se irá ou não haver contratação. O porte das empresas são é tão grande para que elas se selecionem todo e qualquer contrato, particularmente quando seu parceiro comercial é maior e detém mais poder de mercado. Por tanto, ambas mantêm essa independência nos casos de contratos menores, mas muitas vezes se veem obrigadas a concordar com cláusulas desfavoráveis.

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O que se depreende disso tudo é que a regulamentação dos mercados é realmente um ponto superado nos debates comerciais. Além de necessária, ela é vista como algo positivo pelos próprios agentes participantes da dinâmica mercantil. Em contrapartida, as empresas não parecem conscientes de seu papel de gênese de normas e princípios de direito comercial. Para elas, suas transações são algo natural, guiado pelo “bom senso” e por padrões de comportamento adquiridos dos mercados. A relação empresarial é muito mais informal do que uma pessoa alheia a esta lógica suporia. Boa parte dos negócios e relacionamentos são mantidos como algo quase pessoal, muito influenciado por expectativas coletivas, por regras não faladas. E, nessa dinâmica, o direito dos contratos seria uma garantia de que a justiça será feita e exigida no caso de quebra dessa confiança.

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