El Salvador!

July 26, 2017 | Autor: Moisés Ponte | Categoría: Latin American Studies, América Latina, Oscar Arnulfo Romero, Igreja Católica, Martirio
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Descripción

Idéias

El Salvador! Dom Oscar Romero, bispo de El Salvador, assassinado há 28 anos. Como discípulo missionário, deu a vida por amor de muitos “A exemplo do homem Jesus, Romero foi um peregrino apaixonado que trilhou pelas tortuosas e obscuras estradas de seu tempo, faminto da vontade de Deus”

Moisés Nonato Quintela Ponte* Hospital da Divina Providência, 24 de março de 1980, logo após a homilia da Eucaristia que celebrava junto a enfermos de câncer, era friamente assassinado Oscar Arnulfo Romero y Gadamez. Morria junto àqueles a quem dedicara sua vida. Nuvens carregadas pairavam nos céus daquela nação, que, por ironia da vida, se chama El Salvador. A terra, por sua vez, encontrava-se encharcada. Não pela chuva, mas pelas lágrimas de um povo que considerava aquele homem um pai, um verdadeiro pastor. Ainda que não reconhecido como tal pela hierarquia da Igreja, foi aclamado mártir da fé por sua gente. Como Jesus, o nazareno, Romero, o salvadorenho de Ciudad de Barrios,

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assumiu livremente o risco da morte. Ambos tiveram um mesmo fim. Um, porém, como mestre; outro, como discípulo. Bem disse Jesus aos que o seguiam em seu tempo: “Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro, me odiou a mim [...] O servo não é maior que seu senhor. Se eles me perseguirem, também vos perseguirão; se guardarem a minha palavra, também guardarão a vossa” (15, 19-20). Marchando nas veredas abertas por tantos outros mártires cristãos, de seu tempo e de outrora, Romero viu cumprir em sua vida as palavras de Jesus, sendo perseguido e morto. Segundo o evangelista João, não há maior prova de amor do que dar a vida por aqueles a quem amamos. Ora, Jesus e Romero foram dois homens que deram suas vidas por amor ao outro.

Logo, o testemunho do amor desses homens é incomensurável, suas vidas são dignas de louvor e admiração. Mas parecia bem outra, por exemplo, a realidade vivida pelos discípulos de Jesus após sua morte. Nenhum deles ousava imaginar que as idéias e o movimento de seu Mestre continuariam. Experimentavam um silêncio fúnebre, sentiam-se inteiramente fracassados. Com a morte de Jesus, morria também a esperança que consigo carregavam. Certamente não foi muito distinta a experiência vivida pelos fiéis salvadorenhos após a morte de dom Oscar Romero. O fel amargo da dor, da desilusão, o sentimento de fracasso, todas essas experiências fazem parte de nossa humana condição. Cedo ou tarde, haveremos de beber desse cálice. Mas humana igualmente é a tentação de negarmos a dor, de passarmos direto para a contemplação do Cristo glorioso, deixando no olvido o Jesus histórico. Obliteramos as incertezas. Não queremos considerar os discípulos como pessoas ambiciosas e covardes. Não podemos aceitar que o próprio Mestre experimentou o medo, que ele não tinha certeza de tudo, não sabia se sua obra daria certo ou não. “Quando o filho do homem voltar, encontrará fé sobre a terra?” (Lc 18, 8). A resposta não é dada, tudo está em suspenso. Se assim aconteceu com o Mestre, com o discípulo não foi diferente, experimentando igualmente em sua vida situações de medo e de incertezas. Muitos são os que aclamam Romero um grande mártir, santo e profeta de nossos dias, sem muito considerar a existência de um homem que teve de duramente encontrar a vontade de Deus em sua vida. Parece absurdo, por exemplo, afirmar que aquele bispo, assassinado no dia 24 de março de 1980, era o mesmo que há apenas três anos assumia a Arquidiocese de

El Salvador, retirando a formação dos seminaristas diocesanos das mãos dos jesuítas, considerados suspeitos de estarem infectados pelo espectro do marxismo. Para evitar confusões, há quem afirme a existência de dois Romeros. Um antes da morte do sacerdote jesuíta Rutílio Grande e outro depois. Será tão simples assim? Por que não o acolher em sua totalidade enquanto pessoa humana? Seus diários e anotações pessoais revelam o quão difícil foi para ele encontrar sua missão. Era como um cego que, às apalpadelas, procurava um caminho a seguir. Sempre mostrou ser uma pessoa idônea, íntegra. Foi a esse Romero que Rutílio amou e foi esse o homem que, com a morte de seu amigo, sentiu-se como nunca iluminado. Um clarão brilhou! Finalmente encontrou o que procurara por longos anos. Como em toda sua vida, não pensou duas vezes, lançou-se no cumprimento de sua missão, dando também sua vida por amor de muitos. A exemplo do homem Jesus, Romero foi um peregrino apaixonado que trilhou pelas tortuosas e obscuras estradas de seu tempo, faminto da vontade de Deus. Este é o seu mérito: o de ter sido, antes de mártir e profeta, humano em sua radicalidade. Haveremos, assim, de amá-lo e admirá-lo inteiramente. Àqueles a quem eram renegados qualquer presente, Romero se tornou dádiva reconfortante. Os poderosos de El Salvador deram morte e tortura ao povo que pedia pão, mas o nosso Deus de ternura não fez o mesmo. Ele deu um salvador ao povo, e o povo conseguiu muito mais do que aquilo que pedia.

*Moisés Nonato Quintela Ponte, SJ estudante de Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, em Belo Horizonte (MG)

20 a 26/3/2008

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